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FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA

DIREITO DO AMBIENTE

Francisco António Bajuca Tomás Catarro, nº 18646

Notas sobre o Procedimento de Avaliação de Impacto


Ambiental

Regência: Professor Doutor Vasco Pereira da Silva

Maio de 2012
Notas soltas sobre o Procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental

Índice
1. Intodução Pág.
3

2. O Procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental

2.1. Noção Pág.


5

2.2. Âmbito de aplicação


Pág. 7

2.3. Funções e finalidades (em especial, a prevenção)


Pág. 8

3. Marcha do Procedimento Pág.


12

4. A força jurídica do Parecer de Avaliação de impacto


Ambiental

4.1. A discussão anterior ao Decreto-Lei 69/2000


Pág. 14

4.2. Face ao Decreto-Lei 69/2000


Pág. 15

4.3. Tomada de Posição Pág.


17

5. Conculsão Pág.
20

6. Bibliografia Pág. 22

2
Notas soltas sobre o Procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental

1. Introdução
O presente estudo pretende fazer uma reflexão sobre alguns traços
do regime jurídico da avaliação de impacto ambiental.

Instituído no nosso ordenamento jurídico primariamente pelo


Decreto-Lei 186/90, de 6 de Junho e por transposição da Directiva nº
85/337/CEE, o procedimento de avaliação de impacto ambiental propunha-
se combater de forma preventiva (logo, não reactiva) as perturbações do
Ambiente, de forma a garantir não apenas a diversidade das espécies e
conservar as características dos ecossistemas enquanto património natural
insusceptível de substituição, mas também proteger a saúde humana e
promover a qualidade de vida dos sujeitos das comunidades (Preâmbulo do
referido Decreto-Lei).

Dez anos volvidos sobre a instituição do regime em Portugal, o


Decreto-Lei 186/90 foi revogado e passou a vigorar o novo regime de
avaliação de impacto ambiental (Decreto-Lei 69/2000). Este novo regime
pretendeu, de acordo com o seu Preâmbulo, atingir sensivelmente os
mesmo objectivos que o anterior e destinou-se a dar seguimento aos
compromissos assumidos pelo Governo português em sede de avaliação de
impacto ambiental (aprovação, pelo Decreto 59/99, de 17 de Dezembro, da
Convenção Sobre Avaliação dos Impactos Ambientais Num Contexto
Transfronteiras, e da Directiva nº 97/11/CE, de 3 de Março de 1997).

Valor consolidado nas sociedades contemporâneas, o Ambiente tem


sido nas últimas décadas objecto de uma cada vez maior tutela e entrou já
inequivocamente na ordem do dia. Exemplo desses dois aspectos são, por

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Notas soltas sobre o Procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental

um lado, a produção legislativa nacional e comunitária em matéria


ambiental, as acções de sensibilização para uma “educação ambiental” (o
incentivo à reciclagem, por exemplo) ou a responsabilidade de entes
públicos e privados por danos ambientais, e, de outra parte, a evolução que
se registou quanto à horizontalidade da inserção da “questão ambiental”
nos programas dos partidos políticos ou a proliferação de notícias de cariz
ambiental evidenciam a ascensão do valor “Ambiente”.

Não é de estranhar então que Portugal tenha instituído um regime


de avaliação de impacto ambiental há já mais de duas décadas. Aliás,
estranho (mas explicável pelo timing da adesão de Portugal à CEE) e
criticável talvez seja apenas o facto de esse regime padecer ainda de uma
considerável juventude.

A importância da avaliação de impacto ambiental para a política


ambiental, bem como as questões jurídicas que o nosso regime suscitou e
continua a suscitar, constituíram o fundamento do interesse para este
estudo. É que, constituindo a avaliação de impacto ambiental um dos
melhores e mais completos mecanismos de protecção e garantia do
Ambiente, sem descurar outros valores da Ordem Jurídica, é de todo o
interesse fazer sobre ela uma reflexão.

Entendeu-se, assim, começar por apresentar umas noções


introdutórias que constituirão o enquadramento necessário à
contextualização do objecto do estudo: noção, âmbito de aplicação, funções
e finalidades do procedimento de avaliação de impacto ambiental. Nelas,
optei não apenas por fazer uma simples conceptualização, mas, outrossim,
problematizar e questionar as soluções que o regime em análise nos parece
oferecer. A título de exemplo, atente-se no âmbito de aplicação do Decreto-
Lei 69/2000, em especial a questão (duvidosa, nos vários sentidos da
palavra) da possibilidade de dispensa de procedimento.

Seguidamente, a marcha do processo. Aparentemente de pouca


relevância prática e não muito propícia a discussões doutrinárias, a
importância da tramitação do procedimento de avaliação de impacto
ambiental é patente. De facto, não será por acaso que o nosso legislador
optou por, neste procedimento em concreto, consagrar uma tramitação
pesada e burocrática. Do meu ponto de vista, apesar de em algumas fases

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Notas soltas sobre o Procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental

do procedimento ser criticável a excessiva preocupação processual, não


terá sido por acaso que a Lei não criou um procedimento simplificado. Diria
mesmo que (tendo consciência do arrojo desta afirmação), foi intenção do
legislador consagrar uma espécie de princípio da tutela do ambiente em
matéria processual. E é com base nessa ideia que me surgem dúvidas
quanto à qualidade da solução legal de possibilidade de dispensa de
procedimento ou de concessão da licença por deferimento tácito.

Por fim, questão da maior pertinência e que fez (e, em parte, ainda
faz) correr rios de tinta entre a nossa Doutrina: a força jurídica do parecer
de avaliação de impacto ambiental. Numa área em que se misturam e
relacionam ainda com maior evidência Direito Administrativo e Direito do
Ambiente, o parecer de avaliação de impacto ambiental dividiu durante
toda a vigência do Decreto-Lei 186/90 a Doutrina portuguesa. Parece-me
que essa discussão teve na sua génese dois pilares: o primeiro (e que fez
nascer o segundo) foi a falta de clarividência da lei; o segundo, a
insistência de alguns autores em tentar pôr em evidência a necessidade de
esse parecer ter carácter vinculativo. O confronto valorativo em causa, bem
como as dúvidas interpretativas que surgiram face ao texto da lei,
originaram um interessantíssimo debate doutrinal que se apaziguou em
2000, data em que o novo regime legal relativo à avaliação de impacto
ambiental veio expressamente consagrar a força jurídica vinculativa do
parecer de avaliação de impacto ambiental.

São estes os factores que estão na génese do meu interesse por este
regime e que me levam a crer estarmos perante um tema da maior
actualidade e importância que, consequentemente, não pode ser
menosprezado.

2. O Procedimento de Avaliação de Impacto


Ambiental

2.1. Noção
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Notas soltas sobre o Procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental

O Procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental é um


procedimento administrativo especial e privativo do Direito do Ambiente
destinado a verificar as consequências ecológicas de projectos públicos e
privados susceptíveis de produzir efeitos significativos no Meio Ambiente
(partilho da opinião cada vez mais generalizada na Doutrina de que não
existem intervenções na Natureza com impacto zero, seja ele positivo ou
negativo). É sensivelmente nestes parâmetros que os arts.º 1º e 2º, e) da
Lei 69/2000 (Regime Jurídico de Avaliação de Impacte Ambiental)
descrevem e conceptualizam este procedimento administrativo.

Desta proposta de noção se pode perceber a ligação umbilical que se


estabelece entre o procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental e o
princípio da prevenção, princípio basilar do Direito do Ambiente cujo
desenvolvimento será feito adiante. Outros princípios, como o princípio do
desenvolvimento sustentável e o princípio do aproveitamento racional dos
recursos disponíveis são também realizados através deste procedimento.
Segundo Vasco Pereira da Silva, o primeiro é concretizado na medida em
que o procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental introduz o “factor
ambiental” na tomada de decisões administrativas, permitindo apreciar a
sustentabilidade ambiental de uma actividade que pode ser relevante em
sede de desenvolvimento económico, enquanto o princípio do
aproveitamento racional dos recursos disponíveis obriga à utilização de
critérios de “eficiência ambiental”, de forma a optimizar a utilização dos
recursos disponíveis, na avaliação da actividade projectada.

De salientar também na proposta de noção de Procedimento de


Avaliação de Impacto Ambiental o facto de este constituir um importante
limite à propriedade privada. Uma vez que do procedimento pode resultar
o não licenciamento de determinado projecto, a coisa só pode ser objecto
das intervenções anteriormente projectadas se e na medida da respectiva
licença. Caso não a obtenha, o proprietário vê, então, uma limitação de
Direito Público recair sobre a coisa de que é proprietário, o que vem
introduzir um “travão” ao carácter absoluto do direito de propriedade. A
admissibilidade deste tipo de limitações ao direito de propriedade advém
da evolução desse instituto: o direito de propriedade deixou de ser
entendido como um direito absoluto e ilimitado e passou a desempenhar
também uma função social. Essa função social legitima a introdução de

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Notas soltas sobre o Procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental

limites ao direito de propriedade, mesmo contra a vontade do seu titular.


Tomemos como exemplo o direito fundamental à habitação (art.º 65º CRP).
A nossa melhor Doutrina Jusfundamentalista (JORGE MIRANDA) considera
que o direito fundamental à habitação é um direito a prestações, de
conteúdo não determinável ao nível das opções constitucionais, a
pressupor, antes, uma tarefa de concretização e de mediação do legislador
cuja efectivadade está dependente da reserva do possível, em termos
políticos, económicos e sociais. Isto traduz a ideia de que, caso não consiga
garanti-lo por intermédio dos seus próprios meios, o Estado pode intervir
na área da habitação, não por intermédio de actos materiais (como por
exemplo a construção de habitações sociais), mas sim atráves da função
social do direito de propriedade, impondo restrições ao proprietário
privado. Assim, LUIS MANUEL TELES DE MENEZES LEITÃO considera
que também o direito à habitação vincula os particulares, chamando-os a
ser solidários com os seus semelhantes (princípio da solidariedade social),
o que explica a função social que a propriedade privada tem que cumprir. E
esta forma de limitação não constitui sequer uma inovação do
procedimento de avaliação de impacto ambiental no nosso ordenamento
jurídico, pois já constava da Constituição da República Portuguesa de 1933.
No que respeita aos seus limites, MENEZES LEITÃO considera que a
função social não pode funcionalizar o direito de propriedade e, como tal,
está limitada pelo instituto do abuso do direito, previsto no art.º 334º do
Código Civil.

Importa ainda, a este propósito, fazer uma pequena abordagem e


aproximação ao conceito de “impacto ambiental”, por força da sua conexão
com todo o objecto deste estudo. Num sentido amplo, entende-se por
impacto ambiental qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e
biológicas do Meio Ambiente, resultante de actividades humanas que,
directa ou indirectamente, sejam susceptíveis de afectar a saúde, a
segurança e bem-estar, as actividades sociais e económicas, a biosfera, os
recursos ambientais, entre outros. Um entendimento estrito, tende a
considerar como impacto ambiental apenas os efeitos da acção humana
sobre o Meio Ambiente, desconsiderando os fenómenos naturais. O
conceito proposto pela lei (DL 69/2000, de 3 de Maio) aproxima-se do
sentido amplo, como se pode inferir do art.º 2º, j). Os impactos ambientais
são susceptíveis de classificações a partir de dois critérios: qualitativo e

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Notas soltas sobre o Procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental

económico. Qualitativamente, os impactos ambientais podem ser positivos


(quando uma acção humana causa uma melhoria de um factor ambiental)
ou nagativos (caso em que uma acção reduz a qualidade de um factor
ambiental), directos (resultado de uma relação de causa e efeito) ou
indirectos (quando são parte de um encadeamento de acções), local (os
efeitos da acçao restringem-se ao local exacto onde ocorreram), regional (o
efeito propaga-se por uma área que é superior à do impacto ambiental
local) ou estratégicos (hipótese em que o bem ambiental afectado tem uma
importância colectiva, seja nacional ou internacional), a curto (os efeitos do
impacto ambiental fazem-se notar logo que ocorrem), médio (situação em
que o impacto ambiental vai produzir efeitos durante um período de tempo
considerável) ou longo prazo (os efeitos do impacto ambiental perduram
pelo tempo), e, por fim, reversíveis (apesar do impacto ambiental
provocado pela acçao, o Meio Ambiente volta ao status anterior à acção) ou
irreversíveis (o impacto ambiental é de tal ordem danoso que torna
impossível a reconstituição da situação pré-existente a esse impacto). O
critério económico apresenta apenas as externalidades para classificar os
impactos ambientais. As externalidades podem, como sabemos, ser
positivas, caso em que foi obtido um benefício externo, ou negativas, às
quais correspondem um custo externo. As externalidades negativas
dependem de um duplo pressuposto: que a actividade de um agente
implique a perda de qualidade de um outo agente e que a referida perda
não seja compensada.

2.2. Âmbito de Aplicação

De acordo com o Professor VASCO PEREIRA DA SILVA, o âmbito de


aplicação deste procedimento pode ser feito de uma perspectiva positiva e
negativa. Assim, a AIA aplica-se a todos os projectos públicos e privados
susceptíveis de produzirem efeitos negativos no Meio Ambiente (art.º 1º/1
DL 69/2000), aos projectos incluídos nos Anexos I e II ao diploma (art.º
1º/3), aos projectos que, por decisão conjunta do membro do Governo
competente na área do projecto em razão da matéria e do membro do
Governo responsável pela área do Ambiente, sejam considerados como
susceptíveis de provocar um impacto significativo no Ambiente (art.º 1º/5)

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Notas soltas sobre o Procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental

e, ainda que em condições específicas, os projectos destinados à defesa


nacional (art.º 1º/6). Em termos negativos, o procedimento de AIA não se
aplica aos projectos destinados à defesa nacional sempre que o Ministério
da Defesa reconheça que o procedimento terá efeitos negativos sobre as
necessidades de defesa nacional (art.º 1º/6).

Questão de capital importância quanto à matéria do âmbito de


aplicação deste regime jurídico é a da dispensa de procedimento, prevista
no art.º 3º. Sumariamente, o procedimento de avaliação de impacto
ambiental tem os seguintes traços característicos: mediante iniciativa do
proponente (através de requerimento devidamente fundamentado- art.º
3º/2) e despacho do Ministro do Ambiente e do Ministro da tutela, o
licenciamento ou autorização podem ser efectuados com dispensa, total ou
parcial, do procedimento de avaliação de impacto ambiental, desde que se
baseie em situações excepcionais e devidamente fundamentadas (art.º
3º/1); a decisão sobre o requerimento de dispensa de procedimento de
avaliação de impacto ambiental é da competência do Ministro do Ambiente
e da tutela, na sequência de parecer da autoridade licenciadora e da
autoridade da avaliação de impacto ambiental (art.º 3º/3, 4, e 7). Assim,
temos que a dispensa do procedimento pode ser repartida em três partes
essenciais: a primeira consubstancia-se com o pedido de dispensa (art.º
3º/1 e 2); a segunda consiste na apreciação do pedido, nos termos dos
números 3 e 4 do artigo 3º; por fim, a decisão (art.º 3º/7, 8 e 10).

Relativamente a esta matéria, o Professor VASCO PEREIRA DA


SILVA levanta duas questões que me parecem de considerar: a primeira
consiste em saber afinal o que se deve entender por “dispensas parciais”,
ou seja, qual o alcance e sentido destas dispensas; depois, a questão das
consideráveis margens de discricionariedade de que a Administração goza
quanto às dispensas.

Acompanhando o entendimento deste Autor, as dispensas parciais


referem-se, não à não observância de alguns dos trâmites do procedimento
(o que até talvez nem fosse uma hipótese de rejeitar, uma vez que, como
será demonstrado a propósito da marcha deste procedimento, se lhe pode
apontar uma excessiva burocratização, que nem sempre é adequada à
prossecução das funções a que a Administração se encontra adstrita), mas
sim à possibilidade de serem emitidas decisões parcialmente favoráveis.

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Notas soltas sobre o Procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental

Quer isto dizer que a lei previu a possibilidade de o pedido ser deferido
mas com a aposição de condições à decisão (favorável), como consta do
art.º 3º/7 e 4.

No que à ampla margem de discricionariedade da Administração


respeita, o Professor alerta para o facto de a lei apenas apontar dois limites
específicos para a decisão de dispensa do procedimento, que são a
necessidade de fundamentação e a existência de circunstâncias
excepcionais. Como sabemos, a actividade administrativa pode ser
vinculada ou discricionária, com maior ou menos amplitude. Uma maior
vinculação da Administração permitirá aos destinatários do acto ter uma
expectativa fundada sobre qual o sentido do acto, mas, por outro lado,
obstará a que, in casu, a Administração possa emitir um acto que
possivelmente melhor prosseguiria o interesse público. A
descricionariedade permite, prima facie, dar resposta à crítica apresentada
a propósito da vinculação da actividade administrativa mas em
contrapartida corre o risco de colocar a Administração numa situação que,
em alguns casos, quase se aproxima da arbitrariedade (admito aqui algum
exagero quanto ao hipotético alcance da discricionariedade, até porque
uma atitude arbitrária por parte da Administração é completamente
inadmissível num sistema administrativo pautado pelos princípios da
separação de poderes e da legalidade, mas foi minha intenção hiperbolizar
as consequências de uma discricionariedade excessiva). Com isto não
quero dizer que a discricionariedade é de rejeitar em todos os casos, muito
pelo contrário, constitui, como afirmei, um mecanismo muito importante
para se garantir que não são tomadas decisões “a régua e esquadro”. No
entanto, verifico que no regime jurídico em análise talvez o legislador
tenha pecado por excesso, pois ficará à apreciação das autoridades
administrativas, por exemplo, concretizar o que se deve entender, em cada
caso concreto, por “situações excepcionais”. É que, salienta o Professor
VASCO PEREIRA DA SILVA, a concretização desse conceito indeterminado
se vai fazer com base num simples requerimento apresentado pelo
proponente e não de acordo com um Estudo de Impacto Ambiental, o que
não me parece admissível. E essa inadmissibilidade é facilmente
perceptível se atendermos aos valores que subjazem ao procedimento de
avaliação de impacto ambiental e que, mediante um simples requerimento,
não serão atendidos porque a Administração entendeu estarmos perante

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“situações excepcionais”, sem que essa consideração seja feita a partir de


um documento com a valência técnica de um Estudo de Impacto Ambiental,
por exemplo.

2.3. Funções e finalidades (em especial, a prevenção)

A acção preventiva, a avaliação das incidências ambientais e a


participação e sensibilização dos cidadãos constituem três dos princípios
fundamentais da política de ambiente e, tendo em conta que a Avaliação de
Impacto Ambiental permite responder simultaneamente a estes três
grandes princípios de política de ambiente, não poderão restar dúvidas
quanto à importância do procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental.

No art.º 4º do DL 69/2000 encontramos os objectivos fundamentais


do procedimento de AIA. Assim e de acordo com 1a alínea a) do referido
artigo, é objectivo deste procedimento fornecer aos órgãos decisórios do
licenciamento dos projectos que são objecto do procedimento informação
integrada dos possíveis efeitos sobre o ambiente natural e social dos
mesmos. Quer isto significar então que a Avaliação de Impacto Ambiental e
o respectivo procedimento têm uma função e finalidade informativos. Na
alínea b) temos a consagração legal de dois princípios fundamentais de
Direito do Ambiente: o princípio da prevenção na primeira parte e, na parte
final, o princípio do desenvolvimento sustentável. Este último tem uma
dupla dimensão, de acordo com VASCO PEREIRA DA SILVA: económica e
jurídica. Na sua dimensão económica, pretende chamar a atenção para a
necessidade de conciliação entre a preservação do Meio Ambiente e o
desenvolvimento económico. Em termos jurídicos, este princípio impõe que
se faça uma ponderação das consequências ambientais de qualquer decisão
jurídica de natureza económica tomada pelos poderes públicos, de tal modo
que, caso os custos ambientais excedam consideravelmente os benefícios
económicos a medida deve ser inválida. Desta forma, o princípio do
desenvolvimento sustentável obriga que os actos de desenvolvimento
económico provenientes de poderes públicos tenham uma fundamentação
ecológica.

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Notas soltas sobre o Procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental

O princípio da prevenção merece maior atenção e detalhe. Este


princípio tem como pano de fundo aquela ideia de senso comum de que
“mais vale prevenir do que remediar”, aplicada ao contexto do Ambiente,
ou seja, traduz-se em que, na iminência de uma actuação humana que
comprovadamente lesará, de forma grave e irreversível, bens ambientais,
essa intervenção deve ser impedida. Neste sentido e uma vez que o
princípio da prevenção tem como finalidade evitar lesões do meio
ambiente, implica um juízo de prognose póstuma relativamente a situações
potencialmente perigosas susceptíveis de colocar em perigo os
componentes ambientais e, assim, permitindo adoptar os meios adequados
a que se não verifiquem ou, pelo menos, a minimizar os seus impactos.
Como salienta o Professor VASCO PEREIRA DA SILVA “O que está aqui em
causa é a tomada de medidas destinadas a evitar a produção de efeitos
danosos para o ambiente, e não a reacção a tais lesões, ainda que a a
prevenção e a repressão possam andar associadas (…) “. São duas as
acepções em que o conteúdo deste princípio pode ser analisado: de uma
perspectiva ampla, o princípio da prevenção procura afastar eventuais
riscos futuros; num sentido restristo, destina-se a evitar perigos imediatos
e concretos. Carla Amado Gomes apresenta algumas concretizações deste
princípio em quatro áreas temáticas distintas: a nível procedimental a
autora refere o art.º 4º, c) DL 69/2000, relativo ao princípio da
participação, como uma tradução da ideia de prevenção, na medida em que
convida os cidadãos a expressarem as suas posições relativamente a
questões ambientais (logo, como a Administração não é nem pode aspirar a
ser omnipresente nem auto-suficiente, terá na participação pública um bom
auxílio a evitar situações de perigo para o meio ambiente através das
informações que os particulares lhe transmitem); a política industrial
obriga à realização, em certos casos, de avaliações de impacto ambiental
como condição prévia do acto autorizativo de licenciamento de implantação
e exploração; ao impor a inclusão, nos currículos escolares, de uma
disciplina ambiental, a política de educação é também um exemplo
concretizador deste princípio, que, desta forma, dá pleno cumprimento ao
disposto nos arts.º 66º/2, g) CRP e 4º, l) da Lei de Bases do Ambiente; por
fim, quanto à política de investigação, a Lei de Bases do Ambiente opera
um incentivo ao estudo relacionado com o ambiente, nomeadamente

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Notas soltas sobre o Procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental

quanto às formas de redução da poluição e minimização dos seus efeitos


nefastos (art.º 4º, f) LBA).

Mas, no que aos procedimentos autorizativos diz respeito (e porque é


sobre um deles que se desenvolve o meu estudo), como se deve fazer
actuar o princípio da prevenção?

A Professora CARLA AMADO GOMES, partindo da regra da


racionalidade das escolhas, da natureza do dano ambiental e não olvidando
que as ponderações estão normalmente a cargo da entidade que mais
próxima se encontra dos problemas (a Administração Pública), apresenta
uma sugestão de resolução desta questão da seguinte forma:

-na certeza do nexo de causalidade entre uma determinada actuação e a


ocorrência de um dano ambiental de consequências irreversíveis, a
actividade lesiva deverá ser proibida ab initio, suspensa ou mesmo
encerrada;

-não existindo a certeza científica sobre o nexo de causalidade entre a


actividade (ou a omissão dela) e a ocorrência de danos irreversíveis para o
Ambiente, a Administração só deverá optar pela proibição na
impossibilidade de adoptar outra solução, ou seja, como medida de última
ratio, concedendo, de acordo com as circunstâncias concretas, autorizações
parciais ou temporárias, e conseguindo assim conciliar interesses
patrimoniais com interesses ambientais (ou seja, aquilo que a autora
parece propor nesta hipótese é que se faça uma harmonização entre o
princípio da prevenção e a máxima da racionalidade).

Prosseguindo a análise ao art.º 4º da Lei 69/2000, temos na alínea c)


a consagração legal do princípio da participação dos particulares na
formação das decisões que lhes respeitem, princípio característico do
procedimento administrativo. É um ditame constitucional (art.º 267º/5
CRP) que é depois objecto de desenvolvimento no Código do Procedimento
Administrativo (art.º 8º CPA). De acordo com o Professor DIOGO FREITAS
DO AMARAL, este direito genérico manifesta-se sob várias formas, de entre
as quais destaca o direito de audiência prévia, o direito de formular
sugestões e de prestar informações à Administração e o direito de
participação popular quando estão em causa interesses de ordem vária,

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Notas soltas sobre o Procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental

entre os quais o Ambiente. A Lei 69/2000 fez então, nesta alínea, o reforço
de tal imposição constitucional e legal.

Por fim, a alínea d) do art.º 4º parece pretender uma dupla função:


por um lado, novamente a ideia de prevenção porque em parte não
pressupõe a existência do dano ambiental; de outra parte, parece propor o
procedimento de avaliação de impacto ambiental a uma acção reactiva em
relação aos resultados (danosos) de uma actividade que outrora havia sido
objecto de avaliação de impacto ambiental favorável.

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Notas soltas sobre o Procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental

3. Marcha do Procedimento

Em termos procedimentais, a avaliação de impacto ambiental é um


procedimento administrativo que se destina à emissão, por parte da
Administração, de um acto autorizativo (licenciamento), que, por sua vez, é
inserido no procedimento administrativo geral, regulado no Código do
Procedimento Administrativo. Os professores Marcelo Rebelo de Sousa e
André Salgado de Matos propõem uma divisão do procedimento
administrativo em três grandes fases: iniciativa, instrução e decisão. É na
segunda fase que são emitidos pareceres, ouvidos os interessados e
elaborados os relatórios do instrutor, pelo que será aqui, nesta fase, que se
enquadra o procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental.

Feito este breve enquadramento teórico, deter-me-ei agora então na


tramitação do procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental. Este
procedimento pode ser repartido por 8 fases distintas. A primeira,
facultativa, consiste na definição do objecto do estudo de impacto
ambiental (arts.º 2º, h) e 11º DL 69/2000). Nesta fase, o proponente pode
apresentar uma proposta de definição do âmbito do Estudo de Impacto
Ambiental (art.º 11º/2) que será posteriormente objecto de uma consulta
institucional (art.º 11º/3), da qual resultará um parecer. Em alternativa,
pode o proponente solicitar a realização de uma consulta pública (art.º
11º/5), sendo depois emitido um relatório pela entidade competente (art.º
11º/6). Em qualquer dos casos, haverá uma deliberação sobre a proposta;
faltando tal deliberação, estaremos perante uma situação de diferimento
tácito (art.º 11º/8). Segue-se a fase da apresentação do Estudo de Impacto
Ambiental (art.º 12º). Aqui, o proponente elabora o Estudo de Impacto
Ambiental (art.º 12º/1), acompanhado do projecto (art.º12/2). O Estudo de
Impacto Ambiental e toda a documentação importante são depois
remetidos para a entidade licenciadora e, assim, inicia-se a terceira fase
deste procedimento: fase de elaboração e apreciação técnica do Estudo de
Impacto Ambiental (arts.º 2º, i) e 13º). Chamada a comissão de avaliação a

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Notas soltas sobre o Procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental

pronunciar-se, deve proferir uma declaração de desconformidade do


Estudo de Impacto Ambiental se ele for, de facto, desconforme e o processo
termina ali (art.º 13º/8), ou, por outro lado, emitir uma declaração de
conformidade do Estudo de Impacto Ambiental (art.º 13º/9). A quarta fase
consiste na participação pública (art.º 14º). Muito importante por força do
Direito da União Europeia, esta fase tem três grandes vértices que se
podem reconduzir à publicitação do procedimento de avaliação de impacto
ambiental (art.º 14º/1, corpo) a pedidos de esclarecimento (art.º 14º/6) e
audiências públicas (art.º 15º), terminado com a emissão de um relatório
da consulta pública (art.º 15º/4). A quinta fase começa com a apreciação
técnica final da avaliação de impacto ambiental (art.º 16º/1), conduz à
elaboração do parecer final do procedimento de Avaliação de Impacto
Ambiental (art.º 16º/1) e culmina na fase subsequente, a qual se
consubstancia na Proposta de Declaração de Impacto Ambiental, pela
autoridade de avaliação de impacto ambiental (art.º 16º/2). A referida
proposta é, posteriormente, objecto de Declaração de Impacto Ambiental
(art.º 17º a 21º).

A declaração será desfavorável e o processo arquivado ou favorável


ou condicionalmente favorável (art.º 17º/1, corpo). Nestas duas últimas
hipóteses, poderá existir deferimento tácito, conforme o disposto no art.º
19 (a questão do deferimento tácito será adiante abordada, mas deixo já
como nota meramente introdutória que discordo desta solução legal). A
oitava e última fase do procedimento verifica-se com a publicitação dos
componentes da Declaração de Impacto Ambiental (arts.º 22º e ss). O
Professor Figueiredo Dias autonomiza a pós-avaliação (arts.º 27º a 31º)
como a última fase deste procedimento mas discordo porque esta, a
acontecer, será já após o fim do acto autorizativo resultante do
procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental (neste sentido, Vasco
Pereira da Silva).

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Notas soltas sobre o Procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental

4. A força jurídica do Parecer de Avaliação de


impacto Ambiental

4.1. A discussão anterior ao Decreto-Lei 69/2000

Até ao ano de 2000, o diploma legislativo que vigorava em sede de


Avaliação de Impacto Ambiental era o Decreto-Lei 186/90. Nos termos do
art.º 5º desse diploma, nada se dizia acerca da força jurídica do parecer
que resultava do procedimento. Tal silêncio da lei originou dúvidas e
divisões entre a nossa Doutrina, que apenas tiveram fim quando o Decreto-
Lei 69/2000 revogou o Decreto-Lei 186/90 e estabeleceu, no art.º 20º, a
vinculatividade do parecer. A dúvida advinha do facto de, no seio do quadro
legal considerado, se tratar de um parecer obrigatório mas não vinculativo

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Notas soltas sobre o Procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental

(arts.º 98º e 99º do Código de Procedimento Administrativo) mas, ainda


assim, haver autores que preconizavam a vinculatividade do parecer.

LUIS FILIPE COLAÇO ANTUNES defendia que, apesar de ter a


modesta natureza jurídica de parecer, este seria materialmente vinculativo
e formalmente não vinculativo (não obstante as limitações decorrentes do
art.º 6º do Decreto-Lei 186/90 e dos arts.º 98º e 99º CPA): formalmente não
vinculativo porque, em face do Decreto-Lei 186/90, resultava evidente esse
carácter; materialmente vinculativo na medida em que, sendo o parecer de
Avaliação de Impacto Ambiental um instrumento de tutela fundamental ao
Ambiente, encontra-se em conexão com a Constituição e, desta forma,
resulta um necessária vinculabilidade material, chegando mesmo o autor a
sugerir a aplicação dos artsº 17º e 18º da Constituição da República
Portuguesa como forma de reforçar a tutela do próprio direito ao ambiente
(art.º 66º CRP). O carácter vinculativo estender-se-ia a todas as situações
possíveis porque, na medida em que o parecer constitui um acto
discricionário objectivo, onde a possibilidade de escolha praticamente não
existe, o órgão da Administração com competência decisória não poderia
desatendê-lo, sob pena de ilegalidade. O entendimento deste Autor admitia
apenas uma excepção: em casos de juízos de prognose ou de pluralidade de
pareceres divergentes, poderia a Administração não se sentir vinculada à
avaliação técnica previamente efectuada.

JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO, por sua vez, considerava, em


tese geral, o parecer não vinculativo. Mas, quando a decisão final era no
sentido desfavorável, o resultado do procedimento já deveria ser
vinculativo, não podendo o projecto ser aprovado ou licenciado, “(…) sob
pena de estarmos perante um inútil expediente dilatório”.

MARIA DA GLÓRIA GARCIA, por seu turno, criticava o entendimento


preconizado por Colaço Antunes, por considerar que o parecer técnico é
não vinculativo (art.º 98º CPA) e que admitir outra solução seria
equivalente a despojar o órgão decisório que aprova o projecto de qualquer
capacidade de intervenção autónoma no procedimento.

Como vemos, não era pacífica a consideração da Doutrina sobre esta


matéria. E a importância de tal discussão resultava dos efeitos que
adviriam dos diferentes entendimentos: se se considerasse que se trataria

18
Notas soltas sobre o Procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental

de um mero parecer (com a respectiva não vinculatividade), então tal acto


opinativo seria insusceptível de impugnação contenciosa; sendo
vinculativo, este “acto opinativo” seria uma verdadeira decisão, um acto
decisório, e, como tal, impugnável autonomamente, já que seria susceptível
de lesar interesses dos particulares (art.º 268º/4 CRP e art.º 120º CPA).
Acompanho aqui a proposta de solução desta controvérsia que o Professor
VASCO PEREIRA DA SILVA sugere, uma vez que me parece ser o
entendimento que se debruça sobre o problema da forma correcta, ou seja,
partindo das premissas de onde se deveria realmente ter partido para
chegar a uma conclusão razoável.

4.2. Face ao Decreto-Lei 69/2000

O Decreto-Lei 69/2000 veio encerrar a discussão que o antecedeu


sobre a força jurídica da decisão de impacto ambiental. Agora, a lei
esclarece que a decisão de Avaliação de Impacto Ambiental é vinculativa
(arts.º 17º a 20º).

De acordo com o artº 17º/1, existem três tipos de decisão de impacto


ambiental: favorável, condicionalmente favorável ou desfavorável. O acto
de licenciamento apenas pode prosseguir nos dois primeiros tipos de
decisão e ainda em caso de diferimento tácito (art.º 20º/1), situação que
provém da lei anterior. Assim, temos três situações em que, no que a um
nível externo diz respeito, a entidade licenciadora se encontra vinculada a
respeitar o conteúdo da decisão de impacto ambiental, porque susceptível
de produzir efeitos lesivos.

Deste modo, impõe-se questionar quais os efeitos jurídicos de um


acto contrário à decisão de impacto ambiental. A regra geral do nosso
direito quanto à invalidade dos actos administrativos é a anulabilidade
(art.º 135º CPA) e estes, como se sabe, são normalmente eficazes,
tornando-se inimpugnáveis após decorrido um determinado período
temporal (arts.º 136º/1 e 141º CPA). Os actos nulos, por seu turno, não
produzem quaisquer efeitos e a sua nulidade pode ser arguida e declarada
a todo o tempo (arts. 133º e 134º CPA). O Professor Figueiredo Dias chama
a atenção para o facto de que, como apenas é aplicável o regime da

19
Notas soltas sobre o Procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental

nulidade aos actos a que falte algum ou alguns dos seus elementos
essenciais (art.º 133º/1 CPA), só porque o legislador consagrou no art.º
20º/3 do Decreto-Lei 69/2000 a nulidade dos actos praticados com
desrespeito pelo parecer é que é de aplicar o regime da nulidade. Mas
quando o projecto considerado depender de licenciamento ambiental, nos
termos do Decreto-Lei 194/2000, de 21 de Agosto, haverá uma dupla
consideração prévia das incidências ambientais de um projecto.

Portanto, o ponto da situação actual é o seguinte: o parecer


resultante do procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental é
vinculativo quando negativo; sendo favorável ou condicionalmente
favorável, a Declaração de Impacto Ambiental apresenta-se à entidade
licenciadora como um parecer, não vinculativo, mas outrossim um parecer
conforme favorável. A decisão impede uma autorização ou licenciamento
positiva no caso de ser negativa, não obrigando, no caso de ser positiva, a
entidade licenciadora ou competente para a autorização a responder
positivamente ao proponente, pois esta autoridade poderá emitir uma
decisão de indeferimento com base em qualquer outro dos parâmetros que
lhe cumpra avaliar.

Uma vez atingida esta conclusão, não resisto a fazer aqui um


pequeno desvio além-fronteiras para dar conta de um aresto que opôs a
Comissão das Comunidades Europeias ao Estado Português, em 2006. O
caso sub júdice consistiu numa acção por incumprimento proposta pelo
órgão comunitário por uma pretensa violação, pelo Estado de Portugal, da
Directiva 92/43 do Conselho (Directiva “Habitats”), uma vez que foi dada
execução a um projecto de auto-estrada cujo traçado atravessava a Zona de
Protecção Especial de Castro Verde, contra o Estudo de Impacto Ambiental
negativo.

Já foi feita referência à ampla margem de discricionariedade de que


a Administração goza no que respeita à concretização de conceitos
indeterminados como as “circunstâncias excepcionais” de que depende a
dispensa de procedimento de avaliação de impacto ambiental. Também o
Decreto-Lei 140/99, de 24 de Abril (que opera a transposição da Directiva
92/43 do Conselho) deixa enormes dúvidas ao intérprete-aplicador, sobre
quem, quando e como proceder à avaliação de incidências (arts.º 8º, 9º e
10º desse Diploma). Talvez tenha sido com base nessa ampla margem de

20
Notas soltas sobre o Procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental

discricionariedade que é concedida à Administração quanto à


concretização de conceitos indeterminados que constam destes dois
Decretos-Lei que o Estado Português decidiu em determinado sentido. Num
caso semelhante e no que toca à autorização de um plano ou projecto que
comprovadamente terá efeitos negativos nos habitats, o então Tribunal de
Justiça das Comunidades Europeias veio estabelecer dois critérios (depois
delimitados pela negativa no “nosso” caso) para a possibilidade de
autorização dos mesmos: “Por força do artigo 6.°, n.° 3, da Directiva
92/43, uma avaliação adequada dos efeitos do plano ou do projecto
sobre o sítio em questão implica que, antes da sua aprovação, sejam
identificados, tendo em conta os melhores conhecimentos científicos
na matéria, todos os aspectos do plano ou do projecto que possam,
por si sós ou em conjugação com outros planos ou projectos, afectar
os objectivos de conservação desse sítio.”; “As autoridades nacionais
competentes (…) só autorizam essa actividade desde que tenham a
certeza de que esta é desprovida de efeitos prejudiciais para a
integridade desse sítio. Assim acontece quando não subsiste
nenhuma dúvida razoável do ponto de vista científico quanto à
inexistência de tais efeitos.”. Em comentário ao Acórdão C- 239/04,
CARLA AMADO GOMES refere que não é intenção do Tribunal de Justiça
substituir-se ao legislador comunitário no gizar do procedimento de
avaliação de impacto ambiental quando esteja em causa um projecto que
incida sobre uma Zona Especial Protegida, mas sim estabelecer parâmetros
de orientação do decisor.

A meu ver, Portugal não cumpriu com todas as suas obrigações no


caso em análise. A exigência de ponderação e estudo aprofundado das
alternativas existentes ao projecto ou acção afecto a uma Zona Protegida
Especial que é feita no Decreto-Lei 140/99 pretende incentivar uma
postura preventiva da parte do decisor público que se não coaduna com o
sentido da decisão do Estado de Portugal. Não olvidando que o decisor
público se encontra adstrito, em qualquer decisão, a um conjunto de
ponderações valorativas que nem sempre são fáceis de conjugar, diria que
o carácter ameaçado e irreversível dos bens jurídicos ambientais que se
pretendem tutelar com este regime jurídico se deveria sobrepor a outros
interesses (económicos, sociais, turísticos, etc) que tenham estado na base
da decisão de autorização do projecto referido.

21
Notas soltas sobre o Procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental

4.3. Tomada de posição

Como já referi, a inovação legal no que diz respeito à força jurídica


da decisão de impacto ambiental veio oferecer alguma estabilidade às
dúvidas que existiam à luz do anterior regime. De facto, ao consagrar a
nulidade dos actos posteriores desconformes à decisão (art.º 20º/3), o
nosso legislador veio consagrar a vinculatividade do parecer. Como tal, e
porque mesmo que discordando das soluções legais, o intérprete deve
sempre presumir que o legislador consagrou a melhor solução (art.º 9º/3 do
Código Civil), não me proponho neste ponto refutar as considerações que
actualmente se têm como pacíficas neste aspecto, mas sim fazer uma breve
análise crítica e comparativa de ambos os regimes.

Na lição de MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE


MATOS, os pareceres “(…) consistem em opiniões formuladas por
especialistas nas matérias sobre as quais incidem ou por órgãos
administrativos consultivos”. Portanto, os pareceres traduzem as opiniões
de entes especializados em matérias várias sobre as quais a Administração
tem que decidir, tem que emitir um acto. Daí que a solução preconizada
pelo CPA (obrigatoriedade mas não vinculatividade) seja, do meu ponto de
vista, correcta: na medida em que a Administração não tem nem pode ter
conhecimentos técnicos bastantes para emitir actos sobre matérias cuja
especificidade implica um conhecimento profundo, é razoável que, de
acordo com as vinculações a que se encontra adstrita toda a sua actividade
(dever de boa administração, prossecuação do interesse público, princípio
da lelagidade, entre outros), a lei obrigue a Administração a receber tais
conhecimentos daqueles sujeitos cujo saber e competência técnica são
fundamentais à prática do acto.

Os pareceres vinculativos são muito raros, como referem os Autores


acima mencionados, o que faz com que o Decreto-Lei 69/2000 seja uma
excepção à regra. E porque será? Porquê a decisão de impacto ambiental a
vincular a entidade licenciadora no caso de ser desfavorável ao projecto
apresentado pelo proponente?

22
Notas soltas sobre o Procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental

Julgo que é na ponderação desta questão que encontraremos a ratio


da solução legal preconizada e das divergências na Doutrina ao abrigo do
anterior regime. Ao debruçar-se sobre este assunto (referindo-se
expressamente à discussão anterior ao Decreto-Lei 69/2000), o Professor
VASCO PEREIRA DA SILVA advoga que a discussão enfermava de um
errado ponto de partida, que desvalorizava o procedimento administrativo
e se fixava quase exclusivamente na figura do acto administrativo. E tal
crítica funda-se, segundo o entendimento do Autor, no facto de a decisão de
impacto ambiental ser um acto administrativo que é pressuposto de um
futuro acto licenciador, sendo estas duas formas de actuação administrativa
dependentes uma da outra e inseridas num procedimento administrativo
complexo e faseado, consubstanciado-se a decisão de impacto ambiental
numa decisão jurídica de ponderação de interesses (os custos e benefícios
de uma determinada actividade em função de parâmetros ambientais). De
facto, partilho da opinião de que hiperbolizar e sobre-enfatizar a figura do
acto administrativo em detrimento do procedimento é um enquadramento
inadequado da questão, sobretudo se atendermos à circunstância de o acto
depender directamente do procedimento, pelo que a preponderância deve
ser dada ao procedimento e não exclusivamente ao acto, que sem aquele
não tem como existir.

Mas voltando à questão que levantei, quais terão sido os objectivos


pretendidos pelo nosso legislador com esta formulação legal? Tendo em
conta a raridade dos pareceres vinculativos, que valores se terão feito
sobrepor à regra geral consagrada no CPA?

Do meu ponto de vista, só a especificidade técnica das matérias que


são objecto dos pareceres, quando aliada à axiologia inerente à matéria em
si, pode justificar a derrogação do regime geral da força jurídica dos
pareceres. E afirmo-o porque a entidade com competência decisória final é
uma entidade administrativa, não a entidade emissora do parecer (que até
poder ser uma entidade particular que nem sequer integre a Administração
em sentido orgânico, com as consequentes implicações que a
vinculatividade desse mesmo parecer teria, por exemplo, ao nível do
princípio da legalidade) e, assim, só um interesse de relevo superior poderá
ser objecto de um tratamento especial neste aspecto. O Ambiente é esse
interesse, o Ambiente é um bem jurídico suficientemente importante para

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Notas soltas sobre o Procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental

ser alvo de tal consideração. Isto porque, como ensina o Professor VASCO
PEREIRA DA SILVA, numa sociedade que se quer cada vez mais evoluída
(em termos económicos, culturais, medicinais, tecnológicos, sociais, etc),
há que procurar evitar repetir os erros do passado em matéria ambiental.
Deste modo, a atribuição de força jurídica vinculativa à decisão de impacto
ambiental negativa reflecte a preocupação do nosso legislador em tutelar o
bem jurídico ambiente (o carácter não vinculativo da decisão favorável ou
condicionalmente favorável tutela-o igualmente: na medida em que a
Administração recebe o aval quanto à “questão ambiental” com o parecer
favorável, pode não se preocupar com esse problema e fazer uma
ponderação com outros interesses que estejam em jogo e decidir o não
licenciamento do projecto que foi objecto do procedimento de avaliação de
impacto ambiental). Até porque, numa análise que parta de uma
perspectiva económica, é imperativo ao legislador consagrar soluções que
permitam tutelar o ambiente como forma de garantir a subsistência da
Economia, ou seja, num discurso não tão protectivo do ambiente, o
legislador deve garantir o ambiente como meio para atingir o fim
económico. De facto, não podemos esquecer que o ambiente, enquanto bem
em sentido económico, é um elemento essencial da economia, não há como
contornar essa situação: o ambiente é o espaço físico onde se desenvolve a
economia; o ambiente é produtor de bens e serviços em carácter de
exclusividade; o ambiente produz bens cuja finitude obriga a filtrar a sua
utilização, entre outros exemplos que se poderiam aqui apresentar. Tudo
junto, é minha convicção que não pode o nosso legislador (e, numa fase
posterior, o intérprete-aplicador) descurar a tutela ambiental em momento
algum, por força da quase (ou mesmo!) omnipresença do ambiente nas
mais variadas situações das comunidades.

Tais considerações fazem-me discordar, em parte, do regime do


deferimento tácito previsto no art.º 19º do Decreto-Lei 69/2000. Creio que
foi objectivo do legislador evitar que a entidade competente para a emissão
do parecer bloqueasse todo o procedimento com a sua não pronúncia, mas
a solução não me parece ser a mais adequada. Porque, apesar de sancionar
a inércia da Administração em favor do particular que propôs o projecto a
apreciação, a tutela do Ambiente parece ficar algo despida, o que carece de
ponderação. Imagine-se, por exemplo, a situação em que, apesar do
deferimento tácito, o parecer, a ser emitido em tempo útil, seria

24
Notas soltas sobre o Procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental

desfavorável. O resultado de uma situação como a descrita é o desrespeito


pelo Ambiente apenas e só pela inércia da Administração, daí que, creio,
poderia o nosso legislador ter encontrado uma solução diferente que fosse
capaz de tutelar simultaneamente os interesses ambiental e dos
particulares.

5. Conclusão

A pequena abordagem que realizei a alguns pontos do regime de


avaliação de impacto ambiental trouxe-me algumas dúvidas e certezas.

No que respeita ao primeiro ponto deste estudo, creio ter ficado bem
vincada a importância deste procedimento quanto à tutela do Ambiente. A
acção preventiva, a avaliação das incidências ambientais e a participação e
sensibilização dos cidadãos constituem três dos principais fundamentos da
política do Ambiente e, na medida em que a avaliação de impacto
ambiental permite dar resposta em simultâneo a estes três grandes
princípios de política do Ambiente, não poderão restar dúvidas quanto à
relevância desta matéria. Expressão disso é também a revisão legal que foi
feita (do Decreto-Lei 186/90 para o Decreto-Lei 69/2000), com o intuito de
melhorar a resposta das entidades públicas à defesa do Meio Ambiente.
Uma lógica de solidariedade intergeracional e de desenvolvimento
sustentável a isso nos conduz e impõe-se a outros interesses que possam
contrapor-se ao interesse ambiental.

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Notas soltas sobre o Procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental

A tramitação é algo complexa e os efeitos dessa complexidade não


são, necessariamente, positivos. Como entende o Professor VASCO
PEREIRA DA SILVA, faz-se intervir neste procedimento um elevado número
de entidades administrativas (art.º 5º), cuja participação no procedimento
é, em alguns casos, a de um mero expectador: a autoridade licenciadora
tem o seu escopo de actuação praticamente limitado a receber a
documentação relevante para a emissão do acto; por outro lado, a
repartição, em três níveis, da cadeia decisória (comissão de avaliação,
autoridade de avaliação de impacto ambiental e Ministro do Ambiente),
para além de tornar o procedimento moroso e muito burocrático, nutre-o
de uma ampla margem de discricionariedade dos órgãos do topo da cadeia
(sobretudo do Governo) que nem sempre se revela útil a uma boa
administração.

Por fim, a força jurídica da decisão de impacto ambiental. De todo o


estudo que realizei para este trabalho, fiquei com a convicção de que a
comunidade jurídica em nada ganhava com a dúvida deixada no ar pelo
nosso legislador sobre a força jurídica do parecer no Decreto-Lei 186/90.
As minhas críticas e discórdia pela opção da não vinculatividade da decisão
já foram mencionadas em sítio próprio e não vou repeti-las. Aquilo que
saliento aqui é que, qualquer que tenha sido a opção do legislador no
Decreto-Lei 186/90 (vinculatividade ou não vinculatividade do parecer), ela
deveria ter sido inequívoca, sob pena de se gerar toda uma indesejável
incerteza. E a controvérsia gerou-se porque, de facto, a matéria em causa é
da maior importância e não poderia passar despercebida uma questão tão
importante como a força jurídica da decisão de avaliação de impacto
ambiental: não só pela questão da impugnabilidade autónoma do acto mas
também pela desprotecção que tal indefinição legal provoca na tutela do
meio ambiente. No fundo, afigurava-se como paradoxal os objectivos
tutelares do bem jurídico ambiente com a transposição do Direito
Comunitário deste regime da Avaliação de Impacto Ambiental e as dúvidas
que o nosso legislador deixou no ar relativamente à força jurídica do
parecer, com as inerentes consequências em sede de tutela do ambiente.

Confesso então o meu agrado em relação à opção expressa pelo


legislador no Decreto-Lei 69/2000: por um lado porque pôs fim à
divergência que se formou no seio da nossa Doutrina; por outro, porque, ao

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Notas soltas sobre o Procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental

definir a força jurídica do parecer, o legislador optou pela via que, me


parece, melhor tutelar o Ambiente, ou seja, a opção pela vinculatividade do
parecer desfavorável é aquela que oferece uma tutela superior ao
Ambiente. Não significa isto que já tudo esteja feito e que não se apontem
ainda críticas a este regime. Fiz em local oportuno referência ao meu
cepticismo em relação ao deferimento tácito relativo ao parecer e, de facto,
receio que a nossa Administração, lenta e ainda com algumas heranças
burocráticas de um sistema administrativo de tipo francês, possa, com a
sua inércia, desproteger a tutela ambiental desta forma. Não é a mim que
cabe fazer considerações sobre o que deve então ser feito sobre este
problema (isto se o deferimento tácito neste âmbito constitui um
problema), esse papel é entregue à Doutrina e ao legislador, mas talvez
uma descomplexização do procedimento através da redução do número de
entidades envolvidas e um qualquer mecanismo que force a entidade
competente a emitir o parecer (independentemente do seu conteúdo
favorável ou desfavorável) constituíssem o um bom ponto de partida.

De salientar ainda e por fim o Acórdão C- 239/04, cujo conteúdo foi


desfavorável ao Estado Português. Este caso em concreto é expressão das
reservas que fiz em relação à margem de discricionariedade que o Decreto-
Lei 69/2000 confere à Administração quanto a alguns pontos do regime,
nomeadamente no que respeita à concretização de conceitos
indeterminados, que esteve na origem do processo em consideração. Por
força da axiologia que se encontra subjacente à temática do ambiente, o
nosso legislador ambiental deveria ser mais restritivo em relação às
concessões que empresta ao decisor público e, noutro plano, talvez devesse
a nossa jurisprudência interpretar o Direito do Ambiente num sentido mais
tutelar.

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Notas soltas sobre o Procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental

6. Bibliografia

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