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cirurgia de cabeça e pescoço – otorrinolaringologia – cirurgia torácica

volume 4

cirurgia de cabeça e pescoço


otorrinolaringologia
cirurgia Torácica
CIRURGIA DE CABEÇA E PESCOÇO

Bruno Peres Paulucci


Carlos Eduardo Levischi Júnior
Rodney B. Smith
CAPÍTULO

1
Esvaziamentos cervicais
Alexandre Bezerra dos Santos / Christiana Maria Ribeiro Salles Vanni / Rodney B. Smith

dais tinham um caráter “descendente”, e, com isso, criou-se


1. Introdução e histórico uma classificação dos níveis linfonodais cervicais, tornando-
Denomina-se esvaziamento cervical o procedimento -se a classificação-padrão utilizada até hoje, a saber:
cirúrgico por meio do qual é retirado todo o tecido fibro- - Nível I: submandibular;
conectivo da região que compreende uma determinada - Nível II: jugulocarotídeo alto;
cadeia linfonodal, com finalidade terapêutica. Passou a ter - Nível III: jugulocarotídeo médio;
importância com o conhecimento da história natural dos - Nível IV: jugulocarotídeo baixo;
tumores do segmento cervicofacial, uma vez que se obser-
vavam metástases linfonodais para localizações específicas
- Nível V: posterior.
apresentadas por determinados tumores, e que um tra- Ressalte-se que o procedimento dito esvaziamento cer-
tamento cirúrgico completo se dá pela retirada do tumor vical radical clássico, tal como proposto inicialmente por
e seus possíveis sítios de metástases. Obviamente, todas Crille, consiste na ressecção em bloco de todos os 5 níveis
essas considerações são válidas para tumores que têm, ca- linfonodais, em conjunto com o MECM, NCX e VJI.
racteristicamente, a capacidade de cursar com metástases No entanto, observou-se que os pacientes submetidos a
linfáticas. essas cirurgias apresentavam sequelas, principalmente de-
Curiosamente, o 1º autor a descrever os vasos linfáti- vido à lesão do nervo espinal acessório (XI par craniano, res-
cos foi Aselli, em 1622, ao dissecar cães após refeições e ponsável por inervar o músculo trapézio), que acarretava
observar vasos linfáticos mesentéricos. Porém, o 1º tratado uma “queda” do ombro ipsilateral, dor crônica pela disten-
moderno sobre o sistema linfático humano foi feito somen- são muscular e dificuldade à elevação do membro superior,
te em 1932, por Rouvière, que classificou os linfonodos de tornando os indivíduos incapacitados de realizarem ativida-
acordo com a sua topografia. de profissional de carga, por exemplo. Esta observação as-
Até meados do século XIV, a presença de metástase sociada ao raciocínio de que o NCXI, a VJI e o MECM não são
cervical constituía sinônimo de incurabilidade, e algumas estruturas linfáticas e, portanto, podem ser preservadas
tentativas de ressecção cirúrgica foram feitas sem sucesso. se não estiverem acometidas, levou ao desenvolvimento
Em 1888, foi realizada a 1ª publicação de um esvaziamen- dos esvaziamentos cervicais modimodificados. Iniciou-se,
to cervical, na Polônia. No entanto, o verdadeiro difusor do então, o estudo de outras formas de esvaziamento cervi-
procedimento cirúrgico foi G. W. Crille, em 1905, que utili- cal que preservassem estruturas não linfonodais (MECM,
zou os conceitos de ressecção “em bloco”, propostos por NCXI e VJI), e estes esvaziamentos (esvaziamento cervical
Halsted para cirurgias de mama, e realizou uma grande sé- radical modificado ou “funcional”), em tese, preservariam
rie de esvaziamentos cervicais. A cirurgia consistia na remo- a função do membro superior. Vale salientar que o esvazia-
ção de toda a cadeia linfonodal cervical, em conjunto com o mento cervical radical modificado implica, por definição, a
músculo esternocleidomastóideo (MECM), o nervo espinal remoção de todos os 5 níveis linfonodais (por isso, radical),
acessório (NCXI) e a Veia Jugular Interna (VJI), num procedi- porém, com preservação de 1 ou mais das estruturas não
mento até hoje denominado “esvaziamento cervical radical linfonodais.
à Crille”. Esses conceitos foram amplamente sedimentados Com o avanço das outras modalidades terapêuticas
por Hayes Martin, em 1951, com a publicação de 1.450 ca- para esses tumores, no final do século XX, foi observado
sos operados, consolidando, definitivamente, as indicações que nem todos os pacientes teriam a necessidade de serem
e a técnica. submetidos à remoção de todos os 5 níveis linfonodais cer-
Na década de 1930, um importante estudo foi realizado vicais, em especial para casos mais precoces. Desta forma,
no Memorial Hospital, em Nova Iorque, a partir de tumores criou-se outra modalidade de esvaziamento cervical, dessa
malignos de boca, onde se notou que as metástases linfono- vez com a preservação de estruturas linfáticas, ou seja, re-

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CI RUR G I A D E C A B E ÇA E P E S CO ÇO

tirada apenas dos níveis linfonodais que são, em geral, os 3 O esvaziamento cervical é um procedimento que exi-
primeiros níveis de drenagem, a depender da localização do ge, por parte do cirurgião, grande conhecimento anatômi-
tumor primário. São os chamados esvaziamentos cervicais co do pescoço, pois os limites entre os diversos níveis, e
seletivos, ou parciais. Em outras palavras, são cirurgias mais mesmo os limites da própria cirurgia, estão baseados em
econômicas, realizadas em pacientes que não têm evidên- referências anatômicas. Na literatura de língua inglesa,
cia de metástases linfonodais macroscópicas. Por exemplo: o procedimento é denominado neck dissection, ou seja,
em casos de carcinomas de cavidade oral, sem apresenta- dissecção cervical. Porém, também exige do cirurgião um
rem sinais de metástases linfonodais, o esvaziamento com- conhecimento específico das neoplasias das vias aerodi-
preenderá apenas os níveis I, II e III, que são a 1ª estação gestivas altas, com o propósito de saber quais são as in-
de drenagem linfática. Não são, portanto, esvaziamentos dicações específicas para cada tumor. Assim, trataremos
radicais, porque não implicam a remoção dos 5 níveis. É do assunto de 2 maneiras: com base na anatomia e nos
importante salientar que isso é válido para casos em que o princípios oncológicos.
pescoço é negativo, ou seja, quando não há evidências de
metástase, e que, se durante o ato operatório for detecta- 2. Anatomia do pescoço – níveis
da a presença de metástases, passa-se a ampliar o esvazia- Como dito, a partir dos anos 1930, classificaram-se os
mento, tornando-o radical. linfonodos cervicais em níveis de 1 a 5, de cada lado. Grosso
Por meio dos conhecimentos de linfonodo sentinela e modo, o nível I é o submandibular, os níveis II, III e IV são os
com o avanço dos tratamentos adjuvantes (quimioterapia jugulocarotídeos, e o nível V é o posterior.
e radioterapia), isso evoluiu para uma nova modalidade, os Obviamente, cada nível tem seus limites anatômicos
chamados esvaziamentos “superseletivos”, em que é remo- próprios, a saber:
vida apenas a 1ª estação de drenagem. Essa modalidade - Nível I - submandibular:
não obteve, até o momento, aceitação universal e não faz
• Superior: borda inferior da mandíbula;
parte da maioria dos protocolos de conduta dos serviços
nacionais. Mesmo porque, em cabeça e pescoço, a técnica • Inferior: ventre anterior do músculo digástrico;
de linfonodo sentinela não se aplica, uma vez que sempre o • Medial: linha média;
tecido inicialmente corado são os linfonodos intraparotíde- • Lateral: ventre posterior do músculo digástrico.
os, quase nunca doentes.
- Nível II - jugulocarotídeo alto:
• Superior: base do crânio, forame jugular;
• Inferior: bulbo da carótida;
• Posterior: borda posterior do MECM;
• Anterior: linha média.
- Nível III - jugulocarotídeo médio:
• Superior: bulbo da carótida;
• Posterior: borda posterior do MECM;
• Inferior: músculo omo-hióideo;
• Anterior: linha média.
- Nível IV - jugulocarotídeo baixo:
• Superior: músculo omo-hióideo;
• Inferior: borda superior da clavícula;
• Posterior: borda posterior do MECM;
• Anterior: linha média.
- Nível V - trígono posterior:
• Anterior: toda a borda anterior do MECM;
• Posterior: borda anterior do músculo trapézio;
• Superior: inserção do MECM no processo mastói-
deo;
• Inferior: borda superior da clavícula (fossa supracla-
Figura 1 - Drenagem linfática cervical vicular).

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ESVAZIAMENTOS CERVICAIS

Deve-se notar que o nervo cervical XI, devido à sua im-


portância funcional, passou a ser divisor de 2 níveis, uma
vez que ele sai do crânio no forame jugular, junto com a VJI
e a artéria carótida interna, e cruza o pescoço nos sentidos

CIRURGIA DE CABEÇA E
lateral e inferior, até a sua inserção no trapézio. Ele cruza

PESCOÇO
o nível II (em sua porção medial ao MECM), passa pelo in-
terior do MECM, para então cruzar o nível V, posterior ao
MECM, dividindo esses níveis.
Conforme o conceito de metástases linfonodais foi sen-
do aplicado também para neoplasias malignas da glândula
tireoide, houve a inclusão de outros 2 níveis, a saber:
- Nível IV – recorrencial, devido à presença do nervo
laríngeo recorrente, posterior à glândula tireoide – li-
mites:
• Medial: traqueia;
• Lateral: carótida;
• Superior: inserção da musculatura pré-tireoidiana;
• Inferior: borda superior do esterno.
- Nível V – mediastinal superior – limites:
Figura 2 - Anatomia cervical • Superior: borda superior do esterno;
• Inferior: vasos da base.
Em 2006, o Committee for Head and Neck Surgery and
American Academy of Otolaryngology-Head and Neck Esses 2 níveis também são chamados, em conjunto, de
Surgery fez uma revisão dos níveis linfonodais, com subdivi- compartimento central, já que estão na porção central infe-
sões em 3 desses níveis: rior do pescoço.
- Nível I – passou a ser dividido pelo ventre anterior do
digástrico:
• IA: submentoniano;
• IB: submandibular.
- Nível II – passou a ser dividido pelo NCXI:
• IIA: subdigástrico;
• IIB: suprarretroespinal.
- Nível III – passou a ser dividido, também, pelo NCXI:
• VA: cervical transverso;
• VB: supraclavicular.

Figura 4 - Compartimento central

3. Classificação
Podem-se classificar os esvaziamentos cervicais de acor-
Figura 3 - Níveis cervicais do com 2 critérios: quanto à extensão e quanto à indicação.

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CI RUR G I A D E C A B E ÇA E P E S CO ÇO

A - Quanto à extensão terminadas localizações do pescoço. Por exemplo, para tu-


mores na musculatura do soalho da boca, pode-se fazer um
a) Esvaziamentos radicais esvaziamento do nível I para melhor abordagem da região.
Compreendem a retirada de todos os 5 níveis linfono- Outro caso comum é o esvaziamento dito infraomo-hióideo
dais e podem ser subdivididos em 3 tipos: (ou seja, nível IV) para a realização do tempo cervical de
- Radical clássico: retirada dos 5 níveis linfonodais, em esofagectomias.
conjunto com a VJI, o NCX e o MECM;
- Radical modificado: retirada dos 5 níveis linfonodais, 4. Estadiamento de metástases
porém com preservação de 4 ou mais estruturas ditas
não linfonodais;
linfonodais – N
- Radical ampliado (ou estendido): implica a ressecção, As chamadas neoplasias de vias aerodigestivas altas,
além dos 5 níveis, de 1 ou mais estruturas que não são que compreendem todas as regiões da cabeça e do pesco-
parte dos esvaziamentos convencionais, como pele ço (cavidades oral e nasal, faringe – naso, oro e hipo – e
cervical, musculatura do soalho da boca, nervo hipo- laringe – supraglótica, glote e infraglótica), apresentam um
glosso ou vago etc. estadiamento linfonodal em comum:
- NX - linfonodos não avaliáveis;
b) Esvaziamentos parciais ou seletivos - N0 - ausência de metástases linfonodais;
Compreendem a retirada de alguns níveis linfonodais es- - N1 - presença de um linfonodo acometido, menor do
pecíficos, para pacientes com pescoço negativo, por exemplo: que 3cm;
- Esvaziamento supraomo-hióideo: consiste na remo- - N2A - presença de um linfonodo acometido, entre 3
ção dos níveis I, II e III, ou seja, acima do músculo omo- e 6cm;
-hióideo, indicado para tumores de cavidade oral N0; - N2B - presença de mais de 1 linfonodo acometido, ip-
- Esvaziamento jugulocarotídeo: consiste na remoção silateral ao tumor, menor do que 6cm;
dos níveis II, III e IV, ou seja, nas cadeias linfonodais - N2C - presença de linfonodos acometidos bilaterais, ou
da bainha jugulocarotídea, indicada para tumores da contralaterais, menores do que 6cm;
laringe ou hipofaringe;
- N3 - presença de linfonodo acometido com mais de
- Esvaziamento posterolateral: consiste na remoção do 6cm.
nível V, indicado para tumores de pele da face postero-
lateral do escalpo; As neoplasias da glândula tireoide apresentam uma
- Esvaziamento do compartimento central: consiste na classificação linfonodal à parte:
remoção dos níveis VI e VII, para casos de tumores de - NX - linfonodos não avaliáveis;
tireoide. - N0 - ausência de metástases linfonodais;
- N1A - presença de metástases linfonodais no nível cen-
B - Quanto à indicação tral;
- N1B - presença de metástases linfonodais laterais (ju-
a) Esvaziamentos cervicais de necessidade ou terapêu- gulocarotídeas e nível V).
ticos
Indicados a casos de pescoços positivos, ou seja, quan- A - Condutas em linfonodomegalias
do o paciente apresenta metástases diagnosticadas no
Os linfonodos são estruturas do sistema linfático e imu-
pré-operatório. Eles, então, têm a necessidade de serem
nológico, e seu aumento, na grande maioria das vezes,
esvaziados, daí o nome. Serão, obviamente, sempre esva-
reflete uma reação do organismo a alguma agressão das
ziamentos radicais.
vias aerodigestivas, como infecções virais ou bacterianas,
b) Esvaziamentos cervicais de princípio ou profiláticos alergias etc. De maneira geral, apresentam história aguda,
Indicados a casos em que o pescoço é clinicamente ne- de até 2 semanas, com rápido crescimento, dolorosas, que
gativo, mas, a depender da neoplasia inicial, sabe-se que a tendem a regredir espontaneamente. A conduta inicial resi-
probabilidade de metástases ocultas gira em torno de até de apenas na observação dos linfonodos, com pesquisa do
30%. Isso porque alguns desses tumores são muito metasti- foco infeccioso/inflamatório inicial.
zantes, como na língua, orofaringe, supraglote ou hipofarin- Se houver linfonodomegalia persistente, deve-se fazer
ge, em que estará indicado o esvaziamento “de princípio”. uma investigação mais minuciosa, para pesquisar doenças
De maneira geral, será um esvaziamento seletivo. linfonodais específicas infecciosas (como tuberculose) ou
neoplasias primárias de linfonodos (os linfomas), como ve-
c) Esvaziamentos cervicais de oportunidade remos.
Indicados a casos em que a finalidade inicial não é a re- A maior preocupação, porém, acontece quando é pos-
moção dos linfonodos em si, mas um melhor acesso a de- sível o linfonodo aumentado refletir uma metástase de car-

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ESVAZIAMENTOS CERVICAIS

cinoma. Deve-se ficar atento a algumas características da tando uma incisão cervical (que dificultará o planejamen-
história do paciente, como o tabagismo e o etilismo, além to da incisão do próprio esvaziamento cervical), e fará um
do fato de serem linfonodos de crescimento progressivo, diagnóstico que poderia ter sido estabelecido por meio de
sem períodos de regressão, muitas vezes dolorosos, endu- uma PAAF. Assim, tal procedimento estará indicado ape-

CIRURGIA DE CABEÇA E
recidos e arredondados, muitas vezes fixos aos planos pro- nas aos casos em que o diagnóstico é difícil (às vezes, ne-

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fundos. Outros sintomas associados devem ser considera- cessitando de exame de imuno-histoquímica) ou a casos
dos, como disfagia, odinofagia, disfonia, otalgia reflexa, ou de metástases extremamente volumosas, por vezes irres-
mesmo a presença de lesões ulceradas na cavidade oral, secáveis, para planejamento terapêutico paliativo. Muitas
orofaringe. Ao exame físico, deve-se avaliar o número de vezes, em metástases muito volumosas, ocorre necrose
linfonodos, seu tamanho, sua consistência e sua mobilidade da porção central com supuração, e alguns profissionais
(metástases maiores tendem a ser mais fixas). menos avisados fazem o diagnóstico errôneo de abscesso
A avaliação complementar inicial pode ser feita com ul- cervical.
trassonografia cervical, que fornece dados adicionais, como
limites irregulares e extensão extracapsular. Em casos de
metástases linfonodais, a tomografia é essencial para o pla-
nejamento terapêutico. Outros exames devem ser solicita-
dos de acordo com a clínica, mas, para os casos específicos
de neoplasias, devem-se realizar, além da oroscopia e da
laringoscopia indiretas, exames de nasofibrolaringoscopias
diretas, além de endoscopias ou broncoscopias, para a pes-
quisa do tumor primário.
Deve-se indicar a biópsia a casos suspeitos, que será ini-
cialmente realizada com Punção Aspirativa por Agulha Fina
(PAAF), fornecendo dados citológicos muitas vezes diagnós-
ticos. A realização de punção é importante por possibilitar o
diagnóstico de metástases de carcinoma sem disseminação
local da doença maligna. Quando um linfonodo metastáti-
co é submetido a uma biópsia incisional, pode haver disse-
minação da doença localmente e piora do prognóstico do
paciente. A PAAF de linfonodo é diagnóstica em casos de
metástases de carcinoma espinocelular e em casos de car-
cinoma papilífero de tireoide, ou em casos de linfonodos
reacionais. Para linfomas, ou tuberculose linfonodal, a PAAF
não costuma fechar o diagnóstico, porém pode sugeri-lo,
sendo, por isso, exame fundamental na avaliação das linfo-
nodomegalias.
A biópsia incisional ou excisional dos linfonodos estará
indicada nos casos de suspeita de doenças linfoproliferati-
vas (linfomas, em que idealmente se deve ter uma avaliação
de toda a arquitetura linfonodal, além do fornecimento de
material para exame imuno-histoquímico), ou em casos de
doenças infecciosas específicas, como tuberculose (em que
se pode mandar material para cultura de micobactérias).
Existem também outras doenças, mais raras e, muitas ve-
zes, de diagnóstico difícil, como doenças granulomatosas Figura 5 - Linfonodo com supuração central
(sarcoidose) ou linfoproliferativas (doença de Kikushi, ou de
Kawasaki), em que a biópsia tem o seu papel diagnóstico. No caso do diagnóstico de carcinoma de via aerodiges-
Porém, é importante atentar-se para o fato de que, nesses tiva, estará indicado o esvaziamento cervical. Em cabeça e
casos, outros métodos diagnósticos (PAAF, sorologias) de- pescoço, costuma-se dividir o tratamento cirúrgico em 2
vem ser realizados previamente, ou seja, a biópsia de linfo- frentes simultâneas: o tratamento de tumor primário e o
nodos não deve ser a 1ª abordagem diagnóstica na prática tratamento do pescoço, ou seja, o esvaziamento cervical.
clínica. Sempre que possível, o tratamento deve ser realizado com
Supondo que seja feita uma biópsia incisional de uma a ressecção em monobloco, ou seja, ressecção do tumor
metástase de carcinoma espinocelular, esse será um pro- primário e do produto do esvaziamento cervical juntos. O
cedimento que mudará o estadiamento linfonodal, acarre- tratamento do tumor primário consiste, obviamente, na

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ressecção deste com margens livres, e cada cirurgia esta-


rá indicada a depender da localização do tumor. Em casos
de pescoço negativo, estará indicado o esvaziamento “de
princípio” para casos de tumores primários de cavidade
oral (em geral, a partir do estadiamento T2 de língua, soa-
lho, mucosa jugal), em que estará indicado o esvaziamento
cervical seletivo supraomo-hióideo. Aos casos de tumores
de supraglote ou de hipofaringe, estará indicado o esvazia-
mento “de princípio” dos níveis II, III e IV, chamados jugu-
locarotídeos.

Figura 7 - Esvaziamento cervical radical clássico: laringe, carótida


comum e músculo trapézio

Alguns centros determinam que se realize um esva-


ziamento radical clássico para estadios acima de N2B (in-
cluindo, obviamente, N3), o que não é uma conduta unâ-
nime, visto que se pode retirar apenas a estrutura com-
prometida (por exemplo, retirar o MECM e a VJI, acome-
tidas, mas preservar o NCX se estiver longe da metástase,
mesmo em casos N3). Em casos de metástases bilaterais,
a extensão do esvaziamento deverá ser considerada lado
a lado (por exemplo, em um caso de carcinoma de seio
piriforme T3N2B, deve-se indicar o esvaziamento radical
do lado acometido, e jugulocarotídeo do lado negativo).
Importante exceção é a ocorrência de metástases volu-
mosas bilaterais, com indicação de esvaziamento radical
bilateral. A ligadura de uma veia jugular não causa ne-
nhum tipo de prejuízo neurológico, mas a ligadura bilate-
ral concomitante causa aumento significativo de pressão
intracraniana, com risco de amaurose e edema craniano
significativo, no qual o doente perde a estabilidade ao fi-
car em pé. Se estiver indicada a ligadura bilateral, o ideal
será fazer o esvaziamento em 2 tempos diferentes, com in-
tervalo de aproximadamente 2 semanas entre as cirurgias
para haver compensação e abertura de shunts.
Um importante aspecto a observar em casos de esvazia-
mento cervical é o planejamento da incisão. Existem diver-
sos tipos de incisão descritos, porém há 2 que são os mais
utilizados: uma incisão “em colar”, ou seja, da mastoide ip-
silateral até a linha média (ou com extensão contralateral
em casos de esvaziamento bilateral), e a incisão com uma
Figura 6 - Esvaziamento seletivo supraomo-hióideo trifurcação (uma incisão longitudinal superior em que, em
seu ponto médio, se traça uma linha perpendicular até o
Em casos de pescoço positivo, o esvaziamento deverá nível da clavícula). A trifurcação permite um acesso melhor
ser radical. A presença de metástases linfonodais é o fator ao nível V, estando indicada a casos em que as metástases,
isolado de pior prognóstico na sobrevida desses doentes e nesse nível, são predominantes; além disso, é a incisão de
sempre implicará a indicação de tratamento radioterápico escolha em alguns centros. Porém, cursa com uma grande
complementar. Para metástases pequenas (N1, N2A), pode- incidência de isquemia de pele no ponto exato da trifur-
-se indicar um esvaziamento cervical radical modificado. cação, sendo frequentes as deiscências nesse ponto. Isso
Para metástases com extravasamento extracapsular e in- caracteriza quadros muito complicados em esvaziamentos
vasão de estruturas adjacentes, indica-se o esvaziamento radicais com ressecção do MECM, porque a deiscência total
radical clássico. da cicatriz pode acarretar uma exposição total da carótida,

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ESVAZIAMENTOS CERVICAIS

o que exigiria uma reabordagem cirúrgica para cobertura nome indica, é o caso de metástase linfonodal de carcino-
do defeito (muitas vezes, com rotação de retalhos locais ou ma espinocelular, porém sem que se diagnostique o sítio
regionais). Nos casos de esvaziamento pós-radioterapia, primário após uma minuciosa investigação de toda a via
esse tipo de incisão deverá ser evitado. Outra dificuldade aerodigestiva alta (o que inclui exame físico, tomografia

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adicional do planejamento da incisão ocorre nos casos em computadorizada contrastada, nasofibrolaringoscopia, en-

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que as metástases invadem a pele cervical, porque a incisão doscopia e broncoscopia). Isso ocorre pelo fato de que, em
deverá compreender a área a ser removida, sendo necessá- algumas regiões, o potencial de metástase do tumor é mui-
ria a rotação de retalhos em muitos casos para cobertura to grande, e esta cresce muito rapidamente, antes que o
do defeito. tumor primário se manifeste.
Importante exceção é o caso dos carcinomas da rinofa- Há 4 localizações onde essa ocorrência é muito co-
ringe, que tem altas incidências de metástases linfonodais. mum: rinofaringe, loja tonsilar, supraglote e seio piriforme.
Esses tumores, mesmo se pouco diferenciados, têm uma Obviamente, esses sítios devem ser avaliados muito aten-
excelente resposta ao tratamento radioterápico, combi- ciosamente, em busca do tumor primário. Recentemente, o
nado ou não com quimioterapia. A resposta costuma ser uso do PET-CT scan tem sido indicado nesses casos.
muito boa também nos linfonodos cervicais, de forma que O tratamento do tumor primário consiste no esvazia-
o esvaziamento cervical estará indicado apenas a casos de mento cervical radical, seguido de radioterapia que deve
persistência (ou recidiva) pós-tratamento. ser feita não só no território cervical, mas em toda a via
Todas essas considerações são válidas para os carcino- aerodigestiva alta, incluindo toda a rinofaringe. No segui-
mas epidermoides da área de cabeça e pescoço. Porém, mento, deve-se continuar a avaliação de toda a região, uma
tais conceitos também são aplicados a outras neoplasias vez que o primário pode “surgir” depois do tratamento, o
metastáticas cervicais, como tumores das glândulas sali- que é fator de prognóstico desfavorável.
vares e da glândula tireoide. No caso das glândulas sali- Isso, obviamente, é válido para os casos em que a histo-
vares, por exemplo, a maioria das neoplasias malignas é logia confirma tratar-se de carcinoma epidermoide, porque,
de baixo grau de malignidade, não cursando com metás- em geral, o sítio primário ocorre no território cervicofacial.
tases cervicais. Em casos de pescoço positivo, indica-se Exceção à regra é a presença do linfonodo supraclavicular-
o esvaziamento radical e, no caso de pescoço negativo, -metastático, porque geralmente implica outros tumores
apenas o esvaziamento seletivo de princípio em tumores primários (em especial pulmões, mama, ou trato digestivo
com alto potencial de malignidade (como os carcinomas como estômago ou cólon – linfonodo de Virchow quando
mucoepidermoides de alto grau). No caso específico da à esquerda). Em casos de tumores metastáticos distantes,
glândula tireoide, algumas diferenças básicas são ob- com outros tipos histológicos como adenocarcinoma, ou
servadas. Não há indicação do esvaziamento seletivo na melanomas, deve-se procurar o primário de acordo com
ausência de linfonodos metastáticos confirmados, pois, cada tipo. Nesses casos, consideram-se as metástases como
especificamente para o carcinoma papilífero, a presença metástases distantes, o que significa que não estará indica-
de metástase microscópica não altera o prognóstico. Na do o esvaziamento cervical, e sim o tratamento do tumor
presença de linfonodos acometidos no compartimento primário.
central, indica-se só o esvaziamento central. Apenas a
ocorrência de metástases laterais (ou seja, jugulocaro- 5. Conclusões
tídeas) justifica o esvaziamento “radical” na teoria es-
vaziamento posterolateral (níveis II ao V). Esse proce- O esvaziamento cervical é um procedimento cirúrgico
dimento, a rigor, não é radical em relação aos níveis e complexo, com indicações muito claras no tratamento das
sim oncologicamente, porque o carcinoma papilífero de neoplasias do território cervicofacial. A metástase linfono-
tireoide não causa metástases no nível I, que, então, não dal diminui muito as taxas de sobrevida, sendo importante
é esvaziado. Importante exceção é o carcinoma medular fator de mau prognóstico.
de tireoide, que pode causar metástases linfonodais (e O planejamento terapêutico deve sempre considerar o
hematogênicas), única situação em que está indicado o tratamento do tumor primário e o tratamento do pescoço;
esvaziamento cervical radical bilateral de princípio. A ex- infelizmente, muitos pacientes apresentam desfecho mór-
ceção é o tratamento do carcinoma medular da tireoide, bido devido às condições do pescoço. O tratamento com-
que cursa frequentemente com metástases linfonodais, binado de quimioterapia com radioterapia, cada vez mais
tendo como indicação de princípio o esvaziamento do indicado, não tem resposta no pescoço de maneira tão
compartimento central. eficaz como no tratamento do tumor primário, e é cada
vez mais comum o esvaziamento cervical “de resgate”
B - Primário oculto (pós-radioterapia), o que aumentou consideravelmente a
Há uma entidade muito peculiar na área da cabeça e dificuldade do procedimento e o índice de complicações
pescoço que se chama primário oculto. Como o próprio pós-operatórias.

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Tabela 1 - Caracterização dos linfonodos metastáticos ou inflama-


tórios
Característica Metástase Lesão inflamatória
Idade >40 anos Crianças e jovens
Duração >15 dias <15 dias
Lateralidade Unilateral Bilateral
Consistência Endurecida Elástica
Conformação Esférica Elíptica
Dimensão >1,5cm <1,5cm
FSC, jugular, Jugular, occipital, subman-
Localização
espinal dibular
Dor Rara Frequente
Mobilidade Reduzida, fixa Normal
Ulceração Possível Rara
Flutuação Possível Frequente
Supuração Rara Possível
Confluência Frequente Rara

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CAPÍTULO

2
Tumores cervicais
Alexandre Bezerra / Caio Plopper / Felipe Augusto Brasileiro Vanderlei / Christiana Maria Ribeiro
Salles Vanni / Rodney B. Smith

auditivo externo é formado pela permanência da 1ª fenda


1. Introdução
branquial, a única que não se fecha.
O pescoço, devido à sua anatomia peculiar, rica em es- Já as bolsas vão dar origem a tecidos importantes: 1ª
truturas musculares, vasculares e nervosas, pode ser aco- bolsa – cavidade timpânica, 2ª bolsa – amígdalas faríngeas,
metido por inúmeros tumores, tanto benignos como malig-
3ª bolsa – paratireoides inferiores e timo, 4ª bolsa – parati-
nos, originários nesses tecidos. Trataremos, neste capítulo,
principalmente, dos tumores benignos e malformações. reoides superiores e tireoide.
Durante a anamnese e o exame físico, deve-se dar aten- O desenvolvimento e o desaparecimento dos arcos e
ção especial à idade do paciente e à localização do tumor. fendas branquiais terminam por volta da 10ª semana.
As crianças, geralmente, possuem tumores inflamatórios ou Para facilitar o entendimento das anomalias congênitas
malformações congênitas, e, quando malignos, geralmente cervicais, separamos os tumores em laterais e da linha mé-
são linfomas. Em adultos, a suspeita de neoplasia maligna dia ou centrais.
deve ser feita especialmente se o paciente é tabagista e eti-
lista e tem antecedentes familiares. Atualmente, há grande
relação com tumores de orofaringe com a presença do HPV 4. Tumores laterais
(papilomavírus humano tipos 16 e 18).
A - Anomalias do aparelho branquial
2. Malformações congênitas Os tumores laterais podem ser divididos em 3 tipos:
Geralmente, as malformações estão presentes ao nas-
cimento, mas podem manifestar-se durante a infância e - Cistos: formados pelo desenvolvimento de células epi-
até na idade adulta. As lesões podem permanecer latentes, teliais sequestradas na formação do seio cervical, pre-
tornando-se sintomáticas após episódios infecciosos (IVAS, enchidos por conteúdo líquido na maioria;
por exemplo). A história e a localização de cada tipo são pe-
culiares e podem ser muito úteis no diagnóstico da massa - Fístulas incompletas ou sinus: formadas pela oblitera-
cervical. Geralmente, são decorrentes dos arcos branquiais ção incompleta de parte da fenda branquial, apresen-
e da migração tireoidiana. tam comunicação com a pele (mais comum) ou com a
faringe, saída de conteúdo espesso, normalmente sem
3. Embriologia odor, a menos quando há infecção associada;
A origem das malformações congênitas pode estar na - Fístulas completas: formadas pela comunicação da
endoderme, ectoderme ou mesoderme, o que leva à possi- pele (ectoderme) com a faringe (endoderme), muitas
bilidade de encontrar malformações compostas por tecidos vezes com exteriorização de saliva e alimento.
ósseos, musculares, nervosos, cartilaginosos ou vasculares.
Durante o desenvolvimento do embrião, durante a 3ª se- Os cistos geralmente não estão clinicamente presentes
mana de vida temos o desenvolvimento de um aparelho ao nascimento, manifestam-se durante a infância ou na
composto de faixas de tecido misto, conhecido como apare-
vida adulta, muitas vezes durante o curso de uma infecção
lho branquial por sua semelhança às brânquias dos peixes.
Temos, inicialmente, a formação do arco mandibular, de vias aéreas superiores.
seguido pelo arco hióideo e pelos 3º, 4º, 5º e 6º arcos. As fístulas estão presentes desde o nascimento e, ao
Durante o desenvolvimento dos arcos branquiais, as fendas exame, apresentam-se como pequenos orifícios situados na
branquiais (espaço entre os arcos) são ocluídas. O conduto borda anterior do músculo esternocleidomastóideo.

9
CI RUR G I A D E C A B E ÇA E P E S CO ÇO

Figura 2 - Tomografia de cisto branquial do 2º arco


Figura 1 - Fístula do 2º arco

As malformações derivadas da 1ª fenda branquial são


raras (menos de 1%) e podem ser divididas em 2 tipos:
- Tipo I: contêm apenas elementos epidérmicos sem
cartilagem ou estruturas anexiais, consideradas dupli-
cação do conduto auditivo externo, e podem passar
próximo ao nervo facial;
- Tipo II: são mais comuns e têm elementos da ectoder-
me e mesoderme. Geralmente, aparecem após infec-
ção como um abscesso abaixo do ângulo da mandíbula.
Têm trajeto por meio da parótida, passam próximos ao
nervo facial e terminam no conduto auditivo externo.

As malformações derivadas da 2ª fenda branquial são as


mais comuns. Essas anomalias aparecem na borda anterior Figura 3 - Correlação clínica
do músculo esternocleidomastóideo, têm trajeto passando
pelas estruturas derivadas do 2º arco como artéria caróti-
da e ventre posterior do músculo digástrico, e terminam na
loja amigdaliana (Figura 1). Clinicamente, apresentam-se
como massas fibroelásticas indolores abaixo do ângulo da
mandíbula, mas podem crescer e apresentar dor durante
uma infecção das vias aéreas superiores.
Defeitos da 3ª fenda são raros e aparecem na região in-
ferior do pescoço, também na borda anterior do músculo
esternocleidomastóideo. A comunicação com a faringe se
dá pelo recesso piriforme ou membrana tireóidea.
As malformações da 4ª fenda são as mais raras, sendo
mais comuns à esquerda, e podem apresentar-se como abs-
cesso na região inferior do pescoço ou tireoidite recorrente.
A ressecção cirúrgica está indicada a todas as malfor-
mações do aparelho branquial. A ressecção completa, in-
cluindo todo o trajeto, é necessária, mas deve ser realizada Figura 4 - Peça cirúrgica, com conteúdo rico em cristais de colesterol
na ausência de infecção. Na presença de coleção purulen-
ta, devem ser realizadas antibioticoterapia e drenagem ci-
B - Laringocele
rúrgica, caso seja necessário. Apenas após a resolução do
quadro infeccioso agudo é que se deve realizar a ressecção Em geral, a laringocele apresenta-se como massas císti-
da malformação. Com o tratamento adequado, é baixa a cas anteriores ao músculo esternocleidomastóideo. Trata-
possibilidade de recidiva. Os índices de recidiva elevam-se se de uma herniação preenchida por ar, na região, no ven-
sobremaneira quando a ressecção cirúrgica é realizada du- trículo da laringe. Acredita-se que seja formada, em indi-
rante episódios infecciosos. víduos predispostos, pelo aumento constante da pressão

10
TUMORES CERVICAIS

intraglótica, como ocorre em musicista de instrumento de B - Cisto dermoide


sopro ou sopradores de vidro, por exemplo. As queixas mais
O cisto dermoide é uma lesão benigna que contém ele-
comuns são disfonia, tosse e sensação de corpo estranho. A
mentos de origem na ectoderme e na mesoderme. Está
tomografia computadorizada e a laringoscopia podem aju-

CIRURGIA DE CABEÇA E
localizado na linha média, geralmente na região submen-
dar no diagnóstico. O tratamento cirúrgico está indicado na

PESCOÇO
toniana. O principal diagnóstico diferencial é com o cisto
presença de sintomas, e, na maioria das vezes, a cirurgia é
do ducto tireoglosso, mas, no exame clínico, mais precisa-
feita por via cervical. Pode-se tentar o tratamento endos-
mente durante a inspeção e a palpação dinâmica, não se
cópico quando é feito o diagnóstico de laringocele interna.
eleva à protrusão da língua, como acontece com o outro
cisto.
5. Tumores centrais Outras localizações podem ser testa, base do nariz, re-
bordo orbitário, região geniana e supraesternal. O trata-
A - Cisto do ducto tireoglosso mento é cirúrgico, com elevado índice de sucesso.
O cisto do ducto tireoglosso desenvolve-se a partir de
remanescentes das estruturas primordiais da glândula ti-
reoide durante a sua migração do forame cego (base da lín-
gua) para o pescoço, por meio do ainda não totalmente for-
mado osso hióide, entre a 10ª e a 17ª semana de vida fetal.
Clinicamente, apresenta-se como um cisto na linha mé-
dia em qualquer porção do trajeto da migração da glându-
la tireoide. O diagnóstico é feito durante a infância, mas o
cisto pode manifestar-se em qualquer faixa etária. Assim,
como as outras malformações cervicais, o cisto do ducto ti-
reoglosso pode aumentar durante a infecção de vias aéreas
superiores que pode levar a abscesso e drenagem espontâ-
nea ou cirúrgica, surgindo, assim, a fístula do ducto tireo-
glosso. É a única que não é congênita, ou seja, é adquirida.
Ao exame clínico, o cisto do ducto tireoglosso eleva-se à
protrusão da língua (sinal de Sistrunk). O tratamento de es- Figura 6 - Cisto dermoide, correlação clínica e cirúrgica
colha é cirúrgico, e a ressecção deve incluir a parte central
do osso hioide e todo o trajeto até a base da língua (técnica
de Sistrunk). Utilizando técnica adequada durante a ressec- C - Teratoma
ção, a possibilidade de recidiva é mínima, próxima a 3%. O teratoma é constituído pelos componentes das 3 ca-
madas germinativas (ectoderme, mesoderme e endoder-
me). Geralmente, trata-se de massas na linha média, pre-
sentes ao nascimento, de grandes dimensões, e o quadro
clínico está relacionado às estruturas que o tumor compri-
me, como traqueia, laringe, esôfago e vasos cervicais.
O quadro clínico pode ser de insuficiência respiratória
aguda, portanto muitas vezes é necessária a ressecção ci-
rúrgica emergencial.

D - Malformações linfáticas
As malformações linfáticas, linfangiomas ou higroma
cístico, geralmente presentes desde o nascimento, são mas-
sas compressíveis, multiloculadas e indolores. Localizam-se,
preferencialmente, no triângulo posterior do pescoço, mas,
pelas suas grandes dimensões, podem ocupar todo o pes-
coço, como no exame tomográfico. São compostas por en-
dotélio linfático em forma de cistos preenchidos por linfa e
sangue e podem ser classificadas em:
Figura 5 - Cisto tireoglosso, fístula de ducto tireoglosso, demons-
- Linfangioma capilar: cisto de até 1mm de diâmetro;
trativo de técnica de Sistrunk com peça anatômica com a porção - Linfangioma cavernoso: cisto de até 5mm;
do osso hioide - Linfangioma macrocístico: cisto de mais de 5mm.

11
CI RUR G I A D E C A B E ÇA E P E S CO ÇO

Causam grande deformidade estética, e essa é a prin- dotélio. Frequentemente, mais profundo e com difícil
cipal razão do tratamento, mas também podem compri- involução espontânea;
mir estruturas adjacentes, como a via aérea e o esôfago. - Hemangioma arteriovenoso ou malformações arte-
Insuficiência respiratória aguda é incomum, mesmo em pa- riovenosas: composto por vasos espessados, shunts
cientes com massas enormes, e geralmente é consequência arteriovenosos e que ao exame clínico se apresentam
de infecção ou hemorragia em seu conteúdo. como massas pulsáteis.
O diagnóstico é feito pelo exame físico, mas a identifica-
ção de cistos multiloculados de paredes finas ao ultrassom, A grande maioria dos hemangiomas involui espontane-
tomografia computadorizada ou ressonância nuclear mag- amente durante os primeiros anos de vida, normalmente
nética facilita o diagnóstico. São caracterizados por bolhas até os 5 anos, sem necessidade de qualquer tratamento in-
de sabão ou favos de mel, por serem multiloculados. vasivo. Há, porém, a necessidade de suporte à família, uma
O tratamento de escolha é cirúrgico, com ressecção de vez que podem ser grandes e causar desconforto estético.
todo o cisto que muitas vezes não é bem-sucedida. A ca- Aos hemangiomas que não desaparecem, está indica-
racterística multiloculada associada ao tamanho dos cistos do o tratamento cirúrgico. Grande cuidado deve ser toma-
muitas vezes dificulta a ressecção completa das lesões e do para evitar lesões em estruturas importantes. O uso
pode levar a recidivas de difícil ressecção. Alguns pacien- do laser e a injeção de corticosteroides podem auxiliar no
tes são submetidos por diversos procedimentos, e, devido tratamento.
à possibilidade de lesão de estruturas cervicais importan-
tes, foram desenvolvidos tratamentos alternativos. O que
apresenta melhores resultados é a terapia com injeção de
OK-432, uma espécie de esclerose do tecido. O índice de
recidiva não é insignificante, chegando a 50% em alguns
estudos.

Figura 8 - Hemangioma em criança de 8 meses

6. Tumores benignos

- Paragangliomas
Figura 7 - Tomografia de criança de 1 ano Os paragangliomas, também conhecidos como quimio-
dectomas, são tumores raros, oriundos do sistema nervoso
autônomo, que em geral se localizam na bifurcação caro-
E - Hemangiomas tídea (60%), na região jugulotimpânica e, menos frequen-
Os hemangiomas são os tumores cervicais de origem temente, no nervo vago. Muito raramente, podem ser
vascular e os mais comuns durante a infância. Comumente, encontrados na laringe, nasofaringe, cavidade nasal, seios
não estão presentes ao nascimento, mas aparecem nos pri- paranasais e glândula tireoide.
meiros meses de vida com crescimento durante o 1º ano. São tumores que se manifestam na 3ª e na 4ª décadas
Localizam-se, preferencialmente, na pele ou na muco- de vida. São benignos em sua grande maioria. Suas mani-
sa, mas também podem aparecer em estruturas profundas. festações clínicas são derivadas da compressão de estrutu-
Clinicamente, são placas bem delimitadas, macias à palpa- ras adjacentes pelo tumor, e apenas 1 a 3% têm evidência
ção, vermelhas ou vinhosas, mas podem ser dolorosas a ela. clínica de produção hormonal. A malignidade desses tu-
Podem ser classificados em: mores é determinada pela presença de metástases, pois a
- Hemangioma capilar: como o próprio nome diz, for- diferenciação histológica, entre benigno e maligno, é virtu-
mado por capilares. Pode involuir espontaneamente; almente impossível. Alguns casos são familiares e relacio-
- Hemangioma cavernoso: formado por grandes canais nados à mutação do gene da succinato desidrogenase, nos
vasculares, geralmente tortuosos e compostos por en- quais tendem a ser multifocais (80%).

12
TUMORES CERVICAIS

Os tumores carotídeos são os mais comuns; no exame B - Neurofibromas


clínico, o tumor é móvel horizontalmente e pode transmitir
Os neurofibromas tendem a aparecer em indiví-
o pulso da artéria e apresentar frêmito à ausculta. O diag-
duos mais jovens, em comparação aos schwannomas.
nóstico é realizado pelo exame clínico associado a exames

CIRURGIA DE CABEÇA E
Neurofibromas solitários são raros na região da cabeça e do
complementares. A arteriografia mostra uma massa vascular

PESCOÇO
pescoço, mas são muito mais comuns na neurofibromatose.
na bifurcação carotídea. A ultrassonografia com Doppler e a
Ocorrem na pele ou nos tecidos moles e podem aparecer
angiorressonância também podem ajudar no diagnóstico.
em qualquer região anatômica. São tumores benignos, e,
Os tumores carotídeos podem ser divididos, de acordo
quando solitários, a transformação maligna é incomum.
com a classificação de Shamblin, em 3 grupos:
Quando presentes na neurofibromatose, há maior risco de
- Grupo I: tumores pequenos aderidos frouxamente à transformação maligna. Os neurofibromas superficiais não
adventícia do vaso e removidos facilmente;
são de fácil ressecção e, em geral, não recidivam. Em casos
- Grupo II: tumores maiores, mais aderidos ou até infil- de tumores profundos, o tratamento cirúrgico deve sempre
trando a parede do vaso. A ressecção da adventícia é considerar as estruturas adjacentes.
necessária para o tratamento;
- Grupo III: tumores muito grandes, envolvendo toda a
artéria que precisa ser removida parcialmente para a
completa ressecção do tumor.

O tratamento recomendado é cirúrgico ou radioterápi-


co. O tratamento primário com radioterapia ou radiocirur-
gia está indicado apenas aos tumores inoperáveis ou a pa-
cientes com alto risco cirúrgico. Aos pacientes com tumores
jugulotimpânicos ou vagais, é recomendada a embolização
pré-operatória do tumor. Pode-se tentar o tratamento ex-
clusivo com embolização em casos inoperáveis, mas com
resultados pobres e temporários.

7. Tumores de origem nervosa

A - Schwannoma ou neurinoma
Os schwannomas ou neurinomas são tumores em sua
grande maioria benignos, de crescimento lento, encapsula-
dos, relacionados a um nervo específico. São mais comuns
na 3ª ou na 4ª década de vida, sem preferência de sexo.
A maioria desses tumores está no sistema nervoso central,
principalmente com relação ao nervo acústico. Dos tumo-
res fora do SNC, aproximadamente 1/3 está na cabeça ou
no pescoço.
Os neurinomas cervicais podem ser divididos em late-
rais (mais comuns) e centrais. Os tumores laterais originam-
-se do plexo cervical, plexo braquial e troncos nervosos
cervicais. Os mediais têm origem nos 4 últimos nervos cra-
nianos e plexo simpático. Em grande parte das vezes, não se
consegue identificar o nervo de origem, mas, quando isso é
possível, os nervos mais afetados são os do plexo braquial
ou plexo cervical e o vago.
Clinicamente, apresentam-se como uma massa cervical
indolor sem sintomas neurológicos. Dependendo da locali-
zação, os pacientes podem apresentar disfonia, tosse, dificul-
dade respiratória e, mais raramente, síndrome de Horner.
O tratamento é cirúrgico com ressecção do tumor, e
deve-se, quando possível, tentar a preservação do nervo,
o que melhora sobremaneira o resultado funcional do tra-
tamento.

13
CI RUR G I A D E C A B E ÇA E P E S CO ÇO

CAPÍTULO

3
Doenças da glândula tireoide
Alexandre Bezerra / Caio Plopper / Felipe Augusto Brasileiro Vanderlei
Christiana Maria Ribeiro Salles Vanni / Rodney B. Smith

Baseando-se apenas no exame físico, a incidência dos nó-


1. Introdução
dulos da tireoide varia de 1,5% para homens a 6,4% para
A glândula tireoide é um órgão situado na porção an- mulheres, porém a ultrassonografia (USG) aumenta essa
terior e inferior do pescoço, anterior à traqueia, e sede de
incidência para 19 a 64% da população em geral, com uma
doenças extremamente prevalentes nas populações em
tendência crescente devido ao avanço da idade. Em um fa-
geral, principalmente no sexo feminino. A função da glân-
dula é produzir os hormônios tireoidianos, T3 (tri-iodoti- moso estudo no nosso meio, foi encontrada uma incidência
ronina) e T4 (tiroxina), que são fabricados na sua unidade de 36% de nódulos tireoidianos em necrópsias de pessoas
funcional – o folículo tireoidiano. O conhecimento de suas falecidas por outras razões. Qualquer que seja a metodolo-
diversas afecções morfológicas ou funcionais, cirúrgicas ou gia empregada, encontra-se uma alta incidência de tireoi-
não, é fundamental para o cirurgião de cabeça e pescoço. dopatias, em especial, na população feminina.

Figura 1 - Relações anatômicas da tireoide

14
DOENÇAS DA GLÂNDULA TIREOIDE

2. Embriologia 3. Anatomia
A tireoide desenvolve-se a partir da 2ª e da 3ª semanas Do ponto de vista histológico, como se trata de uma
de vida embrionária, a partir de uma invaginação do soalho glândula endócrina, consiste em um epitélio secretor rica-

CIRURGIA DE CABEÇA E
da porção anterior da faringe primitiva, entre 2 estruturas mente embebido em vasos sanguíneos, porém com a ca-

PESCOÇO
chamadas tubérculo ímpar e cópula, que formarão a língua. racterística de formar folículos, que são sáculos onde se ar-
Em nível do forame cego, que é o vértice do chamado V mazena a secreção, facilmente perceptíveis à microscopia.
lingual do adulto (ponto de confluência das papilas circun- Do ponto de vista macroscópico, trata-se de uma glân-
valadas), essa estrutura migra em direção caudal, forman- dula bilobada, com lobos laterais predominantes, unidos
do um divertículo ectodérmico, atrás do futuro saco aórtico medialmente por um istmo de tecido tireoidiano, formando
(de onde se formam os primórdios do coração e grandes um “H”. Porém, em aproximadamente 70% dos casos, há
vasos). Após a 5ª semana, gera-se um broto bilobulado, si- um 3º lobo, chamado piramidal, que sai do próprio istmo,
tuado anteriormente à traqueia. e dirige-se superiormente até o osso hioide (remanescente
O trajeto que liga a tireoide à base da língua, denomina- do trajeto embrionário) já mencionado.
do ducto tireoglosso, oblitera-se ao redor da 10ª semana. No A glândula tireoide situa-se na porção anterior da região
entanto, pode gerar um remanescente na própria tireoide, cervical, à frente da traqueia, do nível da cartilagem tireoi-
que é o lobo piramidal, de Morgagni ou Laloluette, que pode de até o 5º ou o 6º anéis traqueais. Sua face anterior rela-
permanecer pérvio formando, futuramente, um cisto de duc- ciona-se aos músculos pré-tireoidianos (esternotireóideo e
to tireoglosso; anomalia congênita de tratamento cirúrgico. esterno-hióideo), sua face lateral relaciona-se à veia jugular
Em seu estágio final, a tireoide ainda recebe células da interna, e a face posterior tem íntima relação com o nervo
parte inferior da 4ª bolsa branquial (chamada corpo último- laríngeo inferior, paratireoides e esôfago cervical. É chamado
-branquial), por mecanismos não bem compreendidos, pe- tubérculo de Zuckercandle um prolongamento posterior, de
netrando em sua porção posterior e formando as chamadas pequenas dimensões, porém com profunda relação com o
células C, que são completamente diferentes dos tireócitos. nervo laríngeo recorrente, junto à sua penetração na laringe.
Essas células, também denominadas parafoliculares (devi- A tireoide tem uma cápsula própria, anatômica, que a separa
do à sua posição ao redor dos folículos tireoidianos), são das outras estruturas cervicais. Em 2 pontos, apresenta um
produtoras de calcitonina e, como veremos posteriormen- espessamento que forma 2 ligamentos específicos: o liga-
te, podem gerar um tipo diferente de tumor na tireoide, mento de Gruber, ou suspensor, que liga a porção superior
o carcinoma medular. As glândulas paratireoides e o timo da tireoide à cartilagem tireoide, e o ligamento de Berry, ou
também se originarão das bolsas do aparelho branquial. As lateral, que liga as porções laterais da glândula à traqueia.
paratireoides superiores originam-se do 4º arco branquial,
enquanto as inferiores se originam do 3º arco.
A “migração” que a tireoide faz no período embrionário
é responsável por explicar a ocorrência de ectopias tireoi-
dianas na linha média, desde a língua (tireoide lingual) até
o mediastino, ou seja, por todo o seu trajeto.

Figura 3 - Relações anatômicas da glândula

A tireoide é extremamente irrigada do ponto de vista


Figura 2 - Possíveis localizações de tecido tireoidiano devidas a de fluxo sanguíneo, sendo, junto com as glândulas adrenais,
descida tireoidiana os tecidos do corpo humano que mais recebem sangue por

15
CI RUR G I A D E C A B E ÇA E P E S CO ÇO

massa de parênquima glandular. Apresenta 2 pedículos Frequentemente, o nervo se divide em 2 ou mais ramos,
arteriais e 3 venosos. A artéria tireoidiana superior é o 1º antes de penetrar na laringe. Sua lesão, se unilateral, causa
ramo anterior da artéria carótida externa, com algumas va- disfonia em diversos graus (devido à paralisia da prega vocal
riações anatômicas. Ao se aproximar da glândula, ela se tri- ipsilateral) e, se bilateral, causa insuficiência respiratória e
furca, penetrando na porção superior. Pode emitir um ramo necessidade de traqueostomia.
que se anastomosa com a artéria contralateral, formando
a chamada arcada supraístmica, que irriga a pirâmide. É a 4. Doenças benignas da glândula tireoide
principal fonte arterial da tireoide, e sua ligadura deve ser
feita com bastante cautela durante o ato cirúrgico. Já a ar- Trataremos de 2 ocorrências muito prevalentes: os bó-
téria tireoidiana inferior é ramo do tronco tireocervical, por cios e as tireoidites. Ambas são doenças benignas, com
sua vez, ramo da artéria subclávia. Apresenta íntima relação repercussões locais baseadas no tamanho do bócio, ou
com o nervo laríngeo recorrente, uma vez que sempre o sistêmicas, dependentes da influência que pode haver na
cruza. Cada pedículo arterial é acompanhado de um pedí- produção hormonal.
culo venoso, de mesmo nome. Porém, há um ramo venoso
principal, que se localiza na face medial de cada lobo, que A - Bócio
é a veia tireoidiana média. Ela desemboca diretamente na
veia jugular interna e geralmente deve ser ligada, no ato a) Definição
cirúrgico, logo no início da dissecção da tireoide, para per- O bócio é o aumento da glândula tireoide, de origem
mitir que se luxe a glândula. não neoplásica e não inflamatória.
Do ponto de vista linfático, a glândula é extremamente b) Classificação
rica, sendo drenada para linfonodos regionais pericapsulares,
pré ou paratraqueais, pré-laríngeos, do chamado nível recor- É classificado sob 2 características:
rencial (nível VI), retrofaríngeos ou mediastinais superiores. - Anatômica
Em relação à inervação, a tireoide recebe fibras do sim- • Bócio difuso: é o aumento difuso da glândula ti-
pático que acompanham os vasos, e parassimpáticas, que reoide, ou seja, sem haver nódulos. Pode ser
acompanham os nervos laríngeos. Porém, os nervos mais fisiológico em alguns estados, como durante a
importantes que têm relação com a tireoide são os larínge- adolescência, ou na gravidez. Antigamente, o bó-
os, superior e inferior, por sua proximidade com a glândula. cio difuso mais comum era o chamado bócio en-
Ambos são ramos do nervo vago. dêmico, ou seja, prevalente em grande parcela da
O nervo laríngeo superior apresenta trajeto descenden- população de determinada localidade que fosse
te, curvando-se inferior e anteriormente em direção ao pe- pobre em iodo, principalmente lugares longe da
dículo superior da glândula (por essa razão, a ligadura do costa, como o sertão brasileiro. Do ponto de vista
pedículo superior deve ser feita muito próxima à cápsula histórico, era muito comum em países da Europa
da tireoide, a fim de evitar lesões). Quando está próximo Central, como a Suíça, onde grandes cirurgiões,
à glândula, divide-se em ramos externos, que têm função como Theodor Kocher, desenvolveram a técnica
motora (inervam o músculo cricotireóideo, que promove da tireoidectomia. É causada pela falta crônica de
tensão nas pregas vocais), e interno, sensitivo, que penetra iodo, importante no mecanismo de produção hor-
na membrana cricotireóidea e dá sensibilidade da porção monal, levando a aumento do TSH e, consequen-
superior da laringe até a base da língua. Sua lesão (ramo temente, hiperplasia do parênquima tireoidiano.
superior), durante uma tireoidectomia, causa sensação de Com a regulamentação de muitos países, inclusi-
“voz cansada”, ou seja, desconforto ao esforço vocal, além ve do Brasil, de adicionar iodo ao sal de cozinha,
de dificuldade de manter a tensão da glote (com conse- a incidência dessa doença teve queda expressiva.
quente dificuldade para emissão de sons agudos) e episó- Outra causa frequente, porém de etiopatogenia
dios de aspiração, uma vez que, pelo déficit de sensibilida- completamente diferente, é o chamado bócio di-
de, nota-se a presença de alimentos ou líquidos na laringe fuso tóxico, ou doença de Basedow-Graves, que se
depois que se ultrapassa a glote. caracteriza por aumento difuso da glândula, acom-
Porém, o nervo mais importante é o nervo laríngeo infe- panhado de sinais e sintomas de hipertireoidismo
rior, ou recorrente, pois é o principal nervo motor da larin- (taquicardia, exoftalmo, mixedema, tríade clássica
ge. Chama-se recorrente porque, uma vez que sai do vago e da doença de Graves);
se dirige para baixo, faz uma alça (“recorre”) sobre alguma • Bócio nodular: é o aumento da glândula causado
estrutura vascular (do lado direito, a artéria subclávia e, do pela presença de nódulos tireoidianos. É subdividi-
lado esquerdo, o arco da aorta), passando a adquirir traje- do em 2 categorias, de acordo com o número de
to ascendente, no sulco traqueoesofágico, sempre cruzan- nódulos: uninodular (com a presença de nódulo
do a artéria tireóidea inferior (com trajeto lateral), até sua único) e multinodular (com a presença de mais de
penetração na laringe, junto à membrana cricotireóidea. 1 nódulo).

16
DOENÇAS DA GLÂNDULA TIREOIDE

- Funcional d) Tratamento
Denomina-se função da tireoide a sua capacidade de O bócio é uma doença benigna que, geralmente, não re-
produção de hormônios. O eutireoidismo é a produção hor- quer tratamento cirúrgico. É muito comum na população, e,
monal na quantidade adequada, o hipotireoidismo é a pro-

CIRURGIA DE CABEÇA E
uma vez diagnosticado, a conduta é observá-lo. De maneira
dução insuficiente (e não corrigida) de hormônios, assim geral, indica-se cirurgia aos seguintes casos:

PESCOÇO
como o hipertireoidismo é a produção excessiva de hormô-
nio. Então, de acordo com a produção hormonal, os bócios Tabela 1 - Tipos de bócio para os quais há indicação de cirurgia
são classificados em: Bócio compressivo
• Tóxico: é o aumento da glândula associado ao hi- Grandes dimensões, causando sintomas compressivos ou desvio de
pertireoidismo; estruturas cervicais, notadamente, a traqueia (o que é facilmente
perceptível ao raio x simples).
• Atóxico (ou bócio simples): é o aumento da glân-
Bócio mergulhante
dula sem a ocorrência do hipertireoidismo. Deve-
se notar, pois, que essa classificação coloca em um Insinua-se no estreito torácico, podendo atingir grandes dimensões.
Chama-se intratorácico quando mais de 50% do volume estimado
mesmo grupo os eutireoidianos e os hipotireoidia- do bócio estão no tórax. Para esses casos, deve-se realizar um exa-
nos. me tomográfico para programação cirúrgica, porque pode haver a
necessidade de esternotomia para a remoção do bócio, e normal-
- Conjunta mente a vascularização se dá através de vasos mediastinais.
Ao unir as características morfológicas e funcionais, Suspeita ou confirmação de malignidade
agrupamos os bócios em diversos grupos, a saber: Há casos de nódulos cuja benignidade não se pode afirmar por
• Bócio uninodular simples ou atóxico; meio do exame citológico, então se indica o tratamento cirúrgico.
• Bócio multinodular simples; Hipertireoidismo de intratabilidade clínica
Casos de intolerabilidade às medicações antitireoidianas, crise tire-
• Bócio difuso tóxico (doença de Graves); otóxica, ou no tratamento definitivo da doença de Graves, ou de
• Bócio multinodular tóxico etc. Plummer.
Estético
c) Diagnóstico
Nódulos volumosos, normalmente maiores de 4cm.
O exame-padrão para a avaliação da tireoide é a USG
em conjunto com a dosagem hormonal sérica. A dosagem
hormonal permite, com grande confiabilidade, avaliar a
função tireoidiana. Dosam-se o TSH (hormônio estimulan-
te da tireoide), o T4L (fração livre do T4, ativa), o T3 e o
T4 totais. O TSH é o teste mais sensível para a avaliação
da função, por ser o 1º a alterar-se em casos de hipo ou
hiperfunção.
Por meio da USG, avalia-se a tireoide como um todo,
notam-se a presença, o número e o tamanho de nódulos,
além de outras características ultrassonográficas, como
ecogenicidade, contornos, presença ou não de macro ou
microcalcificações, e padrão de vascularização (ao Doppler).
Figura 4 - Desvio de traqueia
Outro exame fundamental para a avaliação dos nódu-
los tireoidianos é o citológico, realizado por meio de uma
Punção Aspirativa por Agulha Fina (PAAF), preferencial-
mente realizada sob orientação da USG. Por meio da PAAF,
tem-se o diagnóstico citológico do nódulo, permitindo o
diagnóstico etiológico com grande acurácia. Basicamente,
a PAAF apresenta 3 possibilidades de diagnóstico: nódulos
benignos (bócio ou tireoidite), nódulos malignos (carcino-
ma papilífero etc.) ou nódulos inconclusivos em relação à
malignidade (padrão folicular).
Outra forma de avaliação da tireoide é o exame de cin-
tilografia com iodo, que tem baixa resolução para avaliação
dos nódulos em si, porém é importante na verificação da
função tireoidiana, hoje com indicação restrita, mais usa-
do para pesquisa de nódulos únicos e tóxicos (doença de
Plummer). Figura 5 - Alteração estética

17
CI RUR G I A D E C A B E ÇA E P E S CO ÇO

Aos casos para os quais não há indicação cirúrgica, in- apresentam regressão espontânea. Porém, de maneira ge-
dica-se a observação com USGs periódicas para avaliar se ral, deve-se instituir o tratamento definitivo, que será feito
há crescimento dos nódulos ou mudança das características por iodoterapia ou cirurgia. A radioiodoterapia consiste na
deles, além de acompanhar a função hormonal. Alguns gru- administração de I131, que é captado pelas células tireoidia-
pos consideram o tratamento de bócio com administração nas, com posterior liberação da irradiação, “queimando-as”.
hormonal, causando um hipertireoidismo com supressão Algumas semanas após a administração, o paciente se torna
do TSH, o que levaria a uma diminuição do volume dos nó- eutireóideo, mas cronicamente acaba evoluindo para hipo-
dulos. Na prática, esse tratamento tem pouca efetividade e tireoidismo persistente. Trata-se de um excelente método
muitos efeitos colaterais, não sendo o de escolha. A ablação terapêutico, porém deve ser indicado com cautela àqueles
de nódulos com injeção de álcool tem sido usada por alguns com exoftalmo importante, bócios muito volumosos ou im-
centros, porém é de valor discutível e não constitui, até o possibilidade de receber irradiação.
momento, opção terapêutica aceitável. O tratamento cirúrgico é outra forma de tratamento de-
A cirurgia para o tratamento do bócio é a tireoidecto- finitivo. Como se trata de uma doença difusa da glândula, a
mia, que pode ser total ou parcial. A casos de doença nodu- cirurgia preconizada é a tireoidectomia total, embora isso
lar bilateral, indica-se a tireoidectomia total; caso contrário, não seja um consenso. Uma alternativa muito usada até um
pode-se realizar a lobectomia. A ressecção isolada de nódu- passado recente era a tireoidectomia parcial “funcional”,
los (nodulectomia), muito realizada antigamente, deve ser uma tireoidectomia subtotal, com preservação de parte do
desencorajada, devido ao fato de que a recidiva é frequente parênquima glandular (4g de cada lado), de forma a tentar
e a reoperação se torna muito mais complicada, com espe- preservar a função da tireoide. No entanto, o alto índice de
cial dificuldade na dissecção do nervo laríngeo recorrente e recidiva da doença, associado à grande dificuldade técnica
paratireoides. de reoperação, tem desencorajado a técnica.
Especial atenção deve ser dada aos casos de bócios tóxi- Convém lembrar que, nos casos da tireoidectomia total
cos. O bócio difuso tóxico, também conhecido como doen- por Graves, o índice de complicações pós-operatórias é ex-
ça de Graves, cursa com um hipertireoidismo que costuma tremamente significativo, principalmente o hipoparatireoi-
ser de grande intensidade. O paciente apresenta-se tipica- dismo (por lesão das paratireoides, hipovascularização ou
mente com um grande aumento da glândula, associado à retirada junto à tireoide), sendo alto o número de pacientes
exoftalmia (por infiltração da musculatura retro-orbitária) que necessitam de reposição definitiva de cálcio e em altas
e sinais e sintomas muito exuberantes de hipertireoidismo doses.
(tremores, sudorese intensa, taquicardia e perda ponderal Para casos de bócio multinodular tóxico, o tratamento
significativa). deve ser o mesmo, ou seja, compensação clínica inicial,
O diagnóstico é feito com base em: para tratamento cirúrgico definitivo com tireoidectomia to-
- Quadro clínico; tal. Os sintomas são formigamento e parestesia, principal-
- Dosagem hormonal (TSH muito suprimido e T4L bas- mente de membros superiores e lábio; clinicamente, apre-
tante aumentado); sentando os sinais de Chvostek e Trousseau.
- Dosagem de autoanticorpos antirreceptor de TSH Outra doença particular é o bócio uninodular tóxico au-
(TRAB); tônomo, também conhecido por doença de Plummer. Trata-
se de um hipertireoidismo associado à presença de nódulo
- USG: tireoide difusamente aumentada, sem nódulos e único, que é o produtor aberrante de hormônio. Suspeita-
com intensa vascularização;
se do diagnóstico com o achado ultrassonográfico de bócio
- Cintilografia: tireoide hipercaptante difusamente. uninodular, com TSH suprimido. À cintilografia, nota-se um
aspecto característico: o nódulo é “quente”, ou seja, capta
iodo excessivamente, e o parênquima restante da glândula
é suprimido, com captação muito baixa. O tratamento é ci-
rúrgico e é o único caso em que se aceita a nodulectomia,
embora geralmente se opte por uma lobectomia, pois esses
nódulos, para terem a capacidade de causar hipertireoidis-
mo, apresentam um tamanho suficiente para ocupar gran-
Figura 6 - Exolftalmo
de parte do lobo tireoidiano.

O tratamento inicial é feito com a administração de an- B - Tireoidites


titireoidianos (classe das tioureias, como o propiltiouracil,
ou o tapazol) e beta-bloqueadores, algumas vezes benzo- a) Definição
diazepínicos e corticoides em crises tireotóxicas. Após o São um grupo de doenças inflamatórias da glândula
controle do hipertireoidismo, deve-se manter o tratamento tireoide. Algumas são muito comuns, como o Hashimoto,
até alguns meses subsequentes porque há alguns casos que enquanto outras são raríssimas, como a tireoidite aguda.

18
DOENÇAS DA GLÂNDULA TIREOIDE

b) Classificação C - Doenças malignas da glândula tireoide


- Tireoidites autoimunes: são doenças em que o proces- A incidência do câncer de tireoide tem apresentado au-
so inflamatório tem origem autoimune, sendo carac- mento significativo nas últimas décadas em diversas partes

CIRURGIA DE CABEÇA E
terizado histologicamente por um infiltrado inflamató- do mundo. A solicitação rotineira da USG tem contribuído
rio linfocitário, crônico e difuso. Como outras doenças

PESCOÇO
para um aumento dos casos, sendo cada vez mais comuns
autoimunes, são muito mais comuns em mulheres. A os diagnósticos em assintomáticos.
tireoidite de Hashimoto é a mais comum, sendo a prin- Normalmente, a sintomatologia é a presença de nó-
cipal causa de hipotireoidismo no mundo inteiro. Tem dulo, em geral endurecido, na loja tireoidiana, doloroso
origem autoimune, caracterizando-se pelo elevado ou não, de crescimento lento. Ainda como sintoma inicial,
título de autoanticorpos circulantes (antitireoglobuli- pode haver linfonodomegalia metastática. Como o nódulo
na e antimicrossomal). Cursa com um processo lento neoplásico não afeta a função da glândula, não há sinto-
e destrutivo da glândula, em que os folículos são gra- mas sistêmicos, a menos que, por exemplo, o câncer esteja
dualmente substituídos por um infiltrado inflamatório acompanhado de tireoidite prévia, com hipotireoidismo.
linfocitário, de forma que toda a glândula se atrofia e Em casos mais avançados, pode-se ter massa cervical ante-
fica com consistência mais endurecida. A tireoidite por rior endurecida, dolorosa, com sintomas respiratórios como
si só não causa sintomatologia cervical, mas a evolução disfonia ou estridor respiratório. No entanto, em muitos ca-
da doença deflagra um quadro de hipotireoidismo, de sos, os pacientes são assintomáticos, e o diagnóstico é feito
instalação lenta, sendo necessária a reposição hormo- por meio de exames de rotina.
nal. Além disso, a tireoidite não é doença de tratamento
cirúrgico, mas, por ser muito prevalente, é frequente- a) Diagnóstico
mente encontrada durante tireoidectomias e se associa Em 1º lugar, destacamos novamente o fato de que o tu-
a um significativo aumento das complicações no pós- mor de tireoide não altera o funcionamento da glândula,
-operatório. Há uma relação maior com esta doença e ou seja, a dosagem hormonal é normal (a menos que seja
o carcinoma papilífero, quando há presença de nódulo; previamente alterada). A USG é sempre o exame de ima-
- Tireoidite subaguda, ou granulomatosa, de DeQuervain gem inicial e pode lançar suspeita sobre o nódulo maligno,
(rara): tem um quadro clínico bem característico e costu- especialmente se demonstra bordas irregulares, microcal-
ma acontecer algumas semanas após infecções virais, o cificações, aumento de vascularização no interior do nódu-
que levanta a hipótese de uma reação cruzada antígeno- lo, invasão de estruturas adjacentes, como a musculatura
-anticorpo. Causa um quadro de forte dor na loja tireoi- pré-tireoidiana ou a presença de linfonodomegalia atípica.
diana, rebelde a analgésicos comuns (só responde a cor- Também é importante para dirigir uma PAAF, que geralmen-
ticoides) com quadro de hipertireoidismo associado. O te faz o diagnóstico, ou lança a suspeita de malignidade.
hipertireoidismo é causado não por um aumento de pro- Exames de imagem mais complexos, como tomografia
dução hormonal, mas por um excesso de liberação de computadorizada ou ressonância magnética, são, em geral,
hormônio dos folículos tireoidianos devido ao processo desnecessários, exceto nos casos em que há suspeita de in-
inflamatório. Esse excesso costuma ser discreto, e o tra- vasão de órgãos adjacentes, como traqueia, laringe, esôfa-
tamento deve ser de suporte, uma vez que a adminis- go, ou grandes vasos. Neles, exames de endoscopia (em es-
tração de antitireoidianos não tem efeito. Esse hiperti- pecial, laringoscopia e broncoscopia) são importantes para
reoidismo é transitório, durando poucos meses, quando o planejamento cirúrgico.
então o paciente entra num quadro de hipotireoidismo
b) Patologia
definitivo. Tipicamente, uma cintilografia mostrará uma
glândula que praticamente não capta iodo; Os tumores malignos de tireoide são divididos em 3
- Tireoidite aguda ou bacteriana: é extremamente inco- grupos: bem diferenciados, pouco diferenciados e indife-
mum, pelo fato de a glândula ser muito rica em iodo e renciados.
extremamente vascularizada. Causa dor intensa, abau- - Bem diferenciados
lamento local, sintomas sistêmicos importantes, sepse Os tumores bem diferenciados correspondem a cerca
e pode evoluir para um abscesso local, necessitando de 90% dos casos, sendo o mais comum o carcinoma pa-
de drenagem cirúrgica; pilífero (~80%), seguido do carcinoma folicular (~10%). Há
- Tireoidite de Riedel ou fibrosa: caracteriza-se por um ainda algumas outras variantes, como o carcinoma de célu-
processo inflamatório crônico que leva a uma intensa las oxifílicas (ou de Hürthle), de células altas, insular, entre
fibrose da tireoide e dos tecidos adjacentes, que se tor- outros.
nam extremamente endurecidos (consistência pétrea); Do ponto de vista histológico, as células apresentam ca-
- Outras causas mais incomuns: a tireoidite pós-parto, racterísticas marcantes: alterações nucleares, aspecto “em
que costuma ser transitória, tireoidites provocadas por vidro fosco”, corpos psamomatosos, além de se agruparem
agentes químicos (iodo – amiodarona) ou físicos (pós- em papilas. Por essa razão, o diagnóstico citológico (por
-radioterapia). meio de uma PAAF) é bastante confiável. Já o carcinoma

19
CI RUR G I A D E C A B E ÇA E P E S CO ÇO

folicular corresponde a um tumor hipercelular com células c) Tratamento


agrupadas em microfolículos, cuja característica histológi- - Bem diferenciados
ca principal é a invasão da cápsula do nódulo, ou invasão • Tireoidectomia total, seguida de avaliação intrao-
vascular. Em outras palavras, o critério para diferenciar um peratória de linfonodos cervicais. O esvaziamento
carcinoma folicular de um adenoma folicular é histológico, cervical estará indicado apenas se houver evidên-
e não citológico (PAAF – padrão folicular), ou seja, seu diag- cias de metástase linfonodal. A 1ª estação de dre-
nóstico preciso é dado apenas com a remoção cirúrgica e a nagem é o nível VI, ou recorrencial, que se encontra
verificação da cápsula do nódulo. no leito tireoidiano, no espaço compreendido entre
- Pouco diferenciados as carótidas e a traqueia, englobando o nervo recor-
rente. A 2ª estação de drenagem é o nível juguloca-
O grupo de tumores pouco diferenciados inclui o car-
rotídeo (níveis II, III, IV e V), cujo esvaziamento exige
cinoma medular da tireoide, uma neoplasia originária das
uma incisão ampliada, até o processo mastoide. No
células C, ou parafoliculares, ou placa de Pearse, que não
tumor de tireoide, o fato de haver metástases lin-
são propriamente células foliculares tireoidianas, e sim cé-
fonodais não muda o prognóstico. Após a cirurgia,
lulas do sistema neuroendócrino. Sua função é a produção
deve-se realizar uma cintilografia/pesquisa de cor-
de calcitonina, um hormônio que tem o mecanismo de ação
po inteiro, com I131, para avaliar se há metástases a
oposto ao do paratormônio, na regulação da excreção de
distância, e quantificar a presença de tecido iodo-
cálcio, e que tem pouco valor no metabolismo humano. São
captante residual no leito tireoidiano. Esse exame
tumores muito mais agressivos, com grande ocorrência de
deve ser realizado com o paciente com altos níveis
metástases linfonodais ou hematogênicas. Seu marcador
de TSH, o que é obtido com a suspensão hormonal
tumoral é a calcitonina, enquanto nos outros tumores ti-
por 25 a 30 dias, ou com a administração exógena
reoidianos o marcador é a tireoglobulina.
de análogo do TRH. Em alguns casos, é necessária a
- Indiferenciados complementação do tratamento com radioiodote-
Os tumores indiferenciados da tireoide, também chama- rapia, para os casos de tumores em estadios mais
dos de carcinomas anaplásicos, são de comportamento ex- avançados, com infiltração da cápsula, metástases
tremamente agressivo, invasão local extensiva, crescimento linfonodais ou sistêmicas, ou altos valores de capta-
rápido, de apresentação clínica inicial em geral dramática. ção de I131 no leito tireoidiano;
Podem originar-se de um carcinoma papilífero prévio, • O carcinoma folicular é igualmente tratado com a
com muitos anos de evolução, por isso tipicamente um tu- tireoidectomia total, porém sem a necessidade de
mor de pessoas mais idosas, com história prévia de tumor esvaziamento cervical, uma vez que, diferente do
endurado de tireoide não tratado. Outro tumor indiferen- carcinoma papilífero, causa preferencialmente me-
ciado de tireoide, geralmente de pequenas células, é o lin- tástases hematogênicas. As considerações sobre
foma, que tem prognóstico e tratamento bem diferentes. o seguimento e o tratamento complementar com
Por isso, nesses casos, é sempre recomendável biópsia com iodo131 são as mesmas do carcinoma papilífero.
anatomopatológico seguida de exame imuno-histoquímico. Para ambos os casos, deve-se realizar a reposição
hormonal em dose supressiva, isto é, causar um
leve hipertireoidismo, de forma a manter latentes
eventuais células neoplásicas que ainda podem es-
tar presentes. O prognóstico dos carcinomas bem
diferenciados da tireoide costuma ser muito bom,
pois são tumores de crescimento lento e apresen-
tam altas taxas de cura. Diferentemente de outras
neoplasias do corpo humano, o principal fator de-
terminante de prognóstico é a idade, e aqueles
com menos de 45 anos apresentam prognóstico
mais favorável. Mesmo em casos de metástases
distantes (pulmão, óssea, cerebral) conhecidas no
pré-operatório, opta-se pela realização da cirurgia,
já que a diminuição do tecido tumoral primário au-
menta a efetividade do tratamento sistêmico com
radioiodo, que será mais absorvido pela metástase.
Além disso, pacientes com metástases distantes
costumam ser assintomáticos por um período mui-
to longo. O seguimento é feito com exames físico
Figura 7 - Evolução aguda do carcinoma indiferenciado e ultrassonográfico periódicos, além de dosagem

20
DOENÇAS DA GLÂNDULA TIREOIDE

hormonal e dosagem da tireoglobulina, peptídio irressecável já na apresentação inicial, e o papel da cirur-


usado na síntese dos hormônios tireoidianos. Como gia, nesses tumores, é a realização de traqueostomia (em
as células tireoidianas são as únicas do organismo geral, transtumoral) e biópsia para confirmação do diag-
a produzirem a tireoglobulina e as células tumorais nóstico. Então, é programado tratamento quimioterápico

CIRURGIA DE CABEÇA E
também a produzem, pois são células bem diferen- e radioterápico complementar paliativo. A imensa maioria

PESCOÇO
ciadas, a sua dosagem acaba servindo como marca- dos pacientes vem a falecer dessa doença em 6 meses de
dor de recidiva. Também é conveniente a dosagem diagnóstico.
da antitireoglobulina, porque sua ocorrência inter-
fere na dosagem laboratorial da tireoglobulina, o 5. Resumo
que significa que altos títulos da anti-Tg tornam a
dosagem da própria tireoglobulina de pouca valia. Quadro-resumo
Em casos de tireoglobulina crescente, o principal sí-
tio a ser investigado é o próprio pescoço, em busca História e exame físico
de recidiva local ou linfonodal, o que pode ser feito
com USG cervical (e eventual PAAF de linfonodo).
USG de tireoide / exame físico TSH
Se isso for inconclusivo, a investigação seguirá com
nova cintilografia de corpo inteiro, para pesquisa de
metástases distantes. Outros exames localizatórios,
>1cm ou
como ressonância magnética ou PET-CT scan, são = 1cm não
= 1cm
TSH NL TSH
importantes em casos de dificuldade diagnóstica. suspeito ou?
suspeito

- Pouco diferenciados
O carcinoma medular de tireoide é outro tipo de tumor, Follow up? PAAF Cintilografia
muito mais agressivo, que demanda um tratamento cirúr-
gico também mais agressivo e seguimento mais próximo.
É de diagnóstico difícil, pois o exame citológico (da PAAF) Benigno Maligno Suspeito Lesão
pode apenas sugeri-lo, não obtendo confirmação. Esta só folicular
pode ser feita com exame anatomopatológico seguido de
imuno-histoquímica. O tratamento é a tireoidectomia total, Cirurgia
seguida de esvaziamento cervical (quanto ao esvaziamento,
ainda há muitas controvérsias). Embora não haja um con-
senso, grande parte dos serviços preconiza o esvaziamento
cervical, tanto recorrencial como jugulocarotídeo bilateral,
a princípio, ou seja, em todos os casos, a menos que já exis-
tam metástases distantes conhecidas.
Do ponto de vista de histogênese, cerca de 80% dos ca-
sos de carcinoma medular são esporádicos, e 20% familia-
res, muitas vezes associados a outras neoplasias endócrinas
múltiplas, de forma que é necessária a investigação genética
familiar, o que pode levar ao diagnóstico genético em crian-
ças membros da família, e tratá-los na fase inicial. Diferente
das outras neoplasias, a cintilografia de corpo inteiro com
I131 não tem papel nessa doença, visto que o tumor primário
não é de células foliculares tireoidianas. O seguimento é fei-
to com a dosagem de calcitonina, que também é marcador
tumoral para esse câncer. Exames de imagem são impor-
tantes na busca de metástases. Frequentemente, metastiza
para o fígado, além de ossos e pulmões. Além disso, respon-
de muito mal à quimioterapia, a qual é indicada de maneira
paliativa. Seu prognóstico é mais reservado.
- Indiferenciados
O carcinoma anaplásico de tireoide é uma das neopla-
sias mais agressivas do corpo humano. Diferentemente dos
outros tipos de câncer de tireoide, não é de tratamento
cirúrgico, por ser localmente avançado. É frequentemente

21
SUPORTE VENTILATÓRIO NÃO CIRÚRGICO

CAPÍTULO

4
Doenças das paratireoides
Alexandre Bezerra / Caio Plopper / Felipe Augusto Brasileiro Vanderlei
Christiana Maria Ribeiro Salles Vanni / Rodney B. Smith

As paratireoides têm receptores de superfície sensíveis


1. Introdução à concentração de cálcio (CaR), que controlam a síntese e
Em número de 4, na maior parte dos indivíduos, as pa- a secreção do PTH. Assim, tanto a hipocalcemia quanto a
ratireoides são glândulas diminutas, com cerca de 5mm, hiperfosfatemia estimulam a secreção rápida desse hormô-
anatomicamente relacionadas à glândula tireoide, geral- nio, que atua aumentando o cálcio sanguíneo por meio da
mente juntas à face posterior de cada lobo tireoidiano e, mobilização das reservas ósseas e aumentando o turnover
por consequência, também relacionadas ao nervo laríngeo ósseo (desmineralização). No rim, o PTH aumenta a reab-
inferior. As paratireoides têm irrigação sanguínea bastante sorção tubular de cálcio e diminui a de fósforo, e também
frágil, derivada dos mesmos vasos que irrigam a tireoide.
aumenta a conversão de 25(OH) vitamina D para 1,25(OH)2
Sintetizam em suas células principais o paratormônio
vitamina D, que, no intestino, eleva a absorção de cálcio.
(PTH), um hormônio peptídico com 84 aminoácidos, a partir
de formas precursoras. A função do PTH é controlar a con-
centração de cálcio ionizado no sangue e fluidos extracelula-
res minuto a minuto, mantendo sua concentração sérica den-
tro de limites estreitos devido à sua grande importância fisio-
lógica. Além das paratireoides, órgãos e tecidos como ossos,
rins e intestino também participam da homeostase do cálcio.
As afecções das glândulas paratireoides decorrem do
excesso de função do PTH (hiperparatireoidismo) ou da fal-
ta ou baixa deste hormônio (hipoparatireoidismo).

Figura 2 - Mecanismo do cálcio orgânico

A molécula intacta de PTH tem meia-vida muito curta,


por volta de 2 minutos, e seu metabolismo é feito principal-
mente no fígado (70%) e no rim (20%). Já o fragmento car-
boxiterminal é metabolizado somente pelo rim, o que ele-
va bastante a sua meia-vida. Dessa forma, a concentração
sanguínea desse fragmento é muitas vezes maior que a da
molécula intacta, e, se houver prejuízo do ritmo de filtração
glomerular, essa duração poderá ser ainda maior.
As doenças das paratireoides são basicamente relacio-
Figura 1 - Relação das paratireoides com o nervo laríngeo inferior nadas ao aumento ou à redução da produção do PTH, le-
e a traqueia vando ao hiperparatireoidismo ou ao hipoparatireoidismo.

22
D O E N Ç A S D A S P A R AT I R E O I D E S

2. Hiperparatireoidismo seas, vômitos, confusão mental, constipação, poliúria e po-


lidipsia. A sintomatologia relacionada ao aumento do cálcio
O hiperparatireoidismo é o aumento da secreção do sérico inclui tontura, cefaleia e ansiedade. Em muitos casos,
PTH por 1 ou mais glândulas paratireoides. Quando causa- os pacientes são assintomáticos e existe alteração apenas no

CIRURGIA DE CABEÇA E
do por doença primária da glândula paratireoide, é deno- exame laboratorial. As queixas mais frequentes dos sinto-

PESCOÇO
minado hiperparatireoidismo primário, cuja principal causa máticos estão relacionadas a alterações renais (cálculos de
é o adenoma de uma única glândula paratireoide, porém, repetição) e ósseas (dor, deformidades esqueléticas, fraturas
mais raramente, pode ser causado por adenoma em mais patológicas, diminuição da densidade mineral óssea e a pre-
de 1 glândula (adenoma duplo), hiperplasia das glândulas sença de “tumor marrom”, graus distintos de osteoporose).
ou carcinoma da paratireoide. Na grande maioria dos casos Os exames laboratoriais geralmente mostram aumento
é assintomático, e a doença é detectada através da medição do nível de cálcio e PTH, associados à hipofosfatemia, com
da calcemia e do PTH elevado. É importante a avaliação dos aumento da fosfatúria e da calciúria de 24 horas. Anemia e
órgãos-alvo (ossos, rins, aparelho digestivo e sistema nervo- aumento de VHS são vistos em 50% dos casos.
so) para a confirmação da ausência de sintomas. Em pacientes com doença mais avançada, a radiografia
O hiperparatireoidismo primário pode ser doença única simples pode mostrar rarefação óssea difusa, crânio com
não associada a outras alterações como no adenoma ou na aspecto denominado “sal e pimenta”, fraturas, absorção
hiperplasia isolada, mas também pode estar presente em sín- subperiosteal das falanges médias e os chamados “tumores
dromes, como nas Neoplasias Endócrinas Múltiplas (NEM). marrons”.
- NEM tipo I Outros exames são necessários para a programação do
• Síndrome de Wermer: tratamento. É fundamental a realização de exames de localiza-
* Tumor de hipófise; ção das paratireoides. A ultrassonografia do pescoço consegue
* Paratireoide (90%); visualizar a glândula ou glândulas doentes e tem a vantagem
* Tumores endócrinos. de permitir a avaliação concomitante da glândula tireoide.
- NEM tipo IIa A medicina nuclear (cintilografia de paratireoides com MIBI)
• Síndrome de Sipple: também é de grande auxílio na identificação da paratireoide
* Câncer medular de tireoide; doente, tendo como vantagem permitir a avaliação de teci-
* Paratireoide (20 a 40%); do paratireoidiano na região cervical e na região mediastinal.
* Feocromocitoma. Podemos utilizar exames de localização invasivos como veno-
grafia e arteriografia seletiva com dosagem de PTH, mas estes
O hiperparatireoidismo secundário é consequência de constituem exceções na avaliação de tecido paratireoidiano.
um desequilíbrio metabólico preexistente, e, embora exis-
tam outras causas para ele, a mais frequente é a insuficiência
renal crônica. A origem dessa disfunção é multifatorial, mas
os principais fatores parecem ser a hipocalcemia persistente
associada à hiperfosfatemia e à deficiência de vitamina D.
Quanto aos pacientes com hiperparatireoidismo se-
cundário que têm seu desequilíbrio metabólico corrigido,
como acontece após o transplante renal, mas que mantêm Figura 3 - Raio x de crânio com aspecto “em sal e pimenta”
o hiperparatireoidismo, há uma aparente autonomia per-
sistente da paratireoide. Esses indivíduos são classificados,
por alguns estudiosos, como portadores de hiperparatireoi-
dismo terciário (como se houvesse uma autonomização da
glândula, perdendo resposta ao feedback).
Os diferentes tipos de hiperparatireoidismo têm em co-
mum o aumento da secreção de PTH, mas, clínica e labora-
torialmente, são doenças bastante distintas.

3. Hiperparatireoidismo primário
O hiperparatireoidismo primário é cerca de 2 a 3 vezes
mais comum no sexo feminino e atinge seu pico de incidên-
cia por volta da 6ª década de vida, raramente encontrado
antes dos 15 anos.
Os pacientes podem apresentar sintomas muito pouco
específicos, como letargia, fraqueza muscular, anorexia, náu- Figura 4 - Tumor marrom

23
CI RUR G I A D E C A B E ÇA E P E S CO ÇO

Figura 5 - Cintilografia de paratireoide hipercaptante inferior Figura 7 - Adenoma de paratireoide


direita

4. Hiperparatireoidismo secundário
O tratamento do hiperparatireoidismo primário é cirúr-
gico, com ressecção do tecido glandular doente. Nos casos Os indivíduos com hiperparatireoidismo secundário são
de adenoma, a ressecção tem alto índice de sucesso no tra- clinicamente muito diferentes dos pacientes com doença
tamento do hiperparatireoidismo primário. Nos casos pro- primária. Por serem, na grande maioria das vezes, porta-
dores de insuficiência renal crônica, já possuem outras al-
vocados por hiperplasia, a ressecção de 1 ou 2 paratireoides
terações clínicas decorrentes da doença de base. Há dores
não soluciona o problema, por tratar-se de doença de todas
ósseas, prurido, mialgia, “tumor marrom”, deformidade
as glândulas, e o tratamento cirúrgico necessário é mais
facial (leontíase ou face leonina), fraturas, calcificações dis-
agressivo. Nesses casos, há indicação de paratireoidecto-
tróficas e até calcifilaxia (necrose de extremidades).
mia subtotal ou total com autoimplante (ou seja, retirar
todas as paratireoides e reimplantar fragmentos de parati-
reoides com aspecto mais saudável na região do antebraço
ou pré-mediastinal, que serão irrigadas por inosculação e
poderão ser mais bem monitoradas e ressecadas em caso
de nova hiperplasia).

Figura 8 - Paciente renal crônico com deformidades ósseas

O PTH fica aumentado, e, na maioria das vezes, os ní-


veis são muito maiores se comparados aos de indivíduos
com hiperparatireoidismo primário. O cálcio geralmente
é normal ou baixo, mas, em raros casos, pode ser mode-
radamente elevado. O fósforo, por sua vez, costuma estar
Figura 6 - Fragmentos de paratireoide que serão reimplantados aumentado.

24
D O E N Ç A S D A S P A R AT I R E O I D E S

Exames de imagem também são importantes, pois po- de grande período de tempo para obter o resultado e in-
dem localizar as glândulas doentes. Novamente, a cintilo- capacidade de medir apenas o nível da molécula intacta.
grafia é de grande ajuda nesses casos porque auxilia na lo- Dessa forma, o resultado era sempre falseado pela grande
calização das glândulas doentes. concentração do fragmento carboxiterminal, resultando em

CIRURGIA DE CABEÇA E
dados incorretos sobre a concentração do PTH “biologica-

PESCOÇO
mente ativo”.
No final dos anos 1980, com o desenvolvimento de mé-
todos que quantificavam só a molécula intacta, um gran-
de problema foi resolvido, porém ainda era necessário um
longo período para obter o resultado. Mais recentemente,
alterando os reagentes, seus volumes e a temperatura de
incubação, foi desenvolvido o método de medida do PTH
que fornece o resultado em menos de 15 minutos, sanando
o problema de tempo, o que determinou o emprego intrao-
peratório da medida do PTH.
O advento dos testes rápidos para essa medida revolu-
cionou o tratamento do hiperparatireoidismo. O hormônio
da paratireoide tem meia-vida menor que 5 minutos, assim
Figura 9 - Cintilografia mostrando captação tardia de paratireoi- o sucesso do tratamento cirúrgico do hiperparatireoidismo
des hiperfuncionantes poderia ser determinado logo após a retirada da glândula
ou das glândulas doentes, ou seja, antes do término do pro-
O tratamento do hiperparatireoidismo secundário con- cedimento. Isso significa que, após a retirada da paratireoi-
siste na paratireoidectomia subtotal ou total com autoim- de hiperfuncionante, o valor de PTH deve cair em torno de
plantes de maior preferência para a 2ª modalidade de trata- 30% do valor inicial e, caso isso não ocorra, deduz-se que
mento. Na cirurgia, é retirado todo o tecido paratireoidiano ainda há tecido hiperfuncionante. Com melhores exames
do pescoço, e é feito o implante de parte do tecido retirado localizatórios da paratireoide e dosagem rápida do PTH,
no membro superior ou no tórax. atualmente, pode-se tratar o hiperparatireoidismo primá-
Inicialmente, o paciente apresenta hipoparatireoidismo rio em ambiente ambulatorial, utilizando anestesia local e
e hipocalcemia, mas esse quadro clínico tende a resolver-se pequenas incisões com segurança de sucesso do procedi-
à medida que o tecido implantado começa a funcionar. mento. A utilização dos métodos rápidos de medida de PTH
Além de implantar parte das paratireoides, o restante também é bastante difundida no tratamento do hiperpara-
no tecido glandular deve ser criopreservado, pois, em al- tireoidismo secundário.
guns pacientes, a quantidade de tecido implantado não é
suficiente para deixá-los com nível adequado de PTH, sendo
necessário o implante de mais tecido das glândulas retira- 6. Câncer de paratireoide
das e preservadas. O câncer das paratireoides é uma doença pouco fre-
quente, com incidência entre 0,5 e 5% das lesões de pa-
ratireoide. Pode ser confundido com adenomas de parati-
reoide, especialmente no início do seu desenvolvimento,
pois também apresenta-se como alterações no tamanho da
glândula associadas a aumento na produção do PTH. Pode
cursar com metástases linfonodais e invasão de estruturas
locais. O tratamento é cirúrgico, com ressecção da lesão
com margem de segurança.

7. Hipoparatireoidismo
O hipoparatireoidismo é caracterizado pela deficiência
de secreção ou ação do PTH, acarretando um quadro clínico
característico: hipocalcemia, hiperfosfatemia, redução da
Figura 10 - Produto de paratireoidectomia total
1,25-(OH)2-vitamina D e PTH baixo. Pode ser causado por
alteração no desenvolvimento da paratireoide, destruição
das glândulas paratireoides, diminuição de função da glân-
5. Medida do paratormônio dula com produção alterada de PTH e alteração na ação do
Os primeiros métodos para medir a concentração do PTH, caracterizando os quadros de pseudo-hipoparatireoi-
PTH apresentavam 2 problemas principais: necessidade dismo.

25
CI RUR G I A D E C A B E ÇA E P E S CO ÇO

A causa mais comum de hipoparatireoidismo é iatrogê- e submete o paciente ao desconforto da coleta seriada de
nica, pós-cirúrgica. As paratireoides, juntamente com seus sangue e dos sintomas de hipocalcemia.
vasos, são manipuladas durante as tireoidectomias, acar- A 2ª conduta preconiza a suplementação de cálcio a to-
retando, em alguns pacientes submetidos à tireoidectomia dos os pacientes submetidos à tireoidectomia total, porém,
total, a hipocalcemia secundária ao hipoparatireoidismo. sabendo que boa parte deles não desenvolveria a hipocal-
Os sintomas são causados, fundamentalmente, pela queda cemia, tal procedimento parece não ser custo-efetivo e sub-
do nível sérico de cálcio. mete todos aos possíveis efeitos colaterais da suplementa-
A tireoidectomia parcial, por não violar a integridade de ção de cálcio, como irritação gástrica, diarreia, náusea, vô-
todas as paratireoides, tem risco mínimo de hipocalcemia. mitos e obstipação. Alguns médicos utilizam a experiência
Com causa multifatorial, como déficit de suprimento para selecionar aqueles que receberão suplementação de
sanguíneo, lesão direta ou ressecção inadvertida de 1 ou cálcio. Dependendo da extensão da cirurgia, doenças pré-
mais paratireoides, a hipocalcemia decorrente do hipopa- vias e aspecto das paratireoides no intraoperatório, o indi-
ratireoidismo, mais de 90% das vezes transitório, ocorre víduo poderá ou não ter seu aporte de cálcio aumentado.
em até metade dos submetidos à ressecção completa da Por ser um método de difícil reprodutividade, não pode ser
tireoide. considerado conduta-padrão.
Os principais sintomas da hipocalcemia são, inicialmen- Alguns cuidados durante o ato cirúrgico devem ser to-
te, mal-estar, parestesia perioral e de extremidades, que mados, com o objetivo de diminuir o risco de desenvolvi-
podem evoluir para cãibras e, eventualmente, tetania, caso mento de hipocalcemia: conhecimento da anatomia cirúr-
não sejam observados os sintomas iniciais e não seja admi- gica do pescoço; dissecção cuidadosa da loja tireoidiana,
nistrada a suplementação de cálcio. Dependendo do nível tomando cuidado para manipular o mínimo possível as
de cálcio, o paciente pode desenvolver arritmia e parada paratireoides; ligadura dos vasos próximos à tireoide; ins-
cardíaca. Clinicamente, podem ser observados os sinais de peção da peça cirúrgica, no caso a própria tireoide depois
Chvostek e Trousseau. da retirada; reimplante de paratireoides com sofrimento
- Sinal de Chvostek: à percussão do nervo facial no seu vascular ou retiradas inadvertidas.
O tratamento da hipocalcemia é feito com suplemen-
trajeto logo abaixo do arco zigomático e anteriormen-
tação via oral de cálcio e vitamina D nos casos leves, e com
te ao pavilhão auditivo, provoca contração ipsilateral
infusão intravenosa de cálcio em caso de sintomas muito
involuntária dos músculos faciais (“repuxamento” da
severos ou alterações cardíacas.
boca);
- Sinal de Trousseau: a oclusão da circulação para o
membro superior usando um manguito insuflado aci-
ma da pressão arterial sistólica durante 3 minutos de-
sencadeia um espasmo do carpo que pode ser muito
doloroso: a chamada “mão de parteiro” ou “em garra”.

Nos pacientes com hipoparatireoidismo persistente, os


sintomas progridem, e pode aparecer catarata com cor-
respondente dificuldade visual.
Apesar do quadro clínico exuberante, a hipocalcemia,
clínica ou laboratorial, geralmente não se desenvolve nas
primeiras 24 horas de pós-operatório, e sim após 48 horas.
Aparentemente, a presença dos sintomas de hipocalcemia
não está relacionada diretamente ao cálcio sérico, e sim à
velocidade no decaimento da calcemia. Por isso, não é raro,
na prática clínica, observar pacientes com sintomas de hi-
pocalcemia e cálcio sérico normal e pacientes com cálcio
sérico baixo assintomáticos.
Com relação à hipocalcemia, há 2 principais condutas
no manejo dos submetidos à tireoidectomia total.
Na 1ª, mais conservadora, sabendo que apenas 1/3 dos
pacientes necessitará de intervenção, são feitas a observa-
ção e a coleta seriada de sangue para determinar a calce-
mia. A introdução da suplementação de cálcio, nesse caso,
é feita apenas se há sintomas de hipocalcemia ou queda
acentuada na concentração plasmática de cálcio. Essa con-
duta pode levar ao prolongamento da internação hospitalar

26
CAPÍTULO

5
Traqueostomias
Alexandre Bezerra dos Santos / Christiana Maria Ribeiro Salles Vanni / Rodney B. Smith

1. Introdução
Denomina-se traqueostomia a abertura da traqueia
(cervical) para o meio externo, por intermédio de uma
incisão cirúrgica. Tal abertura é mantida através de uma
cânula curvilínea especificamente desenhada para essa
função. Trata-se de procedimento já descrito no século I,
mas em 1546 foi descrito em literatura médica especia-
lizada por Antonio Musa Bressavola. O grande pioneiro
Chevalier Jackson publicou, em 1896, uma descrição da
técnica de traqueostomia com menção a complicações e
indicações.
A traqueostomia é um procedimento cirúrgico, o que Figura 1 - Anel traqueal aberto: traqueostomia (cirurgia para cor-
significa que deve ser feita em um centro cirúrgico, prefe- reção de estenose traqueal)
rencialmente sob anestesia geral. Em algumas situações,
pode ser realizada em um leito de UTI, desde que todas as 2. Indicações
normas cirúrgicas sejam respeitadas, ou seja, que todas as
A traqueostomia é um procedimento que tem por base
condições de assepsia e antissepsia estejam de acordo, e
a intenção de manter, aguda ou cronicamente, a pervie-
que toda a estrutura de materiais e iluminação seja ade- dade da via aérea. Assim, a indicação depende de como a
quada para o procedimento. Nesses casos, pode-se aplicar doença de base a afeta, sempre que é necessária via aérea
anestesia local, com o paciente sob sedação profunda e definitiva.
acompanhado pelo anestesista, ou mesmo pelo intensivis-
ta. Atualmente, também vem ganhando espaço a realização A - Neoplasias obstrutivas das vias aéreas
de traqueostomia percutânea, que será descrita em mais Compreendem as neoplasias malignas da laringe, oro-
detalhes. Na prática clínica, essas normas algumas vezes faringe (base de língua), hipofaringe (seio piriforme) ou da
não acontecem, principalmente em situações de emergên- própria traqueia. Eventualmente, tumores benignos tam-
cia, nas quais o objetivo principal é manter o doente com bém podem obstruir, mas esse fenômeno é raro, como bó-
cios tireoidianos volumosos.
via aérea pérvia.
O tumor que mais acarreta esse tipo de situação é o
Trata-se de um procedimento cada vez mais realizado carcinoma epidermoide, relacionado ao tabagismo e ao
nos hospitais, à medida que aumenta a sobrevida de pa- etilismo, e que apresenta outros sintomas, como disfonia,
cientes crônicos em unidades de terapia intensiva e diminui disfagia, odinofagia, antes de ser volumoso o suficiente a
o risco de estenose subglótica decorrente de intubações ponto de causar obstrução. Em geral, essa obstrução é pro-
prolongadas. gressiva, e o paciente se apresenta com um sintoma muito
característico, que é a cornagem, ou estridor alto, um ruído
Apesar de ser um procedimento relativamente simples, intenso e grave, sincronizado com a incursão respiratória,
sempre é de risco, e devemos nos atentar para situações de com caráter progressivo, além da incapacidade de dormir
maior dificuldade ou complexidade. na posição horizontal.

27
CI RUR G I A D E C A B E ÇA E P E S CO ÇO

Nesses casos, a traqueostomia é mais difícil, porque, Guedel e, eventualmente, intubação orotraqueal. Se ne-
em geral, não se consegue realizar a intubação orotraque- nhuma dessas técnicas funcionarem, deverá ser realizada a
al, uma vez que o próprio tumor impede a visualização da cricotireoidostomia.
glote durante a laringoscopia, e o paciente é incapaz de Por obstrução crônica não neoplásica, entendem-se as
colaborar, devido à agitação causada pela hipóxia. Muitas estenoses do complexo laringotraqueal, um grupo de do-
vezes, aqueles que apresentam tumores que não são consi- enças de difícil tratamento e alta taxa de recorrência. Na
derados obstrutivos quando iniciam a radioterapia evoluem imensa maioria das vezes, são causadas por intubação pro-
para insuficiência respiratória decorrente do edema. longada, e muitos têm algum tipo de sequela neurológica.
Como esse tipo de situação é, em geral, progressiva, o
São também progressivas e lentas e cursam com estridor
paciente tolera algum tempo de desconforto respiratório,
respiratório, às vezes, crônico. Idealmente, se os pacientes
não sendo comumente necessária a cricotireoidostomia.
chegam a ter necessidade de traqueostomia, esta deve ser
Muitas vezes, o procedimento acaba sendo realizado sob
realizada pelo especialista, que deverá fazer uma avaliação
anestesia local.
da árvore traqueobrônquica para conhecer o nível e a ex-
tensão da estenose, e já realizar uma programação de tera-
pêutica cirúrgica definitiva. Ao ser realizada pelo cirurgião
ou médico capacitado, deve-se tomar o cuidado de não
ressecar anéis traqueais durante a traqueostomia, pois isso
dificultará a correção cirúrgica posterior.

Figura 2 - Tumor avançado com inúmeros implantes e orifício de


traqueostomia

B - Obstruções não neoplásicas das vias aéreas


As obstruções agudas são de tratamento imediato e na
maior parte dos casos não necessitam de traqueostomia.
Traumas com rebaixamento do nível de consciência e que-
da da língua, ou sangramento na orofaringe, são tratados
com manobras clínicas posicionais, colocação de cânula de Figura 3 - Técnica da cricotireoidostomia

28
TRAQUEOSTOMIAS

C - Intubação prolongada las e respiradores até em ambiente domiciliar.


Outra situação específica é a das aspirações, ou seja,
Trata-se da indicação mais comum de traqueostomia, aqueles que, por algum motivo, anatômico ou funcional,
devido à grande quantidade de doentes em ambientes de têm dificuldade de deglutir líquidos (inclusive a própria sa-

CIRURGIA DE CABEÇA E
terapia intensiva que ficam intubados por muito tempo. A liva) e apresentam riscos de aspiração e maior chance de

PESCOÇO
razão da indicação é justamente a prevenção das estenoses, pneumonias aspirativas. Os motivos anatômicos que geram
que são de tratamento difícil. essa situação são basicamente tumores cervicais, que cau-
A presença de uma cânula ventilatória, com cuff, na la- sam compressão local, ou pós-operatórios de grandes cirur-
ringe e na traqueia, é lesiva à mucosa respiratória. A área gias no segmento cervicofacial (por exemplo, glossectomias
de contato com a cânula causa uma compressão local, com na base da língua), em ressecções parciais da laringe que
isquemia da mucosa, ulcerações e processo inflamatório acometem o mecanismo de fechamento da glote, ou doen-
intenso. Se essa situação se perpetua por alguns dias, isso ças neurovegetativas.
gera uma fibrose local que evolui para uma estenose, às ve- Os motivos funcionais da aspiração são alterações neu-
zes total, do segmento laringotraqueal. As cânulas antigas, rológicas que cursam com uma incoordenação do complexo
com balonetes (cuffs) de baixo volume e alta pressão, cau- laringotraqueal, de forma que esses pacientes apresentam
savam muitas estenoses de traqueia. Já as cânulas moder- pneumonias aspirativas de repetição. Isso pode ocorrer em
nas, com alto volume e baixa pressão, têm evitado parcial- 2 faixas etárias: crianças que nasceram com alguma neuro-
mente essa complicação. No entanto, tem-se observado um patia grave ou idosos que sofrem de doenças degenerati-
aumento na incidência de estenoses laríngeas (por pressão vas do sistema nervoso central, sendo o mal de Alzheimer
não do balonete, mas da parte da curva no próprio corpo a mais comum. Esses pacientes, nos casos mais avançados,
da cânula). necessitam de traqueostomia para proteção da via aérea,
Não existe um consenso sobre o momento mais opor- de forma a prevenir as pneumonias aspirativas.
tuno para realizar a traqueostomia; a maioria dos serviços
admite que, após 10 ou 14 dias, já se deve indicá-la. A ten-
dência é que esse período diminua, mas que se considerem 3. Cuidados pré e pós-operatórios
outros fatores do paciente. O principal e, às vezes, o mais Pessoas saudáveis nunca devem ser traqueostomizadas,
difícil de mensurar é o prognóstico do caso. Neuropatas, salvo em casos de traumas com lesão de face. Os candidatos,
por exemplo, que ficarão por tempo prolongado sob o au- na maioria das vezes, serão portadores de 1 ou de uma sé-
xílio de ventilação mecânica, podem ser traqueostomizados rie de doenças que precisam ser adequadamente avaliadas.
mais precocemente, enquanto aqueles em recuperação de Como a maioria dos casos é de pacientes em ambiente de
alguma condição cardiopulmonar podem beneficiar-se do terapia intensiva, cujas doenças de base nem sempre estarão
aguardo pela melhora e ser extubados, não havendo, assim, devidamente compensadas, é preciso avaliar, juntamente
a necessidade do procedimento. Os neuropatas, ou sem com o médico intensivista, o risco inerente de um ato cirúr-
prognóstico de extubação, devem ser traqueostomizados o gico. É importante lembrar que se trata de um procedimento
mais precocemente possível, mas há consensos que preco- em geral programado e que deve haver um contato prévio
nizam nas primeiras 48 horas. com a família a fim de esclarecer a indicação e os benefícios
A higienização com traqueostomia, os custos, a possi- do procedimento. São fatores que determinam a avaliação:
bilidade de alta hospitalar e o desmame ambulatorial são
fatores que aumentam a divulgação da técnica, apesar de
- Instabilidade hemodinâmica: torna arriscado todo o
ato cirúrgico, inclusive o transporte ao centro cirúrgico;
ser invasiva.
- Coagulopatias: contraindicações absolutas que devem
D - Higiene traqueobrônquica e aspiração ser necessariamente controladas;
Do ponto de vista da medicina intensiva, é mais fácil - Prognóstico da doença de base.
manipular um traqueostomizado do que um indivíduo com
intubação orotraqueal, pois é mais fácil realizar a fisiotera- Do ponto de vista cirúrgico, existem alguns fatores ana-
pia respiratória (em especial, a aspiração de secreções) e o tômicos aos quais devemos estar atentos antes de iniciar o
próprio desmame ventilatório. Isso porque se pode ter mais processo:
liberdade em manter o paciente respirando só com supor-
te, sem sedação, visto que, em caso de fadiga respiratória,
- Obesidade: incisões maiores e afastadores mais pro-
fundos, às vezes, até cânulas especiais e a necessidade
não há a necessidade de reintubação, basta o aparelho de
de mais auxiliares;
ventilação à cânula de traqueostomia, sendo esta plástica, e
com cuff para possibilitar a ventilação compressão positiva - Hiperflexão cervical: idosos tendem a uma acentua-
e evitar escapes. Assim, muitos pacientes que, no passado, da curvatura cervical e, com isso, uma traqueia mais
necessitariam permanecer em UTI apenas por uma questão inferiorizada e profunda, de forma que ela deve ser
de suporte ventilatório, podem permanecer com suas cânu- tracionada para cima, possibilitando o posicionamento

29
CI RUR G I A D E C A B E ÇA E P E S CO ÇO

da cânula. Alguns idosos podem também ser portado- Em alguns casos, a traqueostomia é definitiva, como
res de artrose cervical, dificultando o posicionamento tumores incuráveis, neuropatias graves, ou como parte de
cervical ideal; uma laringectomia total. Nesses casos, pode-se maturar
o traqueostoma, ou seja, dar pontos unindo a pele à
- Presença de bócio: em especial, em mulheres, deve- traqueia, o que facilita muito as trocas de cânulas e diminui
-se palpar a glândula tireoide para descartar um bócio
a possibilidade de sangramento no pós-operatório.
que se interporá ao trajeto cirúrgico. Nesse caso, deve-
-se planejar uma istmectomia, ou seja, a ressecção do
istmo da tireoide, para ter acesso à traqueia, além do Observação:
A cânula colocada no centro cirúrgico é plástica, ou de silicone,
cuidado com uma traqueostomia transtireoidiana que
com cuff, e o encaixe é adequado às traqueias dos respiradores.
promoverá um sangramento volumoso e importante
Enquanto o paciente se mantiver em regime de suporte ventila-
de difícil controle; tório, deverá permanecer com esse tipo de cânula (cujo tamanho,
- Presença de grandes tumores cervicais anteriores: a em adultos, varia de 7 a 9). Apesar de ser constantemente aspirada,
pode apresentar obstrução por rolha de catarro, portanto, se no-
presença de uma massa cervical baixa pode dificultar
tada resistência à ventilação, deve ser trocada com cuidado. Já a
ou, até mesmo, impedir a traqueostomia. cânula metálica, de uso definitivo, não apresenta cuff, mas possui
intermediário que pode ser retirado e higienizado.
No período pós-operatório, a principal atenção deverá
ser em relação ao posicionamento da cânula, de forma a
impedir que esta se movimente e fique em falso trajeto.
Para isso, deve-se fixá-la com cadarço sempre justo, sem
folgas, ou com pontos na pele. Assim, quando o paciente
apresenta tosse, a cânula não sai da traqueia, assegurando
sua posição intratraqueal.

4. Técnica operatória
A seguir, os detalhes técnicos de uma traqueostomia:
- Posicionamento em DDH (Decúbito Dorsal Horizontal)
com hiperextensão cervical;
- Incisão horizontal arciforme ou transversa (em urgên-
cias, a linha média, apesar de ter um prejuízo estético,
é avascular e está na rafe da musculatura), de acordo
com a preferência do cirurgião;
- Elevação dos retalhos miocutâneos de platisma, para
aumentar o campo cirúrgico;
Figura 4 - Cânula metálica com fenestra: notar o intermediário
- Abertura da rafe mediana e acesso à traqueia;
- Revisão de hemostasia antes da abertura da traqueia; Conforme o paciente consegue respirar por conta pró-
- Traqueotomia: abertura da traqueia, em geral, entre o pria, deve-se trocar a cânula por outro tipo, em geral metá-
2º e o 3º anéis, em diversas opções: horizontal, verti- lica, sem cuff e com uma peça denominada “intermediária”,
cal, em “H”, em “T” normal ou invertido, ou remoção que serve para a limpeza da luz da cânula. Com essa cânula
de um anel; metálica, o paciente não precisa mais de aspiração e pode
apenas lavar a parte intermediária, sendo indicada inclusive
- Colocação (opcional) de fios de reparo traqueais (faci- para uso domiciliar. A mesma cânula pode durar semanas e
litam a troca da cânula);
só deve ser trocada se apresentar sinais de oxidação.
- Solicitação ao anestesista para que retire o tubo (até
o nível do traqueostoma, deve-se assegurar que a tra-
queia esteja bem exposta, para evitar complicações e 5. Complicações
óbito do paciente por anóxia); Podem ser divididas em 3 tipos, de acordo com o mo-
- Colocação da cânula (previamente testada), insuflação mento em que ocorrem:
do cuff e avaliação da boa ventilação;
- Fechamento da incisão (opcional, nunca de modo a fi- A - Intraoperatórias
car hermeticamente fechada para não criar enfisema Sangramento, mau posicionamento do tubo, laceração
de subcutâneo); traqueal, lesão no nervo laríngeo recorrente, pneumotórax,
- Colocação do cadarço e curativo. pneumomediastino, parada cardiorrespiratória.

30
TRAQUEOSTOMIAS

B - Agudas vaso contra a parede posterior do esterno), enquanto


o paciente passa pela anestesia e é preparado para to-
Hemorragias: por vezes extensas, em especial de vasos racotomia e reparação arterial.
tireoidianos, especialmente em pacientes com insuficiên-

CIRURGIA DE CABEÇA E
cia cardíaca e estase venosa cervical; é a complicação mais
6. Tópicos especiais

PESCOÇO
comum, que geralmente se resolve com compressão local,
porém pode necessitar de reabordagem cirúrgica;
Dificuldade de ventilação: por inadequação da cânula, A - Traqueostomia percutânea
cuff furado, secreção pulmonar ou estenoses abaixo do tra-
queostoma; obstrução da cânula por coágulo ou rolha de Trata-se de uma modalidade cirúrgica recente, que
catarro, em geral, ocorre alguns dias após a traqueostomia, consiste em realizar a traqueostomia por via retrógrada,
e o tratamento compreende a troca da cânula plástica; em pacientes cuja indicação é a intubação prolongada. Por
Queimadura da árvore traqueal: a abertura da traqueia meio de um broncoscópio, estudam-se as condições da pa-
deve ser feita com lâmina fria, para evitar o contato do oxi- rede anterior da traqueia, e elege-se o local para a punção
gênio (inflamável e às vezes em concentrações elevadas) por orientação através da luz do broncoscópio. Por meio
circulante na traqueia com a faísca do bisturi elétrico; dessa punção, passa-se um fio-guia e usam-se cateteres
Falso trajeto: colocação da cânula em situação paratra- de diâmetros progressivamente maiores, de forma a dila-
queal, ou em posição esofágica, nos raros casos em que há tar esse trajeto, até que se consiga passar uma cânula de
uma fístula traqueoesofágica não previamente diagnosti- traqueostomia por tal orifício, com mínima incisão de pele.
cada, ao nível do cuff (da cânula prévia). Acontece por má Obviamente, tudo isso é possível graças ao desenvolvimen-
fixação do cadarço ou manipulação indevida da cânula, e to de kits específicos para essa finalidade. Trata-se de uma
deve-se sempre observar se há resistência à ventilação e, técnica que vem obtendo progressiva aceitação em diversas
caso o paciente seja capaz de respirar, haverá saída de ar instituições.
pela cânula; Apresenta como vantagens a incisão mínima, a rapidez,
Enfisema de subcutâneo: é, em geral, autolimitado. a facilidade de ser realizada em leito de UTI (sem a neces-
Deve ser dada maior atenção, caso ele se torne progressivo: sidade de transporte). As desvantagens são as contraindi-
pode ser indício de infecção do sítio operatório. cações (paciente com anatomia desfavorável), a eventual
necessidade de conversão de urgência (sangramento), a
C - Tardias necessidade de broncoscopia (embora já existam alguns
grupos realizando-a sem o broncoscópio, fato que aumenta
- Fístula traqueocutânea: em casos de traqueostomias muito a possibilidade de complicações) e o custo (apesar
temporárias, o próprio traqueostoma se fecha por 2ª de que o preço dos kits tende a ser compensado pela não
intenção algumas semanas após a retirada da cânula. utilização do centro cirúrgico).
Quando isso não ocorre (geralmente porque a cânula De qualquer forma, é uma técnica nova, em evolução,
permaneceu por tempo prolongado), forma-se uma fís- com vantagens e desvantagens, mas que, se efetuada cor-
tula epitelizada, que deve ser tratada cirurgicamente; retamente, já provou ser segura.
- Fístula traqueovascular: é a mais grave das compli-
cações e, felizmente, muito incomum. Devido a uma
pressão crônica, exercida pela parte inferior da própria
cânula metálica à parede anterior da traqueia, pode-se
ter uma ulceração profunda com comunicação com os
grandes vasos da base (em especial, a artéria inomi-
nada), até que se exteriorize sangramento arterial, de
altíssimo fluxo, pelo traqueostoma. Deve-se suspeitar
de que essa situação possa ocorrer nos casos em que
a cânula (metálica) de traqueostomia apresenta pulso,
geralmente visível, ou se há sangramento, mesmo que
discreto, de caráter arterial e tardio. Muitas vezes, a
ruptura da fístula acontece no momento de uma tro-
ca de cânula e quase sempre é fatal, tanto pela perda
sanguínea como pela aspiração de grande quantidade
de sangue. O tratamento é cirúrgico e emergencial, e Figura 5 - Técnica de Seldinger
deve-se colocar imediatamente uma cânula com cuff,
se possível, de alta pressão, na tentativa de realizar B - Cricotireoidostomia
a compressão (ao puxar a cânula com cuff insuflado, Trata-se de um procedimento cirúrgico com profundas
além de proteger a via aérea, tenta-se comprimir o diferenças em relação à traqueostomia. Tem por finalidade

31
CI RUR G I A D E C A B E ÇA E P E S CO ÇO

ser o acesso mais imediato à via aérea, uma vez que é reali-
zada sobre uma membrana denominada cricotireóidea, que
está entre as cartilagens tireoide (acima) e cricoide (abaixo).
Ou seja, anatomicamente falando, é uma laringostomia.
Essa membrana é delgada e avascular, e seus reparos
anatômicos são facilmente palpáveis. Assim, logo que se
procede à incisão cutânea cervical, palpa-se o espaço en-
tre as cartilagens tireoide e cricoide e, por meio de um
instrumento rombo (em geral, um mosquito), perfura-se a
membrana, dilata-se o trajeto e coloca-se a cânula (ou, em
situações de emergência, qualquer tubo, por exemplo, uma
caneta sem a carga). Portanto, é um procedimento cirúrgi-
co absolutamente emergencial, que não deve levar mais do
que poucos segundos e pode ser feito por qualquer médico
capacitado.
As indicações são as obstruções agudas de vias aéreas,
em que a intubação orotraqueal é impossível, como trau-
matismos com grande sangramento oral, edema de glote
por anafilaxia, corpo estranho, impossibilidade de intuba-
ção em paciente curarizado.
A cricotireoidostomia é um procedimento que salva
vidas, porém temporário. Deve ser convertida, assim que
possível (ou seja, quando o paciente estiver estabilizado),
para uma traqueostomia, porque o procedimento é lesivo
à cartilagem cricoide, que é a única cartilagem completa
(circunferencial) de todo o complexo laringotraqueal, e isso
poderia levar a uma estenose laríngea de difícil tratamento.
Além disso, não deve ser realizada em crianças porque a
membrana é extremamente pequena, e corre-se o risco de
fratura da cartilagem cricoide, o que pode causar um desa-
bamento da laringe. Em situação de absoluta emergência,
pode-se proceder à punção traqueal com jelco, para venti-
lação, enquanto se procede à traqueostomia.

7. Conclusão
A traqueostomia é um procedimento da área de atua-
ção do cirurgião geral ou muitas vezes do cirurgião de ur-
gência, a quem cabe avaliar a indicação (muitas vezes, dada
pelo intensivista), orientar os cuidados no pós-operatório,
saber tratar as complicações e, sobretudo, saber reconhe-
cer quais os casos em que determinadas dificuldades ou
complicações estarão mais propensas, de modo a exercer
melhor a sua atividade cirúrgica.

32
CAPÍTULO

6
Abscesso cervical
Alexandre Bezerra / Caio Plopper / Felipe Augusto Brasileiro Vanderlei
Christiana Maria Ribeiro Salles Vanni / Rodney B. Smith

cervicais, na maioria das vezes, secundárias a infecções das


1. Introdução vias aéreas superiores. Uma flora polimicrobiana também é
O abscesso cervical é uma infecção profunda no pes-
identificada nos abscessos.
coço, também conhecida como coleção purulenta nos es-
Entre as bactérias Gram positivas, as mais frequentes
paços profundos cervicais. É muito importante ressaltar a
são o Streptococcus e o Staphylococcus. Entre as Gram
necessidade de a infecção ser profunda para diferenciar das
negativas, as mais comuns são a Klebsiella, a Neisseria e o
infecções superficiais (pele) que são de fácil tratamento e
Haemophilus.
com mínimo índice de complicações.
O tratamento adequado das infecções do pescoço e Em se tratando de anaeróbios, os bacteroides, o
das vias aéreas superiores promoveu uma diminuição na Peptostreptococcus e o Fusobacterium são os mais comuns.
incidência dessa doença e principalmente das suas com-
plicações, como óbito, mas ainda é bastante presente, e a 3. Fáscias cervicais
suspeita clínica deve ser feita diante de um paciente com
Denomina-se fáscia cervical o tecido conjuntivo que
quadro clínico e epidemiológico compatível com a doença,
envolve as estruturas cervicais, criando espaços virtuais e
pois o tratamento adequado e precoce tem alto índice de
dividindo o pescoço. O conhecimento dos espaços cervicais
sucesso.
é muito importante no entendimento e no tratamento do
abscesso cervical.
2. Epidemiologia A fáscia superficial é uma camada fina e frouxa de gor-
O abscesso cervical pode estar presente tanto nas crian- dura, logo abaixo da pele que circunda os músculos platis-
ças como nos adultos, e os fatores etiológicos são diversos, ma e da face. A fáscia profunda tem 3 lâminas: superficial,
dependendo da faixa etária. média e profunda.
A lâmina superficial da fáscia cervical profunda circunda
a) Crianças completamente o pescoço, incorporando o músculo ester-
- Amigdalite: principal causa dos abscessos nessa faixa nocleidomastóideo e o músculo trapézio. Envolve a glân-
etária; dula submandibular, músculos da mastigação e a glândula
- Malformações congênitas: cisto do ducto tireoglosso, parótida.
cisto branquial. A lâmina média da fáscia cervical profunda pode ser di-
vidida em visceral e muscular.
b) Adultos O espaço visceral do pescoço – tubo digestivo e respira-
- Origem dentária: após manipulação/tratamento den- tório, tireoide e paratireoides –, cranialmente, é conhecido
tário, principal causa nessa faixa etária; como fáscia bucofaríngea e recobre o espaço mucoso fa-
- Trauma cervical; ríngeo (constritores da faringe). Posteriormente, está muito
- Infecção de vias aéreas superiores; próximo à fáscia alar, correspondendo à parede anterior do
- Drogas intravenosas; espaço retrofaríngeo.
- Infecção de glândulas salivares. A lâmina profunda da fáscia cervical profunda divide-
-se anteriormente em alar e pré-vertebral. O folheto pré-
Apesar de ter fatores etiológicos bem conhecidos, em -vertebral estende-se desde a base do crânio até o cóccix, e
mais de 20% dos casos de abscesso cervical não é possível a fáscia alar, até a 7ª vértebra cervical.
descobrir o fator etiológico que deu origem ao quadro. As fáscias alar e pré-vertebral são separadas por um te-
As vias aéreas superiores são colonizadas por grande cido conjuntivo frouxo denominado danger space. A ana-
número de diferentes tipos de bactérias, sendo as infecções tomia cervical possibilita disseminações infecciosas muito

33
CI RUR G I A D E C A B E ÇA E P E S CO ÇO

particulares da região cervicofacial. A comunicação do es- Geralmente, a história é curta, associada a febre, au-
paço profundo cervical com o mediastino possibilita que mento do volume cervical, dor à movimentação do pesco-
uma infecção se dissemine diretamente da região cervical ço, dor à deglutição e trismo (dificuldade de abertura da
para a região mediastinal através do danger space. Com boca).
consequências catastróficas, esta possibilidade de dissemi- Ao exame físico, o paciente pode apresentar-se febril, e
nação não deve ser esquecida. a área acometida pode estar hiperemiada e com aumento
As fáscias e suas lâminas originam diversos espaços no da temperatura. Algumas vezes, a drenagem tem conteúdo
pescoço: frustro, ou seja, pequena quantidade e pouco pus, e apre-
- Espaço parafaríngeo; senta ar (angina de Ludwig, quadro de abscesso submandi-
- Espaço mastigador; bular grave), mas deve ser realizada mesmo assim, trazendo
- Espaço mucoso faríngeo; grandes benefícios ao paciente.
- Espaço parotídeo;
- Espaço submandibular;
- Espaço visceral anterior;
- Espaço carotídeo;
- Espaço retrofaríngeo;
- Danger space;
- Espaço pré-vertebral.
Entre esses espaços, os mais frequentemente acometi-
dos pelo abscesso cervical são o submandibular e o para-
faríngeo.

Figura 2 - Abscesso submentoniano ou angina de Ludwig

Figura 1 - Cortes sagital e axial das fáscias cervicais

A - Quadro clínico
Durante a anamnese e o exame físico, devem-se inves-
tigar as principais etiologias do abscesso, como tratamento
dentário e infecção de vias aéreas superiores. Figura 3 - Abscesso parotídeo

34
ABSCESSO CERVICAL

O paciente não tratado corretamente pode evoluir com


piora do quadro geral rapidamente, com aparecimento de
sinais de má evolução, como dispneia por comprometimen-

CIRURGIA DE CABEÇA E
to da traqueia e laringe, disfagia por comprometimento de

PESCOÇO
esôfago e faringe, disfonia por comprometimento direto da
laringe ou dos nervos recorrentes e sepse.

Tabela 1 - Sinais de má evolução


- Disfagia;
- Disfonia;
- Dispneia;
- Sepse.

B - Diagnóstico
Figura 4 - Abscesso de espaço retrofaríngeo
O diagnóstico é feito com base na história e no exame
físico, mas alguns exames complementares são importantes
no planejamento terapêutico e no acompanhamento dos
pacientes.
O hemograma geralmente demonstra leucocitose com o
aumento das formas jovens, como acontece na maioria das
infecções, e o acompanhamento do leucograma ajuda na
evolução. As provas inflamatórias, como PCR e VHS, estão
aumentadas, mas também são exames inespecíficos.
Os exames de imagem são de grande importância no
diagnóstico e na programação terapêutica, e a tomografia
computadorizada é o exame de escolha. Nela, podem-se
observar toda a extensão do abscesso e o comprometimen-
to das lojas do pescoço e das outras estruturas como esôfa-
go, laringe e vasos. O abscesso geralmente apresenta uma
maior concentração de contraste na sua periferia.

Figura 5 - Abscesso no chamado danger space, risco de medias-


tinite Figura 6 - Abscesso em musculatura pré-tireoidiana

35
CI RUR G I A D E C A B E ÇA E P E S CO ÇO

C - Tratamento
O tratamento do abscesso cervical pode ser dividido da
seguinte forma:
a) Suporte
O abscesso cervical vem acompanhado de dor com di-
ficuldade de deglutição e trismo, assim os pacientes po-
dem estar desidratados e com algum distúrbio eletrolítico.
É importante corrigir qualquer distúrbio e tratar a dor. Os
cuidados locais, como a higiene da boca e a aplicação de
compressas mornas no pescoço, também auxiliam no tra-
tamento.
A manutenção da via aérea pérvia é fundamental em al-
guns casos. A progressão do quadro infeccioso leva a insufi-
ciência respiratória obstrutiva. Nestas ocasiões, a realização
de traqueostomia de proteção deve ser lembrada.
O uso de oxigenoterapia hiperbárica, pode auxiliar no
tratamento do abscesso cervical.

b) Antibioticoterapia
O tratamento com antibiótico deve ser feito lembrando
a grande variedade de bactérias que podem estar envolvi-
das, portanto está indicada uma antibioticoterapia de am-
plo espectro. O tratamento inicial pode ser feito conforme
o esquema seguinte:
- Clindamicina
• 2,4g/dia – adulto;
• 40mg/kg/dia.
- Cefalosporina de 3ª geração
• Ceftriaxona (2g/dia; 20 a 80mg/kg/dia).

Figura 7 - Abscesso parafaríngeo O uso associado de corticosteroides ainda é controver-


so; pacientes de menor risco e em bom estado geral podem
se valer dele, pois “acelera” o processo de cura, diminuindo
o edema e a dor.
c) Drenagem
A drenagem continua a ser o padrão-ouro no tratamen-
to do abscesso cervical, mas, em alguns casos, ela pode ser
desnecessária.
Pacientes em excelente estado geral, estáveis, com abs-
cessos menores de 3cm, podem ser observados internados
durante as primeiras 48 horas de antibioticoterapia. Após
esse tempo, deve ser realizada nova tomografia. Se, durante
a observação, houver piora do estado clínico e não houver
melhora na nova tomografia, a drenagem estará indicada.
Em se tratando de todos os outros doentes, a drena-
gem deve ser feita o mais rapidamente possível. As inci-
sões devem ser amplas, e é necessária a comunicação de
Figura 8 - Abscesso submandibular todas as lojas e espaços acometidos, lavagem exaustiva
do pescoço com soro fisiológico e colocação de drenos no
É muito importante notar que a tomografia define muito espaço para possibilitar a saída da secreção restante no
bem a área do abscesso e, em alguns casos, o comprome- pescoço, e além da observação. Caso não haja melhora,
timento de várias lojas cervicais – essa informação é muito novas abordagens devem ser feitas com o objetivo de re-
importante no planejamento cirúrgico. solver o quadro.

36
ABSCESSO CERVICAL

Dependendo da extensão do abscesso, podem ser neces- da para traqueostomia emergencial;


sárias a drenagem do mediastino e tórax e a traqueostomia. - Não retardar uma nova abordagem cirúrgica, se não
Em crianças com abscesso parafaríngeo, a drenagem do houver melhora clínica ou se ainda houver sinais de
abscesso pela cavidade oral pode ser resolutiva, pois a ca- necrose ou pus na CT;

CIRURGIA DE CABEÇA E
vidade oral é muito mais próxima do espaço parafaríngeo - Drenagem intraoral está indicada quando possível,

PESCOÇO
que o pescoço. principalmente na população pediátrica;
E não se deve esquecer que o abscesso cervical geral- - Ter atenção especial com o mediastino e a pleura;
mente é secundário a outra infecção. É muito importante alguns espaços cervicais são contíguos a essas estru-
procurar o foco primário e tratá-lo adequadamente. turas;
d) Complicações - Não se esquecer de coletar material para cultura e an-
Na grande maioria dos casos, o tratamento cirúrgico, as- tibiograma;
sociado ao antibiótico, cuida adequadamente dos pacientes - Avaliar a necessidade de enviar o paciente a uma
com abscesso cervical. Alguns podem evoluir de forma des- Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e de oxigenoterapia
favorável. As principais complicações são: hiperbárica.
- Obstrução de via aérea;
- Mediastinite;
- Pneumonia;
- Trombose de jugular;
- Sepse.
Alguns apresentam maior risco de complicações com
maior risco de mortalidade:
- Idosos;
- Diabéticos;
- Imunossuprimidos;
- Pacientes com mais de 1 espaço comprometido.
e) Orientações práticas e importantes
- Sempre prestar atenção às queixas;
- Procurar e tratar o sítio primário da infecção;
- A tomografia com contraste é muito útil e deve ser re-
alizada no início do quadro;
- Na maioria dos casos, o tratamento de escolha com-
preende a antibioticoterapia de amplo espectro e dre-
nagem cirúrgica;
- Idade avançada, DM, doenças sistêmicas e acometi-
mento de múltiplos espaços estão associados a maior
índice de complicações;
- Em casos selecionados, pode-se fazer teste terapêu-
tico com antibiótico intravenoso antes da drenagem
cirúrgica. A reavaliação clínica e nova TC após 48 horas
determinarão a necessidade de abordagem cirúrgica;
- Edema e gás são identificados em pacientes com fas-
ceíte necrosante, e há necessidade de debridamento
cirúrgico precoce e antibioticoterapia de amplo espec-
tro;
- Dispneia, disfagia e disfonia são sinais de mau prog-
nóstico, e uma abordagem mais agressiva é necessária;
- Grandes incisões são necessárias, portanto há indica-
ção de anestesia geral. A programação da anestesia
deve ser cuidadosa, e muitas vezes os pacientes apre-
sentam intubação difícil pelo trismo e o broncoscopis-
ta deve estar presente, assim como a equipe prepara-

37
SUPORTE VENTILATÓRIO NÃO CIRÚRGICO

CAPÍTULO

7
Tumores de cavidade oral
Alexandre Bezerra / Caio Plopper / Christiana Maria Ribeiro Salles Vanni / Rodney B. Smith

lio e da musculatura associada, além de lesões benignas e


1. Introdução malignas de glândulas salivares menores, lesões e displasias
Apesar do fácil acesso à cavidade oral, infelizmente, ósseas e sarcomas. Devido à sua prevalência elevada, quan-
ainda hoje não é comum o exame da boca como parte do do nos referimos a câncer de cavidade oral, trata-se do car-
exame físico geral. O hábito de examinar a cavidade oral, cinoma epidermoide, salvo quando há menção a outro tipo
no exame físico realizado por profissionais de saúde ou pelo específico.
próprio paciente, aumenta a detecção precoce de lesões da
cavidade oral, visto que o diagnóstico é iminentemente clí-
nico. Anatomicamente, a cavidade oral é definida como o
espaço compreendido desde a mucosa labial até o istmo
orofaríngeo, formado pela junção do palato, pilares amig-
dalianos e a transição entre o terço posterior e os 2/3 ante-
riores da língua.
O arcabouço ósseo da cavidade oral é formado pelo re-
bordo alveolar superior e o palato duro superiormente, o
contorno mandibular inferiormente, com o rebordo alveo-
lar inferior se estendendo ao longo dos ramos horizontais
da mandíbula e o trígono retromolar ao longo do ramo as-
cendente da mesma. As porções móveis e de partes mo-
les da cavidade oral incluem a língua, o soalho da boca, as
mucosas jugais, a mucosa dos rebordos alveolares e sulcos
Figura 1 - Cavidade oral e as estruturas que a compõem
gengivolabiais e a mucosa do lábio, além da musculatura
profunda a essas áreas de mucosa.
Desembocam na cavidade oral os ductos das glândulas
salivares maiores, parótidas (ductos de Stensen, junto aos
2. Epidemiologia
segundos molares superiores na mucosa jugal), submandi-
O câncer de cavidade oral tem sua incidência crescen-
bulares (ductos de Wharton, no aspecto medial do assoalho
te com a idade, com predomínio a partir da 5ª década
da boca) e uma série de ductos das sublinguais junto ao as-
de vida. É mais comum em homens do que em mulheres,
soalho da boca.
porém a relação de incidência entre os 2 sexos tem regredi-
A cavidade oral é revestida totalmente por epitélio não
do. As queixas mais frequentes do paciente com doenças da
queratinizado, com glândulas salivares menores distribuídas
cavidade oral são a presença de lesões e dor.
por toda a sua extensão. O suprimento arterial da cavidade
oral se dá por ramos da artéria carótida externa (artérias fa- Segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (INCA),
cial, lingual e maxilar), e a drenagem venosa a acompanha, ligado ao Ministério da Saúde, o câncer de cavidade oral é o
levando ao sistema jugular. A drenagem linfática da cavidade 7º mais incidente no Brasil, com pouco mais de 15.900 ca-
oral é rica, sendo os primeiros sítios de drenagem os linfono- sos novos estimados para 2010 no país. É o câncer de maior
dos dos níveis I a III do pescoço. A imensa maioria dos tumo- incidência na região da cabeça e pescoço. Em certas par-
res da cavidade oral é oriunda do epitélio escamoso, sendo tes do mundo, como em regiões do subcontinente asiático,
o carcinoma epidermoide ou de células escamosas (CEC) o trata-se do tumor maligno mais comum.
tumor maligno mais frequente. Outros tipos histológicos de O principal fator de risco associado à incidência de car-
tumores de cavidade oral incluem lesões benignas do epité- cinoma de cavidade oral é, sem dúvida, o tabagismo, ante-

38
TUMORES DE CAVIDADE ORAL

cedente encontrado em mais de 90% dos pacientes com a çada e à transformação para neoplasia invasiva com mais
doença. Além do tabagismo convencional, o fumo reverso frequência (cerca de 90% dos casos).
(hábito raro no Brasil, que consiste no uso de cigarro com As lesões pré-malignas devem levantar maior grau de
a brasa voltada para a porção interna da cavidade oral) au- suspeita de transformação quando apresentam crescimen-

CIRURGIA DE CABEÇA E
menta muito significativamente a incidência de tumores, to ou mudança de seu aspecto, bem como irregularidades

PESCOÇO
especialmente de palato. nas bordas e elevação, ulceração ou sangramento. O diag-
O 2º fator de risco mais importante é o etilismo que, nóstico deve ser feito através de biópsia excisional sempre
associado ao tabagismo, aumenta expressivamente o risco que possível.
relativo, pois ambos são potencializadores um do outro.
Outros fatores de risco associados à doença são a má
higiene oral, o uso de próteses mal adaptadas com trauma
frequente à mucosa, o hábito de mascar tabaco, a infecção
por HPV (principalmente, o subtipo 16) e fatores ocupacio-
nais (como nos trabalhadores das indústrias têxtil e gráfica;
exposição a níquel, ácido sulfúrico, metais pesados). Há tra-
balhos epidemiológicos que demonstram como fator prote-
tor a ingestão de dieta rica em frutas, legumes e em óleos
vegetais (dieta mediterrânea), em oposição ao consumo
mais acentuado de gorduras animal e saturada.

3. Quadro clínico
Figura 3 - Lesão eritroplásica em sulco gengivolingual
A - Lesões pré-malignas
As principais lesões consideradas pré-malignas de cavi- B - Lesões malignas
dade oral são as leucoplasias e eritroplasias. Toda lesão de cavidade oral, com evolução além de 2 a
As leucoplasias são placas brancas na mucosa da cavi- 3 semanas, por princípio, deve levar o médico à suspeita de
dade oral. Tipicamente, são regulares e não se modificam um carcinoma epidermoide, especialmente em se tratando
quando manipuladas, não destacáveis. São as lesões pré- de pacientes com os principais fatores de risco descritos. É
-malignas mais comuns, habitualmente associadas histo- fundamental para diagnóstico e tratamento precoces, em
logicamente a graus variados de displasia epitelial, porém casos de tumores, habitualmente, de fácil detecção ao exa-
com risco mais baixo de progressão para neoplasia maligna me físico simples, sempre fazer biópsia e orientação para o
invasiva (cerca de 10%). fim do tabagismo e do etilismo, se for o caso.
O sítio mais comum dos tumores de cavidade oral é a bor-
da lateral da língua, seguida pelo assoalho da boca. As lesões
tumorais habitualmente têm bordas irregulares, aspecto in-
filtrativo e ulcerado ou vegetante, e são friáveis e endureci-
das à palpação, além de dolorosas e algumas vezes fétidas.
Sangramentos episódicos e dor também são sintomas
frequentes. Em casos de lesões mais avançadas, podem
ocorrer fixação a estruturas ósseas (como a causada por
invasão da mandíbula e da musculatura profunda), dimi-
nuição da mobilidade da língua, invasão de pele, disfagia
e odinofagia.
Apesar de o diagnóstico precoce ser relativamente fácil
em decorrência da facilidade do exame e da percepção das
lesões, boa parte dos pacientes se apresenta com tumores
avançados e volumosos, estadios III e IV. Além disso, devi-
Figura 2 - Lesão leucoplásica de língua do à rica drenagem linfática (em especial, dos sítios mais
comuns de acometimento tumoral), parte significativa tem
As eritroplasias são lesões tipicamente mais irregulares, metástase linfonodal clinicamente evidente já à apresenta-
de aspecto avermelhado mais escuro que a mucosa normal, ção inicial. Nesse caso, palpa-se a linfonodomegalia (mais
e tendem a ser aveludadas. São menos comuns que as leu- comumente, em níveis I, II ou III ipsilateral à lesão) endure-
coplasias, associadas normalmente à displasia mais avan- cida, que pode ser dolorosa e fixa a planos profundos.

39
CI RUR G I A D E C A B E ÇA E P E S CO ÇO

4. Outros tumores benignos e malignos


Há uma série de possíveis tumores benignos de muco-
sa da cavidade oral. Habitualmente, caracterizam-se por
lesões elevadas regulares, sem ulceração, sem sangramen-
to ou dor e de crescimento lento, e que, apesar de serem
benignas, apresentam tratamento cirúrgico como tumores
ósseos, dentários, hematogênicos. Dentre o grupo de doen-
ças benignas que devem fazer parte dos diagnósticos dife-
renciais, estão as granulomatosas, como a tuberculose e as
Figura 4 - (A) Tumor vegetante de borda lateral de língua e (B) fúngicas, cujo tratamento é medicamentoso.
tumor infiltrativo e ulcerado da mesma região Dentre os tumores malignos menos prevalentes, de ou-
tra linhagem histológica que não o carcinoma epidermoide,
destacam-se os tumores de glândula salivar menor, mela-
nomas de mucosa, tumores ósseos e sarcomas de partes
moles.

Figura 5 - Tumor avançado, vegetante e infiltrativo acometendo


língua, soalho, trígono retromolar e mandíbula

Figura 8 - Melanoma de mucosa jugal: tumor agressivo e raro

Figura 6 - Tumor avançado de cavidade oral com extravasamento


da pele do rosto e do pescoço

Figura 9 - Peça cirúrgica de fibroma ossificante juvenil do mento:


Figura 7 - Metástase tumoral lesão benigna

40
TUMORES DE CAVIDADE ORAL

As lesões são muito diversas, com quadro clínico rico, e


podem apresentar linfonodomegalia que algumas vezes é
reacional, portanto um exame físico bem feito associado a
exames de imagem e biópsia da lesão primária sempre deve

CIRURGIA DE CABEÇA E
ser feito para diagnóstico e tratamento precoces.

PESCOÇO
5. Estadiamento
O estadiamento do carcinoma epidermoide da cavidade
oral é feito com base no sistema TNM da União Internacional
de Controle do Câncer (UICC).
a) T - tumor primário, referente ao seu tamanho
- TX: tumor primário não pode ser avaliado;
- T0: não há evidência de tumor primário;
- Tis: carcinoma in situ;
- T1: tumor até 2cm em sua maior dimensão;
- T2: tumor entre 2 e 4cm em sua maior dimensão;
Figura 10 - Tumor de glândula salivar menor, adenoma pleomorfo:
lesão benigna - T3: tumor com mais de 4cm em sua maior dimensão;
- T4a: tumor com invasão de estruturas adjacentes (cor-
tical óssea – mandíbula ou maxila, pele da face, mus-
culatura extrínseca profunda à língua);
- T4b: tumor com invasão de fáscia pré-vertebral, arté-
ria carótida, ou base do crânio.
b) N - metástase linfonodal
- NX: linfonodos não avaliáveis;
- N0: ausência de metástases linfonodais;
- N1: presença de um linfonodo acometido, menor do
que 3cm;
- N2A: presença de um linfonodo acometido, entre 3 e
6cm;
- N2B: presença de mais de 1 linfonodo acometido, ipsi-
lateral ao tumor, menor do que 6cm;
- N2C: presença de linfonodos acometidos bilaterais, ou
contralaterais, menores do que 6cm;
Figura 11 - Lesão de paracoccidioidomicose ou blastomicose sul-
-americana: lesão benigna - N3: presença de linfonodo acometido com mais de
6cm.
c) M - metástase a distância
- MX: metástase a distância não pode ser avaliada;
- M0: ausência de metástase a distância;
- M1: metástase a distância.

6. Diagnóstico
Deve-se suspeitar do diagnóstico dos tumores de cavi-
dade oral, conforme descrito, em casos de lesão persisten-
te, especialmente naqueles com antecedentes e risco para
a doença. Nesses casos, o 1º exame, fundamental para o
diagnóstico, a ser realizado, é a biópsia do tumor. Esta pode
ser habitualmente realizada com anestesia local em am-
biente ambulatorial. Em casos de difícil acesso, pacientes
com complicações clínicas ou dor significativa e limitante
Figura 12 - Miíase malcuidada na cavidade oral: paciente com pa- para a biópsia, pode ser realizado exame sob anestesia ou
ralisia cerebral sedação para firmar o diagnóstico.

41
CI RUR G I A D E C A B E ÇA E P E S CO ÇO

Devido à possibilidade sempre presente de mais de 1 7. Tratamento cirúrgico


tumor primário, a panendoscopia (oroscopia, nasofibros-
copia/laringoscopia, esofagoscopia) deve ser realizada em Salvo em pacientes com condições clínicas extrema-
todos com tumores de cavidade oral ou suspeita de lesão. mente precárias, que impeçam a sua realização, a cirurgia
Apesar de o estadiamento ser eminentemente clínico, exa- é o principal recurso no tratamento de carcinoma epider-
mes subsidiários podem ser realizados para a complementa- moide da cavidade oral e é realizada na quase totalidade
ção do estadiamento e a programação de tratamento. Dentre dos casos, seguida ou não de tratamento adjuvante (radio-
estes, destacam-se a tomografia computadorizada, com espe- terapia e/ou quimioterapia), quando indicada. As bases do
cial valor para avaliação de invasão de estruturas ósseas, além tratamento cirúrgico são a ressecção oncológica comple-
do acometimento de estruturas profundas, presença de me- ta da lesão primária, com margens livres (ideal acima de
tástases cervicais, e deve ser feita com contraste. Em centros 1cm), além da ressecção linfonodal adequada, em mono-
mais modernos e, principalmente, ricos, usam-se a ressonân- bloco (peça cirúrgica única) sempre que possível.
cia magnética e o PET-scan, mas a ausência deles não preju- Indica-se um esvaziamento cervical a todos aqueles com
dica em nada o nosso estadiamento e adequado tratamento. evidência de metástase cervical (esvaziamento de necessi-
A ultrassonografia cervical com punção-biópsia (punção dade ou terapêutico). Nesses casos, o tratamento-padrão é
aspirativa com agulha fina guiada por USG, deve ser realizada habitualmente o esvaziamento cervical radical ou radical mo-
com agulha fina para evitar a implantação de células tumo- dificado, incluindo os 5 níveis linfonodais do pescoço. Aos pa-
rais no trajeto) pode ter papel fundamental na elucidação de cientes sem evidência de metástase linfonodal, indica-se um
suspeita de metástase linfonodal cervical. O principal sítio de esvaziamento cervical quando o tamanho e a localização do
metástase a distância, quando presente, é pulmonar. Alguma tumor primário levam a um risco superior a 20% de metás-
forma de avaliação radiológica pulmonar deve ser realizada, tase clinicamente não identificável, tumores T3 e T4 sempre
especialmente em pacientes com metástases linfonodais, (esvaziamento cervical de princípio ou profilático). Nesses ca-
seja ela raio x ou tomografia computadorizada de tórax; na sos, o esvaziamento cervical de escolha é o supraomo-hioide
dúvida, a broncoscopia com lavado ajuda no diagnóstico. (de níveis I, II e III, pois estes são os níveis mais comumente
Principalmente na especialidade cabeça e pescoço, acometidos por metástase de tumores de cavidade oral). A
existe uma entidade nomeada de tumor primário oculto. indicação de esvaziamento cervical para pescoço clinicamen-
Normalmente, trata-se de tumores muito iniciais, pequenos, te negativo se dá para tumores de cavidade oral a partir do
que não são vistos ao exame clínico e não são identificados estadiamento T2 (para língua e assoalho de boca, há servi-
nos exames subdisiários, mas apresentam metástases cervi- ços e protocolos de atendimento que incluem os tumores T1
cais. Os sítios em que isso acontece preferencialmente são nesta indicação, devido ao perfil de risco mais elevado).
rinofaringe, pilar amigdaliano, seio piriforme e supraglote. Quando indicado, o procedimento cirúrgico deve ser
Deve-se lembrar que o diagnóstico é clínico, principal- iniciado pelo esvaziamento cervical por razões oncológicas
mente, confirmado pela biópsia. A tomografia ajuda a fazer (inicia-se pelos sítios de drenagem linfática antes da mani-
o diagnóstico, mas quando é solicitada na maioria das vezes pulação do tumor primário, da região menos doente para a
é para completar o estadiamento e programar o tratamento. mais doente, de maneira centrípeta, sempre pensando em
não disseminar o tumor) e infecciosas (o esvaziamento cer-
vical é considerado tempo limpo da cirurgia, em contraste
com a manipulação da mucosa da cavidade oral, que é con-
taminada pelas diversas bactérias na saliva).
O acesso cirúrgico ideal para cada tumor de cavidade
oral deve ser determinado individualmente, proporcionan-
do acesso amplo e seguro para a ressecção com margens
oncologicamente livres, com a menor morbidade possível.
Nos casos de tumores pequenos, em áreas de fácil acesso
e visibilidade completa do tumor e suas margens, pode ser
realizada a ressecção transoral.

Figura 13 - TC de pescoço com captação de contraste na porção


anterior da língua: área tumoral

42
TUMORES DE CAVIDADE ORAL

CIRURGIA DE CABEÇA E
PESCOÇO
Figura 14 - Aspecto pré-operatório (A) e pós-operatório (B) de glos-
sectomia parcial transoral
Figura 16 - (A) Lesão pré-operatória; (B) aspecto pós-operatório,
Em casos de pacientes com tumores de difícil aces- esvaziamento cervical, cheek-flap e mandibulomia e (C) síntese/
so transoral, outros acessos, como o retalho de bochecha fixação da mandíbula com placas
(cheek-flap, fender o mento e o lábio e descolar a bochecha
Nos casos em que há suspeita de invasão da mandíbula,
para expor a lesão) ou a mandibulotomia (secção da mandí-
deve-se considerar a mandibulectomia (retirada de um seg-
bula para acesso, com síntese da mesma após a ressecção),
mento). Esta deve ser marginal (só uma lâmina, diminuindo
podem ser usados. Nesses casos, é fundamental certificar-
em espessura) nos casos em que há proximidade do tumor
-se da ausência de invasão óssea. Esta é mais bem avaliada
com a mandíbula, porém sem invasão inequívoca, pela ne-
por meio de exame, sob anestesia geral, imediatamente
cessidade de margem adequada. Nos casos em que há cla-
após a ressecção.
ra invasão da mandíbula pelo tumor, deve-se realizar uma
mandibulectomia segmentar. A Figura 17 ilustra uma peça
de ressecção de tumor de cavidade oral (trígono retromolar
e rebordo alveolar inferior) com invasão da mandíbula e a
necessidade de mandibulectomia segmentar.

Figura 17 - Produto de mandibulectomia segmentar por invasão


de tumor de cavidade oral

Figura 15 - Cheek-flap É importante programar, nos casos de grande ressecção,


manipulação posterior significativa ou risco maior para as-
piração, a realização de traqueostomia de proteção durante
o tratamento cirúrgico, prevenindo insuficiência respira-
tória, dificuldade técnica de intubação pós-manipulação e
distorção anatômica pós-operatória, assim como possibili-
tando desmame precoce do ventilador. Da mesma forma,
para pacientes em que se prevê a dificuldade para nutrição
oral precoce, deve-se considerar a passagem de sonda na-
soenteral de nutrição no momento do tratamento ou gas-
trostomia.
Depois de retirada a peça cirúrgica, as margens da lesão
devem ser sempre analisadas pelo patologista no centro
cirúrgico no ato operatório, pela técnica de congelação, e

43
CI RUR G I A D E C A B E ÇA E P E S CO ÇO

posteriormente ser enviada para análise anatomopatológi-


ca. Dessa maneira, o cirurgião se certificará de ter resseca-
do toda a lesão, ou, se as margens forem comprometidas,
haverá a chance de aumentá-las, até não haver mais lesão
residual.
Os tumores benignos são tratados simplesmente com
ressecção. Caso sejam muito volumosos, podem demandar
a ressecção via transmandibular, quando pequenos a abor-
dagem transoral é suficiente.

8. Tratamento adjuvante
Aos casos de pior prognóstico, como tumores com inva-
são perineural, perivascular ou trombose, avançados com
invasão de estruturas adjacentes (T4), ou casos em que há
metástase linfonodal (linfonodos positivos, doentes, me-
tastáticos) com extravasamento capsular ou para múltiplos
linfonodos, há indicação de tratamento adjuvante.
Classicamente, o tratamento adjuvante de tumores de
cavidade oral é feito com radioterapia, incluindo o sítio pri-
mário e as cadeias linfonodais cervicais. O tratamento com
radioterapia conformacional, IMRT tem ganhado espaço
ultimamente.
Estudos recentes têm demonstrado melhores resulta-
dos de controle locorregional e sobrevida livre de doença
com a associação de quimioterapia e radioterapia conco-
mitantes. Esse tratamento, apesar dos melhores resultados
oncológicos, associa-se a maior morbidade e toxicidade.

9. Reabilitação e seguimento
Especialmente nos casos de tumores avançados, a re-
construção dos defeitos cirúrgicos deve tentar refazer o
diafragma orocervical, mantendo um volume adequado e a
mobilidade das estruturas da cavidade oral. A participação
de equipe multiprofissional (fonoaudióloga, nutricionista,
fisioterapeuta, dentista, protético, psicóloga, cirurgião plás-
tico) é absolutamente fundamental para a reabilitação de
deglutição e fonação adequadas. Assim como a progra-
mação prévia, a cirurgia não só fornece ressecção tumoral
oncológica como a reconstrução (fechamento primário,
retalhos locais ou a distância, retalhos microcirúrgicos) do
defeito, de maneira que o paciente não perde suas funções
(deglutição, fonação) e estética para que possa ser reintro-
duzido à sociedade.
O seguimento pós-operatório deve ser feito de perto e
incluir especial atenção às potenciais recidivas locais e re-
gionais (linfonodais no pescoço), metástases a distância,
além do risco de incidência de 2º tumor primário no trato
aerodigestivo alto.

44
CAPÍTULO

8
Tumores de faringe
Alexandre Bezerra / Caio Plopper / Felipe Augusto Brasileiro Vanderlei
Christiana Maria Ribeiro Salles Vanni / Rodney B. Smith

1. Introdução 2. Nasofaringe
A faringe é um tubo fibromuscular para a passagem de
A - Epidemiologia
ar e de alimentos. Ela se localiza atrás das cavidades nasal,
oral e laringe, portanto pode ser dividida em 3 porções: na- O carcinoma de nasofaringe é uma neoplasia rara na
sofaringe, orofaringe e hipofaringe. maior parte do mundo, mas, em alguns locais, como China
e Alasca, sua incidência é maior. O consumo de peixe salga-
As neoplasias malignas dessas 3 regiões apresentam ca-
do (conservado em sal e nitrosaminas) parece estar relacio-
racterísticas distintas, por isso serão estudadas separada- nado ao aparecimento dessa neoplasia.
mente. O vírus Epstein-Barr (EBV) também está fortemente as-
sociado a ela; aparentemente, esse vírus tem papel oncogê-
nico, pois o genoma do EBV e seus antígenos são frequente-
mente encontrados nas biópsias desses tumores.

B - Anatomia
A nasofaringe é uma área de transição entre a cavidade
nasal e a orofaringe. É um tubo trapezoidal e corresponde à
parte mais cranial da faringe. Anteriormente, é limitada pe-
las coanas. O teto é formado pelo osso esfenoide, a parede
posterior é limitada pelo atlas e áxis, e o assoalho está aber-
to para a orofaringe ou é formado pelo palato mole quando
este se contrai.
Na parede posterior da nasofaringe, medialmente aos
óstios das tubas auditivas, estão as fossas de Rosenmüller,
onde mais comumente é encontrado o carcinoma de naso-
faringe, posição onde se concentra a maior parte do tecido
linfonodal.

C - Histopatologia
Trata-se de uma moléstia rara em grande parte dos paí-
ses do mundo, sendo mais frequente nas regiões já citadas.
A classificação histopatológica mais aceita do carcinoma
da nasofaringe é a da Organização Mundial de Saúde (OMS
- WHO), que divide o carcinoma da nasofaringe em 3 tipos:
- Tipo 1: carcinoma epidermoide queratinizado; WHO 1;
- Tipo 2: carcinoma epidermoide não queratinizado;
WHO 2;
- Tipo 3: carcinoma indiferenciado ou pouco diferencia-
Figura 1 - Vista lateral da faringe do; WHO 3.

45
CI RUR G I A D E C A B E ÇA E P E S CO ÇO

Alguns autores unem os carcinomas tipos 2 e 3 no mes- E - Diagnóstico


mo grupo.
Como o quadro clínico inicial não é específico, dificil-
D - Quadro clínico mente o diagnóstico é feito apenas com a história clínica. O
exame clínico minucioso da cabeça e do pescoço deve ser
O carcinoma de nasofaringe atinge pacientes mais jo- feito e também, quando existir suspeita clínica, o exame de-
vens, se comparado aos outros tumores da cabeça e do pes- talhado da nasofaringe, rinoscopia anterior com espéculo,
coço. O tumor é mais comum no sexo masculino (3:1), e os posterior com espelho de Garcia, e/ou telerinoscopia rígida
pacientes têm idade média de 50 anos. ou flexível com nasofibroscopia.
Os sintomas estão geralmente relacionados à localiza-
ção e à infiltração dos tecidos adjacentes e também se rela-
cionam com a presença de metástases, muito comuns.
Inicialmente, o carcinoma de nasofaringe produz pou-
cos sintomas, obstrução nasal, sensação de ouvido entu-
pido, coriza ou epistaxe. A queixa inicial mais frequente é
relacionada à presença de metástase cervical, unilateral e
indolor. Linfonodomegalia bilateral também é comum, pois
a nasofaringe é uma estrutura mediana rica em vasos linfá-
ticos. Os linfonodos do nível 2 do pescoço são os mais co-
mumente acometidos por essas metástases.
Sintomas nasais, como obstrução e sangramento, são
comuns quando a neoplasia já está mais avançada e ulcera-
da. Sintomas como perda auditiva, zumbido e otalgia podem Figura 3 - Fossa nasal por nasofibroscopia: seta na concha média
aparecer pela perda de função da tuba auditiva (próxima
à fossa de Rosenmüller). Dos pacientes, 40% apresentam Se for identificado um tumor durante o exame da naso-
secreção no ouvido médio no momento do diagnóstico, e faringe, este deverá passar por biópsia, o que poderá levar
20%, comprometimento de algum nervo craniano. ao diagnóstico da neoplasia.
Uma pequena parte dos pacientes (5%) já apresenta A sorologia para EBV ajuda no diagnóstico, e a pesquisa
metástase a distância no momento do diagnóstico. do vírus na biópsia ou no produto da punção do linfonodo
Quadro clínico dos tumores de nasofaringe: cervical é de grande ajuda na determinação.
- Massas tumorais na nasofaringe; Os exames de imagem (TC e RNM) podem contribuir
- Disfunção da tuba auditiva; para identificar a lesão na orofaringe e a sua extensão às es-
- Invasão da base do crânio com acometimento de ner- truturas adjacentes. Atualmente, o PET-CT vem sendo usa-
vos cranianos; do para diagnóstico do tumor primário quando o paciente
apresenta somente linfonodomegalia cervical.
- Metástase cervical (frequentemente, o paciente apre-
senta metástase cervical com tumor primário desco-
nhecido).

Figura 2 - Metástase de carcinoma de rinofaringe

46
TUMORES DE FARINGE

cirúrgica completa dos tumores dessa região é um grande


desafio. Fato positivo é a elevada radiossensibilidade dos
tumores de nasofaringe, razão que faz o tratamento com ra-
dioterapia e quimioterapia ser muito utilizado nestes casos

CIRURGIA DE CABEÇA E
(denominado esquema de radioterapia associado a quimio-

PESCOÇO
terapia para essa região de Al Sarraf).
Portanto, o tratamento atual dos tumores de faringe
consiste de radioterapia associada a quimioterapia, o que
diminui a possibilidade de recidiva local e regional e a dis-
Figura 4 - Linfoma de Burkitt acometendo o seio paranasal tância. O tratamento cirúrgico é reservado a um pequeno
grupo de pacientes com persistência do tumor após a radio-
F - Estadiamento terapia e sem o comprometimento das estruturas adjacen-
tes. O acesso e a técnica têm-se desenvolvido com o adven-
O estadiamento do carcinoma de nasofaringe é feito to da cirurgia endonasal endoscópica e da cirurgia robótica.
com base no TNM da União Internacional de Controle do Como na maioria dos edemas, os pacientes com tumores
Câncer (UICC). em estadio inicial apresentam bom prognóstico, que piora à
medida que apresentam tumores em estadio mais avançado.
Tabela 1 - Estadiamento do carcinoma de nasofaringe - Pior prognóstico:
T - Tumor primário • Extensão tumoral;
- TX: o tumor primário não pode ser avaliado; • Comprometimento linfonodal;
- T0: não há evidência de tumor primário; • Manipulações prévias;
- Tis: carcinoma in situ. • WHO 1 (lesões queratinizadas);
Nasofaringe • Radiorresistentes.
- T1: tumor confinado à nasofaringe; - Melhor prognóstico:
- T2: tumor que se estende às partes moles; • Sexo feminino;
- T2a: tumor que se estende à orofaringe e/ou cavidade nasal • Menos que 40 anos;
sem extensão parafaríngea*;
- T2b: tumor com extensão parafaríngea*; • WHO 2 e 3.
- T3: tumor que invade estruturas ósseas e/ou seios paranasais;
- T4: tumor com extensão intracraniana e/ou envolvimento de 3. Orofaringe
nervos cranianos, fossa infratemporal, hipofaringe, órbita ou
espaço mastigador.
* A extensão parafaríngea indica infiltração posterolateral do A - Epidemiologia
tumor além da fáscia faringobasilar.
O tabagismo e o etilismo são os principais fatores de
N - Linfonodos regionais risco para o desenvolvimento do carcinoma de orofaringe.
- NX: os linfonodos regionais não podem ser avaliados; Infelizmente, os tumores da orofaringe são comuns e fre-
- N0: metástases em linfonodos regionais estão ausentes; quentemente malignos. O tabaco e o álcool são carcinóge-
- N1: metástase unilateral em linfonodo(s), com 6cm ou menos nos independentes, e a combinação dos 2 fatores aumenta
em sua maior dimensão, acima da fossa supraclavicular; consideravelmente a incidência dos tumores do trato ae-
- N2: metástase bilateral em linfonodo(s), com 6cm ou menos rodigestivo alto. O HPV (subtipos 16 e 18, principalmente)
em sua maior dimensão, acima da fossa supraclavicular; também parece estar relacionado ao aparecimento desses
- N3: metástase em linfonodo(s) com mais de 6cm em sua tumores, especialmente entre os indivíduos não fumantes.
maior dimensão ou na fossa supraclavicular; E, quando associado ao tumor, apresenta melhor prognós-
- N3a: com mais de 6cm em sua maior dimensão; tico e melhores respostas à radioterapia.
- N3b: na fossa supraclavicular.
O carcinoma epidermoide representa mais de 90% dos
Nota: os linfonodos de linha média são considerados homola-
terais.
tumores dessa região. Os outros 10% são divididos entre
linfomas, sarcomas, melanomas, tumores de glândula sali-
M - Metástase a distância
var menor e carcinoma de pequenas células.
- MX: a presença de metástase a distância não pode ser avaliada; O local mais comum de aparecimento do carcinoma de
- M0: metástase a distância está ausente; orofaringe é a loja amigdaliana, seguida por base da língua,
- M1: metástase a distância. parede da orofaringe e palato mole.

G - Tratamento B - Anatomia
Devido ao difícil acesso à nasofaringe e à presença de A orofaringe inclui o palato mole, as amígdalas, a base
estruturas muito importantes ao seu redor, a ressecção da língua e as paredes lateral e posterior, além de ter grande

47
CI RUR G I A D E C A B E ÇA E P E S CO ÇO

importância na fala e na deglutição. O palato mole separa a Com o crescimento da lesão, o paciente pode queixar-se
orofaringe da nasofaringe e, durante a deglutição, previne a de dor intensa, sangramento, odor fétido, otalgia, disfagia
ida do alimento para a nasofaringe e cavidade nasal. A base e até trismo.
da língua também participa da deglutição, empurrando os
alimentos para a hipofaringe.
Há uma rica rede de linfáticos na orofaringe, e a dre-
nagem preferencial dessa região se dirige para os linfo-
nodos do nível 2 do pescoço. Os linfonodos retrofarín-
geos e parafaríngeos também são importantes sítios de
drenagem da orofaringe.
A exemplo da nasofaringe, a orofaringe também é
uma localização onde os tumores podem ter o diagnós- Figura 7 - Lesões de orofaringe
tico firmado pela presença de metástase cervical sem
identificação do tumor primário, ou seja, metástase cer-
vical de tumor primário oculto.

Figura 8 - Lesão amigdaliana com metástase cervical

D - Diagnóstico
A avaliação dos tumores da orofaringe deve incluir his-
tória completa e exame físico, visualização direta da cavi-
dade oral e orofaringe, e laringoscopia direta ou indireta.
Figura 5 - Anatomia da orofaringe O exame físico também deve incluir inspeção e palpação
cuidadosa do pescoço à procura de metástases cervicais. A
alteração da voz e a dificuldade de movimentação da língua
ou de abertura da boca demonstram neoplasia mais avan-
çada com infiltração de estruturas adjacentes, como a mus-
culatura pterigóidea ou nervo hipoglosso.
A biópsia da lesão primária é essencial para o diagnós-
tico do tumor, e exames de imagem como TC ou RNM são
imprescindíveis para o estadiamento da lesão e a progra-
mação do tratamento.

Figura 6 - Principais sítios de drenagem

C - Quadro clínico
Os tumores de orofaringe também são relativamente
assintomáticos nos estadios iniciais. Os pacientes podem
apresentar queixas inespecíficas, como odinofagia ou des-
conforto cervical. A presença de massa cervical como 1º Figura 9 - Paralisia do XII par de nervos cranianos: hipoglosso; no-
sintoma não é incomum. ta-se a atrofia do lado esquerdo do doente, lado paralisado

48
TUMORES DE FARINGE

Tabela 2 - Estadiamento do carcinoma de orofaringe


T - Tumor primário
- TX: o tumor primário não pode ser avaliado;

CIRURGIA DE CABEÇA E
- T0: não há evidência de tumor primário;

PESCOÇO
- Tis: carcinoma in situ.
Orofaringe
- T1: tumor com 2cm ou menos em sua maior dimensão;
- T2: tumor com mais de 2cm e até 4cm em sua maior dimensão;
- T3: tumor com mais de 4cm em sua maior dimensão;
- T4a: tumor que invade quaisquer das seguintes estruturas: laringe,
músculos profundos/extrínsecos da língua (genioglosso, hioglos-
so, palatoglosso e estiloglosso), pterigoide medial, palato duro e
mandíbula;
- T4b: tumor que invade quaisquer das seguintes estruturas: múscu-
lo pterigoide lateral, lâminas pterigoides, nasofaringe lateral, base
do crânio ou adjacentes à artéria carótida.
N - Linfonodos regionais
- NX: os linfonodos regionais não podem ser avaliados;
- N0: metástase em linfonodos regionais está ausente;
- N1: metástase em um único linfonodo homolateral, com 3cm ou
menos em sua maior dimensão;
- N2: metástase em um único linfonodo homolateral, com mais de
3cm e até 6cm em sua maior dimensão, ou em linfonodos homo-
laterais múltiplos, nenhum deles com mais de 6cm em sua maior
dimensão, ou em linfonodos bilaterais ou contralaterais, nenhum
deles com mais de 6cm em sua maior dimensão;
- N2a: metástase em um único linfonodo homolateral, com mais de
3cm e até 6cm em sua maior dimensão;
- N2b: metástase em linfonodos homolaterais múltiplos, nenhum
deles com mais de 6cm em sua maior dimensão;
- N2c: metástase em linfonodos bilaterais ou contralaterais, ne-
nhum deles com mais de 6cm em sua maior dimensão.
- N3: metástase em linfonodo com mais de 6cm em sua maior di-
mensão.
Nota: os linfonodos de linha média são considerados homolaterais.
M - Metástase a distância
- MX: a presença de metástase a distância não pode ser avaliada;
- M0: metástase a distância está ausente;
- M1: metástase a distância.

F - Tratamento
O tratamento do carcinoma de orofaringe pode ser
feito com cirurgia, radioterapia ou uma combinação das
2 modalidades. Uma abordagem multidisciplinar é de
grande importância, pois os pacientes podem apresentar
dificuldade de fala, deglutição, dor, entre outras complica-
ções, durante o tratamento. O melhor tratamento depen-
Figura 10 - TC de tumor de base da língua com comunicação com derá de múltiplos fatores, como estadiamento do tumor,
metástase cervical potencial biológico da doença e estado clínico do paciente.
O acesso à orofaringe pode ser um desafio, principal-
E - Estadiamento mente, àqueles com tumor muito volumoso ou com difi-
culdade de abertura da boca. Quanto a eles, a ressecção do
O estadiamento do carcinoma de orofaringe é feito com tumor pela boca pode não ser a mais indicada, por isso o
base no TNM da União Internacional de Controle do Câncer cirurgião deve estar familiarizado com o manejo da mandí-
(UICC). bula, tanto para ressecá-la como para somente seccioná-la

49
CI RUR G I A D E C A B E ÇA E P E S CO ÇO

como via de acesso. A forma de reconstrução nesses casos para os homens e 60 para as mulheres. O câncer de orofa-
é muito importante para a reabilitação do doente. ringe tem associação estreita a baixo nível socioeconômico
É muito importante lembrar que a manipulação dos tu- e de escolaridade.
mores dessa região pode ocasionar um edema local e difi- A etiologia está relacionada ao uso excessivo de tabaco
culdade de respiração, o que pode levar à necessidade de e álcool, que são fatores etiológicos para todos os carcino-
uma traqueostomia temporária apenas para garantir a per- mas epidermoides do trato aerodigestivo alto.
meabilidade da via aérea. Mulheres portadoras da síndrome de Plummer-Vinson
Mais modernamente tem sido utilizada a abordagem têm maior risco de desenvolver o câncer de hipofaringe, es-
transoral com laser de CO2 ou com métodos robóticos de pecialmente da região pós-cricoide, mesmo sem exposição
abordagem do tumor local (cirurgia minimamente invasiva ao cigarro e ao álcool.
que pode facilitar a abordagem dos tumores primários). Dos tumores dessa região, 90% são carcinomas epider-
Mesmo pacientes com tumores iniciais T1 e T2 apre- moides. Cerca de 70% aparecem no seio piriforme, 25%
sentam considerável índice de metástase no pescoço, por na parede posterior da hipofaringe, e o restante, na região
isso se deve pensar na realização de esvaziamento cervical pós-cricoide.
eletivo. Em caso de ausência clínica de metástase cervical e Algumas peculiaridades dos tumores de hipofaringe
indicação de esvaziamento cervical seletivo, os níveis de 1 a como frequente disseminação submucosa, multicentrici-
3 devem ser abordados. dade, metastatização precoce para linfonodos bilaterais e
A radioterapia e a quimioterapia complementares à apresentação inicial em estadios avançados faz destes tu-
cirurgia são feitas com base no estadiamento dos tumo- mores os de pior prognóstico entre as neoplasias da região
res. Os tumores avançados necessitam de tratamento cervicofacial.
complementar para aumentar a possibilidade de cura
dessa doença.
B - Anatomia
A hipofaringe está entre a orofaringe e o esôfago cer-
vical, é posterior à laringe e a envolve parcialmente em
ambos os lados. Está entre C4 e C6, e sua íntima relação
com a laringe é de grande importância no diagnóstico e
no tratamento dos tumores dessa região. A hipofaringe
pode ser dividida em 3 áreas: recesso piriforme (região
em forma de pera, onde se propulsiona o bolo alimentar
para o esôfago), parede posterior e área pós-cricoide. A
hipofaringe é rica em vasos linfáticos, e a drenagem é fei-
ta principalmente para os linfonodos dos níveis 2, 3 e 4.

Figura 11 - Retalho miocutâneo de músculo peitoral maior para


reconstrução de parede posterior de orofaringe

G - Prognóstico

Tabela 3 - Sobrevida de 5 anos nos diferentes estadios


Estadio Taxa de sobrevida
1e2 >80%
3 50 a 70%
4 <40%
Figura 12 - Regiões da hipofaringe: seta no seio piriforme

4. Hipofaringe Os sítios da hipofaringe podem ser divididos em:


- Seio piriforme: representa 65% das lesões de hipofa-
ringe, normalmente tumores de crescimento rápido e
A - Epidemiologia agressivo, com metástases cervicais precoces e disse-
O câncer de hipofaringe é muito mais frequente nos ho- minação submucosa;
mens, porém a incidência no sexo feminino está aumentan- - Área pós-cricoide: responde por cerca de 20% dos tu-
do, pois as mulheres fumam cada vez mais. A idade média mores de hipofaringe, frequentemente ocorre invasão
dos pacientes com essa doença está por volta dos 55 anos da cartilagem cricoide. Pode ter metástases para linfo-

50
TUMORES DE FARINGE

nodos paratraqueais. Relaciona-se à extensão para o D - Diagnóstico


esôfago cervical e síndrome de Plummer Vinson;
A suspeita clínica constitui parte importante no diag-
- Parede posterior da faringe: 10 a 15% das lesões de fa- nóstico dos tumores da hipofaringe e impõe a realização de
ringe, pouco sintomáticos e frequentemente infiltram

CIRURGIA DE CABEÇA E
uma faringolaringoscopia. Tal exame é fundamental para a
estruturas profundas.

PESCOÇO
identificação do tumor e da sua localização e para a avalia-
C - Quadro clínico ção do comprometimento da laringe. A correta avaliação da
Os pacientes com neoplasia na hipofaringe geralmente extensão do tumor é fundamental na proposta terapêutica.
têm história de odinofagia, disfagia, otalgia reflexa, disfo- O exame físico também deve incluir inspeção e palpação
nia ou massa cervical, e a tríade clássica dos tumores dessa cuidadosa do pescoço à procura de metástases cervicais,
região é composta por linfonodo cervical, otalgia reflexa e que são muito comuns.
odinofagia. Inicialmente, os sintomas são inespecíficos e os A biópsia da lesão primária é essencial para o diagnóstico
sinais são mais precoces. Normalmente, quando há sinto- do tumor, e exames de imagem como TC ou RNM são impres-
mas, o estágio da doença já é muito avançado, e os pacientes cindíveis para o estadiamento da lesão e a programação do
estão em péssimo estado nutricional, mas não podem ser tratamento, pois revelam a relação do tumor primário com
desconsideradas queixas mantidas em tabagistas. A disfagia os tecidos adjacentes e a presença de metástase cervical.
é progressiva, e os indivíduos também se queixam de au- A esofagoscopia é fundamental para detecção de inva-
mento na quantidade de saliva (que pela massa tumoral fica são esofágica e melhor planejamento terapêutico.
difícil de descer para o esôfago). A disfonia aparece quando
há invasão direta da laringe ou do nervo laríngeo inferior.
Esses pacientes geralmente estão desnutridos, o que, muitas
vezes, compromete o tratamento. A presença de metástase
cervical é muito frequente no momento do diagnóstico e,
não raro, é o 1º sintoma, uma vez que a região possui rico
sistema linfático e não possui barreiras anatômicas naturais
para evitar a disseminação da doença.
Os tumores de hipofaringe frequentemente são diagnos-
ticados em estadios avançados.
- Otalgia reflexa – pode ser provocada por tumores da
base da língua, amígdalas ou hipofaringe; a otalgia re-
flexa apresenta o seguinte substrato anatômico:
• Via nervo lingual – gânglio de Gasser – nervo auri-
culotemporal;
• Via nervo glossofaríngeo – gânglio petroso – nervo
timpânico de Jacobson;
• Via ramo interno do nervo laríngeo superior – gân-
glio jugular – nervo auricular de Arnold.
Figura 14 - Tumor insuflando todo o seio piriforme direito

Figura 13 - Substrato anatômico da otalgia reflexa Figura 15 - Peça cirúrgica: notar o tumor na ponta do bisturi

51
CI RUR G I A D E C A B E ÇA E P E S CO ÇO

E - Estadiamento dical, em geral, inclui a ressecção completa da laringe mais


parte da ou toda a hipofaringe e, com isso, traqueostoma
O estadiamento do carcinoma de hipofaringe também é definitivo, uma vez que descomunica o sistema respiratório
feito com base no TNM da União Internacional de Controle com o digestório. Em alguns casos, também é necessária a
do Câncer (UICC). ressecção do esôfago cervical. Os defeitos decorrentes da
Tabela 4 - Estadiamento do carcinoma de hipofaringe ressecção da faringe podem ser parciais, circunferenciais
T - Tumor primário (totais) e ainda podem incluir o esôfago. Portanto, um passo
importante no tratamento cirúrgico é a reconstituição da via
- TX: o tumor primário não pode ser avaliado;
digestiva, dependendo do tipo de defeito. Esta reconstrução
- T0: não há evidência de tumor primário; pode ser feita utilizando a faringe restante ou, no caso da res-
- Tis: carcinoma in situ. secção de toda a faringe, utilizando tecidos de outra localiza-
Hipofaringe ção (retalhos miocutâneos da região ou a distância, chamada
- T1: tumor limitado a uma sublocalização anatômica da hipofarin- faringolaringectomias circulares). Quando ocorre ressecção
ge e com 2cm ou menos em sua maior dimensão; do esôfago cervical, pode ser necessária a utilização de inter-
- T2: tumor que invade mais de 1 sublocalização anatômica da posição de alças jejunais com anastomose microcirúrgica ou
hipofaringe, ou uma localização anatômica adjacente, ou mede utilização de interposição gástrica. O tratamento cirúrgico do
mais de 2cm, porém não mais de 4cm em sua maior dimensão, pescoço também é de suma importância, principalmente na-
sem fixação da hemilaringe; queles com alto índice de comprometimento secundário dos
- T3: tumor com mais de 4cm em sua maior dimensão, ou com linfonodos cervicais, sendo radical nos pescoços positivos e
fixação da hemilaringe; de 2 a 4 naqueles sem metástases linfonodais.
- T4a: tumor que invade quaisquer das seguintes estruturas: carti- Pode-se tentar o tratamento dos tumores avançados com
lagem tireoide/cricoide, osso hioide, glândula tireoide, esôfago, radioterapia e quimioterapia em protocolos de preservação
compartimento central de partes moles*;
de órgãos, mas os resultados são pobres. Por outro lado, a
- T4b: tumor que invade a fáscia pré-vertebral envolve artéria ca-
rótida ou invade estruturas mediastinais. associação de radioterapia e quimioterapia ao tratamento
cirúrgico melhora a sobrevida e aumenta a chance de cura.
* As partes moles do compartimento central incluem a alça mus-
cular pré-laríngea (NT – omo-hióideo, esterno-hióideo, esternotí-
reo-hióideo e tíreo-hióideo) e gordura subcutânea.
N - Linfonodos regionais
- NX: os linfonodos regionais não podem ser avaliados;
- N0: metástase em linfonodos regionais está ausente;
- N1: metástase em um único linfonodo homolateral, com 3cm ou
menos em sua maior dimensão;
- N2: metástase em um único linfonodo homolateral, com mais
de 3cm e até 6cm em sua maior dimensão, em linfonodos ho-
molaterais múltiplos, nenhum deles com mais de 6cm em sua
maior dimensão, ou em linfonodos bilaterais ou contralaterais,
nenhum deles com mais de 6cm em sua maior dimensão;
- N2a: metástase em um único linfonodo homolateral, com mais
de 3cm e até 6cm em sua maior dimensão;
- N2b: metástase em linfonodos homolaterais múltiplos, nenhum
deles com mais de 6cm em sua maior dimensão;
- N2c: metástase em linfonodos bilaterais ou contralaterais, ne-
nhum deles com mais de 6cm em sua maior dimensão.
- N3: metástase em linfonodo com mais de 6cm em sua maior di-
mensão.
Nota: os linfonodos de linha média são considerados homolate- Figura 16 - Paciente após faringolaringectomia e esvaziamento
rais. cervical bilateral por tumor de seio piriforme

F - Tratamento
G - Prognóstico
A abordagem cirúrgica continua a ser a mais indicada
nos tratamentos dos tumores da hipofaringe, uma vez que Os tumores da hipofaringe são geralmente diagnosti-
respondem muito pouco ao tratamento radioterápico e pos- cados na fase avançada, o que piora muito o prognóstico.
suem prognóstico muito ruim. As cirurgias parciais podem Pode-se dizer que a sobrevida de 5 anos não chega a 20% e
ser indicadas aos tumores pequenos, mas, por estes serem não há melhora significativa no prognóstico, mesmo com o
pouco frequentes, quase não são utilizadas, e uma boa via emprego de novas técnicas de radiação e de novas drogas
de acesso seria uma faringectomia lateral. O tratamento ra- quimioterápicas.

52
CAPÍTULO

9
Tumores de laringe
Alexandre Bezerra dos Santos / Christiana Maria Ribeiro Salles Vanni / Rodney B. Smith

mens (correspondendo popularmente ao pomo-de-adão).


1. Introdução Anatomicamente, a quilha da cartilagem tireoide – no sexo
A laringe é um órgão de estrutura e funcionamento ex- masculino, possui ângulo mais agudo que em mulheres, por
tremamente complexos e frequentemente pouco compre- isso é mais proeminente. Compõe-se de 9 cartilagens, mus-
endidos. Quando comemos, introduzimos alimentos em culatura intrínseca e extrínseca, seus pedículos vasculares
nossa cavidade oral, mastigamos e, depois, os impulsiona- e revestimento mucoso. Logo acima da cartilagem laríngea
mos em direção à nossa faringe, para então o bolo alimen- e “paralela” a ela, encontra-se um osso em forma de ferra-
tar alcançar o esôfago. Quando respiramos, o ar entra na dura, chamado hioide, facilmente palpável, que anatomica-
cavidade nasal (e/ou oral) e atravessa a faringe para alcan- mente não faz parte da laringe, mas tem um funcionamen-
çar a traqueia. Ou seja, após a passagem dos alimentos pela to intrinsecamente relacionado a ela, uma vez que é a inser-
cavidade oral, e do ar pela cavidade nasal, ambos atraves- ção de diversos músculos envolvidos no ato da deglutição e
sam esse outro órgão complexo, que é a faringe (que, por lhe serve de sustentação.
sua vez, se divide em naso, oro e hipofaringe), que é uma - Cartilagens da laringe: são 3 pares de cartilagens e 3
estrutura comum a essas 2 vias: a respiratória e a digestiva. cartilagens únicas/ímpares, a saber:
Cabe à laringe, por meio de uma série de mecanismos a • Cartilagem tireoide: é a maior de todas elas e única.
serem discutidos, efetuar a separação entre as vias aéreas Tem a forma de um escudo, daí o seu nome (thyre-
e digestiva, de forma que o alimento entre no esôfago cer- os, em grego), e apresenta uma proeminência an-
vical e o ar penetre a traqueia. Isto é, ajuda na deglutição, terior, a “quilha”. É uma cartilagem chamada de in-
respiração e fonação e previne aspirações. completa na sua porção posterior (isto é, não apre-
Tal conhecimento é importante ter em mente, uma vez senta toda a circunferência, só a porção anterior) e
que os tumores dessa região e seus tratamentos influen- contém as estruturas internas da laringe. Externa e
ciam diretamente tal funcionamento. inferiormente à sua face anterior, situa-se a glându-
la de mesmo nome;
• Cartilagem cricoide: é a mais caudal de todas e a
única que compreende um anel completo de car-
tilagem, mais espessa e mais forte, sendo por isso
extremamente importante para a estabilização da
laringe e a manutenção da perviedade da via aérea.
Além disso, é o local onde se articulam as aritenoi-
des; é, portanto, a base do arcabouço laríngeo. É
também o limite inferior da laringe, pois logo abaixo
dela se inicia a traqueia;
• Cartilagem epiglote: é a mais cranial de todas, sen-
Figura 1 - (A) Localização anatômica e (B) posicionamento das pre- do o limite superior da laringe. Facilmente visível à
gas vocais (PPVV) durante fonação e respiração laringoscopia, sendo o ponto de reparo para a reali-
zação de intubação orotraqueal (deve-se levantar a
ponta da epiglote com a lâmina, e logo abaixo serão
2. Anatomia e fisiologia vistas as pregas vocais – PPVV –, anteriormente está
o esôfago). Sua porção superior é em borda livre e
A laringe situa-se na linha média do pescoço, sen- tem importante função no ato da deglutição, uma
do facilmente visível e palpável, principalmente em ho- vez que ela se horizontaliza para o fechamento do

53
CI RUR G I A D E C A B E ÇA E P E S CO ÇO

ádito da laringe (entrada), impedindo a aspiração • Cartilagens corniculada e cuneiforme: são 2 pares
de líquidos durante a deglutição; de cartilagens pequenas e rudimentares, localiza-
• Cartilagens aritenoides: par de cartilagens que se das superiormente às aritenoides, aparentemente
desprovidas de função. Acredita-se serem remanes-
situam no interior do arcabouço laríngeo e consi- centes de cartilagens importantes em outros está-
deradas as unidades móveis e funcionais da laringe. gios evolutivos da espécie humana.
Apresentam uma forma triangular, com um proces- - Musculatura da laringe: compreende os músculos in-
so muscular (fixo à cartilagem cricoide, por onde a trínsecos e os extrínsecos:
cartilagem “roda”, movimenta) e um vocal, que se • Músculos intrínsecos: estão localizados no interior
junta ao ligamento vocal (e, consequentemente, às da laringe e têm como função principal a alteração
PPVV), permitindo a abertura e o fechamento delas. da forma da laringe, especialmente, a abertura e o
fechamento das PPVV;
O fechamento da glote (ou seja, das PPVV) é um dos
• Músculos extrínsecos: estão divididos em 2 gru-
maiores responsáveis pela prevenção de aspiração pos, os supra-hióideos e os infra-hióideos, que têm
de líquidos para a traqueia e apresenta importância como função principal a mobilização da laringe
vital no ato da produção sonora; como um todo.

Figura 2 - Cartilagens da laringe e suas relações: (A) vista posterior e (B) anterior

54
TUMORES DE LARINGE

CIRURGIA DE CABEÇA E
PESCOÇO
Figura 3 - Fisiologia da voz: abertura e fechamento dos ligamentos musculares e vocais

Figura 4 - Sintopia (posição em relação à laringe como um todo) das cordas vocais

ríngeo superior, ramo do nervo vago (motor), que se divi-


3. Pedículos vascular e nervoso de ao nível da membrana; sua porção interna promove a
sensibilidade da laringe e da hipofaringe (que gera tosse à
O pedículo neurovascular superior consiste na artéria aspiração e ordena a deglutição). A sua porção externa é
laríngea superior (ramo da artéria tireoide superior que por responsável pela função motora em apenas 1 músculo la-
sua vez é ramo do nervo vago), na veia superior (que dre- ríngeo, o cricotireoide.
na para a veia facial) e no nervo laríngeo superior, além de
vasos linfáticos acompanhantes. Ele penetra lateralmente Esse nervo pode ser lesado durante uma tireoidectomia, de
na membrana tíreo-hioide, de cada lado, em íntimo conta- forma a causar uma sensação de fadiga vocal e dificuldade
to com o seio piriforme (porção da hipofaringe), por onde para emitir sons agudos, visto que ele tem como finalidade
penetra na laringe. O nervo é o ramo externo do nervo la- manter a tensão nas PPVV.

55
CI RUR G I A D E C A B E ÇA E P E S CO ÇO

Figura 5 - Anatomia da região cervical - visão anterior

Figura 6 - Anatomia da glândula tireoide

56
TUMORES DE LARINGE

Porém, o nervo motor mais importante da laringe é


o laríngeo inferior, que é essencialmente motor (sua pe-
quena parte sensitiva é responsável pela sensibilidade
da subglote), também chamado de laríngeo recorrente,

CIRURGIA DE CABEÇA E
pois, ao emergir do nervo vago, apresenta curto trajeto

PESCOÇO
descendente, para então fazer uma alça nos grandes va-
sos da base (a saber, artéria subclávia arco da aorta à es-
querda e tronco tireocervical artéria subclávia à direita),
para adquirir trajeto ascendente, passando por trás da
glândula tireoide, e então penetrar na laringe em nível
da membrana cricotireoide. Ele também pode ser lesado
durante uma tireoidectomia, causando a paralisia da he-
milaringe (prega vocal) correspondente, e consequente
disfonia grave.
Existem variáveis interligações endolaríngeas entre os
nervos laríngeos superior e inferior, denominadas em con-
junto “alça de Galeno”.
Figura 7 - Anatomia da laringe e suas divisões
Deve-se lembrar que o laríngeo superior, ramo externo,
inerva o músculo cricotireóideo, responsável pelo agudo e
tensão das PPVV, e o laríngeo inferior inerva todos os ex- Essa classificação tem vital importância na apresentação
trínsecos (exceção cricotireoide) e é responsável pela mo- dos tumores de laringe e implicações no plano de tratamen-
bilidade da PPVV. to e no prognóstico.
Além dessas regiões, a laringe compreende alguns es-
4. Sub-regiões da laringe paços ou compartimentos, que têm sua importância na
avaliação do plano de tratamento cirúrgico de tumores de
Classicamente, a laringe é dividida em 3 regiões: glote, laringe.
supraglote e subglote.

a) Glote - Espaço de Reinke


Compreende basicamente o nível das PPVV, com limite • Espaço virtual, de tecido conectivo frouxo, entre a
anterior na chamada comissura anterior, comum a ambas mucosa da PPVV e o ligamento vocal, é a região que
as PPVV, e limite posterior nos processos vocais das cartila- fica edemaciada nos fumantes e confere a eles uma
gens aritenoides, e apresenta drenagem linfática extrema- voz rouca e abafada.
mente pobre (pouquíssima metástase).
- Espaço pré-epiglótico
b) Supraglote • É o espaço compreendido entre a face anterior da
Inicia-se ao nível do ventrículo, que é uma dobra da mu- epiglote (fáscia lingual) ao osso hioide e contém
cosa entre as PPVV e falsas pregas (antigamente chamadas gordura e tecido fibroareolar frouxo, além de vasos
de pregas vestibulares). Portanto, compreende as falsas linfáticos;
cordas vocais, o ligamento ariepiglótico e a cartilagem epi-
glote. Resumidamente, da epiglote até as PPVV. Além disso, • Se estiver acometido em um carcinoma de supra-
apresenta rica drenagem linfática bilateral (muitas metás- glote, poderá contraindicar uma cirurgia parcial su-
tases). praglótica, porque pode favorecer a disseminação
neoplásica entre as regiões da laringe.
c) Subglote
- Espaço paraglótico
Inicia-se na borda inferior das PPVV e compõe-se de 2
partes: uma superior e móvel, que inclui o músculo tireo- • Como o nome diz, corresponde ao espaço late-
aritenoide (recobrindo uma camada fibrosa, que se chama ral à glote, profundamente ao ventrículo, e sua
cone elástico), e uma inferior e fixa, que corresponde à car- invasão favorece a disseminação transglótica do
tilagem cricoide (originária da membrana quadrangular), tumor, além de extravasamento extralaríngeo. O
até 1cm dela; resumidamente, vai das PPVV ate o início da acometimento dessa região já transforma o tu-
traqueia. mor em T3 e propicia uma chance elevadíssima
Também apresenta drenagem linfática bilateral. de metástases.

57
CI RUR G I A D E C A B E ÇA E P E S CO ÇO

relacionados são o tabagismo e o etilismo, cujas ações são


sinérgicas. O risco de desenvolver uma neoplasia da larin-
ge é 3,7 vezes maior entre os etilistas pesados. Entre os
fumantes de 10 cigarros/dia, o risco de desenvolver um tu-
mor de laringe é 4 a 5 vezes maior que na população em
geral. Quando falamos em 20 cigarros por dia, esse risco
sobe para 10 vezes e, caso o paciente também seja etilista,
existe uma multiplicação desse risco, chegando a aproxi-
madamente 100 vezes. Outros fatores relacionados são a
inalação crônica de irritantes químicos, infecção pelo HPV,
papilomatose laríngea e fatores genéticos.
Do ponto de vista clínico, as manifestações dependem
da localização primária do tumor, por isso será analisada
cada região. Diferentemente de outros tumores do organis-
mo, a classificação TNM da laringe dá mais importância ao
aspecto funcional da laringe, em relação às dimensões sim-
ples, ou seja, é o único órgão cujo estadiamento se baseia
Figura 8 - Espaços e divisões
na função.

Do ponto de vista da fisiologia da laringe, ressalte-se a A - Tumores da glote


sua importância fundamental, que é proceder à separação
entre as vias aérea e digestiva. Assim, ao promover a aber- A glote é, estatisticamente, o sítio mais comum dos car-
tura da glote (região das PPVV), permite-se que o ar ganhe cinomas. Como a lesão ocorre basicamente nas PPVV, a 1ª
o interior da laringe e chegue a traqueia e pulmões. No sen- manifestação clínica é a disfonia que, aliás, pode ser extre-
tido contrário, o ar expirado também passa pela laringe. Se mamente precoce, favorecendo o diagnóstico desses tumo-
a glote está fechada, ou seja, com as PPVV abduzidas, pas- res em estágios iniciais. Com o avançar da lesão, o paciente
sa-se a ter a oportunidade de produzir sons de intensidade pode apresentar tosse com sangramento, piora da disfonia
e frequência variáveis pela vibração das pregas. Quando e dispneia se a lesão se torna obstrutiva, havendo a neces-
esses sons passam pela cavidade oral, por intermédio de sidade de traqueostomia.
complexas articulações de sua cavidade e da orofaringe, em Como a glote tem pobre vascularização linfática, metásta-
especial a língua, são produzidas a articulação dos sons e a ses são incomuns (presentes em cerca de 6% dos casos). A 1ª
linha de drenagem linfática se dá para linfonodos pré-larín-
produção de palavras. Porém, ao ingerir alimentos, há uma
geos (linfonodos délficos, anteriores à cartilagem tireoide).
série de mecanismos de prevenção de aspiração e direcio-
Uma característica importante dos tumores glóticos é a
namento do bolo alimentar para o esôfago:
possibilidade de cruzamento da linha média, com acometi-
- Elevação do complexo laringotraqueal: por meio da mento bilateral das PPVV. Isso acontece por questões em-
musculatura que se insere no osso hioide, de forma a briológicas e tem grande implicação no tratamento.
aproximar o ádito da laringe à base da língua, promo-
vendo o fechamento deste;
- Abaixamento da epiglote: por meio da musculatura
intrínseca (músculos ariepiglótico e tireoepiglótico),
obstruindo o ádito da laringe;
- Fechamento da glote: em conjunto com o fechamento
das falsas pregas;
- Relaxamento da hipofaringe (recessos piriformes): de
forma a permitir que o bolo entre no esôfago cervical.
Figura 9 - Câncer de laringe na região glótica
5. Carcinoma de laringe De acordo com a classificação TNM, os tumores glóticos
Os tumores da laringe representam cerca de 25% se estadiam em:
das neoplasias malignas do trato aerodigestivo superior. - Tis: tumor in situ;
Histologicamente, cerca de 90 a 95% das neoplasias malig- - T1: tumores limitados às PPVV, com mobilidade nor-
nas são o carcinoma epidermoide (CEC). Outros tipos são mal da glote. Subdividem-se em:
muito incomuns e compreendem os sarcomas e as neopla- • T1a: uma prega vocal, até o nível da comissura an-
sias de pequenas glândulas. Os principais fatores de risco terior;

58
TUMORES DE LARINGE

• T1b: ultrapassa a comissura anterior, acometendo trói-se a glote, geralmente, com rebaixamento da falsa pre-
ambas as PPVV. ga. Faz-se traqueostomia de proteção temporária, e o resul-
- T2: diminuição da mobilidade da prega vocal; tado final costuma ser bastante satisfatório. No caso de um
- T3: fixação da prega vocal, invasão do espaço paragló- tumor maior no sentido posterior em que, durante a cirur-

CIRURGIA DE CABEÇA E
tico, ou erosão da cortical interna da cartilagem tireoi- gia, se necessita remover a aritenoide ipsilateral (o que au-

PESCOÇO
de. menta muito a dificuldade da reabilitação pós-operatória),
- T4: extravasamento extralaríngeo, que se subdivide em: passa-se a considerar a cirurgia uma hemilaringectomia.

• T4a: invasão da cartilagem tireoide ou cricoide,


musculatura pré-laríngea, tireoide, esôfago;
• T4b: invasão da fáscia pré-vertebral, carótida ou
mediastino.
Em relação ao tratamento dos tumores da glote, há ba-
sicamente 2 modalidades, a depender do estadiamento e
de opções a serem debatidas com os pacientes: a modali-
dade cirúrgica e o tratamento com radioterapia, associado,
ou não, à quimioterapia.
A cirurgia para o câncer de laringe, basicamente, se di-
vide em 2 opções: as laringectomias totais ou as parciais.
De maneira geral, as laringectomias parciais horizontais e
verticais (verticais: cordectomia por laringofissura, laringec-
tomia frontolateral, hemilaringectomia, frontal, laringecto- Figura 11 - Técnica da laringectomia frontolateral
mia a 3/4; horizontais: laringectomia supraglótica ampliada
Se o tumor tem grande acometimento contralateral, ou
ou não, laringectomia supracricoide) podem ser realizadas
com alteração de mobilidade da glote, pode-se proceder a
em casos de T1, T2 e alguns T3 selecionados. Os tumores de
outro tipo de laringectomia parcial, chamada laringectomia
estadiamento T4 são, de maneira geral, tratados com larin-
supracricoide, em que se remove toda a glote até o nível
gectomia total.
das aritenoides bilateralmente, e faz-se a pexia do rema-
Para tumores in situ, pode-se proceder à cordectomia,
nescente laríngeo com o osso hioide, epiglote e musculatu-
realizada por meio de uma laringoscopia de suspensão, com
ra da base da língua. A esse procedimento se dá o nome de
ou sem o advento de laser, e de congelação de margens.
laringectomia parcial supracricoide com CHEP (crico-hioide-
-epiglotopexia).
Para tumores avançados, estadio T4, ou recidivados
após tratamento com quimioterapia e radioterapia, está in-
dicada a laringectomia total, com traqueostoma definitivo.

Figura 10 - Ressecção por laringoscopia de suspensão ou microci-


rurgia de laringe

Para tumores T1a ou T1b com pequeno acometimento


da prega vocal contralateral, pode-se realizar uma laringec-
tomia parcial chamada laringectomia frontolateral, em que
se abre a cartilagem tireoide (mediana ou paramediana),
adentra-se a laringe, remove-se a prega vocal acometida
com margens livres, fixa-se a prega contralateral e recons- Figura 12 - Técnica da cirurgia parcial: laringectomia supracricoide

59
CI RUR G I A D E C A B E ÇA E P E S CO ÇO

Como os tumores glóticos não costumam causar metás- - T1: tumores localizados em apenas 1 sub-região da su-
tases linfonodais, o esvaziamento cervical estará indicado praglote, com mobilidade normal das PPVV;
apenas se houver metástases confirmadas (esvaziamento - T2: invasão da mucosa de alguma sub-região adjacen-
de necessidade). te da supraglote, ou da glote, ou da base da língua ou
A outra modalidade de tratamento é a combinação de parede medial do seio piriforme, sem fixação da prega
quimioterapia com radioterapia, com intenção curativa. vocal;
Para estadios iniciais, apresentam resultado oncológico - T3: limitado à laringe, com fixação da prega vocal, ou
semelhante, porém com melhor qualidade vocal pós-trata- invasão do espaço paraglótico, ou da área pós-cricoi-
mento, e sem a necessidade da cirurgia (e da traqueosto- de, ou do espaço pré-epiglótico, ou erosão da cortical
mia), sendo, pois, a 1ª opção terapêutica. Mas o tratamento interna da cartilagem tireoide.
combinado também é muito importante em casos de tumo- - T4: extravasamento extralaríngeo, que se subdivide
res mais avançados, para os quais a cirurgia indicada seria em:
a laringectomia total, porém a laringe ainda se apresenta
• T4a: invasão da cartilagem tireoide ou cricoide,
funcionante. Nesses casos, costuma-se chamar “protocolo
musculatura da base da língua ou pré-laríngea, ti-
de preservação de órgãos”. Em casos de falha terapêutica,
reoide, esôfago;
estará indicada a laringectomia total de resgate.
• T4b: invasão da fáscia pré-vertebral, carótida ou
mediastino.
B - Tumores da supraglote
No caso dos tumores da supraglote, a clínica e o tra- O prognóstico dos tumores da supraglote é em geral
tamento são diferentes. Em 1ª lugar, existe uma diferença pior, pois os tumores costumam apresentar-se em estadios
fundamental, que é a rica vascularização linfática dessa re- mais avançados e apresentam grande potencial de metás-
gião que, além de ser independente do ponto de vista de tases linfonodais, o que aumenta muito a falha terapêutica.
lateralidade da drenagem, faz que a ocorrência de metásta- Do ponto de vista de tratamento cirúrgico, um importan-
ses linfonodais seja extremamente elevada, quando não há te aspecto a ser considerado é o fato de que o pescoço deve
manifestação inicial. ser sempre abordado (esvaziamento de princípio), mesmo
A clínica está mais relacionada à deglutição, sendo a que seja negativo, pela alta incidência de metástases linfo-
disfagia e a odinofagia sintomas iniciais mais comuns, ge- nodais conhecida. Em geral, procede-se ao esvaziamento
ralmente acompanhados de linfonodomegalias cervicais. radical no lado do pescoço positivo (ipsilateral ao tumor) e,
Outras queixas, como “dor de garganta” e otalgia reflexa, se o lado contralateral for negativo, ao esvaziamento jugu-
são comuns; alterações vocais iniciais são características locarotídeo (níveis II, III e IV).
(voz de timbre anasalado), com progressão para disfonia Em conjunto, deve-se proceder à ressecção do tumor
franca (quando houver acometimento por contiguidade da primário. Há um aspecto importante a ser ressaltado, do
glote, ou paralisia por invasão do espaço paraglótico), até a ponto de vista anatômico e oncológico. O espaço entre a
evolução para estridor respiratório devido à obstrução. supraglote e a glote, chamado valécula, é uma importan-
te barreira à disseminação do tumor entre essas 2 regiões.
Assim, se o tumor supraglótico não apresenta sinais de in-
vasão da glote, pode-se proceder a uma laringectomia par-
cial denominada laringectomia supraglótica, em que se faz
uma incisão horizontal na cartilagem tireoide, se adentra na
laringe ao nível das PPVV e se remove toda a supraglote a
partir da valécula (ainda que a margem cirúrgica seja menor
neste nível), suturando o remanescente laríngeo à base da
língua. O paciente apresenta uma boa qualidade vocal no
pós-operatório, pois a glote fica intacta, porém apresenta
muitos episódios de broncoaspiração, até mesmo da pró-
pria saliva, exigindo um bom trabalho de fonoterapia para
reabilitação. Obviamente, se o tumor apresenta invasão da
glote, pela mucosa ou por acometimento do espaço para-
glótico (T3, T4), está indicada a laringectomia total.
Figura 13 - Tumor acometendo a falsa prega e preenchendo o ven- Os ditos “protocolos de preservação”, ou seja, o trata-
trículo (supraglote) à esquerda mento com quimioterapia e radioterapia associadas, tam-
bém são usados para os tumores supraglóticos, segundo os
O estadiamento de tumores da supraglote também con- mesmos princípios descritos. No entanto, a supraglote não
sidera os aspectos funcionais da laringe e o acometimento apresenta o mesmo nível de resposta terapêutica da glote,
de algumas sub-regiões específicas. em especial, no tratamento das metástases.

60
TUMORES DE LARINGE

D - Tumores transglóticos
Denomina-se transglótico o tumor que atinge mais de
1 porção da laringe. Conforme o próprio estadiamento já

CIRURGIA DE CABEÇA E
adiantou, são lesões mais extensas, que requerem muitas

PESCOÇO
vezes a laringectomia total, esvaziamento cervical bilate-
ral e, frequentemente, radioterapia no pós-operatório, em
casos de margens comprometidas ou exíguas, linfonodos
positivos, invasão perineural ou invasão de estruturas adja-
centes. Lembrar que, após a laringectomia total, o sistema
digestório ficará definitivamente separado do respiratório,
o traqueostoma será definitivo, e o doente fonará através
de voz esofágica, prótese vocal ou laringe mecânica.

Figura 14 - Laringectomia supraglótica


Figura 15 - Laringectomia total

C - Tumores da subglote O estadiamento linfonodal do tumor de laringe é o mes-


mo para todas as regiões, bem como para os principais tu-
Tumores primários da subglote são extremamente ra- mores da região cervical. Assim:
ros. Em geral, a subglote está acometida por continuidade - N1: metástase única, ipsilateral, menor do que 3cm;
de tumores glóticos ou supraglóticos. - N2a: metástase única, ipsilateral, entre 3 e 6cm;
Do ponto de vista clínico, a principal característica é a
obstrução da via aérea causada pelo estreitamento da luz.
- N2b: metástases múltiplas, ipsilaterais, menores que
6cm;
No entanto, também costumam ocorrer manifestações vo-
cais, como disfonia, por fixação da glote. - N2c: metástases bilaterais, ou contralaterais, menores
- T1: tumores limitados à subglote; que 6cm;
- T2: extensão para as PPVV, com mobilidade normal ou - N3: metástases maiores do que 6cm.
diminuída; Em resumo, o diagnóstico dos tumores da laringe é fa-
- T3: fixação da prega vocal, limitada à laringe. cilmente sugerido pelo histórico do paciente e suas queixas.
- T4: extravasamento extralaríngeo, subdivide-se em: Após o correto diagnóstico e o estadiamento (panendosco-
• T4a: invasão da cartilagem tireoide ou cricoide, pia, biópsia e tomografia computadorizada de pescoço),
musculatura pré-laríngea, tireoide, esôfago; devem-se oferecer as 2 opções básicas de tratamento – ci-
• T4b: invasão da fáscia pré-vertebral, carótida ou rurgia ou quimioterapia e radioterapia –, e explicar as van-
mediastino. tagens e desvantagens de cada uma delas de acordo com
cada caso, para então proceder ao tratamento e ao segui-
Em relação ao tratamento, é de caráter eminentemente mento adequados. Infelizmente, a maioria tem grande di-
cirúrgico, não estando indicado o tratamento com quimio- ficuldade de aceitar a traqueostomia, mesmo temporária,
terapia e radioterapia devido à baixa resposta terapêutica e pois naturalmente a associa a um mau prognóstico. O trata-
à obstrução. Não há alternativa parcial, a única cirurgia indi- mento é sempre complexo e multidisciplinar, pois envolve
cada é a laringectomia total. Devido à intensa irrigação lin- 3 especialidades médicas (cirurgião de cabeça e pescoço,
fática e à alta probabilidade de metástases, deve-se realizar radioterapeuta e oncologista), além de fonoaudiólogo para
o esvaziamento cervical bilateral. Além disso, ipsilateral ao reabilitação, nutricionista e psicólogo.
tumor devem-se realizar a tireoidectomia e o esvaziamento São objetivos do tratamento:
recorrencial (nível VI). - Cura do câncer;

61
CI RUR G I A D E C A B E ÇA E P E S CO ÇO

- Manutenção da função laríngea, ou reabilitação de


maneira a reintegrar à sociedade;
- Manutenção da qualidade de vida.

Figura 16 - Tumores de laringe

62
CAPÍTULO

10
Tumores da cavidade nasal e seios paranasais
Alexandre Bezerra / Caio Plopper / Felipe Augusto Brasileiro Vanderlei
Christiana Maria Ribeiro Salles Vanni / Rodney B. Smith

Assim, a cavidade nasal e os seios paranasais acabam


1. Introdução por constituir uma estrutura única, frequentemente deno-
A cavidade nasal e os seios paranasais são uma par- minada de “maciço facial”. Dessa forma, os tumores que
te da anatomia humana de extrema complexidade e com acometem essas regiões apresentam características histo-
uma origem embriológica comum (endodérmica) a partir patológicas comuns, muitas vezes, acometendo ambas as
de quando as lâminas palatinas dos processos maxilares se estruturas.
desenvolvem, fundindo-se na linha média, de modo a iso- Os seios paranasais são revestidos de mucoperiósteo,
lar a via aérea superior da cavidade oral. Conforme a face e, do ponto de vista histológico, cerca de 80% desses tu-
cresce nos sentidos anterior e inferior à base do crânio, há mores são carcinomas epidermoides, o que já é uma per-
pneumatização dos ossos, que acabam por circundar as es- centagem menor em relação às outras áreas das vias aé-
truturas das órbitas (formando os seios paranasais). Ocorre reo-digestivas altas, porém há uma grande variedade de
também a formação de uma abertura mediana com abertu- outros tipos histológicos, tanto benignos como malignos.
ra anterior, que será a futura cavidade nasal. Os tumores benignos são pouco frequentes e podem
ser divididos em:
- Ósseos ou esqueléticos: osteomas, têm crescimento
lento, pouco sintomáticos e têm etiologia desconhe-
cida;
- Tumores odontogênicos: o mais frequente é o ame-
loblastoma; acometem principalmente a mandíbula,
mas em 20% dos casos podem acometer a maxila;
- Tumores mesenquimais: os mais frequentes são os
meningiomas, neuromas e hemangiopericitomas.

A incidência é maior no sexo masculino, em brancos,


sendo muito raro na infância e mais prevalente a partir
Figura 1 - Seios da face
da 4ª década de vida. Os principais fatores de risco são a
exposição a inalantes carcinogênicos, como hidrocarbo-
netos, fuligem, derivados de petróleo, látex, tintas entre
outros. Isso significa que, em muitos casos, o fator de
risco está presente na atividade profissional do paciente,
como em trabalhadores da indústria de refino de níquel.
Curiosamente, a exposição a tabaco parece não repre-
sentar fator de risco para tumores nasossinusais.
A apresentação clínica depende da localização primária
do tumor, do seu tipo histológico e do seu tamanho. A prin-
cipal queixa, presente na metade dos casos, é a obstrução
nasal, mas dor facial ou dentária de origem inexplicável, ri-
norreia e epistaxe também fazem parte do quadro clínico,
além de edema ou deformidade facial. Como se pode notar,
são queixas muito comuns na prática clínica, que aparecem
Figura 2 - Cavidade nasal também em outras doenças benignas, como quadros infla-

63
CI RUR G I A D E C A B E ÇA E P E S CO ÇO

matórios ou alérgicos. Por isso, praticamente todos os por- máticos, mas a progressão da doença pode causar outros
tadores de tumores nasossinusais têm um rico histórico de sintomas, como massas na face ou na cavidade oral, sinais
consultas com vários outros médicos, em especial, otorri- oculares (amaurose, diplopia, proptose), trismo, déficit
nolaringologistas, por serem tumores de difícil diagnóstico, de pares cranianos (I, II, III, IV, V e VI) ou perda ponderal.
já que estão dentro de cavidades. Obviamente, o diagnóstico se torna mais rico e fácil de ser
considerado, mas o prognóstico evidentemente se torna
Os casos em que a obstrução nasal é unilateral, em pa-
mais reservado. As disseminações linfáticas ou hematogêni-
cientes sem histórico de quadros imunoalérgicos, merecem
cas são incomuns, de forma que a ocorrência de metástases
atenção, assim como se há dor progressiva ou exposição a linfonodais ou distantes não costuma fazer parte do quadro
fatores de risco ambientais. Os tumores iniciais são assinto- clínico inicial.

Figura 3 - Nervos cranianos e seus locais de ação

O exame de fibroscopia nasal pode ser útil na avaliação


2. Diagnóstico pelas avaliações clínica e de extensão dessas lesões e fornecer material para a aná-
radiológica lise histológica (biópsia), porém é essencial o uso de méto-
O exame físico deve incluir a inspeção da face e das cavi- dos de imagem.
dades oral e nasal e a avaliação de pares cranianos. Porém, As radiografias simples, em 3 incidências (Towne,
em muitos casos, o exame pode ser muito frustrante, de Caldwell e Hirtz), são muito baratas e difundidas, porém
modo que é absolutamente essencial a propedêutica arma- apresentam baixa acurácia. Podem demonstrar lesões in-
da para a avaliação dos tumores. suflativas, destruição óssea ou preenchimento de cavida-
des naturais. Convém lembrar que alguns casos podem ser
diagnosticados com radiografias usadas pelos dentistas,
como panorâmicas de mandíbula que mostrem alterações
suspeitas. Apesar disso, as radiografias simples são muito
falhas em avaliar corretamente a extensão dessas lesões,
e hoje é inaceitável que um planejamento cirúrgico seja
feito apenas com base nelas. São essenciais a Tomografia
Computadorizada (TC) de face e seios da face (a de pesco-
ço não possui cortes da maxila) e, se necessário ou houver
dúvida entre a existência de massa sólida ou secreção (nos
casos de sinusite), complementação com ressonância mag-
Figura 4 - Cisto de maxila nética.

64
TUMORES DA CAVIDADE NASAL E SEIOS PARANASAIS

A TC é o método de eleição para a avaliação do espaço ção precisa das estruturas da base do crânio, além de evi-
nasossinusal. É também um método altamente difundido, denciar um possível acometimento de estruturas cerebrais
que apresenta diversas vantagens, como avaliação total das por contiguidade.
cavidades, boa avaliação das estruturas ósseas, relação do

CIRURGIA DE CABEÇA E
tumor com estruturas adjacentes (como órbita ou base de

PESCOÇO
crânio), possibilidade de reconstrução tridimensional (mui-
to útil nos casos de programação de reabilitação com próte-
ses) e ainda como controle pós-tratamento.

Figura 7 - RNM com massa preenchendo a fossa nasal esquerda e


invadindo o seio cavernoso

As angiografias são muito úteis em casos de tumores


Figura 5 - Corte axial de TC de seios da face mostrando tumor ocu- com rica vascularização, como o nasoangiofibroma juvenil,
pando a cavidade nasal esquerda uma neoplasia extremamente vascularizada, pois pode au-
xiliar não só no diagnóstico dessas lesões, como também no
tratamento cirúrgico por meio de embolização prévia dos
principais vasos nutrientes desses tumores.

3. Patologia dos tumores nasossinusais


Analisemos os tipos histológicos mais comuns de tumo-
res dessa região, que apresenta uma vasta gama de lesões
benignas e malignas:
- Tumores de origem epitelial: são os mais comuns,
sendo mais prevalente o carcinoma epidermoide, cujo
prognóstico depende profundamente de seu tama-
nho. Compreende a maioria desses tumores e, como
nasce em uma cavidade, é assintomático em sua fase
inicial, até adquirir um tamanho que o leve a invadir
estruturas adjacentes, causando então sintomatologia
específica referente à região afetada. Outros tipos de
tumores de linhagem epitelial são os de origem em su-
perfície mucosa (como os adenocarcinomas mucosos,
papilares, neuroendócrinos) e os de origem em epité-
Figura 6 - TC de seios paranasais com lesão heterogênea em seio lios de glândula salivar, que podem ser benignos (ade-
maxilar esquerdo com alargamento do infundíbulo etmoidal, ero-
noma pleomórfico, oncocitoma) ou malignos (carcino-
são da parede posterior e teto do seio maxilar e extensão para a
fossa infratemporal
ma adenoide cístico, carcinoma mucoepidermoide).
Esses outros tipos de tumores são bem mais raros, e o
A Ressonância Magnética (RM) também é um excelente diagnóstico muitas vezes é difícil, até para o patologis-
método auxiliar, principalmente em conjunto com a tomo- ta experiente. Dificilmente geram metástases;
grafia. Não é tão eficaz como a TC para avaliar as estruturas - Papilomas: originam-se no próprio epitélio mucoso,
ósseas, entretanto é muito útil na diferenciação de material espessando-o e adquirindo um caráter fungiforme.
que preenche determinados espaços naturais (por exem- São classificados de acordo com a sua localização (la-
plo, para distinguir se um seio esfenoidal está acometido teral ou septal) e com o seu padrão arquitetural (exo-
pelo tumor ou pelo acúmulo de líquidos causado pela obs- fítico, ou invertido, quando o crescimento epitelial se
trução tumoral). Além disso, é muito importante na avalia- volta para a membrana basal). Têm forte relação com

65
CI RUR G I A D E C A B E ÇA E P E S CO ÇO

o vírus HPV e, como características clínicas, são alta- 4. Classificação


mente recidivantes, podem erodir estruturas ósseas e
necessitam de uma ressecção ampla; A divisão mais antiga e tradicional dos tumores da ma-
- Melanomas: no trato respiratório, originam-se nas xila é a de Sebileau, em 1906, que dividiu o osso em 3 an-
porções superiores, como cavidade nasal e seios para- dares, a partir de 2 linhas paralelas, sendo a 1ª no nível do
nasais, sendo mais raros na laringe. Aproximadamente soalho da órbita, e a 2ª no nível do antro maxilar.
0,5 a 1,5% de todos os melanomas se inicia nesses - III - Supraestrutura: contém os seios etmoide, esfenoi-
sítios. Originam-se de melanócitos normalmente pre- de e frontal e as células olfatórias;
sentes na mucosa dos seios paranasais e da cavidade - II - Mesoestrutura: contém os seios maxilares e a por-
nasal. São muito agressivos; ção respiratória da cavidade nasal;
- Neuroblastoma olfatório (estesioneuroblastoma): - I - Infraestrutura: contém os processos alveolares dos
origina-se do epitélio olfatório presente nas porções dentes superiores.
superiores da cavidade nasal (placa cribiforme) e for-
ma tipicamente uma massa exofítica polipoide, com Outra divisão clássica foi proposta por Öhngren em
aparência congesta e superfície lisa. Tipicamente, cau- 1933, que traçou, em uma vista de perfil da face, uma li-
sa obstrução nasal, inicialmente unilateral, e pode se nha entre o canto inferior do olho e o ângulo da mandíbula,
tornar ulcerado se adquire grande tamanho. É local- gerando assim 2 compartimentos: posterossuperior e an-
mente invasivo, altamente recidivante, e pode metas- teroinferior. Essa linha (de Öhngren) foi chamada plano de
tizar para linfonodos de tratamento cirúrgico comple- malignidade, pois logo ficou claro que tumores originados
xo e de prognóstico ruim em casos avançados; na porção posterossuperior tinham prognóstico pior do que
- Sarcomas: o rabdomiossarcoma é muito agressivo e os de origem anteroinferior, além de significar cirurgias de
pode ocorrer em crianças. Existem vários outros tipos, a maior complexidade pela proximidade da base do crânio.
depender do tipo de célula que os origina: sarcomas neu- Do ponto de vista oncológico, o estadiamento dos tu-
rogênicos, leiomiossarcomas, angiossarcomas, fibrossar- mores dos seios paranasais é extremamente complexo, em
comas, osteossarcomas, condrossarcomas e o heman- razão das grandes diferenças entre os tumores, de acordo
giopericitoma. São de tratamento cirúrgico com excisão com os seus sítios de origem e as estruturas adjacentes
ampla, com grandes margens (muito difícil na região da envolvidas, e algumas particularidades de estadiamento,
cabeça) e, em alguns casos, associação à radioterapia; sendo ainda motivo de discussão. O sistema TNM considera
- Outros tipos: raros, como carcinomas neuroendócri- basicamente o sítio primário e a extensão do tumor.
nos, teratomas (nasofaríngeos), ou metástases distan-
Tabela 1 - Estadiamento dos tumores dos seios paranasais
tes (de carcinoma renal, o mais comum).
Tumor de seios maxilares
Convém lembrar a ocorrência de tumores primários de T - Tumor primário
pele, como os carcinomas basocelular ou espinocelular, que - TX: tumor não pode ser avaliado;
podem invadir a maxila, especialmente na região periorbitá-
- T0: sem evidência de tumor primário;
ria. Isso é frequente em casos de recidivas profundas, muitas
vezes em razão de ressecções incompletas, especialmente - Tis: carcinoma in situ;
em áreas de difícil reconstrução. Por isso, recomenda-se a - TT1: tumor limitado à mucosa antral, sem erosão ou destruição
ressecção com exame intraoperatório de congelação de mar- óssea;
gens, incluindo profunda e adequada reconstrução. A maio- - T2: erosão ou destruição óssea da infraestrutura ou meato mé-
ria dos casos de maxilectomia com exenteração orbitária se dio, exceto parede posterior antral;
deve aos casos recidivados de carcinoma basocelular (CBC). - T3: invasão de alguma das seguintes estruturas: pele ou sub-
cutâneo, parede posterior do seio maxilar, soalho ou parede
medial da órbita, seio etmoidal anterior;
- T4: invasão da órbita, ou alguma das seguintes estruturas: lâmi-
na crivosa, seio etmoidal posterior ou esfenoidal, nasofaringe,
palato mole, fossa infratemporal ou pterigopalatina, base do
crânio.
Tumores de seio etmoidal
- T1: tumor confinado ao etmoide, com ou sem erosão óssea;
- T2: extensão para a cavidade nasal;
- T3: extensão para a órbita anterior ou o seio maxilar;
- T4: extensão intracraniana, ápice da órbita, invasão do seio es-
Figura 8 - CBC de pele com crescimento há 30 anos e invasão da
fenoide ou frontal e/ou pele do nariz.
órbita e da maxila

66
TUMORES DA CAVIDADE NASAL E SEIOS PARANASAIS

N - Linfonodos regionais complicações significativamente maior. Deve-se dar atenção


- NX: linfonodos não avaliáveis; ao fechamento da dura-máter, para evitar fístulas liquóricas e
consequente meningite (de 20 a 30% dos casos).
- N0: ausência de linfonodos regionais;
Muitas vezes, a reconstrução do defeito intraoral é fei-

CIRURGIA DE CABEÇA E
- N1: linfonodo único, ipsilateral, menor que 3cm; ta com próteses moldadas por equipes de protéticos espe-

PESCOÇO
- N2a: metástase para um linfonodo entre 3 e 6cm; cializados, que podem tirar o molde do paciente antes da
- N2b: metástase para mais de 1 linfonodo, entre 3 e 6cm, ipsi- cirurgia, para apenas ajustá-lo depois da ressecção, a de-
lateral; pender do defeito obtido. Em casos de exenteração, alguns
- N2c: metástase para linfonodo bilateral ou contralateral. serviços preconizam a enxertia de pele ao nível das paredes
- N3: metástase para linfonodo maior do que 6cm.
residuais da órbita, de modo a proporcionar a colocação
futura de prótese ocular. Porém, em muitos casos, é neces-
M - Metástase a distância
sária uma reconstrução com uso de retalhos, sejam locais
- MX: metástase não avaliável; (por exemplo, retalho frontal ou indiano, para cobertura de
- M0: ausência de metástases; órbita após exenteração), sejam distantes, eventualmente
- M1: presença de metástases a distância. microcirúrgicos (como retalho de reto abdominal para re-
construção de defeito total de maxila).
Para casos de estadios T3 ou T4, com margens compro-
5. Tratamento metidas ou exíguas, ou infiltração perineural, deve-se com-
O tratamento dos tumores nasossinusais é basicamente plementar o tratamento com radioterapia externa. Deve-se
cirúrgico, seguido frequentemente de radioterapia. Convém lembrar que, em casos de extensão do tumor para os seios
lembrar que, muitas vezes, a própria biópsia para a definição etmoidal ou esfenoidal, a radioterapia estará quase sempre
histopatológica é um procedimento cirúrgico, sob anestesia ge- indicada, porque é difícil ter uma margem cirúrgica satisfa-
ral, com diferentes e complexas, algumas vezes, vias de acesso. tória pela proximidade das estruturas cerebrais.
A utilização da radioterapia tem como fatores dificultadores a Em casos de tumores com grande extensão para a base
tridimensionalidade da topografia da região e a proximidade do crânio, invasão do parênquima cerebral ou acometimento
de estruturas nobres e sensíveis a este tratamento. ocular bilateral, considera-se que ele não é passível de trata-
A cirurgia em questão é a maxilectomia, que pode ser mento cirúrgico. Nesses casos, ou no caso de o paciente re-
parcial (maxilectomia de infra, meso ou supraestrutura, ou cusar a cirurgia ou não apresentar condições clínicas, opta-se
combinações), radical ou ampliada (outras estruturas além pelo tratamento radioterápico (com dose de até 7.000cGy),
da maxila, pele, órbita). Historicamente, as primeiras abor- combinado ou não com quimioterapia, para tentativa de
dagens eram realizadas por orifícios naturais (acessos tran- controle local. Diversos esquemas de tratamento combinado
sorais, ou transnasal), hoje apenas usados para a ressecção têm sido utilizados, inclusive para a tentativa de redução da
de pequenos tumores, para a biópsia ou para cirurgias en- massa tumoral (e, consequentemente, a realização de uma
doscópicas ou robóticas, associadas a neurocirurgia que cirurgia de menor proporção), mas até o momento nenhum
atualmente estão ganhando muito destaque pelos grandes esquema de tratamento não cirúrgico apresenta resultados
benefícios, não só como resultado estético, mas principal- satisfatórios o suficiente para que se apresente como trata-
mente pela exposição e visibilização de todo o tumor. São mento de eleição em oposição ao tratamento cirúrgico.
cirurgias complexas, com grande potencial de sangramento.
Do ponto de vista da abordagem cirúrgica, o acesso
mais utilizado é a clássica incisão de Weber-Ferguson, pa-
ralateronasal e mediolabial. Essa incisão possibilita um
amplo acesso à maxila e à cavidade nasal, e para tumores
com extensão posterior, pode-se realizar prolongamento da
incisão superior (supraciliar – Lynch) ou inferior (infraciliar
– Diefenbach). Após a elevação do retalho facial, expõe-se
totalmente a parede anterior da maxila, quando então se
procede às osteotomias (com formão e martelo ou serra
pneumática) necessárias para o acesso à cavidade maxilar.
Deve-se atentar para a artéria maxilar (ramo terminal da ca-
rótida externa) e do plexo venoso pterigóideo, que podem
ser causas de volumosos sangramentos no intraoperatório.
Em casos de extensão para a base do crânio, deve-se pro-
ceder a uma cirurgia craniofacial, ou seja, uma abordagem
em conjunto com a equipe de neurocirurgia para completar
a ressecção superior da lesão. Esses procedimentos apre- Figura 9 - Paciente preparado para cirurgia, com incisão paralate-
sentam uma complexidade bastante elevada, com índice de ronasal: discreto abaulamento da maxila

67
CI RUR G I A D E C A B E ÇA E P E S CO ÇO

Figura 13 - Defeito cirúrgico pós-retirada da lesão

Figura 10 - Estudo radiológico da lesão Figura 14 - Pós-operatório tardio

Figura 15 - (A) Lesão inicial; (B) aspecto pós-maxilectomia radical


ampliada e (C) peça cirúrgica
Figura 11 - Pré-operatório de incisão de Weber-Ferguson marcada

Figura 16 - (A) Pós-operatório imediato e (B) pós-operatório de 6


meses após microcirurgia de reto abdominal, ainda precisando de
Figura 12 - Estudo radiológico prévio retoques

68
CAPÍTULO

11
Doenças das glândulas salivares
Alexandre Bezerra / Caio Plopper / Felipe Augusto Brasileiro Vanderlei
Christiana Maria Ribeiro Salles Vanni / Rodney B. Smith

nome), fazendo parte do contorno facial. Apresentam ín-


1. Introdução
tima relação anatômica com o músculo masseter anterior-
As glândulas salivares são um grupo de glândulas exó- mente e com a porção superior do músculo esternocleido-
crinas cuja função é a produção de saliva. São caracteri- mastóideo posteriormente, além do próprio conduto audi-
zadas histologicamente por um sistema de ácinos-ductos tivo externo, e dos processos mastoide e estiloide. Porém, a
e se agrupam em 2 tipos: as glândulas salivares maiores,
relação mais importante é com o nervo facial (VII par), que
compreendendo os pares de parótidas, de submandibula-
emerge do crânio por meio do forame estilomastóideo, e se
res e de sublinguais, e as menores, que são um conjunto
de glândulas microscópicas presentes basicamente na ca- divide em 5 ramos no interior da glândula. Desta maneira,
vidade oral (todo trato aerodigestivo). Os ácinos salivares a própria glândula é dividida em 2 porções: superficial (ao
são de 3 tipos, com base na natureza da saliva que pro- nervo facial), correspondente a aproximadamente 80% do
duzem: serosos (parótidas), seromucosos (submandibula- parênquima glandular, e profunda. Não há um plano defi-
res) ou mucosos (sublingual). As glândulas salivares me- nido entre essas 2 porções, sendo essa divisão muito mais
nores costumam ter ácinos mistos. As glândulas salivares relacionada à abordagem cirúrgica que à anatomia propria-
são sede de inúmeros processos neoplásicos benignos ou mente dita.
malignos, além de serem sede de processos inflamatórios Da porção profunda da glândula emerge o ducto da
(sialoadenites) que se apresentam como lesões tumorais parótida, denominado ducto de Stenon (ou Stensen), que
nestas glândulas.
apresenta orientação medial, anteriormente ao músculo
masseter, penetrando nas fibras do músculo bucinador,
para entrar na cavidade oral ao nível do 2º molar superior,
de cada lado.
Um importante fato é a ocorrência de diversos linfono-
dos pré-parotídeos e intraparotídeos, o que tem extrema
importância clínica.

Figura 1 - Glândulas salivares maiores

2. Parótidas
As parótidas são as maiores glândulas salivares do
corpo, localizando-se próximas às orelhas externas (daí o

69
CI RUR G I A D E C A B E ÇA E P E S CO ÇO

é secretada na boca por intermédio dos ductos de Rivinus;


estes são em número de 8 a 30 e estão muito próximos às
aberturas dos ductos de Wharton. Também apresentam
relação anatômica com o nervo lingual e estão localizados
superiormente ao músculo milo-hióideo.

Figura 2 - Anatomia e relação neurovascular

3. Submandibulares
As submandibulares são um par de glândulas, de cada
lado, que se localizam na borda inferior do ramo horizontal
do arco mandibular, entre os ventres anterior e posterior
do músculo digástrico. Apresentam íntima relação anatô- Figura 4 - Anatomia da glândula sublingual
mica com os vasos faciais (artéria e veia), nervo marginal
da mandíbula (penúltimo ramo do nervo facial, responsável
por deprimir a rima do lábio inferior), nervo hipoglosso e 5. Glândulas salivares menores
nervo lingual, do qual recebe diretamente um ramo chama-
do “ramo secretório”, além dos músculos do assoalho da São em número que varia de 400 a 700 glândulas, lo-
boca, em especial o milo-hióideo e o digástrico. calizadas difusamente na cavidade oral, principalmente em
O ducto da submandibular, chamado ducto de Wharton, lábios, língua, tonsila, palatos duro e mole e, em menor
emerge da porção anterior da glândula e apresenta progres- quantidade, região supraglótica da laringe, e por vezes po-
são no sentido superior e medial, para penetrar no assoalho dem estar presentes até na traqueia.
da boca próximo ao freio lingual.

Figura 5 - Distribuição das glândulas salivares


Figura 3 - Anatomia da glândula submandibular e suas relações

A - Patologia dos tumores das glândulas salivares


4. Sublinguais Poucas estruturas no corpo humano apresentam quan-
As sublinguais estão localizadas na submucosa do asso- tidade tão vasta de padrões histopatológicos diversos de
alho da boca, posteriormente ao arco mandibular. A saliva neoplasias quanto as glândulas salivares. Frequentemente,

70
DOENÇAS DAS GLÂNDULAS SALIVARES

o diagnóstico preciso é altamente controverso, mesmo en- - Tumor de Warthin (ou cistoadenoma papilífero linfo-
tre patologistas experientes. Analisaremos os tumores mais matoso): é o 2º tipo mais comum, praticamente exclu-
comuns na prática clínica. sivo da parótida. É um tumor de limites bem definidos,
Do ponto de vista clínico, deve-se atentar à diferença com componente cístico, de consistência amolecida.

CIRURGIA DE CABEÇA E
básica de apresentação desses tumores, que podem se ma- Acredita-se ser originário de remanescentes embrioná-

PESCOÇO
nifestar como lesões mucosas sobrelevadas, inicialmente rios de tecido salivar no interior de linfonodos, o que ex-
não ulceradas, nos casos dos tumores das glândulas meno- plica por que podem ser múltiplos, bilaterais (em 10%)
res ou sublinguais, ou como nódulos de crescimento lento e apresentar, do ponto de vista histológico, estroma lin-
e progressivo nas glândulas parótidas e submandibulares. foide. Em exame citológico obtido a partir da punção,
Geralmente, quanto menor a glândula salivar, maior a proba- pode até ser confundido com um linfonodo reacional;
bilidade de seu tumor ser maligno. Na parótida, cerca de 80%
dos tumores são benignos; na submandibular, aproximada-
mente 50%; na sublingual e nas menores, cerca de 20%.
a) Neoplasias benignas das glândulas salivares
- Adenoma pleomórfico: é a mais comum, correspon-
dendo a cerca de 70% dos tumores benignos das glân-
dulas salivares maiores, e o tumor mais da parótida. É
também chamado tumor misto benigno, pois compre-
ende uma mistura de células neoplásicas ductais, mio-
epiteliais e mesenquimais (daí o nome), apresentando
grande variedade histológica, com diversos padrões Figura 7 - Aspecto do tumor de Warthin
dentro do próprio tumor. O estroma pode ser mucoide,
mixoide, condroide, ou seja, também é pleomórfico, e - Outros tumores benignos: são muito mais incomuns
explica a consistência firme desse tumor. Nem sempre e compreendem outros adenomas (monomórfico, de
apresentam uma cápsula verdadeira, e sim um espessa- células basais, canalicular), os mioepiteliomas, onco-
mento peritumoral causado pela reação do organismo, citomas, entre outros. Um tumor incomum, mas que
e blocos de células tumorais podem estar presentes ao merece especial atenção, no caso da glândula paróti-
redor dessa pseudocápsula. Essa é a principal razão de da, é o schwannoma do nervo facial que, apesar de
ser absolutamente contraindicada a ressecção cirúrgi- não ser propriamente um tumor da parótida, se com-
ca rente ao tumor (enucleação), pois tal procedimento porta como tal e deve ser tratado cirurgicamente, com
apresenta taxas de recorrência inaceitáveis; planejamento de reconstrução do nervo facial com
enxerto neural.
b) Neoplasias malignas das glândulas salivares
- Carcinoma mucoepidermoide: é o tipo mais comum e
mais frequentemente observado nas parótidas. Do pon-
to de vista histológico e clínico, apresenta uma divisão
muito clara: os chamados de baixo grau de malignidade
e os de alto grau de malignidade. Os de baixo grau, que
correspondem a 90% dos casos, apresentam curso clí-
nico muito semelhante ao dos tumores benignos, com
crescimento lento e poucas recidivas. Já os de alto grau
se apresentam com quadro clínico abrupto, ulceração
local, rápido crescimento e dor local, e o controle clínico
é mais difícil, exigindo tratamento cirúrgico mais radical
e radioterapia complementar;
- Carcinoma adenoide cístico: é o 2º tipo mais comum
e o tumor maligno mais frequente nas glândulas sub-
mandibulares. Classicamente, apresenta um curso
clínico insidioso, podendo invadir estruturas vizinhas
sem causar sintomatologia. Apresenta metástases
predominantemente hematogênicas, sendo as mais
Figura 6 - Alteração clínica e achado cirúrgico de adenoma pleo- importantes as dos pulmões, e pode aparecer até
mórfico de parótida décadas após o tratamento do tumor primário e ser

71
CI RUR G I A D E C A B E ÇA E P E S CO ÇO

assintomático por muito tempo. Outra característica


primordial desse tumor é o seu tropismo pelo tecido
neural, atingindo os nervos locais e se espalhando
através deles, o que torna fundamental, durante o ato
cirúrgico, o exame de congelação intraoperatório dos
nervos para afastar essa possibilidade;

Figura 8 - Ressecção cirúrgica de glândula submandibular e massa


tumoral

- Carcinoma de células acinares: praticamente exclusi-


vo das parótidas, apresenta-se clinicamente como tu-
mor de baixo grau de malignidade;
- Outros tumores salivares malignos: são mais inco-
muns, como os tumores mistos malignos, sendo o cha-
mado carcinoma ex-adenoma o mais recorrente após
Figura 9 - Tumor maligno de parótida; realizada parotidectomia
múltiplas recidivas de adenoma pleomórficos, em ge-
total com esvaziamento cervical
ral, das parótidas. Adenocarcinomas, carcinomas epi-
dermoides, carcinoma mioepitelial ou outros tumores
não epiteliais, como sarcomas, linfomas ou tumores B - Doenças salivares não tumorais
metastáticos (em especial, de melanomas de couro
As glândulas salivares podem também ser sede de ou-
cabeludo), são mais incomuns e costumam apresentar
tras doenças, como cistos simples, cistos linfoepiteliais
evolução desfavorável.
(comuns em pacientes com HIV), mucoceles (em glândulas
menores, apresentando-se como cistos submucosos com
conteúdo salivar) e linfonodomegalias reacionais.

Figura 10 - Mucocele no lábio inferior

72
DOENÇAS DAS GLÂNDULAS SALIVARES

Outra ocorrência é a sialoadenose, que consiste em um de malignidade. Porém, como a maioria dos casos de tumo-
aumento difuso das glândulas salivares, em especial as pa- res malignos é de baixo grau de malignidade, do ponto de
rótidas, que ocorrem em pessoas de meia-idade e com an- vista clínico se tornam indistinguíveis dos tumores benig-
tecedente de desnutrição e alcoolismo. nos, tornando-se indispensáveis os exames complementa-

CIRURGIA DE CABEÇA E
No entanto, a doença salivar mais comum é a sialoade- res para diagnóstico e, principalmente, planejamento tera-

PESCOÇO
nite, ou seja, inflamação das glândulas salivares. pêutico.

Figura 11 - Sialolitíase com sialoadenite de submandibular


Figura 12 - Retirada de cálculo ambulatorial de submandibular
a) Quadro clínico dos tumores salivares
A apresentação dos tumores salivares geralmente é bas- b) Diagnóstico
tante típica, com crescimento lento e progressivo de um Ao exame físico, notam-se as características palpatórias
nódulo na topografia da glândula relacionada. Toda massa dos nódulos, como localização, consistência, tamanho, mo-
na loja parotídea, o que inclui a região pré-auricular, o ân- bilidade e presença de linfonodos associados. O 1º exame
gulo da mandíbula e a borda inferior da glândula (abaixo da de imagem a ser realizado é a ultrassonografia, que forne-
mandíbula), deve ser considerada uma massa parotídea até ce outras informações como ecogenicidade, avaliação de
que se prove o contrário, e isso tem implicações na investi- bordas, extravasamento extracapsular, entre outros dados.
gação e no tratamento dessas massas. O mesmo vale para Ocasionalmente, a USG ajuda a avaliar se o referido nódulo
as glândulas submandibulares, com a diferença de que, na realmente é um tumor salivar, ou só um nódulo adjacente
região submandibular, a ocorrência mais comum de nódu- ao parênquima glandular.
los se deve à presença de linfonodomegalia. Porém, o exame importante para a avaliação desses tu-
Nos casos das glândulas com íntimo contato com a mu- mores é o citológico, baseado na PAAF (Punção Aspirativa
cosa, ou seja, as sublinguais e as glândulas menores, a apre- por Agulha Fina). Feito por um patologista experiente, o
sentação mais comum é um nódulo, ou abaulamento sub- exame citológico pode fornecer o diagnóstico preciso, prin-
mucoso, com integridade da mucosa (pelo menos na fase cipalmente em casos de adenoma pleomórfico ou de tumor
inicial, podendo tornar-se ulcerada em casos de tumores de Warthin, ou o diagnóstico sugerido, especialmente em
malignos). casos de malignidade. Convém lembrar que, pela grande
Uma apresentação particular, em especial nos casos de variedade de tipos de tumores e de apresentação, pode
tumores do lobo profundo da parótida, é como uma massa ser muito difícil o diagnóstico citológico. No entanto, tem
do espaço parafaríngeo. Por estar em localização com opor- imensa valia para a condução desses casos, como de linfo-
tunidade de crescimento sem causar compressão de estru- nodomegalia reacional em topografia salivar. Mesmo com
turas vizinhas e por se tratar de tumores de crescimento PAAF, com exceção do diagnóstico de linfonodo reacional,
lento, podem atingir grandes tamanhos e ser relativamente os tumores salivares devem ser operados.
assintomáticos, apenas com abaulamento na parede lateral Exames de imagem mais complexos, como tomografia
da orofaringe, facilmente perceptível à oroscopia. computadorizada ou ressonância magnética, são impor-
Nos casos de tumores malignos, o quadro clínico pode tantes em casos de tumores mais avançados, de forma a
ser diferente, em especial nos tumores de alto grau de ma- auxiliarem na proposta terapêutica e no planejamento ci-
lignidade, em que se podem encontrar massas de cresci- rúrgico.
mento rápido, dolorosas, com otalgia reflexa, ulceração Uma importantíssima informação para o cirurgião ge-
cutânea, linfonodomegalias atípicas e, no caso da parótida, ral é a absoluta contraindicação da biópsia incisional des-
acometimento do nervo facial, o que só acontece em casos ses tumores, infelizmente ainda muito presente em nosso

73
CI RUR G I A D E C A B E ÇA E P E S CO ÇO

meio. Na imensa maioria dos casos, ela fornecerá muito


pouca informação além do que a citologia por PAAF for-
nece, porém viola o tegumento do paciente, o que tem
implicações na abordagem cirúrgica e, nos casos de ma-
lignidade, altera o estadiamento. Apenas estará indicada
em casos de tumores avançados, irressecáveis, que serão
submetidos a tratamento não cirúrgico, e que necessitem
de material para biópsia e imuno-histoquímica. Outro pre-
juízo da biópsia incisional são as fístulas salivares de difícil
tratamento, assim como lesões inadvertidas do nervo e
paralisia facial. Lesões benignas como os adenomas pleo-
mórficos têm grande possibilidade de disseminação local
e recidiva após tentativas de ressecção com anestesia lo-
cal ou biópsias incisionais.
Até alguns anos, usava-se um método diagnóstico de-
nominado sialografia. Através da cateterização do óstio do
ducto da glândula secretora, injetava-se contraste, e era fei-
ta uma série de raio x; assim, eram demonstradas a trajetó-
ria da saliva, a presença e a posição de cálculos e estenoses,
e a partir daí programava-se a cirurgia. Esse método caiu Figura 13 - Variações anatômicas possíveis do nervo facial em re-
lação à sua posição intraparotídea
em desuso pela dificuldade técnica e pelo desconforto ao
paciente, além de oferecer poucas informações compara- Nos casos de adenoma pleomórfico, deve-se realizar a
das à USG. Sua única vantagem é que por vezes mobilizava parotidectomia superficial, ou seja, a remoção da porção
o cálculo. superficial da glândula (acima do nervo facial), exceto nos
c) Tratamento raros casos em que o tumor se localiza no lobo profundo da
Os tumores das glândulas salivares são de tratamento glândula, quando se deve realizar a parotidectomia superfi-
exclusivamente cirúrgico, a não ser em casos de contrain- cial para reparação dos ramos do nervo, para então trazer
dicação por razões clínicas ou irressecabilidade. O princípio o lobo profundo da glândula. É imperativo não realizar uma
cirúrgico é a ressecção total da lesão com margens. “enucleação” (somente a retirada do nódulo) desses tumo-
Nos casos de neoplasias benignas de glândulas salivares res, por razões já discutidas (persistência da lesão e recidiva).
menores, realizam-se a excisão simples e o fechamento bor- O adenoma pleomórfico, apesar de ser uma neoplasia be-
da a borda, ou a rotação de retalho mucoso para o fecha- nigna, pode ser recidivante, principalmente se a 1ª ressec-
mento do defeito. No caso das neoplasias malignas, deve-se ção não foi regrada e as dificuldades de uma dissecção do
realizar ampla ressecção com congelação de margens. Isso nervo facial envolto em fibrose de cirurgia prévia são mui-
implica cirurgias diferentes a depender do sítio primário do to grandes. Além disso, o risco de uma paralisia facial pós-
tumor. Por exemplo, em casos de tumores no palato duro, -operatória, mesmo em uma 1ª cirurgia, é muito grande nos
pode ser necessária uma maxilectomia de infraestrutura. casos de tumores recidivados. Mesmo com o uso do sistema
Nos casos de tumores das glândulas submandibulares, de monitorização do nervo facial, com identificação e preser-
o tratamento é a remoção da glândula. Se houver suspei- vação de todos os seus ramos, as sequelas são inevitáveis por
ta de malignidade, pode-se indicar, de princípio, o esva- consequência da fibrose intensa e da manipulação excessiva.
ziamento do nível submandibular, ou seja, a ressecção
da glândula em conjunto com os linfonodos do nível IA.
Se for um carcinoma adenoide cístico, deve-se realizar a
congelação intraoperatória do nervo secretório (e, even-
tualmente, do nervo lingual), para a obtenção de margens
neurais livres, devido ao tropismo desse tumor pelo tecido
neural. Isso implica, no planejamento pré-operatório, avi-
sar ao paciente a possibilidade de anestesia permanente
da hemilíngua.
Em relação à parótida, trata-se de um procedimento
cirúrgico à parte. Qualquer abordagem do parênquima
parotídeo implica o conhecimento da anatomia do nervo
facial, e é presente que se esteja apto a dissecá-lo, desde
sua origem no forame estilomastóideo até suas divisões
terminais. Figura 14 - Paralisia facial pós-manipulação parotídea

74
DOENÇAS DAS GLÂNDULAS SALIVARES

Na cirurgia parotídea para a ressecção de tumor de O tratamento radioterápico complementar estará in-
Warthin, a dissecção do nervo facial se faz da mesma forma, dicado se houver doença macroscópica residual, metásta-
porém se sabe que não há necessidade da remoção de todo ses linfonodais, invasão de estruturas adjacentes, ou tipos
o lobo superficial da parótida, apenas do tecido adjacente histológicos mais agressivos. A quimioterapia não costuma

CIRURGIA DE CABEÇA E
ao tumor. estar indicada, exceto em casos de doença distante, ou em

PESCOÇO
Nos casos de parotidectomia por tumor maligno, a ci- casos selecionados, como forma de potencializar a radio-
rurgia preconizada é a parotidectomia total. É importante terapia.
salientar que, como a parótida faz parte do contorno facial Outra situação em que há necessidade de parotidecto-
das pessoas, sua remoção total implica uma deformidade mia é a realização de esvaziamento linfonodal por neoplasia
facial pela ausência de substância na região. A grande dis- maligna de pele de região temporal, em especial, o mela-
cussão é a preservação do nervo facial, possível pelo fato de noma maligno. Isso ocorre pelo fato de que os linfonodos
que a grande maioria dos tumores é de baixo grau de ma- parotídeos são a 1ª estação de drenagem linfática. Como
lignidade. Se a função do nervo facial é normal no pré-ope- os linfonodos estão localizados na porção superficial da pa-
ratório, deve-se fazer o máximo esforço para preservá-lo, rótida, deve-se realizar a parotidectomia superficial para
nem que seja necessário programar, já no mesmo tempo ci- remover toda a cadeia linfonodal.
A parotidectomia é uma cirurgia bastante complexa,
rúrgico, a reconstrução microcirúrgica do nervo com enxer-
devido à necessidade de dissecção do nervo facial, que
to neural (geralmente, utiliza-se o nervo auricular magno, já
deve ser muito cuidadosa, a fim de evitar paresias (podem
próprio da região, ou o nervo sural). Para tumores malignos
persistir por até 9 meses) ou paralisias no pós-operatório.
volumosos, ou com acometimento prévio do facial, indica-
O paciente deve ser informado da possibilidade de aco-
-se a parotidectomia total radical sem preservação do nervo
metimento facial, o que geralmente não acontece, e da re-
(entende-se por radical a retirada de todo tecido parotídeo
solução espontânea em algumas semanas ou meses. Nos
e de outra estrutura adjacente como órbita, pele). A avalia-
casos de lesão do nervo, pode-se optar pela reconstrução
ção pré-operatória com métodos de imagem deve ser feita deste, através de intervenção microcirúrgica com sutura
para saber se haverá ressecção conjunta de estruturas adja- epiperineural e fios muito finos. Quanto mais tardia a re-
centes, como a mandíbula, o processo mastoide, a maxila, construção, piores os resultados. Em casos de sacrifício do
ou a pele, sendo às vezes necessária a rotação de retalhos nervo, espera-se a paralisia total da mímica da hemiface.
para a cobertura do defeito. Isso pode gerar incontinência da cavidade oral por atrofia
Se o tumor for de alto grau de malignidade, estará indi- da musculatura labial, mas os maiores problemas estão
cado também o esvaziamento cervical de princípio (ou seja, relacionados aos olhos. A impossibilidade de oclusão total
sem evidência de metástases), níveis I, II e III. Obviamente, do olho acometido causa irritação local, epífora, podendo
se houver metástases linfonodais, será feito o esvaziamento evoluir para úlceras de córnea. O tratamento clínico deve
cervical radical ipsilateral. ser imediatamente instituído, com colírios ou pomadas, e
colocação de esparadrapo ou micropore durante o perí-
odo de sono. Em casos mais avançados, pode-se realizar
uma tarsorrafia, que é a união, a partir de uma escarifica-
ção, das faces de contato das pálpebras superior e inferior,
seguida de sutura para contenção. Esse procedimento di-
minui a rima ocular e costuma melhorar o quadro de dor
local. Implantes de peso de ouro na pálpebra superior,
para facilitar a oclusão, também podem estar indicados.
Há cirurgias plásticas específicas para a paralisia facial to-
tal, como a anastomose hipoglosso-facial, só que devem
ser muito estudadas para cada caso, levando em conta a
situação oncológica do paciente.
Uma complicação específica para a parotidectomia é
a sudorese gustatória, ou síndrome de Frey, que acontece
pela anastomose microscópica inadvertida entre ramos
do sistema nervoso autônomo do coto do parênquima
glandular aos ramos das glândulas sudoríparas da pele
da região parotídea. Desta forma, quando o paciente se
alimenta, o que é um estímulo ao parênquima salivar, ele
cursa com sudorese localizada, de intensidade variável,
Figura 15 - (A) CEC de pele com invasão da mastoide e da parótida em alguns casos, bastante desconfortável socialmente.
e (B) visão pós-operatória O tratamento é feito à base de desodorantes antiperspi-

75
CI RUR G I A D E C A B E ÇA E P E S CO ÇO

rantes aplicados localmente. Pode-se tentar correção ci- dequação do diâmetro do ducto de Stenon, que se encontra
rúrgica, com interposição de algum tecido local, como re- mais fino do que deveria, causando uma sialoadenite obs-
talho de fáscia ou músculo, ou injeção de gordura local. trutiva. Em geral, costuma melhorar com o crescimento da
Porém, o tratamento cirúrgico é desencorajado porque criança, não deixando sequelas na vida adulta, devendo ser
implicará nova abordagem do nervo facial e sempre ha- contornado somente com medidas comportamentais (hi-
verá a possibilidade de retorno da lesão. Recentemente, dratação, higiene, ingesta de cítricos e ácidos).
o tratamento dessa condição, com aplicação de toxina As sialadenites calculosas são muito mais frequentes
botulínica, tem mostrado resultados satisfatórios, ainda nas glândulas submandibulares do que nas parótidas. Isso
que transitórios. se deve a 3 fatores: em 1º lugar, a secreção da submandibu-
lar é mais mucosa, ou seja, mais espessa, o que favorece a
formação de cálculos. Além disso, há outros fatores anatô-
micos: a drenagem da glândula é antigravitacional (o ducto
de Wharton dirige-se para cima), e a penetração do ducto
no assoalho da boca, entre os músculos milo-hióideo e ge-
nioglosso, forma um esfíncter muscular natural. Se o cálculo
estiver próximo ao soalho da boca, poderá ser removido, ou
até exteriorizar-se sozinho. Porém, a retirada do cálculo não
previne novos eventos, de forma que o tratamento preconi-
zado é a ressecção da glândula submandibular acometida.
Por analogia contrária ao mecanismo formador de cál-
culos na glândula submandibular, nota-se que a formação
de cálculos na parótida é muitíssimo mais rara. Porém, dife-
rente da submandibular, nos casos de obstrução parotídea
Figura 16 - Paciente com síndrome de Frey: a área escurecida do por cálculo, prefere-se a remoção cirúrgica do cálculo, pela
talco é aquela que apresenta sudorese boca, sendo muitas vezes necessária a plastia do óstio do
ducto de Stenon.
C - Doenças inflamatórias das glândulas sali-
vares
As chamadas sialadenites são doenças inflamatórias
agudas, recorrentes ou não, que acontecem nas glândulas
submandibulares e nas parótidas. Podem ter etiologia viral
(como a caxumba) ou inflamatória inespecífica (na verdade,
idiopática). Cursam com aumento difuso da glândula, dolo-
roso, que podem piorar, em especial, se houver a ingestão
de alimentos ácidos, o que estimula a salivação.
As sialadenite são divididas em calculosas e não calcu-
losas. O tratamento das não calculosas é sintomático, com
administração de anti-inflamatórios e analgésicos. O uso de
antibióticos deve ser recomendado caso o paciente venha a
expelir secreção purulenta pela boca ou se há sinais de hi-
peremia local. A evolução para abscesso não é comum, mas
pode ocorrer, sendo necessária uma avaliação tomográfica
para diagnosticá-lo. No caso da glândula submandibular, se
a sialadenite for recorrente e causar desconforto crônico,
indica-se a ressecção da glândula submandibular. No caso
da parótida, a cirurgia é a conduta de exceção, pois a pa-
rotidectomia, realizada devido ao processo inflamatório do
parênquima glandular, fatalmente levará a um quadro de
paralisia total do nervo facial que, ainda que sabidamente
temporária, pode levar meses para regredir.
Não muito incomum é a parotidite recorrente da crian-
ça, que causa um aumento crônico da glândula, muitas ve-
zes bilateral, com episódios de agudização com a ingesta ali- Figura 17 - Abaulamento do soalho da boca, com diagnóstico por
mentar. O mecanismo, nesse caso, acredita-se, é uma ina- imagem de calculose de sublingual

76
DOENÇAS DAS GLÂNDULAS SALIVARES

Vale mencionar a síndrome de Sjögren como doença


autoimune que acomete diretamente as glândulas saliva-
res, principalmente as menores, gerando boca seca e subs-
tituição do tecido glandular PR linfocitário, diagnóstico feito

CIRURGIA DE CABEÇA E
pela biópsia de glândula salivar menor.

PESCOÇO
Tabela 1 - Critérios de classificação da síndrome de Sjögren
I. Sintomas oculares: pacientes devem apresentar resposta po-
sitiva a pelo menos 1 das seguintes questões:
1 - Você tem apresentado algum problema de secura nos olhos,
diariamente, nos últimos 3 meses?
2 - Você tem a sensação recorrente de areia nos olhos?
3 - Você usa lágrima artificial por mais de 3 vezes ao dia?
II. Sintomas orais: pacientes devem apresentar resposta positi-
va a pelo menos 1 das seguintes questões:
1 - Você tem apresentado a sensação de boca seca diariamente
por mais de 3 meses?
2 - Você tem apresentado edema persistente na glândula salivar?
3 - Você frequentemente ingere líquidos para auxiliar na degluti-
ção de alimentos secos?
III. Sinais oculares: envolvimento ocular detectado por pelo
menos 1 dos 2 testes seguintes:
1 - Teste de Shirmer realizado sem anestesia (<5mm/5 min).
2 - Escore rosa-bengala ou outro escore para medir a secura ocu-
lar (<4, de acordo com o sistema de escore de Van Bijsterveld).
IV. Histopatologia: presença de sialadenite linfocítica focal de-
tectada por um patologista experiente (1 ou mais focos de lin-
fócitos periductais - 50 linfócitos/4mm²).
V. Envolvimento da glândula salivar detectado por pelo menos
1 dos seguintes testes de diagnóstico:
1 - Ausência completa de estimulação do fluxo salivar (<1,5mL/15
minutos).
2 - Sialografia de parótida mostrando a presença de sialectasias
difusas (padrão puntiforme, cavitário ou destrutivo) sem evidên-
cia de obstrução do ducto principal.
3 - Cintilografia salivar mostrando absorção lenta, concentração
reduzida e/ou excreção lenta do isótopo radioativo.
VI. Autoanticorpos: presença no soro dos seguintes autoanti-
corpos:
1 - Anticorpos para antígenos anti-SSA, anti-SSB ou ambos.

77
SUPORTE VENTILATÓRIO NÃO CIRÚRGICO

CAPÍTULO

12
Complicações em cirurgia de cabeça e pescoço
Caio Plopper / Christiana Maria Ribeiro Salles Vanni / Rodney B. Smith

da glote, onde o diâmetro da via aérea é menor. Com isso,


1. Introdução hematomas cervicais, mesmo que não sejam de grande vo-
Qualquer procedimento cirúrgico apresenta riscos, in- lume, podem levar a insuficiência respiratória alta de rápida
dependentemente do tipo de cirurgia. A maioria deles está progressão e virtual obstrução da luz respiratória. Isso é par-
relacionada ao status do doente e principalmente às pato- ticularmente importante para cirurgias que abordam a loja
logias de base que ele apresenta. Quando estivermos dian- visceral do pescoço com pequenas áreas de descolamento,
te de cirurgias de cabeça e pescoço, essas complicações se como tireoidectomias e ressecção de cistos tireoglossos (ci-
tornarão mais potenciais e específicas, por considerar: rurgias de Sistrunk). Nesses casos, mesmo sangramentos de
- Porte cirúrgico; moderado volume podem levar a elevações grandes de pres-
- Estruturas envolvidas; são e restrição ao retorno venoso da laringe.
- Cirurgias longas e oncológicas; Assim, é fundamental o reconhecimento precoce de he-
- Perfil do doente. matomas cervicais e suas repercussões respiratórias. Salvo
em casos de hematoma muito restrito, sem desconforto
Algumas particularidades anatômicas, funcionais e de respiratório e com vigilância muito próxima, a reexploração
tratamento específicas do território de cabeça e pescoço cervical, a hemostasia e a drenagem de hematoma são as
merecem destaque, sendo elas o assunto deste capítulo. condutas preconizadas. A partir do momento em que a in-
tubação do paciente é realizada, a emergência respiratória
2. Hematoma cervical cessa. Infelizmente, em certas situações, o edema da larin-
ge e a dissecção de planos profundos pelo hematoma são
Complicações hemorrágicas são possíveis em qualquer tão grandes que a intubação se torna muito difícil, sendo
sítio cirúrgico; entretanto, em particular nas cirurgias de vitais a traqueostomia imediata, a abertura dos pontos e o
cabeça e pescoço, estamos diante de vasos como a artéria esvaziamento do hematoma.
carótida e a veia jugular, e ambas em um compartimento Quando o cirurgião depara com um paciente no pós-
pequeno que não comporta muito volume. -operatório de cirurgia cervical com hematoma e repercus-
Além da habitual revisão de hemostasia rigorosa com sões respiratórias significativas, a simples abertura da inci-
manobras de Valsalva associada (rever sangramentos veno- são cirúrgica e a evacuação do hematoma formam a con-
sos, por aumento da pressão intratorácica e compressão da duta inicial recomendada, devendo ser realizada mesmo à
cava, mantendo as veias turgidas), os pacientes devem evi- beira do leito, caso o trânsito ao centro cirúrgico seja lento
tar esforços abruptos e atividade física no pós-operatório e difícil. Em casos extremos, quando da impossibilidade de
precoce, a fim de evitar complicações hemorrágicas. Isso se intubação em insuficiência respiratória grave, deve-se rea-
deve ao fato de que esforços abruptos podem levar à súbita lizar traqueostomia de emergência para o estabelecimen-
elevação de pressão venosa torácica (devido à manobra de to de via aérea adequada e segura. Isso é particularmente
Valsalva) e por consequência cervical, colocando em risco a mais fácil no pós-operatório de tireoidectomias, uma vez
área operatória. que a traqueia se encontra dissecada e de fácil acesso após
Os hematomas cervicais apresentam riscos específicos e a abertura da incisão prévia e da linha média. Na maior
levam, potencialmente, a urgências e emergências, necessi- parte dos casos, porém, tal procedimento pode ser evita-
tando de imediato reconhecimento e condutas. Devido ao do pelo reconhecimento rápido e manejo adequado dessa
súbito aumento de pressão nos compartimentos cervicais, complicação. Infelizmente, o não reconhecimento desta ur-
em especial na loja visceral do pescoço, hematomas podem gência é causa de óbito em nosso meio.
levar à diminuição do retorno venoso do complexo laringo- Raramente, procedimentos não cirúrgicos, como pun-
traqueal, com edema significativo, especialmente na altura ção-biópsia aspirativa, podem levar a hematomas e compli-

78
COMPLICAÇÕES EM CIRURGIA DE CABEÇA E PESCOÇO

cações respiratórias semelhantes, cujo manejo é a cirurgia


de urgência.

CIRURGIA DE CABEÇA E
PESCOÇO
Figura 1 - Hematoma cervical e dreno obstruído Figura 4 - Hematoma cervical no qual a paciente foi submetida a
traqueostomia

Figura 2 - Pré-abordagem de abaulamento cervical


Figura 5 - Pós-operatório de drenagem de hematoma: observar
até onde o hematoma dissecou (área amarela de reabsorção)

As situações são as mais diversas, mas sempre muito


graves.

3. Fístulas e deiscência de suturas


Quanto aos pacientes com câncer de cabeça e pescoço, em
cujo procedimento cirúrgico há comunicação entre a cavidade
oral ou faringe e o pescoço, é fundamental a reconstrução do
diafragma orocervical (soalho da boca), seja primária ou por
meio de retalhos.
Laringectomia total, operações pull-through, mandibulo-
tomias e mandibulectomias, faringotomias, são exemplos de
procedimentos em que acontece a comunicação da boca com
o pescoço, deixando em contato um ambiente sujo, contami-
nado (boca) com um limpo (pescoço). O problema não é só a
infecção, também o poder altamente corrosivo da saliva sobre
Figura 3 - Hematoma pós-ressecção de glândula submandibular os vasos.

79
CI RUR G I A D E C A B E ÇA E P E S CO ÇO

Devido à grande colonização bacteriana da cavidade


oral e da faringe, essas suturas e reconstruções apresentam
risco particularmente alto de deiscências e fístulas saliva-
res. Tal risco é ainda mais elevado nos casos de antecedente
de radioterapia sobre o sítio cirúrgico, sendo submetidos à
cirurgia de resgate ou intervenção em 2º tumor primário ou
mesmo em oncológicos, desnutridos e hipoproteicos. Essa
situação é cada vez mais prevalente, com a melhora dos re-
sultados de tratamento não cirúrgico (protocolos de preser-
vação – RDT e QT) e a adoção de estratégias de preservação
de órgãos progressivamente mais comuns.
As fístulas pós-operatórias são habitualmente autoli-
mitadas, e seu tratamento com curativos compressivos e
cuidados de higiene local geralmente é suficiente. Em ca-
sos menos frequentes, com grandes rupturas de sutura e
grande comunicação entre a faringe ou cavidade oral e o
pescoço, é necessária a reoperação para nova reconstrução
e lavagem exaustiva.
Em fístulas persistentes e de difícil tratamento não po- Figura 8 - Paciente desnutrido com fístula salivar e deiscência do
demos nos esquecer da possibilidade de persistência tumo- retalho cervical pós-incisão inteira aberta
ral e/ou recidiva tumoral, fatores que estão relacionados a
não cicatrização de feridas, deiscências e fístulas.
Especial atenção deve ser dada a ressecções craniofa-
ciais extensas, em que o risco de fístulas liquóricas deve ser
lembrado.

Figura 6 - Fístula cervical pós-operação composta

Figura 9 - Paciente jovem com fístula submandibular por manipu-


lação dentária

Figura 7 - Laringectomia com deiscência e fístula faríngea pós-


-operação Figura 10 - Fístula palatina pós-ressecção de lesão no palato

80
COMPLICAÇÕES EM CIRURGIA DE CABEÇA E PESCOÇO

CIRURGIA DE CABEÇA E
PESCOÇO
Figura 11 - Fístula do ducto tireoglosso pós-infecção

Figura 13 - Perda parcial de retalho do tipo converse com mumifi-


A - Complicações relacionadas a reconstruções cação na área da região auricular prévia

À parte das fístulas salivares devido a deiscências, a


perda de retalhos utilizados para reconstrução de cabeça e
pescoço é uma complicação importante, que requer inten-
sa atenção.
A isquemia de pedículo vascular de retalhos musculo-
cutâneos, como o retalho peitoral maior (o mais difundi-
do para reconstrução de cabeça e pescoço, extremamen-
te confiável e seguro), é rara, mas acontece. Entretanto, a
trombose venosa ou arterial do pedículo de retalhos micro-
cirúrgicos livres é frequente, principalmente durante curva Figura 14 - Perda parcial de enxerto de pele
de aprendizado e serviços com volume cirúrgico mais restri-
to, assim como perda de enxertos livres de pele ou retalhos
simples de rotação ou avanço.
Cuidados com a posição cervical evitam:
- Exposição de anastomoses microvasculares;
- Garroteamento da área pela fixação de cânulas e sondas;
- Transfusão de grandes quantidades de concentrado de
hemácias;
- O uso de medicações antitrombóticas pode auxiliar na
prevenção da trombose destes vasos.
Igualmente importantes são a vigilância e o reconheci-
mento precoces da hipoperfusão ou congestão venosa nos
retalhos, com pronta reintervenção cirúrgica.

Figura 15 - Perda de retalho peitoral maior

B - Complicações das tireoidectomias


Devido ao grande volume cirúrgico e à prevalência das
doenças tireoidianas que necessitam dessa intervenção, o
conhecimento das complicações de tireoidectomias é fun-
Figura 12 - Perda de retalho microcirúrgico com exposição da placa damental. A relação anatômica íntima entre a tireoide e es-

81
CI RUR G I A D E C A B E ÇA E P E S CO ÇO

truturas, como os nervos laríngeos e as paratireoides, eleva malignos e esvaziamentos cervicais de nível VI, aumenta o
o potencial de complicações específicas. risco de paresia. Quando não há lesão anatômica do nervo,
a sintomatologia, em geral, é transitória, com recuperação
a) Hipoparatireoidismo
da função em até 6 meses da operação. Nesses casos, a re-
A simples manipulação cirúrgica da tireoide pode levar abilitação fonoaudiológica é fundamental.
à deficiência transitória da vascularização das paratireoides, O sacrifício do nervo laríngeo inferior por invasão tu-
a qual provém de ramos das artérias tireóideas inferiores, moral e a sua lesão acidental (mais frequente junto ao li-
habitualmente laterais às paratireoides. Os cuidados com gamento de Berry) levam à paralisia definitiva da prega vo-
a preservação dessas estruturas e de sua vascularização, cal ipsilateral. Nos casos de paralisia da prega em posição
além do reimplante de glândulas acidentalmente resseca- abduzida (aberta), há evidente repercussão sobre a função
das, são passos importantes para evitar o hipoparatireoidis- vocal, com voz soprosa e eventuais episódios de aspiração,
mo e a hipocalcemia transitória ou persistente. além de dificuldades para a proteção de via aérea pela la-
Mesmo com os cuidados necessários, pacientes subme- ringe. Nos casos de paralisia de prega vocal em posição me-
tidos à tireoidectomia total (e que, portanto, sofreram ma- diana unilateral, as repercussões de voz podem ser menos
nipulação bilateral das paratireoides) podem desenvolver perceptíveis, uma vez que não se forma fenda tão ampla a
sintomas de hipocalcemia. Os mais significativos são pares- ponto de prejudicar gravemente a fonação.
tesias (especialmente, de extremidades e de face), poden-
do evoluir para dores musculares, cãibras e até tetania, as-
sim como agitação e sensação de morte iminente. O pronto
reconhecimento desse conjunto de sintomas é essencial, e
o tratamento com reposição de cálcio (IV, nos casos de sin-
tomas mais significativos, ou VO, nos casos mais leves) deve
ser iniciado prontamente.
Além da reposição de cálcio (gluconato de cálcio IV e
carbonato de cálcio VO), o uso de análogos da vitamina D
VO (rocaltrol) pode ser um adjuvante valioso nos casos de
hipoparatireoidismo e hipocalcemia, aumentando a absor-
ção e a disponibilidade do cálcio ingerido.
Naturalmente, além das tireoidectomias, as paratireoi-
dectomias colocam o paciente sob o risco de desenvolver
Figura 16 - Paralisia de prega vocal direita em posição parame-
hipocalcemia, portanto a atenção para os sintomas deve ser
diana
redobrada.
b) Paresia/paralisia de nervos laríngeos Uma complicação rara, porém potencialmente fatal, é
a paralisia bilateral de pregas vocais em posição mediana
A tireoide guarda íntima relação anatômica com os ner-
(fechada), decorrente da manipulação ou lesão bilateral de
vos laríngeos, responsáveis pela motricidade das pregas vo-
nervos laríngeos inferiores. Nos casos de paralisia bilateral,
cais. Estes são o ramo externo do nervo laríngeo superior
a formação de fenda glótica para a respiração fica compro-
(responsável pela inervação do músculo cricotireóideo) e
metida, podendo levar a insuficiência respiratória imediata
o nervo laríngeo inferior (ou laríngeo recorrente, principal
após a extubação. Assim, podem ser necessárias a pronta
responsável pela motricidade da prega vocal).
intervenção do cirurgião e a reoperação de emergência,
O ramo externo do nervo laríngeo superior guarda re-
com abertura da via aérea e traqueostomia de urgência.
lação com o polo superior da tireoide, e a ligadura deste o
Essa situação dramática é o motivo pelo qual a equipe ci-
coloca em risco, especialmente nos casos de bócios volu-
rúrgica deve estar atenta junto ao paciente, no momento
mosos ou de grandes tumores. Sua lesão leva a alteração
da extubação, em casos com grande manipulação e/ou sus-
vocal significativa (incapacidade de atingir agudos), de inte-
peita de lesão aos nervos laríngeos inferiores.
resse especial para fonoaudiólogos e demais profissionais
Quando há paralisia definitiva em posição lateral (aber-
dedicados ao estudo da voz.
ta) de uma das pregas vocais, ocasionando disfonia persis-
O nervo laríngeo inferior, ramo do nervo vago, tem tra-
tente, podem ser realizados tireoplastias e procedimentos
jeto, na maioria das vezes, recorrente do tórax em direção
para a medianização da prega vocal, objetivando a norma-
à laringe, correndo através do sulco traqueoesofágico, com
lização da voz.
íntima relação com a artéria tireóidea inferior. É importante
ressaltar que o nervo pode não ter trajeto recorrente à di-
reita, variação anatômica rara, mas de identificação impor-
C - Complicações das cirurgias de glândulas sa-
tante para evitar a sua lesão.
livares
A simples manipulação do nervo, em qualquer tireoidec- As glândulas salivares maiores têm íntima relação com
tomia, e em especial nos casos de grandes bócios, tumores estruturas nervosas adjacentes. Sua identificação intraope-

82
COMPLICAÇÕES EM CIRURGIA DE CABEÇA E PESCOÇO

ratória e preservação constituem passos importantes nas face da região parotídea operada por estimulação cruzada
operações sobre essas glândulas. parassimpática das terminações ligadas às glândulas sudorí-
A glândula submandibular guarda relação anatômica paras da face. Essa síndrome, apesar de frequente em qua-
com os nervos hipoglosso, lingual e mandibular marginal dros moderados, raramente é motivo de grande transtorno.

CIRURGIA DE CABEÇA E
(ramo do nervo facial). A lesão do nervo hipoglosso pode Outra lesão nervosa comum às parotidectomias é a lesão

PESCOÇO
levar à hipomotilidade de metade da língua, facilmente do nervo auricular magno, levando à hipoestesia da porção
identificada ao exame físico. Já o nervo lingual é responsá- inferior da orelha ipsilateral.
vel pela função sensitiva da língua, e sua lesão leva à anes- As operações sobre glândulas salivares, especialmente as
tesia e à deficiência de propriocepção do órgão. Por sua vez, parotidectomias, podem também levar a fístulas salivares.
a lesão do nervo mandibular marginal leva à paresia facial, Estas se manifestam por abaulamento da região parotídea
com desvio da rima e consequente assimetria. durante a alimentação, em razão da formação de coleção sa-
A glândula parótida tem estreita relação com o nervo livar. Na maior parte dos casos, essas fístulas são de débito
facial, desde sua emergência do forame estilomastóideo, baixo e autolimitadas, evoluindo bem com punções esvazia-
sua bifurcação principal, até suas divisões terminais. O ner- doras e curativos compressivos. A necessidade da reopera-
vo facial perfura a parótida, dividindo-a em uma porção ção para ligadura de ducto salivar mais calibroso é rara.
superficial e uma profunda. Não é exagero dizer que as ci-
rurgias sobre a parótida são, em grande parte, cirurgias do 4. Fístulas linfáticas
nervo facial, portanto sua identificação e preservação são
de conhecimento fundamental para o cirurgião de cabeça e Uma complicação dos esvaziamentos cervicais que
pescoço. A manipulação cirúrgica do nervo facial ou de seus pode ter grande impacto pós-operatório é a fístula linfática
ramos pode levar à paresia facial. ou quilosa. Esta ocorre, principalmente, em submetidos a
A lesão do nervo facial, ou seu sacrifício devido à inva- esvaziamentos cervicais radicais (mais comum nos esvazia-
são tumoral, leva à paralisia facial completa (em caso de mentos com ligadura da veia jugular interna), e em especial
no lado esquerdo devido à presença do ducto torácico.
lesão do tronco do nervo) ou parcial. Quando identificada
A causa da fístula é a lesão não reparada de grandes va-
no intraoperatório, a melhor conduta é a tentativa de re-
sos linfáticos no nível IV, junto ao aspecto inferior da veia
construção do nervo, com sutura terminoterminal em caso
jugular interna. Nos esvaziamentos cervicais, é importante
de secção transversa ou interposição de enxerto de nervo,
que sejam feitas ligaduras cuidadosas dos vasos linfáticos,
nos casos de ressecção mais ampla. O ramo cuja paralisia
e eventuais lesões devem ser cuidadosamente procuradas
deve levar a maiores cuidados é o oftálmico, uma vez que a
e reparadas.
não oclusão completa do globo ocular pode levar à úlcera
O quadro clínico inclui drenagem de grande quantida-
de córnea.
de de secreção clara, com aspecto quiloso (leitoso) no pós-
-operatório de esvaziamento cervical, que pode iniciar-se
após o aumento do aporte dietético ao paciente, podendo
levar, em casos de fístulas de grande débito, a desnutrição
devido às perdas. Já em casos de fístulas de menor débito
com dúvida diagnóstica, a dosagem de triglicerídios do lí-
quido drenado pode fechar o diagnóstico.
Na maioria dos pacientes com fístulas quilosas de baixo
débito, a retirada do vácuo de drenos cervicais, curativos
compressivos e o uso de dietas ricas em Triglicérides de
Cadeia Média (TCM) são suficientes para a resolução. Em
casos mais graves, pode ser necessário tomar medidas mais
agressivas, como a manutenção do paciente em jejum com
o uso de terapia nutricional parenteral ou a reoperação para
a tentativa de identificação e a ligadura do vaso linfático.

5. Estenoses digestivas
O tratamento cirúrgico e o tratamento radioterápico
Figura 17 - Paciente com paralisia facial completa após sacrifício sobre o trato digestivo alto podem levar a diversos graus
do nervo facial por invasão tumoral de estenose da via digestiva, o que é particularmente im-
portante aos casos de submetidos a grandes ressecções de
As operações que envolvem a parótida podem levar tumores de hipofaringe, para os quais é necessária alguma
também à síndrome de Frey, ou sudorese gustatória. Esta se forma de reconstrução do defeito cirúrgico com retalhos a
caracteriza pela sudorese durante a alimentação, na hemi- distância.

83
CI RUR G I A D E C A B E ÇA E P E S CO ÇO

O tratamento das estenoses digestivas deve ser indi- Alguns erros ou falhas de conduta na manipulação ou
vidualizado, de acordo com a programação terapêutica, realização da traqueostomia podem levar ao enfisema sub-
o prognóstico, as causas da estenose e a sintomatologia. cutâneo, que, apesar de ser angustiante para quem obser-
Sessões de dilatação endoscópica de estenoses limitativas va, tem resolução espontânea e não gera prejuízos ao pa-
e de pequena monta podem ser resolutivas. Em casos de ciente. Causas:
grandes estenoses, podem ser necessárias reconstruções - Fechamento hermético da pele pós-traqueostomia;
cirúrgicas. - Pressão positiva com cânula em falso trajeto;
Alguns pacientes pós-radioterapia apresentam disfagia - Escape de ar pelo cuff ou cânula pequena mal adap-
por xerostomia e a confundem com alteração do diâmetro tada.
do esôfago.

6. Estenoses/obstrução de via aérea


Além das estenoses de via digestiva, estenoses de via
aérea e sua obstrução podem ser complicações devasta-
doras e graves, levando a emergências cirúrgicas. Como
abordado nos casos de paralisia bilateral de nervos larín-
geos em posição mediana, outras causas de obstrução de
via aérea (como crescimento e sangramento de tumores de
laringe, estenose devida à radioterapia) devem ser pronta-
mente identificadas, e eventuais procedimentos cirúrgicos
de emergência podem ser necessários.
Uma complicação pouco frequente, mas que pode levar
a grandes desconfortos é a estenose de traqueostoma no Figura 19 - Enfisema subcutâneo pós-escape de ar pela traqueos-
tomia em paciente com pressão positiva
pós-operatório de laringectomia total. Pacientes submeti-
dos à laringectomia total, com traqueostoma definitivo ma-
turado na pele anterior do pescoço, podem desenvolver es-
tenoses, geralmente associadas a tratamento radioterápico
7. Complicações vasculares
e de evolução tardia. Essas estenoses habitualmente não Lesões dos grandes vasos do pescoço podem levar a
têm grande extensão, sendo relacionadas ao anel fibrótico complicações hemorrágicas de emergência, eventos raros,
superficial junto à pele. porém com necessidade de pronto reconhecimento e con-
O tratamento é cirúrgico, com plástica “em Z” para duta e que muitas vezes evolui fatalmente.
abertura do anel e ampliação do orifício do traqueostoma. Submetidos a esvaziamentos cervicais e com complica-
A Figura 18 mostra um caso de estenose recidivada de tra- ções de deiscência de suturas ou fístulas podem ter exposi-
queostoma, com a marcação de incisões para a realização de ção dos grandes vasos, com o risco de ruptura e sangramen-
plástica “em estrela” (técnica descrita por Giacomarra), com tos vultosos. Isso é especialmente importante para subme-
mais de uma plástica “em Z” para a ampliação do traqueos- tidos a esvaziamento cervical radical, em que é necessário
toma. Alguns pacientes não precisam ser reoperados, só a que haja cobertura adequada da artéria carótida comum e
dilatação e o uso de cânulas maiores evitam a reoperação. seus ramos, já que não há a proteção do músculo esterno-
cleidomastóideo.
As rupturas vasculares, principalmente arteriais quan-
do reabordadas, são atos heroicos, uma vez que a maioria
acontece no ambiente ambulatorial, na manipulação de
curativo ou de cânula traqueal.
A manipulação da jugular interna bilateralmente e ao
mesmo tempo cirúrgico pode evoluir com amaurose, hi-
pertensão intracraniana, além de edema facial importan-
tíssimo, enquanto 1 só ligada não gera complicações nem
mesmo em tempos cirúrgicos diferentes.
Por vezes, pode ocorrer a ligadura de um pedículo por inva-
são tumoral, lesão inadvertida ou trombose pela manipulação.
O ideal é que a área de sofrimento fique ao máximo delimitada
antes da reabordagem e da reconstrução cirúrgica.
Outra complicação importante pós-tratamento oncoló-
Figura 18 - Estenose de traqueostoma pós-laringectomia total gico e radioterapia e quimioterapia com bifosfonados é a

84
COMPLICAÇÕES EM CIRURGIA DE CABEÇA E PESCOÇO

osteorradionecrose, uma espécie de osteomielite por dimi-


nuição da oxigenação e suporte vascular ósseo com conse-
quente necrose e infecção.
A Figura 20 mostra o aspecto intraoperatório de reex-

CIRURGIA DE CABEÇA E
ploração cervical, de paciente no pós-operatório de larin-

PESCOÇO
gectomia total com esvaziamento cervical bilateral, que
evoluiu com fístula salivar e grande hemorragia cervical
causada por ruptura de veia jugular interna.

Figura 23 - Osteorradionecrose

8. Infecções
Como todos os procedimentos cirúrgicos, a infecção
pós-operatória é uma complicação possível. Os pacientes
Figura 20 - Ruptura da veia jugular interna portadores de neoplasias da região da cabeça e pescoço
apresentam fatores que podem facilitar a instalação de in-
fecções pós-operatórias, com os citados a seguir.
Para uma diminuição do risco de infecções, seguem-se
os princípios de antissepsia e assepsia padrão, além da uti-
lização de antibioticoterapia intraoperatória e pós-operató-
ria.
Fatores que facilitam a instalação de infecção em pa-
cientes portadores de neoplasia cervicofacial:
- Desnutrição;
- Necrose local, necrose de retalhos;
- Fístulas salivares;
- Radioterapia pré e pós-operatória.

Figura 21 - Edema facial importante pós-ligadura bilateral das


veias jugulares internas

Figura 22 - Necrose total da língua pós-ligadura vascular

85
cirurgia de cabeça e pescoço – otorrinolaringologia – cirurgia torácica

volume 4

cirurgia de cabeça e pescoço


otorrinolaringologia
cirurgia Torácica
OTORRINOLARINGOLOGIA

Bruno Peres Paulucci


Carlos Eduardo Levischi Júnior
Rodney B. Smith
OTOR R I NOLA R I NG O LO GIA

CAPÍTULO

1
Anatomia em Otorrinolaringologia
Vladimir Garcia Dall’Oca / Eric Thuler / Bruno Peres Paulucci

1. Anatomia nasal B - Fossas nasais

A - Pirâmide nasal a) Parede medial


Contém o septo nasal, com sua porção cartilaginosa for-
Pirâmide nasal é a estrutura externa do nariz, visuali- mada pela cartilagem septal e sua porção óssea formada
zada como uma elevação piramidal na face, tendo em sua pelo vômer e pela lâmina perpendicular do osso etmoide. O
extremidade caudal 2 aberturas, as narinas. É formada por terço anteroinferior do septo, denominado zona de Kiessel-
uma estrutura osteocartilaginosa revestida por pele e com- bach, é importante pela presença de um plexo arterioveno-
posta no terço superior pelos ossos próprios do nariz e pe- so, o que torna essa região a mais propensa a sangramen-
los processos nasais da maxila e do osso frontal. tos, principalmente pós-traumáticos e em rinites.
Os 2/3 inferiores são cartilaginosos, sendo 2 cartilagens A drenagem venosa dessa região acontece para a face e
alares superiores, 2 alares inferiores e 2 sesamoides. em direção intracraniana, favorecendo a disseminação fa-
O vestíbulo nasal é a região de entrada do nariz, reves- cial e meníngea de focos infecciosos.
tido internamente por pele e pelos com função protetora, Comumente, o septo nasal está desviado da linha mé-
as vibrissas nasais. dia. Isso ocorre devido a desvios isolados da cartilagem ou
Logo após o vestíbulo nasal encontra-se uma área de nas regiões de articulação osteocartilaginosa. O tipo e o
grande importância na regulação do fluxo aéreo nasal: a grau do desvio são variáveis, podendo chegar a obstruir o
válvula nasal – projeção intranasal da união das cartilagens fluxo aéreo nasal.
alares inferiores e superiores.

Figura 1 - Anatomia da pirâmide óssea: (A) osso nasal; (B) osso


frontal; (C) processo frontal da maxila; (D) cartilagem lateral; (E) Figura 2 - Septo nasal, visão sagital: (A) lâmina perpendicular do
cartilagem alar maior; (F) cartilagens alares menores, (G) região osso etmoide; (B) osso vômer; (C) cartilagem septal; (D) zona de
de válvula nasal Kiesselbach; (E) seio esfenoidal; e (F) osso maxilar

86
A N AT O M I A E M O T O R R I N O L A R I N G O LO G I A

b) Parede lateral do nariz Superiormente, tem-se o teto nasal, que é formado por
- Conchas uma fina placa óssea, denominada lâmina crivosa. Nessa re-
Nessa região do nariz, encontram-se 3 projeções oste- gião emergem as terminações nervosas do nervo olfatório
omucosas, denominadas conchas, e chamadas, de acordo (I par craniano). Essa fina placa óssea é vulnerável em casos
com a localização, de superior, média e inferior. de TCE, sendo um dos sítios mais comuns de formação de
A concha inferior ocupa, horizontalmente, a maior parte fístulas liquóricas pós-traumáticas.
da porção inferior da fossa nasal, constituída por osso pró- Lateralmente, separando a fossa nasal da órbita, tem-se
prio. Quando aumentada de volume, é uma das principais a lâmina papirácea. Por ser muito delgada, pode permitir a
disseminação de infecções dos seios da face para as órbitas,
causadoras de obstrução nasal.
sendo uma referência anatômica de extrema importância
A concha média tem anatomia mais complexa e se es-
pela proximidade com o nervo ótico.
tende de forma vertical e oblíqua. As conchas superior e
Posteriormente, têm-se as coanas, onde ocorre a transi-

OTORRINOLARINGOLOGIA
média são formadas por lamelas ósseas das células etmoi-
ção com a faringe, podendo ser sítio de malformações con-
dais. Essas estruturas têm papel importante no aquecimen-
gênitas (imperfurações coanais).
to, na umidificação e na filtragem do ar inspirado. As células
olfatórias encontram-se principalmente na região do teto
nasal; durante a inspiração profunda, o fluxo aéreo aumen-
ta nessa região, permitindo maior sensibilidade olfatória.
- Meatos
Abaixo das conchas, encontram-se espaços denomina-
dos meatos, classificados, de acordo com sua localização,
em inferior, médio e superior.
• Meato superior: região de drenagem dos óstios das
células etmoidais posteriores e seio esfenoidal;
• Meato médio: formado anatomicamente por:
* Processo uncinado (1ª lamela);
* Bolha etmoidal (2ª lamela);
* Concha média (3ª lamela).
É região de drenagem dos óstios do seio maxilar, das cé-
lulas etmoidais anteriores e do seio frontal. Esse meato tem
especial importância, pois diversas patologias acometem a
região cursando com obstrução dos óstios, gerando sinusi- Figura 4 - Limites da fossa nasal: notar a delgada lâmina papirácea
tes de repetição. separando a órbita do seio etmoidal (seta inferior); a seta mais
acima mostra a fina lâmina cribriforme da base do crânio
• Meato inferior: localiza-se inferiormente à concha
inferior. Neste espaço encontramos o óstio nasal do
ducto nasolacrimal. d) Seios paranasais
- Seios frontais: localizados na região frontal e supra-
orbitária. Drenam para o meato médio, na região do
hiato semilunar (Figuras 5 e 7);
- Seios maxilares: estão abaixo da órbita e acima da ca-
vidade bucal (palato duro). Drenam para o meato mé-
dio; a região afunilada onde se encontra seu óstio é
chamada infundíbulo (Figuras 6 e 7);
- Células etmoidais: situadas medialmente à órbita, em
contato íntimo com a lâmina papirácea. São o principal
foco de infecção disseminada para a órbita. A inserção
da concha média divide as células etmoidais em ante-
riores e posteriores, ou seja, as posteriores localizam-
-se em posição posterossuperior à concha média, ou
Figura 3 - Visão sagital da parede lateral do nariz: observar as
seja, no meato superior;
conchas inferior, média e superior; estão representados estiletes
introduzidos nos óstios dos seios e do ducto lacrimonasal - Seio esfenoidal: localizado na região mais posterossu-
perior da fossa nasal; tem contato íntimo com a base
c) Limites do nariz do crânio. Em seu interior, há lateralmente a projeção
Anteriormente, têm-se as narinas, com seu vestíbulo dos canais ósseos da artéria carótida interna (inferior)
nasal e válvula nasal já citados. e do nervo óptico (superior) (Figura 7).

87
OTOR R I NOLA R I NG O LO GIA

Figura 7 - Meato médio, visualizado após remoção da concha mé-


dia e inferior: (A) ducto frontal drenando para o meato médio; (B)
bula etmoidal (célula etmoidal anterior); (C) seio esfenoidal; (D)
projeção do ducto nasolacrimal e (E) hiato semilunar, região de
drenagem do seio maxilar, frontal e etmoidal anterior

e) Vascularização
A vascularização nasal provém de ramos das carótidas
externa e interna.
Os ramos arteriais mais importantes são as etmoidais
anteriores e posteriores, que são ramos da carótida inter-
na, e a esfenopalatina, que é ramo terminal da carótida
externa, sendo o sítio mais comum das hemorragias nasais
severas.
Figura 5 - Seio frontal: removida parede anterior do seio frontal; A anastomose dos 2 sistemas carotídeos acontece na
observar a relação com a órbita e a parede anterior do crânio zona de Kiesselbach.
f) Inervação
A inervação sensitiva da parede lateral é feita através do
1º e 2º ramos do nervo trigêmeo. O 1º ramo (oftálmico) dá
origem ao nervo ciliar. O ramo maxilar dá origem ao nervo
nasopalatino. Esses nervos têm terminações livres espalha-
das por toda a mucosa nasal e são estimulados por substân-
cias irritantes como pimentas, pó e amônia. A informação
sensorial é transmitida ao núcleo espinhal do trigêmeo,
tálamo e córtex somatossensorial e inicia um reflexo prote-
tor, com espirros, lágrimas ou secreções nasais.
A sensibilidade da parede medial e do palato duro é
dada pelo nervo nasopalatino, também ramo do nervo tri-
gêmeo.
g) Rinofaringe
Localizada posteriormente às coanas e anteriormente à
coluna cervical, já não faz mais parte da cavidade nasal.
Duas estruturas destacam-se nessa região: a adenoide
Figura 6 - Relações topográficas do seio maxilar: (A) concha in- (ou tonsila faríngea) e o óstio tubário.
ferior; (B) seio maxilar; (C) órbita e (D) concha média; observar - Adenoide: órgão linfoide localizado na região superior
a comunicação do seio maxilar com o meato médio. A região de da rinofaringe. Tem especial importância na infância,
comunicação também é denominada infundíbulo maxilar pois, uma vez hipertrofiada, pode gerar obstrução to-

88
A N AT O M I A E M O T O R R I N O L A R I N G O LO G I A

tal ou parcial do fluxo aéreo nasal, com consequente B - Fluxo aéreo nasal
respiração bucal e suas complicações;
O ar inspirado segue uma trajetória elíptica dentro da
- Óstios tubários: a tuba auditiva tem sua abertura nasal cavidade, tendo como pontos mais baixos a narina e a coa-
na região da rinofaringe, posteriormente à cauda da
na, e o meato médio como ápice. Para passar no vestíbulo,
concha inferior. Tem relação muito próxima com a ade-
o fluxo toma uma angulação de 60° e torna-se horizontal
noide, principalmente quando esta está hipertrofiada,
após atravessar essa região. A maior parte do ar passa na
podendo obstruir o óstio tubário. A região posterior
altura do meato médio e nessa região o fluxo torna-se tur-
ao óstio tubário (fosseta de Rosenmüller) é a principal
bulento, o que é importante na função nasal de aquecer e
região de aparecimento dos tumores de rinofaringe.
umidificar o ar inspirado.
Assim como para os olhos e ouvidos, é importante teR
corrente de ar adequada em ambas as cavidades, permitin-

OTORRINOLARINGOLOGIA
do correto funcionamento do órgão e conforto do paciente.

Figura 8 - Rinofaringe e parede lateral do nariz: (A) adenoide (atró-


fica); (B) óstio tubário; (C) fosseta de Rosenmüller; (D) concha infe-
rior e (E) concha média

2. Fisiologia
A - Batimento mucociliar
A mucosa do nariz e dos seios é composta por 80% de
células pseudoestratificadas ciliadas. Essa mucosa é reco-
berta por um muco composto por 2 camadas: a mais ex-
terna (maior viscosidade) é chamada de fase gel, e a mais
interna (menor viscosidade), em contato íntimo com as cé- Figura 10 - Vias do fluxo aéreo nasal
lulas, corresponde à fase sol.
Os cílios celulares têm importante função de clareamen-
to. Eles batem com uma frequência de 1.000 golpes por 3. Anatomia da orelha
minuto, e esse ritmo é constituído por uma batida rápida Anatomicamente, a orelha pode ser dividida em exter-
para a frente (na fase gel) e um retorno lento (batida de na, média e interna e pode ser localizada profundamente
recuperação) na fase sol, movendo em fluxo unidirecional no osso temporal que faz parte da base do crânio.
partículas sólidas aí presentes.
A - Orelha externa
Compreende o pavilhão auricular e o conduto auditivo
externo. O pavilhão auricular é uma estrutura fibrocartilagi-
nosa recoberta de pele e anexos e tem o formato de concha
para auxiliar na captação de sons.
O Conduto Auditivo Externo (CAE) é um canal osteocar-
tilaginoso. Seu terço externo é cartilaginoso, e os 2/3 inter-
nos são ósseos (Figura 11).
É recoberta por pele e anexos, e os pelos estão presen-
tes apenas no seu terço externo. A pele também contém
glândulas especiais ceruminosas, produtoras do cerúmen,
sendo este último produzido e eliminado para o exterior de
Figura 9 - Célula ciliar: observar o ciclo de batimento do cílio forma contínua.

89
OTOR R I NOLA R I NG O LO GIA

Figura 12 - Tuba auditiva: (A) orelha média; (B) tuba (porção ós-
sea); (C) tuba (porção cartilaginosa) e (D) óstio faríngeo da tuba

b) Células da mastoide
As células mastoides formam uma cavidade aerada que
se localiza dentro do processo mastoide do osso temporal
(Figura 13). A maior delas e a 1ª a surgir é o antro mas-
toide, que se comunica com a porção superior da cavidade
Figura 11 - Orelha externa: (A) pavilhão auricular; (B) CAE e (C) timpânica por meio de um canal chamado ádito (aditus ad
tímpano
antrum).
Na criança, o antro é a única célula mastoide, e a partir
B - Orelha média dele se desenvolvem as demais células, por aeração e cres-
cimento da porção mastoide. Patologias crônicas do ouvido
Composta pelo espaço existente dentro da cavidade
podem prejudicar esse desenvolvimento e impedir a aera-
timpânica, tuba auditiva e células mastóideas.
ção adequada da mastoide, com consequente hipodesen-
a) Tuba auditiva volvimento desta. Quanto à celularidade, a mastoide pode
A tuba auditiva é uma estrutura osteomusculocartila- ser classificada em:
ginosa que faz a conexão entre o ouvido médio e a naso- - Pneumatizada (normal, composta de diversas células);
faringe (Figura 12). Sua porção óssea se abre na cavidade - Diploica (composta de células muito pequenas e es-
timpânica, e a musculocartilaginosa, na nasofaringe (óstios ponjosas);
tubários). Seu ponto de estreitamento máximo está na jun- - Mista (mistura de pneumatizada e diploica);
ção dessas 2 partes. - Ebúrnea (quase sem células e muito pouco desenvol-
Fisiologicamente, essa tuba encontra-se fechada. Sua vida).
abertura é feita de forma ativa por meio de 3 músculos: o
O antro mastoide é de grande interesse nas cirurgias
tensor do véu palatino (o mais importante nesse mecanis-
otológicas, por ser um importante ponto de referência e ter
mo), o elevador do véu palatino e o salpingofaríngeo. Esses
relações anatômicas importantes.
músculos estão intimamente ligados à deglutição e à movi-
mentação palatal. Sendo assim, durante a deglutição ocorre
a abertura transitória da tuba auditiva, com consequente
equalização da pressão aérea dentro da orelha média e da
pressão aérea na cavidade nasal (pressão ambiente). O fe-
chamento da tuba se faz de maneira passiva.
No adulto, a tuba é mais alongada e verticalizada do
que na criança, daí a facilidade maior com que secreções da
nasofaringe podem refluir em direção à orelha média nas
crianças, predispondo-as às otites.
O funcionamento adequado da tuba auditiva é essencial
para a adequada fisiologia do ouvido. Disfunções no funcio-
namento da tuba, de quaisquer etiologias, refletem-se na
orelha média, com consequentes otites e perdas auditivas
condutivas. Figura 13 - Mastoide: observar a aeração das células da mastoide

90
A N AT O M I A E M O T O R R I N O L A R I N G O LO G I A

c) Caixa timpânica nica. Microscopicamente, é composta de células formando


A caixa timpânica é uma pequena cavidade localizada as 3 camadas descritas. A porção flácida é superior e tem
entre a tuba auditiva (anterior) e as células da mastoide somente 2 camadas celulares, não possuindo a camada
(posterior). Tem 6 paredes e, no seu interior, ossículos, intermediária. A MT tem a função de receber as vibrações
músculos e ligamentos (Figura 14). Limites: sonoras e transmiti-las para a cadeia ossicular.
- Superior (tegmen timpani): assoalho da fossa cerebral
média;
- Inferior: relação com o golfo da veia jugular;
- Lateral: membrana timpânica;
- Medial: tem diversas saliências de importância cirúr-
gica, como o promontório (que corresponde ao giro

OTORRINOLARINGOLOGIA
basal da cóclea), a abertura das janelas oval ou do ves-
tíbulo (onde se aloja o estribo) e a janela redonda ou
da cóclea;
- Anterior: relação com a carótida interna e a tuba au-
ditiva;
- Posterior: antro mastoide.

Figura 15 - Membrana timpânica: os traços pretos indicam os li-


gamentos maleolares, que dividem a membrana em pars flácida
(superior) e pars tensa (inferior)

e) Cadeia ossicular
A Cadeia Ossicular (CO) é composta de 3 ossículos: o
martelo, a bigorna e o estribo.
1 - Martelo: composto de cabeça, colo e manúbrio, está
em contato com a membrana timpânica.
2 - Bigorna: composta de corpo, apófise curta e longa
(esta última se articulando com o estribo).
3 - Estribo: composto por 2 cruras (“pernas”) e a platina
(ou base). Faz articulação com a janela oval por meio da
platina, transmitindo os impulsos vibratórios da cadeia os-
sicular para os líquidos do ouvido interno.
Os ossículos do ouvido médio estão suspensos por seus
Figura 14 - Caixa timpânica: observar a relação da cadeia ossicular músculos e ligamentos.
com a membrana timpânica

d) Membrana timpânica
A Membrana Timpânica (MT) possui 3 folhetos celulares
fundidos entre si, o mais externo formado por pele contí-
nua com a pele do CAE, o intermediário formado por tecido
fibroso, e o folheto interno formado por mucosa da orelha
média.
Divide-se em porção tensa (inferior) e porção flácida
(superior). Essa divisão é feita pelos ligamentos maleolares
anterior e posterior. Ligado à MT está o martelo, que faz
na membrana uma umbilicação na região superior. Dessa
umbilicação partem os 2 ligamentos em direção à periferia
da membrana (Figura 15).
A porção tensa, como o próprio nome diz, é mais es- Figura 16 - Ossículos do ouvido: (M) martelo; (B) bigorna e (E) es-
ticada e compreende a maior parte da membrana timpâ- tribo

91
OTOR R I NOLA R I NG O LO GIA

f) Músculos e vascularização do ouvido 3 - Labirinto membranoso.


- Músculo tensor do tímpano: liga-se ao martelo; 4 - Endolinfa.
- Músculo estapédio: liga-se ao estribo. c) Estruturas do labirinto
Ambos, ao se contraírem, provocam rigidez da cadeia - Canais semicirculares (CSC)
ossicular, protegendo o ouvido interno da transmissão de São canais dispostos nos 3 planos dimensionais e com
sons potencialmente lesivos. angulação de cerca de 90° entre eles. São denominados (Fi-
A vascularização do ouvido provém de ramos das arté- gura 18):
rias carótidas externa, interna e vertebral. • CSC lateral;
• CSC superior;
C - Orelha interna
• CSC inferior (ou posterior).
Está localizada na profundidade da porção petrosa do
osso temporal e é formada por um arcabouço ósseo, o la- Em uma das extremidades, cada canal apresenta uma
birinto ósseo, dentro do qual se encontra o labirinto mem- pequena dilatação denominada ampola, que é a região
branoso. inervada. Esses canais têm a função de detectar movimen-
tos rotacionais da cabeça do indivíduo. Tais movimentos
a) Labirinto ósseo geram uma corrente da endolinfa dos canais e consequente
O Labirinto Ósseo (LO), a região do ouvido interno que estimulação da ampola, com transmissão do estímulo ao
dá suporte ósseo e formato ao labirinto membranoso, apre- nervo vestibulococlear (NC VIII).
senta os canais semicirculares (lateral, superior e inferior), o - Utrículo e sáculo
vestíbulo e a cóclea (Figura 17). Dentro do LO há o labirinto
São dilatações na região intermediária entre os CSC
membranoso e, separando esses 2 labirintos, há a perilinfa,
(mais posteriores) e a cóclea (mais anterior), comunicando-
de composição iônica semelhante à plasmática.
-se com essas estruturas (Figura 18). É responsável pela de-
A perilinfa tem composição iônica semelhante ao extra-
tecção de movimentos lineares da cabeça (como andar para
celular, rica em sódio e pobre em potássio; a endolinfa tem
frente, subir elevador).
composição semelhante ao intracelular, com maior concen-
Os CSCs são os principais órgãos periféricos responsá-
tração de potássio e menor de sódio.
veis pela manutenção do equilíbrio, com microcristais de-
nominados otólitos, que são os responsáveis pela patogê-
nese da vertigem posicional paroxística benigna.

Figura 17 - Labirinto ósseo

b) Labirinto membranoso
O Labirinto Membranoso (LM) é formado por membra-
nas extremamente delgadas que fazem o revestimento in-
terno do LO, separado dele pela perilinfa. Em seu interior,
o LM é preenchido pela endolinfa, de composição iônica
Figura 18 - Labirinto posterior, mostrando os CSCs (A - superior;
semelhante à intracelular. B - inferior e C - lateral) e o vestíbulo (sáculo e utrículo): as setas
Portanto, em uma secção do labirinto, serão notadas as indicam as ampolas (região inervada) dos canais semicirculares
seguintes estruturas, progredindo de externa para interna-
mente: - Cóclea
1 - Labirinto ósseo. A cóclea é um órgão canalicular ósseo em formato de
2 - Perilinfa. espiral ao redor de um cone ósseo central, chamado modío-

92
A N AT O M I A E M O T O R R I N O L A R I N G O LO G I A

lo. Deste partem lâminas ósseas que subdividem esse canal


(cóclea) em subcanais:
1 - Rampa vestibular.
2 - Rampa média.
3 - Rampa timpânica.
As rampas vestibular e timpânica são preenchidas por
perilinfa e comunicam-se no ápice da cóclea. A rampa mé-
dia é preenchida por endolinfa, e em seu interior está o
órgão de Corti, responsável pela detecção dos estímulos
auditivos (Figura 19).
- Órgão de Corti

OTORRINOLARINGOLOGIA
O órgão de Corti situa-se ao longo de toda a rampa mé-
Figura 20 - Inervação do labirinto: (NC) Nervo Coclear; (NV) Nervo
dia. Em sua base, está a membrana basilar, sensível às vibra- Vestibular; (C) Cóclea e (CSC) canal semicircular
ções das rampas vestibular e timpânica. Sobre a membrana
basilar, há as células ciliadas (internas e externas), que re-
b) Nervo facial (NC VII)
cebem fibras neurais e são capazes de detectar os estímulos
mecânicos (provenientes da vibração da membrana basilar) De especial importância na anatomia do ouvido é o ner-
e de transformá-los em estímulos neurais, que atingem o vo facial (NC VII), que emerge do SNC no ângulo pontoce-
SNC através do NC VIII. rebelar e entra pelo CAI junto com o NC VIII. Ao emergir do
Portanto, quando o som chega à membrana timpânica, CAI, curva-se posteriormente e depois inferiormente, tendo
esta vibra e, consequentemente, faz vibrar a cadeia ossicu- relação anatômica com a orelha média, o CSC lateral, a bigor-
lar justaposta. A vibração da cadeia ossicular é transmitida na e a parede posterior do CAE (Figura 21). Emerge do osso
pelo estribo à janela oval, que corresponde à abertura ex- temporal por meio do forame estilomastóideo. Os principais
terna da rampa vestibular. Assim, a vibração do estribo faz ramos do nervo facial são o nervo petroso superficial maior
a perilinfa da cóclea vibrar e, consequentemente, estimula (1º ramo), e o nervo corda do tímpano (3º ramo).
a membrana basilar e o órgão de Corti, com transdução do Dessa forma, diversas patologias que acometem o ou-
estímulo mecânico em estímulo neural. vido podem cursar com paresia ou paralisia facial do tipo
periférica.

Figura 19 - (A) Cóclea, desenho esquemático do espiral coclear e


(B) secção transversa na cóclea, mostrando: (RV) Rampa Vestibu-
lar; (RM) Rampa Média; (RT) Rampa Timpânica e (OC) Órgão de
Corti

Figura 21 - Nervo facial (em amarelo): observar suas relações ana-


D - Inervação tômicas com estruturas da orelha média

a) Nervo vestibulococlear (NC VIII)


O ouvido interno é inervado pelo nervo vestibuloco- 4. Anatomia da faringe, laringe e cavida-
clear, que emerge da ponte, entra por um canal ósseo de oral
(Conduto Auditivo Interno – CAI) e chega ao labirinto.
Divide-se, então, em um ramo anterior (coclear), respon-
sável pela inervação da cóclea, e em um ramo posterior
A - Faringe
(vestibular), responsável pela inervação do vestíbulo e dos A faringe divide-se, anatomicamente, em nasofaringe,
CSCs (Figura 20). orofaringe e hipofaringe.

93
OTOR R I NOLA R I NG O LO GIA

- Nasofaringe: localiza-se superiormente, tendo o esfenoi- ridos, gerando resposta imunológica ao agressor. Esse anel
de como limite superior, a coluna cervical posteriormente, é composto por:
a coana anteriormente e os óstios tubários lateralmente. - Adenoide: localizada na rinofaringe;
Suas principais estruturas são a tuba auditiva, a adenoide - Amígdalas (ou tonsilas) palatinas: localizadas lateral-
e as fossetas de Rosenmüller (região retrotubária); mente na orofaringe;
- Fossetas de Rosenmüller: são a principal região de ori- - Amígdalas (ou tonsilas) linguais: localizadas posterior-
gem de carcinomas de rinofaringe; mente na língua;
- Orofaringe: o palato mole, com 2 pilares (o anterior: - Tonsilas orofaríngeas: diversas pequenas estruturas
músculo palatoglosso, e o posterior: músculo palatofa- localizadas na parede posterior da orofaringe.
ríngeo), representa a transição entre a nasofaringe e a Essas estruturas desempenham papel de “barreira”
orofaringe. Entre esses pilares está a amígdala palatina imunológica, porém podem encontrar-se hipertrofiadas,
(Figura 23). Nesse espaço encontram-se os abscessos por razões ainda não totalmente elucidadas. Essa hiper-
periamigdalianos. As infecções amigdalianas, dentá- trofia, quando sintomática, é uma das principais causas
rias ou linfonodais podem evoluir para a formação de de abordagem do anel, com remoção principalmente das
abscessos nos espaços cervicais profundos, a maioria amígdalas palatinas e da adenoide.
deles de tratamento cirúrgico. A parede posterior da
orofaringe está em contato íntimo com a coluna cervi- B - Laringe
cal. Essa região é formada pelos músculos constritores
superior, médio e inferior da orofaringe, todos de es- A laringe localiza-se na linha média cervical, anterior ao
pecial importância na fonação e deglutição (Figura 23); esôfago, superior à traqueia e inferior à hipofaringe. Suas
funções são proteção da via aérea, respiração e fonação.
a) Cartilagens
Ao todo, são 9 cartilagens.
- Pares: aritenoide, cuneiformes e corniculadas. As ari-
tenoides estão acima da cricoide, e nelas se inserem as
pregas vocais;
- Ímpares: epiglote, tireoide e cricoide.

Figura 22 - Músculos constritores superior, médio e inferior da faringe


- Hipofaringe: nessa região localiza-se a transição da
faringe com o esôfago posteriormente e a laringe an-
teriormente, sendo sua visualização feita apenas de
forma indireta (espelho de Garcia ou laringoscópio).

Figura 23 - Orofaringe: (A) pilar amigdaliano posterior; (B) pilar


anterior; (C) úvula; (D) amígdala e (E) língua Figura 24 - Arcabouço laríngeo, visões anterior, lateral, posterior
e superior (removida a epiglote): (A) epiglote; (B) osso hioide; (C)
O anel linfático de Waldeyer é composto por estruturas ligamento tíreo-hióideo; (D) cartilagem tireoide; (E) cartilagem cri-
linfoides capazes de reconhecer antígenos inalados ou inge- coide; (F) anel traqueal; (G) prega (corda) vocal; e (H) aritenoide

94
A N AT O M I A E M O T O R R I N O L A R I N G O LO G I A

b) Musculatura intrínseca mente os óstios de drenagem das glândulas salivares


- Músculos adutores das pregas vocais: tireoaritenoi- sublinguais e submandibulares (região de carúncula
des (compõem as pregas vocais), interaritenoide, cri- lingual);
coaritenoide lateral e cricotireoide; - Língua: composta por musculatura intrínseca (fibras
- Músculo abdutor: cricoaritenoide posterior. musculares dispostas em diversas direções) e extrínse-
ca (genioglosso, estiloglosso, hioglosso, palatoglosso).
c) Inervação Em sua superfície apresenta as carúnculas linguais e as
- Motora: o nervo laríngeo inferior (recorrente) inerva papilas gustativas.
todos os músculos, exceto o cricotireoide, inervado - Glândulas salivares maiores: são 3 pares principais,
pelo laríngeo superior; sendo elas:
- Sensitiva: nervo laríngeo superior. Todos esses nervos • Parótidas: localizadas lateralmente ao ramo da
são ramos do nervo vago (NC X).
mandíbula e anteriormente ao pavilhão auricular.

OTORRINOLARINGOLOGIA
As pregas vocais dividem a laringe em 3 porções anatô- Apresenta relação íntima com o nervo facial, que
micas: passa em seu interior e emerge em seu 1/3 anterior.
- Supraglote: vai desde o ápice da epiglote até o nível O ducto de drenagem da glândula parótida localiza-
superior das pregas vocais. Nesse ponto, encontram- se na mucosa jugal, na região do 1º molar superior;
-se as pregas vestibulares e o ventrículo de Morgagni; • Submandibulares: localizam-se inferiormente à
- Glote: é delimitada entre as pregas vocais; mandíbula, seu ducto de drenagem corre inferior-
- Subglote: fica abaixo das pregas vocais até a transição mente à língua até a carúncula lingual;
cricotraqueal. • Sublinguais: localizadas inferiormente à língua, dre-
nam em conjunto com as submandibulares.
d) Fonação
Ocorre pela vibração das pregas vocais quando o ar 5. Resumo
atravessa a laringe durante a expiração. Essa vibração das
pregas vocais e de sua mucosa gera uma onda sonora de Quadro-resumo
acordo com a tensão, a massa e a posição das pregas. Nariz
- O vestíbulo nasal é a região de maior estreitamento nasal;
- O septo nasal pode apresentar desvios causando obstrução nasal;
- No meato médio drena a maioria dos seios da face, e sua
obstrução pode causar sinusites de repetição;
- O plexo de Kiesselbach é o sítio da maioria dos sangramentos
nasais leves;
- A artéria esfenopalatina, ramo terminal da carótida externa, é
o principal sítio das epistaxes severas.
Orelha
- A membrana timpânica possui uma porção flácida, com apenas
Figura 25 - Fonação: (A) as pregas vocais encontram-se abduzidas 2 camadas, mais sujeita a retração e perfuração;
(movimento inspiratório); (B) adução das pregas durante a fona- - A tuba auditiva é responsável pela ventilação do ouvido, e sua
ção (expiração); (1) glote; (2) pregas vocais; (3) epiglote; (4) comis- obstrução está associada a otites;
sura anterior; (5) aritenoides; e (6) comissura posterior - O nervo facial possui trajeto em canal ósseo intramastoide,
sítio comum de compressão nas PFP;
- O sistema vestibular possui otólitos nos seus canais, cujo
C - Cavidade oral e glândulas salivares desprendimento causa VPPB.
A cavidade oral é delimitada anteriormente pela boca Faringe
(músculo orbicular da boca), lateralmente pela região jugal, - Na rinofaringe, situa-se a adenoide, cuja hipertrofia pode
superiormente pelo palato (duro e mole) e inferiormente causar obstrução nasal e da tuba auditiva;
pelo assoalho da boca. - O principal sítio dos tumores faríngeos é próximo ao torus da
- Palato: formado anteriormente pelo osso maxilar e tuba auditiva.
posteriormente pelo músculo palatofaríngeo. Apre- Laringe
senta lateral e anteriormente a arcada dentária, sendo - Os músculos intrínsecos são responsáveis pela movimentação
que esta estrutura apresenta íntima relação com o as- das pregas vocais;
soalho do seio maxilar. Essa relação favorece a disse- - As paralisias de pregas vocais podem indicar compressão
minação de bactérias para os seios maxilares durante intramediastinal do nervo laríngeo recorrente;
processos infecciosos ou após cirurgias dentárias, ge- - As cartilagens laríngeas são revestidas por pericôndrio espesso
rando as sinusites odontogênicas; que dificulta a disseminação sistêmica de tumores.
- Assoalho da boca: formado pelos músculos gênio-hi-
óideo, milo-hióideo e digástrico. Apresenta anterior-

95
OTOR R I NOLA R I NG O LO GIA

CAPÍTULO Métodos diagnósticos em

2
Otorrinolaringologia
Bruno Peres Paulucci / Eric Thuler

Não é indicado nem mesmo para avaliação de quadros


1. Introdução agudos, já que não diferencia processos inflamatórios de
Neste capítulo serão discutidos os principais métodos infecciosos. As principais alterações que podem ser visua-
diagnósticos usados na prática diária do otorrinolaringolo- lizadas são o espessamento, velamento do seio ou a pre-
gista. sença de nível líquido. As principais incidências dos raios x
de seios da face são: fronto-naso (usada para avaliar seios
2. Exames de imagem frontais e etmoidais) e mento-naso (usada para avaliação
de seios maxilares). As incidências axial e perfil têm pouca
A - Raio x de cavum utilidade na prática clínica.

Radiografia simples da nasofaringe em perfil, de pa-


ciente com boca aberta e fechada, permite a visualização
da adenoide e a avaliação indireta do grau de obstrução da
fossa nasal pela hipertrofia adenoidiana (Figura 1).

Figura 1 - Raio x de cavum: as setas coloridas indicam o estreita-


mento em rinofaringe por hiperplasia adenoidiana

B - Raio x de seios paranasais


Utilizada no passado para a avaliação de rinossinusites Figura 2 - Raio x de seios paranasais: (A) mento-naso e (B) fronto-
ou patologias nasossinusais (Figura 2). -naso

96
M É T O D O S D I A G N Ó S T I C O S E M O T O R R I N O L A R I N G O LO G I A

C - Tomografia computadorizada de seios para- temporal. Normalmente, orelha média, mastoide e Conduto
nasais (TC SPN) Auditivo Externo (CAE) estão bem aerados. As principais es-
truturas avaliadas são (Figura 4):
Segue os princípios gerais da obtenção de imagens to-
mográficas. As imagens mais utilizadas são as obtidas em
- CAE: integridade óssea, tumorações;
cortes axiais e coronais, principalmente em janela de partes - Cadeia ossicular: integridade e continuidade; pode es-
ósseas. Em geral, espera-se que as fossas nasais e os seios tar erodida;
paranasais estejam ventilados (preenchidos por ar). Seu ve- - Cavidade timpânica: velamento e erosões. Observar a
lamento indica retenção de secreções ou presença de lesão região de tegmen timpani (base do crânio);
ocupando a luz das estruturas. As principais estruturas visu- - Esporão de Chausse: correspondente à projeção da
alizadas e suas alterações são (Figura 3): parede superior do CAE no interior da caixa timpânica.
- Septo nasal: presença de desvios; Sua erosão é sugestiva de colesteatoma;
- Cornetos inferiores: hipertrofia ou atrofia; - Mastoide: velamento e aeração; mastoides ebúrneas

OTORRINOLARINGOLOGIA
- Concha média: alterações anatômicas; (poucas células aeradas) indicam processos crônicos.
- Meato médio: infundíbulo (região de drenagem do
seio maxilar), seios etmoidais anteriores, drenagem
do seio frontal. O velamento dessa região geralmente
acontece em sinusites ou secundariamente à polipose
e à papilomatose nasal.
- Seio maxilar: seu velamento indica processo patológico;
- Seios etmoidais: em geral estão acometidos conjunta-
mente com a região do meato médio;
- Seio frontal e esfenoide: seguem os princípios dos de-
mais seios;
- Órbita: avaliação de lâmina papirácea e seu acometi-
mento em sinusites;
- Base do crânio: avaliação de lâmina cribriforme.
As imagens obtidas com janelas para partes moles são
úteis para a visualização de tumores e patologias não ósse-
as da região. No entanto, fornecem menos detalhes anatô-
micos. Os cortes sagitais são úteis na visualização do seio
frontal e de seu óstio de drenagem.

Figura 4 - TC de mastoide, orelha média e interna normais

E - Tomografia computadorizada de pescoço


Utilizada para diversos fins, sendo que os cortes axiais
em janela de partes moles com utilização de contraste são
os que normalmente nos fornecem maior número de infor-
mações. As principais estruturas avaliadas são:
Figura 3 - TC SPN normal: a seta amarela indica uma célula etmoi- - Palato: deve apresentar-se na linha média, simétrico e
dal infraorbitária sem abaulamentos;
- Rinofaringe, orofaringe e hipofaringe: devem seguir
D - Tomografia computadorizada de ouvidos os princípios já citados. Atenção especial deve ser dada
Usam-se, predominantemente, as imagens em janelas às fossetas de Rosenmüller, devido à maior incidência
de partes ósseas, uma vez que se avalia a região do osso de carcinomas da faringe neste local;

97
OTOR R I NOLA R I NG O LO GIA

- Cavidade oral: avaliar a língua e as estruturas relacio- É um dos exames mais comuns na prática diária, pois
nadas; permite a visão detalhada das estruturas. Após anestesia
- Glândulas salivares: avaliar presença de tumorações, tópica das narinas, introduz-se nelas o aparelho de modo
abaulamentos e cálculos em seus ductos; a visualizar todos os cornetos, meatos, óstios de seios e a
- Laringe: avaliar espaço aéreo, integridade das cartila- presença de lesões ou de alterações anatômicas.
gens e presença de tumorações; Após a fossa nasal, progride-se com o aparelho em di-
- Tireoide: avaliar posição, tamanho e presença de tu- reção à rinofaringe, avaliando óstios tubários, fossetas de
morações; Rosenmüller e palato mole; progride-se para a região da
- Vasos: os principais vasos são as artérias carótidas in- laringe (Figura 6), visualizando a base da língua, epiglote,
ternas e externas, e as veias jugulares internas, exter- aritenoides, pregas vocais e infraglote.
nas e anteriores;
- Linfonodos: avaliar tamanho, número, forma e presen-
ça de necrose no interior;
- Espaços cervicais profundos: em vigência de absces-
sos cervicais, avaliar a extensão e as estruturas rela-
cionadas.

Figura 5 - TC de pescoço, corte axial em janela para partes moles


em uso de contraste intravenoso: observa-se o corpo da mandíbu-
la (mento), base de língua, glândulas submandibulares, osso hioi-
de, epiglote, veias jugulares internas e espaço cervical profundo de
morfologia preservada

F - Ressonância magnética de mastoides/ouvidos


Usada para o diagnóstico e o estadiamento de tumores
locais (glomo, neurinomas), a avaliação pré-implante cocle-
ar e a suspeita de fístulas liquóricas otogênicas.

G - Ressonância magnética de nariz e seios da face


Usada geralmente para o diagnóstico e estadiamen-
to de tumores locais (estesioneuroblastomas, carcinomas
espinocelulares) e avaliação de extensão intracraniana de
sinusites.

3. Exames endoscópicos

A - Nasofibrolaringoscopia
Com aparelho de fibra ótica flexível, acoplado à fonte de
luz, podem-se examinar a cavidade nasal, a rinofaringe e a
laringe com boa acurácia. Figura 6 - Etapas da nasofibrolaringoscopia

98
M É T O D O S D I A G N Ó S T I C O S E M O T O R R I N O L A R I N G O LO G I A

C - Telescopia laríngea rígida


É realizada sob anestesia tópica com spray de lidoca-
ína em orofaringe e introdução do aparelho pela cavida-
de oral. O endoscópio laríngeo rígido (Figura 10) também
fornece imagem com mais detalhes do que o flexível, mas
também tem mobilidade reduzida e desencadeia maior
reflexo de náuseas, o que leva alguns pacientes a não to-
lerarem o exame.

OTORRINOLARINGOLOGIA
Figura 7 - Nasofibroscopia de nariz: (A) concha nasal inferior; (B)
concha nasal média e (C) septo nasal

Figura 10 - Endoscopia laríngea com aparelho rígido

D - Telescopia laríngea com estroboscopia


Figura 8 - Nasofibroscopia de laringe Usa-se a mesma técnica descrita anteriormente, mas se
associada a uma fonte de luz estroboscópica. Esse aparelho
B - Telescopia nasal rígida gera luz pulsátil sincronizada, através de microfone, com
É realizada com a mesma técnica descrita anteriormen- frequência fundamental da voz. Esse tipo de luz permite
te, porém o endoscópio é rígido, não permitindo a visuali- ver a vibração das pregas vocais com grande riqueza de de-
zação da orofaringe e da hipofaringe. Permite a visualização talhes, como se estivesse em câmera lenta, o que confere
das estruturas nasais com maior detalhamento (Figura 9), maior acurácia ao diagnóstico de alterações estruturais mí-
porém a mobilidade dentro da cavidade nasal é reduzida. nimas de laringe e de outras pequenas lesões.

E - Videoendoscopia da deglutição
O exame é usado em casos específicos e avalia a função
de deglutição do paciente por meio da nasofibrolaringosco-
pia realizada enquanto o indivíduo ingere alimentos cora-
dos. É possível observar a movimentação da língua levando
o bolo alimentar, a elevação da laringe e o fechamento da
glote.

4. Testes auditivos

A - Audiometria tonal
Figura 9 - Endoscopia nasal com aparelho rígido; aparelho em re- A audiometria determina a menor intensidade sonora
gião de meato inferior: (S) septo nasal e (CI) corneto/concha inferior detectável pelo paciente. São testadas frequências sonoras

99
OTOR R I NOLA R I NG O LO GIA

que vão de 250 a 8.000Hz, e as intensidades são medidas


em decibéis (dB). Graficamente, obtém-se uma curva em
que, nas abscissas, estão as frequências sonoras testadas
e, nas ordenadas, está a intensidade sonora (dB). Vale res-
saltar que, no gráfico audiométrico, há uma “inversão” dos
valores nas ordenadas, ou seja, as maiores intensidades
testadas encontram-se na região mais baixa do gráfico, e as
menores, na região mais alta.

a) Audiometria por via aérea


Determina a menor intensidade sonora detectada por
sons transmitidos por via aérea, ou seja, por meio de fone
colocado no ouvido (CAE) do paciente.

b) Audiometria por via óssea


Determina a menor intensidade sonora detectada por
sons transmitidos por via óssea, ou seja, por meio de vi-
brador ósseo (diapasão) colocado na região retroauricular Figura 11 - Traçados audiométricos: os círculos simbolizam os li-
(mastoide). Assim, transmite-se o som diretamente à có- miares por via aérea, e os “<” indicam os limiares por via óssea.
clea, sem o uso do complexo tímpano-ossicular. Afecções O nível auditivo de 20dB foi grifado para melhor visualização: (A)
normal; (B) disacusia condutiva (gap); (C) disacusia neurossenso-
que acometem somente a orelha média (por exemplo, otite
rial e (D) disacusia mista
média secretora) cursam com diminuição do limiar por via
aérea (diminuição da transmissão sonora na orelha média), c) Audiometria vocal
sem alteração do limiar por via óssea (não acomete a orelha O examinador pronuncia palavras padronizadas em in-
interna). tensidades pré-determinadas (de acordo com a audiome-
As curvas das vias aérea e óssea são representadas tria tonal) e solicita ao paciente que as repita. Tem a função
no mesmo gráfico. Quando presente, a diferença entre de confirmar o limiar audiométrico por via aérea e determi-
os limiares ósseos e os aéreos é denominada gap aéreo- nar a capacidade de discriminação da fala.
-ósseo.
O limiar normal de detecção dos sons é de até 25dB. B - Timpanometria ou impedanciometria
Pacientes com detecção de sons em intensidades acima dis- Mede a complacência da membrana timpânica em fun-
so apresentam algum grau de perda auditiva (ou disacusia). ção de pressões aplicadas no CAE. As curvas de complacên-
Principais tipos de perda auditiva (Figura 11): cia podem ser dos seguintes tipos (Figura 12):
- Curva A: normal;
- Neurossensorial: os limiares aéreo e ósseo coincidem - Curva Ar: sugestiva de rigidez da cadeia ossicular, como
e são maiores que 25dB (Figura 11C). Geralmente esse na otosclerose. Essa rigidez restringe a movimentação
tipo de perda decorre de lesões cocleares ou de estru- da membrana timpânica de forma adequada;
turas posteriores na condução sonora (NC VIII, tronco, - Curva Ad: sugestiva de desarticulação da cadeia os-
córtex); sicular ou de formação de cicatrizes no tímpano (ne-
- Condutivo: o limiar aéreo está elevado, porém o ósseo otímpano). Nessa situação a ausência de pressão ba-
está dentro do normal. É sugestivo de patologias de riátrica na membrana permite intensa mobilidade da
orelha média que não comprometem a orelha interna mesma;
e as demais estruturas, como as otites médias crônicas - Curva B: sugestiva de secreção em orelha média. A
simples, as otites médias secretoras e desarticulação secreção impede a mobilização tanto interna quanto
externa da membrana, de forma a não haver formação
da cadeia ossicular pós-traumática (Figura 11B);
de “pico” de mobilidade;
- Misto: há diferença entre os limiares ósseos e os aére- - Curva C: sugestiva de disfunção da tuba auditiva. A
os, porém ambos são maiores que 25dB (Figura 11D). membrana encontra-se retraída em direção a caixa
É um tipo de perda menos comum, geralmente decor- timpânica. Por isso, quando aplicada pressão negativa
rente de patologias que acometem a orelha média e no CAE, a membrana é “aspirada” de volta à sua posi-
interna (como otosclerose, ou alguns traumas de osso ção original, e assim tem seu pico de mobilidade em
temporal). pressões negativas.

100
M É T O D O S D I A G N Ó S T I C O S E M O T O R R I N O L A R I N G O LO G I A

Figura 13 - BERA: nesse exame, obtêm-se ondas denominadas de I


a V, sendo as ondas I, III e V as mais notáveis

E - Emissões otoacústicas

OTORRINOLARINGOLOGIA
O órgão de Corti na orelha interna transforma o estímu-
lo mecânico da vibração da endolinfa em estímulo elétrico
que percorre o nervo acústico (NC VIII). Nesse processo,
o órgão de Corti gera ruídos que podem ser captados por
fones ultrassensíveis colocados no CAE. Para aumentar a
sensibilidade do exame, pode-se estimular o ouvido com
pequenos clicks sonoros que fazem o órgão de Corti gerar
mais ruídos.
Este teste é utilizado como triagem auditiva neonatal
(“teste da orelhinha”). A ausência de respostas nesse teste
pode indicar perda auditiva de graus variados, mas precisa
Figura 12 - Curvas de timpanometria ser melhor avaliada por frequentemente apresentar falso
negativo.
C - Reflexo estapediano F - Eletrococleografia
É gerado em intensidades sonoras elevadas e tem por Usado na suspeita da doença de Ménière ou hidropisia
função proteger a orelha interna contra traumas acústicos. endolinfática (distensão do compartimento da endolinfa),
O desencadeamento desse reflexo em intensidades sonoras testa os potenciais nervosos gerados no NC VIII após a esti-
pouco elevadas sugere um fenômeno denominado recruta- mulação sonora.
mento, sugestivo de disacusias neurossensoriais em pres- Seus principais parâmetros são a intensidade do
biacusias. A ausência desse reflexo pode indicar patologia Potencial de Ação (PA) e do Potencial de Somação (PS) ge-
da orelha média ou do nervo facial. rados no nervo. A relação PS/PA maior que 30% sugere a
doença.
D - BERA (audiometria de tronco encefálico)
Ao chegar à membrana timpânica, o som é transmitido
5. Teste otoneurológico
através da cadeia ossicular à cóclea e desta ao SNC, por meio
de estímulo nervoso gerado no nervo auditivo (NC VIII). A avaliação do comportamento do nistagmo é funda-
A partir do nervo, o estímulo percorre estruturas bem mental para o correto diagnóstico das vestibulopatias pe-
conhecidas no tronco, no hipotálamo e no encéfalo, até riféricas.
atingir o córtex cerebral, na região temporal. Nesse exame, testam-se a motilidade ocular voluntá-
O BERA é realizado por meio da estimulação sonora em ria e involuntária, bem como a ocorrência e a intensidade
CAE com fones de ouvido e captação do impulso neurológi- no nistagmo em diversas situações. O principal passo des-
co gerado por tal som. Para isso, são usados eletrodos fixos se teste é realizado quando se procede o aquecimento ou
à pele do paciente. Assim, obtém-se uma curva gráfica que resfriamento unilateral do CAE com água corrente em tem-
demonstra os instantes em que o estímulo passou por essas peratura de 30 e 44°C (pode-se também usar ar aquecido/
principais estruturas/estações neurológicas da via auditiva resfriado).
(Figura 13). Nessas situações, geram-se correntes de convecção nos
Aplica-se esse teste àqueles com suspeita de simulação canais semicirculares laterais e consequentes estimulação
de perda auditiva, pois é um teste que independe da res- labiríntica e geração de estímulo neurológico de sensação
posta do paciente; também é útil em crianças de poucos de rotação. Em seguida, há o aparecimento de nistagmo
meses, para determinar se há perda auditiva; assim como reflexo, cuja intensidade, associada às outras informações
pode indicar lesões degenerativas ou neurinomas através obtidas no exame, permite sugerir o tipo e a topografia da
do aumento no intervalo entre as ondas III e V. lesão labiríntica em curso.

101
OTOR R I NOLA R I NG O LO GIA

6. Polissonografia - Laringoscopia com estroboscopia permite a visualização de le-


sões estruturais mínimas;
Consiste na avaliação quantitativa de parâmetros vari- - Paralisia de pregas vocais na laringoscopia sugere investigar tó-
áveis durante o sono e da inter-relação entre esses parâ- rax e mediastino;
metros. É utilizada em pacientes com suspeita de Síndrome - Audiometria e timpanometria permitem avaliar se a perda é
de Apneia e Hipopneia Obstrutiva do Sono (SAHOS) ou com neurossensorial ou condutiva;
outros distúrbios do sono. - As otoemissões não fornecem diagnóstico definitivo da perda
Nesse teste, o paciente dorme no laboratório, e mo- auditiva do recém-nascido;
nitorizam-se frequência cardíaca, frequência respiratória, - O exame otoneurológico permite diferenciar o tipo de labirin-
oximetria, pressão arterial, tônus muscular, EEG, fluxo aé- topatia;
reo nasal e oral, expansões torácica e abdominal, decúbito, - A polissonografia permite avaliar o tipo de apneia e a sua gra-
ocorrência e intensidade de roncos e movimentos oculares vidade.
(Figura 14).
Diante desses parâmetros, podem-se determinar a
ocorrência e a frequência de apneia noturna e seu grau de
interferência na qualidade do sono.
A apneia é classificada, quanto à origem, em:
a) Obstrutivas: decorrem de colabamento das vias aére-
as durante o sono, secundariamente à hipotonia muscular
e a alterações anatômicas. Não há diminuição do estímulo
neurológico para a respiração.

b) Centrais: decorrem da redução da ventilação por di-


minuição do estímulo nervoso para a respiração durante o
sono. Comum em neuropatias.

c) Mistas: combinação das 2 anteriores (mais raras).

Figura 14 - Polissonografia: notar que todos os parâmetros são gra-


fados paralelamente, para obter a correlação temporária entre eles

7. Resumo
Quadro-resumo
- Exames;
- Raio x de cavum para hipertrofia adenoidiana;
- TCSF é o padrão-ouro para a avaliação das rinossinusites; não
solicitar no quadro agudo;
- TC de ouvidos com erosão do esporão de Chausse é sugestiva
de colesteatoma;
- Ressonância magnética de ouvido interno é o melhor exame
para investigar neurinoma;

102
CAPÍTULO

3
Otologia
Vanier Junior / Vladimir Garcia Dall’Oca / Eric Thuler / Bruno Peres Paulucci

1. Doenças da orelha externa B - Pericondrite


Muito comum em locais de clima quente e úmido, princi- Definida pela infecção bacteriana da cartilagem e peri-
palmente nos meses de verão, a otite externa bacteriana é a côndrio do pavilhão auditivo. Em geral, ocorre após trau-
doença mais comum do conduto auditivo externo e acomete ma com solução de continuidade com meio externo ou em
com maior frequência os praticantes de esportes aquáticos. vigência de brincos ou piercings na orelha. Também pode
Normalmente, a fisiopatologia da otite externa inicia-se ocorrer secundariamente às otites externas.
com o conduto auditivo externo úmido, associado ao acú- Seus principais agentes são os germes de pele
mulo de cerume e um maceramento e descamação da pele (Streptococcus, Staphylococcus) e a Pseudomonas aerugino-
local, o que cria um ambiente propício ao crescimento de mi- sa. O quadro clínico caracteriza-se por ser de rápida evolu-
cro-organismos, iniciando o processo infeccioso. Os agentes ção, com hiperemia, dor e edema de pavilhão auricular após
bacterianos mais comuns são Staphylococcus, Streptococcus trauma local. O diagnóstico é eminentemente clínico. O tra-
e Pseudomonas aeruginosa. Podem também ocorrer infec- tamento deve ser feito de forma agressiva, com antibiotico-
ção por fungos, principalmente Aspergillus e Candida. terapia oral (ciprofloxacino), associada a corticoterapia oral
(prednisona). Em casos de formação de abscesso, o mesmo
A - Oto-hematoma deve ser drenado, e mantendo dreno de Penrose e curativo
Caracteriza-se por uma coleção sero-hemática entre o compressivo. Deve-se também considerar o uso de pomadas
pericôndrio e a pele, geralmente ocorrendo após trauma lo- com antibióticos na região da laceração traumática.
cal (comum em lutadores). O quadro clínico é de um abau- A principal complicação dessa patologia é a ocorrência
lamento local com coloração vinho-acastanhada, flutuação de deformidades no pavilhão após a recrudescência da in-
e dor à palpação. O diagnóstico é eminentemente clínico. fecção.
O tratamento deve ser através de drenagem local, seguida
de curativo compressivo por 48 horas. Em casos de maior
extensão, um dreno de Penrose pode ser deixado no espaço
formado durante o período. A antibioticoterapia oral deve
ser estabelecida, cobrindo principalmente germes Gram
positivos; utiliza-se a cefalexina por 5 a 7 dias. A recidiva do
hematoma pode ocorrer após a remoção do curativo, sendo
necessárias em alguns casos novas drenagens.

Figura 2 - Sequela de pericondrite de orelha esquerda. Observe a


perda dos contornos, hiperemia e edema de pele de pavilhão au-
Figura 1 - Oto-hematoma traumático de orelha esquerda ricular

103
OTOR R I NOLA R I NG O LO GIA

C - Otite externa difusa aguda do espectro antibioticoterapêutico. Compensação das co-


morbidades clínicas é indispensável.
Patologia caracterizada pela infecção da derme e epi-
derme do conduto auditivo externo, sendo seus princi-
pais agentes etiológicos a P. aeruginosa, S. aureus e o
Streptococcus proteus.
Seus fatores predisponentes mais comuns são:
- Exposição a umidade: daí sua maior incidência após
uso de a piscina, banhos de imersão e em nadadores;
- Traumas: os traumas externos (inclusive por uso de
hastes de algodão e corpos estranhos) podem gerar
pequenas lacerações da pele do CAE, gerando solução
de continuidade com o meio externo, facilitando a pe-
netração bacteriana;
- Composição do manto lipídico: a secreção das glân-
dulas ceruminosas, quando ausente, ou alterações na
composição da secreção das glândulas locais podem
alcalinizar o pH e favorecer a penetração bacteriana.
O quadro clínico caracteriza-se por intensa dor local, ge-
ralmente unilateral, que piora a compressão do trago. Não
se observam alterações sistêmicas como febre e queda do
estado geral. Eventualmente, o paciente pode se queixar de Figura 3 - Otite externa difusa aguda
hipoacusia.
À otoscopia observa-se, inicialmente, dor de modera- D - Otite externa circunscrita
da a intensa à palpação local e até mesmo à alocação do Causada por estafilococo, origina-se no complexo pilos-
otoscópio. No CAE nota-se edema difuso de graus variáveis, sebáceo e tem localização bem definida e circunscrita no
podendo ser leve ou até mesmo intenso, chegando a ocluir conduto auditivo externo. Quando acomete apenas 1 fo-
o CAE. Hiperemia, descamação e secreção serosa ou puru- lículo, é chamada furúnculo; quando mais de 1 folículo é
lenta também são observadas. acometido, chamamos carbúnculo.
Em paciente imunodeprimido a infecção pode se pro- O quadro clínico caracteriza-se por dor intensa local,
pagar para a região retroauricular, pavilhão auricular ou até evolução rápida do quadro, algumas vezes com febre. À
mesmo em direção ao osso temporal. Adenopatia cervical otoscopia, observa-se edema localizado com sinais flogís-
também pode ser notada. ticos, muito doloroso ao toque. O tratamento é feito com
O diagnóstico é eminentemente clínico, não sendo ne- antibióticos com boa cobertura para Gram positivos, como
cessária a complementação com outros métodos diagnós- cefalexina, durante 7 a 10 dias, analgésicos (dipirona ou pa-
ticos. racetamol) e anti-inflamatórios por VO.
O tratamento deve ser feito de acordo com a gravidade Em casos com evolução desfavorável, pode ser necessá-
da doença: ria drenagem, podendo ser associadas ao tratamento gotas
- Casos leves: gotas tópicas contendo antibióticos (qui- otológicas contendo ciprofloxacino e corticoides.
nolonas, neomicina ou polimixina B) e corticoides, e
pode-se fazer lavagem prévia com água, para remover - Rolha de cerume/epidérmica
restos descamativos; Caracteriza-se pelo acúmulo de cerume no conduto au-
- Casos graves: além das gotas tópicas, deve ser indica- ditivo externo, formando uma rolha que contém também
do antibiótico oral (cefalexina ou ciprofloxacino). debris celulares provenientes da descamação epitelial do
conduto. Fisiologicamente, o cerume é produzido por glân-
Analgésicos e anti-inflamatórios devem ser prescri- dulas ceruminosas localizadas no 1/3 externo do CAE. A
tos devido a intensa dor que a patologia gera. O paciente disposição dessas glândulas, a anatomia do CAE e a movi-
também deve ser orientado a proteger o ouvido contra a mentação da articulação temporomandibular permitem a
entrada de água no conduto auditivo externo durante o tra- eliminação fisiológica total do cerume produzido, permitin-
tamento. do um constante turnover da secreção no terço externo do
Deve-se reavaliar o paciente após 48 a 72 horas do início conduto.
do tratamento, pois, caso não haja melhora com o trata- No entanto, as seguintes situações podem favorecer a
mento inicialmente proposto, deve-se considerar a possi- formação da rolha de cerume:
bilidade de extensão da infecção para sítios adjacentes (pa- - Uso de hastes de algodão ou protetores auriculares:
vilhão, mastoide). Também deve-se considerar a ampliação esses objetos podem descolar o cerume do terço ex-

104
O T O LO G I A

terno do CAE em direção aos 2/3 internos. Nessa re- queda do estado geral, descompensação diabética, febre e
gião, o cerume não consegue ser eliminado pelo CAE cefaleia podem estar associados. Hipoacusia com plenitude
através dos mecanismos fisiológicos; auricular e otorreia são sintomas típicos.
- Variações anatômicas: pacientes com CAEs estreitos Com a evolução, a doença pode progredir para regiões
ou tortuosos têm maior facilidade ao acúmulo de ce- adjacentes, gerando dor à movimentação da ATM, restrição
rúmen, devido à maior dificuldade de eliminação da à abertura oral (acometimento de masseter) e adenopatia
secreção produzida. cervical. Também pode ocorrer necrose dos tecidos e in-
vasão do osso temporal, com complicações secundárias,
O quadro clínico caracteriza-se pela baixa auditiva pro- como paralisia facial periférica por acometimento do NC VII
gressiva, com sintoma de plenitude auricular. O diagnóstico intratemporal e formação de abscessos intracranianos ou
é eminentemente clínico, através da observação de rolha intratemporais.
ceruminosa ocluindo total ou parcialmente o CAE, dificul- Ao exame físico observamos intenso edema e hiperemia

OTORRINOLARINGOLOGIA
tando a condução sonora. em pavilhão auricular. À otoscopia observamos secreção
purulenta em CAE, edema e hiperemia das paredes do CAE,
presença de ulcerações na derme, granulações locais, dor
intensa ao toque.
Em resumo, os principais sinais da doença são:
- Diabetes mellitus descompensada;
- Otalgia intensa;
- Acometimento de nervos cranianos (principalmente
NC VII);
- Otorreia e tecido de granulação à otoscopia.
O diagnóstico é feito por meio do quadro clínico (sinais
e sintomas) e de exames complementares, sendo esses de
fundamental importância:
- Cintilografia com gálio 67: marca os polimorfonuclea-
Figura 4 - Rolha de cerume ocluindo o CAE res, sendo um marcador de infecção ativa (osteomie-
O tratamento é feito através da remoção do cerume lite). Também utilizado para monitorizar a resposta
com uso de lavagem com água morna ou com uso de cure- terapêutica;
tas especiais. Nos casos em que a lavagem mostra-se difi- - Cintilografia com tecnécio 99: mostra regiões osteo-
cultosa ou dolorosa, pode-se orientar o uso prévio de gotas blásticas presentes em osteomielites;
emolientes (Cerumin®) para amolecer a cera e facilitar a - TC de mastoide: geralmente altera-se em estágios
remoção. avançados da doença. Permite avaliar o grau de exten-
Em pacientes portadores de perfuração timpânica, a la- são da infecção;
vagem é contraindicada, pois não se deve molhar a caixa - RNM de mastoide: fornece informações complemen-
timpânica. Nesses pacientes opta-se pela remoção com uso tares à TC. Também avalia possíveis alterações no SNC
de cureta ou aspiradores. secundárias ao processo infeccioso.

E - Otite externa maligna Outros exames que podem ser solicitados são a cultura
da secreção do ouvido, hemocultura e exames gerais (he-
Quadro infeccioso muito grave do ouvido externo ca-
mograma, PCR, VHS, glicemia).
racterizado por infecção do CAE que se estende para as
estruturas adjacentes como ATM, pavilhão auricular, orelha O tratamento consiste em:
média, mastoide, base do crânio, orelha interna e osso tem- - Compensação das patologias associadas, como dia-
poral. Tem caráter bastante invasivo, gerando destruição betes mellitus e compensação clínica geral (paciente
tissular e intenso processo inflamatório. internado);
Seu principal agente etiológico é a Pseudomonas ae- - Antibioticoterapia parenteral, sendo ciprofloxacino o
ruginosa, e geralmente ocorre secundária a otite externa antibiótico mais comumente utilizado (inicialmente IV,
difusa. Os principais fatores de riscos são: diabetes não con- podendo ser seguida por VO) por, no mínimo, 6 sema-
trolada (90% dos pacientes), idosos e presença de doenças nas, porém outros agentes anti-Pseudomonas devem
imunodepressoras como SIDA. ser considerados;
O quadro clínico inicia-se como uma otite externa aguda - Abordagem cirúrgica: nos casos refratários ao trata-
refratária ao tratamento clínico. A dor pode ser de mode- mento clínico, a abordagem cirúrgica com debrida-
rada a de grande intensidade. Sintomas sistêmicos como mento das áreas necróticas deve ser considerada.

105
OTOR R I NOLA R I NG O LO GIA

da, mas acredita- se que seja decorrente de infecção viral


(pós- IVAS) ou bacteriana (micoplasma).
O quadro clínico caracteriza-se por intensa otalgia, ge-
ralmente unilateral, após IVAS. Febre e outros sintomas
gerais na maior parte não são observados. Hipoacusia e
plenitude auricular podem ocorrer devido a perda de capa-
cidade de vibração da MT.
No exame físico, observamos uma bolha com conteúdo
líquido na membrana timpânica, com hiperemia local. CAE
preservado.
O diagnóstico é eminentemente clínico. O tratamento é
feito através de proteção contra umidade, antibioticotera-
pia oral com macrolídeos (claritromicina ou eritromicina),
analgesia e gotas tópicas contendo antibióticos. A punção
da bolha tem validade questionável, sendo que muitos au-
tores sugerem não realizá-la.

Figura 5 - Otite externa maligna. Seta mostrando edema de teci-


dos e erosão óssea em região adjacente ao CAE esquerdo

F - Otomicose
Neste caso, a infecção do conduto auditivo externo é
causada por fungos. Os principais envolvidos são os dos gê-
neros Candida e Aspergillus. O quadro clínico pode variar,
desde pouco sintomático (prurido isolado, por exemplo) até
com sintomas mais intensos.
À otoscopia, observam-se os filamentos fúngicos, de
coloração variável. O tratamento é feito com gotas tópicas
contendo antifúngicos e limpeza local por aspiração.

Figura 7 - Miringite bolhosa: notar a formação de bolha na região


central da MT

2. Doenças da orelha média

2.1 - Doenças não infecciosas da orelha média

A - Disfunção tubária
Patologia caracterizada pela incapacidade da tuba au-
ditiva abrir adequadamente e compensar a pressão no
interior da orelha média com a pressão da cavidade nasal
Figura 6 - Otomicose (pressão ambiente). Essa incapacidade pode ser secundária
a processo inflamatório da mucosa da tuba em vigência de
IVAS ou processos alérgicos. O quadro clínico caracteriza-se
G - Miringite bolhosa
por sensação de plenitude auricular associada a hipoacusia
Patologia caracterizada pela infecção na camada exter- e eventual zumbido. O diagnóstico é clínico e à otoscopia
na (epitelial) da membrana timpânica, formando bolha pela observa-se a membrana timpânica retraída para orelha mé-
delaminação dessas camadas, contendo secreção serosa dia. Ao orientar o paciente a realizar expiração forçada com
em seu interior. A etiologia não é ainda totalmente elucida- oclusão oral e narinária, observa-se a volta da membrana à

106
O T O LO G I A

sua posição original e melhora temporária dos sintomas. O alterando seu metabolismo e funcionamento. Na curva au-
tratamento deve ser baseado na doença de base (antialér- diométrica, pode ocorrer uma perda auditiva mais pronun-
gicos e descongestionantes são bastante eficazes). Pode-se ciada na frequência de 2kHz, fenômeno conhecido como
também orientar o paciente a manter movimentos repeti- entalhe de Carhart.
tivos de deglutição, podendo chupar bala ou chiclete para O tratamento inclui a readaptação auditiva por meio do
auxiliar nessa manobra. uso de Aparelhos de Amplificação Sonora Individuais (AASI),
o uso de fluoreto de sódio (com efeito inibidor na progres-
são da doença), e a terapia cirúrgica, em que se substitui o
estribo por uma prótese.

OTORRINOLARINGOLOGIA
Figura 9 - Intenso foco de otosclerose na região anterior da janela oval
Figura 8 - Retração da membrana timpânica, principalmente na
região posterior
C - Traumas
B - Otosclerose (otospongiose) Os traumas do osso temporal serão divididos didatica-
mente:
A otosclerose ou otospongiose é uma patologia que aco-
mete o labirinto ósseo (a cápsula ótica) em diversos locais,
- Trauma do conduto auditivo externo: geralmente se-
cundário a uso de hastes de algodão ou outros corpos
notadamente na região da janela oval. Ocorre um processo
estranhos. Caracteriza-se por dor intensa e sangramen-
degenerativo ósseo com o surgimento de focos escleróticos
to, sem alteração da acuidade auditiva. O exame físico
no tecido ósseo, o que pode levar, no final do processo, a
evidencia laceração de conduto auditivo e membrana
uma fixação da platina do estribo na janela oval, com con-
timpânica íntegra. O tratamento deve ser feito através
sequente rigidez da cadeia ossicular, que passa a não trans-
de proteção contra umidade, gotas tópicas contendo
mitir adequadamente as vibrações sonoras.
antibióticos e analgesia;
Acomete, principalmente, mulheres jovens (com pico
de incidência na 3ª década de vida) e tem caráter progressi- - Perfuração timpânica traumática: pode ocorrer tam-
vo, bilateral e simétrico até por volta da 5ª década de vida, bém por penetração de corpo estranho ou por aumen-
quando tende a estabilizar-se. Ocorre piora da doença du- to súbito de pressão no CAE (tapa na orelha). O quadro
rante a gestação. clínico é de otalgia associado a otorragia e hipoacusia.
O quadro clínico caracteriza-se por hipoacusia progres- À otoscopia observa-se MT lacerada e sangramento
siva, algumas vezes acompanhada de zumbidos e sintomas local. O tratamento deve ser feito também com pro-
vestibulares. O exame físico costuma ser normal, e os exa- teção auricular e observação clínica, uma vez que 80 a
mes complementares incluem a avaliação audiométrica 85% das perfurações traumáticas cicatrizam esponta-
(audiometria tonal e vocal), que mostra perda auditiva do neamente. Caso não haja fechamento da perfuração,
tipo condutivo, geralmente acometendo inicialmente as deve-se considerar a correção cirúrgica;
frequências mais baixas (graves). A timpaniometria eviden- - Desarticulação de cadeia ossicular: em traumas pe-
cia curva tipo Ar e o reflexo do estapédio pode estar abolido netrantes ou fechados de maior energia, pode haver
nas perdas mais intensas. desarticulação da cadeia ossicular. O quadro clínico é
Com a evolução da doença, as demais frequências po- de hipoacusia súbita após o trauma, podendo estar
dem ser acometidas, e a perda auditiva pode tornar-se do associado ou não à perfuração da membrana timpâni-
tipo misto (perda condutiva e neurossensorial concomitan- ca. O diagnóstico é baseado na audiometria (disacusia
te) pela invasão dos focos otoscleróticos no ouvido interno, condutiva ou mista) com timpanometria evidenciando

107
OTOR R I NOLA R I NG O LO GIA

curva Ad. Tomografia de mastoide também pode mos- 2.2 - Doenças infecciosas/inflamatórias da ore-
trar a região acometida. O tratamento pode ser feito lha média
com protetização auditiva ou cirurgicamente através
da reconstrução da cadeia ossicular com próteses;
A - Otite média aguda
- Fratura longitudinais de osso temporal: geralmente
secundárias a trauma de moderada energia, seus sin- A Otite Média Aguda (OMA) é definida como o processo
tomas variam de acordo com a estrutura acometida, infeccioso da orelha média. Sua etiologia pode ser viral ou
porém geralmente não cursam com lesão de estrutu- bacteriana e é, na maioria das vezes, secundária à IVAS.
ras nobres (nervo facial e cápsula ótica). O diagnóstico Embora possa acometer indivíduos de todas as idades,
é tomográfico e o tratamento pode ser conservador as crianças estão mais sujeitas a complicações, e alguns es-
nos casos menos graves; tudos sugerem que há 2 picos de incidência: entre 6 e 24
meses e entre 4 e 7 anos. A maior incidência em crianças
deve-se, principalmente, a:
- Número elevado de episódios IVAS;
- Anatomia: a tuba auditiva mais curta e horizontalizada
predispõe à aspiração de secreções da nasofaringe até
o ouvido médio;
- Hábito de mamar deitado: leite ou secreções gástricas
podem refluir via tuba auditiva até o ouvido médio;
- Interrupção do aleitamento materno;
- Frequência a creches ou berçários (exposição à IVAS);
- Tabagismo passivo;
- Atopia.

Figura 10 - Fratura longitudinal do osso temporal à esquerda

- Fratura transversa de osso temporal: geralmente se-


cundária a traumas de alta energia, a linha de fratura
comumente acomete estruturas nobres como o canal
do nervo facial, a cápsula ótica e a base do crânio. Os
sintomas variam de acordo com a estrutura acometi-
da, mas em geral envolvem paralisia facial periférica,
hipo ou anacusia, vertigem severa e até mesmo otor-
reia hialina em casos de fratura de base de crânio e
formação de fístula labiríntica. O diagnóstico é tomo-
gráfico e o tratamento deve ser considerado de acor-
do com a estrutura acometida. Nos casos de paralisia Figura 12 - Otite média aguda: notar a membrana timpânica
facial, deve-se considerar a mastoidectomia e descom- abaulada, opacificada e hiperemiada
pressão do canal do NC VII.
Os principais agentes etiológicos bacterianos da OMA
são o S. pneumoniae, o H. influenzae e a M. catarrhalis.
Em crianças recém-nascidas ou com até 6 semanas de
vida, a OMA pode ser causada, também, pelo S. aureus
ou por microrganismos intestinais, como E. coli, Klebsiella
e Enterobacter. A infecção do ouvido médio por vírus tam-
bém é bastante frequente, sendo os principais envolvidos o
rinovírus humano e o vírus sincicial respiratório.
O quadro clínico caracteriza-se por otalgia, plenitude
auricular e febre. Em crianças menores, são possíveis sinais
e sintomas menos específicos, como diarreia e prostração,
Figura 11 - Fratura transversa de osso temporal direito além de dificuldade para mamar.

108
O T O LO G I A

A otoscopia é fundamental, devendo-se observar, basi- predisponentes já citados, verificar o estado imunológi-
camente, 4 parâmetros na membrana timpânica: co do indivíduo e pesquisar doenças de base. Os agentes
- Coloração; etiológicos, basicamente, são os mesmos da OMA. Deve-se
- Integridade; também atentar para tratamentos prévios feitos incorreta-
- Retração ou abaulamento e transparência. mente ou para possível resistência a antibióticos. A quimio-
profilaxia da OMA recorrente por meio do uso prolongado
Na OMA, essa membrana está hiperemiada, abaulada de antimicrobianos é muito controversa.
(devido à secreção contida no interior do ouvido médio) e
com transparência diminuída, porém íntegra (Figura 12). B - Otite média crônica
Pode haver evolução para quadros mais intensos, com
Clinicamente, a Otite Média Crônica (OMC) pode ser
perfuração da membrana timpânica e saída de secreção pu-
definida como um processo inflamatório crônico do ouvido
rulenta ou piossanguinolenta para o conduto auditivo ex-

OTORRINOLARINGOLOGIA
médio associado a uma perfuração da membrana timpâni-
terno. Essas secreções podem ser removidas com algodão
para permitir a observação da membrana timpânica per- ca (Figura 13).
furada (nunca por meio de lavagens). Além da perfuração, Em geral, o quadro clínico inclui otorreia recorrente,
pode-se observar secreção pulsátil no ouvido médio. principalmente ao molhar o ouvido, hipoacusia e zumbido;
O tratamento da OMA visa, fundamentalmente, aliviar sintomas menos comuns são plenitude auricular, otalgia e
os sinais e sintomas e prevenir complicações. A antibiotico- otorragia.
terapia de 1ª escolha pode incluir amoxicilina, macrolídeos Essa inflamação crônica deve-se a diversos fatores,
ou cefalexina. O paciente deve ser reavaliado em 48 a 72 como mau funcionamento da tuba auditiva, mau estado
horas após o início do tratamento e fatores como dor, fe- nutricional, distúrbios imunológicos, hiperplasia adenoidia-
bre e estado geral devem ser considerados. Nos casos em na e malformações craniofaciais. Nesses pacientes, o médi-
que não houver melhora dos sintomas, pode-se optar por co deve investigar cuidadosamente fatores predisponentes
ampliação do espectro antimicrobiano, iniciando-se a asso- de otite e tratá-los.
ciação amoxicilina + ácido clavulânico ou cefuroxima ou até
mesmo ceftriaxona IM em aplicações diárias.
A miringotomia (microincisão de alívio na membrana
timpânica) tem por objetivo a drenagem da coleção puru-
lenta da orelha média e deve ser considerada em pacientes
refratários ao tratamento clínico, em quadros de dor inten-
sa ou na vigência de complicações. Vale ressaltar que a per-
furação na membrana timpânica cicatriza após a remissão
do quadro infeccioso.
Tratamentos adjuvantes podem ser adotados e incluem
lavagens nasais com soro fisiológico a 0,9% e desconges-
tionantes tópicos nasais (por breves períodos). Esses tra-
tamentos visam, respectivamente, à desobstrução da tuba
auditiva (por meio da remoção de secreções da nasofarin-
ge) e ao tratamento de IVAS concomitante.
Anti-inflamatórios não hormonais, antitérmicos e remo-
ção de secreções do ouvido complementam o tratamento.
Gotas tópicas otológicas não são usadas de rotina. No caso
de perfuração da membrana timpânica, deve-se optar por Figura 13 - Otoscopia em OMC; notar a perfuração da membrana
gotas contendo agentes antimicrobianos não ototóxicos, timpânica
como ciprofloxacino, e proteção auricular, para evitar en-
trada de água nos ouvidos. As OMCs são divididas em 3 subtipos: OMC simples,
As complicações da OMA podem ser classificadas em in- OMC supurativa e OMC colesteatomatosa.
tratemporais (mastoidite aguda, labirintites, fístulas perilinfá- a) OMC simples
ticas, paralisia facial periférica e as petrosites) e intracranianas
Caracterizada por perfuração da membrana timpânica
(meningite, abscessos extradurais e subdurais e hidrocefalia).
associada a pouca ou nenhuma alteração na mucosa da
- OMA persistente x OMA recorrente orelha média. Em geral, a perfuração acontece após OMA
Na OMA persistente permanecem os sinais e sintomas supurada na qual não há fechamento total da perfuração
mesmo após terapêutica adequada; na OMA recorren- ou após perfuração traumática em que não há cicatrização
te, episódios frequentes são intercalados por períodos de espontânea total da perfuração. O quadro clínico inclui hi-
normalidade. Nesses casos, devem-se investigar os fatores poacusia e otorreias em crises, principalmente ao molhar o

109
OTOR R I NOLA R I NG O LO GIA

ouvido e em vigência de IVAS ou exacerbações alérgicas. A Essas lamelas de pele podem infectar-se por diversas
otoscopia desses pacientes mostra perfuração na membra- bactérias, como S. aureus e Pseudomonas, produzindo
na timpânica sem alterações significativas na caixa timpâni- otorreias de odor muito fétido e característico, com grande
ca. Retrações da membrana também são frequentemente prejuízo psicossocial ao paciente.
observadas. O diagnóstico é basicamente clínico; o paciente Os colesteatomas podem ser classificados em:
apresenta gap audiométrico devido ao comprometimento
da condução sonora. Os casos de OMC simples dispensam
- Congênitos
exames de imagem quando não há dúvida diagnóstica. Não têm origem muito bem definida e podem surgir em
O tratamento das otorreias (reagudizações) é feito diversos locais do osso temporal. Dentre as diversas teorias
com gotas tópicas, como ciprofloxacino, por exemplo. que tentam explicar sua origem, a mais aceita é a que diz
Antibioticoterapia por via oral com associação de amoxi- que se originariam da presença de restos epiteliais no in-
cilina e ácido clavulânico, além de corticoides por breves terior do osso temporal após a embriogênese, chamados
períodos, pode ser utilizada na tentativa de controlar o pro- formações epitelioides. Têm crescimento lento e, quando
cesso inflamatório e infeccioso, embora não seja terapia de descobertos, geralmente já atingiram grandes proporções.
consenso. A proteção auricular deve ser sempre orientada. À otoscopia, caracterizam-se por manter a membrana tim-
O tratamento em longo prazo pode ser feito com acom- pânica intacta, crescendo por trás dela, como uma estru-
panhamento clínico-audiométrico periódico ou por meio tura esbranquiçada. Com a progressão, podem também
de timpanoplastia para reconstrução do defeito da mem- destruir a membrana timpânica e as estruturas da orelha
brana timpânica. média. A perda auditiva resultante é progressiva. Seu trata-
mento, em geral, é cirúrgico.
b) OMC supurativa
É definida como processo inflamatório persistente da - Adquiridos
mucosa da orelha média, associada à perfuração da mem- Podem ser classificados em primários e secundários.
brana timpânica, sem lamelas de colesteatoma. O paciente Os primários decorrem de retração crônica da membrana
apresenta crises repetitivas de otorreia, muitas vezes refra- timpânica na sua porção flácida (também conhecida como
tária ao tratamento clínico com gotas; a hipoacusia também membrana de Shrapnell). Tal retração permite o contato e
está associada. a aderência do revestimento epitelial da membrana timpâ-
Ao exame físico, nota-se perfuração parcial ou total da nica com o ouvido médio, depositando o mesmo na caixa
membrana timpânica e mucosa com aspecto inflamatório, timpânica e dando início ao colesteatoma. Os secundários
chegando, algumas vezes, à formação de pólipos, que po- originam-se pelas OMCs de repetição, com perfuração da
dem extravasar para o conduto auditivo externo e ser fonte membrana timpânica, que permite a migração de tecido
de otorreias fétidas e persistentes. epitelial do conduto auditivo externo para o interior do ou-
A audiometria evidencia gap auditivo, caso em que a vido médio.
investigação radiológica por tomografia é fundamental,
principalmente para fazer o diagnóstico diferencial com co-
lesteatomas.
O tratamento das OMCs supurativas, em geral, é cirúrgico,
com mastoidectomia simples e reconstrução da membrana
timpânica. Durante a cirurgia, deve-se fazer uma cuidadosa
inspeção da cavidade timpânica, a fim de corrigir eventuais
alterações anatômicas (como destruição de cadeia ossicular)
provenientes do processo inflamatório crônico.
c) OMC colesteatomatosa
Uma definição simples de colesteatoma é a presença
de pele tipo epitélio estratificado no interior do ouvido mé-
dio, que, em condições normais, é revestido por epitélio do
tipo respiratório (colunar pseudoestratificado). A presença
de epitélio escamoso estratificado queratinizado na caixa Figura 14 - Formação de colesteatoma
timpânica iniciaria o processo. O colesteatoma produz, aos
poucos, um aglomerado de queratina, e seu epitélio vai À otoscopia, pode-se observar secreção muito fétida, de
crescendo. Além disso, promove destruição de estruturas coloração variável, com perfuração de membrana timpânica
do ouvido médio por meio de enzimas líticas, adotando um geralmente em sua porção flácida, formando bolsas de re-
comportamento denominado pseudotumoral. O colestea- tração com secreção e descamação epitelial no seu interior.
toma destrói o ouvido progressivamente por meio de sua A complementação da investigação por meio de exames
produção de lamelas de pele e de sua distensão. de imagem, como a tomografia computadorizada de osso

110
O T O LO G I A

temporal (cortes axiais e coronais), é obrigatória. O coleste-


atoma tem a característica de formar imagem coalescente
de uma cavidade de bordos lisos, com destruição de estru-
turas do ouvido médio e até do ouvido interno (como do
canal semicircular lateral).
O tratamento é cirúrgico, por meio de mastoidectomia
subtotal ou radical. Muitas vezes, é necessário mais de 1
procedimento, além do acompanhamento periódico ambu-
latorial.

C - Complicações das otites médias

OTORRINOLARINGOLOGIA
a) Mastoidite aguda
A mastoidite aguda é a complicação supurativa da OMA
que afeta a porção mastóidea do osso temporal. A secreção
presente no ouvido médio pode penetrar no antro mastói-
deo via ádito do antro e disseminar-se para as demais célu-
las mastóideas, muitas vezes com destruição das trabécu-
las ósseas da mastoide, gerando a coalescência das células
(mastoidite coalescente).
A infecção progride para o periósteo da mastoide atra- Figura 16 - Mastoidite coalescente à esquerda (TC axial em janela
vés de sua drenagem venosa. Se a progressão acometer óssea): observar a erosão da cortical óssea externa na mastoide
outros locais da mastoide, poderão ocorrer outras compli-
cações intratemporais e até intracranianas.
O quadro clínico caracteriza-se por sinais e sintomas de
OMA associados à dor intensa e abaulamento retroauricu-
lar, que pode deslocar o pavilhão auricular anteriormente,
com sinais flogísticos no local. Há também queda importan-
te do estado geral e piora da febre. O principal agente etio-
lógico é o S. pneumoniae.
A avaliação radiológica por meio de tomografia compu-
tadorizada de mastoide (cortes axiais e coronais) é funda-
mental para avaliar a extensão da lesão e, principalmente,
verificar se há a coalescência da mesma.
O tratamento inclui, além de antibioticoterapia intrave-
nosa, miringotomia para drenagem de secreções do ouvido
médio (enviar material para cultura e antibiograma). Incisão
retroauricular para drenagem de grandes abscessos mastói-
deos também pode ser feita. Em casos extremos, pode-se
optar pelo tratamento cirúrgico (mastoidectomia).
Figura 17 - Mastoidite à esquerda (TC axial em janela de partes
moles com contraste): observar a coleção com realce periférico
subperiosteal

b) Abscesso de Bezold
Como complicação da mastoidite, pode ocorrer o abs-
cesso de Bezold. Define-se pela formação de abscesso em
região subperiosteal, na inserção do músculo esternoclei-
domastóideo. Esse quadro é mais comum em crianças de
até 7 anos de idade. Além dos sintomas típicos de mastoi-
dite, o paciente apresenta também dor e dificuldade à mo-
vimentação cervical. O diagnóstico é clínico-tomográfico e
o tratamento consiste em drenagem cirúrgica seguida de
Figura 15 - Mastoidite à esquerda: observar o rechaçamento ante- antibioticoterapia parenteral e corticoterapia, além das me-
rior do pavilhão auricular didas de suporte.

111
OTOR R I NOLA R I NG O LO GIA

e) Complicações intracranianas
Ocorrem por disseminação do processo infeccioso da
orelha média em direção ao SNC.
- Meningite
A meningite é uma das principais complicações intracra-
nianas e acontece por disseminação bacteriana hematogê-
nica ou contiguidade por meio da fina lâmina óssea (teg-
men timpani) que separa o ouvido médio do SNC.
Os principais agentes etiológicos são S. pneumoniae, H.
influenzae, S. aureus, estreptococo beta-hemolítico. O qua-
dro clínico é típico de meningite (febre, queda do estado
geral, cefaleia com foto e fonofobia, vômitos em jatos) asso-
ciado a um processo infeccioso de orelha média.
Em casos suspeitos, deve-se investigar a possibilidade
de meningite por punção lombar. O tratamento consiste
em miringotomia, associado a antibioticoterapia parenteral
cobrindo principalmente Gram positivos e produtores de
Figura 18 - Abscesso de Bezold (setas) em região de esternocleido- beta-lactamase. No caso de meningite secundária a OMC,
mastóideo esquerdo devemos cobrir também Gram negativos e anaeróbios.
- Abscessos
c) Paralisia facial periférica Abscessos intracranianos secundários a otites comu-
Pode ocorrer por destruição do canal ósseo em que o mente são extradurais, decorrentes de erosão da tábua in-
nervo facial se aloja ou por invasão direta do mesmo por terna do osso temporal ou por tromboflebite das vênulas de
meio de deiscências naturais desse canal. Tais deiscências Brechet. Abscessos subdurais localizam-se entre a dura-má-
podem existir em algumas pessoas e deixam o nervo expos- ter e a aracnoide, sendo pouco frequentes em decorrência
to diretamente na cavidade timpânica. de otites. Os sintomas são semelhantes aos das meningi-
O tratamento pode ser feito com antibioticoterapia, cor- tes, podendo também apresentar sinais focais dependendo
ticoterapia e miringotomia para remoção de secreção. Se da localização. Nesses casos é mandatória a realização de
houver progressão da paralisia, indica-se descompressão exames de imagem. O tratamento neurocirúrgico deve pre-
do nervo facial, com a abertura do canal de Falópio (onde o ceder os demais (Figura 19) e baseia-se na drenagem da in-
nervo se aloja dentro da mastoide). fecção. A esse procedimento, associa-se antibioticoterapia
parenteral (ceftriaxona) por tempo prolongado.
d) Labirintites
São definidas como processos infecciosos que acome-
tem o ouvido interno, em geral, secundárias a OMAs ou
OMCs.
Há 2 tipos principais de labirintites a considerar: a sero-
sa e a supurativa.
Na 1ª delas, há a entrada de toxinas bacterianas nos
líquidos do ouvido interno através da janela oval ou da
redonda (mais comum). Na supurativa há a invasão dos
próprios micro-organismos. O quadro clínico cursa com hi-
poacusia ou anacusia de rápida evolução, vertigens severas
e zumbido. Um 3º tipo menos frequente de labirintite é o
granuloso, caracterizado por processo inflamatório crônico
de orelha interna, com formação de granulomas; pode ser
também originado pela infiltração de colesteatoma.
O diagnóstico é clínico, e podem-se solicitar um exame
de imagem (TC, RNM) e audiometria. Podem evoluir com
complicações intracranianas. O tratamento é feito com anti-
bioticoterapia intravenosa (ceftriaxona), corticoterapia, de-
pressores labirínticos e monitorização da audição e da fun- Figura 19 - Abscesso intracraniano como complicação de otite; a
ção vestibular. Nos casos mais severos, deve-se considerar a seta indica a região do abscesso, com realce periférico, e a ponta
abordagem cirúrgica, com labirintectomia e debridamento de seta mostra a região da mastoide com velamento e erosão da
do osso infectado. cortical óssea

112
O T O LO G I A

Abscessos no parênquima encefálico ou cerebelo ocor- piratórias e da tuba auditiva (para um adequado controle
rem mais comumente como complicação de OMCs coleste- das pressões existentes no ambiente e no interior do ouvi-
atomatosas em estágio avançado de evolução. Nesses pa- do médio). O mau funcionamento dessas estruturas gera-
cientes há erosão da tábua óssea interna do osso temporal, ria pressões negativas no interior da caixa timpânica, com
com formação de abscesso extradural e disseminação do secreção e extravasamento de líquidos para o seu interior.
processo infeccioso para o parênquima cerebral ou cere- O líquido presente na OMS pode ser do tipo seroso ou mu-
belar e formação de abscesso. O quadro clínico é típico de coso.
infecção em SNC associado à piora dos sintomas otológicos A presença de micro-organismos no líquido da OMS
crônicos, associado a sinais neurológicos focais (como pare- também é alvo de discussões, com estudos que apontam a
sia facial, paralisia facial, parestesias, afasia e descoordena- sua presença e outros que a descartam.
ção motora, dependendo da região acometida). O diagnós- O quadro clínico caracteriza-se pelo histórico de otites
tico é tomográfico e o tratamento deve ser cirúrgico, com recorrentes, que podem já ter sido controladas, em que

OTORRINOLARINGOLOGIA
drenagem do abscesso e remoção da doença originária do a principal queixa é a diminuição da audição (hipoacusia),
quadro (mastoidectomia e remoção do colesteatoma). ocasionada pela dificuldade dos sons captados de atraves-
- Trombose de seio sigmoide sarem o ouvido médio (pela presença dos líquidos e pela
A trombose do seio sigmoide pode ocorrer por conti- rigidez da membrana timpânica) e chegarem ao ouvido in-
guidade dessa estrutura ao osso temporal. A infecção pode terno – a chamada hipoacusia de condução.
se disseminar por via hematogênica local ou por erosão da Ao exame físico, encontram-se diminuição da transparên-
cortical interna da mastoide. O quadro clínico caracteriza- cia da membrana timpânica, aumento de sua vascularização
se por piora do quadro infeccioso otológico, associado a radial, coloração variável e áreas de retração da mesma.
sinais de infecção em SNC e principalmente por sinais de Os exames complementares incluem os testes audiomé-
hipertensão intracraniana (cefaleia intensa, papiledema) e tricos, que indicarão a hipoacusia de condução, e a impe-
toxemia. O diagnóstico é tomográfico e o tratamento con- danciometria, que mostra alteração na capacidade de mo-
siste em abordagem cirúrgica, com exposição do seio e an- bilização da membrana timpânica com curva resultante do
tibioticoterapia. tipo B (Figura 21).
O tratamento de início, nos casos mais leves, pode ser
D - Otite média secretora clínico, com associação de antibióticos e corticoides.
Nos casos refratários ao tratamento clínico é indicada
Também denominada otite média serosa, otite média miringotomia com colocação de tubos de ventilação na
com efusão ou otite média catarral, a Otite Média Secretora membrana timpânica, associada à adenoidectomia quan-
(OMS) caracteriza-se pela presença de líquido no interior do do necessário (para desobstruir o óstio da tuba auditiva na
ouvido médio sem sinais ou sintomas infecciosos. Há tam- nasofaringe e melhorar sua função), apresentando bons re-
bém 2 picos de incidência: entre 6 e 13 meses e aos 5 anos. sultados, com resolução completa do quadro e retorno da
Deve-se lembrar que, sempre após um episódio de audição aos níveis normais.
OMA, pode persistir certa quantidade de líquido no ouvido
médio, que pode levar até 8 semanas para ser completa-
mente reabsorvido. Esse líquido pode ou não ser o ponto
de partida para a OMS.

Figura 21 - À esquerda, curva audiométrica de orelha direita evi-


denciando gap auditivo; à direita, impedanciometria dessa orelha,
evidenciando curva tipo B

Figura 20 - Otite média secretora 3. Distúrbios da orelha interna


A fisiopatologia exata da OMS ainda não está totalmen-
te esclarecida. Sabe-se que, para um perfeito funcionamen-
A - Presbiacusia
to do ouvido médio, deve haver uma função adequada de A presbiacusia é a principal causa de perda auditiva do
seu epitélio de revestimento, que é o mesmo das vias res- tipo neurossensorial na população e definida como a piora

113
OTOR R I NOLA R I NG O LO GIA

dos limiares auditivos exclusivamente por processos dege- dos ou com mais de 10 ou 15 anos de evolução. Caracteriza-
nerativos, oriundos do envelhecimento das estruturas do se por lesão lenta e progressiva do órgão de Corti, com des-
ouvido interno. truição das células ciliadas externas e internas.
Várias teorias tentam explicar as alterações histopato- O paciente queixa-se de hipoacusia, acompanhada mui-
lógicas da doença. Enquanto alguns estudos mostram que tas vezes de zumbidos intensos, alterações do sono, sinto-
ocorre uma degeneração das estruturas do órgão de Corti, mas vertiginosos etc.
outros apontam degeneração dos neurônios que compõem A audiometria tonal (Figura 23) mostra perda auditiva do
o gânglio espiral (pertencentes ao VIII par craniano). tipo neurossensorial bilateral e simétrica, geralmente aco-
Estilo de vida, dieta, exercícios físicos, tabagismo, fato- metendo as frequências agudas (3.000 a 6.000Hz) em um 1º
res genéticos e exposição prolongada a ruídos afetam o de- momento. Com a evolução da doença, a perda pode esten-
senvolvimento da doença. der-se até frequências mais graves (500 a 2.000Hz). Acredita-
O quadro clínico caracteriza-se por perda auditiva neu- se que a perda inicial em agudos ocorra pela tonotopia da
rossensorial progressiva e simétrica na audiometria tonal cóclea, onde as frequências agudas são captadas na espira
(semelhante em ambos os ouvidos). O paciente frequen- basal, ao passo que as graves são captadas na borda terminal
temente relata que ouve, mas não entende o que é dito. da lâmina basal. Sendo assim, todos os sons que chegam à
A audiometria vocal mostra prejuízo no entendimento cóclea acabam passando pela espira basal, enquanto apenas
das palavras, e a impedanciometria evidencia fenômeno os sons graves chegam até o ápice da lâmina basal.
denominado recrutamento (indicativas de lesão coclear). O tratamento é predominantemente preventivo, pois,
Zumbidos e queixas vertiginosas também podem estar pre- uma vez instalada, a lesão é irreversível. Nos casos mais se-
sentes (Figura 22). veros, o uso do AASI pode ser necessário.
O tratamento consiste na correção de fatores associa- Quando a lesão auditiva surge por exposição aguda e
dos, como exposição a ruídos, doenças metabólicas (dia- intensa a algum ruído (como uma explosão), é chamada
betes), hipertensão arterial, dentre outros. A correção da trauma acústico.
perda auditiva pode ser feita por meio do uso de Aparelhos
de Amplificação Sonora Individuais (AASI).

Figura 23 - Audiometria em PAIR: notar o padrão de “gota acústi-


ca”, com perda mais intensa em 3 a 4kHz

Figura 22 - Audiometria em presbiacusia: notar o padrão neuros-


C - Hipoacusia por ototoxicidade
sensorial, simétrico e descendente Diversos medicamentos podem ocasionar alterações no
ouvido interno, produzindo perdas auditivas do tipo neu-
rossensorial chamadas ototoxicose. Podem ser citados,
B - PAIR principalmente, os antibióticos aminoglicosídeos, como a
PAIR é a sigla para a Perda de Audição Induzida pelo gentamicina, a amicacina, a estreptomicina, a canamicina
Ruído. É a 2ª maior causa de perda auditiva do tipo neuros- etc. Alguns diuréticos e anti-inflamatórios também podem
sensorial na população e acomete, principalmente, o sexo desencadear ototoxicose (geralmente reversível), além de
masculino. Na maior parte, é causada por exposição lenta e drogas antineoplásicas, como a cisplatina.
contínua a ruídos no ambiente de trabalho, embora ruídos O quadro clínico inicia-se com zumbido uni ou bilateral,
de lazer também possam desencadeá-la. e a audiometria se caracteriza por perda auditiva do tipo
A intensidade sonora mínima necessária para o surgi- neurossensorial uni ou bilateral simétrica.
mento da lesão é de 85dB. A doença é progressiva, no en- O critério para o diagnóstico é o surgimento de piora nos
tanto, se estabiliza após a interrupção da exposição aos ruí- limiares auditivos da audiometria tonal superior a 25dB em

114
O T O LO G I A

1 ou mais frequências de 250 a 8.000Hz (quando já há uma SS, não há nenhuma evidência de imunidade prejudica-
audiometria prévia do paciente), em indivíduos na vigência da e da evolução clínica nem sempre é compatível com
do tratamento com alguma dessas drogas. Pode haver quei- uma patologia autoimune. Por outro lado, embora não
xas de vertigem se o sistema vestibular também é afetado. seja uma SS idiopática, a “teoria da ruptura da membra-
Muitos pacientes apresentam regressão do quadro após na coclear” tem sido descrita devido a uma possível fís-
a interrupção do uso da medicação. E a prevenção ainda é tula perilinfatica, que parece ter relação com o exercício
a melhor estratégia e se baseia no uso racional e monitori- físico, barotrauma ou manobra de Valsalva. Esta teoria
zado dessas drogas, com audiometria de controle e exames poderia justificar a recuperação espontânea de alguns
adicionais, como as otoemissões acústicas. pacientes, pois a correção da fístula seria espontânea.
As substâncias tóxicas geralmente exercem sua ação
predominante em uma das porções da orelha interna, mas Tabela 1 - Principais causas de surdez súbita
podem agir em mais de um local. Os 3 principais sítios de Coclear

OTORRINOLARINGOLOGIA
ação são as células ciliadas na cóclea, o vestíbulo e a estria - Inflamatória: vírus, bactérias, espiroquetas (sífilis);
vascular. - Traumática;
- Células ciliadas: di-hidroestreptomicina, canamicina, - Vascular;
neomicina, amicacina, etilmicina, cisplatina e salici- - Hematológicas (anemia, derrame cerebral, alterações de circu-
latos; lação);
- Vestíbulo: estreptomicina, gentamicina e sisomicina; - Imunomediadas: (Cogan, esclerodermia, colite ulcerativa, sar-
- Estria vascular: diuréticos de alça, salicilatos e cispla- coidose), vasculite;
tina. - Hidropisia endolinfática, incluindo a doença de Ménière;
- Doenças metabólicas (diabetes);
D - Surdez súbita - Doenças ósseas da cápsula ótica (metástases, mieloma, histio-
citose X);
A Surdez Súbita (SS) caracteriza-se por uma perda audi-
- Agentes ototóxicos.
tiva de início súbito, ou de uma piora súbita de uma hipoa-
cusia preexistente. A fisiopatologia da SS ainda é muito con- Retrococlear
troversa, e a maioria dos casos permanece como de causa - Meningite;
idiopática. São 3 os mecanismos conhecidos da surdez súbi- - Esclerose múltipla;
ta: infecção viral do ouvido interno, patologias autoimunes - Ataxia Friedreich;
afetando a orelha interna e alterações da microvasculariza- - Esclerose lateral amiotrófica;
ção dessa região.
- Síndrome de Vogt-Koyanagi-Harada;
- Teoria viral: esta é a teoria mais documentada, com - Xeroderma pigmentoso;
descobertas relacionadas à infecção por vírus herpes-
- Tumores da fossa posterior (neurinoma do acústico);
-simples 1. No entanto, perfis sorológicos não específi-
- Surdez central.
cos e resposta ao tratamento antiviral comum (aciclo-
vir) têm sido relatados com boa eficácia; Idiopática

- Teoria da alteração na microcirculação do ouvido Normalmente, o quadro é unilateral, e o paciente quei-


interno: alguns estudos têm encontrado certa susce- xa-se de hipoacusia, plenitude auricular (sensação de ouvi-
tibilidade genética protrombótica, enquanto outros do cheio) e zumbidos. Queixas de vertigem algumas vezes
demonstraram maior incidência da SS em pacientes podem estar presentes.
com risco cardiovascular especialmente com prolapso Quanto ao diagnóstico, inicialmente, a otoscopia deve
mitral ou síndrome antifosfolípide. Por outro lado, SS ser normal. A confirmação é feita por meio de testes audio-
tem sido relatada após eventos isquêmicos transitó- métricos, como as audiometrias tonal e vocal, que mostram
rios no ouvido interno, como durante a anestesia geral perda auditiva do tipo neurossensorial unilateral de inten-
ou após episódio de hemorragia intralabiríntica confir- sidade variável (Figura 24). A investigação deve ser comple-
mada por MRI. Também foi relatado que a frequência mentada por exames de imagem, como a ressonância mag-
de acidente vascular cerebral é maior nos 5 anos de- nética, principalmente para descartar tumores do VIII par,
pois de ter SS. Essas alterações na microcirculação do que podem apresentar quadro clínico semelhante. Demais
ouvido interno têm sido a base dos tratamentos como exames laboratoriais para investigar as diversas etiologias
a administração de heparinas de baixo peso molecular devem ser solicitados.
e uso de inalação em câmeras hiperbáricas; A audiometria deve ser feita o mais precocemente pos-
- Teoria da doença imunomediada: esta teoria é apoiada sível e repetida a cada 2 dias até completar 10 dias do início
por estudos patológicos, e pela resposta ao tratamento do quadro. Após esse período, deve ser repetida semanal-
com esteroides. No entanto, em alguns pacientes com mente, visando avaliar a evolução do quadro.

115
OTOR R I NOLA R I NG O LO GIA

- Tratamento ção de ambas) ou insidiosas (surdez flutuante e vertigens


Nos casos em que não é possível identificar uma causa recidivantes, em um quadro semelhante ao da doença de
específica para a surdez súbita, o tratamento pode visar as 3 Ménière). Em alguns casos, a comunicação entre os líqui-
hipóteses causais citadas, porém o tratamento da SS ainda dos é de tal forma ampla que se caracteriza a síndrome da
é alvo de intensas discussões. hipertensão perilinfática.
Em geral, opta-se por tratamento visando: Casos de meningites recidivantes têm sido descritos em
- Etiologias virais: com uso de aciclovir oral; muitos casos, devido à quebra da barreira meningoencefáli-
- Etiologias inflamatórias: corticosteroides; ca. As fístulas perilinfáticas são provavelmente a causa mais
frequente da surdez súbita.
- Etiologias tromboembólicas: uso de agentes hemorre- Geralmente, há um antecedente de esforço físico, stress
ológicos que melhoram a circulação no ouvido interno,
ou emoção intensa. Há também casos comprovados de fís-
como a pentoxifilina;
tulas em pacientes que acordam com surdez unilateral após
- Outros: outras modalidades terapêuticas incluem cirurgias de vários tipos, possivelmente pela hiper-ventila-
câmara hiperbárica e injeção intratimpânica de cor- ção anestésica ao término do procedimento, que em pes-
ticoides. soas sensíveis pode causar rupturas de membranas pela via
implosiva.
Todos esses tratamentos parecem ter sua eficácia li-
O clássico sinal de fístula (nistagmo produzido pelo au-
mitada.
mento de pressão no meato acústico externo por meio de
A maioria dos pacientes apresenta algum grau de rever-
um especulo pneumático) é altamente sugestivo quando
são da perda auditiva, entretanto, em alguns, ela pode ser
presente, mas só é positivo em aproximadamente 20% das
irreversível.
fístulas perilinfáticas cirurgicamente comprovadas.
O tratamento é cirúrgico, consistido em um acesso
transmeático, com escarificação e fechamento da fístula
com fragmento de tecido adiposo obtido do lobo da orelha.
Essa cirurgia deve ser considerada uma emergência médi-
ca. Os resultados cirúrgicos são muito menos satisfatórios
quando se passam mais de 3 semanas entre a ocorrência da
surdez e a cirurgia.

5. Surdez na infância
A surdez infantil bilateral permanente é definida como
uma perda auditiva bilateral, caracterizada por limiares au-
ditivos superiores a 40 decibéis (dB) no melhor ouvido, con-
siderando as frequências de 500, 1.000, 2.000 e 4.000Hz,
sem recurso a prótese auditiva. Pode ser classificada quan-
to ao seu grau, à data do seu aparecimento e ao nível da
Figura 24 - Audiometria em surdez súbita: curva normal acima
lesão auditiva.
(orelha direita) e sinais de disacusia neurossensorial severa abaixo
No que diz respeito à classificação segundo o grau de
(orelha esquerda)
surdez, temos a considerar em 1º lugar os casos de surdez
ligeira em que a palavra é percebida pela criança, apesar
4. Fístula perilinfática de alguns fonemas lhe escaparem. Por outro lado, nos ca-
Alguns pacientes apresentam aquedutos cocleares sos de surdez moderada, os limiares de compreensão e de
amplos ou defeitos no modíolo da cóclea, permitindo uma aprendizagem são superiores ao limiar auditivo, o que con-
comunicação mais ampla que a normal entre o líquido cefa- diciona várias dificuldades. Nestas situações, a utilização de
lorraquidiano e a perilinfa. prótese auditiva e a ortofonia permitem uma aprendizagem
Em momentos de hipertensão liquórica, que podem quase normal. O mesmo já não acontece quando a surdez é
resultar de exercícios físicos, emoções etc., pode ocorrer severa ou profunda, pois a palavra não é entendida, o que
a ruptura de membranas da orelha interna, mais frequen- torna a educação especial e a amplificação indispensáveis.
temente no nível da janela coclear ou da janela vestibular. Tabela 2 - Hipoacusias neurossensoriais de causas genética e não
Dessa maneira forma-se uma fístula perilinfática através da genética
via explosiva. Podem também ocorrer fístulas pela via im- Genética
plosiva, geralmente ao compensar variações de pressão da Congênitas
orelha média em mergulhos submarinos e mesmo em voos.
- Displasias (Michel, Mondini, Sheibe);
A presença de fístula perilinfática pode manifestar-se
- SNS genética congênita não associada a malformações;
de forma súbita (surdez súbita, vertigem súbita ou associa-

116
O T O LO G I A

Genética Neonatais
Congênitas - Infecções congênitas TORCH;
- SNS genética congênita associada a malformações: - Malformações anatômicas da cabeça e pescoço;
· Dismorfias cranianas (síndrome de Crouzon); - Baixo peso (<1.500g);
· Dismorfias das extremidades (síndrome de Wildewanck);
- Hiperbilirrubinemia grave;
· Anomalias de pigmentação (síndrome de Waardenburg);
· Doenças oftalmológicas (síndrome de Jervell e Lange-Nielsen); - Estigmas de síndromes associados à surdez;
· Patologia tireóidea (síndrome de Pendred). - Uso materno de drogas ou ototóxicos;
- Aberrações cromossômicas (trissomias e monossomias); - Asfixia perinatal com Apgar <4;
- Síndrome do aqueduto vestibular largo; - Internamento em UCIN;
- Fístula perilinfática congênita. - TCE no parto.

OTORRINOLARINGOLOGIA
Pós-natais Durante a infância (>3 meses)
- SNS genética pós-natal não associada a malformações; - Meningite bacteriana, encefalite ou labirintite;
- SNS genética pós-natal associada a malformações: - CMV perinatal;
· Doenças metabólicas (mucopolissacaridoses);
- Trauma acústico;
· Malformações oftalmológicas (síndrome de Cockayne);
· Doença renal (síndrome de Alport, síndrome de Fanconi); - TCE;
· Malformações esqueléticas (síndrome de Klippel-Feil); - Ototóxicos;
· Doenças neurológicas (neurofibromatose). - História familiar;
Não genética - Otites médias repetidas com derrame.
Pré-natais
- Ototóxicos durante a gravidez (aminoglicosídeos, diuréticos, B - Métodos de triagem auditiva
talidomida, álcool);
- Infecções congênitas (rubéola, CMV, outras TORCH); a) Emissões otoacústicas (EOA) espontâneas e evocadas
- Outras causas (hemorragia do 1º trimestre, deficiências vitamí- São utilizadas para os testes de triagem. Consistem no
nicas, hormonoterapia, irradiação pélvica). geral de registros de energia sonora gerada pelas células da
Perinatais cóclea em resposta a sons emitidos no conduto auditivo ex-
- Icterícia neonatal grave; terno do RN, desaparecendo a resposta, quando existe qual-
- Baixo peso (<1.500g) e prematuridade; quer anormalidade funcional no ouvido interno. Tornou-se
- Asfixia perinatal; uma técnica popular, pois não é invasiva para avaliar a fun-
ção coclear, sendo independente do sistema neural e au-
- Traumatismo no parto.
ditivo central. É também de relativo baixo custo e avalia a
Pós-natais
audição em uma larga frequência (500 a 6.000Hz), porém,
- Infecções (labirintite, meningite, parotidite, sarampo etc.); nas perdas neurossensoriais maiores que 50 a 60dB, a res-
- Traumatismos cranianos; posta é ausente. A mais comum emissão otoacústica utiliza-
- Fármacos ototóxicos; da é a emissão transitória, embora o produto de distorção
- Neoplasias (neurinoma do acústico, leucemias); também possa ser usado. A emissão otoacústica transitória
- Doenças metabólicas (hipotireoidismo, diabetes); apresenta uma sensibilidade de 90 a 100%, com especifici-
- Doenças autoimunes; dade variando de 82 a 84%.
- SS idiopática.
- Vantagens: mais rápido; não necessita de sedação;
avalia frequência entre 1.000 e 6.000Hz (maior faixa);
A - Triagem auditiva - Desvantagens: avalia, apenas, sistema auditivo pré-
-neural.
Hoje em dia é consensual que a simples observação
médica e a suspeita parental não são suficientes para a de- b) BERA (Potencial auditivo de tronco encefálico)
tecção de surdez no 1º ano de vida. Devemos, no entanto, Avalia a integridade neural das vias auditivas até o tron-
ter consciência de que a atenção não se deve limitar aos co cerebral e tem sido bem aceito. Utilizando-se técnicas
recém-nascidos, pois cerca de 10 a 20% das crianças que com o ABR automático, mostrou-se uma sensibilidade de
desenvolvem deficiência auditiva profunda o fazem após os 98% e especificidade de 96%. A ABR depende da maturação
3 meses de idade. das vias auditivas centrais, sendo que aos 3 anos de idade
Tabela 3 - Fatores de risco de surdez infantil alcançam o padrão do adulto. Logo, na faixa etária de RN
Neonatais até 4 meses, pode resultar em falsos positivos. O recém-
-nascido apresenta ondas I, III e V, com a onda V mostrando
- História familiar de surdez;
amplitude menor. A onda I alcança a latência do adulto com

117
OTOR R I NOLA R I NG O LO GIA

3 meses de idade e a onda V mostra uma rápida diminuição sintomas autonômicos como cefaleia, mal-estar, náuseas e
da latência nos primeiros 3 meses de idade e continua a vômitos podem acompanhar o quadro. As crises podem ou
mudar gradualmente até os 3 anos de idade. não ter fator desencadeante evidente.
- Vantagens: avalia a via neural até o tronco cerebral; - Diagnóstico
- Desvantagens: grande número de falsos positivos até
o 4º mês, pela imaturidade do SNC; avalia, somente, Não existe nenhum teste que estabeleça o diagnóstico
frequências entre 2.000 a 4.000Hz (as dos RN são em de doença de Ménière. Para tanto, são necessários anam-
6.000Hz), necessita de sedação e é mais demorado. nese acurada, exames audiológicos e vestibulares. É mui-
to importante lembrar que, ao pedir exames subsidiários,
De maneira geral, realiza-se as OEAs até 48 horas após o além de confirmar o diagnóstico de doença de Ménière, se
nascimento e, caso o teste seja negativo, deve ser repetido pretendem afastar processos expansivos da orelha interna
até 1 mês de vida. Caso seja novamente negativo, realiza-se e do ângulo pontocerebelar, principalmente nos casos mais
o BERA. Idealmente, o diagnóstico de deficiência auditiva atípicos da doença.
deve ser feito até 6 meses de vida. Exames utilizados:
- Eletronistagmografia: não existe um quadro patogno-
mônico à eletronistagmografia. Se realizado durante
6. Vestibulopatias periféricas surtos vertiginosos (o que raramente acontece) po-
Inicialmente, devem-se diferenciar as vestibulopatias dem mostrar hipo ou hiper-reflexia. Entre os surtos, os
periféricas das de origem central. As primeiras originam-se exames mais sensíveis são a prova pendular rotatória
secundariamente ao acometimento do órgão vestibular pe- decrescente (PRPD) e a prova calórica que estão alte-
riférico (labirinto), e as últimas têm sua origem em doenças radas (hipo, hiper ou arreflexia) em aproximadamente
que acometem as vias neurológicas centrais responsáveis 85% dos casos;
pelo equilíbrio. As diferenças clínicas entre as 2 patologias, - Eletrococleografia (Ecog): auxilia no diagnóstico de
com relação às características do nistagmo, estão apresen- hidropsia endolinfática e apresenta uma sensibili-
tadas na Tabela 4. Serão discutidas algumas patologias de dade de 70%. Se normal não exclui o diagnóstico. O
origem periférica. Potencial de Somação (PS), que reflete o grau de des-
locamento da membrana basilar, tem maior amplitude
Tabela 4 - Características do nistagmo nas vestibulopatias perifé-
e é mais negativo. Devido à variabilidade de amplitude
rica e central
absoluta, a medida isolada do PS não é útil. Desta for-
Característica Vestibulopatia ma utiliza-se a relação potencial de somação/Potencial
Vestibulopatia central
do nistagmo periférica
de Ação (PA). Esta relação está aumentada em 62% dos
Com a fixação Diminui ou pacientes com Ménière.
Geralmente não se altera
ocular desaparece
Direção Horizontal Múltiplas direções O tratamento deve visar ao controle das patologias as-
Latência após o
sociadas, quando existentes. Drogas sedativas labirínticas
Presente Ausente (beta-histina, dimenidrato) e diuréticas (hidroclorotiazida)
estímulo
são as mais consensualmente usadas. Em casos refratários
Nistagmo
rotatório
Ausente Pode ocorrer ao tratamento clínico, pode-se considerar a abordagem ci-
rúrgica (descompressão de saco endolinfático, neurectomia
Esgotamento
Presente Ausente do NC VIII).
após estímulo
Pós-estímulo Hipo ou arre- Geralmente hiper-reflexia, não
calórico flexia inibe com fixação do olhar

A - Hidropisia endolinfática (doença de Ménière)


A hidropisia endolinfática é definida como o acúmulo de
endolinfa no labirinto membranoso.
Sua etiologia pode ser idiopática (chamado síndrome de
Ménière) ou ter algum fator etiológico associado (doença
de Ménière), como os metabólicos (DM, distúrbios de ti-
reoide, dislipidemia), os autoimunes ou os infecciosos (sí-
filis).
O quadro clínico clássico cursa com crises de vertigem,
de curta a média duração (cerca de 10 a 60min), associa-
das à hipoacusia, diplacusia e ao zumbido uni ou bilateral. Figura 25 - Síndrome de Ménière: notar o acúmulo de endolinfa e a
A plenitude auricular também pode estar presente. Outros consequente dilatação na região do labirinto membranoso

118
O T O LO G I A

B - Vertigem posicional paroxística benigna C - Neuronite vestibular


Crises vertiginosas intensas durando poucos segundos, A neuronite vestibular apresenta-se como uma verti-
relacionadas a certos movimentos da cabeça, como olhar gem dramática, súbita, com sintomas neurovegetativos,
para cima ou virar-se rapidamente. Acredita-se que sua com duração de dias e sem sintomas auditivos. IVAS pode
etiologia esteja na migração das otocônias do vestíbulo em preceder ou acompanhar a doença. A melhora é gradual e
direção aos CSCs, principalmente ao posterior. Durante a geralmente definitiva. Relaciona-se com movimentos rápi-
movimentação da cabeça, essas otocônias alterariam o flu- dos da cabeça.
xo da endolinfa, causando alteração na informação labirín- A degeneração do nervo vestibular acontece sem aco-
tica e consequente desequilíbrio. meter os receptores periféricos. A causa não está bem es-
O diagnóstico é clínico, sendo fundamental a manobra tabelecida, e o tratamento é feito com a utilização de sin-
de Dix-Hallpike (Figura 26). A audiometria tem pouco va- tomáticos (depressores labirínticos, como dimenidrinato) e

OTORRINOLARINGOLOGIA
lor diagnóstico, e o exame otoneurológico pode evidenciar corticoterapia.
hiper-reatividade unilateral.
D - Trauma
O trauma pode ser craniano, cervical ou vestibular, com
sintomas vestibulares e/ou auditivos que podem durar de
minutos a semanas ou serem permanentes, proporcionais
à intensidade da agressão. A fisiopatologia é multifatorial.

E - Ototoxicoses
Determinados medicamentos exercem efeitos tóxicos
sobre a cóclea e/ou o vestíbulo, produzindo lesões tanto
A B transitórias como definitivas. Podem manifestar-se em vi-
gência do uso da droga ou dias após a sua interrupção.
Figura 26 - Manobra de Dix-Hallpike

O tratamento é feito com o uso de sintomáticos nas cri- 7. Tumores do osso temporal e ângulo
ses (dimenidrato, meclizinida), porém a resolução acontece
com as manobras de reposicionamento (Epley e Semont – pontocerebelar
Figura 27).
A - Schwannoma vestibular
A
O schwannoma vestibular é o tumor benigno do VIII par
craniano, sendo o tumor benigno mais comum, com origem
na fossa craniana posterior. Não se sabe com exatidão a
atual incidência do schwannoma vestibular, tendo alguns
trabalhos mostrado uma taxa que varia de 0,8 a 2,5%.
a) Fisiopatologia
Os schwannomas vestibulares têm origem na divisão
vestibular do VIII par craniano. Derivam histologicamente
das células de Schwann, mais comumente no interior do
CAI. Schwannomas do ramo coclear do VIII par são extrema-
B mente raros e têm a propensão de invadir a cóclea. Podem
ocorrer como variedade esporádica (95%), como também
acometer bilateralmente, nos casos de neurofibromatose
tipo 2.
O crescimento do tumor é lento, geralmente 0,25 a
0,4mm/ano. Quanto maior o tumor, ou mais jovem o pa-
ciente, maior é o índice de crescimento. O schwannoma é
mais vascularizado nas mulheres e tem seu curso acelerado
durante a gestação. Receptores hormonais ligados ao sexo
foram identificados nos schwannomas vestibulares.
Tumores microscópicos podem permanecer assintomáti-
Figura 27 - Manobras de reposicionamento: (A) manobra de Epley cos até a idade adulta. Entretanto, tumores não tratados po-
e (B) manobra de Semont dem levar à compressão do tronco cerebral, aumento da pres-

119
OTOR R I NOLA R I NG O LO GIA

são intracraniana e até morte em um período de 5 a 15 anos. Na otoscopia, pode determinar a sensibilidade da porção
Geralmente, o crescimento tumoral se faz em direção ao ân- posterior do CAE ósseo pela palpação. O sinal de Hitselberger,
gulo pontocerebelar, que é uma região de menor resistência. que corresponde à diminuição da sensibilidade do CAE, ocor-
A degeneração maligna é excepcional e, muitas vezes, re nos tumores acústicos. Esse sinal pode ser encontrado
posta em dúvida. mesmo em tumores relativamente pequenos.
b) Etiologia e) Testes audiométricos
Há inúmeras teorias que tentam explicar os schwanno- A audiometria tonal e vocal com discriminação deverá
mas. Uma delas seria a possibilidade de um traumatismo da ser realizada em todos os pacientes com queixas auditivas
região occipital predispor à formação do tumor. Há também ou vestibulares. Qualquer padrão audiométrico pode ser
uma associação com obesidade, relacionada, provavelmen- encontrado no schwannoma do VIII par, incluindo o normal.
te, a mecanismos hormonais. O baixo índice de discriminação (<60%), desproporcio-
Existem, ainda, casos hereditários, como na neurofibro- nal aos níveis obtidos com tons puros, aumenta a suspeita
matose acústica familiar, uma doença autossômica domi- clínica. Observa-se grande dificuldade do paciente em dis-
nante, relativamente comum, que atinge primariamente cernir a fala, ficando mais evidente quando conversa ao te-
as células de crescimento de tecidos nervosos. Pode causar lefone, utilizando o ouvido acometido.
tumores em nervos, que crescem em qualquer época ou Uma queda tipo neurossensorial em altas frequências é
local. Essa doença divide-se em tipos 1 e 2. o mais encontrado (65%), pois as fibras nervosas sujeitas à
compressão tumoral são as mais periféricas.
c) Quadro clínico O reflexo estapediano está ausente em 88% dos pacien-
A hipoacusia unilateral é o sintoma mais precoce e fre- tes, sendo que tal exame tem uma sensibilidade de 85%.
quente (90% dos casos). Diminuição na compreensão da O BERA é o exame mais sensível e específico para o diag-
fala não compatível com a perda auditiva é muito comum. nóstico de schwannoma. Sua sensibilidade é maior que 95%
SS é encontrada como sintoma em mais de 26% dos pacien- e os falsos negativos se encontram em 31% dos pacientes
tes com schwannoma vestibular, enquanto em 1% a 2,5% com schwannomas muito pequenos (inferiores a 1 cm).
dos indivíduos com SS a causa é o schwannoma. A perda
súbita da audição ocorre provavelmente por uma oclusão f) Testes vestibulares
repentina da artéria labiríntica devido à pressão causada Os sintomas vestibulares manifestam-se sob forma de
pela expansão tumoral dentro da cavidade óssea que con- síndrome deficitária. Este déficit se estabelece lentamente
tém o CAI. e é camuflado pelo poder de adaptação do sistema vestibu-
Zumbido é a 2ª queixa mais frequente (56% dos casos) lar. A eletronistagmografia (ENG) pode ser utilizada como
e pode aparecer como sintoma isolado ou associado à sur- screening, mostrando anormalidades em 70% a 90% dos
dez. Geralmente precede a perda auditiva. pacientes com o tumor em questão.
Os sintomas vestibulares, embora estejam presentes na g) Exames de imagem
maioria dos casos, são descritos como uma tontura vaga e
transitória que é exacerbada com mudanças de posição. Através da Tomografia Computadorizada (TC) passou-se
Pode ocorrer nistagmo de posição, o que parece ser para- a observar massas iso ou hipodensas dentro do CAI. Com
doxal, já que o schwannoma se origina a partir do nervo o auxílio de contraste, 90% dos schwannomas realçam,
vestibular inferior ou superior. podendo-se identificar tumores entre 3 a 5 mm de tama-
A direção de crescimento tumoral é variável e determi- nho. Com os aparelhos atuais, somente os schwannomas
nará qual nervo craniano será afetado. Se o tumor crescer intracanaliculares ou inferiores a 5mm não são visualizados.
anteriormente, os V e VI pares cranianos serão acometidos; A RNM é o exame de escolha na suspeita de patologia
se crescer posteroinferiormente, afetará os nervos IX, X e do ângulo pontocerebelar. Quando realizado com contraste
XI. Quadro de parestesias em face pode estar presente em (gadolínio), apresenta uma especificidade de praticamente
casos de grandes tumores e geralmente começa pelo ramo 100%, mesmo para pequenos tumores (2mm).
mandibular do V par. O sinal mais sensível do comprometi-
mento do V é a diminuição do reflexo corneano.
O acometimento do nervo facial ocorre em 10 a 30%
dos casos, sendo na maioria deles uma paresia, muito rara-
mente paralisia.
Muitos pacientes são assintomáticos, sendo o schwan-
noma um achado radiológico ocasional.
d) Exame físico geral
O exame físico compreende o exame completo de pares
cranianos (principalmente V, VI, VII, VIII, IX, X e XI), pesquisa
de coordenação cerebelar e do equilíbrio.

120
O T O LO G I A

B - Meningiomas
São o 2º tipo mais comum de tumor com origem no ân-
gulo pontocerebelar, sendo responsável por 3% dos tumores
dessa região. Originam-se de células da dura e da subarac-
noide. Não dão metástases, mas podem recidivar com certa
frequência, já que apresentam propensão à invasão óssea.
Os sintomas dos meningiomas são referentes ao local
de origem. Quando surgem do CAI, podem apresentar sin-
tomas idênticos ao de um tumor do VIII par. Como a maio-
ria deles surge da superfície posterior da porção petrosa do
osso temporal, eles frequentemente não entram pelo CAI

OTORRINOLARINGOLOGIA
e podem atingir grandes proporções antes de causar per-
da auditiva ou sintomas vestibulares. Tumores que crescem
Figura 28 - RNM corte axial e sagital em T1 evidenciando tumora-
junto ao seio sigmoide ou bulbo jugular podem causar rou-
ção em ângulo pontocerebelar à esquerda, com captação homo- quidão, disfagia ou atrofia da língua.
gênea de contraste, sugerindo neurinoma Meningiomas podem apresentar achados audiométri-
cos semelhantes aos dos schwannomas. A audiometria to-
nal geralmente é melhor nos pacientes com meningioma
h) Conduta
do que em pacientes com schwannoma. A tomografia com-
Frente a pacientes com tumores pequenos, cujo úni- putadorizada revela que os meningiomas são mais densos
co sintoma é a perda auditiva, a conduta é controversa. (podem conter áreas de calcificação) e homogêneos que os
Quando vamos decidir como abordar o schwannoma, de- schwannomas. O osso ao redor do meningioma pode apa-
vemos ter como principal objetivo a manutenção da vida. recer infiltrado, causando hiperostose associada. Tem-se
O 2º objetivo é evitar grandes sequelas neurológicas: ata- como imagem na CT: CAI normal, massa geralmente maior
xia, hemiparesia e disfunções dos demais nervos cranianos que 7cm, extensão acima e abaixo do tentório e o centro da
próximos ao tumor. O 3º objetivo é a ressecção completa massa localiza-se fora do CAI.
do tumor. O 4º objetivo, bastante difícil, é a preservação da Na RNM os meningiomas são mais vascularizados e me-
função do nervo facial. O 5º objetivo é preservar a audição. nos brilhantes que os schwannomas.
Obviamente, o alcance desses objetivos depende do A excisão cirúrgica é o tratamento de escolha.
diagnóstico precoce.
Um grupo de pacientes que são muitas vezes candidatos
a tratamento conservador são os que apresentam neurofi-
bromatose tipo 2 com neurinoma bilateral. Alguns cirurgi-
ões indicam tratamento conservador para esses pacientes,
até os mesmos apresentarem hidrocefalia ou outras com-
plicações.
Para escolha de tratamento clínico ou cirúrgico, existe
um consenso de que:
- Ressecção cirúrgica é a melhor opção em pacientes
menores que 65 anos e saudáveis;
- Em pacientes entre 65 a 75 anos é prudente avaliar o
estado geral, exame neurológico, tamanho do tumor,
localização, taxa de crescimento, status auditivo e his-
tória familiar. Nestes casos, costuma-se considerar a
radioterapia (RDT) como bom método para controlar
o crescimento do tumor;
- Em pacientes maiores que 75 anos dá-se preferência
à RDT;
- Pacientes idosos, sem condições clínicas, com tumores
pequenos, sem sintomas neurológicos, podem ser se-
guidos clinicamente, através de RNM a cada 6 meses.
Caso seja observado crescimento evidente, indica-se
a RDT; caso contrário, mantém-se o seguimento com Figura 29 - RNM de encéfalo evidenciando meningioma de APC.
RNM. Observe como a captação de contraste é mais intensa

121
OTOR R I NOLA R I NG O LO GIA

C - Tumores glômicos do osso temporal - Observa-se uma coloração vermelho escura ou azul,
sugerindo massa retrotimpânica intacta;
Apesar de não terem localização no ângulo ponto ce-
rebelar, os tumores glômicos merecem destaque. Tais tu-
- Quando o tumor já perfurou a membrana ou já se ex-
terioriza pelo Conduto Auditivo Externo (CAE).
mores, também denominados quemodectomas, são pa-
ragangliomas não cromafins, com origem nas células dos O exame físico geral deve constar da medida da PA sen-
quimiorreceptores localizados ao longo dos IX e X pares tada e em posição supina, pois os pacientes podem apre-
cranianos, no bulbo da jugular. sentar sintomas adrenérgicos associados.

a) Anatomia f) Exames de imagem


Os quemodectomas podem ser encontrados na região - Tomografia computadorizada: tem-se mostrado mui-
da fossa jugular (adventícia do bulbo jugular), seguindo o to útil na visualização desse tipo de tumor. Observa-se
nervo de Arnold (ramo cranial do X par), nervo de Jacobson uma massa no ouvido médio ou na região do bulbo da
(ramo cranial do IX par) e corpos glômicos (paragânglios) veia jugular com captação de contraste. A TC também
encontrados no canalículo timpânico, promontório cocle- mostra pequenas áreas de invasão intradural, assim
ar e na área do gânglio geniculado no osso temporal. Pode como o forame jugular. Assim, a TC pode revelar uma
ocorrer em outros locais da cabeça e pescoço: bifurcação destruição irregular característica do forame jugular;
da carótida (corpo carotídeo), órbita (nervo ciliar), gânglio - Arteriografia e venografia: são os principais exames no
nodoso (corpo vagal), laringe e mediastino. diagnóstico do tumor glômico. A arteriografia é tam-
b) Patologia bém importante na detecção do suprimento arterial
do tumor, fato de grande valor para determinação da
Os tumores glômicos apresentam considerável variação
abordagem cirúrgica. A venografia é interessante para
de comportamento. Os mais frequentes exibem crescimento
se verificar as condições do bulbo da jugular. Quando
lento, podendo, no entanto, causar erosão óssea. Um estudo
mostrou que há 6,3% de tumores malignos de glomo jugular. uma veia jugular está comprometida, deve-se avaliar
a veia contralateral, com intenção de ligadura da 1ª;
c) Epidemiologia
- Ressonância nuclear magnética: tem-se boa avaliação
Há o predomínio da doença em indivíduos caucasianos do tumor com esse método, já que as densidades ós-
e o pico de incidência ocorre na 5ª década de vida. Observa- seas não são demonstráveis. Esse exame mostra ima-
se história familiar e pode estar associado a outras desor- gem em sal e pimenta tanto em T1 quanto em T2;
dens, como carcinoma de tireoide, desordens neurogênicas
e síndrome neoplásica múltipla. - Angiorressonância: método não invasivo muito ade-
quado para lesões hipervascularizadas. O realce pós-
d) Quadro clínico -contraste no glomo é rápido, intenso e homogêneo.
O sintoma inicial é, na maioria das vezes, um zumbido
pulsátil, principalmente nos casos de glomo jugular que não
invadem o ouvido médio. A audição pode estar normal, po-
rém em regra a invasão do ouvido médio pelo glomo pode
levar a uma surdez de condução. Pode, eventualmente, ocor-
rer surdez neurossensorial, assimétrica, demonstrando um
acometimento da cóclea, labirinto ou até mesmo do SNC.
Paresia ou paralisia facial podem ocorrer em estágios
mais avançados. Vertigem também pode estar presente. O
paciente pode apresentar, ainda, sintomas adrenérgicos em
casos de tumores secretantes, como cefaleia, transpiração
excessiva, palpitações, nervosismo e tremores.
Sintomas neurológicos são mais raros e aparecem mais
tardiamente, como o acometimento dos pares IX, X, XI (rou-
quidão, disfagia e aspiração). Outros pares também acome-
tidos são o VII e o XII (disfunção da motilidade da língua).
e) Exame físico
A otoscopia é muito variável e depende da localização e
do estadiamento do tumor. Figura 30 - RNM mostrando tumor glômico de origem jugular
Três estágios de acometimento da membrana timpânica
podem ser visualizados: g) Exames metabólicos
- Inicialmente, tem-se uma hipervascularização da Dentre os tumores glômicos, 2 a 5% são tumores secre-
membrana timpânica; tantes. A avaliação laboratorial de um paciente com suspeita

122
O T O LO G I A

de glomo deve incluir: dosagem de metanefrina e ácido va- interior da parótida, quando se divide em 2 ramos terminais
nilmandélico (VMA) em urina de 24h e catecolaminas séricas. que inervarão toda a musculatura facial.
É um nervo misto com função principalmente motora.
h) Tratamento
Em seu trajeto ósseo, dá origem a 3 ramos (Figura 32): o
- Radioterapia: há muitas controvérsias sobre a radios- nervo petroso superficial maior (que inerva as glândulas la-
sensibilidade dos tumores glômicos. A radioterapia se- crimais); o nervo do estapédio (que controla o músculo de
ria indicada nos seguintes casos: mesmo nome); e o nervo corda do tímpano (que irá colabo-
• Pacientes que recusam tratamento cirúrgico; rar na sensibilidade gustativa dos 2/3 anteriores da língua).
• Tumores extensos em pacientes clinicamente instáveis;
• Tumores recorrentes em pacientes idosos; B - Causas de PFP
• Como terapia adjuvante quando se tem massa tu- A principal causa de PFP é a paralisia facial de Bell, uma
moral restante após cirurgia. paralisia unilateral e idiopática, ou seja, um diagnóstico de

OTORRINOLARINGOLOGIA
- Embolização arterial: pode ser usada no pré-operató- exclusão. Todas as possíveis causas de PFP devem ser des-
rio, propiciando menor sangramento durante a cirur- cartadas, como trauma do osso temporal e neoplasias, para
gia e diminuindo o tamanho do tumor; fechar esse diagnóstico. Estudos recentes sugerem que a
etiologia da paralisia facial de Bell possa ser viral, causada
- Tratamento cirúrgico: a monitorização intraoperatória pelo herpes-vírus humano do tipo 1.
é de fundamental importância: PA, cateter de Swan-
O paciente queixa-se da PFP de início súbito. Ao exame,
Ganz, ECG e débito urinário.
observa-se desvio da musculatura facial para o lado não
acometido; esse desvio se acentua ao sorrir e assoviar. O fe-
8. Paralisia facial periférica chamento palpebral pode estar incompleto ou ausente no
A Paralisia Facial Periférica (PFP) compreende a altera- lado afetado, o que pode permitir a observação de desvio
ção da função do VII par craniano, o nervo facial, compro- do globo ocular do lado paralisado ao piscar os olhos. É o
metendo as funções da mímica facial com sérios prejuízos chamado sinal de Bell.
psicossociais ao paciente. Vale ressaltar que o diagnóstico Diante de um quadro de PFP, além do diagnóstico etio-
de paralisia facial deve sempre levar em conta sua origem lógico, é necessário o diagnóstico topográfico, ou seja, a in-
central ou periférica. Nos casos de PF de origem central, o vestigação do local afetado do nervo. Isso pode ser feito por
terço superior da face não está acometido, uma vez que fi- meio de 3 testes:
bras neurais de origem contralateral ao lado acometido não - Teste de Schirmer: avalia o lacrimejamento; se está di-
decussam e inervam a hemiface ipsilateral. Assim, ambos minuído, sugere lesão do nervo facial proximal à emer-
os lados do terço superior da face recebem estímulos pro- gência do ramo petroso superficial maior, que inerva
venientes dos 2 hemisférios cerebrais. as glândulas lacrimais;
Nos casos de PF de origem periférica (após o núcleo do - Teste do reflexo do estapédio: feito na impedancio-
VII par), a paresia de hemiface é completa, ou seja, o pa- metria; alteração sugere lesão proximal ao ramo do
ciente apresenta movimentos deficientes também no terço estapédio, que gera esse reflexo;
superior da face (Figura 31). - Avaliação da gustação: sua alteração sugere lesão
proximal ao ramo corda do tímpano, responsável pela
sensação gustatória dos 2/3 anteriores da língua.

Figura 31 - PFP à direita: notar a paresia de movimento na região


da testa, na oclusão palpebral e na região perioral

A - Anatomia do NC VII
O nervo facial emerge do ângulo pontocerebelar, junta-
mente com o VIII par, e penetra no osso temporal por meio Figura 32 - Anatomia do nervo facial: (1) nervo emergindo do CAI;
do meato acústico interno. Daí, percorre um canal ósseo (2) nervo curvando-se posteriormente; (3) nervo petroso superfi-
chamado canal de Falópio. Sua saída do osso temporal se cial maior; (4) nervo do estapédio; (5) nervo corda do tímpano e
dá pelo forame estilomastóideo, de onde se dirige para o (6) nervo facial saindo do osso temporal

123
OTOR R I NOLA R I NG O LO GIA

Exames de imagem, como RNM, devem ser feitos nos


casos de PFP quando se suspeita de patologias não Bell (tu-
mores).
O tratamento da PFP idiopática inclui o uso de corti-
costeroides, como a prednisolona, em altas dosagens, em
associação a aciclovir oral. A maioria dos pacientes tem
bom prognóstico, com retorno à normalidade em algumas
semanas ou meses após o surto. Entretanto, uma parcela
de pessoas não se beneficia do tratamento clínico e pode
necessitar de cirurgia para descompressão do nervo facial.
Os critérios para definir a cirurgia e os pacientes que dela
necessitam ainda são controversos.

9. Resumo
Quadro-resumo
- Difusa aguda;
- Circunscrita;
Otite externa
- Otomicose;
- Maligna.
- Aguda;
Otite média - Serosa;
- Crônica.
- Simples;
Otite média crônica - Supurativa;
- Colesteatomatosa.

124
CAPÍTULO

4
Faringolaringologia
Vladimir Garcia Dall’Oca / Eric Thuler / Bruno Peres Paulucci

sa, podendo ocorrer de modo súbito em casos de obstrução


1. Laringites por uma rolha de secreção ou laringoespasmo.
As laringites podem ser classificadas em agudas ou crô- A odinofagia que ocorre devido ao processo inflamató-
nicas. As agudas normalmente têm um período de evolução rio supraglótico ajuda no diferencial com a crupe, que geral-
que pode durar até 15 dias, e geralmente sua etiologia é mente ocorre após um período de pródromo de vários dias,
viral. As crônicas são aquelas cujos sinais e sintomas persis- estridor progressivo e tosse seca característica.
tem por mais de 4 semanas. O diagnóstico presuntivo de supraglotite aguda é rea-
Podem acometer tanto adultos quanto crianças, em- lizado clinicamente com base na história e exame físico. A
bora nestas últimas a sintomatologia possa ser mais grave. radiografia lateral cervical revela espessamento de tecidos
Isso se deve ao fato de que, em crianças, as dimensões ana- moles (sinal do “polegar” = epiglote edemaciada – Figura
tômicas do órgão são mais reduzidas, com grande repercus- 1), mas os exames subsidiários não devem retardar o início
são no seu funcionamento quando afetado por processos da terapêutica.
inflamatórios, por mais discretos que sejam. O quadro clíni- Crianças com suspeita de supraglotite devem ser leva-
co das laringites nos adultos geralmente tem como queixa a das para a sala de emergência, pois evoluem com maior
disfonia e, nas crianças, a dispneia. frequência para obstrução respiratória que os adultos. O
tratamento consiste em manutenção da via aérea pérvia e
A - Laringites infecciosas antibioticoterapia (ceftriaxona).
As infecções agudas geralmente ocorrem durante um O diagnóstico diferencial principal é com laringotraqueí-
período de até 7 dias, com febre e comprometimento das te, além de corpo estranho da porção respiratória alta, asma
vias aéreas, sendo mais prevalente na infância. A crônica e uma simples faringite. O diagnóstico errôneo é uma das
geralmente persiste durante semanas, sendo a dor e a rou- principais causas de mortalidade. Vale lembrar que, com a
quidão os sintomas predominantes, a doença sistêmica é introdução da vacina contra o H. influenzae tipo B, houve
um fator importante, e ocorre mais frequentemente em uma grande queda dos casos de supraglotite em crianças.
adultos.

B - Laringites agudas
a) Supraglotite pediátrica
A supraglotite é uma inflamação aguda das estruturas
supraglóticas que pode levar à obstrução respiratória e,
portanto, ser fatal. Embora a epiglote represente as prin-
cipais alterações, também há acometimento das pregas
ariepiglóticas, das falsas pregas vocais e da aritenoide. Em
crianças, o agente causal mais comum é o Haemophilus in-
fluenzae B (epiglotite), ocorrendo mais frequentemente na
faixa etária de 2 a 4 anos, nos meses de inverno e prima-
vera. As crianças são protegidas contra a infecção até os 3
meses de idade através de anticorpos maternos. A evolução
é rápida, com instalação do quadro geralmente em 2 a 6 ho-
ras. Ocorre obstrução aérea pelo edema da epiglote e prega
ariepiglótica, e pela produção excessiva de secreção espes- Figura 1 - Seta indicando epiglote edemaciada (sinal do polegar)

125
OTOR R I NOLA R I NG O LO GIA

b) Supraglotite adulta crupe. O principal sintoma inicial é o estridor. Geralmente


O quadro em adultos costuma ser diferente do quadro acompanha febre alta, leucocitose importante, mas pode
em crianças, não levando ao comprometimento das vias apresentar-se como uma sequela da crupe. Seu diagnóstico
aéreas e os fatores predisponentes são desconhecidos. O baseia-se na presença de secreção espessa, principalmente
diagnóstico é feito através da radiografia cervical e da vi- em uma criança que não apresenta melhora após tratamen-
sualização através da laringoscopia indireta, recomendada to medicamentoso para crupe, com febre alta e leucocito-
no adulto. Diferentemente da criança, a epiglote pode não se. Nestes casos, sugere-se que seja realizada broncoscopia
apresentar-se avermelhada e brilhante, mas sim pálida, para observar presença de secreção, com coleta de material
edematosa e “opacificada”. para cultura.
A faixa etária atingida é entre 18 e 40 anos de idade, O principal agente é o Staphylococcus aureus e o Strep-
não havendo prevalência sazonal. O agente causador nos tococcus alfa-hemolítico. O tratamento baseia-se na aspira-
adultos não é bem definido; somente cerca de 20 a 30% ção das secreções, antibioticoterapia, e eventual intubação
apresentam hemocultura positiva, a maioria para Haemo- ou traqueostomia.
philus influenzae B. e) Difteria
O tratamento recomendado consiste em observação,
A difteria é uma doença infecciosa causada pela toxina
hemocultura, antibioticoterapia com cobertura para H. in-
produzida pelo Corynebacterium diphtheriae, bacilo aeró-
fluenza e manutenção da via aérea.
bio Gram positivo. Acomete crianças maiores que 6 anos de
c) Laringotraqueíte aguda idade, e é atualmente rara devido à imunização. Embora a
A laringotraqueíte aguda (crupe) pode ser definida pseudomembrana seja o achado clássico, outras infecções
como uma infecção viral subaguda de vias aéreas altas ca- também podem produzi-la.
racterizada por tosse ladrante (tipo “latido de cachorro”), Raramente apresenta lesão laríngea isolada, e sua toxi-
febre e estridor. Os agentes mais comuns são o vírus parain- na pode causar paralisia de prega vocal sem acometimen-
fluenza 1 e 2, influenza tipo A, adenovírus e vírus sincicial to laríngeo direto. Os sintomas prodrômicos incluem febre
respiratório. Ocorre mais frequentemente em crianças de 1 baixa, tosse, angina de garganta e rouquidão, que evolui
a 3 anos, e possui duração média de 3 a 7 dias. O fator cru- para progressiva obstrução respiratória. Ocorrem edema e
cial da doença é o edema da área subglótica. Em menores eritema da mucosa laríngea e faríngea com exsudato em
de 3 anos, esse é o ponto de maior estreitamento das vias placa pseudomembranoso. O exsudato é difícil de descolar
aéreas altas, além de ser a única porção do trato respirató- e sangra quando removido.
rio alto onde existe um fechamento completo do anel carti- O tratamento consiste em antibioticoterapia com pe-
laginoso, tornando a obstrução do lúmen mais importante. nicilina ou eritromicina, soro antitoxina diftérica, eventual
É interessante lembrar que o estridor no repouso não ocor- remoção endoscópica das membranas, e manutenção das
re até uma obstrução de 80% do lúmen, e que uma rolha de vias aéreas.
secreção pode ser fatal em uma via aérea já comprometida. f) Coqueluche
A manifestação clínica inicial costuma ser de congestão
Causada pela Bordetella pertussis, mais frequente em
nasal, rinorreia e angina (quadro de IVAS), e, alguns dias
crianças abaixo de 6 meses de idade (pois não ocorre pas-
depois, disfonia e tosse não produtiva, em “latido”, pioran-
sagem intraútero de anticorpos maternos e a criança torna-
do à noite, e sendo geralmente autolimitada. O diagnósti-
-se imune apenas após vacinação) e adultos (a imunidade
co geralmente é clínico, porém a radiografia cervical pode
através da vacinação dura cerca de 10 a 15 anos).
mostrar o sinal clássico da “torre de igreja”, causado pelo
O paroxismo caracteriza-se por expirações rápidas se-
estreitamento subglótico.
guidas por uma inspiração forçada, súbita e prolongada,
Geralmente a doença tem curso benigno com resolução
acompanhada de ruído característico: o “guincho”. O diag-
gradual. O tratamento consiste em umidificação das vias
nóstico é basicamente clínico, e o tratamento de suporte.
aéreas, hidratação para facilitar a expectoração de secreção
Embora não altere o curso clínico da doença, a antibioti-
e repouso vocal.
coterapia com eritromicina é recomendada. A eritromicina
Se a dispneia for severa, pode-se aplicar adrenalina ina-
também apresenta efeito profilático em indivíduos expos-
latória ou corticosteroide (dexametasona) parenteral para
tos que ainda não desenvolveram a doença.
regressão do edema. É importante observar alterações do
estado neurológico, diminuição da frequência respiratória,
aumento nos níveis CO2, para eventual necessidade de intu-
C - Laringites crônicas
bação ou traqueostomia. Antibióticos são indicados apenas
a) Tuberculose
no caso de infecções bacterianas secundárias.
É uma das principais causas de doença granulomatosa
d) Traqueíte bacteriana laríngea. As áreas mais acometidas eram a porção posterior
Trata-se de uma infecção pulmonar pediátrica que, da glote, aritenoides, e o espaço interaritenóideo (regiões
em seus estágios iniciais, pode ser difícil de diferenciar da que estão próximas a linha de clearance mucociliar da tra-

126
F A R I N G O L A R I N G O LO G I A

queia). Podem apresentar-se também como disseminação gastroesofágico clássico. Hoje, sabe-se que muitos porta-
via hematogênica ou linfática, originando-se de sítios pri- dores sequer apresentam sintomas gástricos, como epigas-
mários distantes (cerca de 20% dos casos). tralgia, pirose ou refluxo, e que a endoscopia digestiva alta
É inicialmente assintomática. O 1º sintoma é a rouqui- pode ser normal em muitos deles.
dão, seguida por tosse e dor de garganta. Com a progres- O quadro clínico caracteriza-se por queixas de disfonia
são, afeta caracteristicamente bandas ventriculares e su- de grau variável, tosse seca, pigarro, sensação de bolus fa-
praglote, causando disfagia e odinofagia, levando a perda ríngeo ou de secreção presa na hipofaringe. Abuso vocal e
de peso importante. tabagismo podem intensificar essas queixas.
Diagnóstico de casos confirmados, segundo o Ministério À endoscopia laríngea, pode-se observar edema das es-
da Saúde: truturas supraglóticas e glóticas, com hiperemia das mes-
- Tuberculose extrapulmonar: evidências clínicas, achados mas. Esses achados normalmente localizam-se na porção
laboratoriais, inclusive histopatológicos compatíveis ou posterior da laringe (aritenoides e região interaritenóidea).

OTORRINOLARINGOLOGIA
paciente com pelo menos uma cultura positiva de mate- Nos casos mais crônicos podem ser encontradas lesões,
rial proveniente de uma localização extrapulmonar. como granulomas ou pólipos de pregas vocais. Todos os fa-
Para seu tratamento é utilizado o esquema tríplice, com tores de piora, como o abuso vocal e o tabagismo, devem
rifampicina, isoniazida e pirazinamida, por no mínimo 6 me- ser afastados durante o tratamento.
ses. Após o tratamento pode existir progressão para fibrose O tratamento é, de modo geral, empírico e utiliza inibi-
e estenose laríngea; dores de bomba de prótons de uso diário e prolongado. Me-
didas comportamentais e dietéticas são fundamentais. Nos
- Sífilis: o cancro laríngeo é raro, sendo mais comum o casos resistentes a tratamentos e associados a outras com-
acometimento laríngeo em sua forma secundária. As plicações (como hérnia hiatal), a cirurgia pode ser necessária.
lesões são nodulares ou ulceradas, podendo estar as- b) Crupe espasmódico
sociadas com pericondrite, fibrose e deformidades ci-
catriciais levando a obstrução das vias aéreas. Também chamado falso crupe, é uma forma não infec-
ciosa de inflamação laríngea, relacionada com alergia ou re-
A identificação do treponema confirma o diagnóstico
fluxo gastroesofágico. Acomete crianças de 1 a 4 anos. Pode
(realizada através de microscopia de fundo escuro). O diag-
estar associada com infecção de trato respiratório.
nóstico sorológico baseia-se nas reações de VDRL (não tre-
A criança acorda à noite com tosse, estridor e dispneia
ponêmica) e FTA-Abs (treponêmica).
moderada de início súbito. Tosse paroxística pode ser segui-
O tratamento de escolha é a penicilina benzatina;
da de vômitos, que terminam o ataque, e estes episódios
- Leishmaniose: causada pela Leishmania brasiliensis, podem ser isolados, ou repetirem-se por 2 a 3 noites, sendo
transmitida por um artrópode (mosquito palha). A for- a criança geralmente assintomática durante o dia. Ao exa-
ma mucocutânea é a mais comum, atingindo secunda- me, a mucosa laríngea está eritematosa, com edema em
riamente a mucosa das vias aéreas superiores. subglote. Umidificação é útil para aliviar os sintomas. Oxi-
As lesões são ulcerogranulomatosas, mais comumente genação e antibióticos são desnecessários.
supraglóticas, podendo acometer também glote e subglote, c) Laringites por doenças granulomatosas
levando à obstrução das vias aéreas. Os principais sintomas Patologias autoimune, como granulomatose de Wege-
incluem disfonia, tosse, disfagia e dispneia, e geralmente ner ou LES, podem cursar com acometimento laríngeo. Cli-
apresenta porta de entrada cutânea em atividade ou cica- nicamente, os pacientes apresentam disfonia persistente,
tricial (úlcera de Bauru). sensação de irritação crônica na faringe, pigarro, odinofa-
O diagnóstico é baseado nos achados clínicos (história gia, disfagia, dentre outros.
de lesão cutânea e nasal) associados à reação de Monte- Na granulomatose de Wegener, a estenose subglótica
negro, no achado do agente via exame histopatológico e desenvolve-se em cerca de 8,5% dos pacientes, e é sinal de
sorologia. mau prognóstico. O diagnóstico é feito pelo exame histopa-
O tratamento de escolha são os antimoniais pentavalen- tológico (granulomas necrotizantes e vasculite), e o ANCA-
tes (Glucantine). A anfotericina B surge como 2ª opção de -c positivo, altamente específico (90%). O tratamento pode
tratamento. ser medicamentoso com corticoides, ciclofosfamida, azatio-
prina e metotrexato, e cirúrgico em alguns casos (traqueos-
D - Laringites não infecciosas tomia e excisão de estenose subglótica).
a) Refluxo laringofaríngeo
A laringite por refluxo tem sido muito estudada nos úl-
2. Patologias não inflamatórias da laringe
timos anos. Em virtude das descobertas sobre sua fisiopa-
A - Laringomalácia
tologia, sugere-se o uso do termo refluxo laringofaríngeo
como mais adequado para descrevê-la. Anteriormente, ha- A laringomalácia é a malformação mais comum da larin-
via a ideia errônea de que ela estaria associada ao refluxo ge e a principal causa de estridor respiratório na infância, e

127
OTOR R I NOLA R I NG O LO GIA

acomete com maior frequência o sexo masculino. Consiste B - Estenoses laríngeas


em um colapso das estruturas supraglóticas (epiglote, pre-
gas ariepiglóticas e a mucosa aritenóidea) durante a inspi- As estenoses laríngeas podem ocorrer na região da su-
ração, sendo caracterizada por um estridor inspiratório que praglote, glote ou subglote.
pode estar presente logo após o nascimento, mas que co- Estenose subglótica é a situação que mais apresenta
mumente é notado pelos pais após alguns dias ou semanas necessidade de algum tipo de intervenção, seguida pela es-
de vida. O estridor é exacerbado por agitação, alimentação, tenose glótica. Estenoses supraglóticas são raras em crian-
choro ou na posição supina com flexão da cabeça e do pes- ças, e decorrem na maioria dos casos de lesões térmicas ou
coço, atenuando-se com a criança em decúbito ventral ou químicas.
com extensão da cabeça e pescoço. a) Estenose laríngea congênita
Sua etiologia é desconhecida, porém, teorias apontam
- Estenose subglótica
para uma flacidez ou incoordenação das estruturas supra-
Define-se como estenose subglótica congênita em ne-
glóticas, as quais colabam durante a inspiração, causando
onatos uma luz traqueal de diâmetro menor que 4mm na
o estridor e obstrução respiratória. Essa hipotonia laríngea
região da cartilagem cricoide. As estenoses subglóticas po-
é provavelmente uma disfunção fisiológica que se resolve
dem se apresentar desde “webs laríngeos” a estenoses, ou
com o crescimento, em geral, em torno do 2º ano de vida.
mesmo atresias.
O diagnóstico pode ser confirmado pelo exame endoscópi-
Um caso de estenose subglótica laríngea pode se apre-
co, no qual se observa a epiglote em ômega ou tubular (Fi-
gura 2), pregas ariepiglóticas curtas e mucosa supraglótica sentar como infecções de vias aéreas superiores de repetição
redundante que durante a inspiração colabam no introito (diagnosticadas como crupe), em que um leve edema muco-
laríngeo, sendo expelidas na expiração. so resulta em diminuição da luz laríngea e obstrução abaixo
A doença normalmente é autolimitada, com um aumen- das pregas vocais (2 a 3mm). Casos mais graves de esteno-
to da intensidade do estridor nos primeiros 6 a 9 meses, se subglótica podem necessitar de abordagem cirúrgica de
seguido pela resolução gradual ao redor dos 18 aos 24 me- emergência ao nascimento (traqueostomia, ou intubação).
ses de vida. Essas crianças desenvolvem-se normalmente, Estenose subglótica congênita pode estar associada a ou-
sendo apenas acompanhadas clinicamente. No entanto, 10 tras lesões de cabeça e pescoço ou a doenças sindrômicas.
a 15% dos pacientes apresentam estridor severo, dificulda- Embora a classificação das estenoses subglóticas varie,
de respiratória intensa, apneia obstrutiva do sono, crises o diagnóstico é basicamente endoscópico.
de cianose, incapacidade de manter adequada saturação
Tabela 1 - Classificação de Cotton das obstruções laríngeas
sanguínea de oxigênio acarretando hipóxia crônica e cor
pulmonale, podendo ocorrer atraso no desenvolvimento Grau de obstrução Obstrução laríngea
ponderoestatural e pneumonias de repetição. Essa peque- I <50%
na porcentagem dos pacientes é a que necessita de inter- II 51 a 70%
venção cirúrgica.
III 71 a 99%
A laringomalácia, geralmente, associa-se a outras do-
enças e/ou malformações, dentre elas a doença do refluxo IV Obstrução completa
gastroesofágico que está presente em cerca de 100% dos
- Atresia
casos, e o seu tratamento é de fundamental importância
para o controle do quadro respiratório destas crianças. A atresia supraglótica é a malformação laríngea mais
grave. Geralmente, está associada a outras malformações,
como atresia esofagiana, fístula traqueoesofágica, altera-
ções do trato urinário, e malformações de membros en-
volvendo particularmente a região do rádio. A presença de
fístula traqueoesofágica permite a ventilação pulmonar até
que o tratamento cirúrgico (traqueostomia) seja realizado.
- Webs (membranas laríngeas)
Webs laríngeos (formações diafragmáticas) são malfor-
mações causadas pela falha na recanalização completa da la-
ringe durante a 10ª semana da embriogênese. Dez por cento
das crianças com webs laríngeos apresentam malformações
congênitas associadas. Geralmente localizam-se na porção
anterior da luz, permitindo a passagem de ar posteriormen-
te. Os sintomas mais comuns incluem dispneia e disfonia.
Webs glóticos correspondem a 90% de todos os webs larín-
Figura 2 - Epiglote em ômega, típico da laringomalácia geos e geralmente se apresentam como alteração do choro ao

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F A R I N G O L A R I N G O LO G I A

nascer ou alteração respiratória. Virtualmente, todos os webs cam instrumentos de sopro. Tipicamente, ocorre em homens
glóticos são anteriores e variam quanto ao grau de compro- brancos e é com maior frequência unilateral e combinada.
metimento laríngeo. A maioria dos webs glóticos é espessa O aspecto à TC (Figura 3) e à Ressonância Magnética
e pode estar associada a um comprometimento subglótico. (RM) das laringoceles já foi bem caracterizado na literatura.
Webs mais espessos requerem tratamento cirúrgico com tra- O tratamento é cirúrgico, com exérese da lesão, geralmente
queostomia em aproximadamente 40% dos casos e recons- por acesso externo (cervicotomia).
trução da comissura anterior por via aberta. Webs subglóticos
correspondem a 7% dos webs laríngeos e podem ser confun-
didos com outras causas de estenose subglótica.
b) Estenose laríngea adquirida

- Estenose pós-intubação

OTORRINOLARINGOLOGIA
Atualmente, a incidência de casos de estenose subglóti-
ca adquirida em neonatos por intubação por tempo prolon-
gado é maior que a incidência das estenoses congênitas. O
mecanismo já foi descrito anteriormente.
- Estenose pós-operatória
Existem vários estudos que demonstram a possibilida-
de de desenvolvimento de estenose subglótica após pro-
cedimentos cirúrgicos laríngeos. Estudos demonstram que
procedimentos tais como traqueostomias e cricotireoidos-
tomia podem apresentar complicações, dentre elas a este-
nose subglótica. Os principais fatores associados são infec-
ções bacterianas, desenvolvimento de tecido de granulação
e presença de doença de refluxo gastroesofágico.
c) Laringocele
Os ventrículos da laringe estão limitados superiormen-
te pelas bandas vestibulares e inferiormente pelas cordas
vocais. Eles possuem um apêndice, também chamado de
sáculo da laringe, que se estende superiormente através do
espaço paralaríngeo, a partir de sua porção anterior, sendo
limitado lateralmente pela cartilagem tireóidea e medial-
mente pela parede da laringe. Possuem tamanho variado
(5 a 15mm de comprimento), podendo ser observados nor-
malmente em até 30% da população adulta nos exames de
Tomografia Computadorizada (TC) de rotina. Podemos defi-
nir a laringocele como uma dilatação anormal ou herniação
do sáculo laríngeo preenchido por ar. Quando esta cavidade
está preenchida por muco ou pus, definimos, respectiva-
mente, a laringomucocele e a laringopiocele.
As laringoceles são classificadas em interna, externa e
mista ou combinada. A interna está limitada lateralmente
pela cartilagem tireóidea e medialmente pela parede mu-
cosa da laringe. Quando o saco herniário se estende através
da membrana tíreo-hióidea, passando próxima à entrada
dos vasos e nervos laríngeos superiores, é classificada como
externa. Na mista ou combinada, os 2 componentes estão
presentes. Alguns autores classificam as laringoceles apenas
como interna ou externa, sendo o termo misto redundante,
pois consideram que as externas têm sempre um compo-
nente interno associado.
A etiopatogenia das laringoceles é considerada multifato-
rial e está relacionada com o aumento da pressão transgló- Figura 3 - (A) Laringocele em radiografia simples de perfil (setas)
tica, como em sopradores de vidro ou em músicos que to- e (B) TC de pescoço

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OTOR R I NOLA R I NG O LO GIA

3. Lesões fonotraumáticas das pregas vocais


São lesões provocadas pelo uso inadequado ou abusivo
da voz. A queixa principal é disfonia, que pode ser contínua
ou intermitente, estável ou progressiva.
A voz tende a tornar-se mais grave, rouca, soprosa, com
eventuais falhas. Outros sintomas laríngeos, como pigarro,
tosse seca e bolus faríngeo podem estar presentes.
Devem-se sempre investigar fatores associados, como
tabagismo, atopia, refluxo, além do abuso vocal na gêne-
se dessas lesões. Muitas pessoas podem ser portadoras de
alguma dessas anormalidades e não perceberem seus sin-
tomas.
O diagnóstico é feito por meio da anamnese e do exame
físico, que inclui laringoscopia indireta para a visualização
das lesões.
Figura 5 - Pólipo vocal
A - Nódulo vocal
São lesões bilaterais e simétricas, geralmente na por- C - Edema de Reinke
ção média das pregas vocais. Acometem frequentemente
mulheres e têm relação com o fonotrauma crônico e repe- Notadamente relacionado ao tabagismo, onde ocorre
titivo. A coloração do nódulo é variável, mais esbranquiça- acúmulo de substância fundamental amorfa numa região
do em adultos ou em casos mais crônicos. É muito comum anatômica da prega vocal chamada espaço de Reinke.
em profissionais da voz (como professores), que a usam Geralmente é bilateral e pode acometer toda a extensão
inadequadamente. O tratamento geralmente se inicia com das pregas vocais, chegando a provocar dispneia nos casos
fonoterapia. Quando a lesão for resistente a tratamentos mais intensos. Com a cronicidade da exposição ao tabagis-
ou houver modificação importante da mesma, a fonoci- mo, podem surgir outras lesões, como leucoplasias (lesões
rurgia poderá ser necessária para a remoção da lesão e brancas da mucosa laríngea), que devem ser monitorizadas
biópsia. e passar por biópsia na busca por degeneração maligna.
O tratamento inclui o abandono do tabagismo e da expo-
sição a outros fatores predisponentes, além de cirurgia para
a remoção desse material do edema nos casos mais graves.

Figura 4 - Nódulos vocais (setas)

B - Pólipo vocal
São lesões de morfologia muito variável, entretanto se
caracterizam por serem unilaterais e, quando bilaterais, ao Figura 6 - Edema de Reinke
contrário dos nódulos, são assimétricas. Geralmente se lo-
calizam na porção anterior das pregas vocais. Estão relacio-
nadas a abuso vocal intenso e agudo e as laringites agudas, 4. Alterações estruturais mínimas das
sendo mais comuns em homens.
O tratamento é cirúrgico, para remoção e biópsia das le-
pregas vocais
sões. A fonoterapia pode complementar o tratamento após A laringoestroboscopia (uma laringoscopia indireta feita
a cirurgia. com iluminação especial que permite observar, com deta-

130
F A R I N G O L A R I N G O LO G I A

lhes, as ondas vibratórias das pregas vocais) e mais recen- provocar disfonia e dispneia (por obstrução da passagem
temente a videoquimiografia permitem um estudo ainda aérea). São os tumores benignos mais comuns de laringe.
mais detalhado da fisiologia e da fisiopatologia das pregas Pode acometer tanto adultos quanto crianças. Nos adul-
vocais. tos, o quadro clínico principal é a disfonia, e nas crianças é
Esse tipo de avaliação permite a visualização de altera- a dispneia. O local mais afetado da laringe é a glote (pregas
ções estruturais mínimas das pregas vocais, que são: vocais), apesar de, em casos mais extensos, poderem ocor-
rer lesões em supraglote, subglote, traqueia e brônquios.
A - Sulco vocal Em crianças, uma das formas mais comuns de contami-
Trata-se de uma depressão longitudinal ao longo da bor- nação é o canal do parto, pela presença de condiloma vagi-
da da prega vocal. Sua origem, segundo estudos, pode ser nal. A doença pode desenvolver-se logo após o nascimento
genética ou resultante do mau uso da voz. Pode ser assin- ou alguns poucos anos depois. O quadro clínico apresenta-
-se com choro abafado, estridores e disfonia nas crianças

OTORRINOLARINGOLOGIA
tomático ou provocar disfonia. O tratamento não está bem
definido, e os resultados são limitados. Estão propostas a maiores. No adulto, a disfonia progressiva é a mais comum.
fonoterapia e a cirurgia. O diagnóstico é feito por meio da observação das lesões
pela endoscopia laríngea.
B - Cisto epidermoide O tratamento é cirúrgico, com a remoção das lesões
utilizando o laser de CO2. A doença apresenta grande ca-
Este cisto também é considerado uma alteração congê- pacidade de recidiva, e deve ser feito acompanhamento
nita, embora a etiologia fonotraumática não esteja descar- detalhado no pós-operatório. Em casos muito graves (prin-
tada. Trata-se de lesão de aspecto amarelado ou esbran- cipalmente crianças), pode ser necessária a traqueostomia.
quiçado, unilateral, no terço médio das pregas vocais. A
diferenciação com pólipo pode ser difícil.
O tratamento depende do tamanho da lesão e de suas
repercussões na voz, embora seja necessária muitas vezes
a cirurgia para remoção da lesão, seguida de fonoterapia
pós-operatória.

C - Ponte mucosa
Trata-se de uma cobertura de tecido conjuntivo sobre
a prega vocal ou sobre uma lesão da prega. Muitas vezes,
não é observada nos exames indiretos, mas apenas durante Figura 7 - Papiloma laríngeo
uma laringoscopia direta. Seu tratamento consiste em re-
moção cirúrgica e tratamento das lesões associadas.
6. Paralisia de pregas vocais
D - Vasculodisgenesias (ectasias vasculares)
As pregas vocais têm seus músculos inervados principal-
Dilatações vasculares encontradas sobre a superfície mente pelo nervo laríngeo recorrente (ou inferior), que é
das pregas vocais. São indicativas de que outras alterações ramo do nervo vago (NC X). À direita, o NLR emerge do NC
estruturais mínimas, já citadas, podem estar presentes. O X abaixo do nível do tronco braquiocefálico, contornando-o,
médico deve estar atento ao diagnóstico dessas outras al- de modo que o NLR ascende à laringe a partir dessa região;
terações. já à esquerda, o NLR emerge do NC X abaixo da crossa da
aorta, contornando-a e depois ascendendo à laringe.
E - Microdiafragma da comissura anterior das Clinicamente, pacientes com paralisia unilateral de pre-
pregas vocais ga cursam com disfonia, voz soprosa e cansaço ao falar. Já as
Trata-se de uma pequena membrana localizada na co- paralisias bilaterais, quando em abdução (pregas abertas),
missura anterior (web). Alguns acreditam que pode ser fa- cursam com disfonia intensa e cansaço ao falar; as paralisias
tor predisponente para a formação de nódulos nas pregas em adução (pregas fechadas) podem não alterar significati-
vocais. O tratamento, quando se trata de lesão única, é a vamente a voz, porém é comum dispneia, devido à diminui-
fonoterapia. ção da luz laríngea durante a inspiração.
Diante de um caso de paralisia de prega vocal deve-se
investigar o acometimento da inervação local. Para tanto,
5. Papiloma laríngeo é importante a solicitação de exames de imagem (TC ou
Os papilomas laríngeos são lesões provocadas pelo HPV. RNM) do trajeto do NC X. Tumores ou lesões compressivas
Geralmente, apresentam-se como lesões vegetantes na re- em mediastino alto ou mesmo em trajeto do NLR ou NC X
gião da glote e da supraglote que, com a evolução, podem podem cursar com esse tipo de paralisia. Além disso, trau-

131
OTOR R I NOLA R I NG O LO GIA

ma pós-IOT, doenças granulomatosas e mesmo TCE podem - Músculo esternocleidomastóideo: proteção lateral;
evoluir com paralisia vocal. - Coluna vertebral: proteção posterior;
O tratamento é feito com base na etiologia. A qualidade - Mobilidade laríngea: o movimento vertical e lateral
vocal pode ser melhorada com fonoterapia ou abordagem permite que a laringe “fuja” do trauma;
cirúrgica, realizando lateralização ou medianização da prega - Flexão cervical: contato mento-esterno com a inter-
vocal. A traqueostomia é recomendada em casos de parali- posição mandibular, associado à elevação dos ombros
sia em adução e é mandatória em pacientes com dispneia. com proteção das cinturas escapulares;
- Crianças: têm pescoço mais curto, laringe mais alta e
mais flexível sendo menos propensas a fratura laríngea.

A - Traumas fechados
- Comoção laríngea: manifestações locais e sistêmicas
sem lesão macroscópica importante. Porém não menos
graves, visto que um trauma em região de membrana
tíreo-hióidea pode desencadear estímulo bulbar provo-
cando laringoespasmo, síncope e até parada cardíaca.
- Contusão laríngea: secundária a traumas moderados,
inexiste fratura ou luxação. Podem ser:
• Pré-laríngeas: equimose, escoriações cutâneas,
edema, hematomas, ruptura de mm infra-hióideos;
• Endolaríngeas: hematomas e edemas em espaços
dissecáveis (subglote, bandas ventriculares), rotu-
ras ligamentares e musculares (tireoaritenóideo).

Fraturas, luxações ou desinserção laringotraqueal:


- Fraturas: sempre merecem ao mínimo observação, vis-
to que qualquer fratura pode se acompanhar de des-
colamento mucoso e evoluir com edema importante;
- Luxações: geralmente se associam com fraturas, as
mais comuns são cricoaritenóidea e cricotireóidea;
- Desinserção laringotraqueal: rara, porém de alta mor-
talidade, geralmente ocorre com fratura anterior de
cricoide e da parte superior da lâmina cricoide e de-
sinserção traqueal.
a) Lesões associadas
- Vasculares – suspeitar principalmente em função do
trajeto da lesão. Podemos dividir o pescoço em 3 re-
giões:
• Zona I: entre clavícula e cricoide;
• Zona II: entre cricoide e ângulo da mandíbula;
• Zona III: entre ângulo da mandíbula e base do crânio.

Lesões vasculares são mais comuns em lesões da zona I.


Figura 8 - Paralisia de pregas vocais: notar o granuloma na prega b) Cervical
esquerda (assinalado com um X) Fraturas podem ser suspeitas à palpação, e confirmadas
com raio x e TC.
c) Pares cranianos
7. Trauma laríngeo Mais comum lesão dos pares IX, X, XI e XII, atentar em
Os traumas laríngeos são raros e apresentam somente particular para nervo laríngeo recorrente e superior.
1/30.000 casos nos atendimentos de emergência (USA) e d) Sistema digestivo
1% de todos os traumas contusos. Predomina em homens
Ocorre em 33 a 50% de traumas abertos.
adultos jovens.
Mecanismos de proteção da laringe: e) Lesões faciais
- Estrutura laríngea de cartilagens hialinas móveis, com Em particular fraturas mandibulares, em que pode ocor-
relativa elasticidade; rer queda da língua piorando a dispneia.

132
F A R I N G O L A R I N G O LO G I A

B - Traumas abertos turas que causem comprometimento da via aérea, fraturas


da cartilagem cricoide que levem à paralisia completa ou
Em lesões por armas brancas geralmente ocorre secção
parcial de pregas vocais, aritenoides deslocadas, lacerações
de regiões com menos resistência: músculos infra-hióideos,
mucosas extensas, encurtamento das cordas vocais, avul-
membrana cricotireóidea, membrana tíreo-hióidea, traqueia.
são da epiglote, grandes hematomas.
Feridas por degolação geralmente são supra-hióideas.
O tratamento consiste em exploração cirúrgica aberta
A secção da membrana tíreo-hióidea pode se acompa-
e reparo das lesões. O tratamento cirúrgico inicia-se com
nhar de secção de epiglote, com potencial risco de lesão de
a obtenção de uma via aérea permeável. A traqueostomia
nervo laríngeo superior.
com o paciente acordado sob anestesia local é o método
Traumas penetrantes são desafiadores, com mais de
mais conservador e seguro.
30% dos pacientes tendo múltiplas estruturas lesadas.
Atualmente a tendência é tentar o reparo precoce (pri-
Lesões por arma branca têm alto potencial de atingir
meiras 24 horas) das lesões mucosas, evitando o inconve-

OTORRINOLARINGOLOGIA
grandes vasos, geralmente com morte imediata. Tais lesões
niente de manter lesões abertas em região contaminada.
são mais fáceis de se delimitar, em relação a ferimentos por
Lesões abordadas precocemente teriam melhor recupe-
projétil de arma de fogo (FAFs), e dificilmente acometem
ração vocal em longo prazo.
hipofaringe e esôfago.
Quanto aos FAFs, têm lesões mais complexas, com difícil
delimitação, pequena lesão cutânea externa, lesões com-
8. Massas cervicais congênitas
plexas internamente, e frequentemente lesões associadas. Exceto pelas adenopatias cervicais benignas, as massas
cervicais congênitas são as causas mais comuns de edema
C - Lesões não traumáticas cervical em crianças. Frequentemente têm aparência ca-
racterística e geralmente refletem anomalias cervicais no
Lesões provocadas por inalantes podem decorrer de as- desenvolvimento de músculos, pele, vasos sanguíneos, lin-
piração de ar superaquecido, principalmente em ambientes fáticos e aparato branquial.
fechados. Essas lesões estão na maioria das vezes relacio-
nadas com acometimento em outras regiões do corpo tais A - Embriologia
como face e tórax. Deve-se realizar a intubação antes da
reposição volêmica, pois o edema que se instala é muito São diversas as afecções cervicais de características
intenso e pode levar a insuficiência respiratória. tumorais que podem se apresentar na região cervical da
criança ou do adulto jovem. Elas podem ser representadas
- Conduta como variações anatômicas, funcionais e mesmo vir a ser
A prioridade na chegada do paciente à sala de emergên- neoplasias de desenvolvimento intrauterino.
cia é o restabelecimento da via aérea. Quaisquer dos folhetos de formação embriológica da re-
Caso o paciente se apresente em respiração espontânea, gião pode ser fonte destas, portanto, encontram-se distúr-
estável hemodinamicamente e sem lesões que obriguem à bios vasculares, de epitélio de revestimento, musculares,
intervenção cirúrgica, podemos optar por observá-lo. Entre neurais e osteocartilaginosos.
os pacientes desta categoria estão aqueles que apresentam A partir da 3ª semana de vida intrauterina, começam a
mínimas lacerações mucosas, não envolvendo a comissura surgir as estruturas que formarão o pescoço do embrião.
anterior e fraturas não desalinhadas da cartilagem tireoide, O 1º arco a se formar é o mandibular. É o que tem de-
sem exposição da mesma. Hematomas pequenos devem senvolvimento mais rápido e intenso, sendo seguido pelo
ser controlados da mesma maneira. arco hióideo e pelo 3º, 4º, 5º e 6º arcos, todos menos de-
A grande dificuldade nestes casos está em quando inter- senvolvidos. Os arcos são responsáveis pela formação das
vir, sabendo que a região é altamente propensa a complica- estruturas osteocartilaginosas, musculares, neurais e vas-
ções obstrutivas. culares do pescoço. Seu desenvolvimento faz com que as
A intubação orotraqueal deve ser evitada a todo custo, fendas e bolsas sejam ocluídas ou ocupadas por estruturas
uma vez que pode causar avulsão de tecidos, laceração mu- sólidas. A única fenda a não desaparecer é a 1ª, pois forma-
cosa, falso trajeto ou completar uma desinserção laringo- rá o conduto auditivo externo.
traqueal incipiente. A 1ª bolsa faríngea vai dar origem à cavidade timpânica.
A traqueostomia com anestesia local e sem hiperexten- Já na 2ª bolsa, se observará o aparecimento de brotos lin-
são cervical é a técnica de escolha. foides que darão origem às amígdalas faríngeas. A 3ª bolsa
Cuidados devem ser tomados para se evitar a manipu- acaba por invaginar no mesênquima vizinho, formando as
lação e a movimentação cervical, devendo sempre ser colo- paratireoides inferiores e o timo, enquanto a 4ª bolsa dará
cado o colar cervical. início às paratireoides superiores e à glândula tireoide.
Indicação de tratamento cirúrgico: lesões que envolvam Tudo isso acontece da 3ª a 10ª semana de gravidez,
a comissura anterior, exposição de cartilagem, múltiplas sendo um período de intensa atividade embriológica, mas
fraturas, fraturas desalinhadas da cartilagem tireoide, fra- bastante curto.

133
OTOR R I NOLA R I NG O LO GIA

fibroelástica, com mobilidade lateral, porém com redução


de sua movimentação vertical. Sua localização preferencial
é na parte mais alta da região jugulocarotídea, abaixo do
ângulo da mandíbula e em frente dos grandes vasos.
Os cistos branquiais da 2ª fenda, apesar de congênitos,
raramente são visíveis ao nascimento, pois neste momento
não há líquido no seu interior para distendê-lo. A idade de
predileção para o aparecimento clínico desses cistos está
Figura 9 - Esquema de formação dos cistos e fístulas branquiais entre os 10 e 20 anos de idade, em geral, após um quadro
infeccioso da cavidade oral. Os cistos podem ter comunica-
B - Cistos e fístulas da 1ª fenda branquial ção com a base da loja amigdaliana e se estender desde a
fossa supraclavicular até a base do crânio.
É uma anomalia da infância, com cerca de 90% dos ca- O diagnóstico dos cistos é feito pela história caracterís-
sos descritos abaixo dos 10 anos de idade. Subdividem-se tica de uma massa de crescimento relativamente rápido, de
em tipo I e tipo II. No 1º caso tem-se um abaulamento da 1 a 4 semanas, na região cervical lateral, com dor local e si-
região parotídea sem sinais flogísticos e sem sintomatologia nais flogísticos leves a moderados, associado a um processo
mais significativa, já a do tipo II pode ser de difícil diagnós- infecto-inflamatório de boca e orofaringe.
tico, levando o paciente a apresentar diversos episódios de O principal exame radiográfico é a tomografia, que pode
quadros infecto-inflamatórios da região cervical antes que mostrar uma massa cística, de cápsula fina, com conteúdo
surja a suspeita diagnóstica. líquido que se cora levemente com contraste e que pode
Estranhamente, esses casos, não raro, fistulizam para a formar septos. Geralmente a massa está circundada por lin-
pele, fato não muito habitual em outros tipos de infecção fonodos inflamatórios.
cervical, o que deveria alertar o otorrinolaringologista para O tratamento de seios e cistos branquiais é eminente-
a possibilidade de um cisto de 1ª fenda. mente cirúrgico. Feito após a remissão da resposta inflama-
Uma 2ª característica notável da entidade é chamada tória, deve extirpar completamente o cisto e suas comuni-
trave timpânica. É uma prega epidérmica que se estende do cações, seja com a orofaringe ou a pele.
assoalho do conduto até o umbigo do martelo.
Um 3º sinal que pode ser sugestivo desse tipo de fístula
é a imagem de TC apresentando uma lesão cística com um
halo de características cartilaginosas ao seu redor.
O tratamento das anomalias de 1ª fenda branquial pode
variar de expectante, nos casos em que há apenas uma alte-
ração cosmética da região malar, cervical ou pré-auricular,
até a exérese cirúrgica do seio, cisto ou trato fistuloso.

Figura 11 - Cistos e fístulas da 2º fenda branquial

D - Linfangiomas cervicais (higroma cístico)


São tumores benigno infrequente, que se compõem
de formações císticas desenvolvidas a partir do endotélio
linfático e ilhas de linfa e sangue. Em crianças, essa mal-
formação congênita predomina em áreas cervicofaciais.
Compõe-se de cistos limitados por endotélio vascular, ilhas
Figura 10 - Cistos e fístulas da 1º fenda branquial de linfa e em ocasiões de sangue. Esses cistos se encontram
rodeados por tecido fibroadiposo com formações linfáticas
e fibras musculares lisas.
C - Cistos e fístulas da 2ª fenda branquial A apresentação clínica mais frequente constitui uma tu-
A fenda que fornece o maior número de casos clínicos é moração cervical assintomática. Em 50% dos casos, o diag-
a 2ª. O exame clínico geralmente encontra uma lesão lisa, nóstico é feito ao nascimento.

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F A R I N G O L A R I N G O LO G I A

O diagnóstico é puramente clínico: tumefação cervi-


cal indolor, da consistência de lipoma, em uma criança ou
adulto jovem. A transiluminação é patognomônica, mas
sua ausência não permite descartar o diagnóstico. A pele
sobre o tumor costuma ser normal ou tem uma aparência
ligeiramente azulada, e pode parecer inflamada em caso de
infecção.
Necessitamos de exames de imagem quando existe dú-
vida diagnóstica, quando necessitamos avaliar a extensão e
a profundidade da lesão e sua relação com outras estrutu-
ras anatômicas. Na tomografia computadorizada, as lesões
císticas apresentam densidade líquida. A RM é considerada

OTORRINOLARINGOLOGIA
técnica de escolha, e o higroma cístico apresenta um hiper-
sinal característico em T2.
Figura 13 - Cisto de ducto tireoglosso (seta) em TC sagital
A literatura favorece a cirurgia como tratamento de es-
colha para linfangiomas cervicais. A regressão espontânea
dos higromas tem sido ponto de discussão em muitos estu- c) Histologia
dos. Existem evidências suficientes para considerá-la como Histologicamente, encontramos um canal unido ao cisto,
opção terapêutica, em casos em que uma massa assintomá- intimamente relacionado ao corpo do osso hioide e revestido
tica é o único problema. por epitélio escamoso glandular. Em alguns casos encontra-
mos ilhas de tecido tireoidiano associado à malformação;
E - Cistos do ducto tireoglosso d) Tratamento
a) Embriologia Em 1920, Sistrunk recomendou a retirada de um bloco
de tecido desde a base da língua envolvendo o ducto, o cis-
A glândula tireoide desce em frente à faringe como um to e parte do osso hioide. Com essa técnica, a taxa de reci-
divertículo bilobulado patente, o ducto tireoglosso. Ela ad- diva gira em torno de 3%.
quire sua posição normal ao redor da 7ª semana de vida
intrauterina e o ducto tireoglosso, por sua vez, desapare- F - Hemangiomas
ce na décima semana. A persistência de uma porção do
ducto, com seu epitélio, resultará em lesão cística preen- Os hemangiomas são as neoplasias de cabeça e pesco-
chida por material coloide. O osso hioide, que se origina ço mais comuns na infância. Embora sejam predominan-
do 2º e 3º arcos, está intimamente envolvido com o ducto temente localizados em superfícies cutâneas, podem ser
tireoglosso. Como resultado, o ducto pode está localizado também vistos em mucosas e vísceras. Chegam a acometer
anteriormente, na sua substância ou atrás do osso hioide. 10% das crianças.
Cerca de 1/3 dos hemangiomas já estão presentes ao nas-
b) Apresentação clínica cimento, mas eles tipicamente são notados durante o 1º mês
O cisto do ducto tireoglosso é a mais comum massa de vida e progressivamente aumentam durante o 1º ano.
cervical benigna, excetuando-se as adenopatias cervicais As 2 técnicas de imagem mais frequentemente utiliza-
benignas. A maioria dos cistos surge antes do paciente das para o exame de anomalias vasculares são a RM e a
completar 5 anos, mas pode surgir em qualquer idade. ultrassonografia (US). Outros exames utilizados são a RM
Apresenta-se como uma massa em linha média que se ele- angiográfica, a venografia, linfangiografia, e a TC. Os obje-
va a protrusão da língua e deglutição, sendo essa última sua tivos primários nos exames de imagem são caracterizar a
mais constante característica. lesão, determinar sua extensão anatômica, e determinar
quais tecidos e estruturas adjacentes estão envolvidas.
Em virtude da história natural de involução dos heman-
giomas, terapia conservadora é regra para a sua maioria,
mas observação está indicada para o possível desenvolvi-
mento de complicações. Cerca de 10 a 20% dos hemangio-
mas requerem tratamento por várias razões.

G - Cistos dermoides
Os cistos dermoides provêm de epitélio retido durante
Figura 12 - Possíveis maneiras de formação apresentação dos re- a embriogênese ou por implantação traumática. Cistos der-
manescentes ducto tireoglosso moides consistem de uma cavidade formada por epitélio e

135
OTOR R I NOLA R I NG O LO GIA

preenchida por apêndices de pele. Além do pescoço, po-


dem ser encontrados na órbita, nasofaringe e cavidade oral.
Tipicamente, cistos dermoides apresentam-se como
massas em linha média do pescoço, frequentemente em
região submentoniana. Movem-se com o deslocamento da
pele, e são indolores – a não ser quando infectados. Ao con-
trário dos cistos do ducto tireoglosso, não se movem com a
protrusão da língua. O tratamento é feito com excisão com-
pleta.

9. Neoplasias de laringe
A laringe é um dos órgãos mais importantes da região
cervical, pois é fundamental na fala, respiração e degluti-
ção. Os tumores dessa região causam impacto nessas 3 fun-
ções, principalmente, na função vocal.
A laringe é dividida em 3 regiões anatômicas: supraglo-
te, glote e subglote. A região supraglote estende-se da pon- Figura 14 - CEC de prega vocal direita
ta da epiglote ao ápice de ambos os ventrículos e incluem
as falsas pregas vocais (bandas ventriculares), as superfícies
lingual e laríngea da epiglote, a superfície laríngea das ari- A - Estadiamento
tenoides e as pregas ariepiglóticas. A região glótica inclui as - Tis: tumor confinado a mucosa laríngea, apresentan-
pregas vocais, o assoalho do ventrículo, a comissura ante- do-se como uma lesão leucoplásica;
rior e a área interaritenoidiana. A região subglótica se es-
tende 5mm inferior à borda livre das pregas vocais até a
- T1: tumor confinado a uma estrutura da laringe, com
mobilidade normal da prega vocal (bandas ventricula-
borda inferior da cartilagem cricoide.
res, aritenoides e epiglote).
A maioria das neoplasias tem origem nas pregas vocais
• T1a: uma prega vocal;
verdadeiras (55 a 75%), sendo uma rouquidão que persista
por mais de 2 semanas, um forte sinal de que uma inves- • T1b: ambas as pregas vocais.
tigação diagnóstica apropriada deve ser tomada. Quando - T2: tumor envolvendo mais que uma estrutura (supra-
sem tratamento, invariavelmente toma rumo letal (50% em glótica ou glótica) com mobilidade normal das pregas
1 ano, com sobrevida em apenas 5% após 3 anos sem tra- vocais;
tamento). - T3: tumor acometendo laringe fixando as cordas vo-
O carcinoma espinocelular (CEC) representa aproxima- cais ou envolvendo espaço cricoide posterior, pirifor-
damente 95% dos tumores desta região. Raramente há tu-
me medial ou espaço pré-epiglótico;
mores de glândulas salivares menores.
Os principais fatores de risco para o desenvolvimento
- T4: Invasão de cartilagem ou tecidos adjacentes à la-
ringe.
de tumores laríngeos são o tabagismo seguido pelo etilismo
crônico, sendo que a associação desses 2 fatores gera uma Em relação ao acometimento linfonodal cervical, o
potencialização dos riscos. American Joint Committee on Cancer classifica os graus de
O diagnóstico baseia-se na história clínica de disfonia, adenopatia:
sensação de globus faríngeo, pigarro, odinofagia, disfagia, - Nx: nódulos não podem ser avaliados;
tosse, voz soprosa. À nasofibroscopia observa-se lesão inva- - N0: nódulos sem sinal de metástases;
siva, sendo nesses casos mandatória a realização de biópsia - N1: um único nódulo metastático ipsilateral menor ou
para confirmar a presença da lesão. igual a 3cm.
Uma vez confirmado, deve ser solicitada TC cervical para
• N2a: um único nódulo metastático ipsilateral de 3 a
avaliar a extensão da lesão e o acometimento linfonodal.
6cm de diâmetro;
Avaliação de tórax (raio x simples ou TC) e de esôfago (EDA)
também devem ser realizadas. • N2b: múltiplos nódulos ipsilaterais, nenhum maior
O risco relativo de metástase cervical é diretamente que 6cm;
proporcional ao tamanho do tumor, por exemplo, há risco • N2c: nódulos positivos bilaterais ou contralaterais
de 20% em tumores menores de 2 cm e risco maior que nenhum maior que 6cm.
80% em tumores extensos. É estimado que cerca de 40% - N3: pelo menos um nódulo maior que 6cm.
dos pacientes com metástase linfonodal ipsilateral decor-
rente de neoplasia supraglótica podem desenvolver doença Em relação às metástases à distância, podemos classifi-
cervical contralateral. car os tumores em:

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F A R I N G O L A R I N G O LO G I A

- M0: ausência de metástases evidentes; episódios por ano em 2 anos consecutivos ou 3 episó-
- M1: presença de metástases evidenciadas; dios por ano em 3 anos consecutivos;
- Mx: possível metástase, ainda não identificada. - Amigdalite crônica: dor de garganta crônica, halitose,
cálculos amigdalianos excessivos, edema periamigda-
B - Tratamento liano e adenopatia cervical amolecida persistente;

O tratamento do carcinoma in situ é o mesmo que a da


- Hiperplasia amigdaliana: roncos, apneia obstrutiva do
sono, disfagia, voz hipernasal. Em casos extremos, se
displasia severa – decorticação cirúrgica endoscópica sob la- associada com obstrução nasal e muito intensa (quadro
ringoscopia de suspensão. Os tumores iniciais podem ser tra- agudo), pode causar insuficiência respiratória aguda.
tados com bons resultados tanto com cirurgia como com ra-
dioterapia. Radioterapia resulta em um controle de 80 a 93%
A - Anginas eritematosas ou eritematopultáceas
para tumores T1 e 65 a 78% para T2. Tumores supraglóticos

OTORRINOLARINGOLOGIA
avançados têm sobrevida em 5 anos de no máximo 50%, si- As anginas eritematosas são as mais comuns e corres-
milarmente com tumores glóticos T4 (40 a 49%). Tumores T3 pondem a 90% dos casos.
glóticos podem ter sobrevida de até 80% em 5 anos. Podem ser de origem viral ou bacteriana. Caracterizam-se
por uma mucosa orofaríngea de coloração arroxeada, com
amígdalas edemaciadas e frequentemente aumentadas de
10. Faringotonsilites volume. As faringoamigdalites eritematopultáceas apresen-
As faringotonsilites são doenças inflamatórias e infec- tam, além do arroxeamento inflamatório das estruturas da
ciosas envolvendo faringe, tonsilas palatinas (amígdalas) orofaringe, exsudato esbranquiçado sobre as amígdalas.
e tonsilas faríngeas (adenoides). Constituem um dos dis- Este revestimento pultáceo forma manchas puntiformes
túrbios mais frequentes nos consultórios otorrinolaringo- ou confluentes que se desprendem facilmente da mucosa
lógicos. com o abaixador de língua.
a) Imunologia a) Origem viral
As tonsilas são órgãos de tecido linfoide localizados para As anginas de origem viral correspondem a 75% das
a proteção imunológica do trato aerodigestivo. O epitélio faringoamigdalites agudas, mesmo em casos recorrentes.
escamoso das criptas tonsilares possui sistema complexo Os agentes virais são preponderantes nos 2 ou 3 primeiros
de transporte através de microporos que levam antígenos anos de vida e menos frequentes após a puberdade.
ingeridos ou inalados ao tecido linfoide subjacente. Dentro • Agentes etiológicos: os vírus mais associados são os
do tecido linfoide, o antígeno entra em contato com as cé- rinovírus (20%), coronavírus (5%), adenovírus (5%),
lulas processadoras de antígenos (APCs), responsáveis por herpes-simples (4%), influenza (2%) e parainfluen-
apresentá-lo aos Linfócitos T (LT). za (2%), entre outros (coxsackie, citomegalovírus,
Quando há uma concentração suficiente de um antí- Epstein-Barr vírus, HIV). A faringoamigdalite causa-
geno, é estimulada a diferenciação de Linfócitos B (LB) em da pelo vírus Epstein-Barr cursa com quadro clínico
plasmócitos e sua expansão clonal. Isso resulta na produção com particularidades e será discutida mais adiante;
de imunoglobulinas, notadamente IgA, que é transportada à • Quadro clínico: o paciente com faringoamigdalite
superfície mucosa, fornecendo proteção imunológica local. viral apresenta sintomas de leve intensidade.
As tonsilas são imunologicamente ativas entre os 4 e 10
Os principais são dor de garganta e disfagia. A maioria
anos de idade. A involução do tecido linfoide ocorre após a
dos pacientes irá apresentar mialgia e febre baixa, associa-
puberdade, resultando na diminuição local da população de
das a coriza hialina e espirros. O exame físico mostra erite-
LB (que, na infância, correspondem a 50 a 65% do total) e
ma da mucosa faríngea. As tonsilas podem estar aumenta-
no aumento da proporção de LT em relação ao de LB.
das, mas frequentemente não há exsudato;
Em relação às possíveis consequências imunológicas
• Tratamento: o tratamento das infecções virais não
causadas pela amigdalectomia, há evidências de que ocorre
é específico e consiste em terapias de suporte com
redução dos níveis séricos de IgG e IgA após 1 mês de pós- medicações analgésicas e anti-inflamatórios.
-operatório, com recuperação parcial desses níveis 3 meses
depois. No entanto, essa queda, bem como a queda de IgG e b) Origem bacteriana
IgA não parecem causar imunossupressão, já que os pacien- As faringoamigdalites bacterianas correspondem a 20 a
tes não apresentam doenças oportunistas no pós-operatório. 40% dos casos.
b) Classificação clínica das faringotonsilites - Agentes etiológicos
- Amigdalite aguda: febre, dor de garganta, disfagia, O Streptococcus pyogenes (estreptococo beta-hemolí-
adenomegalia cervical com hiperemia de amígdalas, tico do grupo A) é responsável por cerca de 20 a 30% das
podendo haver exsudatos; faringotonsilites agudas em crianças em idade escolar e
- Amigdalite aguda recorrente: 7 episódios em 1 ano, 5 adolescentes.

137
OTOR R I NOLA R I NG O LO GIA

Mycoplasma pneumoniae pode também ser causa de va rápida apresenta sensibilidade de 30 a 90% e especifici-
faringite na população entre 9 e 19 anos, embora alguns au- dade de 95%, tendo, portanto, um valor elevado de falsos
tores discutam o significado do Mycoplasma pneumoniae e negativos. Nos pacientes com grande suspeita clínica e
da Chlamydia pneumoniae como causa de faringite. resultado do teste rápido negativo, a cultura pode ser uti-
Outras bactérias como Staphylococcus aureus, Haemo- lizada para diagnóstico, uma vez que apresenta maior sen-
philus sp, Moraxella catarrhalis, são, por vezes, responsá- sibilidade. Na prática clínica, os exames sorológicos são de
veis por recaídas de infecções estreptocócicas e atuariam pequena utilidade, uma vez que a elevação dos títulos de
produzindo beta-lactamase, enzimas inativadoras de peni- anticorpos (antiestreptolisina O, anti-hialuronidase, anti-
cilinas, o que pode dificultar a erradicação dos estreptoco- -DNAse B, antiestreptoquinase) ocorre 2 ou 3 semanas
cos piogênicos durante a terapêutica com beta-lactâmicos. após a fase aguda.
As complicações da faringoamigdalite estreptocócica
B - Faringoamigdalite estreptocócica podem ser supurativas ou não supurativas.
A faringite aguda causada pelo estreptococo do grupo A a) Complicações não supurativas
é a causa mais comum das faringites bacterianas. A impor- - Escarlatina: decorre da produção de endotoxinas. Ma-
tância em Saúde Pública decorre não apenas da sua alta fre- nifestações incluem rash cutâneo finamente papular e
quência, mas também das sequelas que trazem febre reu- eritematoso, que confere à pele um aspecto áspero, lin-
mática e glomerulonefrite difusa aguda pós-estreptocócica. fadenopatia, vômitos, cefaleia, febre, eritema de amíg-
As anginas estreptocócicas usualmente ocorrem após os 3 dalas e orofaringe. O sinal de Filatov consiste em palidez
anos de idade, com pico de incidência entre 5 a 10 anos de perioral, enquanto o sinal de Pastia denota o surgimen-
idade, mas podem ocorrer em crianças menores de 3 anos to, em linhas de flexão, de petéquias e hiperpigmen-
e em adultos maiores de 50 anos. tação, ambos sendo característicos dessa doença. O
A principal sintomatologia da faringoamigdalite aguda diagnóstico é clínico, mas o ideal é que a suspeita seja
é dor faríngea, odinofagia e otalgia reflexa. A febre é de in- confirmada por teste laboratorial. O tratamento consis-
tensidade variável e pode ser acompanhada de queda do te na introdução de penicilina G intravenosa;
estado geral. Náuseas e vômitos são sinais de alerta prin- - Febre Reumática (FR): doença endêmica nos países
cipalmente em crianças. Os sintomas que sugerem origem em desenvolvimento. O pico de incidência ocorre en-
estreptocócica são: início brusco, febre alta, dor de gargan- tre 5 e 15 anos e os sinais e sintomas manifestam-se 2
ta intensa, adenopatia limitada em cadeia jugulodigástrica a 3 semanas após episódio de faringite estreptocócica.
e ausência de sintomatologia nasal ou laringotraqueal. Os critérios de Jones modificados podem ser utiliza-
O exame físico revela hiperemia, aumento de tonsilas e dos como guia para o diagnóstico de FR, analisando-se
exsudato purulento, além de adenomegalia em cadeia jugu- criticamente cada caso. Sendo assim, pode ser diag-
lodigástrica, observada em 60% dos casos. nosticada FR quando existem 2 critérios maiores ou 1
O diagnóstico da faringoamigdalite aguda estreptocóci- critério maior e 2 menores, associados a evidência de
ca é basicamente clínico. infecção estreptocócica;
Entretanto, as manifestações da faringite estreptocóci-
ca e não estreptocócica são semelhantes, o que dificulta o Tabela 2 - Critérios de Jones para diagnóstico de febre reumática
diagnóstico específico. Critérios maiores
Existem alguns métodos diagnósticos específicos para - Cardite;
detecção e confirmação da faringoamigdalite estreptocóci- - Poliartrite;
ca. Destes, o padrão-ouro é a confirmação com cultura de
- Eritema marginado;
orofaringe. Um dos grandes problemas da cultura é o tem-
po que decorre até o resultado do exame, que pode ser de - Coreia;
18 a 48 horas. Torna-se difícil para o médico convencer os - Nódulos subcutâneos.
pais ou o paciente a aguardar o resultado para a introdução Critérios menores
do antibiótico, principalmente quando o mesmo se encon- - Febre;
tra febril e com queda do estado geral. - Artralgia.
Se tratada prontamente, há diminuição do período de - Antecedentes de FR:
transmissão e diminuição dos sintomas e da incidência de · VHS;
complicações supurativas; porém, adiar o tratamento até 9 · Proteína C reativa;
dias após o início da faringite parece não aumentar o risco · Intervalo PR.
de febre reumática. Escarlatina recente
Os testes rápidos para detecção do estreptococo, usan-
- Presença de anticorpos (ASLO, antiestreptoquinase, anti-DNA,
do como métodos o ELISA, imunoensaios ópticos (OIA) ou
se B);
sondas (Probes) de DNA, apresentam a vantagem do diag-
nóstico rápido. Comparada à cultura de orofaringe, a pro- - Cultura positiva.

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F A R I N G O L A R I N G O LO G I A

Cardite e valvulite podem ser autolimitadas ou provocar Herpesviridae que apresenta tropismo particular por
degeneração valvar progressiva. A válvula mais acometida é linfócitos B e pelas células epiteliais da faringe e das
a mitral, seguida pela aórtica. glândulas salivares. Existem outros agentes infeccio-
- Glomerulonefrite: ocorre após infecção faríngea ou de sos que podem simular um quadro de mononucleose
pele. A incidência gira em torno de 24% dos pacientes infecciosa (síndrome mononucleose-like ou mononu-
expostos a cepas nefritogênicas, mas estas constituem cleose-símile): citomegalovírus (CMV), Rubéola, Toxo-
apenas 1% do total. O paciente apresenta síndrome plasma gondii, HIV, Tripanossoma cruzi, entre outros;
nefrítica 1 a 2 semanas após infecção de orofaringe. - Quadro clínico: a transmissão ocorre principalmente
Não há evidência que a administração de penicilina di- pela saliva. A tríade clínica da mononucleose infeccio-
minua a taxa de ataque ou altere a história natural da sa é constituída por febre, angina e poliadenopatia. A
glomerulonefrite; febre pode ser alta e acompanhada de astenia intensa.
- Síndrome do choque tóxico estreptocócico: ocorre A angina pode ser eritematosa, eritematoexsudativa

OTORRINOLARINGOLOGIA
após infecção ou colonização estreptocócica de qual- ou pseudomembranosa. Neste último caso, as pseudo-
quer sítio. Compreende hipotensão associada a pelo membranas recobrem as amígdalas mas não atingem
menos 2 dos seguintes: insuficiência renal, coagulopa- a úvula. Edema de úvula e de palato são sinais caracte-
tia, anormalidades de função hepática, síndrome da rísticos da mononucleose infecciosa.
angústia respiratória do adulto, necrose tecidual ex- Podem ser encontrados sinais sistêmicos como linfa-
tensa e rash eritematomacular. denomegalia, hepatomegalia (10%) e esplenomegalia
(50%). Rash cutâneo pode ocorrer principalmente com
b) Complicações supurativas
os usos de penicilina/ampicilina.
- Abscesso periamigdaliano; Inicialmente, a mononucleose pode simular uma amig-
- Abscesso parafaríngeo; dalite comum, porém com a evolução do quadro, sem
- Infecções do espaço retrofaríngeo. melhora com uso de antibióticos, impõe-se essa sus-
peita;
Grande parte dos autores ainda advoga o uso de penici- - Diagnóstico: é realizado pelo quadro clínico associado
lina e derivados como 1ª escolha no tratamento de amigda- aos resultados de exames laboratoriais: linfocitose ao
lites não complicadas A penicilina G benzatina pode ser usa- hemograma (linfócitos >50% da população de leucó-
da em dose única de 600.000 UI (peso <20kg) a 1.200.000 citos), linfocitose atípica (10% ou mais dos leucócitos
UI (peso ≥20kg). totais) e discreto aumento de transaminases. Pode ser
A amoxicilina é a droga mais usada por VO, na dose de realizado teste sorológico de Paul-Bunnel-Davidson (po-
40 a 50mg/dia por 10 dias. Em caso de suspeita de germes sitivo após 10 a 20 dias de doença, com sensibilidade de
produtores de beta-lactamase, pode ser associada ao ácido 90% e especificidade de 98%) ou pesquisa de anticorpos
clavulânico. A utilização de macrolídeos (eritromicina, azi- (Ac) IgM ou IgG contra antígenos do capsídeo viral, que
tromicina) fica limitada a casos em que há alergia à peni- constituem os exames de escolha. Os Ac IgM podem ser
cilina. detectados desde o início do quadro clínico, atingindo
Antibioticoterapia realizada nas primeiras 48 horas dos seu pico em 4 a 6 semanas. Em alguns doentes pode
sintomas está associada a melhora precoce dos sintomas ocorrer uma forma de portador do EBV, com manuten-
como dor, febre e adenopatia, de 12 a 24 horas antes se ção da produção de anticorpos (IgG) no organismo;
comparado ao não uso de antibióticos. Além disso, uso de - Tratamento: a evolução do paciente com mononucle-
antibióticos minimiza a incidência das complicações supu- ose costuma ser favorável, com resolução do quadro
rativas. Antibioticoterapia deve ser utilizada de 7 a 10 dias. após alguns meses. O tratamento é baseado em tera-
Alguns autores advogam que o uso de antibioticoterapia pias de suporte como hidratação e analgésicos, evitan-
por 10 dias está associado a menor taxa de recorrência. do-se o uso de ampicilina, pelo risco de provocar um
Medidas de suporte incluem hidratação oral, analgésicos, rash cutâneo morbiliforme. Muitas vezes acontecem
antitérmicos e o uso de anti-inflamatórios não hormonais infecções bacterianas secundárias que necessitam de
e corticoides. antibioticoterapia. O uso de corticoides permanece
controverso.
C - Formas clínicas particulares
b) Difteria
a) Mononucleose infecciosa Acomete principalmente crianças entre o 1º e o 7º ano
A mononucleose infecciosa é uma doença sistêmica que de vida e, hoje em dia, é rara devido ao uso difundido da
acomete principalmente adolescentes e adultos jovens (15 vacinação antidiftérica. O agente etiológico é o Coryne-
a 25 anos). bacterium diphtheriae, um bacilo Gram positivo anaeróbio
- Agente etiológico: a mononucleose é causada pelo produtor de uma endotoxina, responsável pelos fenômenos
Vírus Epstein-Barr (EBV). O EBV é um vírus da família locais e sistêmicos da doença.

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OTOR R I NOLA R I NG O LO GIA

- Quadro clínico: tem início insidioso com período de ciados. A má higiene bucal e o mau estado dos dentes
incubação de 2 a 4 dias. Ao exame, observamos pseu- e gengivas facilitam tal associação. Acomete principal-
domembranas branco-acinzentadas, localizadas sobre mente adultos jovens e adolescentes;
as amígdalas e invadindo o terço superior dos pilares - Quadro clínico: caracteriza-se por disfagia dolorosa
anteriores até a úvula. As falsas membranas aderem à unilateral, geralmente sem elevação de temperatura
mucosa, resistem ao descolamento (deixam leito san- e queda importante do estado geral. Deve ser a prin-
grante ao se destacarem) e não se dissociam na água, cipal hipótese diagnóstica frente a uma angina ulce-
como ocorre com o depósito piriforme da angina eri- ronecrótica unilateral. A oroscopia revela ulceração da
tematopultácea. amígdala, recoberta por pseudomembrana, facilmen-
Em casos graves da doença, a membrana pode se te desprendido e friável, sem tendência a estender-se,
estender até ocupar todo o trato aerodigestivo alto, mas acarretando fenômenos de necrose e eliminação
impedindo a eliminação de secreções e resultando de exsudato de odor fétido;
em obstrução das vias aéreas superiores. Surge ingur- - Diagnóstico: baseia-se na unilateralidade das lesões e
gitamento linfonodal cervical, febre moderada, albu- na presença de lesões gengivais concomitantes próxi-
minúria, pulso rápido, hipotensão, palidez e adinamia mas ao 3º molar superior. O exame bacteriológico au-
(quadro toxêmico). xiliará a evidenciar a natureza fusoespiralar da angina
Quando atinge a laringe (quase sempre localização se- nos casos de dúvida;
cundária à angina diftérica), surgem voz e tosse roucas, - Tratamento: consiste em antibioticoterapia (penicilina
além de tiragem intercostal. via parenteral ou metronidazol), gargarejos com solu-
A exotoxina diftérica tem tropismo pelo miocárdio, ções antissépticas para higiene bucal e dentária e sin-
acarretando arritmia cardíaca, pelas cúpulas renais, tomáticos.
podendo determinar hipotensão, astenia e dores ab-
dominais e pelo sistema nervoso, acometendo primei- E - Anginas vesiculosas
ramente os pares cranianos, podendo causar diplopia
e fenômenos paralíticos do véu palatino; A denominação de angina nestes casos é pouco adequa-
da uma vez que acometimento envolve a faringe e muco-
- Diagnóstico: o diagnóstico é confirmado pelo exame sa oral. As vesículas são vistas no início da afecção. Podem
bacterioscópico direto e pela cultura de exsudatos fa- ser múltiplas e disseminadas. Na mucosa bucofaríngea, as
ríngeos ou até de um fragmento de pseudomembrana vesículas se rompem facilmente e dão lugar a ulcerações
em meio de Klebs-Löeffler. O diagnóstico diferencial é pouco profundas recobertas por exsudato esbranquiçado,
feito com as anginas estreptocócicas, de Plaut-Vincent disseminado ou confluente.
e, particularmente, a da mononucleose infecciosa; As anginas vesiculosas são principalmente de origem
- Tratamento: na suspeita da difteria, o paciente deverá viral.
ser internado e iniciar tratamento com soroterapia es- a) Vírus Herpes Simplex (HSV)
pecífica (soro antidiftérico, IM ou SC; 50.000 a 100.000
unidades antitóxicas) o mais precocemente possível.
- Agente etiológico: existem essencialmente 2 subtipos
sorológicos: 1 e 2. O tipo 1 é considerado “oral” e o
A via intravenosa pode ser usada em casos de excep-
tipo 2 genital, mas devido à alteração dos hábitos se-
cional gravidade. Penicilina ou eritromicina devem ser
xuais isto tem se descaracterizado;
utilizadas para assegurar a erradicação do foco infec-
cioso. - Quadro clínico: a infecção primária pelo HSV é geral-
mente uma gengivoestomatite, mas pode se manifes-
Os comunicantes de um caso-índice de difteria não tar como uma faringite aguda. O vírus apresenta uma
vacinados, inadequadamente vacinados, vacinados há tendência a infectar células ectodérmicas na pele e
mais de 5 anos ou com situação vacinal desconhecida mucosas, manifestando-se mais frequentemente em
deverão receber a vacina antidiftérica e serem subme- crianças entre 10 meses e 3 anos de idade. Antes dos
tidos à coleta de material de orofaringe para cultura. 10 meses, os anticorpos maternos agem inibindo a
No caso de serem portadores do bacilo, está indicada manifestação dos sintomas relacionados ao HSV. Em
a quimioprofilaxia com eritromicina. adolescentes pode se manifestar como uma faringite
exsudativa posterior aguda.
D - Angina ulceronecróticas
O vírus é transmitido por perdigotos e contato com le-
- Angina de Plaut-Vincent sões ativas. O período de incubação é curto, durando de
- Agente etiológico: causada por simbiose entre o baci- 2 a 12 dias, iniciando com um quadro sistêmico e evoluin-
lo fusiforme Fusobacterium plautvincenti e o espirilo do com lesões vesiculosas que sangram facilmente. Pode
Spirochaeta dentuim, saprófitos normais da cavidade ser encontrada linfonodomegalia cervical e submental. O
bucal, que adquirem poder patogênico quando asso- quadro agudo regride após 7 a 10 dias do pico das lesões.

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Após a infecção primária o vírus pode permanecer latente, O tratamento é alvo de grande discussão. As indicações
aparentemente em gânglios nervosos sensitivos por longos principais acontecem quando há obstrução do cavum maior
períodos, voltando em situações de estresse; que 50%, com deformidade craniofacial, e apneia do sono,
- Complicações: apesar de o quadro costumar ser autoli- optando-se geralmente pela adenoamigdalectomia.
mitado, sem complicações, pode haver alguns casos de
infecção disseminada, comprometendo o sistema ner- 12. Tonsilites de repetição
voso central. Os pacientes imunodeprimidos, os pacien-
tes com lesões cutâneas prévias (ex.: pênfigo, impetigo As amigdalites de repetição são também bastante fre-
bolhoso, eczema etc.), os com infecção bacteriana con- quentes na faixa etária pediátrica. Trata-se de um quadro
comitante e sarcoidose podem apresentar um prognós- recorrente de odinofagia, febre e mialgia difusa, associado
tico pior com mortalidade atingindo até 80%; à hiperemia e à secreção purulenta nas amígdalas.
- Diagnóstico: o diagnóstico pode ser feito de diversas O fator desencadeante das crises repetitivas não está

OTORRINOLARINGOLOGIA
formas: clínico, microbiológico (através da cultura viral), totalmente elucidado, porém acredita-se que haja com-
com microscopia eletrônica e imunológico (ex.: “anti- binação de fatores imunológicos e de resistência bacte-
corpo fluorescente” e ELISA de tecidos acometidos). O riana.
tratamento se baseia em sintomáticos, podendo ser uti- O diagnóstico é clínico, com base nas queixas do pa-
lizado o aciclovir, 200mg 5x/dia por 7 a 10 dias. ciente e no exame físico. Vale ressaltar que a hiperplasia
amigdaliana nem sempre está presente, pois as infecções
b) Herpangina podem acontecer em tonsilas de tamanho normal.
- Agente etiológico: vírus coxsackie A, provavelmente O tratamento é eminentemente cirúrgico quando ocor-
também coxsackie B e echovírus; rem mais de 4 episódios/ano.
- Quadro clínico: o paciente apresenta angina eritema-
tosa com erupção vesiculosa (vesículas pequenas em 13. Indicações cirúrgicas
palato mole, úvula e pilares amigdalianos). Ao se rom-
perem, as vesículas deixam ulcerações esbranquiçadas
circundadas por halo eritematoso espalhadas por toda
A - Indicações para adenotonsilectomia
orofaringe, poupando a região da mucosa jugal. Comum
a) Obstrução
em crianças, principalmente no verão, acompanha-se
de febre, cefaleia, micropoliadenopatia cervical, disfagia É indicação amplamente aceita de adenoamigdalecto-
e vômitos. Resolução espontânea em 5 a 10 dias; mia. O aumento de tonsilas faríngeas e palatinas pode cau-
- Tratamento: sintomático, com medidas analgésicas e sar respiração bucal, malformação craniofacial, déficit no
hidratação via oral. crescimento ponderoestatural, anormalidades da degluti-
ção, roncos noturnos e distúrbios do sono, incluindo apneia
obstrutiva do sono. A criança pode apresentar fácies ade-
11. Hiperplasia tonsilar noidiana cujas características são boca permanentemente
A hiperplasia das tonsilas faríngeas (adenoide) e/ou aberta, protrusão do maxilar e consequente hipotonia do
palatinas (amígdalas) é uma patologia de grande discussão lábio inferior e palato em ogiva.
nos dias atuais, muito comum na faixa etária pediátrica. b) Disfagia e alteração da fala
Essas estruturas são tecidos linfoides que, associados
Tonsilas aumentadas ocasionalmente interferem na fase
às tonsilas linguais, formam o anel linfático de Waldeyer,
faríngea da deglutição, podendo causar obstrução mecâni-
responsável pela defesa imunológica local. A hiperplasia
ca ou incoordenação entre a respiração e a deglutição.
dessas estruturas acontece de forma idiopática ou por fato-
res genéticos, imunológicos, atopias e mesmo infecciosos, c) Crescimento dentofacial anormal
sendo que todos esses fatores têm papel controverso. A obstrução nasal crônica devido a tonsilas aumentadas
Clinicamente, os pacientes apresentam obstrução na- pode predispor a alterações dentofaciais.
sal, respiração bucal, roncos e apneia noturnos, bruxismo,
dentre outros. A cronicidade da hiperplasia pode gerar con- d) Halitose
sequências, como alterações na morfologia craniofacial, A presença de halitose pode ocorrer quando há acúmu-
ocorrência de otite média secretora, distúrbios comporta- lo de debris e bactérias nas criptas das tonsilas palatinas. No
mentais, neurológicos e da fala. entanto, essa indicação é relativa.
O diagnóstico é feito considerando a história clínica e o
exame físico e é complementada com exames de imagem. B - Indicações para amigdalectomia
A hiperplasia amigdaliana pode ser visível à oroscopia.
Já o aumento da adenoide pode ser comprovado por naso- a) Infecção de repetição
fibrolaringoscopia ou raio x de cavum em perfil. Conforme já exposto.

141
OTOR R I NOLA R I NG O LO GIA

b) Abscesso periamigdaliano A polissonografia é fundamental ao diagnóstico e à ava-


Um episódio de abscesso peritonsilar pode ser tratado liação da gravidade da doença.
eficazmente por uma punção aspirativa, incisão e drena- No exame clínico, as alterações anatômicas que pre-
gem ou tonsilectomia a “quente”. dispõem à SAHOS são sobrepeso, obstrução nasal, pesco-
ço curto, palato mole rebaixado, hiperplasia amigdaliana,
c) Profilaxia para febre reumática retrognatismo, alterações craniofaciais e desproporção do
A realização de amigdalectomia por febre reumática volume da língua em relação à cavidade bucal.
não é um assunto bem esclarecido e ainda está sujeito a O tratamento é feito com base nas alterações anatômi-
discussões. cas, mas principalmente em perda de peso e uso contínuo
de CPAP nasal noturno. Em casos selecionados, opta-se
d) Suspeita de malignidade ou aumento de volume
pelo tratamento cirúrgico.
unilateral
Processos malignos envolvendo essas estruturas são ge-
ralmente secundários a linfomas em crianças e carcinomas
epidermoides em adultos.

C - Indicações para adenoidectomia


a) Sinusite recorrente/crônica
Para pacientes com sinusite recorrente ou crônica, os
benefícios da adenoidectomia permanecem incertos, visto
que nenhum ensaio clínico demonstrou que a cirurgia dimi-
nui a morbidade de sinusites em crianças.
b) Otites médias
Estudos demonstraram que adenoidectomia, principal-
mente se for associada à colocação de tubo de ventilação,
em pacientes com aumento do volume das tonsilas farínge-
as, foi eficiente em diminuir o número de episódios de otite
média aguda recorrente.

14. Roncos e síndrome da apneia do sono


A Síndrome de Apneia e Hipopneia Obstrutiva do Sono
(SAHOS) caracteriza-se pela diminuição ou mesmo parada
do fluxo respiratório, secundária a fatores obstrutivos nos
períodos do sono, quando ocorre maior relaxamento mus-
cular.
Classicamente, há roncos noturnos, com períodos de
apneia, cefaleia matinal e sonolência diurna. Em geral, há
predisposição a doenças sistêmicas, como obesidade e hi-
pertensão arterial.
Durante o sono, conforme se progride em seus estágios
(do estágio I ao sono REM), o tônus muscular diminui gra-
dativamente, sendo menor no período de sono REM. Nesse
momento, o paciente fica mais suscetível ao colabamento
da faringe durante a inspiração, com consequente apneia.
Isso gera uma redução progressiva na saturação sanguínea
de O2. Quando atinge níveis críticos, ocorre uma ativação
do SNC, gerando um microdespertar, com aumento do tô-
nus muscular e melhora do fluxo aéreo, corrigindo a queda
da saturação de O2.
Consequentemente, passa a haver uma alteração cíclica
do sono, impedindo que este se dê de forma normal. Isso
ocasiona a sonolência diurna e a perda de desempenho
funcional dos apneicos.

142
CAPÍTULO

5
Rinologia
Vanier Junior / Vladimir Garcia Dall’Oca / Eric Thuler / Bruno Peres Paulucci

a obstrução dos óstios de drenagem dos seios paranasais,


1. Rinossinusites causando acúmulo de secreção e alteração da pressão aé-
As rinossinusites correspondem ao processo inflamató- rea intrassinusal, o que cria um ambiente propício à instala-
rio da mucosa nasossinusal e podem ser classificadas, de ção da infecção bacteriana.
acordo com a sua etiologia, em infecciosas (viral, bacteriana O quadro clínico pode caracterizar-se por febre e mau
ou fúngica) ou não infecciosas (alérgica, vasomotora, quí- estado geral. As queixas nasais incluem congestão nasal e
mica), e, pelo tempo de evolução, em agudas (até 4 sema- rinorreia mucopurulenta (amarelo-esverdeada), algumas
nas), subagudas (4 a 12 semanas) ou crônicas (mais de 12 vezes com odor fétido. Muitas vezes observa-se, à orosco-
semanas). pia, secreção mucopurulenta pela orofaringe. A cefaleia ge-
O diagnóstico da rinossinusite é predominantemente ralmente tem localização frontal ou facial e é do tipo peso,
clínico quando da presença de 2 ou mais dos sinais maiores, com piora ao abaixar ou levantar a cabeça, e tosse também
sendo a secreção purulenta um forte fator preditivo, ou 1 pode estar presente.
maior e pelo menos 2 menores da relação a seguir: Infecções virais podem provocar queixas semelhantes,
Fatores preditivos de rinossinusite aguda: entretanto o tempo de evolução pode ajudar no diagnós-
a) Maiores tico. Sintomas com mais de 10 dias de duração ou piora
importante do quadro após o 5º ou o 7º dia de evolução
- Tosse; sugerem infecção bacteriana.
- Febre; O diagnóstico é clínico, sem a necessidade de exames
- Dor/pressão facial; complementares. A nasofibroscopia pode oferecer auxílio
- Obstrução ou congestão nasal; diagnóstico, pois permite visualizar secreção nos meatos.
- Secreção nasal/retronasal purulenta; A capacidade diagnóstica do raio x de seios paranasais é
- Hiposmia/anosmia. controversa. O exame deve ser feito nas incidências lateral,
frontonaso e mentonaso. Os achados incluem opacificações
b) Menores dos seios acometidos e níveis hidroaéreos. Deve-se lembrar
- Cefaleia; que quadros de rinossinusites virais e alérgicas também al-
- Halitose; teram o raio x, levando a diagnósticos incorretos. Deve-se
- Dor na arcada dentária; sempre considerar o tempo de evolução dos sinais e sinto-
- Otalgia ou pressão em ouvidos. mas, na busca de um diagnóstico mais adequado.
A TC só deve ser solicitada nos quadros agudos na sus-
peita de complicações.
2. Rinossinusite aguda O tratamento dos quadros bacterianos pode ser feito
A rinossinusite aguda corresponde ao processo inflama- considerando seus principais agentes, que são:
tório agudo da mucosa nasal e dos seios paranasais. Segun- - S. pneumoniae;
do o Consenso Brasileiro de Rinossinusites, os sinais e sinto- - H. influenzae;
mas podem estar presentes por até 2 semanas nos quadros - M catarrhalis.
virais e não infecciosos, e os quadros bacterianos agudos
podem durar até 4 semanas. A duração dos sintomas acima A amoxicilina é o antibiótico de 1ª escolha. Se houver
desse período, podendo chegar a 12 semanas, caracteriza indícios de resistência ao tratamento ou história de trata-
uma rinossinusite denominada subaguda. mento prévio, pode-se optar por amoxicilina + clavulanato,
O principal mecanismo desencadeante dos sintomas da cefalosporinas de 2ª ou de 3ª geração, macrolídeos ou qui-
rinossinusite aguda é o edema das mucosas, que provoca nolonas.

143
OTOR R I NOLA R I NG O LO GIA

O tratamento adjuvante inclui lavagem nasal com so- e dor local importante (muitas vezes, com diminuição da
luções salinas isotônicas ou hipertônicas, corticosteroides motilidade ocular e alterações da visão).
orais por curtos períodos de tempo, corticoides tópicos e O tratamento inclui internação para antibioticoterapia
vasoconstritores. intravenosa (amoxicilina + clavulanato ou quinolonas + ce-
Nos casos de rinorreia purulenta unilateral em crianças, falosporina de 3ª geração) e cirurgia para drenagem das se-
deve-se considerar sempre a hipótese da presença de corpo creções dos seios paranasais.
estranho, que deve ser investigada, se possível, com nasofi-
brolaringoscopia, já que alguns materiais são de difícil visu-
alização por exames de imagem.

Figura 2 - Flegmão septal por sinusite complicada

Figura 1 - Nasofibroscopia de secreção em cavum na rinossinusite


aguda

3. Complicações
Os processos patológicos das rinossinusites incluem as
A
complicações orbitárias, as intracranianas e a osteomielite
do frontal.

A - Complicações orbitárias
É a principal complicação das rinossinusites, favorecida
pela fina lamina óssea que separa o seio etmoidal da órbi-
ta. Anatomicamente, há o periósteo interno da órbita que,
anteriormente, na região palpebral, é denominado septo
palpebral. As rinossinusites em que a infecção se estende
para a região palpebral anterior ao septo são denominadas
complicações pré-septais (Figura 2) e são as menos seve-
ras. Além disso, podem cursar com flegmão ou formação
de abscesso.
Na região orbitária, o processo infeccioso pode esten-
der-se por meio da lâmina papirácea (Figura 3). Quando
não rompe o periósteo da órbita, é denominado flegmão/
B
Figura 3 - Sinusite complicada: observar o velamento da região dos
abscesso subperiosteal. Quando o processo vai além do pe-
etmoides, com acometimento da órbita; (A) formação de abscesso
riósteo, passa a ser denominado flegmão/abscesso intraco-
e, (B), o flegmão formado
nal, uma vez que atinge a gordura e os músculos do cone or-
bitário. Essa análise é feita mediante TC de seios paranasais
B - Complicações intracranianas
(obrigatória na presença dessas complicações).
O quadro clínico caracteriza-se por sinais e sintomas de Incluem os abscessos intraparenquimatoso, epidural e
rinossinusite, com evolução para edema de região orbitária subdural, além de meningites, que ocorrem por extensão

144
R I N O LO G I A

do processo sinusal para o SNC, por via hematogênica ou Aguda sem resposta após 72h de antibioticoterapia
por contiguidade. - Amoxicilina + inibidores de beta-lactamases;
O tratamento consiste, em geral, na abordagem cirúrgi-
- Axetilcefuroxima;
ca seguida de antibioticoterapia.
- Quinolonas (levofloxacino, gatifloxacino).
C - Osteomielite do osso frontal Período: 10 a 14 dias.
Terapias adjuvantes: lavagem nasal com solução isotônica, des-
Raramente, pode-se evoluir com osteomielite do osso congestionantes orais e tópicos, analgésicos e anti-inflamatórios;
frontal, cujo diagnóstico é clínico e por imagem, e o tratamen- corticoterapia oral e tópica.
to é feito com antibioticoterapia e debridamento cirúrgico. Aguda com uso recente de antibioticoterapia (até 6 semanas)
ou quadro intenso
4. Rinossinusite crônica - Amoxicilina + inibidores de beta-lactamases;

OTORRINOLARINGOLOGIA
Alguns autores definem a rinossinusite crônica como - Axetilcefuroxima;
sinais e sintomas de rinossinusite por mais de 4 semanas. - Quinolonas (levofloxacino, gatifloxacino);
Outros só a consideram quando passam de 12 semanas. De - Ceftriaxona (internado).
qualquer maneira, é muito importante que, nesses casos, Período: 14 dias.
sejam investigados possíveis fatores associados que podem Terapias adjuvantes: lavagem nasal com solução isotônica, des-
estar contribuindo para a manutenção do processo infec- congestionantes orais e tópicos, analgésicos e anti-inflamatórios;
cioso. O exame endoscópico nasal pode ser de grande valia corticoterapia oral e tópica.
na detecção de alterações anatômicas que possam levar à Crônica
obstrução crônica dos óstios dos seios paranasais, como hi- - Amoxicilina + inibidores de beta-lactamases;
pertrofia de conchas nasais, desvio septal, polipose nasos- - Axetilcefuroxima;
sinusal etc.
- Quinolonas (levofloxacino, gatifloxacino).
A complementação diagnóstica deve ser feita pela TC de
seios da face, que é o exame padrão-ouro. Período: 14 a 21 dias.
Terapias adjuvantes: lavagem nasal com solução isotônica, des-
Doenças sistêmicas e possíveis alterações imunológicas
congestionantes orais e tópicos, analgésicos e anti-inflamatórios;
podem ser investigadas. As bactérias envolvidas na rinossi- corticoterapia oral e tópica são mandatórias nos casos crônicos.
nusite crônica são basicamente as mesmas da rinossinusite
Complicada
aguda, além de micro-organismos anaeróbios.
O tratamento pode ser feito com amoxicilina + clavula- - Ceftriaxona (internado);
nato, claritromicina ou cefalosporinas associadas à cober- - Clindamicina (se origem odontogênica);
tura para anaeróbios. Nos casos refratários, deve-se consi- - Associação de medicações.
derar a abordagem cirúrgica, com ampliação dos óstios dos Período: a depender da gravidade e quadro clínico. Mínimo de
seios. 48h.
Terapias adjuvantes: lavagem nasal com solução isotônica, des-
Tabela 1 - Opções de antibióticos em rinossinusites congestionantes orais e tópicos, analgésicos e anti-inflamatórios;
Aguda sem tratamento prévio ou alergias medicamentosas corticoterapia intravenosa e abordagem cirúrgica.
- Amoxicilina;
- Cefalexina (casos leves); 5. Rinossinusites não infecciosas (rinites)
- Amoxicilina + inibidores de beta-lactamases (casos intensos); São os processos inflamatórios da mucosa de revesti-
- Claritromicina; mento das fossas nasais e podem ser desencadeadas por
- Axetilcefuroxima. mudanças de temperatura (vasomotoras), baixa umidade,
Período: 10 a 14 dias. produtos químicos e poluentes, porém o mais comum, tan-
Terapias adjuvantes: lavagem nasal com solução isotônica, des- to em adultos quanto em crianças, é a causa alérgica.
congestionantes orais e tópicos, analgésicos e anti-inflamatórios; A rinite alérgica caracteriza-se imunologicamente por
corticoterapia oral e tópica.
uma reação tipo 1 de Gell e Coombs e mediada por IgE es-
Aguda com alergia a beta-lactâmicos pecífica, ou seja, o correto diagnóstico depende de uma po-
- Claritromicina; sitividade no teste alérgico. Clinicamente, o mais utilizado é
- Quinolonas (levofloxacino, gatifloxacino); o RAST sanguíneo.
- Sulfametoxazol/trimetoprima. Basicamente, o processo inicia-se quando os antígenos
Período: 10 a 14 dias. presentes na mucosa nasal desencadeiam respostas imunes
Terapias adjuvantes: lavagem nasal com solução isotônica, des- que culminam com a conversão do linfócito TH0 em TH2. Este,
congestionantes orais e tópicos, analgésicos e anti-inflamatórios; através de seus produtos de secreção (interleucinas), iniciará o
corticoterapia oral e tópica.
processo atópico por meio da conversão de células B em plas-

145
OTOR R I NOLA R I NG O LO GIA

mócitos produtores de IgE que, ao ligar-se aos mastócitos, pro-


vocará sua degranulação com a liberação de histamina.
O processo inflamatório crônico na mucosa acarreta
edema e consequente hipertrofia persistente da mucosa,
principalmente dos cornetos inferiores, cursando com obs-
trução nasal persistente.
O quadro clínico caracteriza-se por congestão nasal (Fi-
gura 4B), rinorreia do tipo aquosa, prurido nasal e espirros.
A rinite alérgica também pode ser o passo inicial para a ins-
talação de IVAS.
O diagnóstico é clínico. Exames complementares podem B
ser solicitados, e os mais importantes são os testes alérgicos de
Figura 4 - Rinoscopia de fossa nasal esquerda mostrando mucosa
reação cutânea. A citologia nasal pode demonstrar eosinofilia.
nasal normal (A) e com rinite (B). Note o edema, palidez e estado
O tratamento fundamenta-se na gravidade do quadro:
hipersecretivo da mucosa em B
- Rinite intermitente: na higiene ambiental adequada +
lavagem nasal com solução salina isotônica;
- Rinite persistente leve: mesmos cuidados de 1 + uso 6. Polipose nasal
de corticoides nasais tópicos (fluticasona, mometaso-
na, budesonida); A Polipose Nasal (PN) é definida pela presença de póli-
- Rinite persistente moderada: mesmos de 1 e 2 + uso pos eosinofílicos na cavidade nasal, principalmente na re-
de anti-histamínico (loratadina, desloratadina, levoce- gião do meato médio. A etiologia da doença ainda não está
tirizina) e/ou antileucotrienos (montelucaste); totalmente elucidada, porém observa-se que há grande
- Rinite persistente grave: mesmos de 1, 2 e 3, + imuno- associação a asma, alergia, intolerância ao AAS e doenças
terapia subcutânea. sistêmicas, principalmente a fibrose cística.
Clinicamente, os pacientes apresentam quadro seme-
Em relação aos corticoides nasais, devemos evitar seu lhante ao da rinossinusite crônica.
uso ou usá-lo com cautela em pacientes portadores de O diagnóstico baseia-se no quadro clínico e na endos-
glaucoma devido ao risco de descompensação da doença; copia nasossinusal, com visualização dos pólipos bilateral e
em pacientes menores de 2 anos, o uso dos corticoides difusamente. A TC de seios paranasais tem grande impor-
também deve ser evitado, geralmente optando-se pelo uso tância na avaliação da extensão da doença (Figura 5B).
dos cromoglicatos. O tratamento deve ser feito inicialmente de forma me-
Os corticoides sistêmicos podem ser utilizados nos ca- dicamentosa, com acompanhamento constante do pacien-
sos mais severos, sempre por curtos períodos de tempo, te e uso de corticoides nasais em doses altas e limpeza na-
principalmente nos períodos de crises. sal com solução isotônica frequente.
A imunoterapia pode ser bastante eficaz, desde que seja Nos casos refratários ao tratamento clínico, pode-se op-
realizada por profissional capacitado. tar pela polipectomia cirúrgica e pela ampliação dos óstios
Quanto aos casos em que há grande refratariedade ao de drenagem e limpeza dos seios da face, seguidas de cor-
tratamento clínico, pode-se considerar o tratamento cirúr- ticoterapia nasal contínua. No entanto a doença apresenta
gico, com a exérese do excesso mucoso de conchas infe- grande potencial de recidiva.
riores (eventualmente, da concha média) e a correção de Em geral, após 3 a 5 anos, há tendência de recidiva dos
eventuais desvios septais que contribuam para a diminui- pólipos. A decisão sobre novas abordagens deve levar em
ção do fluxo nasal. consideração os sintomas do paciente e o potencial risco de
complicações cirúrgicas.

A A

146
R I N O LO G I A

pelo meato médio e projetando-se na coana, podendo pre-


encher parcial ou totalmente o cavum (Figura 6A). Na tomo-
grafia computadorizada, observa-se opacificação e preenchi-
mento homogêneo da cavidade do seio maxilar, da cavidade
nasal ipsilateral e, eventualmente, do cavum, podendo evi-
denciar também desvio das paredes nasais e, em especial, do
septo nasal, mas sem destruição óssea (Figura 6B).
O tratamento é exclusivamente cirúrgico com exérese
da lesão e principalmente do seu pedúnculo de inserção.
Recidivas são infrequentes e devem ser reabordadas quan-
do sintomáticas.

OTORRINOLARINGOLOGIA
Figura 5 - Polipose nasal: (A) endoscopia nasal com pólipos na fos-
sa nasal esquerda e (B) TC de SPN em paciente com polipose nasal
no meato médio bilateral

7. Pólipos antrocoanais (pólipo de Killian)


O pólipo antrocoanal ou pólipo de Killian é uma lesão
polipoide solitária benigna, que acomete principalmente
crianças e adultos jovens. Estudos demonstram que o pó-
lipo de Killian representa entre 4 a 6% de todos os pólipos
nasais da população em geral. Contudo, na população pedi-
átrica, esta porcentagem atinge 33%. Origina-se na mucosa
do antro do seio maxilar próximo ao óstio e desenvolve-se,
por estímulo desconhecido, através do óstio do seio maxilar
para a cavidade nasal e em direção a coana e parte poste-
rior da nasofaringe, podendo estender-se até a orofaringe.
A etiologia desta doença permanece obscura.
Raramente tem origem em outra região, como nos seios
esfenoidal ou etmoidal. Manifesta-se clinicamente por uma
obstrução nasal, geralmente unilateral, mas que pode ser
bilateral, especialmente nos casos em que o pólipo é extre-
mamente volumoso, com importante desvio do septo na-
sal. Acompanha-se de secreção mucosa ou mucopurulenta
e, excepcionalmente, pode obstruir o óstio da tuba auditiva
promovendo otite média secretora. Não há relação direta
estabelecida com alergias específicas ou outras patologias,
como ocorre na polipose nasal, sendo o pólipo de Killian
considerado como uma entidade patológica distinta da po-
lipose nasal.
Nota-se que o óstio do seio maxilar encontra-se au-
mentado de diâmetro, provavelmente devido à presença
do pedúnculo do pólipo, o qual agiria aumentando suas di-
mensões. Na histopatologia, o pólipo de Killian apresenta-
-se com uma cavidade central cística rodeada por edema e
com uma parede externa revestida por epitélio respiratório Figura 6 - (A) Rinoscopia de fossa nasal direita mostrando pólipo
normal. antrocoanal implantado no meato médio e (B) TC coronal do mes-
Ao exame físico, através da rinoscopia anterior ou com o mo paciente, mostrando alargamento do óstio maxilar e velamen-
uso de nasofibroscópio, observa-se um pólipo único saindo to unilateral do seio maxilar e etmoidal à direita

147
OTOR R I NOLA R I NG O LO GIA

8. Cisto de retenção mucoso consulta, sendo a procura motivada pela ansiedade com re-
lação à causa e à eventual recorrência da hemorragia.
Obstrução inflamatória de glândulas seromucinosas,
causando retenção de muco. A - Considerações anatômicas
Muito comum e encontrado por acaso em raio x de face, A artéria esfenopalatina (ramo terminal da artéria ca-
afetando principalmente o seio maxilar (Figura 7). Geral- rótida externa), as artérias etmoidais anterior e posterior
mente sem sintomatologia, devendo-se apenas fazer segui- (ramos da artéria oftálmica) e a artéria labial superior (ramo
mento, desde que não haja sintomatologia, caso contrário, da artéria facial) são as principais responsáveis pela irriga-
realiza-se exérese. ção sanguínea das fossas nasais.
Uma extensa rede anastomótica entre as artérias pala-
tina maior, esfenopalatina e labial superior na porção an-
terior do septo nasal constitui o plexo de Kiesselbach, de
onde se origina a maior parte dos sangramentos nasais an-
teriores, uma vez que os vasos sanguíneos são revestidos
por uma delgada membrana mucosa nesse local.
Já o plexo de Woodruff localiza-se na região posterior
da fossa nasal, junto à coana, e é origem da maior parte dos
sangramentos nasais posteriores.
B - Fatores etiológicos
As epistaxes são classificadas, dependendo da origem
do sangramento, em anterior e posterior. Mais de 90% dos
casos de epistaxe decorrem de sangramento na região an-
terior, sobretudo em crianças e adultos jovens, enquanto
a epistaxe posterior é mais habitualmente encontrada em
pacientes hipertensos ou com mais de 40 anos.
Alguns fatores podem predispor às epistaxes. Dentre os
fatores sistêmicos, podem-se citar a hipertensão arterial (prin-
cipal causa de epistaxe severa), coagulopatias e doenças he-
matológicas. O uso de medicamentos anticoagulantes e antia-
gregantes plaquetários também pode ocasionar epistaxe.
Os principais fatores locais são trauma (fraturas nasais
ou manipulação digital), infecções de vias aéreas superio-
res, inalação de ar frio e seco, quadros alérgicos nasais, in-
trodução de corpos estranhos na fossa nasal, inalação de
irritantes químicos (cocaína, vapores de metais pesados) e
a presença de perfuração septal ou desvio de septo.
As perfurações e os desvios de septo ocasionam altera-
ção do fluxo aéreo nasal, com ressecamento da mucosa e
formação de crostas, propiciando os sangramentos.
Na epistaxe posterior, os principais fatores etiológicos
são a aterosclerose dos vasos sanguíneos, levando ao rom-
pimento dos mesmos em picos hipertensivos.
Figura 7 - TCs coronais de seios da face mostrando cistos maxilares A doença de Osler-Rendu-Weber, ou telangiectasia he-
morrágica hereditária, merece ser mencionada porque é
uma das principais doenças vasculares que causam epistaxe
9. Epistaxe intermitente.
Nos casos de epistaxe recorrente, é extremamente im-
A epistaxe é definida como o sangramento proveniente portante a investigação com nasofibrolaringoscopia para
da mucosa nasal. Estima-se que cerca de 60% da população descartar a presença de tumores, em especial o nasoan-
adulta já apresentaram ao menos 1 episódio, na maioria das giofibroma nos jovens e os carcinomas nos pacientes acima
vezes autolimitado. Aproximadamente, 6% dos casos de epis- dos 60 anos.
taxe necessitam de tratamento médico para a contenção do O tratamento das epistaxes recorrentes ou severas pode
sangramento, e a taxa de mortalidade é de menos de 0,01%. envolver cauterização (química ou elétrica), tamponamen-
A maioria dos pacientes que procuram atendimento to (anterior e/ou posterior) ou ligadura videoendoscópica
médico não apresenta sangramento ativo no momento da das artérias esfenopalatina ou etmoidais.

148
R I N O LO G I A

10. Fraturas nasais - Dor;


- Edema: é de evolução rápida sob a pele podendo es-
As fraturas da pirâmide nasal são muito frequentes, e tender-se à região orbitária, dificultando o diagnóstico
aproximadamente 39% das que acometem a região maxi- quando muito intenso.
lofacial são nasais. O pico de incidência é dos 15 a 25 anos
e há uma predominância de casos do sexo masculino (2:1). Exame físico: é o principal elemento diagnóstico.
Muitas fraturas dos ossos do nariz como do septo nasal - Laceração, ruptura da mucosa, equimose e hematoma
passam despercebidas no 1º atendimento ao paciente trau- intenso sugerem fratura (apesar da equimose orbitária
matizado, necessitando de procedimento cirúrgico poste- ser frequente deve-se pesquisar também fratura orbi-
riormente para correção da obstrução nasal ou da estética tária associada);
nasal. Em todo sangramento nasal severo proveniente de - Outros sinais na área orbitária são edema palpebral e
trauma facial deve-se suspeitar de fratura nasal. hemorragia subconjuntival;

OTORRINOLARINGOLOGIA
A - Fisiopatologia
- Enfisema subcutâneo;
- Palpação: de forma delicada, bimanualmente, para
Os tipos de fraturas nasais e suas sequelas dependem verificar estabilidade nasal, uma vez que os achados
de alguns fatores: de deslocamento nasal, depressão óssea e mobilidade
- Idade do paciente (flexibilidade das estruturas); (crepitação) confirmam o diagnóstico de fratura nasal.
- Intensidade e direção da força aplicada;
- Natureza do instrumento causador do trauma. A pesquisa radiológica é feita com incidência em perfil
para visualização do osso próprio do nariz e de Waters para
Lesões comuns de tecidos moles incluem laceração, avaliação do septo ósseo, pirâmide dorsal e paredes nasais
equimoses e hematomas do nariz externo, assim como in- laterais. É preciso cautela nas suas avaliações para não con-
terno. Lesões ósseas correspondem a fraturas (cominutiva fundir com linhas de sutura, traços vasculares ou fraturas
é mais comum em pacientes idosos), desvios (mais comum antigas. TC deve ser considerada em casos especiais e em
em crianças), fraturas-desvios. dúvidas diagnósticas (Figura 8).
Os impactos laterais provocam mais fraturas que os
frontais. A pirâmide óssea nasal fratura mais frequente- C - Tratamento
mente em zonas fracas estruturais do osso. Os ossos nasais As indicações de tratamento são: fraturas que apresen-
são espessos e rígidos em sua junção com o frontal e mais tem desvios e/ou instabilidade. A maioria dos autores con-
delgados na sua porção inferior, na articulação com as car- sidera que a redução da fratura nasal deve ser feita dentro
tilagens laterais superiores. Assim, a maioria das fraturas dos primeiros dias após o trauma e, se possível, até 15 dias.
ocorre na porção inferior dos ossos nasais. A partir deste período, a consolidação espontânea torna a
O septo nasal ósseo é frequentemente fraturado na jun- redução difícil.
ção condro-óssea que delimita a porção cartilaginosa mó-
vel anterior com a porção óssea e fixa. Em casos severos a) Tratamento de urgência das fraturas nasais
é comum o acometimento de outros ossos como frontal, Fraturas nasais abertas, associadas a uma fratura na
etmoidal e orbital. parte anterior da base de crânio, ou associadas a compli-
As linhas de fratura septal costumam ser verticais ante- cações (lesão de vias lacrimais, hematoma de septo, fístula
riormente e horizontais quando posteriores, com a extre- liquórica, sangramento abundante, alteração visual).
midade anterior do septo desviando em relação à columela Deve-se previamente conversar com o paciente expli-
ocupando a Fossa Nasal (FN) de um lado e a extremidade cando as opções de tratamento, os riscos cirúrgicos incluin-
posterior tendendo a ocupar a FN oposta, causando obs- do a possibilidade de permanência da deformidade nasal
trução nasal. e, nas crianças, a possibilidade de crescimento da pirâmide
Se houver disjunção condro-óssea ocorre deformidade nasal com deformidade.
do esqueleto externo. Durante o processo de cicatrização b) Fraturas nasais em crianças
após fratura nasal, devido à fibrose do septo, este pode
sofrer torção de maneiras variadas, assumindo formato de Sempre tratar para um desenvolvimento adequado da
“S”, “C” ou formação de esporão. pirâmide nasal.
Na fratura perinatal, a redução é feita sem anestesia. O
B - Diagnóstico tampão é contraindicado devido à utilização exclusiva da
via nasal pelo recém-nascido para respirar.
História: Em crianças maiores, o tratamento é semelhante ao do
- Mudança na aparência nasal ou obstrução nasal; adulto. A septoplastia é raramente indicada, e quando rea-
- Características do impacto; lizada deve ser conservadora com relação à cartilagem e à
- Epistaxe; mucosa.

149
OTOR R I NOLA R I NG O LO GIA

Figura 8 - Diversos esquemas de fratura nasal

11. Tumores do nariz e seios da face giforme, simples cilíndrico e invertido; ou ainda, uma com-
binação destes.
Estas entidades não são comuns na rotina do médico Embora sejam reconhecidos como clinicamente diferen-
otorrinolaringologista. Apresentam sintomatologia inespe- tes, todos apresentam histologia semelhantes. Também são
cífica, geralmente como quadro de sinusopatia crônica re- semelhantes histologicamente às papilomatoses recorren-
belde a tratamento, sendo muitas vezes tratado como tal tes encontradas no trato respiratório.
por longos períodos. Tipos histológicos:
O principal sintoma é a obstrução nasal unilateral, mas - Papiloma cilíndrico: é raro e contribuiu apenas com
pode ocorrer sangramento, rinorreia purulenta e cacosmia. 3% dos papilomas nasossinusais;
Dor e deformidades geralmente são mais tardias. O cres-
cimento do tumor nasossinusal permanece silencioso até
- Papiloma fungiforme (exofítico): tem sua origem qua-
se exclusiva no septo nasal anterior, tanto que é dito
que tenha infiltrado algum par craniano, tenha levado a
papilomas septais. Limitado, não apresenta progres-
erosão óssea ou obstruído o óstio de drenagem do seio.
são para transformação maligna, sendo normalmente
O exame endoscópico é fundamental para uma adequada
assintomático, mas pode causar irritação e epistaxe. O
caracterização da massa tumoral e das alterações decorrentes
tratamento consiste na excisão e cauterização da base;
da sua presença. A Tomografia Computadorizada (TC), em suas
incidências coronal e axial, permite avaliar tanto estruturas ós- - Papiloma Invertido (PI) (endofítico): compreende
seas como partes moles e tumorais, quanto a sua extensão e 47% dos papilomas nasossinusais, caracterizando-se
invasão de estruturas adjacentes, sendo geralmente o método pelo crescimento da superfície (epitélio) para o estro-
de escolha para diagnóstico e estadiamento dos tumores. ma, e aparecem como grandes massas polipoides uni-
laterais em fossas nasais. Este tumor infrequente tem
A - Tumores benignos como aspectos principais a possibilidade de recidiva e
malignização.
a) Papilomas de cavidade nasal (papiloma schneideriano) O termo papiloma invertido é descritivo, pois se refere
Tumorações benignas, derivadas de epitélio schneide- à impressão histológica da superfície do epitélio que se in-
riano, que podem ser únicas ou múltiplas, comumente en- verte para dentro do estroma. O HPV tem sido implicado
contradas no nariz e seios paranasais, consistindo de massa em sua gênese. Sua origem ocorre mais frequentemente a
fibrovascular coberta por epitélio sem atipia celular. partir da parede nasal lateral, no nível do meato médio.
Os papilomas de cavidade nasal originados da mucosa Clinicamente, o sintoma mais comum é a obstrução na-
da mesma podem ser de 3 distintas categorias: simples fun- sal unilateral, frequentemente associada a rinorreia muco-

150
R I N O LO G I A

purulenta, epistaxe, hiposmia, dor facial e deformidades,


entretanto não existem sintomas típicos para este tumor.
Pode ser encontrado em todas as idades, todavia tem
pico entre a 5ª e a 6ª décadas de vida, com um predomínio
masculino de 3:1.
Macroscopicamente, na endoscopia nasal, toma forma
de tumor polipoide, irregular, lobulado e que pode ser dis-
tinguido de pólipos inflamatórios devido a sua aparência
grosseira que é mais firme, vascular, não translúcida, com
tendência para base séssil. O diagnóstico só é confirmado
pela microscopia (biópsia).

OTORRINOLARINGOLOGIA
Estudos radiológicos normalmente mostram destruição
óssea e erosão da parede lateral nasal com alargamento do
meato médio (Figura 9).
Apesar de considerado benigno, é localmente agres-
Figura 9 - Imagens em TC de papiloma invertido à direita. Observe
sivo; existe uma relação conhecida de papiloma invertido áreas de lise óssea (seios etmoidais-setas pretas) e alargamento
com neoplasia maligna. Não se sabe, no entanto, se essa de infundíbulo maxilar
associação se deve a uma degeneração maligna do próprio
papiloma, ou à existência concomitante de carcinoma e PI. b) Tumores das glândulas salivares menores
O tratamento desse tumor é cirúrgico, com necessidade de Desde que as glândulas salivares menores (serosas, mu-
remoção completa do mesmo, para que se evitem recidivas. cosas e mistas) também estão presentes no nariz e seios
paranasais, os tumores originários destas glândulas podem
ocorrer nestas localizações, apesar de incomuns. Contudo,
quando ocorrem, cerca de 50% são malignos (principal-
mente carcinoma adenoide-cístico e adenocarcinomas).
Desenvolvem massas intranasais que resultam em obs-
trução, epistaxe e destruição tecidual. Os adenomas na-
sossinusais são mais comuns em septo, apesar do fato de
a maioria das glândulas salivares menores estarem locali-
zadas em parede lateral. A maioria é encontrada entre 4ª e
7ª décadas, sem predileção sexual. O tumor benigno mais
comum é o adenoma pleomórfico, que aparece como uma
massa de crescimento lento, geralmente ocorrendo a partir
do septo nasal. Também ocorrem outros, como adenoma
de células basais e oncocitoma.
Estes tumores podem expandir até alcançarem tama-
nhos significativos dentro dos seios antes de serem detec-
tados. O tratamento consiste em exérese local ampla, com
boa margem de segurança. Há recorrência em 10% dos ca-
sos.
c) Nasoangiofibroma
O nasoangiofibroma juvenil (NAFJ) é um tumor que
acomete quase exclusivamente jovens do sexo masculino.
Apesar de ser considerada neoplasia benigna, o NAFJ não é
encapsulado, apresenta potencial de destruição local e tem
alta taxa de recorrência. Esse tumor vascular emerge princi-
palmente do forame esfenopalatino e pode estender-se até
a fossa craniana média.
A tríade clássica de epistaxe, obstrução nasal unilate-
ral e uma massa na nasofaringe sugerem o diagnóstico de
NAFJ, sendo então complementado pelo exame de imagem.
A tomografia computadorizada, a ressonância magnética e
a endoscopia nasal são os exames de eleição para definir a

151
OTOR R I NOLA R I NG O LO GIA

extensão e a localização do tumor, permitindo dessa forma O tratamento de ressecção craniofacial (RCF) e de radio-
um estadiamento preciso. terapia (RT) parece associar-se aos melhores resultados. A
Nos últimos 10 anos, o tratamento desta afecção vem quimioterapia (QT) é geralmente reservada a tumores lo-
sendo discutido com a finalidade de desenhar um protoco- calmente avançados, inoperáveis, recidivas ou doença me-
lo de manejo. Atualmente, a cirurgia parece ser a melhor tastizada.
forma de tratamento dos NAJ. Outros métodos como a
hormonoterapia, a radioterapia e a quimioterapia são hoje
modalidades terapêuticas usadas ocasionalmente como
tratamentos complementares.

B - Tumores malignos
Os tumores malignos de nariz e seios paranasais são
infrequentes, representando cerca de 3% dos cânceres em
cabeça e pescoço e 0,8% de todos os cânceres humanos. A
predominância é de pacientes do sexo masculino, à propor-
ção de 1,7:1.
A obstrução nasal, sangramento nasal, dor facial e in-
fecção nasossinusal representam as queixas iniciais dos pa-
cientes. A deformidade facial é um sintoma mais sugestivo
da presença tumoral; entretanto, costuma ocorrer em está-
gios mais avançados da doença.
O tipo histológico mais frequente é o carcinoma espino-
celular (localizado principalmente em fossas nasais e seios Figura 10 - Estesioneuroblastoma, com aparente invasão e destrui-
maxilares), seguido dos tumores do sistema nervoso e dos ção de fossa olfatória
sarcomas. O neuroblastoma olfatório é um tumor maligno
da mucosa nasal cuja histogênese é incerta.
O diagnóstico desses tumores baseia-se no quadro clíni-
co, na endoscopia nasossinusal, em exames de imagem (TC
e RNM) e na biópsia.
a) Carcinoma espinocelular
O carcinoma de seio maxilar é incomum e representa
0,2 a 0,8% das neoplasias, 3% dos carcinomas de cabeça e
pescoço e 80% dos tumores dos seios paranasais. A maioria
dos tumores que ocorrem no antro maxilar é de origem epi-
telial e os carcinomas epidermoides correspondem a mais
de 80% de todos os casos das neoplasias malignas, sendo o
adenocístico o 2º em frequência.
A maioria dos pacientes tem a doença avançada quando
do início dos sintomas. A TC e a ressonância magnética são
técnicas bem estabelecidas e úteis para avaliar a extensão
do tumor para áreas adjacentes.
O tratamento geralmente é feito com abordagem cirúr-
gica mantendo margens, seguido de radioterapia.
b) Estesioneuroblastoma
O estesioneuroblastoma é um tumor de origem prová-
vel no epitélio olfativo. Tem um pico de incidência entre os
40 e os 70 anos. Os sintomas são inespecíficos e resultam
do crescimento tumoral.
Controvérsias quanto à sua origem, diagnóstico e trata-
mento estão associadas à sua baixa incidência, à ausência
de um sistema de estadiamento universalmente aceito e à
variabilidade do seu comportamento biológico. Os princi-
pais locais de metastização são os gânglios cervicais e, se-
guidamente, os pulmões e o osso.

152
cirurgia de cabeça e pescoço – otorrinolaringologia – cirurgia torácica

volume 4

cirurgia de cabeça e pescoço


otorrinolaringologia
cirurgia Torácica
CIRURGIA TORÁCICA

Bruno Peres Paulucci


Carlos Eduardo Levischi Júnior
Rodney B. Smith
CAPÍTULO

1
Incisões torácicas
Carlos Eduardo Levischi Júnior / Rodrigo Olivio Sabbion

1. Introdução 2. Toracotomia posterolateral


A indicação do tipo de incisão varia de acordo com o Conforme já discutido, é uma incisão considerada gran-
procedimento a ser realizado no tórax. É importante lem- de para os padrões utilizados hoje em cirurgia torácica,
brar que o tórax é uma caixa rígida devido à presença das porém ainda é considerada a incisão clássica da cirurgia
costelas, ao contrário da elasticidade da parede abdominal, torácica, em geral, pois com ela conseguimos expor todas
tornando o acesso à cavidade torácica mais difícil. Por isso, as estruturas torácicas e também tornar a dissecção das es-
a escolha correta da incisão e a localização de acordo com o truturas mais fácil e segura.
procedimento a ser realizado são fundamentais. O posicionamento é o mesmo para todas as toracoto-
A incisão mais versátil para operações torácicas gerais mias laterais, com o paciente em decúbito lateral, com os
é a toracotomia posterolateral, sendo comparada, grosso braços contralaterais ao decúbito apoiados em braçadeira
modo, com a laparotomia mediana para os cirurgiões ge- na mesma altura do ombro, e colocação adequada de co-
rais, pois, mesmo sendo bastante agressiva no sentido de xins na axila. Os coxins axilares têm a finalidade de fletir
secções musculares e tamanho de incisão, é a que mais o tronco e afastar os espaços intercostais superiores para
expõe o pulmão e o hilo pulmonar. A esternotomia tem facilitar o acesso. Também é importante é o uso de coxins
sido defendida por alguns grupos para a realização de vá- entre os joelhos, a fim de evitar o contato entre os mesmos
rios procedimentos gerais, principalmente em cirurgias do e prevenir úlceras locais por contato, principalmente em
mediastino anterior e pulmonares, mas ainda assim, é mais cirurgias de grande porte e que levam tempo prolongado.
utilizada principalmente pelos cirurgiões cardíacos. A incisão começa na linha axilar anterior, curva-se a 4cm
Outro conceito fundamental é que, quanto menor a abaixo da ponta da escápula e direciona-se verticalmente
quantidade de músculos seccionados, maiores as vanta- entre a linha mediana posterior da coluna e a borda medial
gens para o paciente: da escápula. Geralmente, não é necessário prolongar-se
- Menor dor pós-operatória: além do conforto propria- além da espinha da escápula.
mente dito, com menos dor, o paciente consegue fazer A ressecção de pequena porção da costela, no ângulo
os movimentos respiratórios mais amplamente, não costovertebral em pacientes com mais de 40 anos, pode
tem restrição respiratória, e, com isso, obviamente ser necessária, mas atualmente não é recomendada na ro-
respira melhor e faz melhor as trocas gasosas. Além tina para evitar fraturas costais. Para tal finalidade, pode-
disso, retorna mais rapidamente às atividades diárias mos lançar mão de outras técnicas, como seccionar todo
e ao trabalho; o intercosto, desde o esterno anteriormente (com cuidado
- Teoricamente, a função pulmonar retorna ao normal em relação à artéria e veia mamária) até a região da coluna
em menor tempo: os músculos têm papel fundamen- posteriormente e, principalmente, abrir o finocheto lenta
tal na dinâmica respiratória, e, com isso, seccionando e compassadamente. Em reoperações, pode ser muito im-
músculos, a média para retornar aos valores iniciais de portante a ressecção de grandes porções da costela, com
qualquer prova de função pulmonar pré-operatória é entrada na cavidade pleural por meio do leito da costela
de 6 meses após o procedimento cirúrgico. Para me- retirada.
lhorar esta situação, surgiram a ideia e o conceito de A principal vantagem da incisão posterolateral é a ex-
“toracotomia poupadora”, sendo uma toracotomia posição para a maioria dos procedimentos torácicos ge-
lateral que não secciona o grande dorsal, trazendo os rais. A principal desvantagem é o tempo necessário para
benefícios discutidos e explicados anteriormente por a sua realização, além da quantidade de tecido transec-
não seccionar musculatura. cionado.

153
CI RUR G I A TOR Á CICA

Tabela 1 - Vantagens e desvantagens da toracotomia posterolateral Desvantagens


Vantagens
- Acesso restrito;
- Acesso a quase todas as estruturas;
- Dificuldade de acesso ao hilo;
- Facilidade de dissecção das estruturas;
- Acesso principalmente às porções superiores pulmonares e ca-
- Versatilidade. deia simpática.
Desvantagens
- Tempo necessário para realização;
- Tamanho da incisão e quantidade de músculo seccionado;
- Aspecto estético final.

Figura 2 - Toracotomia axilar

4. Esternotomia mediana
Atualmente, é a principal incisão para os cirurgiões car-
díacos, não para os torácicos.
Figura 1 - Toracotomia posterolateral Suas maiores vantagens para procedimentos torácicos
gerais são a velocidade de abertura e de fechamento (mes-
mo sendo necessário o acesso com serra, seccionando o
3. Toracotomia axilar esterno) e sua familiaridade, para muitos cirurgiões, à sua
Esta incisão foi originariamente desenvolvida para opera- exposição a lesões do mediastino anterior. A maior desvan-
ções no sistema nervoso simpático superior (simpatectomia tagem é sua exposição a estruturas posteriores do hilo pul-
torácica – realizada para tratamento de hiperidrose), que monar, principalmente do lobo inferior.
A dor pós-operatória é considerada menor que da to-
atualmente foi totalmente substituída pela videotoracosco-
racotomia lateral, pelo fato de não haver secção muscular,
pia. Em relação à incisão, foi modificada para a ressecção da
conforme discutido previamente.
1ª costela, na síndrome do estreito superior do tórax.
O fechamento é realizado com fios de aço passados no
O posicionamento do paciente é o mesmo para todas as
espaço costal para esternal, na maioria das vezes, em “X”.
toracotomias laterais.
As vantagens primordiais são a velocidade de abertura e Tabela 3 - Vantagens e desvantagens da esternotomia mediana
de fechamento, a menor quantidade de perdas sanguíneas
Vantagens
e o reduzido desconforto pós-operatório. Os únicos grupos
musculares realmente seccionados por essa incisão são os - Rapidez de acesso;
intercostais, pois a incisão na pele é feita sobre o intercosto - Não secção de músculos – menor dor;
desejado, da borda lateral do músculo grande dorsal até a - Acesso a estruturas anteriores.
borda lateral do peitoral maior. Com isso, não são seccio- Desvantagens
nados grandes músculos: o grande dorsal é rebatido poste- - Cosmética;
riormente e o serrátil anterior é dividido no sentido de suas
- Secção óssea;
fibras. Essa divisão não deve estender-se muito posterior-
- Acesso a estruturas posteriores.
mente, para evitar a lesão do nervo torácico longo. Os in-
tercostais devem ser abertos anteriormente até a curvatura
anterior das costelas e, posteriormente, até a musculatura
sacroespinhal.
Tabela 2 - Vantagens e desvantagens da toracotomia axilar
Vantagens
- Incisão menor;
- Menor quantidade de músculos seccionados;
- Melhor efeito cosmético;
- Menor dor pós-operatória.
Figura 3 - Esternotomia mediana

154
INCISÕES TORÁCICAS

5. Toracotomia anterior vezes, não tem necessidade de drenar no pós-operatório,


pois não tem necessidade de penetrar na pleura.
A vantagem da toracotomia anterior é que o paciente
pode ser mantido na posição supina, com uma melhora Tabela 4 - Vantagens e desvantagem da mediastinotomia anterior
na função cardiopulmonar. Tem sido utilizada com menor Vantagens
frequência devido ao desenvolvimento de técnicas como - Incisão pequena;
esternotomia mediana, manuseio anestésico e procedi- - Infrequente necessidade de dreno.
mentos de estadiamento mediastinal (mediastinoscopia e Desvantagem
mediastinotomia).
- Acesso mínimo, para a biópsia apenas.
Continua a ser a incisão de escolha para biópsias de pul-
mão a céu aberto. A decisão entre ela e a videotoracoscopia
tem 2 aspectos fundamentais: o 1º é quanto à possibilidade
da ventilação monopulmonar, ou seja, bloqueando 1 dos
pulmões. O 2º é a presença de áreas-alvo pulmonares para
a realização das biópsias. Resumindo, quando a doença não
for difusa e o paciente tiver condições de suportar, deve-se
preferir a videotoracoscopia. A exposição, nesse caso, será
melhor para várias áreas pulmonares. A maior desvanta-
gem é a exposição que oferece.

CIRURGIA TORÁCICA
Figura 5 - Mediastinotomia anterior

7. Bitoracotomia anterior (clam shell)


A bitoracotomia oferece excelente exposição a toda a
cavidade torácica bilateralmente, e é também conhecida
como esternotomia transversal. Em 1994, o Dr. Robert J.
Ginsberg publicou sua experiência com essa via, após utili-
zação em larga escala no transplante pulmonar, aplicada às
ressecções de grandes tumores do mediastino e do pulmão.
Em sua opinião, a exposição para todo o mediastino, peri-
cárdio, cavidade pleural e pulmões é excelente, particular-
mente nas patologias de lobos inferiores pulmonares e/ou
Figura 4 - Toracotomia anterior aquelas com invasão mediastinal.
É a maior das incisões torácicas, utilizada principalmente
6. Mediastinotomia anterior (Chamberlain) para transplante pulmonar, devido ao seu acesso a todas as
estruturas pulmonares, hilares e mediastinais bilateralmente.
É um acesso descrito e desenvolvido essencialmente
A incisão é grande, indo da linha axilar posterior até o
para investigação de tumorações na região do mediastino
mesmo reparo contralateralmente. O peitoral maior geral-
anterior, atualmente substituída por biópsias guiadas por
mente é desinserido e rebatido superiormente. A cavidade
tomografia, pelo fato destas serem menos invasiva e não
pleural é aberta geralmente no 4º espaço intercostal bila-
necessitarem de anestesia geral.
teralmente, as artérias mamárias são ligadas e o esterno é
O paciente é mantido em posição supina, sob anestesia
serrado. Finochetos são colocados bilateralmente e aden-
geral e ventilação bilateral. É feita incisão de 3 a 5cm no
tra-se a cavidade torácica.
espaço a ser biopsiado (de preferência, entre o 2º e 3º es-
paço intercostal) lateralmente ao esterno, entrando entre Tabela 5 - Vantagem e desvantagens da bitoracotomia anterior
as fibras do peitoral maior (divulsionando-as) e tendo aces- Vantagem
so à cavidade torácica entre cartilagens costocondrais e ao - Acesso bilateral a todas as estruturas.
mediastino anterior. Desvantagens
Permite uma boa área de exposição, mediante a orien-
- Grande incisão;
tação da tomografia computadorizada, trazendo segurança
para a realização de biópsias a céu aberto e, na maioria das - Abertura ampla do intercosto bilateralmente.

155
CI RUR G I A TOR Á CICA

ridade do cirurgião com esta via de acesso. Atualmente, tal


posição é pouco utilizada, mas deve ser lembrada quando
há dificuldade de bloquear o brônquio do pulmão a ser ope-
rado, como em crianças, por exemplo, por não dispormos
de cânulas de intubação seletivas ou bloqueadores de ta-
manhos pediátricos com facilidade.
Atualmente, utiliza-se uma variação dessa incisão
para a ressecção de tumores do sulco superior (tumor de
Pancoast), prolongando-se cranialmente a incisão na dire-
ção posterior – incisão de Shaw-Paulson.
Tabela 6 - Vantagem e desvantagens da toracotomia posterior
Vantagem
- Proteção do pulmão contralateral.
Desvantagens
- Maior quantidade de músculo seccionado;
- Necessidade de familiaridade do cirurgião com a incisão.

Figura 7 - Toracotomia posterior

9. Cirurgia torácica minimamente invasiva


A cirurgia torácica atualmente está quase totalmente
vinculada à área médica chamada “minimamente invasi-
va”, com o uso principalmente da videotoracoscopia. O uso
do vídeo, que até pouco tempo atrás era considerado um
diferencial para os cirurgiões e utilizado para procedimen-
Figura 6 - Bitoracotomia anterior
tos torácicos menores, como biópsias de pleura, tornou-se,
hoje, arma fundamental e quase obrigatória aos cirurgiões
8. Toracotomia posterior (Overholt) torácicos por diversos motivos:
- Menor dor pós-operatória, com retorno mais rápido às
Desenvolvida na década de 1950, foi descrita a posição, atividades habituais;
mais do que a própria incisão, utilizada por William Overholt - Maior rapidez no retorno das funções pulmonares
para o tratamento de casos supurativos pulmonares. Isso iniciais;
porque na época não havia recursos, utilizados hoje, para - Esteticamente mais desejável.
bloqueio brônquico, necessário nos casos de supuração
para secreção não “escorrer” para o lado contralateral, isto Além de tais benefícios, o desenvolvimento da técnica
é, ao virar o paciente em decúbito lateral, a secreção iria tornou factível a realização de cirurgias maiores, como des-
para o pulmão “de baixo”, trazendo infecção para o órgão corticações pulmonares e lobectomias, obtendo o resulta-
sem acometimento da doença. do final muito parecido com a cirurgia aberta, porém com
Com este posicionamento, além de o brônquio adquirir os benefícios descritos em relação à videotoracoscopia.
uma angulação favorável, tinha-se um acesso rápido ao seu Dentre as técnicas minimamente invasivas, a cirurgia
clampeamento. A desvantagem, no entanto, é a manipula- com o auxílio do robô está em ascensão, e a cirurgia to-
ção da artéria e veia pulmonares, que exige maior familia- rácica está dando seus primeiros passos em relação a essa

156
INCISÕES TORÁCICAS

modalidade, que tem como vantagens, além das inicial- 10. Mnemônico
mente citadas e idênticas em relação à cirurgia videoto-
racoscópica, menor índice de perda sanguínea – devido a
- Incisão posterolateral: clássica;
maior mobilidade dos braços do robô – e maior aumento do - Incisão axilar: substituída pela videotoracoscopia;
campo visual (segundo alguns trabalhos), pois teoricamen- - Esternotomia: mediastino anterior;
te a dissecção dos vasos e estruturas torna-se mais segura - Toracotomia anterior: biópsia pulmonar;
e factível. - Mediastinotomia anterior (Chamberlain): biópsia;
Como nova tecnologia, ainda são necessários estudos - Bitoracotomia anterior (clam shell): transplante;
pormenorizados até a completa aceitação do método, en- - Toracotomia posterior (Overholt): supurações.
tretanto a dissecção mais acurada dos linfonodos mediasti-
nais parece ser uma grande vantagem quando comparada à
lobectomia videoassistida.

CIRURGIA TORÁCICA
Figura 8 - Colocação de trocartes

Figura 9 - Exemplo de uso de robô

157
CI RUR G I A TOR Á CICA

CAPÍTULO

2
Pneumotórax
Carlos Eduardo Levischi Júnior / Rodrigo Olívio Sabbion

1. Introdução - Pneumotórax catamenial: ocorre durante o período


menstrual, devido à migração de células do endoté-
Pneumotórax pode ser definido como a presença ou acú- lio uterino para o tórax. A teoria principal é de que as
mulo de ar na cavidade pleural, resultado da solução de con- células uterinas caem na cavidade abdominal pelas
tinuidade da integridade das pleuras. A lesão pode ocorrer trompas e são “sugadas” para o tórax devido à pres-
na pleura parietal (exemplo: trauma com perfuração da caixa são negativa. Essas pacientes, geralmente, possuem
torácica) ou na pleura visceral (exemplo: acidente de punção; alterações na integridade anatômica do diafragma,
blebs, também chamadas de vesículas enfisematosas sub- apresentando micro ou macroperfurações, que atuam
pleurais, geralmente localizadas nos ápices dos pulmões, de- como porta de entrada. A sintomatologia tem início
senvolvidas a partir da ruptura da parede alveolar, com dis- após 24 a 72 horas do início da menstruação, e pode
secção intrapulmonar pelo ar livre para a superfície pleural). ter como causa a endometriose pulmonar. Acomete
O ar alcança o espaço pleural situado entre o pulmão e predominantemente mulheres com mais de 30 anos.
a parede torácica através da lesão, mais especificamente, Pode ser uni ou bilateral, sendo mais comum sua loca-
entre os folhetos pleurais (visceral e parietal). A interposi- lização à direita;
ção gasosa causa o afastamento entre as pleuras visceral e
parietal, e o espaço pleural, antes virtual, torna-se real.
- Pneumotórax neonatal: ocorre após o nascimento, re-
sultado da rápida variação da pressão transpulmonar,
Em alguns casos o gás no interior da cavidade pleural
negativa nos casos de aspiração de mecônio, muco ou
é proveniente de fermentação pútrida, ou seja, ocorre for-
sangue, e positiva nas situações de ventilação mecâni-
mação de bolhas gasosas dentro da caixa torácica, situação
ca em portadores da síndrome da membrana hialina.
observada no curso de empiema, produzindo pneumotórax
Acomete principalmente neonatos nascidos a termo
de pequena proporção.
ou pós-termo, do sexo masculino, à proporção 2:1;
- Pneumotórax iatrogênico: didaticamente, pode ser
2. Classificação subdividido em: diagnóstico (punções), terapêutico
O pneumotórax é classificado como espontâneo (primá- (ventilação mecânica) e inadvertido (acesso cen-
rio ou secundário) ou traumático: tral).

A - Espontâneo Na Tabela 1, estão listados os tipos e as causas mais fre-


quentes de pneumotórax.
Não resulta de ação traumática sobre a caixa torácica.
Pode ser subdividido em: Tabela 1 - Classificação e etiologia do pneumotórax
- Primário: ocorre em pacientes sem doença pulmonar Espontâneo primário
subjacente; - Rotura de bolhas subpleurais (blebs).
- Secundário: decorre de complicação de uma doença Espontâneo secundário
pulmonar preexistente.
- Doença broncopulmonar obstrutiva crônica;
- Pneumonias (Staphylococcus, Pneumocystis jiroveci);
B - Traumático
- Tuberculose;
Consequente à presença de traumatismo torácico aber- - Abscesso pulmonar;
to ou fechado. Para alguns autores, o pneumotórax resulta
- Bronquiectasia;
de intervenções diagnósticas ou terapêuticas; pneumotórax
iatrogênico deve ser incluído nessa classe. - Fibrose cística.

158
PNEUMOTÓRAX

Espontâneo secundário rácica funciona como fole, “puxando” o pulmão e forçan-


- Pneumocistose: do a sua abertura (inspiração); após “aberto”, o pulmão,
· Micoses; devido à sua elasticidade, retrai (expiração), finalizando
· Asma; o ciclo respiratório. Todo esse trabalho é feito em um
· Histiocitose X. sistema a vácuo (pressão negativa), com as pleuras in-
- Granuloma eosinofílico: terpostas. Qualquer alteração pleural que cause a perda
· Sarcoidose: linfangioleiomiomatose pulmonar. desse “vácuo” faz que o sistema não funcione mais, as
- Esclerose tuberosa: pleuras perdem o contato, e o pulmão se retrai, surgindo
· Fibrose pulmonar idiopática; o pneumotórax.
· Doença intersticial pulmonar; O pneumotórax causa a redução dos volumes e com-
· Doenças do tecido conjuntivo (artrite reumatoide, espondilite placência pulmonar e da capacidade de difusão, levando a
anquilosante, esclerodermia, síndrome de Marfan, polimiosi- sintomatologia proporcional às suas dimensões.
te, dermatomiosite).
- Rotura espontânea do esôfago (síndrome de Boerhaave); 4. Diagnóstico
- Neoplasias (primárias ou metastáticas);
O diagnóstico do pneumotórax baseia-se na história
- Catamenial (endometriose pleural/diafragma fenestrado).
clínica, no exame físico e na análise dos exames radioló-
Pneumotórax iatrogênico gicos.
- Punção de veia central; Normalmente, a sintomatologia tem início com o pa-
- Biópsia transbrônquica; ciente em repouso e, ocasionalmente, durante o exercício
- Biópsia transtorácica; físico.

CIRURGIA TORÁCICA
- Toracocentese; A dor torácica é o sintoma mais frequente, sendo referi-
- Biópsia pleural;
da como de início súbito e de localização ipsilateral. Outro
sintoma importante é a dispneia, que pode variar de leve
- Bloqueio de nervos cervicais e intercostais;
a grave, dependendo das características do pneumotórax.
- Massagem cardíaca externa; Raramente, a dor torácica é concomitante à dispneia, quan-
- Acupuntura; do associadas, normalmente a queixa é de mal-estar gene-
- Assistência ventilatória mecânica (barotrauma); ralizado.
- Procedimentos abdominais (cirurgia laparoscópica, punção bi- Conceito importante: a dispneia é proporcional:
ópsia de fígado e rim). - À magnitude do pneumotórax;
Traumático - À velocidade do acúmulo do ar;
- Trauma aberto; - Ao grau de colapso pulmonar;
- Trauma fechado. - À reserva cardiopulmonar do paciente.
Em pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica,
3. Fisiopatologia a dispneia é um sintoma comum devido à limitação fun-
Os pulmões, em condições normais, tendem ao colapso, cional produzida pela doença. Nesses casos, pneumotórax
e isso só não acontece devido à ação das pressões atmos- de pequenas proporções ocasiona quadros de importante
férica e pleural. Durante quase todo o ciclo respiratório, a insuficiência respiratória, com retenção de gás carbônico e
pressão no interior dos brônquios é maior do que a pressão queda da PaO2. Tosse e cianose podem estar presentes no
intrapleural, por conta da elasticidade (retração elástica) in- início da sintomatologia.
trínseca do pulmão, assim, a pressão no espaço pleural é No exame físico, esperam-se:
negativa em relação à pressão atmosférica. O gradiente de - Diminuição da expansibilidade torácica no lado aco-
pressão resultante mantém a pleura visceral aposta contra metido;
a pleura parietal na parede torácica, em um equilíbrio di- - Diminuição ou abolição do murmúrio vesicular no lado
nâmico que é rompido quando se estabelece comunicação acometido;
entre o meio externo e a cavidade pleural. A penetração do - Diminuição ou abolição do frêmito toracovocal no lado
ar alterando todo esse equilíbrio pressórico torna a pressão acometido;
na cavidade pleural positiva.
A interposição de ar entre as pleuras caracteriza o pneu-
- Hipertimpanismo à percussão.
motórax, que pode ter origem a partir de rotura da pleura Em alguns casos, pode ser encontrado aumento da fre-
visceral, parietal ou por descontinuidade da pleura medias- quência cardíaca que, associado à cianose e à hipotensão
tinal, na lesão do esôfago ou de vias aéreas. arterial, sugere pneumotórax hipertensivo.
Em outras palavras: o sistema respiratório funciona Alguns sinais, como turgência jugular e desvio de tra-
em um sistema fechado de pressões, em que a caixa to- queia, podem ser observados.

159
CI RUR G I A TOR Á CICA

motórax de pequenas proporções ou até de incidência la-


teral.
A tomografia computadorizada de tórax fornece infor-
mações precisas sobre a presença ou não de bolhas apicais
subpleurais (blebs), suas dimensões, disposição anatômica
e existência ou não de doença contralateral.

Figura 1 - Pneumotórax extenso com desvio traqueal

Nos pacientes com pneumotórax secundário e nos por-


tadores de doença pulmonar obstrutiva crônica, o exame
físico não se mostra muito útil pelo fato de que os achados
já estão, usualmente, presentes, sendo difícil estabelecer
diagnóstico com base em uma suspeita clínica. A possibili-
dade de pneumotórax em pacientes com doença pulmonar Figura 3 - Pneumotórax grande em hemitórax direito
obstrutiva crônica deve ser considerada nos casos de dor Os pacientes portadores de Doença Pulmonar Obstrutiva
torácica súbita, agravamento da dispneia e descompensa- Crônica (DPOC) com pneumotórax espontâneo secundário
ção respiratória. apresentam aspectos radiológicos característicos da doença,
O pneumotórax pode ser confirmado por uma radio- com pulmão hiperlucente e mínima diferença de radiodensida-
grafia simples de tórax, sendo caracterizado pelo distancia-
de em relação ao pneumotórax, tornando difícil a interpreta-
mento entre as pleuras visceral e parietal, causado pela pre-
ção radiológica. Isso decorre da perda elástica do pulmão e da
sença de ar no espaço pleural. O ar, ao raio x, apresenta-se
presença de aprisionamento aéreo. Nestes casos, a tomografia
como área hiperlúcida com ausência da trama vasobrônqui-
computadorizada de tórax é de grande auxílio para a adequa-
ca na periferia do hemitórax. A pleura visceral é visualizada
da diferenciação entre pneumotórax e doença bolhosa.
como uma linha fina no hemitórax acometido.
Em 10 a 20% dos casos, há um pequeno derrame pleural
associado, caracterizado pelo apagamento do recesso cos-
tofrênico, do contorno diafragmático ou da presença de ní-
vel hidroaéreo. Alguns desses casos são atribuídos a ruptu-
ras de aderências vascularizadas, com derrames hemáticos,
embora se possa encontrar também piopneumotórax, em
geral, por ruptura de uma cavidade infectada.

Figura 2 - Linha pleural em pneumotórax

Ocasionalmente, pode ser necessária uma radiografia


obtida em expiração forçada para o diagnóstico de pneu- Figura 4 - Imagem tomográfica de pneumotórax no lado direito

160
PNEUMOTÓRAX

5. Tratamento da evolução para um quadro de pneumotórax hipertensivo


com graves consequências. Se tais pacientes não estão em
Importante: ventilação artificial, é prudente a internação com simples
O tratamento do pneumotórax tem como objetivos diminuir sin- observação e drenagem torácica em situações de aumento
tomas, restabelecer a função pulmonar, evitar complicações e da câmara aérea, o que denota a presença de fístula com a
prevenir recidivas. Consiste em condutas variadas, que incluem cavidade pleural.
desde procedimentos conservadores como repouso e observa-
Os pacientes com pneumotórax espontâneo secundá-
ção, oxigenoterapia suplementar; até procedimentos invasivos
como aspiração simples, drenagem pleural fechada com ou sem
rio, portadores de doenças subjacentes, com limitada re-
instilação de agentes esclerosantes, videotoracoscopia ou tora- serva funcional pulmonar, na grande maioria dos casos,
cotomia aberta com abordagem das bolhas, abrasão pleural e requerem a drenagem pleural fechada como fase inicial do
pleurectomia. Com o objetivo de diminuir sintomas, restabele- tratamento, exceto nos pacientes estáveis com pneumotó-
cer a função pulmonar, evitar complicações e prevenir recidivas. rax de pequenas proporções.
No pneumotórax catamenial, a conduta terapêutica inclui
A escolha da melhor opção depende de fatores como: o fechamento das perfurações diafragmáticas e hormonote-
- Intensidade dos sintomas; rapia para o controle da endometriose, quando associada ao
- Repercussão clínica; quadro. A videotoracoscopia deve ser utilizada como via de
acesso preferencial nesses casos, pois avalia com precisão os
- Magnitude do pneumotórax; defeitos diafragmáticos, permitindo a sua abordagem cirúr-
- Provável etiologia; gica direta e a realização de procedimentos associados para
- Comorbidades pleurais associadas; prevenir a recorrência, como pleurectomia para excluir os
- Doença pulmonar subjacente; pontos de endometriose torácica ou pleurodese química ou

CIRURGIA TORÁCICA
- Persistência ou recorrência do pneumotórax. abrasiva para manutenção do contato entre as pleuras.

Figura 5 - Dreno tubular tipo pig tail

A possibilidade de recidiva, a partir do 1º episódio, fica


em torno de 30%, e, a partir do 2º, aproximadamente 60 a
Figura 6 - Perfurações diafragmáticas no pneumotórax catamenial
80% em média, com período de latência cada vez menor. A
incidência de recorrência do pneumotórax secundário pa-
rece ser um pouco mais alta. A maioria das recorrências se
manifesta no 1º ano.
Embora alguns autores admitam conduta conservadora
no pneumotórax traumático, essa não é nossa estratégia te-
rapêutica inicial. Independente de sua natureza, aberta ou
fechada, é indicada a toracostomia com drenagem fechada
no momento do diagnóstico, independente da magnitude,
principalmente se em regime de ventilação mecânica ou
com hemotórax.
Em situações de pneumotórax iatrogênico, os pacientes
em regime de ventilação mecânica com pressão positiva
devem, obrigatoriamente, ser submetidos à drenagem to-
rácica em selo d’água, pelos riscos inerentes, nestes casos, Figura 7 - Implantes de endotélio na pleura parietal

161
CI RUR G I A TOR Á CICA

Nos pacientes com pneumotórax espontâneo primário, Quanto aos pacientes com pneumotórax espontâneo
os princípios terapêuticos são os mesmos, entretanto é im- primário em que a câmara aérea é de grande magnitude,
portante tecer algumas considerações sobre a magnitude há necessidade de alguma medida intervencionista, na
do pneumotórax. Existem métodos para quantificar o tama- maioria dos casos, que assegure a reexpansão pulmonar.
nho da câmara aérea que ocupa o hemitórax, mas nenhum Os procedimentos são os mesmos utilizados quando da não
é muito preciso. Estudos que associam tomografia de tórax reexpansão do pulmão, nos casos de pneumotórax de pe-
a programas de computador apresentam maior precisão. quena magnitude.
Uma maneira prática e simples, muito utilizada, é a dis- Nos casos em que não há expansão pulmonar adequada
tância medida entre o ápice do pulmão e a extremidade e manutenção da fistula aérea, pode ser indicada a aspiração
apical da cavidade pleural. Distâncias inferiores ou supe- contínua do sistema de drenagem com uma pressão média
riores a 3cm sugerem pneumotórax de pequena e grande de 20cmH2O, com o objetivo de aumentar a vazão de ar dos
magnitude, respectivamente. espaços pleural e auxiliar na expansão pulmonar e cicatriza-
ção da fístula aérea. O objetivo com a aspiração seria tornar
a pressão pleural ainda mais negativa para “puxar” e “abrir”
com mais força o pulmão, forçando o contato entre as pleu-
ras e acelerando o processo de cicatrização da fístula.
Pacientes com grandes colapsos pulmonares podem
apresentar edema pulmonar de reexpansão, após a drena-
gem. A injúria de reperfusão é a principal causa, ocorrendo
em pulmão reinflado rapidamente após um variável perí-
odo de colapso, em média, superior a 72 horas de evolu-
Figura 8 - Medida do volume de pneumotórax pela distância entre
o ápice do pulmão e a extremidade apical da cavidade pleural
ção. Esses pacientes apresentam insuficiência respiratória,
hipóxia, hipotensão arterial, instabilidade hemodinâmica,
Os pacientes com pneumotórax espontâneo primário de alguns exigem, também, ventilação mecânica. Como medi-
pequena magnitude podem se beneficiar, inicialmente, com da preventiva, recomenda-se a administração de oxigênio
medidas conservadoras, como repouso relativo, com ou sem antes da drenagem pleural com reexpansão lenta e gradual
oxigenoterapia suplementar, que auxilia na reabsorção da câ- do pulmão (conceito válido também para os derrames pleu-
mara aérea. Na maioria dos casos, os pacientes encontram- rais). Pacientes com pneumotórax espontâneo primário, no
-se hemodinamicamente estáveis, sem hipoxemia, com mí- 1º episódio, e que foram submetidos à observação, simples
nimas queixas. Em caso de qualquer indício de instabilidade aspiração ou drenagem pleural fechada, apresentarão pos-
hemodinâmica ou respiratória, deve-se considerar a possi- sibilidade de recorrência de aproximadamente 30%.
bilidade do aumento do pneumotórax com necessidade de A intervenção terapêutica definitiva é indicada após 2º
procedimentos intervencionistas, como a drenagem pleural episódio. Alguns pacientes, no 1º episódio, já possuem indi-
em selo d’água ou cateter conectado a uma válvula do tipo cação de procedimento definitivo, principalmente aqueles
Heimlich, com acompanhamento ambulatorial. que exercem profissões de risco (aviadores, mergulhadores
Conceito importante: o paciente só terá benefício com etc.) ou que residam em locais sem acesso rápido a serviço
uso de oxigênio suplementar quando houver fístula aérea, médico. Nesses casos, recomenda-se a abordagem cirúr-
pois a função do O2 seria sair para a pleura (quando a lesão gica através da videotoracoscopia, visando à profilaxia da
for na pleura visceral) e aumentar o poder de reabsorção recorrência, procedimento também utilizado naqueles que
do ar acumulado no espaço pleural, tendo em vista a maior indicam cirurgia no 2º episódio.
capacidade pleural em reabsorver O2 em relação ao CO2. Para tratamento invasivo, a videotoracoscopia é o pro-
cedimento de escolha, por permitir a identificação da causa
(ex.: bolhas subpleurais), ressecção da área e realização de
procedimentos que evitem a recorrência, como pleurodese
por abrasão pleural ou pleurectomia apical.
Conceito importante: o tratamento fundamental para o
pneumotórax na cirurgia não é a segmentectomia, e sim a
pleurodese.
Indicações precisas da videotoracoscopia ou toracoto-
mia:
- Casos de pneumotórax espontâneo primário por oca-
sião do 1º episódio em indivíduos que exercem profis-
sões de risco;
- Casos de pneumotórax espontâneo primário por oca-
Figura 9 - Dreno de pig tail com válvula de Heimlich sião do 2º episódio;

162
PNEUMOTÓRAX

- Insucesso no manuseio do pneumotórax com fuga aé- Observação:


rea persistente; O fator principal para indicação de intervenção pleural ou
- Pneumotórax espontâneo contralateral simultâneo. observação é o quadro clínico do paciente, independente
da causa. Mesmo em situações de pneumotórax mínimo,
porém com queda da saturação e dispneia, a indicação é
a drenagem.

Figura 10 - Segmentectomia apical demonstrando blebs

Nos casos de insucesso da videotoracoscopia, dificulda-


de no manuseio anestésico (intubação seletiva em pneu-
monectomizados) e pneumotórax complicado com encar-
ceramento pulmonar, a toracotomia axilar, apesar de pro-
vocar maior dor pós-operatória, tem indicação formal, com
a mesma finalidade e estratégia cirúrgica.

CIRURGIA TORÁCICA
Independente da via de acesso utilizada para a toracoto-
mia, a analgesia adequada é de extrema importância para
minimizar o tempo de internação hospitalar. A utilização de
anestesia peridural com permanência do cateter para uso
no pós-operatório pode ser uma solução viável, sendo cada
vez mais utilizada nos serviços especializados.
No período pós-operatório, o manuseio adequado dos
drenos torácicos é item primordial para uma boa evolução.
Habitualmente, não devem ser clampeados, principalmen-
te em casos com escape aéreo no sistema de drenagem.
Para a retirada do dreno são fundamentais a ausência de
fístula aérea, baixo débito de drenagem líquida e radio-
grafia de tórax mostrando adequada expansão do pulmão.
Com a recomendação de que, mesmo com a evidência do
fechamento da fístula aérea, o dreno torácico só deve ser
retirado cerca de 24 horas após sua colocação.
Tabela 2 - Tratamento
Tipos de
Tratamento
pneumotórax
Espontâneo primário - Pequeno (<3cm) = observação;
– 1 episódio - Grande (>3cm) = drenagem.
Espontâneo primário – - Cirurgia (videotoracoscopia: segmen-
2 episódios tectomia + pleurodese).
Espontâneo secundá-
- Drenagem.
rio
Traumático/iatrogê-
- Drenagem.
nico

163
CI RUR G I A TOR Á CICA

CAPÍTULO

3
Derrame pleural
Carlos Eduardo Levischi Júnior / Rodrigo Olívio Sabbion

quido para fora dos vasos, e com forças oncóticas ou osmó-


1. Introdução ticas responsáveis pela manutenção do líquido no interior
Acredita-se que a incidência de derrame pleural no dos vasos.
Brasil atinja mais de 1 milhão de pessoas por ano, e esse Quanto aos fatores que dificultam a saída do líquido,
relacionam-se à redução da função dos linfáticos pleurais,
elevado índice é um reflexo da dificuldade de diagnóstico e
afetada pela permeabilidade dos vasos linfáticos, disponi-
tratamento inadequados de patologias pulmonares simples bilidade de líquido e pressões de enchimento e de esvazia-
como a Pneumonia Adquirida na Comunidade (PAC), res- mento.
ponsável por aproximadamente 50% dos casos. Tumores, A mecânica pulmonar e as trocas gasosas são pouco afe-
tuberculose e, mais recentemente, as infecções oportunis- tadas pelo derrame pleural, a não ser que este seja extenso
tas nos imunocomprometidos são alguns dos responsáveis o suficiente para comprimir uma quantidade considerável
pela outra metade dos casos. de parênquima subjacente.
O diagnóstico precoce depende de uma história clí- Causas do acúmulo de volume anormal de líquido pleural:
nica minuciosa, exame físico correto e, principalmente, - Aumento da pressão hidrostática na microcircula-
métodos de imagem. De acordo com as hipóteses formu- ção: resulta em aumento da filtração do líquido para
ladas, pode-se fazer o uso de um método invasivo para fora do vaso, favorecendo o acúmulo desse líquido na
análise do líquido e/ou pleura para o tratamento apro- cavidade (ex.: na insuficiência cardíaca congestiva, o
priado. aumento da pressão dos capilares pulmonares parece
ser o fator definitivo do desenvolvimento do derrame
2. Fisiopatologia pleural);
Existe um equilíbrio entre a entrada e a saída de líqui- - Redução da pressão oncótica na microcirculação vas-
do na cavidade pleural, de modo fisiológico; de maneira a cular: a pressão oncótica é a responsável pela manu-
manter estável a quantidade e concentração proteica do tenção do líquido no interior do vaso; com a sua re-
fluido pleural. Os movimentos respiratórios, pela variação dução, o líquido tem facilidade para sair do vaso (ex.:
da inspiração e expiração, proporcionam a reabsorção do baixas taxas de albumina diminuem a pressão oncótica
líquido e das partículas, assim como a sua progressão nos e consequentemente aumentam o líquido intersticial);
linfáticos. O acúmulo de líquido no espaço pleural presu- - Aumento na permeabilidade da microcirculação: fa-
me a alteração deste estado de equilíbrio. O líquido pleu- vorece a passagem de líquido, proteínas e células para
ral acumula-se quando o seu desenvolvimento ultrapassa
a cavidade pleural;
a sua absorção.
Na maioria das vezes, o líquido penetra no espaço pleu- - Diminuição da pressão do espaço pleural: também fa-
ral a partir dos capilares da pleura parietal e é extraído pelos cilita a passagem do líquido para a cavidade pleurítica
linfáticos também situados nessa região. Entretanto, espaços (ex.: neoplasia broncogênica com atelectasia);
intersticiais do pulmão, pleura visceral, cavidade peritoneal - Dificuldade da drenagem linfática: é um dos meca-
ou pequenos orifícios no diafragma são alternativas para a nismos mais importantes na formação dos derrames,
entrada do líquido. Assim, o derrame pleural é a consequên- acontece com o bloqueio da drenagem linfática desde
cia do excesso da entrada do líquido pleural (da pleura parie- os estomas até os gânglios mediastinais;
tal, dos espaços intersticiais do pulmão, da pleura visceral,
da cavidade peritoneal ou dos orifícios diafragmáticos) ou da - Passagem de líquido a partir do espaço peritoneal:
menor remoção de líquidos pelos vasos linfáticos, resultando os casos de ascite, normalmente por cirrose hepática,
em acúmulo de líquido no espaço pleurítico. podem originar derrame pleural, devido à passagem
Os mecanismos de entrada do líquido se relacionam de líquido, por meio dos linfáticos do diafragma ou por
com forças hidrostáticas, responsáveis pela filtração do lí- defeito deste.

164
DERRAME PLEURAL

3. Quadro clínico
Os pacientes com derrame pleural têm sintomatologia
variável, porém dispneia, tosse seca e dor torácica são os
sintomas mais comumente encontrados:
- Dispneia: o grau de dispneia está relacionado dire-
tamente à velocidade de acúmulo do líquido pleural,
pois, em derrames que se formam mais vagarosamen-
te, o pulmão tem tempo suficiente para se adaptar à
perda volumétrica, como, por exemplo, em grandes
derrames crônicos, em que os pacientes são assinto-
máticos. Pode ser consequência da restrição ventila-
tória decorrente de dor torácica. É importante lem-
brar que a dispneia também pode estar ligada à do-
ença de base do paciente (ex.: Insuficiência Cardíaca
Congestiva – ICC) e também é proporcional à reserva
cardiovascular do paciente;
- Tosse: geralmente é seca, devido ao estímulo da pleu- Figura 2 - Raio x mostrando derrame pleural ocupando metade do
ra parietal; hemitórax esquerdo
- Dor torácica: caracterizada por ser ventilatório-depen-
dente. Geralmente, localizada nas porções inferiores

CIRURGIA TORÁCICA
do hemitórax acometido ou pode ser ainda referida na
região escapular.

Figura 3 - Derrame pleural no hemitórax direito

Figura 1 - Exemplo de derrame pleural na base esquerda


B - Ultrassonografia
Tem se firmado cada vez mais no dia a dia do cirurgião
4. Imagem torácico, pois, além de trazer informações relevantes ao
tratamento do paciente, tem suas vantagens em relação à
tomografia:
A - Radiografia - É portátil, então, em pacientes graves de UTI não é ne-
Na incidência posteroanterior, o exame inicial a ser ob- cessário transporte até a máquina;
tido é a radiografia de tórax, sendo necessário um volume - Custo baixo quando comparado aos outros métodos;
de, pelo menos, 400mL para haver o apagamento do seio - Possibilidade de fazer procedimentos guiados à beira
costofrênico e o derrame ser detectado. O decúbito lateral do leito.
com raios horizontais (incidência de Laurell) pode auxiliar
no diagnóstico de derrames menores ou em casos duvido- A desvantagem é o fato de ser operador-dependente,
sos devido à presença de condensação pulmonar. Nos ca- necessitando, assim, de certa curva de aprendizado, além
sos com presença de derrame subpulmonar, a imagem, na do fato de não ter a documentação do exame tão clara
posição ortostática, pode simular elevação da cúpula dia- quanto a tomografia.
fragmática, e a incidência em decúbito lateral está indicada Pode identificar a presença de fibrina ou debris, diferen-
para verificar se há escoamento de líquido. ciando derrames livres dos loculados, e ajudar na quanti-

165
CI RUR G I A TOR Á CICA

ficação do derrame nos casos em que a radiografia deixa Cabem aqui 2 observações importantes:
dúvidas devido à presença de grandes consolidações. Pode a) Pacientes que apresentam distúrbios de coagulação
ainda auxiliar na localização do melhor ponto a ser reali- têm contraindicação absoluta para a realização do proce-
zada a punção pleural e, de forma dinâmica, avaliar a mo- dimento.
bilidade diafragmática. Estudos estão sendo feitos ainda b) Nos casos em que a obtenção de fragmento pleural
para validar certas medidas ultrassonográficas realizadas pode auxiliar no diagnóstico, deve ser realizada biópsia
atualmente para a predição de volume do líquido pleural pleural com agulha de Cope. Este pode ser obtido no mes-
e expansão pulmonar, firmando ainda mais o papel do USG mo ato da punção, pois, para a biópsia, necessitamos de
nas patologias pleurais. quantidade razoável de líquido, a fim de obtermos uma boa
interface entre a parede e o pulmão para que não ocorram
C - Tomografia lesões no parênquima.
Ao esvaziarmos o líquido, observaremos:
Ainda considerada padrão-ouro para estudo do pulmão - Aspecto: o líquido pode ser límpido, turvo ou hemor-
e doenças pleurais. rágico, com múltiplas colorações, dependendo da
Fundamental para diferenciar os derrames livres das co- etiologia. Na maioria das vezes, o líquido tem aspecto
leções organizadas e abscessos, e detectar a existência de seroso, mesmo nos neoplásicos. Quando turvo, deve-
espessamento ou outras lesões pleurais. Ajuda também a -se pensar em empiema. O líquido hemorrágico pode
determinar a natureza do derrame, examinando outras es- ser pós-traumático ou neoplásico (geralmente quando
truturas torácicas. existem metástases macroscópicas na pleura);
- Odor do líquido pleural: sua avaliação também pode
ajudar, sendo, na grande maioria das vezes, inodoro
(se o líquido pleural apresenta odor fétido, é provável
que o paciente tenha um empiema causado por bacté-
rias anaeróbias).

E qual o volume máximo a ser retirado? Atualmente, não


consideramos mais volume máximo de líquido de 1.500mL,
e sim a sintomatologia dos pacientes. Paramos de esvaziar o
tórax quando o paciente apresenta dor forte no hemitórax
que está sendo esvaziado ou tosse incoercível, pelo risco de
desenvolver edema de reexpansão.
Após o líquido ser retirado, solicitaremos os exames
descritos a seguir.
- Os parâmetros laboratoriais que devem ser analisados
Figura 4 - Derrame pleural extenso bilateral
no líquido pleural são:
• Dosagem de proteínas;
D - Ressonância • Desidrogenase lática (DHL);
• pH;
A Ressonância Nuclear Magnética (RNM) geralmente • Glicose;
não acrescenta mais informações ao derrame pleural que a • ADA;
TC na grande maioria dos casos, porém tem maior utilidade • Citologia diferencial e oncótica;
na detecção do acometimento pleural por metástases ou • Microbiologia (incluindo bacterioscopia e cultura).
tumores primários, papel este muito bem desempenhado,
também, pela TC de tórax. O 1º objetivo é diferenciar se o derrame é transudato
ou exsudato, para isso, utilizam-se os critérios de Light, em
5. Laboratório que a presença de 1 dos fatores determina o diagnóstico de
um exsudato:
Importante: - PT pleural/sérico >0,5;
A toracocentese geralmente é o 1º procedimento indicado nos - DHL pleural/sérico >0,6;
casos de derrame pleural de causa indeterminada, e tem como - DHL pleural >200U.
principais objetivos:
- Análise do líquido pleural, solicitando bioquímica, citologia e Notem que o grande divisor de águas e norteador de
culturas; conduta é a diferenciação transudato X exsudato, pois nes-
- Verificar a expansibilidade do pulmão após a retirada do líqui- ta diferenciação poderemos supor diagnósticos e planejar
do; o tratamento. Os conceitos mais importantes que devemos
- Melhora sintomática (quando sintomas estão presentes). ter em mente são:

166
DERRAME PLEURAL

- Exsudatos: são derrames com proteína alta, geralmen- ferenciação dos linfócitos. Pode auxiliar no diagnóstico da
te com causa pleural; tuberculose pleural, em que valores superiores a 40UI/L
- Transudatos: são derrames com proteína baixa, geral- são altamente sugestivos de pleurite tuberculosa. Contudo,
mente com causa sistêmica. outras patologias, como a artrite reumatoide, o empiema e
as doenças linfoproliferativas, podem apresentar elevação
A - Bioquímica nos níveis de ADA pleural. Por morarmos em um país endê-
mico para tuberculose, notar que o valor preditivo positivo
a) Proteínas do ADA é baixo, entretanto, ao depararmos com ADA baixo,
este praticamente exclui a doença tuberculosa.
As proteínas estão diminuídas principalmente nos tran-
sudatos. Isso acontece devido ao extravasamento de líqui-
B - Citologia
do hipoproteico para o espaço pleural, como nos casos de
hipoalbuminemia, cirrose alcoólica ou ICC. No caso dos ex- Os 2 grandes grupos são os derrames linfocíticos e neu-
sudatos, geralmente tem causa pleural, em que as proteí- trofílicos.
nas são “jogadas” na pleura, como nos casos de tuberculo- A citologia diferencial pesquisa o padrão celular do lí-
se, neoplasia com meta pleural, infecções. quido nos derrames parapneumônicos complicados ou nos
empiemas pleurais; o padrão é de predominância neutro-
b) DHL fílica. A tuberculose pleural tem, como característica, um
A DHL, além de ajudar na diferenciação de transudatos e padrão com mais de 75% de linfócitos (líquido linfocítico),
exsudatos, pode auxiliar na determinação etiológica. Toda do- como as neoplasias.
ença que consome glicose de acordo com o ciclo do metabo- Os transudatos apresentam-se com baixa celularidade,
lismo da mesma faz que DHL seja produzido, aumentando sua predomínio de macrófagos, poucas células mesoteliais e

CIRURGIA TORÁCICA
presença na pleura. Exemplos de doenças que ocasionam tal linfócitos.
fato são as infecções e as neoplasias, que apresentam acúmulo O derrame eosinofílico caracteriza-se pela presença de
de DHL no líquido pleural, com valores maiores que 800U. Isso mais 10% de eosinófilos e está associado às pleurites idio-
pode acontecer também no hemotórax, porém não pelo con- páticas.
sumo, mas pela rotura das células no espaço pleural. A citologia oncótica pode ser positiva para células ne-
oplásicas nos tumores pleurais ou nas metástases para a
c) pH
pleura, e depende, fundamentalmente, do tipo histológico,
O valor normal do pH no líquido pleural é alcalino em do estadiamento e do sítio primário.
relação ao sangue arterial, variando de 7,4 a 7,6. Algumas
patologias cursam com diminuição do pH do líquido pleural, C - Microbiologia/culturas
entre elas, as infecções pleurais (empiema, tuberculose) de
um modo geral, as doenças reumatoides, as neoplasias e A análise microbiológica do líquido pleural baseia-se na
o hemotórax. O pH é importante na análise dos derrames bacterioscopia com coloração de Gram e nas culturas seme-
parapneumônicos, em que valores inferiores a 7,2 indicam adas em múltiplos meios. O achado de bacilos álcool-ácido-
maior número de complicações, pois geralmente indicam -resistentes não é frequente na bacterioscopia (inferior a
que o agente infeccioso atingiu o líquido pleural. Deve-se 10% dos casos), e a cultura apresenta positividade entre 15
lembrar que doenças com metabolismo alto no espaço e 39%, levando de 30 a 40 dias para o resultado final. Nos
pleural abaixam o ph por liberarem ácidos em seu ciclo, o empiemas, a bacterioscopia tem positividade em torno de
melhor exemplo para tal são as infecções pleurais. 60%, enquanto as culturas podem ser positivas em torno
de 70 a 80% das vezes, e o uso de antibióticos de amplo
d) Glicose espectro antes da obtenção do líquido pleural faz diminuir
A glicose pleural tem valores normalmente próximos à a positividade na identificação do patógeno.
glicemia, e sua alteração pode significar o aumento do con- Existem casos com indicação de pesquisa de outros
sumo da glicose no líquido pleural ou a diminuição de seu elementos bioquímicos, levando em conta as hipóteses
transporte do interstício para o espaço pleural. As principais diagnósticas. A quantificação da amilase pode ter uso nos
doenças que consomem glicose são as infecciosas (tubercu- derrames com suspeita de fístulas ou perfurações esofági-
lose, derrame parapneumônico) e as neoplásicas, e, nesses cas ou nos derrames pleurais secundários à pancreatite. Na
casos, os valores encontrados no líquido pleural são normal- suspeita de derrame pleural secundário a doenças reumá-
mente abaixo de 50mg/dL. Convém lembrar que as doenças ticas, como a atrite reumatoide ou o lúpus, elementos mais
do colágeno e o hemotórax também apresentam redução da específicos como dosagem de fator reumatoide, anticorpos
concentração de glicose por disfunção de transporte. antinucleares ou pesquisa de células LE devem ser obtidos
no líquido pleural. Os lipídios pleurais geralmente estão au-
e) ADA mentados em doenças que comprometem o duto torácico,
A adenosina deaminase (ADA) é uma enzima essencial com o extravasamento de quilo para o espaço pleural (qui-
para a metabolização das purinas e necessária para a di- lotórax). No quilotórax, o líquido tem nível de triglicérides

167
CI RUR G I A TOR Á CICA

acima de 110mg/dL, e relação entre o colesterol do líquido 6. Empiema parapneumônico


pleural e do soro abaixo de 1. A principal causa de quilotó-
rax em adultos são os tumores que invadem ou obstruem
o duto torácico. A - Fases evolutivas
No início da década de 1960, a American Thoracic
D - Anatomia patológica Society publicou a classificação do empiema em 3 fases dis-
Fragmentos pleurais para análise anatomopatológica tintas: aguda, fibrinopurulenta e crônica. Tal publicação, em
podem ser obtidos por meio de biópsia pleural fechada, re- 1962, permitiu a identificação das fases evolutivas e suas
alizada com a agulha de Cope. É um procedimento simples, características, servindo de base indispensável para o pla-
que pode ser realizado em caráter ambulatorial. Todavia, se nejamento terapêutico dessa patologia.
o diagnóstico não for determinado, estará indicada a bióp- - Fase aguda (exsudativa): caracterizada por um rá-
sia pleural sob visão direta, podendo ser realizada por meio pido acúmulo de líquido estéril como resposta à
de videotoracoscopia. Na diferenciação entre os tumores, reação inflamatória pleural, com níveis de glicose,
ainda podem ser realizadas técnicas imuno-histoquímicas DHL e pH ainda dentro dos limites da normalidade;
para melhor identificação entre os tipos histológicos envol- as mobilidades pulmonar e da pleura visceral estão
vidos, o que pode ser útil inclusive em diferenciar tumores preservadas;
primários ou metastáticos. - Fase de transição (fibrinopurulenta): num período
indefinido de tempo, seguindo a cascata inflamató-
E - Etiologia ria, que dependerá da relação entre as forças de de-
De acordo com a análise laboratorial do líquido, e prin- fesa do organismo e a virulência do micro-organismo
cipalmente diferenciando entre exsudatos e transudatos, causador da infecção, o processo evoluirá para esta
podemos pensar em relação às possíveis etiologias para o fase, na qual serão observados um líquido pleural
derrame (Tabela 1). mais turvo, um aumento progressivo dos valores
da DHL e do número de leucócitos, contrapondo-se
Tabela 1 - Etiologias de derrame pleural a uma redução dos níveis de glicose e pH, como re-
- Insuficiência cardíaca congestiva; sultado do metabolismo bacteriano e fagocitose dos
- Cirrose hepática; leucócitos. Nessa fase, é possível a identificação de
- Síndrome nefrótica; germes, e, caracteristicamente, inicia-se a deposi-
Transudatos ção de uma rede de fibrina sobre a pleura visceral e
- Glomerulonefrite;
- Mixedema;
parietal. Há a formação de septações ou loculações
pleurais e consequente imobilização parcial do pul-
- Diálise peritoneal.
mão. O organismo está buscando limitar o processo
- Secundários; inflamatório, desencadeado no espaço pleural, a este
Neoplásicos
- Mesotelioma. compartimento;
- Pneumonia; - Fase crônica (organização): não se adotando nenhuma
- Tuberculose; atitude terapêutica, em 3 a 4 semanas será evidencia-
Infecciosos - Vírus; da esta última fase evolutiva. Líquido pleural espesso
- Parasitas; e francamente purulento. Níveis de glicose abaixo de
- Fungos. 40mg/dL e pH <7 são características bioquímicas des-
- Pancreatite;
sa fase. A fibrina é progressivamente substituída por
fibroblastos, o que determinará a imobilização do pul-
- Abscesso subfrênico;
Doenças gastrintestinais mão ou o “encarceramento pulmonar”. O organismo
- Abscesso intra-hepático; finalmente limita a infecção e se protege da sua disse-
- Rotura do esôfago. minação hematogênica.
- Artrite reumatoide;
Doenças do colágeno B - Relação entre as fases evolutivas e opções
- Lúpus eritematoso sistêmico.
terapêuticas
Embolia pulmonar
Derrame benigno por inabalção de asbestos a) Fase exsudativa – líquido livre, liquefeito (“líquido”)
Reação medicamentosa Para os empiemas na fase inicial (exsudativa), a dre-
Síndrome de Dressler nagem fechada é a opção mais adequada, com o dreno
Síndrome de Meigs introduzido às cegas no espaço pleural, na maioria das
vezes, sob anestesia local. Os termos “drenagem fecha-
Hemotórax
da” ou “drenagem simples” referem-se à existência de
Quilotórax uma coluna líquida interposta entre o espaço pleural

168
DERRAME PLEURAL

e o meio ambiente. Para os casos de derrame pleural


parapneumônico não complicado, é possível evacuar o
derrame pleural por meio da própria toracocentese diag-
nóstica. Esse método, no entanto, não deve ser utilizado
nos casos de derrame parapneumônico complicado ou
empiema purulento.

Figura 6 - Derrame pleural loculado, septado

c) Fase crônica – pleura espessada, pulmão encarcera-

CIRURGIA TORÁCICA
do (“fibrose”)
A evolução para a fase crônica resulta de 2 circunstân-
cias: falha no diagnóstico precoce da doença ou falência dos
métodos terapêuticos empregados nas fases iniciais. A de-
corticação tradicional, com pleurectomia parietal, foi intro-
Figura 5 - Derrame pleural livre duzida nos casos de empiema, em fases tardias. Por meio
da toracotomia convencional, a cavidade pleural é aberta, e
b) Fase fibrinopurulenta ou de transição – líquido com são removidos o conteúdo purulento, coágulos de fibrina e
fibrina, espesso, septações presentes (“gelatina”) a “casca” que envolve o pulmão, liberando-o e promovendo
a ocupação do espaço pleural. Nesta fase, geralmente a ne-
A evolução do processo infeccioso, com o surgimento cessidade é a toracotomia.
de fibrina e de septações pleurais, caracterizará a 2ª fase.
A fase fibrinopurulenta ou de transição é a que contém o
maior número de opções terapêuticas. A drenagem fechada
com dreno tubular, utilizada como método isolado, median-
te as características desse período evolutivo, tem uma pos-
sibilidade razoável de insucesso. Exceção é feita aos casos
de urgência (paciente séptico) e indisponibilidade de outros
recursos cirúrgicos.
Na tentativa de impedir a cronificação do processo in-
feccioso e curar o empiema, outras técnicas foram pro-
postas para a fase de transição. A utilização terapêutica
da videotoracoscopia encontra, na fase de transição do
empiema, uma grande área de aplicação. O método se in-
terpõe entre a drenagem pleural fechada, realizada às ce-
gas, e procedimentos mais extensos, como a toracotomia
e a decorticação pulmonar. Está indicada nas fases iniciais Figura 7 - Empiema crônico com espessamento pleural
do empiema, mais precisamente, na fase de transição ou
fibrinopurulenta. O método permite o adequado contro-
le do processo infeccioso e a reexpansão por meio da re-
moção dos coágulos de fibrina, lise das locuções pleurais
7. Derrame pleural neoplásico
(características desta fase), lavagem da cavidade e posi- Por definição, derrame pleural maligno é aquele no qual
cionamento dos drenos. É o padrão-ouro para a videoto- se detecta a presença de células neoplásicas malignas no
racoscopia. líquido pleural ou na pleura parietal. Esse fato confirma a

169
CI RUR G I A TOR Á CICA

ocorrência de doença disseminada e sugere uma expectati- Entre os agentes esclerosantes, estão a tetraciclina, a ble-
va de vida reduzida em pacientes com câncer. A sobrevida omicina e o mais comumente usado, o talco. Atualmente,
média dessas pessoas varia de 3 a 12 meses e depende do tetraciclina e bleomicina estão praticamente em desuso,
tipo e do estágio da doença de base. As sobrevidas mais ficando a maioria dos procedimentos realizados com talco,
longas são observadas nos pacientes com derrame pleural que tem sua ação fundamentada no contato e com as pleu-
maligno por câncer de ovário e câncer de mama, em oposi- ras fazendo abrasão. Em voga atualmente, porém ainda em
ção aos casos de derrame por câncer de pulmão que apre- estudo, tem sido usado o nitrato de prata, com resultados
sentam as sobrevidas mais curtas. teoricamente melhores por ter sua ação por descamação
Atualmente, os tumores que mais frequentemente me- do mesotélio, porém ainda são necessários estudos.
tastatizam para a pleura são o câncer de pulmão nos ho- A pleurodese pode ser realizada por meio de um dreno
mens e o câncer de mama nas mulheres. Essas neoplasias de tórax simples ou, com maior eficácia, de videotoracos-
são responsáveis por aproximadamente 50 a 65% de todos copia e visualização direta da cavidade. Do ponto de vista
os derrames pleurais malignos. Por sua vez, os linfomas e terapêutico, a pleurodese por talco através da toracoscopia
tumores dos tratos geniturinário e gastrintestinal corres- é um método efetivo para controlar os derrames pleurais
pondem a 25% dos casos. Os tumores primários desconhe- malignos, com um índice médio de sucesso de mais de 90%.
cidos são responsáveis por um grupo de 7 a 15% de todos
os derrames pleurais malignos. C - Drenagem pleural
- Tratamento A drenagem da cavidade pleural pode ser utilizada para
alívio da dispneia. No entanto, esse procedimento não é
O principal objetivo no tratamento do derrame pleural
recomendado isoladamente para controle definitivo do
maligno é a melhora da dispneia, cuja intensidade, por sua
derrame maligno, uma vez que a recidiva do derrame após
vez, é dependente do volume do derrame e da condição do
drenagem, quando não é realizado um procedimento con-
pulmão e da pleura (presença de linfangite carcinomatosa,
comitante de pleurodese, é elevada. A drenagem pleural
obstrução brônquica ou encarceramento pulmonar por ne-
com cateteres de fino calibre (10 a 14F) tem sido uma alter-
oplasia).
nativa bastante interessante a pacientes com pulmão não
expansivo após a toracocentese ou pacientes com baixos
A - Toracocentese terapêutica índices de performance status (Karnofsky <70). O proce-
A toracocentese terapêutica de repetição proporciona o dimento alivia a dispneia, principal fator limitante nesses
alívio temporário dos sintomas e pode evitar a hospitaliza- casos, é bem tolerado e permite o tratamento ambulatorial
ção, em pacientes com performance status baixo e expectati- ou domiciliar supervisionado – com o uso da válvula unidi-
va limitada de sobrevida, pois o índice de recidiva em 30 dias recional de Heimlich.
é de aproximadamente 100%. Seu uso frequente aumenta o
Tabela 2 - Critérios para pleurodese
risco de contaminação e infecção da cavidade pleural, bem
como favorece o aparecimento de loculações – que pode - Derrame pleural com citologia oncótica positiva;
prejudicar o uso de outros procedimentos de maior eficácia. - Derrame recidivante;
Esse procedimento, adequado aos casos em estadio terminal - Derrame sintomático;
– expectativa de vida menor que 30 dias – também é empre- - Expansibilidade pulmonar completa;
gado àqueles que recusam outros métodos ou em recidivas - Melhora dos sintomas com esvaziamento do líquido;
pós-pleurodese. Como descrito, é o 1º procedimento realiza-
- Status performance >40.
do para diagnóstico, e, em relação ao derrame pleural neo-
plásico, tem fundamental importância a expansão pulmonar
para avaliação de posterior pleurodese.

B - Pleurodese
A pleurodese está indicada apenas nos casos em que
haja constatação anatomopatológica inequívoca de malig-
nidade pleural.
Para que a pleurodese aconteça, são necessárias uma
reação inflamatória difusa e a ativação local do sistema
de coagulação com deposição de fibrina. A condição mais
importante para o sucesso da pleurodese é a confirmação
radiológica de que existe contato entre as pleuras parie-
tal e visceral. A expansão incompleta do pulmão pode ser
causada por uma pleura visceral espessada, lojas pleurais,
obstrução das vias aéreas, ou uma fístula aérea persistente.

170
CAPÍTULO

4
Abscesso pulmonar
Carlos Eduardo Levischi Júnior / Rodrigo Olívio Sabbion

1. Introdução Tabela 1 - Classificação


Número - Únicos ou múltiplos.
Importante: Localização - Unilateral ou bilateral.
- Por definição, o abscesso pulmonar é uma coleção de pus
Tempo - Agudo ou crônico (>30 dias).
contido em uma cavidade formada a partir da destruição do
parênquima pulmonar, ou seja, bolhas infectadas e cistos con- - Primário:
tendo pus não são abscessos pulmonares; · Aspiração:
- O tratamento do abscesso pulmonar é essencialmente clínico, * Baixo nível de consciência (ex.: alcoolismo,
com base em antibioticoterapia, com a cirurgia é indicada so- anestesia geral);
mente em casos específicos, de acordo com critérios discuti- * Higiene oral precária;
dos a seguir. * Doença esofágica (ex.: acalasia).
· Pneumonia necrosante;
Etiologia
· Imunodeficiência (ex.: AIDS, esteroides, câncer,
2. Classificação diabetes).
- Secundário:
Os abscessos pulmonares podem ser classificados de
· Obstrução brônquica;
acordo com sua duração, número, localização e etiologia. · Lesões cavitadas (neoplasia, infarto);
Quanto à duração: · Extensão direta (ex.: amebíase, abscesso subfrê-
- Agudos: apresentam tempo de evolução inferior a 30 nico).
dias;
- Crônicos: o tempo de evolução ultrapassa 30 dias. 3. Etiopatogenia
Quanto ao número: A causa mais prevalente na síntese de um abscesso pul-
- Únicos: são mais comuns, geralmente, secundários à monar é a aspiração de secreções da orofaringe, o que jus-
aspiração, localizando-se consequentemente nos seg- tifica o maior acometimento no segmento posterior do lado
mentos posteriores; superior direito e no segmento superior do lobo inferior di-
reito, ou esquerdo, denominado “segmento axilar”.
- Múltiplos: decorremde embolia séptica na maioria Atualmente, sabe-se que a maioria dos abscessos pul-
dos casos, sendo denominados de pneumonia necro- monares primários decorre de pneumonia aspirativa, sendo
sante quando <2cm. causada por micro-organismos anaeróbios oriundos da flo-
Quanto à localização: ra bacteriana da gengiva. Em estados normais o organismo
- Unilateral; possui mecanismos eficientes de defesa, de tal modo que
- Bilateral. estas infecções só se manifestam quando as defesas encon-
tram-se diminuídas.
Quanto à etiologia:
Nos países em desenvolvimento, os principais fatores
- Primários: provenientes de aspiração de material da predisponentes são o mau estado gengivodentário ou as
orofaringe em indivíduos previamente hígidos; situações que predisponham a broncoaspiração como al-
- Secundários: associados à obstrução brônquica por coolismo, epilepsia mal controlada, drogadição, fármacos
carcinoma broncogênico ou corpo estranho, e a doen- depressores do sistema nervoso central, anestesia geral e
ças sistêmicas ou procedimentos que comprometam o disfagia. No entanto, nos países mais desenvolvidos, obser-
sistema imunológico (exemplos: síndrome da imuno- va-se maior incidência de fatores relacionados à depressão
deficiência adquirida (AIDS) ou terapia quimioterápica, do sistema imunológico como doenças imunossupressoras
transplante de órgãos). (ex.: AIDS), terapia quimioterápica e transplante de órgãos.

171
CI RUR G I A TOR Á CICA

Doenças esofágicas, tanto as inflamatórias quanto as quando há comunicação com o brônquio, a secreção expec-
neoplásicas, são importantes causas de refluxo gastroeso- torada é abundante.
fágico e consequente aspiração, além de aspiração direta
por fistulização esofagotraqueal. 6. Diagnóstico
Os abscessos pulmonares secundários à obstrução brô-
nquica são menos frequentes, mas considerados importan- O quadro clínico auxilia na elucidação do agente patoló-
tes pela associação a carcinoma brônquico. gico, sintomas mais exuberantes e de instalação mais rápida
A obstrução decorrente da aspiração de corpo estranho são sugestivos de micro-organismo aeróbio, já sintomatolo-
é descrita, porém pouco encontrada. A obstrução brônqui- gia menos exuberante e de instalação mais insidiosa sugere
ca, devido à estenose brônquica (inflamatória ou neoplási- um micro-organismo anaeróbio. A investigação radiográfica
ca), deve ser lembrada como fator predisponente do abs- mantém sua importância ao demonstrar a lesão pulmonar
cesso pulmonar. além de ser útil para a determinação do tratamento.
O abscesso pulmonar ao raio x de tórax é observado
como uma imagem arredondada, em geral única, com nível
4. Microbiologia líquido e de localização predominante nos seguimentos pul-
A grande maioria dos abscessos pulmonares é causada monares posteriores.
por bactérias, comumente anaeróbias, refletindo a compo-
sição da flora gengival.
Os anaeróbios são os micro-organismos de maior
prevalência, e entre estes os mais comuns (40% dos ca-
sos) são Peptostreptococcus, Prevotella, Bacteroides sp e
Fusobacterium sp.
Vários outros tipos de micro-organismos são descritos
como causadores de abscesso pulmonar: as bactérias ae-
róbias (K. pneumoniae, S. viridans, H. influenzae, S. pneu-
moniae), os oportunistas (Salmonella, Legionella sp, P. jiro-
veci), a micobacteriose atípica e fungos em pacientes imu-
nodeprimidos.

5. Quadro clínico
Figura 1 - Lesão com nível hidroaéreo no ápice direito
O quadro clínico varia de acordo com o micro-organis-
mo causador. Nas situações em que a bactéria responsável Em alguns casos observam-se imagens sugestivas de ca-
é uma anaeróbia, a evolução é mais lenta, com sintomato- vidades múltiplas, uni ou bilaterais, ao raio x de tórax, que
logia menos exuberante e persistente por semanas, carac- podem ser indicativas de disseminação hematogênica, situ-
terizando um quadro crônico. A procura pelo atendimento ação infrequente.
médico pode ocorrer mais tardiamente por se tratar de
uma doença insidiosa, com o paciente apresentando febre,
tosse acompanhada de secreção pútrida, perda de peso e
anemia.
Nem sempre o odor fétido está presente numa fase ini-
cial, quando há presença de mau cheiro, sugere que o abs-
cesso tem contato com a árvore traqueobrônquica, sendo
drenado por aí.
Na anamnese, é importante valorizar antecedentes de
perda de consciência, presença de disfagia e mau estado
gengivodentário. Para um diagnóstico efetivo, deve-se,
ainda, proceder com investigação radiográfica da região
torácica e realização de outros exames complementares,
excluindo doenças associadas como carcinoma brônquico,
tuberculose, corpo estranho, entre outros. Figura 2 - Abscesso pulmonar em radiografia
Em abscessos oriundos de micro-organismos não anae-
róbios, a sintomatologia é mais exuberante, com instalação Em fases iniciais, quando ainda não há uma boa drena-
aguda, que levam o indivíduo a buscar atendimento médi- gem para a árvore traqueobrônquica, o diagnóstico radio-
co mais precocemente. Ao raio x de tórax, pode-se obser- lógico pode ser confundido com processo pneumônico ou
var imagem característica de cavidade com nível líquido, e mesmo massa tumoral.

172
ABSCESSO PULMONAR

tanto na coleta de material para o diagnóstico etiológico


como na confirmação de broncoestenoses de obstrução
brônquica tumoral ou mesmo por corpo estranho.
Deve ser sempre lembrada, em nosso meio, a possibili-
dade de tuberculose, que pode ser diagnosticada por meio
do exame de escarro ou do lavado brônquico pela broncos-
copia, além de outros processos cavitários como as bron-
quiectasias saculares infectadas, infecções fúngicas e até a
granulomatose de Wegener.

7. Tratamento
Lembrar que o tratamento é clínico em 85% dos casos.
O tratamento clínico consiste em antibioticoterapia, in-
Figura 3 - Abscesso pulmonar sem nível hidroaéreo: pode ser con- troduzida empiricamente, suporte nutricional e fisioterapia
fundido com tumorações
respiratória com drenagem postural, na qual o paciente se
A tomografia de tórax pode ser utilizada para obtenção posiciona de forma inclinada ou num ângulo determinado
de melhor definição de imagem, é particularmente útil nas para auxiliar na eliminação das secreções pulmonares.
cavidades não bem delineadas pelo raio x ou em suspeita Atualmente, a principal escolha é a clindamicina
de uma lesão tumoral. Também auxilia na distinção de uma (600mg IV, de 6/6 horas), que pode ser usada isoladamen-
lesão parenquimatosa de uma coleção pleural, assim como te ou em associação com metronidazol. Outra opção é

CIRURGIA TORÁCICA
o ultrassom. Podendo ainda servir para direcionamento de uma cefalosporina de 3ª geração associada ao metronida-
procedimentos invasivos. zol. Sendo preconizado tratamento prolongado, podendo
variar de 3 a 6 semanas, com taxas de sucesso de 85%.
É importante destacar que o abscesso pulmonar é uma
infecção causada por vários micro-organismos, o que justi-
fica a variabilidade da antibioticoterapia, estando também
indicados o cloranfenicol, cefoxitina, gatifloxacino, imipe-
ném, meropeném, entre outros.
No caso de resposta inadequada ao tratamento clínico, cer-
ca de 15% dos casos, deve-se considerar o tratamento cirúrgi-
co, principalmente àqueles em que há suspeita de neoplasia,
broncoestenose, hemoptise, grandes abscessos (maiores que
6cm de diâmetro) ou micro-organismos resistentes.
No tratamento cirúrgico, consideram-se diversas alter-
Figura 4 - Abscesso pulmonar em tomografia nativas, desde drenagens percutânea e endoscópica até
ressecção pulmonar.
A broncoscopia (rígida ou flexível) é considerada muito
importante na fase diagnóstica do abscesso pulmonar, po-
dendo também ser utilizada no tratamento, principalmente
nos casos de broncoestenose, utilizando a dilatação e a dre-
nagem endoscópica.

Figura 5 - Abscesso maior apresentando nível líquido

Outra ferramenta importante no diagnóstico dos abs- Figura 6 - Drenagem percutânea de abscesso pulmonar com sonda
cessos pulmonares é a broncoscopia (rígida ou flexível), de Folley

173
CI RUR G I A TOR Á CICA

Na ausência de resposta a essas medidas terapêuticas,


na presença de hemoptise ou suspeita de neoplasia, está
indicada a ressecção pulmonar. A lobectomia demonstra
melhores resultados por acesso extrapleural devido à in-
tensa reação inflamatória pericavitária. Pela possibilidade
de formação de bronquiectasia secundária ao processo crô-
nico, uma ressecção econômica (segmentectomia) poderia
deixar parênquima doente.
Tabela 2 - Tratamento
Clínico: 85% dos casos
- Antibioticoterapia;
- Fisioterapia respiratória;
- Suporte nutricional.
Cirúrgico: 15% dos casos
- Drenagem percutânea – resolve 75 a 100% dos casos cirúrgicos;
- Drenagem endoscópica;
- Ressecção pulmonar.

Em resumo, os pacientes portadores de abscesso pul-


monar apresentam boa resposta ao tratamento clínico (an-
tibioticoterapia) apesar da longa duração (3 a 6 semanas).
Quando a resposta clínica é demorada, deve-se pensar em
obstrução brônquica por neoplasia, broncoestenose ou
presença de corpo estranho. Deve-se lembrar também a
possibilidade de patógenos não usuais, como micobactérias
ou fungos, assim como de bactérias resistentes.
As cavidades maiores que 6cm de diâmetro também po-
dem apresentar uma evolução arrastada, necessitando de
antibioticoterapia por mais tempo ou de drenagem percu-
tânea precoce.
Para facilitar a memorização das indicações, podemos
considerar o abscesso pulmonar como “a doença dos 6”.

Tabela 3 - Indicações de tratamento cirúrgico


- Abscesso >6cm;
- Falha terapêutica à antibioticoterapia por 4 a 5 semanas (piora
clínica, aumento do abscesso);
- Impossibilidade de exclusão diagnóstica de neoplasia;
- Sangramento;
- Abscesso sob tensão;
- Ruptura do abscesso para a pleura.

174
CAPÍTULO

5
Hemoptise
Carlos Eduardo Levischi Júnior / Rodrigo Olívio Sabbion

1. Introdução Tabela 1 - Hemoptise maciça: frequência


- Tuberculose: 20 a 50%;
A hemoptise é definida como expectoração de sangue e - Bronquiectasia: 10 a 30%;
pode variar de raias de sangue vivo no escarro até a elimi- - Aspergiloma: 10%;
nação de grandes volumes de sangue. A hemoptise maciça
- Carcinoma brônquico: 5 a 10%;
corresponde à eliminação de 200 a 1.000mL/24h. Uma vez
- Fibrose cística: 5%;
que o espaço morto anatômico das grandes vias aéreas é
de 100 a 200mL, a definição mais adequada de hemoptise - Miscelânea: >5%.
maciça é aquele volume que pode causar risco de vida em
virtude da obstrução da via aérea por sangue. Entretanto, 3. História e exame físico
do ponto de vista prático, a eliminação de uma quantidade
A história pode determinar a presença de doença pree-
≥600mL de sangue em 24 horas é considerada hemoptise
xistente (por exemplo, tuberculose, carcinoma brônquico),
maciça. Evidentemente, em pacientes com reserva pulmo-
duração, volume aproximado do sangramento e número de
nar comprometida, volumes menores podem determinar
episódios semelhantes. Muitas vezes, o paciente informa
risco iminente de vida. com precisão o lado do sangramento. Ao exame físico, o
A gravidade do quadro, e mesmo a morte, é determina- paciente pode apresentar sinais de hipoxemia e comprome-
da pela asfixia por inundação da via aérea, não por choque timento respiratório, o que poucas vezes ajuda no estabele-
hemorrágico. cimento da causa do sangramento.

2. Etiologia 4. Estudo radiológico


A incidência depende da população estudada, mas na O radiograma de tórax pode determinar com precisão
maioria dos pacientes o sangramento é secundário a doen- a causa e a localização do sangramento. No entanto, pode
ças benignas, inflamatórias/infecciosas. ser normal se todo o sangue foi efetivamente expectorado.
Nesta situação, a tomografia computadorizada pode igual-
Importante:
Ao contrário do que se imagina, em 90 a 95% dos casos o san- mente não ser informativa. Evidências de infecção (particu-
gramento é oriundo das artérias brônquicas, por inflamação ou larmente apical) ou de tumor podem ser diagnósticas, mas
necrose. opacidades atribuídas à aspiração frequentemente confun-
dem a avaliação das imagens radiológicas.
Nas doenças pulmonares, independente da causa, a cir- A Tomografia Computadorizada (TC) de alta definição
culação sistêmica aumenta na tentativa de corrigir o equilí- (cortes de 3mm) demonstra a maioria das causas de he-
brio locorregional de ventilação/perfusão, o que justifica as moptise maciça, embora o exato sítio do sangramento e a
hemorragias, na sua maioria, serem consequentes à erosão extensão da doença possam ser mascarados pela aspiração
ou rupturas das artérias brônquicas e haver maior propen- sanguínea.
são a sangramentos maciços dada a pressão arterial nessas O maior problema em relação ao estudo radiológico é
artérias. quando não deparamos com pacientes que apresentam le-
Nas hemoptises oriundas da circulação pulmonar (<5%), sões bilaterais, como em casos de bronquiectasias extensas
o sangramento não é severo, uma vez que os espaços al- ou cavernas tuberculosas em ambos os pulmões. Nesses
veolares podem acomodar um grande volume de sangue. casos, sinais radiológicos indiretos como opacidades em
Manifesta-se com sangramento moderado, anemia e infil- vidro fosco ao redor da caverna ou nível líquido dentro da
trado pulmonar evidenciado em raio x. mesma podem nos remeter ao provável sítio etiológico,

175
CI RUR G I A TOR Á CICA

porém, nestes casos, é sempre obrigatória a avaliação com lado sangrante e deixadas em contato por 15 segun-
broncoscopia ou, preferencialmente, arteriografia torácica. dos, aspirando-se rapidamente e alternando com pe-
ríodos de ventilação e de irrigação (mais de 1L de soro
5. Manejo do paciente com hemoptise fisiológico pode ser usado);
- Instilação tópica de epinefrina (1:20.000) ou de solu-
maciça ção de trombina-fibrinogênio aplicados endoscopica-
O manejo inadequado do paciente com hemoptise mente: não tem resultados comprovados em hemop-
aguda, severa, tem alta mortalidade (acima de 80%). Esse tise maciça nem o uso difundido;
mesmo indivíduo, aparentemente estabilizado, pode piorar - Tamponamento brônquico: qualquer método de iso-
rápida e fatalmente. Os pontos cardeais para o sucesso no lamento pulmonar deve ser precedido pela broncos-
manejo desse caso são: copia rígida, retirando os coágulos aspirados e garan-
- Tratamento clínico de UTI; tindo que ao menos o lado sadio ventile adequada-
- Localização imediata da fonte de sangramento – bron- mente, principalmente se a terapêutica é a ressecção
coscopia; pulmonar. Para tal finalidade, podemos lançar mão de
- Paliação com melhora clínica para permitir a cirurgia algumas armas:
eletiva; • Intubação seletiva do lado afetado: com isso, blo-
- Ressecção cirúrgica no paciente estável com boas con- queamos o lado do sangramento e impedimos que
dições; o sangue invada a árvore contralateral, protegendo
- Lembrar que o tratamento inicial para pacientes com assim o pulmão saudável;
hemoptise sempre é clínico, no sentido de estabiliza- • Bloqueadores brônquicos: podemos usar sondas
ção do paciente e tentativa de parar o sangramento. de Fogarty 14 Fr, por exemplo, para bloquearmos o
brônquio-fonte de sangramento;
• Tamponamento broncoscópico: com a utilização de
6. Tratamento clínico em UTI retalhos de celulose oxidada (Surgicel), podendo ser
a) Repouso no leito: o paciente deve ser mantido em usado em brônquios menores, inclusive, lobares,
decúbito lateral com o lado sangrante pendente (para bai- segmentares ou subsegmentares.
xo), reduzindo a tosse e prevenindo a aspiração e a asfixia.
b) Antibióticos: devem ser usados na profilaxia da
pneumonia e da sepse, resultantes da aspiração de sangue,
evitando futuros sangramentos. Na tuberculose ativa, os
tuberculostáticos promovem a regressão da lesão e do san-
gramento.
c) Intubação orotraqueal seletiva: tubo endotraqueal
de duplo lúmen para bloqueio do brônquio principal do
pulmão sangrante – com isso, o lado sadio fica isolado da
fonte de sangramento.

7. Broncoscopia
É o método mais eficiente para identificar a fonte de
sangramento e deve ser realizado na vigência do sangra-
mento, especialmente em pacientes cuja radiografia de-
monstre doença bilateral. Figura 1 - Sangramento advindo do brônquio principal esquerdo
Deve-se começar com o broncoscópio rígido, propician-
do uma toalete brônquica mais efetiva, além de nos for-
necer a possibilidade de maior controle das vias aéreas do
8. Arteriografia
paciente. Este é colocado em Trendelemburg sob sedação, A broncoscopia e a arteriografia brônquica permitem
com o lado sangrante em posição pendente, e o tubo rígido identificar o local do sangramento. Nos pacientes com he-
permitirá a retirada dos coágulos e a manutenção de uma moptise, é comum a neoformação vascular do plexo arte-
ventilação adequada. O controle endobrônquico pode ser rial brônquico; ramos da aorta torácica no nível de T5 ou
feito da seguinte forma: T6 desenvolvem um shunt sistêmico-pulmonar. Por meio de
- Irrigação brônquica com soro gelado: a camada mus- aderências parietais arteriais sistêmicas, também penetram
cular das artérias brônquicas é idêntica à dos vasos pe- no pulmão.
riféricos e responde ao frio com vasoconstrição. Sob Os achados da arteriografia brônquica são hipervascu-
broncoscopia rígida, quotas de 50mL são injetadas no larização regional por hipertrofia do plexo arterial brônqui-

176
HEMOPTISE

co, aneurisma de artéria brônquica, anastomose de artérias edema perivascular, levando à oclusão vascular e ao con-
brônquicas com as artérias pulmonares e neovascularização trole da hemoptise.
brônquica (neoplasia). As artérias brônquicas comprometi- A mortalidade está relacionada:
das podem nascer de um tronco comum com as artérias da - Ao volume de sangue expectorado;
irrigação medular, exigindo extremo cuidado na execução da - À frequência de sangramento;
embolização desses vasos, evitando a complicação mais te- - Ao volume de sangue retido nos pulmões e das condi-
mível, a lesão medular temporária ou definitiva. ções funcionais prévias, independente da etiologia do
A resposta à embolização brônquica é dramática e ime- sangramento.
diata, permitindo que pacientes sem condições clínicas, até
A mortalidade é de 58% quando o sangramento excede
então, passem a ter chance de se beneficiar do tratamento
1.000mL/24h. Quanto aos pacientes com neoplasias malig-
cirúrgico definitivo com risco muito diminuído.
nas, a mortalidade de 59% se eleva até 80% se o sangra-
A recanalização pode ocorrer entre 2 e 7 meses, sendo
mento excede 1.000mL/24h.
maior o risco entre os pacientes com lesões cavitárias ou ne-
Quando o sangramento é controlado e o paciente esta-
crose pulmonar (abscesso, pneumonia necrosante) que, uma
bilizado com melhora das condições cardiorrespiratórias,
vez estabilizados, devem submeter-se à ressecção pulmonar.
a mortalidade cirúrgica fica em torno de 20%. O melhor
momento de indicação do tratamento cirúrgico é a partir
de quando o paciente já apresentou parada do sangra-
mento.

Avaliação clínica

CIRURGIA TORÁCICA
Melhora clínica em UTI: Corrigir
Antibióticos
- Repouso no leito; coagulação
- Monitorização gases arteriais;
- Estabilização

Broncoscopia
(rígida, de preferência)

Toalete brônquica

Sítio de sangramento não


Sítio de sangramento identificado
identificado

Cirurgia? Se cirurgia de alto risco Considerar

Procedimentos
endobrônquicos Arteriografia TC

Cirurgia eletiva Sangramento Sangramento não


localizado localizado

Figura 2 - Arteriografia com extravasamento de contraste Embolização Conservador

9. Tratamento cirúrgico Figura 3 - Terapêutica em hemoptise

Diante daqueles com sangramento não controlado por


métodos conservadores, na indisponibilidade de arterio-
grafia com embolização da artéria brônquica e com um ban-
co de sangue impossibilitado para a reposição das grandes
perdas sanguíneas previstas com o ato cirúrgico, a exclusão
fisiológica do pulmão/lobo afetado pode ser a única medida
salvadora possível.
Alguns continuam fora de possibilidade cirúrgica: aque-
les com baixa reserva pulmonar/cardíaca ou com doença
difusa, como pneumonia necrosante bilateral, ou com di-
átese hemorrágica incorrigível. Nos pacientes com câncer
irressecável, a radioterapia provoca trombose vascular e

177
CI RUR G I A TOR Á CICA

CAPÍTULO

6
Trauma torácico
Carlos Eduardo Levischi Júnior / Rodrigo Olívio Sabbion

Pontos essenciais Tabela 1 - Lesões torácicas com risco


Exame primário
- Lesões com risco de morte: 1 - Pneumotórax hipertensivo.
• Pneumotórax hipertensivo; 2 - Pneumotórax aberto.
• Tamponamento cardíaco; 3 - Tórax instável.
• Hemotórax maciço; 4 - Hemotórax maciço.
• Tórax flácido. 5 - Tamponamento cardíaco.
- Toracotomia de reanimação e de emergência. Exame secundário
1 - Pneumotórax simples.
1. Introdução 2 - Hemotórax.
A mortalidade por trauma torácico é de cerca de 10%. 3 - Contusão pulmonar.
Dos óbitos por trauma, 25% se devem a lesões do tórax. É 4 - Lesões da árvore traqueobrônquica.
necessária toracotomia em cerca de 15 a 30% dos doentes 5 - Traumatismo cardíaco contuso.
vítimas de traumatismos penetrantes e em menos de 10% 6 - Ferimento transfixante do mediastino.
das vítimas de trauma contuso de tórax. As mortes pre- 7 - Ruptura diafragmática.
coces, ainda no local do trauma, acontecem por contusão 8 - Ruptura da aorta.
miocárdica e ruptura de aorta.
Outras lesões
O trauma torácico pode resultar em 3 alterações fisio-
1 - Enfisema subcutâneo.
patológicas:
2 - Lesões torácicas por esmagamento.
a) Hipóxia: oferta inadequada de oxigênio. 3 - Fraturas de costela, esterno e escápulas.
- Causas: obstrução de vias aéreas, hipovolemia, altera- 4 - Ruptura esofágica por contusão.
ções ventilatórias, contusão pulmonar, pneumotórax
ou hemotórax.
As prioridades no atendimento do paciente com trauma
b) Hipercarbia: ventilação inadequada. de tórax seguem a mesma ordem preconizada para o poli-
- Causas: alterações pressóricas intratorácicas e rebai- traumatizado. Inicia-se pela avaliação da via aérea (A), que
xamento do nível de consciência. pode estar obstruída se houver lesões de laringe associadas
ou luxação esternoclavicular. Na avaliação da respiração
c) Acidose: hipoperfusão tecidual. (B), suspeita-se de lesões torácicas em doentes com movi-
- Causa: choque. mentos respiratórios superficiais e taquipneia. Não se deve
aguardar pela cianose, que é um sinal tardio de hipóxia. Na
2. Diagnóstico e tratamento do trauma avaliação circulatória (C), é importante a monitoração ele-
trocardiográfica do doente vítima de traumatismo torácico
de tórax com risco de contusão miocárdica, já que podem ocorrer
Habitualmente, dividem-se as lesões torácicas entre as arritmias, frequentemente associadas à hipóxia e acidose.
com risco de vida, que devem ser diagnosticadas e tratadas O doente pode apresentar Atividade Elétrica Sem Pulso
durante a avaliação primária; aquelas que apresentam risco (AESP), que acontece em casos de tamponamentos cardí-
de vida, mas que podem ser tratadas no exame secundário; acos, pneumotórax hipertensivo, hipovolemia profunda e
e as demais lesões sem risco de vida. ruptura cardíaca.

178
TRAUMA TORÁCICO

No exame secundário, realizam-se radiografia de tórax b) Tratamento


anteroposterior, gasometria arterial, monitoração da oxi- A toracocentese descompressiva deve ser realizada ime-
metria de pulso e eletrocardiograma. Nesta fase, devem ser diatamente. Insere-se uma agulha calibrosa no 2º espaço
diagnosticadas as lesões citadas na Tabela 1, que, se passa- intercostal na linha hemiclavicular do lado afetado, o que
das despercebidas, podem ser letais. transforma uma emergência médica, o pneumotórax hiper-
tensivo, numa urgência. O tratamento definitivo consiste na
3. Lesões letais tratadas no atendimento drenagem torácica no 5º espaço intercostal, entre as linhas
primário axilares anterior e média.

B - Pneumotórax aberto
A - Pneumotórax hipertensivo
Ocorre nos casos de ferimento da parede torácica com
diâmetro maior que 2/3 do diâmetro da traqueia. Assim,
há menor resistência para entrada de ar por esse orifício.
É também conhecido como ferida torácica aspirativa ou so-
prante.
A entrada de ar no espaço pleural leva a um colabamen-
to do pulmão e só cessa quando a pressão intrapleural se
equilibra com a pressão atmosférica. A ventilação fica pre-
judicada, com consequente hipóxia e hipercarbia. Ocorrem
também diminuição do retorno venoso e hipotensão.

CIRURGIA TORÁCICA
a) Quadro clínico
- Traumatopneia (saída de ar pelo ferimento torácico);
Figura 1 - Aspecto radiológico do pneumotórax hipertensivo
- Dispneia;
- Desconforto respiratório;
Ocorre quando há um vazamento de ar para o espaço - Taquicardia;
pleural por um sistema de “válvula unidirecional”. Acontece - Hipotensão.
o colapso do pulmão com deslocamento do mediastino
para o lado oposto, levando à diminuição do retorno veno- b) Tratamento
so e à compressão do pulmão contralateral. O tratamento inicial é a realização de um curativo de 3
As causas mais comuns de pneumotórax hipertensivo são: pontas, que consiste em um curativo quadrangular fixado
- Ventilação mecânica com pressão positiva em doente em 3 lados, passando a funcionar como válvula unidirecio-
com lesão pleuropulmonar; nal, permitindo a saída do ar durante a expiração e cola-
- Pneumotórax por trauma penetrante ou contusão na bando na inspiração, impedindo a entrada de ar no espaço
qual a lesão no parênquima pulmonar não cicatrizou; pleural. Um erro poderá acontecer se o curativo for fixado
- Tentativas de passagem de cateter central; nos 4 lados, e, nesse caso, o doente evoluirá com pneumo-
- Lesões traumáticas da parede torácica; tórax hipertensivo.
- Fraturas com grande desvio da coluna torácica. A seguir, drena-se o tórax afetado no 5º espaço inter-
a) Quadro clínico costal. Após a estabilização do doente, deve-se realizar o
tratamento definitivo com síntese cirúrgica da lesão na pa-
O diagnóstico do pneumotórax hipertensivo é clínico, e rede torácica.
seu tratamento nunca deve ser postergado à espera de con-
firmação radiológica. Os sinais e os sintomas são: C - Tórax instável (tórax flácido)
- Dor torácica;
- Dispneia importante; Ocorre quando um segmento da parede torácica perde
- Desconforto respiratório; continuidade óssea com o restante da caixa torácica. É neces-
sária fratura de 2 ou mais costelas em pelo menos 2 pontos.
- Taquicardia; Acontece em 10 a 15% dos traumatismos torácicos.
- Distensão das veias do pescoço; A origem desse tipo de ferimento é um traumatismo
- Cianose tardia; de alta energia, que leva à lesão importante do parênqui-
- Hipertensão; ma pulmonar, resultando em hipóxia grave. A repercussão
- Desvio de traqueia; maior decorre da contusão pulmonar grave e da dor, que
- Timpanismo à percussão do lado afetado; restringe a movimentação respiratória, levando a complica-
- Ausência de murmúrio vesicular no lado afetado. ções respiratórias mecânicas e de troca gasosa.

179
CI RUR G I A TOR Á CICA

a) Quadro clínico Indica-se toracotomia de urgência se houver drenagem


- Movimento torácico assimétrico e descoordenado imediata de mais de 1.500mL de sangue ou mais de 200mL
(movimento paradoxal); por hora nas 2 a 4 horas seguintes à drenagem. Essa indica-
- Dificuldade respiratória; ção depende também do estado clínico do paciente e não
somente desses critérios.
- Taquipneia;
- Crepitação à palpação de costelas. E - Tamponamento cardíaco
b) Tratamento Ocorre por um acúmulo de sangue no saco pericárdico,
O doente deve receber oxigênio suplementar, reposição estrutura inelástica, levando à compressão cardíaca, com-
volêmica adequada e analgesia. A ventilação, muitas vezes, prometimento do retorno venoso e choque cardiogênico.
é inadequada devido à dor causada pelas fraturas, daí a im- É mais frequentemente causado por ferimentos penetran-
portância de analgesia adequada. Se o doente apresentar tes, porém pode acontecer por trauma contuso. A cavidade
insuficiência respiratória, poderá ser necessária a ventila- mais comumente lesada é o ventrículo direito, por sua loca-
ção mecânica. Os critérios de indicação são: lização mais anterior.
- FR >35 ou <8irpm; a) Quadro clínico
- pCO2 >55mmHg; I - Tríade de Beck:
- pO2 <60mmHg com FiO2 >50; - Hipotensão;
- Relação PO2/FiO2 <300; - Abafamento de bulhas cardíacas;
- Shunt >0,2. - Estase jugular (não acontece em caso de hipovolemia
significativa).
D - Hemotórax maciço
II - Pulso paradoxal: diminuição da PAS <10mmHg du-
rante inspiração espontânea.
III - Sinal de Kussmaul: aumento da pressão venosa na
inspiração espontânea.
IV - AESP: na ausência de hipovolemia ou de pneumo-
tórax hipertensivo.
Se for realizada uma ultrassonografia na sala de emer-
gência, será possível avaliar a presença de líquido no saco
pericárdico. O exame que oferece diagnóstico de certeza é
o ecocardiograma, porém dificilmente está disponível no
serviço de emergência.
b) Tratamento
Está indicada, em caso de suspeita clínica, a realização de
pericardiocentese na sala de emergência. O doente deve es-
tar monitorizado para realizar a punção subxifóidea. Quando
a agulha toca o epicárdio, ocorre arritmia ou aumento de vol-
Figura 2 - Radiografia evidenciando hemotórax maciço
tagem da onda T no eletrocardiograma. A punção é positiva
Acúmulo de mais de 1.500mL de sangue na cavidade se há aspiração de sangue não coagulado presente no saco
pleural, mais frequentemente causado por ferimentos pericárdico, sendo indicada a toracotomia. O sangue não co-
penetrantes que ocasionam lesão em vasos sistêmicos e agulado se deve à presença de substâncias anticoagulantes
hilares. Pode estar associado ao pneumotórax hiperten- no saco pericárdico. Após a retirada da agulha, deixa-se o
sivo. cateter que a envolvia (Jelco®) conectado a uma torneira de
3 vias para eventuais retiradas de sangue, que, porventura,
a) Quadro clínico acumula-se novamente, até que seja realizada a toracotomia.
- Choque; Pode-se fazer o diagnóstico, no paciente estável, por
- Ausência de murmúrio vesicular do lado afetado; meio de uma janela pericárdica (pericardiotomia aberta)
- Macicez à percussão do lado afetado. subxifóidea sob anestesia geral, no bloco cirúrgico, ou por
via transdiafragmática em caso de laparotomia. A sensibili-
b) Tratamento dade da janela é de 100% para o diagnóstico de lesão car-
Realiza-se reposição volêmica agressiva, com cristaloide díaca. Se for confirmado o tamponamento, a toracotomia
e sangue. A cavidade torácica é descomprimida com a drena- para reparo da lesão deverá ser preferencialmente por es-
gem de tórax. Se estiver disponível o equipamento necessário, ternotomia mediana, por também permitir o acesso cirúrgi-
será possível realizar autotransfusão do sangue aspirado. co aos vasos cervicais e subclávios.

180
TRAUMA TORÁCICO

4. Lesões diagnosticadas no exame Ocorre por laceração pulmonar, ruptura de um vaso in-
tercostal ou da artéria mamária interna, ou fratura-luxação
secundário da coluna torácica. A maioria dos sangramentos é autolimi-
tada e não necessita de tratamento cirúrgico hemostático
A - Pneumotórax simples específico, apenas de drenagem pleural. Pode-se classificar
o hemotórax da seguinte forma:
- Pequeno: 300 a 500mL;
- Médio: 500 a 1.500mL;
- Grande: >1.500mL.
a) Quadro clínico
- Diminuição do murmúrio vesicular do lado afetado;
- Macicez à percussão;
- O raio x de tórax evidencia hemotórax a partir de
200mL de volume.
b) Tratamento
Figura 3 - Radiografia evidenciando pneumotórax simples Consiste na drenagem de tórax que remove o sangue,
monitoriza o sangramento e diminui o risco de formação
Resulta da entrada de ar no espaço pleural, entre as de coágulo. Em 85% dos casos, tal tratamento é suficiente,
pleuras visceral e parietal. Pode ocorrer por trauma pene- e o sangramento cessa espontaneamente. Há indicação de

CIRURGIA TORÁCICA
trante ou contuso, neste último, geralmente devido a vaza- toracotomia se há drenagem inicial de mais de 1.500mL de
mento de ar por laceração pulmonar. sangue ou mais de 200mL de sangue nas 2 a 4 horas sub-
a) Quadro clínico sequentes. O tratamento conservador não é recomendado.
- Diminuição do murmúrio vesicular no lado afetado; C - Contusão pulmonar
- Hipertimpanismo à percussão.
O diagnóstico pode ser feito ou confirmado com uma Trata-se da lesão torácica potencialmente letal mais co-
radiografia de tórax em expiração, bem mais sensível que mum. É especialmente perigosa entre os idosos, cuja reser-
em inspiração para o pneumotórax. va funcional pulmonar é menor. A insuficiência respiratória
desenvolve-se progressivamente e decorre de hemorragia e
b) Tratamento edema do parênquima pulmonar.
A drenagem de tórax é o tratamento a todos os casos
de pneumotórax traumático e deve ser realizado no 4º ou
no 5º espaço intercostal anterior à linha axilar média, adap-
tado ao sistema de selo d’água. O tratamento conservador,
comum no pequeno pneumotórax espontâneo, deve ser
evitado no traumático, sendo proibido ao paciente que será
submetido à ventilação sob pressão positiva.
Doentes com pneumotórax que necessitem de trans-
porte aéreo devem ser drenados previamente.

B - Hemotórax Figura 5 - Fratura de costela com contusão: radiografia simples

Figura 4 - Radiografia evidenciando hemopneumotórax Figura 6 - Contusão pulmonar: radiografia simples

181
CI RUR G I A TOR Á CICA

a) Quadro clínico maiores de traqueia, carina e brônquio-fonte direito devem


- Insuficiência respiratória; ser tratadas por toracotomia.
- O raio x de tórax inicial pode ser normal e após 24 a 48
horas se evidenciar área de contusão; E - Trauma cardíaco contuso
- Uma complicação possível é a pneumonia, que é mais Podem ocorrer lesão cardíaca no trauma fechado por
frequente em idosos e doentes com DPOC; contusão da musculatura cardíaca, ruptura de câmara
- A TC de tórax é o exame indicado para melhor avalia- (em geral, apresentam tamponamento cardíaco) ou lace-
ção da área de contusão pulmonar. ração de válvula. Ocorre em 15 a 20% dos traumatismos
de tórax graves. A lesão mais frequente é do ventrículo
b) Tratamento
direito, que está mais próximo ao esterno em posição
O doente deve ser monitorizado com oximetria, gaso- anterior.
metria arterial e ECG. Se a insuficiência respiratória for im-
portante (PaO2 <65mmHg, SatO2 <90%), estará indicada a a) Quadro clínico
ventilação mecânica com pressão positiva. A utilização de - Desconforto torácico;
PEEP, pressão positiva das vias aéreas em valores supra-at- - Hipotensão.
mosféricos no final da expiração, é benéfica, pois aumenta Ao ECG, presença de extrassístoles ventriculares múl-
o recrutamento alveolar e melhora a capacidade residual tiplas, taquicardia sinusal, fibrilação arterial, bloqueio de
funcional, as trocas gasosas e a hipoxemia. ramo (principalmente à direita) e alteração dos segmentos
É fundamental a restrição de líquidos intravenosos após ST e T. Deve ser realizado um ecocardiograma para avalia-
a estabilização hemodinâmica. ção diagnóstica, e a dosagem de enzimas cardíacas após
politraumatismos não auxilia no diagnóstico de contusão
D - Lesão da árvore traqueobrônquica miocárdica.
Lesão incomum que costuma passar despercebida no
b) Tratamento
exame inicial. As lesões mais frequentes acontecem próxi-
mas à carina no trauma contuso, como a avulsão do brôn- O doente deve permanecer sob monitoração eletrocar-
quio-fonte direito. Acarreta alta mortalidade, geralmente, diográfica por, pelo menos, 24 horas, pelo risco de desen-
no local do acidente. volvimento de arritmias.
a) Quadro clínico F - Ruptura traumática da aorta
- Hemoptise;
- Enfisema de subcutâneo;
- Pneumotórax;
- Dispneia;
- Cianose;
- Associação a fraturas de costela e esterno;
- Desvio do mediastino;
- Grande vazamento de ar após drenagem torácica.
- O diagnóstico é confirmado por broncoscopia. Mais re-
centemente, tem sido utilizada a TC multi-slice por ser
menos invasiva.
b) Tratamento
Em doentes com insuficiência respiratória, pode ser
necessária a intubação seletiva do pulmão oposto ao lado
da lesão. A intubação pode ser difícil, em razão dos hema-
tomas, lesões orofaríngeas associadas ou da própria lesão Figura 7 - Trauma de aorta: radiografia com alargamento do me-
traqueobrônquica. A esses casos, indica-se a intervenção diastino
cirúrgica imediata. A maioria das vítimas com ruptura da aorta morre no
Nos doentes estáveis, o tratamento cirúrgico pode ser
local do trauma. As que chegam ao pronto-socorro apre-
adiado até a diminuição do processo inflamatório local e
sentam lesões incompletas, mais comumente próximas ao
do edema. Em lesões menores que 1/3 do diâmetro da tra-
ligamento arterioso, apresentando hematoma restrito ao
queia e lesões brônquicas, pode-se optar por tratamento
mediastino. Se houver hipotensão, provavelmente se deve-
conservador. Lesões maiores que 1/3 do diâmetro da tra-
rá ao sangramento de outro local e não da aorta, que certa-
queia em geral são tratadas com reparo primário. Lesões
mente causaria o óbito.

182
TRAUMA TORÁCICO

a) Diagnóstico reito e esquerdo.


- Geralmente, sem sinais e sintomas; Nos traumas contusos, em geral, ocorrem rupturas ra-
- História de trauma por desaceleração, como nas que- diais grandes, com herniação. As lesões por trauma pene-
das de altura, ejeção de veículo ou grandes colisões trante são mais comuns, acontecem, em sua maioria, per-
automobilísticas. furações pequenas que resultam em hérnias diafragmáticas
tardias.
A radiografia de tórax não é um exame confiável, prin-
cipalmente se realizada em decúbito dorsal. Em 1 a 2% dos
casos de lesão, o raio x é normal.
Os sinais radiológicos que indicam uma probabilidade
de lesão são:
- Alargamento do mediastino;
- Borramento do botão aórtico;
- Desvio da traqueia para a direita;
- Desvio do esôfago (SNG) para a direita;
- Desvio do brônquio-fonte principal esquerdo para bai-
xo;
- Obliteração do cajado aórtico;
- Obliteração do espaço entre a artéria pulmonar e a
aorta;

CIRURGIA TORÁCICA
- Alargamento da faixa paratraqueal;
- Alargamento das interfaces paraespinhais; Figura 8 - Ruptura diafragmática TC: observar o estômago na ca-
- Presença de derrame pleural, apical ou não; vidade torácica

- Hemotórax à esquerda; a) Diagnóstico


- Fratura do 1º e 2º arcos costais ou da escápula.
Os sinais radiológicos de lesão são:
Em caso de alteração radiográfica sugestiva, está indi- - Elevação, irregularidade ou obliteração do diafragma;
cada a arteriografia, o método diagnóstico padrão. A arte- - Densidade de partes moles acima do diafragma
riografia evidencia lesão em apenas 3% dos traumatizados (“pneumotórax loculado”);
com alargamento do mediastino. Outros exames que au- - Desvio do mediastino para o lado oposto;
xiliam o diagnóstico são a tomografia de tórax simples ou - Derrame pleural.
multislice com contraste (que isoladamente pode fornecer
o diagnóstico de certeza), a angiotomografia e o ecocardio- Para aumentar a sensibilidade diagnóstica, é possível
grama transesofágico. Por serem menos invasivos e mais passar uma SNG e realizar raio x de tórax para visualização
acessíveis, os exames tomográficos são bem mais solicita- na cavidade torácica. Pode-se realizar tal exame com con-
dos do que a arteriografia. traste injetado pela sonda. Entretanto, nem mesmo a res-
sonância magnética pode fornecer o diagnóstico definitivo;
b) Tratamento
somente a toracoscopia ou a laparoscopia.
Deve ser realizado por um cirurgião qualificado em
operações cardiovasculares. Pode-se realizar sutura pri- b) Tratamento
mária da aorta ou ressecção com interposição de enxerto. O tratamento é sempre cirúrgico e consiste na sutura
Inicialmente, administra-se beta-bloqueador associado ou primária das lesões menores e na utilização de prótese
não ao nitroprussiato, para reduzir a pressão arterial, dimi- (tela) nos ferimentos maiores. Nos casos agudos, a indica-
nuindo o risco de ruptura do hematoma. Mais recentemen- ção cirúrgica é por via abdominal, e, nos casos crônicos, a
te, o tratamento cirúrgico que implica alta morbimortalida- melhor via de entrada é pelo tórax, devido à presença de
de (15% de paraplegia) tem sido substituído pelo tratamen- aderências entre os órgãos herniados e o pulmão.
to endovascular minimamente invasivo, com colocação de
stents intra-aórticos. H - Ferimento transfixante do mediastino
Este tipo de ferimento pode causar lesões de coração,
G - Ruptura traumática do diafragma grandes vasos, árvore traqueobrônquica ou esôfago. O
Ocorre mais frequentemente do lado esquerdo. No lado diagnóstico é feito pela presença de orifício de entrada
direito, devido à presença do fígado, a frequência de lesão em um hemotórax e saída no outro ou presença do pro-
é menor ou muitas vezes não diagnosticada. Dados de ne- jétil ao raio x no hemotórax contralateral ao do orifício de
crópsia sugerem uma frequência semelhante dos lados di- entrada.

183
CI RUR G I A TOR Á CICA

A presença de enfisema do mediastino sugere lesão 5. Outras manifestações de lesões


esofágica ou traqueobrônquica. Hematoma do mediastino
ou extrapleural apical sugere lesão traumática de grandes torácicas
vasos.
Os pacientes com instabilidade hemodinâmica devem A - Enfisema subcutâneo
ser encaminhados ao centro cirúrgico, assim como os que Pode ocorrer por lesão de via aérea, laceração pulmo-
preenchem os critérios de toracotomia de emergência. Nos nar ou, raramente, por explosão. Se o doente necessita de
pacientes estáveis, a TC contrastada de tórax ou, preferen- ventilação mecânica, é prudente realizar a drenagem de
cialmente, a angiotomografia, é o exame de escolha para tórax pelo risco de desenvolver pneumotórax hipertensivo.
a avaliação diagnóstica inicial associada ou não ao ecocar-
diograma, reservando a endoscopia ou o esofagograma e a B - Lesões torácicas por esmagamento (asfixia
arteriografia para os pacientes com suspeita tomográfica de traumática)
lesão esofágica ou vascular, respectivamente. O protocolo
O paciente com esse tipo de trauma apresentará pletora
anterior, que consistia em radiografia de tórax com esôfa-
em tronco, face e membros superiores, e petéquias secundá-
go contrastado, endoscopia digestiva alta e respiratória e
rias à compressão aguda e transitória da veia cava superior.
angiografia, vem sendo progressivamente substituído pelo
Podem estar presentes edema maciço e até edema cerebral.
anterior.
A mortalidade dessas lesões é de 20%, e 50% dos do-
C - Ruptura esofágica por contusão
entes são admitidos instáveis. Dos estáveis, a maioria terá
avaliação diagnóstica positiva que indica uma intervenção É uma lesão bastante rara que acontece em casos de
cirúrgica. golpe de forte intensidade no abdome superior, levando à
- Tratamento explosão do conteúdo gástrico no esôfago. Deve-se suspei-
O tratamento dessas lesões varia com a situação hemo- tar dessas lesões nos seguintes casos:
dinâmica do paciente. Assim, se o doente estiver estável, - Pneumotórax ou hemotórax à esquerda sem fratura de
deverá ser realizada investigação diagnóstica completa. Já costela;
nos casos de instabilidade, deve ser realizada drenagem de - Golpe esternal inferior ou epigástrio, com quadro de
tórax bilateral. Indica-se toracotomia de drenagem de mais dor interna e choque;
de 1.500mL de sangue ou mais de 200mL/hora por 2 a 4 - Eliminação de material suspeito como dieta, pelo dre-
horas. A toracotomia é realizada inicialmente do lado em no de tórax;
que há maior dreno de sangue. - Diagnóstico feito por esofagoscopia ou esofagografia.
Na suspeita de tamponamento cardíaco, realizam-se pe- - Tratamento
ricardiocentese ou janela pericárdica.
Realiza-se ampla drenagem pleural e mediastinal.
A lesão esofágica pode ser suturada, porém, se houver
Ferimento transfixante do mediastino mais de 24 horas da lesão, será indicada esofagostomia.

D - Fraturas de costela, esterno e escápula


Estável Instável
Drenagem de tórax bilateral Estas fraturas causam dor que restringem os movimentos
respiratórios, prejudicando a ventilação e a tosse. Há risco au-
Radiografia
mentado de desenvolvimento de atelectasias e pneumonia.
do tórax Tratamento cirúrgico
É frequente a presença de lesão associada a essas fra-
turas. As de esterno estão associadas a contusões miocár-
Ecocardiografia dicas, traumatismos raquimedulares e cranioencefálicos; as
de costelas inferiores, à lesão de órgãos intraperitoneais;
Angiotomografia as de escápula, a lesões de vias aéreas, grandes vasos ou
contusão pulmonar pela alta energia envolvida.
O tratamento consiste no alívio da dor. Em relação às
Angiografia/radiologia fraturas, é conservador.
intervencionista

Endoscopia ou
6. Indicação de toracotomia
esofagograma
A - Toracotomia de reanimação (realizada na
sala de emergência)
Observação clínica
Está indicada nas vítimas de lesão penetrante sem pul-
Figura 9 - Conduta no ferimento transfixante do mediastino so, porém com atividade miocárdica. Não é indicada para

184
TRAUMA TORÁCICO

traumas contusos que não tenham sinais de vida após 5


minutos de RCP. Apesar da extensa controvérsia na litera-
tura, deve ser realizada sempre que o paciente apresenta
qualquer sinal de vida dentro do ambiente hospitalar ou
relatado pelos profissionais de resgate, pois é a única pos-
sibilidade de sobrevivência. Os serviços com melhores re-
sultados são os que selecionam os pacientes com critérios
mais rígidos. Aqueles com maior possibilidade de sobrevida
são os com parada decorrente de tamponamento cardíaco
por traumatismo penetrante.
Realiza-se uma toracotomia anterior esquerda após a
intubação traqueal. A seguir, realizam-se as seguintes ma-
nobras:
- Evacuação de tamponamento cardíaco; Figura 11 - Toracotomia de emergência
- Controle de hemorragias intratorácicas;
- Massagem cardíaca aberta;
- Clampeamento da aorta descendente. B - Toracotomia de emergência (realizada no cen-
Raramente apresenta sucesso.
tro cirúrgico)
As indicações são:
- Hemotórax maciço: >1.500mL sangue ou >200mL/h

CIRURGIA TORÁCICA
por lesão penetrante com tamponamento cardíaco;
- Grandes ferimentos abertos;
- Lesões vasculares com instabilidade hemodinâmica;
- Lesões maiores traqueobrônquicas;
- Evidência de perfuração de esôfago.
C - Toracotomias não emergenciais
- Empiema não resolvido com dreno de tórax;
- Hemotórax retido;
- Abscesso pulmonar;
- Lesão do duto torácico;
- Fístula traqueoesofágica;
- Sequela crônica de lesão vascular.

7. Drenagem de tórax
As indicações de drenagem de tórax, além das inúmeras
já citadas, são para:
- Suspeita de lesão pulmonar grave, principalmente, em
doentes que necessitem de transferência;
- Doente que necessite de anestesia geral para trata-
mento de outras lesões com suspeita de lesão pulmo-
nar significativa;
- Doente que necessite de ventilação mecânica com
Figura 10 - Toracotomia de reanimação pressão positiva com suspeita de lesão torácica.

185
CI RUR G I A TOR Á CICA

CAPÍTULO

7
Tumores benignos do pulmão
Carlos Eduardo Levischi Júnior / Rodrigo Olívio Sabbion

1. Introdução Tumor Frequência


Lipoma 1,5%
Os tumores benignos do pulmão são neoplasias rela-
tivamente raras. Podem se apresentar como nódulos pul- Leiomioma 1,5%
monares únicos ou múltiplos, indeterminados, sendo que Hemangioma 1%
cerca de 15% das lesões pulmonares ressecadas são benig-
nas. A classificação dos tumores benignos torna-se mais A - Hamartoma
didática quando é utilizada a origem da célula tumoral, sen-
do as mais comuns epitelial ou mesodérmica. Entretanto, Tumor benigno mais comum, é encontrado em até
considera-se um alto número destas lesões como de origem 0,25% nos pacientes submetidos à necrópsia, como acha-
indeterminada ou inflamatória. do incidental, e corresponde atualmente a 8% do total das
Independentemente, localizam-se, mais comumente, neoplasias de pulmão. Resultam da proliferação anormal e
no parênquima ou no brônquio. mista de células do parênquima pulmonar, e que, na his-
De acordo com a origem, segue a Tabela com a classifi-
tologia, demonstram composição de cartilagens, estruturas
cação dos tumores benignos pulmonares.
pseudoglandulares e significativa quantidade de gordura.
Tabela 1 - Classificação Usualmente, é diagnosticado em um raio x ocasional,
- Hamartoma; principalmente em homens, dos 30 aos 60 anos, e a maio-
Origem desconhecida - Tumor de células claras; ria está localizada na cortical pulmonar, e sua diferenciação
- Teratoma. com carcinomas é difícil.
- Pólipo; São nódulos únicos, bem definidos, com 1 a 2cm de di-
Origem epitelial
- Papiloma.
âmetro, podendo ter calcificações em 50% dos casos, mais
- Fibroma, lipoma, leiomioma, condroma;
bem evidenciadas à tomografia computadorizada. A locali-
Origem mesotelial - Tumor de célula granular;
zação endobrônquica, com sinais de obstrução, é extrema-
- Hemangioma esclerosante. mente rara.
- Histiocitoma; Presença de grande porcentagem de gordura bem deli-
Outra origem – infla- - Pseudotumor inflamatório; mitada, com calcificações em sua periferia, é sinal de benig-
matória - Xantoma; nidade, conhecido também como “calcificação em pipoca”,
- Amiloidoma. sinal que praticamente exclui neoplasia maligna.
O hamartoma pode crescer até 3,2mm ao ano, o que
2. Tipos mais comuns de tumores benignos acontece em 50% dos casos. Por essa razão, frequente-
Vários são os tumores benignos e sua origem no parên- mente é confundido com nódulo maligno e é tratado com
quima pulmonar. ressecção. Mas, exceto hamartomas intrabrônquicos, não
há indicação de ressecar um hamartoma intrapulmonar
Tabela 2 - Tumores mais comuns e graus de frequência
assintomático, a menos que seja para excluir malignidade.
Tumor Frequência
Biópsia por agulha pode trazer diagnóstico definitivo quan-
Hamartoma 77%
do se obtém cartilagem ou gordura, mas, na maioria das
Pseudotumor inflamatório 5,4% vezes, não é diagnóstica.

186
TUMORES BENIGNOS DO PULMÃO

C - Lipoma
O lipoma é um tumor de origem na célula adiposa que
se localiza frequentemente no interior do brônquio, pro-
duzindo pneumonias de repetição no mesmo lobo. Nesse
caso, o tumor se origina da gordura submucosa, presente
entre as cartilagens, porém abaixo destas, causando sua
elevação e consequentemente a oclusão do brônquio e cau-
sando principalmente tosse.
À fibrobroncoscopia, evidencia-se uma elevação da mu-
cosa, obstruindo parcial ou totalmente a luz brônquica. Por
ser extramucosa, a ressecção endoscópica fica prejudicada.

D - Leiomioma
Mesmo sendo raro, o leiomioma é o tumor de tecidos
Figura 1 - Nódulo bem delimitado na janela do pulmão moles mais comum no pulmão, composto quase exclusiva-
mente por músculo liso. Mulheres entre 30 e 40 anos são
os pacientes mais comuns (66%). Como outros tumores
benignos, sua localização dita os sintomas e, por conse-
quência, seu tratamento, embora o achado ocasional em
um paciente assintomático seja o mais frequente. O mais

CIRURGIA TORÁCICA
comum é, sendo o músculo liso encontrado em artérias,
mucosa brônquica e outros tecidos normalmente encon-
trados no pulmão, que esse tumor tenha origem no pró-
prio tecido intrapulmonar.

E - Hemangioma
Também raro, ocorre mais frequentemente em mulhe-
res na meia-idade, e também é assintomático. Manifesta-se
como nódulo bem circunscrito, de 1 a 8cm, periférico, úni-
co, e pode ser parcialmente calcificado. Histologicamente,
pode variar muito, mas apresenta 4 maiores variâncias: só-
lida, papilar, vascular e esclerótica.
Figura 2 - Nódulo bem delimitado, com densidade de gordura e
calcificações no interior, na janela do mediastino F - Outros
Lesões raras como teratomas e adenomas podem cres-
B - Pseudotumor inflamatório cer no pulmão. Por serem muito infrequentes, seu diag-
Existem vários sinônimos para este tumor: histiocitoma, nóstico se torna mais difícil. Usualmente, assintomáticos
são encaminhados com um raio x, realizado de rotina, com
fibroxantoma, granuloma plasmocítico.
diagnóstico de um nódulo intrapulmonar. Quando possível,
São nódulos de natureza reacional, pois vários desses
a biópsia por fibrobroncoscopia ajuda a esclarecer o diag-
pacientes tiveram história prévia de infecção, inflamação ou
nóstico. Mas, como a grande maioria dos nódulos é perifé-
neoplasia pulmonar. São tumores não encapsulados e que
rica, o rendimento esperado dessa forma de diagnóstico é
contêm proporções variáveis de plasmócitos e histiócitos,
muito pequeno.
que constituem um abundante infiltrado inflamatório com
componente também de miofibroblastos.
No maior estudo realizado com esses pacientes, 40% 3. Diagnóstico
eram assintomáticos, enquanto 60% tinham tosse, febre, A grande maioria dos tumores benignos de pulmão é
dor torácica ou dispneia. A idade média de aparecimento achado ocasional de pacientes assintomáticos do ponto
em adultos é por volta dos 30 anos, mas esse tipo de tumor de vista respiratório, em raio x de tórax de rotina ou outro
é mais comum em crianças. E pelo fato de estar relaciona- raio x, como de coluna torácica. Usualmente são periféri-
do a patologias pulmonares prévias, pode ser representado cos, mas podem produzir dor se tocam a pleura parietal.
por 1 ou vários nódulos. Quando localizados na via aérea, podem produzir sinais e
O tratamento é discutido desde ressecção local até acom- sintomas como tosse, hiperinsuflação lobar, hemoptise, si-
panhamento, de acordo com o tamanho e os sintomas. bilos, expectoração de tecido tumoral e pneumonias de re-

187
CI RUR G I A TOR Á CICA

petição no mesmo local. Neste caso, o diagnóstico pode ser


realizado por biópsia direta da lesão por fibrobroncoscopia
ou, mais frequentemente, broncoscopia rígida. No caso de a
lesão ser periférica, a biópsia por agulha fina orientada por
tomografia computadorizada pode produzir o diagnóstico.
Lesões bem definidas, com calcificações e estáveis há pelo
menos 2 anos, podem ser observadas, sem necessidade de
biópsia ou ressecção, em jovens não fumantes. Entretanto,
estudos retrospectivos demonstraram que pelo menos 25%
dos nódulos benignos não têm calcificação.
Recentemente, o PEC-CT, uma tomografia computadori-
zada capaz de identificar lesões que captam glicose marca-
da, tem sido utilizado na tentativa de esclarecer a etiologia
do nódulo, sem que seja necessária biópsia ou ressecção.
Nos trabalhos revisados, há uma acurácia diagnóstica, em
média, de 81,7%, com falso negativo de 11% para tais mé-
todos.

4. Tratamento
Em geral, a grande maioria dos tumores benignos de
pulmão pode ser ressecada sem grande dificuldade, diag-
nosticando e tratando a doença. Lesões endobrônquicas
podem ser ressecadas com broncoscopia. Se não for possí-
vel ressecar endoscopicamente, o recomendado será ape-
nas a ressecção do brônquio afetado, com a preservação da
maior porção do parênquima possível. Com essa recomen-
dação, a cura é obtida em quase 100% dos casos.
O uso da videocirurgia implementou a ressecção do nó-
dulo como forma de diagnóstico e tratamento, com amos-
tra tecidual representativa para a patologia, morbidade mí-
nima e 1 a 2 dias de internação.
A ressecção do nódulo utilizando técnica videoassistida
com patologia de congelação diagnostica e trata a grande
maioria dos tumores benignos de pulmão.
A inexistência de exames radiológicos anteriores, expo-
sição ao fumo, história de neoplasia ou ansiedade do pa-
ciente que impeça acompanhar o nódulo em 60 a 90 dias
podem justificar a ressecção do nódulo.

188
CAPÍTULO

8
Câncer de pulmão
Carlos Eduardo Levischi Júnior / Rodrigo Olívio Sabbion

em relação a mulheres não expostas ao tabagismo passivo


1. Diagnóstico e estadiamento domiciliar. Quanto à exposição no ambiente de trabalho, o
O câncer de pulmão, frequentemente, é identificado aumento do risco estimado foi de 17%.
pela radiografia do tórax como um nódulo pulmonar solitá- Estima-se que existam fatores de exposição ocupacio-
rio, como uma massa pulmonar ou hilar, por pneumonia de nal, independente ou associado, em 9 a 15% dos casos de
evolução não usual ou pela presença de derrame pleural. O
neoplasia pulmonar. Mas é difícil determinar o impacto de
diagnóstico citológico ou histopatológico é desejável, em-
cada exposição por haver associação com o tabagismo. As
bora nem sempre seja possível, e pode ser obtido por meio
atividades profissionais ligadas com o câncer de modo mais
de diversos métodos: biópsia percutânea guiada pela ra-
importante são a agricultura, construção e processamento
dioscopia ou com auxílio da tomografia computadorizada,
de metais. Os principais carcinógenos são asbesto, metais
broncoscopia, mediastinoscopia ou toracoscopia. Nenhuma
pesados, hidrocarbonetos aromáticos policíclicos e tabaco,
evidência foi identificada na literatura apoiando o uso de
assim como a exposição a baixas dosagens de radiação, vis-
exames hematológicos, como os marcadores tumorais, no
diagnóstico do câncer de pulmão. tas em alguns trabalhadores.
É a neoplasia responsável por mais mortes no mundo A poluição atmosférica tem papel na indução de neo-
e no Brasil, embora não seja a mais comum em ambos. plasia pulmonar, embora seja difícil estimar seu impacto
Isso decorre da natureza agressiva do tumor, com o diag- pelo efeito do tabagismo associado. As principais subs-
nóstico sendo realizado em fases mais tardias na maioria tâncias carcinogênicas derivam da combustão de com-
dos pacientes. As melhores chances de cura residem nas bustíveis fósseis. A associação entre desenvolvimento de
neoplasias detectadas ainda com acometimento pulmo- neoplasia de pulmão e existência de doenças pulmona-
nar exclusivo. As opções diagnósticas e terapêuticas para res existe, embora a análise do impacto seja dificultada
cada estágio da doença serão esmiuçadas ao longo do pela presença do fumo. Para Doença Pulmonar Obstrutiva
capítulo. Crônica (DPOC), o principal fator é a queda do valor expi-
ratório forçado no 1º segundo (VEF1), sendo maior para
2. Fatores de risco níveis de redução maiores. A asma também está correla-
cionada com maior risco, sendo o aumento 1,7 vez maior.
O fumo é responsável por cerca de 90% dos casos de ne-
Algumas Doenças Intersticiais Pulmonares (DIP) têm forte
oplasia pulmonar. Qualquer forma de uso do tabaco (cigar-
relação com cânceres de pulmão, entre elas as pneumo-
ro, cachimbo e charuto) está relacionada. Acredita-se que o
conioses (asbestose e silicose) e as DIPs fibrosantes, es-
risco de desenvolvimento de câncer de pulmão é 20 vezes
pecialmente a Fibrose Pulmonar Idiopática (FIP) e a DIP
maior para tabagistas. O risco de desenvolver câncer está
relacionada à esclerodermia.
relacionado com o tempo de tabagismo e com o número
de cigarros fumados por dia, porém o tempo de tabagismo Aspectos genéticos são importantes, sendo estimado
é o fator mais importante, e, quanto mais jovem se inicia um aumento do risco de 2 a 2,5 vezes em fumantes com
o hábito, maior a probabilidade de tornar-se um tabagista parentes que desenvolveram tumor de pulmão em compa-
pesado e desenvolver um câncer. ração com fumantes-controles. A incidência de câncer de
O tabagismo passivo, seja domiciliar ou profissional, é pulmão em não fumantes é estimada em 10%. É maior em
outro fator de risco. Não se sabe ao certo qual é a magni- mulheres, com predomínio de adenocarcinoma. Em con-
tude do risco, mas de qualquer forma é menor que no ta- trapartida, sobre os fumantes, há menor intensidade das
bagismo ativo. Estima-se aumento do risco de 25 a 29% em alterações genéticas, maior sobrevida e melhor resposta a
mulheres não fumantes casadas com homens fumantes, alguns tratamentos.

189
CI RUR G I A TOR Á CICA

3. Epidemiologia
O câncer de pulmão é o mais frequentemente diagnosti-
cado em todo o mundo desde 1985. Na estatística mundial,
em 2002, foi relatado 1,35 milhão de casos novos, ou seja,
12,4% de todos os casos de câncer e 1,18 milhão de mor-
tes ou 17,6% das mortes mundiais por neoplasia. Metade
dos casos ocorreu em países desenvolvidos. A incidência
em homens foi 35,5/100.000 e em mulheres 12,1/100.000,
com aumento proporcional maior em mulheres na linha do
tempo, devido ao aumento do uso do tabaco pelo sexo fe-
minino.
No Brasil, a distribuição se assemelha à global. A incidên-
cia é maior nos estados mais ricos (regiões Sul e Sudeste).
Houve aumento progressivo do número de casos novos tan-
to em homens quanto em mulheres, exceto por homens no Figura 1 - Aspecto histopatológico em lâmina de CEC
Sul e Sudeste, onde ocorreu estabilização. A incidência na-
cional é 19/100.000 para homens e 10/100.000 mulheres. O carcinoma de células escamosas apresenta a maior
Excetuando-se cânceres de pele, a neoplasia pulmonar é a correlação com o tabagismo dentre os tipos histológicos
2ª mais frequente em homens e 4ª em mulheres. de neoplasia pulmonar. Em sua maioria, surge junto ao hilo
Entre 1979 e 2004 foram registrados 287.484 óbitos por pulmonar, como massa central. Teoricamente, isso ocorre
neoplasia pulmonar no Brasil, com aumento anual global pelo fato de este tumor estar mais relacionado ao efeito di-
de 1%, sendo 2,4% se olharmos somente para as mulheres. reto da fumaça do tabaco, que incide mais em grandes vias
Houve redução da mortalidade em homens de algumas fai- aéreas, como carina e brônquios principais. O carcinoma
xas etárias (20 a 49 anos, 50 a 59 anos e acima dos 70 anos), de grandes células provavelmente representa adenocarci-
já nas mulheres houve aumento em todas as faixas etárias. nomas ou carcinomas de células escamosas pouco diferen-
ciadas.
4. Anatomia patológica
A classificação do câncer de pulmão é fundamental do
ponto de vista clínico. Fornece marcadores importantes de
prognóstico e de conduta para o paciente com essa neopla-
sia. A classificação da OMS inclui mais de 20 tipos histológi-
cos diferentes, mas daremos enfoque nos 4 tipos principais.
Os carcinomas broncogênicos são classificados de acor-
do com o aspecto histológico predominante: carcinoma
de células escamosas (ou epidermoide), adenocarcinoma,
carcinoma de células grandes e os carcinomas neuroendó-
crinos. Os 3 primeiros compõem o grupo dos Carcinomas
Pulmonares Não Pequenas Células (CPNPC), que conta ain-
da com representantes neuroendócrinos (tumores carcinoi-
des típico e atípico e o neuroendócrino de grandes células).
Representam 75 a 80% de todos os casos. Esse grupo apre- Figura 2 - Aspectos microscópicos do adenocarcinoma
senta manejo semelhante, incluindo um sistema único de
estadiamento e condutas terapêuticas similares. Estima-se Os carcinomas neuroendócrinos são divididos de acordo
que, no momento do diagnóstico de CPNPC, 20% estão lo- com o grau de diferenciação histológica. O tumor carcinoi-
calizados (acometimento somente pulmonar), 25% com do- de típico é bem diferenciado; o atípico, moderadamente
ença localmente avançada (acometimento linfonodal me- diferenciado, e o neuroendócrino de células grandes e o
diastinal) e 55% com metástases a distância. O Carcinoma de células pequenas são indiferenciados. O carcinoide típi-
Pulmonar de Pequenas Células (CPPC) apresenta outro sis- co costuma se apresentar como tumoração central, muitas
tema de estadiamento, além de terapêutica e prognóstico vezes com componente endobrônquico característico e difi-
distintos. cilmente com acometimento linfonodal inicial. Preferência
O adenocarcinoma é o câncer de pulmão mais comum por pacientes mais jovens, especialmente mulheres, e não
em homens e mulheres. A forma clínica mais costumeira é está tão relacionado ao tabagismo. O carcinoide atípico
a de uma lesão pulmonar periférica. normalmente aparece como lesão periférica, podendo já

190
CÂNCER DE PULMÃO

acometer linfonodos. O CPPC é a neoplasia pulmonar de com alta disponibilidade e baixo custo. Contudo, quando
maior malignidade, apresentando-se como tumor central e se apresenta normal, não exclui a doença. Falha em 77%
com acometimento linfonodal extenso à tomografia de tó- na identificação de lesões encontradas na TC de tórax e
rax inicial. Está fortemente relacionado ao hábito de fumar. em 79% quando os tumores são menores que 2cm. A TC
O carcinoma neuroendócrino de células grandes apresenta
detecta 3 vezes mais tumores que a radiografia simples,
um comportamento clínico muito semelhante ao CPPC.
chegando a 5 vezes quando analisamos somente as lesões
Tabela 1 - Tipos de neoplasias passíveis de ressecção.
- Carcinoma epidermoide; A TC de tórax, como citado anteriormente, deve ser
Carcinomas broncogêni- - Adenocarcinoma;
considerada exame padrão para investigação do paciente
cos (CNPC) - Carcinoma de células gigantes;
- Carcinomas neuroendócrinos. com suspeita de neoplasia pulmonar. Fornece informações
Carcinoma de pequenas células (CPPC) sobre as características da possível lesão primária, como
seu contorno, tamanho, densidade, localização, presença e
padrão de calcificação, e se houve crescimento em casos de
5. Métodos diagnósticos e de estadiamen- TCs seriadas. Também se faz útil no estadiamento intrato-
to intratorácico rácico com dados sobre acometimento de linfonodos hila-
A avaliação inicial do paciente inclui história detalhada res e mediastinais, existência de outras lesões pulmonares,
e exame físico. Deve ser dado enfoque para a identificação derrame pleural ou pericárdio, aspectos difíceis de avaliar
dos sintomas que sugiram doença localmente avançada na radiografia simples. Uma TC de tórax em suspeita de ne-
como tosse, hemoptise ou dor torácica. Também questio- oplasia deve incluir cortes e realizar avaliação das adrenais,

CIRURGIA TORÁCICA
nar sintomas sugestivos de metástases como déficit neuro- fornecendo imagens que possam sugerir acometimento
lógico, emagrecimento e dor óssea.
dessas glândulas e do fígado.
Após a anamnese e exame físico, quando foi feita a hi-
pótese de neoplasia pulmonar, o prosseguimento na confir- Os CPNPC apresentam acometimento mediastinal já
mação ou exclusão do diagnóstico de câncer, assim como ao diagnóstico em 28 a 38% dos casos. A TC mais uma vez
o estadiamento do paciente, se faz necessário. Como vere- é considerada o exame padrão para investigação do envol-
mos a seguir, muito dos exames nos fornecem informação vimento mediastinal. Seus resultados apresentam grande
sobre o diagnóstico e ao mesmo tempo sobre o estadia- variabilidade nos estudos, com sensibilidades entre 43 e
mento, ficando mais fácil tratar os 2 assuntos simultanea- 81%, e especificidades entre 44 e 91%. Apresenta boa re-
mente.
solução anatômica, sendo capaz de informar com precisão
A escolha do melhor método diagnóstico se dá baseado
se há linfonodos mediastinais aumentados. Todavia, linfo-
no quadro clínico e em exames de imagem. A obtenção da
amostra citológica ou histológica deve, de modo geral, ser nodos benignos podem se apresentar com tamanho au-
feita do método mais simples e menos invasivo, para o mais mentado e linfonodos de dimensões normais podem con-
complexo e agressivo. Devemos considerar também a efeti- ter metástases em até 20% dos pacientes. Sendo assim,
vidade de cada método, evitando atrasos no diagnóstico e usando como padrão de normalidade linfonodos com até
no início do tratamento. 1cm no seu menor eixo, a sensibilidade da TC em detectar
Como regra geral, métodos que forneçam o diagnóstico envolvimento mediastinal é de 57%, com especificidade
e ao mesmo tempo confirmem o estadiamento são prefe- de 82% e Valor Preditivo Negativo (VPN) de 83%. A nosso
ríveis. Por exemplo, num paciente com massa pulmonar ver, esses números são insuficientes para basearmos deci-
associado a derrame e espessamento pleural, a tomografia
sões terapêuticas na maioria dos pacientes, mas o exame
de tórax (TC) e a broncoscopia podem diagnosticar a massa,
ajuda a escolher o melhor método de obtenção de amos-
porém a punção com biópsia pleural pode fornecer o diag-
nóstico e estadiar como doença metastática intratorácica. tra cito-histológica.
Isso é fundamental para definir o prognóstico e a terapêuti- A TC de tórax e do abdome superior é indicada aos pa-
ca a ser empregada. Em outras palavras, é importante sem- cientes em caso de dúvida de neoplasia pulmonar (evidên-
pre tentar diagnosticar e estabelecer o melhor estadiamen- cia D). Além disso, também é usada para o diagnóstico bem
to fazendo uso do método menos invasivo. como para o estadiamento da doença.
No entanto, o diagnóstico histopatológico nunca é defi-
A - Radiografia e tomografia computadorizada nido pela TC do tórax (evidência D). O exame deve ser feito
de tórax antes de outros métodos diagnósticos, incluindo a broncos-
Na sequência à anamnese, devemos prosseguir a in- copia, e seu resultado é aproveitado para encaminhar os
vestigação com exames de imagem. A radiografia simples procedimentos que serão mais favoráveis para o diagnósti-
de tórax (raio x de tórax) é o exame inicial mais realizado, co e para o estadiamento da doença (evidência D).

191
CI RUR G I A TOR Á CICA

Figura 6 - Metástases hepáticas

B - Tomografia por emissão de pósitrons


Figura 3 - Massa pulmonar à radiografia simples
A tomografia com emissão de pósitrons (PET-CT) tem
sido cada vez mais utilizada no diagnóstico e estadiamento
do câncer de pulmão. O exame avalia todo o corpo, servin-
do ao estadiamento intra e extratorácico, além de ajudar na
decisão sobre nódulos pulmonares suspeitos.
Na caracterização de nódulos pulmonares solitários, a
PET-CT apresenta sensibilidade de 87% e especificidade de
83%. Os resultados são piores para nódulos subcentimétri-
cos, não sendo um bom exame na investigação dessas lesões
em função do alto índice de falsos negativos. Também po-
dem ser vistos altos índices de falsos negativos em tumo-
res carcinoides típicos e nos adenocarcinomas mucinosos
e bronquíolos-alveolares, por serem neoplasias com baixo
metabolismo glicolítico. Falsos positivos são vistos em do-
enças infecciosas e inflamatórias como micose, tuberculose,
sarcoidose e nódulos reumatoides. Para o estadiamento me-
diastinal, apresenta sensibilidade de 84%, com VPN de 93%,
Figura 4 - Nódulo pulmonar
a especificidade é de 89% e o valor preditivo positivo, 79%.
Tabela 2 - Achados falsos positivos e falsos negativos no PET-CT
Falsos positivos
- Nódulos subcentimétricos;
- Tumor carcinoide;
- Carcinoma bronquioloalveolar.
Falsos negativos
- Micose;
- Tuberculose;
- Sarcoidose;
- Nódulos reumatoides.

Desse modo, um exame de PET-CT negativo, exclui com


segurança acometimento mediastinal na grande parte dos
pacientes, mas um exame positivo não é definitivo, deven-
do ser confirmado por um método invasivo e que colha ma-
Figura 5 - Lesão (provavelmente metastática) em adrenal esquerda terial para cito-histologia.

192
CÂNCER DE PULMÃO

broncoalveolar (LBA) material para citologia por escovado de


lesão. Além disso, pode orientar punções aspirativas trans-
brônquicas guiadas ou não por ultrassonografia (EBUS).
O aparelho de broncoscopia flexível chega até os brôn-
quios subsegmentares, portanto é um método preferencial
para diagnóstico e estadiamento de lesões centrais. Nestes
casos, apresenta sensibilidade em torno de 90%, podendo
chegar a 100% quando a lesão é vista direitamente.

Figura 7 - PET com nódulo positivo


Figura 8 - Lesão central no brônquio-fonte direito

CIRURGIA TORÁCICA
C - Ressonância nuclear magnética Nas lesões periféricas, ou seja, aquelas não alcançadas
diretamente pelo aparelho, a sensibilidade é mais baixa.
A Ressonância Nuclear Magnética (RNM) do tórax não
O uso de radioscopia para guiar a biópsia transbrônquica
parece acrescentar ao diagnóstico de câncer de pulmão
pode aumentar esses valores, principalmente nas situações
quando comparada à TC. Comporta-se do mesmo modo em
de lesões maiores. A associação do LBA pode melhorar os
relação ao envolvimento linfonodal e mediastinal. O exame
resultados em lesões periféricas, especialmente em carci-
se mostra útil em neoplasias do sulco superior (tumor de
nomas bronquioloalveolares.
Pancoast) para avaliar acometimento vascular (vasos sub-
As complicações da broncoscopia são baixas e geralmen-
clávios) e neural (plexo braquial) e em tumores próximos à
te acarretam pouca morbidade. Incluem tosse, hipoxemia,
coluna, avaliando melhor que a TC se há envolvimento do
arritmias cardíacas, hemorragias, infecção e pneumotórax.
canal medular.
O uso recente da ultrassonografia endobrônquica (EBUS)
O principal papel da RNM é o estadiamento extratoráci-
permitiu que a broncoscopia melhorasse seu rendimento
co de metástases para o sistema nervoso central.
nas punções transbrônquicas de tumores e, principalmen-
te, de alguns linfonodos do mediastino e do hilo pulmonar.
D - Citologia do escarro
O equipamento nada mais é do que um broncoscópio com
Método menos invasivo e de menor risco, usado em es- USG adaptado à sua extremidade, usado essencialmente
tudos de rastreamento mais antigos em conjunto com ra- para estadiamento mediastinal. A punção por agulha fina
diografia de tórax. Apresenta rendimento maior em pacien- se dá sob visão da ultrassonografia em tempo real. A sen-
tes com lesão central, maior que 2,4cm, tipo carcinoma de sibilidade no diagnóstico e estadiamento linfonodal foi de
células escamosas, com hemoptise e baixos valores de VEF1. 94%, com especificidade de 100%.
Nota-se um aumento da positividade nas situações em que
são obtidas 3 amostras ao invés de 1, e estas são colhidas
de maneira induzida. Os estudos mostram que a sensibili-
dade do método varia de 42 a 97% e a especificidade, de
68 e 100%. No cotidiano, a broncoscopia, que permite co-
lher material para citologia, histopatologia e contribui com
o estadiamento, substitui a citologia do escarro, sendo esse
método muito pouco usado.

E - Broncoscopia
Permite a visualização do acometimento endobrônquico,
informando sua extensão e localização, além de poder evi-
denciar também compressões extrínsecas. Possibilita reali-
zar biópsia transbrônquica e endobrônquica, colher lavado Figura 9 - Ponta do aparelho broncoscópico com USG acoplado

193
CI RUR G I A TOR Á CICA

H - Mediastinoscopia
A mediastinoscopia pode ser usada para diagnóstico e
estadiamento de linfonodos nas regiões paratraqueais di-
reita e esquerda e infracarinal. Em um serviço que dispo-
nha de EBUS e EUS, a mediastinoscopia não costuma ser
usada inicialmente, ficando reservada para os casos em
que esses exames não foram diagnósticos. É realizada com
anestesia geral e no centro cirúrgico, mas pode também ser
realizada em caráter de hospital dia. Apresenta baixa mor-
bidade (2%), sendo apenas 0,3% mais graves, no entanto a
mortalidade chega a ser próxima de zero. Já a sensibilidade
do método é de 90%. Com o advento de aparelhos mais
modernos de mediastinoscopia, que permitem a ressecção
quase completa da gordura mediastinal com os linfonodos,
a sensibilidade do método chegou a 95%, mantendo a taxa
Figura 10 - Visão esquemática da utilização da EBUS
de complicações baixa.
Outro avanço na área da broncoscopia foi a navegação ele- As cadeias linfonodais acessíveis são: 2 (paratraqueal
tromagnética (BNE). O paciente tem seu tórax mapeado por superior), 4 (paratraqueal inferior) e 7 (subcarinal). Cadeias
uma TC acoplada a um sistema que gera um campo eletro- 8 e 9 (ligamento pulmonar e esofágico) podem ser biopsia-
magnético. Este permite localização com precisão milimétri- das por EUS ou videotoracoscopia.
ca, guiando o broncoscópio até lesão periférica através de um
sensor na ponta do canal de trabalho estendido. A positivida-
de das biópsias transbrônquicas guiada por BNE chega a 59%.

F - Punção transtorácica
A punção transtorácica por agulha é, de modo, até intuiti-
va, recomendada para lesões periféricas. Pode ser guiada por
ultrassonografia, mas atinge seus melhores resultados quan-
do guiada em tempo real por TC, especialmente em lesões
menores e que não estejam em contato direto com a pleura
visceral. A sensibilidade para nódulos pulmonares periféricos
maiores que 2cm é de 90%, sendo a especificidade de 98%. Figura 11 - Mediastinoscópio
Permite o uso de agulha grossa (core biopsy), o que não
altera a sensibilidade, mas aumenta o diagnóstico específi-
co em lesões benignas, permitindo maior tranquilidade na
exclusão de neoplasia. Um diagnóstico é alcançado em 98%
dos casos. Porém esses números são alcançados em lesões
maiores, e nos nódulos menores o rendimento do método
diminui, podendo haver falsos negativos em até 30% dos
casos. Complicações podem ocorrer em até 17% dos pa-
cientes, sendo a mais comum o pneumotórax (11,5% dos
pacientes, mas a minoria necessita de drenagem pleural)
seguido por sangramento pleural ou endobrônquico.

G - Punção pleural
Como exemplificado, aos pacientes com suspeita de
câncer de pulmão e derrame pleural associado, a punção
pleural (preferencialmente acompanhada de biópsia pleu-
ral por agulha) em geral se faz necessária. A positividade da
citologia oncótica do líquido pleural é de 63%. Assim sendo,
um resultado negativo não exclui acometimento pleural,
mas um positivo confirma. A biópsia por agulha não aumen-
ta muito a positividade, mas fornece informações sobre o
tipo histológico, que podem ser úteis na terapêutica futura. Figura 12 - Cadeias acessíveis pela mediastinoscopia: 2,4,7

194
CÂNCER DE PULMÃO

I - Mediastinotomia anterior Os principais sítios de metástases são ossos, cérebro,


pulmões, fígado e adrenais. Não foi identificado nenhum
Feita por uma incisão paraesternal esquerda (incisão de marcador molecular ou bioquímico que seja eficaz em de-
Chamberlain), permite acessar os linfonodos para-aórticos tectar metástases precocemente. Desta maneira, o estadia-
e da janela aortopulmonar (cadeias linfonodais 5 e 6 nas ja- mento se baseia em exames de imagem, que só são capazes
nelas aortopulmonar e aórtica), aqueles mais importantes de detectar doença macroscópica já instalada.
em neoplasias do lobo superior esquerdo. Com o advento Os exames que serão solicitados para o estadiamento
da videotoracoscopia, esse tipo de abordagem vem deixan- extratorácico devem ser baseados na anamnese, exame fí-
do de ser utilizado por vários serviços. sico e nos exames séricos e de imagem torácicos já realiza-
dos. Há estreita associação entre presença de metástases
J - Videotoracoscopia e alterações identificadas durante a anamnese (emagreci-
A utilização de videotoracoscopia permite diagnosticar mento, dor óssea, cefaleia, síncope, paresia e alteração do
nódulos e massas pulmonares, acometimento de várias ca- estado mental), exame físico (linfonodomegalia, rouquidão,
deias linfonodais hilares e mediastinais, e da pleura. Permite síndrome da veia cava superior, hepatomegalia, sinais neu-
associar o tratamento efetivo no mesmo tempo operatório rológicos focais e papiledema) e exames séricos (anemia,
em caso de nódulos pulmonares (estádios precoces trata- elevação da fosfatase alcalina, gama-glutamil-transferase,
dos com lobectomia ou segmentectomia pulmonar por vi- transaminases e cálcio).
deotoracoscopia) e a paliação com pleurodese em casos de A TC de tórax também ajuda na definição do exame a ser
acometimento pleural sintomático. solicitado para o estadiamento sistêmico, ou mesmo se este
Pode ser muito difícil a localização dos nódulos subcenti- será necessário. Tumores maiores e com linfonodomegalias
métricos pela videotoracoscopia, especialmente se não adja- mediastinais possuem maior probabilidade de já apresenta-

CIRURGIA TORÁCICA
centes à pleura visceral. Alguns métodos podem ser usados rem doença disseminada, sendo a investigação mais ampla
para facilitar a localização e ressecção adequada dos mes- nesses pacientes. Tumores precoces podem mesmo prece-
mos. Punção por agulha no pré-operatório imediato, injeção der da realização do estadiamento extratorácico.
de contraste perinódulo e colocação de micromola na lesão Os exames utilizados no estadiamento sistêmico são a
são alguns deles, todos métodos guiados por TC. TC ou RNM de cérebro, cintilografia óssea, TC de abdome
Pacientes com risco moderado ou alto de neoplasia (pela superior (muitas vezes já incluída na TC de tórax quando
história clínica e aspecto da lesão à TC de tórax e/ou à PET-CT) da investigação inicial de opacidades pulmonares) e, mais
e com baixo risco operatório, de modo geral, dispensam ou- recentemente, a PET-CT.
tros métodos diagnósticos pré-operatórios, devendo ser sub- Não há grandes estudos comparando o estadiamento
metidos ao procedimento cirúrgico (por videotoracoscopia com PET-CT e o convencional. A PET-CT não parece ser um
ou toracotomia) com diagnóstico por exame de congelação bom exame para avaliação de metástases cerebrais em fun-
intraoperatória e cirurgia curativa no mesmo ato. ção do alto metabolismo do sistema nervoso central (que
faz todo o cérebro “acender” no PET, dificultando a visu-
K - Toracotomia alização de metástases) apresentando acurácia inferior à
TC e RNM. A Cintilografia Óssea (CO) com Tc-99m MDP é o
É o último método a ser lançado para o diagnóstico de
principal exame para pesquisa de metástases ósseas. Seu
neoplasia pulmonar, a não ser em casos como discutidos
grande inconveniente é o alto índice de falsos positivos em
anteriormente na secção de videotoracoscopia (pacientes
função das doenças degenerativas e traumas ósseos. Assim,
com alto risco de neoplasia e baixo risco cirúrgico), mas que
as lesões consideradas suspeitas à CO devem ser avaliadas
apresentem alguma contraindicação à cirurgia por vídeo
por outros exames como RNM ou mesmo biópsia. A PET-CT
(como tumores centrais ou muito grandes).
parece apresentar sensibilidade semelhante à CO (93% ver-
sus 92%), mas com ganho na acurácia (93,5% versus 72,5%).
6. Estadiamento extratorácico A RNM deve ser considerada o melhor exame na in-
O diagnóstico de metástase a distância é fundamental vestigação de doença secundária cerebral, sendo capaz de
no planejamento terapêutico do paciente com neoplasia detectar maior número de metástases que a TC de crânio,
pulmonar. A existência da metástase muda todo o foco do embora não tenha fornecido ganho de sobrevida.
tratamento, que passa a ser sistêmico. O controle do tumor Nódulos adrenais são comumente vistos em pacientes
primário fica apenas com caráter paliativo na grande maio- com neoplasias pulmonares; o grande desafio é definir se
ria das vezes. A presença de metástase é o principal fator estamos diante de um adenoma ou de uma metástase.
determinante de prognóstico. Há grande debate sobre qual Lesão bilateral, tamanho menor que 3cm e densidade de
doente se beneficia do estadiamento sistêmico: se este gordura à TC são sugestivos de adenoma. A RNM e a PET-
deve ser realizado em todo paciente diagnosticado com CT podem auxiliar em casos mais duvidosos, mas a biópsia
câncer pulmonar, se apenas nos sintomáticos sistêmicos, pode ser necessária a despeito de todos os exames de ima-
ou de acordo com características do tumor primário. gem, dependendo do contexto clínico.

195
CI RUR G I A TOR Á CICA

A maioria das lesões hepáticas identificadas em TC de 7. Sistema de estadiamento TNM do


estadiamento corresponde a patologias benignas como he-
mangiomas e cistos. A PET-CT também pode ajudar, com CPNPC
acurácia entre 92 e 100%, mas persistindo a dúvida pode A 7ª edição do estadiamento TNM para CPNPC, proposta
ser necessária a realização de biópsia. pela International Association for the Study of Lung Cancer
(IASLC), entrou em vigor em janeiro de 2010. Com a atua-
lização constante do estadiamento, busca-se a adequação
aos métodos diagnósticos mais eficientes e às terapêuticas
mais avançadas que vão surgindo no decorrer dos anos.
Com esta 7ª edição, o tamanho do tumor primário ga-
nhou maior importância, e a presença de nódulos tumorais
adicionais e derrames pleural e pericárdico foi mais bem
classificada, refletindo, de modo mais fidedigno, seus prog-
nósticos. A classificação linfonodal não sofreu mudança,
embora 3 grupos prognósticos tenham sido identificados
para futuras reavaliações.
Tabela 3 - TNM (tumor, linfonodos e metástases)
Tumor primário (T)
TX: tumor primário impossibilitado de avaliações, não pode ser
diagnosticado pela apresentação de células malignas no escarro
ou no lavado brônquico. Contudo, não é possível visualizá-lo por
imagens ou broncoscopia.
T0: nenhuma evidência do tumor primário.
Tis: carcinoma in situ.
T1: tumor ≤3cm no maior eixo, envolvido por parênquima pulmo-
nar ou pleura visceral, sem evidência broncoscópica de invasão
Figura 13 - PET-CT
mais proximal que brônquio lobar.
T1a: ≤2cm no maior eixo;
T1b: ≤3cm no maior eixo.
T2: tumor >3cm, mas ≤7cm ou tumor com quaisquer dos seguintes:
- Envolvimento do brônquio-fonte, distando ≥2cm da carina;
- II invasão da pleura visceral;
- Associado à atelectasia ou pneumonite obstrutiva que não envolva
todo um pulmão.
T2a: >3cm, mas ≤5cm no maior eixo;
T2b: >5cm, mas ≤7cm no maior eixo.
T3: tumor >7cm ou com envolvimento do brônquio-fonte <2cm
da carina, mas sem acometimento desta ou associado à atelecta-
sia ou pneumonite obstrutiva de todo um pulmão ou que possua
outro(s) nódulo(s) tumoral(is) no mesmo lobo, ou invasão direta
de algum dos seguintes:
- Parede torácica (incluindo tumor de sulco superior);
- Diafragma;
- Nervo frênico;
- Pleura mediastinal;
- Pericárdio parietal.
T4: tumor de qualquer tamanho que possua outro(s) nódulo(s)
tumoral(is) em lobo diferente, mas ipsilateral ou que invada al-
gum dos seguintes:
- Mediastino;
- Coração;
- Grandes vasos;
- Traqueia;
- Nervo laríngeo recorrente;
- Esôfago;
- Carina.
Figura 14 - Ressonância nuclear magnética

196
CÂNCER DE PULMÃO

Linfonodos (N) Tabela 5 - Estadios


NX: linfonodos que não podem ser avaliados. N0 N1 N2 N3
N0: nenhuma metástase para linfonodos. T1a IA IIA IIIA IIIB
N1: metástases para linfonodo peribrônquico ipsilateral e/ou lin- T1b IA IIA IIIA IIIB
fonodo hilar ipsilateral e linfonodo intrapulmonar envolvido por T2a IB IIA IIIA IIIB
extensão direta do tumor primário. T2b IIA IIB IIIA IIIB
N2: metástases para linfonodo mediastinal e/ou subcarinal ipsi- T3 IIB IIIA IIIA IIIB
lateral.
T4 IIIA IIIA IIIB IIIB
N3: metástases para linfonodo mediastinal contralateral, hilar
M1a IV IV IV IV
contralateral, escaleno ipsilateral ou contralateral, ou linfonodos
supraclaviculares. M1b IV IV IV IV
Metástase a distância
Importante:
MX: presença de metástases a distância não pode ser avaliada. Saber identificar principalmente o T e ter o conceito em mente
M0: ausência de metástases a distância. de que o que rege o tratamento do paciente e indica se ele é
M1: presença de metástases a distância: candidato cirúrgico ou não é o estadiamento linfonodal.
M1a: nódulo(s) tumoral(is) no pulmão contralateral, nódulos
pleurais ou derrame pleural ou pericárdico neoplásico; 8. Tratamento
M1b: metástases a distância.
Qualquer possibilidade de sucesso terapêutico no carci-
Tabela 4 - TNM (tumor, linfonodos e metástases) por estágio noma brônquico está invariavelmente baseada nos seguin-

CIRURGIA TORÁCICA
Estágio Subgrupo TNM tes fundamentos básicos:
0 Carcinoma in situ
- A cirurgia é o único tratamento potencialmente curativo;
- A sua indicação está reservada, em princípio, aos tu-
T1a N0 M0 mores confinados ao pulmão, ou seja, sem linfonodos
IA
T1b N0 M0 mediastinais comprometidos;
IB T2a N0 M0 - Todo o esforço propedêutico e toda a tecnologia dispo-
T1a N1 M0 nível devem ser empregados para evitar a toracotomia
sem uma perspectiva definida.
T1bN1 M0
IIA
T2b N1 M0 O comportamento biológico dessa neoplasia, o perfil
psicológico do fumante e algum grau de inabilidade médica
T2b N0 M0
têm contribuído para o diagnóstico tardio do câncer de pul-
T2b N1 M0 mão. Estima-se que, a cada ano, surjam 2 milhões de casos
IIB
T3 N0 M0 novos de câncer de pulmão em todo o mundo, e, destes,
T1a N2 M0 apenas 10 a 13% serão curados pela cirurgia isolada ou em
associação a outras formas de tratamento. Há um consen-
T1bN2 M0
so de que o tratamento cirúrgico alcançou, no carcinoma
T2a N2 M0 brônquico, o seu limite de competência como procedimen-
IIIA T2b N2 M0 to isolado, restando apenas a perspectiva de benefício na
T3 N1 M0 associação a outras formas de terapia. Há muito que se es-
perar, principalmente da quimioterapia e da imunoterapia.
T3 N2 M0
T4 N1 M0
9. Considerações cirúrgicas
T1a N3 M0
O objetivo final do tratamento cirúrgico para o CPNPC
T1bN3 M0
é a ressecção completa, ou seja, o tumor primário deve ser
T2a N3 M0 completamente removido sem deixar doença macroscópica,
IIIB T2b N3 M0 as margens cirúrgicas devem ser microscopicamente negati-
T3 N3 M0 vas, e linfadenectomia mediastinal realizada com o linfonodo
mais alto negativo ao exame patológico. Ressecções incom-
T4 N1 M0
pletas não oferecem benefício ao paciente, nem acarretam
T4 N2 M0 ganho de sobrevida. Assim sendo, ressecções parciais ou pa-
M0 - liativas não têm papel na rotina terapêutica. A ressecção de
estruturas adjacentes comprometidas por invasão tumoral
IV Qualquer T, qualquer N M1
deve, sempre que possível, ser realizada em bloco.

197
CI RUR G I A TOR Á CICA

A cirurgia padrão para o tratamento do CPNPC é a lo- gica e do ligamento pulmonar inferior. Para cirurgias à
bectomia pulmonar. É uma cirurgia anatômica, com a reti- esquerda, as cadeias esvaziadas são para-aórtica, janela
rada de todo o lobo pulmonar onde a neoplasia se originou. aortopulmonar, infracarinal, periesofágica e do ligamen-
Com tal ressecção, conseguimos, de modo geral, uma mar- to pulmonar inferior. O outro grupo de cirurgiões defen-
gem de tecido saudável satisfatória, além de extrairmos sua de a amostragem de linfonodos de forma sistemática,
possível drenagem linfática (lembrando que as drenagens nesse caso, pelo menos um linfonodo de cada cadeia
venosas e linfáticas se fazem entre os segmentos pulmona- citada anteriormente é amostrado para um adequado
res, já os brônquios e artérias pulmonares correm no centro estadiamento mediastinal. Os estudos são controver-
dos segmentos). sos, alguns favorecem a linfadenectomia enquanto ou-
Neoplasias mais centrais ou maiores em tamanho po- tros não mostram ganho de sobrevida com essa técnica.
dem requerer cirurgias mais extensas que a lobectomia. Recentemente, um estudo prospectivo randomizado em
Lobectomias associadas a bronco e/ou arterioplastia po- pacientes com CPNPC estadio IA não mostrou benefício
dem ser necessárias para a ressecção com margens livres na sobrevida quando realizada a linfadenectomia me-
de tumores mais centrais. Em outros casos, em que mesmo diastinal radical em relação à amostragem linfonodal sis-
com o emprego dessas técnicas a margem é insuficiente, temática. Contudo, também não mostrou prejuízo da 1ª
as ressecções realizadas acabam sendo a bilobectomia ou em relação à 2ª quanto à morbidade operatória. Além
mesmo a pneumonectomia. É importante ressaltar que a disso, ambas se equivaleram na capacidade de estadiar
pneumectomia é contraindicada a casos de quimioterapia corretamente o mediastino desses pacientes operados.
ou radioterapia prévia.
Mais recentemente, vários estudos têm mostrado a pos- 10. Tratamento específico de acordo com
sibilidade de ressecções sublobares para pacientes e tumo-
res bem selecionados. Nesses casos são realizadas segmen-
o estadiamento inicial do tumor
tectomias, cirurgias ainda anatômicas, nas quais se resse-
cam o segmento acometido e sua drenagem linfática. Ainda A - Estadio I
podem ser realizadas cirurgias não anatômicas, chamadas
Tumores no estadio IA compreendem os T1a e T1b, am-
ressecções em cunha. São cirurgias tecnicamente mais sim-
bos N0. Portanto, são neoplasias na fase inicial, com a do-
ples, sem grandes dissecções de estruturas vasculares ou
ença limitada ao parênquima pulmonar, sem acometimen-
brônquicas. O tumor é retirado com uma margem de parên- to linfonodal nenhum. Para esses pacientes, a ressecção ci-
quima saudável, porém, sem respeito às anatomias pulmo- rúrgica é fundamental no tratamento, desde que o doente
nar e linfática. Ainda não foi provado nada em relação ao tenha condições clínicas para tal.
uso desta técnica, porém ela tem encontrado aplicabilidade Os pacientes com estadio IB apresentam tumores T2a,
em alguns serviços, em casos de nódulos pequenos (<2cm) ou seja, possuem um comprometimento do parênquima
e bronquíolos alveolares. O uso de técnicas por vídeo tem pulmonar maior, mas sem acometimento linfonodal de
crescido muito em diversas áreas da medicina nas últimas qualquer espécie (N0). Ainda não possuem disseminação
décadas. Na cirurgia torácica, o seu emprego em doenças locorregional.
pleurais já é bem estabelecido, porém a utilização da vi- A cirurgia padrão é a lobectomia pulmonar com linfade-
deotoracoscopia no tratamento do câncer broncogênico nectomia ou amostragem sistemática mediastinal. Caso o
somente ganhou força nos últimos anos. Ressecções em cirurgião esteja habituado, a cirurgia pode ser videoassisti-
cunha são facilmente realizadas por vídeo, mas, como foi da. Poucas vezes são necessárias ressecções maiores como
dito, não são a cirurgia padrão para o tratamento do CPNPC. bilobectomia ou pneumonectomia para esse estadio.
A lobectomia pulmonar videoassistida vem sendo realizada Um ponto de discussão é o emprego de ressecções su-
cada vez mais por diversos serviços e apresenta resultados blobares, especialmente nos tumores T1a. Em pacientes
muito semelhantes à convencional quanto à eficácia no tra- com reserva pulmonar limítrofe e que não suportariam a
tamento do CPNPC e quanto ao índice de complicações ci- lobectomia, ressecções sublobares são bem aceitas e con-
rúrgicas. Devemos lembrar que não se aplica para todos os sideradas o tratamento-padrão. O único ensaio clínico ran-
tumores, ficando reservada principalmente para neoplasias domizado mostrou haver maior índice de recidiva local (3
em fase inicial, preferencialmente periféricas e sem grande vezes maior) e sistêmica, e maior mortalidade por câncer
acometimento linfonodal no hilo pulmonar. (50% maior) em pacientes com reserva pulmonar adequada
Em relação à abordagem do mediastino, há 2 grandes e submetidos a ressecções sublobares com tumores ≤3cm.
grupos de cirurgiões. Um grupo favorece a linfadenec- Contudo, posteriormente vários estudos retrospectivos
tomia mediastinal ipsilateral radical; nesta técnica são mostraram resultados semelhantes entre as técnicas, es-
ressecadas todas as cadeias linfonodais do lado a ser pecialmente se os tumores forem <2cm e do tipo adeno-
operado, junto com o coxim gorduroso que as envolve. carcinoma bronquioloalveolar. Nota-se, na literatura, que
Em casos de cirurgia à direita, esvaziam-se as cadeias pacientes mais idosos (>70 anos) também parecem se be-
paratraqueais superior e inferior, infracarinal, periesofá- neficiar de ressecções menores.

198
CÂNCER DE PULMÃO

Em relação à abordagem mediastinal, alguns cirurgiões - A lobectomia por videotoracoscopia pode ser indicada com
têm realizado a linfadenectomia mediastinal seletiva para benefícios oncológicos semelhantes à lobectomia por toraco-
pacientes com estadio I. Nesses casos, as cadeias abordadas tomia;
variam de acordo com o lobo de origem da neoplasia, ex- - Nos pacientes que não possuírem condições clínicas para a
plorando somente as cadeias que receberiam a drenagem cirurgia (mesmo ressecções sublobares) ou que recusarem esse
linfática inicial daquele lobo. Os resultados não mostraram tratamento, a radioterapia isolada deve ser empregada;
diferenças em relação à recidiva local, sobrevida global e - Não há benefício com uso de quimioterapia ou radioterapia
livre de doença. adjuvante.

B - Estadio II

CIRURGIA TORÁCICA
Figura 15 - Corte tomográfico evidenciando tumor pulmonar central

Para pacientes com estadio IA e IB operados não há


benefício em realização de quimioterapia ou radioterapia
adjuvantes. A quimioterapia posterior à cirurgia não acres-
centa ganho de sobrevida, já a radioterapia nesse cenário Figura 16 - Corte tomográfico evidenciando tumor pulmonar de lo-
acarreta em perda de sobrevida. Apenas um estudo, por calização central com extensão para linfonodos hilares ipsilaterais
meio de análise de subgrupo, demonstrou benefício em re- O estadio IIA agrega os tumores T1a, T1b e T2a (que
alizar adjuvância com quimioterapia no pós-operatório de vimos nos estadios IA e IB), mas que apresentem acome-
tumores ≥ 4cm. Contudo, essa abordagem não é recomen- timento dos linfonodos pulmonares ou hilares (N1). Além
dada rotineiramente. deles, também compreende as neoplasias T2b (>5cm e
Pacientes estadios IA e IB sem condições clínicas de se- ≤7cm), que não tenham linfonodos comprometidos pelo
rem submetidos à ressecção pulmonar, mesmo sublobar, câncer (N1). Esses mesmos tumores T2b, quando apresen-
ou que recusem o tratamento cirúrgico devem ter seus tu- tam linfonodos hilares positivos para neoplasia, são aloca-
mores tratados localmente com radioterapia. Esse método dos no estadio IIB. Este estadio também alberga os CPNPC
permite o controle local da doença com alguma sobrevida T3, desde que N0.
em longo prazo (15%). Devemos lembrar que os pacientes O tratamento-padrão para os tumores estadio II é o ci-
desses estudos apresentam performance pior que os ope- rúrgico. A ressecção padrão é a lobectomia pulmonar com
rados, portanto os resultados obtidos não são comparáveis. linfadenectomia ou amostragem sistemática mediastinal e,
A melhor sobrevida foi alcançada em estudo com maior nesses casos, ressecções sublobares não devem ser encora-
índice de pacientes com condições, mas que recusaram a jadas. Nota-se que mais pacientes acabam necessitando de
cirurgia, nesses a sobrevida em 2 anos foi de 76%. lobectomia com bronco e/ou arterioplastia, ou mesmo bilo-
Pacientes com CPNPC estadio IA submetidos à ressec- bectomia e pneumonectomia no estadio II em função prin-
ção completa com linfadenectomia mediastinal apresen- cipalmente de tumores serem maiores ou mais centrais.
tam taxas de sobrevida, em 5 anos, de 73%. Considerando Em relação à quimioterapia adjuvante, benefícios foram
somente os T1a a sobrevida em 5 anos é de 77%. Para o es- vistos para pacientes com N1. Grandes séries demonstra-
tadio IB completamente ressecados, a sobrevida em 5 anos ram ganho de sobrevida entre 10 e 15% com o uso de qui-
fica próxima de 58%. mioterapia baseada em platina. A radioterapia adjuvante
para estadio II completamente ressecado acarretou menor
Tabela 6 - Recomendações estadio I recidiva local, porém sem impacto na sobrevida, não sendo
- Cirurgia é o tratamento-padrão (lobectomia com linfadenecto- recomendada rotineiramente.
mia ou amostragem sistemática recomendada); A radioterapia exclusiva, assim como no estadio I, só
- Em casos selecionados, a ressecção sublobar pode ser ofere- deve ser utilizada em pacientes sem condições cirúrgicas
cida, especialmente para pacientes sem reserva pulmonar para ou que neguem esse tratamento. Por apresentarem lesões
lobectomia; maiores, a área irradiada acaba sendo maior, ou então mais

199
CI RUR G I A TOR Á CICA

central no pulmão, acarretando mais efeitos colaterais da A 7ª edição do estadiamento para o CPNPC não conse-
radioterapia. guiu número suficiente de pacientes com linfonodos hilares
Estudos mostram que a sobrevida em 5 anos para os do- e mediastinais bem avaliados para analisar e promover uma
entes com neoplasia no estadio IIA, devidamente tratados, mudança no descritor N. As diferenças encontradas não ob-
é de 46%, mas já para os IIB fica próximo de 36%. tiveram força estatística suficiente. Mas houve uma tendên-
cia dos pacientes hoje N1 e N2 de caírem em 3 categorias
Tabela 7 - Recomendações estadio II prognósticas: N1a - N1 zona única (48% de sobrevida em 5
- Cirurgia é o tratamento-padrão, sendo a lobectomia com linfa- anos), N1b + N2a - N1 múltiplas zonas e N2 zona única (35 e
denectomia ou amostragem sistemática recomendada; 34% de sobrevida em 5 anos, respectivamente) e N2b - N2
- Quando necessárias e factíveis, lobectomias com bronco e/ou múltiplas zonas (20% de sobrevida em 5 anos).
arterioplastia são preferíveis em relação à pneumonectomia; Isso reforça o que alguns grupos já mostraram e que nos
parece muito razoável, que no universo de doentes N1 e
- Nos pacientes que não possuírem condições clínicas para a ci-
N2, há vários subgrupos com comportamento distintos e,
rurgia ou que recusarem esse tratamento, a radioterapia isola-
da deve ser empregada;
possivelmente, com tratamentos ideais distintos. A ressec-
ção cirúrgica, sendo a lobectomia com linfadenectomia ou
- Quimioterapia adjuvante deve ser oferecida para os casos com amostragem sistemática o procedimento padrão, mantém
N1 patológico.
seu papel nos pacientes N2. Parece ter sua melhor indica-
ção em doença N2 mínima, como aquela não descoberta
C - Estadio IIIA (N2) em exames de estadiamento pré-operatórios ou mesmo
aquela com acometimento de apenas uma cadeia linfono-
dal mediastinal.
Nos pacientes N2 operados, a quimioterapia adjuvan-
te baseada em platina se faz mandatória. Vários estudos
mostraram ganho de sobrevida em 5 anos entre 5 e 10%.
Por outro lado, o uso de radioterapia adjuvante após a qui-
mioterapia em ressecções completas é controversa, pro-
moveu diminuição da recidiva local, mas sem impacto na
sobrevida.
Outra estratégia terapêutica factível é a realização de
quimioterapia neoadjuvante, seguida de ressecção cirúr-
gica. As vantagens teóricas seriam o tratamento precoce
Figura 17 - Corte tomográfico evidenciando grande tumor em pul- das micrometástases, downstaging tumoral, melhor ade-
mão esquerdo rência à quimioterapia e avaliação in vivo da sensibilidade
do tumor ao quimioterápico. A 3ª linha terapêutica, e mais
O estadio IIIA é muito heterogêneo, mas engloba basi- defendida por guidelines como do Chest e da NCCN, na do-
camente 2 tipos de tumores, neoplasias menores (T1 e T2), ença N2 compreende a quimioterapia e a radioterapia com-
mas com disseminação para linfonodos mediastinais ipsila- binadas. O melhor benefício dessa terapêutica se dá com
terais (N2) e tumores maiores, localmente mais avançados seu uso concomitante. A radioquimioterapia dificilmente
ou com invasão de estruturas torácicas mais nobres (T3 e torna uma lesão irressecável à 1ª apresentação, ressecável.
T4), mas sem acometimento linfonodal mediastinal (T4N0, Portanto, para esses doentes o uso exclusivo dessa combi-
T3N1 e T4N1). Esse último grupo é menos comum na práti- nação de tratamentos é uma boa estratégia, não sendo re-
ca clínica diária, já os tumores com N2 são rotineiros. comendada a cirurgia.
É talvez o estadio em que há mais controvérsias no tra- Em pacientes com doença inicial ressecável, o tratamen-
tamento, especialmente nos N2. Grupos realizam cirurgia to trimodal com radioquimioterapia seguidos de cirurgia
com quimioterapia adjuvante, outros, quimioterapia neo- pode ser uma opção, desde que haja uma cuidadosa sele-
adjuvante com cirurgia, vários optam por quimioterapia e ção do paciente. Estudo comparando trimodal com bimodal
radioterapia exclusivas, e, ainda outros, a combinação dos 3 (radioquimioterapia exclusiva) mostrou benefício na sobre-
métodos em casos selecionados. A dificuldade em definir o vida livre de doença e na sobrevida geral (quando excluídos
melhor tratamento está na grande heterogeneidade do gru- os casos de pneumonectomia, que apresentaram alta mor-
po classificado como N2. Um paciente com metástase mi- talidade cirúrgica).
croscópica para apenas 1 linfonodo mediastinal ipsilateral Para os pacientes estadio IIIA não N2, ou seja, T3N1,
e outro com metástases macroscópicas para várias cadeias T4N0 e T4N1, o tratamento cirúrgico, quando possível, é a
distintas, ou mesmo com grande conglomerado linfonodal melhor opção. Para o T3N1, a cirurgia é o tratamento-pa-
(bulky disease) são todos classificados como N2 e agrupa- drão e está bem estabelecida, com a quimioterapia adju-
dos juntos em estudos. vante sendo recomendada.

200
CÂNCER DE PULMÃO

Alguns tumores T3, ou mesmo T4, apresentam-se pacientes com boa performance (ECOG 0 ou 1) e que não
como neoplasias do sulco superior ou tumor de Pancoast. tenham perdido mais que 5% do peso corpóreo. Com o tra-
Quando são N2 ou N3 (o que configura um fator de mau tamento combinado houve redução do risco de morte em
prognóstico), o tratamento é radioquimioterápico exclusi- 13%, com benefício absoluto de 4% em 2 anos e 2% em 5
vo. Para aqueles Pancoast N0 ou N1 (estadio IIB e IIIA, res- anos.
pectivamente) o tratamento-padrão é radioquimioterapia Em função de serem neoplasias já avançadas, a sobrevi-
concomitante seguida de cirurgia. Essa abordagem permite da em 5 anos é de apenas 9%, a despeito dos tratamentos
ressecção completa em 94% das vezes, com mortalidade realizados.
operatória de 2,3%, além de sobrevida mediana de 94 me-
Tabela 9 - Recomendações estadio IIIB
ses para os completamente ressecados.
Para os casos selecionados de T4 candidatos à ressec- - Cirurgia não deve ser oferecida;
ção, é fundamental a exclusão de acometimento de linfo- - O tratamento-padrão é a radioquimioterapia. A administração
nodos mediastinais no pré-operatório. Caso se mostre N2, concomitante é preferível à sequencial, desde que o paciente
tenha boa condição clínica;
o ganho de sobrevida com a cirurgia é mínimo (sendo con-
siderada contraindicação). - Não há indicação até o presente momento do uso de quimiote-
rapia de indução ou de consolidação.
Tabela 8 - Recomendações estadio IIIA
- Cirurgia pode ser oferecida para pacientes com N2 mínimo, E - Estadio IV
sendo o padrão a lobectomia com linfadenectomia ou amos-
tragem sistemática. Quimioterapia adjuvante é recomendada,
mas o mesmo não ocorre com a radioterapia adjuvante;

CIRURGIA TORÁCICA
- Nos N2 com doença extensa o tratamento-padrão é a radio-
quimioterapia. A administração concomitante é preferível à se-
quencial, desde que o paciente tenha boa performance;
- O tratamento trimodal com radioquimioterapia seguida de ci-
rurgia pode ser oferecido em pacientes N2 ressecáveis à apre-
sentação inicial, desde que a cirurgia não seja pneumonecto-
mia;
- Nos tumores de Pancoast N0 ou N1, o melhor tratamento é a
radioquimioterapia neoadjuvante seguida de lobectomia;
- Nos tumores T4 N0 ou N1, a cirurgia pode ser indicada, após
rigorosa seleção do paciente.

D - Estadio IIIB (N3)


Figura 18 - Radiografia pulmonar evidenciando grande derrame
No estadio IIIB, encontram-se tumores avançados re-
pleural à direita
gionalmente, porém sem doença metastática a distância.
Quaisquer que sejam as características do tumor primário No estadio IV, estão todos os pacientes com doença
se houver acometimento linfonodal contralateral ou ainda metastática, seja ela intratorácica (M1a) ou extratorácica
supraclavicular ou escalênico ipsi ou contralaterais (N3), a (M1b). Compreende grande variedade de doentes, desde
neoplasia é estadiada com IIIB. Outro grupo de tumores derrame pleural neoplásico a metástase única cerebral ou
nesse estadio é o T4 com metástase linfonodal mediastinal adrenal e doença francamente disseminada com múltiplos
ipsilateral (N2). sítios secundários. Embora seja considerada paliativa, a qui-
Para esse grupo de pacientes as ressecções cirúrgicas mioterapia é o tratamento primordial para esse grupo de
não possuem papel. Acarretam grande morbimortalidade pacientes, por seu caráter sistêmico.
sem benefício na sobrevida, uma vez que a possibilidade O uso de quimioterapia contra tratamento exclusiva-
de já existirem micrometástases em pacientes N3 é muito mente paliativo foi analisado por 2 meta-análises. Na 1ª
grande, e o controle regional oferecido pela cirurgia, pouco houve redução do risco de morte de 27%, e aumento abso-
significativo no contexto. Os estudos mostram que, mesmo luto da sobrevida em 1 ano de 10% (26% versus 16%). A 2ª
após quimioterapia ou radioquimioterapia, a cirurgia não se também mostrou ganho de sobrevidas mediano (7 meses
mostrou tratamento eficiente no controle da doença. versus 5 meses) e em 1 ano (27% versus 18%). Num estudo
O tratamento desses doentes é muito semelhante ao fase III mais recente, houve ganho de sobrevida global su-
do estadio IIIA com doença N2 em múltiplas cadeias ou perior a 2 meses (8 meses versus 5,7 meses), embora sem
com bulky disease, sendo baseado em radioquimioterapia. demonstrar ganho na qualidade de vida. Desse modo, a
A combinação de quimioterapia baseada em platina com quimioterapia deve ser fornecida como tratamento-padrão
radioterapia se mostrou superior à radioterapia isolada em para a grande maioria dos pacientes estadio IV.

201
CI RUR G I A TOR Á CICA

Em relação à quantidade de drogas que deve ser utili- A radioterapia externa torácica pode ser usada para paliar
zada, uma meta-análise com 65 estudos e 13.601 doentes tosse, dispneia (por obstrução de vias aéreas), hemoptise,
demonstrou que regimes contendo 2 drogas foram supe- disfagia, pneumonia obstrutiva e dor. Deve ser bem estabele-
riores ao tratamento monodroga. Neles, houve aumento cida a relação entre o tumor e o sintoma que deseja ser palia-
significativo da taxa de resposta (26% versus 13%) e de so- do. Usa-se o esquema padrão com 10 frações de 3Gy, a não
brevida global em 1 ano (37% versus 30%). Nesta mesma ser em pacientes com menor expectativa de vida, quando há
meta-análise, a adição de uma 3ª droga ao esquema acar- preferência pelos esquemas rápidos (16Gy em 2 frações).
retou pequeno ganho de resposta sem melhora de sobrevi- Um grupo especial de pacientes estadio IV é aquele que
da global, mas com aumento da toxicidade hematológica. somente apresenta metástase cerebral. Quando as metás-
Outros estudos fase III analisaram tratamento com 3 versus tases cerebrais (até 3) são possivelmente ressecáveis (cirur-
2 drogas, não havendo benefício comprovado na sobrevida gicamente ou por radiocirurgia), o tumor primário também
global, além disso, aconteceu incremento significativo dos é passível de ressecção e não há acometimento linfonodal
efeitos colaterais. Portanto, a utilização de 3 drogas não é mediastinal, e o tratamento cirúrgico de ambos os sítios
recomendada como tratamento inicial na grande maioria pode ser recomendado. A sobrevida em 5 anos é de 21%,
dos casos. Ficando reservado para pacientes extremamen- com mortalidade cirúrgica de 2%. O uso de RCT e quimio-
te sintomáticos, pela doença e sem contraindicação ao tra- terapia adjuvantes não é bem estudado, mas merece ser
tamento, nos quais uma resposta mais rápida resultará na considerado nessas circunstâncias.
melhora da condição clínica e da qualidade de vida. Pacientes com metástase isolada na adrenal, desde que
Não há esquema que se mostrou superior, diversos com primário ressecável ou ressecado previamente, e sem
agentes e combinações podem ser usados. A experiência do acometimento linfonodal mediastinal, podem ser candida-
médico, o perfil de toxicidade das drogas e, principalmente, tos à adrenalectomia. A sobrevida em 5 anos desses pacien-
as condições clínicas do doente e suas comorbidades são os tes fica entre 10 e 23%.
fatores determinantes na escolha da terapia a ser empre- Tabela 10 - Recomendações estadio IV
gada. Contudo, sempre que não houver contraindicação, - Quimioterapia é superior ao tratamento exclusivamente palia-
deve-se dar preferência a esquemas com platina. tivo;
Em relação à duração do tratamento, recomendam-se
- O uso de 2 drogas foi superior ao monodroga, sendo o padrão;
3 a 4 ciclos de quimioterapia em 1ª linha, em virtude da
- Uso de 3 drogas não é recomendado rotineiramente;
ausência de benefício demonstrado com uso de mais ciclos
que está claramente associado a um aumento na toxicida- - Nenhum esquema de drogas se mostrou superior, devendo a es-
colha dos quimioterápicos recair sobre a experiência do médico,
de.
o perfil de toxicidade das drogas e, principalmente, as condições
Para os pacientes que falharam à terapia inicial, o tratamen- clínicas do doente e as suas comorbidades. Contudo, sempre
to de 2ª linha oferece ganho de sobrevida e qualidade de vida. que não houver contraindicação, um esquema com platina deve
Dentre as drogas estudadas estão o docetaxel, pemetrexede ser usado;
e os inibidores do EGFR (Epidermal Growth Factor Receptor). - O tratamento deve durar entre 3 e 4 ciclos;
Pacientes com doença avançada podem se beneficiar de
- Em pacientes com idade >70 anos ou baixo índice de desempe-
radioterapia paliativa para metástases ósseas. O objetivo é nho, a monoterapia pode ser a melhor opção;
alívio de dor (com resposta em até 90% dos casos), preser-
- Segunda linha de quimioterapia deve ser oferecida após falha
vação da função locorregional e manutenção da integrida- da 1ª quimioterapia;
de óssea (102). Em ossos com impacto de carga (especial-
- Radioterapia pode ser usada para paliação de sintomas por
mente vértebras e ossos longos) a associação de métodos
metástases ósseas e cerebrais, além de poder paliar sintomas
de fixação (principalmente a cirurgia e uso de órteses) com torácicos quando a causa é a neoplasia;
radioterapia minimiza a progressão de sintomas locais.
- Pacientes selecionados com metástases isoladas para cérebro
Em pacientes com metástase cerebral o tratamento ou adrenal podem ser tratados com ressecção do primário e
paliativo padrão é a Radioterapia Cerebral Total (RCT). Os das metástases.
objetivos são prevenir ou retardar a progressão, restaurar a
função neurológica e reduzir a dependência de corticoste- Tabela 11 - Recomendações dos estadios
roides. Pode apresentar grandes efeitos colaterais irreversí- - EI – Lobectomia ou segmentectomia (?) + linfadenectomia;
veis, portanto, deve-se pesar o risco/benefício na indicação. - EII – Lobectomia + linfadenectomia + QT (para N1+);
Estudos mostraram aumento de sobrevida mediana de 2 - EIIIA – Dependente da apresentação;
até 6 meses com uso da RCT. Em metástase única, a combi-
- EIIIB – Radioquimioterapia;
nação de cirurgia e RCT mostrou-se superior à RCT isolada,
- EIV – Quimioterapia com 2 drogas (platina).
com melhora da sobrevida funcional independente. O uso
da radiocirurgia ou da radioterapia estereotáxica fracionada
mostrou benefícios semelhantes aos da cirurgia em casos
selecionados (lesões até 3cm).

202
CAPÍTULO

9
Carcinoma de pequenas células
Carlos Eduardo Levischi Júnior / Rodrigo Olívio Sabbion

1. Introdução
O Carcinoma Brônquico de Pequenas Células (CBPC)
representa uma neoplasia com alta taxa de malignidade,
crescimento rápido e metástases precoces, se comparado
ao carcinoma brônquico de não pequenas células.
O CBPC é a neoplasia pulmonar que apresenta compor-
tamento mais agressivo, constituindo o tumor com menor
tempo de duplicação de toda a Oncologia. Assim, é tido
como sistêmico desde o início.
Correspondem a 13 a 20% das neoplasias pulmonares.
Identificado como uma neoplasia do sistema neuroen-
dócrino, com origem a partir das células de Kulchitsky, o
CBPC foi assim denominado (oat cells ou avenocelular) pela
Figura 1 - Massa pulmonar e gânglios mediastinais coalescentes
semelhança de suas células com grãos de aveia.
Um paciente que não recebe tratamento apresenta so- Na maioria dos casos, a punção aspirativa ou biópsias
brevida mediana de 2 a 4 meses. de lesões limitadas com pouco material podem falsamente
sugerir CBPC. A confusão acontece principalmente em pa-
2. Fisiopatologia cientes com tumores carcinoides atípicos ou tumores mis-
tos, pela semelhança histológica de uma linhagem celular
O tumor tipicamente se origina nas vias aéreas centrais, comum (células do sistema neuroendócrino).
infiltra a submucosa e gradualmente obstrui a luz brônqui- A acurada avaliação da extensão da neoplasia e um ade-
ca. Acomete quase exclusivamente fumantes, especialmen- quado estudo dos linfonodos mediastinais e de metástases
te os grandes fumantes, e sua apresentação radiológica a distância são fatores determinantes no prognóstico.
mais comum é de uma grande massa hilar associada à linfo- No momento do diagnóstico, cerca de 2/3 dos pacien-
nodomegalia mediastinal. tes se apresentam com doença extensa e 1/3 com doença
Os sítios mais comuns de metástases são fígado, adre- limitada. A média de sobrevida, se considerados todos os
nais, ossos, medula óssea e cérebro. estadios clínicos, é de 1 ano para pacientes com CBPC.

3. Aspectos clínicos e diagnósticos 4. Estadiamento


O modelo de apresentação clínica do paciente com O sistema de estadiamento é mais simples que no
CBPC é o de um homem com mais de 50 anos, tabagista CPNPC, classificando os tumores em doença limitada e ex-
“pesado”, com emagrecimento acentuado, sinais e sinto- tensa.
mas respiratórios, que apresenta extensas adenomegalias
mediastinais aos exames radiológicos, as quais frequente- A - Doença limitada
mente englobam a neoplasia primária. Engloba neoplasias confinadas ao hemitórax de origem,
Atualmente, aproximadamente metade dos pacientes ao mediastino (tanto ipsi quanto contralateral) e aos linfo-
com doença inicial, que é o foco do tratamento cirúrgico, nodos supraclaviculares ipsilaterais, em resumo, doença
apresenta-se com sintomas no momento do diagnóstico. que possa ser incluída em um campo de radioterapia.

203
CI RUR G I A TOR Á CICA

Aproximadamente 30 a 40% dos casos de CBPC. versus 23%, porém o ganho de sobrevida geral foi menor,
sendo 5,4%, mas ainda significativo. Contudo, há aumento
B - Doença extensa da toxicidade, sendo esofagite o efeito adverso mais ob-
servado. Em geral, pode-se dizer que a radioquimioterapia
A neoplasia ultrapassa os limites descritos anteriormen- possibilita sobrevidas em 2 e 5 anos de 50 e 20%, respecti-
te. Pode-se ainda observar acometimento de linfonodo no vamente.
hilo pulmonar ou supraclavicular contralaterais e derrame Os principais esquemas de quimioterapia são cisplatina
pleural. ou carboplatina com etoposídeo. Combinações sem agen-
Para pacientes com doença extensa, a sobrevida media- tes platinantes se mostraram inferiores.
na fica entre 8 e 13 meses. Na doença limitada os doentes Cerca de 4% dos casos de CBPC podem ser diagnosti-
podem alcançar uma sobrevida mediana entre 15 e 20 me- cados na ressecção de nódulo pulmonar solitário. A sobre-
ses, com 20 a 40% sobrevivendo mais de 2 anos. Ao falar- vida desses pacientes, que acabam por receber quimiote-
mos de sobrevida em 5 anos, os números são ainda mais rapia “adjuvante” com cisplatina e etoposídeo, parece ser
desanimadores, sendo 1 a 2% para doença extensa e 10 a
de 40%. Em vários estudos retrospectivos, o principal fator
13% para limitada. Após confirmação histológica, todos os
prognóstico nos casos operados é a ausência de N2, mos-
pacientes com CBPC devem ser estadiados, o que inclui o
trando a importância do estadiamento mediastinal invasivo
exame físico completo e alguns exames:
caso se avente uma cirurgia curativa nesses pacientes. Se
- Hemograma, função hepática, creatinina, desidroge- detectado no exame da peça comprometimento linfonodal,
nase láctica (DHL) e eletrólitos;
é indicado também associar radioterapia ao esquema de
- TC de tórax e abdome superior: para avaliar fígado e quimioterapia adjuvante.
adrenais; A incidência de metástase cerebral nos pacientes
- RNM de crânio: pode detectar metástases em até 15% com CBPC, doença limitada que não recebe Radioterapia
dos pacientes com exame neurológico normal, sendo Profilática Cerebral (RPC), é de 37%, aumentando para
que a metade seria considerada com doença limitada 100% nos que atingem 2 anos de sobrevida, além disso,
sem o exame; 60% dos pacientes que desenvolvem a doença falecem em
- Cintilografia Óssea (CO); decorrência delas. O uso da RPC aumentou a sobrevida em
- Biópsia de medula óssea em casos selecionados: indi- 3 anos de 15,3% para 20,7% numa meta-análise. Benefício
cada em situações de hemograma alterado, na vigên- semelhante foi visto em estudo randomizado realizado em
cia de DHL aumentado ou CO evidenciando doença pacientes com doença extensa que responderam à quimio-
metastática. Não é justificável sua realização apenas terapia, independente do grau da resposta.
pela doença de base;
- PET-CT: um estudo mostrou que é útil em detectar Tabela 1 - Recomendações CPPC doença limitada
sítios de doença metastática em pacientes até então - Radioquimioterapia concomitante é o tratamento de preferên-
classificados com doença limitada, além de detectar cia para pacientes com boas condições clínicas;
lesões adicionais no tórax, que acarretam modifica- - Quimioterapia podendo associar radioterapia pode ser realiza-
ção do planejamento da radioterapia em cerca de 1/3 da em pacientes com condições clínicas ruins em decorrência
dos pacientes. Proporciona o diagnóstico de doen- direta do tumor. Caso a queda de desempenho seja por outra
causa, o suporte clínico parece ser a melhor opção;
ça mais avançada que a sugerida pelo estadiamento
convencional em cerca de 8% dos pacientes e doença - Nos raros casos T1-2 N0, deve-se excluir acometimentos me-
com extensão inferior à sugerida em 2,3% dos casos. diastinal e sistêmico, e a lobectomia pulmonar pode ser reali-
zada. Quimioterapia adjuvante deve ser realizada, associando
Mostrou-se mais sensível e específico que TC na iden-
radioterapia se for N1;
tificação de metástases a distância, exceto cerebral,
mudando o estadiamento inicial em 17% dos doentes, - RPC deve ser indicada a todos os pacientes com CBPC que apre-
sentaram boa resposta ao tratamento inicial.
com sensibilidade de 93% e especificidade de 100%.

B - Tratamento na doença extensa


5. Tratamento
A despeito do prognóstico ruim, a taxa de resposta ob-
jetiva à quimioterapia varia entre 60 e 80%, com respos-
A - Tratamento na doença limitada tas completas sendo observadas em apenas 15 a 20% dos
O tratamento primordial é a radioquimioterapia. A as- doentes.
sociação da radioterapia à quimioterapia promove maiores A resposta à quimioterapia geralmente ocorre após o 1º
controles locorregional e sobrevida, especialmente se con- ciclo e, infelizmente, possui curta duração, variando entre
comitante e iniciada já no 1º ciclo. Numa meta-análise o 6 a 8 meses. Os avanços foram pequenos nas últimas déca-
aumento absoluto de controle locorregional foi de 25%, e das, com ganho de sobrevida mediana de apenas 2 meses
a sobrevida livre de recorrência torácica em 2 anos foi 48% (de 7 para 9 meses) com o tratamento quimioterápico.

204
CARCINOMA DE PEQUENAS CÉLULAS

A partir de estudos randomizados, comprovou-se o


benefício em sobrevida global ao usar a associação de 2
drogas se comparadas à monoterapia ou ao uso sequen-
cial dos mesmos agentes na 1ª linha do tratamento. Não
há esquema superior, mas as combinações com platina são
preferidas. Estes esquemas apresentaram maiores taxas de
resposta (69% versus 62%) e redução do risco de morte em
1 ano (29% versus 24%) em relação aos esquemas sem cis-
platina ou carboplatina.
Os esquemas com 3 ou mais drogas causam maior toxi-
cidade que a combinação de cisplatina e etoposídeo, sem
benefício significativo na eficácia, seja com adição de pacli-
taxel, ifosfamida ou epirrubicina e ciclofosfamida. Este últi-
mo até aumentou a taxa de resposta de 61% para 76% e a
sobrevida global de 9,3 meses para 10,5 meses, mas à custa
de aumento de toxicidade hematológica (neutropenia febril
de 18 para 70%).
O uso de esquemas com duração prolongada (maior
que os 4 ciclos rotineiros) teve impacto na sobrevida livre
de progressão da doença, mas sem impacto na sobrevida
global. Assim sendo, não se indica terapia de indução pro-

CIRURGIA TORÁCICA
longada ou de manutenção para os pacientes com CBPC.
A taxa de resposta a esquemas de 2ª linha com droga
única é em torno de 20 a 40% em pacientes quimiossensí-
veis e menor que 10% nos quimiorrefratários. A mediana de
sobrevida após o início da 2ª linha varia entre 2 e 6 meses.
Tumores com recorrência num período inferior a 60 a 90
dias após a última quimioterapia são considerados quimior-
refratários.
A RPC, conforme comentado no tratamento da doença
localizada, deve ser realizada nos pacientes com doença ex-
tensa e que apresentaram resposta à quimioterapia de 1ª
linha, independente do grau de resposta.

Tabela 2 - Recomendações CPPC doença extensa


- Quimioterapia de 1ª linha melhora tanto a sobrevida global
quanto a qualidade de vida. Regimes combinados de platina
com 4 ciclos são a 1ª escolha;
- Quimioterapia de 2ª linha pode ser ofertada, preferencialmen-
te com topotecano;
- RPC deve ser considerada para doentes com resposta ao trata-
mento inicial.

205
CI RUR G I A TOR Á CICA

CAPÍTULO

10
Tumores da pleura
Carlos Eduardo Levischi Júnior / Rodrigo Olívio Sabbion

A maior parte dos tumores localizados de pleura é pro-


1. Introdução cedente benigna. O diagnóstico para diferenciar as varian-
Pleuras são membranas finas que recobrem e separam tes benignas e malignas é realizado apenas após a ressec-
os pulmões do diafragma, mediastino e parede torácica. É ção. O tratamento é cirúrgico nos 2 casos.
derivada do mesoderma, e durante a embriogênese se de-
senvolve em duas superfícies serosas. As pleuras parietal e 3. Tumor fibroso de pleura
visceral se fundem na reflexão hilar e criam então o espaço
pleural, que normalmente contém uma quantidade mínima O tumor fibroso de pleura (anteriormente chamado meso-
de líquido e que serve de lubrificante para as pleuras durante telioma localizado benigno) é um tumor raro. Não tem associa-
a respiração. A pleura parietal recebe aporte sanguíneo das ção à exposição ao asbesto, ocorre mais comumente após a 5ª
artérias brônquicas e artérias pulmonares, enquanto a pleura década de vida e é mais frequente no sexo feminino.
visceral recebe o aporte das artérias sistêmicas. A drenagem O padrão histopatológico descrito é um misto de células
linfática é feita através da pleura parietal e dos linfáticos da fibroblásticas e tecido conectivo, mas há uma variedade de
parede torácica e seguem os vasos sanguíneos; lembrar tam- outras formas, normalmente similares ao padrão do heman-
bém que somente a pleura parietal tem inervação somática giopericitoma, leiomiomas ou neurofibromas. Uma mistura de
e, portanto, somente ela é capaz de produzir dor. padrões é comum e acontece em 40% dos casos, pois as célu-
Histologicamente, cada membrana é composta por uma las responsáveis pelo aparecimento são as mesenquimais plu-
única camada de células mesoteliais, que é coberta por mi- ripotentes, geralmente na pleura visceral, e crescem peduncu-
crovilosidades e assenta-se sobre tecido conectivo. Sendo ladas em área pequena, sem invasão de estruturas adjacentes.
assim, poucas são as origens celulares dos tumores pleu- Macroscopicamente, são lobulados, de coloração acinzentada
ou esbranquiçada com áreas amareladas. Na microscopia, o
rais, vindo quase exclusivamente das células mesoteliais, e
mais comum é a visualização de fibroblastos, colágeno e elas-
como todos os tumores, podendo ser benignos ou malig-
tina, com raras mitoses e necrose. Importante: a positividade
nos.
para CD34 é vista na maioria dos casos de tumor solitário de
Tumores primários da pleura, benignos ou malignos, são
pleura e é considerado como sendo marcador definitivo.
raros, sendo que 75% de todas as lesões pleurais represen-
tam metástases de outros focos de câncer, principalmente
câncer de pulmão, mama ou linfoma. Tumores benignos de
pleura (tumor fibroso solitário) são raros, e o tumor malig-
no de pleura – o mais temido – é o mesotelioma, com prog-
nóstico muito ruim.

2. Epidemiologia
Nos Estados Unidos, a incidência de mesotelioma é de
aproximadamente 2.200 casos por ano, quando comparada
ao mesmo período da última década, demonstra um acrés-
cimo em cerca de 50%. Formas de apresentação do meso-
telioma – clínica e anatomopatológica:
- Benigno (tumor fibroso da pleura);
- Maligno;
- Difuso maligno. Figura 1 - Aspecto histopatológico

206
TUMORES DA PLEURA

São, normalmente, tumores pedunculados com origem Tabela 1 - Sintomas extratorácicos associados ao tumor fibroso de
na pleura visceral, de tamanhos variados, mas é infrequen- pleura
te a ocorrência de tumores benignos com mais de 10cm. - Hipoglicemia (síndrome de Doege-Potter): 4%;
São tumores relativamente acelulares e com baixo índice - Baqueteamento digital: 20%;
de mitoses. - Osteoartropatia hipertrófica: 20%.

O exame radiológico mostra uma lesão arredondada ou


ovalada, de bordas definidas e localizada na periferia do
pulmão. Um achado interessante e que muitas vezes firma
o diagnóstico é a mudança de localização da lesão com a
mudança de posição no raio x. A tomografia mostra, nor-
malmente, uma lesão de densidade heterogênea, limites
bem definidos, e que, devido ao grande volume que estas
lesões podem adquirir, possivelmente são visíveis áreas
centrais de necrose (devido ao tamanho, não ao grau de di-
visão celular). O derrame pleural é encontrado em cerca de
8% dos pacientes no momento do diagnóstico, de origem
benigna, ou por reação inflamatória local ou atelectasia do
pulmão adjacente.

CIRURGIA TORÁCICA
Figura 2 - Sugestão de legenda: tumor fibroso solitário da pleura:
(A) no raio x e (B) na TC

A maioria desses tumores acontece como achado in-


cidental. Quando presentes, os sintomas mais frequente-
mente relatados são tosse, dor torácica e dispneia, ou a
sintomas compressivos locais devido ao tamanho que esses
tumores podem chegar, desviando o mediastino e traqueia,
por exemplo.
Mesmo sendo benigno, esse tipo de tumor pode vir
acompanhado de sintomas extratorácicos.

Importante: Figura 3 - Imagem nodular em região pleural inferior que confunde


Um achado importante ao exame físico é a presença de osteoar- com nódulo pulmonar
tropatia hipertrófica e baqueteamento digital, em cerca de 20%
dos pacientes, principalmente naqueles em que o tumor é >7cm. A ressecção é curativa. Normalmente, são ressecados
O achado de hipoglicemia é importante e relatado em torno de 4% por meio de segmentectomias, sendo importante respei-
dos pacientes, costumando regredir com a ressecção da lesão.
tar uma margem cirúrgica adequada. A recidiva, quando

207
CI RUR G I A TOR Á CICA

acontece, costuma ser local, tornando necessária uma nova O tratamento dessas lesões é cirúrgico e deve incluir
abordagem para ressecção mais ampla. sempre uma margem cirúrgica adequada. Quando há inva-
são de estruturas torácicas, a ressecção deverá incluí-las;
4. Mesotelioma localizado maligno quando a ressecção é completa, não há necessidade de
tratamento adjuvante. No caso de ressecção incompleta,
Dados de revisões recentes mostram que cerca de 12% indica-se a complementação com radioterapia.
dos tumores localizados da pleura são malignos. A recidiva, quando localizada, deve ser tratada de forma
Em comparação com o tumor benigno, a variante ma- cirúrgica sempre que possível.
ligna tende a ser maior e a ter uma localização mais atípica,
como o interior das cissuras lobares, podendo, também, ter
um crescimento intralobar.
5. Mesotelioma difuso maligno
A tomografia mostra, muitas vezes, áreas de necrose e Com aproximadamente 80% dos casos localizados na
hemorragia. Já os achados microscópicos revelam maior ce- pleura, o mesotelioma é um tumor procedente em superfí-
lularidade, pleomorfismo e número aumentado de mitoses cies serosas recobertas por mesotélio. Entretanto, também
em comparação à forma benigna. pode ocorrer no peritônio, no pericárdio e na tunica vagina-
lis. A principal causa do mesotelioma é a exibição ocupacio-
nal ao asbesto. Em cerca de apenas 30% dos casos de meso-
telioma, não há evidência alguma de exposição ao asbesto.
O tempo de latência entre a exposição ao asbesto e a
ocorrência do mesotelioma é muito variável, com casos re-
latados de mais de 72 anos (média de 48 anos) variando,
ainda, de acordo com o tipo de fibra e a intensidade da ex-
posição, ou seja, teoricamente somente nesta fase é que
diagnosticaremos mais casos de mesotelioma, pois o tem-
po de exposição sem proteção foi neste período em tempos
passados, entre 1920 e 1950 que foram publicados os pri-
meiros artigos correlacionando a exposição ao asbesto com
o câncer pleural; hoje são diagnosticados de 2.000 a 3.000
novos casos ao ano.
O tumor cresce preferencialmente sobre as superfícies
serosas, penetrando nas fissuras interlobares e podendo
encarcerar completamente o pulmão. Geralmente, o diag-
nóstico de mesotelioma depende menos da atipia citológi-
ca e em maior importância das alterações arquiteturais do
tumor e da demonstração de invasão de gordura, músculo
esquelético ou pulmão.
Importante:
Os mecanismos envolvidos na gênese do mesotelioma são vá-
rios (predisposição genética, exposição ocupacional), mas 2 fa-
tores são relevantes: a exposição ao tabaco associada à exposi-
ção ao asbesto aumenta muito a incidência.
O vírus SV40, achado em 60% dos pacientes, este vírus foi trans-
mitido inadvertidamente nos anos 1950 nos EUA por contamina-
ção vacinal, e acredita-se que atua em sinergismo com o asbesto
para causar os danos necessários ao DNA do mesotélio e, conse-
Figura 4 - Tumor com áreas de necrose quentemente, fazer surgir a doença.

Diferente da forma benigna, em que normalmente o


tumor é encontrado acidentalmente, cerca de 3/4 dos pa- A - Asbesto
cientes com mesotelioma localizado maligno apresentam Asbesto ou amianto é o nome comercial de uma fibra
sintomas. Os mais comuns são tosse, dor torácica, dispneia mineral muito utilizada na indústria como isolante para
e febre. A osteoartropatia raramente ocorre nos tumores revestimentos e na fabricação de cimento, devido ao seu
malignos, ao contrário da hipoglicemia, que se manifesta baixo custo e à resistência ao calor e à combustão. Por as-
com mais frequência na forma maligna do que na benigna, bestos, entendem-se 6 tipos de silicatos: crisólita, crocidoli-
em uma incidência de 11% contra 3% na forma benigna. ta, amosita, antofilita, tremolita e actinolita. Somente 3 são

208
TUMORES DA PLEURA

utilizados como isolantes na indústria (crisólita, crocidolita rede e extensão para o diafragma. A comparação da tomo-
e amosita); os outros são contaminantes. grafia computadorizada com a ressonância magnética não
A crocidolita é a forma mais carcinogênica, associa-se demonstrou vantagem significativa desta última na avalia-
a 90% dos tumores pleurais e peritoneais, e parece ser um ção da extensão tumoral.
fator de grande risco para o desenvolvimento de câncer de Radiologicamente, apresenta-se de forma circular, com
pulmão, particularmente em fumantes. A potencialidade espessamento pleural, principalmente em ápice, com inva-
oncogênica das fibras de asbesto tem a ver com sua forma são da fissura e acometendo a pleura mediastinal. Todas es-
e tamanho; assim, as fibras da crocidolita são cristais retos tas características juntas aumentam muito o valor preditivo
e pontudos, que facilmente penetram a árvore brônquica e positivo tomográfico para mesotelioma.
se alojam no espaço subpleural, onde é produzida a carci-
nogênese.

B - Manifestações clínicas
A apresentação mais comum dos pacientes com me-
sotelioma maligno são a dor torácica e a dispneia. O exa-
me físico mostra diminuição do murmúrio pulmonar do
lado afetado, o que sugere a presença de derrame pleu-
ral. Eventualmente, o achado pode ser incidental durante
o exame radiológico. O mesotelioma sempre se apresenta
com uma lesão pleural, mas esta pode estar omitida caso

CIRURGIA TORÁCICA
haja derrame pleural associado. São incomuns metástases
no momento do diagnóstico.

C - Radiologia
Os achados radiológicos são variáveis, dependendo do Figura 6 - Características radiológicas do mesotelioma
estágio do tumor no momento do diagnóstico. Inicialmente,
Atualmente, o PET-CT ajuda muito no estadiamento e, in-
pode ser visto somente um derrame pleural de proporções
clusive, no diagnóstico no sentido de diferenciar lesões pleu-
variadas, que pode ocultar alterações pleurais menos gros-
rais benignas e malignas com sensibilidade maior que 90%.
seiras.

6. Diagnóstico
Sempre que houver suspeita clínica ou radiológica de
mesotelioma maligno, será imprescindível a obtenção de
material para patologia. Os exames menos invasivos, como
toracocentese e biópsia pleural, juntos, fornecem o diag-
nóstico em torno de 40% dos casos. Devido à dificuldade
em diferenciar o mesotelioma de outras neoplasias, como
adenocarcinomas e sarcomas, a obtenção de maior quan-
tidade de material se torna necessária, e, nestes casos, a
toracoscopia é o método de escolha pela baixa morbidade
e pelo alto rendimento (>90%).
Apresenta os tipos histológicos:
Figura 5 - Derrame pleural volumoso à esquerda - Epitelioide: 50% dos casos. Deve ser cuidadosamente
diferenciado de adenocarcinomas, e tem melhor prog-
Um pouco mais da metade dos tumores ocorre à direi- nóstico dos 3;
ta, e o envolvimento bilateral aparece em 5% dos casos. - Sarcomatoide: 15 a 20%. É mais parecido com sarco-
Eventualmente, uma lesão tumescente na base pleural ma, com diagnóstico mais reservado;
pode ser a manifestação inicial, mas o envolvimento pleural - Misto: prognóstico e diferenciação mista entre os 2
difuso é a regra. Na doença mais avançada, pode haver o primeiros.
comprometimento das estruturas mediastinais como peri-
cárdio, diafragma, linfonodos e parede torácica.
A tomografia de tórax é o método não invasivo mais
7. Tratamento
apurado no diagnóstico e no estadiamento dos pacientes, A cirurgia, a radioterapia e a quimioterapia são, como
embora muitas vezes deixe dúvidas quanto à invasão de pa- nos demais tumores, as modalidades utilizadas no trata-

209
CI RUR G I A TOR Á CICA

mento, entretanto, quando utilizadas isoladamente, ne-


nhuma delas consegue alcançar resultados satisfatórios de
cura. Atualmente, o tratamento combinado, também cha-
mado trimodal, é o que vem alcançando resultados mais
favoráveis. Fazem-se quimioterapia neoadjuvante e cirurgia
e radioterapia adjuvantes.
No tratamento do mesotelioma, a cirurgia tem vez des-
de o diagnóstico até o tratamento de pacientes com inten-
ções curativas.
A videotoracoscopia ou a biópsia pleural aberta é o
método de escolha no diagnóstico do mesotelioma, pois
consegue obter amostras maiores de tecido, ajudando o
patologista na análise e no diagnóstico final, devido à difi-
culdade na diferenciação entre mesotelioma, mesotelioma
sarcomatoide e sarcoma. Para aqueles com doença avan-
çada ou sem condições clínicas para um tratamento mais
agressivo, a toracoscopia com pleurodese é o procedimento
mais indicado no controle do derrame pleural, ou seja, tra-
tamento paliativo.
A cirurgia de ressecção tumoral, pleuropneumonecto-
mia, é a única modalidade terapêutica que parece, defini-
tivamente, mudar o curso natural da doença. Consiste na
ressecção em bloco da pleura parietal, pulmão, diafragma
e pericárdio, promovendo uma ressecção praticamente to-
tal do tumor. Pelas características do mesotelioma difuso
maligno, a ressecção nunca é oncologicamente completa,
sendo impossível obter margens cirúrgicas livres, pelo fato
de os limites do tumor serem estruturas irressecáveis como
a aorta e o esôfago.

8. Prognóstico
Mesmo sendo raro, o mesotelioma é um tipo de tumor
extremamente agressivo. Sem tratamento, a sobrevida va-
ria de 4 a 12 meses. Mesotelioma é uma forma de câncer
com um prognóstico pobre. A principal causa é o alongado
período de latência do mesotelioma, além dos sintomas do
mesotelioma precoce, que são indicativos de várias outras
doenças respiratórias e acabam por atrasar o diagnóstico
correto.
Também é dependente da idade, performance status e
tipo histológico. Critérios menos importantes são dor torá-
cica, dispneia, exposição ao asbesto, perda de peso, ane-
mia, leucocitose, trombose etc.
Trabalhos recentes com pacientes operados no centro
brasileiro de maior experiência com a doença mostram taxa
de sobrevida entre 8 e 12 meses nos pacientes operados.

210
CAPÍTULO

11
Mediastinite aguda
Carlos Eduardo Levischi Júnior / Rodrigo Olívio Sabbion

ce e também bastante agressivo para o sucesso deste, com


1. Introdução ampla exploração, debridamento e drenagem do local aco-
A Mediastinite Aguda (MA) caracteriza-se como uma in- metido de forma prematura.
flamação dos tecidos que se localizam no compartimento A infecção cervical pode ser facilmente percebida por
mediastinal e, na maioria das vezes, é um processo secun- associar edema, eritema e tensão no local, além de dor, dis-
dário a um componente infeccioso, geralmente advindo da fagia e odinofagia. A progressão da doença quando é origi-
orofaringe, constituídos por cepas polimicrobianas de ae- nada em região orofaríngea se faz por celulite descendente,
róbios e anaeróbios que atuam sinergicamente. Tem mor- formação de abscesso e sepse sistêmica, fazendo que, des-
talidade elevada, principalmente em razão da dificuldade sa forma, somente a drenagem da região cervical se torne
no diagnóstico e da velocidade rápida de progressão dos ineficaz, e torna mandatória a exploração torácica.
agentes causais no tecido conjuntivo do mediastino.
Os pontos críticos da doença são o diagnóstico e trata- 3. Considerações anatômicas
mento precoce, com imediata administração de antibióti-
cos de largo espectro, estudo com tomografia computado- Após entender a microbiologia, é importante ter em
rizada e terapia cirúrgica precoce e agressiva, nas regiões mente os planos faciais do pescoço e sua comunicação com
o mediastino.
cervical e torácica. Os melhores resultados são descritos
As fáscias cervicais profundas separam o pescoço em 3
quando o tratamento é realizado por cirurgiões torácicos
compartimentos:
em conjunto com cirurgiões de cabeça e pescoço, otorrino-
laringologistas e dentistas.
- Retrovisceral: é a mais comumente acometida e causa
a infecção no mediastino posterior, pelo arremetimen-
Sem o diagnóstico e tratamento precoce, a mortalidade
to da orofaringe;
é de 40 a 50%; com a melhora da antibioticoterapia e das
técnicas de imagem, principalmente tomográficas (auxilian-
- Pré-traqueal: é a fáscia anterior à traqueia, e fica en-
tre a face posterior do esterno e anterior da traqueia.
do no diagnóstico precoce), os índices atuais de mortalida-
Quando acometido, este plano pode causar infecção
de caíram.
da pleura e pericárdio, sendo descritos casos inclusive
Existem 4 formas diferentes de mediastinite divididas
de pericardite purulenta e tamponamento cardíaco;
didaticamente devido à sua etiologia.
- Perivascular: acompanha a bainha carotídea e pode
causar potencialmente paralisia nervosa ou sangra-
2. Fisiopatologia mento destes vasos por erosão dos mesmos.
Na mediastinite, as infecções são polimicrobianas, com Conceito importante: tanto a gravidade quanto a pres-
mistura de aeróbios e anaeróbios, tipicamente consistindo são torácica negativa podem contribuir na descida e infec-
de Staphylococcus e Streptococcus, que atuam em conjun- ção mediastinal.
to: os aeróbios vão ganhando acesso aos tecidos moles e
provocando trombose dos pequenos vasos, o que muda a
conformação tecidual e diminui o aporte de oxigênio, favo-
4. Avaliação radiológica
recendo, assim, o crescimento dos anaeróbios, ocorrendo Radiologicamente, a determinação do envolvimento
tais fatores em qualquer tipo de inoculação, desde infecção mediastinal não é fácil. A tomografia com contraste das re-
de orofaringe até infecção de ferida operatória (por exem- giões cervical e torácica é fundamental para determinar o
plo, via esternal). envolvimento dessas áreas. Na tomografia, o que se vê é
Dessa forma, a mediastinite é uma forma de infecção edema de partes moles no mediastino com distorção dos
grave e agressiva que exige o tratamento cirúrgico preco- planos faciais normais. Comumente, pode conter áreas lí-

211
CI RUR G I A TOR Á CICA

quidas e ter ou não a presença de bolhas de ar. Também A maioria dos casos (70 a 80%) de MA pós-cirurgia cardí-
podem estar presentes coleções pleurais ou pericárdicas, aca indica infecção por cocos Gram positivos, usualmente,
inclusive acometimento peritoneal ou retroperitoneal. por Staphylococcus aureus ou Staphylococcus epidermidis.
O uso da tomografia é fundamental, portanto, para o Infecções mistas por Gram positivos e negativos acontecem
diagnóstico, avaliação do nível de acometimento da doen- em cerca de 40% dos casos, e os Gram negativos isolada-
ça e planejamento do tratamento, tornando-se arma fun- mente são raros.
damental e mandatória na história natural da doença e no A infecção por qualquer agente patógeno causa algu-
planejamento para sua intervenção. ma inflamação das estruturas mediastinais, comprome-
tendo a fisiologia por compressão, sangramento, sepse ou
5. Classificação e conduta a combinação destes. A origem da infecção em operações
cardíacas abertas é desconhecida em muitos pacientes.
Após as considerações iniciais, vamos discutir separada-
Autores acreditam que o processo se inicie como uma
mente cada um dos tipos de mediastinite e seus detalhes
de acordo com sua causa e, consequentemente, as particu- área isolada de osteomielite esternal, podendo levar à se-
laridades no tratamento de cada uma delas. paração do esterno, e outros creem que os eventos iniciais
sejam a instabilidade esternal e a migração de bactérias
A - Esternotomia mediana aos planos profundos.
Uma drenagem mediastinal inadequada pode contribuir
As MAs secundárias à esternotomia mediana de acesso para a infecção torácica profunda. A própria flora bacteria-
para cirurgias cardiovasculares traduzem-se como infecções na cutânea do paciente e do ambiente cirúrgico é uma pos-
de uma ferida operatória e são as mais frequentes atualmen-
sível fonte de infecção. Devido à contaminação bacteriana
te, o que se deve ao grande número de abordagens cirúrgicas
da ferida cirúrgica ser inevitável, os fatores de risco do hos-
cardiovasculares por essa via. Hoje, são as mais estudadas das
pedeiro, discutidos previamente, são críticos em promover
MAs e têm prognóstico melhor que a MA nas lesões esofá-
uma infecção ativa.
gicas. Nos EUA, chegam a 600.000 casos por ano, compro-
metendo de 1 a 2% dos pacientes operados. Apesar do baixo A MA manifesta-se em um espectro que varia de pa-
percentil, são consideráveis a mortalidade e os custos. Tal in- cientes com infecção subaguda a um quadro séptico ful-
cidência aumenta significativamente em certas circunstâncias, minante, que requer intervenção imediata para prevenir o
como nos imunodeprimidos e nos transplantes cardíacos. óbito. No quadro mais típico na MA pós-operatória, o pa-
Podem surgir em pós-operatório de cirurgias mediastinais, ciente apresenta-se febril e taquicárdico e refere infecção
mais raramente em traumas anteriores, usualmente com fra- esternal (abaulamento, drenagem de secreção, dor etc.).
tura esternal. Os fatores de risco mais significativos são a utili- Dois terços desses casos estão presentes dentro de 14 dias
zação de ambas as artérias torácicas (mamárias) internas para após a operação. Embora possa ser visto um retardo de
revascularização miocárdica (diminuindo o aporte sanguíneo até meses, os sinais costumam surgir dentro de 4 semanas
para o esterno), diabetes mellitus, operações de emergência, da pós-operação. Os pacientes podem se queixar de dor
massagem cardíaca externa (ressuscitação), obesidade (20% esternal que aumentou dias após a operação, drenagem
acima do peso ideal), choque pós-operatório, múltiplas trans- de secreção pela ferida e hiperemia progressiva na mesma
fusões de sangue, prolongados períodos de circulação extra- (celulite). A distinção entre infecção superficial e profunda
corpórea ou de operação, reoperação, deiscência esternal, pode ser complexa. Os sinais e sintomas de sepse sugerem
fatores técnicos (abuso eletrocautério, cera óssea e acesso fortemente o envolvimento mediastinal. E os resultados
paraesternal) – fatores provavelmente sinergísticos. de exames de imagem (tomografia computadorizada, em
especial) auxiliam nessa distinção e na conduta a ser to-
mada.
O hemograma, em geral, mostra leucocitose de mo-
derada a intensa, com desvio à esquerda. A anemia será
proporcional à hemorragia caso exista, ou refletirá o
consumo por infecção aguda. Nas fases iniciais da sepse,
haverá plaquetose e, caso não seja contornada, haverá
decréscimo quando da coagulação intravascular instala-
da. A bacteremia é encontrada em até 60% dos pacien-
tes com MA pós-operatória. Os resultados de espécimes
adequadamente colhidos poderão modificar os antibióti-
cos já prescritos.
A cultura de eletrodo de marca-passo provisório deverá
ser útil caso não sejam mais necessários, e, quando a cultura
Figura 1 - Infecção da ferida e deiscência da pele for negativa, será um dado contrário ao diagnóstico de MA.

212
MEDIASTINITE AGUDA

O retardo no diagnóstico aumenta muito a morbidade e


a mortalidade. Os exames de imagem são úteis no diagnós-
tico e no seguimento evolutivo das MAs.
A TC é mais confiável que o raio x simples na identi-
ficação do pneumomediastino e de níveis hidroaéreos;
pode mostrar também a separação das bordas esternais
e coleções subesternais. Realizada a partir da 2ª semana
de PO, pode ter sensibilidade e especificidade de quase
100%. Esses dados devem ser somados a aspectos clíni-
cos devido às alterações encontradas serem semelhantes
ao aspecto normal em PO até 3 semanas em indivíduos
sãos.
A aspiração de coleção subesternal guiada por TC pode Figura 2 - Perfuração vista pela EDA
estabelecer o diagnóstico de MA mais precocemente, e a
antibioticoterapia bem direcionada é crucial para a cura. Na PE, o paciente pode referir dor cervical, torácica ou
mesmo abdominal (conforme o segmento lesado) e enfise-
Na deiscência esternal não complicada, sem infecção, o
ma subcutâneo ou profundo próximo ao local perfurado.
tratamento efetivo é a ressutura esternal. O resultado em
A perfuração instrumental mais frequente está no nível do
longo prazo é bom, e é necessário atentar para excluir in-
cricofaríngeo. A dor à deglutição deve sempre ser valoriza-

CIRURGIA TORÁCICA
fecção ativa.
da no diagnóstico precoce.
Com mediastinite instalada, devem-se promover des- Os sinais vitais comumente mostram taquicardia e
bridamento e ampla drenagem regional. Geralmente, to- febre; em sepse instalada, a hipotensão poderá existir, e
dos os materiais estranhos devem ser removidos da ferida o paciente necessitará de suporte de grande volume de
cirúrgica. Quanto à mediastinite extensa, a drenagem com cristaloides e drogas vasoativas. O sinal de Hamman, uma
exaustiva irrigação está indicada. Muitos preferem manter crepitação de batimento cardíaco durante a sístole, pode
aberta a ferida esternal para novos desbridamentos, se ne- estar presente e indicar inflamação (ar), embora sua au-
cessários. sência não afaste o diagnóstico de MA. Sinais de efusão
pleural poderão surgir. À análise do líquido pleural pun-
cionado, encontram-se pus fétido, restos alimentares ou
B - Perfuração de esôfago
apenas exsudato complicado citrino semiturvo (critérios
de Light) e amilase elevada. Caso o diagnóstico não tenha
Apesar de não ser tão comum como a etiologia pós-
sido feito, a drenagem torácica poderá mostrar um líquido
-operatória de esternotomia, a Perfuração do Esôfago (PE)
estranho. A ingestão de alimentos brancos ou a oferta de
contribui com um substancial número de casos de MA no
corantes (azul de metileno) saindo pelo sistema de drena-
EUA. As MAs em PE se devem a infecções anaeróbicas, por
gem indicam que o esôfago está perfurado, só não reve-
Gram negativos e positivos. lando o local da lesão.
Geralmente, há alguma manipulação prévia do esôfago Geralmente, observam-se anemia variável, leucocitose
(etiologia mais comum: após endoscopia, geralmente no ní- com moderado a severo desvio à esquerda, plaquetose nas
vel do cricofaríngeo). A PE surge em locais de estreitamento fases iniciais e plaquetopenia quando instalada coagulação
intravascular disseminada.
anatômico e pode acontecer em qualquer segmento. São
As radiografias, neste caso em especial, são importantes,
causas descritas erosão da parede esofágica por neoplasia pois dão indícios relevantes da perfuração esofágica e/ou
ou de seu tratamento (radioterapia); pós-operatório – ci- acometimento pleural, poderão mostrar aumento do espaço
rurgias esofágicas ou em cercanias; corpos estranhos; ins- retrotraqueal, enfisema cervical profundo, pneumomediasti-
trumentação endoscópica em procedimentos diagnósticos no, pneumoperitônio, derrame pleural ou níveis hidroaéreos
ou terapêuticos; introdução de sondas nasogástricas para variáveis conforme o local da lesão, além de consolidações
pulmonares (broncopneumonia coexistente).
descompressão ou alimentação; ruptura espontânea (sín-
O esôfago contrastado (EED) está indicado na suspeita
drome de Boerhaave); trauma – contusão do tórax ou abdo- de perfuração esofágica, podendo demonstrar o local lesa-
me alto. Qualquer que seja a causa, a patogenia é a mesma, do. Deverá ser iniciado com ingestão de contraste hidrosso-
e as medidas terapêuticas são semelhantes. lúvel; se nenhuma perfuração for notada, deverá ser feito

213
CI RUR G I A TOR Á CICA

com bário (gole cheio), que define melhor imagem das pa- A drenagem adequada do mediastino é uma medida essen-
redes esofágicas. cial no tratamento das MAs causadas por PE. Os derrames
A endoscopia digestiva alta pode não diagnosticar pe- pleurais podem infectar, e o empiema pleural, levar à sepse
quenas lacerações esofágicas. sistêmica caso não seja drenado adequadamente.
A TC é o exame mais adequado para verificação de ní- A nutrição de suporte é fundamental e poderá ser man-
veis, pneumomediastino e avaliação de complicações pul- tida por gastrojejunostomia ou jejunostomia (quando a
monares e pleurais, orientando condutas a serem tomadas. exclusão do esôfago foi necessária). Se o esôfago foi pre-
É também o método de investigação evolutiva no pós-ope- servado, a nutrição enteral é a ideal. A nutrição parenteral
ratório em busca de complicações infecciosas (abscessos e poderá ser necessária em alguns casos, temporariamente.
empiemas septados). Como medidas de suporte à ventilação mecânica, são fun-
A MA é uma condição secundária; todos os esforços damentais drogas inotrópicas e antibioticoterapia.
devem ser feitos para determinar e tratar a causa primária Um fator muito importante na condução do caso é a
da complicação mediastinal. Inicia-se com hidratação, com- reavaliação permanente da evolução da MA, usando a to-
bate à dor, antibioticoterapia, com espectro também para mografia computadorizada na busca de focos infecciosos
anaeróbios. Empiricamente, podem-se iniciar piperacilina- não adequadamente drenados ou formados no pós-opera-
-tazobactam e vancomicina; em pacientes com anafilaxia à tório. O raio x é o exame de seguimento rotineiro, porém,
penicilina, podem-se indicar quinolona e clindamicina. em consolidações anormais ou na persistência de foco in-
A estratégia de tratamento das MAs por PE é influencia- feccioso, é imprescindível a TC torácica. Reoperações com
da pelos seguintes fatores: tempo decorrido entre a perfu- desbridamentos pleurais e drenagens adequadas poderão
ração e o diagnóstico; o local e a intensidade da lesão; se a ser necessárias.
perfuração está contida ou há extravasamento na cavidade O prognóstico é variável e depende de diversos fatores
descritos, porém pacientes com PE tratadas nas primeiras 6
pleural, mediastino, pericárdio ou peritônio; idade e esta-
horas podem chegar a 90% de sucesso. São também desfa-
do geral do paciente; presença de doença esofágica pré-
voráveis comorbidades, como neoplasias, desnutrição crô-
via, comorbidades etc. A abordagem tem sido a operação,
nica, diabetes, obesidade, hipertensão arterial, coronario-
o mais precocemente possível, porém alguns casos muito
patias, idade avançada etc.
selecionados podem ser tratados mais conservadoramente.
Recomenda-se o tratamento não operatório nas seguintes
C - Mediastinite descendente necrosante
situações: ausência de crepitação, pneumotórax, pneumo-
peritônio ou extravasamento intraperitoneal; roturas do A MA, cujo foco infeccioso primário é oriundo da boca
esôfago bem contidas no mediastino ou numa loculação ou da orofaringe, é uma das formas mais agressivas de infec-
pleural; perfurações instrumentais em que o paciente nada ção. Na maioria das vezes, o diagnóstico é tardio e realizado
recebe pela boca devido ao procedimento e a perfuração quando a sepse já está instalada. A mortalidade apresenta
é detectada precocemente; pacientes clinicamente está- valores acima de 50%, mesmo com adequado tratamento.
veis; perfurações há algum tempo antes do diagnóstico, nas São causas desta mediastinite angina de Ludwig, infecção
quais o paciente desenvolve tolerância à perfuração. odontogênica progressiva (2º ou 3º molar); pós-operatório
Operações são indicadas nas seguintes situações: per- de cirurgias de cabeça e pescoço, vértebras e grandes va-
furação espontânea (síndrome de Boerhaave); perfurações sos; extensão de infecção pulmonar ou de vértebras/coste-
com contaminação do mediastino; PE associada a doenças las (TB, HIV) ou de punções venosas centrais etc.
esofágicas preexistentes – câncer e acalásia; PE intra-abdo-
minal; PE com pneumotórax, com corpo estranho retido e
no paciente instável em choque ou sinais de sepse sistêmi-
ca. A eliminação do foco contaminante é uma etapa essen-
cial também no tratamento da MA por PE, fazendo cessar
os insultos químico e bacteriano das secreções aí extravasa-
das. A maioria dos pacientes com diagnóstico precoce (nas
primeiras 24 horas de lesão) é operada e tem prognóstico
significativamente melhor do que quando o diagnóstico é
tardio (após as 24 horas iniciais). Nestas, há tendências de
tratar os pacientes com várias estomias provisórias, deixan-
do o local perfurado sem sutura. A esofagectomia precoce
está indicada, geralmente, àqueles com lacerações extensas
ou aos casos com doenças esofágicas severas (estenoses
ou necroses extensas, neoplasias distais etc.). A esofagec-
tomia, ao eliminar completamente o foco contaminante,
produz notável e imediata recuperação do quadro séptico. Figura 3 - Abscesso retrofaríngeo

214
MEDIASTINITE AGUDA

A sepse sistêmica é a maior complicação da mediastini- mediastinal é determinada pelos achados à TC. Quando a
te descendente necrosante e manifesta-se por taquicardia, supuração envolve apenas o mediastino superior (altura da
hipotensão e baixo débito urinário. Deve-se agir precoce e 4ª vértebra dorsal), a drenagem cervicomediastinal apenas
agressivamente para prevenir complicações letais. pelo pescoço pode ser curativa, sendo uni ou bilateral cer-
A infecção é polimicrobiana. As bactérias mais comuns vical conforme o caso. Quando a supuração desceu além da
são Streptococcus beta-hemolítico, Peptostreptococcus, referida altura, as drenagens pleuromediastinais serão via
Fusobacterium, Bacteroides sp, Staphylococcus aureus e torácica, de modo convencional aberto ou videoassistido –
Haemophilus sp. Frequentemente, as culturas em aerobio- dependendo dos achados tomográficos, pode ser indicada
se das secreções são negativas porque os causadores são inclusive a abordagem bilateral. A traqueostomia poderá
germes anaeróbios. A suspeita destes é ainda maior quando ser empregada no manejo, mas não é obrigatória. A pro-
a origem é o foco dentário e há gás em exame de imagem. gressão da infecção, a erosão de vasos, as supurações dis-
tantes não são excepcionais. Sintomas abdominais agudos
poderão indicar disseminação da doença.

D - Perfuração traqueobrônquica
Bem como as lesões esofágicas, a perfuração traque-
obrônquica poderá causar MA. A instrumentação durante
broncoscopia, em dilatação de estenoses, retirada de cor-
pos estranhos ou de tumores endoluminais (laser, cautério,
saca-bocado etc.), a manipulação de próteses de traqueia
ou de esôfago, o trauma, ferimentos ou contusões poderão

CIRURGIA TORÁCICA
causar solução de continuidade nas paredes da via aérea
com extravasamento de secreções para o mediastino. A he-
moptise, a dispneia, a rouquidão ou o enfisema de partes
moles poderão ser sugestivos. A broncofibroscopia deve
Figura 4 - Coleção mediastinal com bolhas de gás ser realizada quando se suspeita de perfuração de via aé-
O quadro clínico no início é inespecífico, e os sintomas rea, pode permitir a identificação da lesão em brônquios
que envolvem o mediastino são vagos. Dados de infecção maiores e programar a via de acesso para o tratamento ou
ou manipulação dentária, infecção de orofaringe, corpos mesmo para permitir a exclusão da laceração guiando tu-
estranhos ingeridos ou ferimentos da garganta poderão ser bos seletivos, evitando a contaminação maior dos tecidos
referidos. A mediastinite descendente necrosante desen- próximos.
volve-se entre 12 horas e 2 semanas após a infecção inicial.
Dor cervical, trismo, edema, enduração, disfagia alta ou cre-
pitação na região cervical estão presentes na maioria das
vezes. O paciente poderá estar febril, confuso, obnubilado e
com comprometimento hemodinâmico. O hemograma cer-
tamente terá leucocitose e desvio à esquerda importantes.
A radiografia simples e a TC poderão evidenciar alarga-
mento do espaço retrofaríngeo com ou sem nível hidroaé-
reo, anteriorização da coluna de ar da traqueia, enfisema
mediastinal e perda da lordose anatômica da coluna cer-
vical. Alargamento do mediastino, enfisema mediastinal,
derrames pleurais ou pericárdicos, consolidações broncop-
neumônicas poderão surgir na progressão da doença.
Precocemente, iniciam-se hidratação, combate à dor e
cobertura antibiótica com cefalosporinas de 2ª ou 3ª gera-
ção associadas à clindamicina ou piperacilina-tazobactam
e vancomicina. Em pacientes com anafilaxia à penicilina,
deve-se substituir por quinolona e clindamicina, em vez da
piperacilina-tazobactam. Conforme a evolução clínica e os
resultados de culturas, o esquema de antibióticos poderá
ser adequado.
A mediastinite descendente necrosante pode ser evita-
da por drenagem cervical e desbridamento precoces quan-
do a infecção ainda não alcançou o mediastino. A drenagem

215
CI RUR G I A TOR Á CICA

CAPÍTULO

12
Síndrome da veia cava
Carlos Eduardo Levischi Júnior / Rodrigo Olívio Sabbion

tercostais, lombares, sacrais e deságuam também na


1. Introdução veia cava inferior;
A definição da Síndrome da Veia Cava Superior (SVCS) - Sistema venoso torácico externo: o sangue vem do
baseia-se em um conjunto de sinais e sintomas causados sistema venoso superficial, passa pelas subclávias e
pela dificuldade do fluxo sanguíneo a partir da Veia Cava axilares, indo até a veia torácica lateral. Nesse ponto,
Superior (VCS) atingir o átrio direito. A gravidade do quadro tem-se a ligação com a veia femoral e, daí, para toraco-
é definida a partir da intensidade do fator de bloqueio e sua epigástrica e veias epigástricas superficiais.
localização em relação ao óstio da veia ázigos.
Outro fator importante é a presença de vias colaterais
A VCS é a responsável por drenar o sangue do segmento
de drenagem, que servem como conexões alternativas en-
cefálico, membros superiores e parte do tórax, e tem íntimo
tre as veias cavas superior e inferior. No caso de obstrução
contato com os nódulos linfáticos (cadeia paratraqueal di-
da VCS, o sangue segue por essas vias secundárias, forman-
reita, ázigos, hilares, subcarinais) do tórax. No caso de algu-
do a chamada “circulação colateral”.
ma patologia que cause aumento de volume desses linfono-
dos, pode haver compressão da VCS devido às suas paredes
finas e ao fluxo sanguíneo de baixa pressão. 3. Fisiopatologia
Devido à sua localização em compartimento não dis-
2. Anatomia tensível, com paredes finas e baixa pressão hemodinâmica,
além de ser totalmente circundada por cadeias linfonodais,
A VCS se origina da confluência das 2 veias inomina- a veia cava superior pode ser obstruída por doenças e au-
das no nível da 1ª cartilagem costal à direita, desce ao mento de vários órgãos e estruturas ao redor:
mediastino e entra no átrio direito, fazendo a junção ca-
voatrial (onde existe a válvula de controle, a tricúspide)
- Compressão de estruturas que circundam a veia por
doenças benignas ou malignas;
junto do pericárdio, onde também existe o nó sinusal. É
uma veia de 7cm comprimento e 2cm de diâmetro, e tem - Invasão por tumores malignos;
relação com a pleura e pulmão lateral e superiormente, - Trombose por doenças hipercoagulativas (neoplasias/
além de estar encostada em outras estruturas vasculares policitemia), danos da íntima (cateteres), ou estase
grandes, como aorta e veia pulmonar superior no me- (compressão externa);
diastino.
Importante lembrar as 4 principais vias colaterais veno-
- Constrição por tecido fibrótico (mediastinite fibro-
sante).
sas para a veia cava em humanos:
- Sistema venoso ázigos: veia ázigos, que drena direta- Todos esses mecanismos podem elevar a pressão veno-
mente para veia cava superior no nível do brônquio- sa para até 500cmH2O e resultar na abertura da circulação
-fonte principal direito; colateral, sendo que a severidade de tais sintomas depende
da rapidez da instalação.
- Sistema venoso torácico interno: em que o sangue en- Na obstrução aguda, o sistema venoso colateral não
tra pela VCS advindo das veias torácicas internas que consegue distender com rapidez para acomodar o sangue,
deságuam nas veias epigástricas superior e inferior; fazendo com que o quadro clínico fique mais exuberante,
- Sistema venoso vertebral: o sangue do sinus venosus ao contrário dos quadros mais arrastados, em que o pacien-
e as veias braquiocefálicas bilaterais passam pelas in- te é oligossintomático.

216
SÍNDROME DA VEIA CAVA

A presença de circulação colateral depende do grau de


obstrução da VCS e do tempo de progressão da doença, e
fica mais aparente quando há oclusão total do vaso, e as
veias subcutâneas da parede anterior do tórax se ingurgi-
tam e passam a apresentar insuficiência e aspecto varicoso.
As veias ázigos, torácicas internas, toracolaterais, paraespi-
nhais e o plexo venoso esofágico também se transformam
em vias alternativas que visam retornar o sangue venoso
dos segmentos superiores para o coração, sendo possível a
visualização do aumento de calibre em exames vasculares
contrastados.

5. Etiologia
Figura 1 - Afilamento da veia cava e dilatação do sistema venoso
superiormente O câncer de pulmão é o principal responsável pela SVCS,
com incidência de 70%. O subtipo histológico mais frequen-
te é o carcinoma de pequenas células, responsável por 38%
4. Quadro clínico dos casos, devido às extensas metástases linfonodais que
A SVCS é definida como a manifestação clínica da obs- esses tumores acarretam.
trução ao fluxo sanguíneo na VCS. Os linfomas (principalmente do subtipo esclerótico), os
O quadro clínico é diretamente proporcional ao grau de timomas e os tumores de células germinativas são outras

CIRURGIA TORÁCICA
obstrução ao fluxo venoso. Uma história cuidadosa deve ser causas neoplásicas primárias. O carcinoma metastático de
obrigatoriamente pesquisada, com investigação da presen- mama é a mais frequente entre as causas neoplásicas se-
ça de edema facial ao acordar, pois é um dos sintomas mais cundárias.
precoces e que pode até passar despercebido. Em relação às lesões benignas, a fibrose mediastinal se-
Outro sintoma que pode ser relatado é a síncope que cundária à histoplasmose é a causa mais comum, com a ca-
advém com uma crise de tosse; o paciente tem perda súbi- racterística de apresentar múltiplos linfonodos mediastinais
ta de consciência ao tossir, resultado da elevação da pres- calcificados. O bócio mergulhante de grandes proporções
são venosa intracraniana que aumenta ainda mais durante também pode se manifestar por SVCS.
a tosse, equiparando-se a pressão de perfusão arterial, e, Devido à compressão da veia no espaço retroesternal,
com isso, dificulta o fluxo sanguíneo capilar, causando is- algumas doenças granulomatosas podem causar linfade-
quemia transitória e perda de consciência. Esse quadro nomegalia mediastinal e SVSC, mas isso ocorre raramente.
pode se estender mesmo após o tratamento e costuma me- Outra causa de SVCS é trombose venosa decorrente da im-
lhorar após a elaboração da rede colateral de drenagem. plantação de cateteres ou fios de marca-passo no sistema
cava superior. Esses elementos podem provocar tromboses
localizadas, porém raramente evoluem com tromboses ex-
tensas e obstrução total ao fluxo sanguíneo.

Tabela 1 - Causas da síndrome da veia cava superior

Doenças malignas (95%)


- Câncer de pulmão (80%):
· Ca pequenas células.
· Ca não pequenas células:
* Linfoma;
* Timoma;
* Tumores mediastinais (mais comuns de células germinativas);
Figura 2 - Anatomia da veia cava superior * Tumores sólidos com metástases mediastinais (mais comum
Ca de mama).
Os sintomas mais comuns são a dispneia, a pletora facial
Outras (5%)
e o edema cervicofacial, que atingem até 60% dos pacientes.
- Iatrogênicas: marca-passo, cateteres centrais, pós-radiotera-
Com a evolução da doença, podem aparecer edema de
pia;
membros superiores, disfagia e dor torácica. Tosse pode ser
relatada devido ao edema vascular peribrônquico. Em ca- - Doenças infecciosas: mediastinite fibrosante secundária à tu-
berculose, sífilis, histoplasmose, actinomicose etc.;
sos mais graves, há o acometimento do SNC resultante do
edema cerebral, e o paciente pode queixar-se de cefaleia, - Outros: mediastinite fibrosante, sarcoidose, colangite esclero-
sante etc.
vertigem, diminuição do nível de consciência e coma.

217
CI RUR G I A TOR Á CICA

6. Diagnóstico de correlação patológica (como presença de linfadenome-


galia supraclavicular). O material pode ser obtido por meio
O diagnóstico da SVCS pode ser dividido em: de Punção Aspirativa por Agulha Fina (PAAF) ou biópsia com
- Diagnóstico da síndrome: agulha cortante. Caso haja necessidade de maior quantida-
de de material para culturas ou imuno-histoquímica, está
Essencialmente clínico, devido aos sinais e sintomas do indicada a biópsia cirúrgica. Como métodos para esta bióp-
paciente, cujo tratamento é fundamentado na resolução sia, podem-se utilizar a mediastinotomia anterior, a medias-
dos sintomas, que estarão presentes em número e gravida- tinoscopia ou a videotoracoscopia.
de de acordo com o grau e rapidez da obstrução. Os pacien-
tes apresentam edema e eritema facial, sudorese no pes-
coço e braços, dilatação do sistema venoso nos membros
superiores e cabeça; também podem apresentar dispneia,
tosse persistente e ortopneia. Em situações de progressão
da doença, podem-se observar sintomas como: edema pe-
riorbital, disfagia, cefaleia, vertigem, síncope, letargia e dor
torácica;

- Diagnóstico etiológico:
É importante por 3 motivos principais: algumas doenças
que causam a síndrome são mais sensíveis a tratamentos
específicos; pacientes com neoplasia não morrem pela sín-
drome, mas pela extensão da doença de base; menos de 5%
das síndromes são causadas por doenças benignas.
Na suspeita clínica, o 1º exame a ser obtido é a radio- Figura 4 - Compressão da veia cava por massa mediastinal
grafia de tórax em PA e perfil, que pode demonstrar alarga-
mento mediastinal. Em alguns casos, a radiografia simples
pode estar normal. 7. Tratamento
A investigação diagnóstica continua com a TC de tórax
com contraste, e a RNM está indicada a pacientes alérgicos O tratamento divide-se em sintomático, ou seja, comum
ou com função renal deteriorada. a todos os casos, e o específico da patologia que desenca-
A cavografia (método diagnóstico para estudo da VCS, deou a SVCS.
por meio da injeção de contraste e raio x), muito utiliza-
da no passado, não tem mais indicação atual, pois a TC e a A - Tratamento sintomático
RNM, além de trazerem as mesmas informações quanto à Para o tratamento sintomático da SVCS, faz-se o uso de
obstrução, permitem o estudo das outras estruturas intra- medidas clínicas, como elevação da cabeceira do leito, enri-
torácicas. quecimento do ar inspirado com oxigênio, e de medicações,
principalmente diuréticos e corticosteroides, com o objeti-
vo de diminuir o edema no território drenado pela VCS, le-
vando à melhora dos sintomas respiratórios e neurológicos.
Está contraindicada a punção venosa dos membros supe-
riores, devendo ser utilizada a rede venosa dos membros
inferiores para a infusão de drogas e volume.

B - Tratamento secundário
Após a estabilização clínica, os esforços serão para obter
o diagnóstico e iniciar o tratamento especializado. Nos ca-
sos com possibilidade de ressecção cirúrgica, deve-se veri-
ficar, por exames de imagem, se existe apenas compressão
Figura 3 - Cavografia normal do vaso ou invasão local. A substituição da VCS por uma
prótese vascular em doenças malignas só está indicada aos
O próximo passo é diagnóstico etiológico, na maioria casos em que haverá ressecção total da lesão. Nos outros
das vezes, compreende obter material necessário para aná- casos, o risco cirúrgico alto não compensa o procedimento,
lise laboratorial. Isso pode ser realizado por meio da biópsia pois não há aumento de sobrevida. Há contraindicação à ci-
da lesão em si, ou de lesões a distância quando se suspeita rurgia de substituição da veia cava nos casos com circulação

218
SÍNDROME DA VEIA CAVA

colateral extensa e desenvolvida pelo risco de formação de ção cirúrgica, o tratamento pela radioterapia está indicado,
trombos e embolia a partir das veias colaterais varicosas. e o alívio sintomático e a melhora clínica são vistos em até
Nos casos de SVCS devido às doenças benignas, como 70% dos casos. Tratamento apenas paliativo.
da mediastinite fibrosante, o uso do enxerto vascular tem A angioplastia percutânea transluminal também é uma
indicação e impacto na melhoria da qualidade de vida. opção e é indicada, principalmente, quando há falha da qui-
mioterapia ou a radioterapia e a instalação da síndrome é
aguda e grave. A principal contraindicação é a invasão da
VCS pela lesão tumoral; para as obstruções trombóticas
ocasionadas por cateter e outras doenças benignas, a in-
dicação é discutível; o procedimento é realizado por meio
de inserção de balões infláveis para obter a dilatação da luz
vascular, seguida da colocação de stent metálico expansível
para manter a perviedade da VCS. A heparina e os anticoa-
gulantes orais têm indicação para impedir a progressão do
trombo e facilitar a recanalização.
Tabela 2 - Indicações e contraindicações cirúrgicas na obstrução da
veia cava superior
Indicações Contraindicações
Neoplasias: - Tumores irressecáveis;
- Câncer de pulmão operável; - Tumor não pequenas

CIRURGIA TORÁCICA
Figura 5 - Massa mediastinal causando síndrome da veia cava - Tumor de mediastino; células inoperável ou
- Tumor primário de veia cava supe- que necessite de pneu-
O enxerto é usualmente realizado entre a veia braquio- rior. mectomia.
cefálica ou jugular do lado esquerdo e a aurícula direita, Vasculares: - Paredes venosas anor-
utilizando uma prótese em anastomose terminoterminal. A - Aneurismas primários saculares; mais na proximidade
prótese de uso mais frequente é de PTFE (politetrafluore- - Malformações primárias. da obstrução.
tileno). Primeiramente, é realizada a anastomose atrial e, - Síndrome causada pelo
- Causas benignas.
posteriormente, a sutura à veia sistêmica. cabo do marca-passo.

Figura 6 - Prótese de PTFE

Quanto aos portadores de carcinoma de pulmão ou ou-


tros tumores radiossensíveis sem possibilidade de ressec-

219
CI RUR G I A TOR Á CICA

CAPÍTULO

13
Tumores do mediastino anterior
Carlos Eduardo Levischi Júnior / Rodrigo Olívio Sabbion

1. Introdução
O mediastino é um espaço virtual compreendido entre
os 2 pulmões, delimitado pela reflexão da pleura sobre os
hilos pulmonares, que é denominada pleura mediastinal.
Para efeito mais didático do que clínico, o mediastino é di-
vidido em 2 grandes compartimentos, superior e inferior,
e este último ainda se divide em outros 3 compartimentos
(com base em planos imaginários sobrepostos à radiografia
em perfil): anterior, médio e posterior. Essa divisão ajuda a
caracterizar anatomicamente doenças e tumores de acordo
com a localização e o órgão de origem.
- Mediastino superior: tem como limite superior o es-
treito superior do tórax e como limite inferior um pla-
no, que vai do ângulo esternal até uma linha imaginá-
ria entre T4 e T5, chamado plano de Ludwig;
- Mediastino anterior: tem uma forma alongada, gros-
seiramente triangular de base superior e se estende
entre o esterno e o plano do pericárdio, a partir do
plano de Ludwig. Contém timo, gordura e linfonodos;
- Mediastino médio: tem como limite anterior o saco
pericárdico e posterior à coluna vertebral (4ª vértebra Figura 1 - Divisões do mediastino
torácica). Essa porção engloba o coração, o pericárdio,
a traqueia, os hilos pulmonares e os linfonodos; Como auxílio para memorização, usualmente, diz-se
que na região de mediastino anterior são comumente en-
- Mediastino posterior: está situado entre o pericárdio contrados 4 tipos de tumores (os 4 “T”):
e a coluna vertebral. Contém, entre outras estruturas, - Timoma;
o esôfago e a aorta torácica. - Terrível linfoma;
Os tumores do mediastino anterior perfazem cerca de
- Teratoma;
60% das massas mediastinais como um todo, e as neopla-
- Tireoide.
sias derivadas do tecido tímico são os mais comuns (timo-
mas, carcinomas e carcinoides tímicos). Outras neoplasias 2. Diagnóstico
que podem acometer esse compartimento são os tumores Uma parcela significativa dos tumores do mediastino
de linhagem germinativa, os linfomas, tumores mesenqui- anterior é assintomática ou oligossintomática (as queixas
mais e tumores da tireoide e paratireoide. são relacionadas a fenômenos compressivos ou invasão de

220
TUMORES DO MEDIASTINO ANTERIOR

estruturas; geralmente, são sintomas inespecíficos e impre-


cisos como dor torácica e dispneia), sendo descobertos em
exames radiológicos de rotina.

Figura 3 - Massa no mediastino anterior

Estudos com radioisótopos, particularmente I131, são


úteis para diferenciar tecido tireoidiano de massas medias-
tinais e para diagnosticar bócios mergulhantes ou intratorá-
cicos ou tecido glandular ectópico.
Figura 2 - Massa mediastinal em radiografia de tórax Os mapeamentos com gálio foram úteis na avaliação
dos linfomas, principalmente na investigação de tumor vi-

CIRURGIA TORÁCICA
Embora não haja sinais patognomônicos, exames de ável em massas residuais, mas esse método está gradativa-
imagem bem conduzidos interferem positivamente na acui- mente sendo substituído pelos exames metabólicos, parti-
dade do diagnóstico das lesões mediastinais. Diferenciar cularmente o PET-scan.
neoplasias de massas pseudotumorais do mediastino ante- O PET-scan ainda não tem um espaço bem determinado
rior exige um estudo por imagem adequado, associando o no estudo dos tumores do mediastino. Na avaliação e no
conhecimento de Epidemiologia integrado a outros exames. estadiamento dos timomas, parece ser útil na diferenciação
O achado de alargamentos da silhueta do mediastino entre timoma e hiperplasia tímica, na localização de lesões
em radiografias convencionais deve ser investigado com extracapsulares e de metástases a distância, mas tais estu-
Tomografia Computadorizada (TC), o exame de imagem dos carecem de maiores casuísticas e investigações clínicas,
mais eficiente e com melhor custo-benefício para avaliar embora pareçam bastante promissores.
essa região anatômica.
A TC mostra as relações entre as estruturas, define com Tabela 1 - Identificação de tecidos com o auxílio de radioisótopos
precisão a localização, as dimensões e a densidade das le- Iodo 131 Tireoide
sões, e, embora não permita determinar a possível histo- Gálio Linfoma
logia, aumenta a suspeita diagnóstica e pode dirigir uma
biópsia por punção (citologia ou fragmento).
A ressonância nuclear magnética, inicialmente consi- 3. Biópsia
derada muito promissora, pouco acrescenta à tomografia, As imagens de massas mediastinais associadas à dosa-
mas pode ser particularmente útil aos indivíduos alérgicos gem de marcadores tumorais (beta-HCG, alfa-fetoproteína,
a contrastes intravenosos, na avaliação de lesões císticas e hormônios tireoidianos), em algumas circunstâncias, permi-
nas suspeitas de invasão de grandes vasos. tem prescindir da biópsia. Em outros casos, a amostragem
tecidual é fundamental para a determinação do tratamen-
to, principalmente em lesões potencialmente irressecáveis
ou passíveis de neoadjuvância.
Técnicas de biópsia cirúrgica são preferíveis às obtidas
por punção, pois fornecem um espécime maior, mais repre-
sentativo, e o diagnóstico diferencial (principalmente entre
timoma e linfoma) frequentemente exige uma amostragem
mais ampla da lesão.
A mediastinoscopia cervical aborda o mediastino médio
e, normalmente, tem pouca efetividade nas lesões medias-
tinais anteriores. A cirurgia videoassistida pode ser uma
boa saída para a coleta de material necessário, mas a cirur-
gia convencional aberta é o passo lógico a seguir quando os

221
CI RUR G I A TOR Á CICA

métodos videocirúrgicos não atingem o resultado esperado. a) Patologia


Principalmente pelo acesso com a incisão de Chamberlain, O timo tem forma de H, com cornos superiores avançan-
com excelente custo-benefício ao paciente quando bem in- do cranialmente até os polos inferiores da tireoide e os cor-
dicada (tumor grande e encostado na parede). nos inferiores se estendendo junto ao pericárdio anterior. É
uma estrutura muito desenvolvida na infância e puberda-
de, podendo chegar a 40g. Involui na idade adulta, quando
pesa de 12 a 15g, e tende à atrofia na senilidade. É no timo
que se diferenciam os linfócitos T que são liberados na cir-
culação sistêmica, e tem papel importante na regulação das
imunidades celular e humoral.

Figura 4 - Corte coronal em TC demonstrando massa no medias-


tino anterior

4. Principais neoplasias do mediastino


anterior
Figura 6 - Peça cirúrgica de timectomia por timoma
A - Timoma
Timoma é um termo que designa apenas os tumores
Os timomas são as neoplasias mediastinais mais co- derivados do epitélio tímico, com alterações neoplásicas
muns em adultos, representando 20 a 30% de todas as neo- dessas células epiteliais. Os timomas também contêm lin-
plasias mediastinais e 50% dos tumores do compartimento fócitos, mas não são considerados células tumorais por não
anterior do mediastino. A maioria dos pacientes tem entre apresentarem alterações neoplásicas.
40 e 60 anos, e não há diferença significativa entre os sexos. A proporção entre as células epiteliais e linfócitos pode
Em geral, apresentam-se como tumores lobulados e variar dependendo de cada caso, ou em diferentes partes
bem encapsulados, centrados na loja tímica, mesmo quan- de um mesmo tumor. No timoma, tal diferença é pouco im-
do muito volumosos – podendo inclusive se apresentar portante, diferente de outros tumores epiteliais, em que a
como lesões císticas e com focos de calcificação. Diferente diferença entre tumores malignos e benignos pode ser fei-
de outras neoplasias, o diagnóstico de malignidade não é ta com relativa facilidade pela observação morfológica das
dado pela histologia, e sim pelas características de invasão células.
da cápsula e das estruturas adjacentes. Os tumores tímicos com características histológicas ma-
lignas são classificados como carcinomas tímicos e não ti-
momas. Para ser considerado um carcinoma tímico o tumor
deve ultrapassar a barreira da cápsula, tornando-se micros-
cópica ou macroscopicamente invasivo, mesmo mantendo
características histológicas benignas, diferente de outros
tumores epiteliais em que a diferença entre benignos e ma-
lignos pode ser feita com relativa facilidade pela observa-
ção morfológica das células.
b) Diagnóstico
Os timonas são achados incidentais; cerca de metade
deles é assintomática. Os sintomáticos podem referir quei-
xas vagas relacionadas ao efeito de massa ou compressão,
Figura 5 - Timoma pequeno em mediastino anterior à esquerda como tosse, dispneia e desconforto torácico, ou sinais de in-

222
TUMORES DO MEDIASTINO ANTERIOR

vasão como paralisia frênica, rouquidão por acometimento Os pacientes com miastenia grave, aplasia de células ver-
do nervo recorrente, dispneia relacionada a derrame pleu- melhas ou hipogamaglobulinemia devem ser investigados
ral ou síndrome da veia cava superior. na busca de um possível timoma assintomático. Da mesma
Os timomas podem estar associados às doenças sistê- forma, todo paciente com massa mediastinal anterior deve
micas e autoimunes (Tabela 2), provocadas pela regulação investigar sintomas associados à miastenia grave, que po-
dem passar despercebidos em um exame clínico superficial,
anormal de linfócitos ou secundários à reação cruzada de an-
como fraqueza, diplopia, dispneia, ptose palpebral, distúr-
ticorpos timomas associados a proteínas de outros tecidos.
bios da deglutição e disartria. Em caso de suspeita, é im-
A miastenia grave é a doença autoimune mais associada prescindível uma avaliação neurológica antes de qualquer
às doenças do timo, acometendo simultaneamente entre procedimento cirúrgico, diagnóstico ou terapêutico.
40 e 65% dos portadores do timoma. Por outro lado, de 10 Pequenos timomas podem não ser detectados em ra-
a 15% dos pacientes com essa doença possuem timoma. diografias convencionais.
Cerca de 30% dos pacientes com timoma podem apre- A TC de tórax (o contraste intravenoso é aconselhável) é
sentar alterações imunológicas que não a miastenia grave, o método de imagem de escolha para a avaliação da loja tí-
como aplasia de células vermelhas, lúpus eritematoso sistê- mica. Fornece uma imagem precisa e determina a densida-
mico e hipogamaglobulinemia. de e as relações com outras estruturas intratorácicas, como
os grandes vasos, pulmão, pericárdio, coração e pleuras. Os
Tabela 2 - Síndromes sistêmicas associadas à neoplasia de timo timomas normalmente são massas homogêneas que cap-
tam contraste.
- Síndromes neuromusculares;
Em muitos casos, o diagnóstico clínico de timoma é su-
- Miastenia grave;
ficiente para indicar o tratamento cirúrgico, especialmente

CIRURGIA TORÁCICA
- Distrofia miotônica; quando o tumor é pequeno e está associado a síndromes
- Síndrome de Eaton-Lambert; paraneoplásicas. Entretanto, quando o tumor é grande e a
- Miosite; cirurgia implica ressecções extensas e riscos, ou quando se
- Síndromes hematológicas; contempla a possibilidade de tratamento neoadjuvante, ou
- Hipoplasia de células vermelhas; não é possível descartar a possibilidade de um tumor de
células germinativas ou de um linfoma, a biópsia prévia e o
- Eritrocitose;
estudo anatomopatológico tornam-se necessários.
- Pancitopenia;
- Linfocitose de células T; c) Estadiamento e classificação
- Leucemia aguda; Devemos considerar que várias classificações histopato-
- Mieloma múltiplo; lógicas e morfológicas foram propostas tanto para os timo-
mas quanto para as outras neoplasias tímicas. Entretanto,
- Síndrome de imunodeficiência;
ainda não se conseguiu, de forma satisfatória, relacionar a
- Hipogamaglobulinemia;
classificação a estratégias terapêuticas e prognóstico.
- Síndrome da deficiência de células T; É importante salientar que o prognóstico tem importan-
- Colagenoses e doenças autoimunes; te relação com a capacidade do tumor em invadir estrutu-
- Lúpus eritematoso sistêmico; ras e com a sua etiologia.
- Artrite reumatoide; Quanto ao estadiamento, a classificação dos tumores
- Polimiosite; malignos (TNM) proposta pela OMS é válida.
- Miocardite; Importante:
- Síndrome de Sjögren; A proposta por Masaoka, em 1981, que visa determinar o grau
- Esclerodermia; da doença clínica e histopatologicamente. Essa classificação
(Tabela 3), além de ser mais prática, está familiarizada com os
- Doenças dermatológicas; cirurgiões torácicos, não havendo estudos que mostrem divisão
- Pênfigo; melhor na avaliação de prognóstico.
- Candidíase mucocutânea crônica;
Tabela 3 - Estadiamento de tumores do mediastino anterior segun-
- Alterações endócrinas; do classificação de Masaoka
- Hiperparatireoidismo; Estadio Critério
- Tireoidite de Hashimoto; Tumor macroscopicamente encapsulado, sem inva-
- Doenças de Addison; I
são microscópica.
- Doenças renais; Invasão macroscópica na gordura ao redor do timo
IIa
- Síndrome nefrótica; ou pleura mediastinal.
- Nefropatia por lesão mínima. IIb Invasão microscópica da cápsula.

223
CI RUR G I A TOR Á CICA

Estadio Critério B - Linfoma


III Invasão macroscópica de órgãos vizinhos. Embora a maioria dos pacientes com linfoma apresente
IVa Metástases pleurais ou pericárdicas. doença disseminada no momento do diagnóstico, cerca de
IVb Metástase linfática ou hematogênica. 5 a 10% apresentam doença mediastinal exclusiva. Os lin-
fomas mediastinais correspondem a cerca de 10 a 20% das
d) Tratamento massas mediastinais anteriores.
Exceto em casos de doença metastática, a ressecção a) Aspectos clínicos
cirúrgica é a base do tratamento, e a ressecção completa, A maioria dos pacientes com linfomas primários do me-
mesmo nos casos de doença extensa e invasiva, é um fator diastino refere sintomas como febre, perda de peso e sudo-
determinante na sobrevida – os trabalhos clássicos indicam rese. Sintomas compressivos são menos comuns e incluem
uma ressecção que englobe todo o tecido localizado entre dor, dispneia, estridor, rouquidão, síndrome da veia cava
os nervos frênicos direito e esquerdo. Em casos de doença superior e paralisia frênica.
localmente avançada, o tratamento multidisciplinar é apro-
b) Diagnóstico
priado, com indicação de radioterapia e quimioterapia neo-
adjuvantes, seguidas de ressecção cirúrgica. Radiografias geralmente mostram massas lobuladas no
mediastino anterior. A confirmação do diagnóstico é obtida
Portanto, o tratamento em relação aos estadios:
por uma biópsia.
- Estadios I e II c) Tratamento
Timectomia total. Se estadio I, não há indicação de tra-
O tratamento do linfoma mediastinal em princípio não
tamento adjuvante. Para pacientes com invasão capsular
é cirúrgico, mas envolve quimioterapia e radioterapia.
encontrada durante a cirurgia ou demonstrada patologica-
Massas residuais muitas vezes devem ser investigadas mais
mente (estadio II), o uso de radioterapia adjuvante é acon-
que 1 vez para avaliar a presença de doença residual ativa,
selhado. e nisso são indicados a RNM, a cintilografia com gálio e o
- Estadios III e IV PET-scan, não precisamente nessa ordem.
Mesmo que potencialmente ressecáveis, é recomen- Biópsias ou ressecções de massas residuais podem fazer
dado tratamento neoadjuvante com QT e posteriormente parte da programação terapêutica, para diferenciar tecidos
cicatriciais e massas residuais com doença em atividade.
cirurgia agressiva, com ressecção do tumor com margens
grandes, seguidas de radioterapia e quimioterapia adjuvan-
C - Tumores germinativos do mediastino
tes. A maioria dos tratamentos neoadjuvantes reserva a ra-
dioterapia para estadios III quando ainda são considerados Os tumores de linhagem germinativa correspondem a
irressecáveis após a quimioterapia. aproximadamente 20% das lesões neoplásicas que acome-
Para pacientes com boa performance status, vale a pena tem o compartimento mediastinal anterior. A ideia antiga
cirurgia para ressecção de doença residual em pleura e pe- relacionava os tumores extragonadais a metástases de tu-
ricárdio, ou mesmo novas metas após a cirurgia inicial, com mores primários das gônadas, mas hoje se acredita que tais
prolongada sobrevida e tempo livre de doença. tumores correspondam à malignização de focos de células
residuais da crista urogenital primitiva, que corre pela linha
média do embrião.
A patogênese dessas neoplasias não é conhecida, mas
sabe-se que são lesões que acometem mais frequentemente
indivíduos jovens e do sexo masculino. Alguns estudos epide-
miológicos mostram serem mais frequentes em portadores
de cariótipo anormal (XXY, síndrome de Klinefelter), entre os
quais é acometida uma faixa etária ainda mais jovem.
Normalmente, o quadro clínico dessa neoplasia está
relacionado ao ritmo de crescimento. As massas com ex-
pansão lenta, como os teratomas e os tumores seminoma-
tosos, mesmo quando volumosas, são oligossintomáticas e
identificadas em exames radiológicos de rotina. Quando o
crescimento é mais rápido, o que costuma acontecer com
as lesões não seminomatosas, podem provocar sintomas
secundários à expansão ou compressão, como tosse, dor
torácica e dispneia, além de sintomas sistêmicos como fe-
Figura 7 - Ressecção de timoma por esternotomia mediana bre, sudorese, astenia, perda de peso, anemia etc.

224
TUMORES DO MEDIASTINO ANTERIOR

- Crescimento rápido: não seminomatoso; cipalmente se associada à radioterapia. O papel da cirurgia,


- Crescimento lento: seminomatoso. nesses casos, não está bem definido.
O grupo de doenças não seminomatosas une diversas
A classificação dos tumores de linhagem germinativa é linhagens com prognóstico e tratamento semelhantes.
baseada na histologia, embora se saiba que muitas dessas Muitas vezes, são lesões heterogêneas, com múltiplas li-
neoplasias têm celularidade mista. A divisão mais comum nhagens celulares, bastante invasivas, e com um espectro
separa os teratomas benignos, as neoplasias seminomato- de marcadores (principalmente AFP) bastante elevado. Os
sas e as neoplasias embrionárias ou não seminomatosas. tratamentos combinados, em que a quimioterapia e ressec-
Este último grupo inclui linhagens diversas, como os terato- ções são agressivas (tanto com intuito citorredutor quanto
mas malignos, teratocarcinomas, carcinomas embrionários, de ressecamento de massas residuais), mostram resultados
coriocarcinomas e carcinomas do saco vitelino. melhores que as indicações de tratamento isolado. Embora
sejam menos radiossensíveis que os seminomas, as lesões
Tabela 4 - Tumores de linhagem germinativa
não seminomatosas residuais ou irressecáveis podem ser
- Teratomas benignos; controladas com irradiação de alta dosagem.
- Neoplasias seminomatosas (AFP- e B-Hcg-);
Tabela 5 - Tratamentos sugeridos para tumores do mediastino an-
- Neoplasias não seminomatosas (embrionárias) (AFP+ e B-
terior
-Hcg+).
Tumor Tratamento sugerido
O quadro radiológico nos exames convencionais carac- Teratoma Ressecção
teriza-se por alargamento mediastinal, na maioria das vezes Neoplasia semino- Investigar outros sítios. Quimioterapia ou
inespecífico. A TC permite identificar detalhes da intimida- matosa radioterapia de acordo com a histologia

CIRURGIA TORÁCICA
de da lesão, sugestivos de linhagem histológica, principal- Neoplasia não semi- Quimioterapia neoadjuvante + cirurgia
mente nos teratomas, que apresentam densidades diferen- nomatosa
tes, características de gordura, tecidos moles e cistos, além
de calcificações, muitas vezes grosseiras.
Suspeita-se de tumores de linhagem germinativa em to- 5. Outras massas mediastinais
dos os homens jovens portadores de massas mediastinais
anteriores. Marcadores tumorais beta-HCG e alfa-fetoprote- A - Tireoide
ína (AFP) são importantes na avaliação primária de qualquer
Tecido tireoidiano neoplásico retroesternal pode cor-
tumor mediastinal anterior e podem ser quase patognomô-
responder à continuidade de um bócio mergulhante ou ao
nicos nas linhagens não seminomatosas. A DHL, mesmo sen-
desenvolvimento anormal de tecido tireoidiano intratorácico
do menos específica, tem valor prognóstico e na avaliação da
– a diferença é a nutrição vascular tecidual; nos bócios mer-
resposta ao tratamento. Embora não seja consenso, quando
gulhantes a vasculatura tem origem cervical, enquanto na
há aumento significativo dos marcadores beta-HCG e AFP, a
tireoide ectópica mediastinal o tecido é nutrido pelos vasos
biópsia pode não ser necessária e o paciente pode ser trata-
do mediastino. O diagnóstico radioisotópico geralmente eli-
do como portador de doença não seminomatosa.
mina a necessidade de biópsia, e a indicação cirúrgica dessas
O tratamento e o prognóstico dependem, fundamental-
lesões segue a sequência das doenças tireoidianas cervicais.
mente, da linhagem.
Ressecções marginais ou incompletas de neoplasias ma-
Os teratomas maduros, quando adequadamente resse-
lignas desse tecido tireoidiano ectópico podem receber ad-
cados, são potencialmente curáveis só com a ressecção, não
juvância com iodo radioativo.
havendo indicação de tratamento complementar. Mesmo
Importante diferenciar e ter em mente o conceito de
os teratomas imaturos, extremamente raros, respondem
bócio mergulhante e tireoide intratorácica: a sua diferença
favoravelmente à ressecção cirúrgica adequada, sendo dis-
está na irrigação sanguínea, pois enquanto o bócio mergu-
cutível a indicação de tratamento adjuvante.
lhante é uma “continuação” da tireoide que desce ao me-
Os seminomas mediastinais primários são raros, como
diastino, a tireoide intratorácica é nutrida por ramos intra-
as metástases de seminomas testiculares para o mediastino,
torácicos, geralmente advindos da aorta.
mas, mesmo assim, a investigação testicular por USG é man-
datória. A biópsia deve ser ampla o suficiente para determinar
se não há celularidade mista, o que piora muito o prognóstico.
B - Paratireoide
É importante pesquisar doença a distância, principal- Adenomas de paratireoide podem estar presentes no
mente retroperitoneal. TC e mapeamento com gálio são mediastino anterior e geralmente se associam a alterações do
efetivos para localizar outras lesões. metabolismo do cálcio. É possível que adenomas pequenos,
O tratamento dos seminomas ainda causa controvér- difíceis de localizar, provoquem distúrbios graves no ciclo do
sias. Os seminomas histologicamente puros, sem outros cálcio. A identificação intraoperatória dessas lesões pode ser
elementos embrionários, são altamente radiossensíveis. difícil e exigir uma exploração mediastinal extensa ou o uso
Na doença disseminada, a quimioterapia é eficiente, prin- de marcadores radioisotópicos para pesquisa intraoperatória.

225
CI RUR G I A TOR Á CICA

CAPÍTULO

14
Tumores neurogênicos do mediastino
Carlos Eduardo Levischi Júnior / Rodrigo Olívio Sabbion

1. Introdução 3. Diagnóstico
Os tumores neurogênicos do mediastino localizam-se Os sintomas geralmente são atribuídos à compressão local
primariamente no mediastino posterior, entretanto podem – síndrome da veia cava superior, disfagia ou dispneia; à des-
atingir também outras áreas intratorácicas, mas com uma truição óssea – dor intensa ou fratura patológica; ou ao envol-
menor incidência. vimento da medula espinhal por crescimento em ampulheta
Podem originar-se de qualquer estrutura neural contida no para dentro do canal medular – com parestesias ou paralisias.
interior do tórax, sendo classificados de acordo com a sua ori- Em adultos, a localização mais frequente é a região de
gem: derivados das bainhas dos nervos periféricos, originados goteira costovertebral; são, na sua maioria, benignos e as-
dos sistemas nervosos simpático e parassimpático (raros). sintomáticos. Em crianças, mesmo tumores benignos e pe-
São derivados da crista embrionária de células neuroec- quenos cursam com sintomatologia, devido ao espaço da
todérmicas que originarão as bainhas nervosas, os gânglios caixa torácica ser proporcionalmente menor, sendo malig-
espinhais e o componente simpático do sistema nervoso nos em cerca de 60% dos casos.
autônomo. Os pacientes podem ainda apresentar sintomatologia
Os tumores que crescem da bainha nervosa são o neuri- relacionada à liberação de catecolaminas pelos tumores,
lemoma (schwannoma) e o neurofibroma. tal como no feocromocitoma que produz sintomas hiper-
Os originários dos gânglios simpáticos são o neuroblas- tensivos e gastrintestinais relacionados à liberação dessas
toma, o ganglioneuroma e o ganglioneuroblastoma. substâncias na circulação.
Os originários do paragânglio simpático são o feocromo-
citoma e o paraganglioma não funcionante. A - Imagem
Existem ainda os tumores que crescem do componente A radiografia de tórax é normalmente o exame que ini-
neuroectodérmico periférico, que em sua variante maligna cia a investigação, e na existência de tumorações pode, in-
é conhecido como tumor de Askin, e os tumores neurogê- clusive, demonstrar a porção mediastinal acometida, mas
nicos originários de outros nervos torácicos, como do nervo não revela detalhes importantes da lesão como densidade,
frênico, vago ou intercostal após a sua emergência da gotei- invasão do canal medular ou estruturas adjacentes.
ra costovertebral. Em geral, esses tumores se localizam nas O exame contrastado do esôfago pode auxiliar o diag-
outras divisões mediastinais. nóstico ao demonstrar compressão extrínseca ou mesmo
A incidência dos tumores neurogênicos do mediastino, invasão do lúmen (substituído pela tomografia).
quando comparada à dos outros tumores mediastinais, é de
15 a 25%. Nas crianças, essa incidência é maior, variando de
34 a 58% dos tumores mediastinais. A incidência de lesões
malignas em adultos varia de 1 a 6%. Porém, nas crianças,
a probabilidade de a lesão ser maligna pode chegar a 60%.

2. Considerações anatômicas
O mediastino possui tecido nervoso em todos os seus
compartimentos, contudo há uma concentração maior na
região da goteira costovertebral, no chamado comparti-
mento posterior do mediastino, pois, nela, estão as raízes
nervosas. Figura 1 - Imagem nodular em ápice do hemitórax direito

226
TUMORES NEUROGÊNICOS DO MEDIASTINO

A tomografia computadorizada do tórax é o próximo Como a maioria dos casos na população adulta são tu-
passo na investigação. Com a TC é possível individualizar os mores benignos, que cursam de forma assintomática sem
órgãos intratorácicos, podendo, então, detectar sinais de in- o comprometimento do estado geral, a biópsia pré-ope-
vasão das estruturas adjacentes. Também obtêm-se infor- ratória não se faz necessária. Já nas situações de tumores
mações sobre a consistência e densidade de massas, além invasivos com acometimento extenso de estruturas vascu-
da identificação de fluido e microcalcificações. lares, traqueia, esôfago ou coluna vertebral, a biópsia pré-
-operatória é indispensável para indicar terapêutica neoad-
juvante. Pode ser realizada com punção de agulha fina ou
videotoracoscopia.

4. Tipos tumorais

A - Neurilemomas (schwannomas)
São os mais comuns dos tumores neurogênicos.
Os neurilemomas originam-se das células do sincício da
bainha nervosa ou da célula de Schwann. São, na grande
maioria dos casos, lesões encapsuladas, sólidas, e podem
conter áreas císticas. Apresentam crescimento lento e ge-
ralmente são assintomáticas.
Acometem principalmente adultos jovens, de ambos os

CIRURGIA TORÁCICA
Figura 2 - TC demonstrando tumor em mediastino posterossuperior sexos. Sua incidência é rara na infância, e a degeneração
maligna é infrequente.
A RNM é indicada quando há necessidade de maior pre- Com o crescimento tumoral, é possível a invasão de es-
cisão na detecção de envolvimento do plexo nervoso, das truturas contíguas. Em aproximadamente 10% dos casos
vértebras e do canal medular. Também se mostra como fer- pode haver crescimento para dentro do forame interver-
ramenta no planejamento cirúrgico ao revelar informações tebral e atingir o canal medular, sendo denominado tumor
importantes nos planos sagital e coronal. em ampulheta.
O tratamento dos neurilemomas consiste na ressecção ci-
rúrgica. O acesso à cavidade torácica pode ser por toracoto-
mia ou videotoracoscopia. Nos casos de tumores em ampu-
lheta com extensão para o canal medular, existe a necessida-
de de associação entre as especialidades de cirurgia torácica
e neurocirurgia. Atualmente, tem-se usado cada vez mais a
videotoracoscopia no tratamento das lesões do mediastino
posterior, assim como a utilização de táticas operatórias com
o uso do bisturi harmônico para minimizar as lesões do teci-
do nervoso. Além disso, são consideradas, nos dias atuais, as
indicações padrão-ouro para a cirurgia robótica.
As chances de recorrência são baixas quando a ressec-
ção é completa.

Figura 3 - RNM demonstrando tumor em mediastino posterossu-


perior
A ressecção cirúrgica completa é tida como a melhor op-
ção terapêutica quando sua realização é possível.

B - Biópsia
Nos tumores invasivos com acometimento extenso de
estruturas vasculares, traqueia, esôfago ou coluna verte-
bral, a biópsia pré-operatória é necessária para indicar o
tratamento neoadjuvante. Figura 4 - Aspecto tomográfico schwannoma

227
CI RUR G I A TOR Á CICA

Esses tumores secretam neuropeptídios que podem au-


xiliar no diagnóstico e no seguimento dos pacientes, como
a enolase neurônio-específica (ENS) (anticorpos geralmente
positivos para tecido neuroblástico, podendo ser encontra-
dos em pacientes com doenças avançadas) e os gangliosí-
dios GD2 (molécula lipídica liberada na corrente sanguínea
pelos tumores de origem neuroectodérmica), além dos me-
tabólitos urinários das catecolaminas.
O ácido vanilmandélico e o ácido homovanílico são me-
tabólitos urinários das catecolaminas secretadas pelos neu-
roblastomas. Podem-se encontrar esses marcadores uriná-
rios elevados em até 90% dos portadores de neuroblasto-
mas, porém nos tumores localizados no tórax, tal achado
diminui para 75%. Isso acontece pelo local da origem do
tumor, pois, quando acomete a raiz posterior do gânglio,
não há a produção de catecolaminas.
Figura 5 - Aspecto cirúrgico da lesão
Os sintomas estão presentes em até metade dos pacien-
tes no momento do diagnóstico, sendo os mais comuns in-
B - Neurofibromas suficiência respiratória, sintomas neurológicos ou doença
metastática. A insuficiência respiratória acontece principal-
Os neurofibromas são tumores geralmente associados mente nos pacientes menores de 1 ano. Os sintomas neuro-
à neurofibromatose de von Recklinghausen, uma síndrome lógicos que podem ser encontrados são paresia ou paralisia
autossômica dominante, caracterizada por lesões com pig- relacionados à compressão medular ou síndrome de Horner.
mentação “café-com-leite” na pele, neurofibromas e nódu- O tratamento do neuroblastoma torácico baseia-se na
los de Lisch na íris. São responsáveis por 25% dos tumores completa ressecção do tumor e na retirada dos linfonodos
neurogênicos em adultos, e sua incidência é rara em crian- mediastinais para verificar o acometimento, que altera o es-
ças (3%). tadiamento da lesão. A partir do estadiamento, pode haver
São benignos e encapsulados, semelhantes ao neurile- a necessidade de tratamento adjuvante.
moma, o que torna difícil o diagnóstico diferencial se não
há outros elementos da síndrome. Podem se originar dos E - Ganglioneuroma
nervos intercostais e atingir outros compartimentos do me-
diastino. Tem origem nos gânglios simpáticos, sendo tumores
O tratamento compreende a ressecção cirúrgica com neuroendócrinos bem diferenciados.
margens livres. É o tumor mediastinal benigno mais encontrado em
crianças.
C - Neurilemoma maligno Em sua variante benigna, a ressecção cirúrgica é curativa.
Radiologicamente, é uma massa grande com áreas de
A degeneração maligna do neurilemoma é incomum, calcificação, e dificilmente invadem o canal medular.
acometendo menos de 2% dos casos. Pode apresentar uma variedade maligna – o ganglio-
A suspeita clínica é feita quando existe uma lesão de neuroblastoma –, um tumor intermediário entre o ganglio-
comportamento agressivo, inclusive com metástases para neuroma e o neuroblastoma, cujo tratamento é cirúrgico,
pulmão, fígado e ossos. porém pode haver a necessidade de terapia adjuvante. O
É também associado à síndrome de von Recklinghausen prognóstico é tido conforme a idade, pois quanto mais jo-
e pode acometer até 4% dos portadores. vem melhor é o prognóstico, além do grau de diferenciação
e da presença de padrão histológico difuso. A sobrevida em
D - Neuroblastomas 5 anos é de 88% dos casos.
O neuroblastoma é um tumor que se origina dos neuro-
blastos primitivos, células que podem originar qualquer ou- F - Paragangliomas
tra da linhagem nervosa. Geralmente, acometem o abdo- Os paragangliomas não funcionantes são tumores ori-
me, porém em 10% dos casos podem atingir o mediastino. ginados dos tecidos quimiorreceptores mais comumente
Consiste no tumor mais comum na 1ª infância, princi- encontrados nos glomus carotídeo ou aortopulmonar.
palmente nos menores de 2 anos, e uma pequena propor- Esses tumores são comumente encontrados incidental-
ção atinge crianças maiores e adolescentes. mente na radiografia de tórax e, na maioria, são assintomá-
Podem estar associados a várias síndromes, dentre elas ticos. Como queixas descritas, pode haver dor torácica ou
a doença de von Recklinghausen, neoplasias endócrinas sintomas relacionados à compressão tumoral, como disfa-
múltiplas, doença de Hirschsprung, entre outras. gia, dispneia e síndrome da veia cava superior.

228
TUMORES NEUROGÊNICOS DO MEDIASTINO

O sexo masculino é o mais acometido, principalmente A manutenção de níveis pressóricos elevados no pós-
na faixa etária dos 40 anos. -operatório pode significar a ressecção incompleta do tu-
A degeneração maligna do paraganglioma é rara e atin- mor ou metástase não diagnosticada. Novo rastreamento
ge menos de 10% dos pacientes. Nesses casos, pode haver deverá ser realizado com MIBG.
metástases, principalmente para pulmão, ossos, fígado, co-
ração e rins. H - Neuroepitelioma ou tumor de Askin
São tumores intensamente vascularizados, e a RNM ou O neuroepitelioma, ou tumor de Askin, desenvolve-se
a arteriografia (drenagem venosa acelerada é um sinal fre- a partir dos tecidos neuroectodérmicos primitivos periféri-
quente) na maioria das vezes revelam o diagnóstico. O es- cos e pode acometer periósteo, osso ou tecidos moles da
tudo cintilográfico com MIBG-131I somente é diagnóstico parede torácica. Sua incidência é predominantemente em
para os paragangliomas funcionantes. crianças e adultos jovens. Consideramos que são tumores
O tratamento do paraganglioma não funcionante é a com origem nas células totipotenciais da crista neural, devi-
ressecção cirúrgica. do a uma translocação recíproca t(11,22) (q24 q12) similar
à presente no tumor de Ewing.
G - Feocromocitoma Clinicamente, a dor ou a tumoração na parede torácica
O feocromocitoma é um tumor incomum que se desen- são as queixas mais comuns. Em 25% dos pacientes, pode
volve no paragânglio, que são grupamentos celulares asso- haver acometimento pulmonar devido à invasão local. As
ciados ao sistema nervoso autônomo. metástases são principalmente para pulmão, ossos e me-
A grande maioria dos feocromocitomas acontece na dula óssea, e podem atingir até 20% dos pacientes no mo-
glândula suprarrenal. O acometimento mediastinal repre- mento do diagnóstico.
Nos exames de imagem, caracterizam-se por massa pa-

CIRURGIA TORÁCICA
senta menos que 2% dos feocromocitomas e 0,3% dos tu-
mores mediastinais (mediastino anterior, desenvolvendo a ravertebral, não calcificada, associada a derrame pleural e
partir do paragânglio branquiométrico e visceral). destruição das costelas adjacentes.
Esses tumores também são chamados paragangliomas Deve ser realizado estadiamento do corpo inteiro com
funcionantes. A maioria dos pacientes apresenta sudore- TC e cintilografia óssea ou PET-scan. Na suspeita de acome-
se, taquicardia e cefaleia, geralmente associadas às crises timento do SNC, está indicada a RNM. A ressecção em bloco
paroxísticas de hipertensão arterial. Mas, raramente, po- da lesão é o tratamento de escolha, associado à quimiotera-
dem ocorrer sintomas relacionados à compressão tumoral, pia e à radioterapia adjuvantes.
como paralisia, síndrome de Horner, disfagia e dispneia. Estudos recentes demonstraram recidiva local em até
A pesquisa de feocromocitoma é feita inicialmente pela 30% dos submetidos à ressecção completa em 3 anos. Nos
medida dos metabólitos das catecolaminas na urina, como casos avançados, a sobrevida com tratamento não atinge
ácido vanilmandélico e metanefrina. Geralmente, essas valores maiores que 20% em 5 anos.
substâncias não estão presentes quando o feocromocitoma
é extra-adrenal devido ao metabolismo hepático.
O exame indicado para a localização dos paragangliomas
funcionantes é a cintilografia com metaiodobenzilguanidina
(MIBG). A tomografia com emissão de pósitrons e glicose mar-
cada (FDG) também pode ser utilizada, mas a sensibilidade e a
especificidade são menores do que a cintilografia MIBG.
Estudos de imagem, como a TC e a RNM, são úteis para
o planejamento da ressecção dos paragangliomas do me-
diastino posterior.
O tratamento deve consistir, inicialmente, no controle
dos sintomas, com bloqueio alfa-adrenérgico para as crises
de hipertensão e beta-adrenérgico para a taquicardia. A vo-
lemia destes pacientes geralmente está abaixo dos níveis
normais, assim podem ser necessários grandes volumes no
preparo anestésico destes pacientes. Com a estabilidade do Figura 6 - Tumor de Askin invadindo a parede
paciente está indicada a ressecção cirúrgica.
Após a remoção do tumor, há uma diminuição abrupta
dos níveis de catecolaminas, levando à queda do tônus vas-
cular e hipotensão arterial. Esse aspecto do período transo-
peratório deve ser antecipado com a infusão de volume e
drogas vasoativas e a monitorização dos níveis glicêmicos,
pois há tendência à hipoglicemia.

229
CI RUR G I A TOR Á CICA

CAPÍTULO

15
Miastenia gravis
Carlos Eduardo Levischi Júnior / Rodrigo Olívio Sabbion

A MG não é rara, com prevalência de 1/10.000, poden-


1. Introdução do acometer pessoas de qualquer grupo etário, com picos
A Miastenia Gravis (MG) é um distúrbio neuromuscular ca- de incidência em mulheres entre 20 e 30 anos e em homens
racterizado por déficit motor e fatigabilidade da musculatura entre 50 e 60 anos.
esquelética. Consiste em uma doença crônica autoimune re- No paciente miastênico, a menor eficiência da trans-
sultante da ação de anticorpos contra os receptores nicotíni- missão neuromuscular, combinada com a exaustão pré-
cos pós-sinápticos de acetilcolina na junção neuromuscular, o -sináptica normal, resulta na ativação de um número cada
que resulta na diminuição das transmissões neuromusculares vez menor de fibras musculares pelos sucessivos impulsos
dos músculos e causa sintomatologia, que vão desde sintomas nervosos e daí aumenta a fraqueza, ou fadiga miastênica.
insidiosos até “crises miastênicas” (quando há comprometi- A musculatura esquelética é envolvida, classicamente, de
mento dos músculos respiratórios com consequente dispneia acordo com distribuição mais comum, sendo esta a ptose
importante). Devido a esse fato, foi criada uma escala para palpebral, que, inclusive, é o único sintoma em 15% dos pa-
qualificar os sintomas e quantificar a gravidade da doença, cientes.
chamada “escala de Osserman”, que pontua a doença de acor- O mecanismo pelo qual a resposta imune é iniciada e
do com a gravidade dos sintomas apresentados. mantida na MG ainda não é bem esclarecido, mas o timo
parece desempenhar um papel importante nesse processo.
Tabela 1 - Escala da Osserman
Sabe-se que o timo se mostra anormal em 75% dos pacien-
Classificação Sintomas tes, e 10% dos pacientes apresentam tumores associados
0 Assintomático. (timomas).
1 Sintomas oculares.
2 Generalizada leve com lenta progressão, sem 2. Diagnóstico
crises, responsiva às drogas.
3 Generalizada moderada.
A - Clínico
4 Fulminante, aguda, com insuficiência respiratória.
O quadro principal é de fraqueza e fatigabilidade mus-
cular. A fraqueza aumenta durante o exercício repetitivo e
pode diminuir depois de um período de repouso ou de sono
(aspecto flutuante). Durante os primeiros anos de doença,
podem ocorrer exacerbações e remissões, dificultando, às
vezes, o diagnóstico e a possível indicação de uma interven-
ção cirúrgica.
A distribuição da fraqueza muscular tem um padrão
característico. A musculatura extraocular, sobretudo das
pálpebras, geralmente é a 1ª a ser acometida, gerando um
quadro de diplopia e ptose. A dificuldade à deglutição pode
Figura 1 - Sintomas oculares ao final do dia decorrer da fraqueza do palato, da língua ou da faringe,
dando origem à regurgitação nasal ou à aspiração de líqui-
Ao exame físico, as alterações encontradas são limitadas dos ou de alimentos. O déficit motor em membros é mui-
ao sistema motor, sem perda de reflexos ou alterações na tas vezes proximal e pode ser assimétrico, com preservação
coordenação motora. dos reflexos tendíneos profundos.

230
MIASTENIA GRAVIS

Figura 2 - Junção neuromuscular normal

CIRURGIA TORÁCICA
Figura 3 - Junção muscular com miastenia

B - Eletroneuromiografia E - Tomografia de tórax


Cerca de 75% dos pacientes miastênicos apresentam
A estimulação nervosa repetitiva geralmente assegura a
anormalidades no tecido tímico, sendo a mais comum a
possibilidade diagnóstica na MG. A anticolinesterase deve
hiperplasia folicular linfoide. Porém, 10 a 20% apresentam
ser interrompida pelo menos 6 horas antes do exame. Nos
associação a timomas, sendo por isso realizada, de rotina,
miastênicos, há uma redução rápida (decremento) de am-
a investigação de tumores mediastinais nesses indivíduos.
plitude das respostas evocadas de mais de 10 a 15% em re-
lação aos estímulos elétricos repetidos.

C - Teste farmacológico
O examinador deve focalizar 1 ou mais grupos muscu-
lares fracos e avaliar sua força objetivamente (ex.: fraqueza
dos músculos extraoculares). Por meio da administração de
anticolinesterásicos (edrofônio, neostigmina), avalia-se a
melhora definida em relação ao quadro inicial.

D - Testes imunológicos
Os anticorpos antirreceptores de acetilcolina são detec-
tados no soro de aproximadamente 80% dos miastênicos.
Não há relação entre o nível sérico de anticorpos e a gravi-
dade da doença. Figura 4 - Timoma na TC tórax

231
CI RUR G I A TOR Á CICA

F - Avaliação tireoidiana - Pacientes com intolerância a outras formas de tratamento


(efeitos colaterais importantes à corticoterapia crônica);
O hipertireoidismo pode ocorrer em 3 a 8% dos pacien-
- Pacientes com sintomas controlados dependentes de elevada
tes com MG e pode agravar a fraqueza miastênica.
dosagem de corticosteroides e mais de 1 ano de tratamento
clínico.
3. Tratamento
4. Timectomia
A - Sintomático Diversas técnicas têm sido descritas para a realização da
O uso de anticolinesterásicos alivia os sintomas na timectomia. Porém, a ressecção de todo tecido tímico, bem
maioria dos miastênicos. A piridostigmina oral é o mais am- como em seus sítios ectópicos, é o tratamento de escolha
plamente utilizado. Inicia-se com uma dose moderada de com melhores resultados em relação à remissão dos sinto-
60mg, 3 a 5x/dia, adaptando a dose às necessidades dos mas e menor dependência de drogas imunossupressoras,
pacientes. São possíveis efeitos colaterais diarreia, cólica podendo ser realizada ressecção por esternotomia total,
abdominal, salivação e náusea que podem limitar a dosa- esternotomia parcial, videotoracoscopia ou mesmo cirurgia
gem diária. por meio de robótica.
Tabela 3 - Principais localizações de timo ectópico e vias de abor-
B - Etiológico dagem cirúrgica
Locais de timo ectópico
a) Clínico
- Janela aortopulmonar: 6,9%;
O uso de esteroides e de imunossupressores é eficaz - Gordura peritímica: 6,9%;
em quase todos os pacientes com MG. Os glicocorticoides
- Gordura pericardiofrênica direita: 5,2%;
são mais amplamente utilizados (prednisona), e devem-
- Gordura pericardiofrênica esquerda: 3,5%;
-se utilizar doses progressivas de acordo com a resposta
clínica do tratamento. Em geral, tem-se uma resposta sa- - Recesso aortocaval: 3,5%.
tisfatória dentro de alguns meses; algumas vezes, depois Possíveis formas de abordagem cirúrgica
desse período, consegue-se diminuir a dose mínima diária - Transcervical (videoassistida ou não);
eficaz para controlar os sintomas. Porém, poucos conse- - Transesternal (total ou parcial);
guem ficar sem a medicação, devendo-se assim atentar - Videotoracoscopia (subxifoide, bilateral, direita ou esquerda);
para os possíveis efeitos colaterais do uso crônico dos gli- - Transcervical e esternal (timectomia máxima).
cocorticoides.
Outros imunossupressores utilizados são a azatioprina,
a ciclofosfamida e a ciclosporina. A plasmaférese ou a admi- - Cuidados perioperatórios
nistração de gamaglobulinas pode ser realizada em algumas O preparo pré-operatório em se tratando de MG deve
situações, como pacientes em crise miastênica aguda grave ser rigoroso, com o objetivo de deixar os pacientes o mais
com importante insuficiência respiratória, ou em preparo estável possível em relação aos sintomas motores. Para
pré-operatório para timectomia. isso, em alguns casos de difícil controle com imunossupres-
sores, são preparados com plasmaférese ou gamaglobulina
b) Cirúrgico dias antes da operação.
Nos pacientes com timoma, deve-se realizar a ressec- Deve haver uma equipe treinada (cirurgiões, aneste-
ção cirúrgica sempre que possível com esvaziamento de sistas, intensivistas e neurologistas) com o intuito de mini-
todo o tecido no espaço pré-pericárdico. Nos casos mais mizar ao máximo as chances de uma crise miastênica ou
avançados, deve-se associar radioterapia complementar, colinérgica no pós-operatório. Com esse objetivo, algumas
reservando a quimioterapia a casos selecionados de acordo medidas são importantes, como:
com o grau de invasão a órgãos adjacentes ou metástases - Evitar o uso de benzodiazepínicos;
a distância. - Evitar o uso de bloqueadores neuromusculares no in-
Nos pacientes sem evidência clínica ou radiológica de traoperatório;
timoma, a timectomia pode ser indicada como alternativa - Reduzir de 30 a 50% os anticolinesterásicos a partir do
de tratamento em situações específicas, como: pós-operatório imediato;
- Manter a mesma dosagem de corticosteroide até, pelo
Tabela 2 - Indicações de timectomia menos, a 3ª semana.
- Formas clínicas generalizadas de difícil controle;
- Evolução rápida para sintomas generalizados;
- Pacientes pós-púberes e idade <60 anos;

232
CAPÍTULO

16
Algoritmos de conduta
Carlos Eduardo Levischi Júnior / Rodrigo Olívio Sabbion

NPS à TC com risco moderado ou alto de ser neoplasia


1. Introdução + paciente com alto risco cirúrgico: biópsia pré-operatória
Para facilitar o estudo, seguem alguns algoritmos de (transtorácica por TC ou broncoscópica).
conduta em alguns tópicos de cirurgia torácica. Levando em NPS à TC com risco moderado ou alto de ser neoplasia
conta que condutas, de um modo geral, possuem particula- + paciente baixo ou moderado risco cirúrgico: ressecção ci-
ridades em cada serviço. rúrgica.
Exames de estadiamento e pré-operatórios.
Importante:
- Nódulo pulmonar solitário: opacidade esférica ou ovalada, de - Cirurgia:
limites bem definidos ≤3cm no maior eixo, única e sem linfono- • Lobectomia pulmonar com linfadenectomia hilar e
domegalias hilares ou mediastinais; mediastinal.
- Massa pulmonar: opacidade de limites bem definidos >3cm no
maior eixo, única; • Ressecções sublobares em situações especiais:
- Acometimento linfonodal clínico: linfonodos hilares ou me- * Paciente sem reserva pulmonar para lobectomia;
diastinais >1cm no seu menor eixo ou que sejam captantes à
PET-CT; * Idosos ≥70 anos e NPS ≤2cm.
- Comprometimento mediastinal em zona única: acometimento
linfonodal restrito a uma zona mediastinal; C - Massa pulmonar ressecável (T2 e T3) sem
- Comprometimento mediastinal em zonas múltiplas: acometi- diagnóstico e PET-CT com mediastino normal
mento linfonodal de mais de uma zona mediastinal;
- Comprometimento mediastinal extracapsular: acometimento - Biópsia pré-operatória por broncoscopia ou transtorá-
linfonodal grosseiro no qual não se identifica plano separando cica guiada por TC;
a linfonodomegalia das estruturas mediastinais; - Exames de estadiamento e pré-operatórios;
- Comprometimento mediastinal bulky: massa linfonodal gros-
seira por coalescência de múltiplas linfonodomegalias adjacen-
- Cirurgia: lobectomia pulmonar com linfadenectomia
hilar e mediastinal.
tes, podendo acometer mais de 1 zona.

D - Massa pulmonar ressecável (T2 e T3) sem ou


2. Algoritmos com diagnóstico e PET-CT positivo no me-
diastino
A - Nódulo Pulmonar Solitário (NPS) <1cm - Confirmar diagnóstico de CPNPC pelo mediastino:
- Geralmente incaracterístico. • EBUS;
- Seguimento TC em 3 (ou 6) meses: • EUS;
• Aumento → biópsia ou cirurgia; • Mediastinoscopia.
• Estável → mantém seguimento; - Se o diagnóstico de CNPC for confirmado, será ne-
• Diminuição → alta. cessário discutir quimioterapia/radioterapia neoad-
- Totalmente calcificado: alta. juvantes.

B - Nódulo pulmonar solitário ≥1cm sem E - Tumor do sulco superior (Pancoast) sem aco-
diagnóstico metimento linfonodal mediastinal
NPS com baixo risco à TC de ser neoplasia: seguimento - Biópsia (transtorácica por TC ou broncoscópica) e exa-
TC em 3 meses. mes de estadiamento;

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CI RUR G I A TOR Á CICA

- Radioterapia + quimioterapia neoadjuvantes;


- Novos exames de estadiamento e pré-operatórios;
- Estadiamento cirúrgico do mediastino independente
da PET-CT;
- N0 ou N1: ressecção cirúrgica;
- N2 ou N3: tratamento oncológico.
F - Tumores do mediastino anterior
- Exame para definição cirúrgica: tomografia computa-
dorizada;
- Biópsia percutânea: a critério clínico, principalmente
quando a ressecabilidade é duvidosa na avaliação dos
exames de imagem ou nos casos suspeitos de doenças
linfoproliferativas;
- Acesso: esternotomia, toracotomia ou VATS depen-
dendo do estudo de imagem.

G - Tumores do mediastino médio


- Exame para definição de tratamento: tomografia com-
putadorizada;
- Avaliação da necessidade de ressecção (cistos) ou so-
mente biópsia;
- Acesso: discussão caso a caso da opção de videotora-
coscopia, mediastinoscopia ou métodos ecoendoscó-
picos.

H - Tumores do mediastino posterior


- Exame para definição de tratamento: tomografia
computadorizada;
- Ressonância magnética: nos casos suspeitos de aco-
metimento do forame intervertebral, corpo vertebral
ou medula;
- Biópsia percutânea: a critério clínico, principalmente
nas lesões maiores, nas quais a ressecabilidade é du-
vidosa;
- Acesso: com base em achados tomográficos, toracoto-
mia ou videotoracoscopia.
Sempre fazer o diagnóstico da lesão.
No estadiamento, sempre pesquisar o maior deles, ou
seja, se houver suspeita de lesões metastáticas, dar prefe-
rência a elas para biópsia.
O que manda na cirurgia é o N.

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