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Anais do IX Fórum de Pesquisa em Arte.

Curitiba: ArtEmbap, 2013.

O CANTO NA AULA DE MÚSICA:


REFLEXÕES SOBRE UMA PRÁTICA EM UMA ESCOLA PÚBLICA

Teresa Mateiro1
teresa.mateiro@udesc.br

Marisleusa de Souza Egg2


marisleusa@ig.com.br

Resumo
O objetivo desta pesquisa foi investigar o uso do canto na aula de música de uma
turma de 6º ano de uma escola pública da cidade de Curitiba. Os dados foram
coletados através de filmagens das aulas por meio da observação não participante. O
canto foi utilizado nas aulas de música como um recurso pedagógico para a
aprendizagem das melodias a serem tocadas na flauta doce e, em alguns momentos,
para a aprendizagem de elementos musicais básicos. Concluiu-se que o professor
necessita de um preparo específico para trabalhar com a voz do público infantil, pois
ele é o modelo vocal em sala de aula. Para tanto, constatou-se que investir na
formação continuada dos professores acerca deste assunto é de grande importância,
expandindo os horizontes sobre o uso da voz e as implicações destes modelos quanto
ao desenvolvimento vocal dos alunos do ensino fundamental.

Palavras-chave: Aula de música; Ensino do canto; Formação do professor.

Abstract
This research investigates the use of singing in music class with students 11-13 years
old in a classroom of a public school in the city of Curitiba/Brazil. The data were
collected by videotaping classes in a non-participant observation manner. The singing
was used in music classes as a pedagogical resource for learning melodies to be
played on recorder and, at times, to learn basic musical elements. We found that
teachers need a specific training to work with the children’s and teenagers’ voices, as
they are the vocal role-models in the classroom. Therefore, promoting further teachers’
education on this subject is of great importance, as well as expanding the horizons on
the use of the voice, and the awareness of the implications of the teacher as a role-
model for the vocal development of school students.

Keywords: Music Classes; Singing Teaching; Teacher’s Education

1
Doutora em Filosofia e Ciências da Educação Educação Musical pela Universidad del País Vasco
(Espanha), Mestre em Educação Musical e licenciada em Educação Artística com Habilitação em Música
pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. É professora do Departamento de Música da
Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) e da Escola de Música, Arte e Teatro da Örebro
University (Suécia). Atua também como professora do curso de Música-Licenciatura a distância da
Universidade Aberta do Brasil/Universidade de Brasília (UAB/UnB)
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Professora de música, integrante do Grupo de Pesquisa Educação Musical e Formação Docente,
vinculado à Udesc.

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INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho é refletir sobre as observações realizadas nas aulas


de música de uma turma de 6º ano de uma escola pública, da cidade de Curitiba.
Entre os aspectos em potencial a serem explorados, foi escolhido o canto, tendo como
questão de pesquisa: de que forma a atividade do canto se desenvolveu nas aulas de
música? Este trabalho faz parte de uma pesquisa mais ampla que tem como finalidade
analisar aulas de música, enquanto componentes curriculares em escolas da rede
pública de ensino, sob perspectivas culturais e educacionais.
Trabalhos produzidos na área de educação musical têm apontado o canto
como uma atividade presente tanto nas práticas escolares quanto nas aulas de
música. Pode-se observar a associação entre as instituições escolares e suas práticas
cantadas (FUCKS, 1993), entre o canto e a formação de indivíduos com espírito
coletivo, patriota e cívico3 (SOUZA, 1991; FUCCI-AMATO, 2012), entre os processos
de ensino e aprendizagem na educação infantil (PINTO, 1988; GUIMARÃES, 1999;
SPECHT, 2007; MACEDO, 2008) e no ensino fundamental (SOUZA, 1992; FÉLIX,
1997; IWAMOTO, 2010), ou, ainda, entre a formação dos professores e suas
concepções sobre a aula de música nos primeiros anos do ensino fundamental
(PINTO, 1988; SOUZA, et al., 2002; BELLOCHIO, 2000).
Fucks (1993), em seu estudo sobre a prática musical da escola pública do Rio
de Janeiro, analisa o lugar ocupado pelo canto escolar e sua relação com o agente
que o promove. Constata que “a escola pública sempre cantou, mas a tarefa de
conduzir esse canto nem sempre coube ao professor” (p. 154). Nesse sentido, os
resultados da pesquisa de Souza et al. (2002) mostram que as práticas musicais, e
entre elas o canto, sempre estiveram presentes no contexto escolar, apesar da
ausência da música como disciplina ou conteúdo obrigatório no currículo das escolas
de educação básica. Esse trabalho foi realizado com quatro instituições das cidades
de Porto Alegre, Florianópolis e Salvador, durante os anos de 1996 a 1998.
A presença do canto marca os anos 30 e parte dos 40 do século XX por meio
do programa de educação musical de Villa-Lobos, conhecido como Canto Orfeônico.
Souza (1991) ressalta que a função principal dessas canções era provocar um forte
apelo ao sentimento nacionalista e promover a aprovação das decisões políticas do
governo. O repertório de canções demonstrava objetivos claros, cultuando a pátria, a
figura do presidente e exaltando a nação brasileira. Além disso, estavam presentes a
“insistente propaganda política, o disciplinamento dos alunos, o povo brasileiro e a

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Ver outros trabalhos como: Lucas (1991), Santos (1998), Avancini (2001), Guimarães (2003) e Ávila
(2010).

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formação da consciência cívica” (p. 19). A autora relata que, ao perceber a utilidade do
canto coletivo na escola para os objetivos nacionalistas, Villa-Lobos encontrou uma
maneira de solucionar o problema da identidade com a pátria. Assim, naquele período
o canto tinha um caráter funcional, visto pela proposta oficial de uma educação moral
e cívica.
A pesquisa de Tourinho (1993) discute as várias funções e múltiplas
interpretações que podem ser dadas ao ensino da música na escola fundamental e
aponta que o canto é a atividade mais reconhecida e valorizada entre as demais
performáticas realizadas nas salas de aula. Souza et al. (2002) mencionaram que o
canto, a execução instrumental, a confecção de instrumentos, a audição/apreciação e
a composição poderiam ser atividades desenvolvidas pela educação musical escolar.
No entanto, mais uma vez, a ênfase foi dada às atividades de execução vocal.
Houve um momento na história da educação musical no país em que “as aulas
de música deixariam, aos poucos, de ser cantadas” (FUCKS, 1993, p. 146), em
consequência tanto da contestação ao canto orfeônico quanto do movimento das
novas propostas pedagógicas voltadas para a educação artística. Gradativamente, a
música foi perdendo o seu espaço na sala de aula, mas, de uma forma ou de outra,
continuou presente no cotidiano escolar (SOUZA, et al., 2002), tanto que, de acordo
com Fucks (1993, p. 148) “apesar do professor de música haver silenciado a sua
prática cantada, a escola continua a priorizar o seu canto”.
Frente ao exposto, pergunta-se como se encontra a música no currículo
escolar após a implementação da Lei nº 11.769 de 18 agosto de 2008, que alterou a
Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, para
dispor sobre a obrigatoriedade do conteúdo de música na educação básica. E,
consequentemente, o que acontece nas aulas de música. Este trabalho discute
apenas uma pequena parte dessa abrangente questão: o canto nas aulas de música.

O PROFESSOR E O ENSINO DO CANTO NA EDUCAÇÃO BÁSICA

Apesar de ter uma enorme utilização no espaço escolar, o canto tem sido pouco
usado em situações de ensino e aprendizagem como, por exemplo, para explorar
aspectos da música ou para outras formas diversas de produção vocal, afirma
Tourinho (1993). A autora acrescenta que o canto na sala de aula tem sido pensado
“sem concebê-lo como meio para a compreensão mais ampla de conceitos musicais e
sem analisá-los como uma ação poderosa que serve para fins variados e

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contrastantes” (TOURINHO, 1993, p. 95-96). Fucks (1993) ressalta que os aspectos


musicais e extramusicais são indissociáveis no canto escolar.
O modo como o canto é desenvolvido em sala de aula pode ser explicado pelo
tipo de formação que se oferece aos professores, destaca Tourinho (1993). Figueiredo
(2004) concorda com esse pensamento quando escreve sobre o escasso acesso dos
professores generalistas ao conhecimento musical e sobre o pouco enfoque dado à
área do canto nos cursos de Licenciatura em Música, que quase sempre estão
voltados ao estudo de um instrumento e/ou ao canto coral. Tais formações não são
condizentes com as habilidades necessárias para a condução da atividade de cantar
em sala de aula.
Specht (2007) levanta a hipótese de que um dos motivos de se cantar menos
na escola se dá pelo despreparo vocal do professor, que pouco cantou na escola e
não teve informações durante sua formação pedagógica, criando, assim, um círculo
vicioso relacionado ao conhecimento vocal e musical. O professor necessita de
subsídios técnicos essenciais para compreender o funcionamento da voz, conforme
esclarece a autora. Ao conhecer o seu aparelho fonador e a fisiologia da voz, o
professor obterá novas possibilidades em sua emissão vocal. Specht aponta que a voz
não trabalhada fica limitada ou pode inibir os sons que o cantor quer externar. Todo
esse conhecimento vocal fornecerá as bases de um cantar saudável, seguro, criativo e
com qualidade para o desenvolvimento de atividades com o canto em sala de aula.
Egg (2011) discute sobre a necessidade de formação do professor no que diz
respeito à utilização do canto e seu desenvolvimento na sala de aula, constatando que
o professor funciona como modelo vocal em diferentes momentos no espaço escolar.
A criança tem, naturalmente, a característica de imitar o que ouve e este trabalho trata
da importância de o professor conhecer os princípios sobre a formação da voz infantil.
A autora ressalta contribuições relevantes sobre o canto ao considerar que é a forma
mais completa para o desenvolvimento musical, pois além de ser uma expressão
musical acessível e primordial ao alcance de todos, o canto ainda colabora no
desenvolvimento das habilidades vocais gerais da criança, auxilia no desenvolvimento
da voz falada e contribui para o treinamento da memória, concentração e autocontrole,
bem como auxilia na formação musical e na fixação de conteúdos.
De acordo com Ilari (2003), o canto faz parte da musicalização de crianças em
todas as partes do mundo e o período escolar é exatamente a idade que elas devem
ser estimuladas a desenvolvê-lo. O ato de cantar, espontaneamente ou de forma
dirigida em sala de aula, pode ativar os sistemas da linguagem, da memória e da
ordenação sequencial, sistemas que são vitais para o desenvolvimento cognitivo
infantil.

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Ferreira (2007) investigou os aspectos indicativos da influência da performance


vocal no desenvolvimento das funções cognitivas e comunicativas da linguagem oral
da criança. A autora discorre sobre o desempenho e domínio da voz na emissão
sonora, no que diz respeito ao seu uso correto, saudável, estético e musical, seja na
voz falada ou cantada, envolvendo aspectos técnicos, expressivos e cognitivos. Outro
ponto relevante é a escolha do repertório e sua prática, conforme certos requisitos de
performance vocal, que podem colaborar ou influenciar no desenvolvimento da
linguagem. Ao confirmar essa hipótese, a autora coloca o canto no mesmo nível de
importância da fala para a educação infantil.

DELINEAMENTO METODOLÓGICO

O objeto de estudo desta pesquisa foram as aulas de música curriculares de


uma escola pública, uma vez que se pretendeu investigar de que forma se desenvolve
a atividade de cantar durante as aulas. A busca por uma escola aconteceu por
intermédio da Secretaria Municipal de Educação, que selecionou a instituição
conforme os critérios justificados no projeto de pesquisa enviado: escola que ofereça
aulas de música como disciplina curricular, para séries do ensino fundamental
ministradas por um(a) professor(a) especialista.
As duas turmas selecionadas para a pesquisa, entre outras sugeridas pela
professora de música da escola, atenderam aos requisitos: eram turmas entre o 4º e
6º ano, anos preferenciais para o estudo em questão4, assim como a disponibilidade
de horário das pesquisadoras. Ressalta-se, entretanto, que para o presente trabalho
foram analisadas as aulas de uma das turmas: um 6º ano, com 29 alunos, com idade
média entre 11 e 13 anos.
Após os contatos via telefone e correio eletrônico com a escola e a professora,
iniciou-se o período da coleta de dados que foi realizada em momentos distintos,
porém complementares: visita à escola e observação das aulas. A visita à escola teve
como principal objetivo conhecer o ambiente, a infraestrutura, o corpo docente e
discente, a direção e os funcionários.
O uso de técnicas de observação foi fundamental, pois possibilitou o contato
direto com a realidade da sala de aula. As aulas, com duração de 45 minutos, foram
observadas e gravadas em vídeo de forma contínua, durante cinco semanas. O papel

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Aulas de música de outras escolas em cidades diferentes fazem parte da pesquisa mencionada e, por
isso, as turmas participantes são entre 4º e 6º anos.

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desempenhado pelo investigador durante as observações foi o de observador


participante (LÜDKE; ANDRÉ, 1986), ou seja, ele registrou os acontecimentos sem
relacionar-se com os alunos e com a professora. Para outros autores (FLICK, 2004;
TRIVIÑOS, 1994) essa forma de observar é denominada como observação não
participante por ser uma observação natural, durante a qual o pesquisador permanece
passivo e não se envolve com o desenrolar dos acontecimentos.
As gravações em vídeo foram transcritas cuidadosamente, com ausência de
pontos de vista particulares, assim como de qualquer tipo de comentários, atendo-se a
descrever unicamente o desenrolar dos acontecimentos nas aulas e sem a
preocupação de uma transcrição extremamente literal. Optou-se por transcrever a
filmagem através do sistema de minutagem, ou seja, organizando os acontecimentos
da aula cronologicamente. Em seguida, o material foi revisado por duas pessoas
diferentes, pertencentes ao grupo de pesquisa 5 . Esse trabalho de transcrição de
vídeos e revisão foi fundamentado, principalmente, em Loizos (2004) e Rose (2004).
Para o processo de análise seguiram-se as fases propostas por Maroy (1997):
primeiro, a redução de todo o material bruto, depois a organização e sua interpretação
e, por fim, a verificação. Tais etapas exigiram a leitura e releitura dos dados,
permitindo, assim, a reflexão sobre o material recolhido e o constante retorno aos
objetivos principais e iniciais da pesquisa. Utilizando as palavras de Gaskell (2004, p.
85): “o objetivo amplo da análise é procurar sentidos e compreensão. O que é
realmente falado constitui os dados, mas a análise deve ir além da aceitação deste
valor aparente. A procura é por temas com conteúdo comum e pelas funções destes
temas”.
Tendo a aula de música como tema central, os dados foram, então,
organizados nas seguintes categorias: repertório, conteúdo, flauta doce, canto,
aspectos técnicos e musicais, professora e alunos. Neste artigo, serão apresentados e
discutidos os resultados parciais referentes à categoria canto. Nessa categoria foram
inseridos todos os trechos transcritos das cinco aulas observadas que descrevem
momentos em que a execução vocal estava sendo desenvolvida, ou seja, quando a
professora ensinava alguma canção ou dava algum exemplo musical por meio da voz
cantada e quando os alunos cantavam.

5
Educação Musical e Formação Docente: o grupo integra o Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil
na Plataforma Lattes do CNPq, sob a coordenação da Profa. Doutora Teresa Mateiro.

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APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS DADOS

Ao analisar os vídeos gravados, a forma como a professora organizou as aulas


a partir do repertório do ensino da flauta doce chamou a atenção. O material utilizado
pela professora é baseado no livro Canto e flauta doce, de autoria de Walmir
Marcelino Teixeira (TEIXEIRA, 2008)6. Apesar de o foco ser o ensino da flauta doce, o
canto perpassou todas as aulas observadas, pois, em vários momentos, a professora
utilizou a voz cantada para demonstrar algum exemplo de conceito musical ou para
reforçar a melodia que estava sendo trabalhada no instrumento.
Tourinho (1993) ressalta que ensinar música por meio da voz é um artifício
pouco utilizado pelos professores. Durante as cinco aulas observadas, algumas vezes
a professora utilizou o canto explorando aspectos musicais. Em uma das aulas,
cantou a escala de Dó Maior, explicando esse assunto para os alunos. Na mesma
aula, ela deu exemplos de sons graves e agudos, cantando uma escala ascendente e
descendente, iniciando na nota Sol 2 e terminando no Sol 3, completando uma oitava.
A tonalidade de Sol Maior pareceu ser a adotada pela professora para os exemplos
vocais.
As canções utilizadas durante as aulas eram de repertório variado, incluindo
músicas populares brasileiras e do cancioneiro infantil: Minha Canção (L. Enriquez –
trad. e adapt. de Chico Buarque), Canto do povo de um lugar (Caetano Veloso),
Orquestra (Anônimo), As mocinhas da cidade (Belarmino e Gabriela), Pão quentinho e
Bamba-lalão (Folclore). A música Minha Canção foi cantada pela professora enquanto
os alunos tocavam a melodia na flauta doce. Por não se sentir confortável com a
tonalidade da flauta, durante a execução da música, a professora passou a cantar uma
oitava abaixo (Dó 3 para a melodia da flauta e Dó 2 transposta pela professora). Por
vezes, o canto foi utilizado para recordar a melodia de uma música, como o que
aconteceu na aula em que a professora e os alunos cantaram a canção de Caetano
Veloso antes de tocar no instrumento.
As melodias eram tocadas pelos alunos de memória, sem o auxílio da partitura.
Assim, as canções foram, inicialmente, ensinadas pela professora por meio do canto.
Os alunos memorizaram as canções para, em seguida, tocar na flauta doce. Às vezes,
a professora utilizava outros procedimentos metodológicos, como escrever por
extenso as notas no quadro (sol-lá-si-dó) e reforçar a aprendizagem do ritmo a partir
da melodia cantada. Percebeu-se que o ato de cantar as músicas reforçava a

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Esse livro se deve a uma iniciativa do governo do estado do Paraná em estabelecer um programa de
aula de música em torno do instrumento e do canto.

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memorização e a aprendizagem, complementando a experiência com o instrumento.


Isso evidencia o que foi apontado por Ilari (2003), que defende que o canto pode ativar
os sistemas da linguagem, da memória e da ordenação sequencial.
Outra forma evidenciada de utilização do canto foi que, enquanto os alunos
tocavam a flauta, a professora cantava a melodia. Interpretamos esse “cantar junto”
como uma forma de auxiliar os alunos a não se perderem na execução melódica e
rítmica das canções. Entretanto, a professora, frequentemente, cantava uma oitava
abaixo por não se sentir confortável com a tonalidade original proposta no material
didático que, geralmente, encontra-se entre o Sol 3 e o Ré 4.
Essa prática de transposição revelou que a tonalidade adotada pela professora
dificultou a execução por parte dos alunos, pois estava em uma região muito grave,
não adequada à tessitura do grupo. Na terceira aula, observou-se outro exemplo: os
alunos não alcançavam algumas notas ao cantarem (por exemplo, Lá 3), apesar de
ser uma região confortável para a voz infantil e, consequentemente, cantavam
gritando. Em ambos os momentos, nos remetemos ao debate sobre a importância de
o professor conhecer os princípios acerca da formação da voz infantil (EGG, 2011) e
compreender o seu funcionamento (SPECHT, 2007). De um lado, o exemplo vocal é
essencial para os alunos e, de outro, propor formas para desenvolver a voz infantil são
técnicas didáticas fundamentais para as aulas de música.
Mársico (1982, p. 83) ressalta que “o desenvolvimento da audição e da voz vai
depender dos bons exemplos e modelos que lhes forem propostos, da organização
sequencial das canções, dos exercícios e atividades e de sua sistematização, bem
como da formação de hábitos auditivos”. O aluno precisa aprender a ouvir. Portanto,
como as canções são ensinadas por audição, isto é, por imitação do modelo
apresentado, é importante que o(a) professor(a), como recurso pedagógico, adapte
seu registro vocal ao do aluno, cantando na tessitura que convém ao grupo, conclui a
autora.
Nesse sentido, Specht (2007) afirma que o conhecimento vocal fornece as
bases de um cantar saudável, seguro e com qualidade para o desenvolvimento de
atividades com o canto em sala de aula. Outro ponto de debate é a escolha do
repertório. Ferreira (2007, p. 76), ao tratar sobre o canto como recurso pedagógico na
educação infantil e no ensino fundamental, afirma que “a influência da performance
vocal no desenvolvimento oral da criança [...] através do canto, está diretamente
associada à qualidade do repertório, considerando aspectos técnicos e expressivos”.
Na aula de música analisada neste trabalho verificou-se a adequação do repertório
tanto para sua execução na flauta doce quanto para cantar, uma vez que as canções

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foram tocadas entre o Sol 3 e o Ré 4, região considerada confortável para crianças


entre 5 a 11 anos de idade.
Estudos sobre extensão e tessitura das crianças apontam várias conclusões e
variam conforme o autor e os objetivos ou o tipo de aula de que se trata. Pensando
num contexto mais específico de aula de música e baseando-se em estudos de
autores norte-americanos, Carnassale (1995) apresenta um quadro de tessituras que
variam conforme a idade e que ficam no âmbito de Ré até Lá, para crianças de 7 anos
e de Ré a Ré para a idade de 11 anos, conforme apresentado na Figura 1.

Figura 1: Tessituras indicadas por Carnassale (1995), para crianças de 7 e 11 anos.

Carnassale (1995, p. 85) diferencia “extensão” de “tessitura”, sendo o primeiro


termo usado para as notas que os alunos são capazes de atingir em exercícios vocais
e preferindo “tessitura” como o âmbito de notas que as crianças são capazes de
executar com dicção, ou seja, no contexto de uma canção. Considera também que “a
tessitura das crianças é consideravelmente menor do que sua extensão, tendendo a
aumentar com o treino e a maturação do aparelho fonador”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho apresentou e discutiu resultados parciais acerca do canto nas


aulas de música. Buscou-se perceber de que forma a atividade de cantar se
desenvolveu, durante as aulas de música, na turma do 6º ano de uma escola pública
da cidade de Curitiba. Respondendo à questão de pesquisa é possível afirmar que, de
um lado, a professora utilizou a voz cantada para dar exemplos de conceitos musicais
e, de outro, os alunos aprenderam as canções que tocavam na flauta doce por meio
do canto. Em ambos os casos, cantar foi um recurso pedagógico.
A utilização do canto e da flauta doce nas aulas observadas justifica-se pela
adoção do livro de Teixeira (2008). Ao apresentar as duas propostas de aprendizagem
no material didático, o autor considerou apropriada a relação da flauta doce com a
extensão vocal do público infanto juvenil. As atividades são apresentadas de forma
que se faz necessária a intervenção da professora para mediar as práticas cantadas.
Nesse sentido, observou-se que a abordagem adotada ao direcionar o canto nem

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sempre seguiu o recomendado no material que a professora tinha em mãos, pois a


escolha de tonalidades em regiões graves dificultou, por vezes, a execução vocal dos
alunos.
Outra questão é a da memória musical ou, mais especificamente, da memória
vocal (de intervalos) que necessita de tempo, experiência e bons exemplos para
adquirir independência. A voz reproduz o que ouve, evidentemente, o aluno canta o
que escuta. Tendo um bom modelo vocal, o aluno terá parâmetros para distinguir entre
o afinado ou não, se a tonalidade é a ideal ou não. Esses cuidados e outras
informações são adquiridos inconscientemente durante as atividades cantadas. Com o
tempo, o aluno adquire confiança e estará apto a mudar a tonalidade quando esta não
estiver no registro ideal para a sua voz, adquirindo subsídios para brincar,
experimentar, criar e inventar.
Uma simples canção, bem desenvolvida na aula de música, pode contribuir
para a compreensão de elementos básicos como: ritmo, tonalidade, fraseado,
estrutura musical, memória e outros. Nas aulas observadas verificou-se essa tentativa,
pois a professora, algumas vezes, explorou aspectos musicais por meio da voz
cantada. Fizeram parte do processo de ensino e aprendizagem os sons graves e
agudos, escalas ascendentes e descendentes, frases rítmicas e a relação entre a
melodia e o nome das notas musicais correspondentes. Musicalmente falando, o canto
tem muito a contribuir se bem explorado em sala de aula.
Os autores referenciados neste trabalho concordam em afirmar que a atividade
do canto em sala de aula é uma prática recorrente. Sendo tão importante na vida da
escola, é estratégico que o professor tenha um bom preparo para trabalhar a voz
infantil e juvenil, planejando as atividades de modo que elas tenham um bom resultado
pedagógico. Desse modo, o canto será mais do que apenas uma ferramenta ou um
canto funcional (SOUZA, 1991), contribuindo para o desenvolvimento vocal do aluno.
Foi possível observar que, por vezes, os exemplos vocais da professora
evidenciaram a necessidade de um preparo específico para se trabalhar com a voz
infantil que deveria partir do desenvolvimento da própria voz como modelo. Nesse
sentido, oferecer cursos de formação continuada seria de grande auxílio aos
professores especialistas e/ou generalistas. Essa questão é geral e comum nas
escolas, considerando que a própria formação docente durante os cursos de
graduação, sejam a Licenciatura em Música ou a Pedagogia, não privilegiam o estudo
da voz infantil e o desenvolvimento da voz do estudante ou do futuro professor.
Este estudo confirma a necessidade de ampliar o número de aulas de música,
pois o cantar é um fenômeno complexo. O papel do professor nesse contexto é
primordial para o desenvolvimento da voz infantil e, consequentemente, para o

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desenvolvimento musical do aluno. Constata-se que investir na formação continuada


dos professores da rede pública acerca deste assunto é de extrema importância,
expandindo os horizontes sobre o uso da voz e as implicações desses modelos quanto
ao desenvolvimento vocal dos alunos do ensino fundamental.

REFERÊNCIAS

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