Você está na página 1de 7

VIANNA, O. O idealismo da Constituição. 2. ed.

São Paulo: Companhia Editora


Nacional, 1939. 355 p.

Isadora Lemos, graduanda do Bacharelado em Ciência Política, UFPI

Oliveira Vianna procura trazer, nessa obra, a herança do Pensamento político


brasileiro que norteava a trajetória Constitucional do país até o dado momento.
Já de início enquadra a geração de pensadores do Império, em sua
esmagadora maioria, como “idealistas utópicos”, fadados a ignorarem a
trajetória, os costumes e as perspectivas do povo, falhando na realização da
finalidade suprema de toda organização política, segundo o autor: integral
realização do direito, no interior; no exterior, defesa da sociedade contra seus
inimigos.

Em contraposição ao primeiro tipo, o autor cria uma segunda espécie de


pensadores: os chamados “idealistas orgânicos”, que, por sua vez, têm seus
ideais calcados na evolução e organização reais da sociedade, almejando
simplesmente uma melhora do que existe na atualidade, prevendo uma
evolução natural e orgânica; e o apego ao idealismo utópico é o que nos levou
a, mesmo depois de mais de um século de independência, não termos ainda
uma definitiva organização social, política e econômica própria.

Dentre as causas do idealismo utópico estavam: a educação elementar feita


geralmente fora do país pelos jesuítas, que impossibilitava a objetividade e o
contato com a realidade necessária ao idealismo orgânico, trazendo para o
Brasil o caráter fortemente extra-nacional da sua cultura; a coincidencia
temporal entre a fase da nossa organização politica e o grande movimento de
reivindicação democrática (o federalismo americano, a democracia francesa e
o parlamentarismo inglês); o impacto dos "centros de polarização” e
redistribuição do idealismo político, a saber, as academias superiores, a
maçonaria, as "sociedades" e os “clubs” políticos, a alta imprensa política e as
"sociedades literárias".

Em seguida, Vianna procede à análise dos programas dos partidos liberais do


Império, que tinham como principal característica a aceitação da prerrogativa
monarquica, propondo, no entanto, mudanças que reduziam as possibilidades
de ação pessoal do monarca na administração; a organização das liberdades
civis; a organização da administração pública.

No Programa Lliberal de 31, observa-se grande preocupação com a


federalização do país e a proposta de descentralização, visto que, segundo o
autor, os ideólogos liberais recusavam-se a ver que o poder central era a
principal garantia das liberdades individuais; além da extinção do Poder
Moderador, do Conselho de Estado e da vitaliciedade do Senado.
Já no Programa do Partido Progressista de 62, observava-se uma tendência
mais “moderada”, um desejo de descentralização administrativa, e não política.
Não queriam também a extinção do Poder Moderador, mas a responsabilização
dos ministros pelos atos deste (visto pelo autor como um cerceamento do
Poder Moderador). Almejavam também eleições para o Parlamento para maior
representatividade, além da defesa das liberdades públicas através de uma
magistratura independente e separação da policia e do judiciário.

No Partido Radical de 68, por sua vez, o programa condenava o Poder


Moderador, o Conselho de Estado (que permanecia, mas virava mero auxiliar
administrativo, e não mais politico), a vitaliciedade do Senado, e a Guarda
Nacional. Promoviam o sufrágio direto e generalizado (no entanto censitário) e
a descentralização, movidos pelo espírito do self government.

Os republicanos de 70, no entanto, promoviam uma mistura entre ideais


republicanos, democratas e federativos, mas não possuíam plano detalhado e
preciso de Constituição e Governo.

Surge então a pergunta: onde está o mal culpado dos nossos fracassos
constitucionais? As respostas variam, perpassando a própria Constituição, a
centralização monárquica, a má organização do regime eleitoral, o Poder
Moderador, entre outros. Oliveira Vianna, no entanto, dá outra resposta: o
próprio povo. A estrutura e a mentalidade do povo brasileiro, que sempre se
baseia em jurisdições, idealismos e realidades alheias para entender a si
próprio, o leva a criar impressões erradas e promover soluções inadequadas
aos seus problemas.

O ponto a que chegamos nessa altura da análise é o de que éramos um povo


ainda em fase elementar de integração social, com estrutura fragmentada,
marcada pelos clãs patriarcais, não estando ainda preparados para os modelos
propostos. Não existia opinião pública consolidada e, se em alguns pontos
havia tolerância pelos costumes políticos, no norte ainda haviam povos
“barbarizados”. Deixá-los governar seria irresponsabilidade: seria entregar a
eles e ao país às oligarquias, risco que o Poder Moderador é encarregado de
evitar.

A política de clã já citada entranhava de tal forma na política que a chamada


“política de partidos” era vista por Oliveira Vianna como o reflexo do nosso
espírito de clã dentro dos domínios da vida pública e administrativa. Somente
resistiam à política de clã os “tipos de exceção”, uma minoria de homens
superiores intelectualmente, fora da mentalidade média do povo, provedores de
tudo que havia de significativo até o momento na nossa história.

Dá-se aí mais um motivo para a rejeição do autor dessas ideologias utópicas:


tratava-se de um liberalismo para o qual a população ainda não estava
preparada, trazendo à tona o contraste do quixotismo latino e sua admiração
pelo que é exógeno e o espírito de clã socialmente impregnado.

O autor propõe, por fim, a formulação de um sistema de freios e contrapesos


que tenha como objetivo, além dos fins essenciais de toda organização política,
neutralizar ou reduzir ao mínimo a ação nociva do espírito de clã do nosso
organismo político, e para isso precisamos antes de um intenso estudo
revisório do nosso povo e da nossa trajetória política.

Adiante, o autor critica a Constituinte Republicana pelos seus idealizadores:


eram esses marcados pela falta de solidez e clareza da ideologia (aspecto
presente na geração anterior), com programa e aspirações vagas, acreditando
ingenuamente no poder da escrita, construindo uma Constituição utópica com a
esperança de mudar uma nação inteira, além do mal já apontado de insistir em
traduzir soluções externas e alheias para problemas internos e particulares

No entanto, começa a surgir uma reação de aversão à esse modelo instituído,


que o autor afirma dever-se fatores de mudança como o momento histórico e
realidade da própria nação.

O primeiro por conta da falta de uma classe social que os encarnasse e da


situação econômica ainda abalada (especialmente no caso da aristocracia)
pela abolição da escravidão. Sendo assim, os que apoiavam o padrão
republicano eram apenas os que tinham cargos representativos ou
administrativos e que se beneficiavam desse modelo descentralizado, um mero
apoio por interesse.

O segundo motivo dava-se por desacordo entre os princípios da ideologia da


Constituinte e os princípios e condições psicológicas e estruturais do nosso
povo, traduzindo-se numa falta de dinamismo entre a ideologia constitucional e
a realidade nacional. As instituições criadas pela Constituição estavam
pautadas em pressupostos sem nenhuma objetividade, tal qual a própria Carta,
como a presunção da existência de opinião pública organizada, arregimentada
e militante, opinião essa que deveria revelar-se através dos partidos.

O que se via na realidade era que, diferentemente da sociedade inglesa, na


qual o povo tem maravilhosa organização e as fontes de opinião (associações
de classe e grupos militantes) tem impacto e são acessíveis à todos, aqui não
havia solidariedade de classe nem sentimento de interesse coletivo, não
havendo, por consequência, opinião pública organizada ou mesmo o espírito
ou as tradições democráticas.

Fato derivado disso era que os administradores, grandes beneficiados do


modelo instituído, faziam dos cargos públicos sua fonte de obtenção dos
interesses privados. Os clãs partidários (fortemente localistas) agiam em
contradição com o interesse geral porque este não era organizado e,
consequentemente, não se fazia valer no âmbito do poder publico.

Por falta de cobranças das classes, o presidente se torna um mero reprodutor-


assim como a ideologia que lá o colocou- das coisas de fora, mostrando isso
em seus projetos e programas governamentais. O problema, para Oliveira
Vianna, é que obrigamos os governos a serem patrióticos e estes ouviam os
interesses partidários (encontrando-se a população inerte) e cedendo à velha
política de clã.

Segundo o autor, o problema da nossa organização politica é muito mais


complexo do que o que se possa resolver com simples reformas
Constitucionais. Uma reforma política não é possível somente por meios
politicos, existem outros meios de modificar a vida politica de uma sociedade
que não seja a modificação de suas instituições jurídicas, tratando-se, no caso
brasileiro, de problema social e econômico, primeiramente. Tendo que a grande
massa eleitoral é rural e não tem independência de opinião, a mesma
encontrava-se incapaz de exigir seus direitos e vontades mesmo que os
reconhecesse. Devemos recorrer, portanto, a regimes menos belos e
harmônicos e mais convenientes e realistas.

Segue-se, a partir daí, o diagnóstico da situação brasileira até o golpe instituído


pela Carta de 1937 do Estado Novo varguista. O país encontrava-se, até o
momento, numa crise de soberania nacional, com os interesses fundamentais
da ordem comum e da integridade territorial em iminência de secessão. Via-se
necessário, segundo Vianna, um plano que estivesse de acordo com as
necessidades e a experiência acumuladas.

A orientação do golpe deu-se em três sentidos: o aumento do poder e da


competência da união; o primado do executivo federal em face dos outros; a
ampliação da base democrática do governo e da administração pública.

A nova organização dos poderes públicos federais se deu de tal forma que
ficaram constituídos: Presidente da República, Parlamento (Camara dos
Deputados e Conselho Federal), Supremo Tribunal Federal e Conselho da
Economia Nacional (de tipo corporativo e técnico).

Já a relação entre a União e os estados manteve a autonomia destes,


realocando, no entanto, algumas atribuições (como as organizações policiais
dos estados) e revestindo o Executivo de maior competência legislativa.Nessa
nova configuração, o presidente torna-se a peça mais importante, a autoridade
suprema do Estado. Este estava agora independente da formalidade da
autorização do Parlamento: possuía a prerrogativa de suspensão de direitos
constitucionais, dissolução da Câmara, pedido de pronunciamento das urnas,
detenção dos membros da Câmara e do Conselho Federal, etc.abandonando
sua posição de “refém” da necessidade de negociar com os grupos facciosos
que eram os partidos.

A partir daí evidencia-se principalmente o primado do Poder Executivo no


processo de elaboração das leis, agora com poderes ampliados no sentido de
regulamentação e de legislação, limitando até mesmo o poder de iniciativa
legislativa do parlamento. A competência regulamentar não é mais a principal
tarefa legislativa do Executivo, ela não estava mais sujeita à homologação ou
referenda parlamentar. Aumentaram-se também os requisitos para a
procedência dos projetos de lei iniciados pelo parlamento e dando a si o direito
de parar o processo do projeto.

A lógica dessa situação controlada do Parlamento vem da experiência das


Constituições anteriores: saíamos de uma situação de imensa subordinação do
presidente, mesmo em momentos de crise, haja visto que a Constituição de 34
era dotada de “preconceito” contra o executivo e o havia subordinado a uma
Câmara sem nenhum sentido nacional, ideal coletivo ou expressão de
interesse publico.

A atividade legislativa até então era marcada pelo puro personalismo ou puro
facciosismo, um rendimento legislativo baixíssimo, usado simplesmente como
instrumento de proventos eleitorais.

A intervenção feita tinha, portanto, o objetivo de mudar o centro da gravitação


política. Era, de fato, ilegal e violenta, mas legítima e patriótica pelos altos
objetivos que possuía. Tal golpe era tido pelo autor como único modo de salvar
o prestígio do poder federal e dos interesses nacionais, somente realizáveis,
nas condições dadas, por um “golpe de força”.

O novo comando estava num órgão que representava a universalidade da


vontade comum, a soberania pública, a unidade e a totalidade da nação: o
próprio Presidente da República, tão ideal para tal função exatamente pelo fato
da sua eleição popular.

Em seguida, Oliveira Vianna define o novo tipo de governo como não-ditatorial


ou antidemocrático. Ao contrário: haja visto que a Constituição diz que o poder
emana da nação e tem como objetivo sua honra e prosperidade, e analisando
os meios de eleição dos outros poderes (Câmara e Conselho Federal eram
eleitos pelas facções estaduais e pelo sufrágio direto, abomináveis segundo o
autor, enquanto o Presidente era eleito por um corpo especial formado por
membros do Conselho Nacional de Economia, Câmara dos Deputados e
Conselho Federal, representantes da elite das principais esferas políticas em
jogo), seu caráter democrático era enormemente fortalecido.

Além disso, o Presidente recorria ao apelo direto à opinião pública em ocasiões


de crise, por exemplo, nos casos de dissolução da Câmara e convocação de
novas eleições, desmembramento ou formação de estados, etc. Em todos os
casos o povo se manifesta em plebiscito que tinha condições extremamente
amplas de participação. A procura da opinião pública, em geral, não se dava
por meio das espúrias fontes dos partidos políticos, mas sim nas fontes puras
das classes e profissões organizadas, cujos interesses representavam os
interesses da nação.

Ademais, o Estado traçou para si fins preocupados com os interesses do povo,


tais como a asseguração, às massas trabalhadoras, de bem estar, segurança,
direito ao trabalho, educação, liberdade religiosa, inviolabilidade do domicilio,
entre outras garantias. A única limitação era o bem público e a defesa da ordem
coletiva e do bem estar social, que estavam acima de tudo.

A Carta de 37 era, no entanto, um sistema ainda em evolução, etapa primeira


de um processo rumo a um objetivo, sendo este nenhum outro senão a
consolidação da nacionalidade e da sua ordem legal.

A partir de então, dissolvidos os partidos, é preciso instituir novas fontes de


opinião. São visíveis duas hipóteses: a instituição de um Partido Único; ou a
instituição de novas fontes de opinião e representação das classes organizadas
com um Presidente Único, opção definida pelo autor como mais viável. Esse
presidente deveria ser soberano e que não divida a sua autoridade, somente
subordinado e dependente da própria Nação.

Oliveira Vianna afirma que já era hora de sairmos do regime de Presidente


Plurimo, marca do antinacionalíssimo e do separatismo, para essa expressão
sólida da unidade nacional.

Necessitávamos, agora, de uma organização das fontes de opinião no Estado


Novo, e para tal, utilizaríamos dos órgãos mais legítimos de expressão: as
associações profissionais, instituições sociais e corporações de cultura, e seus
desejos seriam transmitidos através das organizações associativas,
instaurando assim uma democracia corporativa. O novo regime democrático
amplia as formas de expressão da personalidade dos cidadãos: antes, somente
pela ideologia; agora, pelos múltiplos aspectos e necessidades da sua função
social.

Uma democracia só merece tal nome quando é feita pelos indivíduos não como
tais, mas como cidadãos, como membros de uma classe movida por interesses
coletivos e fazendo-se representar pela manifestação da opinião organizada,
uma pressão moral exercida pelas agitações populares; tanto é que, durante a
nossa história, por diversas vezes nossos governos se mostraram sensíveis às
manifestações de opinião, mas sempre quando esta se revela de maneira
realmente popular e legítima.
No caso britânico, por exemplo, o fundamento principal da opinião pública está
no espírito de cooperação e na solidariedade das classes. Lá, mesmo sem
eleições presidenciais diretas, as classes se fazem representar no meio
político, levando ao entendimento da democracia como independente do voto

E é assim mesmo que Vianna interpreta: as eleições não são o foco da


democracia; são meios para atingir um fim. Desta forma, há também outros
meios, inclusive melhores que este: seria a existência de uma opinião
organizada.

O problema é que, até o dado momento, as fontes de opinião popular de


caráter não partidário se manifestam de forma pontual e espaçada: o empenho
do autor se dá justamente em torná-las perenes. Numa sociedade farta de
delegações de classe, haveria para o presidente a mais preciosa fonte de
inspirações para a sua atividade administrativa, segundo Vianna.

Sendo assim, o que devemos desejar é que todas as classes, não só as


profissionais, se façam colocar à altura da sua missão política. A pedra de
toque, no entanto, da possibilidade de um self government em nosso país está
na capacidade dessas classes de se organizarem social, politica e
profissionalmente.

Você também pode gostar