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Ensaio Filosófico sobre o aborto

Neste ensaio, vou refletir sobre o problema ético do aborto ou da interrupção


voluntária da gravidez, que consiste em tirar a vida de um embrião/feto de acordo
com a vontade da pessoa gestante. Ou seja, este ensaio tem o objetivo de
responder à questão filosófica: será o aborto ou a interrupção voluntária da
gravidez moralmente aceitável?

Sobre esta questão vou defender a tese de que o aborto é algo moralmente
inaceitável, mas pode ser considerado moralmente admissível em certas
circunstâncias.

Para chegar a uma conclusão verdadeira é necessário definirem-se alguns


conceitos essenciais para a correta perceção do tema. Primeiramente, é necessário
definir o conceito de pessoa, um ser só pode ser considerado pessoa caso seja
racional e autoconsciente, categoria onde não se encontram os fetos nem
embriões, no entanto, estes seres podem ser considerados pessoas em potência,
uma vez que ainda não são pessoas, mas podem vir a sê-lo. Outro conceito essencial
é o conceito de ser humano, uma vez que, apesar de ser óbvio que o feto é humano
e está vivo, não é tão óbvio este ser um ser humano, considera-se um indivíduo ser
humano apenas depois de um processo de desenvolvimento que é normalmente
necessário o primeiro trimestre da gestação, ou a gestação toda para que possam
ser considerados seres humanos, isto acontece porque após este período o feto fica
consciente de si próprio e do que o rodeia, mesmo que não o esteja totalmente.

Considero que a teoria apresentada é a mais verosímil, uma vez que se


fundamenta nos seguintes argumentos: o aborto pode ser comparado homicídio.
Ou seja, todos concordam, inquestionavelmente, que matar uma pessoa é
moralmente inaceitável, o feto não é uma pessoa mas é uma pessoa em potência, Modus Ponens
se é moralmente inaceitável matar uma pessoa é moralmente inaceitável matar
uma pessoa em potência, se é moralmente inaceitável matar uma pessoa em
potência é moralmente inaceitável matar um feto, logo é moralmente inaceitável
matar um feto (aborto); o argumento futuro como o nosso, que consiste em, antes
de avaliar moralmente o aborto, identificar o que torna errado matar um humano
adulto e aplicá-lo ao aborto, que consequentemente leva à comparação do valor
de vida do feto e da pessoa gestante. Isto é, tal como o homicídio, o ato de matar Modus Ponens
um feto é moralmente inaceitável, se privar a vítima de um futuro valeroso, se se
praticar o aborto (ato de matar um feto), privo o feto de um futuro valeroso, Introdução da
pratica-se o aborto (ato de matar um feto) e priva-se o feto de um futuro valeroso, conjunção
logo o ato de matar um feto (aborto) é moralmente inaceitável; finalmente, existe
o argumento que tem como objetivo sugerir casos em que o aborto pode ser
considerado admissível, este argumento defende que, caso a pessoa gestante não
tenha responsabilidade na gravidez e/ou sejam postas em causa tanto a vida do
feto como a da mãe ou outros casos não mencionados, uma vez que os argumentos
apresentados anteriormente contra o aborto não se aplicam. Mais concretamente,
se a vida/saúde do feto e da pessoa gestante forem incompatíveis, tem que se Silogismo
salvar um dos dois, se tem que se salvar um dos dois, tem que se salvar o que tem Hipotético
mais probabilidades de sobreviver, se quem tem mais probabilidades de sobreviver
for a mãe então o aborto é moralmente admissível, logo podemos concluir que se
a vida/saúde do feto e da pessoa gestante forem incompatíveis, o aborto é

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moralmente admissível. Os argumentos apresentados contra a moralidade do
aborto podem ser considerados sólidos, na medida que são válidos e as premissas
são verdadeiras. Para justificar o primeiro argumento do aborto como homicídio,
temos de avaliar eticamente o homicídio de um homem inocente, todos incluindo
o homicida consideram a ação imoral sem “pensar duas vezes”, sendo, neste caso,
o homicida a julgamento e, após provado o seu ato, preso. O que diferencia o
homicídio de um homem inocente de matar um feto? No entanto, este argumento
não é um dos mais forte (até pode ser considerado um dos mais fracos), o que nos
leva ao argumento futuro como o nosso. O que torna imoral matar pessoas? Esta é
a questão que fundamenta este argumento, após reflexões por parte do(s)
filósofo(s) responsável(eis) por este argumento, chega-se à conclusão de que o que
torna imoral o homicídio é privar a vítima de homicídio de um futuro valeroso, ou
seja, priva a vítima de realizar os seus projetos, experiências, sonhos, priva-a de
viver, o que é considerado um direito. Desta forma, o que distingue o homem
inocente do feto? Nada, porque apesar do feto não estar consciente do seu futuro
não significa que não o tenha, para o provar temos o exemplo de um suicida,
normalmente, a causa da sua infelicidade é não terem mais planos futuros, mas lá
por eles pensarem que as suas vidas não sirvam para nada, não significa que não
vale, estão inconscientes do seu futuro, talvez aquele hobbie de desenhar venha a
dar origem a multinacionais multimilionárias, têm futuros valerosos, mas não têm
consciência. Assim, privar o feto de ter as oportunidades do seu futuro valeroso é
tão inaceitável como o homicídio de um homem inocente. Assim se responde
também é questão sobre qual é a vida (gestante ou feto) com mais valor porque ao
definir que a vida é importante por causa do futuro valeroso que muitas vezes é
desconhecido e, tendo ambos futuros valerosos é impossível para nós, uma vez que
não sabemos se os seus futuros realmente serão valerosos, atribuir maior valor á
vida do feto ou à vida da mãe.

Para justificar o último argumento, primeiro analisemos algumas situações. A


gravidez provém da relação sexual entre duas pessoas do sexo oposto, logo,
normalmente, é um ato voluntário. Antigamente, havia o problema de não
existirem métodos contracetivos, ou acesso aos mesmos, logo era praticamente
inevitável a gravidez, mas atualmente existem e estão acessíveis a todos, logo a
responsabilidade é dos agentes se não utilizarem métodos contracetivos e também
se o método contracetivo não for eficaz e resultar numa gravidez porque há muita
informação disponível que garante que os métodos contracetivos não são 100%
eficazes, é o equivalente a apostar num cavalo que nunca perdeu mas pode perder,
é um risco que existe e que tem de ser tido em conta. Nos casos em que a relação
é forçada, sendo a mulher gestante a vítima (violação), esta não pode ser obrigada
a ter um filho do violador, uma vez que só o sucedido destrói a integridade física e
psicológica da mulher e a gestação do feto (que já é difícil quando desejada) piorará
a situação, o é claramente uma incompatibilidade entre a saúde da pessoa gestante
e a vida do feto, e ainda é forçar a vitima a cumprir pena por ser vítima, por
exemplo, um professor competente dá aulas numa escola e um dia um aluno decide
agredir o professor por razões pessoais e deixa-o em estado crítico. Todos os
professores e auxiliares demitem-se por medo e durante os nove meses de aulas o
professor agredido tem que ser responsável por todas as tarefas escolares
(refeitório, bar e aulas) apesar do seu estado critico, sem opção de desistência. Será

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justo o professor ser castigado por uma ação da responsabilidade de outrem? Outra
situação em que o aborto deve ser considerado admissível é quando tanto a vida
da mãe como a do feto estão em risco, uma vez que caso continue a gestação e que
esta chegue ao fim, é provável que ambos não sobrevivam logo deve-se minimizar
os danos e poupar a mãe, uma vez que é a que tem maior probabilidade de sair da
situação com vida e saúde. Ainda pode ser considerado admissível em casos em
que a vida do feto após a gestação seja reduzida por causa de doenças,
normalmente genéticas, como por exemplo, bebés com trissomia 18 que no
máximo vivem até aos quatro anos de idade, mas normalmente só vivem até aos
3/4 meses, privando o feto e a mãe do sofrimento que advirá do nascimento, desta
forma, a criança nunca poderá ser saudável o que poderá ter um grande impacto
na mãe a agravar o estado de saúde da mesma durante a gestação, após o parto e
após o falecimento da criança, o que é altamente prejudicial para os pais. Este
último exemplo é um exemplo que também está de acordo com o principal
argumento deste ensaio, futuro como o nosso, uma vez que para estas crianças o
futuro é muito pouco ou nada valeroso acabando tragicamente com a sua morte,
tendo estas efetivamente vidas sem sentido.

Existem várias objeções a tese defendida ao longo deste ensaio. A primeiro


argumento consiste no argumento do violinista onde se tem de ter em conta a
seguinte situação hipotética: estamos num hospital e ao nosso lado temos um
violinista famoso com problemas renais e nós temos o mesmo tipo de sangue, no
dia seguinte, somos raptados por devotos do violinista e somos ligados através da
partilha de sangue. De volta ao hospital, o médico diz-nos que podemos desligar-
nos do violinista ou ficar nove meses Iigado a ele até ficar curado. Segundo este
contra-argumento é natural que escolhamos a nossa liberdade e a morte do
violinista, com que eu concordo, desta forma o contra-argumento defende que a
situação do violinista pode ser comparada ao aborto, se podes escolher o que fazer
Modus Ponens
no caso do violinista, podes escolher o que fazer relativamente ao aborto, se podes
escolher o que fazer relativamente ao aborto, podes optar por abortar, se podes
optar por abortar então o aborto não é moralmente inaceitável, podes escolher o
que fazer no caso do violinista, logo o aborto não é moralmente inaceitável. No
entanto, na gravidez existe um fator que não está presente na situação descrita, a
responsabilidade, por isso, não compromete a minha tese. Imaginemos que após
uma festa, nós estamos altamente alcoolizados e conscientes disso, decidimos
conduzir e a caminho de casa provocamos um grave acidente, acordamos no
hospital completamente ilesos, mas ligados à principal vítima do acidente e o
médico diz-nos que se quisermos ir embora podemos ir e ela morre, mas se
ficarmos teremos de ficar ali nove meses com a energia a ser-nos “sugada”. Acho 1.PꓦQ
que é obvio que há a obrigação de fazer tudo por tudo para que a vítima das nossas 2.PꓥQ Prem. RA.
ações não saia prejudicada. 3.P 2 Eꓥ
4.Q 2 Eꓥ
Outra objeção é como pode ser o aborto moralmente inaceitável e admissível 5.~Q 1, 3
ao mesmo tempo? Ou o aborto é moralmente admissível ou o aborto é moralmente 6.Qꓥ~Q 4,5 Iꓥ
inaceitável, logo não é verdade que o aborto é moralmente admissível e inaceitável, C1.~(PꓥQ)
mas considero que esta objeção não põe em causa a tese defendida, uma vez que C2.~Pꓦ~Q C1 Leis
caso o feto apresente malformações genéticas, segundo o argumento futuro como de De Morgan
Negação da
o nosso, o feto não ter um futuro valeroso, logo pode ser considerado admissível.
conjunção
Se as vidas do feto e da mulher gestante estiverem em risco, uma vez que é

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provável que ambos morram, é privar não um, mas dois seres vivos de um futuro
valeroso, podendo até mesmo nestes casos ser considerado imoral se não for feito
nada, uma vez que são privadas duas vidas de futuro valeroso. A justificação para
os casos de violação não é muito consistente, uma vez que é difícil compatibilizar
este caso com os dois primeiros argumentos, apresentados, mas, como foi
mencionado anteriormente, é simplesmente absurdo ter de arcar com as
consequências dos atos de outros agentes. Uma terceira objeção é que o homicídio
consiste em tirar a vida a uma pessoa, matar uma pessoa, categoria onde o feto
não se inclui, no entanto este argumento não é consistente porque se é
moralmente admissível matar um ser só porque ele não é pessoa também o seria
assassinar inválidos, como as pessoas em estado vegetativo ou o infanticídio uma
vez que os recém nascidos nos seus primeiros momentos de vida ainda não são
seres racionais e auto conscientes, mas estas opções são consideradas imorais.

Depois de ter refletido sobre a questão do caráter moral do aborto e ter avaliado
as diferentes perspetivas em debate, penso que podemos concluir a favor do
aborto ser moralmente inaceitável, mas admissível em algumas exceções, como em
casos de violações, da vida do feto e da gestante serem postas em causa e/ou o
futuro do feto não ser valoroso. No entanto, existem ainda algumas questões que
exigem uma reflexão futura mais aprofundada como a característica que torna as
situações exceções ao caráter inaceitável do aborto.

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