Você está na página 1de 36

Notas Críticas à Literatura sobre Estado,

Políticas Estatais e Atores Políticos

E duardo C esar M arques

Introdução explicativos, alguns partindo das estruturas e


outros da ação, a ordem do dia parece ser a
As décadas de 70 e 80 encerram grandes produção de análises, trabalhos teóricos e me-
transformações em diversas dimensões da vida tateóricos que permitam um diálogo entre pa­
social. Podemos observar a desestruturação do radigmas e matrizes disciplinares, incorporan­
padrão de acumulação implementado com maior do e articulando olhares em vez de tentar
força no pós-Guerra, com transformações nas hegemonizar um determinado campo de ques­
estruturas produtivas, nas relações de produção, tões. Dentre essas novas perspectivas podemos
nos padrões de consumo, nas formas de socia­ destacar iniciativas tão diversas como a tenta­
bilidade e nas diversas espacialidades da eco­ tiva de John Rawls de construir um a teoria das
nom ia mundial. Paralelamente e de forma ar­ possibilidades de justiça, incorporando a reci­
ticulada, os Estados de Bem -Estar foram procidade e os monumentais esforços de Jür-
paulatinamente desmontados. Atores sociais e gen Habermas de realizar uma síntese crítica
políticos de importância fundamental para a das Ciências Sociais, construindo-lhes novas
compreensão da cena política e econômica dos bases de forma a escapar das armadilhas postas
países centrais até os anos 70, como os sindi­ por certos processos de racionalização sem
catos e os grandes bancos americanos, perde­ abdicar do caráter crítico e ativo da razão
ram força, enquanto outros setores, como a moderna (cf. Rawls, 1992; Bemstein, 1985).
indústria das finanças, ganharam importância. N esta perspectiva de diálogo e conver­
Os próprios Estados nacionais tiveram seu po­ gência de olhares, merecem destaque, dentre
der significativamente alterado, redesenhando as questões a serem rediscutidas, o Estado e
o mapa do poder no mundo (cf. Carnoy et alii, seu papel na condução das políticas, seja pelos
1994; Leborgne e Lipietz, 1990; Reich, 1994; impasses e limites colocados aos Estados na­
Piccioto, 1991; Sassen, 1991; Soja, 1993 e cionais pelo processo de globalização da eco­
1994, entre outros). nomia, sejapelo ataque neoliberal às estruturas
Ao mesmo tempo, os anos 70 e 80 repre­ de welfare state e à valorização de posturas
sentam um marco nas Ciências Sociais. Com teóricas pró-mercado, como os trabalhos da
o esgotamento explicativo dos modelos ma- escola austríaca e principalmente Hayek (cf.
croteóricos, representados principalm ente Evans, 1993; Fiori, 1992; Roemer, 1994).
pelo funcionalismo e pelo marxismo, diante de Também nesse campo, contribuições teó­
um mundo em transformação, assistimos a ricas recentes têm introduzido novas possibi­
um a grande efervescência teórica e à consoli­ lidades analíticas, oriundas de campos disci­
dação da busca de novos caminhos para a plinares diversos como a Ciência Política, a
teoria social. A característica mais geral dessa Economia e a Sociologia. A presente resenha
busca de caminhos é a convergência. Em vez pretende mapear essas contribuições, discutin­
de se insistir nas polêmicas entre modelos do algumas das correntes da literatura consi-

BIB, Rio de Janeiro, n. 43, 1.° semestre de 1997, pp. 67-102 67


deradas como as mais promissoras para o es­ produção e implementação de políticas seto­
tudo de um tema específico: os atores políticos riais — as comunidades profissionais. A ter­
e sua capacidade de influenciar as políticas ceira perspectiva, partindo de uma concordân­
estatais. O ponto de partida para a discussão cia parcial com os neo-institucionalistas, tenta
será a literatura neomarxista do Estado. Cha­ reincorporar à análise os atores presentes na
mo de neomarxismo a corrente de estudos que sociedade, adotando um eixo de análise mais
voltou a trabalhar o papel do Estado na socie­ balanceado nas ênfases entre Estado e socie­
dade capitalista no interior do paradigma mar­ dade. A introdução de elementos diversos em
xista a partir da década de 60, após um longo debate com os marxistas fará com que obser­
período de distanciamento da problemática. vemos os limites e contribuições das quatro
Acredito que esta perspectiva de análise apre­ perspectivas. Discutirei duas questões funda­
senta grande valor explicativo das ações do mentais presentes na literatura: a natureza do
Estado. O destaque dado pelos autores marxis­ Estado e o papel dos diversos atores na propo­
tas, tanto clássicos como contemporâneos, aos sição, implementação, gestão e resultados das
interesses dos atores, assim como a idéia de políticas públicas.
que a burguesia, na maior parte das situações E importante que se ressalte que as quatro
históricas, constitui o principal ator político na perspectivas trabalhadas aqui têm status teóri­
definição das ações do Estado, encontra res­ co completamente diverso, e o debate entre
paldo direto na forma como se desenvolve a elas pretende ressaltar questões com objetivos
luta política, e por esta razão essa literatura meramente analíticos. A perspectiva marxista
será adotada como referência para a discussão se conforma como um a teoria geral da socie­
a ser travada aqui. O ponto a criticar na pers­ dade, da economia e da política, pretendendo
pectiva neomarxista está em que o privilegia- dar conta de uma teoria geral da história, de
mento deste ator foi transformado por aquela um modelo da economia sob o capitalismo e
literatura em sobredeterminação, definindo a de uma teoria social capaz de explicar socie­
priori o resultado das lutas concretas que se dades capitalistas específicas (Katznelson,
desenrolaram na sociedade. O diálogo com as 1992, cap. 2).
demais tradições pretende ressaltar a relevân­ O neo-institucionalismo, por sua parte,
cia de outros atores, enriquecendo e complexi- pretende constituir-se em uma teoria de médio
ficando a realidade descrita pelo modelo teó­ alcance, re-introduzindo as variáveis institu­
rico marxista. cionais nos debates sobre a política e a econo­
Ressaltamos aqui a importância de dois mia. Acredito que não estaríamos longe da
outros atores, considerados também como fun­ realidade se definíssemos o neo-instituciona­
damentais na constituição e gestão das ações lismo como um lugar analítico e metodológico
do Estado: os agentes estatais e as corporações para o qual têm convergido estudiosos descon­
profissionais. O trabalho toma então a forma tentes com os enfoques correntes em suas dis­
de uma crítica à literatura marxista formulada ciplinas e áreas temáticas respectivas, sejam
a partir das perspectivas das literaturas neo- elas a economia, a política, a sociologia, os
institucionalista, da análise setorial e do State- estudos históricos ou a política comparada.
in-society approach. A primeira perspectiva Como conseqüência, a perspectiva é marcada
constitui-se hoje em umas das mais promisso­ por uma postura teórica muito aberta, na qual
ras linhas de estudo sobre o Estado, as políticas a hierarquia dos fatores mais importantes para
públicas ressaltando o papel do próprio Esta­ o estudo de cada caso é dada a posteriori,
do, conforme será discutido posteriormente. segundo as conjunturas encontradas. Assim,
A análise setorial apresenta abrangência muito embora considere os argumentos neo-institu-
menor, mas produziu um modelo de análise cionalistas de grande importância para a reali­
bastante eficiente que ressalta de maneira es­ zação de uma crítica construtiva da perspecti­
pecífica um dos atores mais importantes na va marxista, esta não se constitui como teoria

68
(visto que quase tudo importa), mas como um no interior deste paradigma, o Estado tem um
ferramental analítico de grande valia para o caráter de classe. São inúmeras as formas de
estudo do Estado e suas políticas públicas explicar a relação Estado-capital, mas a subor­
(Przeworski, 1990, pp. 30-7). Voltaremos a dinação do primeiro ao segundo está presente
este ponto mais adiante no texto. em todas as versões da tradição, mesmo que de
A análise setorial, por sua vez, constitui- forma indireta e mediada. As ações do Estado
se em uma abordagem específica construída podem, ser explicadas através da estrutura da
com objetivos analíticos, pretendendo dar con­ sociedade capitalista, da ação direta e da arti­
ta da análise do “Estado em ação”. A análise, culação dos capitalistas, de sua ação indireta
desta perspectiva, de fatores relacionados com através de mecanismos de socialização políti­
a dinâmica política e social mais geral está ca, da diferente posição estrutural das diversas
relacionada apenas à convicção dos autores da classes no capitalismo ou considerando a es­
necessidade de integrar a análise das políticas truturação interna do Estado como filtro contra
públicas em uma concepção mais geral das políticas danosas ao capital.
relações Estado-sociedade (Jobert e Muller, Para os autores desta perspectiva, a luta
1987, p. 10). A perspectiva do State-in-society, política não é contingente, ou a sua margem de
por fim, se conforma como uma continuação contingência é muito pequena. Apenas alguns
crítica do neo-institucionalismo, como será poucos autores marxistas, como Adam Prze­
observado no desenrolar do texto. Embora em worski, Bob Jessop e M ike Davis consideram
sua formulação original consubstanciada em de forma central as estratégias dos atores, sen­
Migdal et alii (1994), a perspectiva apresente do que apenas os dois primeiros estudam cen­
objetivos teóricos ainda mais modestos — dar tralmente o Estado (ver Przeworski, 1989,
conta do estudo de processos sociais e políticos 1990, 1994a e 1994b; Jessop, 1983 e 1985;
de transformação em países de Terceiro M un­ Davis, 1981 e 1993a, b, c, d). Considerando a
do — acredito que as discussões trazidas por grande variedade de enfoques e argumentos
aquela literatura contribuem para o estudo dos com relação ao papel do Estado, a análise da
processos políticos em âmbito mais geral. literatura marxista será feita aqui a partir do
O texto será dividido em seis partes. Na privilegiamento de certas questões.
primeira resenharei as contribuições de uma
série de autores da tradição marxista com rela­
ção aos pontos citados anteriormente. N a se­ A Autonomia Relativa
gunda, terceira e quarta partes levantarei al­ D a perspectiva marxista clássica, o Esta­
g u n s p o n to s p r e s e n te s nas lite r a tu r a s do deve ser entendido como um órgão direta­
neo-institucionalista, da análise setorial e do mente de classe. Esta forma de interpretar o
State-in-society que me parecem importantes Estado estava presente já em M arx, que ao
para a crítica à perspectiva marxista. N a quinta menos em um determinado momento de sua
parte, discutirei os argumentos colocados pela produção considerava que a burguesia: “ aca­
literatura marxista à luz das outras perspecti­ bou por conquistar [...] o domínio político
vas. N a sexta e última parte concluirei reto­ exclusivo no moderno Estado parlamentar. O
mando as questões fundamentais do debate e executivo do Estado modemo não é mais do
acrescentando algumas considerações sobre a que uma comissão para administrar os negó­
relevância dos argumentos para a análise das cios coletivos de toda a classe burguesa”
políticas públicas no Brasil. (Marx e Engels, 1987, p. 36). Esta postura era
não apenas teórica, mas também política, visto
Estado e Atores no Marxismo que estava diretamente associada à definição
de uma estratégia de luta para os trabalhadores.
A literatura marxista enfoca o Estado e a Ao longo dos vinte anos que se seguiram
questão das políticas públicas de um ângulo à derrota das classes trabalhadoras nas revolu­
bastante preciso. Para os autores que operam ções de 1848, Marx relativizou sua posição

69
com relação à dominação direta da burguesia portância, e o Estado se autonomizaria em
sobre o Estado, mantendo, no entanto, a subor­ relação aos interesses da fração hegemônica
dinação estrutural deste aos interesses da clas­ implementando, em última instância, ações
se economicamente dominante. Essa postura que reproduzissem a sociedade capitalista
tomou corpo nas teorias da autonomia e da como tal.
abdicação de Luís Bonaparte apresentadas no Poulantzas apresentou posteriorm ente
seu magistral “O 18 Brumário de Luís Bona­ uma segunda formulação de sua teoria, em que
parte”. Segundo essas teorias, em uma conjun­ define o Estado não mais a partir de suas
tura política específica e contingente o Estado funções, mas de sua natureza. Para ele o Estado
pode se autonomizar com relação às classes, seria um campo de poder, um a arena, onde se
dependendo inclusive da consolidação da
condensariam materialmente as lutas e confli­
“máquina do Estado [...] em relação à socieda­
tos entre os diversos atores: classes e frações
de burguesa” (Marx, 1982, p. 125). Esta auto­
de classe. Este campo organizaria as classes
nomia, no entanto, não é levada ao seu limite,
dominantes em tomo dos interesses de curto
e o ator individual que exerce o poder autono­
prazo das frações hegemônicas no bloco de
mamente acaba por agir em favor da burgue­
poder, e da classe burguesa no longo prazo.
sia. Esta abdica do exercício direto do poder
para exercê-lo indiretamente. Não se trata de Isso seria possível pela autonomia relativa do
resenhar aqui o pensamento de Marx sobre o Estado no que tange aos interesses particulares
Estado, bastante complexo e multifacetado, dos grupos e frações de classe. D a mesma
mas de ressaltar que alguns dos principais forma, o Estado desorganizaria as classes do­
argumentos presentes no debate recente dos minadas por concentrar em si a relação de
neomarxistas já haviam sido colocados por ele. força entre dominados e dominadores. Como
A obra teórica que coloca pela primeira o Estado não seria o depositário de um poder
vez o Estado no centro do marxismo é a de externo ou uma fonte do poder em si, mas um
Nicos Poulantzas. Para a primeira formulação campo de lutas, suas diversas agências apre­
do pensamento deste autor, o Estado cumpriria sentariam caráter contraditório, defendendo
a dupla função de organizar os interesses dos posições divergentes com relação às classes,
capitalistas como classe, atomizados no mer­ às frações de classe, e mesmo aos diversos
cado, e desorganizar os trabalhadores como componentes do bloco no poder. D e toda a
classe, apresentados na esfera da política como forma, no entanto, o Estado capitalista apre­
cidadãos e não como vendedores de força de sentaria irreversível caráter de classe, sendo
trabalho. Dessa forma, as ações do Estado impossível às classes dominadas assumir o seu
apresentariam um a autonomia relativa, exis­
controle, ou de agências centrais, na condução
tindo um a margem de m anobra para a realiza­
das políticas estatais.
ção de ações legitímadoras da ordem e do
A teoria do Estado contida no segundo
Estado burgueses que não entrassem em cho­
Poulantzas apresenta, portanto, caráter contra­
que com as políticas de interesse estrito do
ditório. Ao mesmo tempo que admite um grau
capital. Para ele, o capital não poderia ser
elevado de contingência das lutas políticas
interpretado de forma monolítica, mas apre­
sentaria inúmeras frações em luta constante. quando define o Estado, afirma o determinis­
As classes e frações hegemônicas na for­ mo dos interesses da burguesia quando o colo­
mação social formariam o bloco no poder, ca em ação. Conforme observaremos adiante,
articulação contraditória que controlaria o Es­ um outro autor marxista, Bob Jessop, realizará
tado, imprimindo a este a racionalidade dos um a leitura deste segundo Poulantzas que
interesses das frações hegemônicas. Por outro aprofunda a contingência da luta política prio­
lado, em face da contradição principal, as con­ rizando o estudo das estratégias e dos projetos
tradições internas da burguesia perderiam im­ das diversas classes e frações de classe.

70
A Desproporciona/idade estaria associada à distribuição desigual de
do Poder Social renda e riqueza, a padrões diferenciados de
vida e bem-estar, ao controle sobre as mais
O tem ada desproporcionalidade do poder importantes instituições sociais e econômicas
das classes não é privilégio da literatura mar­ do país, e, por fim, ao domínio direto sobre os
xista.2 Esta, no entanto, é a que tem tematizado processos governamentais. Dos quatro proces­
a questão de maneira mais central, além de ser sos citados anteriormente, o mais importante
a única que afirma que a desproporcionalidade para a demonstração do caráter classista do
do poder imprime ao Estado um caráter de Estado seria o da produção das políticas públi­
classe. A forma de apresentá-la varia bastante
cas, especialm ente nas “grandes questões”
de autor para autor, embora os vários enfoques
como as políticas externa, fiscal, ambiental e
sejam convergentes, cada um apresentando
de bem-estar. O autor destaca a importância de
uma das fontes do desequilíbrio estrutural de
um a série de organizações empresariais e pa-
poder. Cada uma dessas explicações natural­
raempresariais na “rede de produção das polí­
mente apresenta uma das facetas do caráter
ticas”. Para ele, ao contrário do processo pul­
classista do Estado e suas ações. Usualmente
verizado de representação de interesses, a
são três as questões enfocadas, as quais vere­
produção das políticas sobre os grandes temas
mos a seguir.
é um ponto de convergência da ação da classe
dominante. A articulação dos inúmeros e dis­
As Elites Econômicas e Estatais persos interesses privados em tom o de consen­
sos sobre temas fundamentais seria consegui­
Alguns autores marxistas revisitaram a da através da ação de suas organizações, que
teoria das elites de Charles W right Mills, uti­ também serviriam de correia de transmissão
lizando a idéia de elite do poder articulada com para a imposição das políticas ao Estado. Para
o estudo das classes sociais. Para eles, a pre­
Domnhoff, o caráter classista do Estado estaria
sença de uma elite estatal explicaria o caráter
associado às ações da elite no poder e de suas
de classe das ações do Estado. A classe capi­
instituições.
talista seria entendida como sendo a dominan­
Em uma linha de análise similar, Ralph
te, isto é, como um a “classe social que exerce
Miliband, o mais importante autor desta pers­
poder sobre o governo [aparato estatal] e su­
pectiva, ressalta o papel da elite estatal na
bordina a população de uma dada nação [Esta­
fixação das políticas e ações do Estado. M ili­
do]” (Domnhoff, 1979, p. 12).
band observou o Estado de um a forma muito
ParaD om nhoff, esse domínio seria alcan­
mais próxima, distinguindo suas diversas par­
çado através de quatro processos: a influência
tes — o governo, o elemento administrativo,
para a satisfação de interesses particulares
os militares, o judiciário e as unidades locais.
pontuais, o processo de formação das políticas
públicas, a escolha de candidatos a cargos A elite estatal seriacom postapelas pessoas em
eletivos, e a ideologia, que disseminaria valo­ posição de comando em cada um a dessas ins­
res e crenças permitindo a manutenção do tituições. Ao contrário de Domnhoff, que im­
status quo. O agente direto desses processos puta uma importância muito grande à associa­
seria a elite no poder, entendida por Domnhoff ção entre elites estatais e econômicas, para
como o “braço operacional da classe dirigen­ M iliband a elite estatal não seria um mero
te” (idetn, p. 13), composta por membros da rebatimento, mesmo que mediado, dos capita­
classe capitalista ou altos funcionários de em­ listas. A classe capitalista não estaria no gover­
presas de sua propriedade. no, apesar de ser “bem representada no execu­
Para este autor, que realizou estudo deta­ tivo político e em outras partes do sistema
lhado sobre a influência das elites e da classe estatal” (Miliband, 1972, p. 74). A form acom o
dirigente nos Estados Unidos, a desproporção o autor explica a influência e o lugar privile­
estrutural de poder na sociedade capitalista giado de poder do empresariado está associada

71
à idéia da socialização política e à posição dos mulam muito menos poder do que as lideran­
capitalistas no sistema de valores e repre­ ças empresariais. Enquanto a organização dos
sentações sobre a sociedade, conforme será trabalhadores tem poder potencial proporcio­
comentado a seguir. Para Miliband, a existên­ nal à participação de seus membros, e deve
cia da elite estatal explica o caráter de classe convencer o maior número a participar o maior
do Estado, mas a explicação da existência des­ tempo possível, a dos capitalistas tem poder
sa elite não se situa na esfera econômica, mas, proporcional aos recursos financeiros de que
simultaneamente, na cultura e na política. dispõe.
Assim, as ações coletivas de trabalhado­
A Articulação dos Capitalistas res e capitalistas obedecem a lógicas absoluta­
mente diversas, não apenas pelas diferentes
A existência de um certo padrão de arti­ estruturas de preferências, mas pelas próprias
culação entre os capitalistas é central na obra posições dos atores nas relações de produção.
de Domnhoff. No entanto, este autor trata Ao contrário do que sustentaria a literatura
como dado um certo padrão de articulação, não pluralista, portanto, a distribuição assimétrica
investigando a lógica de sua ação coletiva. da capacidade de fazer representar seus inte­
Esta lógica é estudada centralmente por Offe resses dá diferente poder às duas classes.
(1984), que analisa as ações coletivas de capi­ Como resultado, o Estado é muito mais in­
talistas e trabalhadores. Ao demonstrar a dife­ fluenciado por capitalistas do que por trabalha­
rença entre elas, a autor explícita mais um dores.
importante desnível estrutural na distribuição Mas de que forma se articulam os capita­
de poder na sociedade. listas como classe? Esta pergunta é respondida
A análise de Offe parte da idéia de que a principalmente de duas formas distintas pela
concentração das unidades de capital nas mãos literatura marxista. Em um a primeira perspec­
de cada capitalista, apesar de individual, já tem tiva, adotada por Dom nhoff em seu estudo
conseqüências coletivas. Desta forma, a pri­
sobre os Estados Unidos, os capitalistas se
meira agregação de trabalhadores — o sindi­
articulam duplamente através de uma origem
cato — responde à própria existência do capi­
de classe comum, o que inclui uma socializa­
tal como relação social. A diferença entre as
ção própria através de clubes, escolas, casa­
duas ações coletivas está em que para os tra­
m entos cruzados etc., m as principalm ente
balhadores, a ação deve ser precedida de soli­
através de entidades representativas que se
dariedade (única forma de evitar o dilema do
relacionam de inúmeras formas com os apare­
prisioneiro), organização e diálogo, e para o
lhos de Estado influenciando as políticas pú­
capitalista não há necessidade de nenhuma
ação, visto que a sua própria existência subor­ blicas.
dina, por definição, o trabalho morto ao seu Através de um a outra linha analítica, au­
comando. tores como o inglês Michael Useem ressaltam
Além disso, para alcançar outros níveis de o papel da interpenetração das propriedades
agregação — centrais, federações e associações empresariais na formação de um fórum de
— os capitalistas encontram grande facilidade, articulação dos interesses de classe. Segundo
considerando que seus interesses são objetivos este autor, a superposição das diretorias das
e mensuráveis, permitindo um cálculo de cus­ grandes empresas com inúmeros membros co­
tos e benefícios claro e direto. Para os traba­ muns de mesma origem social, formaria o
lhadores as dificuldades são muito maiores, já inner circle, espaço de discussão e produção
que os custos e benefícios não são tão claros, do interesse e da estratégia de classe capitalis­
e a diversidade dos interesses é maior do que ta. Para o autor, as transformações recentes na
para os capitalistas. Por outro lado, como con­ organização interna dos grandes grupos em­
seqüência do caráter dialógico de sua ação presariais e na formação de seus interesses
coletiva, as lideranças dos trabalhadores acu­ expressariam o surgimento do “capitalismo

72
institucional”, um a nova “forma através da os interesses do capital. Quando ocorrem, es­
qual o capital tenta moldar seu ambiente polí­ sas ações são dirigidas a capitais individuais
tico” (Useem, 1983, p. 300). De forma paralela ou a frações não hegemônicas. M iliband utili­
a essa articulação, o mundo dos negócios to­ za esse raciocínio para explicar por que mesmo
m aria cada vez maiores responsabilidades com os partidos socialistas, quando chegam ao po­
relação ao planejamento e ao controle sobre a der, quase nunca adotam medidas contra os
economia, reduzindo a margem de poder do interesses do capital em geral.3 Como contra­
Estado, e conseqüentemente a sua autonomia. ponto, ações em favor de capitais individuais,
O caráter de classe do Estado estaria associado ou no interesse do capital em geral, são muito
crescentemente à sua subordinação ao “capital mais prováveis.
coletivo”.
A Dependência Estrutural
A Reprodução dos Valores Burgueses do Estado ao Capital

Em vários dos autores citados cabe à so­ O tema dos limites do poder estatal em
cialização política parte da explicação da na­ um a sociedade em que os meios de produção
tureza classista do Estado. O autor que desen­ se encontram sob controle dos capitalistas
volve de forma mais clara este argumento é também não é privilégio da literatura marxista,
Ralph Miliband. Para ele, o compartilhamento tendo sido desenvolvido também por Lind-
do universo de valores e representações é a blom (1979). Para os marxistas, no entanto,
explicação de fundo para o caráter de classe do esta questão é fundamental para que se entenda
Estado na sociedade capitalista. Para o autor, o caráter classista do Estado na sociedade ca­
apesar das ações dos capitalistas não terem, de pitalista. Para Offe e Volker, esta questão en­
forma alguma, um caráter neutro em relação à volve duas características fundamentais da
política, o número de empresários envolvido forma institucional do poder público denomi­
com tais questões é relativamente muito pe­ nada de Estado capitalista, sendo parte de sua
queno e não poderia explicar todas as ações do definição “a privatização da produção — o
Estado. O importante é que o controle e a poder público está estruturalmente impedido
gestão do Estado estão a cargo da elite estatal, de organizar a produção material segundo seus
que tem a mesma composição que a elite eco­ próprios critérios políticos [...] e a [...] depen­
nômica. Nas palavras de Miliband: dência dos impostos — o poder público depen­
de, indiretamente, através de mecanismos do
“isto porque os empresários pertencem, em ter­ sistema tributário, do volume de acumulação
mos econômicos e sociais, às classes médias e
privada” (Offe e Volker, 1984, p. 123). Como
altas — e é justamente nessas classes que são
o Estado não dispõe dos meios de produção, e
recrutados predominantemente, para não dizer
em sua maioria esmagadora, os membros da elite
depende do ritmo da acumulação para sua
estatal” (Miliband, 1972, p. 79). sobrevivência financeira, as ações estatais
muito raramente irão contra os interesses do
O controle do Estado está, portanto, en­ capital. E interessante que se observe que este
tregue a pessoas imersas no mesmo conjunto argumento dá materialidade à “tendência pre­
de valores, visões de mundo e representações conceituosa do sistema”, ao menos no que se
dos capitalistas. Esta situação faz com que os refere ao Estado.
interesses de classe do capital sejam entendi­ Este argumento também é desenvolvido
dos como os interesses nacionais, o que o autor por Przeworski (1994a). Para ele, que preten­
denom ina “tendência preconceituosa em rela­ dia neste trabalho recuperar o argumento em
ção a determinadas classes, interesses ou gru­ debate com autores pluralistas, a questão colo­
pos” (idem, p. 96). Este fenômeno, também cada pela literatura marxista é absolutamente
ressaltado por Offe (1984), reduz de forma pertinente, visto que a autoridade política e a
drástica a ocorrência de ações estatais contra propriedade são dissociadas na sociedade ca­

73
pitalista. Além disso, enquanto as decisões do maior parte “fixado” a territórios no interior de
Estado são centralizadas, as que ocorrem no Estados nacionais.
mercado são descentralizadas e dispersas. O
Estado está envolto, portanto, em um alto grau A Seletividade Estrutural
de imprevisibilidade com relação às suas ações, do Estado Capitalista
inclusive porque essas também transformam a
estrutura de preferências dos consumidores e O último argumento importante da litera­
firmas. O autor destaca, no entanto — e este é tura marxista diz respeito ao efeito da estrutura
um ponto importante — , que a dependência interna do Estado capitalista sobre as políticas
estrutural é de natureza econômica, sendo ne­ por ele implementadas. Para Offe (1975), o
cessário observá-la como um “produto dos principal defensor desta perspectiva, não basta
conflitos políticos que colocam o Estado em o estudo do conteúdo das políticas, embora
uma situação de dependência dos atores priva­ este seja importante. E imprescindível analisar
dos” (idem, p. 8). Esta postura com relação à os procedimentos formais que geram as ações
contingência dos resultados da luta política estatais. A relação entre forma e conteúdo das
coloca o autor em um lugar muito específico políticas é biunívoca e simétrica: “as regras
no interior do debate marxista, reafirmando a formais que estruturam e dão continuidade à
centralidade dos capitalistas, mas negando o operação do aparato estatal não são meramente
caráter classista do Estado. Este ponto será procedimentos instrumentais criados para exe­
retomado mais adiante. cutar ou implementar objetivos políticos ou
Um outro autor do campo marxista, Fred para resolver problemas sociais. Eles próprios
Block, também destaca a importância da pro­ determinam, de um a forma oculta e implícita,
priedade privada na criação de uma dependên­ que objetivos potenciais serão estes e que pro­
blemas terão chance de aparecer na agenda do
cia estrutural do Estado ao capital. Para ele, a
sistema político” (idem, p. 135).
divisão do trabalho entre capital, pessoal do
Para Offe, as estruturas estatais seriam
Estado e classe trabalhadora faz o aparato es­
dotadas de seletividade, que filtraria as ques­
tatal dependente do nível de atividade econô­
tões apresentadas ao Estado, implementando
mica. Esta situação daria aos capitalistas um
as ações associadas diretamente à criação e
poder de veto com relação às políticas estatais,
recriação das condições de acumulação e ao
desencorajando o pessoal do Estado a adotar
processo de legitimação da dominação de clas­
políticas danosas ao capital. O veto, longe de se. A seletividade, característica estrutural do
ser consciente, estaria consubstanciado no cli­ Estado capitalista, operaria sucessivamente
m a dos negócios presente da sociedade — a através de sua estrutura, da ideologia, do pro­
confiança do mundo dos negócios4 — e seria cesso político e da repressão. Apesar de em­
produto da agregação dos comportamentos in­ prestar grande importância à relação entre a
dividuais dos capitalistas. Como resultado do forma do Estado e a acumulação, e ao efeito da
mecanismo, praticamente nunca seriam adota­ primeira sobre a segunda, Offe não investiga o
das políticas em desacordo com os interesses caminho contrário, ou como o processo de
do capital, e intervenções em seu favor são acumulação se cristaliza e molda a forma do
muito prováveis. Apesar da existência de uma Estado.
dependência do Estado ao capital, me parece Partindo de um a perspectiva diversa, Bob
que Fred Block exagera quando considera a Jessop (1983) indica um a linha analítica bas­
mobilidade do capital completa e as oportuni­ tante mais promissora para o entendimento da
dades de valorização múltiplas e infinitas. Em­ questão. Para ele, a superação dos problemas
bora essa situação seja cada vez mais observa­ da teoria marxista do Estado, causados pelo
da para os capitais financeiros em mercados uso do conceito de autonomia relativa, passa
crescentem ente globalizados, está bastante pela utilização dos conceitos de estratégia e
longe de caracterizar o capital em geral, na sua hegemonia. Em bora os conceitos permitam

74
que se trabalhe com um nível considerável de relação Estado-capital na formação das políti­
contingência na luta política, implicitamente cas. Isto faz com que suas obras se diferenciem
colocam em xeque o caráter classista do Esta­ de maneira fundamental da produção dos au­
do e da sociedade. tores neo-institucionalistas e da análise seto­
Para Jessop, o modelo de crescimento rial, mesmo a de Jessop, que adota alguns
econômico vigente expressa a estratégia de conceitos assemelhados como tive oportunida­
acumulação da fração decapitai que conseguiu de de destacar. O papel da burguesia aqui é
conquistar hegemonia econômica no sentido absolutamente central, e a análise das políticas
gramsciano, bastante diverso da dominação públicas passa fundamentalmente pelo estudo
econômica. Essa estratégia seria, portanto, de sua influência na definição das ações do
um a dentre muitas possíveis, dependendo das Estado.
inúmeras correlações de forças presentes na
sociedade. Segundo esta perspectiva, o cami­ Estado e Atores na
nho estaria aberto inclusive para a conquista Perspectiva Institucional
da hegemonia por frações do capital que, im­
pondo o seu projeto, agissem contra os interes­ D enom inam os neo-institucionalism o a
ses do capital em geral, ou dos capitalistas corrente recente das Ciências Sociais que tem
como classe. Este seria o caso da estratégia de ressaltado, de maneira enfática, a importância
acumulação hegemônica no capitalismo in­ das instituições para o entendimento dos pro­
glês, que subordinando o modelo econômico cessos sociais. O neo-institucionalismo não se
aos interesses dos capitais financeiros da City, configura como uma corrente teórica unitária,
mas como um lugar para o qual têm convergi­
teria levado a uma extraordinária perda de
do teóricos e estudiosos de diversos matizes e
posições dos capitais britânicos no cenário
origens disciplinares no interior das Ciências
internacional.
Sociais, desde a economia neoclássica até a
D a mesma forma que a estratégia de acu­
ciência política de inspiração marxista, por
mulação no campo econômico, existiriam pro­
exemplo. Em todos os casos, esses estudiosos
jetos hegemônicos na sociedade como um
ressaltam que as instituições importam, e que
todo, associados primordialmente a assuntos
longe de representarem um rebatimento de
não-econômicos. As estratégias de acumula­
outros fenômenos ou esferas, as instituições
ção mais próximas do projeto hegemônico te­
devem ser encaradas de forma central nas aná­
riam maiores chances de se tomarem hegemô­ lises relativas aos processos políticos e sociais.
nicas. Ambas as hegemonias estariam ligadas, São enfocadas sob esta ótica questões tão dís­
não apenas às classes ou frações de classe pares como o funcionamento do mercado, as
hegemônicas na sociedade, mas a outros gru­ políticas públicas, a formação das classes so­
pos sociais. Para o autor, os intelectuais orgâ­ ciais e a constituição dos Estados nacionais.
nicos, por exemplo, têm papel de destaque na Para os neo-institucionalistas não é possível
formulação dos projetos hegemônicos. estabelecer grandes postulados definitivos ou
Para Jessop, a forma do Estado é a mate­ teorias gerais, mas apenas teorias de médio
rialização dos projetos, estratégias e lutas alcance baseadas em afirmações provisórias a
ocorridas no passado. A seletividade das estru­ serem testadas e alteradas a partir da realização
turas estatais, portanto, não apenas influi de de estudos históricos.
forma central nos padrões de acumulação e nos A denom inação neo-institucionalism o
projetos de desenvolvimento, como é, ela pró­ sugere uma linhade continuidade com o antigo
pria, produto das lutas travadas anteriormente institucionalismo da Ciência Política, em que
e das diversas estratégias dos atores. se realizavam comparações estáticas de estru­
Apesar de chamarem a atenção para a turas institucionais e jurídicas em diferentes
importância da forma do Estado, Offe e Jessop países e estados norte-americanos.5Esta liga­
não deixam de considerar a centralidade da ção, no entanto, não é verdadeira, e o neo-ins-

75
títucionalism o encontra sua ancestralídade Steinmo, 1992, p. 2, nota 7). Esta definição
muito mais em autores como Alexis de Toc- ampla inclui tanto regras formais como cons­
queville, Karl Marx, Max W eber e Karl Pola- trangimentos informais relacionados com có­
nyi do que no antigo institucionalismo. N a digos de comportamento e convenções em ge­
verdade, as razões da convergência de autores ral. Levy (1991a, p. 81) critica a amplitude
oriundos de lugares teóricos e epistemológicos desta definição e propõe um a distinção entre
tão distintos estão relacionadas justam ente as normas, cujos incentivos e desincentivos
com a rejeição de modelos de análise estáticos, são cognitivos e sociais, e as instituições que
e com a necessidade de incorporar as particu­ “contêm um aspecto legal e repousam num a
laridades específicas de cada situação histórica estrutura relativamente clara de implementa­
nas análises. Sob o ponto de vista concreto, o ção de decisões” . É interessante observar que
neo-institucionalismo surge como uma reação essa distinção é também central para autores
aos estudos de política comparada e de ciência não institucionalistas, como, por exemplo, o
política de inspiração behavioralista presentes marxista analítico Jon Elster, para quem, en­
e hegemônicos no cenário acadêmico e inte­ quanto as normas representam “alguma pro­
lectual norte-americano até a década de 1970.5 pensão psicológica sobre a qual sabemos pou­
Um dos pontos mais importantes da crítica co”, as instituições representam as regras do
neo-institucionalista a estes trabalhos diz res­ jogo postas para todos os agentes sociais em
peito à sua incapacidade de dar conta da diver­ suas decisões individuais, protegendo a socie­
sidade de situações históricas presentes nos dade das “conseqüências destrutivas da paixão
países centrais durante a reestruturação econô­ e do auto-interesse” (Elster, 1994, pp. 148 e
m ica e institucional ocorrida a partir das déca­ 174).
das de 1960 e 70. Quais seriam as razões que Douglass North (1990) propõe a segunda
explicariam as diferentes respostas à crise im­ distinção conceituai importante, sugerindo a
plementadas por países de níveis de desenvol­ separação entre instituições e organizações. A
vimento similares, assim como a diferente efi­ fronteira entre os dois grupos freqüentemente
cácia das reestruturações? Para os autores é de difícil construção, mas representa um
desta corrente analítica, a resposta está na di­ importante passo para o entendimento do fun­
versidade de arcabouços institucionais, e na cionamento de ambos. Em bora North não
forma como as estratégias de reestruturação se compartilhe da primeira distinção com Levy,
articularam com eles. e proponha o estudo tanto de constrangimentos
Duas distinções conceituais devem ser informais como formais, defende que se dife­
estabelecidas antes de apresentarmos a pers­ renciem as instituições das organizações. En­
pectiva neo-institucional. Em primeiro lugar, quanto as primeiras “incluem qualquer forma
é necessário estabelecer os limites do próprio de constrangimento que m olda as interações
conceito de instituição. De uma forma abstra­ humanas” , as segundas englobam “corpos po­
ta, para os neo-institucionalistas, enquanto os líticos (partidos políticos, o Senado, uma prefei­
atores sociais poderiam ser comparados aos tura, uma agência regulatória), corpos econômi­
jogadores em um a partida esportiva, as insti­ cos (firmas, sindicatos, fazendas familiares,
tuições seriam a delimitação do campo e as cooperativas), corpos sociais (igrejas, clubes, as­
regras do jogo. Concretamente, a amplitude do sociações atléticas) e corpos educacionais (esco­
conceito de instituição tem sido motivo de las, universidades, centros de treinamento voca­
polêmica na literatura. Segundo uma perspec­ cional)” (,idem, pp. 4-5).
tiva, as instituições incluem “regras formais, No interior do neo-institucionalismo po­
procedimentos consentidos, práticas operacio­ demos observar duas grandes correntes oriun­
nais padronizadas que estruturam a relação das de pontos de partida muito diversos e que
entre os indivíduos nas várias unidades da discutem os processos analisados aqui:7 a pri­
política e da economia” (Hall apud Thelen e meira originária da teoria da escolha racional

76
e da economia neoclássica e a segunda da mais variados tipos. Os custos de todos esses
sociologia histórica, isto é, de estudos históri­ serviços serão repassados ao negócio. Todos
cos comparativos de inspiração marxista e we- os preços incluiriam, então, além dos custos de
beriana. A primeira corrente é usualmente transformação, custos de transação, e as insti­
conhecida como neo-institucionalismo da es­ tuições serviriam para reduzir estes últimos,
colha racional e a segunda como neo-institu- diminuindo a fricção e tornando possível a
cionalismo histórico. As duas correntes têm disseminação das trocas a custos baixos.
em comum a “preocupação com a pergunta de Autores em uma posição intermediária
como as instituições moldam as estratégias entre os neo-institucionalistas da escolha ra­
políticas e influenciam os resultados políticos” cional e históricos criticam o princípio funcio-
(Thelen e Steinmo, 1992, p. 7). As diferenças nalista presente por trás dessa afirmação, de­
entre as perspectivas, no entanto, são bastante fendendo que as instituições podem até reduzir
grandes, e apesar de esforços de aproximação, os custos de transação, mas não existem para
um diálogo mais intenso parece difícil.9 e por causa disso. Para North (1990), só se
O neo-institucionalismo da escolha racio­ poderia afirmar a funcionalidade das institui­
nal considera as instituições fundamentais ções se se descobrir um ator consciente que as
para a definição das estratégias dos atores. Para construísse, ou ao menos um processo que
eles, as instituições representam constrangi­ selecionasse as mais úteis. Este argumento,
mentos à escolha estratégica, alterando o com­ além de ontologicamente inconsistente para as
portamento auto-interessado. As instituições Ciências Sociais, não se verifica empiricamen­
resolveriam situações de impasse em intera­ te: enquanto uma série de instituições existen­
ções estratégicas, reduzindo a ocorrência de tes historicamente realmente reduzem os cus­
soluções subótimas. Utilizando a teoria dos tos de transação, outras os aumentam. Para
jogos, poderíamos dizer que situações do tipo North, as instituições são o produto da ação
dilema do prisioneiro seriam minimizadas, o estratégica dos atores (embora também sejam
que reduziria os riscos de participar de transa­ um constrangimento a ela) e podem funcionar
ções desse tipo. Através desse conceito de bem ou mal, tanto como produto de intenções,
instituição, os economistas poderiam resolver como de conseqüências não previstas. North
o problema dos custos presentes em qualquer utiliza esta idéia para explicar a existência de
transação oriundos da imperfeição da informa­ tão grandes diferenças entre as performances
ção. Segundo os neo-institucionalistas da esco­ econômicas entre países. Os arcabouços insti­
lha racional, ao contrário do que afirma a teoria tucionais interferem diretamente na economia,
neoclássica, em toda transação o conhecimento reduzindo custos de transação ou aumentando-
dos agentes sobre as condições c^ue cercam o os. Este último caso expressaria boa parte das
negócio não é perfeito e completo. razões da continuidade do atraso dos países do
Em todas as trocas os preços têm imbuti- Terceiro M undo."
dos os custos relativos às incertezas e à redu­ A segunda corrente do neo-instituciona­
ção do risco. N a venda de uma casa, por exem­ lismo corresponde ao neo-institucionalismo
plo, o comprador tentará reduzir o preço por histórico. Os autores desta corrente concordam
não estar perfeitamente informado sobre as que as instituições estruturam as situações em
condições físicas do imóvel, a ocorrência de que os atores se encontram, alterando suas
problemas com a vizinhança etc. O vendedor, estratégias. No entanto, os históricos discor­
por sua vez, tentará aumentar o preço por não dam de que os atores sejam maximizadores
conhecer completamente as condições finan­ bem-informados e egoístas de preferências,
ceiras do comprador, a sua boa fé etc. Para o como considera a escolha racional, afirmando
aumento das informações e a redução dos ris­ que os agentes, na maior parte do tempo, ten­
cos serão contratados advogados, empresas de tam seguir as regras e normas sociais sem
investigação, avaliadores, consultores dos pensar sobre o seu próprio interesse. Além

77
disto, e este é o ponto mais importante, as análise, as fronteiras entre a econom ia e a
instituições para eles não apenas constrangem sociedade são rompidas e as relações sociais
as interações sociais, mas também alteram a se incrustam nas econômicas, exceto por um
conformação das preferências dos atores. En­ curto período de tempo marcado pela existên­
quanto para os neoclássicos e neo-institucio- cia do Iivre-mercado.13
nalistas da escolha racional as preferências são Para os neo-institucionalistas não há va­
exógenas ao modelo, para os neo-instituciona- riáveis especiais a serem consideradas nas aná­
listas históricos as preferências são endógenas, lises, ao contrário de autores marxistas e plu­
sendo construídas social e politicamente no ralistas, para quem as classes e os grupos de
bojo dos processos sob estudo. Para eles, “as interesse são os principais agentes dos proces­
instituições não são apenas mais uma variável, sos políticos. Sem negar a importância das
[...]. Dando forma não apenas às estratégias classes sociais e dos grupos de interesse pre­
dos atores (como na escolha racional), mas às sentes na cena política, os neo-institucionalis­
suas metas também, e mediando suas relações tas chamam atenção para o fato de que as
de cooperação e conflito, as instituições estru­ relações entre instituições e sociedade ocor­
turam as situações políticas e deixam suas rem nos dois sentidos. O que se pretende é
marcas nas conseqüências da política” (Thelen
contextualizar os atores (onde quer que eles
e Steinmo, 1992, p. 9). É com esta corrente que
estejam), seus interesses e ações estratégicas.
o presente texto trabalha, e é a ela que se estará
Nas palavras de Thelen e Steinmo (1992, p.
referindo a partir de agora como neo-institu-
13): “assim como uma configuração institu­
cionalismo.
cional particular estrutura um a situação políti­
ca, um a abordagem institucional estrutura a
O Neo-lnstitucionalism o Histórico explicação dos fenômenos políticos, permitin­
do identificar como essas inúmeras variáveis
O objetivo central do neo-institucionalis-
se relacionam entre si.” Neste sentido, sua
mo é construir uma teoria de médio alcance
crítica à literatura marxista sobre o Estado, por
que estabeleça um a ponte entre análises cen­
exemplo, reside em que os autores marxistas
tradas no Estado e na sociedade, enfocando
realizaram estudos centrados apenas na socie­
variáveis de nível intermediário para dar conta
dade, desconhecendo o papel primordial das
da variação histórica e conjuntural dos fenô­
instituições e dos atores estatais na esfera po­
menos. Os históricos rejeitam o enfoque deter­
lítica.
minista presente em muitas teorias gerais glo-
Além disto, a literatura marxista tendeu a
balizantes como o marxismo, a teoria dos
se concentrar em estudos teóricos extrema­
sistemas e o funcionalismo.l2Para eles, a esca­
mente abstratos, desconhecendo a riqueza dos
la mais propícia para a investigação dos fenô­
menos sociais é o nível intermediário, no qual processos de formação de cada sociedade e
as grandes estruturas como a luta de classes, por cada Estado em particular. Essa tendência le­
exemplo, são mediadas pelas instituições como vou as análises marxistas a um crescente dis­
os partidos, os sindicatos etc., e ganham formas tanciamento da realidade em pírica a ser expli­
históricas específicas, sem o risco de explicações cada, trabalhando com grandes estruturas
deterministas e unicausais. O modelo deste tipo históricas como modos de produção e formas
de análise é o estudo clássico de Polanyi (1980) de coerção. Tilly (1992) denomina este nível
sobre o surgimento e o desaparecimento da de abstração de sistêmico-estrutural, e embora
sociedade de mercado. Embora enfocando as concorde que é necessário estabelecer alguns
transformações em um a macroestrutura, Pola­ conceitos e parâmetros provisórios para que se
nyi ancora sua análise em instituições de nível consiga realizar estudos de natureza histórica,
intermediário — as legislações, as decisões rejeita a idéia de que seja possível realizar
judiciais e as relações tradicionais entre tribos análises nesta escala. O instigante modelo pro­
de sociedades primitivas, por exemplo. Em sua posto por este autor é bastante ilustrativo do

78
tratamento dado pelos neo-institucionalistas às instituições são tais que se estabelece um a
situações históricas. Para o estudo de estrutu­ norma de equanimidade em tomo delas, ocorre
ras e processos, Tilly dá ênfase aos estudos um consenso contingente e os indivíduos acei­
comparativos entre realidades distintas e à ar­ tam as instituições. Quando a justiça e/ou a
ticulação das escalas de análise, conservando reciprocidade da norm a são quebradas, os
para o nível intermediário o papel de articula- agentes têm a motivação para agir contra ela.
dor que permite mediar as ações concretas com Dependendo da capacidade de resistência à
as grandes estruturas e ancorá-las nas estraté­ mudança das forças políticas dominantes (que
gias e comportamentos dos atores. está relacionada com os dois primeiros fatores
Como a ênfase da perspectiva recai sobre — coerção e coação), as instituições podem
a mediação realizada pelas instituições, é fun­ sofrer uma transformação.
damental para esta literatura responder a duas Esta perspectiva de análise permite anali­
perguntas: como são criadas as instituições, e sar a mudança sem simplificar o complexo
como (e por que) elas se transformam. Os quadro político que cerca as grandes transfor­
estudos realizados até o momento respondem mações, enfocando centralmente a estratégia
de forma muito mais satisfatória à segunda dos atores. Ao contrário das idéias de transfor­
pergunta do que à primeira. A estabilidade mação/manutenção centradas na coerção/coe­
institucional estaria associada a fenômenos de são/norma, baseadas em grande parte na força
três ordens: normas, coerção e coação. Os dois (ou na possibilidade dela), as idéias de equanimi­
primeiros processos aumentariam os custos da
dade e de consenso trazem em si uma mistura de
desobediência às instituições, o primeiro pelo
imposição/convencimento que lembra o con­
lado da possibilidade de sanções sociais e o
ceito gramsciano de hegemonia. A “contin­
segundo pelo possível uso da força. O terceiro
gência” do consenso, por seu lado, mantém a
mecanismo agiria aumentando os prêmios de
flexibilidade do modelo explicativo para dar
adesão e obediência a elas através da distribui­
conta das situações históricas. É interessante
ção de benefícios.
observar que o modelo de Levy se aproxima
Margareth Levy, um a autora localizada
muito da análise do m arxista analítico Adam
entre o neo-institucionalismo histórico e o da
Przeworski sobre a construção de instituições
escolha racional, afirma que mudanças ocor­
democráticas, em que se ressaltam diretamente
rem principalmente quando desaparece um
quarto elemento — o consenso contingente. as estratégias e os pactos. Segundo a sua “teo­
Sem negar a importância da coação, das nor­ ria da durabilidade das instituições democráti­
mas ou dos incentivos, Levy (1991a, p. 84) cas” é a adesão voluntária das forças políticas
chama a atenção para o fato de que certas aos pactos e acordos motivada por seus inte­
“decisões institucionais produzem como con­ resses individuais que permite a durabilidade
seqüências não intencionadas um solapamento das instituições. Segundo essa perspectiva, a
daquilo que chamo de consenso contingente, explicação das transformações institucionais
e, por isto, elevam os custos de implementação passa centralmente pela análise da adesão e da
das regras”. A autora propõe a existência de rejeição dos atores sociais às instituições em
dois tipos de normas: um primeiro, de caráter uma dada situação estratégica.
moral e não discutido, e outro, relacional e A influência das instituições na sociedade
contextuai. A obediência a este último tipo tem sido relacionada pelos neo-institucionalis­
estaria condicionada a que os indivíduos con­ tas a duas ordens de questões: a autonomia e o
siderassem que os arranjos institucionais em poder dos atores estatais, e a influência das
vigor são justos e que os demais indivíduos instituições enquadrando a esfera da política.
estão seguindo as regras. Para ela, esta é uma Os dois pontos são discutidos, a seguir, sepa­
norma de equanimidade justa e na qual a reci­ radamente, enfocando centralmente a literatu­
procidade deve estar garantida. Enquanto as ra neo-institucionalista que analisa os “corpos

79
políticos” de Douglass North — as instituições histórica pelas “potencialidades estruturais”
políticas e o Estado, e as políticas públicas. (idem, p. 14) que cercam as ações autônomas
do Estado, pelas estratégias dos vários atores
O Estado como Ator presentes e pelas mudanças implementadas
pelo próprio Estado na organização adminis­
A existência de autonomia do Estado é trativa e na coerção. Segundo a perspectiva
normalmente aceita pelos estudiosos da políti­ neo-institucionalista, apenas a realização de
ca para os períodos de crise e os regimes estudos históricos para cada sociedade e para
totalitários. Para os neo-institucionalistas, no cada processo de formação do Estado permite
entanto, esses períodos apresentam apenas de determinar as autonomias presentes em cada
forma mais transparente um processo contínuo agência estatal em sua conjuntura específica.
presente em todas as sociedades: grupos de Não existem, portanto, Estados fortes ou fra­
funcionários estatais, especialmente de carrei­ cos, visto que as condições de insulamento
ra, relativamente isolados dos interesses pre­ variam muito, segundo as conjunturas. Para os
sentes na sociedade, são capazes de estabele­ neo-institucionalistas as políticas agrícolas
cer políticas públicas de longo prazo distintas implementadas nos Estados Unidos durante o
daquelas preconizadas pelos atores e grupos de entreguerras, por exemplo, somente podem ser
interesses que se dirigem ao Estado. Este poder compreendidas se considerarmos o papel do
está presente fora de períodos excepcionais Estado como ator. Durante um período especí­
porque os funcionários estatais cumprem um fico podemos observar, no interior de um Es­
papel intelectual no sentido gramsciano na tado considerado pela literatura de Ciências
sociedade, baseado não apenas na força e na Sociais como fraco, “um a ilha de força estatal”
coerção, mas também (e talvez principalmen­ (idem, p. 13), ou mesmo períodos de grande
te) na construção de um projeto global, expres­ desenvolvimento e expansão estatais, como os
so através da produção de um diagnóstico dos
aparatos estatais e políticas analisados por
problemas sociais e na elaboração das estraté­
Skowronek (1982) e Bensel (1990) durante a
gias de ação a ele associadas. Para que isto
guerra civil norte-americana. D e um a forma
aconteça, entretanto, é necessário que os fun­
geral, para esta literatura, a definição de força
cionários tenham um certo grau de autonomia
estatal deve ser obtida através da análise com ­
dos interesses presentes na sociedade. Para os
binada de autonomia e capacidade estatais.
neo-institucionalistas, esta autonomia é com­
A afirmação da autonomia estatal não
preendida como um isolamento, expresso pelo
pressupõe a racionalidade do Estado como
conceito de “insulamento” (Skocpol, 1985, p.
ator, mas apenas sua não-subordinação a inte­
13). Este seria função da estrutura organizacio­
resses presentes na sociedade, como afirmam
nal da máquina pública, da estabilidade e con­
solidação das agências e da maior presença de autores m arxistas e pluralistas. Segundo a
controle do Legislativo sobre o Executivo, perspectiva de análise neo-institucional, as
além da estrutura de relações e laços de poder ações das agências estatais podem ser parciais
entre, de um lado, os agentes presentes em uma e fragmentadas, assim como irracionais e de­
determinada agência, e de outro, o nível cen­ sarticuladas. Para aqueles autores, o resultado
tral, as outras agências e o ambiente no qual e a racionalidade das políticas é contingente.
elas estão inseridas. A única certeza que podemos ter com relação
Para os neo-institucionalistas, a autono­ à lógica das ações estatais é de que estas ten­
m ia estatal não é uma característica estrutural tarão ser auto-reprodutoras. As ações do Esta­
do Estado capitalista que possa se definir a do tentarão aumentar ou reproduzir o poder e
priori, como sustentam alguns autores marxis­ o controle das instituições estatais sobre a so­
tas. Ela varia de caso a caso, e dentro de cada ciedade, pois esta é a lógica da ação coletiva
um, de agência para agência. Isto ocorre por­ dos funcionários do Estado. A efetividade des­
que a autonomia é definida em cada situação sas políticas dependerá das estratégias dos ató-

80
res dentro e fora do Estado, além do processo uma postura mais fortemente centrada no Es­
de form ação de suas instituições, que define tado para uma análise das relações, interpene­
em grande parte a existência ou ausência de trações e trocas entre Estado e sociedade resol­
certos “instrumentos de política” para a imple­ ve em parte o problem a, mas cria outro,
mentação das ações. De maneira inversa, o deixando a literatura sem um a definição sólida
processo de produção das políticas públicas da origem do poder na sociedade. A pertinên­
dependerá da própria capacidade do Estado, cia da crítica não retira as grandes potenciali­
visto que os agentes estatais tenderão, majori- dades da perspectiva para a realização de aná­
tariamente, a propor políticas que possam im­ lises concretas, mas põe em dúvida os seus
plementar. limites como teoria dos processos políticos.
Os estudos sobre Estado e políticas públi­ Apesar do neo-institucionalismo se apre­
cas tomariam então um caráter relacional, não sentar como o mais promissor modelo analíti­
se restringindo à análise do Estado e suas co para a discussão do Estado e das políticas,
instituições. Este é um ponto bastante impor­ parece-me que se ressente da falta de uma
tante de se ressaltar, visto que a perspectiva relação mais sólida entre a aceitação da defi­
neo-institucionalista não propõe a substituição nição weberiana clássica do Estado assumida
do privilegiamento da sociedade, típico das em Skocpol (1985 e 1993), por exemplo, e a
operação do modelo analítico. Não ficam mui­
análises marxistas e pluralistas, por um enfo­
to claras, nas análises da perspectiva, as ori­
que meramente estatal. Para eles, além de se
gens do poder político e, por conseguinte, a
analisar a história da formação das instituições
hierarquia dos processos e atores a privilegiar.
e os atores estatais, é necessário observar a sua
Como conseqüência, todos os processos e
posição (política e de poder) em relação aos
agentes são considerados relevantes, adotando
“ambientes socioeconômicos e políticos po­
um a postura teórica quase com pletam ente
voados por atores portadores de interesses e aberta para escolhas analíticas ad hoc, assim
recursos” (Skocpol, 1985, p. 19). O centro da como nos estudos da perspectiva pluralista e
análise deve ser posto na correlação entre os ao contrário do paradigma marxista.
recursos e as posições dos atores estatais e não
estatais, e não na m era observação das estraté­
/As Instituições e a Política
gias dos primeiros. Esta postura já estava pre­
sente nas primeiras formulações da perspecti­
A literatura neo-institucionalista chama
va, mas tem se tornado mais central nos
atenção para um a segunda form a importante
últimos anos, com um afastamento do estudo de influência estatal sobre a esfera da política,
do Estado como ator e um privilegiamento das denominada por Skocpol (1985) de “tocque-
relações e interpenetrações entre Estado e so­ villeana” por ter sido explorada pela primeira
ciedade.14 vez por Alexis de Tocqueville em seu estudo
E interessante transcrever aqui a pertinen­ sobre a revolução francesa e democracia nos
te crítica de Przeworski (1990) à literatura Estados Unidos (idem, p. 21). Segundo esta
neo-institucionalista. Este autor sustenta que a perspectiva de análise, as instituições são cen­
própria idéia de autonomia não tem sentido trais no estudo da política não apenas pela
dentro do quadro conceituai neo-instituciona­ importância do Estado como ator e autor de
lista. Como a origem do poder estaria no Esta­ ações específicas, mas porque ele, assim como
do, pelo monopólio dos meios legítimos de as demais instituições políticas, influenciam
exercício da força, o único conceito de autono- diretamente a cultura política, a estratégia dos
m iapossível diriarespeito àsociedade. Assim, atores e a produção da própria agenda de ques­
poderíamos discutir se a sociedade é autônoma tões a serem objeto de políticas, enquadrando
do Estado, origem última do poder, mas não a luta política através das suas instituições.
indagar se o Estado é independente da socie­ Para a observação do caráter “tocquevilleano”
dade. O deslocamento recente da literatura de do Estado e demais instituições é necessário

81
observá-lo de um a perspectiva macro, anali­ dos conseguem induzir demandas por questões
sando a relação entre sua estrutura, suas inter­ passíveis de solução, reduzindo o risco de im ­
venções e a esfera da política como um todo. passes no sistema político. Conseqüentemen­
A influência das instituições ocorre de te, o debate que cerca as políticas públicas a
diversas formas. Em primeiro lugar, a própria serem implementadas
formulação das representações sobre a política “depende majoritariamente da estrutura
e a possibilidade de sucesso nas demandas são social da nação e dos acordos políticos [...] mas
mediadas pela formação histórica daquele Es­ também depende das formas como as políticas
tado e suas instituições políticas. As repre­ existentes [...] influenciam as alianças políti­
sentações dos atores sobre temas como, por cas e fazem surgir debates sobre outras alter­
exemplo, partidos, políticas públicas e cidada­ nativas” (Weir et alii, 1988, p. 5).
nia são fortemente influenciadas pela forma Um bom exemplo desta influência está na
como historicamente o Estado se comportou e descrição que Skocpol (1994) apresenta da
como se configura no momento atual. Por ou­ transformação das preferências e possíveis
tro lado, para além da existência concreta de alianças do movimento sindical norte-ameri­
Estado e de suas políticas, pode-se discutir a cano na virada do século. A partir de 1880,
existência, também real, de um sentido ou inúmeras derrotas do trabalho nos tribunais
sentimento de Estado. Este sentimento, ou a provocaram um sistemático retrocesso nos
ausência deste por razões históricas concretas, avanços conquistados na esfera legislativa.
por exemplo, seria para alguns autores a razão Isso tomou os sindicatos, e especialmente sua
principal para a ciência política americana federação nacional, avessos a qualquer estra­
continuamente afirmar a excepcionalidade do tégia de implantação de políticas que passasse
caso dos EUA e a natureza “liberal” daquela pela legislação e o Estado, tornando impossí­
sociedade como uma sociedade sem Estado.15O vel a formação de um a coalizão entre trabalha­
que seria particular do caso norte-americano não dores e reformistas sociais. Ao contrário do
seria a ausência de Estado, capaz, já antes da que postulam os autores pluralistas, portanto,
guerra civil, de construir (a partir da inde­ os inputs do Estado não são dados inteiramente
pendência e, mais tarde, da adesão das ex-Colô- de fora, mas dependem, em grande parte, do
nias à Constituição) e manter uma soberania próprio Estado como ator e como instituição.
nacional sobre um território significativamen­ D a mesma forma, ao contrário do que gosta­
te grande e sempre em expansão (através de riam os partidários da escolha racional, a for­
guerras por ele patrocinadas). A particularida­ mação das preferências não é externa aos acon­
de estaria na ausência de um sentimento de tecimentos políticos, mas, em grande parte,
Estado nasociedade americana, incluindo seus por eles produzida.16
cientistas sociais, que teriam sempre trabalha­ Em terceiro lugar, as instituições políticas
do para dem onstrar o que não estava presente mediam a relação entre as estratégias dos ato­
sem conseguir compreender o que estava. res e a implantação de determinadas políticas
Em segundo lugar, os grupos de interesse públicas. A existênciae o desenho das institui­
se formam e produzem suas agendas em diá­ ções permitem que demandas expressas de
logo com a reprodução de suas questões em formas similares por atores de poder equiva­
estruturas organizacionais e agências estatais lente tenham resultados totalmente diversos,
existentes. Neste sentido, a criação de uma como mostrou Immergut (1993) com relação
agência responsável por determinado tema ou às políticas de saúde na França, n a Suécia e na
política gera, por si só, um potencial aumento Suíça. A análise daquela autora demonstrou a
de demandas por aquele tema, provocando importância do estudo de como as instituições,
um a possível alteração na agenda de questões fixando as regras do jogo político, moldam
que são levadas ao Estado. Esta é a razão pela situações de resultados diferentes. Para Im-
qual, através de acordos corporativos, os Esta­ mergut, a chave para a compreensão do papel

82
institucional no resultado da política passa tância de diversos atores, assim como o timing
pelo mapeamento dos pontos no processo de de todos estes processos, devem ser estudados
decisão nos quais certos atores podem exercer integradamente. A articulação histórica espe­
poder de veto, denominados pela autora de cífica destas questões para cada Estado em
“pontos de veto”. cada conjuntura define condições diferencia­
Por fim, o ajuste entre a estrutura da orga­ das de construção das políticas de bem-estar,
nização dos demandantes por políticas públi­ e explica o surgimento do Estado de bem-estar
cas e a forma como estão organizadas as insti­ matemalista norte-americano do pós-Guerra
tuições (temática e espacialmente), define, em civil, da proteção precoce da Alem anha de
grande parte, as chances de vitória e mesmo as Bismarck e das alianças entre reformistas e
possibilidades de crescimento na mobilização. trabalhadores na Inglaterra.
O melhor exemplo desta influência está na
centralidade, na análise de Skocpol (1994), do Corporações e Atores
encaixe entre a estrutura das organizações de­ na Análise Setorial
mandantes (de reformistas sociais e de mulhe­
res no pós-Guerra civil) e a estruturação do Os estudos da análise setorial visam ana­
sistema político norte-americano, centrado nas lisar o “Estado em ação”.17 Neste sentido, não
comunidades e em esquemas de clientelismo explicitam propriamente uma visão sobre a
eminentemente locais. Para ela, este encaixe natureza do Estado, centrando suas preocupa­
foi um dos principais definidores do sucesso ções nas políticas e ações do Estado, tanto em
das demandas no caso estudado, e do desen­ seus aspectos de normatização e controle sobre
volvimento de políticas maternalistas de bem- atividades e processos, quanto de intervenção
estar e não de uma reforma social de suporte direta. Esta ação do Estado é marcada por
paradoxos e contradições, relacionados com
ao trabalho, como iria acontecer nos países
características da estrutura estatal e das respos­
europeus algumas décadas depois.
tas dos diversos aparatos e agências aos pro­
As interpretações do neo-institucionalis-
blemas colocados a partir da sociedade. Por
mo para o surgimento diferenciado das políti­
esta razão os autores rejeitam de forma enfáti­
cas de bem-estar entre os vários países capita­
ca a idéia de um Estado racional e unificado,
listas in d u stria liz ad o s estão diretam ente
capaz de imprimir à sociedade a sua racionali­
associadas a essas formas de influência das
dade. Discordam, portanto, do princípio geral
instituições sobre a política. Para entendê-lo é
da literatura marxista de que o Estado é captu­
necessário estudar os processos de formação
rado, direta ou indiretamente, por classes ou
dos diferentes Estados, os vários contextos grupos sociais. Para eles, as relações Estado-
h istó rico s e in stitu c io n ais e as diversas sociedade são complexas, diversas e mediadas
alianças entre os atores presentes em cada por uma série de questões relacionadas a cada
caso. Uma série de outros argumentos, associa­ política e grupo social diferenciado. O resulta­
dos aos valores nacionais, ao desenvolvimento do das políticas é necessariamente contingen­
do capitalismo, ao grau de industrialização, ao te, sendo o papel dos atores fundamental.
nível do conflito de classes e à presença de Para a análise setorial, a ação estatal é
movimentos operários expressivos devem ser responsável pelam anutenção da coesão social,
relegados ao segundo plano em favor da aná­ entendida como a existência de um mínimo de
lise do processo político-institucional a partir ordem e da aceitação de regras comuns de
do qual é possível unificar os nexos causais e convivência. A coesão é colocada em risco
os processos em curso. Processos tão diversos pelos desajustamentos entre os diferentes sis­
como a elaboração da Constituição, o envolvi­ temas sociais e pelo descolamento dos sujeitos
mento em guerras, a democratização da políti­ do sistema de valores que representae justifica
ca e o surgimento de eleições, a consolidação a ordem social. Para a análise setorial, o Estado
da burocracia de Estado, e a presença e impor­ restabelece continuamente a coesão (embora

83
de forma contraditória), através de ações de compatível com os grupos dominantes, e a
regulação e legitimação. legitimação deveria manter em níveis baixos a
A regulação é realizada através da ação insatisfação dos grupos dominados, mas nem
reequilibradora do Estado entre os diferentes sempre acontece assim. A ação do Estado é
subsistemas sociais, tendo em vista o fato de contingente e as lógicas dela resultantes são,
que cada subsistema obedece a lógica e ritmo por vezes, incompatíveis, apesar da subordina­
próprios, e que um mínimo de compatibilidade ção de toda ação estatal aos constrangimentos
entre eles é fundamental para a reprodução da ordem social vigente. Por esta razão, para
social. No caso da sociedade ser estruturada esta perspectivade análise é necessário estudar
principalmente através de diferenciação terri­ as políticas setoriais bem de perto, observando
torial, a regulação tom a a forma de um a ação seus atores e sua articulação política particular.
equilibradora das unidades espaciais, como,
por exemplo, políticas de desenvolvimento de A imprevisibilidade dos resultados da po­
periferias ou regiões periféricas. No caso da lítica ocorre, em primeiro lugar, porque o pro­
forma predominante de diferenciação social cesso de produção dos atores sociais é múltiplo
ser setorial, a ação do Estado toma a forma de e variado, não sendo possível prever a trans­
políticas de desenvolvimento ou regulação de formação das tensões sociais em problemas
setores da sociedade. Por setor se entende aqui, políticos a serem objeto de intervenção do
e esta é um a categoria muito importante para Estado. Em segundo lugar, porque é impossí­
esta perspectiva de análise, “um conjunto de vel prever exatamente a reação dos diferentes
papéis sociais estruturados através de uma ló­ atores às políticas de Estado, sendo irrealizável
gica vertical e autônoma de reprodução” (Jo- para este um cálculo de custos e benefícios de
bert e Muller, 1987, p. 18). Para estes autores, cada ação particular. Em terceiro lugar, a in­
os “papéis sociais” estruturados e estruturantes certeza está presente porque é necessário sepa­
dos setores estão associados a práticas profis­ rar capacidade de elaboração da capacidade de
sionais, e suas identidades, a identidades pro­ execução das políticas. Esta última está a cargo
fissionais. das burocracias responsáveis por cada agência,
Chama-se de ações legitimadoras, por ou­ o que aumenta a imprevisibilidade dos resul­
tro lado, às intervenções que aumentam a acei­ tados da ação estatal. Os conflitos interburo-
tação das regras e valores relacionados com as cráticos não expressam problemas técnicos,
diversas hegemonias existentes na sociedade. mas a construção de “atores administrativos”
A idéia aqui presente não é de homogeneiza­ (idem, p. 45).
ção absoluta, visto que continuam coexistindo Apesar de todas essas questões, a ação do
diversas formas de vida e até modos de produ­ Estado guarda certa coerência interna e estabi­
ção na sociedade, mas de reprodução do con­ lidade. Para os autores, isto ocorre porque o
sentimento da dominação por certo modo de Estado age transformando seus próprios in-
vida, sem fazer desaparecer os outros. As ações puts. Em primeiro lugar, o Estado altera a
legitimadoras do Estado podem ser reconheci­ produção dos atores, concedendo condições
das no tratamento diferenciado dispensado aos diferenciadas de interlocução e diálogo, ou
grupos dominados e na “gestão da heteroge­ mesmo distribuindo de forma não uniforme
neidade” (idem, p. 17) entre os diversos grupos recursos financeiros. Esta é a principal razão
presentes na ordem social. para o desenvolvimento de pactos corporati­
As ações estatais incluem sempre ações vos que, trazendo para o âmbito do Estado a
reguladoras e legitimadoras, mas não necessa­ concertação social, aumentam a previsibilida­
riamente de uma forma coerente ou conver­ de e reduzem os riscos. Além disto, e este
gente. As diversas intervenções do Estado ponto é fundamental, o Estado enquadra ques­
apresentam caráter contraditório. Para que não tões e atores por sua própria ação e estrutura­
houvesse conflitos, a regulação deveria ser ção internas. Isto é, as questões que entram na

84
agenda são, principalmente, as que aparente­ como pela definição e redefinição da relação
mente podem ser resolvidas, criando uma certa global-setorial.
convergência sobre as questões em debate. Para a análise setorial, o estabelecimento
Para a análise setorial, toda política públi­ das hegemonias profissional e administrativa
ca é concebida a partir de um a representação é um a condição básica para a existência e a
do setor à qual ela se refere, assim como a um implementação de uma determinada política,
conjunto de normas, organizações, técnicas e definindo os limites, as questões relevantes e
recursos de poder que a implementarão. Para os atores participantes dos processos políticos
a análise das políticas é necessário integrar a no interior do setor. Os sujeitos profissionais e
dimensão da representação à dimensão das administrativos dominantes modelam o setor
práticas, visto que estas estão intimamente in­ à sua imagem e segundo seus interesses, dando
terrelacionadas. Para esta perspectiva de aná­ a ele forma e conteúdo. Os autores denominam
lise, as políticas são compostas de três elemen­ esses atores de mediadores das políticas públi­
tos im portantes, denom inados por eles de cas. Além disso, para que exista uma política
“chaves de análise” : a relação global-setorial, pública, é necessária a acomodação e a articu­
o referencial do setor e os mediadores da polí­ lação das lideranças nos dois campos, estabe­
tica. lecendo um a relação convergente entre as
Por relação global-setorial os autores de­ ações do Estado e da corporação profissional
nominam um certo entendimento do setor que setorial. Na verdade, a construção das duas
o recorta da realidade global, definindo atores lideranças ocorre de forma concomitante, as­
sim como a elaboração da relação global-seto­
e questões pertinentes. A divisão entre setores
rial.
é apenas analítica e extremamente fluida. Os
O último ponto importante colocado pe­
setores se interpenetram e se superpõem, e por
los autores no que diz respeito à relação glo­
isto não são definidos por indivíduos, que par­
bal-setorial enfoca a questão da articulação dos
ticipam de mais de um setor ao mesmo tempo,
diferentes setores. Para eles, os diferentes se­
mas por papéis sociais. Cada indivíduo se in­
tores se hierarquizam na sociedade e no Estado
sere em vários setores, considerando suas di­
segundo a importância de cada um na divisão
versas atividades: se insere em um setor como
social do trabalho e a posição de poder de suas
profissional, em outro como militante político, lideranças hegemônicas na sociedade. Essa
em vários outros como consumidor etc. hierarquia explica a distribuição de recursos e
Os setores são estruturados por diversas
investimentos do Estado e a importância e o
lógicas internas, mas a análise setorial destaca
status de cada setor e profissão na sociedade.
duas: a profissional e a administrativa. A pri­ O segundo elemento fundamental para a
meira é a dominante na sociedade civil, crian­ análise setorial é o referencial do setor. Por
do um a corporação profissional setorial, no referencial os autores denominam a repre­
interior da qual determinados profissionais são sentação do setor, assim como o seu papel na
dominantes e conseguem impor sua visão de sociedade. O referencial é composto analitica­
mundo, do setor e de seu objeto de trabalho. mente por um a representação da sociedade —
D a mesma forma, o Estado se estruturará coe­ o referencial global — , por um a representação
rentemente com os limites do setor estabeleci­ do setor — o referencial setorial — , e por uma
dos na relação global-setorial, desenvolvendo articulação entre ambos.
estratégias de organização e especializando Por representação da sociedade se preten­
determinados funcionários como especialistas de definir um conjunto de normas e valores
sobre as questões pertinentes ao setor. Estes sobre a sociedade inteira integrados ao modelo
funcionários, longe de se relacionarem entre si cultural e aos valores dominantes. Este referencial
de form a harmônica, estabelecem lutas pelo está diretamente associado a um certo projeto
controle administrativo sobre o setor, assim de sociedade, produzido a partir dos projetos

85
dos atores hegemônicos na sociedade como estabelecida através de certos elementos de
um todo — os mediadores globais. Este con­ transição que integram os referenciais setoriais
junto de valores e normas não é, de forma no referencial global. A possibilidade de um
alguma, neutro, mas está atado de forma indis­ determinado projeto corporativo setorial se
solúvel às relações de dominação ali presentes. transformar em hegemônico no setor está inti­
Como aquelas, o referencial global é múltiplo mamente ligada à sua aderência ao referencial
e contraditório, consistindo, na verdade, em global. Em um contexto geral de hegemonia
um a hierarquia entre as diversas normas coe­ de um ideário privatista, por exemplo, é muito
xistentes na ordem social. Esta hierarquia é difícil que um projeto corporativo de cunho
produto das relações de força entre os diversos estatista e redistributivo se tom e hegemônico
grupos, atores e mediadores presentes no cam­ em âmbito setorial, ou caso consiga estabele-
po político. E interessante observar aqui como cer-se, venha a ganhar hegemonia na socieda­
a idéia de referencial global se aproxima do de e se transformar em política.
conceito de projeto hegemônico apresentado O terceiro elemento-chave da análise se­
por Jessop (1983). Os agentes que produzem torial das políticas públicas está nos mediado­
socialmente estas duas representações, no en­ res setoriais. Estes atores cumprem um a fun­
tanto, são totalmente diversos, conforme terei ção intelectual no interior do setor no sentido
oportunidade de discutir mais tarde neste tex­ gramsciano do term o.18 Não se trata de produ­
to. zir novas técnicas ou formas de intervenção,
O referencial setorial, de forma similar ao mas de elaborar um a visão da sociedade e do
referencial global, expressa as normas e valo­ setor, um projeto sociocultural, e a partir dele
res com relação ao setor. Esta imagem é social­ estabelecer um campo normativo próprio. Não
mente construída e é objeto de disputa entre os se trata também da produção de umaideologia,
atores ali presentes. Para a análise setorial, o mas de construir uma representação social a
referencial do setor expressa os valores do partir das práticas concretas existentes no setor
grupo profissional dominante no seu interior e na sociedade.
— o mediador setorial. Por ser produzido so­ Para a análise setorial, os mediadores glo­
cialmente, também não é coerente e racional, bais da sociedade m oderna são os tecnocratas.
mas expressa no campo dos valores e normas De um a certa forma, todos os agentes setoriais
as lutas estabelecidas pelos diversos grupos hegemônicos também contribuem para a pro­
pela hegemonia setorial. A principal conse­ dução do referencial global. A diferença entre
qüência da representação do setor é o estabe­ os profissionais tecnocráticos que produzem
lecimento de seus limites, definindo atores e os dois tipos de referencial está em que os
questões relevantes. Assim, os grupos sociais mediadores setoriais têm sua temática associa­
presentes no setor lutam entre si para o estabe­ da mais diretamente ao seu setor respectivo.
lecim ento de seus referenciais particulares Para esta literatura, os mediadores podem estar
porque estes definem não apenas olhares sobre no interior do Estado ou fora dele, e nos dois
os diversos problemas colocados, mas também casos terão estratégias diferenciadas — corpo­
os próprios problemas e seus interlocutores. rativa e hegemônica, respectivamente. Estas
Os referenciais são simultaneamente objeto e duas estratégias, no entanto, terão sempre o
instrumento da hegemonia dos mediadores, caráter de decodificação do referencial global
definindo a relação global-setorial e estabele­ e de recodificação, tanto do seu projeto políti­
cendo as abrangências espaciais, temáticas e co, como da “setorialização” do referencial
sociais de cada política pública. global no referencial setorial. A partir desta
Por fim, resta assinalar que os dois tipos recodificação são produzidas as normas e téc­
de referenciais não existem de forma autôno­ nicas de intervenção relativas ao setor. Os
m a e separada, e apenas analiticamente podem autores da análise setorial chamam atenção
ser diferenciados. A relação entre eles pode ser para o fato de que de forma concomitante são

86
produzidos “algoritmos” ou “receitas” de ca­ Para esses autores, pelo menos quatro di­
ráter normativo que resumem o referencial mensões deveriam ser melhor observadas nos
setorial e ao mesmo tempo orientam os com­ estudos sobre a política, o Estado e o desenvol­
portamentos no interior do setor. vimento:

• A efetividade dos Estados varia principal­


Estado, Sociedade e Atores
mente por suas diferenciadas formas de ar­
na State-in-Society Approach
ticulação com suas sociedades, e não apenas
A abordagem do Estado-na-sociedade pelo insulamento de suas burocracias. Acre­
constitui um a contribuição bastante recente, dito que essa questão já havia sido resolvida
caracterizada principalm ente pelos artigos pelos neo-institucionalistas através de um
presentes na coletânea Migdal, Kohli e Shue refinamento do conceito de insulamento
(1994). Os autores desta abordagem partem de que apontou para as diferenciadas formas de
um a leitura crítica da literatura neo-institucio- articulação entre Estado e sociedade, e não
nalista, de forma a recolocar o eixo de pesquisa apenas o isolamento dos aparelhos e agên­
em um a perspectiva de análise mais equilibra­ cias do primeiro. O excelente texto de Evans
da entre Estado e sociedade. Embora concor­ (1993) é um bom exemplo desta elaboração
dando com a crítica neo-institucionalista às mais recente, que refina bastante o conceito
análises marxistas e estrutural-funcionalistas de Skocpol (1985), associando a perfor­
com relação à importância do papel do Estado mance diferenciada dos Estados a uma com­
e das instituições políticas, os autores dessa binação entre insulamento e inserção — a
corrente de análise afirmam que os neo-insti- autonomia inserida.
tucionalistas foram longe demais no destaque • Os Estados devem ser desagregados, estu­
do papel do Estado nas análises, desequilibran­ dando-se não apenas as agências e políticas
do os estudos e deixando de priorizar dimen­ do topo da organização estatal localizadas
sões e atores fundamentais localizados na so­ espacialmente nos centros do poder, mas
ciedade. também organizações envolvidas com polí­
Acredito que a maioria das críticas do ticas menos centrais e níveis de governo e
State-in-society se aplica de forma precisa aos localizações periféricas. Este ponto é funda­
primeiros textos neo-institucionalistas, como mental para que seja possível concretizar as
Skocpol (1979 e 1985) e Amenta e Skocpol articulações entre Estado e sociedade, visto
(1986), por exemplo. Os textos mais recentes
que os padrões de relacionamento (e conse­
dos autores daquela abordagem já haviam in­
qüentemente o insulamento e a inserção)
corporado muitas das questões colocadas pela
não se reproduzem de cima para baixo ao
abordagem do State-in-society, e a apreensão
longo das estruturas estatais. De form a con­
dessa literatura deve levarem conta os avanços
comitante com a existência de grande auto­
verificados pelos neo-institucionalistas repre­
nomia nos níveis centrais, podem existir
sentados, por exemplo, por Skocpol (1993 e
situações locais (temática e geograficamen­
1994), Bensel (1990) e Immergut (1993).19
te), em que ocorra grande articulação ou até
Apesar disto, o destaque específico da aborda­
mesmo a captura de agências e organizações.
gem do State-in-society no fato de que os
De uma forma geral, os governos locais são
Estados são parte da sociedade e são influen­
mais expostos e potencialmente permeáveis
ciados por ela tão ou mais do que a influenciam
aos interesses e pressões dos agentes pre­
me parece bastante interessante para a discus­
sentes na sociedade.
são, especialmente pela ênfase na autonomia e
na permeabilidade do Estado. Além disto, essa • A importância e a força de agentes sociais,
perspectiva destaca importantes questões de assim como a dos Estados, são contingentes
escala de análise e tenta avançar na diferencia­ das situações históricas concretas. O lugar
ção interna ao Estado. dos sujeitos na estrutura social ou nas rela-

87
ções de produção não define de antemão sua coerente e articulada das políticas e ações do
influência. Acredito que esta crítica não se Estado, o estudo das arenas múltiplas pode
aplica à literatura neo-institucionalista, ex­ auxiliar enormemente nas análises.
ceto ao tratamento dispensado ao Estado Como conseqüência da embricação do
nas primeiras formulações daqueles auto­ Estado na sociedade, mesmo que um Estado
res. Aplica-se à literatura marxista do Esta­ conseguisse produzir um projeto político de
do e, como vimos, o poder da burguesia forma absolutamente autônoma, o que é alta­
depende das situações concretas e das estra­ mente improvável, a execução e a gestão da
tégias dos atores presentes na luta política. intervenção passariam pela contínua negocia­
N a verdade, este já era um dos pontos prin­ ção com os atores sociais, resultando em um a
cipais da crítica neo-institucionalista ao política diversa da planejada. Raramente um a
marxismo. força social consegue dominar sem alianças,
coalizões e acomodações, o que invariavel­
• O poder do Estado e da sociedade não com­
mente a transforma. Esta é a conclusão de
põe um jogo de soma zero, e Estado e socie­
Hagopian (1994) com relação ao caso brasilei­
dade podem ter mutuamente poder. Trans­ ro durante o regime militar. A autora ressalta
fo rm a çõ e s so c iais podem re d u z ir ou a transformação do projeto político dos gover­
aumentar o poder dos dois campos sem que nos militares, de um primeiro momento de
haja necessariamente uma troca de poder, centralismo tecnocrático e de despolitização
como se este fosse um a substância com das questões, a um segundo, de composição
quantidade definida e imutável. com as elites políticas regionais tradicionais.
Para a autora, a razão para tal mudança de
Para a abordagem do State-in-society, os rumo estaria em que
padrões de dominação presentes em uma for­
mação social são definidos por diversas lutas, “o grau e a direção da mudança política possível
algumas grandes e localizadas, outras disper­ [...] foram constrangidos pela herança da forma
sas e subliminares. Os autores destacam a exis­ como a sociedade era organizada politicamente e
vinculada ao Estado, e de como o autoritarismo
tência de “múltiplas arenas de dominação e
foi formado a partir das relações preexistentes
oposição” (Migdal, 1994, p. 9) como os luga­
entre sociedade e Estado” (idem, p. 39).
res nos quais são gestados e transformados os
padrões de dominação. Para eles, a maioria dos Considero um a simplificação a idéia de
estudos tem localizado a atenção nas grandes que o projeto autoritário-burocrático implan­
batalhas travadas no âmbito nacional por for­ tado no Brasil não foi bem-sucedido por não
ças sociais de larga escala (sociedade civil, ter transformado definitivamente a política,
Estados inteiros etc.). Sem desprezar a impor­ visto que o insulamento produzido pela despo­
tância dessas lutas, o State-in-society pretende litização tecnocrática verificada no início do
iluminar as demais lutas pelo poder ocorridas regime permitiu o direcionamento de um pro­
nas arenas múltiplas, assim como as respostas jeto de desenvolvimento altamente bem-suce­
diferenciadas dos diversos níveis e agências do dido sob o ponto de vista econômico. Não há
Estado a uma mesma dinâmica ou processo. dúvidas, no entanto, quanto à transformação
A importância desse destaque está em verificada em uma série das políticas implan­
que, na maioria dos casos históricos, a domi­ tadas pelo regime. Em inúmeros casos, como
nação não é integrada, o Estado obedece a um os das políticas de habitação e infra-estrutura
padrão coerente e articulado. Quase sempre a urbana, podemos observar uma trajetória que
dominação ocorre de forma dispersa, e nem o vai da racionalidade econômico-financeira no
Estado, nem nenhuma outra força social con­ desenho da política ao uso clientelista dos
seguem tornar hegemônica a dominação em recursos na sua implementação.
todas as frentes em todo o território nacional. Para os autores da State-in-society, as es­
Como nesses casos não ocorre uma condução tratégias e as alianças constitutivas da política

88
só podem ser percebidas se levarmos em conta sofrer pressões de poderosos grupos de in­
o “labirinto de ramificações e organizações teresse nacionais e internacionais sobre as
estatais” (Migdal, 1994, p. 14), e não observar­ estratégias mais gerais a serem decididas
mos apenas as elites estatais nas agências cen­ com relação, por exemplo, ao modelo de
trais. O estudo do Estado e suas políticas passa industrialização e desenvolvimento.
então pela análise dos diferentes níveis do
Estado, incluindo os pontos mais baixos de sua Além das pressões externas sofridas pelos
hierarquia em que seu relacionamento com a agentes estatais, a perspectiva do State-in-so-
sociedade é mais direto, e, principalmente, ciety destaca três outros tipos de influências
pelo estudo da relação entre os níveis da orga­ internas ao próprio Estado: de cim aparabaixo,
nização estatal. Para esta perspectiva, o resul­ ou de supervisores, chefes ou do topo da hie­
tado final do jogo político não é produto dos rarquia; de baixo para cima, de subalternos ou
interesses do Estado entendido abstratamente, agências relacionadas com a prestação direta
como gostariam os neo-institucionalistas, mas de serviços e ações; e horizontais, de outras
o resultado da “complexa interação entre os di­ agências estatais. O resultado geral da super­
ferentes níveis do Estado e as pressões particula­ posição entre as pressões e estratégias nos
res enfrentadas em cada nível” (idem, p. 15). diferentes níveis e localizações explica porque
Com objetivos analíticos, os autores pro­ os Estados muito raramente apresentam uma
põem dividir o Estado em quatro níveis, dife­ única resposta unificada e homogênea a um
rindo em relação ao tipo de pressões enfrenta­
conjunto de ações. Por esta razão, os autores
das de autores não estatais. São eles:
destacam, é impossível se afirmar a existência
de uma autonomia geral para o Estado, mas
• As trincheiras — nível diretamente execu­ um a miríade de autonomias contingentes de
tivo das agências locais, onde o contato com conjunturas concretas.
a população alvo é direta. As pressões ten­ De um a forma mais global, o resultado
dem a ser diretas e intensas, mas apresentam
das pressões mútuas entre Estado e sociedade
caráter tópico e localizado.
é compreendido pela literatura através de qua­
• Os escritórios de campo dispersos — tra­ tro resultados tipos ideais. O primeiro é a trans­
tam-se das organizações locais e regionais formação total da sociedade, com o Estado
que trabalham em circunscrições territoriais penetrando, cooptando, destruindo ou subju­
menores que o Estado-nação, e são respon­ gando as forças sociais à sua dominação. Si­
sáveis pelas decisões-chave sobre a aloca­ tuações históricas raramente se aproximam
ção de recursos e às vezes de definição de deste tipo, visto que a própria incorporação dos
políticas. Tendem a sofrer pressões mais grupos sociais à nova forma de dominação a
amplas e articuladas de agentes sociais lo­ transforma de alguma maneira. No segundo
cais e regionais, assim como intervenção de tipo, o Estado incorpora as forças sociais exis­
organizações estatais centrais. tentes. Neste caso, o Estado é bem-sucedido ao
» Os escritórios centrais das agências — imprimir um certo padrão de dominação, mas
representam as elites burocráticas de cada no decorrer do processo ele próprio é transfor­
agência e a política setorial, localizando-se mado pelas alianças que possibilitam a incor­
na capital ou nas mais importantes cidades, poração dos atores não estatais, sendo o resul­
e definindo o escopo e desenho geral das tado geral a implantação de um novo padrão
políticas. Tendem a sofrer a influência de de dominação. Para Migdal (1994), a situação
grandes grupos de interesse articulados na­ brasileira, conforme a análise de Hagopian
cional ou internacionalmente. referida anteriorm ente, aproxim a-se deste
• O alto comando — nível mais alto do Esta­ tipo. No terceiro tipo ideal o Estado é incorpo­
do, onde estão localizados os mais impor­ rado pelas forças sociais existentes. Neste
tantes elementos da elite estatal. Tende a caso, apesar dos esforços do Estado, não se

89
impõe um novo padrão de dominação, ou no dos como dados. Acredito que a introdução da
novo padrão não estão presentes novas forças contingência no processo político passa pelo
estatais, mas forças não estatais que galgaram privilegiamento de outros atores nas análises do
posições nas estruturas de poder. Em ambas as comportamento do Estado. Destaco a relevância
situações, o resultado concreto difere signifi­ dos dois mais importantes para as políticas pú­
cativamente do projeto elaborado pelos agen­ blicas: os agentes estatais e as corporações pro­
tes estatais. No quarto e último tipo ideal, o fissionais, discutindo concomitantemente as
Estado falha completamente em suas tentati­ conseqüências das suas ações para a contin­
vas de penetrar na sociedade. Assim como no gência dos resultados da política.
primeiro tipo, dificilmente casos históricos se Como ressaltei através da literatura neo-
aproximam desta situação. institucionalista, é necessário primeiramente
A dinâmica das relações entre Estado e levar a sério a influência das instituições polí­
sociedade, destacam os autores, leva constan­ ticas e do próprio Estado. Se a classe capitalista
temente à transformação mútua e gradual dos ou alguma de suas frações defendem uma de­
dois pólos ao longo das lutas cotidianas trava­ terminada política, dependerão dos funcioná­
das nas múltiplas arenas. Migdal (idem) obser­ rios do Estado para implementá-la. Estes, ape­
va que ao longo dos confrontos entre Estado e
sar de co n s tra n g id o s p elas c o n ju n tu ra s
sociedade ambos têm suas próprias fronteiras
concretas de que se cercam, podem agir por
redefinidas continuamente na medida em que
conta própria. Além disto, mesmo que tenham
agentes estatais e forças sociais têm sucesso
interesse em implementar determinada políti­
em estabelecer vitórias parciais e localizadas
ca de interesse do capital, ainda devem conse­
nas arenas múltiplas, alterando, conseqüente­
guir fazê-lo, tarefa às vezes bastante árdua. D a
mente, seus oponentes. Para esta perspectiva,
mesma forma, mesmo que o capital, em deter­
considerar as “relações E stado-sociedade
minado momento, tenha interesse em extin­
como se ambas tivessem fronteiras firmes,
guir ou substituir instituições e funcionários
como fez boa parte da recente teoria social, é
perder a mais importante parte da dinâmica das rebeldes ou ineptos, também terá de conseguir
lutas de transformação” (idem, p. 26): a coti­ fazê-lo. Esta pode ser outra tarefa extrema­
diana interação e transformação das forças so­ mente difícil, visto que a consolidação das
ciais nas múltiplas arenas, razão última da agências estatais em estruturas burocráticas
contingência dos processos políticos. modernas lhes empresta um a grande inércia.
Por outro lado, como afirma Fred Block
(1981), a classe capitalista dispõe de um poder
Em Direção a uma Crítica:
de veto que se expressa através da confiança
Atores, Constrangimento Estrutural e
do mundo dos negócios. Esta abordagem, en­
Resultados Contingentes
tretanto, aparentemente desconsidera que o
O princípio marxista geral de privilegiar controle sobre a máquina também significa
os capitalistas como atores individuais ou co­ poder, associado às sanções que os órgãos e
letivos na constituição das ações do Estado me políticas estatais podem im por aos capitalistas
parece correto. Isto porque, como tivemos e suas empresas. São exemplos de ações esta­
oportunidade de observar, os capitalistas ocu­ tais que expressam este poder as políticas fis­
pam um lugar privilegiado de poder em relação cal e cambial, além de diversas das políticas
a todos os demais atores na sociedade. Acredi­ setoriais e de bem-estar associadas à distribui­
to que os principais autores neo-instituciona- ção do que Oliveira (1988) denominou d e “ an-
listas não discordariam desta afirmação. No tivalor” . Assim, as elites estatais não são ape­
entanto, a literatura marxista transformou o nas espectadoras das ações e deslocamentos
capital no único ator relevante, ou ao menos dos capitais, mas agentes capazes de influen-
no ator a ser considerado em última instância, ciá-las e induzi-las, ou punir seletivamente
sendo os resultados da luta política considera­ frações ou capitalistas individuais.

90
As instituições, além disto, também esta­ podem se associar a determinadas frações que,
belecem constrangimentos a todos os agentes, apesar de ocuparem posição decisivade poder,
incluindo o capital e o próprio Estado. Como defendam ações danosas aos interesses do ca­
destacou Immergut (1993) de maneira precisa, pital como um todo. Este ponto demonstra a
os arranjos institucionais, através da distribui­ im portância do destaque dado por Jessop
ção, localização e importância dos pontos de (1983) ao estudo das estratégias e das articula­
veto, podem levar um mesmo quadro político ções entre os atores. O autor exemplifica a
a resultados bastante diferentes, e atores de situação com o caso da hegemonia das frações
grande poder podem ser incapacitados, pela financeiras da City no seio do capital inglês,
existência de pontos de veto específicos, de que, se por um lado manteve a centralidade do
exercer seu poder transformando suas prefe­ país nos fluxos da alta finança internacional,
rências e interesses em resultados concretos. por outro causou a queda crescente e contínua
Estes mesmos agentes podem utilizar seu po­ de posições da economia inglesa em face do
der para eliminar os pontos de veto institucio­ restante das economias capitalistas avançadas.
nais, mas eliminá-los consome recursos e tem­ Vale destacar aqui que a hipótese de um a
po, não podendo ser feito de forma imediata. composição de interesses individuais danosa
Para além da existência ou não de pontos de ao interesse capitalista coletivo está aparente­
veto, no entanto, sabemos por Skocpol (1994) mente ausente das obras da maioria dos autores
que o efeito destes não é uniforme, mas depen­ marxistas. Para quase todos eles, o resultado
dem do grau de encaixe entre as estruturas das políticas não é contingente, expressando
institucionais e as organizações dos atores. uma certa teleologia no campo da política con­
Além disso, a importância das estruturas siderado globalmente. É interessante observar
institucionais não e estática, e certos pontos de que isto ocorre mesmo com a centralidade que
veto podem ser de interesse de um ator, mas tom a na literatura marxista a idéia de instabi­
em determinado momento significarem um lidade constante no seio da economia capita­
entrave à transformação de seus interesses em lista. A solução teórica e analítica encontrada
resultados. Esta situação foi retratada por Im- foi, em vez de levar às últimas conseqüências
mergut no que diz respeito ao surgimento do a contingência da política, instituir o Estado
sistema de saúde na Suécia. A estrutura institu­ como o fiel da acumulação em geral, conside­
cional daquele país emprestava grande poder ao rando-o como responsável por minimizar as
Executivo com a quase inexistência de pontos de conseqüências não intencionadas das estraté­
veto: parte significativa das questões legislativas gias míopes dos capitais individuais. Acredito,
eram encaminhadas através de Comissões Reais, ao contrário, que seja necessário articular as
desenhadas pelo monarca para evitar o controle estratégias dos vários atores para o entendi­
legislativo. Este mesmo arranjo permitiu a im­ mento das ações do Estado. Este deve ser o
plantação das políticas sociais depois da vitória ponto de partida para se desvendar as razões
social-democrata em 1932, resultado altamente pelas quais, em inúmeras circunstâncias, o re­
inesperado pelos agentes que haviam implantado sultado atende a interesses de alguma fração
a estrutura institucional. do capital, não bastando explicar este resultado
Outra grande fonte de imprevisibilidade pelos interesses e desejos de certos atores.
dos resultados da luta política está no fato de Além disto, como destacado de forma
que as classes são compostas por frações, pas­ precisa pela abordagem do State-in-society, o
síveis de transformação em atores políticos Estado também não apresenta caráter homogê­
segundo ações coletivas baseadas em suas neo. Tanto geográfica como organizacional-
identidades, interesses e estratégias particula­ mente, as permeabilidades, inserções e captu­
res. Como as partes não apresentam necessa­ ras dos aparelhos estatais são variadas. Neste
riamente a mesma racionalidade do todo, os sentido, se podemos aceitar que determinadas
atores estatais, gestores últimos das políticas, agências centrais sejam alvo de pressões ou

91
mantenham relações de articulação com certas campos não sejam tão rígidas como caracteri­
frações do capital, é absolutamente impossível zado pela crítica do Estado-na-sociedade,
que todas as agências, em todos os lugares, em acredito que raramente a complexidade da li­
todos os níveis estejam sob um controle unifi­ gação entre os dois campos tenha sido tratada
cado e articulado do capital em abstrato, ou adequadamente. Assim, por exemplo, apesar
mesmo sob o controle contraditório e desarti­ dos grandes avanços presentes nos estudos de
culado de inúmeras frações diferentes. Con­ Domnhoff, a atenção central dedicada à pre­
cordar com isto pressupõe aceitar que em vá­ sença concreta de elementos ou representantes
rios casos, grupos dominados terão sucesso em dos capitalistas sugere que o poder se exerce
tom ar hegemônicas arenas específicas. Situa­ sempre de forma direta. No outro extremo, a
ções como esta são auxiliadas pela diferente extraordinária coesão interna das comunida­
permeabilidade dos aparelhos estatais e de des estatais e profissionais que mediam certos
suas burocracias aos diversos atores não esta­ setores nas análises de Pierre e M uller oblitera
tais, normalmente maior para os dominados a permeabilidade entre determinadas comuni­
nos níveis inferiores da burocracia. dades profissionais e as frações hegemônicas
No que diz respeito ao argumento marxis­ do capital em cada setor (como pensar a comu­
ta, embora as posições estruturais de poder dos nidade dos engenheiros químicos sem pensar
capitalistas os coloquem em situação privile­ a indústria química, por exemplo?). Acredito
giada na maioria das situações, em cada uma que esta questão se coloca mais significativa­
das arenas múltiplas os capitais presentes terão mente em situações históricas em que o equi­
de tomar hegemônicas as demais forças so­ líbrio entre o insulamento e a inserção dos
ciais, incluindo, com o destaque devido, os agentes do Estado é precário. Em situações nas
agentes estatais. Explicar o desenrolar dessas quais as instituições estabelecem procedimen­
lutas é dem onstraras estratégias e movimentos tos firmes com relação à participação de pro­
operados por cada um dos contendores em fissionais da iniciativa privada em cargos pú­
cada situação localizada. A desproporção es­ blicos, como a questão da “quarentena” dos
trutural de poder explica por que as conquistas presidentes dos bancos centrais, por exemplo,
dos grupos dominados raramente atingem es­ o problema se coloca menos sob o ponto de
cala ampliada ou agências centrais, mas não vista analítico. Quando, ao contrário, essas
garante os resultados da luta política. regras não são claras, ou quando o Estado
Vale destacar aqui outro ponto fundamen­ institui atores e elege interlocutores, atribuin­
tal levantado pelos atores do State-in-society do “status público aos grupos de interesse”,
approach: a natureza tênue das fronteiras entre para utilizarmos a feliz expressão de Offe
Estado e sociedade. Não se trata de destacar o (1989), a questão da permeabilidade se trans­
grau de autonomia estatal, mas de ressaltar a forma em um dos pontos mais importantes da
migração de indivíduos entre posições estatais análise, e deve ser deixada como uma possibi­
e privadas. Acredito que este ponto é central lidade analítica em aberto para o estudo das
para o entendimento das políticas estatais, es­ situações concretas. O ponto de vista mais
pecialmente em casos como o brasileiro, no proveitoso, na minha opinião, é a adoção de
qual em inúmeras situações as distinções sim­ uma “permeabilidade contingente”.
plesmente desaparecem. Os Estados realmente O segundo ator relevante destacado aqui
são parte de suas sociedades, embora tenham é aquele ressaltado pela literatura da análise
características e natureza peculiares. Podemos setorial: as corporações profissionais setoriais.
acrescentar aqui, considerando a importância A maior contribuição dos autores desta abor­
dada à literatura da análise setorial, que as dagem está no destaque dado ao fato de que os
comunidades profissionais também o são. Em­ setores da sociedade que circunscrevem polí­
bora em alguns casos nas três primeiras litera­ ticas estatais não são naturais, m as produzidos
turas resenhadas as distinções entre os dois socialmente. A produção dos referenciais e das

92
relações global-setoriais não é produto de cam­ profissionais. Os referenciais global e setorial
panhas promovidas articuladamente pelo capi­ de cada comunidade valoram de forma diversa
tal, embora isto possa ocorrer em alguns casos. os vários atores presentes na política, o que
N a maior parte das vezes, a produção dessas define comportamentos e permeabilidades dis­
representações é o resultado complexo de de­ tintas com relação àqueles. De um a maneira
bates, lutas e alianças entre diversos atores, geral, as comunidades relacionadas à “buro­
dentro e fora do Estado. cracia ao nível da rua” das políticas sociais,
O entendimento dessas questões é funda­ como assistentes sociais, por exemplo, são
mental para a compreensão das políticas públi­ bem mais permeáveis aos grupos dominados
cas, pois, ao contrário da perspectiva clássica do que comunidades m ais técnicas cuja prática
das análises marxistas, não basta ressaltar os profissional e mesmo sua auto-imagem estão
interesses em jogo, mas é necessário demons­ associadas aos núcleos de poder, como é o caso
trar as estratégias dos diversos atores para al­ dos economistas e engenheiros. O ponto im­
cançá-los (cf. Roemer, 1989; Elster, 1985; portante a destacar está no fato de que os
Przeworski, 1988 e 1990). Por esta razão, o insulamentos e os referenciais são produzidos
estudo dos mediadores é central para as análi­ de forma concomitante, o que tom a o resultado
ses políticas. As corporações e os demais m e­ histórico ainda mais contingente.
diadores realmente obtêm hegemonia dos se­ No caso brasileiro, o movimento nacional
to r e s e cu m p re m fu n ç õ e s in te le c tu a is pela reform a sanitária ocorrido durante a déca­
gramscianas. Assim, a forma como as posições da de 1980 exemplifica bem a importância dos
potenciais de poder da burguesia, ressaltadas mediadores, ao mesmo tempo que a relativiza.
anteriormente, se transformam em vantagens O movimento teve como ator hegemônico um
concretas na implementação de políticas de­ determinado grupo de sanitaristas oriundo de
pende da ação dos mediadores. Não quero agências estatais e do meio acadêmico, que em
afirmar que os mediadores cumprem uma fun­ uma conjuntura política específica — a rede-
ção ideológica em proveito do capital, muito mocratização, com a crítica disseminada ao
pelo contrário. O que gostaria de destacar é que modelo de políticas públicas vigente nos anos
a transformação das posições potenciais de 1970 — e a realização da Assembléia Nacional
poder da burguesia em resultados depende da Constituinte, conseguiu transformar seu projeto
existência de determinados padrões de articu­ político em referencial setorial. Este referencial
lação com os mediadores globais e setoriais tinha caráter fortemente estatista e redistribu-
(pois aqui também as fronteiras são flutuan­ tivo, e apesar de consagrado na nova Consti­
tes). Estes padrões são contingentes, e a arti­ tuição, não chegou a se transformar em inter­
culação das corporações pode ocorrer com venção concreta nos anos subseqüentes. Estes
atores distintos, inclusive com as classes e anos foram marcados por uma guinada conser­
frações dominadas. Mais uma vez, vale relem­ vadora e por um a hegemonia do neoliberalis-
brar a importância do próprio Estado, cujo mo no campo do referencial global, mas tam­
pessoal em muitos casos se articula e se super­ bém por um a intensa mobilização dos capitais
põe às corporações profissionais. O poder das contratistas e conveniados com a prestação dos
comunidades profissionais, por seu lado, tam­ serviços de responsabilidade do Estado, no caso,
bém é contingente da sua inserção na socieda­ hospitais privados, fabricantes de equipamentos
de, das suas alianças com outros atores sociais e medicamentos e empresas de saúde e previdên­
importantes, o capital entre eles. cia privada.20 Como resultado, a política de saú­
Outra questão a destacar com relação às de defendida pela Reforma Sanitária não chegou
corporações é que as diferentes permeabilida- a ser implementada, apesar de se transformar em
des das agências e níveis de organização do política oficial proposta pelo Estado.
Estado referidas anteriormente também estão Finalmente, vale reafirmar que vários dos
associadas a características das comunidades argumentos da literatura marxista sobre a des-

93
proporção de poder a favor dos capitais apre­ mente o estudo das articulações e estratégias
sentam enorme relevância: a maior disponibi­ dos atores em cada caso pode nos permitir
lidade de recursos financeiros e status, a dis­ compreender seus papéis no processo de pro­
seminação de valores burgueses, a origem dução das políticas.
social comum das elites econômicas e estatais Vale destacar, mais um a vez, que em mui­
e a dependência estrutural do Estado ao capi­ tos casos concretos a distinção entre os atores
tal, por exemplo. No entanto, nenhum destes e suas fronteiras não é muito clara, sendo mais
fenômenos tem caráter de determinação. To­ analítica do que em pírica e concreta. A super­
dos expressam a maior probabilidade de ocor­ posição ou interligação dos agentes — capitais
rência de ações em favor dos interesses dos que agem no interior do setor, corporação que
obtém hegemonia para o setor e funcionários
capitalistas, ou ao menos da não ocorrência de
do Estado por ele responsáveis — é comum e
intervenções contra eles. É verdadeiro que os
demonstra a relevância do estudo dinâmico
capitalistas apresentam maiores condições de
das estratégias e da análise relacional dos ato­
sucesso nas suas ações. E verdade também que
res. Para um a melhor compreensão das políti­
dos vários atores presentes, os trabalhadores
cas estatais no caso brasileiro devem ser estu­
ocupam estruturalmente as piores posições de dadas, principalmente, as articulações entre os
poder na sociedade, e portanto, há uma baixa referenciais e mediadores setoriais encontra­
probabilidade de que ações em seu interesse dos em cada análise, os atores estatais relevan­
único sejam implementadas. Por outro lado, é tes e os capitalistas presentes no setor e na
também verdadeiro que atores como os agen­ sociedade. Em muitas oportunidades se chega­
tes estatais e as corporações profissionais ocu­ rá à conclusão de que existe complexa articula­
pam posições estruturais de poder importantes ção entre eles. Estudos sobre a questão deveriam
na sociedade, posições que lhes garantem boas investigar as complexas relações e superposições
chances de verem implementadas ações em que as corporações guardam com as burocracias
seu interesse. técnicas dos órgãos estatais e com os setores
privados produtores dos vários bens, insumos e
Conclusão serviços utilizados em cada setor. Apenas através
Vimos que o resultado das políticas é da articulação das estratégias desses atores e das
contingente e depende da luta e das estratégias suas relações é possível compreender de forma
traçadas pelos diversos atores. Acredito que os aprofundada a produção e a implementação das
três mais importantes são os capitalistas, os políticas do Estado.
atores estatais e as corporações profissionais,
iluminadas pelas três primeiras literaturas re­ (Recebido para publicação
senhadas e discutidas ao longo do texto. So­ em agosto de 1996)

Notas
1. De forma recente, esta literatura tem se deslocado de uma postura centrada no Estado para uma
linha de análise centrada nas relações entre Estado e sociedade em um ambiente organizado e
constrangido por instituições. Devo a incorporação das contribuições mais recentes neste texto,
assim como minha descoberta deste deslocamento, ao professor Ira Katznelson do Departamento
de Ciência Política da Columbia University, EUA, a quem agradeço.
2. Importantes autores de origem pluralista, que originalmente sustentavam o equilíbrio de poder
político entre burguesia e proletariado têm concordado, mais recentemente, com a grande
diferença de poder entre as classes. Este é o caso de Charles Lindblom e mesmo Robert Dahl
que, após centrarem suas preocupações em temas como o poder dos sindicatos e a natureza
dos governos democráticos, passaram a tematizar o desequilíbrio de poder nas sociedades de
mercado, a “posição privilegiada da empresa” (Lindblom, 1979, p. 195) e “as conseqüências
da posse e controle das empresas” (Dahl, 1990, p. 11) sobre a liberdade e a igualdade.

94
3. É interessante confrontar esta explicação com a análise de Przeworskí (1989), que explica o
mesmo fenômeno a partir das escolhas estratégicas do movimento social-democrata europeu
a partir das primeiras décadas do século XX.
4. Business confidence no original de Block (1981, p. 38).
5. Para Robertson (1993), a explosão de estudos comparativos nas últimas décadas do século
XIX nos EUA esteve relacionada com o fenômeno específico daquele país no pós-Guerra
civil, onde ocorreu um a grande expansão legal e jurídica por parte dos estados, criando urna
dem anda pela descrição daquelas instituições políticas. Por outro lado, é possível compreen­
der aquela literatura no bojo dos esforços da criação de um campo de conhecimento autônomo
para a Ciência Política e diferente da disciplina histórica nos EUA da virada do século. Cf.
Bryce (1909).
6. D a mesma forma, para o neo-institucionalismo sociológico, a incorporação das instituições
é um a reação ao estruturalismo parsoniano hegemônico nas análises até os anos 1970. Para
um a discussão histórica do nascimento das correntes como reação à ortodoxia das disciplinas,
cf. Robertson (1993) e Cammack (1992).
7. Poderíamos incluir um terceiro grupo de estudos consubstanciando um neo-institucionalismo
sociológico. Esta literatura tem enfocado a importância das instituições na ação social como
um todo, e dialoga intensamente com a sociologia das organizações. Para um a descrição cf.
Hall eT aylor (s/d). Não a incluímos neste artigo, já que seus estudos não enfocam os processos
e atores aqui discutidos.
8. Foram considerados representativos das duas perspectivas: Oliver W illiamson e o primeiro
Douglass North (rational choice); Kathleen Thelen, Sven Steinmo, Elen Immergut, James
March, Johan Olsen, Charles Tilly e Theda Skocpol (históricos). O segundo North, consubs­
tanciado em North (1990), e Margareth Levy se situam entre as perspectivas. Considerei-os
mais próximos dos históricos pela sua ênfase nos processos políticos.
9. Cf. Smith (1992) a partir do neo-institucionalismo histórico, e Jackson (1990) a partir da
escolha racional.
10. A literatura que enfoca esta questão tem sido denominada de nova economia institucional— NEI.
11. É interessante observar como a idéia geral de North se articula e complementa os argumentos
de Peter Evans sobre as performances econômicas diferenciadas entre países com diversos
tipos de Estados desenvolvimentistas. Cf. Evans (1993).
12. Almond (1988) discorda que a perspectiva traga algo de novo, afirmando que a boa ciência
política norte-americana sempre levou em conta argumentos institucionais, com o que
discordam inúmeros neo-institucionalistas como Thelen e Steinmo (1992), Smith (1992) e
Robertson (1993). Por outro lado, é com certeza verdade que a hierarquia dos agentes no
neo-institucionalismo é feita a posteriori, assim como no pluralismo e ao contrário do
marxismo, o que mais uma vez vem sugerir a fragilidade da corrente como teoria autônoma
dos grandes paradigmas da Ciência Política.
13. Granovetter (1985) discorda de Polanyi afirmando que o embricamento da sociedade nas
relações econômicas é menor do que queria aquele autor, embora seja maior do que
consideram os economistas neoclássicos e os adeptos da escolha racional. Esta discussão
remete, em última instância, para os tipos de racionalidade do comportamento humano, à
discussão travada por Harsanyi (1986). Para uma visão de racionalidade diametralmente
oposta à de Polanyi, cf. Becker (1986).
1 4 . 0 melhor exemplo deste deslocamento está na obra de Skocpol. A leitura atenta de seus livros
de 1979 e de 1994 não deixa dúvidas sobre o distanciamento da utilização do Estado como
ator, apesar de a autora sustentar que tudo se trata apenas de um problema de interpretação
com relação às suas formulações anteriores. Cf. Skocpol (1994, p. 569).

95
15. Para a formulaçao acabada da idéia de excepcionalidade, cf. Hartz (1955).
16. Sobre o primeiro ponto estão de acordo as quatro perspectivas discutidas aqui, mas sobre o
segundo não se encontra concordância nem no interior do institucionalismo entre históricos
e partidários da escolha racional.
17. Tomarei com orepresentativadaperspectivadaanálisesetorial a obra de Pierre M uller e Bruno
Jobert consubstanciada em Muller (1985) e Jobert e M uller (1987).
18. A influência de Gramsci na formulação da análise setorial é explícita, como pode ser
observado em Muller (1985, p. 177) e em Jobert e M uller (1987, p. 75).
19. A mudança de ênfase é admitida em parte por Skocpol na sua proposição de mudar a
denominação da abordagem neo-institucional, definida originalmente por ela m esm a como
state-centric approach (Skocpol, 1985), para polity-centric approach, enfatizando mais a
política e menos os processos burocráticos (cf. Skocpol, 1994, p. 569). A dimensão do
deslocamento, no entanto, parece-me subestimada, visto que o destaque do Estado como ator
deixa de ser central nas análises.
20. Ver os artigos contidos em Teixeira (1989).

Bibliografia

Alexander, J.
1987 “O Novo Movimento Teórico”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 2, n° 4.
Almond, G.
1988 ‘T h e Return to the State”. American Political Science Review, vol. 82, n° 3.
Amenta, E. e Skocpol, T.
1986 “States and Social Policies” . Ann. Rev. Sociol., n° 12.
Amenta, E.; Dunleavy, K. e Bernstein, M.
1994 “Stolen Thunder? Huey Long’s ‘Share our W ealth’: Political Mediation and the Second
New Deal” . American Sociological Review, vol. 59, october.
Becker, G.
1986 “The Economic Approach to Human Behaviour”, in J. Elster (org.), Rational Choice.
Oxford, Basil Blackwell Ltd.
Bensel, R.
1990 Yankee Leviathan: The Origins o f Central State Authority in America. New York,
Cambridge University Press.
Bernstein, R.
1985 Habermas and Modernity. Cambridge, Polity Press.
Block, F.
1980 “Beyond Relative Autonomy: State Managers as Historical Subjects”, in R. Miliband
e J. Saulle (eds.), The Social Register 1980. Londres, Merlin Press.
1981 “The Ruling Class Does Not Rule: Notes on the M arxist Theory o f the State”, in T.
Ferguson e J. Rogers (eds.), Political Economy: Readings and Economics o f American
Public Policy. New York, M. E. Sharpe.
1992 “Capitalism without Class Power” . Politics & Society, vol. 20, n° 3.

96
Bowler, S.
1987 “Corporatism and the Privileged Position of Business” . West European Politics, vol.
10, n° 2.
Bryce, J.
1909 “The Relations o f Political Science to History and to Practice”. American Political
Science Review, n° 3, fevereiro.
Cammack, P.
1992 “The New Institutionalism: Predatory Rule, Institutional Persistence and Macro-Social
Change” . Economy and Society, vol. 21, novembro.
Carnoy, M.; Castells, M.; Cohen, S. e Cardoso, F. H.
1994 The New Global Economy in the Informational Age: Reflections on our Changing
World. Philadelphia, The Pennsylvania State University Press.
Castro, M. H. de.
1991 “Interesses, Organizações e Políticas Sociais”. B IB — Boletim Informativo e Bibliográ­
fic o de Ciências Sociais, n° 31.
Cohn, G.
1989 “El Marxismo y la Explication Funcional”, in J. Roemer (org.), El Marxismo: Una
Perspectiva Analítica. Cidade do México, Fondo de Cultura Económica.
Cook, K. e Levy, M.
1990 The Limits o f Rationality. Chicago, The University of Chicago Press.
Dahl, R.
1990 Um Prefácio à Democracia Econômica. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed.
Davis, M.
1981 “The New Right’s Road for Power”. New Left Review, n° 128.
1993a “Linhas de Poder”, in M. Davis, Cidade de Quartzo: Escavando o Futuro em Los
Angeles. São Paulo, Ed. Página Aberta.
1993b “Who Killed L. A.? A Political Autopsy”. New Left Review, n° 197.
1993c “W ho Killed L. A.? Part Two. The Veredict is Given” . New Left Review, n° 199.
1993d “Dead West: Ecocide in Marlboro Country”. New Left Review, n° 200.
Del Brena, G. (org.).
1985 O Rio de Janeiro de Pereira Passos: Uma Cidade em Questão II. Rio de Janeiro, Ed.
Index.
Domnhoff, W.
1979 The Powers that Be: Process o f Ruling-Class Domination in America. New York,
Vintage Books.
1991 “Class, Power and Parties in the New Deal: A Critique of Skocpol’s State Autonomy
Theory” . Berkeley Journal o f Sociology, vol. 36.
Elster, J.
1985 Making Sense o f Marx. New York, Cambridge University Press.
1989a Marx Hoje. Rio de Janeiro, Ed. Paz e Terra.
1989b “Marxismo, Funcionalismo e Teoria dos Jogos”. Lua Nova, n° 17.
1994 Peças e Engrenagens das Ciências Sociais. Rio de Janeiro, Relume-Dumará.

97
Evans, P.
1993 “O Estado como Problema e como Solução”. Lua Nova, n° 28/29.
Fiori, J. L.
1992 “Para Pensar o Papel do Estado sem Ser um Neoliberal”. Revista de Economia Política,
vol. 12, n° 1.
Gonzalez, F.
1989 “Razão e Política: Entrevista com Claus Offe”. Lua Nova, n° 19.
Grano vetter, M.
1985 “Economic Action and Social Structure: The Problem o f Embeddness”. American
Journal o f Sociology, vol. 91, n° 3.
Hagopian, F.
1994 “Traditional Politics Against State Transformation in Brazil”, in J.M igdal; A. Kohli e
V. Shue (orgs.), State Power and Social Forces: Domination and Transformation in the
Third World. Cambridge, Cambridge University Press.
Hall, P. e Taylor, R.
s/d Political Science and the ThreeNew Institutionalisms. Cambridge, Harvard University,
mimeo.
Harsanyi, J.
1986 “Advances in Understanding Rational Behaviour”, in J. Elster (org.), Rational Choice.
Oxford, Basil Blackwell Ltd.
Hartz, L.
1955 The Liberal Tradition in America. New York, Harcourt Pub.
Immergut, E.
1993 Health Politics: Interests and Institutions in Western Europe. Cambridge, Cambridge
University Press.
Jackson, J.
1990 “Institutions in American Society: An Overview”, in J. Jackson (org.), Institutions in
American Society: Essays in Market, Political and Social Organization. Ann Arbor,
University of Michigan Press.
Jessop, B.
1977 “Recent Theories of the Capitalist State” . Cambridge Journal o f Economics, vol. 1, n° 4.
1983 “Accumulation Strategies, State Forms and Hegemonic Projects” . Kapitalistate, n°
10/ 11.
1985 Nicos Poulantzas: Marxist Theory and Political Strategy. London, MacMillan.
Jobert, B. e Muller, P.
1987 L ’Etat en Action: Politiques Publiques et Corporatismes. Paris, PUF.
Katznelson, I.
1992 Marxism and the City. New York, Oxford University Press.
Leborgne, D. e Lipietz, A.
1990 “Flexibilidade Defensiva ou Flexibilidade Ofensiva: O Desafio das Novas Tecnologias
e da Competição M undial”, in E. Preteceille e L. Valladares (orgs.), Reestruturação
Urbana: Tendências e Desafios. São Paulo, Ed. Nobel.

98
Levy, M.
1988 “The Transformation of Agrarian Institutions: An Introduction and Perspective”.
Politics and Society, vol. 16, n° 2-3.
1991a “Uma Lógica da Mudança Institucional”. Dados - Revista de Ciências Sociais, vol.
34, n° 1.
199lb “Are There Limits to Rationality?”. Archives Européennes de Sociologie, vol. 32, n° 1.
Lindblom, C.
1979 Política e Mercados: Os Sistenms Políticos e Econômicos do Mundo. Rio de Janeiro,
Zahar.
Mann, M.
1992 “O Poder Autônomo do Estado: Suas Origens, Mecanismos e Resultados”, in J. Hall
(org.), Os Estados na História. Rio de Janeiro, Imago.
March, J. e Olsen, J.
1984 “The New Institutionalism: Organizational Factors in Political Life” . American Poli­
tical Science Review, vol. 78.
Marx, K.
1982 0 1 8 Brumário de Louis Bonaparte. Lisboa, Ed. Avante.
M arx, K. e Engels, F.
1987 Manifesto do Partido Comunista. Moscou, Ed. Progresso.
Migdal, J.
1994a “An Introduction”, in J. Migdal; A. Kohli e V. Shue (orgs.), State Power and Social
Forces: Domination and Transformation in the Third World. Cambridge, Cambridge
University Press.
Migdal, J.; Kohli, A. e Shue, V. (orgs.)
1994b State Power and Social Forces: Domination and Transformation in the Third World.
Cambridge, Cambridge University Press.
Miliband, R.
1972 O Estado na Sociedade Capitalista. Rio de Janeiro, Zahar Ed.
1973 “Poulantzas and the Capitalist State”. New Left Review, n° 82.
Muller, P.
1985 “Un Schéma d ’Analyse des Politiques Sectorielles”. Revue Française de Science
Politique, n° 2.
Nettl, J.
1968 “The State as a Conceptual Variable”. World Politics, vol. 20, julho.
North, D.
1990 Institutions, Institutional Change and Economic Performance. New York, Cambridge
University Press.
Offe, C.
1975 “The Theory of Capitalist State and the Problem of Policy Formation”, m L indbergei
alii (orgs.). Stress and Contradictions in Modern Capitalism. Toronto, Lexington.
1984 “Dominação de Classe e Sistema Político: Sobre a Seletividade das Instituições
Políticas”, in C. Offe (org.), Problemas Estruturais do Estado Capitalista. São Paulo,
Tempo Brasileiro.

99
1989 “A Atribuição de Status Público aos Grupos de Interesse”, in C. Offe, Capitalismo
Desorganizado. São Paulo, Ed. Brasiliense.
Offe, C. e Volker, R.
1984 “Teses sobre a Teoria do Estado”, in C. Offe (ed.), Problemas Estruturais do Estado
Capitalista. São Paulo, Tempo Brasileiro.
Oliveira, F. de.
1988 “O Surgimento do Antivalor”. Novos Estudos Cebrap, n° 22.
Piccioto, S.
1991 “The Internationalization of the State” . Capital and Class, n° 43.
Polanyi, K.
1980 A Grande Transformação: A s Origens de Nossa Época. Rio de Janeiro, Ed. Campus.
Poulantzas, N.
1976 “The Capitalist State: A Reply to Miliband and Laclau”. New Left Review, n° 95.
1985 O Estado, o Poder e o Socialismo. Rio de Janeiro, Graal.
1986 Poder Político e Classes Sociais. São Paulo, Martins Fontes.
Poulantzas, N. e Miliband, R.
1975 Debate sobre o Estado Capitalista. Porto, Crítica e Sociedade.
Przeworski, A.
1988 “Marxismo e Escolha Racional”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 6, n° 3.
1989 Capitalismo e Social-Democracia. São Paulo, Companhia das Letras.
1990 The State and the Economy under Capitalism. Chur, Harwood Academic Publishers.
1994a Economic Constrains on Political Choices: On the Continuing Relevance o f Marxist
Political Theory o f Capitalism. Chicago, University o f Chicago Press.
1994b Democracia e Mercado no Leste Europeu e na América Latina. Rio de Janeiro, Relume-
Dumará.
Rawls, J.
1992 “Justiça como Eqüidade: Uma Concepção Política, Não M etafísica”. Lua Nova, n° 25.
Reich, R.
1994 O Trabalho das Nações: Preparando-nos para o Capitalismo do Século XXL São
Paulo, Educator.
Reis, F. W.
1991 “Rationality, Sociology and the Consolidation of Democracy” . Série Estudos, Rio de
Janeiro, IUPERJ.
Robertson, D.
1993 “The Return to History and the New Institutionalism in American Political Science”.
Social Science History, n° 17.
Roemer, J.
1989a “Introdução”, in J. Roemer (org.),£/ Marxismo: Una Perspectiva Analitica. Cidade do
México, Fondo de Cultura Económica.
1989b “O Marxismo da ‘Escolha Racional’: Algumas Questões de Método e Conteúdo” . Lua
Nova, n° 19.
1994 “An Anti-Hayekian M anifesto”. New Left Review, n° 201.

100
Sassen, S.
1991 The Global City: New York, London, Tokyo. New Jersey, Princeton U niversity
Press.

Skocpol, T.
1979 States and Social Revolutions. New York, Cambridge University Press.
1985 “Bringing the State Back In: Strategies of Analysis in Current Research”, inP. Evans;
D.RueschmeyereT.Skocpol(eds.),.Bringing the State Back In. New York, Cambridge
University Press.
1993 “Formation de l’État et Politiques Sociales aux Etats-Unis”. Actes de la Recherche en
Sciences Sociales, n° 96-97.
1994 Protecting Soldiers and Mothers: The Political Origins o f Social Policy in the United
States. Cambridge, Harvard University Press.

Skowronek, S.
1982 Building a New American State. New York, Cambridge University Press.

Smith, R.
1992 “If Politics Matters: Implications for a New Institutionalism” . Studies in American
Political Development, n° 6.

Soja, E.
1993 Geografias Pós-Modernas: A Reafirmação do Espaço na Teoria Social Crítica. Rio
de Janeiro, Jorge Zahar Editores.
1994 “O Desenvolvimento Metropolitano Pós-Moderno nos EUA: Virando Los Angeles
pelo A vesso”, in M. Santos; M. A. Souza e M. L. Silveira (orgs.), Território:
Globalização e Fragmentação. São Paulo, H ucitec/ANPUR.

Teixeira, S.
1989 Reforma Sanitária: Em Busca de uma Teoria. Rio de Janeiro, Cortez/Abrasco.

Thelen, K. e Steimo, S.
1992 “Historical Institutionalism in Comparative Politics”, in S. Sven; K. Thelen e F. Longs-
treth (orgs.), Structuring Politics: Historical Institutionalism in Comparative Analysis.
New York, Cambridge University Press.

Tilly, C. (org.)
1975 The Formation o f National States in Western Europe. Princeton, Princeton University
Press.
1992 Big Structures, Large Processes, Huge Comparisons. N ew York, Russel Sage Foun­
dation.

Useem, M.
1983 “Business and Politics in the United States and United Kingdom: The Origins of
Heightened Political Activity o f Large Corporations during the 1970s and Early
1980s” . Theory and Society, vol. 12, n° 3.

Weir, M; Orloff, A. e Skocpol, T. (eds.)


1988 The Politics o f Social Policy in the United States. New Jersey, Princeton University
Press.

101
Resumo
C ategoria A nalítica ou P asse-P artout Político-N orm ativo:
Notas Bibliográficas sobre o Conceito cle Sociedade Civil

O artigo analisa, inicialmente, a trajetória do conceito de sociedade civil na teoria social moderna.
Aprofunda, em seguida, o exame da recente redescoberta da categoria, delimitando duas vertentes
distintas na utilização teórica e política do conceito, a saber, uma enfática e uma moderada. Por
fim, examina o emprego da expressão no contexto da democratização brasileira, caracterizando
as variações nos significados atribuídos ao conceito pelos diferentes atores nas diversas fases do
processo de transição.

Abstract
Critical Notes on the Literature on the State, State Policies, and Political Actors

In this critical discussion of some o f the most relevant recent contributions to the study of
the State, special attention is devoted to the most im portant actors within policy-m aking and
enforcem ent. The main arguments put forw ard in four groups o f studies are review ed and
discussed: recent traditions in neo-M arxism and in neo-institutionalism , French sectoral
analysis, and the US State-in-society approach. Com parisons betw een the four are drawn
particularly as regards two fundamental questions: the nature of the State and the role actors
play in proposing, managing, and dealing with the results o f public policies. T he discussion
makes it possible to underscore, in theoretical terms, three actors that m ust indispensably be
analyzed in joint and integrated fashion when studying State policies: the capitals present in
the production of each policy; State agents; and professional com m unities.

102

Você também pode gostar