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Faculdade de Engenharia – NuGeo/Núcleo de Geotecnia Prof. M.

Marangon
Mecânica dos Solos II - Edição 2018

RESISTÊNCIA AO CISALHAMENTO DOS SOLOS

Capítulo 5 – RESISTÊNCIA AO CISALHAMENTO DOS SOLOS

Como visto neste curso, carregamentos externos aplicados na superfície, ou mesmo


a própria geometria da superfície da massa de solo, contribui para o desenvolvimento de
tensões tangenciais ou de cisalhamento, que podem chegar a valores próximos da máxima
tensão cisalhante que o solo suporte, podendo ocasionar a ruptura do material.
O problema da determinação da resistência aos esforços cisalhantes nos solos
constitui um dos pontos fundamentais de toda a Mecânica dos Solos. Uma avaliação
correta deste conceito é um passo indispensável para qualquer análise da estabilidade das
obras civis.

Define-se como resistência ao cisalhamento do solo a tensão cisalhante que ocorre


no plano de ruptura no instante da ruptura. A Figura 5.1 mostra um exemplo de ruptura de
uma massa de solo de uma encosta.

Figura 5.1 – Ruptura de massa de solo e sua movimentação sobre uma estrada

Gerscovich (2010) ressalta que “a ruptura em si é caracterizada pela formação de


uma superfície de cisalhamento contínua na massa de solo. Existe, portanto, uma camada
de solo em torno da superfície de cisalhamento que perde suas características durante o
processo de ruptura, formando assim a zona cisalhada, conforme mostrado na Figura 5.2.
Inicialmente há a formação da zona cisalhada e, em seguida, desenvolve-se a superfície de
cisalhamento”.

Figura 5.2 – Zona fraca, zona cisalhada e superfície de cisalhamento (LEROUEIL, 2001)
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5.1 – Considerações preliminares sobre resistência ao cisalhamento

A capacidade dos solos em suportar cargas, depende de sua resistência ao


cisalhamento, isto é, da tensão  r que é a máxima tensão que pode atuar no solo sem que
haja ruptura. Terzaghi (conhecido como o “pai” da Mecânica dos Solos) conseguiu
conceituar essa resistência como conseqüência imediata da pressão normal ao plano de
rutura correspondente a pressão grão a grão ou pressão efetiva. Isto é, anteriormente
considerava-se a pressão total o que não correspondia ao real fenômeno de
desenvolvimento de resistência interna, mas, na nova conceituação, amplamente
constatada, conclui-se que somente as pressões efetivas mobilizam resistência ao
cisalhamento, (por atrito de contato grão a grão) donde se escreve:

 'r = c +  ,tg = c + ( − u ) tg

Hvorslev, ao analisar argilas saturadas, concluiu que nessa situação a coesão é


função essencial do seu teor de umidade, donde se escreve:

c = f ( h)

Logo temos para a máxima tensão de cisalhamento (poderá ser representado


simplesmente por r, sem o “apóstrofo”):

 'r = f (h) + ( − u ) tg

Em outras palavras, a expressão acima traduz a situação já afirmada de que os


parâmetros c e  não são características simples dos materiais, mas, dependem,
essencialmente, das condições de ocorrência/utilização dos materiais. Como as condições
de utilização são variáveis, partiu-se para se sofisticar os ensaios de laboratório na tentativa
de criar as situações de ocorrência/utilização, procurando considerar o fato de a amostra ter
sido retirada do todo e, logicamente perdendo algumas características originais de
comportamento ao natural.

Da expressão matemática temos:


c = f ( h) =  i tg tensão interna de resistência por atrito fictício ou proveniente do
entrosamento de suas partículas traduzida pela força de coesão (que
pode ser verdadeira ou aparente - em areias). Depende da ocorrência
de água nos vazios e suas condições de arrumação estrutural. Em
engenharia, só consideramos válida a coesão verdadeira.
( − u) tg tensão interna de resistência por atrito de contato grão a grão.
Dependente da arrumação estrutural (maior ou menor contato grão a
grão) e da ocorrência da pressão neutra que refletirá diretamente no
valor de σ’.

Os parâmetros c e , definidores da resistência interna ao cisalhamento dos solos


terão que ser determinados, na maioria dos casos, em laboratório nas condições mais
desfavoráveis previstas para o período de utilização de cada projeto específico.
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5.2 - Ensaios de resistência ao cisalhamento

5.2.1 - Ensaios de Campo

Como a retirada de amostras indeformadas implica, apesar de todos os cuidados e


expedientes sofisticados, numa possível deformação da amostra, procura-se, mais
modernamente executar ensaios “in situ” capazes de traduzir as reais características de
resistências das camadas de solos. Dentre os ensaios “in situ” mais empregados no Brasil
para determinação de parâmetros de resistência ao cisalhamento e de deformabilidade no
campo destacam-se o:

• Ensaio de palheta ou "Vane Shear Test";


• Ensaio de penetração estática do cone (CPT) ou "Deepsoundering";
• Ensaio pressiométrico (câmara de pressão no furo de sondagem).

Os ensaios de CPT e “Vane test” têm por objetivo a determinação da resistência ao


cisalhamento do solo, enquanto o ensaio pressiométrico visa obter uma espécie de curva de
tensão-deformação para o solo investigado, conforme pode ser resumido na tabela 5.1.

Neste contexto de estudo da resistência dos solos, ressalta-se que o ensaio de campo
“SPT”, muito difundido e utilizado no país, não determina diretamente os parâmetros de
resistência de um solo (obtém o número de golpes para perfurar determinado comprimento,
no furo – “30 cm” a cada metro...).

Tabela 5.1 – Principais ensaios de campo disponíveis e suas características


Tipo de Ensaio Tipo de Solo Principais características
Melhor Não que podem ser determinadas
Aplicável Aplicável
Avaliação qualitativa do estado de
1 - Ensaio Padronizado compacidade ou consistência.
de Penetração (SPT)* Granulares Comparação qualitativa da
estratigrafia do subsolo.
2 - Ensaio de Avaliação contínua da compacidade e
Penetração Estática do resistência de solos granulares.
Cone (CPT) Granulares Avaliação contínua de resistência não
drenada de solos argilosos.
3 - Ensaio de Palheta Coesivos Granulares Resistência não drenada de solos
argilosos.
4 - Ensaio Coeficiente de empuxo no repouso;
Pressiométrico Granulares compressibilidade e resistência ao
cisalhamento.
* Ensaio não determina “c” e “φ”

Os ensaios de resistência ao cisalhamento executados no campo (“in situ”) são


estudados na parte prática do curso, sendo, contudo, apresentados aqui de forma
extremamente resumida.

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Ensaio de penetração estática do cone – CPT.


O ensaio de penetração estática do cone, também conhecido como Deep Sounding,
foi desenvolvido na Holanda com o propósito de simular a cravação de estacas e está
normalizado pela ABNT através da norma NBR 3406.
O ensaio de CPT permite medidas quase contínuas da resistência de ponta e lateral
devido à cravação de um cone no solo, as quais, por relações permite identificar o tipo de
solo, destacando a uniformidade e continuidade das camadas. Permite, também, determinar
os parâmetros de resistência ao cisalhamento e a capacidade de carga dos materiais
investigados. Apresenta como desvantagens a não obtenção de amostras para inspeção
visual, a não penetração em camadas muito densas e com a presença de pedregulhos e
matacões, as quais podem tornar os resultados extremamente variáveis e causar problemas
operacionais como deflexão das hastes e deterioração na ponteira.
O equipamento para execução do ensaio CPT consta de um cone de aço, móvel,
com um ângulo no vértice de 600 e área transversal de 10 cm2.
O ensaio consiste em cravar o cone solidário a uma haste e medir o esforço
necessário à penetração. São feitas medidas de resistência de ponta e total (Figura 5.3).
Os dados permitem obter, ainda, boas indicações das propriedades do solo, ângulo
de atrito interno de areias, e coesão e consistência das argilas.

Figura 5.3 – Resultado de um ensaio de penetração do cone – CPT

Ensaio de palheta – “Vane test”.


O “Vane test” foi desenvolvido na Suécia, com o objetivo de medir a resistência ao
cisalhamento não drenada de solos coesivos moles saturados. Hoje o ensaio é normalizado
no Brasil pela ABNT através da norma NBR 10905.
O equipamento para realização do ensaio é constituído de uma palheta de aço,
formada por quatro aletas finas retangulares, hastes, tubos de revestimentos, mesa,
dispositivo de aplicação de um momento torçor e acessórios para medida do momento e
das deformações. O equipamento está apresentado na figura 5.4. O diâmetro e a altura da
palheta devem manter uma relação constante 1:2 e, sendo os diâmetros mais usuais de 55,

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65, e 88mm. A medida do momento é feito através de anéis dinamométricos e vários tipos
de instrumentos com molas, capazes de registrar o momento máximo aplicado.
O ensaio consiste em cravar a palheta e em medir o torque necessário para cisalhar
o solo, segundo uma superfície cilíndrica de ruptura, que se desenvolve no entorno da
palheta, quando se aplica ao aparelho um movimento de rotação. A instalação da palheta
na cota de ensaio pode ser feita ou por cravação estática ou utilizando furos abertos a trado
e/ou por circulação de água. No caso de cravação estática, é necessário que não haja
camadas resistentes sobrejacentes à argila a ser ensaiada. Com a palheta na posição
desejada, deve-se girar a manivela a uma velocidade constante de 6º/min, fazendo-se as
leituras da deformação no anel dinamométrico de meio em meio minuto, até rapidamente,
com um mínimo de 10 rotações a fim de amolgar a argila e com isto, determinar a
sensibilidade da argila (resistência da argila indeformada/ resistência da argila amolgada).

Figura 5.4 – Equipamento para ensaio de palheta no campo e em tamanho reduzido para
laboratório, do Laboratório de Ensaios Especiais em Mecânica dos Solos da UFJF

No instante da ruptura o torque máximo (T) aplicado se iguala à resistência ao


cisalhamento da argila, representadas pelos momentos resistentes do topo e da base do
cilindro de ruptura e pelo momento resistente desenvolvido, ao longo de sua superfície
lateral, dado pela expressão:
T = ML + 2MB
Onde: T = torque máximo aplicado à palheta; ML=momento resistente
desenvolvido ao longo da superfície lateral de ruptura; MB=momento resistente
desenvolvido no topo e na base do cilindro de ruptura, dados por:
1
M L =  . D 2 . H . cu
2
 3
MB = D cu
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Onde: D = diâmetro do cilindro de ruptura; H = altura do cilindro de ruptura; Su =
resistência não drenada da argila. Substituindo as duas últimas equações na anterior e
fazendo-se H = 2D, tem-se o valor da coesão não drenada da argila, expresso pela fórmula:

6 T
Su = .
7  D3

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Ensaio pressiométrico
Este ensaio é usado para determinação “in situ” principalmente do módulo de
elasticidade (e da resistência ao cisalhamento de solos e rochas), sendo desenvolvido na
França por Menard.
O ensaio pressiométrico consiste em efetuar uma prova de carga horizontal no
terreno, graças a uma sonda que se introduz por um furo de sondagem de mesmo diâmetro,
realizado previamente com grande cuidado para não modificar as características do solo.
O equipamento do ensaio, chamado pressiométrico, é constituído por três partes:
sonda, unidade de controle de medida pressão-volume e tubulações de conexão. A sonda
pressiométrica é constituída por uma célula central ou de medida e duas células extremas,
chamadas de células guardas, cuja finalidade é estabelecer um campo de tensões radiais em
torno da célula de medida.
Após a instalação da sonda na posição de ensaio, as células guardas são infladas
com gás carbônico, a uma pressão igual a da célula central. Na célula central é injetada
água sob pressão, com o objetivo de produzir uma pressão radial nas paredes do furo. Em
seguida, são feitas medidas de variação de volume em tempos padronizados (15, 30 e 60
segundos após a aplicação da pressão do estágio). O ensaio é finalizado quando o volume
de água injetada atingir 700 a 750 cm³.
Com a interpretação dos resultados de pares de valores (pressão x volume) obtidos
no ensaio, se determina o módulo pressiométrico, entre outros valores de pressão.

5.2.2 - Ensaios de laboratório

São diversos os tipos de ensaios de laboratório que buscam, com maior grau de
sofisticação, representar com fidelidade e exatidão as condições possíveis de ocorrências.
Dentre os principais ensaios de laboratório temos:

• Ensaio de Compressão Simples;


• Ensaio de Cisalhamento Direto;
• Ensaio de Compressão Triaxial;

Dependendo da importância da obra a realizar, das características dos solos e das


condições de ocorrência justifica-se a realização dos ensaios com a finalidade específica
de obter os parâmetros de resistência ao cisalhamento (“c” e “φ”).
Nos itens seguintes será apresentada uma descrição genérica-conceitual dos
ensaios, e uma análise sucinta referente à determinação de c e , deixando o detalhamento
dos mesmos para as aulas práticas específicas do curso.

5.3 – Ensaio de compressão simples

Este ensaio consiste em se ensaiar os corpos de provas em uma prensa aberta em


que só se tem condição de aplicar a pressão axial  1 , uma vez que, sendo a prensa aberta
não há condição de aplicar pressões laterais, isto é,  3 = 0. Tem-se assim um só círculo e
 =0. Logo sua aplicação em solos se limita a solos puramente coesivos.
Os resultados desses ensaios são extremamente limitados na sua interpretação e
utilização prática em geotecnia. Podem ser utilizados para identificar a consistência das
argilas e, quando ensaiadas em amostras naturais e amolgadas permite resulta na condição
de determinar a sensibilidade das argilas.
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