Você está na página 1de 3

O Mercador de Veneza: antissemitismo, discriminação e poder.

SHAKESPEARE, W. O mercador de Veneza. Trad. Nélson Jahr Garcia. Ridendo Castigat


Mores, 2000. 143 p. (Coleção Ridendo Castigat Mores). Disponível em:
<http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/mercador.pdf>. Acesso em: 19 jul. 2017.

William Shakespeare nasceu em Stratford-upon-Avon no condado de Warwick na


Inglaterra, acredita-se que no dia 23 de abril de 1564, foi poeta, dramaturgo e ator. Em Londres
trabalhou como guardador de cavalos em um teatro, logo passa a ser copista de uma companhia
de teatro e posteriormente começa a escrever suas próprias peças. Pretende-se fazer uma
resenha do livro O Mercador de Veneza, a versão utilizada foi a edição de Ridendo Castigat
Mores de 2000, com versão em ebook feita para a ebooks Brasil, projeto que visa a
disponibilização de ebooks gratuitos na internet. O mesmo não possui prefacio,
disponibilizando apenas a obra traduzida pelo advogado Nélson Jahr Garcia.
Na sua obra O Mercador de Veneza a estória começa com o problema de Bassânio que
precisa de dinheiro para uma viagem de três meses para casar-se com a rica herdeira Pórcia.
Apesar da sua origem nobre, Bassânio não possui patrimônio. Então ele recorre ao seu amigo
Antônio, um dos mais ricos mercadores de Veneza. Porém, Antônio explica a Bassânio que não
possui a quantia para emprestar pois seus bens e navios estão no mar. Entretanto sugere a
Bassânio que ele pode ser fiador de um empréstimo. Então Bassânio avido pelo dinheiro contata
o judeu Shylock que odeia Antônio por este ser antissemita, ao perceber que Antônio será o
fiador Shylock propõe algo não usual, se a quantia emprestada não fosse paga no dia
combinado, Shylock receberia uma libra da carne de Antônio. Após ouvir essas condições
Bassânio hesita em aceitar a proposta, mas Antônio consente e assina o contrato.
Após conseguir o dinheiro Bassânio viaja até Pórcia para conquistar a jovem, ao chegar
lá ele tem que enfrentar uma pequena prova criada pelo pai da garota, afim de determinar quem
seria o marido da filha dela. A prova consistia em escolher entre três baús, Bassânio escolhe o
correto e se casa com Pórcia. Enquanto isso em Veneza Antônio descobre que está falido pois
seus navios naufragaram em alto mar, assim não possui mais dinheiro para honrar o contrato
firmado com Shylock, este resolve se vingar e cobrar a dívida de Antônio, o mesmo é preso e
levado ao tribunal.
Bassânio após seu casamento descobre que o problema do seu amigo. Já no tribunal
Bassânio oferece a Shylock o dobro da quantia que havia emprestado, porém Shylock não aceita
a proposta preferindo honrar o contrato com uma libra de carne de Antônio. Posteriormente
aparece um jovem no julgamento dizendo-se doutor em direito, jovem que não passa de Pórcia
disfarçada na tentativa de ajudar Antônio. Primeiro Pórcia pede a Shylock que tenha
misericórdia para com Antônio, porém o mesmo está irredutível quanto ao objetivo de tirar uma
libra de couro de Antônio. No momento que ira retirar a carne, Pórcia intercede e recorre a uma
particularidade do contrato, pois a retirada da carne não poderia haver nem uma gota de sangue
se quer, pois seria uma quebra do contrato que não contempla sangue. Deste modo se Shylock
derrama-se sequer uma gota de sangue teria, de acordo com as leis de Veneza, seus bens
confiscados. Ao se ver num beco sem saída Shylock volta atrás e aceita o dobro do dinheiro,
porém Pórcia argumenta que ele não poderia mais aceitar por já ter recusa. E ainda utilizando
de manobras jurídicas Pórcia ainda acaba fazendo com que Shylock tenha que dividir metade
dos seus bens com Antônio.
A peça de Shakespeare apresenta uma importância impar nos tempos de hoje, onde o
preconceito ressurge como uma marca muito forte na nossa sociedade e por todo o globo. Em
parte pelo ressurgimento do pensamento conservador no mundo, devido a um momento de
possíveis mudanças da hegemonia mundial. Assim, as discussões impressas por Shakespeare
na sua peça num momento que a modernidade estava engatinhando nos ajuda a pensar sobre
essas difíceis questões como preconceitos e discriminações. Essas questões são difíceis pois é
necessário que utilizemos a visão do outro para que possamos as compreender de forma lucida
(como propõe o relativismo cultural em detrimento do etnocentrismo).
Shakespeare é feliz em nos mostrar as constantes tensões que decorrem do ódio racial,
religioso e cultural ente o cristão e o judeu. Deste modo que ele ira nos mostrar a explosão de
ódio de ambos os lados, que são frutos de pensamentos intolerantes de ambos. E ao fugir de
todos os estereótipos Shakespeare cria Shylock um personagem judeu extremamente complexo
que apresenta características extremamente humanas que sofre e possui motivações aceitáveis
para agir da forma vingativa que age.
Deste modo O mercador de Veneza carrega o mérito de desconstruir os estereótipos, e
ao não assumir um ponto de vista Shakespeare consegue deixar claro que a reflexão tem q ser
maior do que os conceitos de quem é a vítima e quem é o algoz. O magnifico discurso de
Shylock onde ele expressa a revolta contra a intolerância afirmando:

Os judeus não têm olhos? Os judeus não têm mãos, órgãos, dimensões, sentidos,
inclinações, paixões? Não ingerem os mesmos alimentos, não se ferem com as
mesmas armas, não estão sujeitos às mesmas doenças, não se curam com os mesmos
remédios, não se aquecem e refrescam com o mesmo verão e o mesmo inverno que
aquecem e refrescam os cristãos? Se nos espetardes, não sangramos? Se nos fizerdes
cócegas, não rimos? Se nos derdes veneno, não morremos? E se nos ofenderdes, não
devemos vingar-nos? Se em tudo o mais somos iguais a vós, teremos de ser iguais
também a esse respeito. Se um judeu ofende a um cristão, qual é a humildade deste?
Vingança. Se um cristão ofender a um judeu, qual deve ser a paciência deste?
Vingança. Se um cristão, de acordo com o exemplo do cristão? Ora, vingança. Hei de
por em prática a maldade que me ensinastes, sendo de censurar se eu não fizer melhor
do que a encomenda (SHAKESPEARE, 2000, p. 73).

Essa passagem deixa claro a intenção de Shakespeare na inversão de papeis de Shylock,


ora é a vítima ora é o carrasco, e depois no final é vítima novamente, ou seja, a inversão de
papeis se dá de maneira fácil descontruindo qualquer estereotipo usual do para o povo judeu.
Outro paralelo que podemos fazer com a peça de Shakespeare é quanto a questão dos
imigrantes. Existe nos países desenvolvidos uma massa significativa de população vinda de
outros países (em sua maioria subdesenvolvidos), acontece que assim como Shylock é
hostilizado pelos cristãos por ser judeu, essa população é hostilizada pelos naturais desses países
por serem imigrantes. Entretanto, assim como Antônio utilizou Shylock para pegar dinheiro, a
população rica utiliza-se da força de trabalho dessa população para realizar trabalhos braçais
que as populações desses países não estão dispostas a realizar. Podemos assim fazer uma
analogia com a relação de Shylock (judeu) e Antônio (cristão).
Uma questão que não pode ser deixada de lado é quanto ao poder, o judeu por ser rico
possuía certo poder. Afinal aqueles que precisavam de dinheiro iam até o mesmo para pegar
emprestado a juros, como é o caso de Antônio. Porém, os judeus mesmo sendo ricos não eram
o grupo hegemônico, e, portanto, sua demonização pode estar justamente ligada ao seu poder
econômico, pois facilmente Shylock é transformado de reclamante a réu devido a uma manobra
jurídica no mínimo questionável. Portanto o antissemitismo, para Shakespeare, pode ser talvez
fruto de uma tentativa de manutenção do poder hegemônico de determinado grupo.

Você também pode gostar