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CRISTÃOS OU ANTINOMIANOS?1
No debate teológico é comum optar por pólos extremos e isso é igualmente verdadeiro com
relação à Lei. De um lado, há os legalistas e de outro os antinomistas. Os legalistas são aqueles
que fazem da Lei a sua força motora e os antinomistas são aqueles que repudiam
completamente qualquer tipo de lei, exigência ou mandamento.
Esse extremismo está presente no pensamento bíblico. Os legalistas são os judaizantes que já
vimos. Os antinomistas aparecem na Bíblia também em Judas 4,5. É dito que eles transformam
a graça de Deus em libertinagem.
Libertinagem tem uma gama de significados. Indica aqueles que se entregam excessivamente
aos prazeres sexuais; indicam àqueles que são irreverentes com crenças ortodoxas; indicam
aqueles que são insubmissos (Houaiss). Libertinos e Antinomistas, portanto, são sinônimos. A
idéia do termo grego é mais fixa e aponta para o fato de que um libertino é alguém que age a
seu bel-prazer sem nenhum tipo de contenção. Um libertino é alguém que age para atender
todos os seus caprichos. Um libertino sempre escolhe o excesso.
Em razão dos libertinos ou antinomianos costumou-se falar na dogmática cristã de três usos da
Lei Divina: Político (Civil ou Elênctico), Teológico (Pedagógico), Didático (parênese3). No uso
civil, a lei é para repressão do pecado; no uso teológico, é para o apontamento do pecado [Rm.
3:20]; e no uso didático é para a conduta cristã.
Quando os teólogos e biblicistas indicam que a lei se contrasta com o evangelho é em razão
apenas do seu fator justificador. Lutero em Seu segundo Debate contra os antinomistas4, nos
artigos 9-14 esclarece que: 1) A Lei não pode ser pregada quando o assunto é justificação de
pecadores; 2) A Lei deve ser mantida na Igreja com o fim de conduzir pecadores ao
conhecimento do pecado e assim humilhem-se diante de Deus. Aqui, se percebe claramente
que Lutero faz uso do uso pedagógico ou teológico da Lei.
1
Antinomiano é um termo proveniente do grego que significa “contra a lei” “no lugar da Lei”. Composto
por anti “contra, no lugar” e nómos “Lei”.
2
LUTERO Martinho, Obras Selecionadas vol. 4, Debates e Controvérsias II, trad. Ilson Kayser, 1ª ed, São
Leopoldo, Sinodal/Concórdia, 1993, p. 377.
3
Parênese é uma palavra oriunda do grego paraínesis que significa exortações morais. O terceiro uso da
Lei é discutível na ala luterana e assumido pela ala reformada do Protestantismo.
44
LUTERO Martinho, Obras Selecionadas vol. 4, Debates e Controvérsias II, trad. Ilson Kayser, 1ª ed,
São Leopoldo, Sinodal/Concórdia, 1993, p 382ss
Lutero defende que a Lei é de máxima utilidade e necessidade (Art. 17); afirma ainda que tudo
o que revela o descontentamento e a ira de Deus é Lei (Art. 18). Finalmente, ensina que se
anularmos completamente a Lei da Igreja anularemos assim a Cristo (Art.27-29).
Lutero diz no Segundo Debate contra os antinomistas (Art. 45): “A Lei como era antes de Cristo
na verdade nos acusava, mas sob Cristo ela está aplacada pela remissão dos pecados, e deve
agora ser cumprida pelo Espírito”. Claramente se vê aqui que Lutero faz uso do papel didático.
No Primeiro Debate contra os antinomistas (Art. 7), Lutero continua sobre seu papel didático:
Sim, para aqueles que se encontram fora de Cristo, a exigência da lei é triste, odiosa,
impossível. Para aqueles, porém, que estão sob Cristo, ela começa a ser agradável, possível nos
começos, embora não nas grandes coisas.
Aqui temos os usos teológico e didáticos. Teológico em razão do fato de que o público-alvo da
Lei são pecadores. Razão pela qual a maioria do decálogo é apofático. Apofático é algo que
trabalha com negações. Por isso, quase todos os mandamentos do Sinai são: “Não faça isso...”
com exceção do Dia do Descanso: “Lembre-se do Sábado”. O uso didático se confirma no
finalzinho da perícope quando diz: “Esta doutrina se vê no glorioso evangelho”. A Lei adquire
então o sentido didático. O sentido de exortações morais...
O apóstolo João – o apóstolo do amor – é aquele que mais fala da observância dos
mandamentos. Ama-se a Deus quando se obedece aos seus mandamentos (1Jo. 2:3-4). Pecado
é transgredir a Lei (1Jo. 3:4). Os mandamentos não são penosos (1Jo 5:2-3). Os crentes
guardam os mandamentos na força do Espírito (Ap. 14:12)
Sendo assim, de um lado, a Lei foi abolida (A lei enquanto a tentativa de ser salvo fazendo boas
obras), e a lei se mantém (a palavra condenatória de Deus; os mandamentos dados no Sinai).
De um lado, a Lei traz condenação (Rm. 3:20) e no outro, é a expressão da verdade (Rm. 2:20).
Por isso, se pode dizer que, de um lado, estamos sem Lei para com Deus, mas debaixo da Lei
de Cristo (1Co. 9:21). Sem Lei para com Deus, pelo fato de que em Cristo, estamos livres da
condenação do pecado e da nossa autojustificação e estamos debaixo da Lei de Cristo, porque
através do Espírito Santo em nós, a Lei atinge agora seu auge: O AMOR (Rm. 13:10). E amar é
levar as cargas uns dos outros e cumprir assim a Lei (Gl. 6:2).