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Pedro Augusto Spanhol

Esvaziamento Afetivo de Complexos: Uma Análise de Caso Clínico

Londrina
2016
Pedro Augusto Spanhol

Esvaziamento Afetivo de Complexos: Uma Análise de Caso Clínico

Trabalho de Conclusão do Curso


apresentado ao curso de Residência
Psicologica da UniFil - Centro Universitário
Filadélfia, como requisito parcial à
obtenção do título de Psicólogo
Especialista.
Orientadora: Profa. Dra. Denise Hernandes
Tinoco

Londrina
2016
RESUMO

Este trabalho tem como objetivo analisar a luz da psicologia analítica o caso de um
paciente atendido durante o meu período de residência psicológica feita pela Unifil.
Nele é demonstrado como os complexos de origem paterna e materna, quando
desenvolvidos de forma negativa podem comprometer o desenvolvimento
psicológico e como expressar os sentimentos neles presente, ajudam a retirar a
energia dos complexos e assim diminuir sua influência sobre o ego. Apresenta-se
conteúdos fundamentais da psicologia Junguiana, como conceitos de persona, sobra
e complexo, e um breve relato do caso clínico, para então prosseguir com a análise.
Num primeiro momento o paciente se encontrava extremamente fixado em seus
complexos e sendo possuído por eles, mas com a terapia ele foi se libertando aos
poucos conseguindo inclusive melhorar a sua percepção de si. Mostrando que
mesmo um indivíduo cuja história de vida está marcada por experiências muito
traumáticas e foi controlada pelos complexos construídos com essas experiências,
pode com o devido tratamento, conseguir ir se livrando aos poucos das possessões
desses complexos e das influências que eles acarretam no cotidiano.

Palavras Chave: Psicologia Analítica. Jung. Análise de Caso. Complexos. Traumas


Infantis.
ABSTRACT

This work aims to analyze through the light of analytical psychology the case of a
patient attended during my psychological residency made by UNIFIL. It is shown how
paternal and maternal complex, when developed negatively can compromise the
psychological development and how to express the feelings present in them, help to
remove the power of the complex and thus reduce its influence on the ego. It
presents fundamental contents of Jungian psychology, as concepts of persona,
shadow and complex, and a brief report of the case, to then proceed with the
analysis. At first the patient was extremely set in their complex and being possessed
by them, but with the therapy he was freeing itself gradually getting even improve
their perception of himself. Showing that even an individual whose life history is
marked by very traumatic experience and was controlled by complex built with these
experiences, can with proper treatment, get going getting rid gradually of the
possessions of these complexes and the influence they carry in daily life.

Keywords: Analytical Psychology. Jung. Case Analysis. Complex. Childhood trauma.


SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO.........................................................................................................4

2. OBJETIVOS.............................................................................................................5

3. MÉTODO..................................................................................................................6

4. REFERÊNCIAL TEÓRICO.......................................................................................7

4.1 A Persona...............................................................................................................7

4.2 A Sombra................................................................................................................9

4.3 Complexos............................................................................................................10

4.4 Fases de Desenvolvimento Matriarcal e Patriarcal .............................................13

5. RELATO DO CASO................................................................................................15

6. ANÁLISE DO CASO...............................................................................................19

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................23

8. REFERÊNCIAS......................................................................................................24
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1. INTRODUÇÃO

Sou formado em psicologia pelo Centro Universitário Filadélfia, e curso


Residência Psicológica Clinica pelo mesmo. Durante meus períodos de atendimento
tive a oportunidade de atender diversos casos diferentes e através deles pude
aprender mais acerca da prática clínica.

Como psicólogo busco observar, avaliar e conduzir as sessões através da


Psicologia Analítica, linha teórica clinica criada por Carl Gustav Jung, tendo me
identificado com os conceitos teóricos do autor e com a maneira com a qual ele
aborda as profundezas da alma, afirmando que o ser humano está em constante
desenvolvimento desde seu nascimento e até o momento de sua morte.

O trabalho a seguir trata-se de uma análise de um caso que atendi


durante o período de residência através da abordagem Junguiana. Esse caso foi
escolhido entre tantos pois demonstra que até mesmo uma pessoa com um passado
tortuoso de traumático não se encontra estagnada nessas experiências, podendo
sempre vir a evoluir e melhorar de condição.

Tendo isso em mente pode-se dizer que essa pesquisa pode ser
importante por reconhecer que conteúdos complexos estruturados na infância
influenciam sim no desenvolvimento, porém mesmo após vários anos, o psíquico
continua a se estruturar e questões antigas podem sim ser resolvidas até certo
ponto, havendo possibilidade de melhora mesmo após muitos anos de ocorridos os
eventos ditos traumáticos.

Apontando isso podemos dizer que esse trabalho tem importância à


medida que estimula e traz esperança na melhora psicológica de pacientes inclusive
de casos complicados e com muitos traumas. O desenvolvimento psíquico é um
processo continuo e que nunca chega a uma conclusão, portanto não importando a
idade do paciente a mudança e melhora são sempre possíveis.
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2. OBJETIVOS

Este trabalho propõe analisar a luz da psicologia analítica o caso de um


paciente atendido durante o meu período de residência psicológica feita pela Unifil.
Nas próximas páginas através da análise dos relatórios das sessões pretende-se
demonstrar como os complexos de origem paterna e materna, quando
desenvolvidos de forma negativa podem comprometer o desenvolvimento de uma
pessoa e como expressar os sentimentos neles presente, ajudam a retirar a energia
dos complexos e assim diminuir sua influência sobre o ego.
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3. MÉTODO

Para produzir esta pesquisa será utilizado o método qualitativo, onde será
feita uma análise dos relatórios das sessões através dos princípios da psicologia
analítica desenvolvida por Carl Gustav Jung.

A teoria utilizada para análise qualitativa será descrita abaixo. Estarei


discorrendo sobre alguns princípios da psicologia junguiana como persona, a
sombra, complexo, fases de desenvolvimento matriarcal e patriarcal. Após isso
estarei apresentando os relatórios de sessão psicoterápicas aos quais serão
analisados a luz da psicologia analítica.
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4. REFERENCIAL TEÓRICO

4.1 A Persona

A persona é apenas um papel a ser exercido socialmente, uma simples


máscara da psique coletiva que apenas aparenta uma individualidade, e procura
convencer a todos inclusive a si mesma que o é. (JUNG, 1981, p.146)

Ao analisarmos a persona descobrimos que ela somente representa um


compromisso entre o indivíduo e a sociedade e apesar de esse compromisso ser
real ele é secundário ao se tratar da individualidade. (JUNG, 1981, p.146)

Em prol de uma imagem ideal, o indivíduo acaba sacrificando muito de


sua identidade. Essa imagem ideal, foi denominada Persona, palavra utilizada
originalmente para designar a máscara usada pelos atores, e significando o papel
que seria interpretado na peça. (JUNG, 1981, p. 146)

JUNG (1981, pg. 146) afirma que: “Uma consciência apenas pessoal
acentua com certa ansiedade seus direitos de autor e de propriedade no que
concerne aos seus conteúdos, procurando deste modo criar um todo”, todos os
conteúdos que não se ajustarem a esse todo são “negligenciados, esquecidos ou
então reprimidos e negados”.

JUNG (1981, p. 146) afirma que ao tentarmos distinguir entre o material


psíquico inconsciente e consciente teremos que admitir de que a afirmação acerca
do inconsciente coletivo de que seus conteúdos são de ordem gerais também é
válida para a persona, sendo ela um reconte semi arbitrário e a acidental da psique
coletiva. Não podemos então admitir que a persona seja em sua totalidade de
natureza individual.

A persona é uma realidade bidimensional, apenas uma aparência, mas há


sempre algo de individual na escolha de sua persona apesar de a consciência do
ego poder se identificar com a persona exclusivamente, “o si-mesmo inconsciente, a
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verdadeira individualidade, não deixa de estar sempre presente, fazendo-se sentir


de forma indireta. ” (JUNG, 1981, p.147)

Jung (1981, p. 147) diz que: “A atitude meramente pessoal da consciência


produz reações da parte do inconsciente e estas, juntamente com as repressões
pessoais, contêm as sementes do desenvolvimento individual, sob o invólucro de
fantasias coletivas”.

Jung (1981, p. 182) escreve que “A persona é um complicado sistema de


relação entre a consciência individual e a sociedade” Com a função de produzir um
efeito sobre os outros, também oculta a verdadeira natureza individual.

A sociedade exige que cada um ocupe um lugar Jung (1981, p.182), mas
o ser humano é mais do que uma característica, uma função, então nenhuma
individualidade pode se adaptar por completo nessas expectativas, nascendo daí
uma personalidade artificial. (JUNG, 1981, p. 183)

A construção de uma persona é um “auto sacrifício, que força o eu a


identificar-se com a persona”, assim “a máscara perfeita é compensada, no interior,
por uma vida particular”. (JUNG, 1981, p.183)
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4.2 A Sombra

O inconsciente é considerado geralmente como fonte de todos os maus


pensamentos, e isso ocorre, pois ele está sendo visto pelo lado consciente. “Quem
caminha em direção a si mesmo corre o risco do encontro consigo mesmo”, de
encontrar a face nunca mostrada ao mundo, a face encoberta pela persona. (JUNG,
2008 p. 30)

De acordo com Jung (2008 p. 31) o encontro consigo mesmo corresponde


com o encontro com a sombra, com o inconsciente pessoal, e pertence às coisas
desagradáveis que evitamos.

A tomada de consciência dos conteúdos da sombra se dá com o


reconhecimento dos aspectos obscuros da personalidade e isso pode ser
considerado como a base indispensável para o autoconhecimento (JUNG, 2008, p.
20), pois os traços da sombra podem ser tidos como pertinentes à personalidade e
podem ser integradas a ela. (JUNG, 2008, p. 21)

“A figura da sombra personifica tudo o que o sujeito não reconhece em si


e sempre o importuna, direta ou indiretamente, como por exemplo traços inferiores
de caráter e outras tendências incompatíveis. ” (JUNG, 2008 p. 277)

Se formos capazes de encarar nossa sombra e suportá-la, teríamos


trazido à tona o inconsciente pessoal, porém a sombra é uma parte viva da
personalidade, não sendo possível anulá-la através de argumentação ou
racionalização. (JUNG, 2008 p. 31)

Ao tornar-nos mais verdadeiros e autênticos através da aceitação da


sombra, “forças auxiliadoras adormecidas na nossa natureza mais profunda poderão
despertar e vir em nosso auxílio. ” (JUNG, 2008 p. 31)

A colaboração do inconsciente é sábia e orientada para a meta, e mesmo


quando se comporta em oposição à consciência, sua expressão é sempre
compensatória de um modo inteligente, como se estivesse tentando
recuperar o equilíbrio perdido. (JUNG, 2008 p. 275)
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4.3 Complexos

Jung (2013 p.41) utiliza o termo constelação para exprimir “o fato de


que a situação exterior desencadeia um processo psíquico que consiste na
aglutinação e na atualização de determinados conteúdo. ” Desta maneira “a
expressão "está constelado” indica que o indivíduo adotou uma atitude preparatória
e de expectativa, com base na qual reagirá de forma inteiramente definida ”, esses
conteúdos psíquicos constelados são determinados complexos e eles possuem
energia específica própria.

Jung (2013 p.43) ainda afirma que sempre que ocorre uma
constelação de complexos ocorre uma perturbação da consciência, assim “rompe-se
a unidade da consciência e se dificultam mais ou menos as intenções da vontade,
quando não se tornam de todo impossíveis”

Jung (2013 p.40) escreve que a descoberta dos complexos e dos


fenômenos provocados por eles” mostraram que “Não há processos psíquicos
isolados, como não existem processos vitais isolados ” e a existência dos complexos
põe em dúvida o postulado da supremacia da vontade e da unidade da consciência.
(JUNG, 2013 p.42)

O complexo é um fator psíquico cuja energia pode chegar a superar


nossas intenções conscientes, dessa maneira pode-se afirmar que um complexo
ativo nos coloca num estado de não liberdade, com pensamentos obsessivos e
ações compulsivas. (JUNG, 2013 p.43)

Podemos definir um complexo afetivo como

“a imagem de uma determinada situação psíquica de forte carga emocional


e, além disso, incompatível com as disposições ou atitude habitual da
consciência. Esta imagem é dotada de poderosa coerência interior e tem
sua totalidade própria e goza de um grau relativamente elevado de
autonomia, vale dizer: está sujeita ao controle das disposições da
consciência até um certo limite e, por isto, se comporta, na esfera do
consciente, como um corpus alienum corpo estranho, animado de vida
própria. ” (JUNG, 2013 p.43)
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Jung (2013, p.43) ainda afirma que com algum esforço de vontade,
geralmente é possível reprimir o complexo, mas não é possível negar sua existência,
pois “na primeira ocasião favorável ele volta à tona com toda a sua força original”
(JUNG, 2013, p.44)

Durante os sonhos “ os complexos aparecem em forma


personificada, quando são reprimidos por uma consciência inibidora”. Em alguns
casos de psicose os complexos chegam a parecer como vozes e a apresentar
características de pessoas. (JUNG, 2013 p.45)

Os complexos são, portanto, “aspectos parciais da psique


dissociados” originados através de um trauma, ou seja, um choque emocional que
“arrancou fora um pedaço da psique. ” (JUNG, 2013 p.45)

Durante o dia os complexos são ensurdecidos pelo “bulício da vida”,


porém é durante a noite que “levantam sua voz com mais força, afugentando o sono
ou pelo menos perturbando-o com sonhos maus” (JUNG, 2013 p.48)

“Uma das causas mais frequentes é, na realidade, um conflito moral cuja


razão última reside na impossibilidade aparente de aderir à totalidade da
natureza humana. Esta impossibilidade pressupõe uma dissociação
imediata, quer a consciência do eu o saiba quer não. ” (JUNG, 2013 p.45)

Jung (2013, p.45) diz que geralmente há uma inconsciência sobre os


complexos, e essa postura lhes garante uma liberdade ainda maior pois “a
inconsciência do complexo ajuda a assimilar inclusive o eu, resultando daí uma
modificação momentânea e inconsciente da personalidade, chamada identificação
com o complexo”

Na idade média esse processo era denominado possessão (JUNG,


2013 p.46) pois “o homem mais primitivo e mais ingênuo não "psicologizava" os
complexos perturbadores, mas os considerava como entia per se (entidades
próprias), isto é, como demônios. ” (JUNG, 2013 p.47)

De acordo com Jung (2013 p. 48) os complexos são manifestações


vitais da psique, não somente manifestações de natureza mórbida. “Por isso,
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encontramos traços inegáveis de complexos em todos os povos e em todas as


épocas. ”

O inconsciente “nada mais seria do que uma sobrevivência de


representações esmaecidas e obscuras” se os complexos não existissem, logo, eles
“constituem as verdadeiras unidades vivas da psique inconsciente. ” (JUNG, 2013
p.49)

A consciência convenceu-se de que os complexos são


inconvenientes e que devem ser eliminados, por isso “as pessoas têm repugnância
em considera-los como manifestações naturais” (JUNG, 2013 p.49)
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4.4 Fases de Desenvolvimento Matriarcal e Patriarcal

De acordo com Muszkat (1896, p.30) a fase matriarcal inicia-se “na


fase embrionária intra-uterina e começa a evoluir para a fase patriarcal”. Porém de
acordo com Muskat (1896, p.29) Neumann não teve a preocupação de relaciona-las
a faixa etária, mas somente de compreender sua dinâmica.

Muszkat (1896, p.30) afirma que na fase matriarcal “não existe


diferenciação entre mãe e filho”, havendo uma identificação biopsíquica onde
“qualquer desejo ou desconforto da criança está ligado à satisfação proporcionada
pela mãe”, “toda a experiência do mundo é a experiência da mãe”.

“A mãe pouco a pouco abre novos aspectos do mundo para a


experiência da criança”, assim “a relação primordial é condição essencial para a
criança”. “A maternização dá segurança à criança e torna possível sua vida no
mundo. ” (MUSZKAT. 1896, p.31).

Muszka (1896, p.67) utiliza o termo Self, criado por Carl Gustav Jung
com o significado de totalidade psíquica e afirma que durante a fase matriarcal, a
mãe encarna o Self da criança (MUSZKAT. 1896, p.31) e “na medida em que o Ego
vai se estruturando, o Self, encarnado na mãe vai (...) se movendo para dentro da
criança”, assim o Self da mãe e o corpo da criança formam “os polos de um campo
unitário no qual a relação primordial se realiza. ” (MUSZKAT. 1986, p.33).

Posteriormente inicia-se a fase patriarcal onde “Todos os estímulos


iniciais da vida (...) tornam-se fontes de discriminação através das quais o Ego se
desenvolve” (MUSZKAT. 1986, p.34).

De Acordo com Muszkat (1986, p.35) a diferenciação do Ego leva a


necessidade de separação da mãe, na passagem do inconsciente para o
consciente. “Surge, então, o conflito da criança como Ego-consciente e a mãe como
inconsciente”.
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O Patriarcado é caracterizado “pelo aparecimento das formas de


pensamento criativo”, na sociedade, “A Lei corresponde ao patriarcado psicológico,
no qual o arquétipo do Pai é dominante” (MUSZKAT, p.36).
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5. RELATO DO CASO

O paciente possui cerca de 40 anos de idade e veio ao CEPS


procurando atendimento psicológico encaminhado pelo CAPS 3. Ele era um caso de
continuidade em nosso serviço, já estava sendo atendido por outro profissional e foi
passado a mim após o fim da residência deste.

Os atendimentos ocorrem semanalmente, sendo realizadas duas


sessões por semana, totalizando um total de 17 sessões. Infelizmente houve um
grande número de faltas devido a contratempos do paciente e períodos de crise
onde ele não saia de casa.

Durante as sessões o paciente sempre contava um pouco sobre sua


história de infância, retomando a ela constantemente e repeti-las foi parte essencial
de seu processo de análise, porém nos relatos, para que eles não ficassem muito
repetitivos, as histórias de infância não foram documentadas em todas as sessões,
tendo sido anotadas apenas quando eram acrescentadas informações diferentes.

Durante a primeira sessão o paciente estava com a fala atrapalhada


e demorou para eu entender sobre o que ele falava. Disse que vem sendo atendido
a um ano e não viu melhoras, se considera antissocial, e que ficar em lugares com
outras pessoas lhe irrita, nestes momentos ele estoura e parte para cima sem nem
pensar. Relatou até que já bateu no neto dele com um pau e depois chorou de
culpa.

Queixava-se de não sentir prazer em mais nada. Durante o dia só


cuida das galinhas e não está conseguindo nem fazer isso mais por falta de dinheiro.
As vezes só quer fugir para deixar de atrapalhar a família. Em sessões seguintes
acrescentou a queixa de que quando ele fica com raiva não consegue pensar e não
consegue falar e nem fazer mais nada além de sentir raiva ou “explodir” em algo ou
alguém.

Falou que sempre foi de brigar, pensava muito em vingança e


assassinato antes de casar. Chegou a sair armado de casa para matar alguém,
porém ele “caiu em si” e desfez da arma. Depois de casar melhorou e só piorou
depois da morte do irmão que ele mais gostava.
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Disse também que o pai batia muito nele e por qualquer motivo, até
que, quando ele tinha 11 anos, o pai morreu assassinado pelo padrasto da mãe, por
ataques de foice e tiros. O paciente chegou a ver o corpo.

A mãe começou a cuidar sozinha dele e dos oito irmãos, proem


também batia muito. De acordo com o paciente o pai nunca teve amor com os filhos,
só se preocupando em trazer a comida, e a mãe não era carinhosa.

Diz que não sabe também como amar e diz que não sente nada
pelos filhos, percebendo a semelhança entre ele e os pais.

Nas sessões seguintes ele começou a contar mais sobre os


acontecimentos de infância e da agressividade do pai, como um episódio de quando
ele tinha sete ou oito anos e encontrara dinheiro caído na escola e o utilizou para
comprar doce. Quem havia perdido o dinheiro disse que o paciente o havia roubado.
O pai dele o bateu com cinto com fivela e depois pediu para a mãe passar sal moura
nas feridas.

Falou também da mãe que é depressiva e da irmã que além da


depressão já tentou se matar duas vezes e as vezes pega o carro e sai vagando,
assim como ele faz as vezes.

Contou novamente sobre a morte do pai.

Disse que o tio paterno havia sido assassinado pelo primo da mãe
por causa de invasão de terreno.

Dez meses depois o pai então surtou pegou o jipe e correu para
matar esse primo, porem como estava correndo capotou o carro no barranco, em
seguida saiu do carro e tirou as roupas e foi atrás desse primo que estava na casa
do sogro. Porém quando chegou lá o sogro atirou nele e o primo o atacou com uma
foice. A mãe então ficou com medo de ficar com a terra e se mudou com os filhos.

O paciente chegou a ver o corpo do pai quando a mãe foi identifica-


lo, assim como.

Entrou mais em detalhes sobre o acidente de moto que matou o


irmão que ele mais gostava, e como ele teve de ir reconhecer o corpo. Esse irmão
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era o único que entendia os problemas dele. Depois da morte desse irmão ele
começou a piorar.

Durante muito tempo ele teve pensamentos de vingar o pai e tinha


muitos pensamentos violentos e de morte. Depois que se casou chegou a brigar e
mandar a esposa embora, porem depois se arrependeu e voltou com ela. Começou
a ir a igreja e os pensamentos de vingança passara e a agressividade se controlou.

A uns seis anos o irmão, o único que o compreendia e o ajudava,


morreu no acidente de moto, depois disso ele perdeu o controle no emprego e gritou
com todos, ficando depois sem reação, sem falar com ninguém no serviço. Pediu
demissão e começou a trabalhar montando carroceria. Nesse período o nervosismo
e a agressividade voltaram e também o desejo de vingar o irmão.

No trabalho novo se isolava e achava que os outros estavam falando


ele, até que chegou a querer esfaquear outro funcionário.

Um dia uma das carrocerias descarrilhou e ele a segurou sozinho,


prensando as vertebras da coluna. O patrão ficou bravo com ele pois com a coluna
ruim não havia serviço para ele na empresa e o demitiu. Ele quase bateu no patrão e
no advogado dele. Ainda não recebeu indenização e nem conseguiu se aposentar.

Afirmava que agora toda noite tem pensamentos ruins como morte e
violência, como se houvesse um enxame na cabeça e não consegue dormir sem
remédio. Durante o dia passa fechado em casa pois se irrita e explode facilmente e
não quer fazer isso na rua.

As vezes sai para andar sem rumo e chega a ir longe. Diz que tem
os nervos atacados, que não aguenta fazer força nem segurar a bíblia por muito
tempo.

Após algumas sessões começou a se perguntar porque sente raiva


das outras pessoas, e começou a disser que com a família ele se afasta para não os
agredir. Disse que hoje não sente mais amor. Falou que no sexo o corpo funciona,
mas não tem prazer.

De pois de um tempo contou que andou conversando com a mãe e


que ela lhe contou sobre sua infância e ele foi se lembrando e entendendo porque
que ele está com os problemas atuais. Ela lhe contou sobre as brigas que o pai tinha
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com todos inclusive com o avô, inclusive contou que um dia antes dele nascer ela
tentou se enforcar. Contou também vários incidentes da infância, sobre o fato de que
quando pequeno tinha o pescoço mole e andava até os quatro anos se arrastando,
quando os pais iam trabalhar eles o amarravam junto a mesa pois não tinham onde
deixa-lo, e que sempre foram muito doente e quase morreu de uma doença que
matou outros dois irmãos.

Disse que os pais nunca lhe deram amor, o pai era agressivo e mãe
já lhe dissera várias vezes para ele pegar um cobertor e sair de casa, pois ele era o
filho diferente.

Durantes as sessões finais pude perceber uma mudança de


temperamento de posicionamento do paciente ele falou que apesar do nervosismo
ainda estar presente ele agora está mais “para dentro” invés de agredir a outros ele
desaba em choro.

Falou que sente culpa por tudo na vida, inclusive pela morte do pai
mesmo sabendo que não podia evita-la pois era apenas uma criança. Comentou que
se sente um peso para a família e queria poder ajudar mais financeiramente.

Agora também percebe que apesar da falta de amor dos pais ele
consegue amar os filhos e apesar de não conseguir abraça-los, sempre se
“desvirou” por eles.

Esse caso foi atendido durante meu período de residência na Unifil e


tive de deixar de atende-lo quando minhas horas terminaram, porém ele continuou
no sistema para que outro profissional pudesse dar encaminhamento com o paciente
assim que surgissem vagas. Inclusive recomendei o paciente para outros colegas
residentes que ainda não haviam terminado sua carga horaria.
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6. ANÁLISE DO CASO

O paciente sempre relatou que não se sentia muito incluído na


família, oque que é facilmente explicado pelos acontecimentos anteriores ao
nascimento. A tentativa de suicídio da mãe quando gravida, independente dos
motivos dela, foi uma forma de rejeição ao bebê, uma tentativa de desprovê-lo da
vida que ainda nem adquirira.

É valido de nota que o fato de a mãe ter ficado sem respirar, apesar
de não possuirmos nenhum exame comprovando isso, pode ter causado danos
neurológicos ao bebe e isso ter influenciado seu desenvolvimento tanto emocional
quanto psico motor.

O paciente relatou que durante muito tempo não foi capaz de andar
e somente se arrastava, o que pode ter sido devido a essa falta de oxigênio
enquanto estava na barriga da mãe. Apesar de não podermos calcular a extensão
dos danos biológicos que essa experiência lhe acarretou, podemos falar muito sobre
o impacto emocional.

Como já foi dito ele se sentia excluído da família, e a rejeição por


parte da mãe era tamanha que ela várias vezes simplesmente pedira para ele
abandonar a família e ir viver sozinho por ser diferente. Não se dava bem com
nenhum dos irmãos, exceto um ao qual se tornou melhor amigo.

O pai do paciente sempre tratou a todos com muita agressividade e


hostilidade, batia tanto nos filhos quanto na mãe. Não sabia dar carinho e afeto e só
se preocupava em trazer comida para casa.

Quando criança, ambos os pais o travam com indiferença e


hostilidade, deixavam-no preso a mesa quando saiam, o pai batia nele de fivela por
pouca coisa e pedia para a mãe passar sal moura nas feridas, e ela obedecia.

Sem ter referencias parentais positivas, o paciente então


desenvolveu complexos paternos e maternos extremamente negativos. Com o pai
aprendeu a ser agressivo e a conseguir o que deseja pela agressividade e pela
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força, e com a mãe teve a experiência de amor negada, não tendo aprendido como
amar.

O assassinato do tio posteriormente culminou com o assassinato do


pai quando este buscava vingança, e isso foi um marco muito grade para o paciente.
A partir deste dia o complexo paterno de características negativas ganhou mais
energia e constelou, tomando o controle do ego. Dessa forma as atitudes e
pensamentos que geralmente são consideradas sombrias, como agressividade,
violência desejos de vingança tomaram conta do ego, fazendo com que o paciente
chegasse ao ponto de se identificar com a sua Sombra invés do problema habitual
de identificação com a Persona.

É importante salientar que o pai sempre foi ruim com o paciente e


quando ele morreu o paciente deve ter tido o sentimento de alivio ou talvez até de
justiça e por isso ele sente tamanha culpa pela morte do pai. A vontade de vingança,
que ainda perdura, pode ser mais uma vontade de retratação pessoal e não com o
agressor.

O paciente viveu agressivo até o dia em que se casou e começou a


frequentar a igreja. Podemos pensar que neste momento o relacionamento com a
esposa conseguiu trazer um pouco do sentimento de amor e proteção que a mãe o
negou e a igreja pode ter ajudado trazendo valores de ética e justiça ao paciente,
valores que não a postura agressiva e dominadora do pai não lhe ensinaram.

Neste momento o paciente conseguiu atribuir um pouco de


qualidades positivas aos seus complexos materno e paterno, isso lhe deu força
egóica o suficiente para resistir parcialmente aos impulsos agressivos. Apesar de
ainda ter vivido de forma “anti social” como ele se auto declara, não teve episódios
de raiva durante um bom tempo ele conseguiu perder a identificação com as
características sombrias e começou a constituir uma Persona mais adequada e
adaptável as necessidades sociais.

Tudo começou a voltar quando o irmão favorito, o único que lhe


apoiava e compreendia teve um acidente e morreu. Neste dia o paciente sentiu
como se o irmão o fosse assassinado, pois o acidente ocorreu devido a imprudência
do outro motorista, assim a experiência da morte do pai lhe veio à tona e o complexo
paterno de característica negativa ganhou mais força.
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O paciente explodiu no trabalho e depois ficou sem reação. Pediu


demissão e arrumou um novo emprego onde fraturou a coluna e o patrão se negava
a pagar indenização e para completar devido a burocracia e descaso não conseguiu
se aposentar.

Tudo começou a o incomodar, e quando isso ocorria ele explodia e


partia para cima dos outros. Para não machucar ninguém começou então a se
esconder dentro de casa. Voltou a ter pensamentos de violência, morte e vingança,
sendo assim obrigado a se confrontar com sua sombra novamente. Foi quando
iniciou a terapia.

Durante as sessões o paciente não se enxergava e falava sem


parar, de forma confusa, sobre a morte do irmão e o assassinato do pai. Logo pode-
se perceber que não caberia naquele momento nenhuma intervenção, interpretação
ou analise, com o paciente. O único trabalho possível foi incentivar ele se expressar
através da fala, para aos poucos liberar parte do sentimento e deixar os complexos
constelados descarregarem parte de sua energia.

Esse trabalho se manteve até a última de nossas sessões, e o efeito


começou a ser sentido quando o paciente começou a se questionar do porquê de
suas atitudes além de somente lamentá-las.

Com o tempo ele começou a se relacionar mais com o a mãe e está


lhe contou mais detalhes de sua infância, como a tentativa de suicídio na gravidez e
as brigas do pai com a mãe e os filhos.

Ele começou então a se lembrar de mais detalhes de sua infância,


não ficando somente preso ao assassinato do pai e morte do irmão, e começou a
compreender mais suas atitudes no presente.

Percebeu que a morte do irmão trouxe as reações do assassinato do


pai. Uma de suas queixas era a de não saber o que era amor, começou a perceber
que se escondia de todos com medo de machuca-los, para proteger os outros dele
mesmo, o que pode ser interpretado como uma forma de amor.

Apesar de ele não ter chego a essa conclusão pode-se supor que
suas crises de agressividade tinham agora também a função de lhe proteger da
perda de que ele ama. Ele perdera o irmão, o único da família com quem ele se
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relacionava bem, então começou a ter as explosões como uma forma de afastar os
outros e evitar relação com os outros e assim evitar o relacionamento com o
próximo.
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7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Durante as sessões foi pensado abordar outros tipos de trabalhos


com o paciente, como por exemplo o trabalho com mandalas e arte terapia, porém
esse se encontrava tão ávido por falar e por estabelecer contato com o terapeuta,
uma vez que durante os dias permanecia quase que isolado da sociedade, que foi
preferível manter trabalhando apenas com a escuta terapêutica.

Apesar de o processo terapêutico não poder ter sido conduzido até


chegar ao trabalho de confronto com a sombra, a abordar os arquétipos e muito
menos alcançar a alta do paciente, pôde-se trabalhar com o esvaziamento afetivo e
descarregamento da carga afetiva dos complexos constelados e isso aos poucos foi
ajudando o ego do paciente ter mais consciência de si.

Notamos que desde o início do processo terapêutico o paciente não


apresentou mais explosões que culminaram em agressão física e que ele conseguiu
se desprender um pouco das ideias persistentes de morte e vingança, aparecendo
outros sentimentos como o de culpa, o a percepção de que ele ama sim os filhos
apesar de não saber como demostrar.

Provavelmente o próximo passo na terapia desse paciente seria


buscar outras maneiras de expressão mais profundas que a escuta terapêutica, para
ir aos poucos assimilando melhor os conteúdos de sua sombra. Após descarregá-
los, na medida do possível, buscar aos poucos trazer maior percepção desses para
por fim poder buscar uma maior integração.

Com este caso em particular podemos perceber que mesmo um


indivíduo cuja história de vida está marcada por experiências muito traumáticas e foi
controlada pelos complexos construídos com essas experiências, pode com o devido
tratamento, conseguir ir se livrando aos poucos das possessões desses complexos e
das influências que eles acarretam no cotidiano.
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8. REFERÊNCIAS

JUNG, C. G. Aion Estudos sobre o simbolismo do si-mesmo. 7.ed. Petrópolis, RJ:


Vozes, 2008.

JUNG, C.G. A natureza da psique. 10.ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013

JUNG, C. G. Estudos sobre psicologia analítica. 3.ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1981.

MUSZKAT, Malvina. Consciência e Identidade. São Paulo, SP: Ática, 1986.

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