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MORAES KASTRUP Exercicios de Ver e Nao Ver 2010 PDF
MORAES KASTRUP Exercicios de Ver e Nao Ver 2010 PDF
deficiência visual
Organizadoras
Marcia Moraes e Virgínia Kastrup
Conselho Editorial:
Alessandro Bandeira Duarte
Cristina Monteiro de Castro Pereira
Francisco Portugal
Maria Cristina Louro Berbara
Pedro Hussak
Vladimir Menezes Vieira
NAU Editora
Página 1
Rua Nova Jerusalém, 320
CEP: 21042-235 - Bonsucesso, RJ
Tel: (21) 3546-2838
contato@naueditora.com.br
www.naueditora.com.br 1ª edição - 2010 - 1000 exemplares
SUMÁRIO
Prefácio
Elcie Masini
pag.4
Introdução
Marcia Moraes e Virgínia Kastrup
pag.7
SOBRE OS AUTORES
pag.177
Página 3
PREFÁCIO
notas:
1 RICOEUR, P. Da interpretação: ensaio sobre Freud. Rio de
Janeiro: Imago, 1977, p. 89.
2 Experiência concernindo àquele saber silencioso, o
Lebeswelt (o mundo da vida) husserliano, o antepredicativo, o não
ainda tematizado – raiz de toda atividade racional.
Página 6
Introdução
notas:
3 Projeto financiado pela FAPERJ através do Edital N.º
12/2008: Programa de Apoio à Construção da Cidadania da Pessoa com
Deficiência.
4 Vidente é o termo utilizado para designar aqueles que não
enxergam. Tal terminologia é adotada em todos os capítulos que
compõem esta coletânea.
Página 14
Seção 1- Construindo um método e um problema de pesquisa
Marcia Moraes
Página 16
"...que produz novas versões disto que o outro pode fazer existir.
O mal entendido promissor, em outros termos, é uma proposição que,
da maneira pela qual ela se propõe, cria a ocasião para uma nova
versão possível do acontecimento." (Despret, 1999, p. 328-330)
E mais adiante:
notas:
5 Refiro-me ao Projeto de Pesquisa e Extensão Perceber sem
Ver, por mim coordenado, cujo início ocorreu no ano de 2003 e que
continua em andamento até os dias de hoje. O projeto é financiado
pela Faperj e pelo Cnpq.
6 Na literatura brasileira sobre deficiência visual, destaco
Masini (1994) e Belarmino (2004) que apontam para este mesmo
problema, lançando mão de discussões bastante pertinentes nesta
área. Remeto o leitor também aos textos de Kastrup; Pozzana;
Tsallis et al., incluídos nesta coletânea.
7 Sobre o visuocentrismo, como um modo de agir e conhecer
centrado no sentido da visão, veja Belarmino, 2004.
8 Para mais detalhes sobre este caso, ver Moraes (2008,
2007).
9 Neste ponto, é importante considerar que as argumentações
de Law não seriam possíveis sem a contribuição de autores como
Latour (1987, 1994, 1997, 2001, 2002a, 2002b, 2002c) e Foucault
(1984, 2000), os quais, cada um a seu modo, problematizam e
colocam em xeque isso que se definiu como realismo euro-americano.
Referências bibliográficas:
Página 30
MOL, A . Ontological Politics. A word and some questions. In: LAW,
J. E HASSARD, J. (org.) Actor Network Theory and After. London:
Blackwell – The Sociological Review, 1999.
Página 31
Atualizando virtualidades: construindo a articulação entre arte e
deficiência visual17
Virgínia Kastrup
O virtual e o atual
Praticando a hospitalidade
notas:
17 As ideias aqui apresentadas foram desenvolvidas no
contexto projeto Práticas artísticas e construção da cidadania com
pessoas deficientes visuais, realizado numa parceria entre o
Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ), o Programa de Pós-Graduação em Psicologia
da Universidade Federal Fluminense (UFF) e o Instituto Benjamin
Constant (IBC). Agradecemos à FAPERJ e ao CNPq pelo apoio.
18 Entrevista concedida por um dos participantes (P6) do
projeto Atenção e invenção na produção coletiva de imagens. Apoio
CNPq (2005-2011).
19 Outras oficinas desta natureza ocorrem no contexto do
projeto de pesquisa Práticas artísticas e construção da cidadania
com pessoas deficientes visuais. Cf. o texto de Laura Pozzana, bem
como o de Camila Araújo Alves, Carolina Manso, Josselem Conti,
Julia Neves, Liz Eliodoraz, Luciana Franco, Thadeu Gonçalves,
Vandré Vitorino e Marcia Moraes, ambos nesta coletânea.
20 Cf. também o texto de Filipe Herkenhoff Carijó, Juliana
de Moura Quaresma Magalhães e Maria Clara de Almeida, nesta
coletânea.
21 Cf. o texto de Viviane Sarraf, nesta coletânea. A
pesquisadora também oferece um excelente mapeamento da situação
dos museus de arte e ciência no Brasil em
www.museuacessivel.incubadora.fapesp.br.
22 Para saber mais sobre as características do tato cf.
Hatwell, I, Streri, A. & Gentaz, E. (Orgs) (2000) Toucher pour
connaître. Paris: PUF.
Referências bibliográficas:
BERGSON, H. L´effort intellectuel. In: BERGSON, H. L´énergie
spirituelle. Paris: PUF, 1990.
Página 46
Seção 2 - Movimentos do corpo e da clínica
Laura Pozzana
notas:
23 O Centro de Convivência se define por ser um espaço de
troca e sociabilidade para os deficientes visuais que já passaram
por um processo de reabilitação.
24 Um encontro entre a Psicologia e o Rio Aberto está
presente textualmente em minha dissertação de mestrado, publicada
como livro. Conf. POZZANA L. O Corpo em Conexão: Sistema Rio
Aberto, Niterói: EdUFF, 2008.
25 Para discutir a relação entre corpo e deficiência visual,
cf. o capítulo de Moraes e outros, inserido nesta coletânea.
26 Pesquisa financiada pela FAPERJ.
27 Conferir: Pistas do Método da Cartografia:
pesquisa-intervenção e produção de subjetividade. Passos, Kastrup
e Escóssia (orgs.), Editora Sulinas, 2009.
28 O texto preparado para a mesa “O que percebemos quando
não vemos?”, assim como a gravação da fala de Joana Belarmino no
Colóquio Ver e não Ver, encontra-se disponível no site
http://www.psicologia.ufrj.br/verenaover/
Página 58
29 Este tema da consciência própria do corpo é bem
trabalhado por José Gil (2004) com a noção de corpo-consciência em
contraposição a noção cartesiana do corpo exterior à consciência
do sujeito. Conf. também o terceiro capítulo de O Corpo em
Conexão: Sistema Rio Aberto (POZZANA L., EdUFF, 2008).
30 Acordar, no caso, se refere ao despertar e ao estar de
acordo.
Referências Bibliográficas:
LATOUR, Bruno. How to talk about the body? The normative dimension
of science studies. 2002. Mimeo.
notas:
31 Os nomes utilizados neste trabalho são fictícios a fim de
Página 71
preservar o anonimato das pessoas que foram acompanhadas neste
processo de pesquisa.
32 Todas as falas colocadas entre aspas neste artigo são
referentes a notas dos diários de campo de 2008, Projeto Perceber
sem Ver, a partir das Oficinas de Experimentação Corporal, da qual
falaremos mais adiante.
33 Agradecemos à Faperj, ao Cnpq e à Pró-Reitoria de
Extensão da Universidade Federal Fluminense pelo apoio recebido
para a realização desta pesquisa/extensão.
34 Modos de ordenamento é um conceito proposto por Law
(1994, p. 95) para indicar o processo social como um verbo, mais
do que como um substantivo. Isto é, o social é um processo
contínuo, precário, marcado por sua heterogeneidade e
multiplicidade. Este conceito implica a aposta de um deslocamento
de uma concepção de social como algo dado, estabilizado para a
afirmação de um contínuo processo precário de fabricação e
construção de ordenamentos.
35 Centro de referência nacional no campo da deficiência
visual, situado na cidade do Rio de Janeiro. Para conhecer mais
sobre o IBC, consulte o site http://www.ibc.gov.br/
36 Para uma concepção de corpo que segue esta mesma direção,
cf. o capítulo de Laura Pozzana, inserido nesta coletânea.
37 Não encontramos, em português, palavras que possam
traduzir claramente estes dois termos. Por isso, optamos por
mantê-los em inglês.
38 Este setor atende pessoas que adquiriram a cegueira na
idade adulta e que buscam (re)aprender modos de viver sem a visão,
seja através do uso da bengala, da leitura e da escrita através do
sistema Braille, e atividades da vida diária, seja através de uma
série de oficinas de artes.
39 Utilizamos a expressão “colheita de narrativas” em lugar
do tradicional “coleta de dados” para fazer menção ao modo como
lidamos com as informações do campo. O termo colheita parece-nos
mais adequado à metodologia que utilizamos porque a conotação do
termo envolve um processo de semear, de preparar o solo antes de
recolher dele os frutos. É precisamente este o viés que utilizamos
em nossa metodologia, isto é, as narrativas que colhemos são
frutos de um modo de pesquisar que envolve o outro, um pesquisar
que se faz a partir de um engajamento prático com o outro, num
processo de transformação recíproca. Neste sentido, como o leitor
verá mais adiante, as intervenções que propomos são partilhadas e
negociadas com o grupo de pessoas com deficiência visual.
Salientamos que este modo de entender as relações com o campo de
pesquisa está presente em Spink 2003; Law e Mol, 1995.
Referências Bibliográficas:
Página 73
Tateando, Fabricando, Explorando, Implementando, Parangoleando um
dispositivo clínico
Tateando o campo
Explorando territórios
Página 81
Nesses termos, a noção de dépaysement/desterritorialização
está intimamente vinculada ao procedimento do contraste. Assim, no
encontro com o que não nos é familiar, é preciso cultivar a
hesitação, parar um pouco diante desse outro mundo. Buscar não
interrogá-lo segundo nossos próprios termos e sim segundo os
imperativos que estão presentes ali. Nas palavras de Despret
(2009), “qual é a pergunta que devo lhe fazer para aprender algo
interessante sobre você?”. Como resultado dessa proposição, temos
um conhecimento que se produz em abertura e disponibilidade em
relação ao “outro”. Em poucas palavras, o hesitar se enraíza em um
território que o nutre de possibilidades.
Página 83
Quem sabe possamos começar a conceber a ideia de uma clínica
cuja sensorialidade seja dinâmica? Em outras palavras, um processo
terapêutico onde os sentidos sejam organizados e reorganizados
inventivamente? A clínica com a cegueira não faz do tato um mero
apêndice, mas sim um aliado que aponta para um modo de existir
potente na criação de vínculos. Nesse sentido, o mal entendido
produzido na experiência com Toddy se fez promissor quando vivemos
nosso último encontro. Assim, podemos nos apropriar de nossas
heranças sensoriais sem precisar deixá-las invisíveis. Em síntese,
nossa experiência no DC nos fez revisitar a clínica em sentidos
que vão além da singularidade deste trabalho e, para não encerrar,
deixemos o parangolé vivo: qual o nosso fazer clínico quando
colocamos a sensorialidade em movimento? As respostas serão sempre
locais, não há modelos, apenas mundos possíveis.
notas:
40 O jogo de pronomes se refere às transcrições dos diversos
trechos dos diários de campo produzidos no transcorrer do
Dispositivo Clínico. Assim sendo, mantivemos a primeira pessoa do
singular, embora tenham sido vários esses “eus” no campo. Já no
decorrer do presente texto, usaremos a primeira pessoa do plural.
Padronizar o texto dessa forma tem um motivo específico: desejamos
que a diferenciação entre a transcrição do diário e a discussão do
texto não aconteça somente através do recurso visual da troca de
fonte de letra.
41 Toddy é uma referência a um achocolatado em pó. Nos
últimos encontros, pedimos que cada participante escolhesse um
nome que o representasse para figurar no material da pesquisa.
Toddy escolheu seu nome por ser “algo ligado a energia”, que ele
viu em um comercial e gostou. Um de nós, membros da equipe de
atendimento, comentou naquele momento que era a “energia que dá
gosto”, fazendo uma confusão com a propaganda de outro
achocolatado, o Nescau. Nas propagandas do Toddy, ele é referido
como “seu companheiro de aventuras” ou “o sabor da verdade”. Todas
estas referências ganham movimento singular quando pensamos nos
trechos do diário de campo que compõe este artigo.
42 Os participantes eram todos adultos, com idades variando
de 18 a 64 anos.
43 Este termo tem como objetivo salientar as dimensões
interativa e processual do fazer pesquisa. Nesta perspectiva, não
só o pesquisador é quem propõe as questões de pesquisa, mas também
aqueles que participam dela. A pesquisa se dá no ato de interagir
com o meio que está sendo estudado. Assim, vale dizer que o termo
é também um verbo, um “PesquisarCOM”. Cf o texto de Márcia Moraes,
nesta coletânea.
4 Essa noção de clínica ampliada surge na década de 60 a
partir de Guattari, onde a clínica é atravessada pelos
agenciamentos coletivos de produção de subjetividade, implicando
transformações no seu processamento (Costa, F. T.; Moehlecke, V. e
Fonseca, T. M. G., 2004).
44 Termo utilizado por Latour (2001), a partir de uma
interlocução com a semiótica, para explicitar a simetria existente
entre atores humanos e não humanos.
45 Como não há uma correspondência exata para o termo
dépaysement em português, optamos por utilizar em conjunto com a
palavra desterritorialização, por apresentar uma aproximação de
sentido com o termo original.
Página 84
Referências Bibliográficas:
DELEUZE, G., GUATTARI, F. Mil Platôs. Rio de Janeiro: Ed. 34, v.1,
1995.
Página 86
A bengala como um instrumento lúdico na orientação e mobilidade do
deficiente visual
Orientação e mobilidade
C1: "A tia hoje foi comigo até o refeitório, hoje a gente passeou
no pátio interno, passei pela Cantina do Zezinho."
Página 94
C2: "Já sei guiar, agora eu ajudo ao meu amigo. Como ele não tinha
orientação e mobilidade, eu o ajudava com as coisas que eu já
sabia."
Considerações Finais
notas:
Referências Bibliográficas:
notas:
48 Quando afirmo que o desejo pela inclusão cultural entra
no campo simbólico do ser humano, refiro-me à esfera daquilo que
não é essencial em termos físicos de sobrevivência. Estar incluído
em ofertas e espaços culturais representa igualdade com os demais
indivíduos no campo social de status, dentro de um hall de
atividades que apresentam, ainda, caráter excludente e exclusivo.
Para esse uso, tenho como referência o autor Gilbert Durand que,
em seu livro “A Imaginação Simbólica”, trata com profundidade a
questão.
49 Esses objetos utilitários, transfigurados de seus
cotidianos e apresentados como obras de arte a partir de 1913 em
espaços de arte consagrados, como Salões e Museus de Arte, estão
na base da crítica institucional.
Referências Bibliográficas:
Documentos Eletrônicos
Introdução
A Proibição do Toque
O problema da expressão
O uso de kits
notas:
50 Este trabalho é fruto de uma pesquisa realizada junto ao
NUCC-UFRJ (Núcleo de Pesquisas Cognição e Coletivos), sob
orientação da professora Virgínia Kastrup, e contou com uma parte
de campo, em que os autores realizaram visitas técnicas a diversos
museus do Rio de Janeiro e de São Paulo. Nas visitas aos museus do
Rio de Janeiro, ocorridas em 2009, os autores foram acompanhados
por um grupo de deficientes visuais do Instituto Benjamin
Constant, que também participou de discussões que contribuíram de
maneira importante para o presente texto. As visitas aos museus de
São Paulo ocorreram por ocasião de um estágio realizado pelos
autores sob orientação de Viviane Sarraf em 2008. Agradecemos
calorosamente a Virgínia Kastrup, Viviane Sarraf e aos deficientes
visuais que participaram do nosso grupo de discussão e visitação:
Virgínia Menezes, Alexandre Barel, Valéria e Waldir.
51 A este respeito cf. também os capítulos de Sarraf e
Kastrup inseridos nesta coletânea.
52 Para uma discussão histórica sobre a acessibilidade em
museus, ver Sarraf (2008).
53 Ver, p. ex., Candlin, 2004, 2006; Sarraf, 2008; Almeida
et al., no prelo; Quaresma e Kastrup, manuscrito.
54 Para maiores informações sobre os museus brasileiros que
possuem programas de acessibilidade, consultar o site
http://museuacessivel.incubadora.fapesp.br/portal, mantido pela
RINAM (Rede de Informação de Acessibilidade em Museus), criada por
Viviane Sarraf.
55 Nota sobre o acesso à informação.
56 Quem introduz esta distinção no que diz respeito à
acessibilidade para deficientes visuais em museus são Hatwell e
Martinez-Sarocchi (2006).
57 Esta posição, se no mais das vezes está apenas implícita,
é manifestamente declarada no trabalho de certos autores (ver, por
exemplo, RÉVÉSZ, 1950). Para uma perspectiva contrária, porém, ver
Arnheim (1990) e Löwenfeld (1951).
58 Para uma discussão mais extensa, ver Almeida et al., no
prelo.
59 Para uma discussão mais detalhada a este respeito, ver
Gibson (1962); Almeida et al. no prelo.
Página 122
60 Foi esse o caso, p. ex., de alguns dos deficientes
visuais que participaram de nosso grupo de discussão e visitação a
museus.
Referências Bibliográficas:
Joana Belarmino
Ao Modo de Introdução
"Quando só uma visão mil vezes mais aguda do que a pode dar a
natureza seria capaz de distinguir no oriente do céu a diferença
inicial que separa a noite da madrugada, o almuadem acordou.
Acordava sempre a esta hora, segundo o sol, tanto lhe fazendo que
fosse verão como inverno, e não precisava de qualquer artefacto de
medir o tempo, nada mais que uma mudança infinitesimal na
escuridão do quarto, o pressentimento da luz apenas adivinhada na
pele da fronte, como um tênue sopro que passasse sobre as
sobrancelhas ou a primeira e quase imponderável carícia que, tanto
quanto se sabe ou acredita, é arte exclusiva e segredo até hoje
não revelado daquelas formosas huris que esperam os crentes no
paraíso de Maomé." (Saramago, 1989)
"Aos pés do Almuadem há uma cidade, mais abaixo um rio, tudo dorme
ainda, mas inquietamente. A manhã começa a mover-se sobre as
casas, a pele da água torna-se espelho do céu, e então o Almuadem
inspira fundo e grita, agudíssimo, Allahu akbar, apregoando aos
ares a sobre todas grandeza de Deus, e repete, como gritará e
repetirá as fórmulas seguintes, em extático canto tomando o mundo
por testemunha de que não há outro Deus senão Alá, e que Maomé é o
enviado de Alá, e tendo dito estas verdades essenciais chama à
oração, Vinde ao azalá, mas sendo o homem de natureza preguiçoso,
ainda que crente no poder Daquele que nunca dorme, o Almuadem
repreende caridosamente esses outros a quem as pálpebras ainda
pesam, A oração é melhor que o sono, As-salatu jayrun min an-nawn,
para os que nesta língua o entendem enfim concluiu clamando que
Alá é o único Deus, La ilaha illa llah, mas agora só uma vez, que
é quanto basta quando se trate de verdades definitivas. A cidade
murmura as orações, o sol apontou e ilumina as açoteias, não tarda
que nos pátios apareçam os moradores. A almádena está em plena
luz. O almuadem é cego." (Ibid., 1989)
"Por que foi que cegamos, Não sei, talvez um dia se chegue a
conhecer a razão, Queres que te diga o que penso, Diz, Penso que
não cegamos, penso que estamos cegos, Cegos que vêem, Cegos que,
vendo, não vêem.
A mulher do médico levantou-se e foi à janela. Olhou para baixo,
para a rua coberta de lixo, para as pessoas que gritavam e
cantavam. Depois levantou a cabeça para o céu e viu-o todo branco,
Chegou a minha vez, pensou. O medo súbito fê-la baixar os olhos. A
cidade ainda ali estava." (Ibid., 1995)
Página 128
III Os Subterrâneos de Sábato: Alegoria, Magia e Surrealismo na
sua Narrativa Sobre a Cegueira
"Y así, paulatinamente, con una fuerza tan grande y paradojal como
la que en las pesadillas nos hacen marchar hacia el horror, fui
penetrando en las regiones prohibidas donde empieza a reinar la
oscuridad metafísica, vislumbrando aquí y allá, al comienzo
indistintamente, como fugitivos y equívocos fantasmas, luego con
mayor y aterradora precisión, todo un mundo de seres abominables."
(Ibid., 1961)
Referências Bibliográficas:
Página 132
GIDE, André. A Sinfonia Pastoral. Rio de Janeiro: Editora Vechi,
1948.
Página 133
Literatura para quê?
O título
Experiência/aprendizado
Fazer uma experiência com algo, uma coisa, um ser humano, um deus,
significa que algo nos atropela, nos vem ao encontro, chega até
nós, nos avassala e transforma. Fazer não diz aqui de maneira
alguma que nós mesmos produzimos e operacionalizamos a
experiência. Fazer tem aqui o sentido de atravessar, sofrer,
receber o que nos vem ao encontro... (2003, p. 121)
"O cego Estrelinho era pessoa de nenhuma vez: sua história poderia
ser contada e descontada não fosse seu guia, Gigito Efraim. Gigito
conduziu o desvistado por tempos e idades. Aquela mão
repartidamente incomum, extensão de um no outro, siamensal. E
assim era quase de nascença. Memória de Estrelinho tinha cinco
dedos e eram os de Gigito postos, em aperto, na sua própria mão.
O cego, curioso, queria saber de tudo. Ele não fazia cerimônia no
viver. O sempre lhe era pouco e o tudo, insuficiente. Dizia deste
modo:
– Tenho que viver já, senão esqueço-me.
Gigitinho, porém, o que descrevia era o que não havia. O mundo que
ele minuciava eram fantasias e rendilhados. A imaginação do guia
era mais profícua que papaeira. O cego enchia a boca de águas:
– Que maravilhação esse mundo. Me conte tudo, Gigito!
A mão do guia era, afinal, o manuscrito da mentira. Gigito Efraim
estava como nunca esteve São Tomé: via para não crer. O condutor
falava pela ponta dos dedos. Desfolhava o universo, aberto em
folhas. A ideação dele era tal que o cego, por vezes, acreditava
ver." (p. 29-30)
Palavra-em-estado-de-arte
Página 137
A palavra-em-estado-de-arte é nossa aliada na empreitada de
aprendizado de outro modo de estar no mundo. É Clarice que afirma:
“Sou grata a meus olhos que ainda se espantam tanto. Ainda verei
muitas coisas” (1999, p. 76)
Palavras não são apenas palavras, elas agem, elas nos movem,
elas nos configuram; é com palavras que nós pensamos. A palavra
falada caracteriza a condição humana. Larrosa sugere que definamos
o ser humano como vivente dotado de fala, ou seja, de linguagem.
Habitamos o mundo imersos em linguagem. É na linguagem que habita
o sentido. A linguagem é a atmosfera em que nos movemos
existencialmente, é nela que temos acesso ao real. Existimos
linguajeiramente, sempre tentando dar conta de encontros que vão
nos engendrando no mesmo ato que engendram mundos de sentidos.
Mas não lidamos com a linguagem sempre do mesmo modo. Uma é
nossa lida com a linguagem na vida prática do cotidiano. Essa é
uma linguagem pragmática, a serviço da sobrevivência. Dizemos que
esse é um uso prático da linguagem. Como quando eu digo: – Você
vira a esquina, no outro quarteirão fica a padaria. – Aqui está o
livro de que lhe falei.
Na palavra poética, mesmo que em expressão cotidiana, a
linguagem funciona de outro modo, um funcionamento intensivo. É no
funcionamento intensivo, estendendo a palavra até seus limites,
que está a peculiaridade da literatura.
Página 138
Videntes veem empiricamente os fatos, ouvem a sonoridade
empírica dos fatos. Não videntes não veem empiricamente os fatos,
mas ouvem a sonoridade empírica dos fatos. Porém, não videntes e
videntes, precisamos todos apurar cada vez mais nossa habilidade
de sentir o sussurro das forças inaudíveis e invisíveis a olhos e
ouvidos puramente empíricos.
Na segunda parte do conto O cego Estrelinho, é Infelizmina
que substitui o irmão convocado para a guerra. Ela vê um mundo
diferente do descrito pelo irmão.
nota:
61 “se nos passa” é apresentada como tradução possível, por
João Wanderley Gerardi, na tentativa de manter fidelidade à
construção do texto de Larrosa em espanhol.
Referências Bibliográficas:
Página 140
Literatura, devir-consciente e algumas considerações acerca do
conto Em terra de cego, de H. G. Wells
"Só pela arte podemos sair de nós mesmos, saber o que vê outrem de
seu universo que não é o nosso (...). Graças à arte, em vez de
contemplar um só mundo, o nosso, vemo-lo multiplicar-se, e
dispomos de tantos mundos quantos artistas originais existem."
(Proust, 1958, p. 142)
Em terra de cego
notas:
Referências Bibliográficas:
BOSI, A. Literatura e resistência. São Paulo: Companhia das
Letras, 2002.
Página 148
CHARTIER, R. A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas
na Europa entre os Séculos XIV e XVIII. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 1999.
Página 149
Seção 5 – Política e cidadania
Agendas emergentes
Página 159
Experiência incorporada e discurso político
Democracia e participação
Referências Bibliográficas:
Página 165
Cidade Acessível: igualdade de direitos e particularidades da
pessoa com deficiência visual70
Jéssica David
Ximene Martins Antunes
Veronica Torres Gurgel
notas:
70 Publicado originalmente em versão modificada na revista
Mnemosine Vol.5, nº1, p. 80-94, 2009. Foi escrito a partir de um
trabalho apresentado nas 1ª e 2ª fases da XXVII Jornada Julio
Massarani de Iniciação Cientifica, Artística e Cultural da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
71 A partir de meados da década de 1970, em lugar de
"deficientes" ou "cegos", passou-se a utilizar "pessoas com
deficiência visual", enfatizando a idéia de que o sujeito não se
resume à sua deficiência. Mais recentemente, estes mesmos termos,
“deficientes” e “cegos”, foram reapropriados politicamente por
grupos ativistas, de modo a destacá-los como um grupo social com
necessidades específicas a serem reivindicadas. Neste sentido, é
extensa a discussão quanto à terminologia adequada: cegos,
deficientes visuais, portadores de deficiência visual, portadores
de necessidades especiais. No presente artigo, utilizaremos um
vocabulário diversificado, como o faz a maioria dos deficientes
visuais com os quais convivemos.
72 A tabela de Snellen, também conhecida como optótico de
Snellen ou escala optométrica de Snellen, é um diagrama utilizado
para avaliar a acuidade visual de uma pessoa. Consiste em
um conjunto de letras de diferentes tamanhos dispostas de
Página 174
forma randômica.
73 A este respeito, cf. o capítulo PesquisarCOM: política
ontológica e deficiência visual, de autoria de Marcia Moraes,
inserido nesta coletânea.
74 Cf. Murphy e Cain, 1985; Smith, Doty e Bulingame, 1993;
Rosenbluth, Grossman e Kaitz, 2000.
Referências Bibliográficas:
Página 175
__________. Situating Technoscience: an Inquiry into Spatialities.
2000. Disponível em:
http://www.comp.lancs.ac.uk/sociology/papers/Law-Mol-Situating-Tec
hnoscience.pdf
Página 176
SOBRE OS AUTORES
Página 180