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Artigo de divulgação científica sobre Sírio Possenti baseado na entrevista

realizada por Flávia Regina Mello e Luiz Felipe Andrade por Camila Antônio Barros.

Quando se fala do estudo da língua, pode-se pensar tanto no aspecto muscular


quanto idiomático. Este, por sua vez, ramifica-se infinitamente uma vez que está amarrado a
todo o tipo de atividade que envolva comunicação, ou seja, toda atividade humana (se você
pensou no silêncio do claustro que independem de outra pessoa, tenha em mente que para nos
entendermos também usamos da língua). Na verdade, o próprio idioma é um subconjunto do
enorme campo da linguagem.

As vastas possibilidades que a língua propicia acarretam, então, dúvidas quanto ao


que se estuda em cursos de letras ou de comunicação: Aprende-se a ser poeta? Aprende-se a
ser o mais fiel seguidor da gramática escorreita? O que é a tal da linguística?

As respostas (ainda que não absolutas) são sim e não, "entendedor e questionador"
da gramática são termos mais apropriados e, por fim, é o estudo sistemático tanto dos usos
quando do que influencia a linguagem verbal humana.

Dito isso, é melhor trazer agora um exemplo de como é possível se estudar a


língua em seu sentido comunicativo, real objetivo dos cursos citados. Para isso, cabe expor o
trabalho de um professor doutor titular da Unicamp especializado em linguística, Sírio
Possenti, o qual se debruça há vinte anos sobre a análise do discurso com ênfase em humor e
mídia.

No campo da análise do discurso, o autor de diversos artigos e livros sobre o tema


associa as abordagens brasileira e francesa sobre um corpus diferenciado. Este se destaca por
não ser composto pelos típicos discursos políticos, comuns na área, mas sim por piadas e
textos humorísticos curtos.

No ano de 2014, traduziu o livro "Frases sem texto" de Maingueneau, o qual


também fala sobre diferentes corpora para a análise do discurso, em especial, as frases
separadas de seus respectivos textos. Pode-se então expandir esse debate para uma nova
abordagem, que hoje é um projeto de pesquisa de Possenti, analisando textos breves cômicos
ou não. O objetivo é pesquisar como a heterogeneidade, intertextualidade e
interdiscursividade dialogam com a memória do leitor para que este descubra relações entre
os textos.

Sua escolha de objeto de estudo relaciona-se muito com seu ponto de vista -
exposto por ele no programa “Juca entrevista” e na entrevista concedida ao “Palimpsesto”
(Revista de Pós-Graduação em Letras da UERJ) que serviu de base para este texto: a língua é
um fenômeno sujeito a mudanças sem, porém, implicar erros ou acertos. Crítico do ensino que
menospreza o uso efetivo da língua para valorizar o ensino normativo da gramática, o
pesquisador prefere - assim como os autores Perini e Bagno - reconhecer os fatos da língua
em pleno uso: da mesma forma que a biologia reconhece diferentes tipos de folhas, o linguista
deve reconhecer os diferentes usos da palavra.

A visão adotada auxilia a compreender porque se pode considerar o humor um


objeto de estudo. Nas palavras do próprio pesquisador [cf. POSSENTI, S. "O Humor e a
Língua". Revista Ciência Hoje, vol. 30, n°176.], as piadas oferecem um retrato da sociedade
abarcando aspectos antropológicos e linguísticos, uma vez que o riso depende do uso das
ambiguidades e expectativas do ouvinte (em termos de semântica e sintaxe) para torná-lo
sorridente.

Esse tema multissecular ultrapassa o livro perdido de Aristóteles e a busca de


Umberto Eco, sendo um traço popular pouco explorado por linguistas os quais poderiam,
segundo Possenti, encontrar não só as ambiguidades possíveis em um determinado idioma,
mas também temáticas recorrentes. Trocando em miúdos, a piada depende diretamente do uso
da linguagem em um contexto inesperado evidenciando transitividades e ambiguidades que
abrem cada vez mais possibilidades da língua antes não refletidas.

O humor, assim, motivou inúmeros trabalhos do professor doutor, familiarizado


com o tema há 20 anos. Entre eles, coordena, desde 2008, uma pesquisa sobre os produtores
de do gênero, sendo eles presentes – escrevendo de forma autoral em charges e quadrinhos –
ou não, o que ocorre em piadas de “livre curso” que expõem uma característica da sociedade
em que se inserem. O pesquisador já teceu, inclusive, um comentário (ácido) sobre a stand up
comedy, no qual a considera um mero meio de circulação do humor que tem muito pouco a
acrescentar ao estudo desse campo.

Passeando por um campo abstrato como a Análise do Discurso, o pesquisador


utiliza corpus recorrente e ainda que atípico para concretizar suas pesquisas sobre o discurso.
Além disso, é um colunista fecundo compondo cinco corpos editoriais de periódicos
diferentes, nos quais defende, entre outras coisas, o ensino pautado na análise de textos em
sala em detrimento do estudo puro da gramática normativa. Com isso, pode-se concluir que o
professor titular da Unicamp é merecedor de atenção por diversas razões, já que consegue
passear entre o formalismo acadêmico sem desligar-se do uso corrente da língua.

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