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26/01/2017 MATRIZ PORTUGUESA

“O Livro de Cozinha da Infanta D. Maria de Portugal”  
O primeiro livro de culinária português
Livro de Cozinha da Infanta D. Maria de Portugal, Séc. XV Os Alimentos na Arte e na
Brito­Semedo, 17 Julho 2013 Cultura
“O Tratado da cozinha portuguesa, do século XV, é um caderno de receitas, manuscrito, com letra
bastante  carregada  de  tinta  e  do  tipo  gótico  cursivo,  arredondada,  muito  regular  e  individualizada,
própria do final deste século, e que em Portugal é também classificada como letra joanina (período
do  rei  D.  João  II,  entre  1481  e  1495).  O  códice  é  composto  de  folhas  de  papel  amareladas  e
encadernadas.  Em  bom  estado  de  conservação,  não  está  datado  e  desconhece­se  a  autoria.  Suas
folhas  têm  a  dimensão  de  190mm  x  135mm  e  está  encadernado  com  capa  de  carneiro,  na  cor
castanha. O manuscrito original encontra­se arquivado na Biblioteca Nacional de Nápoles, na Itália.
Este  manuscrito  é  tido  como  o  mais  antigo  livro  de  receitas  portuguesas  existente.  Compõe­se  de
quatro seções: carne, ovos, leite e conservas. Na época havia duas refeições diárias importantes: o
jantar, entre 10 e 11 horas da manhã (a principal) e a ceia, entre 18 e 19 horas. A base alimentícia
era carne de carneiro, porco, vaca e aves. O peixe costumava ser alimentação de pobres. Usavam­se
ervas aromáticas, manteiga e sal, além dos chamados “adubos” (cravo, canela, pimenta, açafrão  e
gengibre). Cozia­se em panelões de tripés ou suspensos em gancho, sendo a cozinha quase sempre
separada da casa para evitar incêndios. O Tratado da cozinha portuguesa, do século XV, é também
conhecido  como  Livro  de  cozinha  da  infanta  D.  Maria  de  Portugal    (1538­1577),  neta  do  rei  D.
Manuel I. Ao se casar com o nobre italiano Alexandre Farnésio, Duque de Parma, D. Maria levou o
livro para a Itália, o que justifica o fato de ele estar hoje em Nápoles.
José  Eurípedes  Franklin  Lealé,  professor  da  Universidade  Federal  do  Estado  do  Rio  de  Janeiro  e
membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.”

“O  Livro  de  Cozinha  da  Infanta  D.  Maria  de  Portugal”  está  guardado  na  Biblioteca  Nacional  de
Nápoles. Pertenceu à Infanta D. Maria de Portugal, neta do rei D. Manuel I de Portugal, nasceu em
Lisboa  em  1538,  morreu  em  Parma  com  39  anos,  em  1577.  Dona  Maria  de  Portugal  casou  em
D. Maria (1538­1577), neta de
Bruxelas, em 1565, o duque de Parma, Alessandro Farnese, tendo sido mãe de Edoardo, cardeal de
D. Manuel I, infanta de
Santo Eustáquio (1565­1626), Margherita, que se casou com o duque de Mantova (1567­1643), e
Portugal e duquesa de Parma.
de Ranuccio I Farnese, duque de Parma e de Piacenza, cuja descendência se ligou por casamento às
importantes dinastias dos Medici, d'Este e Colonna.
“O  Livro  de  Cozinha  da  Infanta  D.  Maria  de  Portugal”  faz  parte  de  um  grupo  de  cinco  tomos  de
origem farnesiana. Consta de setenta e quatro fólios, divididos em quatro cadernos  com  setenta  e
quatro receitas. Um códice que, apesar dos problemas paleográficos e cronológicos que apresenta, é
deveras  valioso,  contribuindo  não  só  para  o  vocabulário  histórico  da  linguagem  nacional,  como
também mostrando um lado importante da vida social que é a arte de cozinhar e bem comer, numa
época da história nacional portuguesa de que muito pouco se conhece e cujo mais antigo documento
de  receitas  culinárias  publicado  não  é  anterior  a  1680,  que  é  “A  Arte  de  Cozinha”  de  Domingos
Rodrigues.
“O  Livro  de  Cozinha  da  Infanta  D.  Maria  de  Portugal”  é  composto  de  67  receitas  distribuídas  em
quatro cadernos e mais seis receitas avulsas que não tratam especificamente de culinária, mas de
receitas diversas de uso doméstico. O primeiro caderno é o Caderno dos manjares de carne com 26
receitas  (numeradas  de  4  à  29);  o  segundo,  Caderno  dos  manjares  de  ovos,  com  4  receitas
(numeradas de 30 à 33); em seguida encontra­se o Caderno dos manjares de leite com 7 receitas
(numeradas  de  34  à  40);  e,  finalmente,  o  Caderno  das  cousas  de  conserva  com  24  receitas
(numeradas de 41 à 64).

Receitas

Pastéis de pombinhos 
Tomem  os  pombinhos  já  limpos  e  dêem­lhes  uns  cortes  na  carne,  colocando  dentro  fatias  de
toucinho.  Temperem­nos  a  gosto,  levando­os  ao  fogo,  a  cozer.  Façam  a  massa  de  pastelão  e
coloquem dentro os pombinhos, com caldo de vaca, de carneiro ou de galinha, e um pouco de agraço  
ou caldo de limão. Cubram tudo com a mesma massa do pastelão, e levem a forno brando.

Marmelada de Ximenes 
Façam  uma  calda  com  dois  quilos  de  açúcar.  Em  seguida,  pesem  dois  quilos  de  marmelo,  já
descascados e limpos, e ponham­nos na calda, que  já  estará  no  fogo.  Quando  as  frutas  estiverem
cozidas, tirem­nas da calda, amassem­nas, passando­as depois por uma peneira fina. Enquanto isso,
a calda ficará  no  fogo,  até  atingir  o  ponto­de­bala.  Então,  tirem  a  calda  do  fogo  e  adicionem­lhe  o
marmelo, mexendo tudo durante bastante tempo. A seguir, voltem com o tacho para o fogo brando,
continuando a mexer o doce numa só direção, e não em movimentos circulares para não açucarar.
Logo que a massa largar do tacho, estará cozida. E, para verificarem melhor se a marmelada está no
ponto, tomem um bocado numa colher: se criar uma ligeira crosta por cima, de modo que o  dedo
não se suje ao tocá­la, estará boa. Se, durante o tempo em que cozerem os marmelos, a calda ficar
vermelha,  troquem­na  por  outra.  E  se  desejarem  a  marmelada  vermelha,  levem  o  tacho  ao  fogo
forte.

Talos de alface 
Escolham talos de alface bem compridos e duros, e limpem­nos cuidadosamente, tirando­lhe todas
as fibras. Depois de todos bem limpos, tomam os mais grossos e deitem­nos numa vasilha com água
fria. Ponham no fogo um tacho com água, e, quando esta ferver, lancem dentro os talos, deixando­
os cozer, até que sejam atravessados facilmente com um alfinete. Em seguida, escorram os talos da

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água  em  que  foram  cozidos,  coloquem­nos  num  tacho  e  deitem  sobre  eles  uma  calda  fervente.
  Durante  quinze  dias  fervam  essa  calda  separadamente,  e  derramem­na,  ainda  fervendo,  sobre  os
talos. No fim desse tempo a compota estará pronta.

Perinhas dormideiras
Tomem  umas  cinco  ou  seis  dúzias  de  peras,  não  muito  maduras  nem  muito  verdes,  e  dêem­lhes
uns cortes oitavados, lançando­as imediatamente numa vasilha com água fria. Em seguida, ponham
água a ferver num tacho, e deitem ali as peras para cozer, perfurando­as antes ao comprido, duas
vezes.  Para  saber  se  estão  cozidas,  espetem­nas  com  um  alfinete.  Se  caírem,  estão  boas.  Tirem
então  as  peras  da  água,  e  coloquem­nas  em  uma  peneira,  abafando­as  com  panos  de  cozinha.  A
seguir,  façam  uma  calda  em  ponto  regular,  e  lancem­na  morna  sobre  as  peras,  que  já  estarão
arrumadas num tacho; a calda deve cobrir as peras, e o tacho há de ficar bem abafado. Durante oito
dias seguidos dêem uma fervura na calda, cada dia mais forte, e derramem­na morna sobre as peras
que ficaram no tacho. Usem desse processo por mais sete dias, dia sim, dia não. Se  no  fim  desse
tempo  a  compota  não  estiver  no  ponto  desejado,  continuem  fervendo  a  calda  e  derramando­a
morna  sobre  as  peras,  por  mais  dois  dias.  Finalmente,  levem  tudo  junto  ao  fogo,  peras  e  calda,
acrescentem um pouco de água­de­flor, e deixem ferver regularmente por uma meia hora. Separem
novamente as peras de sua calda, a qual, após ser coada, voltará novamente para junto das frutas.
Enquanto se fizer a compota, a calda será coada diariamente, antes de se juntar às frutas. E será
conveniente clarificar essa calda de dois em dois dias. Se durante o fabrico da compota aparecerem
nódoas  brancas  na  calda,  levem  tudo  ao  fogo,  para  uma  fervura.  Para  que  as  frutas  fiquem  mais
bonitas, cada dia adiciona­se­lhes uma calda nova.

Galinha alardada 
Limpe e tempere uma galinha. Em seguida, com auxílio de linha e agulha, envolva­se toda a galinha
em fatias de toucinho de fumeiro, bem fininhas. Leva­se ao forno brando.

Pastéis lepaldados 
Façam uma massa de farinha de trigo, água e sal, na consistência da massa de pão. Depois de bem
sovada,  abram­na  em  folhas  redondas,  e  bem  finas,  mais  ou  menos  de  dois  palmos  de  diâmetro,
sem deixar que se quebrem. Tomem então manteiga derretida e untem a folha de massa de um só
lado, enrolando­a bem apertada. E assim se procede com toda a massa. Em seguida, cortem  essa
massa enrolada em fatias de dois dedos de grossura, deitando­as num tabuleiro. Façam então um
buraco  com  os  dedos,  no  meio  de  cada  um  desses  enrolados  de  massa,  recheando­os  com  carne
picadinha,  muito  bem  temperada,  e  não  muito  seca.  Cubram  com  outro  enrolado  de  massa,
achatado no meio, e levem ao forno, o suficiente para assar.

Galinha desfiada 
Limpem  uma  galinha,  e  cortem­na  em  pedacinhos.  Em  seguida  levem­na  a  cozer  com  toucinho
picado,  cheiro­verde,  e  água  à  vontade.  Ao  levantar  fervura,  deitem­lhe  vinagre  e  sal.  Depois  de
cozida,  que  fique  com  pouco  caldo,  tirem­lhe  todos  os  ossos,  e  desfiem­na.  Levem  a  panela
novamente ao fogo, adicionando­lhe farinha de rosca. Deixem ferver tudo até engrossar; quebrem
dentro 4 gemas e 2 claras; continua­se mexendo; ajuntem então um pouco de cominho, pimenta­
do­reino, açafrão, cravo­da­Índia e uma colher de banha de porco ou de gordura de boi. Sirva­se com
canela por cima.

Picadinho de carne de vaca 
Lavem  carne  de  vaca  bem  macia,  e  piquem­na  bem  miudinha.  A  seguir,  adicionem­lhe  cravo,
açafrão,  pimenta,  gengibre,  cheiro­verde  bem  cortadinho,  cebola  batida,  vinagre  e  sal.  Refoguem
tudo no azeite, e deixem cozinhar até secar a água. Sirvam sobre fatias de pão.

Lampreia 
Limpem a lampreia em água quente, tirando­lhe as vísceras e dando­lhe golpes na carne. Coloquem­
na enrolada, numa tigela, e temperem­ma com azeite, coentro, salsa, cebola ralada e sal. 
Deixem­ma em repouso por algum tempo, levando­a em seguida ao fogo. Depois de bem refogada,
deitem­lhe  um  pouco  d'água  com  vinagre,  cravo,  pimenta,  açafrão  e  gengibre.  Cozinhem  em  fogo
lento.

Canudos de ovos mexidos 
Misturem  as  gemas  de  ovos  e  deitem­nas  a  cozer  em  calda  rala,  sem  mexer,  para  que  não  se
quebrem. Façam uma massa, bem sovada, de farinha de trigo, manteiga, água­de­flor e uma pitada
de açafrão.
Em seguida, abram­no com um rolo, como para pastel, façam os  canudos  e  fritem­nos.  Recheiem
então os canudos com o doce de ovos já pronto, e passem­nos pela calda de açúcar. Polvilhem com
açúcar e canela.

Pastéis de fígado de cabrito 
Cozinhem fígado de cabrito e ovos. Amassem tudo muito bem, dos ovos só as gemas, adicionando à
mistura cravo­da­índia, canela em pó, e açúcar que adoce. A seguir, tomem as tripas do cabrito, já
bem  lavadas,  cortando­as  em  pedaços  de  uns  quatro  dedos  de  comprimento,  mais  ou  menos.
Recheiem essas tripas com a mistura acima, passem­nas pela farinha de trigo e  levem­nas a fritar
em  gordura  bem  quente,  colocando­as  a  escorrer,  logo  após,  numa  peneira  com  papel  pardo.  Por
último façam uma calda em ponto alto e passem por ela os canudinhos, que em seguida são postos
a secar. Sirvam­se polvilhados com canela.

Livro de Cozinha da Infanta D. Maria
Códice portugués I. E 33. da Biblioteca Nacional de Nápoles.
Prólogo, Leitura,Notas aos textos, glossário e índices de Giacinto Manuppella 
Lisboa, Imprensa Nacional,1986.

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