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“O Livro de Cozinha da Infanta D. Maria de Portugal”
O primeiro livro de culinária português
Livro de Cozinha da Infanta D. Maria de Portugal, Séc. XV Os Alimentos na Arte e na
BritoSemedo, 17 Julho 2013 Cultura
“O Tratado da cozinha portuguesa, do século XV, é um caderno de receitas, manuscrito, com letra
bastante carregada de tinta e do tipo gótico cursivo, arredondada, muito regular e individualizada,
própria do final deste século, e que em Portugal é também classificada como letra joanina (período
do rei D. João II, entre 1481 e 1495). O códice é composto de folhas de papel amareladas e
encadernadas. Em bom estado de conservação, não está datado e desconhecese a autoria. Suas
folhas têm a dimensão de 190mm x 135mm e está encadernado com capa de carneiro, na cor
castanha. O manuscrito original encontrase arquivado na Biblioteca Nacional de Nápoles, na Itália.
Este manuscrito é tido como o mais antigo livro de receitas portuguesas existente. Compõese de
quatro seções: carne, ovos, leite e conservas. Na época havia duas refeições diárias importantes: o
jantar, entre 10 e 11 horas da manhã (a principal) e a ceia, entre 18 e 19 horas. A base alimentícia
era carne de carneiro, porco, vaca e aves. O peixe costumava ser alimentação de pobres. Usavamse
ervas aromáticas, manteiga e sal, além dos chamados “adubos” (cravo, canela, pimenta, açafrão e
gengibre). Coziase em panelões de tripés ou suspensos em gancho, sendo a cozinha quase sempre
separada da casa para evitar incêndios. O Tratado da cozinha portuguesa, do século XV, é também
conhecido como Livro de cozinha da infanta D. Maria de Portugal (15381577), neta do rei D.
Manuel I. Ao se casar com o nobre italiano Alexandre Farnésio, Duque de Parma, D. Maria levou o
livro para a Itália, o que justifica o fato de ele estar hoje em Nápoles.
José Eurípedes Franklin Lealé, professor da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e
membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.”
“O Livro de Cozinha da Infanta D. Maria de Portugal” está guardado na Biblioteca Nacional de
Nápoles. Pertenceu à Infanta D. Maria de Portugal, neta do rei D. Manuel I de Portugal, nasceu em
Lisboa em 1538, morreu em Parma com 39 anos, em 1577. Dona Maria de Portugal casou em
D. Maria (15381577), neta de
Bruxelas, em 1565, o duque de Parma, Alessandro Farnese, tendo sido mãe de Edoardo, cardeal de
D. Manuel I, infanta de
Santo Eustáquio (15651626), Margherita, que se casou com o duque de Mantova (15671643), e
Portugal e duquesa de Parma.
de Ranuccio I Farnese, duque de Parma e de Piacenza, cuja descendência se ligou por casamento às
importantes dinastias dos Medici, d'Este e Colonna.
“O Livro de Cozinha da Infanta D. Maria de Portugal” faz parte de um grupo de cinco tomos de
origem farnesiana. Consta de setenta e quatro fólios, divididos em quatro cadernos com setenta e
quatro receitas. Um códice que, apesar dos problemas paleográficos e cronológicos que apresenta, é
deveras valioso, contribuindo não só para o vocabulário histórico da linguagem nacional, como
também mostrando um lado importante da vida social que é a arte de cozinhar e bem comer, numa
época da história nacional portuguesa de que muito pouco se conhece e cujo mais antigo documento
de receitas culinárias publicado não é anterior a 1680, que é “A Arte de Cozinha” de Domingos
Rodrigues.
“O Livro de Cozinha da Infanta D. Maria de Portugal” é composto de 67 receitas distribuídas em
quatro cadernos e mais seis receitas avulsas que não tratam especificamente de culinária, mas de
receitas diversas de uso doméstico. O primeiro caderno é o Caderno dos manjares de carne com 26
receitas (numeradas de 4 à 29); o segundo, Caderno dos manjares de ovos, com 4 receitas
(numeradas de 30 à 33); em seguida encontrase o Caderno dos manjares de leite com 7 receitas
(numeradas de 34 à 40); e, finalmente, o Caderno das cousas de conserva com 24 receitas
(numeradas de 41 à 64).
Receitas
Pastéis de pombinhos
Tomem os pombinhos já limpos e dêemlhes uns cortes na carne, colocando dentro fatias de
toucinho. Temperemnos a gosto, levandoos ao fogo, a cozer. Façam a massa de pastelão e
coloquem dentro os pombinhos, com caldo de vaca, de carneiro ou de galinha, e um pouco de agraço
ou caldo de limão. Cubram tudo com a mesma massa do pastelão, e levem a forno brando.
Marmelada de Ximenes
Façam uma calda com dois quilos de açúcar. Em seguida, pesem dois quilos de marmelo, já
descascados e limpos, e ponhamnos na calda, que já estará no fogo. Quando as frutas estiverem
cozidas, tiremnas da calda, amassemnas, passandoas depois por uma peneira fina. Enquanto isso,
a calda ficará no fogo, até atingir o pontodebala. Então, tirem a calda do fogo e adicionemlhe o
marmelo, mexendo tudo durante bastante tempo. A seguir, voltem com o tacho para o fogo brando,
continuando a mexer o doce numa só direção, e não em movimentos circulares para não açucarar.
Logo que a massa largar do tacho, estará cozida. E, para verificarem melhor se a marmelada está no
ponto, tomem um bocado numa colher: se criar uma ligeira crosta por cima, de modo que o dedo
não se suje ao tocála, estará boa. Se, durante o tempo em que cozerem os marmelos, a calda ficar
vermelha, troquemna por outra. E se desejarem a marmelada vermelha, levem o tacho ao fogo
forte.
Talos de alface
Escolham talos de alface bem compridos e duros, e limpemnos cuidadosamente, tirandolhe todas
as fibras. Depois de todos bem limpos, tomam os mais grossos e deitemnos numa vasilha com água
fria. Ponham no fogo um tacho com água, e, quando esta ferver, lancem dentro os talos, deixando
os cozer, até que sejam atravessados facilmente com um alfinete. Em seguida, escorram os talos da
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água em que foram cozidos, coloquemnos num tacho e deitem sobre eles uma calda fervente.
Durante quinze dias fervam essa calda separadamente, e derramemna, ainda fervendo, sobre os
talos. No fim desse tempo a compota estará pronta.
Perinhas dormideiras
Tomem umas cinco ou seis dúzias de peras, não muito maduras nem muito verdes, e dêemlhes
uns cortes oitavados, lançandoas imediatamente numa vasilha com água fria. Em seguida, ponham
água a ferver num tacho, e deitem ali as peras para cozer, perfurandoas antes ao comprido, duas
vezes. Para saber se estão cozidas, espetemnas com um alfinete. Se caírem, estão boas. Tirem
então as peras da água, e coloquemnas em uma peneira, abafandoas com panos de cozinha. A
seguir, façam uma calda em ponto regular, e lancemna morna sobre as peras, que já estarão
arrumadas num tacho; a calda deve cobrir as peras, e o tacho há de ficar bem abafado. Durante oito
dias seguidos dêem uma fervura na calda, cada dia mais forte, e derramemna morna sobre as peras
que ficaram no tacho. Usem desse processo por mais sete dias, dia sim, dia não. Se no fim desse
tempo a compota não estiver no ponto desejado, continuem fervendo a calda e derramandoa
morna sobre as peras, por mais dois dias. Finalmente, levem tudo junto ao fogo, peras e calda,
acrescentem um pouco de águadeflor, e deixem ferver regularmente por uma meia hora. Separem
novamente as peras de sua calda, a qual, após ser coada, voltará novamente para junto das frutas.
Enquanto se fizer a compota, a calda será coada diariamente, antes de se juntar às frutas. E será
conveniente clarificar essa calda de dois em dois dias. Se durante o fabrico da compota aparecerem
nódoas brancas na calda, levem tudo ao fogo, para uma fervura. Para que as frutas fiquem mais
bonitas, cada dia adicionaselhes uma calda nova.
Galinha alardada
Limpe e tempere uma galinha. Em seguida, com auxílio de linha e agulha, envolvase toda a galinha
em fatias de toucinho de fumeiro, bem fininhas. Levase ao forno brando.
Pastéis lepaldados
Façam uma massa de farinha de trigo, água e sal, na consistência da massa de pão. Depois de bem
sovada, abramna em folhas redondas, e bem finas, mais ou menos de dois palmos de diâmetro,
sem deixar que se quebrem. Tomem então manteiga derretida e untem a folha de massa de um só
lado, enrolandoa bem apertada. E assim se procede com toda a massa. Em seguida, cortem essa
massa enrolada em fatias de dois dedos de grossura, deitandoas num tabuleiro. Façam então um
buraco com os dedos, no meio de cada um desses enrolados de massa, recheandoos com carne
picadinha, muito bem temperada, e não muito seca. Cubram com outro enrolado de massa,
achatado no meio, e levem ao forno, o suficiente para assar.
Galinha desfiada
Limpem uma galinha, e cortemna em pedacinhos. Em seguida levemna a cozer com toucinho
picado, cheiroverde, e água à vontade. Ao levantar fervura, deitemlhe vinagre e sal. Depois de
cozida, que fique com pouco caldo, tiremlhe todos os ossos, e desfiemna. Levem a panela
novamente ao fogo, adicionandolhe farinha de rosca. Deixem ferver tudo até engrossar; quebrem
dentro 4 gemas e 2 claras; continuase mexendo; ajuntem então um pouco de cominho, pimenta
doreino, açafrão, cravodaÍndia e uma colher de banha de porco ou de gordura de boi. Sirvase com
canela por cima.
Picadinho de carne de vaca
Lavem carne de vaca bem macia, e piquemna bem miudinha. A seguir, adicionemlhe cravo,
açafrão, pimenta, gengibre, cheiroverde bem cortadinho, cebola batida, vinagre e sal. Refoguem
tudo no azeite, e deixem cozinhar até secar a água. Sirvam sobre fatias de pão.
Lampreia
Limpem a lampreia em água quente, tirandolhe as vísceras e dandolhe golpes na carne. Coloquem
na enrolada, numa tigela, e temperemma com azeite, coentro, salsa, cebola ralada e sal.
Deixemma em repouso por algum tempo, levandoa em seguida ao fogo. Depois de bem refogada,
deitemlhe um pouco d'água com vinagre, cravo, pimenta, açafrão e gengibre. Cozinhem em fogo
lento.
Canudos de ovos mexidos
Misturem as gemas de ovos e deitemnas a cozer em calda rala, sem mexer, para que não se
quebrem. Façam uma massa, bem sovada, de farinha de trigo, manteiga, águadeflor e uma pitada
de açafrão.
Em seguida, abramno com um rolo, como para pastel, façam os canudos e fritemnos. Recheiem
então os canudos com o doce de ovos já pronto, e passemnos pela calda de açúcar. Polvilhem com
açúcar e canela.
Pastéis de fígado de cabrito
Cozinhem fígado de cabrito e ovos. Amassem tudo muito bem, dos ovos só as gemas, adicionando à
mistura cravodaíndia, canela em pó, e açúcar que adoce. A seguir, tomem as tripas do cabrito, já
bem lavadas, cortandoas em pedaços de uns quatro dedos de comprimento, mais ou menos.
Recheiem essas tripas com a mistura acima, passemnas pela farinha de trigo e levemnas a fritar
em gordura bem quente, colocandoas a escorrer, logo após, numa peneira com papel pardo. Por
último façam uma calda em ponto alto e passem por ela os canudinhos, que em seguida são postos
a secar. Sirvamse polvilhados com canela.
Livro de Cozinha da Infanta D. Maria
Códice portugués I. E 33. da Biblioteca Nacional de Nápoles.
Prólogo, Leitura,Notas aos textos, glossário e índices de Giacinto Manuppella
Lisboa, Imprensa Nacional,1986.
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