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Universidade Federal de Santa Catarina

Centro de Filosofia e Ciências Humanas


Curso de graduação em Ciências Sociais
Professora Maria Soledad Etcheverry Orchard
Disciplina de Introdução à Sociologia

1. Livro
1.1 – ano: 1965
1.2 - 1a edição
1.3 - páginas 9 à 32; 179 à 189
1.4 - livro: A imaginação sociológica
1.5 - capítulo 1 – A promessa e 9 – Da Razão e Liberdade
1.6 - C. Wright Mills

2. Tema do livro: sociologia


2.1 - palavras-chaves: sociologia, alienação, razão, liberdade, imaginação

3. Trechos e considerações

− “os homens sentem, frequentemente, suas vidas privadas como uma série de armadilhas.
(…) tudo aquilo de que os homens comuns tem consciência direta e tudo o que tentam fazer
está limitado pelas órbitas privadas em que vivem. (…) estão limitadas pelo cenário
próximo: o emprego, a família, os vizinhos; (…) quanto mais consciência tem, (…) das
ambições e ameaças que transcendem seus cenários imediatos, mais encurralados parecem
sentir-se.” p. 9
− os homens não tem consciência das relações que existem entre suas vidas e a sociedade
toda; não compreendem a ligação entre suas vidas e o curso da história mundial; “não
dispõem da qualidade intelectual básica para sentir o jogo que se processa entre os homens e
a sociedade, a biografia e a história, o eu e o mundo.” p. 10
− grandes mudanças ocorreram; em apenas uma geração, um sexto da humanidade passou de
uma era feudal, atrasada, para outra moderna, avançada e terrível
− libertação de colônias; novas formas de imperialismos; revoluções; sociedades totalitárias
nascem e são esmagadas – ou são exitosas
− depois de dois séculos de capitalismo, ele é visto apenas como um processo de transformar a
sociedade num aparato industrial; até mesmo a democracia formal está limitada a uma
parcela pequena da humanidade
− “as velhas maneiras de pensar e sentir entraram em colapso” p. 11
− “o que precisam, e o que sentem precisar, é uma qualidade de espírito que lhes ajude a usar a
informação e a desenvolver a razão, a fim de perceber, com lucidez, o que está ocorrendo no
mundo e o que pode estar acontecendo dentro deles mesmos. É essa qualidade, afirmo, que
jornalistas e professores, artistas e públicos, cientistas e editores estão começando a esperar
daquilo que poderemos chamar de imaginação sociológica.” p. 11
− “a imaginação sociológica capacita seu possuidor a compreender o cenário histórico mais
amplo, em termos de seu significado para a vida íntima e para a carreira exterior de
numerosos indivíduos. Permite-lhes levar em conta como os indivíduos, na agitação de sua
experiência diária, adquirem frequentemente uma consciência falsa de suas posições
sociais.” p. 11
− primeiro fruto dessa imaginação: o indivíduo só pode compreender sua experiência e avaliar
seu próprio destino localizando-se dentro de seu período; só pode conhecer suas
possibilidades, conhecendo as possibilidades de todas as pessoas que se encontram nas
mesmas condições que ele
− todos os sujeitos contribuem para a sociedade, apenas pelo ato de viver; contribui para o
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condicionamento da sociedade e para o curso de sua história, ao mesmo tempo em que é
condicionado por ela (sociedade) e seu processo histórico
− “a imaginação sociológica nos permite compreender a história e a biografia e as relações
entre ambas, dentro da sociedade.” p. 12
− os que tiveram consciência imaginativa das possibilidades de seu trabalho formularam
repetida e coerentemente três séries de perguntas: (p.13)
− Qual a estrutura dessa sociedade como um todo? Quais seus componentes essenciais, e
como se correlacionam? Como difere de outras variedades de ordem social? Dentro dela,
qual o sentido de qualquer característica particular para a sua continuação e para a sua
transformação?
− Qual a posição dessa sociedade na história humana? Qual a mecânica que a faz modificar-
se? Qual é o seu lugar no desenvolvimento da humanidade como um todo, e que sentido
tem para esse desenvolvimento? Como qualquer característica particular que examinemos
afeta o período histórico em que existe, e como é por ele afetada? E esse período – quais as
suas características essenciais? Como difere de outros períodos? Quais seus processos
característicos de fazer a história?
− Que variedades de homens predominam nessa sociedade e nesse período? E que variedades
irão predominar? De que formas são selecionadas, formadas, liberadas e reprimidas,
tornadas sensíveis ou impermeáveis? Que tipos de “natureza humana” se revelam na
conduta e caráter que observamos nessa sociedade, nesse período? E qual é o sentido que
para a “natureza humana” tem cada uma das características da sociedade que examinamos?
− Qualquer que seja o objeto de exame, essas são perguntas que os melhores sociólogos
devem fazer; ter essa capacidade de passar de uma questão à outra; ter a capacidade de ir das
mais remotas e impessoais transformações às características mais íntimas do ser humano – e
ver a relação entre as duas
− distinção mais proveitosa: a existente entre “as perturbações pessoais originadas do meio
mais próximo” e “as questões públicas da estrutura social” (p. 14)
− “uma perturbação é um assunto privado: a pessoa sente que os valores por ela estimados
estão ameaçados.” (p. 15)
− “uma questão é um assunto público: é um valor estimado pelo público que está ameaçado.
(…) envolve quase sempre uma crise nas disposições institucionais, e com frequência
também aquilo que os marxistas chamam de 'contradições' ou 'antagonismos'”. (p. 15)
− exemplos que situações que podem ser questões pessoais ou públicas: desemprego, a guerra,
o casamento, as metrópoles...
− “Quais as principais questões públicas para a coletividade e as preocupações-chaves dos
indivíduos em nossa época? Para formular as questões e as preocupações, devemos indagar
quais os valores aceitos e que estão ameaçados, e quais os valores aceitos e mantidos pelas
tendências características de nosso período. Tanto no caso da ameaça como do apoio,
devemos indagar que contradições de estrutura mais destacadas podem existir na situação.”
p. 17
− o bem-estar é experimentado quando sobre seus valores não pesa qualquer ameaça; quando
estes valores são ameaçados, experimentam uma crise; e se todos os valores estão em jogo,
sentem a ameaça total do pânico
− mas se as pessoas não tem consciência dos valores aceitos, e portanto nem sentem qualquer
ameaça, temos então a indiferença, que se envolver a todos, transforma-se em apatia
− e se não tem consciência de nenhum valor estimado, mas ainda assim sentem-se ameaçadas,
temos então “a inquietação, a ansiedade, que, se for bastante forte, torna-se uma ameaça
mortal e não-específica.” p. 18
− “nossa época é uma época de inquietação e indiferença – ainda não formuladas de modo a
permitir que sobre elas se exerçam a razão e a sensibilidade.” p. 18
− “há com frequência a miséria da inquietação vaga; ao invés das questões explícitas, há com
frequência o sentimento desanimador de que algo não está certo.” p. 18

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− na década de 1930 eram poucas as dúvidas; os valores ameaçados eram vistos e estimados
por todos; as contradições estruturais que os ameaçavam também pareciam evidentes. Era
uma idade política
− os valores ameaçados na era posterior à Segunda Guerra Mundial não são, com frequência,
reconhecidos por todos como valores, nem todos os julgam ameaçados
− “para os que aceitam valores herdados, como razão e liberdade, é a inquietação em si que
constitui o problema; é a indiferença em si que constitui a questão. E essa condição de
inquietação e indiferença é que constitui a característica marcante do nosso período.” pp 18
e 19
− os problemas da nossa época passaram além da economia, e tem hoje relação com a
qualidade de vida individual
− “o principal perigo do homem está nas forças desregradas da própria sociedade
contemporânea, com seus métodos de produção alienantes, suas técnicas envolventes de
domínio político, sua anarquia internacional – numa palavra, suas transformações gerais da
própria natureza do homem e das condições e objetivos de sua vida.” p. 20
− “a principal tarefa intelectual e política do cientista social (…) é deixar claros os elementos
da inquietação e da indiferença contemporâneas.” p. 20
− “não é apenas uma qualidade de espírito (…) é a qualidade, cujo uso mais amplo e mais
desembaraçado nos proporciona a perspectiva de que todas essas sensibilidades (…) virão a
desempenhar um papel maior nas questões humanas.” p. 22
− “muitos (…) passaram a considerar a ciência como um falso e pretensioso Messias, ou pelo
menos um elemento altamente ambíguo na civilização moderna.” p. 23
− Mills explicita sua apreensão em relação aos rumos que os estudos sociais estariam tomando
(p. 26); manifesta a intenção de contribuir para essa apreensão, definindo parte de suas
fontes e ajudando a “transformá-la numa necessidade específica de realizar a promessa da
ciência social, abrir o caminho para novos começos; em suma, indicar algumas das tarefas à
mão, e os meios disponíveis para realizar o trabalho que deve ser feito agora.” p. 27
− sua concepção se opõe à ciência social como um corpo de técnicas burocráticas, com suas
pretensões “metodológicas”, “grupos de pesquisa de técnicos”, refinamento dos métodos e
técnicas de investigação, etc
− “creio ser o que se pode chamar hoje de análise clássica um conjunto estável e utilizável de
tradições; que sua característica essencial é a preocupação com as estruturas sociais
históricas; e que seus problemas são de relevância direta para as questões públicas urgentes
e para os problemas humanos insistentes.” p. 28
− tendências da sociologia:
− tendência 1: no sentido de uma teoria da história (Comte, Marx, Spencer e Weber);
sociologia ocupando-se da totalidade da vida social do homem
− tendência 2: no sentido de uma teoria sistemática “da natureza do homem e da sociedade”
(Simmel e Von Weise); “a sociologia passa a ocupar-se de conceitos criados para a
classificação de todas as relações sociais (… ). Ocupa-se (…) com uma visão bastante
estática e abstrata dos componentes da estrutura social, num nível de generalidade bastante
elevado.” p. 30
− tendência 3: no sentido de estudos empíricos dos fatos e problemas sociais contemporâneos
− capítulo 9: da Razão e Liberdade (p. 179)
− “o auge da preocupação do cientista social com a história é a idéia que chega a ter da época
em que vive. O auge de sua preocupação com a biografia é a idéia que chega a ter da
natureza básica do homem, e dos que ela pode impor à sua transformação pelo curso da
história.” p. 179
− todos os cientistas sociais clássicos se preocuparam com as características salientes de sua
época; mas na nossa época, muitos não fazem o mesmo. E é precisamente hoje que essas
questões se tornam prementes, vitais!
− “Nossas orientações principais – liberalismo e socialismo – se decompuseram virtualmente
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como explicações adequadas do mundo e de nós mesmos.” p. 180
− “os principais fatos de nossa época (…) não podem ser (…) compreendidos em termos da
interpretação liberal nem da interpretação marxista da política e cultura.” p. 181
− “as idéias de liberdade e razão com frequência parecem ambíguas tanto na nova sociedade
capitalista como na sociedade comunista de nossa época; (…) o marxismo tornou-se (…)
uma retórica cansativa de defesa a abuso burocráticos. E o liberalismo, uma forma trivial e
irrelevante de mascarar a realidade social.” p. 181
− “o papel da razão nas questões humanas e a idéia do indivíduo livre como o centro da razão
são os temas mais importantes que os cientistas sociais do século XX herdaram dos filósofos
do Iluminismo. Para que permaneçam como os valores-chaves (…) os ideais da razão e
liberdade devem ser reformulados como problemas de modos mais preciosos e solúveis do
que o existente ao alcance dos pensadores e investigadores mais antigos. Pois em nossa
época, esses dois valores, razão e liberdade, estão em perigo, que embora evidente é, mesmo
assim, sutil!” p. 182
− “presos aos ambientes limitados de suas vidas diárias, os homens comuns com frequência
não podem raciocinar sobre as grandes estruturas – racionais ou irracionais – de que seu
ambiente é parte subordinada. Assim (…) realizam uma série de atos (…) sem qualquer
idéia dos fins a que servem (…) O crescimento dessas organizações (…) cria mais e mais
esferas de vida, trabalho e ócio nas quais o raciocínio é difícil ou impossível.” p. 182
− a racionalização leva os sujeitos a não mais encontrar saída, mas a adaptar-se. “Aquela parte
de sua vida que sobra do trabalho, ele a usa para jogar, para consumir, para 'distrair-se'. Não
obstante, essa esfera de consumo também está sendo racionalizada. (…) Essa adaptação do
indivíduo e seus efeitos sobre seu ambiente e o eu resultam não apenas na perda de sua
possibilidade e, com o tempo, de sua capacidade e vontade de raciocinar: também lhe afetam
as possibilidades e sua capacidade de agir como homem livre. Na verdade, nem o valor da
liberdade nem o da razão (…) lhe são conhecidos.” p. 184
− “o que está em jogo é a natureza mesma do homem, a imagem que temos de seus limites e
possibilidades como homem.” p. 185
− Mills manifesta de forma muito clara, contundente, suas preocupações com o tipo de homem
que está sendo “produzido”, e que ele chama de “robô alegre”. Esse robô alegre tanto pode
ser uma construção involuntária, resultado e desdobramento desse sistema racionalizado
alienante, como, de forma mais triste, ser o resultado de uma auto-racionalização
− esse homem alienado é o oposto da imagem construída no ocidente de “homem livre”
− como pode haver uma verdadeira democracia e uma sociedade realmente livre, formada por
tais tipo de sujeitos?
− “a promessa moral e intelectual da ciência social é a de que a liberdade e a razão
continuarão como os valores aceitos, e que serão usadas de forma séria, coerente e com
imaginação, na formulação dos problemas.” p. 188
− “qualquer reformulação política contemporânea das metas liberal e socialista deve incluir,
como fundamental, a idéia de uma sociedade na qual todos os homens se transformariam em
homens de razão substantiva, cujo raciocínio independente teria consequências estruturais
para suas sociedades, sua história e portanto para suas próprias vidas.” p. 188
− “a liberdade é, em primeiro lugar, a possibilidade de reformular as escolhas existentes,
discuti-las – e então, a oportunidade de escolher. É por isso que a liberdade não pode existir
sem um maior papel da razão humana nas questões humanas. (…) a tarefa social da razão é
formular escolhas, ampliar o alcance das decisões humanas no processo histórico. (…) O
futuro é o que está por ser decidido – dentro dos limites, sem dúvida, da possibilidade
histórica. Mas essa possibilidade não é fixa; em nossa época, os limites parecem realmente
muito amplos.” p. 189

Wladimir Berchon Crippa – 27 de setembro de 2009.

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