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VI Encontro Regional de Ensino de Biologia da Regional 2 RJ/ES

CEFET/RJ, 2012

A UTILIZAÇÃO DE JOGOS DIDÁTICOS NO ENSINO DE ASTRONOMIA

Karla Diamantina de Araújo Soares


(IB/Universidade Federal Fluminense;
Bolsista Proext 2010-MEC/SESu)
karlad.soares@yahoo.com

Introdução

O jogo pedagógico ou didático diferencia-se do material pedagógico, por ser


fabricado com o objetivo de proporcionar determinadas aprendizagens e conter o
aspecto lúdico (Cunha, 1988), além de ser utilizado para atingir determinados objetivos
pedagógicos, consistindo em uma alternativa para se melhorar o desempenho dos
estudantes em alguns conteúdos de difícil aprendizagem e que requerem um elevado
grau de abstração (Gomes et al, 2001). Sendo assim, o jogo não é o fim, mas o eixo que
conduz a um conteúdo didático específico, resultando em um empréstimo da ação lúdica
para a aquisição de informações (Kishimoto,1996).
Segundo Miranda (2001), mediante o jogo didático, vários objetivos podem ser
atingidos, relacionados à cognição (desenvolvimento da inteligência e da personalidade,
fundamentais para a construção de conhecimentos); afeição (desenvolvimento da
sensibilidade e da estima e atuação no sentido de estreitar laços de amizade e
afetividade); socialização (simulação de vida em grupo); motivação (envolvimento da
ação, do desafio e mobilização da curiosidade) e criatividade.
A origem dos jogos é desconhecida, entretanto, sabe-se que os mesmos foram
conservados oralmente, de geração em geração. No Brasil, os jogos, assim como as
tradições e culturas de maneira geral, têm origem na mistura de três raças: a ameríndia,
a branca e a negra. Atualmente, várias pesquisas estão sendo realizadas com foco nesta
temática, possibilitando o surgimento de várias teorias que procuram entender alguns
aspectos particulares do comportamento lúdico (Moratori, 2003).
Lopes (2000) salienta também os principais objetivos pedagógicos a serem
trabalhados na criança. São eles: trabalhar a ansiedade, rever os limites, reduzir a
descrença na autocapacidade de realização, diminuir a dependência (desenvolvimento
da autonomia), aprimorar a coordenação motora, desenvolver a organização espacial,
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melhorar o controle segmentar, aumentar a atenção e a concentração, desenvolver


antecipação e estratégia, ampliar o raciocínio lógico, desenvolver a criatividade,
perceber figura e fundo e trabalhar o jogo (ensinar a ganhar e perder).
Para Moratori (2003), o educador deve ter objetivos bem definidos ao optar por
uma atividade lúdica, que pode ser realizada como forma de conhecer o grupo com o
qual se trabalha ou pode ser utilizada para estimular o desenvolvimento de determinada
área ou promover aprendizagens específicas (o jogo como instrumento de desafio
cognitivo).
De acordo com seus objetivos, o educador deve buscar a proposição de regras ao
invés da imposição, permitindo que o aluno elabore suas próprias regras e tome
decisões, buscando o consenso com os demais colegas e promovendo a troca de ideias
para chegar a um acordo sobre as regras, motivar o desenvolvimento da iniciativa,
agilidade e confiança e contribuir para o desenvolvimento da autonomia. Um jogo, para
ser útil no processo educacional, deve promover situações interessantes e desafiadoras
para a resolução de problemas, permitindo aos aprendizes uma auto avaliação quanto
aos seus desempenhos, além de fazer com que todos os jogadores participem ativamente
de todas as etapas.
Para Campos et al. (2003), o processo de ensino-aprendizado é facilitado quando
se baseia numa atividade lúdica, já que os alunos ficam “entusiasmados” quando lhes é
proposta uma aprendizagem de forma interativa e divertida. Os jogos didáticos também
possibilitam aos alunos estabelecerem relações entre os conteúdos estudados e as
práticas do dia-a-dia. No caso dos alunos deficientes visuais, a elaboração e utilização
de jogos em que prevaleçam a discriminação tátil, informações auditivas e que
contenham legendas em Braille, aproximam e facilitam o relacionamento destes com
outros alunos e promovem a aproximação dos alunos ao conhecimento científico,
mesmo que simplificado, de forma lúdica e inclusiva.
Por outro lado, o ensino de Astronomia apresenta vários problemas que
precisam ser estudados em busca da melhoria da qualidade do ensino nesta área,
principalmente nos ensinos fundamental e médio (Camino, 1995; Canalle, 1997;
Trevisan, 1997). Extensamente citado e ressaltado nos Parâmetros Curriculares
Nacionais, o eixo temático “Terra e Universo” além de ser interdisciplinar e
possivelmente trabalhado em todos os ciclos, favorece a formação da cidadania, a
conscientização em relação ao meio ambiente e às atividades humanas e a descoberta
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das inúmeras contribuições oriundas dos questionamentos e da evolução do saber


astronômico para o nosso em cotidiano.
Apesar de sua reconhecida importância, muitas falhas são encontradas na
própria formação dos professores, pois muitas concepções alternativas e erros
conceituais persistem, consequência de um curso de graduação falho ou isento de
conteúdos em ensino de Astronomia. Essa ausência leva a inquietações, inseguranças e
dificuldades, obrigando professores a buscarem informações em outras fontes, muitas
vezes questionáveis, o que apresenta como resultado uma falta de informação científico-
tecnológica. Assim, gera-se um ciclo que compromete o ensino e a transmissão de
informações para os alunos, o que deixa todos, professores e alunos, a mercê do
mercado e da publicidade para a solução de dúvidas sobre o assunto (Camino, 1995).
Atualmente, os temas de astronomia aparecem diluídos em outros conteúdos de
interesse dos programas e das estruturas curriculares, estando presentes essencialmente
na disciplina de Ciências. Mesmo os cursos de graduação, nos quais normalmente se
deveriam contemplar conteúdos de Astronomia (física, por exemplo), estes não
apresentam como uma disciplina obrigatória, mas apenas como optativa – quando a
oferecem (Bretones, 1999). Em contrapartida, parece haver uma modesta retomada de
atenção ao ensino e popularização da Astronomia, conforme indicam estudos da área
(Langhi, 2005).
Mas quais são as justificativas para se ensinar Astronomia? Dentre muitas, pode-
se destacar que, ao aprender sobre o espaço sideral, o estudante desenvolve habilidades
que são fundamentais para o aprendizado de outras disciplinas. Algumas pesquisas,
como por exemplo, Beatty (2000), apontam que os educadores têm obtido bons
resultados com a oferta de Astronomia no Ensino Médio e Superior, pois alunos e
professores ficam dotados de mais incentivo científico ao observar as imagens reais do
Universo através de um telescópio e discutir sobre as leis físicas e as diversas teorias
existentes.
Sendo assim, o presente trabalho optou pela elaboração de dois jogos didáticos
(um jogo da memória tátil e um bingo adaptado), buscando a melhoria do ensino-
aprendizagem através da utilização de estratégias educacionais interativas e lúdicas. A
principal motivação para este estudo consistiu na observação de algumas dificuldades e
no interesse apresentados pelos alunos, com os quais a autora esteve em contato durante
seu estágio de prática docente.
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Materiais e Métodos
O jogo da memória “Principais Astros do Sistema Solar: Planetas, Sol, Lua e
Plutão” foi aplicado no Colégio Pedro II, Unidade São Cristóvão (UESC), localizado
na cidade do Rio de Janeiro. O colégio possui uma Seção de Educação Especial que
presta auxílio pedagógico a alunas com várias deficiências, pais e professores. A
produção dos materiais e análise dos alunos foram realizadas no 1º semestre de 2011.
Dez alunos deficientes visuais, sendo três alunos com baixa visão (n = 3) e sete alunos
cegos (n = 7), cursando regularmente o Ensino Médio no turno da manhã, avaliaram o
material. O processo de confecção de ambos os jogos durou dois meses,
aproximadamente.

Para a elaboração do jogo da memória tátil, a representação dos astros se baseou


em peculiaridades mais conhecidas, buscando-se a diferenciação das texturas utilizadas
para cada um deles. Todos os astros tiveram seus nomes escritos em português e
transcritos para o Braille, para que tanto videntes quanto cegos pudessem ler e jogar.
Além de duas cartas iguais para cada astro, foram confeccionadas cartas com tamanho
diferente, contendo definições ou dicas sobre cada astro, escritas em português e em
Braille, possibilitando duas alternativas para o jogo.

Alternativa 1: Jogo da memória com cartas iguais, apresentando uma figura do mesmo
astro. Ex: Plutão – Plutão.

Alternativa 2: Jogo da memória com cartas diferentes, uma delas apresentando a figura
de um astro e a outra, uma informação sobre o mesmo. Ex: Plutão – Planetóide, antes
considerado um planeta.

Os materiais utilizados para sua confecção foram os seguintes, com suas


respectivas representações:

• Papelão: confecção das cartas e representação dos planetas Vênus, Marte, Saturno,
Urano e Netuno;
• Miçangas douradas - Sol;
• Botão dourado - Mercúrio;
• Papel de presente - Vênus;
• Miçanga em forma de círculo - Lua;
• Pedra multifacetada - Júpiter;
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• Barbante- anéis de Saturno e Urano;


• Barbante - anéis de Saturno e Urano;
• EVA: planeta Terra e seus continentes;
• Feltro: Plutão;
•Plásticos com diferentes texturas: Marte e Saturno (vermelho), Urano e Netuno (azul);
• Fita durex: bordas das cartas iguais (azul) e cartas com informações (verde).

Todas as cartas apresentavam uma indicação numérica em Braille, no canto


superior direito. As cartas quadradas com borda azul continham a representação do astro
com textura e tamanho diferenciado e o nome escrito em português (fonte 14) e
transcrito para o Braille, logo abaixo.

Já as cartas contendo as definições ou informações sobre os astros apresentavam


um formato retangular, com as informações em português (fonte 14) e transcritas para o
Braille. Tais informações além de citarem peculiaridades dos astros, como presença de
anéis e coloração características, apresentavam em alguns casos, termos utilizados no
cotidiano e referências à origem do nome do astro (ex. Júpiter, deus da mitologia
romana).
O outro jogo didático, o ‘Bingo Astronômico’, foi aplicado com alunos do 4º ano
do Ensino Fundamental, da Escola Municipal Profª Lúcia Maria Silveira Rocha, do
bairro de Jurujuba, em Niterói.
Este jogo foi resultado de um ajuste do bingo tradicional, onde no lugar dos
números, presentes nas cartelas, constavam os nomes de astros e termos relacionados
com a Astronomia. O jogo prosseguia da seguinte maneira: alguns números eram
sorteados por um mediador, que utilizava um globo giratório contendo bolinhas de
plástico numeradas. Cada número correspondia a uma informação/dica, que era lida em
voz alta, e sua respectiva resposta poderia constar ou não nas cartelas dos alunos. Assim
que um dos alunos conseguisse completar sua cartela, este deveria falar em voz alta a
famosa expressão ‘Bingo!’. O jogo possuía um total de 20 palavras e suas informações
correspondentes.

Resultados

Aplicação do jogo “Principais Astros do Sistema Solar: Planetas, Sol, Lua e Plutão”
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O jogo da memória foi inicialmente aplicado para duas cegas congênitas (n=2).
O local utilizado para a aplicação foi a Sala do Setor de Educação Especial do próprio
colégio.

Observaram-se diferenças na noção de espaço e na localização dos objetos.


Enquanto uma delas apresentou dificuldades para localizar e memorizar as cartas (aluna
1), a outra demonstrou maior agilidade e conseguir jogar sem maiores dificuldades
(aluna 2). Por apresentarem texturas diferentes, as cartas possuíam um alto relevo,
facilmente perceptível mesmo com a carta virada para baixo. Ao perceber as diferenças
entre os relevos, a segunda aluna utilizou a lógica e sua memória para achar os pares de
cartas.

Dentre as sugestões dadas pelas alunas para melhorar o jogo, estavam: elaborar
um pano de fundo ou um quadro que demarcasse os limites das cartas para melhor
demarcação das mesmas, e dispor as cartas em duas fileiras de onze. A aluna 2 também
sugeriu a aplicação do jogo para estimulação precoce de crianças cegas, por este
possibilitar o desenvolvimento da discriminação tátil e da localização espacial.

Em um segundo momento, outros dois alunos testaram o jogo da memória, com


e sem a ajuda do pano de fundo, para averiguar se este facilitava ou não a realização do
jogo. De acordo com eles, a disposição das cartas em duas fileiras de onze constituía na
maneira mais simples e rápida de memorizar a posição das cartas e manusear o jogo,
embora o pano de fundo oferecesse uma alternativa para aqueles que apresentassem
dificuldades quanto à localização espacial das cartas.

O jogo também foi aplicado para os alunos com baixa visão, que mesmo
considerando a fonte utilizada nas cartas muito pequena, se divertiram com a
brincadeira e se localizaram graças às cores e aos diferentes materiais presentes nas
diferentes cartas.

Aplicação do jogo ‘Bingo Astronômico’

O tempo utilizado para a aplicação do jogo foi de 50min, o que evidenciou a


possibilidade de aplicá-lo sem maiores preocupações com o tempo de aula excedente.
No total, 24 alunos (n= 24) participaram da atividade. Todos se mostraram interessados
e relataram que o jogo foi bastante informativo e possibilitou a aquisição de
conhecimentos de forma divertida e conjunta.
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Discussão

Muitos elogios foram feitos aos jogos e à iniciativa de fazê-los. No caso dos
alunos deficientes visuais, foi relatada a ausência de materiais adaptados sobre
Astronomia e de jogos educativos de qualquer assunto. A maioria deles comentou que
nunca havia tido a oportunidade de jogar um jogo da memória e que nem mesmo
sabiam de sua existência. Com relação ao bingo, os alunos relataram que não haviam
tido a oportunidade de jogar algo parecido e se mostraram bastante surpresos com a
realização de uma brincadeira em sala de aula. Verificou-se também que os alunos
possuíam um conhecimento incipiente sobre Astronomia e que a maior parte das
informações que sabiam tinham sido adquiridas por meios de comunicação, como
televisão e internet.

Neste contexto, o material lúdico apresenta-se como uma alternativa para o


aprendizado e a construção de significados para os alunos e uma fuga do modelo
clássico conteudista (Capos et al., 2003), pois além de encarar os desafios que o jogo
lhes apresenta e seres motivados pelo interesse de aprender, há o desenvolvimento da
cooperação, da socialização e das relações afetivas. E, como dito por uma das alunas, “a
gente pode aprender brincando”.

Conclusão

Durante a aplicação dos dois jogos, o entusiasmo e a curiosidade dos alunos


eram nítidos, resultando em motivação para aprender e no desenvolvimento das relações
afetivas entre os alunos.

Assim, por aliar os aspectos lúdicos aos cognitivos, entendemos que o jogo é
uma importante estratégia para o ensino e a aprendizagem de conceitos abstratos e
complexos, favorecendo a motivação interna, o raciocínio, a argumentação, a interação
entre alunos e entre professores e alunos.
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Consideramos, ainda, assim como Kishimoto (1996), que o jogo desenvolve


além da cognição, ou seja, a construção de representações mentais, a afetividade, as
funções sensóriomotoras e a área social, ou seja, as relações entre os alunos e a
percepção das regras.
Referências Bibliográficas

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