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Resgate Das Ciencias Humanas Colecao PDF
Resgate Das Ciencias Humanas Colecao PDF
Humanas e das
Humanidades através de
Perspectivas Africanas
Internacionais
Relações
Relações
coleção
O Resgate das Ciências Humanas e das Humani- Internacionais
É com satisfação que a Fundação Alexandre de
dades através de perspectivas Africanas terá im- 746 Gusmão (FUNAG) apresenta este ambicioso
pacto no tratamento da temática e na percepção Helen Lauer e Kofi Anyidoho projeto de tradução para o português, em quatro
correta do alcance da contribuição da África (Organizadores) volumes, de Reclaiming the Human Sciences and
para o desenvolvimento da humanidade. Muitas Humanities Through African Perspectives. Publica-
trilhas alternativas poderão ser abertas com sua
(Organizadores)
vizinhança de além-mar, que tanto marcou a for- histórica, étnica e cultural para o Brasil. Ainda existe um desconhecimento pro-
mação e a evolução do Brasil e que ainda busca o fundo a superar, apesar do trabalho recente de acadêmicos e de centros de estudos e das Humanidades através os autores apresentam interpretação dos desafios
e questões com que se deparam os povos africa-
resgate pleno de sua identidade. africanos criados em diferentes partes do País. Nesse sentido, a FUNAG publica
Sérgio Eduardo Moreira Lima
O Resgate das Ciências Humanas e das Humanidades através de Perspectivas Afri- de Perspectivas Africanas nos de uma perspectiva própria, ainda pouco co-
nhecida, que busca conjugar autonomia cultural
canas, uma compilação de estudos, apresentados inicialmente em um simpósio na com cidadania e desenvolvimento. Trata-se de um
Presidente da Fundação Alexandre de Gusmão
Universidade de Gana, em 2003, no esforço de refletir sobre a questão do ponto exercício essencialmente crítico de aspectos do
de vista científico com vistas a restabelecer, no plano mais alto do conhecimen- Volume I pensamento ocidental e de sua influência tanto so-
to, a perspectiva ausente, resultante de séculos de domínio e exploração externa bre a realidade africana, quanto sobre a percepção
amparadas em teorias que não poderiam subsistir ao escrutínio da História. Os dessa realidade.
trabalhos elaborados para o simpósio no campus da Universidade de Gana foram
coleção
Internacionais
Volume I
Ministério das relações exteriores
Instituto de Pesquisa de
Relações Internacionais
Centro de História e
Documentação Diplomática
Conselho Editorial da
Fundação Alexandre de Gusmão
Volume I
Brasília – 2016
Direitos de publicação reservados à
Fundação Alexandre de Gusmão
Ministério das Relações Exteriores
Esplanada dos Ministérios, Bloco H
Anexo II, Térreo
70170-900 Brasília–DF
Telefones: (61) 2030-6033/6034
Fax: (61) 2030-9125
Site: www.funag.gov.br
E-mail: funag@funag.gov.br
Equipe Técnica:
Eliane Miranda Paiva
Fernanda Antunes Siqueira
Gabriela Del Rio de Rezende
Luiz Antônio Gusmão
André Luiz Ventura Ferreira
Acauã Lucas Leotta
Márcia Costa Ferreira
Livia Milanez
Renata Nunes Duarte
Projeto Gráfico:
Daniela Barbosa
Tradução:
Rodrigo Sardenberg
R433 O resgate das ciências humanas e das humanidades através de perspectivas africanas
/ Helen Lauer, Kofi Anyidoho (organizadores). – Brasília : FUNAG, 2016.
Título original: Reclaiming the human sciences and humanities through African
perspectives
ISBN 978-85-7631-589-6
CDU 301.19(6)
* Embaixadora em Acra, Gana. Formada em Direito pela Universidade de São Paulo (1983) e mestre
em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (2002). Aprovada, com louvor, no Curso de
Altos Estudos, do Instituto Rio Branco, sobre as relações Brasil-África. Foi Chefe substituta da Divisão
de África II (1999). Ao longo da carreira diplomática, ocupou postos em Bissau (1988), Lusaca (1989),
Lisboa (1991), Luanda (1994), Pretória (1996) e Dacar (2002). Foi Ministra Conselheira em Missão
junto à ONU (2004).
as relações econômicas e comerciais, culturais e sociais com os
países africanos e seus povos têm-se ampliado significativamente.
O lançamento desta obra capta, portanto, sem equívocos, o senso
de oportunidade e, ao mesmo tempo, confirma a prioridade que o
Governo brasileiro confere às relações com o continente africano.
É no contexto acadêmico, contudo, que a presente publicação
assume sua principal dimensão, ao servir de ponte entre as
comunidades acadêmicas de ambos os lados do Atlântico Sul e,
sobretudo, ao facilitar o acesso, em português, a uma bibliografia
única e peculiar, pois reveladora da África tal como vista pela lente
de seus próprios autores.
Ao longo das seções que compõem estes quatro volumes,
será talvez surpreendente verificar que as Ciências Humanas,
apresentadas nas “perspectivas africanas”, são, em grande
medida, um exercício de “desconstrução” da ciência produzida,
durante séculos, e mesmo nos dias atuais, a propósito da África,
sua complexidade e seus desafios. Chamará, certamente, atenção
o vigor com que os autores africanos confrontam quer as visões
“clássicas”, ou seja, eurocêntricas, sobre o universo africano, quer
a agenda internacional para a África, construída, no passado,
mas também ainda no presente, com base nessas mesmas visões.
Poderá, ademais, produzir desconforto verificar que, mesmo no
Brasil, os estudos sobre a África e, eventualmente, também as
políticas para o continente, podem mimetizar seus congêneres
concebidos por ex-metrópoles e demais potências ocidentais.
Para os leitores brasileiros, não será menos relevante verificar
como esse compromisso com a “desconstrução” afeta nossa
compreensão sobre a questão racial no Brasil. Com pouco mais
de cinquenta por cento de sua população de origem africana, o
Brasil – ou grande parte dele – é igualmente refém das referências
históricas formadoras da visão do Ocidente a propósito da África,
que, nas palavras de Valentin-Yves Mudimbe, projeta “uma terra
da barbárie, da selvageria, do primitivismo, do paganismo e da
oralidade”1.
Subjacente aos textos publicados nesta coletânea, repousam
o desejo dos acadêmicos africanos de “relançar uma visão e um
sonho africanos” e, também, as discussões referentes à “produção
do conhecimento sobre a África”.
Esses foram, não por acaso, os temas centrais de um sim-
pósio internacional realizado na África do Sul, em dezembro de
1998, intitulado “Globalização e Ciências Sociais na África”2, em
que os participantes se perguntaram se haveria um “conhecimento
africano” e, em caso afirmativo, o que seria. Discutiram a
territorialização ou indigenização da produção do conhecimento
sobre a África e a perspectiva africana nas Ciências Humanas e
Humanidades.
Sobre isso, Achille Mbembe sustentou que “apenas os
autóctones que vivem fisicamente na África podem produzir um
discurso científico legítimo sobre as realidades do continente”3.
Já para Mudimbe, não bastaria ser africano, mas seria preciso,
para assenhorear-se de um discurso com perspectiva africana,
que o estudioso africano revisse toda a sua formação intelectual,
construída sobre um conhecimento produzido a partir de uma
perspectiva não-africana4. Paul Zeleza, por sua vez, recomen-
dava aos que se disponham a adotar uma perspectiva africana,
que procedam, primeiramente, à desconstrução da arquitetura
1 V. Y. Mudimbe, apud Bisanswa, J. K. V. Y. Mudimbe: réflexion sur les sciences humaines e sociales en
Afrique. Cahiers D´Etudes Africanes, Paris, v. XL (4), n. 160, 2000, p. 707.
2 Universidade de Witwatersrand, Joanesburgo, dezembro de 1998. Co-organizadores o Conselho
de Pesquisas Sociais e Humanas da África do Sul, o Conselho para Desenvolvimento da Pesquisa
em Ciências Socias na África (CODESRIA), com sede em Dacar, Senegal, e o Departamento de
Humanidades e Ciências Sociais da Wits.
3 Mbembe, A. Sortir du ghetto: le défi de l´internationalisation. Codesria Bulletin, Dakar, Senegal, n. 3/4,
p. 3 e segs., 1999.
4 Apud Bisanswa, 2000, p. 707.
discursiva dos estudos sobre a África em geral e, em particular,
sobre a história da África, sobre a economia do desenvolvimento
africano e sobre a ciência política no continente5. Finalmente,
Mahmood Mandani também defendeu a perspectiva africana e
sustentou que, a despeito das limitações materiais para realizar
uma tal tarefa, é preciso trazer os estudos sobre a África para o
próprio continente africano6.
São questões epistemológicas, onde o que se pretende é
situar o agente do conhecimento, no caso o acadêmico africano,
como elemento distintivo do processo de produção intelectual7.
São, todavia, discussões com importantes implicações também no
tocante à finalidade do conhecimento. A esse propósito, tomem-
-se as palavras de Endashaw Bekele, para quem
é mais que hora de percebermos que conceitos,
modelos e paradigmas ocidentais (...) são
inapropriados para a compreensão das circunstâncias
profundamente diferentes de nossas sociedades.
Esses conceitos e modelos alienígenas conduzem a
políticas inapropriadas e ou retiram a atenção dos reais
problemas, ou se tornam escusas a serem utilizadas
pelas estruturas de poder não necessariamente em
favor dos governos existentes. A sofisticação excessiva,
a irrelevância esotérica, a ignorância e os falsos credos
transmitidos por essas doutrinas são oportunistas e
servem a interesses escusos8.
5 Zeleza, P. T. Struggle for the university. Africa Development / Afrique et Developpement, Dakar, Senegal,
v. 22, n.2, 1997, p. 181-192. Resenha.
6 Mandani, M. In: Diouf, M.; Mandani, M. (Eds.). Academic Freedom in Africa. Dakar, Senegal: Codesria,
1994. p. 96.
7 Discuti o tema detidamente em dissertação de Mestrado em Relações Internacionais, apresentada na
Universidade de Brasília, em 2002, com o título “O Pensamento Africano em Relações Internacionais:
Desconstruindo o Afro-Pessimismo”.
8 Bekele, Ensashaw. Research Development Problems in Ethiopia. Adis Abeba: AAU, 1995, apud
Crossman, P. African Universities and Africanisation: problems and prospects in the future of
Assim, nos textos publicados neste livro, um traço frequen-
temente observado, em razão mesmo dessa apropriação endógena
por parte dos autores africanos, seriam suas preocupações
utilitaristas e normativas. Como apontava o Codesria, em 1998,
percebe-se haver, entre os cientistas sociais africanos, uma forte
pressão para que as ciências sociais africanas tenham um valor
utilitário, de modo a servir de instrumento à engenharia social e
à transformação das sociedades.9 Já Joseph Ki-Zerbo proclama a
responsabilidade social dos intelectuais africanos. Textualmente,
defende que
a comunidade acadêmica deve responder às
necessidades da sociedade e estar nas posições
dianteiras da identificação e reflexão de problemas
da sociedade, com o objetivo de sugerir vias e modos
de busca de soluções.10
Assume-se, como premissa, a impossibilidade de um
afastamento, a título de objetividade e imparcialidade, entre o
cientista e o objeto de sua análise.
Pessoalmente, em quase três décadas de trabalho e leituras,
como diplomata e pesquisadora, dedicadas ao conhecimento da
África, foram, sem dúvida, as “perspectivas africanas” aquelas
que mais e melhor me facultaram os instrumentos, inclusive
a sensibilidade, para enxergar a África e sua notória - mas
frequentemente ignorada - diversidade e complexidade.
Por essa razão, ao comparecer ao lançamento da versão
original, em inglês, deste livro, no Centro de Estudos Africanos da
Universidade de Gana Legon, em Acra, logo após à minha chegada
endogenisation and plurality in the human sciences. General Assembly CODESRIA: Globalization
and Social Sciences in Africa. 9th, 1998, Dakar, Senegal.
9 CODESRIA. Editorial. Codesria Bulletin. Dakar, Senegal. n. 2, 1998.
10 Ki-Zebo, J. Revendiquer les libertés académiques, mais surtout les produire et les organizer. In: Diouf,
M; Mandani, M. op.cit., p. 31-41.
a Gana, em agosto de 2011, para chefiar a missão diplomática
brasileira naquele país, fiquei, ao mesmo tempo, emocionada e
radiante. Ao parabenizar seus organizadores, Professores Kofi
Anyidoho e Helen Lauer, consultei-os imediatamente sobre o
interesse e a possibilidade de procurarmos publicá-lo em portu-
guês. A resposta foi não só imediata e positiva, mas sobretudo
entusiasta. Ambos não pouparam esforços no sentido de viabilizar
a edição desta versão brasileira de uma obra que, acredito, será
muito bem recebida pelos leitores brasileiros e dos demais países
de língua oficial portuguesa.
Foi, portanto, com grande satisfação que aceitei o convite
do Presidente da FUNAG para prefaciar esta edição brasileira
O Resgate das Ciências Humanas e das Humanidades através de
Perspectivas Africanas, cujo lançamento passa a ser mais um
importante marco na história das relações Brasil-África.
PREFÁCIO
Helen Lauer
Kofi Anyidoho
Gana, 2012
ÍNDICE GERAL DA OBRA
Volume 1
Seção 1: Examinando a produção do conhecimento como
instituição social
Seção 2: Explicando ações e crenças
Volume 2
Seção 3: Reavaliando o “desenvolvimento”
Seção 4: Medindo a condição humana
Volume 3
Seção 5: Lembrando a História
Seção 6: “África” como sujeito do discurso acadêmico
Seção 7: Debatendo democracia, comunidade e direito
Volume 4
Seção 8: Revisitando a Expressão Artística
Seção 9: Recuperando a Voz da Autoridade
Referências bibliográficas
SUMÁRIO DO VOLUME 1
Capítulo 1
Ciência social como imperialismo ....................................................35
Claude E. Ake
Capítulo 2
Nacionalizando a África, culturalizando o Ocidente
e reformulando as Humanidades na África ....................................91
Toyin Falola
Capítulo 3
A globalização e o acadêmico africano .........................................127
Kwesi Yankah
Capítulo 4
O conhecimento como bem público na era da globalização ....155
Akilagpa Sawyerr
Capítulo 5
Rumo a uma crítica africana da etnografia africana:
a utilidade do inútil ............................................................................179
Maxwell K. Owusu
Capítulo 6
Poder de silenciamento: mapeando o terreno social na
África do Sul pós-apartheid.............................................................233
Kate Crehan
Capítulo 7
Princípios do pensamento social africano: remodelando o
âmbito da sociologia do conhecimento .........................................269
Max Assimeng
Capítulo 8
A proteção da propriedade intelectual e da
biodiversidade vegetal africana .......................................................319
Ivan Addae-Mensah
Capítulo 9
Vírus da mente ...................................................................................341
Derek Gjertsen
Seção 2
Explicando ações e crenças
Capítulo 10
Entendendo a violência política na África pós-colonial .............375
Mahmood Mamdani
Capítulo 11
O colonialismo e os Dois Públicos na África: uma declaração
teórica com um epílogo ....................................................................411
Peter P. Ekeh
Capítulo 12
Colonialismo e sociedade civil na África: a perspectiva
dos Dois Públicos de Ekeh ................................................................471
Eghosa E. Osaghae
Capítulo 13
A corrupção e a necessidade de clareza conceitual ....................497
Albert K. Awedoba
Capítulo 14
Informalização e política de Gana ..................................................527
Kwame A. Ninsin
Capítulo 15
Costume, ideologia colonial e privilégio: a questão
agrária na África .................................................................................557
Kojo S. Amanor
Capítulo 16
Psicopatia corporativa: uma analogia psiquiátrica ......................575
Montague Ullman
Capítulo 17
O discurso de maldição: gênero, poder e ritual em Gana ..........589
Beverly J. Stoeltje
Capítulo 18
A religião tradicional africana e o cristianismo: continuidades
e descontinuidades .............................................................................611
Abraham A. Akrong
Capítulo 19
A interação de conceitos tradicionais e modernos de saúde .....637
Rose Mary Amenga-Etego
AGRADECIMENTOS DOS EDITORES*11
27
Helen Lauer e Kofi Anyidoho
28
Agradecimentos
29
Helen Lauer e Kofi Anyidoho
30
Agradecimentos
31
Helen Lauer e Kofi Anyidoho
32
Agradecimentos
33
Helen Lauer e Kofi Anyidoho
34
Agradecimentos
35
Helen Lauer e Kofi Anyidoho
36
Agradecimentos
37
Helen Lauer e Kofi Anyidoho
38
Agradecimentos
39
Helen Lauer e Kofi Anyidoho
Helen Lauer
Kofi Anyidoho
Gana, 2012
40
SEÇÃO I
EXAMINANDO A PRODUÇÃO DO
CONHECIMENTO COMO INSTITUIÇÃO SOCIAL
CAPÍTULO 1
CIÊNCIA SOCIAL COMO IMPERIALISMO1
Claude E. Ake
1 Versão revisada e reduzida de Social Science As Imperialism: The Theory of Political Development.
Ibadan University Press (1979), p. 124-186.
2 Esta tese não assume que os autores em questão estejam necessariamente conscientes de que a obra
deles serve ao imperialismo. Só quero e preciso demonstrar que o estudo das ciências sociais que
analisei aqui serviu ao imperialismo de maneiras fundamentais.
43
Claude E. Ake
Teleologismo eurocêntrico
O pensamento teleológico é uma influência muito forte
na ciência social ocidental. Os estudiosos mais influentes da
época clássica da ciência social ocidental, especialmente Spencer,
Tönnies, Maine, Comte, Durkheim, Weber e Karl Marx eram
pensadores teleológicos. Sua teleologia estava vinculada a uma
análise desenvolvimentista ou historicista da sociedade. Eles
consideravam que a sociedade passava por duas ou mais etapas,
de uma etapa menos desejável de ser para outra mais desejável.
Assim, Karl Marx vê a história das sociedades em termos de um
desenvolvimento através de diferentes sistemas econômicos ou
modos de produção: desde os pré-capitalistas, como o modo de
comunidade primitiva e o asiático, passando pelo modo capitalista
até o socialista. Max Weber postula uma tendência de sociedades
a se desenvolverem da autoridade tradicional para a autoridade
burocrática racional.
O teleologismo sempre foi um elemento de destaque no
pensamento ocidental. As obras dos grandes pensadores ocidentais
dos períodos clássico e medieval, como Platão, Aristóteles, Aquino,
Santo Agostinho, Dante, João de Paris e Marcílio de Pádua,
demonstram isto. Na verdade, o teleologismo destes pensadores
foi ainda mais profundo, uma vez que a questão para eles não
era simplesmente terem um objetivo em mente e analisarem a
sociedade em termos do desenvolvimento rumo a esse objetivo.
O teleologismo fazia parte da sua metodologia em todas as
etapas da sua análise. Isto é especialmente verdadeiro no caso da
Metafísica e da Política de Aristóteles. Assim, Aristóteles considera
o telos como a essência, de tal forma que as coisas não são o que
44
Ciência social como imperialismo
45
Claude E. Ake
3 Seguindo esta tradição, o estudo sobre países do Terceiro Mundo permanece impregnado com
teleologismo. Até hoje, muitas obras sobre estudos do desenvolvimento se preocupam com
perspectivas para a democracia (democracia liberal), a possibilidade de modernização, as perspectivas
de desenvolvimento (expressão levemente disfarçada para desenvolvimento capitalista). De maneira
mais importante, a metodologia associada a esta perspectiva teleológica era de tal ordem que a
questão do desenvolvimento dos países do Terceiro Mundo foi tendencialmente reduzida à
possibilidade de se tornar mais parecido com o Ocidente. Exemplos deste estudo ocidental são David
E. Apter (1965) Cyril E. Black (1966), Gabriel A. Almond e J. Coleman (1960).
46
Ciência social como imperialismo
47
Claude E. Ake
48
Ciência social como imperialismo
49
Claude E. Ake
50
Ciência social como imperialismo
51
Claude E. Ake
52
Ciência social como imperialismo
A tendência capitalista
A ciência social ocidental tem um forte viés capitalista.
Isto é esperado. A ciência social, qualquer ciência, não existe no
vácuo. Ela surge num contexto histórico específico, num modo de
produção específico. A ciência em qualquer sociedade está apta a
voltar-se para os interesses e impregnada com os valores da classe
dominante, que acaba controlando as condições em que a ciência
é produzida e consumida, ao financiar a pesquisa, estabelecer
prioridades nacionais, controlar o sistema educacional e a mídia
53
Claude E. Ake
54
Ciência social como imperialismo
55
Claude E. Ake
56
Ciência social como imperialismo
57
Claude E. Ake
58
Ciência social como imperialismo
59
Claude E. Ake
60
Ciência social como imperialismo
Ciência Política
A teoria do desenvolvimento político é tanto um modelo
explicativo quanto uma ferramenta de análise cujos principais
postulados são os seguintes:
1. Sistemas políticos se desenvolvem, ou seja, mudam de
um estado de existência para outro. De qualquer forma,
é analiticamente útil conceituar sistemas políticos em
termos da possibilidade dessa mudança.
2. O desenvolvimento político ocorre na medida em
que o sistema político passa por uma secularização e
diferenciação estrutural.
3. O desenvolvimento político ocorre ao longo da resposta
do sistema político a crises como a de integração ou a de
distribuição.
61
Claude E. Ake
62
Ciência social como imperialismo
5 De forma notável, este reconhecimento foi feito por alguns membros da Comissão de Política
Comparativa do Conselho de Pesquisa Social dos EUA, que efetivamente planejou a teoria do
desenvolvimento político e a literatura associada.
63
Claude E. Ake
64
Ciência social como imperialismo
Economia
O estudo sobre a economia de países do Terceiro Mundo
preocupa-se basicamente com uma questão, qual seja, como
alcançar o desenvolvimento econômico. Na maioria das vezes, a
questão é elaborada como a forma de mudar de uma sociedade
para a outra. A sociedade cujo estado de existência precisa ser
mudado é o país “subdesenvolvido”. A sociedade que é o modelo
para esta mudança é o país “desenvolvido”. Obras econômicas
sobre países do Terceiro Mundo têm dedicado bastante atenção
ao esclarecimento desta distinção entre países subdesenvolvidos
e desenvolvidos6. Esta distinção, às vezes, é reduzida a um único
índice estatístico de complexidade maior ou menor. Talvez o índice
mais popular seja a renda nacional per capita. Existem variações
mais complexas do mesmo índice. Por exemplo, Rosenstein-Rodan
leva em consideração as diferenças em produção (per capita) para
determinados setores da economia, assim como diferenças na taxa
de crescimento7. S. J. Patel faz mais ou menos a mesma coisa8.
A outra tendência principal consiste na distinção entre países
desenvolvidos e subdesenvolvidos em termos de características
que incluem não apenas fatores econômicos específicos, mas
também sociais e políticos. Sauvy lista as seguintes características
de subdesenvolvimento: baixa expectativa de vida, alta taxa de
natalidade, nutrição precária, analfabetismo, escassa oferta de
capital e desemprego, predomínio do setor agrícola, baixo status
das mulheres, classe média rudimentar e autoritarismo político9.
A lista de Leibenstein é ainda mais abrangente. Ele argu-
menta que países subdesenvolvidos possuem dois conjuntos de
6 A utilidade da distinção permanece obscura e não está claro o motivo pelo qual as deficiências
específicas associadas aos países do Terceiro Mundo permitem que eles sejam chamados de
subdesenvolvidos. Voltaremos a este assunto adiante.
7 P. N. Rosenstein-Rodan (1954).
8 S. J. Patel.
9 F. Sauvy (1952).
65
Claude E. Ake
10 H. Leibenstein (1957).
11 E. Gannage (1962).
66
Ciência social como imperialismo
67
Claude E. Ake
68
Ciência social como imperialismo
69
Claude E. Ake
70
Ciência social como imperialismo
71
Claude E. Ake
Sociologia15
Retomemos o estudo da ciência social ocidental sobre o
Terceiro Mundo para ver até que ponto ela é uma ferramenta de
propagação de valores capitalistas. No que diz respeito à ciência
política, isso já foi argumentado na longa análise da teoria do
desenvolvimento político como ideologia. Resta agora o fato de
que a análise não apenas mostra que existem elementos desses
valores na teoria do desenvolvimento político. Se ele estivesse
apenas limitado a isto, o argumento seria inconsequente. A análise
também mostra que valores capitalistas permeiam esta teoria e
que sua propagação é sua razão de ser.
Será que se pode aplicar argumento semelhante em relação à
sociologia? Primeiro vamos analisar as classificações na sociologia
que correspondem a economias e políticas “desenvolvidas” e
“subdesenvolvidas”. Existem as distinções (em grande parte,
dicotômicas) entre sociedades que encontramos em Maine, Tönnies,
Weber, Durkheim e Parsons, entre outros. Vemos que em cada caso
15 Para um argumento menor, mas eficaz contra a sociologia veja A. G. Frank (1967).
72
Ciência social como imperialismo
16 Auguste Comte (1853); Herbert Spencer (1873, 1876); Ferdinand Tönnies (1887); Sir Henry Maine
(1861); Emile Durkheim (1893).
73
Claude E. Ake
74
Ciência social como imperialismo
75
Claude E. Ake
17 Max Weber é mais conhecido por seu ensaio “The Protestant Ethic and the Spirit of Capitalism”
(1904). In: Gerth, H. H; Mills, C. W. (eds.) (1938). From Max Weber, Essays in Sociology, p. 196.
76
Ciência social como imperialismo
77
Claude E. Ake
19 Ibid., p. 229.
20 Ibid., p. 215.
78
Ciência social como imperialismo
21 Ibid., p. 221.
79
Claude E. Ake
80
Ciência social como imperialismo
81
Claude E. Ake
22 Samuel Huntington (1965), Lucian W. Pye (1962), Edward C. Banfield (1967 [1958]).
82
Ciência social como imperialismo
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Ciência social como imperialismo
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Ciência social como imperialismo
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Ciência social como imperialismo
***
97
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98
CAPÍTULO 2
NACIONALIZANDO A ÁFRICA, CULTURALIZANDO O
OCIDENTE E REFORMULANDO AS HUMANIDADES
NA ÁFRICA1
Toyin Falola
1 Este capítulo é uma versão editada do Discurso de Abertura da Conferência Internacional para
Repensar as Humanidades na África, que o autor proferiu na Universidade Obafemi Awolowo, em
Ife-Ife, Nigéria, em 13 e 14 de junho de 2006. Agradecimentos do autor: Agradeço aos organizadores
da conferência que me convidaram, especialmente ao Reitor Sola Akinrinade e ao Dr. Akin Alao.
Comentários preliminares sobre o texto foram feitos por Bisola Falola, Vik Bhal, Ralph Njoku,
Aderonke Adesanya e Anene Ejikeme.
99
Toyin Falola
100
Nacionalizando a África, culturalizando o Ocidente e reformulando as humanidades na África
101
Toyin Falola
102
Nacionalizando a África, culturalizando o Ocidente e reformulando as humanidades na África
103
Toyin Falola
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Nacionalizando a África, culturalizando o Ocidente e reformulando as humanidades na África
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Toyin Falola
106
Nacionalizando a África, culturalizando o Ocidente e reformulando as humanidades na África
108
Nacionalizando a África, culturalizando o Ocidente e reformulando as humanidades na África
109
Toyin Falola
110
Nacionalizando a África, culturalizando o Ocidente e reformulando as humanidades na África
111
Toyin Falola
112
Nacionalizando a África, culturalizando o Ocidente e reformulando as humanidades na África
contatos; um foco tão estrito explica uma razão pela qual o estado
e a sociedade preferem nosso proverbial estudante de medicina,
Kehinde, a seu irmão Taiwo, leitor de poesias. O que eles não veem,
porque não se trata de um objeto tangível, porque é invisível e
sutil, é o poder de definir. Quem quer que o tenha, terá poder sobre
outras coisas, uma vez que pode ser usado para transformar o que é
positivo em negativo, o que é local em universal, espalhar e semear
a própria cultura e religião, se transformar no centro do mundo,
criar sua própria civilização como o núcleo e fazer com que os
outros tenham que correr para alcançá-la. São pessoas como Taiwo
que conseguem recriar novas definições, tão novas que pessoas
como Kehinde começarão a pensar diferente e a reformular seus
ofícios para atender às demandas de uma sociedade redefinida.
Permita-me tentar convencê-lo do poder da definição: ela é
como o ar que se respira, mas que não se vê nem se sente. Definição
é forte como forma e como meio de controle; em muitos casos, é
mais importante do que a tecnologia. Se pouparmos dinheiro
para importar um objeto, alguém terá definido usos preferências
e gostos para nós. A bebida alcoólica, mesmo quando ruim, pode
ser definida como um símbolo de status – a ponto de que o rei de
um império em crescimento atacar seus vizinhos e vendê-los para
obtê-la. Um carro, como uma BMW (apelidada de Black Man’s Worry,
ou Preocupação do Homem Negro, em inglês), pode ser definida
como o símbolo máximo de status, de tal forma que um professor
de uma universidade na Zâmbia gaste a poupança da sua licença
na Alemanha para comprar uma. E, ao retornar à Zâmbia, ele pode
se recusar a carregar qualquer livro se eles tiverem sido definidos
como sem importância. Se a cor branca tiver sido definida como
sendo a cor da beleza, uma mulher bronzeada pode branquear sua
pele mesmo sabendo que os elementos químicos que ela utiliza
darão câncer. Assim que funciona a definição. Ela faz com que
113
Toyin Falola
114
Nacionalizando a África, culturalizando o Ocidente e reformulando as humanidades na África
11 Ibid.
12 Ngũgĩ wa Thiong’o (2005, p. 159).
115
Toyin Falola
116
Nacionalizando a África, culturalizando o Ocidente e reformulando as humanidades na África
117
Toyin Falola
Antropologizando o Ocidente
A proteção da África, a invenção de um nacionalismo ferrenho, a
construção do patriotismo africano poderão exigir a “alterização”
do Ocidente. A primeira é uma estratégia de tornar a África o centro
do mundo: nas cartografias, na mentalidade, na articulação do
conhecimento e nas teorias. É difícil. Nós conseguimos criar contra-
-discursos reacionários bem-sucedidos sobre como entendemos o
continente. No entanto, ao fazê-lo, contribuímos mais para coletar
dados do que para construir teoria. Dados são úteis até o ponto em
que eles expõem quadros mais amplos e avançam várias disciplinas.
Todas as disciplinas devem desenvolver um conjunto de objetivos
coerentes; mas esses objetivos não podem ser permanentes.
Deixemos que os estudiosos individuais sigam sua pesquisa
na estrutura de uma diversidade competitiva. A única constante
é a centralidade da África. Atualmente, as ligações intelectuais
entre a África e o Ocidente são unilaterais – nós nos baseamos
no que recebemos, mas não no que damos; tomamos emprestado
ideias que utilizamos para entender nossos dados e criar um corpo
alternativo de conhecimento que outros também podem tomar de
nós para interpretar suas próprias realidades.
A segunda estratégia consiste em empreender uma rigorosa
compreensão do Ocidente. A África e o Ocidente não passam de
vizinhos distantes. Os estudiosos e empreendedores de ambos, não
raro, se aliaram para apresentar uma imagem de escuridão durante
o dia e de exploração à noite. E, quando dormem, sonham com
corrupção. O Ocidente emprega sua elite corporativa no estupro
da África; os colaboradores africanos constituem uma elite
burocrática que estende o estupro em toda sua diversidade até o
presente. As Humanidades precisam intervir, não necessariamente
para reduzir ou negar a distância entre os vizinhos no continente,
mas para apresentar uma compreensão abrangente do Ocidente
118
Nacionalizando a África, culturalizando o Ocidente e reformulando as humanidades na África
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Toyin Falola
120
Nacionalizando a África, culturalizando o Ocidente e reformulando as humanidades na África
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Toyin Falola
122
Nacionalizando a África, culturalizando o Ocidente e reformulando as humanidades na África
Os riscos da modernidade
O destino zomba da modernidade da África o tempo todo,
todos os dias. Nossas pretensões de modernização surgem como
uma série de piadas sem graça, como o homem vestindo um
terno completo de lã no calor de Kano. Nós dizemos uma coisa, a
modernidade faz outra. Não podemos repensar as Humanidades
sem reconceitualizar a modernidade e seu futuro. Aliás, esta é a
plataforma do nosso exercício intelectual. Muitas ideias nos foram
apresentadas como sendo o ingresso para a modernidade, mas
elas não funcionam. Temos que estudar o motivo disso. Facetas
sinistras da modernidade nos encaram, não como consequências
do que fazemos certo, mas como manifestações do que está
errado: vazio cultural, promiscuidade cultural, decadência rural,
impotência das mulheres, meio ambiente devastado, corrupção,
favelas urbanas, etc. Estes e muitos outros problemas fazem parte
do nosso assunto.
O que se disse que obteríamos dos contatos com a ocidentali-
zação e com a modernização acabou provando ser falso. Portanto,
nosso desafio fundamental, independentemente da disciplina, precisa
ser o questionamento da modernidade. A modernidade colonial e a
“civilização” apresentaram outra coisa. A modernização clássica
keynesiana nos decepcionou. A economia clássica do livre comércio,
prometendo benefícios tanto para nações pobres quanto ricas, é
um fracasso. Disseram-nos, na década de 1980, para esperar um
milagre africano, como o que ocorreu com os Tigres Asiáticos, mas o
123
Toyin Falola
único milagre que ocorreu foi no número cada vez maior de crentes
espirituais – não mais empregos, nem bens nem serviços. Supôs-
-se que se abríssemos as portas para o investimento estrangeiro,
a riqueza viria. Ao contrário, perdemos riqueza através da
prestação de serviço da dívida externa e desequilíbrios em termos
de comércio global. Aconselharam-nos a perseguir estratégias
de substituição de importações para que a industrialização
local recebesse um estímulo, mas não nos transformamos além
de uma economia agrária; não podemos mais atender a nossas
próprias exigências alimentares. Indústrias não competitivas já
consumiram recursos ilimitados, desviando o dinheiro escasso para
longe das áreas rurais. À medida que se formam mais universitários
e alunos do ensino médio, eles entram num mercado de trabalho
imprevisível, em que problemas de subemprego ou desemprego
já são crônicos. Temos a tarefa de escrutinar todos os orçamentos
nacionais e oferecer alternativas aos gastos dos governos cujas
verbas são claramente inadequadas para prover educação, saúde,
moradia, previdência social e empregos. Temos uma obrigação para
com nossos estudantes, cujo futuro está repleto de incertezas.
A modernidade da economia se traduz na modernidade da
pobreza. Testemunhamos padrões desiguais de distribuição de
renda e os pobres continuam a imaginar se devem permanecer
na terra ou migrar para o paraíso. A oferta de alimentos básicos
é problemática e a maior parte da população não pode ter como
certas as três principais refeições diárias. As vilas, a proeza que
coroa a economia tradicional, outrora capazes de alimentar a si
mesmas e a outras, tornaram-se irrelevantes. Negligenciadas
como zonas rurais, os moradores das pequenas vilas não fazem
parte das redes burocráticas; eles afluem às cidades em multidão,
criando objetos de pesquisa como a decadência e a turbulência
rurais, a migração urbana, o crescimento das cidades em espaços
desordenados num ritmo vertiginoso. Vivemos no conforto
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Nacionalizando a África, culturalizando o Ocidente e reformulando as humanidades na África
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Toyin Falola
126
Nacionalizando a África, culturalizando o Ocidente e reformulando as humanidades na África
Hora de agir
É hora de fazer algumas coisas a partir de hoje. Todos nós
devemos definir nossa pauta de pesquisa e ensino com questões,
metas e pressupostos mais amplos, tendo em mente que ideias
minimalistas não nos levarão a lugar algum. Temos que nos concentrar
17 Ibid., p. 36.
18 Ibid., p. 34.
19 Gustavo Esteva e Mahdu Suri Prakash (1998), Richard Gombin (1979), Frederick Jameson (1998).
127
Toyin Falola
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Nacionalizando a África, culturalizando o Ocidente e reformulando as humanidades na África
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Toyin Falola
Reabitando as universidades
Com o ensino, não pode haver meias medidas. A prioridade
primeira deve ser concentrar em capacidade, paixão e compromisso,
ao recrutar estudantes, e motivar aqueles com dificuldades
intelectuais que estão na faculdade apenas procurando um quebra-
-galho para passar o tempo. À medida que os treinamos, cumpre
observar como podemos fazer com que eles pensem por si, em
vez de como podemos pensar por eles, para que possam, assim,
ocupar seu lugar na nação e no mundo. À medida que refletem
sobre diversas questões, exige-se deles capacidade para pesar
as consequências éticas das suas ações práticas. Os estudantes
demandam uma visão do mundo em que vivemos; eles precisam se
130
Nacionalizando a África, culturalizando o Ocidente e reformulando as humanidades na África
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Toyin Falola
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Nacionalizando a África, culturalizando o Ocidente e reformulando as humanidades na África
Bó bá dé núu rè
Yóó di odidi24.
[Uma palavra basta para o sábio].
***
24 N.E.: Orientações essenciais na edição para restaurar a ortografia Iorubá original do autor foram
generosamente proporcionadas por Olúfêmi Táíwò.
133
CAPÍTULO 3
A GLOBALIZAÇÃO E O ACADÊMICO AFRICANO1
Kwesi Yankah
1 Versão levemente revisada a partir da monografia com o mesmo título publicada em 2004 pela
Faculdade de Artes da Universidade de Gana, em Legon.
135
Kwesi Yankah
Base de poder
O cenário que eu descrevi acima produziu as seguintes
consequências:
1. Sistemas educacionais e sistemas de produção de
conhecimento não são apenas alheios ao nosso meio
sociocultural, mas também deixam o estudioso local
com uma desvantagem considerável no mercado global.
Uma dessas personalidades deficientes é o acadêmico
africano que ocidentalizado, meio saturado dos modos
euro-ocidentais de produção de conhecimento, rejeitado
pelo mundo ocidental por não estar bem sintonizado
com tendências ocidentais e, portanto, marginalizado
juntamente com sua área de especialidade geográfica
– a África. Ele também é considerado na sua própria
localidade como alguém que não se encaixa;
2. Nós continuamos a depender de modelos acadêmicos
ocidentais para autoavaliação na academia local, uma
sequência natural à adoção por atacado de paradigmas
ocidentais nas nossas academias;
136
A globalização e o acadêmico africano
2 N.E.: Para uma documentação deste fenômeno no setor farmacêutico, veja o capítulo 8, de Ivan
Addae-Mensah.
137
Kwesi Yankah
138
A globalização e o acadêmico africano
Idiomas
Os principais fatores determinantes aqui não são simplesmente
darwinistas. Por trás deles existe uma missão civilizadora que
permeia discursos coloniais e neocoloniais e nos traz para o plano
da modernidade, que é caracterizada por e moldada a partir de
uma articulação específica de idiomas como o inglês, o francês, o
alemão, o italiano e literaturas destes idiomas (seu legado em grego
e latim). As culturas de estudo na modernidade são principalmente
em inglês, francês e alemão. Diz-se, por exemplo, que pelo menos
95% de todos os estudiosos e todos os estudos do período entre
1850 e 1914 e provavelmente até 1945, se originam no meio de
inglês, francês, alemão, italiano e espanhol. Idiomas de países
139
Kwesi Yankah
140
A globalização e o acadêmico africano
Segregação editorial
Isso está em grande parte relacionado com a segregação
editorial ou, às vezes, bibliográfica da África. Os periódicos oci-
dentais internacionais cujo projeto editorial não tenha nenhum
foco geográfico especial publicam muito pouca coisa (se alguma)
sobre a África, ou só o fazem em edições especiais. Algumas vezes,
essas tendências segregacionistas se estendem à inclusão nos
catálogos das bibliotecas. Num texto chamado “The treatment
of African Materials by the Library of Congress Classification
Scheme”, um estudioso observa a alocação lamentavelmente
inadequada de exemplares para a África. Poucas edições no
catálogo foram disponibilizadas para a África, apesar de o Egito
e a África do Sul terem sido bem abastecidos. Os países africanos
foram agrupados de acordo com a) estados nativos, por exemplo,
a Etiópia, b) antigas colônias ou posses dos franceses. Todo
tratamento é feito em termos de se o país foi ou é uma antiga ou
atual colônia de um país europeu, ou se era um país “nativo”. Nas
ciências sociais (classe H), a África como um todo recebe apenas
70 exemplares para compartilhar entre seus países, enquanto a
Europa recebe 270 exemplares. Na seção PR, apenas um exemplar
é fornecido para a África (exceto a África do Sul, que recebeu
97 exemplares). Aqui o autor não mede palavras dizendo, “Um
elemento de discriminação racial pode desempenhar um papel na
alocação de exemplares” (Ogbonyomi, 1994, p. 122). Na área da
edição, uma razão geralmente citada para rejeitar contribuições
de estudiosos africanos tem a ver com o que se percebe, em
círculos editorias ocidentais, como produção de baixa qualidade de
estudiosos africanos, cujos manuscritos são rejeitados por serem
141
Kwesi Yankah
142
A globalização e o acadêmico africano
Cultura e estudo
A desqualificação do discurso acadêmico da África como sendo
não acadêmico, um tanto descritivo, insuficientemente imparcial e
superficial demais para fins acadêmicos, parece ser um subproduto
da percepção eurocêntrica de que a mente africana “primitiva”
costuma ser incapaz de pensamento abstrato e expressão e que lida
mais com o concreto. Isto, por inferência, se estende ao plano do
discurso acadêmico, onde se diz que os africanos se dedicam mais
à descrição concreta do que à abstração. Este argumento parece
ser um legado residual da República de Platão, na qual o autor
estabeleceu os princípios para o repúdio do sentido simbólico
e para a negação do conhecimento intuitivo cósmico. Na nova
epistemologia de Platão, o universo não é mais experimentado
com os sentidos, mas é “objetificado”. Aqui o sujeito se separa
do ambiente para manter controle sobre ele. De acordo com esta
nova epistemologia, para conseguirmos ter pensamento crítico,
precisamos ser independentes daquilo que queremos saber –
alheios, imparciais, remotos.
O uso da percepção sensorial como típica de africanos
denota uma incapacidade de imparcialidade própria e, portanto
uma incapacidade de pensar de maneira crítica. Neste caso, a
separação é a chave que abre a porta para o conhecimento, porque
para que o ser pensante seja capaz de ter cognição científica, ele
deve ser independente. De fato, Platão procurou desenvolver
um mundo feito totalmente de realidade conceitual, onde havia
pouco ou nenhum espaço para a percepção de sentido. Enquanto
a imparcialidade individual denota uma ordem de pensamento
superior, a utilização de percepções de sentido é vista como sendo
não intelectual, uma marca de memória oral (Ani, 1994, p. 43).
Se a oralidade for rejeitada a priori como sendo não intelectual, isso
143
Kwesi Yankah
significa que a forma de vida de um povo pode ser usada como base
para a segregação intelectual.
Por outro lado, a determinação externa e o controle da nossa
produção intelectual, às vezes, é apenas conspiração própria.
Refiro-me aqui a padrões de promoção em universidades africanas,
onde o trabalho do candidato sobre a África é submetido a uma
avaliação externa, às vezes, na Europa e nos Estados Unidos. Onde
a promoção se baseia na posição internacional do candidato em
termos de pesquisa e publicações, é necessário que o estudioso
seja avaliado pela medida em que se aproxima de paradigmas
intelectuais euroamericanos. Se por acaso o examinador externo
for alguém como o que conheci numa viagem recente aos EUA,
então é pior ainda. O cavalheiro, um professor numa universidade
da Costa Leste, foi apresentado a mim como especialista em história
da Namíbia. Quando lhe perguntei quando tinha sido a última
vez que ele tinha visitado a Namíbia, ele fez uma pausa, olhou-
-me de maneira simpática e confessou que na verdade ele estava no
processo de solicitar fundos para visitar a Namíbia pela primeira
vez. Há uma abundância desses especialistas em África, que
nunca pisam no solo africano, apenas encontraram informantes
locais “autênticos” no ambiente de universidades euroamericanas.
Refiro-me aqui a intelectuais africanos baseados no Ocidente que,
às vezes, são convertidos em informantes de campo na academia
ocidental, produzindo muitos dados para serem utilizados
pelo estudioso ocidental que encontram no “colega” africano
um substituto ao trabalho de campo na África. Se o informante
tiver sorte, ele poderá receber um agradecimento numa nota de
pé de página. Não é preciso acrescentar aqui o valor maior que
as autoridades universitárias atribuem a editoras e aos chamados
refereed journals (periódicos com revisão por pares), aclamados
internacionalmente. A editora internacional que tenha publicado o
livro de um candidato costuma ser o parâmetro para determinar o
144
A globalização e o acadêmico africano
Projeto imitativo
Mas parte da culpa tem sido nossa própria, tendo negligenciado
investigar paradigmas de conhecimento das nossas raízes culturais
e considerar essas raízes como nossos referenciais, os primeiros
elementos sobre os quais basearmos o estudo futuro (Abrahams,
1962, p. 70-75; Kashoki, 1984, p. 36). Simplesmente ao termos
concordado em abrir mão das nossas fontes de conhecimento
tradicionais e ao assimilar por atacado a cultura da academia
formal ocidental, nós voluntariamente fornecemos uma receita
de servidão intelectual e alienação cultural. Um estudioso culpou
quase plenamente o projeto imitativo de universidades africanas
pelo nosso drama: a produção de homens e mulheres que estão, na
maior parte, equipados intelectualmente apenas para reproduzirem
conceitos, modelos, teorias e soluções para os problemas humanos
conforme concebidos, montados e embalados em configurações
ocidentais pelo homem ocidental. O resultado é que a África está
inundada de formados nas universidades com uma brilhante
variedade de títulos universitários adquiridos de universidades
locais e estrangeiras, cuja maior parte das suas vidas foram passadas
no automático aprendendo sem o cultivo da capacidade necessária
de questionar os fundamentos do conhecimento adquirido dessa
forma (Kashoki, 1948, p. 41).
De maneira significativa, contudo, são as fontes analíticas
ocidentais que os estudiosos africanos precisam citar ao fazerem
afirmações sobre sua própria cultura. Um estudioso das ciências
sociais precisa passar a maior parte da longa introdução ao seu
artigo apresentando uma justificativa teórica do seu estudo,
classificando suas observações ou projeções sob um suposto modelo
de referência superordenado – um tipo de postura defensiva, para
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Kwesi Yankah
146
A globalização e o acadêmico africano
147
Kwesi Yankah
3 Veja: <http://www.aau.org/datad>.
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A globalização e o acadêmico africano
Consciência nativa
É necessário que os intelectuais africanos ajudem a
desenvolver uma consciência africana sobre o desenvolvimento,
uma consciência que guiaria os africanos na concepção de
soluções africanas para problemas africanos. Essa necessidade
de consciência nativa ecoa sentimentos expressos no I Congresso
de Africanistas realizado em Acra, onde Kwame Nkrumah se
preocupou em vincular o congresso com suas tradições nativas
(Davidson, 1994, p. 87). Nkrumah afirmou na conferência que
“Enquanto alguns de nós estamos lutando pela unificação política
da África, africanistas em toda parte também precisam ajudar a
desenvolver as bases espirituais e culturais da unidade do nosso
continente”, (Davidson op. cit.). Foi neste congresso que surgiu
a ideia de um Encyclopaedia Africana Centre, uma instituição de
pesquisa elaborada cuja tarefa seria estudar todos os aspectos da
África (Oquaye, 1994, p. 37).
150
A globalização e o acadêmico africano
A visão de um político
Uma década atrás, a Universidade de Gana perdeu uma
oportunidade de ouro para consolidar nossa valorização simbólica
de intelectuais nativos. De fato, a universidade tinha uma visão
de futuro singular ao manter uma política de, eventualmente,
empregar especialistas em idiomas e praticantes culturais que
não tivessem necessariamente qualificações acadêmicas elevadas.
Para este fim, na metade da década de 1970, o Departamento de
Linguística tinha contratado como instrutor na Universidade,
o antigo ‘linguista’ de Gana e poeta que Nkrumah admirava, o
falecido Ͻkyeame Boafo Akuffo, cujo conhecimento analítico
151
Kwesi Yankah
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A globalização e o acadêmico africano
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Kwesi Yankah
154
A globalização e o acadêmico africano
parte das nossas mães e nossos pais analfabetos que às vezes nos
consideram como símbolos de traição e alienação. Até mesmo
enquanto eles glorificam os bons tempos do homem branco, eles
também não esconderam sua suspeita de interesses egoístas no
projeto colonial, que ajudamos a perpetuar. Além disto, muitas
das nossas mães e muitos dos nossos pais analfabetos sempre
suspeitaram que a educação ocidental fosse um projeto para suicídio
cultural e o deslocamento dos sistemas nativos de conhecimento e
educação.
A formação pessoal do velho e as circunstâncias que moldaram
sua vida tradicional não são muito diferentes daquelas do famoso
cantor e filósofo de Gana, Nana Kwame Ampadu. A inteligência
e a sabedoria tradicionais de Ampadu foram observadas
pela primeira vez na sua infância. Quando Nana terminou o
ensino fundamental, ele era tão inteligente que sua professora
recomendou imediatamente educação adicional no ensino médio.
Mas seu pai não deixou, apesar de alguns dos seus filhos terem
frequentado faculdades famosas, como Achimota. Seu pai explicou
de maneira proverbial porque ele estava negando ao seu filho
educação ocidental adicional: Ndwan a eko adidie mmae a yennsum
bi ngu um. (“Quando seu rebanho de ovelhas não tiver voltado
dos pastos, você não acrescenta à quantidade delas”). A educação
ocidental adicional que seus irmãos receberam só produziram uma
jornada cada vez mais distante de casa – alienação da mente e
desrespeito por valores nativos. A imagem da ovelha perdida aqui
retrata uma justaposição paradoxal do materialismo sedutor e da
autodestruição final. A paixão pela educação além das fronteiras
domésticas tem perigos inerentes; onde isto levou a uma perda
fatal, lições devem ser aprendidas.
Mas é a vida de um outro Ͻkyeame que dramatiza de maneira
ainda mais vívida esta situação desagradável. Ͻkyeame Baffour
155
Kwesi Yankah
Oralidade e escrita
Na minha tentativa há vários anos de entrevistar um dos
akyeame do Rei de Ashanti, recebi uma recusa do falecido Ͻkyeame
Antwi Boasiako; pois ele protestou que eu usaria seus relatos orais
para obter um título de doutorado que ele merecia mais. Apesar
de acabar concordando após uma longa explicação das minhas
intenções, a declaração deste tradicionalista demonstra uma suspeita
forte e ampla de que a pesquisa científica social pode ser mera
156
A globalização e o acadêmico africano
5 Boasiako, Ͻkyeame Antwi (1988) Comunicação pessoal com Kwesi Yankah. Kumasi, Gana.
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Kwesi Yankah
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A globalização e o acadêmico africano
Condição
A ordem acadêmica mundial proposta anteriormente não
faria nenhum sentido sem as seguintes condições:
1. Maior compromisso pelos estudiosos e instituições
africanas com suas academias locais e com seus sistemas
epistemológicos. Compromisso aqui implica sistemas
epistemológicos; implica ajudar a redescobrir e a adaptar
paradigmas locais de estudo aos padrões dominantes.
De uma perspectiva mais ampla, isso exigiria a revisão
de projetos em universidades, instituições terciárias
e academias de ensino. A busca seria por sistemas de
conhecimento nativo que abordem necessidades locais
e também por estudiosos que estariam suficientemente
comprometidos para facilitar a sincronização do
conhecimento nativo com o conhecimento dominante;
2. Nós teríamos que desenvolver uma tradição sólida de
publicações acadêmicas baseadas na África com padrões de
publicação elevados e maior compromisso com sistemas
de pensamento nativos;
3. O desenvolvimento de vínculos mais próximos entre
intelectuais africanistas operando dentro da academia
ocidental e a extensão desses vínculos a instituições
dentro de academias baseadas na África.
É necessária uma filosofia educacional que obrigue uma
modulação crítica de passos rumo à globalização e que dê prioridade
à resposta educacional a necessidades nacionais e locais. Apesar de
instituições superiores de ensino africanas realizarem estudos sobre
a cultura, deve ser feito um esforço mais consciente para resgatar
sistemas de conhecimento nativos e torná-los compatíveis em
termos globais, como está sendo feito nos países do Pacífico. Todos
159
Kwesi Yankah
160
A globalização e o acadêmico africano
***
161
CAPÍTULO 4
O CONHECIMENTO COMO BEM PÚBLICO NA ERA
DA GLOBALIZAÇÃO
Akilagpa Sawyerr
163
Akilagpa Sawyerr
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O conhecimento como bem público na era da globalização
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Akilagpa Sawyerr
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O conhecimento como bem público na era da globalização
Globalização
Então o que é globalização? Como o “conhecimento”
concebido da maneira acima se encaixa nela? Uma vez que
costuma haver uma concordância em relação às diretrizes gerais
do fenômeno na crescente indústria de definições desse processo,
vou simplesmente resumir as principais questões, baseando-me
especialmente nos escritos de Manuel Castells (2001, p. 2-21),
para quem as características da “nova economia” são as seguintes:
i. a produtividade e a competitividade dependem da pro-
dução e da distribuição de conhecimento e informações
em toda a esfera da atividade produtiva;
ii. o processo é global no sentido de que, no seu núcleo, ele
tem a capacidade de trabalhar como uma unidade em
tempo real numa escala planetária;
iii. esta capacidade é tecnológica, organizacional e institu-
cional, sendo que a desregulamentação e a liberalização
desempenham um papel institucional fundamental.
Centrais para esse processo são os mercados financeiros
globais ampliados por uma combinação de desregulamentações
financeiras e comércio eletrônico. O resultado é um deslocamento
cada vez maior de commodities e matérias-primas como fontes de
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Akilagpa Sawyerr
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O conhecimento como bem público na era da globalização
169
Akilagpa Sawyerr
Bem público
No que diz respeito à expressão “bem público”, uma distinção
deve ser feita entre “o bem público” no sentido que se refere ao
bem-estar da sociedade como um todo e “um bem público” que,
como mostraremos, possui um sentido diferente, mais técnico.
Muitos de nós somos culpados por supor que esses sentidos podem
ser usados de maneira intercambiável, introduzindo, assim, uma
medida de confusão na nossa obra.
Os economistas classificam bens em públicos e privados
e também reconhecem bens de mérito1. Um bem privado tem
um dono(s) que pode(m) impedir que os outros desfrutem
dele. Tipicamente, pela sua natureza, quanto mais os outros
compartilharem de um bem privado, menos sobra para seu(s)
dono ou donos. Um bem público, por outro lado, é caracterizado
na linguagem da economia pelo consumo sem rivalidade e pela
ausência de exclusividade. O consumo sem rivalidade refere-se à
consideração que o custo marginal resultante de mais indivíduos
desfrutarem dos benefícios de um bem público seja igual a zero.
De maneira simples, o ato de desfrutar dos benefícios de um bem
público por uma pessoa não diminui seu desfrute por outros. O
exemplo que se costumar dar é de um teorema matemático. Meu
conhecimento e minha aplicação do Teorema de Pitágoras não
reduzem a eficácia do seu conhecimento e do seu uso por outrem.
Um bem público também é não excludente por natureza, ou
seja, ninguém pode ser excluído de desfrutá-lo. Assim, mesmo
os segredos comerciais guardados com mais ciúmes podem ser
170
O conhecimento como bem público na era da globalização
explorados por qualquer pessoa e por todo mundo, uma vez que o
segredo seja revelado.
Geralmente, concorda-se que o conhecimento atende aos
critérios tanto da classificação pública quanto da privada de bens
socioeconômicos. As implicações são significativas. Por causa da
sua ausência de exclusividade, há pouco incentivo para a produção
privada do conhecimento e, portanto, pouco incentivo para
inovação. Como a inovação se desenvolve a partir do conhecimento
preexistente, a menor desaceleração do conhecimento, por qualquer
razão, reduz o estoque que serve de base para uma inovação
adicional – o que leva, no longo prazo, a uma produção menor
tanto do conhecimento quanto dos seus derivados – bens, serviços,
práticas de gestão, etc. No caso do bens de mérito, geralmente
bens públicos que a sociedade considera essenciais para o bem-
-estar de todo cidadão, essa tendência à menor produção resulta
em necessidades sociais substanciais que não são correspondidas
por produção e provisão adequadas. Portanto, a intervenção social
precisa garantir produção e oferta adequadas desses bens de mérito.
As duas principais estratégias disponíveis para isto são:
1. produção e oferta, diretamente, pelo estado ou por
subsídio a investimento privado na produção ou oferta de
um bem público ou
2. provisão de outros incentivos para produção e oferta
privadas.
No caso do conhecimento, isso pode ser feito através da
produção do conhecimento patrocinada pelo estado, ou através da
criação e imposição de direitos de propriedade sobre a produção
intelectual – marcas registradas, direitos autorais, patentes, etc.
– que tornam esse conhecimento “excludente”. Em geral, o modo
preferido é o segundo, ou seja, a criação de incentivos para a
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Akilagpa Sawyerr
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O conhecimento como bem público na era da globalização
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Akilagpa Sawyerr
TRIPS
Uma breve visão geral do funcionamento do Acordo sobre
Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados
ao Comércio (TRIPS) esclarecerá muitos pontos resumidos
anteriormente, especialmente a política de criação e divulgação do
conhecimento, equilíbrio e tendenciosidade e o papel do estado.
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O conhecimento como bem público na era da globalização
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O conhecimento como bem público na era da globalização
2 N.E.: Veja o capítulo 8 de Ivan Addae-Mensah para uma elaboração de esforços inadequados para
minimizar os diversos obstáculos à proteção do conhecimento medicinal e de ervas da África, no que
diz respeito à biodiversidade tropical.
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O conhecimento como bem público na era da globalização
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O conhecimento como bem público na era da globalização
3 N.E.: Sobre a controvérsia quanto a relevância das estatísticas globais de AIDS e sobre a eficácia e a
segurança dos medicamentos vendidos como antídotos para uma ampla variedade de sintomas
associados à AIDS na África, veja o capítulo 36, escrito por A. Maniotis e C. L. Geshekter e o capítulo
37, escrito por E. Ely.
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Akilagpa Sawyerr
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O conhecimento como bem público na era da globalização
Conclusão
O valor de analisar o conhecimento, tanto no que diz
respeito à sua qualidade como um bem público quanto a partir
de uma perspectiva global, é que isto nos motiva a olhar para
desenvolvimentos globais a partir de um ângulo reveladoramente
penetrante. Questões como a política da produção do conheci-
mento e seu uso, o papel do estado e de outras estruturas públicas, a
participação de forças na defesa de interesses seccionais e o impacto
de regimes específicos de direitos de propriedade intelectual, são
vistos em conjunto sob esse escrutínio. Essa junção da ideia de
conhecimento como um bem público e as forças da globalização
concentra a atenção nas obrigações da comunidade internacional,
atuando de forma sistemática, para identificar estruturas de
183
Akilagpa Sawyerr
***
4 N.E.: Esta questão também é abordada por Samir Amin no capítulo 20.
184
O conhecimento como bem público na era da globalização
185
CAPÍTULO 5
RUMO A UMA CRÍTICA AFRICANA DA ETNOGRAFIA
AFRICANA: A UTILIDADE DO INÚTIL1
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2 Apesar de argumentos convencionais ao contrário, como George M. Foster (1969, p. 66) nos lembra,
“os antropólogos assumem que precisam falar e entender o idioma dos povos que estudam para que
os resultados das suas pesquisas atendam aos rigorosos cânones de excelência do trabalho de campo
contemporâneo”.
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5 Veja também Rohner (1975) e Rohner et al. (1973) para uma aplicação recente da técnica de controle
de qualidade de dados a um estudo intercultural dos efeitos de aceitação e rejeição dos pais.
6 O assunto da amostragem por probabilidade na etnografia é espinhoso e merece um tratamento
detalhado à parte. Pode ser suficiente observar aqui que uma das fraquezas mais graves da etnografia
da África, especialmente da antropologia colonial (e outras “sociedades antropológicas” também),
tem sido a dependência do etnógrafo da amostragem oportunista, ou seja, de poucos informantes
ou informantes que eram eventuais, até mesmo informais e às vezes “treinados”, com base nos
quais derivavam-se generalizações amplas, ainda que altamente imaginativas, sobre a sociedade e a
cultura como um todo. Afinal de contas, a antropologia precisa ser holística. Os Nuer, por exemplo,
totalizavam, de acordo com Evans-Pritchard, cerca de 200 mil indivíduos na época do estudo. Evan-
Pritchard nos conta que ele nunca conseguiu treinar informantes capazes de ditar textos, dar uma
descrição detalhada e fazer comentários. Portanto, as informações eram coletadas em pedaços, com
cada Nuer que encontrava sendo utilizado como uma fonte de conhecimento. Não nos diz quantos
dos cerca de 200.000 Nuer ele conheceu. Godfrey e Monica Wilson, segundo esta última em sua obra
Good Company, coletaram dados sobre os Nyakusa, da África Central, que somavam cerca de 234 mil
indivíduos, a partir de apenas quatro informantes principais. Os Tallensi de Fortes somavam cerca de
35 mil, de acordo com o Censo da Costa do Ouro de 1931. Os dados sobre os Tallensi derivam de dois
informantes principais e talvez “de vários outros, demais para serem mencionados” que “foram nossos
amigos leais e ajudantes zelosos” (1945, p. xii). Alguns antropólogos trabalhando na África, como
Günter Waper (1949) que estudou os Abaluhyia de Nyanza do Norte, no Quênia, na década de 1930,
nem consideraram necessário discutir seus métodos de pesquisa. Apenas precisamos enfatizar aqui
que não podem derivar, sem uma distorção grave da realidade, teorias macrossociológicas válidas ou
200
Rumo a uma crítica africana da etnografia africana: a utilidade do inútil
generalizações transculturais a partir das nossas técnicas microssociológicas cruas (veja Naroll, 1970a,
1970b; Rohner, 1975; Chilungu, 1976).
7 Em estudo recente, Rohner (1975, p. 252-253) proporciona medida razoável, talvez generosa, da
proficiência do etnógrafo nos idiomas dos povos que estuda. Três categorias ou classificações são
propostas: (1) pouco ou nenhum conhecimento do idioma nativo, (2) algum conhecimento e
entendimento do idioma nativo e (3) fluência no idioma nativo. Um etnógrafo pode ser considerado
fluente no idioma apenas quando ele declara isso explicitamente. Pode-se pensar que o etnógrafo
tenha algum conhecimento e entendimento do idioma quando ele diz que é o caso ou quando ele
conseguir acompanhar pelo menos a essência de conversas mais informais sem conseguir falar o
idioma bem o suficiente para conversar nele, exceto frases de etiqueta. Diz-se que o etnógrafo tem
pouco ou nenhum conhecimento do idioma quando ele afirma que este é o caso, fala apenas inglês
(ou qualquer que seja seu próprio idioma nativo) enquanto faz trabalho de campo, ou depende
quase exclusivamente de intérpretes.
Quatorze sociedades da África subsaariana são representadas na amostra do estudo de Rohner.
É significativo observar que dos dez etnógrafos cujo conhecimento do idioma é classificado,
apenas um, Ashton (Sotho), tinha fluência no idioma. Herkovits (Fon) tinha pouco ou nenhum
conhecimento do idioma, assim como Evans-Pritchard (Nuer) ou LeVine (Gusii). Fallers (Soga) foi
classificado como tendo algum entendimento do idioma e Fortes (Tallensi) recebeu nota zero.
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O que mais incomoda em tudo isto é que Wilks defende a aplicação de “conceitos desenvolvidos em
contextos diferentes, tanto em termos geográficos quanto temporais” ao insistir que “apenas assim
o passado dos Asante pode ser visto dentro das perspectivas mais amplas do esforço humano e
seu lugar dentro da história comparativa pode acabar sendo assegurado” (1975, p. xiv). Portanto, no
interesse de comparação intercultural, estudiosos ocidentais adotam prontamente uma abordagem
em relação a sociedades e culturas africanas que inevitavelmente produz generalizações interculturais
apressadas e superficiais. Este tipo de imperialismo cognitivo e linguístico é, de fato muito, comum
em estudos “científicos” ocidentais de povos não ocidentais.
9 Veja o Apêndice II deste capítulo.
205
Maxwell K. Owusu
antropólogo errar seus fatos, desde que ele argumente suas teorias
de maneira lógica (1954, p. vii).
O segundo estágio no processo pelo qual as realidades culturais
Africanas costumam ser transformadas de maneira errônea através
do erro de tradução pelos etnógrafos está associado com a demanda
urgente por “teorias” para auxiliarem o etnógrafo a organizar seus
dados de campo e a apresentar as conclusões derivadas dos dados.
Como Fortes (1945, p. vii) afirma, no que diz respeito aos seus
dados africanos:
Não se trata simplesmente de uma questão de
registrar suas [do etnógrafo] observações. Escrever
uma monografia antropológica é em si um instru-
mento de pesquisa no arsenal do antropólogo. Isto
envolve separar a realidade caleidoscópica vívida da
ação, do pensamento e da emoção humanas que vive
nos cadernos e na memória do antropólogo, criando,
a partir das peças, uma representação coerente de
uma sociedade, em termos dos princípios gerais
de organização e motivação que a regulam. Trata-se
de uma tarefa que não pode ser feita sem a ajuda da
teoria.
Infelizmente, após uma análise mais atenta, costuma-se
descobrir que a “teoria” ou as “teorias” são visões ocidentais da
sociedade e da cultura bem-estabelecidas, razoavelmente ortodoxas,
suas origens e desenvolvimento, baseadas no pensamento e na
experiência filosóficos acadêmicos e populares europeus, que depois
são aplicados à humanidade como um todo. A força da ciência e
da tecnologia ocidentais e a capacidade relacionada do Ocidente
de estabelecer e manter sua dominação política e econômica e sua
liderança intelectual especificamente do mundo não ocidental
transformou com sucesso teorias eurocêntricas dominantes de
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Rumo a uma crítica africana da etnografia africana: a utilidade do inútil
207
Maxwell K. Owusu
seja assim” (1971, p. 36, ênfase nossa). Gellner localiza a fonte desta parcialidade peculiar do etnógrafo
tanto no funcionalismo extremo quanto nos problemas de tradução – o esforço por encontrar
equivalentes em inglês ou outros idiomas europeus para afirmações ou conceitos nativos entendidos
de maneira errônea pelo antropólogo que não possui fluência no idioma nativo, mas tornar uma
“condição da boa tradução o fato de ela transmitir a coerência que se supõe existir” que pode ser
encontrada nas ideias de povos não ocidentais (1971, p. 26). Meu ponto aqui não é argumentar se
o pensamento não ocidental é pré-lógico, lógico, ou pós-lógico, uma questão que, por si própria,
já é um reflexo de preconceitos filosóficos ocidentais, mas sim enfatizar as distorções na etnografia
causadas pela falta de conhecimento do idioma.
11 Nós, nativos, que vimos, até mesmo como estudantes de graduação em universidades britânicas,
as limitações perigosas da pesquisa tribal voltada para a tradição na África, suas pressuposições
epistemológicas distorcidas, suas teorias estéreis e presunçosas e que depois, como antropólogos,
tentamos superar ao nos aventurarmos no contexto mais amplo, historicamente mais relevante, do
colonialismo e da economia política de desenvolvimento na África, somos rotulados, na melhor das
hipóteses, como sociólogos e cientistas políticos, ramos da ciência social não tão desconcertados
por questões reais. Na pior das hipóteses, somos polemistas, propagandistas, qualquer coisa exceto
antropólogos e estudiosos. Veja Robertson (1975) para uma avaliação franca de um aspecto deste
problema.
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12 Veja também, por exemplo, o artigo de análise crítica de Terray (1975) sobre Technology Tradition and
the State in Africa, de Jack Goody.
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14 Veja também os alertas de Owusu (1975) e Vansina (1974) contra o “feedback informal”.
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Evans-Pritchard e os Nuer
Observações e advertências autocríticas semelhantes, que
muitas vezes os outros não levam em consideração, são encontradas
nos comentários introdutórios do clássico de Evans-Pritchard,
The Nuer (1940). Não podemos nos dar ao luxo de desprezarmos
os alertas dos autores. Pois, conforme o próprio Evans-Pritchard
confirma e qualquer pessoa que tenha lido sua obra com cuidado
sabe disso, seu relato do desenvolvimento político da Ordem
Islâmica dos Sanusiya entre as tribos beduínas de Cirenaica é
definitivamente muito superior à sua discussão das instituições
políticas e sociais dos Nuer. A existência de uma ampla literatura
em árabe sobre Cirenaica, a residência no Egito por três anos,
viagens em outras terras árabes, algum conhecimento da história e
da cultura árabes, experiência de beduíno, e, o mais crucial de tudo,
a proficiência no árabe falado, claramente são em grande parte
responsáveis pela qualidade substantiva e analítica relativamente
elevada do livro (1949), moldado numa forma genuinamente
17 Este é o povo que os administradores coloniais britânicos descreveram como “raças marciais” e que,
desde 1900, foram alguns dos obedientes trabalhadores forçados e dos soldados coloniais do império,
tanto na Primeira quanto na Segunda Guerras Mundiais.
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21 N.E.: A relevância de idiomas nativos vs. estrangeiros de transmissão e de estudo é o foco do capítulo
84, escrito por Akosua Anyidoho e do capítulo 85, escrito por Ngũgĩ wa Thiong’o e de maneira menos
explícita dos outros capítulos que fazem parte da seção 9.
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Apêndice I
Um revisor anônimo deste trabalho observou que, uma vez
que, como argumentei, a antropologia é uma ciência ocidental,
“não é provável que o controle de um idioma nativo, não importa
o quanto ele seja bom, produza uma intuição nativa”. Isto pode
ser verdade, mas certamente o conhecimento do idioma serve
ou deve servir como um controle útil, realmente inestimável,
tanto de informantes quanto de intérpretes e ajudar a melhorar a
qualidade geral ou confiabilidade da coleta de dados etnográficos e
sua descrição. Devo enfatizar de maneira muito intensa que meu
ponto básico de discórdia no que diz respeito ao controle e ao uso
de idiomas nativos na pesquisa etnográfica não é, conforme sugeriu
outro revisor anônimo, uma polêmica sobre a abordagem “Deixe-
nos estudar a nós mesmos”. Nem estou argumentando em favor de
uma posição relativista extrema que afirme que, como os povos de
diferentes culturas costumam ter formas radicalmente diferentes
de pensar e de olhar a vida, as filosofias de vida, que são expressas
23 N.E.: O capítulo 50, de Chinua Achebe, analisa as imagens e as suposições racistas fornecidas através
das artes de mídia contemporâneas (cinema, televisão, transmissões via satélite).
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Rumo a uma crítica africana da etnografia africana: a utilidade do inútil
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Maxwell K. Owusu
Apêndice II
Trechos de uma conversa na hora do almoço sobre antropologia
estrutural (entre Sir Evelyn Blood, um poeta inglês, o Professor
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Rumo a uma crítica africana da etnografia africana: a utilidade do inútil
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CAPÍTULO 6
PODER DE SILENCIAMENTO: MAPEANDO O TERRENO
SOCIAL NA ÁFRICA DO SUL PÓS-APARTHEID1
Kate Crehan
1 Versão revisada e resumida de Social Science As Imperialism: The Theory of Political Development.
Ibadan University Press (1979), p. 124-186.
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Poder de silenciamento: mapeando o terreno social na África do Sul pós-apartheid
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Poder de silenciamento: mapeando o terreno social na África do Sul pós-apartheid
O espaço da ONG
Durante as décadas de 1980 e 1990, a ONG passou a ser um
ator cada vez mais importante na arena do “desenvolvimento”. De
acordo com Ian Gary:
No mundo todo, mais de US$7 bilhões são canalizados
através de ONGs, o que equivale a 16% de fluxos de
auxílio bilaterais, sendo que a maioria dos órgãos
oficiais de auxílio dá pelo menos 10% da sua verba de
auxílio para ONGs [...] Durante a década de 1980, o
financiamento de ONGs cresceu cinco vezes mais do
que a taxa de assistência ao desenvolvimento oficial
como um todo (1996, p. 149).
Mas o que exatamente são as ONGs? “ONG” é claramente
uma categoria muito heterogênea que já recebeu várias definições
diferentes, que variam desde a definição sucinta de David Korten
“qualquer organização que for, ao mesmo tempo, não governamental
e não tiver fins lucrativos costuma ser considerada uma ONG”
(1990, p. 95) até a “definição minimalista” mais expansiva de Eve
Sandberg, com a qual ela diz que “muitos observadores podem
concordar”:
de que as ONGs são organizações jurídicas, sem
fins lucrativos que incluem um caráter voluntário,
baseado na comunidade e que realizam atividades
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Poder de silenciamento: mapeando o terreno social na África do Sul pós-apartheid
A comunidade virtuosa
Para descrever e entender as realidades sociais nas quais
intervêm, as ONGs, assim como todas as outras pessoas, só podem
usar nomes e conceitos do seu tempo e do seu local históricos.
Antigamente, por exemplo, o prisma através do qual era mais
comum os africanos serem vistos por estados coloniais e por
diversos tipos de “especialistas” era o da tribo6. Este termo tendia a
ser visto pelas autoridades coloniais e pelos antropólogos que não
o utilizavam como nada além do nome de um fato simples, mas na
verdade o termo definia sociedades coloniais de maneiras muitos
específicas como, por exemplo, quando tensões entre mineradores
negros e seus empregadores eram definidas como problemas de
“destribalização” em vez de, digamos, lutas entre capital e mão
de obra. Hoje em dia, o termo comunidade parece tão generalizado
como era tribo, antigamente. Assim como tribo no período colonial,
comunidade é um termo cujo significado é, supostamente, tão
evidente em si mesmo que não precisa de uma definição explícita.
Exatamente por sua natureza presumida, de senso comum, vale a
pena trazer à tona alguns dos pressupostos ocultos que ele carrega
consigo.
O trecho a seguir, de um documento de 1989 do Banco Mundial,
condensa boa parte das características culturais contemporâneas
do mundo do desenvolvimento internacional:
5 Veja também Alan Fowler (1991), Ray Bush e Morris Szeftel (1996) e Sheelagh Stewart (1997).
6 Kate Crehan (1997b) explora como a categoria “tribo” foi utilizada na Zâmbia colonial.
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Poder de silenciamento: mapeando o terreno social na África do Sul pós-apartheid
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7 A história do termo “de cor” na África do Sul é fascinante. Sob o apartheid, “de cor”, que definia
uma posição distinta na hierarquia racial entre negro e branco, era uma categoria oficial que
sofria uma grande resistência de adversários do regime e eles nunca a utilizavam sem o prefixo
obrigatório “chamado” ou aspas. Steve Biko e o Movimento de Consciência Negra na década de 1970
popularizaram o uso de negro como um termo inclusivo, que explicitamente apagou a distinção
entre negro e de cor, para todos que eram contra o apartheid. Neste capítulo em geral, negro deve ser
entendido como incluindo todos aqueles que o regime do apartheid classificava como não brancos.
De maneira interessante, na África do Sul pós-apartheid a categoria “de cor” surgiu novamente como
uma identidade política autoproclamada.
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9 A legislação pós-apartheid que governa as transferências de terras para lidar com injustiças históricas
se baseia muito no princípio de corrigir os erros feitos a comunidades removidas à força das suas
terras ou então que sofram discriminação injusta e a entidade básica que pode ganhar correção é
uma “comunidade” específica.
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10 De acordo com o Mail and Guardian, da África do Sul, de 16 a 22 de outubro de 1998, das 26.000
reivindicações recebidas pela Comissão de Reivindicações de Terra, apenas nove efetivamente tinham
sido resolvidas.
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Poder de silenciamento: mapeando o terreno social na África do Sul pós-apartheid
tendem a não receber este papel, mas até mesmo entre os homens
pode haver grandes diferenças em termos de poder e status. Parece
seguro supor que aqueles que recebem a função de articular as
necessidades e as aspirações de uma comunidade não são os
menos poderosos. Na África do Sul e em boa parte do restante
da África, costuma-se supor que os porta-vozes adequados para
qualquer “comunidade” sejam homens mais velhos que estejam
bem-estabelecidos localmente e é a forma pela qual eles veem seus
interesses que tende a ser destacada, com as mulheres e os homens
mais jovens frequentemente sendo deixados fora, no frio11.
Até mesmo onde existe um esforço legítimo para se identificar
as necessidades das mulheres, nem sempre é fácil de estabelecer
quais são elas, conforme outra pessoa enfatizou ao falar sobre sua
experiência de tentar descobrir o que as mulheres querem:
Agora eu acredito que estas coisas precisem de
muita desagregação. É claro que, em muitos lugares,
trata-se de um lugar para morar [...] E aí as coisas, as
coisas seguintes [são] uma creche, uma clínica [...] e
aí existem diversas coisas. Eles são serviços sociais
de certa forma, que são especialmente relevantes
para mulheres. Agora [...] eu comecei a pensar
que [...] essas coisas – para que se trabalhasse com
mulheres em torno dessas coisas – precisam de
tanta desagregação, porque essa [uma creche] foi
uma das coisas identificadas nesta comunidade.
Aliás, havia cerca de cinco pessoas que cuidavam
das crianças. Agora, será que elas estavam dizendo
que isso não é bom o suficiente, que elas querem
um prédio? Será que elas estavam dizendo que elas
querem ter a liberdade de saírem para trabalharem?
11 Veja Cheryl Walker (1994) para uma discussão da marginalização de mulheres na área rural da África
do Sul.
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Conclusões
Espero que os diversos exemplos das lutas dos trabalhadores
de campo das ONGs com o conceito de comunidade tenham
mostrado algo sobre como um termo hegemônico como comunidade,
apesar de não determinar como realidades sociais específicas são
mapeadas e entendidas, efetivamente exerce uma forte influência
de modelagem sobre como essas realidades aparecem para aqueles
cujo negócio é intervir nelas. Parece difícil banir completamente
a aura rósea que se agarra de maneira tão persistente à noção de
comunidade, apesar de que, conforme eu argumentei, comunidade
como um nome nada, sobre os relacionamentos que existem
dentro de um lugar específico. Também não nos esclarece, na
verdade, tende a desviar nossa atenção, sobre as maneiras com que
os habitantes de um lugar específico estão vinculados a realidades
políticas e econômicas mais amplas. Para entendermos lugares reais,
em momentos reais na história, assim como os relacionamentos
dentro deles, é necessário desenvolver investigação empírica.
Esta, no entanto, deve ser – e isto nos traz de volta a Gramsci e à
forma pela qual o conhecimento é produzido – informada tanto
pelo conhecimento teórico produzido por intelectuais quanto
pela experiência prática daquelas pessoas que tentem utilizar o
conhecimento produzido por intelectuais.
Um mapeamento empírico de realidades sociais que combine
teoria e experiência prática é especialmente necessário na África
do Sul pós-apartheid, em primeiro lugar, por causa da forma em
que os antigos contornos de diferenciação social baseados na raça
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Poder de silenciamento: mapeando o terreno social na África do Sul pós-apartheid
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CAPÍTULO 7
PRINCÍPIOS DO PENSAMENTO SOCIAL AFRICANO:
REMODELANDO O ÂMBITO DA SOCIOLOGIA DO
CONHECIMENTO1
Max Assimeng
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Max Assimeng
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Princípios do pensamento social africano: remodelando o âmbito da sociologia do conhecimento
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Max Assimeng
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Princípios do pensamento social africano: remodelando o âmbito da sociologia do conhecimento
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Max Assimeng
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Princípios do pensamento social africano: remodelando o âmbito da sociologia do conhecimento
Os Dois Lados
4 Dois livros muito úteis que ilustram a história do pensamento social europeu moderno como mito
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Max Assimeng
são Leaders, Dreamers and Rebels (1935) de Rene Fulop-Miller e Prophets of Paris (1962), de Frank E.
Manuel.
5 J. Bronowski e Bruce Mazlish (1960).
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Princípios do pensamento social africano: remodelando o âmbito da sociologia do conhecimento
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Max Assimeng
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Princípios do pensamento social africano: remodelando o âmbito da sociologia do conhecimento
humanas e que se tornou objeto de análise crítica. Em outras palavras, fora a questão da separação
entre os setores religioso e laico de instituições, quando as instituições também se tornaram
suficientemente diferenciadas para uma área passar a ser chamada de social em oposição a não
social? Se a resposta à pergunta for sim, então pode compensar observar a história do surgimento
dessa entidade que acabou sendo chamada de sociedade.
9 Paul Starr (1974).
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Max Assimeng
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Princípios do pensamento social africano: remodelando o âmbito da sociologia do conhecimento
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Max Assimeng
11 J. M. Schofeeleers (1974).
12 Para uma discussão sobre o papel sutil de provérbios como uma crítica social dos homens com
autoridade, entre os Akan de Gana, veja M. J. Herskovits (1934); Charles Van Dyck (1962).
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Princípios do pensamento social africano: remodelando o âmbito da sociologia do conhecimento
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Max Assimeng
292
Princípios do pensamento social africano: remodelando o âmbito da sociologia do conhecimento
293
Max Assimeng
16 A.533. Memorando sobre Mwana Lesa e o Watch Tower Movement, preparado por Philip E. Hall.
Uma cópia deste Memorando foi enviada para a Secretaria Colonial, no dia 16 de março de 1926.
17 Extratos dos Debates do Conselho Legislativo do Norte da Rodésia: 5 de março de 1926.
294
Princípios do pensamento social africano: remodelando o âmbito da sociologia do conhecimento
295
Max Assimeng
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Princípios do pensamento social africano: remodelando o âmbito da sociologia do conhecimento
297
Max Assimeng
21 Veja Rombaut Steenberghen (1959) e J.A. Van Wyck (1964); Bengt Sundkier (1961); D. B. Barrett
(1967); Marie-Louise Martin (1964); G. Oosterwal (1968).
22 Lawrence Krader (1956, p. 291).
298
Princípios do pensamento social africano: remodelando o âmbito da sociologia do conhecimento
23 Opoku Agyeman (1975); M.J.C. Echeruo (1974 e 1977); A. B. C. Ochalla-Ayayo (1976); E. Y. Twumasi
(1978).
24 Christopher Clapham (1970).
299
Max Assimeng
300
Princípios do pensamento social africano: remodelando o âmbito da sociologia do conhecimento
Ao Juiz,
Caro senhor,
Aqui não estamos bem, os países – estão tão mal hoje
em dia.
Por favor nos diga. Por acaso é legal darmos dinheiro
a qualquer chefe nativo? Que toda tribo dê dinheiro
para seu chefe? E é legal trabalharmos para eles
sem eles satisfazerem nossa necessidade (carne ou
mantimentos?).
Agora seria melhor para nós pararmos de pagar
impostos para vocês do que dar dinheiro para cada
chefe de tribo.
Como podemos viver nesta grande indigência? Foi
você que disse para eles nos colocarem em mau estado
e dar a eles 10 xelins por semana? Ou, se um homem
se recusar, eles baterem nele com um chicote?
Em breve a guerra está próxima de estourar entre as
diferentes tribos. Você nos deixará viver desta forma
ruim? Por favor nos deixe saber bem sobre nossos
301
Max Assimeng
***
Mpika
Chefe Kopa
10 de maio de 1931
O Chefe Magistrado
a/c Escritório do Governo
Livingstone
Sul da Rodésia
Caro Senhor,
No que se refere a uma pesquisa no Tribunal, sobre o
magistrado do Mpika Boma.
É legal no Tribunal pagarmos tanto para o magistrado
quanto para o Comissário Nativo pelas nossas Casas?
30 ZA.1/5/1. Petição para o Magistrado Chefe, Livingstone, 10 de maio de 1931.
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Princípios do pensamento social africano: remodelando o âmbito da sociologia do conhecimento
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Max Assimeng
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Max Assimeng
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Princípios do pensamento social africano: remodelando o âmbito da sociologia do conhecimento
Escravidão
A escravidão tem tido uma atenção tão grande na historiografia
da África que pode parecer exagero mencioná-la aqui. Entretanto,
parece não ter sido suficientemente enfatizado, na busca por
objetos de teorização social africana, que o fenômeno da escravidão
assombrou e continuará a assombrar a consciência do povo africano
por muito tempo. Deve-se assumir que a escravidão, em qualquer
escala comercial, só poderia ter ocorrido em comunidades africanas
com a colaboração ativa e a conivência de nativos senhores de
escravos. Será que esse paradoxo fez surgir a busca pela consciência
nos escritos e nas manifestações orais de alguns pensadores
africanos? Apenas um levantamento sério de ideias africanas
poderá revelar esse tipo de informação. Certamente, em termos
do impacto histórico de longo prazo, essa participação africana
no processo de escravidão foi muito importante nas hesitantes
noções de cobiça e inferioridade mental dos povos negros. Esse
comércio de cargas humanas, do qual os africanos participaram de
forma direta e ativa, culminou no transplante de culturas negras
para o Novo Mundo e na subsequente classificação de pessoas com
pele negra como inferiores.
53 Declarações e documentos de protestos exigem uma pesquisa considerável e, muitas vezes, podem
ser encontradas em arquivos, especialmente nos relatórios de investigadores policiais nativos. Um
objetivo principal do capítulo é voltar a atenção de estudantes da história social e intelectual na
África para a utilidade de arquivos.
309
Max Assimeng
Colonialismo
Aliado a esta experiência de escravidão está o colonialismo.
Sabe-se bem que o colonialismo, em toda parte e em qualquer
momento na história, foi um fenômeno exaustivo na experiência
humana. A essência da dominação colonial deriva do fato de que o
destino de um grupo de pessoas é determinado por outro grupo.
O poder colonial acaba por supor a honra de uma força superior,
privilegiada, e seu povo por se considerar maior, na escala da
evolução social e política. Os povos colonizados, então, passam a
ser classificados – de fato, os próprios povos supõem a correção
da sua classificação – como inferiores. Além disso, suas instituições
costumam ser condenadas, a não ser que exista uma tentativa
deliberada e sistemática para mantê-las, com frequência, por
razões românticas e estéticas.
Evangelização
As agências de conversão do islamismo e do cristianismo
também foram elementos significativos no contato com a África.
No entanto, elas diferiam quanto ao ponto em que denegriram
a identidade cultural e o modo de vida dos africanos. A própria
cultura social e política do Islã pareceu mais complacente ao
longo dos seus esforços de doutrinação da África nos séculos XIX
e XX. As demandas sobre os convertidos ao islamismo não foram
especialmente alienantes em termos de estrutura social e padrões
culturais. Não se pode dizer o mesmo da influência de missionários
cristãos que, a não ser em raras ocasiões, exibiram arrogância,
desprezo e paternalismo depreciativo em relação aos africanos que
se converteram. Um exemplo deste paternalismo ficou evidente na
suposição de que, em questões espirituais, os convertidos africanos
eram bebês. Também é verdade que não apenas os africanos
associavam missões cristãs com o processo colonial: em muitas
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Princípios do pensamento social africano: remodelando o âmbito da sociologia do conhecimento
Expropriação da terra
Protestos na África negra contra a expropriação da terra
ocorreram em graus diversos de intensidade, tanto nas áreas não
colonizadas da África Ocidental quanto nas áreas colonizadas das
Áfricas Central, Oriental e do Sul. Em Gana, por exemplo, o temor
de uma possível alienação de terra foi previsto na Lei de Terras da
Coroa, de 1896, que buscava colocar todas as terras desocupadas
sob custódia da Coroa da Inglaterra e culminou na formação da
Sociedade de Proteção dos Direitos dos Aborígines, em 1897.
O clima desfavorável da costa ocidental da África (incluindo
mosquitos que transmitiam malária) não conduziam a uma
colonização europeia maciça e duradoura55. Mas nas áreas da
África Oriental, do Sul e Central, diferentes problemas derivaram
principalmente da questão agrária. No Quênia, especialmente
entre as pessoas da tribo Kikuyu, a alienação sistemática da terra
obrigou os quenianos negros a se tornarem colonizadores no
seu próprio local de nascimento. A alienação da terra levou ao
surgimento de vários movimentos de protesto, tanto secretos
quanto abertos56. Os protestos encontraram expressão plena nas
revoltas Mau Mau de 1952 e 195357.
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58 Sobre a revolta Chilembwe de 1915, no Maláui, veja George Shepperson e T. Price (1958) Independent
African, Edimburgo: Edinburgh University Press; and R.I. Rotberg (1970) “Psychological Stress and the
Question of Identity: Chilembwe’s Revolt Reconsidered,” in R.I. Rotbeg & A.A. Mazrui (eds.) Protest
and Power in Black Africa NY: Oxford University Press, p. 337-375; e o nativo do Maláui, George
Mwase (1975) Strike a Blow and Die, Londres: Heinemann.
59 E. Pryce Jones (1914).
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Princípios do pensamento social africano: remodelando o âmbito da sociologia do conhecimento
Discriminação racial
A história real do conceito de raça e a história do seu uso em
relações sociais estiveram sujeitas a interpretações acadêmicas
diferentes60. Na África do Sul, Central e Oriental, a discriminação
racial, na medida em que aumentou, afetou o acesso a opor-
tunidades como a liderança da igreja, educação melhor (tanto
literária quanto tecnológica) e a aquisição de perspicácia comercial.
Além disso, o direito de operar lojas ou salões em determinadas
partes da comunidade foi reservado apenas para europeus (no Sul
da África), para asiáticos (na África Oriental e Central), ou para
libaneses e sírios (na África Ocidental). Em áreas da África onde a
discriminação racial proliferou, a educação superior desenvolveu
muito lentamente61.
Denegrição cultural
Os africanos também sofriam outro tipo de indignidade,
associada com a interdição de modos de vida apreciados pelos
africanos. Missionários intolerantes e colonialistas consideravam
vários estilos de vida tradicionais como pagãos, degradantes ou
ofensivos para seus padrões morais, inclusive a poligamia (casamento
de várias mulheres com apenas um homem), a percussão e a
dança tradicionais e a clitoridectomia (mutilação genital feminina),
amplamente praticados entre os Kikuyu do Quênia e outras tribos
da África Oriental. A caça às bruxas passou a ser considerada
como assassinato na jurisdição colonial. Os africanos também se
ressentiam das diversas proibições missionárias e administrativas
de consumir bebidas alcoólicas. Estas supressões e controles
sobre determinados estilos de vida tradicionais foram reduzidas à
indignidade de ser um escravo na sua própria comunidade de origem.
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63 R. Fulop-Miller (1935).
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64 W. E. B. DuBois (1965:1).
65 K. A. Busia (1942).
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Princípios do pensamento social africano: remodelando o âmbito da sociologia do conhecimento
73 Leo Spitzer (1972, p. 115) acreditou: “Talvez muita ênfase tenha sido dada ao estudo de
preocupações intelectuais dos grupos de elite intelectual educados no Ocidente. Ao depender
menos do material escrito e mais de fontes orais, uma série de estudos regionais deve ser feita de
ideias africanas de continuidade e mudança”. Um exemplo dessa ênfase mudada é encontrado na
análise de A. Akiwowo (1986).
74 Veja, por exemplo, Ethiopia Unbound (1911), de Casely-Hayford e sua defesa persistente contra noções
racistas da Grande Cadeia de Ser atual no século XIX, numa palestra em Londres feita em outubro de
1920, citada por M. J. Sampson (1949, p. 40). Outros intelectuais africanos ocidentais que se envolveram
neste diálogo incluíram J. Mensah Sarbah (1906); J. B. Danquah (1944); Kobina Sekyi (1916).
75 N.E.: Apenas um estudo abrangente assim do corpus de Kwame Nkrumah foi impedido de maneira
eficaz pelo confisco e pela destruição de muitos dos seus manuscritos pela Agência Central de
Inteligência dos Estados Unidos.
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Max Assimeng
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Princípios do pensamento social africano: remodelando o âmbito da sociologia do conhecimento
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CAPÍTULO 8
A PROTEÇÃO DA PROPRIEDADE INTELECTUAL E DA
BIODIVERSIDADE VEGETAL AFRICANA1
Ivan Addae-Mensah
1 Texto atualizado pelo autor a partir do original “Plant biodiversity, herbal medicine, intellectual
property rights and industrially developing countries” em H. Lauer (ed.) (2000) Ghana: Changing
Values / Changing Technologies, Washington DC: Conselho de Pesquisa em Valores e Filosofia, p. 145-
160. Disponível em: <http://www.crvp.org/book/Series02/II-5/contents.htm>. Reproduzido com o
gentil consentimento do editor.
2 R. M. Gadbow, T. J. e Richards (eds.) (1990).
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Ivan Addae-Mensah
Introdução
Cerca de 15 anos atrás, a Organização Mundial da Saúde
(OMS) lançou o programa “Saúde para Todos no Ano 2000”. Desde
o começo do programa, a OMS percebeu que qualquer programa
adotado em qualquer um dos países minimamente industrializados
não teria impacto algum, se não levasse em consideração o
desenvolvimento e a integração da medicina tradicional nos
programas de assistência primária à saúde destes países.
A OMS estimou de maneira conservadora que entre 60% e 90%
da população dos países não industrializados dependem de plantas
medicinais para atender às suas necessidades de assistência à saúde,
total ou parcialmente. Com a escassez de médicos e a pobreza de
hospitais e clínicas, a grande maioria destas populações precisa
contar com fontes além da medicina alopática para sua assistência
à saúde. Por exemplo, em Gana, existe um médico tradicional para
aproximadamente cada 400 pessoas, enquanto a proporção de
médicos alopatas para pacientes é de 1:12 mil4.
Diversos relatórios das Nações Unidas (UNCTAD e GATT)
indicaram que 33% de produtos medicinais nos países altamente
industrializados derivam diretamente de vegetais superiores; a
maioria destes é composta de plantas tropicais que crescem em
países equatoriais. Vegetais inferiores e micróbios produzem outros
27% dos medicamentos encontrados no mercado5. De fato, mais de
67% das espécies vegetais do mundo – sendo que pelo menos 35 mil
delas têm valor medicinal potencial – se originam de países não
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A proteção da propriedade intelectual e da biodiversidade vegetal africana
6 C. Quiambao (1992).
7 United Nations Environmental Program (UNEP) (1992).
8 I. Addae-Mensah (1995).
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A proteção da propriedade intelectual e da biodiversidade vegetal africana
Considerações socioeconômicas
O comércio mundial de plantas medicinais é responsável
por cerca de 30% do mercado de remédios total. Esta parcela
exclui plantas usadas como fontes de matéria-prima para os
óleos essenciais necessários à produção de cosméticos, aditivos
alimentares e outros fins não medicinais. A maioria destas
plantas medicinais vem de países menos industrializados que
as fornecem como matérias-primas baratas às corporações
farmacêuticas multinacionais nos países mais industrializados.
De 76 compostos obtidos a partir de vegetais superiores apre-
sentados em receitas americanas, apenas 7% são produzidos
comercialmente por síntese total9. Em 1976, as importações de
plantas medicinais no mundo todo estavam estimadas em US$
355 milhões. Isto aumentou para US$ 551 milhões em 1980 –
um aumento de mais de 60% em menos de quatro anos10. Mas
quando estas plantas medicinais são processadas para dosagem
adequada drogas seguras e eficazes, são vendidas para o público
a preços muito além da faixa acessível à maioria das pessoas
nos países relativamente pobres. Ainda assim, são os recursos
9 R. Farnsworth (1989).
10 P. P. Principe (1989).
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A proteção da propriedade intelectual e da biodiversidade vegetal africana
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17 IBGE (1985).
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21 Ibid.
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Ivan Addae-Mensah
A parceria Shaman:
A Shaman Pharmaceuticals anunciou sua intenção de reverter
uma porcentagem dos lucros de volta para todos os países e todas
as comunidades com os quais já trabalhou depois que cada e todo
produto for comercializado. A remuneração será afunilada através
da Healing Forest Conservancy, uma organização sem fins lucrativos
fundada pela Shaman para a conservação da biodiversidade e para
a proteção do conhecimento nativo.
A pesquisa da Shaman já deu origem a reivindicações de
patentes, com aceitação e reconhecimento plenos da contribuição
das comunidades das quais ela recebeu plantas medicinais. A empresa
desenvolveu contratos com algumas comunidades nativas na
América Latina, mas levará algum tempo antes que se possa dizer
se este arranjo beneficiou as comunidades envolvidas26.
Modelo de provisões para folclore da OMPI:
Em 1985, a Organização Mundial da Propriedade Intelectual
(OMPI) e a UNESCO publicaram o documento “Model Provisions
for National Laws on the Protection of Expressions of Folklore”.
O modelo tem três elementos singulares que buscam proteger
produtos e processos biológicos, inclusive preparações à base de
ervas. As cláusulas são as seguintes:
i. As comunidades, em vez dos indivíduos, podem ser
inovadores legalmente registrados e podem tanto agir em
nome de si mesmas quanto ser representadas pelo Estado;
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A proteção da propriedade intelectual e da biodiversidade vegetal africana
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Ivan Addae-Mensah
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CAPÍTULO 9
VÍRUS DA MENTE1
Derek Gjertsen
Introdução
O famoso filósofo inglês do século XX, Stuart Hampshire,
serviu na Inteligência durante a Segunda Guerra Mundial e uma
das suas obrigações foi interrogar Kaltengrunner, chefe da Gestapo
responsável pelas mortes de vários civis. Mais tarde, Hampshire
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Vírus da mente
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Derek Gjertsen
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Vírus da mente
Antiguidade e distância
Uma das ilusões mais estranhas não apenas dos tempos
modernos, mas predominante na maioria dos lugares e na maioria
das épocas é a convicção de que a Antiguidade possuía um depósito
de verdades muito maior do que qualquer coisa descoberta na
nossa própria época. E se por acaso nós efetivamente toparmos
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Derek Gjertsen
4 J.E. McGuire e P.M. Rattansi (1986). Veja também Derek Gjertsen (1986, p. 468-469).
5 Tales não deixou nenhum documento escrito apesar de provavelmente ter existido. No entanto,
os resultados atribuídos a Tales podem muito bem derivar da escola em vez do indivíduo. Vários
resultados atribuídos a Tales realmente derivam de uma época muito posterior. Ninguém, por
exemplo, poderia ter previsto um eclipse solar nesta época. Ainda assim, Heródoto afirmou que Tales
previu um eclipse desse tipo em 585 a.C.
6 Para Plínio, Plutarco, Lucrécio e Heródoto não existem datas de publicação. O mais próximo de
uma data de publicação é o editio princeps de relevância técnica especialmente para estudiosos da
antiguidade.
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Derek Gjertsen
Credulidade
Também existe uma disposição ampla para acreditar em
relatos pessoais de acontecimentos estranhos à primeira vista,
as reivindicações de sábios, gurus ou profetas com estilo próprio,
mensagens obscuras em textos antigos ou qualquer reportagem
de jornal velho sem conteúdo. Em várias ocasiões ouvimos a
pergunta, “Mas por que ele mentiria?” quando alguém alega que foi
raptado por alienígenas, levado para Alpha Centauri (a estrela mais
próxima do nosso Sol) e que teve os segredos do universo revelados
para ele. Aliás, até mesmo quando as pessoas confessam que estão
mentindo, permanece uma tendência dos outros descontarem a
farsa. Quando algum entortador de colheres ou leitor da mente é
11 Anthony Grafton (1992, p. 1-2).
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Derek Gjertsen
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Derek Gjertsen
Erro
Todos nós devemos ser mais conscientes da prevalência do
erro. As pessoas cometem erros frequente e repetidamente. Elas
podem até cometer o mesmo erro várias vezes, quase sempre com
pouco efeito prejudicial. A falsa crença quase universal de que uma
aranha é um inseto não prejudica ninguém. Uma olhada informal
em jornais sobre um assunto que se conhece muitas vezes pode
chocar quando vemos o quanto as reportagens podem conter erros.
Se relatos do nosso próprio país podem ser tão errados, será que
não seríamos prudentes em desconfiar de histórias sobre domínios
distantes e menos acessíveis?
Onde foram feitos estudos eles revelam uma taxa de erro
considerável de pelo menos 20% pela população em geral. Assim, o
jornal britânico The Independent (21 de outubro de 1990) observou que
um estudo do Serviço Nacional de Auditoria do Departamento de
Serviços Sociais do Reino Unido revelou que uma em cada cinco
reivindicações tinham sido calculadas de maneira errônea. Ou em
um hospital britânico em Grantham, 602 erros foram encontrados
em 4.500 testes laboratoriais (The Independent, 15 de julho de 1995).
E este foi um trabalho feito pela equipe de funcionários bem treinados e
supervisionados com cuidado. Em julgamentos de tribunal, pode-se
mostrar que testemunhos sob juramento de testemunhas oculares
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Vírus da mente
Verificação
A noção crucial de análise crítica é a da avaliação. Não
acreditamos em tudo que nos dizem ou em tudo que lemos, nem
descartamos todos os relatórios como sendo falsos. Então como
operamos dentro dos limites da credulidade total e do ceticismo
irrestrito? Na verdade, como julgamos que ideias, teorias, hipóteses
ou qualquer coisa do tipo, sejam saudáveis, prováveis, plausíveis,
verdadeiras, bem-estabelecidas, absurdas, falsas ou implausíveis?
Supostamente, nós aceitamos as proposições que são bem
sustentadas, que já foram confirmadas ou verificadas e rejeitamos
aquelas que não tiverem evidências para sustentá-las ou que
tenham sido refutadas por uma evidência contrária. Mas como
estabelecemos quais proposições foram sustentadas e quais foram
refutadas?
As fraquezas de verificação lógica básicas são bem conhecidas e
serão mencionadas apenas brevemente aqui. Em primeiro lugar, há
o problema indutivo de que, apesar de todos os cisnes examinados
serem brancos, é simplesmente falso que todos os cisnes sejam
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Precisão e novidade
Será que existem tipos de verificação especialmente confi-
áveis? É comum reconhecer dois tipos distintos de situações em
que se acha a verificação positiva especialmente convincente.
A primeira situação está relacionada com a precisão. Muitos
videntes rotineiramente preveem o assassinato de um chefe de
estado ou um grande desastre marítimo, aéreo ou ferroviário.
Inevitavelmente ao longo de um ano alguns destes videntes
terão sorte. Afirmações deste tipo são invariavelmente palpites
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Derek Gjertsen
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Vírus da mente
Conclusão
A conclusão a que se pode chegar a partir disto não é que nós
nunca possamos verificar, confirmar nem refutar hipótese alguma.
Ao contrário, é que esses procedimentos nem sempre podem ser
perseguidos de maneira mecânica. Tentar avaliar a relação entre
uma hipótese e uma prova é mais como tentar entender um
romance sério do que como realizar um exercício de lógica.
Será que as partes do romance se encaixam? Será que a
narrativa é coerente ou será que coincidências tolas e irritantes
são adicionadas para manter a dinâmica do enredo? Será que as
personagens trabalham dentro do enredo? Elas são interessantes?
A linguagem convence? Será que qualquer coisa nova e interessante
está sendo dita no romance? Assim, tanto para romances quanto
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Derek Gjertsen
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SEÇÃO II
EXPLICANDO AÇÕES E CRENÇAS
CAPÍTULO 10
ENTENDENDO A VIOLÊNCIA POLÍTICA NA ÁFRICA
PÓS-COLONIAL1
Mahmood Mamdani
1 Reproduzido do capítulo 33 de Toyin Falola (ed.), Ghana in Africa and the World: Essays in Honour of
Adu Boahen (2003), Nova Jersey: Africa World Press, p. 689-711, com a permissão generosa do autor
e da editora.
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15 Para um relato jornalístico do espectro do genocídio na imaginação da África do Sul branca, leia Rian
Malan (2000).
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24 Para um relato jornalístico recombinado que critica fortemente o voyeurismo jornalístico mas dá
uma explicação conspiratória (instrumentalista) descarada, veja Bill Berkeley (2001).
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não é a mesma que entre biologia e cultura, com a raça sendo uma
identidade biológica falsa e o grupo étnico sendo uma identidade
cultural verdadeira e criada historicamente. Em vez disso, tanto
raça quanto grupo étnico precisam ser compreendidos como
sendo a politização de identidades tiradas de outros domínios; a
raça sendo uma identidade política daquelas construídas como
não nativos (colonizadores) e grupo étnico sendo uma identidade
daquelas construídas como indígenas (nativas). O desafio político
verdadeiro da África é reformar e, portanto, transcender a forma
do estado que continuou a reproduzir raça e grupo étnico como
sendo identidades políticas, juntamente com um discurso sobre
nativismo e tradição “genuína”.
O poder colonial não apenas moldou a interferência das
camadas populares. Ele também foi marcado na interferência do
intelectual. O poder colonial foi traçado não apenas de acordo com
os limites da esfera pública, mas também foi impresso no sumário
de obras acadêmicas. Assim como, num primeiro momento, o
poder colonial movimentou primeiro o colonizador e depois o
nativo, na esfera pública, ele também foi impresso no sumário
de obras acadêmicas. Assim como o poder colonial movimentou
primeiro o colonizador e depois o nativo, na esfera pública, ele
também preocupou a imaginação intelectual com a questão de
origens. A maneira pela qual a origem era compreendida dependia
do idioma de poder, especificamente, sobre como o poder moldava
a interferência através do direito consuetudinário.
No contexto africano, a lei consuetudinária considerava a
interferência – e o “costume” – como sendo étnico. Em outro
contexto, como a Índia, essa interferência era considerada religiosa.
Será que então é mera coincidência que, se a preocupação africana
pós-colonial for com quem é nativo e quem não é, a preocupação
do indiano pós-colonial tem sido com quem é convertido é quem
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Entendendo a violência política na África pós-colonial
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Mahmood Mamdani
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CAPÍTULO 11
O COLONIALISMO E OS DOIS PÚBLICOS NA ÁFRICA:
UMA DECLARAÇÃO TEÓRICA1 COM UM EPÍLOGO2
Peter P. Ekeh
1 Esta é uma reprodução editada do artigo original em Comparative Studies in Society and History 17
(1975, p. 91-112) que aparece aqui com a generosa permissão da editora, Cambridge University Press.
2 Os editores reconhecem com gratidão esta adição originalmente contribuída pelo autor para esta
antologia.
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Peter P. Ekeh
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O colonialismo e os dois públicos na África: uma declaração teórica com um epílogo
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Peter P. Ekeh
é que ele não tem nenhum vínculo moral com o domínio privado.
Eu chamarei este de público cívico. O público cívico na África é
amoral e lhe falta o imperativo moral generalizado que funciona no
domínio privado e no público primordial3. A característica da política
africana que mais se destaca é que os mesmos atores políticos
operam ao mesmo tempo no público primordial e no público cívico.
O relacionamento dialético entre os dois públicos fomenta as
questões políticas singulares que passaram a caracterizar a política
africana. Os dois públicos são receptivos a serem observados. Mas
eles ganharão seu significado pleno no contexto de uma teoria de
política africana. Depois de identificar os dois públicos, existem
duas linhas de abordagem teórica que se pode tentar. A primeira
delas é político-histórica: como esta configuração política singular
surgiu na África? A segunda é sociológica: como o funcionamento
do público afeta a política africana? Discutirei as duas teorias neste
artigo.
3 Esta distinção toma emprestado de uma distinção relacionada entre domínios “civil” e “primordial”
no comportamento individual, apresentado à análise sociológica por Shils (1957) e fortalecido por
Geertz (1963). É claro que no final das contas isso remonta à distinção clássica de Tönnies entre a
Gesellschaft de associação e a Gemeinschaft da comunidade.
4 Cf. Ekeh (1972, p. 93): “O colonialismo é para a África o que feudalismo é para a Europa. Eles formam
o pano de fundo histórico a partir do qual a África e a Europa avançaram para a modernidade. Assim,
eles determinaram as características peculiares da modernidade em cada uma destas áreas”.
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O colonialismo e os dois públicos na África: uma declaração teórica com um epílogo
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8 Não se trata de uma questão insignificante que africanos colonizados pelos franceses não soubessem
nada sobre estes exploradores britânicos e que os africanos colonizados pelos britânicos não
soubessem dos exploradores franceses.
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O colonialismo e os dois públicos na África: uma declaração teórica com um epílogo
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O colonialismo e os dois públicos na África: uma declaração teórica com um epílogo
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O colonialismo e os dois públicos na África: uma declaração teórica com um epílogo
1. Ideologias anticoloniais
O que chamo aqui de ideologias anticoloniais refere-se às
razões e estratégias movidas pelo interesse da burguesia africana
ocidentalizada que buscava substituir os governantes coloniais.
O anti-colonialismo não significou de fato oposição aos ideais
e aos princípios percebidos de instituições ocidentais. Ao contrá-
rio, boa parte do anticolonialismo estava baseada na aceitação
expressa destes ideais e princípios, acompanhada pela insistência
de que a conformação a eles indicava um nível de realização
que deveria dar aos africanos recém-ocidentalizados o direito à
liderança. O anticolonialismo era contra os funcionários coloniais
estrangeiros, mas era evidentemente a favor de ideais e princípios
estrangeiros. Agora eu discutirei algumas das ideologias usadas
para justificar esta forma de anticolonialismo:
Padrões elevados africanos. Em toda nação pós-colonial
africana, os africanos ocidentalizados, ou seja, a burguesia
africana, se viraram para mostrarem que seus padrões de
educação e administração são tão bons quanto os dos seus antigos
colonizadores. O ponto de referência nessas demonstrações
é provar que eles são “iguais”, mas nunca melhores do que seus
antigos governantes. Pelo menos se eles julgarem que seus padrões
de educação e administração não são tão altos quanto os que
prevalecem nas capitais das antigas nações colonizadoras, eles
lamentam o fato dos seus padrões “baixos” e tentam aumentá-los.
Em nenhum lugar se depara com a afirmação de que os padrões
predominantes, digamos, na Inglaterra, não são altos o suficiente
ou altos demais para os problemas, digamos, na Nigéria. Estes
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9 “Been-to” é um termo nigeriano usado para se referir àqueles que já estiveram fora, geralmente na
Inglaterra, Europa e Estados Unidos ou Canadá e que exageram sua imitação de comportamentos
ocidentais. Veja também a discussão de Fanon (1967, p. 17-40) sobre esta questão no que diz respeito
aos africanos e aos habitantes das Índias Ocidentais que falam francês.
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10 Dessa forma o líder sindical nigeriano Micahel Imoudu tornou-se um herói na Nigéria colonial por
estimular greves contra os britânicos, uma prática que lhe rendeu um forte ressentimento por parte
dos seus antigos colaboradores, agora no governo, quando ele a repetiu contra a sua própria nação
independente, depois da saída dos britânicos.
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11 A concepção amoral das tarefas do governo foi menosprezada por Okoi Ankpo (1967, p. 112-113) da
seguinte maneira: “Todo mundo espera que o governo proporcione uma liderança moral saudável”.
12 Para uma tentativa de explicar a guerra civil da Nigéria de acordo com estes termos veja Ekeh (1972).
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suas funções para com seu público primordial. Por outro lado, ele
pode correr o risco de sofrer sanções graves de membros de seu
próprio público primordial se até este espaço tentar estender a
honestidade e a integridade com que exerce suas tarefas no público
cívico, empregando critérios universalistas de imparcialidade.
Graças à habilidade ao estilo de Tocqueville de um residente
temporário inglês na Nigéria que já discutiu esta questão com riqueza
límpida, podemos olhar esta questão por um momento através dos
olhos de um estrangeiro. Wraith contrasta a integridade com que os
nigerianos tratavam questões de caráter étnico primitivo com “os
passos lentos e as conquistas exíguas das autoridades do governo
local”. Ele observa que, enquanto as autoridades do governo local,
com sua estrutura cívica, têm “um triste registro de confusão,
corrupção e conflitos”, as “uniões étnicas estão manipulando
somas em dinheiro comparáveis aos de muitas autoridades locais;
que eles estão gastando de forma construtiva e estão manuseando
honestamente”(itálico no original). Conforme Wraith enfatiza
corretamente, “Colocar os dedos no caixa da autoridade local não
irá sobrecarregar sua consciência de maneira indevida e as pessoas
podem muito bem pensar que você é uma pessoa inteligente e
invejar suas oportunidades. Roubar o dinheiro da união ofenderia
a consciência pública e o ostracizaria da sociedade”(Wraith and
Simpkins, 1963, p. 50).
Esta atitude diferenciada estende-se para hábitos de trabalho
africanos. Os africanos são extremamente trabalhadores no
público primordial, como qualquer pessoa que conheça como as
associações étnicas funcionam poderá comprovar. A quantidade
de horas de trabalho gastas a serviço do público primordial é
enorme – mas seria profano contá-las e enfatizá-las, tal é o seu
caráter moral. Por outro lado, os africanos não trabalham duro em
questões relacionadas com o público cívico. Pelo menos a pessoa
não se sente culpada se gastar seu tempo a serviço do público
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Conclusão
Estudos modernos de política comparativa surgiram
parcialmente com o interesse cada vez maior de cientistas sociais
americanos e europeus na África moderna, especialmente pós-
-colonial. As ferramentas de política comparativa são inerentes à
concepção tradicional de política no Ocidente. Isso parece adequado
em si mesmo. Mas às vezes as ferramentas parecem cegas pelo
excesso de uso e demandam que elas sejam afiadas. Certamente,
para captarmos o espírito da política africana temos que procurar
o que ela tem de singular. Estou convencido de que a experiência
colonial proporciona essa singularidade. Nosso presente pós-
-colonial foi moldado pelo nosso passado colonial. Foi esse passado
colonial que definiu para nós esferas de moralidade que acabaram
dominando a nossa política.
Nossos problemas podem ser parcialmente entendidos e
esperamos que sejam resolvidos pela percepção de que o público
cívico e o público primordial são rivais, que de fato o público cívico
está faminto de uma moralidade muito necessária. É claro que a
“moralidade” tem um toque fora de moda, mas qualquer política
sem moralidade é destrutiva. E os resultados destrutivos da
política africana no época pós-colonial devem algo à amoralidade
do público cívico.
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EPÍLOGO
NOTAS SOBRE “O COLONIALISMO E OS ‘DOIS
PÚBLICOS’ NA ÁFRICA: UMA DECLARAÇÃO
TEÓRICA”
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Notas sobre “o colonialismo e os ‘dois públicos’ na África: uma declaração teórica”
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Notas sobre “o colonialismo e os ‘dois públicos’ na África: uma declaração teórica”
“Meu bom homem, obrigado, mas você nunca mais será rico”.
A própria plateia urra no seu próprio sarcasmo, jogando insultos
horríveis sobre a imagem miserável de Otobrise.
Esse não foi o fim do infortúnio de Otobrise.
Ensopado com o próprio suor, ele se arrastou de volta
para casa. Quando chegou, sua esposa tinha voltado
da fazenda. Otobrise contou honestamente para ela
os eventos do dia. Em seguida, sua mulher embalou
os pertences e o deixou. “Otobrise é tolo demais”, ela
gritou. Enquanto isso, a notícia da ação de Otobrise
tinha se espalhado de uma vila para outra e para
toda Okpara. A família de Otobrise o convocou para
uma reunião a fim de descobrir diretamente dele o
que aconteceu. Otobrise honestamente deu o relato
verdadeiro para a família reunida do seu encontro
com o dinheiro do oficial colonial branco. Ao final do
seu relato honesto, o homem mais velho da família
disse a Otobrise que ele era um homem tolo. Depois
disso, as solteironas da vila compuseram canções que
ridicularizavam Otobrise como sendo o tolo da vila.
Rejeitado pela sua esposa e sua família e ridicularizado
pela comunidade pelo que ele pensou que tivesse feito
certo, Otobrise não sobreviveu a estes eventos por
muitos meses. Ele morreu na miséria pouco tempo
depois e sua morte não foi motivo de luto nem para a
família nem para a comunidade.
***
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Notas sobre “o colonialismo e os ‘dois públicos’ na África: uma declaração teórica”
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Notas sobre “o colonialismo e os ‘dois públicos’ na África: uma declaração teórica”
4 Também na Internet, veja “From Promise to Crisis: a Political Economy of Papua New Guinea”.
Disponível em: <http://epress.anu.edu.au/sspng/mobile_devices/ch15.htm>
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Notas sobre “o colonialismo e os ‘dois públicos’ na África: uma declaração teórica”
5 W.W. Rostow (1960). O livro popular de Rostow foi a resposta da Guerra Fria ocidental ao marxismo
com sua obra central do Manifesto Comunista.
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6 Talcott Parsons foi o principal teórico do funcionalismo dominante nas ciências sociais da década
de 1960. Seus escritos propiciaram a estrutura para a teoria da modernização que usava um
modelo biológico para sugerir que sociedades que se modernizassem agiriam como sociedades
integradas que buscam seu próprio bem-estar. Um construto fundamental do funcionalismo e da
teoria da modernização era o “comportamento normativo” com desvios desses comportamentos
caracterizados como sendo “anômicos” e, portanto, excepcionais. Fiquei especialmente perturbado
com esta noção porque podia ver que muitos desses desvios de comportamentos, pelo menos na
Nigéria, eram aceitáveis em várias circunstâncias.
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Notas sobre “o colonialismo e os ‘dois públicos’ na África: uma declaração teórica”
9 N.E.: Um painel de discussão chamado de “Peter Ekeh & ‘The Two Publics’” foi um dos onze assuntos
apresentados no 30º Aniversário da Conferência Internacional CODESRIA em Legon, Gana, entre 17
e 19 de setembro de 2003. O tema da conferência era “Canonical Works and Continuing Innovation
in African Arts & Humanities”, organizada por Kofi Anyidoho, Diretor do Programa do Instituto de
Humanidades Africano da CODESRIA na Universidade de Gana, Legon, em coordenação com a sede
da CODESRIA (Dacar, Senegal) e com o Instituto de Estudos Avançados e Pesquisa nas Humanidades
Africanas na Universidade Northwestern (Illinois). O impacto geral da conferência proporcionou o
ímpeto original para esta antologia em dois volumes.
10 O artigo de Osaghae apareceu originalmente em Voluntas: International Journal of Voluntary and
Nonprofit Organizations, 17 (3) September, p. 233-245. N.E.: Reproduzido nesta antologia como
capítulo 12.
11 Por uma questão de revelação plena devo acrescentar que Eghosa Osaghae foi meu estudante num
sentido muito tradicional. Osaghae estava no primeiro lote de estudantes na Universidade de Ibadan
que receberam palestras minhas e de Richard Joseph sobre nossas publicações em Comparative
Studies in Society and History. Depois disso, supervisionei a tese de Bacharel em Ciências de Osaghae,
depois sua dissertação de mestrado e finalmente sua tese de doutorado. Nós editamos juntos um
grande livro sobre o federalismo nigeriano e permanecemos amigos.
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Notas sobre “o colonialismo e os ‘dois públicos’ na África: uma declaração teórica”
12 O Professor Jacob Ade Ajayi sucedeu o fundador da Escola de História de Ibadan, o Professor Kenneth
Dike, como decano dos historiadores nigerianos. Ajayi articulou a ideologia da Escola de História de
Ibadan com autoridade. Ele deixou claro que a Escola considerava o colonialismo como sendo um
simples “episódio” na longa história da África. Ele declarou esta posição de forma muito clara no seu
famoso capítulo em Emerging Themes of African History: Proceedings of the International Congress
of African Historians, que ocorreu na University College, Dar es Salaam, em outubro de 1965 e foi
editado por T. O. Ranger (1968, p. 198-200).
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Notas sobre “o colonialismo e os ‘dois públicos’ na África: uma declaração teórica”
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14 Declarações mais completas minhas sobre este argumento, especialmente contra a posição de John
Fage, serão encontradas em (a) Peter P. Ekeh (1999, p. 89-114), e (b) Peter P. Ekeh (2004, p. 22-37).
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CAPÍTULO 12
COLONIALISMO E SOCIEDADE CIVIL NA ÁFRICA:
A PERSPECTIVA DOS DOIS PÚBLICOS DE EKEH1
Eghosa E. Osaghae
Introdução
Uma das obras mais amplamente citadas e influentes na
política africana é o artigo de Peter P. Ekeh, “Colonialism and the
Two Publics in Africa: A Theoretical Statement”2, publicado em
Comparative Studies in Society and History (1975). A força do artigo
está nas ideias originais e profundas que ele oferece para explicar
o que o próprio Ekeh chama de natureza “singular” da política
africana, cujos elementos básicos são: a etnicidade, o nepotismo
e a corrupção. Ao se concentrar nas bases sociais fraturadas da
política, Ekeh tornou-se um dos pioneiros africanos de uma
perspectiva que floresceu em estudos sobre o patrimonialismo
(Bratton e van de Walle, 1994), o prebendalismo (Joseph, 1987), a
1 Esta é uma reprodução editada do artigo publicado pela primeira vez com o mesmo título em
Voluntas: International Journal of Voluntary and Nonprofit Organizations 17 (3). Setembro. p. 233-245.
2 N.E.: Reproduzido como o capítulo 11.
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Colonialismo e sociedade civil na África: a perspectiva dos Dois Públicos de Ekeh
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Colonialismo e sociedade civil na África: a perspectiva dos Dois Públicos de Ekeh
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Eghosa E. Osaghae
3 Ekeh acredita que a contestação da legitimidade tenha sido fundamental para o sucesso dos
empreendimentos coloniais (e anticoloniais). Conforme ele argumenta, “a colonização bem-sucedida
da África foi alcançada mais pela justificação ideológica do seu governo pelos colonizadores do que
pela mera brutalidade das armas” (1975, p. 96).
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Colonialismo e sociedade civil na África: a perspectiva dos Dois Públicos de Ekeh
4 De acordo com Ekeh (p. 102) “O burguês africano, que nasceu da experiência colonial, fica muito
desconfortável com a ideia de ser diferente dos seus antigos colonizadores em questões relativas à
educação, administração ou tecnologia”.
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Colonialismo e sociedade civil na África: a perspectiva dos Dois Públicos de Ekeh
mais fácil pelo fato de que a classe burguesa africana não era contra
as normas do estado colonial, mas apenas contra seus funcionários
estrangeiros que acabaram sendo substituídos pela burguesia
africana. Ake (1985) levanta um ponto semelhante ao afirmar
que a transição do estado colonial para o pós-colonial envolvia
uma simples “troca da guarda” ao invés de uma reconfiguração do
estado.
No que diz respeito ao segundo “cânone”, o caráter da
política africana centrado no estado, a abordagem de Ekeh é
explicar o motivo pelo qual a esfera pública – onde se localiza o
estado – ficou tal como está hoje. Em outras palavras, o estado
é uma variável dependente cuja forma e cujo caráter dependem
de suas bases sociais. Essa abordagem baseada na sociedade
oferece uma interpretação da política diferente daquela baseada
no estado que tende a exagerar sua própria eficácia e autoridade
central. A abordagem baseada na sociedade mostra que o estado
é brando, fraco e ineficaz, mormente em função de suas bases
sociais fraturadas. No entanto, a sociedade relevante na teoria de
Ekeh não está restrita ao domínio privado, que constitui a fonte
da moralidade social. É mais a sociedade cívica que compartilha
o domínio público com o estado e ajuda a moldar sua natureza.
Supostamente, a forma e o caráter do estado dependiam em
grande parte da natureza e das funções da sociedade civil e de seu
relacionamento com o estado. Essa questão será melhor elaborada
na próxima seção.
Ekeh também aderiu à abordagem analógica. Na base da teoria
dos Dois Públicos parece haver uma expectativa de que o domínio
público na África – talvez como produto do relacionamento
histórico com o Ocidente – deveria ter expressado o caráter de
um único público como acontece no Ocidente. Portanto, todo
o propósito da teoria pareceria ser uma explicação do desvio
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Colonialismo e sociedade civil na África: a perspectiva dos Dois Públicos de Ekeh
Conclusão
Deve-se declarar que o objetivo de se enfatizar a centralidade
de formações étnicas para o desenvolvimento da sociedade civil,
especialmente sob o colonialismo, não é sugerir que a sociedade
esteja totalmente relacionada com a identidade étnica, a
segurança ou a mobilização em torno de interesses. Certamente,
a sociedade civil apresenta uma face mais complexa e plural do
que a ênfase apenas no público primordial consegue contabilizar.
Hoje em dia, fora os componentes “tradicionais” como associações
profissionais, de jovens e de mulheres, existem vários outros
tipos de organizações não governamentais – ambientais, de
direitos humanos, de prestação de serviços, pesquisa, etc. – que
vieram com o isolamento de ONGs da paisagem sociopolítica
africana. É óbvio que a maior parte das ONGs modernas (às
vezes consideradas erroneamente como a “verdadeira” sociedade
civil) não é primordial. Ainda assim, não se pode negar que
membros destas organizações também pertencem a públicos
primordiais diversos. O que a teoria dos Dois Públicos oferece é
uma explicação para a ineficácia da sociedade civil baseada nesta
bifurcação dialética.
***
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Eghosa E. Osaghae
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CAPÍTULO 13
A CORRUPÇÃO E A NECESSIDADE DE CLAREZA
CONCEITUAL
Albert K. Awedoba
506
A corrupção e a necessidade de clareza conceitual
Intervalo de Nº de
Posição País IPC*
Confiança** Pesquisas***
1 Finlândia 9,6 9,4-9,7 7
1 Islândia 9,6 9,5-9,7 6
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Albert K. Awedoba
Intervalo de Nº de
Posição País IPC*
Confiança** Pesquisas***
1 Nova Zelândia 9,6 9,4-9,6 7
4 Dinamarca 9,5 9,4-9,6 7
5 Cingapura 9,4 9,2-9,5 9
6 Suécia 9,2 9,0-9,3 7
7 Suíça 9,1 8,9-9,2 7
37 Botsuana 5,6 4,8-6,6 6
51 Tunísia 4,6 3,9-5,6 5
51 África do Sul 4,6 4,2-5,0 3
55 Namíbia 4,1 3,5-4,9 6
70 Egito 3,3 3,0-3,7 6
70 Senegal 3,3 2,8-3,7 5
90 Gabão 3,0 2,4-3,3 4
93 Tanzânia 2,9 2,7-3,1 7
102 Uganda 2,7 2,4-3,0 7
121 Benim 2,5 2,1-2,9 6
138 Camarões 2,3 2,1-2,5 7
142 Quênia 2,2 2,0-2,4 7
142 Nigéria 2,2 2,0-2,3 7
152 Costa do 2,1 1,9-2,4 6
Marfim
*Pontuações do IPC sobre percepções de grau de corrupção conforme visto por empresários e
analistas de países e varia entre 10 (altamente limpo) e 0 (altamente corrupto).
**O Intervalo de Confiança sobre possíveis valores da Pontuação do IPC reflete como a
pontuação de um país pode variar, dependendo da precisão da medida. Nominalmente, com
uma probabilidade de 5% a pontuação fica acima deste intervalo e com outros 5% fica abaixo.
No entanto, especialmente quando apenas poucas fontes (n) estão disponíveis uma estimativa
imparcial da probabilidade média de cobertura é menor do que o valor nominal de 90%.
***Refere-se à quantidade de pesquisas para avaliar o desempenho de um país.
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A corrupção e a necessidade de clareza conceitual
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A corrupção e a necessidade de clareza conceitual
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A corrupção e a necessidade de clareza conceitual
1 A palavra kalabule veio para ficar, apesar de que com a liberalização da economia ela seja menos
agitada agora do que já foi anteriormente.
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A corrupção e a necessidade de clareza conceitual
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A corrupção e a necessidade de clareza conceitual
menos atenção sexual nela do que nas suas esposas mais novas
que ainda estivessem em idade reprodutiva. As sociedades que
permitem a poligamia não perceberiam corrupção ou tratamento
inadequado em nada desse comportamento.
No caso do chefe, este cenário poderia ser comparado a um
presidente moderno mudando seu ministério. O governante
tradicional não seria culpado de corrupção se ele promovesse
alguns dos seus conselheiros mais rapidamente do que outros num
contexto em que promoções, a ocupação de cargos e benefícios
são concedidos a critério do governante. Portanto, um jovem
participante que impressionasse o monarca poderia ser indicado
para um cargo muito mais alto do que o seu nível ou experiência.
Aqueles que foram ultrapassados poderiam reclamar disto, mas
não poderia responsabilizar o monarca por inadequação. Por outro
lado, no seu papel como magistrado, um chefe não pode julgar a
favor de uma parte que esteja claramente errada, mesmo que por
acaso ele estivesse satisfeito com essa parte e não com a outra.
Se um chefe fizesse isto ele poderia ser considerado corrupto e
ganhar uma reputação ruim (mesmo que ele não fosse deposto
imediatamente). Entre os Akans sempre havia a possibilidade de
a parte que se sentia traída desta forma invocar um juramento
convidando os ancestrais a testemunharem a injustiça. Um chefe
conivente culpado de falta de justiça poderia receber uma sanção,
uma vez que seu comportamento seria visto como sendo uma
ameaça à segurança do estado.
É possível, no entanto, ocultar a corrupção sob a cobertura
da cultura. Por exemplo, suponha que padres tradicionais
convencessem o público a acreditar que sua segurança não
pudesse ser garantida até que eles tivessem enviado suas filhas
virgens para o templo para serem “esposas” de divindades. Se
as pessoas soubessem que isto era um truque para conseguir os
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A corrupção e a necessidade de clareza conceitual
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A corrupção e a necessidade de clareza conceitual
4 Uma pessoa pode implorar ou solicitar um favor e isto implica que também se possam solicitar
presentes.
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Presente Suborno
Boa vontade
Contexto / motivo: Boa vontade
desnecessária
Positivas: Família,
Relações Existentes: Nenhuma ou neutra
amizade, etc.
Relações Novas: Iniciar ou melhorar Nenhuma
Qualquer coisa
Meio: Pode ser determinado
(indeterminado)
Imediata (tempo
Reciprocação: Atrasada
especificado)
Meio
Reação: Meio conhecido
indeterminado
Desproporcional
Equivalente (na
Equivalência: (desequilíbrio no
estimação das partes)
curto prazo)
Propriedade: Os atores Terceiros envolvidos
Moralidade: Aprovada Questionável-Reprovada
Legalidade: Aprovada Reprovada
Lubrificar Assegurar vantagens
Objetivo:
relacionamentos indevidas
Secreto e fechado para a
Ambiente: Público e aberto
vista
O suborno e o presente são diametralmente opostos, porém
um suborno pode ocorrer na forma disfarçada de um presente
e costuma ser apresentado como um presente. Neste sentido
os subornos também não podem ser facilmente recusados. Um
presente pode não ser o que parece se não houver base para ele.
Por que, por exemplo, o gerente A do time de futebol B receberia
de presente uma grande quantia em dinheiro pelo dono do time
B, depois de A ter perdido um jogo em circunstâncias duvidosas.
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A corrupção e a necessidade de clareza conceitual
Protocolo de patrocínio
Entre o presente e o suborno estão intercâmbios que
estabelecem relações entre patronos e clientes. O patrocínio
costuma ser construído ao longo de um período de tempo entre a
pessoa que está numa posição de abrir mão de determinados favores
e aquela que precisa desses favores. Pode ser entre professor e aluno,
o funcionário público de alto escalão e um habitante da vila, um
juiz e um advogado, um chefe de departamento e um funcionário
recente, um empreiteiro e um membro influente do conselho
orçamentário, etc. O cliente cultivaria um relacionamento com o
doador potencial ao longo de um período de tempo durante o qual
bens e serviços de diversos tipos são transferidos do cliente para o
patrono. A força do relacionamento permite que o cliente aborde
o patrono buscando favores que ele não pode recusar facilmente.
Neste caso o patrono pode acabar dando favores a uma pessoa que
não seja merecedora sem parecer que ela aceitou um suborno. Este
comportamento é corrupto, apesar de nenhum dinheiro ou outro
recurso ter sido transferido em retorno direto pelos favores não
merecidos. O patrocínio parece estabelecer relações que imitam a
família. Neste sentido, o patrocínio pode parecer nepotismo.
Esta ideia de relacionamento entre patrono e cliente é
disseminada no setor público e exclui a necessidade do suborno
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A corrupção e a necessidade de clareza conceitual
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Corrupção corporativa
No entanto, não é apenas o funcionário que pode ser desleal.
Um empregador que pagar menos do que deveria aos empregados
e negligenciar seu bem-estar, quebrar promessas ou desprezar
ermos de uma barganha coletiva será igualmente corrupto.
Suborno e roubo: Em Gana, o suborno costuma envolver o
empregado civil ou público. O suborno é semelhante ao roubo. Pode-
-se dizer que ele seja o roubo indireto. O roubo é a apropriação do
que pertence a outra pessoa sem a permissão ou o consentimento
do dono. No suborno, alguém está abrindo mão de alguma coisa
que pertence a outra pessoa. Um policial que aceitar dinheiro e
deixar um criminoso ir embora livre de pagamento e de castigo
estará se colocando além do alcance da lei ou estará tomando a lei
nas suas próprias mãos. Em Gana, onde os funcionários públicos
não recebem um salário mínimo, o suborno é racionalizado como
um meio de sobrevivência.
Suborno e permuta – compra: O suborno também é como
a compra. Envolve-se uma troca – nem sempre dinheiro, mas
outros recursos e favores podem fazer parte da transação.
A principal diferença é que a maioria das commodities podem ser
permutadas e compradas com uma aprovação moral e jurídica,
mas isso não ocorre com o suborno5. Numa transação de mercado
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A corrupção e a necessidade de clareza conceitual
Especificidade cultural
Prostituição. Do ponto de vista das normas religiosas
ortodoxas, a prostituição é imoral, pecaminosa e corrupta. No
entanto, nem todas as sociedades consideram desta forma. Em
Gana, já houve reivindicações para legalizar a prática. Na cidade
tradicional de Daomé, foi dito que o rei permitia a prostituição
levando em consideração a demanda por esses serviços por parte
das pessoas que não eram casadas. Em várias sociedades de Gana
o congresso sexual fora do casamento é moralmente corrupto.
A prostituta é uma comerciante e uma prestadora de serviço, com
alguma semelhança com os serviços que um barbeiro ou uma
pedicure prestam. Para estas últimas, seus serviços nem sempre são
frequentados estritamente porque o cliente quer aparar e modelar
coisas que crescem para fora do corpo, mas muitas vezes por causa
da satisfação de ser tocado de uma forma cuidadosa e carinhosa
por outra pessoa. Barbeiros, manicures e pedicures aprenderam a
incluir toques delicados ao que fazem.
A concorrência por títulos. Em cortes tradicionais, os reis e
as pessoas mais velhas são cortejados por cidadãos que desejem
ser considerados para a obtenção de títulos. O processo envolve o
ato de dar presentes e o estabelecimento de vínculos de patrocínio.
Pode muito bem ocorrer que como estes são bens limitados que
muitos súditos desejam possuir, o candidato que for mais generoso
será aquele recompensado com o título ou a honraria. Será que isso
é suborno e será que existe um elemento de corrupção envolvido
aqui?
529
Albert K. Awedoba
530
A corrupção e a necessidade de clareza conceitual
531
Albert K. Awedoba
seus impostos e colocar mais dinheiro nos seus bolsos? Com efeito,
esta promessa claramente implica que menos dinheiro estará
disponível para os cofres nacionais, derrotando assim a esperança
de programas sociais que afetam membros pobres da sociedade
que, entretanto, são partes interessadas iguais no desempenho de
oficiais eleitos6. A diferença nominal entre estas duas abordagens
políticas é se o “pagamento” ocorre de maneira antecipada seguida
por votos ou se os votos antecedem o pagamento. O diagrama a
seguir ilustra o paralelo entre as duas estratégias eleitorais.
T1 = Começo da Campanha
T2 = Subsequentemente
P = Político
E = Eleitorado
T1 T2
P → E → P
Abordagem de políticos
americanos
Votos Benefícios
T1 T2
E → P → E
Abordagem de políticos
ganenses
Benefícios Votos
6 N.E.: Veja o capítulo 60, de Kwasi Wiredu, sobre a incapacidade da liderança democrática competitiva
eleitoral de atender a todos os setores da sociedade.
532
A corrupção e a necessidade de clareza conceitual
***
533
Albert K. Awedoba
534
CAPÍTULO 14
INFORMALIZAÇÃO E POLÍTICA DE GANA1
Kwame A. Ninsin
1 Reproduzido de Ghana: Changing Values, Changing Technologies (2000) ed. H. Lauer, Washington D.C.:
Council for Research in Values and Philosophy, com permissão do autor e da editora.
2 Meu encontro com Janet MacGaffey numa conferência internacional na Universidade Hebraica de
Jerusalém me incitou a iniciar meu próprio estudo sobre o fenômeno chamado de setor informal
do qual surgiu meu livro, The Informal Sector in Ghana”s Political Economy (1991). Os artigos da
conferência de Jerusalém foram publicados conforme editados por Donald Rothchild e Naomi
Chazan (1988). Veja minha própria contribuição, assim como a de MacGaffey naquela coleção.
535
Kwame A. Ninsin
3 Para a crítica mais recente destes e de outros autores veja Eyoh (1996).
536
Informalização e política de Gana
Características estruturais
A depender de se economia e o estado são fracos ou não, são
afetados os respectivos direitos do capital e dos trabalhadores;
isso define, especialmente, o caráter desta última. Durante a breve
experiência do país com o socialismo no governo do Partido Popular
da Convenção (CPP), o poder estatal foi deliberadamente utilizado
para proteger os trabalhadores das tendências exploradoras do
capital no que diz respeito a salários, emprego, saúde e educação.
Quando esse governo entrou em vigor, o desemprego estava alto
e continuava aumentando, os salários eram baixos e o acesso
à educação, à saúde e aos serviços se limitava aos privilegiados.
4 Veja Brodie Cruickshank (1953) para um breve levantamento desta história de mudança social em
Gana.
5 As origens e a dinâmica do setor informal é o assunto de estudo em Ninsin (1991); veja especialmente
p. 36-52.
538
Informalização e política de Gana
6 Veja Yao Graham (1989, p. 45-46) para a importância política desta lei.
7 Para dados sobre esta expansão revolucionária no sistema educacional do país, veja Ninsin (1991,
p. 46-48).
539
Kwame A. Ninsin
541
Kwame A. Ninsin
542
Informalização e política de Gana
8 Várias excelentes obras acadêmicas se dedicaram a analisar a estrutura da economia ganense e sua
dinâmica interna. Alguns dos clássicos sobre a natureza da economia ganense são Ahmad (1970);
Birmingham (1966); Krassowski (1974); e Szerewszeski (1965).
543
Kwame A. Ninsin
Globalização e informalização
Os processos contemporâneos de informalização estão
intimamente relacionados ao movimento e à reestruturação de
capital mundiais que tem sido denotados de maneira ampla como
“globalização”. Existe uma tendência a se perceber este processo de
internacionalização do capital em termos econômicos estritos, com
9 Para dados adicionais descrevendo esta situação desoladora, veja o Instituto de Pesquisa Estatística,
Social e Econômica (ISSER) (1995, p. 135-148).
544
Informalização e política de Gana
10 Alguns exemplos aleatórios são Andreff (1984); Hugo (1975) e Palliox (1977).
545
Kwame A. Ninsin
11 Dudley Seers and G. R. Ross (1952). Veja Sir Arthur Lewis (1953).
12 Veja por exemplo van de Walle (1997, p. 3-5) para um conjunto de índices de globalização definidos
como integração econômica.
546
Informalização e política de Gana
13 Assegurar um ambiente capacitador também justificou uma legislação que inibe que se façam
campanhas presidenciais eficazes por partidos contrários ao que está no poder; veja J. Osei (2000).
547
Kwame A. Ninsin
548
Informalização e política de Gana
549
Kwame A. Ninsin
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Informalização e política de Gana
551
Kwame A. Ninsin
552
Informalização e política de Gana
Informalização da política
Indivíduos e grupos informalizados tornam-se material
político estratégico durante períodos em que o estado e a economia
estiverem em grave crise, em que a legitimidade do governo estiver
sendo desafiada e quando a necessidade de o governo se localizar
entre forças sociais específicas se tornar extremamente importante
para a sobrevivência. Dois momentos na história política recente
de Gana ilustram isto: o período de dois anos entre 1977 e 1979 e
o período de 1983 até o presente.
Entre 1977 e 1979, o governo do Conselho de Redenção
Nacional, chefiado por Ignatius Kutu Acheampong, passou a
sofrer uma pressão incessante de grupos profissionais de classe
média organizados, de trabalhadores e de estudantes que exigiam
reformas políticas liberais, por causa da visão geral de que o
regime estava gerenciando a economia de maneira inadequada e se
tornando cada vez menos democrático. A resposta desse governo
a essas pressões foi anunciar um programa para fazer com que o
governo voltasse ao domínio constitucional sob um novo sistema
de administração que incluiria a participação dos militares, da
polícia e de civis num acordo tripartite chamado de “Governo de
553
Kwame A. Ninsin
19 As informações sobre a política deste período foram tiradas de (Ninsin 1985, p. 50-52). Para uma
análise detalhada da política do período entre 1977 e 1979, confira o capítulo 4 de Ninsin (ibid.);
também Ocquaye (1980).
554
Informalização e política de Gana
20 Para uma avaliação crítica da política da chegada ao poder do PNDC e de como ele perdeu sua base
social original, veja Yeebo (1991).
21 A lista de organizações do setor informal é tirada de Ninsin (1991, p. 114-115).
555
Kwame A. Ninsin
556
Informalização e política de Gana
557
Kwame A. Ninsin
O projeto democrático
A viabilidade do projeto democrático depende de maneira
fundamental do crescimento de centros autônomos de poder
social – o que Robert Putman descreveu no seu estudo de tradições
cívicas na Itália como “capital social”23. O crescimento desse poder
social para reforçar a democracia não é uma função exclusiva
da burguesia. O surgimento do movimento dos sindicatos
ajudou muito a expandir as fronteiras da democracia em áreas
fundamentais, como a liberdade de associação e o direito de votar.
Conforme Ottaway observou (1997, p. 12), modelos de democracia
diferentes do americano (ou modelo da burguesia) provaram ser
eficazes. Com efeito, organizações nacionais de massa (ao contrário
daquelas pequenas, dispersas e basicamente burguesas) surgiram
sob diferentes circunstâncias para institucionalizar a democracia.
Os sindicatos na Alemanha proporcionam um bom exemplo.
22 O governo do PNDC usou essas organizações, entre outras, como as bases de representação na
Assembleia Consultiva (o órgão que escreveu a Constituição de Gana em 1992). Para uma lista de
organizações no setor informal que foram nomeadas pelo governo como órgãos eleitorais com o
direito de mandarem representantes à Assembleia Consultiva, veja The Consultative Assembly: Register
of Members, Accra, p. 1991. Além disso, conforme será discutido no presente, estas associações e
outras foram reconstituídas como o Conselho de Associações Comerciais Locais (CIBA) e cooptaram
para o novo movimento populista de Rawlings que fez seu regime voltar ao poder nas eleições de
1992 e de 1996.
23 Relatado em Ottaway (1997, p. 6).
558
Informalização e política de Gana
559
Kwame A. Ninsin
560
Informalização e política de Gana
27 Os outros principais partidos políticos também mobilizaram o apoio de associações formadas pela
classe média baixa e por trabalhadores desempregados que operam no setor informal.
561
Kwame A. Ninsin
562
Informalização e política de Gana
***
563
Kwame A. Ninsin
564
CAPÍTULO 15
COSTUME, IDEOLOGIA COLONIAL E PRIVILÉGIO:
A QUESTÃO AGRÁRIA NA ÁFRICA1
Kojo S. Amanor
1 Este capítulo é uma versão editada do artigo do autor com o mesmo título apresentado na
14ª Conferência Anual da Associação Antropológica Pan-Africana, Instituto de Estudos Africanos,
Universidade de Gana, Legon, entre os dias 2 e 6 de agosto de 2004. A penúltima seção e o último
parágrafo que fecha este capítulo são trechos extraídos das páginas 10 a 12 de “Custom, Community
and Conflict: Neoliberalism, Global Market Opportunity and Local Exclusion in the Land Question in
Africa”, apresentado no Simpósio Internacional At the Frontier of Land Issues: Social Embeddedness of
Rights and Public Policy, em Montpellier, França, entre os dias 17 e 19 de maio de 2006. Disponível em:
<http://www.mpl.ird.fr/colloque_foncier/Communications/PDF/Amanor%20TR.pdf>. Acesso em:
nov. 2007.
565
Kojo S. Amanor
566
Costume, ideologia colonial e privilégio: a questão agrária na África
567
Kojo S. Amanor
568
Costume, ideologia colonial e privilégio: a questão agrária na África
obterem sua alforria e que eles pagassem seus senhores com taxas
adequadas de alforria antes de ganharem sua liberdade. Antigos
escravos eram impedidos de assentarem em novas áreas além dos
perímetros dos emirados a não ser que eles tivessem ganhado sua
alforria através de canais adequados. Para assegurar que os escravos
não continuassem a permanecer com seus senhores de acordo com
os arranjos antigos, novas políticas tributárias foram introduzidas
que tributavam todo homem adulto. Apesar de os impostos terem
existido nos emirados, estes não tinham se aplicado aos escravos.
Estes impostos foram estabelecidos num nível suficientemente
alto para criar ônus aos donos de grandes propriedades trabalhadas
por mão de obra escrava a não ser que eles transformassem as
relações sociais de produção nas suas propriedades, em níveis que
tornassem difícil para os escravos libertos sobreviverem a não
ser que eles tivessem terra onde trabalhar (Lovejoy e Hogendorn,
1993).
Incapazes de vender terra ou seus escravos e diante de um
ônus tributário cada vez maior, os proprietários de terra foram
obrigados a fazer novos arranjos com seus escravos que para
assegurar :(I) que eles não se tornassem um ônus tributário, (II) que
a responsabilidade pelo pagamento do imposto fosse transferida
para eles e (III) que a terra passasse a ter fins produtivos. Antigos
escravos estavam diante da tarefa onerosa de arrecadar dinheiro
para pagarem impostos e pagamentos para ganharem a alforria. A
instituição de Murgu surgiu como uma resposta a esta situação onde
em troca de pagamentos regulares os senhores permitiam que seus
escravos trabalhassem de maneira independente. Isto assegurou
para os senhores que seus escravos pagariam da forma deles para
atenderem às suas obrigações tributárias. Isto obrigou o servo por
dívida a trabalhar na produção da safra de amendoim nas terras dos
seus senhores e a trabalharem durante a estação seca em projetos
de obras públicas nas minas de estanho e como carregadores.
569
Kojo S. Amanor
foi rejeitada pela Suprema Corte da colônia com base no fato de ela
não ter validade, pois não refletia normas costumeiras. O Oluwa
recorreu ao Conselho Real em Londres. No seu recurso diante do
Conselho Real, os conselheiros do Oluwa, representados por Sir
William Finlay, reformularam sua reivindicação de indenização.
Eles argumentaram que a terra em questão pertencia à comunidade,
da qual o Oluwa era o chefe e depositário eleito. A indenização foi
pedida com base na administração de terra costumeira. O caso
girava em torno do que constituía a lei costumeira Iorubá autêntica
e isto foi estabelecido através de leituras de relatórios oficiais dos
missionários e do governo. A decisão final concluiu que a posse
individual era estrangeira a ideias nativas e que a terra era adquirida
por comunidades ou famílias, mas não por indivíduos. Apesar de os
membros da comunidade terem direito a utilizarem a terra, ela era
concedida ao chefe como seu depositário. O Conselho Real rejeitou
a história de Lagos no século XIX como uma aberração, citando
a partir do Report on Land Tenure in West Africa (1898), do Chefe
do Tribunal Superior Rayner: “Existe um costume nativo puro ao
longo de toda a extensão do litoral e onde quer que encontremos,
como em Lagos, donos individuais, isto se deve novamente à
introdução de ideias inglesas” (citado em Cowen e Shenton, 1994,
p. 242). O Oluwa ganhou sua reivindicação de indenização, mas
apenas porque concordou com as noções coloniais britânicas do
que constituía a posse costumeira. Através deste caso, estabeleceu-
-se um precedente em todo o império para o que constituía terra da
comunidade e terra costumeira. O caso forneceu a base filosófica
na qual uma construção em todo o continente da posse de terra
costumeira africana pode ser formulada.
Desenvolvimentos semelhantes aos do sul da Nigéria
ocorreram no sul de Gana, onde mercados de terra expansivos
se desenvolveram no século XIX contidos pelo governo colonial,
ao outorgarem poder aos chefes e ao reconstruírem a posse
571
Kojo S. Amanor
2 N.E.: Os direitos reais à terra são absolutos, existindo de forma incondicional e livre de qualquer
reivindicação predominante. Estes contrastam com direitos de usufruto que são condicionais ou
circunscritos por limitações estipuladas na lei, no costume ou na circunstância. Os dois podem
coincidir para indivíduos diferentes no que diz respeito a uma determinada propriedade e seus
diversos aspectos. Por exemplo, você pode ter um direito absoluto ou real a uma propriedade à qual
eu, como seu inquilino, tenho direitos de usufruto à casa ou pomares situados nessa terra em que eu
tenho autoridade sobre quem entra na casa e como ela é usada; eu tenho direito de usufruto às frutas
das árvores no terreno (e, portanto, um direito real a vender, comer, preservar, destruir ou doar a fruta
que eu colher, apesar de não ter nenhum direito absoluto às próprias árvores). Um direito fiduciário
a alguma coisa, inclusive à terra, é o direito de ser seu depositário para outra pessoa; isto contrasta
de maneira bastante significativa com o direito absoluto ou real a essa propriedade. A natureza dos
direitos a terras comunais desfrutados pelos chefes de famílias reais é polêmica. Veja o capítulo 63, de
Kwame Ninsin na Seção 6.
572
Costume, ideologia colonial e privilégio: a questão agrária na África
3 N.E.: Ser proletarizado significa ser deslocado de uma posição de autonomia ou autossuficiência e
autonomia econômica relativa para a posição de um trabalhador assalariado.
573
Kojo S. Amanor
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Costume, ideologia colonial e privilégio: a questão agrária na África
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Costume, ideologia colonial e privilégio: a questão agrária na África
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Kojo S. Amanor
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Costume, ideologia colonial e privilégio: a questão agrária na África
5 N.E.: Os artigos relevantes na Constituição (1992) mencionados aqui estão reproduzidos no capítulo
68.
579
Kojo S. Amanor
Conclusão
Nos últimos anos os direitos costumeiros à terra estão sendo
promovidos por defensores de uma política neoliberal como
representantes de um aumento da sociedade civil e um respeito
pela cultura africana. Os direitos costumeiros à terra precisam ser
analisados de maneira crítica dentro de um quadro de economia
580
Costume, ideologia colonial e privilégio: a questão agrária na África
581
Kojo S. Amanor
***
582
CAPÍTULO 16
PSICOPATIA CORPORATIVA: UMA ANALOGIA
PSIQUIÁTRICA
Montague Ullman
583
Montague Ullman
584
Psicopatia corporativa: uma analogia psiquiátrica
585
Montague Ullman
Definição:
Existe um padrão predominante de descaso pelos outros e
de violação dos seus direitos ocorrendo desde os 15 anos de idade,
conforme indicado por três ou mais dos seguintes (critérios).
(Comentário): É claro que isso não se aplica literalmente a uma
empresa. As empresas realmente começam com a incorporação
seguida de um período de crescimento que então leva a uma
maturidade bem-sucedida ou não. A tentação de evitar a lei pode
ocorrer a qualquer momento. As primeiras indicações envolvem
a busca por brechas na lei, estabelecendo subsidiárias falsas no
exterior e cortejando o poder político para facilitar restrições
reguladoras.
586
Psicopatia corporativa: uma analogia psiquiátrica
587
Montague Ullman
588
Psicopatia corporativa: uma analogia psiquiátrica
589
Montague Ullman
590
Psicopatia corporativa: uma analogia psiquiátrica
O Poder Legislativo
Os membros do Congresso dos Estados Unidos são os
principais alvos do suborno empresarial. Fazer lobby é uma coisa.
Fazer lobby apoiado por contribuições financeiras generosas é
outra coisa. Uma legislação recente, por exemplo, projetada para
reduzir o custo de remédios faz mais para assegurar a continuidade
dos enormes lucros das empresas farmacêuticas2. Para limitar
a ambição empresarial teria sido melhor controlar os preços
dos remédios do que deixar muitas pessoas com a escolha entre
alimentar a família ou comprar remédios necessários. As empresas
farmacêuticas não apenas subornam os legisladores, mas também
descobrem maneiras que equivalem a um suborno para influenciar
as prescrições que os médicos fazem dos remédios.
Os legisladores também são pressionados a favorecer o poder
empresarial em detrimento da proteção ao meio ambiente. Nós
não conseguimos entrar num acordo com o aquecimento global
sob pressão das indústrias siderúrgica e do petróleo. Nossas
terras públicas, há muito tempo uma herança valorizada, estão
cercadas por interesses do petróleo e do gás, assim como nossas
florestas estão cercadas pela indústria madeireira. Além disso,
existe a necessidade de um monitoramento mais eficaz da poluição
industrial do ar e da água.
O Judiciário
Psicopatas individuais são pequenos batedores de carteira em
comparação com as enormes quantias de dinheiro que as empresas
corruptas conseguem retirar dos bolsos de cada um de nós. No fim
das contas, a vítima acaba sendo o público em geral. Nós compramos
2 N.E.: Para um relato detalhado de até que ponto as empresas farmacêuticas multinacionais
influenciam o direito internacional e o doméstico, política de auxílio exterior e expansão do mercado,
através da obtenção de lucro e do financiamento de campanhas eleitorais nos Estados Unidos, veja
Márcia Angell (2004).
591
Montague Ullman
592
Psicopatia corporativa: uma analogia psiquiátrica
O Poder Executivo
Somos profundamente ignorantes sobre as causas e a
prevenção da psicopatia no indivíduo. A mesma coisa não ocorre
no caso da psicopatia empresarial. Desregulamentação, a trilha
do dinheiro para o poder, concentração materialista no “mundo
desenvolvido” e sua expansão por todo o mundo através de
empresas transnacionais, tudo isto pavimenta o caminho para
a ambição absoluta. Penalidades legais retardam ou param a
doença em casos individuais da psicopatia empresarial, mas não
chegam à raiz do problema. Diante do fracasso do legislativo em
prevenir, nossa única esperança está num poder executivo que
tenha discernimento em relação ao âmbito e à natureza da doença
e à maneira pela qual tanto o governo quanto nosso estilo de vida
contribuíram para a sua existência. Dos três poderes da federação
dos Estados Unidos, o executivo pode ser o mais importante para
iniciar um programa de prevenção. O mundo sabe o preço que a
sociedade já pagou por líderes que são impostores ou “homens
fortes”. Encontrar o líder adequado que possa iniciar um esforço
genuíno de prevenção é intimidador. Precisamos de líderes que
tenham a coragem de olharem num espelho mágico que revele
todas as formas em que estes organismos malignos conseguiram
chegar até as avenidas do governo e as vidas da cidadania de elite
que eles devem proteger. Ele precisa ter a previsão e a visão daqueles
que trabalharam para a independência dos países pós-colonizados,
inclusive dos Estados Unidos no século XVIII3.
3 Exemplos dessa liderança veem à mente pela honestidade do presidente dos Estados Unidos no
século XIX, Abraham Lincoln, que estava no poder quando a Guerra Civil Americana acabou e
pela capacidade do presidente Franklin Delano Roosevelt, no século XX, celebrado por estabelecer
o primeiro esquema de bem-estar social federal e de criação de empregos no país inteiro durante
a chamada Grande Depressão dos Estados Unidos, impedindo assim que os Estados Unidos se
dividissem em duas facções hostis. Em vez disso, ele fez com que o país entrasse na Segunda Guerra
Mundial.
593
Montague Ullman
***
4 N.E.: Theodore Roosevelt, 1858-1919, foi o 26º presidente dos Estados Unidos.
5 O primeiro e maior sistema de tratamento de saúde privado nos Estados Unidos.
594
Psicopatia corporativa: uma analogia psiquiátrica
595
CAPÍTULO 17
O DISCURSO DE MALDIÇÃO: GÊNERO, PODER E
RITUAL EM GANA1
Beverly J. Stoeltje
1 Sou grata à Escola de Pesquisa Americana por um ano de residência como Weatherland Scholar onde
obtive a importante bolsa de estudos para conduzir e apresentar minha pesquisa num ambiente
estimulante. Coletei os dados para este artigo em Gana com o apoio da Fulbright Faculty Research
Fellowship.
597
Beverly J. Stoeltje
598
O discurso de maldição: gênero, poder e ritual em Gana
600
O discurso de maldição: gênero, poder e ritual em Gana
2 Veja Margaret Field (1960), para um estudo amplo da maldição e das formas relacionadas entre os
Asantes como etno-psiquiatria; Mair (1969), para comentários sobre Field; Leith Mullings (1984), para
um estudo da cura mental que inclui a maldição, realizado em Labadi; Dale Fitzgerald (1975), para um
estudo detalhado da linguagem ritual na revogação de uma maldição Ga, uma limpeza da maldição;
Corinne Kratz (1990), para um estudo de bênçãos, maldições e juramentos de Okiek.
601
Beverly J. Stoeltje
3 Por chamar minha atenção para esta obra e me fornecer uma cópia, sou grata a Kofi Anyidoho.
Uma coleção especialmente boa de obras sobre o assunto foi editada por Christine Oppong (1983),
especificamente os artigos de Vellenga, Abu, Asante-Darko e van der Geest, apesar de outros artigos
também serem relevantes.
603
Beverly J. Stoeltje
604
O discurso de maldição: gênero, poder e ritual em Gana
605
Beverly J. Stoeltje
606
O discurso de maldição: gênero, poder e ritual em Gana
nem seria mais sua sócia no negócio. No dia seguinte ele veio ao
lote de terra e a amaldiçoou com uma garrafa de aguardente e ao
mesmo tempo ameaçou de morte.
Ele abriu a bebida, despejou-a e disse que, se eu não
fosse me casar com ele, eu não deveria pisar de novo
no lote de terra porque tinha sido ele quem comprou
o lote. Eu disse que ele estava mentindo porque se
você levasse uma pessoa para alugar um quarto, ele
não seria seu porque eu usei meu próprio dinheiro
para pagar pelo lote de terra. Então ele abriu a bebida
e a despejou na madeira e me amaldiçoou com os rios
Antoa e Nyanta que se eu pisasse no lote de terra,
que se eu tivesse um caso com outro homem, de novo
que se eu lucrasse com a venda das tábuas de madeira
os rios deveriam me matar. Ele me mandou sair, mas
eu me recusei. Ele disse que me mataria mesmo que
o governo também o matasse. Ele pegou um pedaço
de pau para me bater se eu não fosse embora. Mas
alguns homens intercederam a meu favor.
Neste ponto, ela precisou de ajuda, e então procurou as
autoridades, contando-lhes a sua história. Ela relatou o evento
para a polícia e, quando isso não funcionou, procurou ajuda do
tio. Ele tentou lidar com a situação convocando o homem. Sem
sucesso, o tio levou então o caso para o Tribunal da Asantehemaa.
Acompanhada pelo tio, ela contou a história para o ôkyeame
que colocou o caso na sua agenda. Depois de várias tentativas
fracassadas de trazer o homem diante do tribunal, a Asantehemaa
recomendou que Irmã Ama fosse a Antoa para revogar sozinha
a maldição. Quando a pessoa que invoca uma maldição se recusa
a aparecer, simplesmente não se pode determinar sua culpa e
não existe nenhum meio pelo qual ela seja obrigada a realizar
607
Beverly J. Stoeltje
608
O discurso de maldição: gênero, poder e ritual em Gana
Conclusão
Esse exemplo do ciclo da maldição demonstra não apenas
as fontes de autoridade e a execução da narrativa, mas também
a negociação de poder à medida que este conflito avança por cada
etapa do desenvolvimento. Para revogar uma maldição um indivíduo
precisa contar várias vezes a história das circunstâncias que
levaram a sua invocação, mas especialmente para as autoridades.
Esta narrativa de conflito pertence à literatura oral do presente.
É “popular”, no sentido de se dar em qualquer contexto social,
por pessoas de qualquer status. É frequente e comum isso ocorrer
609
Beverly J. Stoeltje
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O discurso de maldição: gênero, poder e ritual em Gana
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Beverly J. Stoeltje
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O discurso de maldição: gênero, poder e ritual em Gana
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Beverly J. Stoeltje
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O discurso de maldição: gênero, poder e ritual em Gana
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Beverly J. Stoeltje
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O discurso de maldição: gênero, poder e ritual em Gana
***
617
CAPÍTULO 18
A RELIGIÃO TRADICIONAL AFRICANA
E O CRISTIANISMO: CONTINUIDADES E
DESCONTINUIDADES
Abraham A. Akrong
619
Abraham A. Akrong
Primeiros encontros
O primeiro contato entre o cristianismo e as culturas
e religiões tradicionais da África Ocidental começou com a
chegada de comerciantes europeus no litoral da Guiné desde
aproximadamente o século XV. Infelizmente, esta parte da história
cultural do cristianismo em Gana não tem recebido a atenção que
ela merece e este desprezo aparente nos privou de conhecermos
o relacionamento singular que existia entre a religião tradicional
e o cristianismo antes do século XIX (R. G. Jenkins, 1985, p. 19).
A atenção ao relacionamento entre o cristianismo e a religião
tradicional no litoral de Gana antes do século XIX nos dá o alcance
completo dos relacionamentos que podem existir entre a religião
tradicional e o cristianismo à medida que exploramos a natureza
do diálogo contínuo e do encontro entre a religião tradicional e o
cristianismo (Hernas, 1995, p. 3).
A teoria de M. Priestly de “avaliação de vantagem” (Priestly,
1969, p. 7) e a ideia de Per Hernas de “interdependência e
reciprocidade”1 captam de maneira adequada o tipo de interação
cultural e o meio ideológico em que os comerciantes e os ganenses
se relacionavam uns com os outros no litoral no período pré-
-colonial. Ao escrever sobre o relacionamento entre africanos e
europeus no litoral ocidental, Per Hernas o descreveu como um
relacionamento de interdependência e reciprocidade, um sistema
aberto com atores dos dois lados participando de jogos estratégicos
baseados na “avaliação mútua de vantagens” e no qual nenhum dos
dois lados era capaz de impor as regras do jogo (Hernas, 1995).
1 N.E.: Per Hernas compartilha suas reflexões sobre este tema dos relacionamentos historicamente
multidimensionais entre europeus e africanos que são ofuscadas pela dicotomia excessivamente
simplificada entre “tradição e modernidade” no capítulo 39.
620
A religião tradicional africana e o cristianismo: continuidades e descontinuidades
2 Em uma conversa, o Prof. Hernas falou sobre a evidência em alguns dos registros dinamarqueses que
relatavam como os europeus usavam a medicina tradicional para se protegerem de inimigos ou para
lhes dar vantagens numa competição. Houve um caso em que se relatou que um homem branco
tinha vários objetos espirituais tradicionais embaixo da sua cama que foram descobertos após a sua
morte.
621
Abraham A. Akrong
3 N.E.: As variações sobre o tema do Destino Manifesto que se desenvolveram ao longo do tempo
com os motivos econômicos em transformação dos colonizadores europeus por trás da apropriação
de recursos africanos são cuidadosamente traçadas na Seção 3, especialmente no capítulo 22, de
Frederick Cooper e as ideologias capitalistas que determinaram a transformação desta exploração e
suas razões em transformação são discutidas por Claude Ake no capítulo 1. Sobre o eurocentrismo
racista sustentado na mídia satélite atual, veja o capítulo 50 de Chinua Achebe
622
A religião tradicional africana e o cristianismo: continuidades e descontinuidades
4 Citado por Tsenay Serequeberhan (1991, p. 4). Para um tratamento excelente das bases filosóficas e
intelectuais de ideologias eurocêntricas que apoiavam as políticas orientadoras da superioridade e do
racismo europeu colonial, veja Cornel West (2002 [1982]).
623
Abraham A. Akrong
5 N.E.: De acordo com Louis Nnamdi Oraka (1983, p. 28), “Rev. Thomas J. Dennis (1900-1929) foi o
melhor e mais prolífico estudante de Igbo e escritor da sua época. Ele usou um Comitê de Tradução
do Idioma Igbo, incluindo nativos Igbo, para traduzir Pilgrim”s Progress e alguns catecismos. Ele
também traduziu o Union Reader e o Union Hymnal. Morreu num naufrágio, em 1917”.
624
A religião tradicional africana e o cristianismo: continuidades e descontinuidades
6 N.E.: A filosofia evolucionista do Iluminismo e da ciência racista vitoriana, que ela inspirou depois,
sustenta a abordagem de missão civilizadora ortodoxa dominante atual para combater HIV/AIDS
na África por meio de programas de modificação de comportamento. Veja o capítulo 56, de Eileen
Stillwaggon.
625
Abraham A. Akrong
Imperialismo cultural
O imperialismo cultural foi o efeito agregado da ideologia do
Destino Manifesto e da filosofia do progresso do Iluminismo. Ele
produziu na Europa uma suposição de superioridade cultural que
afetou todas as transações entre os africanos e os europeus. Esta
foi a principal razão pela qual a maioria dos missionários pode
7 N.E.: James Ferguson, no capítulo 30 desta coletânea, detalha o papel da antropologia como a
disciplina acadêmica que serviu para promulgar estes estereótipos racistas evolucionários com a
profundidade e a persistência mais abrangentes.
626
A religião tradicional africana e o cristianismo: continuidades e descontinuidades
627
Abraham A. Akrong
A reação africana
A reação africana à denegrição e a denominação de cultural
e religião tradicionais veio de várias maneiras, mas a unidade
fundamental foi a resistência da cultura e da espiritualidade
africanas, na busca por manifestação e realização própria dentro das
estruturas do cristianismo missionário domesticado. A dinâmica
da espiritualidade africana estava presente no protesto silencioso
das pessoas nos bancos de igrejas missionárias e nos movimentos
externos de protesto que levaram ao surgimento de diversas formas
de cristianismo local (Akrong, 1998). Os movimentos espirituais
8 N.E.: Estas crenças são mantidas nas filosofias que sustentam o conselho econômico e políticas
educacionais embutido em programas de ajuste estrutural iniciados pelas Instituições de Bretton
Woods (veja Akilagpa Sawyerr, no capítulo 4; e Samir Amin, no capítulo 20 e Kwame Ninsin, no
capítulo 63).
628
A religião tradicional africana e o cristianismo: continuidades e descontinuidades
9 N.E.: Max Assimeng explica a crítica sociológica inerente nestes movimentos messiânicos, veja seu
capítulo 7.
629
Abraham A. Akrong
630
A religião tradicional africana e o cristianismo: continuidades e descontinuidades
11 N.E.: Damian U. Opata nesta seção explica o fenômeno do “culto implacável ao diabo” e da violência
nas ruas contra a infraestrutura religiosa tradicional africana e seu pessoal causada por pentecostalistas
na Nigéria contemporânea.
631
Abraham A. Akrong
632
A religião tradicional africana e o cristianismo: continuidades e descontinuidades
633
Abraham A. Akrong
634
A religião tradicional africana e o cristianismo: continuidades e descontinuidades
A perspectiva fenomenológica
Do ponto de vista autorizado pela fenomenologia da religião15,
a religião tradicional africana é comparável ao cristianismo, com a
qual ela mantém várias crenças e práticas em comum. Este fato é
o que tornou possível, inicialmente, à religião tradicional fornecer
a ecologia espiritual permitiu a implantação e o crescimento
do cristianismo através do processo de evangelização na África
Ocidental colonial. A menos que suponhamos uma ideologia
do imperialismo cultural, é difícil ver como se pode definir a
priori a religião tradicional como sendo basicamente demoníaca
e, portanto, incompatível com o cristianismo (Kirwen, 1993;
Sarpong, 1995).
635
Abraham A. Akrong
636
A religião tradicional africana e o cristianismo: continuidades e descontinuidades
637
Abraham A. Akrong
A perspectiva teológica
Até agora nesta análise não se prestou muita atenção no
que a teologia ocidental ortodoxa de religiões tem a dizer sobre a
religião e a cultura tradicional africanas (Martey, 1993). Falando
de maneira adequada o relacionamento entre religião tradicional
e cristianismo é tratado sob as rubricas da teologia de religiões ou
como um subtópico do Evangelho e da cultura. Isto implica que,
formalmente, as religiões africanas devam ser tratadas a partir da
perspectiva das normas do discurso teológico cristão.
As questões fundamentais que surgem quando a teologia cristã
aborda outras religiões podem ser divididas em três: filosóficas,
teológicas e práticas (John Hick, 1991). A categoria filosófica
lida principalmente com o relacionamento entre reivindicações
absolutas do cristianismo, ou em princípio os preceitos de qualquer
outra religião em relação a outras tradições religiosas. Este é o
tipo de enigma filosófico que estimulou o filósofo britânico David
Hume a formular a problemática das reivindicações absolutas de
638
A religião tradicional africana e o cristianismo: continuidades e descontinuidades
639
Abraham A. Akrong
640
A religião tradicional africana e o cristianismo: continuidades e descontinuidades
***
642
A religião tradicional africana e o cristianismo: continuidades e descontinuidades
643
CAPÍTULO 19
A INTERAÇÃO DE CONCEITOS TRADICIONAIS E
MODERNOS DE SAÚDE
Rose Mary Amenga-Etego
Introdução
Com o aumento atual da popularidade do tratamento de saúde
alternativo, houve um retorno ativo a princípios e formas de cura
“tradicionais” em Gana. Uma quantidade incontável de estórias
retrata a interdependência entre a prática de saúde moderna e os
tratamentos tradicionais. Enquanto algumas pessoas com acesso
a hospitais sempre usam remédios alopáticos receitados por um
médico e consultam profissionais, outros que podem escolher
preferem curandeiros e remédios tradicionais. Mas, para uma
grande maioria de ganenses, a melhor opção é uma combinação
dos dois sistemas, do qual se depende de maneira complementar1.
Desde sua introdução em Gana, o sistema moderno de tratamento
1 Por exemplo, entre os habitantes da cidade é comum tratar queimaduras com ervas medicinais, mas
ir a um hospital para cuidar de membros quebrados. Ainda assim, até mesmo em casos graves de
doenças, como membros quebrados, os pacientes administram analgésicos, massagem, antibióticos
e mezinhas por conta própria. Veja David Brokensha (1966, p. 155).
645
Rose Mary Amenga-Etego
646
A interação de conceitos tradicionais e modernos de saúde
647
Rose Mary Amenga-Etego
648
A interação de conceitos tradicionais e modernos de saúde
649
Rose Mary Amenga-Etego
10 M. F. C. Bourdillon (2000, p. 176-197); John Joseph Collins (1978, p. 119-130). Veja também David W.
Brokensha (1978, p. 155).
11 Constituição da OMS, 1948.
12 Ndaah foi entrevistado na sua casa, em Kologo, em 12 de fevereiro de 2006.
650
A interação de conceitos tradicionais e modernos de saúde
651
Rose Mary Amenga-Etego
14 “0902 – Kasena Nankana District”, 2000 Population and Housing Census, Ghana Statistical Service
and Fact Sheet No. III, Population of Gana: Demographic and Socio-Economic Indicators by District,
set. 2005.
15 Veja também John S. Mbiti (1969, p. 1).
652
A interação de conceitos tradicionais e modernos de saúde
Saúde reprodutiva
A saúde reprodutiva para os Nankani apresenta componentes
religiosos e culturais. A saúde reprodutiva está proximamente
relacionada com os conceitos de maturidade individual, bem-
-estar e ser humano16. Dependente da concepção e da criação de
filhos, a saúde reprodutiva é uma das principais preocupações
dos Nankani. Tradicionalmente, a concepção de filhos ocupa um
lugar central no esquema geral da vida social. Indivíduos, famílias
16 Mercy Amba Oduyoye (1992, p. 12-14).
653
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A interação de conceitos tradicionais e modernos de saúde
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Rose Mary Amenga-Etego
656
A interação de conceitos tradicionais e modernos de saúde
19 Este tipo de febre costuma evoluir para convulsões em crianças. Uma segunda precaução é dada
durante o estado convulsivo quando um homem carrega a criança. Acredita-se que o espírito de
personalidade de um homem seja forte o suficiente para se agarrar ao espírito da criança para
impedir que ele vá embora até que se busque o tratamento correto.
657
Rose Mary Amenga-Etego
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A interação de conceitos tradicionais e modernos de saúde
Planejamento familiar
Certa vez, quando um enfermeiro de saúde comunitária
observou a importância para a saúde da mãe do planejamento
familiar, do espaçamento entre os filhos, da prevenção de gestações
indesejadas, da prevenção de DSTs e do controle populacional, um
tradicionalista respondeu que tudo isto promovia a destruição
de valores tradicionais ao estimular a promiscuidade feminina e
abortos. Ele explicou que algumas das práticas tradicionais em
torno de mães que amamentavam, os conceitos de nyeya (rejeição
de uma criança cuja mãe engravidou jovem) e gyankᴐne (termo
pejorativo que significa bastarda) atendia bem à comunidade e
promovia boas práticas de planejamento familiar. Ele observou
que tradicionalmente os bebês eram alimentados com o leite
materno até que eles conseguissem andar, brincar, falar e comer
sozinhos. Não havia nenhum tempo específico estabelecido para
amamentar os bebês. Diferentemente dos três anos que Rattray
registrou (1932, p. 163-164), o informante tradicionalista disse
que o desmame dependia do crescimento e do bem-estar efetivos
de cada criança e que não havia nenhum limite de tempo fixo ou
preferido para a amamentação. Noel King vê nisto o amor que os
20 R. S. Rattray (1932, p. 166).
659
Rose Mary Amenga-Etego
Preocupações finais
Duas conclusões importantes podem ser derivadas destas
descobertas. Diferentemente do conceito moderno de saúde, as
noções tradicionais de saúde dependem da interdependência
de fatores sobrenaturais (espirituais) e naturais (biológicos)21. A
partir da perspectiva tradicional, os dois fatores são fundamentais
em relação à forma e à causa de qualquer incidente de doença.
O prognóstico, o diagnóstico, o tratamento e a cura dependem
tanto do conhecimento espiritual quanto do conhecimento
biológico. Todo problema de saúde ou é causado ou é permitido
ocorrer no sobrenatural, com o plano físico funcionando como
21 John J. Collins (1978, p. 106-131); David Westerlund (2002, p. 151-175).
660
A interação de conceitos tradicionais e modernos de saúde
661
Rose Mary Amenga-Etego
***
662
Formato 15,5 x 22,5 cm
Internacionais
Relações
Relações
coleção
O Resgate das Ciências Humanas e das Humani- Internacionais
É com satisfação que a Fundação Alexandre de
dades através de perspectivas Africanas terá im- 747 Gusmão (FUNAG) apresenta este ambicioso
pacto no tratamento da temática e na percepção Helen Lauer e Kofi Anyidoho projeto de tradução para o português, em quatro
correta do alcance da contribuição da África (Organizadores) volumes, de Reclaiming the Human Sciences and
para o desenvolvimento da humanidade. Muitas Humanities Through African Perspectives. Publica-
trilhas alternativas poderão ser abertas com sua
(Organizadores)
vizinhança de além-mar, que tanto marcou a for- histórica, étnica e cultural para o Brasil. Ainda existe um desconhecimento pro-
mação e a evolução do Brasil e que ainda busca o fundo a superar, apesar do trabalho recente de acadêmicos e de centros de estudos e das Humanidades através os autores apresentam interpretação dos desafios
e questões com que se deparam os povos africa-
resgate pleno de sua identidade. africanos criados em diferentes partes do País. Nesse sentido, a FUNAG publica
Sérgio Eduardo Moreira Lima
O Resgate das Ciências Humanas e das Humanidades através de Perspectivas Afri- de Perspectivas Africanas nos de uma perspectiva própria, ainda pouco co-
nhecida, que busca conjugar autonomia cultural
canas, uma compilação de estudos, apresentados inicialmente em um simpósio na com cidadania e desenvolvimento. Trata-se de um
Presidente da Fundação Alexandre de Gusmão
Universidade de Gana, em 2003, no esforço de refletir sobre a questão do ponto exercício essencialmente crítico de aspectos do
de vista científico com vistas a restabelecer, no plano mais alto do conhecimen- Volume II pensamento ocidental e de sua influência tanto so-
to, a perspectiva ausente, resultante de séculos de domínio e exploração externa bre a realidade africana, quanto sobre a percepção
amparadas em teorias que não poderiam subsistir ao escrutínio da História. Os dessa realidade.
trabalhos elaborados para o simpósio no campus da Universidade de Gana foram
coleção
Internacionais
Volume II
Ministério das relações exteriores
Instituto de Pesquisa de
Relações Internacionais
Centro de História e
Documentação Diplomática
Conselho Editorial da
Fundação Alexandre de Gusmão
Volume II
Brasília – 2016
Direitos de publicação reservados à
Fundação Alexandre de Gusmão
Ministério das Relações Exteriores
Esplanada dos Ministérios, Bloco H
Anexo II, Térreo
70170-900 Brasília–DF
Telefones: (61) 2030-6033/6034
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Equipe Técnica:
Eliane Miranda Paiva
Fernanda Antunes Siqueira
Gabriela Del Rio de Rezende
Luiz Antônio Gusmão
André Luiz Ventura Ferreira
Acauã Lucas Leotta
Márcia Costa Ferreira
Livia Milanez
Renata Nunes Duarte
Projeto Gráfico:
Daniela Barbosa
Tradução:
Rodrigo Sardenberg
Título original: Reclaiming the human sciences and humanities through African
perspectives
CDU 301.19(6)
Volume 1
Seção 1: Examinando a produção do conhecimento como
instituição social
Seção 2: Explicando ações e crenças
Volume 2
Seção 3: Reavaliando o “desenvolvimento”
Seção 4: Medindo a condição humana
Volume 3
Seção 5: Lembrando a História
Seção 6: “África” como sujeito do discurso acadêmico
Seção 7: Debatendo democracia, comunidade e direito
Volume 4
Seção 8: Revisitando a Expressão Artística
Seção 9: Recuperando a Voz da Autoridade
Referências bibliográficas
SUMÁRIO
Seção 3
Reavaliando o “Desenvolvimento”
Capítulo 20
Pobreza mundial, empobrecimento e o acúmulo de capital .....665
Apêndice: O uso de conceitos falsos no discurso convencional
sobre a África (será a África realmente marginalizada?) .............. 677
Samir Amin
Capítulo 21
O desenvolvimento internacional e as ciências sociais .............693
Frederick Cooper e Randall Packard
Capítulo 22
O conceito de desenvolvimento dos burocratas britânicos e
franceses ..............................................................................................735
Frederick Cooper
Capítulo 23
Até que ponto os ODMs são adequados para alcançar
a redução da pobreza e o desenvolvimento em Gana? ...............761
Abena D. Oduro
Capítulo 24
Desenvolvimento de Gana: evidência técnica
versus a evidência de rua .................................................................775
Agnes Apusigah
Capítulo 25
De acordo com quem? Negociando o desenvolvimento
participativo num cenário flexível de diretrizes ..........................801
Nana Akua Anyidoho
Capítulo 26
Degradação ambiental e crescimento populacional
no Norte de Gana: corrigindo a conta recebida ..........................825
Jacob Songsore
Capítulo 27
Industrialização e ensino superior de Gana: será
que estamos fazendo a coisa no momento certo? .......................853
Ivan Addae-Mensah
Capítulo 28
Será que as “TICs” proporcionam “empoderamento”
econômico a mulheres que vivem na área rural de Uganda? ....899
Patricia K. Litho
Capítulo 29
Desenvolvimento do Senegal: da mobilização em massa
ao elitismo tecnocrático ...................................................................917
Mamadou Diouf
Capítulo 30
Antropologia e seu gêmeo maligno: “desenvolvimento” na
constituição de uma disciplina .......................................................959
James Ferguson
Seção 4
Medindo a condição humana
Capítulo 31
Opiniões políticas sobre a África do Sul disfarçadas de ciência:
questões de responsabilidade profissional na comunidade de
pesquisa científica .............................................................................995
Serge Lang
Capítulo 32
Cartas da África do Sul ................................................................. 1031
Lilian Ngoyi
Capítulo 33
Alguns problemas teóricos e práticos associados com o
uso de instrumentos ocidentais para medir capacidades
cognitivas no continente africano ............................................... 1063
J. Y. Opoku
Capítulo 34
“Raça” e “QI”..................................................................................... 1083
Kwame Anthony Appiah
Capítulo 35
Choque de realidade: os custos e as condições do
ensino básico gratuito para todos na Região de
Grande Accra ................................................................................... 1107
Judith S. Sawyerr
Capítulo 36
Estratégias globais de saúde para combater a AIDS na
África requerem evidência, não comoção.................................. 1155
Andrew Maniotis e Charles L. Geshekter
Capítulo 37
Medicamentos de AIDS para a África: remapeando o
caminho do desenvolvimento de medicações .......................... 1199
Elizabeth Ely
Capítulo 38
“Necessidade insatisfeita” de quem? “Desacordo” sobre
a concepção entre casais ganenses: uma crítica à metodologia
de pesquisa “KAP” padrão............................................................. 1223
Akosua Adomako Ampofo
SEÇÃO III
REAVALIANDO O “DESENVOLVIMENTO”
CAPÍTULO 20
POBREZA MUNDIAL, EMPOBRECIMENTO E
ACÚMULO DE CAPITAL1
Samir Amin
665
Samir Amin
666
Pobreza mundial, empobrecimento e acúmulo de capital
667
Samir Amin
668
Pobreza mundial, empobrecimento e acúmulo de capital
669
Samir Amin
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Pobreza mundial, empobrecimento e acúmulo de capital
671
Samir Amin
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Pobreza mundial, empobrecimento e acúmulo de capital
673
Samir Amin
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Pobreza mundial, empobrecimento e acúmulo de capital
675
Samir Amin
676
Pobreza mundial, empobrecimento e acúmulo de capital
APÊNDICE2
O USO DE CONCEITOS FALSOS NO DISCURSO
CONVENCIONAL SOBRE A ÁFRICA (SERÁ A ÁFRICA
REALMENTE MARGINALIZADA?)
I
Costuma-se dizer que a África é “marginalizada”. A frase
sugere que o continente – ou pelo menos a maior parte dele ao
sul do Saara, exceto talvez a África do Sul – esteja “fora” do
sistema global, ou na melhor das hipóteses, integrado a ele apenas
superficialmente. Também é comum sugerir que a pobreza do
povo africano seja exatamente o resultado de as suas economias
não serem suficientemente integradas ao sistema global. Eu quero
contestar estas visões.
Vamos considerar, em primeiro lugar, alguns fatos raramente
mencionados pelos portadores de incenso da globalização atual.
Em 1990, a relação entre o comércio extrarregional e o PIB foi de
45,6 para a África enquanto era de apenas 12,8 para a Europa, de 13,2
para a América do Norte, de 23,7 para a América Latina e de 15,2
para a Ásia. Estas relações não foram significativamente diferentes
durante todo o século XX. A média para o mundo foi de 14,9 em
2 Originalmente publicado como o Capítulo 5 no Volume I de History and Philosophy of Science for
African Undergraduates, ed. H. Lauer, (2003) Ibadan: Hope Publications, p. 130-135.
677
Samir Amin
678
Apêndice - Pobreza mundial, empobrecimento e acúmulo de capital
679
Samir Amin
II
Com base na metodologia que eu sugiro aqui, agora podemos
observar as diversas fases da integração da África ao sistema
global e identificar as maneiras específicas em que essa integração
funcionou para cada uma das fases sucessivas analisadas.
A África foi integrada ao sistema global desde o começo
da construção desse sistema, na fase mercantilista do começo
do capitalismo (os séculos XVI, XVII e XVIII). A periferia mais
importante daquela época foi a das Américas coloniais onde
uma economia de exportação voltada para fora foi estabelecida,
dominada pelos interesses capitalistas mercantis europeus
atlânticos. Por sua vez, essa economia de exportação, concentrada
no açúcar e no algodão, foi baseada na mão de obra escrava.
Portanto, através do comércio de escravos, grandes partes da África
680
Apêndice - Pobreza mundial, empobrecimento e acúmulo de capital
681
Samir Amin
682
Apêndice - Pobreza mundial, empobrecimento e acúmulo de capital
683
Samir Amin
III
Ainda assim, tendo reconquistado sua independência política,
os povos da África se envolveram desde 1960 em projetos de
desenvolvimento, cujos principais objetivos eram mais ou menos
idênticos aos perseguidos na Ásia e na América Latina, apesar
das diferenças de discursos ideológicos que os acompanhava aqui
e ali. Este denominador comum é facilmente entendido se nós
684
Apêndice - Pobreza mundial, empobrecimento e acúmulo de capital
685
Samir Amin
686
Apêndice - Pobreza mundial, empobrecimento e acúmulo de capital
687
Samir Amin
IV
O que aconteceu após a erosão dos projetos de desenvolvimento
nacional das décadas de 1960 e 1970 está bem documentado.
O ponto de partida foi a inversão brutal dos equilíbrios de forças
sociais, para o benefício do capital, que ocorreu na década de 1980.
O capital dominante, conforme representado pelas corporações
transnacionais (TNCs), tomou a iniciativa, funcionando na
África através dos chamados “programas de ajuste estrutural”
impostos a todo o continente desde a metade da década de 1980.
Eu digo chamados porque, na verdade, esses programas são mais
conjunturais do que estruturais, sendo que seu alvo real e exclusivo
é a subordinação das economias da África à limitação de pagar a
dívida externa elevada, a qual, por sua vez, em grande parte, é o
próprio produto da estagnação que começou a aparecer nos países
menos desenvolvidos (industrialmente) (LDCs), juntamente com o
aprofundamento da crise do sistema global.
Durante as últimas duas décadas do século, as taxas médias
de crescimento do PIB caíram para aproximadamente metade do
que elas tinham sido nas duas décadas anteriores, para todas as
regiões do mundo, inclusive a África, exceto para a Ásia Oriental.
Foi durante este período de crise estrutural que a dívida externa dos
países do Terceiro Mundo (e da Europa Oriental) começou a crescer
perigosamente. A crise global é realmente – como costuma ser –
688
Apêndice - Pobreza mundial, empobrecimento e acúmulo de capital
689
Samir Amin
690
Apêndice - Pobreza mundial, empobrecimento e acúmulo de capital
***
691
Samir Amin
692
CAPÍTULO 21
O DESENVOLVIMENTO INTERNACIONAL E AS
CIÊNCIAS SOCIAIS1
Frederick Cooper e Randall Packard
1 Revisado e resumido a partir de Frederick Cooper e Richard Packard (orgs.), “Introduction”, in:
International Development and the Social Sciences: Essays on the History and Politics of Knowledge
(1997), Berkeley: California University Press, p. 1-41.
693
Frederick Cooper e Randall Packard
694
O desenvolvimento internacional e as ciências sociais
2 Para uma análise concisa da sucessão de teorias na economia, veja Arndt (1987).
695
Frederick Cooper e Randall Packard
3 Nossa discussão está limitada aos relacionamentos do Primeiro e do Terceiro Mundos. Isto não ocorre
porque a experiência do desenvolvimento nos regimes comunistas não esteja relacionada com os
problemas que estão sendo discutidos aqui: na verdade, as sociedades comunistas representam o
modelo de desenvolvimento alternativo mais claro aos discutidos aqui. De várias maneiras, o etos
desenvolvimentista do comunismo tem paralelos com a variante capitalista e realmente existem
conexões, como na influência de modelos de planejamento soviético na Índia de Nehru. Aqui
não fazemos nada além de chamarmos a atenção para essas questões, pois o desenvolvimentismo
comunista é um assunto que merece ser analisado profundamente e com sensibilidade às suas
variantes e complexidades.
4 Uma introdução valiosa a debates recentes é Watts (1993). McCloskey (1985) chama a economia
convencional de “modernista” devido à sua reivindicação de ter descoberto leis universais do
comportamento humano e seus argumentos com este tipo de modernismo serão discutidos adiante.
Ironicamente, seu tratamento mais resumido da economia do desenvolvimento (1987) acaba com
uma posição muito próxima do que chamamos de ultramodernismo.
5 Esse tipo de argumento passou da divergência à dominação. Veja Bauer (1972) e Lal (1985).
696
O desenvolvimento internacional e as ciências sociais
697
Frederick Cooper e Randall Packard
698
O desenvolvimento internacional e as ciências sociais
6 Trata-se de um campo amplo demais para ser investigado aqui. Mas (além de estudos de antropologia
e economia citados abaixo), veja Novick (1988), Fisher (1993), Mudimbe (1988).
699
Frederick Cooper e Randall Packard
7 O trabalho de McCloskey em si desencadeou uma conversa: Klamer et al. (1988), Nelson et al. (1987)
e especificamente a crítica pungente em Rosenberg (1992), capítulos 2 e 4.
8 Klitgaard (1990) detalha os especialistas em desenvolvimento que passaram pelo minúsculo país
da Guiné Equatorial enquanto ele estava lá: dos Estados Unidos, Grã-Bretanha, Alemanha, Espanha,
Argentina e Chile, trabalhando para o Banco Mundial, as Nações Unidas, igrejas e outras organizações
700
O desenvolvimento internacional e as ciências sociais
O desenvolvimento na história
Muitas das atividades que agora são consideradas como desen-
volvimento – assim como o etos do progresso direcionado – têm
701
Frederick Cooper e Randall Packard
702
O desenvolvimento internacional e as ciências sociais
11 O ponto óbvio de que o crescimento econômico e a mudança institucional ocorreram até mesmo
onde os desenvolvedores não tentaram alcançá-los de maneira consciente foi enfatizado por
defensores do livre mercado (Bauer, 1984) e por africanistas que querem mostrar que os próprios
africanos foram agentes do progresso (Chauveau, 1985).
703
Frederick Cooper e Randall Packard
704
O desenvolvimento internacional e as ciências sociais
12 Citada em Escobar (1995, p. 3). Para um histórico, veja Rosenberg (1982). Veja também Sharpless
(1997); Packenham (1973); Lumsdaine (1993).
705
Frederick Cooper e Randall Packard
Desenvolvimentos diferentes?
Não se pode estimar o poder da ideia do desenvolvimento sem
perceber que a possibilidade de a vida moderna e a melhora dos
padrões de vida poderem ser abertos a todos, independentemente
de raça ou história de conquista colonial, era uma possibilidade
libertadora na década de 1950, ansiosamente agarrada por muitas
pessoas nas colônias. O desenvolvimento deu à liderança africana
e asiática um senso de missão, pois elas estavam posicionadas para
assimilarem o melhor que a Europa tinha a oferecer enquanto
rejeitavam sua história de opressão e arrogância cultural. Estas
elites se posicionaram para intermediarem relacionamentos entre
sociedades, mercados mundiais e organizações internacionais
variados.
Conforme Stacy Pigg (1992) escreve no que diz respeito
a Nepal, intelectuais e elites políticas – através da educação e
vínculos com o próprio aparato do desenvolvimento –tornaram-se
parte de uma tentativa comunitária mundial de classificar, analisar
e reformar instituições sociais locais, que se acomodavam cada vez
706
O desenvolvimento internacional e as ciências sociais
707
Frederick Cooper e Randall Packard
708
O desenvolvimento internacional e as ciências sociais
709
Frederick Cooper e Randall Packard
710
O desenvolvimento internacional e as ciências sociais
sua intervenção ocorreu num momento em que o colonialismo estava caindo e que os estudiosos
estavam mais interessados em explorar novas possibilidades em vez de investigarem a ordem que
estava morrendo na profundidade que o argumento de Balandier implicava.
14 Lanteri (1985, p. 217).
15 Veja Martin e Knapp (1967) para artigos sobre os problemas de ensinar a economia do
desenvolvimento.
711
Frederick Cooper e Randall Packard
16 W. A. Lewis (1954, 1955); veja também Arndt (1987), Meier e Seers (1984), Meier (1987) e Cooper
(1997). Stephen Gudeman apresentou um artigo de workshop argumentando que a teoria de Lewis
obscureceu a especificidade do “setor tradicional”.
17 Hirschman foi criticado por não colocar suas ideias em modelos matemáticos rigorosos e foi
defendido por discutir o desenvolvimento numa forma narrativizada que enfatizou o “aprendizado”
dentro de sociedades, a criação de vínculos entre atores econômicos e a importância de uma análise
empiricamente rica, específica de cada situação. Veja o simpósio recente sobre a sua obra publicado
por Rodwin e Schon (1994).
712
O desenvolvimento internacional e as ciências sociais
713
Frederick Cooper e Randall Packard
714
O desenvolvimento internacional e as ciências sociais
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Frederick Cooper e Randall Packard
716
O desenvolvimento internacional e as ciências sociais
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Frederick Cooper e Randall Packard
19 Essas abordagens sobre o desenvolvimento são semelhantes às visões dicotômicas que se tornaram
influentes em estados coloniais, em obras variando de Fanon a James Scott (1990) a Estudos
Subalternos (Guha e Spivak, 1988): a “autonomia” da classificação a partir do discurso colonial.
Para argumentos a favor de uma abordagem interativa, não binária veja Cooper (1994) e Cooper
e Stoler (1997). O artigo de workshop de David Ludden ligou questões de desenvolvimento aos
Estudos Subalternos, argumentando que as formas variadas em que agricultores indianos adotavam
quaisquer iniciativas disponíveis para eles levanta questões sobre a utilidade de uma categoria como
a “subalternidade”.
718
O desenvolvimento internacional e as ciências sociais
20 Thomas Biersteker analisa o movimento atual para a democratização e as formas como ele influenciou
as instituições de desenvolvimento e as prioridades nacionais; Kwasi Wiredu também apresentou um
artigo sobre as relações entre democracia e desenvolvimento.
21 Participante numa série de três workshops realizados em 1993-1994 na Universidade de Emory,
na Universidade de Michigan e na Universidade da Califórnia em Berkeley, sobre desenvolvimento
internacional e as ciências sociais, patrocinados pelo Joint Committee on African Studies of the
American Council of Learned Societies e pelo Social Science Research Council.
719
Frederick Cooper e Randall Packard
720
O desenvolvimento internacional e as ciências sociais
23 Raymond Cartier (1956ª, p. 41) e (1956b, p. 41), grifo nosso. A importância deste debate é enfatizada
em Marseille (1984, p. 11, 359, 373).
721
Frederick Cooper e Randall Packard
722
O desenvolvimento internacional e as ciências sociais
25 Veja, por exemplo, os esforços para dar notas diferentes relativas aos Estados Unidos baseadas em
quais categorias pré-configuradas podem ser marcadas no African Governance Program of the Carter
Center (um exercício repetido em cada edição do Boletim de Notícias do Centro, African Demos).
Para uma pesquisa dos efeitos da condicionalidade política sobre os estados africanos, veja Robinson
(1995).
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Frederick Cooper e Randall Packard
724
O desenvolvimento internacional e as ciências sociais
28 A crítica feita por Emery Roe de estudiosos que sempre uma encontram uma razão pela qual um
projeto de desenvolvimento deve ser considerado pernicioso, gerou uma discussão interessante
destes pontos. Veja também seu artigo e críticas dele em Roe (1994).
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Frederick Cooper e Randall Packard
726
O desenvolvimento internacional e as ciências sociais
727
Frederick Cooper e Randall Packard
30 Também já foi mostrado que povos diferentes têm conceitos de mudança que podem ser traduzidos
como “desenvolvimento”. Veja Peel (1978).
728
O desenvolvimento internacional e as ciências sociais
31 Estas questões foram centrais para dois workshops realizados depois dos representados neste
volume, no Harvard Institute for International Development em 1995-96 sob o título “Development
Encounters”, e organizados por Pauline Peters e Frederick Cooper.
32 Um gênero mais comum – denúncias abrangentes do Banco Mundial feitas por críticos de esquerda
ou rejeições abrangentes de tudo que as burocracias estatais fazem por críticos de direita – não chega
ao fundo das questões. Para uma visão mais matizada do Banco, veja Laidi (1989).
729
Frederick Cooper e Randall Packard
33 Alguns críticos gostariam de ver iniciativas para a mudança vindas de movimentos sociais em vez
de vindas de um modelo global como o desenvolvimento (Escobar, 1995). Isto implora a pergunta
fundamental: o que distingue um movimento social “bom”, que expande as oportunidades para a
realização humana, de um movimento social “ruim”, que impõe um tipo de particularismo a outras
pessoas? Os dois são movimentos sociais e implicitamente o crítico está impondo algum tipo de
critérios gerais do progresso humano a eles – em resumo, voltando ao mesmo tipo de discurso
universalizante que eles criticam no conceito do desenvolvimento. Escobar e outros estão fazendo
um esforço bastante válido para procurarem um “nós” mais modesto, mais culturalmente específico,
menos universalista implicado na ideia de que “nós podemos fazer um mundo melhor” do que as
versões mais totalizantes do modelo de desenvolvimento. Ainda assim, a solução deles não resolve
mais as tensões de universal e específico do que o conceito de desenvolvimento – que também é
receptivo à variação e reconhecimento das tensões que ele incorpora (veja Gupta, 1997).
34 Desde o século XVIII, as retóricas tanto a favor quanto contra o mercado desempenharam papeis
fundamentais na mobilização política na América Latina, da mesma forma que a crítica do mercado
foi invocada contra a dor que o comércio internacional causou em outras situações. Salvatore (1993).
731
Frederick Cooper e Randall Packard
732
O desenvolvimento internacional e as ciências sociais
***
733
Frederick Cooper e Randall Packard
734
CAPÍTULO 22
O CONCEITO DE DESENVOLVIMENTO DOS
BUROCRATAS BRITÂNICOS E FRANCESES1
Frederick Cooper
1 Revisado e resumido de “Modernising Burocrats, Backward Africans, and the Development Concept”
in: Cooper, Frederick e Randall, Packard (orgs.), International Development and the Social Sciences,
Berkeley: University of California Press, 1997, p. 64-92.
735
Frederick Cooper
736
O conceito de desenvolvimento dos burocratas britânicos e franceses
737
Frederick Cooper
3 Estes comentários vêm de reuniões dos Groupements Professionels Colonials, Comite Centrale, 10
de março de 1943, da Commission des Questions Sociales, 5 de fevereiro de 1943, AE 51, do Comite
Centrale, 7 de abril de 1943, AE 61, dos Archives Nacionales, Section Outre-Mer (a partir de agora
chamada de ANSOM) e de Mounier (1942, p. 75, 161-67).
738
O conceito de desenvolvimento dos burocratas britânicos e franceses
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Frederick Cooper
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O conceito de desenvolvimento dos burocratas britânicos e franceses
741
Frederick Cooper
7 Transcrição de African Governors’ Conference, 12 de novembro de 1947, 40. Ernest Bevin, o Secretário
das Relações Exteriores, transformou esta esperança num mundo da fantasia desenvolvimentista,
prevendo “grandes montanhas de manganês” e de outras matérias-primas na África e afirmando,
“Se nós pelo menos prosseguíssemos e desenvolvêssemos a África, nós poderíamos ter os Estados
Unidos dependentes de nós e comendo na nossa mão em quatro ou cinco anos”. Bevin citado nos
diários de Hugh Dalton, 15 de outubro de 1948; citado em Pearce (1982: 95-6). Para a version française
do argumento de que nós precisamos da África de maneira absoluta, veja o Governador Roland Pre,
discurso ao Conselho Geral da Guiné, 22 de outubro de 1949, Agence FOM 393/5bis, ANSOM.
742
O conceito de desenvolvimento dos burocratas britânicos e franceses
8 Arthur Creech Jones e Sir Stafford Cripps, discursos na African Governors’ Conference, 1947; Creech
Jones, Memorando sobre “Development of Colonial Development Working Party,” 1948, 4-5, CO
852/868/5; Partido Trabalhista do Desenvolvimento Colonial, Relatório Provisório, 19 de abril de 1948,
PREM 8/923, PRO; Creech Jones para Stafford Cripps, 19 de novembro de 1949, Creech Jones Papers,
Rhodes House, Oxford, 44/1, folios 133-36. “The Future Work of the Colonial Development Working
Party,” EPC(48)35, 27 de abril de 1948, PREM 8/923, Creech Jones, discurso, “Development of Backward
Areas,” 1949, e “Some Practical Achievements in the Colonies since the War,” Colonial Office paper,
7 de dezembro 1948, Creech Jones Papers, 44/1 e 44/2, Rhodes House, Oxford University. Então
funcionários ansiosos do governo estavam dispostos a se juntarem à obsessão com o crescimento
econômico que estava surgindo entre os economistas (Arndt, 1978). Veja também Cowen (1984) e
Cowen e Shenton (1991).
743
Frederick Cooper
745
Frederick Cooper
9 Creech Jones, discurso na Conferência dos Governadores, 1947, 22; Governador Mitchell do Quênia
para Creech Jones, 30 de maio de 1947, CO 847/35/47234/1/47; Sydney Caine, Minuta, 23 de abril de
1946, CO 852/1003/3; Creech Jones, Despacho Circular, 13 de julho de 1948, CO 852/10003/4, PRO.
10 Relatório do Comitê Sobre a Conferência de Governadores Africanos, 22 de maio de 1947, apêndice 6;
“The Economic Development of Agricultural Production in the African Colonies”, CO 847/36/47238,
PRO.
746
O conceito de desenvolvimento dos burocratas britânicos e franceses
11 AOF, Inspection du Travail, Relatório Anual, 1951; Senegal, Rapport Economique, 1947.
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Frederick Cooper
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O conceito de desenvolvimento dos burocratas britânicos e franceses
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O conceito de desenvolvimento dos burocratas britânicos e franceses
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O conceito de desenvolvimento dos burocratas britânicos e franceses
753
Frederick Cooper
15 Lewis (1954). Algumas das ideias de Lewis sobre o excedente de mão de obra – apesar de não o
dualismo setorial rigoroso – teve antecedentes na obra de P.N. Rosenstein-Rodan, especialmente
1943. O pensamento da época da guerra sobre o pós-guerra foi importante para abrir perguntas de
investimento planejado na profissão de economista e entre conselheiros políticos. Veja Arndt (1987,
p. 43-48).
16 Lewis (1954, p. 141, 147-8). O setor tradicional poderia incluir trabalhadores informais urbanos e
pequenos comerciantes, de quem o ato de eliminar pessoas não significaria a perda de tempo de
trabalho gasto coletivamente fazendo suas atividades anteriores. Lewis (1955a, p. 193) era a favor
de políticas de estabilização do trabalho, consistentes com seu desejo de construir uma força de
trabalho no setor moderno.
17 Lewis (1954, p. 149, 159; 1939). Para outra visão das suposições de Lewis sobre o setor tradicional –
especialmente se a repressão é necessária para manter uma taxa salarial constante – Weeks (1971).
754
O conceito de desenvolvimento dos burocratas britânicos e franceses
755
Frederick Cooper
Conclusão
Como se lê o que este intelectual colonial e cientista social
estava dizendo? Numa primeira olhada, parece uma parábola do
neocolonialismo: o surgimento de um discurso internacional que
produz o dualismo do relacionamento colonial sem seu racismo
explícito e sem sua dependência do exercício direto do poder
político por um governo imperial. Foi mais complicado do que
isso. A ideologia do desenvolvimento originalmente deveria
sustentar o império, não facilitar a transferência de poder. Ainda
assim, os argumentos desenvolvimentistas – sobre a política
trabalhista e sobre o planejamento econômico – poderiam
ser apropriados por líderes sindicais e políticos na África. Da
mesma maneira que se pode ler o universalismo do discurso de
desenvolvimento como uma forma de particularismo europeu
imposta no exterior, também poderia ser lido – conforme Lewis
fez – como uma rejeição das premissas básicas do governo
colonial, uma afirmação sólida para que pessoas de todas as raças
participassem da política global e reivindicassem um padrão de
vida definido globalmente.
poderia ocorrer tirando o povo da sua abrangência e trazendo-o para um setor moderno, W.A.
Lewis, “Principles of Development Planning”, memorando para o Colonial Economic and Devepment
Council, 11 de abril de 1948, artigos do Fabian Colonial Bureau, Rhodes House, Oxford University,
67/1, item 1.
756
O conceito de desenvolvimento dos burocratas britânicos e franceses
20 N.E.: O artigo citado aqui por Mamadou Diouf está reproduzido como o Capítulo 29.
757
Frederick Cooper
***
758
O conceito de desenvolvimento dos burocratas britânicos e franceses
759
CAPÍTULO 23
ATÉ QUE PONTO OS ODMS SÃO ADEQUADOS
PARA ALCANÇAR A REDUÇÃO DA POBREZA E O
DESENVOLVIMENTO EM GANA?
Abena D. Oduro
Gênese
Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODMs) foram
expostos formalmente em setembro do ano 2000 com a adoção
da Declaração do Milênio por chefes de estado e de governo.
A gênese dos ODMs remonta a meados da década de 1990, quando
o Comitê de Assistência ao Desenvolvimento da Organização para a
Cooperação Econômica e Desenvolvimento decidiu investigar quais
estratégias de desenvolvimento levariam a uma eficácia de auxílio.
Os ODMs não são novos. Eles são uma “[...] série de objetivos
concretos, de médio prazo, todos baseados nas recomendações
das principais conferências das Nações Unidas [...]”1. Os objetivos
se desenvolveram cada vez mais a ponto de virarem a referência
1 Memórias de Jim Michel, que serviu como Diretor do Comitê de Assistência ao Desenvolvimento de
1994 a 1999. Disponível em: <http://www.oecd.org/documentprint/>.
761
Abena D. Oduro
762
Até que ponto os ODMs são adequados para alcançar a redução da pobreza e o desenvolvimento em Gana?
764
Até que ponto os ODMs são adequados para alcançar a redução da pobreza e o desenvolvimento em Gana?
765
Abena D. Oduro
5 N.E.: Sobre a avaliação da qualidade e dos padrões no fornecimento de ensino básico gratuito e
compulsório, garantido pela Constituição de Gana de 1994, veja o capítulo 35 de Judith Sawyerr na
Seção 4.
766
Até que ponto os ODMs são adequados para alcançar a redução da pobreza e o desenvolvimento em Gana?
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Abena D. Oduro
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Até que ponto os ODMs são adequados para alcançar a redução da pobreza e o desenvolvimento em Gana?
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Abena D. Oduro
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Até que ponto os ODMs são adequados para alcançar a redução da pobreza e o desenvolvimento em Gana?
Conclusão
Atingir os ODMs tornou-se uma parte integral da formulação
da política e do planejamento de desenvolvimento em Gana.
No entanto, na elaboração, no monitoramento e na avaliação de
políticas nacionais e distritais, além dos planos e estratégias
de desenvolvimento, é fundamental lembrar que os ODMs são
referências mínimas. Então, os ODMs não focam explicitamente
nos idosos e nos deficientes. Eles têm uma perspectiva limitada
no que diz respeito à autonomia de mulheres e se calam no que
771
Abena D. Oduro
***
772
Até que ponto os ODMs são adequados para alcançar a redução da pobreza e o desenvolvimento em Gana?
773
CAPÍTULO 24
DESENVOLVIMENTO DE GANA: A EVIDÊNCIA
TÉCNICA VERSUS A EVIDÊNCIA DE RUA
Agnes Atia Apusigah
Introdução
Gana tem se saído melhor na sua iniciativa de crescimento
socioeconômico do que no seu ímpeto de redução da pobreza.
Enquanto os relatórios oficiais demonstram reduções variáveis,
porém significativas nos níveis e na incidência da pobreza (MFEP,
2006; Governo de Gana, 2003; NDPC, 2005), diversas avaliações
críticas/independentes e anedotas pessoais indicam o contrário,
ou seja, a piora nas condições humanas (SEND, 2006; MacKay e
Aryeetey, 2004).
Durante as últimas duas décadas e meia, Gana iniciou esforços
persistentes para acelerar suas aspirações de desenvolvimento.
Várias avaliações, críticas e relatórios feitos tanto por especialistas
externos quanto internos e por legisladores apontam para o
crescimento em várias áreas da economia (ISSER, 2004; Banco
775
Agnes Atia Apusigah
776
Desenvolvimento de Gana: a evidência técnica versus a evidência de rua
777
Agnes Atia Apusigah
1 Muitas pessoas consideram uma grande ironia o fato de Rawlings e o regime P/NDC terem começado
com uma pauta de extrema esquerda apenas para adotarem o neoliberalismo ao longo do caminho.
Eles continuam a fazer pose de democratas sociais se deslocando para uma posição de esquerda
moderada.
2 É concebível caracterizar a administração dominante da NPP sob o Presidente Kufuor como sendo
democrata liberal e se deslocando mais para a direita.
778
Desenvolvimento de Gana: a evidência técnica versus a evidência de rua
779
Agnes Atia Apusigah
780
Desenvolvimento de Gana: a evidência técnica versus a evidência de rua
781
Agnes Atia Apusigah
Taxas de inflação
As tendências inflacionárias também são um indicador
importante em avaliações técnicas do progresso. De acordo
782
Desenvolvimento de Gana: a evidência técnica versus a evidência de rua
783
Agnes Atia Apusigah
Taxas de câmbio
Como parte dos arranjos de Bretton Woods, Gana teve que
instituir controles fiscais e adotar medidas disciplinares que vêm
tendo efeitos tremendos sobre suas taxas de câmbio. Avaliações
da economia antes disso tinham revelado que a moeda local estava
supervalorizada em relação a moedas estrangeiras importantes
como o dólar americano, a libra britânica e o euro europeu. Então,
medidas foram instituídas para desvalorizar o cedi, a moeda local,
de dois para quatro dígitos, desde a década de 1980.
Uma avaliação da variação da taxa de câmbio nominal entre
2000 e 2005 do cedi em relação a três das principais moedas
mostra aumentos consistentes no valor de depreciação do cedi.
O quociente entre o dólar americano e o cedi de Gana aumentou de
7.047,65 no ano 2000 para 9.130,82 em 2005. No que diz respeito
ao euro, a lacuna de valor aumentou de 6.343,47 no ano 2000 para
10.814,97 e em relação à libra esterlina o valor do cedi diminuiu de
10.189,87 no ano 2000 para 15.673,30 (ISSER, 2005). Discussões
oficiais sobre as taxas de câmbio costumam projetar esta situação
784
Desenvolvimento de Gana: a evidência técnica versus a evidência de rua
Níveis de despesas
Os governos de Gana, no passado e no presente, foram e são
muito rápidos para fazer cotação de despesas para mostrarem
quanto investimento foi feito na socioeconomia. Despesas do
governo em infraestrutura e serviços – inclusive educação,
saúde, previdência social e criação de empregos – costumam ser
785
Agnes Atia Apusigah
786
Desenvolvimento de Gana: a evidência técnica versus a evidência de rua
787
Agnes Atia Apusigah
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Desenvolvimento de Gana: a evidência técnica versus a evidência de rua
789
Agnes Atia Apusigah
Taxas de juros
Um desenvolvimento interessante em debates atuais sobre
prudência fiscal e desempenho econômico tem sido a queda das
taxas de juros. Tecnocratas e políticos são rápidos para brindarem
suas realizações na queda das taxas de juros. O debate toma a
forma da capacidade de atrair investidores estrangeiros, melhorar
o empréstimo bancário e aumentar a tomada de empréstimo do
setor privado. Taxas de juros baixas tornaram-se uma medida
importante de uma economia estável e em crescimento, onde a
inflação e as taxas de câmbio são estáveis e onde há crescimento
no negócio liderado pelo setor privado. Espera-se que as taxas
reduzidas de juros reflitam na redução do custo de taxas de
empréstimos. A intenção disto é estimular os investidores privados
a buscarem fontes para capital de risco a partir de fontes privadas
(bancos). Uma avaliação da eficácia de ferramentas monetárias
contínuas leva os autores do ISSER a concluírem (2005, p. 13-14):
A taxa preferencial de juros do Banco de Gana caiu
de 18,5% em dezembro para 16,5% em maio de
2005, depois caiu para 15,5% de setembro até o fim
790
Desenvolvimento de Gana: a evidência técnica versus a evidência de rua
793
Agnes Atia Apusigah
794
Desenvolvimento de Gana: a evidência técnica versus a evidência de rua
Poder aquisitivo
Na rua, o desenvolvimento também é medido em termos de
poder aquisitivo. Um idoso explicou:
Minha filha, o dinheiro de hoje é inútil. Ele não tem
nenhum valor, nenhum preço. Agora você pode
contar em milhares e milhões. Na minha época
quando eu ganhava meu 1 cedi, isso era muito
dinheiro. Eu o usava para negociar em gado. Na
796
Desenvolvimento de Gana: a evidência técnica versus a evidência de rua
798
Desenvolvimento de Gana: a evidência técnica versus a evidência de rua
***
799
Agnes Atia Apusigah
800
CAPÍTULO 25
DE ACORDO COM QUEM? NEGOCIANDO O
DESENVOLVIMENTO PARTICIPATIVO NUM CENÁRIO
FLEXÍVEL DE DIRETRIZES
Nana Akua Anyidoho
1 O Distrito das Planícies de Afram é uma área administrativa formada a partir das Planícies de Afram
Superiores.
2 Os nomes da cidade, IGP e todos os entrevistados foram mudados para proteger o sigilo de todas as
pessoas envolvidas com o meu estudo.
801
Nana Akua Anyidoho
802
De acordo com quem? Negociando o desenvolvimento participativo num cenário flexível de diretrizes
803
Nana Akua Anyidoho
805
Nana Akua Anyidoho
806
De acordo com quem? Negociando o desenvolvimento participativo num cenário flexível de diretrizes
3 “Veep insistiu para que chefes apoiassem estruturas do governo local” Ghana News Agency. 18 de
dezembro de 2003. Resgatado em 15 de julho de 2007. Disponível em: <http://www.ghanaweb.com>.
807
Nana Akua Anyidoho
808
De acordo com quem? Negociando o desenvolvimento participativo num cenário flexível de diretrizes
deles, mas sim do fato de que eles recebiam tão pouco apoio que era
difícil para eles ficarem motivados para fazerem o trabalho deles
de maneira bem-feita. Por exemplo, os funcionários do escritório
do Bem-Estar Social e do Desenvolvimento da Comunidade
explicaram que eles não conseguiam fazer trabalho de campo para
os assentamentos (uma parte importante da descrição do trabalho
deles) porque o governo local não tinha veículos suficientes e não
tinha verba para abastecer os poucos que eles tinham.
No final das contas, o problema das Planícies de Afram não
pode ser isolado apenas ao cenário das próprias Planícies. Existe um
contexto nacional e histórico mais amplo no qual o desenvolvimento
(i)lógico nas Planícies de Afram pode ser entendido. É importante
levar em consideração os ambientes social, histórico, global e
ideológico em que a elaboração de políticas ocorreu. Gana tem
passado por uma série de planos nacionais que são elaborados,
quase não são implementados e depois são trocados por outros
novos. O flerte do país com estratégias para o desenvolvimento
é em parte uma consequência de mudanças frequentes na direção
das políticas governamentais. Os planos abandonados que poluem
nossa história também resultam de mudanças de paradigma num
nível global, uma vez que as diretrizes de Gana são fundamentadas
em entendimentos comuns dentro do discurso internacional.
A influência das abordagens de desenvolvimento junta-se às
circunstâncias peculiares de Gana para produzir a variedade
complicada de ideias e práticas que observamos. É nesse contexto
que o Fundo de Investimento Social (SIF) é executado, como uma
versão nacional de um programa derivado de um esboço de diretriz
global. Os participantes de projetos do SIF nas Planícies de Afram
devem ser vistos de maneira adequada por estarem situados dentro
de um projeto, dentro de um programa, dentro de um modelo de
diretriz nacional, dentro de um movimento global.
809
Nana Akua Anyidoho
5 O GPRP (Programa de Redução da Pobreza de Gana) não deve ser confundido com a Estratégia de
Redução da Pobreza de Gana (GPRS), que é o modelo de desenvolvimento nacional.
810
De acordo com quem? Negociando o desenvolvimento participativo num cenário flexível de diretrizes
811
Nana Akua Anyidoho
812
De acordo com quem? Negociando o desenvolvimento participativo num cenário flexível de diretrizes
813
Nana Akua Anyidoho
alega que usou este tempo em que ficou fora para alterar para
simplificar a programação do IGP ao diminuir a intensidade e a
duração do seu envolvimento (comunicação pessoal, funcionário
do SIF, 4 de fevereiro de 2004). Na época em que o SIF estava
encerrando a primeira fase das suas operações em junho de 2004,
seu futuro era incerto. O programa acabou sendo endossado pelas
suas agências outorgantes (inclusive o Banco de Desenvolvimento
Africano, UNDP e o Fundo da OPEP para o Desenvolvimento
Internacional) para uma segunda fase, mas enquanto aguardava
este veredito e o desembolso de verbas propriamente dito, as
operações da agência foram interrompidas novamente12.
12 “OPEP fornecerá U$ 7 milhões para SIF” Gana News Agency 2 de junho de 2005. Acesso em 11 de
junho de 2007, disponível em: <Ganaweb.com>.
13 Relatório da Assembleia do Distrito das Planícies de Afram, n.d.
814
De acordo com quem? Negociando o desenvolvimento participativo num cenário flexível de diretrizes
815
Nana Akua Anyidoho
14 As duas frases são usadas uma no lugar da outra em documentos do SIF, apesar de elas claramente
não significarem a mesma coisa. Isto contribui para a ambiguidade tanto da diretriz quanto da prática
do SIF, quando existe essa incerteza sobre quem são os “participantes”.
15 Fundo de Investimento Social (n.d., p. 3).
816
De acordo com quem? Negociando o desenvolvimento participativo num cenário flexível de diretrizes
16 Stephen Ball (1993, 1994); B. A. U. Levinson e M. Sutton (2001); D. Lewis e S. Maruna (1998); Ann C.
Lin (2000); Michael Lipsky (1980); James Spillane (2000, 2004); Dvora Yanow, (1996, 2000)..
817
Nana Akua Anyidoho
818
De acordo com quem? Negociando o desenvolvimento participativo num cenário flexível de diretrizes
819
Nana Akua Anyidoho
820
De acordo com quem? Negociando o desenvolvimento participativo num cenário flexível de diretrizes
Conclusão
Eu tentei atravessar as ambiguidades e inconsistências do
trabalho de desenvolvimento ao me concentrar nas pessoas que
são os “participantes” e “beneficiários” designados das diretrizes de
desenvolvimento e dos seus projetos derivados. A questão central
levantada neste capítulo está relacionada com as possibilidades de
participação genuína criada pelas próprias pessoas nos ambientes
sociais e de diretrizes instáveis em que a programação do
desenvolvimento ocorre. A implementação da diretriz foi descrita
como sendo a reunião entre diretriz e contexto (Berman, 1978) e
o argumento deste capítulo é que, na medida em que ou a diretriz
ou o contexto sejam instáveis (como sempre serão), nós devemos
esperar uma participação flexível.
A interpretação não pode ser totalmente descartada do
processo da diretriz ao torná-la mais explícita ou menos flexível
(Yanow, 1996). Por outro lado, a moldagem e a implementação
de uma diretriz efetivamente influenciam a variedade e os tipos
de interpretação que as pessoas fazem quando reagem a ela.
O problema com o programa SIF foi que houve uma ausência
considerável de clareza no próprio programa sobre os seus objetivos
e suas estratégias. Juntamente com a forma intermitente como
ele realizou seus projetos, isto gerou uma confusão de ideias no
grupo de Nhyira – ideias que costumavam ser incompatíveis e que
geravam conflito no grupo porque elas não vinham à tona para
821
Nana Akua Anyidoho
***
822
De acordo com quem? Negociando o desenvolvimento participativo num cenário flexível de diretrizes
823
CAPÍTULO 26
DEGRADAÇÃO AMBIENTAL E CRESCIMENTO
POPULACIONAL NO NORTE DE GANA: CORRIGINDO
A CONTA RECEBIDA1
Jacob Songsore
1 Editado e resumido a partir de “Population growth and ecological degradation in Northern Ghana:
The Complex Reality” (2000) em H. Lauer (ed.) Gana: Changing Values / Changing Technologies
Washington, D.C. Council for Research in Values and Philosophy, p. 186-207. Disponível em: <http://
www.crvp.org/book/Series02/II-5/contents.htm>.
825
Jacob Songsore
826
Degradação ambiental e crescimento populacional no Norte de Gana: corrigindo a conta recebida
827
Jacob Songsore
2 Jacob Songsore (1992, p. 158). “The ERP/Structural Adjustment Programme: Their Likely Impact on
the “Distant” Rural Poor in Northern Gana,” em Ernest Aryeetey (ed.) Planning African Growth and
Development, Some Current Issues, Accra: ISSER/UNDP, p. 158.
3 Jacob Songsore (1992, p. 86-87). “The Co-operative Credit Union Movement in North-Western Gana:
Development Agent or Agent of Incorporation?” em D. R. F. Taylor e F. Mackenzie (eds.) Development
From Within; Survival in Rural Africa, Londres: Routledge, p. 86-87.
4 República de Gana-UNICEF (1990) Children and Women of Ghana: A Situation Analysis, Accra, Gana,
p. 205.
828
Degradação ambiental e crescimento populacional no Norte de Gana: corrigindo a conta recebida
5 Banco Mundial (1992) Ghana 2000 and Beyond: Setting the Stage for Accelerated Growth and Poverty
Reduction, Washington, D. C. p. 13.
829
Jacob Songsore
6 J. G. T. Van Raaij (1974) Rural Planning in the Savanna Region, Universitaire Pers Rotterdam, p. 13.
830
Degradação ambiental e crescimento populacional no Norte de Gana: corrigindo a conta recebida
831
Jacob Songsore
832
Degradação ambiental e crescimento populacional no Norte de Gana: corrigindo a conta recebida
833
Jacob Songsore
9 Jacob Songsore (1992) em Ernest Aryeetey (ed.) op. cit. Para tabela de preços relativos de alimentos
em Gana 1977 e 1989, veja p. 164.
834
Degradação ambiental e crescimento populacional no Norte de Gana: corrigindo a conta recebida
835
Jacob Songsore
836
Degradação ambiental e crescimento populacional no Norte de Gana: corrigindo a conta recebida
837
Jacob Songsore
838
Degradação ambiental e crescimento populacional no Norte de Gana: corrigindo a conta recebida
15 T. E. Hilton (1966) “Depopulation and Population Movement in the Upper Region of Ghana,” Bulletin
of the Ghana Geographical Association, 11. 1, janeiro, p. 27-29.
16 The Dept. of Geography & Resource Development, Universidade de Gana (Nov. 1992) p. 103.
17 R. Rose-Innes (1964) op. cit.
839
Jacob Songsore
18 Ibid, p. 136; também Albin Korem (1985) Bushfires and Agricultural Development in Ghana, Accra:
Ghana Publishing Corporation.
19 Jacob Songsore (1976) “Population Density and Agricultural Change Among the Dagaba of Northern
Ghana,” Bulletin of the Ghana Geographical Association, Vol. 18; Songsore (1992) “The Decline of the
Rural Commons in Sub Saharan Africa”, op. cit.
840
Degradação ambiental e crescimento populacional no Norte de Gana: corrigindo a conta recebida
841
Jacob Songsore
842
Degradação ambiental e crescimento populacional no Norte de Gana: corrigindo a conta recebida
843
Jacob Songsore
844
Degradação ambiental e crescimento populacional no Norte de Gana: corrigindo a conta recebida
Áreas reservadas
É importante reconhecer a existência de reservas florestais e
de animais selvagens e em menor escala as florestas sagradas. A
reserva de animais selvagens que mais se destaca é a Mole Game
Reserve. As florestas sagradas são trechos de vegetação original
protegida onde os deuses terrestres residem, muitas vezes
localizados em torno de bacias hidrográficas. Esta costuma ser
20 Jacob Songsore (1992) “The Decline of the Rural Commons in Sub Saharan Africa: The Case of Upper
West Region of Ghana”, artigo apresentado no Common Property Workshop, no Instituto Ambiental
de Estocolmo, 22 a 24 de setembro, p. 8.
845
Jacob Songsore
Conclusão
Ao contrário do dogma popular, as desarmonias (ou seja,
localização territorial de produção em relação ao potencial e à
estabilidade de um ecossistema e a lacuna eco-tecnológica nos
ajustes de produção em nichos ambientais específicos) não são
por completo o resultado de processos internos como a expansão
demográfica. Ao contrário, elas são igualmente o resultado de
pressões externas que surgem a partir da lógica de acúmulo de
capital imposto sobre a região de fora para dentro.
Enquanto as pessoas lutam para melhorarem seu bem-estar,
é o meio ambiente que fornece os materiais e ao mesmo tempo frustra
o esforço. O reforço da interconexão entre a aspiração humana e a
integridade ecológica é o tema fundamental do desenvolvimento
21 Brian Thomson (1977) The Environmental Question: Its Relevance in Development Studies, A Latin
American Perspective, mimeo, p. 37.
846
Degradação ambiental e crescimento populacional no Norte de Gana: corrigindo a conta recebida
22 Lester R. Brown e Edward C. Wolf (1987) “Assessing Ecological Decline,” em L. R. Brown et al. (eds.)
State of the World – 1986, Nova Deli: Prentice-Hall. p. 22.
23 Human Development Report (1992) Nova York: UNDP, p. 16.
847
Jacob Songsore
848
Degradação ambiental e crescimento populacional no Norte de Gana: corrigindo a conta recebida
O caminho adiante
Se nada mais, Assembleias Distritais, ONGs e autoridades
tradicionais devem se comprometer com o seguinte conjunto
mínimo de ações: a educação deve ser obrigatória para todas
as crianças em idade escolar e facilitada na prática através de
esquemas de bolsas de estudo administrados por assembleias
distritais. Levantamentos de capacidade de terras devem
recomendar práticas agropastoris consistentes com a gestão eficaz
de diferentes tipos de solo. Medidas para evitar a desertificação
e o desmatamento devem ser colocadas em prática, como a
criação de lotes de lenha em fazendas e a introdução de fornos
e sistemas de biogás melhorados, juntamente com melhorias na
oferta de querosene e GLP para domicílios urbanos. Mais terras
de pastagem melhoradas para impedir o excesso de pastagem
devem ser desenvolvidas. Na ausência da implementação efetiva
de regulamentações voltadas para a eliminação da queimada de
arbustos, os programas devem recomendar uma queimada precoce
dos arbustos em vez de uma queimada tardia, para minimizar o
impacto destrutivo sobre a vegetação. Exige-se um programa de
gestão da vida selvagem, juntamente com a imposição de diretrizes
existentes de reservas florestais27. Estas podem ser manipuladas
por comitês de gestão ambiental nos níveis distrital, da seção
administrativa e da comunidade.
27 J. Songsore e A. Denkabe (1995) op. cit., p. 124-125.
849
Jacob Songsore
850
Degradação ambiental e crescimento populacional no Norte de Gana: corrigindo a conta recebida
***
851
CAPÍTULO 27
INDUSTRIALIZAÇÃO E ENSINO SUPERIOR DE GANA:
SERÁ QUE ESTAMOS FAZENDO A COISA CERTA NO
MOMENTO CERTO?1
Ivan Addae-Mensah
1 Esta é uma versão editada da palestra aos ex-alunos feita pelo autor em 27 de novembro de 2004, na
Universidade de Gana, em Legon. Apresentada aqui com o consentimento do autor e a permissão do
Diretório de Publicações da Universidade de Gana.
853
Ivan Addae-Mensah
2 Palestra proferida por S. E. Presidente John Adjekum Kufuor durante a posse do Comitê Presidencial
Sobre a Promoção e a Revitalização do Setor Industrial de Maneira Sustentável (abril de 2003).
854
Industrialização e ensino superior de Gana: será que estamos
fazendo a coisa certa no momento certo?
855
Ivan Addae-Mensah
856
Industrialização e ensino superior de Gana: será que estamos
fazendo a coisa certa no momento certo?
858
Industrialização e ensino superior de Gana: será que estamos
fazendo a coisa certa no momento certo?
3 N.E.: Ênfases em itálico ao longo de todo o texto e dos documentos citados foram adicionadas pelo
autor.
859
Ivan Addae-Mensah
860
Industrialização e ensino superior de Gana: será que estamos
fazendo a coisa certa no momento certo?
861
Ivan Addae-Mensah
4 N.E.: Valco é a sigla da Empresa de Alumínio Volta, que é a joint-venture da Alcoa e do Governo de
Gana. Alcoa é o nome oficial desde 1999, o que antigamente era chamada de Aluminum Company
of America.
863
Ivan Addae-Mensah
864
Industrialização e ensino superior de Gana: será que estamos
fazendo a coisa certa no momento certo?
865
Ivan Addae-Mensah
5 Depois desta palestra, eu visitei a fábrica algumas vezes, sendo que a última foi no dia 15 de fevereiro
de 2007. A visão da fábrica estava patética. Exceto pelo vigia de plantão e um engenheiro solitário
para cuidar das máquinas, ninguém mais estava à vista. Todas as máquinas novinhas em folha e sem
uso tinham acumulado poeira e teias de aranha. Todo o pessoal reduzido ao mínimo que tinha
sobrado no ano 2000 agora tinha sido demitido. Todos os computadores altamente sofisticados
na sala de controle estavam apodrecendo. Na prática, 40 milhões de dólares ou mais tinham ido
pelo cano. Para mim isto é realmente lamentável e a nação precisa de algumas explicações muito
convincentes.
866
Industrialização e ensino superior de Gana: será que estamos
fazendo a coisa certa no momento certo?
6 N.E.: As cifras originais do autor em cedis (¢) válidas em 2004 foram convertidas pelo editor para
a unidade de redenominação Gana cedi (GH¢) válida na época da publicação, onde GH¢1 =
¢10.000.
867
Ivan Addae-Mensah
A indústria do sal
O sal já foi descrito como o ouro branco. Não se trata de um
exagero. A produção de sal como uma grande indústria tem estado
há muito tempo na pauta de praticamente todos os governos de
Gana desde a Primeira República. Ao contrário da crença popular,
a produção do sal é um empreendimento altamente técnico,
exigindo uma equipe de engenharia científica e técnica qualificada,
treinada de maneira extensiva. A produção moderna de sal exige
muita automação e medidas de controle de qualidade que apenas
cientistas e técnicos podem fornecer. Não é apenas uma questão
de deixar a água do mar em buracos e deixar o sol evaporar a água.
O sal produzido dessa forma nunca poderá ser exportado ou usado
nas diversas indústrias resultantes que dependem do sal. O plano
de desenvolvimento de sete anos, de 1963 a 1970, vislumbrou
a produção de pelo menos 100 mil toneladas de sal e 100 mil
toneladas de açúcar até 1969. Depois de 33 anos, nossa produção
de sal é apenas uma fração desta meta e nossa produção de açúcar
que já foi de mais de 50 mil toneladas, agora é zero.
868
Industrialização e ensino superior de Gana: será que estamos
fazendo a coisa certa no momento certo?
7 N.E.: Um óxido de alumínio produzido sinteticamente, empregado como material inicial para a
fundição do alumínio, como a matéria-prima para a produção de uma grande variedade de produtos
cerâmicos e como agente ativo no processamento químico (Encyclopædia Britannica Online 2007).
869
Ivan Addae-Mensah
870
Industrialização e ensino superior de Gana: será que estamos
fazendo a coisa certa no momento certo?
871
Ivan Addae-Mensah
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Industrialização e ensino superior de Gana: será que estamos
fazendo a coisa certa no momento certo?
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Ivan Addae-Mensah
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Industrialização e ensino superior de Gana: será que estamos
fazendo a coisa certa no momento certo?
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Ivan Addae-Mensah
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Industrialização e ensino superior de Gana: será que estamos
fazendo a coisa certa no momento certo?
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Ivan Addae-Mensah
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Industrialização e ensino superior de Gana: será que estamos
fazendo a coisa certa no momento certo?
879
Ivan Addae-Mensah
14 Relatório de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas de 2001: capítulo 2, Anexo 2,1, “The
Technology Achievement Index – a New Measure of Countries” Ability to Participate in the Network
Age.
880
Industrialização e ensino superior de Gana: será que estamos
fazendo a coisa certa no momento certo?
15 Ibid.
16 Depois desta palestra, o governo de Gana, em colaboração com o governo da Índia, estabeleceu o
Centro Kofi Annan de Excelência para ICT e tudo indica que este centro esteja fazendo um trabalho
maravilhoso para desenvolver os setores de educação e desenvolvimento da ICT do país. Trata-se de
um exemplo típico de fazer a coisa certa no momento certo.
17 N.E.: Limitações da ICT para catalisar a mudança social progressiva numa comunidade rural de
Uganda são exploradas por Patricia K. Litho, no capítulo 28.
881
Ivan Addae-Mensah
882
Industrialização e ensino superior de Gana: será que estamos
fazendo a coisa certa no momento certo?
18 N.E.: A taxas de câmbio de 9.000 cedis antigos sendo equivalentes a 1 dólar americano.
883
Ivan Addae-Mensah
19 N.E.: Um levantamento e uma análise abrangentes da história das políticas educacionais de Gana
estão disponíveis em Ivan Addae Mensah (2000).
884
Industrialização e ensino superior de Gana: será que estamos
fazendo a coisa certa no momento certo?
20 Depois desta palestra, o governo estabeleceu um comitê de revisão educacional (Comitê Anamuah
Mensah) cujo relatório está sendo implementado agora. O relatório faz algumas recomendações de
longo alcance sobre o treinamento técnico e vocacional que, se for implementado, deve resolver boa
parte das necessidades de mão de obra technológica de nível médio do país.
885
Ivan Addae-Mensah
21 Veja também o Relatório Oficial do Governo sobre este relatório do Comitê Presidencial de Revisão
de Reformas Educacionais em Gana (República de Gana, 2002d) e o relatório do Projeto do Sistema
de Informações Sobre Gestão da Educação (1999) Acra: Ministério da Educação.
N.E.: Para uma reflexão sobre dados cotejados e analisados para o Conselho da Campanha Nacional
de Educação de Gana (GNECC) sobre o impacto de reformas educacionais em escolas públicas a
partir de 2004 na Região da Grande Acra, veja o capítulo de Judith Sawyerr na seção 4.
886
Industrialização e ensino superior de Gana: será que estamos
fazendo a coisa certa no momento certo?
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Ivan Addae-Mensah
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Industrialização e ensino superior de Gana: será que estamos
fazendo a coisa certa no momento certo?
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Ivan Addae-Mensah
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Industrialização e ensino superior de Gana: será que estamos
fazendo a coisa certa no momento certo?
Recomendações adicionais
a. Apoiar o estabelecimento de um Fundo Nacional de
Ciência e Tecnologia semelhante ao Fundo GET, para
melhorar a pesquisa e o desenvolvimento nesse campo.
b. Deveria haver uma Política Nacional de Ciência e
Tecnologia baseada nas cláusulas da Política Nacional de
Ciência de Gana, preparada recentemente pelo Ministério
do Meio Ambiente e Ciência.
891
Ivan Addae-Mensah
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Industrialização e ensino superior de Gana: será que estamos
fazendo a coisa certa no momento certo?
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Ivan Addae-Mensah
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Industrialização e ensino superior de Gana: será que estamos
fazendo a coisa certa no momento certo?
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Ivan Addae-Mensah
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Industrialização e ensino superior de Gana: será que estamos
fazendo a coisa certa no momento certo?
***
897
CAPÍTULO 28
SERÁ QUE AS “TICS” PROPORCIONAM
“EMPODERAMENTO” ECONÔMICO A MULHERES
QUE VIVEM NA ÁREA RURAL DE UGANDA1?
Patricia K. Litho
Introdução
Boa parte do discurso sobre o impacto amplo de Tecnologias
da Informação e Comunicação (TICs) na África sugere que grupos
marginalizados, como as mulheres, tornam-se empoderados como
resultado do uso dessas tecnologias. No entanto, falta evidência
para uma asserção positiva. Esta visão “tecno-determinista”,
que privilegia soluções tecnológicas para uma variedade de
desigualdades sociais e econômicas, não reconhece que a qualidade
dos efeitos que a tecnologia produz sobre um ambiente humano
não é resultado da tecnologia em si, mas da interação entre
1 Este capítulo é uma versão editada de um artigo semelhante, apresentado no simpósio To think
is to experiment, SMAC, Centro de Pesquisa Narrativa, UEL, 22 de abril de 2005, chamado “ICTs,
empowerment and women in rural Uganda: A SCOT Perspective”. Disponível em <www.uel.ac.uk/
cnr/ICTs.htm>.
899
Patricia K. Litho
Feminismo de opinião
Esta orientação teórica coloca a experiência direta das
mulheres como central para a produção de conhecimento sobre
a sociedade. Apesar de todos os feminismos serem contrários ao
domínio masculino e à opressão de mulheres, a história da África
moldou as experiências de opressão das mulheres em sociedades
africanas contemporâneas, onde o sexo é experimentado de maneira
diferente das suas manifestações em culturas pós-industrializadas.
900
Será que as “TICs” proporcionam “empoderamento” econômico a
mulheres que vivem na área rural de Uganda?
“Empoderamento”
Quase toda mudança num projeto é classificada como
“empoderamento”. Apesar de alguns estudiosos (por exemplo,
Narayan, 2005) argumentarem que o problema não está no
significado de “empoderamento” per se, mas sim em medidas
inadequadas, acredito firmemente que tanto a necessidade de
uma definição operacional quanto de ferramentas eficazes de
mensuração devam ser abordadas para garantir uma avaliação
mais significativa de projetos de mulheres em desenvolvimento
em geral. Conforme ocorreu com o projeto das TICs de Uganda,
2 N.E.: Alguns homens feministas e comentaristas sociais amplificaram esta crítica, especialmente na
diáspora africana como o teórico literário Vincent Odamtten e o poeta nigeriano Niyi Osundare.
3 N.E.: Gloria Joseph e Jill Lewis (1986) destacaram a “dupla opressão” de mulheres negras na América
que não é compartilhada por feministas europeias e americanas brancas. Mas seu foco pode desprezar
até que ponto a experiência de sexo de muitas “mulheres africanas rurais, independentemente de
qualquer encontro direto com racismos da diáspora ou com o apartheid, pode divergir tanto das
mulheres racialmente oprimidas quanto das privilegiadas racialmente em tecnocracias ocidentais.”
901
Patricia K. Litho
que será discutido com algum detalhe mais adiante neste capítulo,
esquemas de desenvolvimento projetados para dar autonomia
a mulheres não costumam fornecer nem uma definição clara
nem quaisquer indicadores pelos quais se possa medir o ganho
ou a perda de autonomia. Guijt e Sheih (1998) observam que
esta omissão é vantajosa para agências de desenvolvimento que
dependem da retórica do empoderamento como sua razão de ser
e seu financiamento.
Na literatura feminista e no gênero acadêmico chamado de
“mulheres em desenvolvimento” (WID), o “empoderamento”
mostra como as pessoas entendem o poder. As feministas também
o apresentam como um processo através do qual as mulheres
ganham poder sobre os homens, ou resistem a ser subservientes
aos homens, o que pode muito bem estar entre as razões pelas
quais os homens resistem a esses processos. Empoderamento
como processo mostra atividades que permitem às mulheres
ganhar acesso a mecanismos de tomadas de decisão que afetam
suas próprias vidas (Huyer e Sikoska, 2003). Na teoria feminista,
o empoderamento não ocorre apenas no nível público, “relacional”
ou “coletivo”, mas também (e necessariamente) inclui o “pessoal”
(Rowlands, 1997, p. 14). O aspecto pessoal do empoderamento é o
aumento do senso que a mulher tem de ser um agente autônomo,
incluindo sua autoconfiança e sua capacidade de desfazer os
“efeitos da opressão internalizada”. O aspecto relacional envolve “o
desenvolvimento da capacidade de negociar e influenciar a natureza
de um relacionamento”, enquanto o aspecto coletivo envolve o
trabalho “em conjunto para atingir um impacto mais amplo do que
cada [mulher] teria conseguido sozinha” (Rowlands, 1997, p. 15).
O empoderamento também pode ocorrer num nível econômico,
político ou social. O empoderamento econômico está relacionado
com o acesso a recursos e é fundamental para as mulheres porque sua
posição subordinada as priva do acesso a recursos e de controlá-los.
902
Será que as “TICs” proporcionam “empoderamento” econômico a
mulheres que vivem na área rural de Uganda?
903
Patricia K. Litho
904
Será que as “TICs” proporcionam “empoderamento” econômico a
mulheres que vivem na área rural de Uganda?
6 N.E.: Doações comparativamente grandes foram prometidas como ajuda externa em apoio
ao esforço da indústria farmacêutica para vender medicamentos contra o retrovírus na África,
baseado em fundamentos comparativamente mal justificados. Veja o capítulo 37, de Elizabeth Ely.
905
Patricia K. Litho
906
Será que as “TICs” proporcionam “empoderamento” econômico a
mulheres que vivem na área rural de Uganda?
907
Patricia K. Litho
Acesso e controle
De acordo com Clement (1994), dar autonomia econômica às
mulheres é libertá-las do seu nível subordinado de acesso limitado
aos recursos e da ausência de controle sobre eles. O projeto do
CEEWA permitiu que as mulheres tivessem acesso a TICs como
908
Será que as “TICs” proporcionam “empoderamento” econômico a
mulheres que vivem na área rural de Uganda?
909
Patricia K. Litho
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Será que as “TICs” proporcionam “empoderamento” econômico a
mulheres que vivem na área rural de Uganda?
911
Patricia K. Litho
Bem-estar
De acordo com os testemunhos das mulheres, pode-se dizer
que seu bem-estar melhorou um pouco a partir do Projeto CEEWA.
A informação foi fornecida eletronicamente em formatos amigáveis
ao usuário e numa linguagem que as mulheres podiam usar. Um
exemplo é o CD-ROM sobre como ganhar dinheiro. Em geral, as
mulheres disseram que passaram a conseguir gerenciar melhor
seus recursos e até mesmo desenvolver novas ideias comerciais.
Várias mulheres tinham aumentado sua renda e conseguiam
cobrir a maioria das suas necessidades em relação a alimentação,
vestuário e moradia. Sendo empresárias, as beneficiárias do
CEEWA têm conseguido usar o telefone celular para comunicar
encomendas de bens, receber chamadas de clientes e verificar os
preços de mercado através de um serviço de SMS. O projeto CEEWA
abordou as necessidades estratégicas de mulheres ao construir
as capacidades empreendedoras das mulheres – contabilidade,
poupança, alfabetização em informática e acesso à Internet.
Participação e conscientização
Algumas das mulheres ficaram insatisfeitas com o foco em
estratégias, porque queriam benefícios tangíveis como a concessão
de sementes e empréstimos para empresas iniciantes. Então
apesar de ter havido um elemento de participação por todas as
beneficiárias pretendidas não foi igual entre elas. O CEEWA e os
doadores tinham suas próprias ideias pré-determinadas sobre
como implementar os projetos que eles sentiam que pudessem
beneficiar as mulheres. Os relacionamentos das beneficiárias com
o projeto, com seus implementadores do CEEWA e com os doadores
do projeto nunca foram avaliadas. As razões das beneficiárias para
912
Será que as “TICs” proporcionam “empoderamento” econômico a
mulheres que vivem na área rural de Uganda?
Conclusão
Como uma enorme fonte e canal de informação, as TICs
fornecem acesso a informações de marketing que podem ajudar
8 N.E.: A relevância deste déficit na política de desenvolvimento de maneira mais geral é o foco do
capítulo 25 por Nana Akua Anyidoho.
913
Patricia K. Litho
914
Será que as “TICs” proporcionam “empoderamento” econômico a
mulheres que vivem na área rural de Uganda?
***
915
CAPÍTULO 29
DESENVOLVIMENTO DO SENEGAL:
DA MOBILIZAÇÃO EM MASSA AO ELITISMO
TECNOCRÁTICO1
Mamadou Diouf
1 Reproduzido com permissão generosa do autor, coeditor e editor para uma pequena edição a partir
do original (1997) em International Development and the Social Sciences, Frederick Cooper e Randall
Packard (eds.), Berkeley: University of California Press, p. 64-92.
917
Mamadou Diouf
918
Desenvolvimento do Senegal: da mobilização em massa ao elitismo tecnocrático
919
Mamadou Diouf
4 Esta nova ortodoxia, descrita como sendo “razão privada” por Vallee (1992), tem como referência
básica o Relatório de 1989 do Banco Mundial Sub-Saharan Africa: From Crisis to Sustainable Growth.
920
Desenvolvimento do Senegal: da mobilização em massa ao elitismo tecnocrático
5 A construção de uma nova sociedade e o “alcance do Ocidente”, que são dois aspectos da ideologia
nacionalista, são contraditórios segundo a visão de Amin (1993, p. 7), porque para ele a alternativa
em 1960 era desatrelar (romper com o modelo ocidental e criar uma nova sociedade e economia) ou
adotar o modelo ocidental e permanecer subdesenvolvido.
921
Mamadou Diouf
O contexto
O discurso do desenvolvimento do Senegal, nas suas variações
e contradições, tem raízes profundas numa tradição histórica
cujo repertório e cuja gramática ocorrem no idioma francês (mas
não exclusivamente) e numa temporalidade cujos parâmetros
cronológicos são a Conferência das Nações Afro-Asiáticas de
Bandung de 1955 e os choques no preço do petróleo em 1975
e suas consequências econômicas e financeiras. Certamente
existem algumas divergências em fatos e eventos considerados
insignificantes, mas os autores que se concentram em questões de
desenvolvimento concordam relativamente em relação ao intervalo de
tempo: a consequência da guerra. O sistema que derivou do final da
Segunda Guerra Mundial, de acordo com Amin, se baseou em três
pilares: o fordismo no Ocidente capitalista, sovietismo nos países
do bloco oriental e desenvolvimentismo nos países do Terceiro
Mundo. Cada região tinha suas próprias certezas. Na primeira, o
keynesianismo; na segunda, o mito de alcançar o Ocidente através
do socialismo do Estado Soviético; e, na terceira, o mito de alcançar
o Ocidente através da interdependência (Amin, 1993, p. 9)6.
Portanto, Amin (1993, p. 23) observa que:
O surgimento das nações da Ásia e da África, produzido
pela vitória da libertação nacional, constituiu uma das
principais características da época. Os movimentos
de libertação nacional, assim como o estabelecimento
6 Sobre perguntas em relação à definição e à historiografia do conceito, veja também Coquery-
-Vidrovitch, Hemery, e Piel (1988) e de Solages (1992).
922
Desenvolvimento do Senegal: da mobilização em massa ao elitismo tecnocrático
923
Mamadou Diouf
924
Desenvolvimento do Senegal: da mobilização em massa ao elitismo tecnocrático
7 Aqui estou pensando no Padre Dominicano Louis-Joseph Lebret, fundador do Centre Economie et
Humanisme (1942) e nas conferências conduzidas pela Igreja Católica, Semaines Sociales, sendo que
a 35ª, em 1945, dedicou-se a “Pessoas no Exterior e Civilização Ocidental”, e em François Perroux,
fundador do ISEA, que publicou os Cahiers de l’ISEA. Estes dois franceses estavam próximos do cerne
de métodos e práticas do Senegal (veja a seguir). Mamadou Dia, Presidente do Conselho do Senegal
(1958-1962), escreve sobre o assunto: “Eu comecei a realizar estudos econômicos teóricos ao ler várias
das obras na Biblioteca do Senado que eu frequentava regularmente. Eu achei as publicações de
“Economie et Humanisme” em que eu descobri textos escritos por Deprat, Lebret e Perroux, o que
me levou ao centro dirigido por Perroux onde eu o conheci” (1985, p. 65).
8 Desta literatura, eu apenas cito os autores que influenciaram especialmente a elite nacionalista
do Senegal: A escrita de Perroux em Cahiers de l’ISEA (1955-1957); Lebret (1942, 1956); Dia (1953);
Hoselitz (1952); Barre (1958); Galbraith (1952); Myrdal (1957); e Toure (1959). Deve-se enfatizar
que o artigo de Toure é a única contribuição à conferência onde ele foi apresentado lidando com
questões econômicas e que o seu autor foi o Ministro do Planejamento e Cooperação assim como o
Ministro da Economia e Finanças; e além disso, tanto antes quanto depois das suas indicações para
o ministério, ele foi diretor do Departamento de África do Fundo Monetário Internacional. Ele foi o
arquiteto da política de ajuste do Senegal.
925
Mamadou Diouf
nela autores que hoje em dia são difíceis de imaginar como sendo
antigos participantes desta atividade. No caso do Senegal, esta
literatura ajudou a interromper e a reordenar conhecimentos
etnológicos e coloniais sobre o território, a terra, a família, os
indivíduos, a comunidade/coletividade, o grupo, a etnia e assim
por diante. Nestas investigações, testemunhamos uma tentativa de
voltarmos a fontes locais, a constituição de uma nova “biblioteca”, a
da pós-colônia, contra uma “biblioteca” colonial (Mudimbe, 1989).
926
Desenvolvimento do Senegal: da mobilização em massa ao elitismo tecnocrático
927
Mamadou Diouf
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Desenvolvimento do Senegal: da mobilização em massa ao elitismo tecnocrático
929
Mamadou Diouf
930
Desenvolvimento do Senegal: da mobilização em massa ao elitismo tecnocrático
10 É importante observar que o planejamento e o planejamento do uso da terra foram uma resposta ao
“subdesenvolvimento” conforme definido por Moussa (1961, p. 456) Apêndice I, e nos dez testes de
subdesenvolvimento de Sauvy (1951, p. 604; 1952, p. 241).
931
Mamadou Diouf
932
Desenvolvimento do Senegal: da mobilização em massa ao elitismo tecnocrático
933
Mamadou Diouf
934
Desenvolvimento do Senegal: da mobilização em massa ao elitismo tecnocrático
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Mamadou Diouf
936
Desenvolvimento do Senegal: da mobilização em massa ao elitismo tecnocrático
13 Trecho do “Programme d’Amenagement des Poles,” Rapport Sénégal II (5) (1960, p. 20-25).
14 Ibid. p. 20.
937
Mamadou Diouf
15 Ibid. p. 20-21.
938
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939
Mamadou Diouf
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Desenvolvimento do Senegal: da mobilização em massa ao elitismo tecnocrático
18 Sobre esta questão das relações com os líderes muçulmanos e o sistema clientelista de pedir
emprestado recursos financeiros e equipamentos sem pagar de volta os empréstimos, Dia (1985, p.
121) é muito esclarecedor. Ele insiste que sua oposição a esses mecanismos coloniais e clientelistas
explica de alguma forma o colapso do seu regime. A aparência de campos comunitários, para o lucro
dos coletivos e em detrimento dos “campos dos marabutos”, provocou a hostilidade das irmandades
religiosas.
941
Mamadou Diouf
Os resultados
O projeto de totalização e controle sistemático dos
procedimentos de socialização está na origem das grandes reformas
do estado independente do Senegal: a Lei de Domínio Nacional
(1964), o Código da Família (1972) e a reforma da administração
19 Dia (1985, p. 121) observa: “A política de estabelecer cooperativas foi um golpe não apenas para
interesses econômicos de comerciantes locais, mas também para os marabutos que também são
comerciantes”.
20 Dia (1985, p. 121-22) relata seus encontros com Charles Henri Gallenca, que foi presidente da Câmara
de Comércio por mais de uma década: “Eu me lembro de discutir o Socialismo do Senegal com
o presidente da Câmara de Comércio de Dakar, Gallenca. Ele disse que é a favor do socialismo
apenas se ele cuidar de setores econômicos não lucrativos e que nós transferimos estes para o setor
capitalista privado na medida em que eles se tornam lucrativos através dos efeitos do Plano de
Desenvolvimento”.
942
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943
Mamadou Diouf
22 Ibid.
23 Ministério de Economia e Finanças do Senegal (1992, p. 7). Dezembro de 1992, “Groupe Options de
Politique Economique,” p. 7, fotocópia.
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24 Ibid.
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Mamadou Diouf
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Mamadou Diouf
As causas da crise
É difícil seguir a linha das leituras da crise produzida pela
classe governante e pela administração do Senegal. Com efeito,
elas estavam evoluindo continuamente. As causas identificadas da
crise continuaram a ser enumeradas, seja por especialistas locais
ou internacionais. As referências de base são as do Banco Mundial,
do Fundo Monetário Internacional e das agências de ajuda e
cooperação. Estas leituras têm um objetivo claramente expresso:
resolver a questão de como reconstruir economias africanas. O
questionamento e as respostas foram definidos pelo contexto
neoliberal que proclamou o primado da competência técnica em
detrimento da competência política.
O discurso neoliberal que enfatiza um sistema de interesses
conflitantes subordina a existência social à lógica do mercado.
Ele afirma, de uma forma imperiosa, a dicotomia entre as esferas
econômica e não econômica, reorganizando assim o espaço social,
26 Sobre o discurso dos tecnocratas, veja Le Soleil, 19-20 de dezembro de 1979; R. Fatton (1985) e Diop
e Diouf (1992).
948
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Mamadou Diouf
950
Desenvolvimento do Senegal: da mobilização em massa ao elitismo tecnocrático
27 A construção desta leitura pode ser acompanhada através da literatura das organizações
internacionais e a produzida pela tecnocracia do Senegal nos seus esforços para legitimizar seu
poder. Veja Banco Mundial (1987); République Française (1985); République du Senegal (1987);
Confederativo Nacionale des Travailleurs du Sénégal (1989).
951
Mamadou Diouf
952
Desenvolvimento do Senegal: da mobilização em massa ao elitismo tecnocrático
29 Ibid.
953
Mamadou Diouf
30 Ibid.
954
Desenvolvimento do Senegal: da mobilização em massa ao elitismo tecnocrático
31 Ibid. p. 9.
955
Mamadou Diouf
Conclusão
A trajetória dos discursos e das práticas do desenvolvimento
do Senegal foi desigual. Ao longo do tempo, o conhecimento e a
imaginação foram investidos em lutas políticas dentro do regime e
entre o regime e sua oposição. Entretanto, trata-se de uma trajetória
em dois momentos porque a derrota de Mamadou Dia e o poder
presidencial de Senghor, depois de 1962, não ameaçaram de forma
alguma a empresa potencial de totalização social e econômica. As
razões para a abdicação de Senghor do esquema desenvolvimentista
inicial residem não na rede apertada da sociedade do Senegal, mas
sim na transferência dos centros de tomadas de decisão políticas
e sociais para os locais de um novo poder. Empreendedores
32 Ibid.
956
Desenvolvimento do Senegal: da mobilização em massa ao elitismo tecnocrático
957
Mamadou Diouf
***
958
CAPÍTULO 30
ANTROPOLOGIA E SEU GÊMEO MALIGNO:
“DESENVOLVIMENTO” NA CONSTITUIÇÃO DE UMA
DISCIPLINA1
James Ferguson
Conhecimento do desenvolvimento e as
disciplinas: um projeto de pesquisa
À medida que cada vez mais pesquisadores voltam sua
atenção para o estudo, em vez de simplesmente participando, no
projeto global do século XX que chamamos de “desenvolvimento”,
está começando a ficar evidente o quão formidável é uma tarefa
intelectual diante de nós. Parece cada vez mais que nosso
pensamento sobre um objeto, desenvolvimento, que outrora
parecia familiar (com sua lógica política e econômica reconhecível,
suas motivações ideológicas expressas, seus efeitos nocivos
preocupantes) agora deve tomar a forma menos de uma declaração
1 Versão revista do capítulo de mesmo títuto, na Parte II de International Development and the Social
Sciences: Essays on the History and Politics of Knowledge (eds.) Frederick Cooper e Randall Packard.
Berkeley: California University Press, p. 150-175.
959
James Ferguson
960
Antropologia e seu gêmeo maligno: “desenvolvimento” na constituição de uma disciplina
961
James Ferguson
962
Antropologia e seu gêmeo maligno: “desenvolvimento” na constituição de uma disciplina
O conceito de “desenvolvimento” e os
fundamentos teóricos da antropologia
Nós devemos nossa condição atual, com seus meios
multiplicados de segurança e felicidade, às lutas,
aos sofrimentos, a empenhos heroicos e ao trabalho
paciente dos nossos ancestrais bárbaros e, mais
remotamente, dos nossos ancestrais selvagens.
Seus trabalhos, suas tentativas e seus sucessos eram
uma parte do plano da Inteligência Suprema para
963
James Ferguson
965
James Ferguson
2 N.E.: Veja o capítulo 6, de Kate Crehan, para uma elaboração adicional das representações inadequadas
inerentes nos termos antropológicos “cultura” e “comunidade” tratados implicitamente como se
referindo a todos homogêneos e discretos.
966
Antropologia e seu gêmeo maligno: “desenvolvimento” na constituição de uma disciplina
967
James Ferguson
5 Esta é uma ideia que a ênfase precoce de Boas na difusão contestou de algumas formas, mas que
surgiu de maneira sólida nos relativismos mais desenvolvidos de Benedict e Mead e foi rapidamente
incorporado ao com senso de “povos e culturas” coletivos da disciplina emergente.
968
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969
James Ferguson
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James Ferguson
6 Entre as exceções mais significativas a essa tendência geral foram os antropólogos filiadas ao Instituto
Rhodes-Livingston, que será discutido depois.
7 N.E.: Cooper (1997) está reproduzido como um capítulo anterior nesta seção.
972
Antropologia e seu gêmeo maligno: “desenvolvimento” na constituição de uma disciplina
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James Ferguson
974
Antropologia e seu gêmeo maligno: “desenvolvimento” na constituição de uma disciplina
9 A ideia dos antropólogos do Instituto Rhodes-Livingstone sobre o seu próprio trabalho como uma
defesa do africano urbano contra o conservadorismo colonial racista ajuda a explicar o choque
e a descrença com os quais eles reagiram ao ataque de Magubane (veja os comentários anexos a
Magubane, 1971). Certamente, os aspectos específicos do argumento de Magubane muitas vezes
estavam errados e, às vezes, eram autocontraditórios. Mas o aspecto mais notável do intercâmbio
é o fracasso absoluto de estudiosos como Mitchell e Epstein em entender como qualquer pessoa
poderia ver o trabalho deles como parte de uma ordem colonial opressora. Do ponto de vista deles,
sua descrição positiva do africano ocidentalizado e urbanizado foi uma reação a colonizadores
brancos racistas que impediriam que os africanos tivessem esse status. Do ponto de vista de
Magubane, por outro lado, essa disposição liberal de conceder aos africanos as bênçãos da civilização
foi simplesmente uma forma de colonização cultural.
975
James Ferguson
976
Antropologia e seu gêmeo maligno: “desenvolvimento” na constituição de uma disciplina
977
James Ferguson
11 Uma alusão a uma observação feita por um africanista britânico sênior, por volta de 1969: “Eles são
modernos demais. Provavelmente todos eles usam calças”, para Sally Falk Moore, explicando o motivo
pelo qual um estudo dos Chagga “modernizadores” da Tanzânia seriam de interesse simplesmente
aplicado em vez de teórico.
978
Antropologia e seu gêmeo maligno: “desenvolvimento” na constituição de uma disciplina
Crítica neomarxista
Um grande distúrbio da sabedoria antropológica recebida no
que diz respeito ao desenvolvimento e à modernização ocorreu
com o aumento da teoria da dependência e com um conjunto de
críticas neomarxistas tanto da teoria da modernização quanto da
antropologia tradicional. Para discussões do impacto destas críticas
dentro da antropologia, veja O’Laughlin, 1975; Foster-Carter,
1977; Seddon, 1978; Oxaal, Barnett e Booth, 1975; Wolf, 1982;
Bloch, 1985. O contexto para a crítica neomarxista foi moldado de
maneira significativa pelas revoltas sociais e políticas da década
de 1960. Movimentos políticos no mundo mais amplo (especialmente
a onda crescente de nacionalismo e guerras anticoloniais de
libertação do Terceiro Mundo) combinados com revoltas políticas
em campi de universidades ocidentais para enfatizar para os
antropólogos a necessidade de dar mais atenção a questões de
mudança social, dominação e colonialismo. Uma vez que, como
já vimos, os recursos intelectuais para lidar com as questões que
tinham se desenvolvido na antropologia anglo-americana eram
relativamente limitados, talvez não seja surpreendente que muitas
das principais ideias deste período tenham vindo de outros lugares.
Na década de 1970, tanto as fronteiras disciplinares quanto as
nacionais pareciam ter sido amenizadas: o marxismo estrutural
francês (conforme elaborado por filósofos como Louis Althusser,
além de por antropólogos incluindo Claude Meillassoux e Pierre-
Philippe Rey), assim como a teoria da dependência da América
Latina e a teoria do sistema mundial wallersteiniano, começaram
a entrar na corrente principal antropológica anglo-americana.
A antiga ortodoxia funcionalista começou a se despedaçar, à medida
que a história, a economia política e o colonialismo começaram
a ganhar uma nova legitimidade como assuntos antropológicos
certificados.
979
James Ferguson
12 O difusionismo do começo do século XX, tanto nos Estados Unidos quanto na Grã-Bretanha,
contestou esta concepção. Mas com o aumento do funcionalismo e com a busca por sociedades
integrais, em funcionamento, as preocupações do difusionismo com a história e o contato cultural
foram marginalizadas, apenas para serem redescobertas, numa forma diferente, várias décadas depois
(Vincent, 1990, p. 119-25; veja também Gupta e Ferguson, 1997).
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Antropologia e seu gêmeo maligno: “desenvolvimento” na constituição de uma disciplina
13 O outro principal ponto de distinção, uma ênfase antropológica singular no trabalho de campo, não
está desvinculada da questão do “tipo de sociedade”, conforme Akhil Gupta e eu argumentamos
recentemente (Gupta e Ferguson, 1997).
14 Para algumas observações sobre o poder hegemônico de um punhado de “departamentos principais”
nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha dominarem toda a disciplina da antropologia, veja Gupta e
Ferguson (1997).
986
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15 Esta discussão analisa diversos pontos que argumentei em outro lugar, juntamente com Akhil Gupta
(Gupta e Ferguson, 1997).
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Conclusão
A questão maior das relações que vinculam o conhecimento
do desenvolvimento às disciplinas acadêmicas das ciências sociais,
com a qual comecei, não pode ser respondida de forma geral. Uma
compreensão melhor aguarda um trabalho bastante detalhado e
específico sobre o assunto. Mas se o caso da antropologia sugerir
qualquer coisa de importância para este projeto maior, é que a forma
16 Tenho em mente aqui a importante análise de Escobar de “antropologia do desenvolvimento” (1991),
que disseca de maneira convincente os fracassos e as limitações do subgrupo, mas não consegue
conectá-los de nenhuma forma sistemática com o que me parece ser um conjunto relacionado de
fracassos e imitações da antropologia da “corrente principal” – portanto, deixando nós, acadêmicos,
supostamente, fora de perigo de maneira fácil demais.
990
Antropologia e seu gêmeo maligno: “desenvolvimento” na constituição de uma disciplina
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991
SEÇÃO IV
MEDINDO A CONDIÇÃO HUMANA
CAPÍTULO 31
OPINIÕES POLÍTICAS SOBRE A ÁFRICA DO
SUL DISFARÇADAS DE CIÊNCIA: QUESTÕES
DE RESPONSABILIDADE PROFISSIONAL NA
COMUNIDADE DE PESQUISA CIENTÍFICA
Serge Lang
Histórico e motivação1
Por três décadas tenho estado interessado na área onde o
mundo acadêmico se encontra com o do jornalismo e o da política.
Em várias ocasiões já tive a oportunidade de estudar como as
opiniões políticas são disfarçadas de ciência ou estudo. Algumas
pessoas falaram – ou “acusaram”! – que eu estou “politicamente
motivado”. É claro que estou politicamente motivado! Mas em
1 N.E.: Este capítulo é composto de trechos do livro do autor chamado Challenges (1998), Springer-
Verlag, Nova York (p. ix, 1, 3-18, 31-44, 49-52, 61-64). Estas seleções apresentam casos documentados
que levantam questões sobre responsabilidade profissional que são refletidos em alguma teoria
amplamente fornecida na ciência política. Mas elas não fazem justiça ao cuidado exaustivo do autor
em documentar suas críticas. Mais detalhes destes ou de outros casos de lapsos de integridade
acadêmica devem ser procurados no livro original, enquanto a documentação é descrita de maneira
meticulosa.
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6 Os cinco professores eram Robert Keohane, Stanley Hoffmann, Joseph Nye, Jr., Robert Putnam e
Sydney Verba, sendo que este último era membro da Academia Nacional de Ciências.
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Mistificação e Intimidação
Conforme Koblitz observou9, Huntington não informa ao lei-
tor em qual sentido estas relações são equações. Como Huntington
mensura “instabilidade”, “frustração social”, “mobilização social”?
Abreviando as equações na forma
A/B = C; C/D = E; E/F = G
será que podemos concluir, de acordo com a álgebra da sétima
série , que
10
A = BC = BDE = BDFG,
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Apêndice 1
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Serge Lang
de acreditar que ele levasse a sério tudo que ele oferecia neste livro.
Mas se esse não fosse o caso, ele enganou os seus leitores.
É minha opinião considerada que uma obra dessa qualidade
não deveria ser aceita numa dissertação. Aliás, não aceitei
isso em dissertações escritas por meus alunos da graduação.
Conforme afirmei em outro lugar, no que diz respeito a áreas em
desenvolvimento, ao desenvolvimento político em sociedades
em transição ou à ordem política, Huntington me faz lembrar de
um computador programado de maneira inadequada, escaneando
dados da Lua e mostrando que ela tem formato de pera.
A seguir, algumas ilustrações selecionadas do que eu estou
falando. Muitas outras podem ser encontradas nesse “clássico”.
“Os Estados Unidos, a Grã-Bretanha e a União Soviética
têm formas diferentes de governo, mas em todos
os três sistemas o governo governa. Cada país é uma
comunidade política com um amplo consenso entre as
pessoas sobre a legitimidade do sistema político. Em
cada país os cidadãos e seus líderes compartilham uma
visão do interesse público da sociedade e das tradições
e princípios nos quais a comunidade se baseia”. [E assim
por diante nesse caminho] (p. 1).
Seria interessante aprender em qual evidência isto se baseia,
especialmente a afirmação de consenso sobre a legitimidade do
regime comunista, a partir de 1968.
“A participação das massas caminha de mãos
dadas com o controle autoritário. Como na Guiné
e em Gana, trata-se da arma do século XX para
modernizar centralizadores contra o pluralismo
tradicional” (p. 136).
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Opiniões políticas sobre a África do Sul disfarçadas de ciência
Apêndice 2
Correlações Decimais
Aqueles que apoiam Huntington às vezes alegaram que ele
não se envolve em ciências sociais quantitativas ou que ele faz isso
minimamente. Por outro lado, ao recomendá-lo para a Academia,
seus seguidores afirmaram que “ele sustenta esta teoria [qualquer
que ela seja] com análises quantitativas comparativas e estudos de
caso longitudinais”. Portanto, a pessoa está diante de afirmações
contraditórias. No Boston Globe (30 de abril de 1989), afirma-se:
“Huntington defendeu seu uso de símbolos matemáticos como
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Apêndice 3
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CAPÍTULO 32
CARTAS DA ÁFRICA DO SUL1
Lilian Ngoyi
Introdução
Lilian Mazediba Ngoyi tornou-se uma figura destacada na
política sul-africana durante a década de 1950. Ela foi nomeada
Presidente da Liga das Mulheres do Congresso Nacional Africano
em 1954 e também passou a ser Presidente da Federação de
Mulheres Sul-Africanas. As duas organizações estiveram na
vanguarda da luta nacionalista africana contra a implementação do
apartheid e, por causa do papel que ela exerceu nelas, as autoridades
sul-africanas a importunaram e intimidaram muito. Ela foi uma
das acusadas no chamado “Julgamento de Traição” que ocorreu em
Pretória de 1956 a 1961 e, assim como todos os outros acusados,
ela foi absolvida. Em 1960, após a declaração de um Estado de
1 Este capítulo só foi possível graças à Professora Barbara C. Sproul, fundadora e membra executiva, da
Diretoria e do Comitê Múltiplo e ex-secretária geral da Amnesty International USA - AIUSA (1971),
coordenadora do grupo da África do Sul, a partir de 1977, coordenadora de caso individual para Lilian
Ngoyi (1977-1980) e líder do grupo do Leste Europeu (1985-2005).
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Cartas da África do Sul
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Cartas da África do Sul
3 N.E.: Sob o governo do apartheid, os sul-africanos negros tinham direito por lei a educação por
1/5 do custo de Africâners brancos. Os negros não aprendiam inglês ou Africâner, mas recebiam
aulas no “Bantu” vernacular e os assuntos cobertos incluíam a administração doméstica, a lavagem,
a alimentação, a atuação como motorista e coisas semelhantes. De acordo com os Princípios
de Sullivan, era a educação “Bantu” que as empresas americanas eram obrigadas a apoiar se elas
investissem e estabelecessem negócios na África do Sul sob o governo do apartheid.
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Lilian Ngoyi
Ativismo
Durante 1952, houve uma Campanha de Desafio onde brancos
e negros da África do Sul simplesmente entravam num lugar
reservado apenas para brancos e voluntariamente eram presos.
Isto me impressionou muito. Eu segui a organização atrás de todas
estas boas ideias e me mostraram os escritórios do Congresso
Nacional Africano. Cartão de membro custando dois shillings
e seis pence era bom. Depois eu também me cadastrei para ir e
desafiar, mas antes de chegar a minha vez, houve uma Emenda no
nosso Parlamento de que qualquer pessoa que desafiasse durante
janeiro de 1953 seria preso por três anos, sem opção de multa. Eu
perguntei aos funcionários graduados do Congresso seu eu podia
ser convocada para desafiar e eles me mostraram o Rand Daily
Mail. Eu disse que estava consciente do seu conteúdo e das suas
implicações. Então eles disseram, “a não ser que você organize
cinco outras pessoas para te acompanharem”. E cinco outras
pessoas pareciam estar ao meu alcance.
Então escolhemos desafiar na seção branca do Correio
Geral. Logo que entramos eu fui pegar um papel e mandei um
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Cartas da África do Sul
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Lilian Ngoyi
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Cartas da África do Sul
Você pode superar isso? Se esta lei não existisse, o povo da África
moldaria suas vidas.
As pessoas no mundo todo têm sido as mais maravilhosas
com seu apoio. Apesar de todas estas prisões e interdições,
ninguém poderia apontar o dedo para nós e dizer que esta pessoa
é desnutrida por ser um prisioneiro político. Em alguns momentos
nós batalhamos para sobrevivermos, mas sempre existe ajuda
vinda de algum lugar. Agradecemos a Deus por uma sensação
maravilhosa de saber que não estamos sozinhos.
Não conhecia o valor do Conselho de Paz até ir à Alemanha,
a um dos piores campos de concentração. Sim, agora eu passei
realmente a defender a paz. Vi as câmaras de gás. Mostraram-
me algumas cúpulas de abajur feitas de pele humana, que eram
puxadas enquanto estes seres humanos infelizes não recebiam
nenhum clorofórmio. Isso ocorreu durante seu quinto aniversário
de liberdade [aproximadamente 1950] quando os judeus estavam
chorando abertamente por terem perdido seus pais e as mães
terem perdido maridos. Perguntava-me se essas coisas horríveis
tinham acontecido a brancos causadas por brancos, o quanto isso
seria pior quando fosse do branco contra o negro. Eu também
estou entre aquelas mães que dizem não à guerra. Não pretendia
chegar a esta parte da minha carta. Você perceberá que é meu
serviço no Conselho de Paz. Sim, vamos chegar a isso. Então fui
eleita delegada para a Conferência Mundial de Mães em Lausanne,
na Suíça. Recusei por causa do pouco conhecimento do mundo e do
meu inglês e minha educação ruins. Mas as mulheres diziam que eu
tinha que ir de todo jeito. Então aceitei. Por ser ruim em geografia,
pensava que no exterior não houvesse solo e que as pessoas lá
fossem sobrenaturais. Então veio a questão do passaporte. Era
simplesmente impossível eu solicitar um e a minha ansiedade para
ir ao exterior agora estava acesa.
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Cartas da África do Sul
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Lilian Ngoyi
chegou até aqui com isso? Sim, senhor. Por que você veio aqui?
Para estudos da Bíblia. Quem está pagando pelo seu embarque e
sua hospedagem, Lilian? Meu marido é um advogado na África do
Sul e organizou tudo com um advogado aqui. Felizmente eles não
perguntaram quem era o advogado. Enquanto eu estava em pé,
um homem branco que estava varrendo apenas tocou na minha
mão de maneira privada e me entregou um pedaço de papel.
Nele estava escrito: Helen e amigos estão esperando do lado de
fora. Oh! Obrigada. Agora eu estava realmente empolgada. O
funcionário da alfândega: Você sabe onde deve ir saindo daqui?
Rapidamente respondi: Sim, senhor. Você tem algum cigarro ou
ouro na sua bagagem? Oh! Não, senhor, dificilmente fumamos.
Quanto ao ouro está fora de questão, pois é escavado pelos
nossos colegas africanos nas minas. Nós quase não sabemos sua
cor. Quanto tempo você pretende estudar? Seis meses, senhor.
Então nos deixaram sozinhos.
Quando saímos havia várias mulheres em cerca de seis carros
para nos receber. Elas nos abraçaram e nos beijaram sem olharem
em volta com medo do apartheid. Bem, nós preferíamos estar numa
casa a estar num hotel, em parte porque estávamos sofrendo de
complexo de inferioridade racial. Durante aquela época não havia
tantas pessoas negras quanto agora. Pois assim que estivéssemos
nas ruas as pessoas concentrariam sua atenção em nós com
sorrisos amplos. Então entramos num banheiro, nos refrescamos
e tivemos uma recepção calorosa. Nenhuma discriminação de cor,
éramos seres humanos. Nós sentamos lá conversando com outras
mulheres como mulheres também. Aliás, nossas roupas foram
todas confiscadas na Cidade do Cabo quando fomos detidas. As
mulheres são maravilhosas; na Inglaterra elas nos levaram para
fazermos compras até termos ainda mais do que tínhamos antes:
luvas quentes, botas forradas de pele, casacos quentes. Aliás, uma
determinada senhora deu um casaco de pele a Dorah. Quando eu
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Cartas da África do Sul
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Lilian Ngoyi
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Cartas da África do Sul
daqui, no meu país, onde algumas das nossas pessoas estão sendo
usadas como cobaias. Tenho um exemplo na ponta dos dedos.
Minha filha tinha dado à luz por cesariana a fórceps e acho que um
dos seus fórcepses rompeu sua bexiga. E ela teve alta do hospital.
Quando chegou em casa, ela ficou pedindo com frequência uma
“comadre”, até que eu simplesmente tive que dobrar um lençol
embaixo dela e a levei de volta ao hospital. Agora escute isto:
um médico profissional disse na minha cara que ele achava que
fosse um pequeno buraco [fístula]. Você pode acreditar nisso?
Isto custou a ela três meses no hospital depois disso. Ele me
respondeu dessa maneira, ele sabia que eu não tinha condições de
conseguir um advogado e resolver esta questão de culpa pelo dano
à bexiga da minha filha resolvida no tribunal. Não me importo que
este documento seja lido pois tenho registros nos seus próprios
hospitais.
E fomos levadas a resorts de saúde de trabalhadores. Fomos
a fábricas onde mães tinham permissão para amamentarem seus
filhos. Havia várias creches para as crianças cujos pais trabalham
– a vida era simplesmente ótima. Depois nos mostraram uma foto
da destruição de Hiroshima. Muito patético.
O que me surpreendeu na Alemanha depois da guerra foi
como as pessoas comentavam como elas conseguiam fazer diversas
coisas com a ajuda da União Soviética. Comecei a imaginar porque
no nosso país não se menciona nenhuma palavra boa sobre a União
Soviética.
Ainda me lembro de uma das minhas intérpretes dizendo
que sim, que Hitler e seu regime tinham ido embora, mas que o
povo da Alemanha ainda estava aqui. Verdade, verdade, aqueles
que oprimem os filhos de Deus, no mundo todo, mas as pessoas
continuarão a lutar para que a humanidade seja respeitada.
1051
Lilian Ngoyi
1052
Cartas da África do Sul
Na China e na Rússia
Eu fui a Pequim. Eu gostaria de estar te contando minhas
experiências oralmente. Eu fui a quatro províncias como ser
humano. Eu me juntei a algumas delegadas de Londres. E elas têm
escrito para mim nos últimos 17 anos, exceto uma que faleceu.
Algumas pararam de escrever, mas outras continuam. Eu estive
na China quando eles comemoraram o quinto aniversário da sua
libertação. Oh! Foi lindo. Eu estava hospedada no Peking Hotel e o
lugar era lindo. Depois eu fui a Xangai. Você pode estar imaginando
porque eu continuo a falar “eu”. Infelizmente Dorah ficou doente e
não pode estar comigo o tempo todo.
Enquanto estávamos velejando num dos lagos, um homem
idoso me disse: “Lilian, eu gostaria de nascer de novo para desfrutar
da liberdade no nosso país”. Ele disse que antes da libertação nós,
o povo da China, não podíamos entrar nestes lagos, mas eles eram
desfrutados pelos imperialistas da Inglaterra. Através da ajuda da
União Soviética nós somos exatamente o que você vê.
Mostraram-nos a mina de carvão de modelo aberto e as
fábricas têxteis. Percebi que o estágio de barbárie deles era pior do
que o nosso, mas ao receberem a chance eles são o que são. Eu fui
quase todas as noites a uma ópera. Às vezes eu esquecia em casa
os presentes que recebia de cada país. Eram muitos e, por causa
da alfândega, eu apenas gostava de recebê-los e dá-los aos nossos
escritórios. Apesar de eu não entender a letra, a música era linda
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Lilian Ngoyi
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Cartas da África do Sul
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Lilian Ngoyi
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Cartas da África do Sul
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Lilian Ngoyi
Mais ativismo
Da Inglaterra eu fui ao Quênia e de lá voltei direto para casa
sabendo muito que haveria problemas me esperando. Quando
pousei, dois homens da segurança estavam aguardando, mas na
minha empolgação eu os ignorei. Tirei meu casaco e dei para a Sra.
Helen Joseph que estava aguardando lá pela minha chegada. Pisei
no solo esticando as pernas e os dois homens da segurança me
perguntaram o que eu estava fazendo. Eu disse que queria tocar
o solo do meu país com o meu umbigo. Depois eu fiz a saudação
do Congresso Africano impedido e gritei “África Mayibuye”. Isso
que dizer, deixe a África ser devolvida aos seus donos. Meus filhos
e minha mãe não me reconheceram, pois eu tinha passado do
tamanho 36 ao tamanho 48. Oh! Que reunião. E este foi o final
do tempo agradável de liberdade de expressão e de movimento.
Na manhã seguinte a polícia da divisão especial estava na
porta da minha casa pedindo para eu me apresentar no centro
médico. Para a frustração deles, eu tinha sido vacinada antes de
partir.
Eu comecei a ser ativa e a organizar as mulheres contra a
necessidade de carregar um passe. Apesar de chamarem de cartão
de identificação, para nós africanos, quero dizer os negros, trata-
se de um insulto. Por causa deste documento nós nunca tínhamos
a certeza de que os nossos maridos voltariam do trabalho. Nele
sempre existem brechas para ter certeza que se está sempre pronto
a ser preso. Nós organizamos aproximadamente 2.000 mulheres
para vermos o Ministro da Justiça e ele nunca se reuniu com a
gente. Depois nós organizamos outras 20.000 mulheres e ele não se
reuniu com a gente. Depois houve uma prisão nacional por traição.
Eu estava entre as pessoas presas. Depois houve prisões por estado
de emergência. Aqui foi a primeira vez que eu experimentei o
confinamento solitário por 19 dias.
1058
Cartas da África do Sul
4 N.E.: Um desastre histórico de mineração ocorreu no dia 21 de janeiro de 1960 nas minas de carvão
do Riacho do Carvão no Estado Livre, na África do Sul. Apenas 20 pessoas sobreviveram das 437
vítimas presas no subsolo por avalanches, que morreram por envenenamento por metano.
1059
Lilian Ngoyi
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Cartas da África do Sul
***
1061
Lilian Ngoyi
1062
CAPÍTULO 33
ALGUNS PROBLEMAS TEÓRICOS E PRÁTICOS
ASSOCIADOS AO USO DE INSTRUMENTOS
OCIDENTAIS PARA MEDIR CAPACIDADES
COGNITIVAS NO CONTINENTE AFRICANO
J. Y. Opoku
Prefácio
Sempre fiquei perplexo com o uso universal de testes de perso-
nalidade, como o Teste Rorschach Inkblot ou o Teste de Apercepção
Temática (TAT). Estes são testes não objetivos utilizados no
Ocidente para avaliar as características de personalidade de um
indivíduo e são amplamente utilizados na África por clínicos para a
mesma finalidade. Se realmente houver a necessidade desses testes
não objetivos para medir a personalidade entre os africanos, talvez
os próprios africanos não devessem – por não precisarem – olhar
muito além do horizonte para desenvolver esses testes para os
africanos. Considere, por exemplo, um ajuste do modelo Rorschach
envolvendo interpretações diferentes dadas por africanos de uma
1063
J. Y. Opoku
O que é inteligência?
De acordo com o conceito ocidental estereotipado de inteli-
gência, um indivíduo que tiver a capacidade de resolver problemas
matemáticos, de raciocinar de maneira lógica, de apresentar
capacidades verbais, demonstrar competência social, ou, em geral,
que tiver a capacidade de resolver problemas no seu ambiente
será considerado como apresentando um comportamento
inteligente. No entanto, de acordo com Ceci e Laker (1986),
Howard e Gardner (1983) e Sternberg (1985), este construto de
inteligência é realmente muito restrito – ele ignora vários tipos
de inteligência que as pessoas demonstram. Por exemplo, em
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Alguns problemas teóricos e práticos associados ao uso de instrumentos ocidentais
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J. Y. Opoku
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Alguns problemas teóricos e práticos associados ao uso de instrumentos ocidentais
Conclusões
A partir da discussão anterior, pode ser visto que fatores
biológicos e oportunidades de aprendizagem num contexto cultural
específico interagem para determinar capacidades cognitivas,
inclusive a inteligência. É bem difícil – se de fato for até mesmo
coerente – conceitualizar e medir com precisão essas capacidades
independentemente do contexto em que a pessoa vive (Gardner
e Hatch, 1989). De fato, White (1988) capturou este problema
corretamente quando ele observou que as oportunidades para
demonstrar inteligência são distribuídas de maneira desigual pela
cultura. Por exemplo, num mundo sem balé não haveria nenhum
Baryshnikov. Da mesma maneira, sem uma ciência da física bem
estabelecida não haveria nenhum Einstein e numa cultura sem
xadrez Bobby Fischer não poderia ter desenvolvido o potencial
para se tornar um mestre como jogador de xadrez.
Testes de capacidades cognitivas importados do Ocidente
foram construídos de acordo com valores eurocêntricos, que
são claramente diferentes de valores voltados para a África ou
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J. Y. Opoku
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Alguns problemas teóricos e práticos associados ao uso de instrumentos ocidentais
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J. Y. Opoku
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Alguns problemas teóricos e práticos associados ao uso de instrumentos ocidentais
***
1081
CAPÍTULO 34
“RAÇA” E “QI”1
Kwame Anthony Appiah
1083
Kwame Anthony Appiah
1084
“Raça” e “QI”
“Raça”
Deixe-me começar com a suposição mais básica daqueles que
derivaram a conclusão racista: a crença de que americanos negros
e americanos brancos pertencem a raças absolutamente distintas.
Não muito tempo atrás eu estava sendo entrevistado num
programa de rádio numa Rádio Pública Nacional no meio-oeste
dos Estados Unidos. Eu estava explicando, entre outras coisas,
por que eu acreditava que não existem raças biológicas na nossa
espécie, Homo sapiens. Um ouvinte irritado ligou de Chicago e me
disse que, apesar de admitir que muito do que eu tinha dito fosse
verdadeiro, era perigoso sair por aí dizendo que não havia raças
humanas. Confuso, eu perguntei a ele por que ele achava que isso
fosse perigoso. Por um momento ele ficou em silêncio. Depois ele
disse: “Porque as pessoas vão rir de você”. Meu ouvinte achava
que negar a existência de raças biológicas entre os humanos fosse
obviamente absurdo.
Esta reação vinda de uma pessoa com um treinamento
universitário nas ciências da vida – ele parecia ter qualificações
em antropologia física ou em anatomia comparativa – demonstra
como a ideia de raça é central para o pensamento de várias pessoas
na nossa sociedade e até que ponto as pessoas estão convencidas
de que a raça fornece uma base objetiva e científica para a
classificação. Não apenas meu ouvinte estava demonstrando estas
suposições – raça é central, é um assunto objetivo e científico – mas ele
também estava claramente convencido de que a maioria dos outros
americanos concordaria.
Quando ele disse que era perigoso negar esta verdade óbvia, no
entanto, ele estava expressando mais do que isto. Ele estava caindo
no tipo de hipérbole histérica que ocorre quando um princípio
central do seu sistema de crença é ameaçado. (Existem, afinal de
1085
Kwame Anthony Appiah
1086
“Raça” e “QI”
lugares onde você nunca esteve. Mas uma vez que você vá à África e
observe as diferenças óbvias em termos de aparência entre os povos
Hausa, Iorubá e Ibo na África Ocidental – independentemente dos
povos San do Kalahari, dos Pigmeus Mbuti do Zaire, ou dos povos
da Somália – a noção de que ter a pele escura e vir da África ocorre
junto com uma forma específica de crânio ou um tipo de cabelo,
começa a parecer implausível: e isto está só restringindo você a
diferenças visíveis óbvias. Um ceticismo semelhante deve se seguir
a uma viagem atenta pela Europa ou pela Ásia.
O problema básico com a ideia de existirem raças biológicas
humanas é o seguinte: apesar de as diferenças de cor da pele,
cabelo, olhos e forma do crânio que distinguem os membros
“típicos” das diversas supostas raças serem hereditárias, elas não
se correlacionam muito bem com as outras diferenças hereditárias
entre as pessoas. Existe quase tanta variação biológica entre os
negros americanos (aliás, até mesmo entre os africanos)3 quanto
entre a população americana como um todo, por outro lado, a
maioria das características hereditárias variáveis encontradas em
um grupo “racial” pode ser encontrada em outros4. Paul Hoffman
escreveu recentemente, a partir de um trabalho feito por Richard
Lewontin, que da diversidade genética que existe na população
humana:
[...] 85% será encontrada dentro de qualquer
grupo local de pessoas – digamos, entre você e seu
vizinho. Mais de metade (9%) dos 15% restantes
3 Digo “até mesmo” porque os negros americanos têm tanta ancestralidade europeia e índia
americana, como resultado da regra americana de “uma gota” que o tornava negro na maioria das
circunstâncias se seu pai ou sua mãe fossem negros. Isto poderá fazer você pensar que a variabilidade
genética da população negra americana tenha sido apenas um reflexo da grande diversidade da sua
ancestralidade. Os dados africanos sugerem que esta não seja a razão.
4 Digo “características variáveis hereditárias” porque uma maioria do meu material genético é
funcionalmente igual ao de todas as outras pessoas. Meu argumento é que até entre a pequena
proporção de características pessoais que varia, a maioria é encontrada em todos os continentes e
em todos os principais grupos populacionais.
1087
Kwame Anthony Appiah
5 Paul Hoffman (1994, p. 4). É claro que Hoffman usa a palavra “raça” aqui. Mas, conforme seu parêntese
deixa claro, podemos assumir que ele esteja se referindo às populações das diferentes regiões
principais – África, Ásia e Europa Ocidental.
N.E.: Entrevistado na BBC em agosto de 2001, o famoso geneticista Prof. Steven Jones (do Laboratório
Galton, do University College de Londres) alegou que como um “conceito biológico” raças distintas
simplesmente não existem. Ele indica que dentro do perfil total do genoma humano, 85% de toda a
variedade ocorra entre dois indivíduos do mesmo lugar; cerca de 7,5% da variação ocorre entre dois
indivíduos de países diferentes e 7,5% da variedade detectada na composição genética humana é
encontrada entre pessoas das chamadas “raças” diferentes no sentido de Hoffman.
6 Um polimorfismo existe numa população quando existirem duas ou mais variantes (alelos) num
lugar específico no cromossomo (um local genético).
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“Raça” e “QI”
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Kwame Anthony Appiah
1090
“Raça” e “QI”
“QI”
Numa sociedade que já se esforçou tanto quanto os Estados
Unidos para realizar testes de QI e outras avaliações de capacidade
intelectual, também é provável que as pessoas riam de você se você
negar que o que estes testes medem seja realmente a inteligência.
Afinal de contas, muitos psicólogos alegam que você pode fazer
todo tipo de testes que parecem, intuitivamente, medir a esperteza
intelectual e que os resultados da maioria deles se correlacionam
um com o outro. Por alguma razão ou por outra, pessoas que
têm um bom desempenho num teste, tendem a ter um bom
desempenho em outros. Por causa disto, você pode atribuir a cada
pessoa um número – que seu inventor, Charles Edward Spearman,
chamou de ‘g’, o “fator geral” para a inteligência – e dizer que seu
desempenho em cada tipo de teste de QI é um produto de g e de
algum(ns) outro(s) fator(es). O teste de inteligência geral ideal
captaria g sozinho. Pessoas com um g elevado têm um desempenho
melhor, em média, na escola, do que pessoas com um g baixo. Na
verdade, elas têm um desempenho melhor, em média, em várias
8 “Em grande parte” biológicas porque cada uma destas características pode ser moldada por coisas
não biológicas como o alisamento do cabelo, a cirurgia cosmética, tingimentos e coisas semelhantes.
9 James Shreve (1994, p. 58).
1091
Kwame Anthony Appiah
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“Raça” e “QI”
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“Raça” e “QI”
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Kwame Anthony Appiah
“Raça” e “QI”
Eu argumentei que existem razões para o ceticismo sobre raça
e QI tomados separadamente: um único número de QI oferecido
como uma medida de inteligência geral pode, na verdade, refletir
uma interação complexa de algumas habilidades e não capturar
absolutamente nada de outras e uma designação racial lhe diz
muito pouco sobre a biologia de uma pessoa. O que acontece
quando estas duas noções dúbias são combinadas? Bem, como
quase todo mundo sabe, muitas pessoas pensavam que uma vez
que você concorde que o QI é altamente hereditário, você precisa
concordar que as diferenças entre as raças no QI tenham origem
genética.
12 Veja Howard Gardner (1993); Robert J. Sternberg e Richard K. Wagner (eds.) (1994); Darold A. Treffert
(1989); Michael J. A. Howe (1989).
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“Raça” e “QI”
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Kwame Anthony Appiah
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“Raça” e “QI”
19 Claude M. Steele (1992, p. 68 et seq.) Falar sobre uma “fonte de ansiedade” aqui é, evidentemente,
deslocar-se em direção a uma hipótese sobre o motivo pelo qual este efeito ocorre. Mas a hipótese
me parece razoável.
1099
Kwame Anthony Appiah
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“Raça” e “QI”
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“Raça” e “QI”
1103
Kwame Anthony Appiah
Conclusão
Os principais cientistas do mundo se manifestaram [...] e
estabeleceram de maneira categórica uma série de proposições23
que podem ser resumidas da seguinte maneira:
1. Não é legítimo argumentar que existam diferenças em
características mentais a partir de diferenças físicas [...]
2. A civilização de uma [...] raça em qualquer momento
específico não oferece nenhum índice às suas capacidades
inatas ou herdadas [...]24
Pelo menos no que diz respeito a atitudes intelectuais e morais
devemos falar de civilizações onde hoje falamos de raças [...] Na
verdade, até mesmo as características físicas, excluindo a cor da
1104
“Raça” e “QI”
1105
Kwame Anthony Appiah
***
1106
CAPÍTULO 35
CHOQUE DE REALIDADE: OS CUSTOS E AS
CONDIÇÕES DO ENSINO BÁSICO GRATUITO PARA
TODOS NA REGIÃO DE GRANDE ACCRA1
Judith S. Sawyerr
1107
Judith S. Sawyerr
2 N.E.: Todos os artigos jurídicos constitucionais relevantes mencionados aqui foram publicados
literalmente como o capítulo 68 desta antologia.
1108
Choque de realidade: os custos e as condições do ensino básico gratuito
1109
Judith S. Sawyerr
4 Listado como 2,7% por ano em Estimativas dos Funcionários do FMI citado no Ghana Human
Development Report 2004 (rascunho).
1110
Choque de realidade: os custos e as condições do ensino básico gratuito
1111
Judith S. Sawyerr
1112
Choque de realidade: os custos e as condições do ensino básico gratuito
quantia de Gp50 (GH¢ 0,50) ou US$ 0,35 por aluno por série para
subsidiar o custo de exames e outras coisas. Como os pais também
eram responsáveis sozinhos pelo fornecimento de uniformes,
material de papelaria, réguas, conjuntos de matemática, canetas,
lápis, etc., algumas das crianças não estavam bem equipadas,
enquanto outras não tinham uniformes. Muitas das crianças
andavam entre quatro e cinco milhas para ir à escola e a mesma
distância para voltar, uma distância considerável para uma criança
pequena de seis ou sete anos de idade.
O custo da educação básica pública tem sido uma das principais
razões pelas quais pais pobres não matriculam seus filhos ou são
obrigados a tirá-los da escola. Apesar de garantias da Constituição
de Gana de 1992, afirmando que cada criança tem o direito a
nove anos de educação básica gratuita, compulsória e universal,
(FCUBE), impostos e cobranças feitos aos pais por autoridades
do governo local, Associações de Pais e Mestres (PTAs), ou pelas
próprias escolas – combinado com o custo de uniformes, sapatos,
mochila, comida, etc. – tornou a educação básica “gratuita” cara
para os ganenses comuns.
Na realização deste estudo no Distrito Ga West de Grande
Accra, questionários foram dados a pais e responsáveis com crianças
em escolas básicas públicas durante o ano acadêmico de 2004-
-2005, para que eles pudessem listar as quantias que eles gastaram
na educação dos seus filhos10. Como houve variações significativas
nas quantias que os pais listaram, solicitou-se que autoridades
do Serviço de Educação de Gana (GES) no distrito fornecessem
seus números, onde estivessem disponíveis. O gráfico (Tabela 2)
1113
Judith S. Sawyerr
11 Isto cobre o custo de Exames de Certificado da Educação Básica (BECE) semestrais simulados
realizados na JSS3.
12 Estas são taxas realistas de material de papelaria para a JSS porque se espera que os alunos comprem
pelo menos um caderno de capa dura (entre outras coisas) para cada matéria a um custo de
GH¢1,00 por livro.
1114
Choque de realidade: os custos e as condições do ensino básico gratuito
Escola
Escola
Escola Escola Secundária
Secundária
Primária Primária Júnior
Júnior
(Relatórios (Números (Números
ITEM (Relatórios
dos Pais). do GES). oficiais
dos Pais).
Equivalentes Equivalentes Equivalentes do GES).
em GH¢ em GH¢ Equivalentes
em GH¢ em GH¢
Réguas,
0,90 (média) 1.00 (média)
séries
0,50 – 3,00 (Opcional) 0,70 – 4,50 Opcional
matemáticas
(intervalo) (intervalo)
por ano
Livros
6,50 – 48,00
didáticos por --- --- Opcional
(intervalo)249
ano
Uniforme
escolar 10,00 10,00
(vestido, (média) quivalent (média) 4,00 50.000
sapatos, 3,00 – 26,00 5,00 – 50,00 (estimativa)
cintos, meias, (intervalo) (intervalo)
etc.) por ano
Mochila 4,50 (média) 5,00 (média)
4,00
escolar por 1,00 – 6,00 Opcional 1,50 – 15,00
(estimativa)
ano (intervalo) (intervalo)
0,40 por dia 0,10 – 0,20 0,30 por dia
Comida x 22 x 10 por dia x 22 x10
0,50 x 22 x
comprada na = 88,00 x 22 x 10 = =660.000
10
escola (média) 33,00 – (média)
= 110,00
(por dia 44,00 44,00 440.000 –
(estimativa)
X 22 x 10) –550,00 (intervalo 1.100.000
(intervalo) estimado) (intervalo)
28,10 12,30 25,90
Total GH¢ (média) (Pr. 1-3) (média) 32,60 – 37,60
(sem comida) 7,50 – 66,55 12,60 6,40 – 59,20 (intervalo)
(intervalo) (Pr. 4-6) (intervalo)
116,15 91,00
142,60 –
(média) 45,30 – 54,60 (média)
TOTAL GH¢ 192.60
51,90 – (intervalo 50,40 –
(com comida) (intervalo
616,55 estimado) 169,20
estimado)
(intervalo) (intervalo)
13 Quantias para livros didáticos não foram incluídas no total porque apenas poucos pais indicaram que
os compraram.
1115
Judith S. Sawyerr
1116
Choque de realidade: os custos e as condições do ensino básico gratuito
Sem contar a comida, que costuma ser cara para quem tem
baixa renda, os dois próximos itens mais caros no gráfico são os
uniformes e o material de papelaria. A política oficial sempre
foi repassar estes custos aos pais e nem mesmo os subsídios de
capitação que estão sendo aplicados atualmente os cobrem (os
impactos variados destes subsídios serão discutidos depois).
De acordo com o intervalo de gastos listados para material de
papelaria, por exemplo, alguns pais estão gastando menos de 10%
do que outros estão, o que sugere que provavelmente seus filhos
estarão numa grave desvantagem. Outra cobrança que precisa ser
analisada de maneira detalhada é a taxa de exame, especialmente
no nível mais baixo. Pode-se imaginar que tipo de testes estão
sendo aplicados a alunos do Primário 1 que exigem que um pai
pague até GH¢1,80 por ano? Esta parece ser outra maneira de
repassar os custos reais aos pais, para gerar receita para as escolas.
Estes próprios custos relativamente proibitivos da chamada
educação gratuita são responsáveis pela taxa pequena de matrí-
culas entre pessoas economicamente carentes, até mesmo em
áreas de Gana que historicamente têm estado mais expostas ao
desenvolvimento do serviço social do que nas regiões notoriamente
analfabetas do Norte do país15, por exemplo nos Distritos Ga West e
Dangme West de Grande Accra. O apêndice II delineia brevemente
as circunstâncias geográficas e econômicas de famílias que vivem
nestes distritos, esclarecendo por que elas passam por dificuldades
ou simplesmente não conseguem sustentar o direito constitucional
dos seus filhos ao ensino em escola pública ao longo dos últimos 7
anos – apesar do investimento volúvel do país e da esfera global da
educação básica com uma das principais prioridades em esquemas
15 N.E.: Para relatos detalhados do diferencial Norte/Sul de Gana no acesso à educação e na qualidade da
educação distribuída, devido a desigualdades historicamente enraizadas na distribuição pelo governo
de serviços sociais, veja Ivan Addae-Mensah (2000) e Jacob Songsore (2003). Tanto o capítulo 27, de
Addae-Mensah, quanto as análises de Songsore do impacto deletério sobre o desenvolvimento de
Gana causado pelo acesso ruim à educação são observados no capítulo 26 deste volume.
1117
Judith S. Sawyerr
16 N.E.: Para uma discussão sobre a viabilidade dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio para
Gana, veja o capítulo 23 deste volume, de Abena D. Oduro.
1118
Choque de realidade: os custos e as condições do ensino básico gratuito
17 The Cost and Quality of Public Basic Education in Ga West District of Greater Accra, 2004-05, compilado
por Judith S. Sawyerr, inédito.
18 Ibid.
1120
Choque de realidade: os custos e as condições do ensino básico gratuito
1121
Judith S. Sawyerr
1122
Choque de realidade: os custos e as condições do ensino básico gratuito
1123
Judith S. Sawyerr
20 Plano de Ação Estratégico Nacional do Ministério da Educação – Educação para Todos: Gana (2003-
2015) p. 4.
1124
Choque de realidade: os custos e as condições do ensino básico gratuito
21 Ibid, p. 14.
22 Ibid, p. 15.
23 Relatório Oficial do Governo de Gana sobre o Report of the Education Review Committee, 2003.
1125
Judith S. Sawyerr
1126
Choque de realidade: os custos e as condições do ensino básico gratuito
1127
Judith S. Sawyerr
25 GES, Dangme West. Não havia números disponíveis para o quociente entre aluno e livro didático para
as aproximadamente sete matérias não essenciais.
1128
Choque de realidade: os custos e as condições do ensino básico gratuito
1129
Judith S. Sawyerr
1130
Choque de realidade: os custos e as condições do ensino básico gratuito
1131
Judith S. Sawyerr
1132
Choque de realidade: os custos e as condições do ensino básico gratuito
1133
Judith S. Sawyerr
1134
Choque de realidade: os custos e as condições do ensino básico gratuito
28 Ministry of Education, Science and Sports (MOESS), Preliminary Education Sector Performance Report
2006.
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Choque de realidade: os custos e as condições do ensino básico gratuito
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Judith S. Sawyerr
1138
Choque de realidade: os custos e as condições do ensino básico gratuito
1139
Judith S. Sawyerr
32 Ibid.
1140
Choque de realidade: os custos e as condições do ensino básico gratuito
1141
Judith S. Sawyerr
34 N.E.: A observação de que os recursos do GETFund não são aplicados de acordo com seus propósitos
pretendidos também foi feita por I. Addae-Mensah. Veja o capítulo 27.
1142
Choque de realidade: os custos e as condições do ensino básico gratuito
Apêndice I
1143
Judith S. Sawyerr
1144
Choque de realidade: os custos e as condições do ensino básico gratuito
Metodologia
Os métodos usados nestes estudos incluíam a circulação
de questionários a alunos, pais e responsáveis, professores e
alguns oficiais do GES com um corte transversal de escolas
públicas básicas. Amostras de todos os questionários para todos
os segmentos da amostra estão incluídas como apêndices dos
relatórios, juntamente com mapas distritais, fotografias de locais
e tabelas de todos os dados analisados. Entrevistas também foram
realizadas, tentando a paridade entre os sexos sempre que possível
e observações diretas feitas pelas equipes de pesquisa durante suas
várias visitas de locais às escolas.
A coleta de dados de 2005 sobre Ga West envolveu respos-
tas de 29 pais, 22 professores, 27 alunos de escolas primárias
1145
Judith S. Sawyerr
35 As escolas carentes selecionadas incluíam (I) Amamorley Primary and Junior Secondary Schools; (II)
Kwashikuma Primary and Junior Secondary Schools; (III) Achiaman Primary and Junior Secondary
Schools; (IV) Oblogo Primary and Junior Secondary Schools, (V) Dome Faase Primary and Junior
Secondary Schools, (VI) Kpobikope Primary School and Sarpeman Junior Secondary School; (VII)
Okyere Komfo Primary and Junior Secondary Schools. As duas escolas no perímetro urbano eram (I)
Mallam DA 1, 2 Primary and Junior Secondary Schools; (II) Ofankor Primary and Junior Secondary
Schools e (iii) Amasaman Primary and Junior Secondary Schools, usadas para fazer um teste prévio
dos instrumentos. Fora Kpobikope, todas as escolas tinham o primário e o secundário júnior no
mesmo complexo.
36 Dodowa Newtown DA Basic School, Afienya Cluster of Basic Schools and Doryumu DA Junior
Secondary School.
37 Old Ningo DA Basic School, Nyibenya Cluster of Schools.
38 Minya DA Primary School, Mampong-Shai DA Basic School e Agortor Basic School.
1146
Choque de realidade: os custos e as condições do ensino básico gratuito
Apêndice II
que os outros são Dangme East, Accra West, Accra East, Accra
Metro e Tema Municipal. Na sua fronteira leste está Dangme
East e a sudoeste está Tema, o principal porto de Gana. O terreno
consiste de uma savana litorânea, com mais de 37 quilômetros de
litoral ao longo do Oceano Atlântico. A média pluviométrica anual
é de 762,5 mililitros no litoral a 1.220 mililitros ao norte, o que o
torna relativamente seco. A população do Distrito em 2006 era de
aproximadamente 98.48539, sendo que aqueles entre os 4 e os 14
anos de idade sendo estimados em 30.385, ou 31%, significando
um quociente elevado de crianças na faixa etária da escola básica40.
A maioria dos habitantes está empregada na agricultura de
subsistência, na horticultura, em um pouco de cultivo comercial
de arroz, pecuária bovina e ovina, obtenção de areia, pequeno
comércio, pesca e apicultura, enquanto outros se deslocam para
Tema e Accra para sua subsistência. Os níveis de renda costumam
ser baixos. Existe eletricidade em aproximadamente 75% do
distrito fornecida através da rede nacional. Água potável da Ghana
Water Company alcança aproximadamente 50% da área. Fora a
estrada de entroncamento principal entre Acra e Ada, as estradas
vicinais no Distrito são rústicas e não são asfaltadas, o que torna
o acesso difícil. O distrito tem 79 escolas primárias públicas, 56
escolas secundárias júnior públicas e 3 escolas secundárias sênior.
Ele tem 35 pré-escolas públicas e 50 pré-escolas privadas. Quatro
dos sete circuitos são classificados como muito carentes41.
39 Fonte: <http://www.ganadistrcits.com>.
40 GES, Dangme West.
41 Fonte: <http://www.ganadistritos.com>.
1147
Judith S. Sawyerr
Sobre Ga West
Ga West é um dos seis distritos na Região de Grande Accra,
sendo que os outros são Dangme East, Ga East, Ga West, Accra
Metropolis e Tema. A capital do Distrito de Ga West é Amasaman;
e inicialmente fazia parte do Distrito de Ga até que a área maior foi
dividida em dois distritos separados no final de 2004, sendo que
agora o outro é Ga East. Ga West abrange uma área de 692 km2 e
está localizado na parte norte e oeste da Região de Grande Accra,
compartilhando fronteiras comuns com a área Tema Municipal a
leste, com o Distrito de Akwapim South ao norte, com a Região
Central a oeste e com o Golfo de Guiné e com a Metrópole de Accra
ao sul42. A população combinada de Ga West e Ga East baseada no
censo do ano 2000 era de 548.000, sendo que 47% tinha menos de
15 anos de idade43. Ainda não existem números disponíveis para
a população de Ga West como um distrito separado. O terreno
geográfico é principalmente composto de savana litorânea.
A atividade econômica abrange a pesca, a agricultura camponesa
e comercial, um pouco de indústria leve, pequeno comércio,
pequena mineração e pessoas que se deslocam para trabalharem na
Metrópole de Accra. Existe uma degradação ambiental considerável
devido a atividades não verificadas de obtenção de areia e pedra,
que destruiu boa parte da terra arável. Fora as comunidades da
periferia urbana, a maioria das áreas rurais no distrito não tem
nem eletricidade nem água encanada. Existe uma taxa elevada
de desemprego e subemprego, especialmente entre os jovens.
A população nativa fala o idioma Ga, apesar de várias comunidades
de colonos terem migrado para a área da Região de Volta, de outras
partes de Gana e do Togo, especialmente para a agricultura de
subsistência.
42 Ibid.
43 Ibid.
1148
Choque de realidade: os custos e as condições do ensino básico gratuito
Apêndice III
44 Plano Anual para o Setor Educacional 2003-2005 (AESOP), Ministério da Educação, Acra, 2003.
*Números projetados, ibid.
45 Ibid. * Projetado.
1149
Judith S. Sawyerr
1150
Choque de realidade: os custos e as condições do ensino básico gratuito
47 Ibid.
1151
Judith S. Sawyerr
***
48 Relatório sobre a aplicação em 2002 do teste referenciado por critério do primário 6, Ministério da
Educação, Acra, outubro de 2004.
49 Conselho de Exames da África Ocidental, Acra, 2003.
50 Ibid.
1152
Choque de realidade: os custos e as condições do ensino básico gratuito
1153
CAPÍTULO 36
ESTRATÉGIAS GLOBAIS DE SAÚDE PARA COMBATER
A AIDS NA ÁFRICA REQUEREM EVIDÊNCIA, NÃO
COMOÇÃO
Andrew J. Maniotis e Charles L. Geshekter
Introdução
Uma experiência sobre a AIDS no Quênia foi interrompida
porque se observou uma redução de 53% na aquisição do “HIV”
entre homens circuncisados. De um total de 2.784 homens
estudados na experiência, 69 eram “HIV” positivos: 22 destes eram
circuncisados e 47 não eram. Muitos, se não todos os 69 tinham
recebido tratamento anterior ou estavam recebendo tratamento
(simultâneo) para infecções penianas e 28 dos 69 tinham
sífilis sorológica no começo. Um ano antes, alegou-se que uma
experiência de 4.996 homens HIV negativos em Rakai, Uganda,
mostrou que a aquisição do HIV foi reduzida em 48% em homens
circuncisados. Durante esta época de AIDS, episódios anteriores de
realização da ciência da AIDS por comunicados à imprensa, assim
1155
Andrew J. Maniotis e Charles L. Geshekter
1156
Estratégias globais de saúde para combater a AIDS na África requerem evidência, não comoção
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Andrew J. Maniotis e Charles L. Geshekter
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Estratégias globais de saúde para combater a AIDS na África requerem evidência, não comoção
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Andrew J. Maniotis e Charles L. Geshekter
1160
Estratégias globais de saúde para combater a AIDS na África requerem evidência, não comoção
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Andrew J. Maniotis e Charles L. Geshekter
5 Editorial “Rare Good News About AIDS,” The New York Times. Seção A, 14 de dezembro de 2006,
p. 40.
1162
Estratégias globais de saúde para combater a AIDS na África requerem evidência, não comoção
6 US Dept. of Health and Human Services NIH News, National Institute of Allergy and Infectious
Diseases (NIAID) DIVULGAÇÃO EMBARGADA Quarta-feira, 13 de dezembro de 2006, 12:00 pm ET
Contato: NIAID News Office +01-301-402-1663.
1163
Andrew J. Maniotis e Charles L. Geshekter
1164
Estratégias globais de saúde para combater a AIDS na África requerem evidência, não comoção
9 N.E.: ELISA ou Enzyme-Linked Immunosorbent Assay, também conhecido como o “teste rápido”,
requer em termos legais (tanto no Reino Unido quanto nos Estados Unido) confirmação de back-up
com o resultado do teste de anticorpos Western Blot antes que um diagnóstico positivo sobre ELISA
seja considerado definitivo. Veja Rodney Richards (2001a) e (2001b) no que diz respeito à aplicação
questionada destes kits projetados para a triagem geral do sangue para o diagnóstico clínico de
pacientes individuais. O PCR denota o método da reação em cadeia da polimerase para rastrear o
HIV, desenvolvido pela química ganhadora do Prêmio Nobel Kary Mullis, que foi uma das primeiras
a se contra a aplicação da sua técnica no diagnóstico de “HIV/AIDS”.
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Andrew J. Maniotis e Charles L. Geshekter
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Estratégias globais de saúde para combater a AIDS na África requerem evidência, não comoção
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Estratégias globais de saúde para combater a AIDS na África requerem evidência, não comoção
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Estratégias globais de saúde para combater a AIDS na África requerem evidência, não comoção
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Andrew J. Maniotis e Charles L. Geshekter
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Estratégias globais de saúde para combater a AIDS na África requerem evidência, não comoção
Não está claro por que a Dra. Paxton não aconselha todo
mundo a não usar a preparação uma vez que o estudo revela que
ela causa lesões genitais.
E se homens africanos tiverem cortes microscópicos
(abrasões, não úlceras) nos seus pênis? Já se sabe desde
1985 que a “exposição à gama-globulina sozinha inativava
aproximadamente 99% da infectividade pelo HTLV-III”.25
Portanto, em indivíduos nutridos normalmente que possuem
níveis normais de gama-globulina, a circuncisão provavelmente
não será responsável por uma redução de 60 a 70% ou uma
redução de 48 a 53% de inseminadores que adquirem o “HIV”,
se as pessoas acompanhadas nestas experiências tivessem níveis
normais de gama-globulina26.
A capacidade de kits de testes para o “HIV” de funcionarem
ou não é uma questão grave diante do fato de que os kits de
testes do “HIV”, especialmente os rápidos, não detectam o “HIV”,
mas acredita-se que eles detectem os chamados marcadores do
“HIV”27 em cabras, vacas28 e sequências de genes semelhantes às
do “HIV” em DNAs humanos, do chimpanzé e do macaco-rhesus
de “indivíduos normais não infectados”29. Na cultura do “HIV”,
a atividade da chamada enzima transcriptase reversa “específica
do HIV” já foi encontrada em todo tipo de fermentos, insetos e
mamíferos30. Neste sentido, em 1985, no começo do teste de HIV
entre doadores de esperma, descobriu-se que “68% a 89% de todos
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Andrew J. Maniotis e Charles L. Geshekter
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Estratégias globais de saúde para combater a AIDS na África requerem evidência, não comoção
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Estratégias globais de saúde para combater a AIDS na África requerem evidência, não comoção
38 W. H. Mosley (1983).
1179
Andrew J. Maniotis e Charles L. Geshekter
Infecção respiratória
1166 18
aguda
Doença diarreica 14 15
Malária 22 10
Sarampo 8 5
HIV ou AIDS 8 4
Morte neonatal 13 23
Outras causas 19 25
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Estratégias globais de saúde para combater a AIDS na África requerem evidência, não comoção
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Estratégias globais de saúde para combater a AIDS na África requerem evidência, não comoção
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Andrew J. Maniotis e Charles L. Geshekter
45 B. Rodriquez et al. (2006) em JAMA (Journal of the American Medical Association); J. Cohen (2006) em
Science.
1186
Estratégias globais de saúde para combater a AIDS na África requerem evidência, não comoção
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Estratégias globais de saúde para combater a AIDS na África requerem evidência, não comoção
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Andrew J. Maniotis e Charles L. Geshekter
48 Marc Deru (2003) Palestra na Conferência do Parlamento Europeu Sobre AIDS na África, Bruxelas,
8 de dezembro.
49 Pali Lehohla (2006) Knowing Causes of Morte is Crucial for Planning, Business Report, 14 de setembro.
1190
Estratégias globais de saúde para combater a AIDS na África requerem evidência, não comoção
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Estratégias globais de saúde para combater a AIDS na África requerem evidência, não comoção
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1194
Estratégias globais de saúde para combater a AIDS na África requerem evidência, não comoção
Conclusões
Estratégias de AIDS, assim como outras atividades de saúde
pública, devem se basear em provas que possam ser verificadas, não
em comunicados à imprensa ou suposições racistas. Um conjunto
cada vez maior de dados sustenta a conclusão inevitável de que o
“HIV” não pode ser a causa principal, nem mesmo um marcador
fraco, de doenças relacionadas com a imunidade na África ou
em qualquer outro lugar. O que se costuma chamar de “status de
HIV” de uma pessoa pode apenas mascarar ou confundir o status
real, de saúde clínica de um indivíduo, levando a um diagnóstico
equivocado, estigma, tratamento equivocado e até mesmo
negligência médica. Provas científicas consideráveis documentam
que uma falta de saneamento, água limpa potável e apoio nutricional
[30, 31, 49] formam a base para doenças infecciosas, por bactérias
e outros tipos inclusive a supressão imune e todas as condições que
55 Maruizio de Martino et al. (1999). ZDV significa Zudovudina, outro nome genérico para o AZT, a
abreviatura de azidotimidina, tendo o nome comercial RetrovirR.
N.E.: Para mais detalhes sobre o histórico em grande parte decepcionante destes e de outros
antirretrovirais e da sua distribuição na África como medicamentos milagrosos, veja o capítulo de
Elisabeth Ely nesta seção.
1195
Andrew J. Maniotis e Charles L. Geshekter
1196
Estratégias globais de saúde para combater a AIDS na África requerem evidência, não comoção
***
1197
Andrew J. Maniotis e Charles L. Geshekter
1198
CAPÍTULO 37
MEDICAMENTOS DE AIDS PARA A ÁFRICA:
REMAPEANDO O CAMINHO DO DESENVOLVIMENTO
DE MEDICAÇÕES
Elizabeth Ely
Introdução
Enquanto outra pessoa conseguir filtrar seu acesso às
informações e restringir sua interpretação do que você sabe por
alegar que tem informações mais completas, você está sob seu
poder. No entanto, ninguém pode fazer isto sem sua permissão.
Nenhum poder político no mundo pode impedir que nações
inteiras – até mesmo nações africanas com economias fracas
– exerçam seu poder de raciocínio. Deve ser estimulante para os
fornecedores de medicamentos de AIDS suporem que os africanos
estão presos na Idade da Pedra porque, se eles não bombardearem
todas as universidades para a Idade da Pedra – fechando cada site
perturbador na Internet e inserindo tubos no estômago de cada
africano – os pesquisadores de AIDS, os ativistas e as empresas
1199
Elizabeth Ely
1 1 Elizabeth Ely (2000) “Protease Inhibitors Control HIV But Do Not Cure AIDS,” Townsend Letter for
Doctors & Patients, outubro. Disponível por encomenda no site: <www.townsendletter.com>.
N.E.: Trechos deste artigo densamente pesquisado estão incluídos neste capítulo com a permissão da
autora.
2 N.E.: A ideia de uma agenda de teste de emergência para medicamentos experimentais com potencial
para salvar vidas foi colocada em prática como uma resposta publicamente visível no começo da
década de 1980 sob pressão popular conduzida por lobistas poderosos nos Estados Unidos exigindo
atenção da saúde pública para o surto sem precedentes de AIDS na grande comunidade de eleitores
homossexuais em São Francisco, na Califórnia, conforme lembra o Dr. Andrew Maniotis, Diretor
do Laboratório para Célula e Biologia Desenvolvimentista para o Câncer, Universidade de Illinois
entrevistado pelo Dr. Jonas Moses “Conversas na Pesquisa da Ciência Médica”, disponível em: <http://
www.intimetv.com/medcal/medical.cfm>. Veja também Ely (2000).
1200
Medicamentos de AIDS para a África: remapeando o caminho do desenvolvimento de medicações
3 D. W. Cameron et al. (1998) para o Advanced HIV Disease Ritonavir Study Group.
4 Na verdade, contudo, inibidores de protease de HIV e as combinações de medicamentos que os
incluem – chamados de maneira reconfortante de “coquetéis” – são polêmicos em círculos científicos.
Algumas pessoas dizem que a promoção de medicamentos ARV, coloca em risco padrões antigos da
ciência, da ética médica e da segurança dos medicamentos. Veja “AIDS Researchers Confront Ethical
Issue,” Boston Globe, 4 de fevereiro de 1997, p. A1.
1201
Elizabeth Ely
5 N.E.: Desde o ano 2000, a pressão exercida por ativistas anti-Mbeki englobando a Campanha de Ação
de Tratamento baseada em Durban, na África do Sul, resultou, em julho de 2002, numa ordem da
Corte Suprema de Pretória para a nevirapina ser distribuída gratuitamente por 5 anos para mulheres
grávidas negras e pobres em Kwazulu Natal. Um mês antes, em junho de 2002, a Boehringer-Ingelheim,
os fabricantes da nevirapina (ViramuneR) retirou seu pedido de registro como medicamento por
receita nos Estados Unidos. BBC Worldservice News Briefs, junho de 2002.
1202
Medicamentos de AIDS para a África: remapeando o caminho do desenvolvimento de medicações
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Elizabeth Ely
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Medicamentos de AIDS para a África: remapeando o caminho do desenvolvimento de medicações
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Elizabeth Ely
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Elizabeth Ely
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Medicamentos de AIDS para a África: remapeando o caminho do desenvolvimento de medicações
1209
Elizabeth Ely
27 Para a solicitação e a resposta da censura, veja The Group for the Scientific Reappraisal of the HIV/
AIDS Hypothesis (2007).
1210
Medicamentos de AIDS para a África: remapeando o caminho do desenvolvimento de medicações
28 As proteases são a maior classe de enzimas que se conhece. Elas estão envolvidas em todos os
processos biológicos. As enzimas específicas que funcionam no HIV chamadas aspartyl proteases
cortam uma proteína viral fundamental usada na replicação. Inibidores de protease juntam-se à
enzima protease, impedindo que ela corte a proteína, interrompendo assim a replicação do HIV.
Todos os 5 medicamentos inibidores de protease, exceto o ritonavir (marca registrada Norvir,
Laboratórios Abbott) foram aprovados sob diversos acordos de “Aprovação Acelerada” com o FDA.
1211
Elizabeth Ely
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Medicamentos de AIDS para a África: remapeando o caminho do desenvolvimento de medicações
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Elizabeth Ely
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Medicamentos de AIDS para a África: remapeando o caminho do desenvolvimento de medicações
1215
Elizabeth Ely
44 Hoffmann-LaRoche, Inc. “Largest Study Ever to Evaluate Twice-Daily Dosing of HIV Protease Inhibitor
Posts Positive Results”, comunicado à imprensa, 29 de junho de 1998; “Researchers Report Immune
Recovery Trend at Six-Month Mark in First-Ever Head-to-Head Protease Inhibitor Study”, comunicado
à imprensa, 30 de junho de 1998; “FDA Grants Marketing Clearance for FORTOVASETM, (saquinavir)”;
“Benefits of New Formulation of Powerful Protease Inhibitor Now Demonstrated in New Clinical
Data”, comunicado à imprensa, 7 de novembro de 1997.
45 David Rasnick (1997).
46 B. Rodriguez et al. (2006).
1216
Medicamentos de AIDS para a África: remapeando o caminho do desenvolvimento de medicações
longo prazos e outros tipos de células imune, como CD38s, ele disse.
(Mellors supostamente esqueceu-se de trazer seus resultados
quanto ao avanço para a morte, mas afirmou que estes também
sustentavam suas conclusões)47. Os médicos de AIDS continuam a
contar CD4s como se nada tivesse acontecido. Entretanto, lembre-
-se que as contagens de células T não fazem a previsão de doenças
ou de morte, então o fato de a carga viral se correlacionar com eles
é imaterial.
Além disso, se a AIDS é definida como uma contagem baixa de
CD4 – se a contagem baixa de CD4 for chamada de uma “doença”
– então uma redução de CD4s naturalmente levará à doença da
contagem baixa de CD4, normalmente conhecida como “AIDS”.
Quedas nas contagens de CD4 preveem [...] contagens baixas de
CD4. Isto se chama de “implorar a questão” em estudos de lógica
ou a falácia da circularidade. Mas a carga viral ainda não prevê
contagens baixas de CD4. Para alguns pesquisadores, aqui está a
palavra final no que diz respeito à carga viral, a partir do estudo de
1995-2003 sobre HAART mencionado anteriormente: “a resposta
virológica após o começo da HAART melhorou ao longo dos anos
do calendário, mas essa melhoria não se traduziu numa queda
da mortalidade”48. Em outras palavras, no laboratório, onde os
cientistas vivem, a carga viral dos pacientes melhorou, mas no
mundo real, onde nós vivemos, eles continuavam morrendo.
Compare estes pontos finais indistintos aos precisos de um
“Dr. Gwala” de Durban, na África do Sul – um ex-caminhoneiro,
que não é um médico – à medida que ele avalia seu produto
“ubhejane”, tornou-se objeto de ridículo num artigo recente da
revista New Yorker: “Eu não sei o que acontece. Mas o que eu sei é
que as pessoas que estavam à beira da morte voltam ao trabalho.
Faz elas se sentirem melhor, dá vida a elas”. O repórter se declara
47 Gus Cairnes (2007).
48 M. T. May et al. (2006).
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Elizabeth Ely
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Medicamentos de AIDS para a África: remapeando o caminho do desenvolvimento de medicações
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Elizabeth Ely
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Medicamentos de AIDS para a África: remapeando o caminho do desenvolvimento de medicações
1221
Elizabeth Ely
***
1222
CAPÍTULO 38
“NECESSIDADE INSATISFEITA” DE QUEM?
“DESACORDO” SOBRE A CONCEPÇÃO ENTRE
CASAIS GANENSES: UMA CRÍTICA À METODOLOGIA
DE PESQUISA “KAP” PADRÃO1
Akosua Adomako Ampofo
Introdução
Desde a década de 1960, quando ficou claro que o “Terceiro
Mundo”2, especialmente a África Subsaariana, estava passando
por uma transição populacional diferente do mundo ocidental
“excessivamente desenvolvido”3, o interesse sustentado gerou
1 Versão editada da publicação original ‘‘By God’s Grace I had a boy” Whose ‘Unmet Need” e “Dis/
Agreement” about Childbearing among Ghanaian Couples,” em Re-thinking Sexualities in Contexts of
Gender, Signe Arnfred (ed.). Uppsala: Nordic Africa Institute.
2 Eu uso o termo “Terceiro Mundo” enfaticamente para me referir àqueles países e sociedades que
experimentaram abertamente a colonização, ou secretamente continuam a vivenciar formas
diferentes de exploração. Eu não uso o termo para denotar hierarquia (o sentido em que ele foi
usado na literatura do desenvolvimento da década de 1970) em relação a um “Primeiro” Mundo, mas
em vez disso para refletir o domínio político, econômico e cultural que dividiu o mundo e que está
implícito em muitos dos conceitos e o discurso sobre população e demografia.
3 Créditos à Marilyn Waring (1999) que usa o termo para refletir sobre consumo e desperdício exagerados
enfrentados pelas nações industrializadas. Os resultados discrepantes que consequentemente
existem entre essas nações e as do Terceiro Mundo não podem ser negligenciados nas análises de
discurso populacional.
1223
Akosua Adomako Ampofo
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“Necessidade insatisfeita” de quem? “Desacordo” sobre a concepção entre casais ganenses
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Akosua Adomako Ampofo
8 Tardiamente, o estabelecimento da população também admitiu que mulheres podem não estar
usando contraceptivos devido à oposição dos seus parceiros, daí a nova solicitação para “concentrar
nos homens” (Population Reference Bureau, 1996). No entanto, até mesmo aqui a ênfase geralmente
tem sido no desacordo em relação ao uso de contraceptivos em vez de no desacordo em relação a
preferências de fecundidade.
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“Necessidade insatisfeita” de quem? “Desacordo” sobre a concepção entre casais ganenses
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Akosua Adomako Ampofo
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“Necessidade insatisfeita” de quem? “Desacordo” sobre a concepção entre casais ganenses
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“Necessidade insatisfeita” de quem? “Desacordo” sobre a concepção entre casais ganenses
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Akosua Adomako Ampofo
16 Uma exceção importante fica por conta das Pesquisas de Prevalência de Contraceptivos realizadas na
região do Caribe em que homens respondentes também foram considerados como potencialmente
tendo uma necessidade insatisfeita. Os homens eram incluídos nesta categoria se eles fossem
sexualmente ativos, se suas parceiras fossem férteis e não estivessem grávidas, se eles não quisessem
que suas parceiras ficassem grávidas, mas nenhum dos dois estivesse usando contraceptivos (veja
McFarlane et al., 1994).
17 Adultos ou adolescentes não casados sexualmente ativos formam outro grupo que geralmente tem
sido desprezado na conceitualização e na mensuração da necessidade insatisfeita. Se estes grupos
forem sexualmente ativos, é óbvio que eles estarão correndo um risco maior de terem gestações
indesejadas ou no momento errado. O próprio Westoff (1994) observa que esta é uma omissão
grave.
1232
“Necessidade insatisfeita” de quem? “Desacordo” sobre a concepção entre casais ganenses
1233
Akosua Adomako Ampofo
18 Existem muitos relatos úteis e profundos (veja as obras de Fortes, Hagan, Nukunya, Oppong, Sarpong
para citar apenas algumas).
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“Necessidade insatisfeita” de quem? “Desacordo” sobre a concepção entre casais ganenses
19 Novos bebês costumam ser “expostos”, ou seja, apresentados às famílias em comemorações rituais,
cerca de uma semana depois de nascerem.
20 A realização de rituais de iniciação, no entanto, tem diminuído de maneira marcante ao longo das
últimas décadas.
1235
Akosua Adomako Ampofo
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“Necessidade insatisfeita” de quem? “Desacordo” sobre a concepção entre casais ganenses
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“Necessidade insatisfeita” de quem? “Desacordo” sobre a concepção entre casais ganenses
Acordo:
Os dois cônjuges queriam o filho na época (Os dois: na época)
Os dois não queriam o filho na época (Os dois: esperar)
Os dois não querem mais nenhum filho (Os dois: parar)
Desacordo:
Esposa queria na época / Marido não queria na época (Esposa:
na época – Marido: esperar)
Esposa não queria mais/ Marido não queria na época (Esposa:
parar – Marido: esperar)
Esposa queria na época/Marido não queria mais (Esposa: na
época – Marido: parar)
Esposa não queria na época/Marido queria na época (Esposa:
esperar – Marido: na época)
Esposa não queria mais/Marido queria na época (Esposa:
parar – Marido: na época)
Entre os 107 respondentes adequados da pesquisa (ou seja,
excluindo três casais em que um ou os dois cônjuges não tinha
24 Uma possível 9ª categoria, “Esposa: Não na época / Marido: Não mais” (Esposa: Esperar – Marido:
Parar) não foi representada nos meus dados.
1241
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“Necessidade insatisfeita” de quem? “Desacordo” sobre a concepção entre casais ganenses
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“Necessidade insatisfeita” de quem? “Desacordo” sobre a concepção entre casais ganenses
1251
Akosua Adomako Ampofo
Conclusões
Em geral, as epistemologias ocidentais não levaram em
consideração realidades culturais locais nas suas explicações
de fenômenos encontrados por pessoas nativas. O conceito de
“necessidade insatisfeita” na demografia é um desses exemplos. Na
análise precedente tentei mostrar que onde existe uma necessidade
insatisfeita, isto costuma ser um indicador de diferenciais de
poder em relações sexuais. A mensuração do fator da “necessidade
insatisfeita” na população estuda pontos para deficiências na
metodologia recebida, que estão vinculadas a questões mais amplas
sobre a importância relativa de técnicas da coleta quantitativa e
qualitativa de dados e sobre os tipos de técnicas de coleta de dados
e sobre os tipos de evidência importantes atualmente carregam
o peso das preocupações de desenvolvimento. Ela também
levanta questões sobre a conceitualização do comportamento
relacionado com a fecundidade dentro da demografia tradicional
em que mulheres (e homens) são considerados objetos cujo
comportamento pode e deve ser manipulado para preocupações
maiores com o desenvolvimento.
Para um estudo baseado em KAP sobre o comportamento
reprodutivo ter utilidade ele deve ser adaptado ao ambiente
social e cultural específico ao incluir perguntas sobre questões de
sexo e estruturas de poder, desenvolvendo a etnografia de uma
1252
“Necessidade insatisfeita” de quem? “Desacordo” sobre a concepção entre casais ganenses
1253
Akosua Adomako Ampofo
1254
“Necessidade insatisfeita” de quem? “Desacordo” sobre a concepção entre casais ganenses
1255
Akosua Adomako Ampofo
***
1256
Formato 15,5 x 22,5 cm
Internacionais
Relações
Relações
coleção
O Resgate das Ciências Humanas e das Humani- Internacionais
É com satisfação que a Fundação Alexandre de
dades através de perspectivas Africanas terá im- 748 Gusmão (FUNAG) apresenta este ambicioso
pacto no tratamento da temática e na percepção Helen Lauer e Kofi Anyidoho projeto de tradução para o português, em quatro
correta do alcance da contribuição da África (Organizadores) volumes, de Reclaiming the Human Sciences and
para o desenvolvimento da humanidade. Muitas Humanities Through African Perspectives. Publica-
trilhas alternativas poderão ser abertas com sua
(Organizadores)
vizinhança de além-mar, que tanto marcou a for- histórica, étnica e cultural para o Brasil. Ainda existe um desconhecimento pro-
mação e a evolução do Brasil e que ainda busca o fundo a superar, apesar do trabalho recente de acadêmicos e de centros de estudos e das Humanidades através os autores apresentam interpretação dos desafios
e questões com que se deparam os povos africa-
resgate pleno de sua identidade. africanos criados em diferentes partes do País. Nesse sentido, a FUNAG publica
Sérgio Eduardo Moreira Lima
O Resgate das Ciências Humanas e das Humanidades através de Perspectivas Afri- de Perspectivas Africanas nos de uma perspectiva própria, ainda pouco co-
nhecida, que busca conjugar autonomia cultural
canas, uma compilação de estudos, apresentados inicialmente em um simpósio na com cidadania e desenvolvimento. Trata-se de um
Presidente da Fundação Alexandre de Gusmão
Universidade de Gana, em 2003, no esforço de refletir sobre a questão do ponto exercício essencialmente crítico de aspectos do
de vista científico com vistas a restabelecer, no plano mais alto do conhecimen- Volume III pensamento ocidental e de sua influência tanto so-
to, a perspectiva ausente, resultante de séculos de domínio e exploração externa bre a realidade africana, quanto sobre a percepção
amparadas em teorias que não poderiam subsistir ao escrutínio da História. Os dessa realidade.
trabalhos elaborados para o simpósio no campus da Universidade de Gana foram
coleção
Internacionais
Volume III
Ministério das relações exteriores
Instituto de Pesquisa de
Relações Internacionais
Centro de História e
Documentação Diplomática
Conselho Editorial da
Fundação Alexandre de Gusmão
Volume III
Brasília – 2016
Direitos de publicação reservados à
Fundação Alexandre de Gusmão
Ministério das Relações Exteriores
Esplanada dos Ministérios, Bloco H
Anexo II, Térreo
70170-900 Brasília–DF
Telefones: (61) 2030-6033/6034
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Site: www.funag.gov.br
E-mail: funag@funag.gov.br
Equipe Técnica:
Eliane Miranda Paiva
Fernanda Antunes Siqueira
Gabriela Del Rio de Rezende
Luiz Antônio Gusmão
André Luiz Ventura Ferreira
Acauã Lucas Leotta
Márcia Costa Ferreira
Lívia Milanez
Renata Nunes Duarte
Projeto Gráfico:
Daniela Barbosa
Tradução:
Rodrigo Sardenberg
Título original: Reclaiming the human sciences and humanities through African
perspectives
CDU 301.19(6)
Volume 1
Seção 1: Examinando a produção do conhecimento como
instituição social
Seção 2: Explicando ações e crenças
Volume 2
Seção 3: Reavaliando o “desenvolvimento”
Seção 4: Medindo a condição humana
Volume 3
Seção 5: Lembrando a História
Seção 6: “África” como sujeito do discurso acadêmico
Seção 7: Debatendo democracia, comunidade e direito
Volume 4
Seção 8: Revisitando a Expressão Artística
Seção 9: Recuperando a Voz da Autoridade
Referências bibliográficas
SUMÁRIO DO VOLUME 3
Seção 5
Lembrando a história
Capítulo 39
O “tradicional” e o “moderno” na África Ocidental ................. 1259
Per Hernæs
Capítulo 40
Perspectivas sobre os cinquenta anos de historiografia
ganense .............................................................................................. 1285
Joseph K. Adjaye
Capítulo 41
Glorificando as caçadoras: inserindo as mulheres na
história de Gana ............................................................................. 1315
Audrey Gadzekpo
Capítulo 42
Liderança, colonialismo e a atrofia do governo
tradicional em Gana ...................................................................... 1335
Robert Addo‑Fening
Capítulo 43
Os sistemas políticos tradicionais do norte de
Gana reconsiderados ...................................................................... 1369
Benedict G. Der
Capítulo 44
Vida intelectual e conhecimento no Sudão Ocidental
Islâmico durante os séculos XVII e XVIII: uma visão
política e social ............................................................................... 1411
Ray A. Kea
Capítulo 45
Estudiosos e conhecimento nas relações entre o
Magreb e o Sudão Central durante o período pré‑colonial .... 1447
Hamid Bobboyi
Capítulo 46
Escravidão em Gana: uma espada de dois gumes..................... 1473
Akosua A. Perbi
Capítulo 47
Uma introdução à população negra, racismo e organizações
negras no Reino Unido no começo do século XX .................... 1491
Marika Sherwood
Capítulo 48
Sobre a própria ideia de uma tradição do conhecimento
ocidental: analisando afirmações que lidam com o regresso
econômico na África ...................................................................... 1515
Helen Lauer
Seção 6
“África” como sujeito do discurso acadêmico
Capítulo 49
O gênio africano ............................................................................. 1541
Kwame Nkrumah
Capítulo 50
O nome manchado da África:
Racismo conradiano na mídia artística contemporânea ......... 1559
Chinua Achebe
Apêndice ao Capítulo 50
Uma imagem da África: racismo em Heart of Darkness,
de Joseph Conrad ............................................................................ 1579
Chinua Achebe
Capítulo 51
Literatura africana e a crise na teorização
pós‑estruturalista ............................................................................ 1601
Niyi Osundare
Capítulo 52
Power of Their Word: introdução à primeira conferência
nacional sobre literatura oral em Gana....................................... 1627
Kofi Anyidoho
Capítulo 53
O que são “estudos africanos”? Estudiosos africanos,
africanistas e a produção do conhecimento .............................. 1647
Olúfêmi Táíwò
Capítulo 54
A voz africana em estudos africanos hoje .................................. 1679
Emmanuel Akyeampong
Capítulo 55
A África na sociologia americana: invisibilidade,
oportunidade e obrigação.............................................................. 1697
F. Nii‑Amoo Dodoo
Nicola Beisel
Capítulo 56
Metáforas raciais: os antecedentes de estratégias de
modificação do comportamento para combater a AIDS
na África ............................................................................................ 1711
Eileen Stillwaggon
Capítulo 57
Alteridade no discurso da filosofia africana: uma ausência
esquecida .......................................................................................... 1749
T. Carlos Jacques
Apêndice ao Capítulo 57
Jacques sobre Wiredu ..................................................................... 1773
Helen Lauer
Seção 7
Debatendo democracia, comunidade e direito
Capítulo 58
Democracia e a democracia deles: nossa parte do discurso .. 1783
Kofi Awoonor
Capítulo 59
Salvando o surreal processo democrático de Gana ................. 1799
Assibi O. Abudu
Capítulo 60
Estado, sociedade civil e democracia na África ........................ 1821
Kwasi Wiredu
Capítulo 61
Liberdade de expressão em sociedade tradicional: as bases
culturais da comunicação em Gana contemporânea ............... 1845
Kwesi Yankah
Capítulo 62
Chefia, bom governo apartidário e desenvolvimento
na democracia moderna de Gana ................................................ 1899
Nana Dr. S.K.B. Asante
Capítulo 63
Gana desde meados do século XX: tribo ou nação? ................ 1937
Kwame A. Ninsin
Capítulo 64
Etnicidade e cidadania na África: algumas reflexões .............. 1985
Ukoha Ukiwo
Capítulo 65
Identidade nacional e a linguagem da metáfora ....................... 2005
Kofi Anyidoho
Capítulo 66
O argumento a favor da contaminação: multiculturalismo
como regra na África contemporânea ........................................ 2041
Kwame Anthony Appiah
Capítulo 67
Transplantando o carvalho inglês: legalismo, legalidade,
pluralismo jurídico e o direito penal de Gana ........................... 2069
Henrietta Joy Abena Nyarko Mensa‑Bonsu
Capítulo 68
Trechos da Constituição da República de Gana de 1992 ....... 2125
Assembleia Consultiva do PNDC
SEÇÃO V
LEMBRANDO A HISTÓRIA
CAPÍTULO 39
O “TRADICIONAL” E O “MODERNO” NA ÁFRICA
OCIDENTAL1
Per Hernæs
1259
Per Hernæs
2 Lloyd I. Rudolph e Susanne H. Rudolph (1969) The Modernity of Tradition: Political Development in
India, Bombaim: Calcutá, Madras e Nova Delhi: Orient Longmans Ltd., p.9.
1260
O “tradicional” e o “moderno” na África Ocidental
1261
Per Hernæs
4 Joseph R. Gusfield, (1967, p. 362). Gusfield lista 7 falácias: (1) “Sociedades em desenvolvimento
(tradicionais) têm sido sociedades estáticas”; (2) “A cultura tradicional é um conjunto consistente
de normas e valores”; (3) “A sociedade tradicional é uma estrutura social homogênea”; (4) “Tradições
antigas dão lugar a novas mudanças”; (5) “Formas tradicionais e modernas estão sempre em conflito
umas com as outras”; (6) “Tradição e modernidade são sistemas mutuamente exclusivos”; e (7)
“Processos modernizadores enfraquecem as tradições”.
5 Rudolph e Rudolph (1969, p. 4‑5).
1262
O “tradicional” e o “moderno” na África Ocidental
1263
Per Hernæs
Modernidades múltiplas
Recentemente, o discurso sobre a modernidade como uma
condição global acentuou parcialmente a ideia de “universalização”,
ou seja, a erosão de diferenças culturais. No entanto, parece mais
provável que essa visão seja tão equivocada como paradigmas
teleológicos e teóricos anteriores (teoria da modernização e
materialismo histórico), conforme Jean e John Comaroff (1993)
observaram na obra Modernity and Its Malcontents:
[...] Estas tradições teóricas concordavam [...] que a
modernização de forças sociais e formas materiais
teriam o efeito universal de erodir diferenças
culturais locais. No final do século XX, no entanto,
grandes teleologias europeias que argumentam que
a “hegemonia ocidental seja o destino humano”
parecem estranhamente desatualizadas9.
Os Comaroffs enfatizam que, ao contrário de todas as
previsões, “o mundo não foi reduzido à mesmice”, mas permanece
“incorrigivelmente plural” e, apesar de haver muitas provas de
sistemas globais de capital, tecnologia, ideologia e representação,
“estes são sistemas no plural: diversos e dinâmicos, múltiplos
e multidirecionais”. Eles concluem que não faz sentido falar
de modernidade no singular, pois estamos diante de “muitas
modernidades”10.
Vários teóricos deram continuidade ao estudo deste tema.
Como consequência, um grupo importante sob a liderança de S. N.
Eisenstadt produziu uma edição especial de Dædalus no ano 2000
que incluiu diversos artigos sob o título comum “Modernidades
Múltiplas”11. Eisenstadt concentra‑se no programa cultural e
9 Jean Comaroff e John Comaroff (eds) (1993, p. XI).
10 Ibid.
11 Inverno 2000, Editado como vol. 129, n. 1 dos Proceedings of the American Academy of Arts and
Sciences, editado por S.N. Eisenstadt.
1264
O “tradicional” e o “moderno” na África Ocidental
1265
Per Hernæs
1266
O “tradicional” e o “moderno” na África Ocidental
1267
Per Hernæs
1268
O “tradicional” e o “moderno” na África Ocidental
24 Ibid., p. 21.
25 Giddens (1996, p. 22‑36) exemplifica isto referindo‑se ao desenvolvimento do “dinheiro de finalidade
geral” ou “dinheiro adequado” que era uma precondição para a criação de uma economia monetária
e à formação de “sistemas de especialidade profissional” que estão integrados na nossa vida
quotidiana “de uma forma contínua” e dos quais dependemos. Além disso, ele explica como os dois
marcos simbólicos e sistemas especializados dependem de um tipo de “confiança” generalizada em
capacidades abstratas e, assim, formam uma base para o funcionamento de instituições modernas.
26 Ibid., p. 38.
27 Ibid., p. 37‑38.
1269
Per Hernæs
28 Ibid., p. 20.
29 David S. Landes (1969).
30 Análise de Mary Gluck (1993, p, 217).
1270
O “tradicional” e o “moderno” na África Ocidental
1271
Per Hernæs
1272
O “tradicional” e o “moderno” na África Ocidental
1273
Per Hernæs
1274
O “tradicional” e o “moderno” na África Ocidental
1275
Per Hernæs
1276
O “tradicional” e o “moderno” na África Ocidental
1277
Per Hernæs
46 A expressão (originalmente usada sobre histórias étnicas) é emprestada de Carola Lenz e Paul Nugent
(2000, p. 6).
47 E. Hobsbawm (1993, p. 1).
48 Ibid.
1278
O “tradicional” e o “moderno” na África Ocidental
49 Ibid., p. 2.
50 T. Ranger (1993a, p. 211‑262).
51 T. Ranger (1993a, p. 212).
1279
Per Hernæs
52 Ibid., p. 2.
1280
O “tradicional” e o “moderno” na África Ocidental
1281
Per Hernæs
1282
O “tradicional” e o “moderno” na África Ocidental
***
1283
Per Hernæs
1284
CAPÍTULO 40
PERSPECTIVAS SOBRE OS CINQUENTA ANOS DE
HISTORIOGRAFIA GANENSE
Joseph K. Adjaye
1285
Joseph K. Adjaye
1 N.E.: A. A. Akrong discute as causas e as percepções variadas refletidas nestas crônicas e nestes diários
e o impacto de longo alcance na relação mutável entre o cristianismo e a religião tradicional africana
nas sessões finais do capítulo 18.
1286
Perspectivas sobre os cinquenta anos de historiografia ganense
1287
Joseph K. Adjaye
2 Sobre a retenção e o resgate orais da história, veja a minha obra “Asabi Antwi” (1976). Sobre as funções
do Ͻkyeame como vereador e conselheiro do chefe, assim como suas habilidades de oratória, veja
Yankah (1995).
N.E.: Parte da discussão de Kwesi Yankah do papel do Ͻkyeame na forma de protocolos de liberdade de
expressão na sociedade tradicional aparece no seu capítulo 61, desta antologia.
3 Para uma discussão de competência na apresentação oral, veja meu livro chamado Boundaries (2002,
p. 23‑26).
1288
Perspectivas sobre os cinquenta anos de historiografia ganense
Historiografia Colonial
A escrita histórica durante o período colonial caía em três
subcategorias: em primeiro lugar, obras escritas por pessoas de
fora de Gana, como Claridge, Rattray, Meyerowitz e Ward; em
segundo lugar, aquelas produzidas por estudiosos ganenses e
em terceiro lugar, obras produzidas por escritores locais sem
nenhum treinamento. Em geral, as pessoas de fora de Gana
caíam na categoria de invasores, administradores, missionários
e antropólogos, cujas escritas ou eram confusas devido a
ideias equivocadas da África, ou eram comprometidas pelos
projetos coloniais a serviço de quem elas operavam. Suas visões
e imagens da África estavam profundamente incorporadas em
ideias estereotípicas europeias da sua época. Mas, ainda assim,
com poucas exceções, foram estes missionários, viajantes e
administradores coloniais europeus que chegaram no campo antes
dos historiadores. E assim como em outros lugares da África,
antropólogos sociais, mais do que historiadores, foram os pioneiros
de pesquisas na Costa do Ouro.
O livro A History of the Gold Coast and Ashanti, de W. W.
Claridge (1915) é a primeira grande tentativa de se fazer uma
história abrangente da Costa do Ouro, após Reindorf. Apenas
em termos de tamanho, as quase 1.300 páginas dos dois volumes
tornam a obra monumental. Mas a maior parte da History de
Claridge não é muito mais do que uma narração de campanhas
militares e tratados de paz associados com elas. E sustentando
suas interpretações de conflitos entre estados locais e os britânicos
estava sua parcialidade europeia, sendo que, na verdade, o livro
foi financiado pelo Governador britânico Sir Hugh Clifford e foi
dedicado a ele.
O antropólogo social R. S. Rattray produziu uma grande
quantidade de material sobre o idioma, a estrutura social, os
1289
Joseph K. Adjaye
1290
Perspectivas sobre os cinquenta anos de historiografia ganense
1291
Joseph K. Adjaye
5 Eu detalhei no meu “Asantehene Agyeman Prempe I, Asante History, and the Historian” (1990) a
importância historiográfica de History, de Prempe incluindo sua fonte real para uma versão autóctone
das origens de Asante. Veja também “A Nation in Exile”, de Boahen (1987). Para uma reavaliação da
posição de Prempe sobre a resistência ao seu exílio e sobre o colonialismo britânico em geral, veja F.K.
Adjaye (1989) “Asantehene Agyeman Prempe I and British Colonization of Asante”.
6 Veja Adjaye (1990, p. 22 et passim) para uma discussão detalhada.
1292
Perspectivas sobre os cinquenta anos de historiografia ganense
7 Wilks (1975, p. 344‑345). Veja também Adjaye (1996, p. 37, 137) para o papel dos muçulmanos como
secretários no governo Asante. Para desenvolvimentos associados na chancelaria do século XIX, com
a diplomacia Asante, veja Adjaye (1996, p. 133‑190).
1293
Joseph K. Adjaye
1294
Perspectivas sobre os cinquenta anos de historiografia ganense
1295
Joseph K. Adjaye
1296
Perspectivas sobre os cinquenta anos de historiografia ganense
1297
Joseph K. Adjaye
1298
Perspectivas sobre os cinquenta anos de historiografia ganense
1299
Joseph K. Adjaye
1300
Perspectivas sobre os cinquenta anos de historiografia ganense
10 N.E.: Os capítulos 42‑44 apresentam a obra de Addo‑Fening, Der e Kea. O capítulo anterior apresenta
algumas visões metafísicas de Hernas sobre a simplificação excessiva dos conceitos de “tradição”
e “modernidade”. Nos capítulos 53‑55 do volume II, seus autores (Táíwó, Akyeampong, Dodoo e
Beisel) refletem sobre planos de estudo no gênero de Estudos Africanos conforme concebido por
acadêmicos voltados para fora da África.
1301
Joseph K. Adjaye
1302
Perspectivas sobre os cinquenta anos de historiografia ganense
1303
Joseph K. Adjaye
1304
Perspectivas sobre os cinquenta anos de historiografia ganense
Historiografia pós‑nacional
Conforme observado anteriormente, críticos da nova
historiografia que se desenvolveu nas décadas de 1960 e 1970
rapidamente observaram que histórias políticas (e, na verdade,
todas) não podem ser produzidas como entidades autônomas
destacadas das suas bases sociais e econômicas e que a concentração
em temas políticos em relativo detrimento de questões sociais
e econômicas não abordou realidades. Então proponentes da
historiografia pós‑nacional defenderam a necessidade de ir além
do que eles percebiam como limitações burguesas da historiografia
nacionalista das décadas de 1960 e 1970 em direção à produção
de formas de conhecimento histórico que abordaram as realidades
sociais de trabalhadores, os camponeses, o proletariado urbano e
os marginalizados.
Além disso, defensores da escola econômica acusaram que
o fracasso do comprometimento com a história política devia‑
‑se à sua incapacidade de fornecer uma explicação histórica para
a difícil situação econômica da África atualmente. Como essa
história poderia contribuir para superar as condições da África, eles
perguntaram? Longe disso, defensores da escola econômica viam
a historiografia nacionalista como um obstáculo à mobilização
popular por autonomia econômica. Na verdade, eles acusaram
1305
Joseph K. Adjaye
1306
Perspectivas sobre os cinquenta anos de historiografia ganense
Resumo
Na evolução da historiografia de Gana desde 1957, várias
realizações significativas ocorreram tanto na metodologia
quanto em estudos empíricos. Paradigmas coloniais e ocidentais
de construção histórica foram em grande parte contestados e
derrubados. Especificamente, a prática histórica ocidental que
tinha sido consagrada no domínio de fontes de arquivo ou escritas,
que supostamente era a única forma de deduzir a historicidade do
passado, foi contestada. Agora, a validade e a utilidade de fontes
não documentais, especialmente fontes de informações derivadas
da oralidade, foram aceitas e amplamente aplicadas. Aqui o papel
influente do Instituto de Estudos Africanos (Legon) e de Joseph
Agyeman‑Duah na documentação de histórias de banquinho
precisa ser reconhecido. No processo, os historiadores afirmaram
que a “historicidade é uma ação de determinada sociedade aplicada
a si mesma” (Jewsiewicki, 1986, p. 14) e que a validade de métodos
históricos deve ser julgada pelo ambiente social específico,
reconhecendo assim o caráter multidimensional da historicidade
africana.
1307
Joseph K. Adjaye
1308
Perspectivas sobre os cinquenta anos de historiografia ganense
Desafios
Apesar de ganhos significativos, vários desafios perceptíveis
confrontam a historiografia de Gana. Entre o mais preocupante
está o de uma fuga de cérebros, a perda de historiadores treinados
ou para outras profissões ou para oportunidades no exterior. Há
também, por um lado, uma grave escassez de infraestruturas de
pesquisa e ensino em casa e, por outro lado, acessibilidade limitada
a recursos localizados no exterior. Uma consequência destas
limitações é o que alguns consideram como uma estagnação nos
estudos, pois a maioria dos estudiosos dificilmente consegue ir
além da primeira publicação do seu primeiro livro, que costuma
ser uma revisão da sua tese de doutorado. Há pouco incentivo
para publicar. Na verdade, tem havido uma crise editorial desde
a década de 1980, uma vez que existem poucas editoras locais
viáveis. A transição da historiografia colonial para a africanista foi
obtida em Gana, mas além da geração inicial pós‑independência,
sustentar um quadro vibrante de jovens historiadores tem sido
difícil, especialmente nas últimas duas décadas.
Alguns continuam a pedir a criação de um discurso
historiográfico verdadeiramente responsável às necessidades
locais, uma questão que põe em foco a questão da relevância.
Em geral, argumenta‑se que, se a produção histórica africana
deve servir como instrumento de libertação humana – como
fator de desenvolvimento – então a escrita histórica não pode
ser simplesmente “interessante”, nem apenas contribuir para o
estímulo intelectual de uma pequena classe acadêmica. Insiste‑
‑se que a relevância da história deve ir além de contribuições
acadêmicas para carregar implicações e aplicações sociais19.
19 Este é um ponto estabelecido há muito tempo. Veja Boubou e Ki‑Zerbo (1980) e Nziem (1986).
1309
Joseph K. Adjaye
Conclusão
Gana foi abençoada com uma quantidade enorme de ma‑
‑terial de fonte, tanto escrito quanto oral. Mas à medida que o
historiador reúne material de evidência e reconstrói o passado, a
questão antiga que tem sido feita a escritores e outros intelectuais
persiste: Será que o historiador deve ter uma responsabilidade
social? Será que a história deve funcionar como uma ciência de
práxis? Pode‑se concluir a partir desta discussão que a produção
histórica não seja simplesmente um empreendimento acadêmico
independente de negócios na base, mas que ela própria também
seja uma busca ativa por uma identidade cultural e nacional e uma
ferramenta para reagir a condições sociais, políticas e econômicas
contemporâneas20.
Ainda assim, muitos reconhecem que a disciplina de história
em Gana atualmente está em crise em todos os níveis da educação.
Na verdade, muitos estudantes consideram a história como um
empreendimento disciplinar insatisfatório em termos econômicos.
Alguns até dizem que ela é “inútil”. Ainda assim, qualquer projeção
crítica do futuro tem que se basear numa análise e numa avaliação
objetivas do passado. Ao longo da história humana, a disciplina
de história permaneceu uma ferramenta poderosa para despertar
consciência política, especialmente entre povos oprimidos. Nosso
próprio passado oferece uma ampla demonstração da importância
conferida à consciência política por líderes como Mensah Sarbah,
Casely Hayford e Kwame Nkrumah, cujas escritas e ações baseavam‑
‑se num conhecimento sadio da história colonial e suas injustiças.
Abordagens ao desenvolvimento nacional podem derivar da
capacidade de iniciar novos processos históricos que se baseiam
na herança do país em vez daquela de uma nação estrangeira e,
20 N.E.: A construção de relatos históricos em parte cria essas condições, conforme demonstrado
amplamente pela análise de Mahmood Mamdani da violência política em Ruanda durante a década
de 1990. Veja capítulo 10 do volume I.
1310
Perspectivas sobre os cinquenta anos de historiografia ganense
21 N.E.: O capítulo 3, de Kwesi Yankah,m lida com os obstáculos causados pela globalização para o
conhecimento africano gerado na África. O capítulo 52, de Kofi Anyidoho, analisa a luta por
reconhecimento dos grandes contribuintes da tradição literária oral de Gana.
1311
Joseph K. Adjaye
1312
Perspectivas sobre os cinquenta anos de historiografia ganense
***
1313
CAPÍTULO 41
GLORIFICANDO AS CAÇADORAS: INSERINDO AS
MULHERES NA HISTÓRIA DE GANA
Audrey Gadzekpo
[...] Narrativas de
caça sempre glorificarão o
caçador até que a leoa seja
sua própria historiadora.
– Merle Collins
(1992) “Crick Crack”
Introdução
Existe um provérbio africano alertando que se você fingir
indiferença numa partilha de carne, acabará ficando com os ossos.
1315
Audrey Gadzekpo
1316
Glorificando as caçadoras: inserindo as mulheres na história de Gana
1317
Audrey Gadzekpo
2 Ferguson serviu no governo da Costa do Ouro em vários cargos a partir de 1881 e ficou famoso por
ter viajado ao interior e por ajudar os britânicos a estabelecer tratados com diversos chefes (Sampson,
1969, p. 129‑146).
3 Primeiro médico nativo da Costa do Ouro.
4 Uma figura nacionalista ativa que viveu de 1866 a 1930.
1318
Glorificando as caçadoras: inserindo as mulheres na história de Gana
Preenchendo a lacuna
Esta última explicação é minha interpretação preferida da
crítica de Appiah e faz parte da motivação para defender uma
releitura das contribuições históricas das mulheres de Gana em
geral e, especificamente, de mulheres da elite. Neste sentido eu me
identifico muito com a posição de Helen Bradford de que, quando
a história é iludida por interpretações androcêntricas, não sexuais,
que supõem implicitamente o foco nos homens, “a visão histórica
fica tão debilitada a ponto de ser inaceitavelmente imprecisa”
(1996, p. 351‑370). Intervenções feministas voltadas para o resgate
das histórias das mulheres da obscuridade e para valorização das
diversas contribuições das mulheres a eventos históricos já estão
reagindo a histórias androcêntricas e eurocêntricas. Boa parte da
literatura sobre mulheres africanas que as mantêm presas num
5 Dr. James Kwegir Aggrey, um educador notável na Costa do Ouro, que viveu de 1875 a 1927, foi
considerado um defensor incansável da educação feminina.
1319
Audrey Gadzekpo
6 Sutherland‑Addy e Diaw (2005). N.E.: Sobre a política da representação sexual nas artes da África, veja
Esi Sutherland‑Addy no volume III desta antologia.
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Glorificando as caçadoras: inserindo as mulheres na história de Gana
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Glorificando as caçadoras: inserindo as mulheres na história de Gana
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Audrey Gadzekpo
Accra Evening News, ela escreveu vários contos, sendo que alguns
deles foram publicados nos jornais e concorreu a um assento na
legislatura na década de 1950 e ganhou.
A compatriota de Dove no jornal Akua Asabea Ayisi, que
também escrevia para o Accra Evening News, era ainda mais
contestadora ao reivindicar a igualdade para as mulheres. Ayisi
chegou a contestar a lenda bíblica de que as mulheres tinham
sido moldadas a partir da costela dos homens, argumentando
que mesmo que essa fosse uma posição filosoficamente viável, era
psicologicamente nociva e um ataque sem garantia à moral das
mulheres, que seriam, por constituição biológica, inferiores aos
homens. Ela define precisamente seu argumento postulando que,
a Bíblia provavelmente foi escrita por um homem,
mas tivesse sido escrita por uma mulher, como a
necessidade de homens e mulheres na sociedade
está inter‑relacionada, poderia ter sido o contrário e,
em vez disso, os homens teriam sido feitos a partir
das costelas das mulheres (Accra Evening News, 2 de
outubro de 1950).
Conclusão
A citação de Ayisi confirma de maneira bastante eloquente
a observação de Merle Collins citada no início deste capítulo. As
duas concentram a principal tese desta lembrança histórica: tirar
as mulheres de elite de histórias nacionais é fundamental para
excluí‑las da memória coletiva e de tirar a autoridade dos seus
descendentes. Este capítulo contestou a sabedoria convencional
sobre os papéis coloniais das mulheres africanas ao insistir que
se preste mais atenção a histórias de mulheres, especialmente das
primeiras mulheres de classe média, como parte do projeto maior
de escrever de maneira mais ousada sobre a história africana.
1332
Glorificando as caçadoras: inserindo as mulheres na história de Gana
***
1333
CAPÍTULO 42
LIDERANÇA, COLONIALISMO E A ATROFIA DO
GOVERNO TRADICIONAL EM GANA
Robert Addo‑Fening
Introdução
A história da centralização política em Gana já vem de
mais ou menos cinco séculos. Conforme observa Ivor Wilks:
“Reinos pequenos com todos os requisitos da autoridade política
centralizada já existiam antes do início do comércio marítimo
com a Europa”1. O catalisador para a centralização política foi
fornecido, pelo menos parcialmente, pela dinâmica do comércio
transaariano. Desde o século XII, os comerciantes muçulmanos
baseados em Jenne foram atraídos por recursos de kola e ouro da
floresta na atual região de Brong‑Ahafo e começaram o comércio
em direção a Lobi e às regiões de floresta dos atuais Brong‑Ahafo
e Asante.
1335
Robert Addo‑Fening
1336
Liderança, colonialismo e a atrofia do governo tradicional em Gana
O modelo Akan
O reino pré‑colonial Akan, que estava destinado a se tornar o
sistema prototípico do governo tradicional sob o domínio colonial,
foi um bom exemplo de um estado descentralizado. O famoso
jurista ganense J.E. Casely Hayford descreveu o reino Akan típico
como um agregado de vilas e cidades:
federadas juntas sob os mesmos costumes, a mes‑
ma fé e devoção... falando o mesmo idioma e todas
devendo lealdade [sic] a um Rei ou Presidente
supremo que representava a soberania de toda a
nação5.
1337
Robert Addo‑Fening
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Liderança, colonialismo e a atrofia do governo tradicional em Gana
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Liderança, colonialismo e a atrofia do governo tradicional em Gana
1341
Robert Addo‑Fening
13 C O 96/704/5 Carta a Sir Cunliffe Lister, Government House, Acra, 2 de abril de 1932. Ênfase
adicionada.
14 Irene Quaye (1972, p. ii). N.E.: Irene Quaye é o nome de solteira da Professora Irene Korkoi Odotei,
presidente da Sociedade Histórica de Gana e Diretora do Projeto de Liderança, Governança e
Desenvolvimento.
15 S.S. Quarcoopome (2006).
16 K. Arhin (2000:15).
1342
Liderança, colonialismo e a atrofia do governo tradicional em Gana
O modelo do norte
Os governantes soberanos More‑Dagbani do norte de Gana
tinham os títulos de Nayiri (Mamprugu) e Na (Dagbon e Nanum).
O governante de Gonja era conhecido pelo título de Yagbumwura.
Estes governantes sentavam em peles de animais como símbolos
de autoridade, diferentemente das suas contrapartidas do sul
de Gana, que sentavam em banquetas com status de relíquia de
família real. Nos reinos More‑Dagbani, a sucessão do governo
era limitada rigorosamente a irmãos e filhos sobreviventes de
governantes mortos e eram ao mesmo tempo promocionais e
rotacionais. Em Nanum e Gonja, netos eram qualificados18. Assim
como no sul, os monarcas do norte governavam com o auxílio de
conselhos de anciãos que abrangiam descendentes de fundadores
das dinastias governantes. Diferentemente do sul, o monarca
tinha a prerrogativa de nomear governantes territoriais e outros
“que ele poderá promover a um cargo mais elevado ou demitir
conforme ele achar adequado”19. Um monarca do norte, uma vez
1343
Robert Addo‑Fening
instalado, não podia ser “removido” exceto por uma guerra civil.
A evidência disponível aponta para a conclusão de que no começo
do colonialismo, os povos de Gana não estavam de forma alguma
“afundados na barbaridade”. Falando diante da reunião da União
da Liga das Nações, em Londres, no dia 8 de outubro de 1920, J.E.
Casely Hayford lembrou seu público de que:
[...] na África Ocidental Britânica não se está lidando
com raças primitivas, conforme às vezes se acredita
neste país ... antes mesmo de os britânicos terem se
relacionado com nosso povo, nós éramos um povo
desenvolvido tendo nossas próprias instituições, nossas
próprias ideias de governo e a única grande coisa que
asseguramos com a relação foi a Pax Britannica20.
No limiar da colonização, sistemas funcionais de governo
tradicional estavam em vigor em todos os reinos existentes.
Os reinos eram governados por instituições e convenções
políticas e religiosas bem‑estabelecidas e testadas pelo tempo
que enfatizavam, entre outras coisas, a responsabilidade. A
autoridade política era sancionada pela cosmologia tradicional
que considerava os governantes candidatos à reeleição como
reencarnações de ancestrais reais. Consequentemente, ocupantes
de banquetas ou peles ancestrais não apenas eram considerados
como tendo atributos míticos, mas eles também simbolizavam
para o povo a base da sua identidade, solidariedade e prosperidade.
O povo esperava que seus governantes propiciassem que os
ancestrais e os deuses garantissem que o mal fosse banido e que
a felicidade e a segurança fossem asseguradas. A propiciação dos
deuses era realizada através de múltiplos festivais sociorreligiosos
e políticos. A liberação bem‑sucedida destas responsabilidades
dependia da dedicação e da lealdade de quadros de funcionários
1344
Liderança, colonialismo e a atrofia do governo tradicional em Gana
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1346
Liderança, colonialismo e a atrofia do governo tradicional em Gana
28 W.J.A. Jones (1931, parágrafo 3) Confidential History of Legislation and the N.A.O. de 1927. Acra: Gana
Government’s Public Records and Archives Administration Department, Koforidua (PRAAD) Adm
29/6/32. Também, R. Addo‑Fening (1988, p. 141).
29 Report on Native Affairs Department para o ano de 1903 C.O.98 /13.
30 Citado por Paul Andre Ladouceur (1979, p. 41).
31 Gold Coast Colony Ordinances Vol. I, 1874‑1892, p. 400‑401.
32 Ibid.
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39 Ibid.
40 David Kimble (1963, p. 470).
41 Ibid.
42 Ibid.
1352
Liderança, colonialismo e a atrofia do governo tradicional em Gana
43 W.H. Grey para Hon. Colonial Secretary 26 de abril 1812, PRAAD Adm. 11/1/394.
44 Acting Colonial Secretary (C.S. Harper) para Hon. W.H Grey, 23 de julho de 1912.
1353
Robert Addo‑Fening
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Liderança, colonialismo e a atrofia do governo tradicional em Gana
1355
Robert Addo‑Fening
pagar fiança para elas, pessoas que estavam sendo julgadas eram
obrigadas a oferecerem suas fazendas de cacau como garantia pelas
multas54. Alguns tribunais fizeram entrar em vigor regulamentos
expressos em linguagem figurativa ou cifrada que não era
facilmente entendida. O Relatório Anual de 1921 da Província
Oriental concordou que multas e tarifas cobradas nos tribunais
eram “excessivas”.
Os tribunais não apenas impunham multas e cobranças
pesadas. Muitos tornaram‑se famosos por “injustiça e corrupção”
uma vez que eles se permitiam serem usados de formas partidárias.
Kwaku Dakwa de Abompe alegou numa declaração juramentada
que um filho do Omanhene Amoako Atta II e dois dos seus
secretários aceitaram subornos dele durante seu julgamento no
tribunal do chefe supremo em 190555. No inquérito que antecedeu
sua destituição em 1910, o Chefe Koampa confessou que aceitou
um suborno de £40 dos anciãos da vila de Asafo “para a finali‑
‑dade errada de auxiliá‑los para demitir seu chefe ilegalmente”.
O Relatório Anual de 1931‑1932 reiterou que o litígio nos tribunais
“ainda era caro”, acrescentando que eles eram “frequentemente
usados como forma de promover os interesses de um partido
político”56. Num discurso perante uma assembleia de chefes na
Costa do Cabo em janeiro de 1935, o Governador Arnold Hodson
não conseguiu disfarçar sua decepção com a forma pela qual os
Tribunais Nativos estavam sendo abusados. Ele disse aos chefes:
Reclamações estão sendo feitas para mim vindas do
país inteiro de que os tribunais estão exercendo seus
poderes de maneira injusta. Se estas reclamações
1356
Liderança, colonialismo e a atrofia do governo tradicional em Gana
Os confrontos Asafo‑Chefe
As três primeiras décadas do século XX realmente foram
um período de nervosismo para o povo em geral nos chamados
Estados Nativos e os chefes estavam constantemente sob pressão
dos seus súditos irados. Lentamente eles começaram a perder
sua legitimidade. Em 1905, o Okyenhene Amoako Atta II e seus
subchefes tinham praticamente perdido o respeito dos rapazes em
Akyem e estavam literalmente cercados. À medida que a instituição
da liderança assumiu a imagem de um sistema estrangeiro e
explorador aos olhos dos comuns, uma onda de insubordinação
começou a varrer o estado. Numa petição ao governo colonial em
1905, o Conselho Okyeman solicitou:
Não podemos deixar de submeter esta solicitação uma
vez que descobrimos que os homens neste distrito
estão se tornando muito insubordinados e casos de
desprezo e desobediência a Anciãos e Chefes estão
se tornando tão numerosos que nós nos arriscamos
a abordar o governo com o objetivo de aumentarmos
nossa autoridade para pararmos isso58.
A insubordinação não estava restrita a Akyem Abuakwa.
Naquele mesmo ano o estado de Kwahu viu “quase todos os
homens... que não são nem chefes nem membros das suas cortes...
se unirem para formarem um Asafo Kyenku” principalmente para
resistir a “multas e extorsão anormais” nos Tribunais Nativos59.
Em 1915, o asafo kyenku resolveu usar sua organização para se
57 Discurso em Cape Coast em 28 de janeiro de 1935 pelo Governador Central Province Native Affairs,
CO 96/707/8.
58 Amoako Atta II para SNA, 30 de janeiro de 1905, PRAAD Adm. 11/1/667.
59 Report on Native Affairs para o ano de 1905, CO 98/14.
1357
Robert Addo‑Fening
1358
Liderança, colonialismo e a atrofia do governo tradicional em Gana
1359
Robert Addo‑Fening
Revitalização de liderança
“Tesourarias Nativas” melhoraram consideravelmente a
qualidade e o ethos do governo tradicional no final da década de
1930 e no começo da década de 1940. Em primeiro lugar, estas
tesourarias públicas eram obrigadas por lei a contabilizarem todo
dinheiro arrecadado, recebido, ou gasto como receita ou despesa.
Contas abrangendo tributos, aluguéis, pedágios, juramentos, mul‑
tas, etc. tinham que ter comprovantes de despesa. Todos os itens
de receita e despesa deveriam ter uma entrada num livro‑caixa e
verificado com o saldo em dinheiro mensalmente na presença do
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Liderança, colonialismo e a atrofia do governo tradicional em Gana
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Robert Addo‑Fening
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Liderança, colonialismo e a atrofia do governo tradicional em Gana
83 Ibid., parágrafo 6.
84 P. A. Ladouceur (1979, p. 49‑55).
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Liderança, colonialismo e a atrofia do governo tradicional em Gana
sendo que 20% dela já tinha sido perdida em 1893 para o cultivo
descontrolado do cacau. Ao se beneficiar do seu poder de fazer
regulamentos, Sir Ofori Atta criou reservas florestais para
desacelerar a taxa de desmatamento. Em dezembro de 1933, 214
milhas quadradas de reservas florestais tinham sido criadas em
Akyem Abuakwa89. As qualidades de liderança demonstradas por
este grupo de governantes tradicionais inspiraram vários subchefes
a terem o espírito de confiança em si mesmo. Ao longo de todo o
final da década de 1930 e começo da década de 1940, subchefes
se orientavam a partir dos seus governantes supremos e usavam
a mão de obra conjunta para executar projetos de autoajuda com
rendas geradas a partir de impostos concordados, cacau e aluguéis
de mineração. Esses projetos variavam de fontes de água, canos
de esgoto de rua e canais a latrinas públicas, estacionamentos de
caminhões e estradas90.
89 R. Addo‑Fening, (2006).
90 Ibid.
1365
Robert Addo‑Fening
91 Native Courts, CO 96/730/8; Gold Coast Annual General Report 1921, CO 98/36.
92 Palestra na Costa do Cabo no dia 28 de janeiro de 1935 pelo Governador.
93 Richard Crook (1986, p. 81‑83).
94 Richard Rathbone (2000, p. 17, 23).
95 Minuta por Hansrott 19 de junho de 1951, CO 96/780/1.
1366
Liderança, colonialismo e a atrofia do governo tradicional em Gana
Conclusão
Contrariamente ao conhecimento comum, a subversão
europeia do governo tradicional não começou no final do século
XIX com a proclamação da Colônia da Costa do Ouro. Já em 1822,
Sir Charles McCarthy, Governador Tenente da Costa do Ouro,
tentou minar a jurisdição civil de governantes africanos soberanos
ao proporcionar aos seus súditos uma alternativa na forma de
um tribunal de pequenas dívidas, presidido por magistrados
provenientes dos postos de mercadores e funcionários públicos
europeus locais. O Tenente George Maclean pressionou as cortes
tradicionais a harmonizarem seus sistemas de justiça com o da
Grã‑Bretanha. Brodie Cruickshank, uma testemunha ocular,
observou que o tribunal do governador constantemente assumia a
característica de um auditório onde “os princípios de justiça eram
disseminados em todo lugar do país”97. As críticas dos funcionários
da lei ao governo tradicional na década de 1880, portanto, eram
consistentes com o preconceito europeu que prevalecia contra
instituições políticas tradicionais. Compelido pelas exigências
1367
Robert Addo‑Fening
***
1368
CAPÍTULO 43
OS SISTEMAS POLÍTICOS TRADICIONAIS DO NORTE
DE GANA RECONSIDERADOS1
Benedict G. Der
Introdução
Os sistemas políticos pré‑coloniais do norte de Gana
geralmente têm sido divididos em duas categorias: o centralizado
e o não centralizado. Mamprussi, Dagomba, Gonja, Nanumba
e Wala tinham sistemas estatais centralizados. As outras etnias
foram consideradas “acéfalas” ou “apátridas”. Em outras palavras,
elas eram “tribos sem governantes” e a maioria dos escritores
afirma que foram os ingleses que lançaram a instituição da chefia
ao nomear e impor chefes a estes povos “acéfalos”. O objetivo deste
estudo é reavaliar, diante de novos dados, a visão que os povos das
áreas não centrais na região eram “acéfalos” ou “apátridas”, antes
do advento do colonialismo.
1 Reprodução com permissão da editora, do Capítulo Três de Regionalism and Public Policy in Northern
Ghana, editada por Yakubu Saaka, Nova York: Peter Lang Publishing Inc., p. 35‑64.
1369
Benedict G. Der
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Os sistemas políticos tradicionais do norte de Gana reconsiderados
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Benedict G. Der
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Os sistemas políticos tradicionais do norte de Gana reconsiderados
9 E. Colson e Max Gluckman (eds) (1959, p. 345‑348); e A. I. Richards (ed) (1959, p. 313‑315); A. W.
Southall (1956, p. 241‑251).
1373
Benedict G. Der
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Os sistemas políticos tradicionais do norte de Gana reconsiderados
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Benedict G. Der
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Os sistemas políticos tradicionais do norte de Gana reconsiderados
15 Public Record Office, Londres: Colonial Office Papers, C O 96312. Northcott to Colonial Secretary,
Acra, 16 de janeiro de 1898, sobre seus procedimentos entre os Chefes Dagata.
16 Ibid
1377
Benedict G. Der
1378
Os sistemas políticos tradicionais do norte de Gana reconsiderados
18 National Archives of Ghana, Acra: ADM 56/1/416, Relatórios Mensais, Black Volta District, Abril de
1901, p. 3‑4.
19 Ibid. Relatório Mensal, Maio de 1901, p. 2.
20 Ibid. Relatório Mensal, Julho de 1901, p. 3.
21 Ibid.
1379
Benedict G. Der
1380
Os sistemas políticos tradicionais do norte de Gana reconsiderados
1381
Benedict G. Der
25 ADM 56/1/451, Relatórios Mensais, Distrito de Black Volta, Relatório de abril de 1903, p. 3.
1382
Os sistemas políticos tradicionais do norte de Gana reconsiderados
1383
Benedict G. Der
28 Ibid.
29 Ibid.
1384
Os sistemas políticos tradicionais do norte de Gana reconsiderados
1385
Benedict G. Der
1386
Os sistemas políticos tradicionais do norte de Gana reconsiderados
1387
Benedict G. Der
37 ADM 56/1/412, Relatórios Mensais, Distrito de Black Volta, Relatório de janeiro de 1904.
38 Ibid. Relatório Mensal, abril de 1904.
39 Ibid.
1388
Os sistemas políticos tradicionais do norte de Gana reconsiderados
1389
Benedict G. Der
42 ADM 56/1/50, Viagens de inspeção, Província Noroeste, Relatório sobre a Missão Lobi, 7 de abril de
1905, pelo Capitão B. M. Read.
43 Comunicação do Sr. B. B. Zakpaa, Bureau de Idiomas de Gana, Tamale, 23 de abril de 1993.
1390
Os sistemas políticos tradicionais do norte de Gana reconsiderados
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Os sistemas políticos tradicionais do norte de Gana reconsiderados
1393
Benedict G. Der
1394
Os sistemas políticos tradicionais do norte de Gana reconsiderados
52 R. S. Rattray (1932:429). Lentz (1993, p. 177 n. 2). As visões de Rattray que escritores subsequentes
seguiram se basearam nas de J. C. Guinness, um Comissário Distrital em Lawra no começo da década
de 1930. Veja seu Relatório Intermediário sobre as Divisões do Povo de Nandom e de Lambusie do
Distrito de Lawra, em ADM/1/430.
53 K. Yelpaala (1983, p. 361‑362).
1395
Benedict G. Der
54 Para várias destas lendas populares, veja Dagara Stories (1983), de S. K. Bemile, Heidelberg: Kavouvou
Verlag – Editions Bantoues, números. 3, 7, 14, 20 e 30.
55 Rattray (1932, p. 409).
56 Salvius A. C. Abobo (1994) capítulo 2.
1396
Os sistemas políticos tradicionais do norte de Gana reconsiderados
57 ADM 56/1/50, Relatório do Capitão B.H.W. Taylor sobre o Black Volta District, 29 de 1906, p. 10,13,16.
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Os sistemas políticos tradicionais do norte de Gana reconsiderados
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1400
Os sistemas políticos tradicionais do norte de Gana reconsiderados
63 ADM 56/1/50, Relatório de Read sobre seu viagem do Distrito de Black Volta, 11 de outubro a 6 de
novembro de 1906.
64 ADM 56/1/451, Relatório sobre o Viagem do Capitão B.M. Read na parte sudeste do Distrito Noroeste,
1º de julho de 1907.
1401
Benedict G. Der
1402
Os sistemas políticos tradicionais do norte de Gana reconsiderados
65 Isto fica muito claro a partir da correspondência dos comissários distritais no nordeste entre 1902 e
1912 sobre questões de chefia em ADM 56/1/137, mas veja também A. A.Iliasu, “História do Reino
Mamprusi” Ms. inédito, p. 61‑69. Agradeço ao Dr. Moses Anafu por permitir que eu consultasse o Ms.
de Iliasu que estava com ele, em Londres em 1989.
66 J.M. Hunter (1968).
67 J.S. Jaggrey (1993).
68 Hunter (1968, p. 380).
1403
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1404
Os sistemas políticos tradicionais do norte de Gana reconsiderados
74 ADM 56/1/61, Relatório de Entrega pelo Capitão J. O’Kinealy ao Capitão Taylor, do Distrito Navaro, 1o
de novembro de 1907, p. 12.
75 Ibid., p. 12.
1405
Benedict G. Der
76 Ibid., Relatório de Entrega ao Capitão Warden no Distrito Navaro por D. Nash, 12 de julho de 1911, p. 9.
77 Eu discuti isto de maneira relativamente detalhada em B.G. Der (1996).
1406
Os sistemas políticos tradicionais do norte de Gana reconsiderados
Conclusão
Este estudo tentou mostrar que a chefia como instituição
política nas áreas não centralizadas do norte de Gana teve
significância pré‑colonial. O que Ivor Wilks descreveu como sendo
um “cinturão de povos apátridas” era na verdade um cinturão de
pequenos estados ou chefias78. Os relatórios dos primeiros oficiais
britânicos mostram de maneira bastante clara que os povos das
áreas não centralizadas no norte de Gana não eram acéfalos
no sentido de eles não terem nenhum governante. Eles eram
governados por chefes e a chefia era uma instituição disseminada na
área. Historicamente, portanto, o sistema foi anterior à penetração
da influência britânica. Oficiais como os Capitães A.M. Fleury, S.D.
Nash e J. O’Kinealy no nordeste e Andrew Berthon, G.A.E. Poole,
T.J. Reynolds e B.H.W. Taylor no noroeste, que estabeleceram o
governo britânico, não alegaram ou afirmaram que eles nomearam
ou introduziram a chefia na área. Até mesmo o Capitão B.M. Read,
que deixou relatórios detalhados das suas viagens de inspeção nos
Distritos de Lawra e Tumu, não disse que ele nomeou chefes em
áreas em que antes não existisse nenhum. Foram antropólogos
sociais atuais, baseando suas visões principalmente na estrutura
colonial de administração e construtos teóricos, que desenvolveram
a ideia de chefes feitos pelos europeus no norte de Gana.
Fora dos estados centralizados de Mamprussi, Dagbon,
Gonja, Wa e Nanumba, a autoridade política era exercida através
de chefias. Na maioria das áreas, estas chefias eram divididas em
seções ou vilas governadas por subchefes. A autoridade espiritual,
conforme os primeiros comissários distritais reconheceram bem,
era exercida pelos tengandeme ou tendama e o totina (Sisala), os
guardiões do Tempo da Terra. Os dois cargos geralmente não
eram confiados a um indivíduo, conforme Rattray e Jack Goody
1407
Benedict G. Der
79 J.M. Hunter op. cit. p. 387 e R. B. Bening (1973), “Indigenous Concepts of Boundaries,” Bulletin of the
Ghana Geographical Association vol.15, p. 2.
80 M. Fortes (1940) “The Political System of the Tallensi of the Northern Territories of the Gold Coast”,
African Political Systems ed. M. Fortes e E.E. Evans‑Pritchard (eds) Londres: Oxford University Press,
p. 255‑261 e ss. Veja também Moses Anafu (1973) “The Impact of British Rule on Tallensi Political
Institutions, 1898‑1967”, Transactions of the Historical Society of Ghana vol. 14. n. 1, junho, p. 17‑30.
1408
Os sistemas políticos tradicionais do norte de Gana reconsiderados
***
1409
CAPÍTULO 44
VIDA INTELECTUAL E CONHECIMENTO NO SUDÃO
OCIDENTAL ISLÂMICO DURANTE OS SÉCULOS XVII
E XVIII: UMA VISÃO POLÍTICA E SOCIAL
Ray A. Kea
1 Para fins deste estudo, o Sudão Ocidental (bilad al‑sudan; bilad al‑takrur) se estende da Mauritânia/
Senegâmbia no oeste à Planície Hausa e à bacia do Lago Chad no leste. O foco geográfico está nas
terras a oeste da Planície Hausa.
1411
Ray A. Kea
2 Cf. Ray Kea (2003); também Nehemia Levtzion (1987, p. 22‑37); Jean‑Louis Triaud (1985).
1412
Vida intelectual e conhecimento no Sudão Ocidental Islâmico durante os séculos XVII e XVIII: uma visão política e social
3 Anônimos (2004) “Ancient Manuscripts from the Desert Libraries of Timbuktu,” Exposição na
Biblioteca do Congresso. Disponível em: <http://www.loc.gov/exhibits/mali/mali/>. Também John
Hunwick (1999a).
1413
Ray A. Kea
4 Mohamed Gallah Dicko (1999, p. 49‑63); John O. Hunwick (2003); Ousmane Kane (2003); Abdelkader
Haidara e Ayman Fuad Sayyid (eds) (2000); Sidi Amar Ould Ely e Julian Johansen (eds) (1995);
Ghislaine Lydon (2001, p. 9); Abdou Moumouni (1996); Ivor Wilks (1968, p. 124‑141).
1414
Vida intelectual e conhecimento no Sudão Ocidental Islâmico durante os séculos XVII e XVIII: uma visão política e social
1415
Ray A. Kea
7 N.E.: A “escrita de si” é um gênero narrativo, em primeira pessoa, no qual o narrador se identifica
explicitamente com o autor biográfico, mas vive situações que podem ser ficcionais.
8 Cf. Arjun Appadurai (1993).
9 R.J. Barendse (2002, p. 491); Şevket Pamuk (2002); Nelly Hanna (1998, p. 35, 46, 64); Dennis O. Flynn e
Arturo Giraldez (1997, p. XV‑XL); Fernand Braudel (1982, p. 199, 203); Blanchard, Ian (s. d.).
1416
Vida intelectual e conhecimento no Sudão Ocidental Islâmico durante os séculos XVII e XVIII: uma visão política e social
10 J. Devisse com a colaboração de S. Labib (1992, p. 635‑672); John O. Hunwick (1992); Ian Blanchard
(s. d..); Mervyn Hiskett (1967).
1417
Ray A. Kea
11 Grazizno Kratli (2004); Alex Ulam (2004); Louis Werner (2003); Pauli Josette Balagna (1999); Rahal
Boubrik (1999); John Hunwick (1999); Ulrich Rebstock e Ahmad Wuld Muhamad Yahya (1997). Um
estudo recente de educação e conhecimento na “África Subsaariana” não se refere às bibliotecas e
manuscritos do Mali, Niger, Senegâmbia, Mauritânia, etc., nem as discute. Veja Stefan Reichmuth
(2000).
12 Elias N. Saad (1985: Capítulo 6); Michel Arbitol (1979).
13 Abdirahman A. Hussein (2002, capítulo 4).
14 Mustapha Marrouchi (2007, p. 10‑11); Tamara Sonn (1985); Peter Gran (1979, 1980); também
Muhammed A. Bamyeh (1999); Maxine Rodinson (1974).
1418
Vida intelectual e conhecimento no Sudão Ocidental Islâmico durante os séculos XVII e XVIII: uma visão política e social
15 David Robinson (2000); Marshall G.S. Hodgson (1993); Nehemia Levtzion (1987); John Ralph Willis
(1978); Tamara Sonn (1980).
16 Fernand Braudel (1980).
1419
Ray A. Kea
17 Michel Arbitol (1992) e Arbitol como tradutor (1982); S.M. Cissoko (1984); Elias Saad (1985); John
Ralph Willis (1985); J. Spencer Trimingham (1978); C.C. Stewart (1976); O. Houdas (transl) (1966).
18 Nehemia Levtzion (2000); Stephen Cory (2001); Zakari Dramani Issifou (1999); John O. Hunwick
(1985); D.T. Niane (1984); S.M. Cissoko (1984); E. Ann McDougall (1987); John Ralph Willis (1978);
M.Tymowski, (n.d.) online.
19 John O. Hunwick (2003); Ivor Wilks (2000); David Owusu‑Ansah (2000); Nehemia Levtzion (1987,
p. 1‑20) Introdução; Nehemia Levtzion e John O. Voll (1987:3‑20) Introdução; J. Spencer Trimingham
(1997, p. 68‑101) capítulo 4.
1420
Vida intelectual e conhecimento no Sudão Ocidental Islâmico durante os séculos XVII e XVIII: uma visão política e social
20 Peter Turchin e Thomas D. Hall (2003, p. 52‑53). Barendse (2002, p. 491). Veja também M. Malowist
(1992); J. E. Inikori (1992).
21 Sekene Mody Cissoko (1969); Claude Meillassoux (1991); Richard L. Roberts (1987, Capítulo 2); Jean
Bazin (1975); M. Tymowski (1974); também Harold Courlander com Ousmane Sako (1994); David C.
Conrad (ed) (1991) transcrito e traduzido com o auxílio de Soumalia Diakite.
1421
Ray A. Kea
22 H. T. Norris (1990); Ivor Wilks, Nehemia Levtzion, e Bruce M. Haight (1986); E. Ann McDougall (1987);
John Ralph Willis (1978); C.C. Stewart (1976); H. T. Norris (1975). N.E.: Veja também o capítulo de
Hamid Bobboyi nesta seção.
1422
Vida intelectual e conhecimento no Sudão Ocidental Islâmico durante os séculos XVII e XVIII: uma visão política e social
1423
Ray A. Kea
Sufismo transformativo
De acordo com John Lavers, “o século XVII pareceria ter sido
um período de considerável importância para o crescimento e a
disseminação de irmandades organizadas [Sufi] ao longo de todo
o Saara e o Sudão”25. A disseminação de Sufi tariqas no interior
promoveu a ruralização do islamismo e a criação de redes de
interação social, cultural, religiosa e intelectual relativamente
autônomas em relação às cidades e baseadas nas vilas e nas cidades
menores. A adoção de Sufi no bilad al‑Sudan fazia parte de uma
expansão mais geral do sufismo no mundo islâmico, um fenômeno
24 P. Diagne (1992).
25 John Lavers (1977, p. 217). Veja também H. T. Norris (1969, 1975, 1990).
1424
Vida intelectual e conhecimento no Sudão Ocidental Islâmico durante os séculos XVII e XVIII: uma visão política e social
26 Knut S. Vikor (2000); E. Ann McDougall (1987); Nehemia Levtzion (1987, p. 39‑54); N. Levtzion e J. O.
Voll (1987); H. T. Norris (1969); Marshall S. G. Hodgson (1993); J. S. Trimingham (1973).
27 H. T. Norris (1969, 1975, 1990); E. Ann McDougall (1987); J. S. Trimingham (1973).
28 H. T. Norris (1969, 1975, 1990); N. Levtzion (1987); E. Ann McDougall (1987); C. C. Stewart (1976); J. S.
Trimingham (1973).
1425
Ray A. Kea
29 Ousmane Kane (2003); H. T. Norris (1975, 1990 and 2003); N. Levtzion (1987c); E. Ann McDougall
(1987);Charles C. Stewart (1976); John Lavers (1997).
30 E. Ann McDougall (1987); Nehemia Levtzion (1987 c); H. T. Norris (1975, 1990); Matthias Bruckner
(n.d.).
1426
Vida intelectual e conhecimento no Sudão Ocidental Islâmico durante os séculos XVII e XVIII: uma visão política e social
31 Ousmane Kane (2003: 3) Minha tradução; também Nehemia Levtzion (1987b); E. Ann McDougall
(1987).
32 C.A. Bayley (2004); Michel‑Rolph Trouillot (2003); A.G. Hopkins (ed) (2002); Hodgson, Rethinking
World
History; Marshall G.S. Hodgson (1993, 1974).
1427
Ray A. Kea
1428
Vida intelectual e conhecimento no Sudão Ocidental Islâmico durante os séculos XVII e XVIII: uma visão política e social
Mervyn Hiskett (1957); A.D.H. Bivar (1968). Para o contexto islâmico mais amplo veja Marshall G.S.
Hodgson (1974) vol. 2.
36 Ousmane Kane (2003, p. 18‑22); Ivor Wilks (2000); Ray Kea (2003); E. Ann McDougall (1987); John
Ralph Willis (1978); Charles C. Stewart (1976). Para uma discussão detalhada da história global de
redes intelectuais, estudiosos e comunidades acadêmicas desde a Antiguidade até o século XX, veja
Randall Collins (1998).
1429
Ray A. Kea
37 Nehemia Levtzion (1987 b,c); E.N. Saad (1985); I. Wilks (1968, 2000); E. A. McDougall (1987); C.C.
Stewart (1976); H. T. Norris (1969, 1975, 1990).
1430
Vida intelectual e conhecimento no Sudão Ocidental Islâmico durante os séculos XVII e XVIII: uma visão política e social
38 J. O. Hunwick et al (eds) (1995, 2003); E.N. Saad (1985); C.C. Stewart (1976); I. Wilks (1968).
39 John O. Voll (n.d.); H. T. Noriss (1969, 1975, 1990); Triaud (1985); C.C. Stewart (1976); I. Wilks (1968).
1431
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40 Edward W. Said (2004:68‑69); I. Wilks (1968, 2000); Ronald A.T. Judy (2004); Marshall G.S. Hodgson
(1968, 1974); Tamara Sonn (1985); Thomas Hodgkin (1980).
41 John O. Hunwick (1991, 1985).
1432
Vida intelectual e conhecimento no Sudão Ocidental Islâmico durante os séculos XVII e XVIII: uma visão política e social
42 H. T. Norris (1975, 1990); J.R. Willis (1985); N. Levtzion (1987); M. Hiskett (1962).
43 John O. Hunwick (1985; 1995, p. 20‑25); Elias N. Saad (1985).
1433
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Vida intelectual e conhecimento no Sudão Ocidental Islâmico durante os séculos XVII e XVIII: uma visão política e social
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Vida intelectual e conhecimento no Sudão Ocidental Islâmico durante os séculos XVII e XVIII: uma visão política e social
***
62 Anônimo (2000, 2004); Sidi M. Mahibou e Moulaye Hassane (1985); Abdou Moumouni (1996).
1445
Ray A. Kea
1446
CAPÍTULO 45
ESTUDIOSOS E CONHECIMENTO NAS RELAÇÕES
ENTRE O MAGREB E O SUDÃO CENTRAL DURANTE
O PERÍODO PRÉ‑COLONIAL1
Hamid Bobboyi
1447
Hamid Bobboyi
2 Veja, por exemplo, Lorde Lugard (1916) e Richmond Palmer (1936) e (1928). Para as limitações de
conflito no entendimento da história do Sudão Central, veja Y.B. Usman (1983).
3 Para uma reafirmação recente destas questões, veja as contribuições de Peter Ekeh (2002) em Nigeria:
Unity, Governance, Law and Conflict, World Peace Foundation.
4 Veja Peter Ekeh, ibid. Para uma discussão geral veja N. Levtzion (1976).
5 Para a invasão marroquina de Songhai, veja J. Hunwick (1999). Veja também D. Yahya (1981).
1448
Estudiosos e conhecimento nas relações entre o Magreb e o Sudão central durante o período pré‑colonial
6 Veja a carta do Sultão ‘Uthman b. Idris de Borno para o Sultão Barquq do Egito, datada de 794 A.H.
(1391‑2 d.C.), reclamando sobre o fato de a devastação ser causada por estes grupos árabes em
Borno: “Estes árabes devastaram todo o nosso país, todo al‑Barnu até hoje. Eles atacaram nossos
homens livres e nossos parentes, que são muçulmanos e os vendia aos negociadores de escravos
[Jullab] do Egito, da Síria e de outros países; alguns eles mantiveram para servirem a eles próprios”.
Al‑Qalqashandi (1981) em N. Levtzion e J. F. P. Hopkins (eds) p. 343‑350.
7 D. Conrad e H.J. Fisher (1982/83) p. 53‑7.
8 Veja P. F. De Moraes Farias (2003); veja também J. Hunwick (1980) em B. K. Swartz e R. E. Dumett (eds.)
p. 413‑443 e também seu (1994).
1449
Hamid Bobboyi
1450
Estudiosos e conhecimento nas relações entre o Magreb e o Sudão central durante o período pré‑colonial
1451
Hamid Bobboyi
19 Veja “the Mahram of Umme Jilmi” em R. Palmer, Bornu, Sahara and Sudan, op.cit. p. 14. O papel
provável dos Almorávidas no surgimento do Sayfawa em Kanem não foi explorado seriamente por
estudiosos.
20 Veja M. Bencherifa (1991) Ibrahim al‑Kanemi [f. 609 A. H. [1212‑13 d. C.]), figure illustre dans les
relations culturelles entre le Maroc et Sudan, Rabat: Institute of African Studies; J. Hunwick (1995)
Arabic Literature in Africa Vol. II, op. cit. p. 17‑18.
21 “Ahmad al‑Maqrizi, Kitab l‑Mawa’iz,” em Corpus of Early Arabic Sources for West African History,
p. 353. Al‑Umari também comentou o seguinte: “O primeiro homem a estabelecer o islamismo lá foi
al‑Hadi al‑Uthmani que alegou ser descendente de Uthman b. Affan. Depois disso, ele foi passado aos
Yazanis, os descendentes de Dhu Yazan. A justiça patrocinada no país deles. Eles seguiram a escola de
Imam Malik... Eles construíram na Fustat Cairo Maikte Madras,” Corpus, p. 261.
1452
Estudiosos e conhecimento nas relações entre o Magreb e o Sudão central durante o período pré‑colonial
22 Para discussões sobre Wanqara e Wanjarata, veja Corpus of Early Arabic Sources, op. cit. p. 111, 287.
23 Tarikh Arbab Hadha l‑balad alladhi musamma Kano, em outro contexto chamado de Kano Chronicle
em R. Palmer, Sudanese Memoirs, op. cit. p. 104‑105.
24 M. Al‑Hajj (1968) “A Seventeenth Century Chronicle on the Origins and Missionary Activities of the
Wangarawa,” in Kano Studies, I (4), p. 7‑16. O Asl al‑Wangariyyin não faz nenhuma alegação de que o
grupo do Xeique Zaghaite tinha sido responsável por introduzir o islamismo em Kano.
25 Ibid. p. 10.
1453
Hamid Bobboyi
Ishaq al‑Jundi (f. 776 A.H [1374 d.C.])26, que em anos posteriores
eclipsou os mudawwana. De acordo com o Asl al‑Wangariyin:
[...] um homem veio do Egito juntamente com os
seus alunos e começou a ensinar o Al‑Khalil para o
povo, um livro do qual as pessoas ouviam falar, mas
nunca tinham visto antes ... Um livro que cativava as
pessoas por seus furu [ramos] e usul [raízes]27.
Mas a consolidação do islamismo no Sudão Central não ocorreu
sem nenhum problema. Em primeiro lugar, o islamismo tinha que
resistir a uma forte oposição pagã que não estava preparada para
abrir mão da sua importância sem lutar. Apesar do entusiasmo
do sarki Yaji (1349‑1385 d.C.) em estabelecer mesquitas em Kano
durante seu reinado, isso não funcionou muito bem com o restante
da população.
O Sarkin Garazawa era contrário à prece e quando os
muçulmanos tinham ido para casa após a prece, ele
entrava com seus homens e sujava toda a mesquita e a
cobria de sujeira. Danbugi foi reprimido por patrulhar
em torno da mesquita com homens bem armados de
noite até de manhã ... Por tudo isso os pagãos tentaram
fazer com que ele e seus homens mudassem de lado.
Alguns dos seus homens seguiram os pagãos e foram
embora, mas ele e o restante se recusaram. A sujeira
continuou até Sheshe falar para Famori, “A única cura
para isto é a prece”. Os muçulmanos concordaram.
Eles se reuniram numa terça‑feira na mesquita na
hora da prece noturna e oraram contra os pagãos até
o sol nascer... Alá recebeu as preces dirigidas a Ele
graciosamente. O Chefe dos pagãos ficou cego naquele
26 Ibid. p. 13.
27 Ibid.
1454
Estudiosos e conhecimento nas relações entre o Magreb e o Sudão central durante o período pré‑colonial
1455
Hamid Bobboyi
1456
Estudiosos e conhecimento nas relações entre o Magreb e o Sudão central durante o período pré‑colonial
1457
Hamid Bobboyi
42 Arabic Literature in Africa, II, op.cit. p.23; K. I. Bedri e P. E. Starrat (1947‑77) Taj al‑Dion Fi ma yajib ‘ala
l‑muluk, The Crown of Religion Concerning the Obligation of Princes”, Kano Studies, 1/2, p. 15‑28.
1458
Estudiosos e conhecimento nas relações entre o Magreb e o Sudão central durante o período pré‑colonial
1459
Hamid Bobboyi
de ter ensinado toda uma geração de estudiosos, inclusive o Xeique Sulayman al‑Wali e o Xeique
Muhammad al‑Wali, que estavam ativos durante o Século XVII. Veja H. Bobboyi (1992) op. cit.
p. 18‑47.
46 Arabic Literature in Africa, II, op. cit. p. 25‑26.
47 Ibid. p. 25.
48 Ibid. Também é interessante observar que a própria Katsina tornou‑se um centro ativo de aprendizado
no século XVII produzindo grandes estudiosos como Muhammad b. Masanih (1078 A.H. (1667) e
Muhammad b. al‑Sabbagh [1050 A.H. (1640). O famoso Xeique Al‑Bello também estudou lá, ou seja,
em Yandoto.
49 Veja Kano Chronicle, p. 111 e H.I. Gwarzo, “The Life and Teachings of Al‑Maghili,” op. cit. p. 68‑73.
1460
Estudiosos e conhecimento nas relações entre o Magreb e o Sudão central durante o período pré‑colonial
1461
Hamid Bobboyi
1462
Estudiosos e conhecimento nas relações entre o Magreb e o Sudão central durante o período pré‑colonial
Sufis e sufismo
Os séculos XVII e XVIII tinham testemunhado muita atividade
tanto por parte dos sufis quanto das ordens sufi que geraram níveis
variados de redes, tanto dentro do Magreb quanto entre ele e o
Sudão Central62. Nesta seção eu apresentarei brevemente a vida
59 Arabic Literature in Africa II, op. cit. p. 32‑33.
60 O Infaq al‑Maysur considera os xeiques Jirmi e Waldede como sendo Mujaddids cujas atividades
pressagiam a aparição final do xeique Uthman b. Fodio.
61 H. Bobboyi (1992) op. cit., p. 165‑166.
62 Um movimento, o Tijaniyya, acabou ganhando uma quantidade enorme de seguidores no Sudão
Central, mas boa parte da sua expansão ocorreu durante o período colonial. A volta do xeique
Umar al‑Futi durante o reino de Shehu Laminu (1253 A. H. [1837 d. C.]) certamente causou algumas
1463
Hamid Bobboyi
1464
Estudiosos e conhecimento nas relações entre o Magreb e o Sudão central durante o período pré‑colonial
1465
Hamid Bobboyi
O triunfo do conhecimento
O movimento de reforma iniciado pelo Xeique Uthman b.
Fodio (f. 1232 A.H. [1817 d.C.]) com a ajuda do seu irmão mais
72 Al‑Ibriz, p. 14.
73 Ibid.
1466
Estudiosos e conhecimento nas relações entre o Magreb e o Sudão central durante o período pré‑colonial
novo, Abd Allah b. Fodio (f. 1245 A.H. [1829 d.C.]) e do seu filho
Muhammad Bello (f. 1253 A.H. [1837 d.C.]) levou a uma grande
transformação do Sudão Central no século XIX e ao estabelecimento
do Califado de Sokoto. A história do califado está bem estabelecida
e não precisa ser recontada. O que eu desejo argumentar, no
entanto, é que o movimento de reforma foi uma culminação de
séculos de esforços intelectuais e físicos de uma grande variedade
de estudiosos – tanto do Magreb quanto locais – para resgatar o
islamismo do sincretismo e estabelecer uma ordem islâmica. No
nível local, pode‑se argumentar que o Xeique ‘Uthman tinha grande
consideração pelo estudioso de Bornoan, Muhammad b. al‑Hajj Abd
al‑Rahman al‑Barnawi, conhecido como Xeique Hajrami (f. 1159
A.H. [1746 d.C.])74. Ele citou o famoso poema de Hajrami Shurb
al‑Zulal em algumas das suas obras, especialmente aquelas seções
que lidavam com as fontes jurídicas de receita para a tesouraria
pública75. É interessante que as fontes do Xeique Hajrami do Shurb
al‑Zulal eram, até o século XV, predominantemente do Magreb e
da Andalusia. Estas incluem Ibn Rushd (f. 996), Muhammad b. al‑
‑Hajj (f. 1336), Ibn Lubb (f. 1380), al‑Naji (f. 1433), al‑Qawri (f.
c.1467) e Ibn al‑Mawwaq (f. 1492). Subsequentemente, estudiosos
egípcios assumiram e predominaram as fontes76.
O próximo estudioso da cena local que poderia ser identificado
como tendo inspirado o Xeique Uthman e seus assistentes foi
o fogoso Jibril b. Umar al‑Agdasi (f. depois de 1198 A.H. [1784
d.C.])77. Ele foi um dos principais professores do Xeique Uthman
através de quem ele adquiriu a maioria dos seus isnads e salasil.
Tanto o Xeique Uthman quanto seu irmão Abdullahi consideram
o Xeique Jibril b. Umar como um dos primeiros reformadores
do Sudão Central, mas se esforçaram para se distanciarem das
74 Veja Arabic Literature in Africa II, op. cit. p. 39‑40.
75 Para o texto do Shurb al‑Zulal, veja D. C. H. Birar (1962).
76 Ibid.
77 Arabic Literature in Africa II, op. cit. p. 47.
1467
Hamid Bobboyi
1468
Estudiosos e conhecimento nas relações entre o Magreb e o Sudão central durante o período pré‑colonial
82 Ibid.
83 Veja Arabic Literature in Africa II, loc. cit.
1469
Hamid Bobboyi
Conclusão
Nós vimos como o Magreb e seus estudiosos forneceram a base
do Conhecimento Islâmico no Sudão Central, começando com o
período dos almorávidas. Nós também vimos a reconceitualização
de muitas tendências intelectuais do Magreb dentro das realidades
e dos desafios do Sudão Central, inclusive o surgimento do sufismo,
que, por sua vez, também causou impacto no Magreb. Vimos ainda
a culminação destas tendências e destes esforços no surgimento
do Califado de Sokoto no começo do século XIX. Portanto, não
pode haver uma conclusão melhor para esta palestra e uma nova
perspectiva para observar as relações entre o Magreb e o Sudão
Central do que a citação de um trecho da carta de Mawlay Suleiman,
datada de 1225 A.H./1810 d.C., enviada ao xeique Uthman b.
Fodio, parabenizando‑o pela Jihad e estimulando‑o a permanecer
firme no caminho da reforma:
Após saudações, uma carta chegou até nós nos
informando da sua disposição, das suas palavras e
das suas obras, é certo que devamos ser seus amigos
e partidários da sua causa. Nós recebemos esta
notícia de você de determinado chefe da sua área.
Ele nos contou do seu caráter na sua carta. Ele nos
contou que você é o defensor da fé de Deus. Quem
nos deu esta notícia foi o nosso amigo Mohammadu
Bakiri, filho de Mohammadu Adal. Ele nos disse
como você está firme na causa da religião, que você
está governando da maneira correta e que você está
1470
Estudiosos e conhecimento nas relações entre o Magreb e o Sudão central durante o período pré‑colonial
***
1471
CAPÍTULO 46
ESCRAVIDÃO EM GANA:
UMA ESPADA DE DOIS GUMES
Akosua A. Perbi
Introdução
Uma pesquisa recente em Gana revelou que a escravidão
desempenhou um duplo papel1. Havia uma dimensão interna/
nativa e uma dimensão externa. A dimensão interna estava
relacionada com a escravidão como uma instituição nativa praticada
dentro de Gana. A dimensão externa lidava com as relações de
Gana com o mundo exterior, que se tornou possível através da rede
transaariana e da rede atlântica. Os dois sistemas foram mantidos
até a abolição do comércio transatlântico de escravos no começo
do século XIX e a abolição do comércio nativo de escravos no final do
século XIX e no começo do século XX. O uso de escravos como mão
de obra na economia doméstica de Gana continuou até o final do
século XIX.
1473
Akosua A. Perbi
1474
Escravidão em Gana:uma espada de dois gumes
5 Veja, por exemplo, Perbi (2004, p. 133‑151); Arquivos Regionais Sunyani, Gana, GDC 1/6; Arquivos do
Palácio de Kyebi, Gana, AASA/1.1/2.222; Arquivos Regionais Koforidua, Gana, Adm 29/6/41; Arquivos
Nacionais de Gana, Acra, Acc. N. 73; Histórias de Banquinho Ashanti (1976).
1475
Akosua A. Perbi
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Escravidão em Gana:uma espada de dois gumes
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Escravidão em Gana:uma espada de dois gumes
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Escravidão em Gana:uma espada de dois gumes
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Escravidão em Gana:uma espada de dois gumes
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Akosua A. Perbi
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Escravidão em Gana:uma espada de dois gumes
1487
Akosua A. Perbi
Conclusão
De fato, a escravidão foi uma faca de dois gumes na Gana
pré‑colonial. A instituição nativa da escravidão coexistiu com
o comércio externo de escravos que se tornou possível através
da rede comercial transaariana e da rede comercial atlântica.
A estrutura social, política e econômica de Gana na qual a instituição
da escravidão estava incluída tornava possíveis os dois gumes da
faca. Havia uma fonte imediata de oferta de escravos para abastecer
as duas instituições. Estados tradicionais, mercadores, famílias e
indivíduos aceitavam as duas instituições e as usavam o máximo
que conseguissem. A configuração comercial bem organizada
era aceita e respeitada por todos os participantes até a abolição
do comércio atlântico de escravos em 1807. A instituição nativa
continuou a ser vibrante até o governo colonial britânico abolir a
escravidão na Colônia em 1874 e nos Asante e nos Territórios do
Norte em 1908.
***
1488
Escravidão em Gana:uma espada de dois gumes
1489
CAPÍTULO 47
UMA INTRODUÇÃO À POPULAÇÃO NEGRA,
RACISMO E ORGANIZAÇÕES NEGRAS NO REINO
UNIDO NO COMEÇO DO SÉCULO XX
Marika Sherwood
Cardiff e Liverpool
Apesar de o foco deste capítulo ser Cardiff e Liverpool, a
situação em geral foi semelhante em outras cidades britânicas.
1 O material neste capítulo foi tirado de duas das minhas publicações, veja Sherwood (1991) e (1994).
1491
Marika Sherwood
2 Charles Dickens (1958 [1860], p. 43). As condições de vida para quase toda a “classe trabalhadora”
de Liverpool eram horríveis: Dickens descreveu as favelas como um “labirinto de praças deploráveis e
becos sem saída [...] sem iluminação a gás nos locais mais perigosos e infames [...]” (1958 [1860], p. 47).
3 Henry Mayhew (1862 vol. 4, p 229).
1492
Uma introdução à população negra, racismo e organizações negras no Reino Unido no começo do século XX
Racismo
Pelo governo central. Um dos principais exemplos do racismo
do governo foram duas Ordens aprovadas pelo parlamento. (Ao
contrário de leis, as ordens não são debatidas pelo parlamento).
1493
Marika Sherwood
7 Citado em Henry Lee Moon (1945b). Veja também Neil Sullivan (1990). Olwen Watkins fez a gentileza
de me mostrar isto.
8 De acordo com um artigo no Trinidad de 18/7/1919, uma parte foi revogada em setembro de 1943.
(TNA: HO213/957) Relatório do Comandante da Polícia de Cardiff ao Subsecretário de Estado de
Repatriamento no Ministério do Interior, 7 de junho de 1937, TNA: HO213/353. O relatório está
cheio dos estereótipos racistas do Comandante da Polícia de marinheiros “mestiços”. As discussões
do Ministério do Interior estão em TNA: HO213/349‑351 e a reunião interdepartamental está em
TNA: HO213/352.
1494
Uma introdução à população negra, racismo e organizações negras no Reino Unido no começo do século XX
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Marika Sherwood
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Uma introdução à população negra, racismo e organizações negras no Reino Unido no começo do século XX
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Uma introdução à população negra, racismo e organizações negras no Reino Unido no começo do século XX
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Marika Sherwood
19 Entrevistas com o Sr. Elliott, 10/10/1990, Moses Hassan 2 de fevereiro de 1991; homem não
identificado na taberna The Paddle, 1º de fevereiro de 1991.
20 Biblioteca Central de Liverpool: Wesleyan Minutes Books; Biblioteca Rhodes House: Br. Emp. Mss. s.23,
Box 41/3, Artigos da Sociedade Antiescravidão, Ernest Adkin a John Harris, abril e maio de 1923. Os
pagamentos de recompensas pela Primeira Guerra Mundial ainda não tinham sido feitos no começo
da década de 1990, quando fiz meus artigos de pesquisa sobre isto para a Federação Internacional de
Trabalhadores do Transporte.
1500
Uma introdução à população negra, racismo e organizações negras no Reino Unido no começo do século XX
1501
Marika Sherwood
21 Caradog Jones (1934: vol. 2, n. 1 & n. 13); M.E. Fletcher (1930:6) Relatório sobre uma Investigação
Sobre o Problema da Cor em Liverpool e Outros Portos, Associação de Liverpool Para o Bem‑Estar
de Crianças Mestiças.
1502
Uma introdução à população negra, racismo e organizações negras no Reino Unido no começo do século XX
Resistência
Em Cardiff. O povo de Bay formou vários tipos de associações
para se defender, para lutar contra a injustiça e a desigualdade, para
se reunir para auxiliar causas coloniais e para prover à subsistência
das suas próprias necessidades sociais e espirituais. Etnias, grupos
de idiomas e grupos religiosos se uniram para cultuarem e para
apoio, solidariedade e intercâmbio social. Um grupo, Os Filhos da
África, ainda existe, ainda que de uma forma bastante reduzida. Por
mais díspares que vários grupos fossem, sempre que a comunidade
se sentia atacada, ela se unia para defesa e contra‑ataque. Apenas
poucas organizações são descritas aqui.
Sindicato dos Marinheiros Mestiços. Este sindicato
provavelmente foi organizado por Harry O’Connell, talvez para
suceder a Associação das Índias Ocidentais e/ou para fazer frente
a novos ataques sob a Ordem dos Marinheiros Estrangeiros, de
1925. É provável que tenha sido o sindicato que entrou em contato
com a Liga Contra o Imperialismo, cujo apoio já foi mencionado
anteriormente. O’Connell também obteve apoio para as lutas de
Cardiff do Sindicato dos Estudantes da África Ocidental (WASU),
com sede em Londres, por exemplo no que diz respeito a condições
em albergues para marinheiros. O WASU enviou um dos seus
executivos para investigar e passou adiante suas descobertas para
o Colonial Office, que refutou as reclamações22.
Em nome do sindicato, O’Connell escreveu para o Mail (11 de
julho de 1935) para protestar contra o relatório de Richardson. Ele
observou, entre outras coisas, que os padrões morais de “mestiços
eram favoráveis em comparação com os dos brancos”; nas colônias
britânicas, “muitas vezes os homens brancos se casavam com
22 A correspondência com o WASU está nos arquivos do WASU em Lagos, que não estavam catalogados
quando eu os vi; eu encontrei este material no que era o Box 10 na época. Sobre o WASU, veja Hakim
Adi (1998).
1503
Marika Sherwood
23 St. Clair Drake (1954, p. 402‑405); entrevista com Robert Johnson, 14 de outubro de 1990.
24 Drake (1954, p. 435). Boletim de Informações Coloniais, 15 de novembro de 1938. O sistema de rota
implicava registro com o Immigration Officer e ser notificado em escala quando um emprego para
um marinheiro não britânico se tornasse disponível. O sistema levou a muito suborno e corrupção
entre as empresas de navegação e os donos das pensões, sendo que marinheiros indigentes e
desempregados deviam muito dinheiro a alguns deles.
1504
Uma introdução à população negra, racismo e organizações negras no Reino Unido no começo do século XX
1505
Marika Sherwood
26 Western Mail, 7 de agosto de 1935. Ras T. Makonnen (1973, p. 182‑185). Os relatórios da Liga das
AGMs das Pessoas Mestiças estão em The Keys, julho‑setembro de 1937 & na Newsletter da LCP,
junho de 1941. Entrevistas com Nino Abdi, Musa Nogan e Moses Hassan citadas anteriormente.
A correspondência de 1932 entre Tuallah e o Colonial Office está em TNA: CO535/94/38610.
A correspondência de 1935 está em TNA: CO535/111/46017 e CO323/1323/13. Para o Tramp
Shipping Subsidy, veja TNA: CO323/1365/5.
27 Hakim Adi e Marika Sherwood (1995).
1506
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28 Sobre o papel de Nkrumah no PAC e seu relacionamento com Padmore naquela época, veja Marika
Sherwood (1996), especialmente o capítulo 8.
1507
Marika Sherwood
29 Henry Lee Moon (1945 a: n.12); Cardiff City Archives, Trades Council Minutes, 1º de março de 1945;
Henry Lee Moon (1945 b).
1508
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1509
Marika Sherwood
32 Os poderes de navegação revidaram ao fazer com que o MI5 investigasse o Pastor Daniels e tentasse
deportá‑lo. Quando isto fracassou, eles espalharam rumores indecentes sobre ele. Makonnen, de
origem guianense, emigrou para a Gana independente, como Padmore tinha feito e trabalhou de
maneira muito próxima ao Primeiro Ministro/Presidente Nkrumah.
1510
Uma introdução à população negra, racismo e organizações negras no Reino Unido no começo do século XX
Conclusão
Independentemente de olharmos para Cardiff, Liverpool,
South Shields ou para o Extremo Leste de Londres, nós teríamos
encontrado ruas estreitas de casas residenciais habitadas por
uma população misturada de brancos e “mestiços”. Além dos
residentes permanentes, havia marinheiros em trânsito e aqueles
que cuidavam das suas necessidades. Não conseguindo encontrar
trabalhos fora das suas fronteiras geográficas, uma vez que até
a Segunda Guerra Mundial sistematicamente lhes negavam
emprego no mar e até mesmo nas docas, os residentes negros
empobreceram. Sujeitos a revoltas em 1919, os negros passaram
a ser discriminados em toda esfera possível e ameaçados de
deportação e de uma segregação cada vez maior. Alguns tinham
nascido na Grã‑Bretanha, outros tinham chegado lá vindos de
todos os cantos do Império. Naturalmente separados por origens
étnicas, religiões e idiomas diversos, eles também eram divididos
pelas maquinações do estado, o estabelecimento de missões de
seitas religiosas e a propaganda de partidos políticos.
O que eles tinham em comum eram experiências de navegação
marítima e de discriminação. Então eles se uniram, em grupos
sociais e de autoajuda ao longo de linhas étnicas e religiosas para
tornar a vida (e a morte) quotidianas mais toleráveis e dignas.
Estimulados por líderes de diversas origens, apesar do medo
incutido pela polícia, pelo estado e pelos empregadores e pelos
problemas causados por ausências intermitentes, eles também
se uniram em organizações mais abrangentes para afirmarem
e lutarem contra a prática discriminatória dos empregadores,
dos sindicatos, da cidade e do estado. Quando era adequado,
eles procuravam e obtinham ajuda de outras organizações, tanto
“mestiças” quanto brancas. Apesar de a maioria dos homens não
ter muita educação formal, eles se basearam no conhecimento
1511
Marika Sherwood
Pós‑escrito: 2006
Será que as coisas melhoraram bastante no último meio século?
As aproximadamente sete milhões de pessoas classificadas como
“Minorias Étnicas” agora representam cerca de 11% da população
britânica. “Ofensas com motivação racial” agora são processadas:
houve um aumento de 28% em processos entre 2005 e 2006,
1512
Uma introdução à população negra, racismo e organizações negras no Reino Unido no começo do século XX
***
33 The Guardian 26 de novembro, 4 de dezembro, 5 de dezembro 2006; 2005; The Observer, 16 de abril
de 2006.
34 Disponível em: <http://www.irr.org.Reino Unido>, Comunicado de notícias, 3 de agosto de 2005.
1513
Marika Sherwood
1514
CAPÍTULO 48
SOBRE A PRÓPRIA IDEIA DE UMA TRADIÇÃO
DO CONHECIMENTO OCIDENTAL: ANALISANDO
AFIRMAÇÕES QUE LIDAM COM O REGRESSO
ECONÔMICO NA ÁFRICA1
Helen Lauer
1 Uma versão anterior deste capítulo apareceu como “Cause and Effect Between Knowledge Traditions”,
em Transactions of the Historical Society of Ghana, 2004, vol. 8, p. 256‑275. A intenção do título aqui é
reconhecer minha dívida genérica para com o artigo influente de Donald Davidson (1974), “On the
very ideia of a conceptual scheme.”
1515
Helen Lauer
2 Kwame Anthony Appiah argumenta de maneira convincente que o “mundo ocidental” é uma ficção
amplamente compartilhada, conforme ele explicou quando foi entrevistado por Brigid Kendall sobre
The Forum BBC World Service, em 6 de julho de 2008. Este capítulo é dedicado a Kwame Appiah,
sendo que parte da sua obra recente aparece neste volume como o capítulo 34 e o capítulo 66
desta antologia. Veja também o influente artigo de Niyi Osundare reproduzido como o capítulo
51, “Literatura africana e a crise na teorização pós‑estruturalista” por sua análise influente dos pós‑
‑colonialismo que inspirou a inclusão deste capítulo nesta antologia.
3 Jacob Songsore (2003, p.111) observou esta generalização excessiva e corrigiu sua aplicação
equivocada a países subdesenvolvidos.
4 A definição de um centro urbano assumida aqui deriva da referência de Songsore (2003, p. 112) a
uma pequena cidade ou a uma cidade como uma comunidade com pelo menos 5.000 pessoas.
1516
Sobre a própria ideia de uma tradição do conhecimento ocidental
1517
Helen Lauer
são totalmente conhecidas ou compreensíveis”. A tese de que crenças africanas tradicionais sejam
antitéticas à investigação científica, como uma explicação do motivo pelo qual a ciência e a tecnologia
não conseguiram se desenvolver na África moderna, se originou com Robin Horton (1993, p. 311).
G. P. Hagan (2000) produziu evidência na forma extraída da sabedoria proverbial Akan, revelando
que uma criação moral Akan tradicional não impede a intrepidez cognitiva para investigar a natureza
e para explicar fenômenos mundanos em termos newtonianos de causa e efeito. Joshua Kudadjie
(2000) publicou muitos provérbios ancestrais de Ga‑Dangme direcionando a assimilação de novos
padrões de tecnologia e produtividade na África Ocidental.
8 Ao contrário, um obstáculo evidente ao planejamento de desenvolvimento bem‑sucedido é a falta
de controle que os ganenses precisam tolerar ao planejarem e colocarem em prática programas
projetados por quem não entende as circunstâncias das pessoas a quem esses programas devem
servir. Veja Kofi Anyidoho (2000) e G. P. Hagan (1992).
9 Jacob Songsore (2003, p. 111).
10 Jacob Songsore (2003, p.108‑18).
1518
Sobre a própria ideia de uma tradição do conhecimento ocidental
1519
Helen Lauer
1520
Sobre a própria ideia de uma tradição do conhecimento ocidental
1521
Helen Lauer
19 Por exemplo, eu cito neste artigo a partir de registros amplamente disponíveis ao público na Internet
(veja o website <http://www.loc.gov/exhibits>) deixados de uma exposição pública apresentada
na Universidade Northwestern e em Washington DC na Biblioteca do Congresso (24 de junho
a 3 de setembro de 2003) revelando a riqueza de conhecimento que continua pouco explorada
por historiadores da África Ocidental, “Ancient manuscripts from the desert libraries of Timbuktu”.
Depois de vários anos de exposição pública, a Associação de Estudos Africanos, a maior associação
do seu tipo, ainda não financiou ou organizou nenhuma pesquisa ou discussão sobre este material.
Observado em correspondência pelo Professor Ray Kea, Universidade da Califórnia em Riverside,
18 de março de 2004.
20 Eu devo esta melhoria ao rótulo “Terceiro Mundo” a David Bussau, co‑fundador da Opportunity
International e autor de Don’t Look Back (Australia, 2004). Entrevistado na BBC Worldservice por
Peter Day, “Global Business”, transmissão de 27 de agosto de 2004.
1522
Sobre a própria ideia de uma tradição do conhecimento ocidental
1523
Helen Lauer
21 Jean‑François Lyotard (1984 [1979], p. 80). Esta preocupação é ilustrada graficamente pela atenção,
por exemplo, à “significância cognitiva” e à lógica de confirmação por Rudolf Carnap e pelos
empiricistas lógicos na década de 1930.
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Helen Lauer
Monthly abril (1979) 86(4), p. 245‑252. Bernstein traduziu a partir de uma carta de Hermite a Stieltjes,
em 28 de novembro de 1882: “Eu sou apenas um algebrista e nunca saí do domínio da matemática
pura. Entretanto, estou completamente convencido de que as especulações mais abstratas da
Análise sejam evidência de realidades que existam fora de nós mesmos [...] eu acho até que a obra
dos geômetras puros esteja voltada, sem eles perceberem, para este fim e a história da Ciência
parece provar para mim que uma descoberta matemática ocorra no momento exato em que ela
seja necessária para cada novo avanço no estudo desses fenômenos do mundo real que possam ser
calculados.”
33 Uma suposição comum é que sem o crescimento da industrialização na Europa, não haveria a ciência
moderna conforme nós a praticamos. Veja, por exemplo, a curta história popularizada da ciência por
Leslie Stevenson e Henry Byerly (1995, p. 7) “(...) no século XVI (...) o empreendimento [c]apitalista
deu origem a uma nova classe média (...) receptiva aos novos desenvolvimentos (...) o capitalismo
estimulou tentativas de entender e controlar o ambiente natural”. Alguém deveria ter dito isso a
Arquimedes; veja Jurgen Schonbeck (1994) op.cit.
1530
Sobre a própria ideia de uma tradição do conhecimento ocidental
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Sobre a própria ideia de uma tradição do conhecimento ocidental
38 Algumas pessoas argumentaram que estas considerações implicam que exista alguma coisa errada
em geral com falar sobre o conteúdo de uma crença e o esquema ou visão de mundo ou tradição que
contém isso como parte, como se estas duas coisas fossem dois componentes distintos e separáveis
do conhecimento, mas eu não entro neste debate rico e duradouro aqui. Veja, por exemplo, Donald
Davidson “On the Very Ideia of a Conceptual Scheme”, (1965) Truth and Interpretation: Collected
Essays, Oxford: Clarendon Press, 1980.
1533
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Sobre a própria ideia de uma tradição do conhecimento ocidental
1535
Helen Lauer
***
43 Sob o governo colonial, era ilegal para qualquer ganense receber tratamento num hospital que
não autorizado como membro do funcionalismo público representando, através do contato diário
um risco de saúde a administradores britânicos. Até meados do século XX em Gana, a lei colonial
proibia qualquer africano de receber certificação para praticar a medicina, exceto no papel de “Native
Medical Officer” assistente “... para evitar qualquer possibilidade de qualquer médico europeu ser
subordinado a um africano”. Em 1952, o quociente de médicos registrados praticando a medicina
ocidental em Gana era de um para 30.000. Também o artigo de Stephan Addae (1996) “Medical
Education in Colonial Ghana and the Immediate Post‑Independent Years”, apresentado à Academia
de Artes e Ciências de Gana (Acra) em março de 1994, pré‑publicação manuscrito p. 3.
1536
Sobre a própria ideia de uma tradição do conhecimento ocidental
1537
SEÇÃO VI
“ÁFRICA” COMO SUJEITO DO DISCURSO
ACADÊMICO
CAPÍTULO 49
O GÊNIO AFRICANO1
Kwame Nkrumah
Senhoras e Senhores,
Estou muito feliz em estar com vocês nesta ocasião e em
lhes dar as boas vindas a esta inauguração oficial do Instituto de
Estudos Africanos. Considero esta uma ocasião historicamente
importante. Quando estávamos planejando esta universidade, eu
sabia que um Instituto de Estudos Africanos, multifacetado, que a
fecundasse e, através dela, a Nação, seria vital. Agora este instituto
já existe há algum tempo e já começou a contribuir para o estudo
da história, da cultura, das instituições, do idioma e das artes
africanas. Ele já começou a atrair para si estudiosos e estudantes
de Gana, de outros países africanos e do resto do mundo.
1 Este discurso foi proferido pelo autor como primeiro Presidente da República de Gana na inauguração
do Instituto de Estudos Africanos, da Universidade de Gana, em Legon, no dia 25 de outubro de 1963.
Está aqui reproduzido em versão minimamente editada do texto publicado pela primeira vez pelo
Ministério da Informação e da Transmissão do Governo de Gana, que foi lançado para distribuição
pública gratuita pelo Conselho de Publicações do Instituto de Estudos Africanos no aniversário de
cinquenta anos da independência de Gana.
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Kwame Nkrumah
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O gênio africano
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***
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CAPÍTULO 50
O NOME MANCHADO DA ÁFRICA:
RACISMO CONRADIANO NA MÍDIA ARTÍSTICA
CONTEMPORÂNEA1
Chinua Achebe
1 Texto da palestra de abertura do autor para a 24ª Reunião Anual da Associação de Literatura Africana,
da Universidade do Texas, em Austin, de 25 a 29 de março de 1998. Publicada originalmente na
coleção de artigos e poemas de Chinua Achebe (1998), ilustrada com fotos de Robert Lyons, p. 102‑
‑117. A versão que aparece aqui reflete o que foi incluído pelos editores Bernth Lindfors e Hal Wylie
sobre os procedimentos da Associação de Literatura Africana, intitulado Multiculturalism & Hybridity
in African Literatures, 2000, Africa World Press Inc.: Trenton, Nova Jersey, p. 13‑28.
1559
Chinua Achebe
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O nome manchado da África:Racismo conradiano na mídia artística contemporânea
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Chinua Achebe
3 N.E.: Para um exemplo veja a análise fornecida por Eileen Stillwaggon no capítulo.
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O nome manchado da África:Racismo conradiano na mídia artística contemporânea
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O nome manchado da África:Racismo conradiano na mídia artística contemporânea
7 Conrad, ibid., p. 4.
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O nome manchado da África:Racismo conradiano na mídia artística contemporânea
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O nome manchado da África:Racismo conradiano na mídia artística contemporânea
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O nome manchado da África:Racismo conradiano na mídia artística contemporânea
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O nome manchado da África:Racismo conradiano na mídia artística contemporânea
19 De David Livingstone, Missionary Travels, citado por Hammond e Jablow (1992, p. 43).
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O nome manchado da África:Racismo conradiano na mídia artística contemporânea
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O nome manchado da África:Racismo conradiano na mídia artística contemporânea
1577
Chinua Achebe
***
1578
APÊNDICE AO CAPÍTULO 501
UMA IMAGEM DA ÁFRICA: RACISMO EM HEART OF
DARKNESS, DE JOSEPH CONRAD
Chinua Achebe
1579
Chinua Achebe
2 N.E.: Yonkers subúrbio rico de classe média alta a uma distância conveniente para deslocamento até
a Cidade de Nova York.
1580
Uma imagem da África: racismo em Heart of Darkness de Joseph Conrad
1581
Chinua Achebe
anteriores sobre quem pode ser ou quem não pode ser culpado em
algumas das questões que eu abordarei agora.
Heart of Darkness projeta a imagem da África como “o outro
mundo”, a antítese da Europa e, portanto, da civilização, um
lugar onde a inteligência e o refinamento exaltados do homem
são finalmente zombados pela bestialidade triunfante. O livro
começa no tranquilo rio Tâmisa, a repousar pacificamente “no
declínio do dia após longo tempo de bons serviços prestados à raça
que povoava suas margens”4. Mas a história propriamente dita
ocorrerá no rio Congo, em si, a antítese do Tâmisa. O rio Congo,
com toda certeza, não é um rio emérito. Ele não prestou nenhum
serviço e não desfruta de nenhuma pensão por idade avançada.
Somos informados de que “subir aquele rio era como viajar para o
começo do mundo”.
Estaria Conrad dizendo que estes dois rios são muito dife‑
‑rentes, sendo que um deles é bom e o outro é ruim? Sim, mas esse
não é o verdadeiro argumento. Não é a diferença que preocupa
Conrad, mas a sugestão escondida de parentesco, de ancestralidade
comum. Pois o Tâmisa também “já foi um dos lugares escuros da
Terra”. É claro que ele conquistou sua escuridão e agora está à luz
do dia e em paz. Mas se fosse para ele visitar seu parente primitivo,
o Congo, ele correria o terrível risco de ouvir ecos grotescos da sua
própria escuridão e de ser vítima de uma renovação vingativa do
frenesi insensível da origem.
Estes ecos sugestivos abrangem a famosa evocação de Conrad
da atmosfera africana em Heart of Darkness. Seu método nada mais
é do que uma repetição constante, pesada, falsamente ritualista
de duas frases antitéticas, uma sobre o silêncio e outra sobre o
frenesi. Nós podemos examinar amostras disto nas páginas 103
e 105 da edição da New American Library: (a) “Era o silêncio de
1582
Uma imagem da África: racismo em Heart of Darkness de Joseph Conrad
1583
Chinua Achebe
1584
Uma imagem da África: racismo em Heart of Darkness de Joseph Conrad
1585
Chinua Achebe
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Uma imagem da África: racismo em Heart of Darkness de Joseph Conrad
9 Ibid.
1587
Chinua Achebe
10 Ibid., p. 148.
11 Ibid. p. 153.
1588
Uma imagem da África: racismo em Heart of Darkness de Joseph Conrad
1589
Chinua Achebe
13 N.E.: No Gabão.
14 Ibid., p. 124.
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Uma imagem da África: racismo em Heart of Darkness de Joseph Conrad
15 N.E.: Veja, por exemplo, epidemiologia conforme realizada atualmente pela indústria global do HIV/
AIDS quando focada na África., Capítulo 36, escrito por Andrew Maniotis e Charles L. Geshekter.
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Chinua Achebe
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Uma imagem da África: racismo em Heart of Darkness de Joseph Conrad
1593
Chinua Achebe
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Uma imagem da África: racismo em Heart of Darkness de Joseph Conrad
19 Ibid., p. 30.
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Chinua Achebe
1596
Uma imagem da África: racismo em Heart of Darkness de Joseph Conrad
anos na época da sua visita. De novo, talvez ele não a tenha visto,
mas a Grande Muralha da China é a única estrutura construída
pelo homem que pode ser vista da lua!21 De fato, viajantes podem
ser cegos.
Como eu disse antes, Conrad não deu origem à imagem da
África que encontramos no seu livro. Esta era e continua a ser a
imagem predominante da África na imaginação ocidental e Conrad
simplesmente aplicou os dons peculiares da sua própria mente a
ela. Por razões que certamente podem utilizar uma investigação
psicológica atenta, o Ocidente parece sofrer profundas ansiedades
no que diz respeito à precariedade da sua civilização e ter uma
necessidade de apoio constante em comparação com a África.
Se a Europa, avançando em termos de civilização, pudesse olhar
para trás periodicamente para a África presa numa barbárie
primitiva, ela poderia dizer com fé e sentimento: Lá vou eu pela
graça de Deus. A África está para a Europa como o retrato está para
Dorian Gray – um depósito em quem o senhor descarrega suas
deformidades físicas e morais para que possa seguir adiante, ereto
e imaculado. Consequentemente, a África é algo a ser evitado,
assim como o retrato tinha que ser escondido para salvaguardar a
integridade ameaçada do homem. Fique longe da África, senão! O
Sr. Kurtz de Heart of Darkness deveria ter prestado atenção a esse
alerta e o horror que rondava seu coração teria ficado no seu lugar,
acorrentado ao seu refúgio. Mas ele tolamente se expôs à selvagem
e irresistível sedução da floresta e veja! As trevas o encontraram.
Na minha ideia original deste artigo eu tinha pensado
em concluí‑lo de maneira agradável com uma observação
adequadamente positiva em que eu iria sugerir, a partir da minha
posição privilegiada nas culturas africana e ocidental, algumas
vantagens que o ocidente poderia derivar da África, uma vez que ele
21 No que diz respeito à omissão da Grande Muralha da China, sou grato a “The Journey of Marco Polo”,
na versão recriada pelo artista Michael Foreman, publicada pela revista Pegasus, Nova York, 1974.
1597
Chinua Achebe
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Uma imagem da África: racismo em Heart of Darkness de Joseph Conrad
***
1599
Chinua Achebe
1600
CAPÍTULO 51
LITERATURA AFRICANA E A CRISE NA TEORIZAÇÃO
PÓS‑ESTRUTURALISTA1
Niyi Osundare
Interrogando os interrogadores
Permitam‑me começar confessando um incômodo persistente
em relação ao “posteriorismo” associado à teorização contem‑
‑porânea em geral: pós‑estrutural, pós‑modernista, pós‑colonial;
pós‑marxista, pós‑industrial, etc. Também se fala sobre a época
“pós‑humanista”, apesar de esperarmos sinceramente que a
sociedade “pós‑humana” nunca chegue! Este prefixo aparentemente
inofensivo, “pós”, causa problemas temporais, espaciais, até mesmo
epistemológicos, funciona na maioria das vezes como um conjunto
1 O assunto deste artigo foi originalmente apresentado na série de seminários Brown Bag da
Universidade de Nova Orleans, Louisiana, EUA, em abril de 1992. Sou grato aos meus colegas lá
pelas suas valiosas observações. N.E.: Capítulo reproduzido segundo a orientação do autor e com
a permissão dos editores, Kofi Anyidoho, Abena P. A., p. 13‑28, Busia e Anne V. Adams, a partir de
artigos coletados de 1999 na Série de Coleção Anual da African Literature Association (ALA) n. 5,
com o título Beyond Survival: African Literature and the Search for New Life, p. 57‑73, publicado pela
Africa World Press, Trenton, Nova Jersey. Em 1993, uma versão anterior foi publicada, na Nigéria, pela
Spectrum Press, na série Ibadan Dialogue in Philosophy.
1601
Niyi Osundare
2 Isto reflete conversas com Biodun Jeyifo e um manuscrito seu, inédito, da década de 1990,
“Decolonizing Theory: Reconceptualising the New English Literatures”. N.E.: Veja também o Capítulo
73, de Biodun T. Jeyifo desta antologia.
1602
Literatura africana e a crise na teorização pós‑estruturalista
1603
Niyi Osundare
1605
Niyi Osundare
1606
Literatura africana e a crise na teorização pós‑estruturalista
1607
Niyi Osundare
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Literatura africana e a crise na teorização pós‑estruturalista
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Niyi Osundare
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Literatura africana e a crise na teorização pós‑estruturalista
1611
Niyi Osundare
1612
Literatura africana e a crise na teorização pós‑estruturalista
1613
Niyi Osundare
10 Todas as referências de páginas são à edição de Ross Murfin de Heart of Darkness, abreviado aqui
como HOD.
11 Adena Rosmarin em Murfin (ed) (1989, p. 155).
1614
Literatura africana e a crise na teorização pós‑estruturalista
1615
Niyi Osundare
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1617
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Niyi Osundare
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Niyi Osundare
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Literatura africana e a crise na teorização pós‑estruturalista
1623
Niyi Osundare
– Niyi Osundare
***
1624
Literatura africana e a crise na teorização pós‑estruturalista
1625
CAPÍTULO 52
POWER OF THEIR WORD: INTRODUÇÃO À PRIMEIRA
CONFERÊNCIA NACIONAL SOBRE LITERATURA ORAL EM
GANA1
Kofi Anyidoho
1 Este capítulo foi escrito originalmente em dezembro de 1990 como uma Introdução a Artigos
Selecionados dos Anais da Primeira Conferência Nacional Sobre Literatura Oral em Gana, realizada
na Universidade de Gana, de 22 a 25 de agosto de 1988. Infelizmente, os Artigos Selecionados nunca
foram publicados. A Introdução é oferecida aqui na esperança que algo da relevância da conferência
e que referências à obra dos seus principais participantes, possam ser registrados para estudantes
e estudiosos da Literatura Oral africana. N.E.: Os trechos finais foram editados em retrospectiva
refletindo o aborto da publicação.
1627
Kofi Anyidoho
1628
Power of Their Word: introdução à Primeira Conferência Nacional sobre Literatura oral em Gana
2 Esta última obra foi relançada nos Estados Unidos pela Edwin Mellen Press numa edição cara para
biblioteca com tradução de Fr. Kofi Ron Lange (1990), com o título Three Thousand Six Hundred
Ghanaian Proverbs (dos idiomas Asante e Fante).
1629
Kofi Anyidoho
3 Veja Raphael E. G. Armattoe, “A Letter to an African Poet in 5000 A.D.”, (1973, p. 5)..
4 Michael Dei‑Anang (1962, p. 7).
1630
Power of Their Word: introdução à Primeira Conferência Nacional sobre Literatura oral em Gana
1631
Kofi Anyidoho
5 N.E.: Kofi Awoonor, Kwabena Nketia e Efua Sutherland (póstumo) contribuíram, respectivamente,
com os Capítulos 58, 70 e 76 desta antologia.
1632
Power of Their Word: introdução à Primeira Conferência Nacional sobre Literatura oral em Gana
1633
Kofi Anyidoho
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Power of Their Word: introdução à Primeira Conferência Nacional sobre Literatura oral em Gana
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Kofi Anyidoho
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Power of Their Word: introdução à Primeira Conferência Nacional sobre Literatura oral em Gana
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Kofi Anyidoho
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Power of Their Word: introdução à Primeira Conferência Nacional sobre Literatura oral em Gana
1639
Kofi Anyidoho
1640
Power of Their Word: introdução à Primeira Conferência Nacional sobre Literatura oral em Gana
14 Kwadwo Opoku‑Agyemang (1996 (2004)) “Cape Coast Castle: The Edifice and the Metaphor”, um
artigo que apresenta sua coleção de poemas chamada Cape Coast Castle.
1641
Kofi Anyidoho
1642
Power of Their Word: introdução à Primeira Conferência Nacional sobre Literatura oral em Gana
1643
Kofi Anyidoho
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Power of Their Word: introdução à Primeira Conferência Nacional sobre Literatura oral em Gana
1645
Kofi Anyidoho
***
1646
CAPÍTULO 53
O QUE SÃO “ESTUDOS AFRICANOS”? ESTUDIOSOS
AFRICANOS, AFRICANISTAS E A PRODUÇÃO DO
CONHECIMENTO
Olúfêmi Táíwò
Introdução
O conhecimento, assim como a maioria dos fenômenos
do nosso mundo, é um produto. Ele está incluído nos modos de
produção maiores (materiais e sociais) onde ocorre a maior parte
da criação artificial. Sua produção reflete a da coisas materiais e
relações sociais. Da mesma forma que falamos de modos de produção
de coisas materiais e relações sociais, também podemos falar de
modos de produção de conhecimento, onde os produtos podem ser
mercadorias ou relações sociais1. A ideia de conhecimento como um
produto específico de um modo de produção não é nova. A não ser
nos primórdios da raça humana – quando o nosso entendimento
das espécies e do mundo em que vivemos era grosseiro, a divisão do
1 Discuti isto de maneira mais detalhada em Taiwo (1993), “Colonialism and Its Aftermath: The Crisis of
Knowledge Production”, Callaloo 16 (4), p. 891‑908.
1647
Olúfêmi Táíwò
1648
O que são “estudos africanos”? Estudiosos africanos, africanistas e a produção do conhecimento
2 Para detalhes de um caso desse tipo, veja Taiwo (1993) conforme citado anteriormente.
1649
Olúfêmi Táíwò
1650
O que são “estudos africanos”? Estudiosos africanos, africanistas e a produção do conhecimento
3 N.E.: Biodun Jeyifo realiza uma exposição e uma análise paralelas de interpretações contrastantes de
“africanidade” descritas através de interpretações significativamente contrastantes de uma única obra
dramática africana em casa e no exterior, no Capítulo 73.
1651
Olúfêmi Táíwò
1652
O que são “estudos africanos”? Estudiosos africanos, africanistas e a produção do conhecimento
4 Outra confirmação da tese deste capítulo, que distingue implicitamente os potenciais para qualquer
estudo da África a partir dos “estudos africanos”, pode ser encontrada nos artigos que compõem a
antologia de 1993 mencionada aqui. O título do livro deveria ter sido “Africanists and the Disciplines”.
Pois não existe praticamente nenhuma África no livro, apenas construções da África atendidas pelos
africanistas representados lá, inclusive um caso único de promoção própria obscena realizado por
Paul Collier em “Africa and the Study of Economics” (1995, p.58‑82). Como resultado disso, aqueles
que pegam o livro desejando encontrar qual foi a contribuição da África para as disciplinas ficarão
muito decepcionados. Eles não perceberão de forma alguma como o envolvimento da África com os
problemas perenes da vida enriqueceu a experiência humana e contribuiu para o discurso disciplinar.
O livro demonstra os estudos africanos par excellence.
1654
O que são “estudos africanos”? Estudiosos africanos, africanistas e a produção do conhecimento
1655
Olúfêmi Táíwò
5 Eu uso “africanista” para designar os produtores de conhecimento nos estudos africanos conforme
especificados na introdução deste capítulo. Isto quer dizer que cidadãos africanos que sejam
estudiosos também poderão cair nesta categoria de tal forma que a crítica oferecida aqui se aplique
com a mesma força a todos aqueles estudiosos africanos que – às vezes por pura imitação dos seus
orientadores do doutorado, ou como resultado de simples indolência, oportunismo ou insegurança
– produzem conhecimento respeitando fenômenos africanos colocando em prática paradigmas
africanistas definidos na América do Norte. Daí o rótulo “africanista” não ser uma falácia. Ele se refere
ao conteúdo e aos pressupostos do produto, não à identidade pessoal ou cultural do produtor.
1656
O que são “estudos africanos”? Estudiosos africanos, africanistas e a produção do conhecimento
6 N.E.: Sobre a falácia de tratar a África como sendo marginalizada economicamente, veja “The Use
of False Concepts in the Conventional Discourse on Africa: is Africa Really Marginalised?”, de Samir
Amin, reproduzida como o Apêndice ao seu Capítulo 20 desta antologia.
1657
Olúfêmi Táíwò
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O que são “estudos africanos”? Estudiosos africanos, africanistas e a produção do conhecimento
1659
Olúfêmi Táíwò
1660
O que são “estudos africanos”? Estudiosos africanos, africanistas e a produção do conhecimento
Fissuras Intercontinentais
Como eu argumentei, a produção do conhecimento nos es‑
tudos africanos é dedicada às necessidades do MOPC americano,
conforme inscrito nas tradições de estudo residentes nos Estados
Unidos. Como tal, deve‑se esperar que a maioria de praticantes
africanistas seja composta de americanos. Além disso, segundo
indicado anteriormente, temas africanistas e metodologias
dominantes às vezes são moldados pelas preocupações limitadas
dos Estados Unidos até mesmo dentro de centros africanos de
pesquisa e aprendizado. Por causa da riqueza dos Estados Unidos e
do seu papel predominante em negócios mundiais, os africanistas
não apenas dominam os Estudos africanos nos Estados Unidos,
mas eles também exercem uma influência preponderante muito
além das fronteiras americanas na determinação de critérios
de legitimidade, autoridade e excelência no estudo da África no
mundo todo. Esta situação pode causar problemas para africanistas
além das fronteiras americanas, mas até aproximadamente uma
década e meia atrás, ela não apresentava uma autorização para
contestação e controvérsia dentro dos próprios Estados Unidos.
As coisas mudaram recentemente. Na conjuntura histórica atual
alguns novos elementos foram introduzidos que estão começando
a agitar as águas plácidas dos estudos africanos. É a especificidade
da conjuntura atual que provoca interesse especial. Nós começamos
descrevendo‑a.
As duas últimas décadas do século passado testemunharam o
declínio e, em alguns casos, o colapso total, do sistema universitário
e do ensino superior em vários países africanos. Conforme se
1661
Olúfêmi Táíwò
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O que são “estudos africanos”? Estudiosos africanos, africanistas e a produção do conhecimento
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Olúfêmi Táíwò
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Olúfêmi Táíwò
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1667
Olúfêmi Táíwò
9 The Chronicle of Higher Education, 3 de março de 1995. Este artigo e as reações a ele agora foram
reproduzidos em “The Ghettoization Debate: Africa, Africans and African Studies”, Bulletin of
Association of Concerned Africa Scholars 46 Inverno (1996).
1668
O que são “estudos africanos”? Estudiosos africanos, africanistas e a produção do conhecimento
1669
Olúfêmi Táíwò
1670
O que são “estudos africanos”? Estudiosos africanos, africanistas e a produção do conhecimento
10 Eu tenho certeza que os estudiosos africanos também realizam suas próprias variações sobre este
1671
Olúfêmi Táíwò
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O que são “estudos africanos”? Estudiosos africanos, africanistas e a produção do conhecimento
1673
Olúfêmi Táíwò
teóricas sobre o tema. Pois, afinal de contas, a África não está cheia
de tribos e seus chefes e comandantes militares? E primeiro você
tem que excluir unidades nacionais ou estaduais destas tribos antes
que você possa inseri‑los no discurso teórico do nacionalismo,
federalismo e assim por diante. Então você provavelmente passará
pela África. Nesse ponto, ao construir ou representar o assunto de
maneira equivocada – independentemente do motivo pelo qual
essas representações equivocadas persistam – o cientista político
africanista tornou seu trabalho desinteressante e irrelevante para
a comunidade disciplinar maior. Considere o inverso: se você
estiver procurando o esquisito, o estranho, o incomum, o singular,
o natural, para inserir na sua lista de referência – eu vejo essas
solicitações com bastante frequência na Internet – é provável que
você espere que seu pedido seja concedido por um africanista ou
equivalente. A consequência é que a comunidade acadêmica é mal‑
‑atendida exatamente por aqueles que, compreensivelmente, ela
respeita para fornecer orientação e direção.
Além disso, existe muito pouco, se algum respeito e, às vezes,
uma total falta de reconhecimento da capacidade de pensadores
africanos por uma teorização relevante e sofisticada que promete
resolver problemas que ocorram em outras partes do mundo.
Quando os africanistas são questionados sobre estas omissões
nos Estados Unidos e no Canadá, uma resposta padrão é a
blasfêmia “os africanos não estão preparados para a teoria”11; ou
outra variação: o desprezo de pensadores africanos como sendo
“simplistas e tendenciosos”12. Os nomes a seguir certamente não
desfrutam de nenhuma aceitação entre os africanistas: Kwame
Nkrumah, Gamal Abd el Nasser, Mohammed Ben Barka, Obafemi
11 Esta foi a reação de um africanista canadense de destaque quando foi questionado por um estudante
de pós‑graduação africano que estava curioso em saber o motivo pelo qual os teóricos não estavam
na lista de leitura para o seminário de pós‑graduação que ele estava fazendo com o africanista.
12 Uma citação direta de outro africanista canadense de destaque. Aliás, dois dos autores dispensados
dessa forma são Frantz Fanon e Julius Nyerere!
1674
O que são “estudos africanos”? Estudiosos africanos, africanistas e a produção do conhecimento
1675
Olúfêmi Táíwò
***
1676
O que são “estudos africanos”? Estudiosos africanos, africanistas e a produção do conhecimento
1677
CAPÍTULO 54
A VOZ AFRICANA EM ESTUDOS AFRICANOS HOJE1
Emmanuel Akyeampong
1 N.E.: Apresentado como Palestra de Abertura para a Conferência sobre “Ouvir (Novamente) o
Passado Africano” no Smith College, Massachusetts, EUA, em 24 de outubro de 2003. Ela aparece
aqui na íntegra, apenas um pouco editada.
1679
Emmanuel Akyeampong
1680
A voz africana em estudos africanos hoje
1681
Emmanuel Akyeampong
2 N.E.: Tomado emprestado aqui do rótulo padrão “Ivy League” para as universidades mais antigas
e mais bem dotadas dos Estados Unidos (cujos muros externos são completamente cobertos
por heras, uma vinha que cresce lentamente, o que indica um espaço bem cuidado, a assinatura
arquitetônica clássica de prestígio acadêmico rico, em climas temperados).
1682
A voz africana em estudos africanos hoje
1683
Emmanuel Akyeampong
3 Gavin Kitching (2000). Veja também a matéria de capa de Danny Postel (2003) em The Chronicle of
Higher Education, 28 de março.
4 N.E.: Ndaywel E Nziem (1986). Olufemi Taiwo discute profundamente estes e outros contrastes entre
estudiosos africanistas e africanos no Capítulo 53.
5 N.E.: Veja também as famosas reflexes de Niyi Osundare sobre este tema, reproduzidas aqui como o
Capítulo 51.
1684
A voz africana em estudos africanos hoje
6 N.E.: Veja o Capítulo 36, de Andrew Maniotis e Charles Geshekter, o Capítulo 37, de Elizabeth Ely e o
Capítulo 56, de Eileen Stillwaggon, para diversas críticas do discurso ortodoxo sobre o HIV/AIDS na
África.
7 N.E.: Veja também Olufemi Taiwo, Capítulo 53.
8 Veja Michael Twaddle (1986), que resumiu as descobertas de um colóquio sobre “The State of
1685
Emmanuel Akyeampong
1686
A voz africana em estudos africanos hoje
para periódicos locais, uma vez que eles não conseguem vestir sua
obra com teoria ou discurso que estejam na moda. A conversa nos
estudos africanos tornou‑se cada vez mais um caminho com poucas
respostas do continente africano. A voz africana está se tornando
gradualmente diaspórica, com estudiosos africanos residentes na
Europa ou na América do Norte sendo seus representantes vocais.
A quantidade de estudantes nativos nas várias aulas de idiomas
africanos ou em tutoriais lecionados em Harvard, neste ano,
enfatiza a presença africana cada vez maior nos Estados Unidos,
desde o começo da década de 1980. Eleitores afro‑americanos
permanecem importantes onde houver questões africanas, muito
interessados no bom governo e na política da África e considerados
por governos africanos como possíveis investidores em economias
africanas. Um bom exemplo do interesse afro‑americano é o
African Presidential Archives and Research Center, na Universidade
de Boston, administrado pelo Embaixador Charles Stith, ex‑
‑embaixador dos Estados Unidos na Tanzânia. As políticas de
Dupla Cidadania e do Banco de Habilidades de Gana representam
programas para incorporar africanos da diáspora em esforços de
desenvolvimento de Gana.
Mas será que estudiosos africanos na diáspora representam
a voz africana? Um painel especial foi realizado na última ASA,
em Washington, D.C., para discutir a obra de Oyeronke Oyewumi,
The Invention of Women11. Fortes críticas de um membro após o
outro me fizeram comprar o livro. Por não falar Iorubá, não posso
consubstanciar sua evidência e seus argumentos linguísticos em
relação à inexistência de “gênero” como categoria analítica na terra
Iorubá pré‑colonial ou anterior ao século XIX. Mas seu prefácio
e sua introdução chamavam a atenção para questões de grande
preocupação para vários estudiosos africanos. Estas desapareceram
na crítica à sua obra no painel da ASA. Minha leitura subsequente
11 Oyeronke Oyewumi (1997).
1687
Emmanuel Akyeampong
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A voz africana em estudos africanos hoje
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Emmanuel Akyeampong
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A voz africana em estudos africanos hoje
16 Veja, por exemplo, Luise White, Stephan F. Miescher, e David Cohen (eds) (2001) e Andreas Eckert e
Adam Jones (2002).
1691
Emmanuel Akyeampong
17 N.E.: Sobre a relevância de estudar formalmente os idiomas nativos da África veja também o Capítulo
84, de Akosua L. Anyidoho, e o Capítulo 85, de Ngũgĩ wa Thiong’o.
1692
A voz africana em estudos africanos hoje
1693
Emmanuel Akyeampong
***
19 N.E.: O ano de 2003 marcou o lançamento do programa de Estudiosos Africanos de Cinco Faculdades,
envolvendo um consórcio de faculdades de Massachusetts: Mount Holyoke, Smith, Amherst,
Hampshire e a Universidade de Massachusetts, em Amherst.
1694
A voz africana em estudos africanos hoje
1695
CAPÍTULO 55
A ÁFRICA NA SOCIOLOGIA AMERICANA:
INVISIBILIDADE, OPORTUNIDADE E OBRIGAÇÃO1
F. Nii‑Amoo Dodoo
Nicola Beisel2
1 Este capítulo é uma versão editada do artigo com o mesmo título publicado em Social Forces, Vol. 84,
N. 1, p. 595‑600.
2 Os autores reconhecem e são gratos pelos comentários úteis de Jonathan Glassman, John Hagan e
Sarah Ladipo Manyika e Kiet Bang pelo seu auxílio com buscas em bibliotecas.
1697
Nii‑Amoo Dodoo e Nicola Beisel
1698
A África na sociologia americana: invisibilidade, oportunidade e obrigação
5 N.E.: Max Assimeng amplia o escopo da sociologia para incluir os textos não discursivos de líderes de
opinião de Gana e ativistas anticoloniais no final do século XIX e começo do século XX que estavam
definindo questões sociais, analisando e transformando problemáticas da sua própria sociedade, no
Capítulo 7 desta antologia.
6 N.E.: Os fatores motivadores que impulsionam a produção de conhecimento sobre a África são
abordados de maneira mais geral e mais histórica por Frederick Cooper e Randall Packard nos
Capítulos 21 e 22 e por Mamadou Diouf no Capítulo 29 desta antologia. E no Capítulo 53, Olufemi
Taiwo explora os contrastes de foco entre estudos da África baseados na América do Norte vs. teoria
e pesquisa sobre a África geradas de dentro da África para fora.
1699
Nii‑Amoo Dodoo e Nicola Beisel
1700
A África na sociologia americana: invisibilidade, oportunidade e obrigação
1701
Nii‑Amoo Dodoo e Nicola Beisel
12 N.E.: Mahmood Mamdani associa o contexto histórico da crise de Ruanda da década de 1990 às suas
origens no colonialismo belga, no Capítulo 10 desta antologia.
13 N.E.: Para uma elaboração maior deste papel para um futuro renascimento do estudo das
humanidades africanas, veja também o Capítulo 2, de Toyin Falola nesta antologia.
1702
A África na sociologia americana: invisibilidade, oportunidade e obrigação
1703
Nii‑Amoo Dodoo e Nicola Beisel
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A África na sociologia americana: invisibilidade, oportunidade e obrigação
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Nii‑Amoo Dodoo e Nicola Beisel
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A África na sociologia americana: invisibilidade, oportunidade e obrigação
18 No Capítulo 20 e no seu Apêndice, Samir Amin aponta o subdesenvolvimento da África como sendo
central, não periférico, para a ordem econômica global. Claude Ake estuda a ciência social como
sendo uma das instituições do neoimperialismo no Capítulo 1 desta antologia.
19 Pode‑se argumentar que países como a Nigéria, independentemente da sua evasão de cérebros, ainda
têm uma quantidade suficiente de médicos, enfermeiras, cientistas, engenheiros e outros profissionais
para ter provocado um desenvolvimento muito maior do que eles alcançaram.
20 N.E.: Peter Ekeh analisou isto na sua influente teoria dos “dois públicos” de sociedades pós‑coloniais
no Capítulo 11 e Kwame A Ninsin detalha o investimento político histórico na manutenção da
economia “informal” disfuncional de Gana no Capítulo 14 do Volume I desta antologia.
1707
Nii‑Amoo Dodoo e Nicola Beisel
***
1708
A África na sociologia americana: invisibilidade, oportunidade e obrigação
1709
CAPÍTULO 56
METÁFORAS RACIAIS: OS ANTECEDENTES
DE ESTRATÉGIAS DE MODIFICAÇÃO DO
COMPORTAMENTO PARA COMBATER A AIDS NA
ÁFRICA1
Eileen Stillwaggon
1711
Eileen Stillwaggon
1712
Metáforas raciais: os antecedentes de estratégias de modificação do comportamento para combater a AIDS na África
1713
Eileen Stillwaggon
Epidemiologia e HIV/AIDS
Nos Estados Unidos e na Europa, o HIV se espalhou
rapidamente na década de 1980 entre homens que transam
com homens, usuários de drogas que compartilham agulhas e
hemofílicos. Considerando‑se os níveis epidêmicos de outras
doenças sexualmente transmitidas (DSTs) na população hete‑
rossexual, foi previsto que o HIV também se espalharia pelas
populações heterossexuais que não usassem drogas. A prevalência
nacional do HIV, no entanto, não é maior do que 1% da população
adulta em países industrializados. Entre pessoas que, fora isso,
são saudáveis, o HIV tem taxas de transmissão muito baixas no
contato heterossexual e uma epidemia heterossexual ainda não
se desenvolveu, apesar de agora o HIV estar aumentando entre
mulheres pobres. Entre pessoas que, fora isso, são saudáveis e bem
nutridas em países industrializados, a transmissão heterossexual
do HIV é relativamente rara – cerca de uma vez a cada 1000
contatos entre uma mulher infectada pelo HIV e um homem HIV‑
‑negativo e cerca de uma vez a cada 300 contatos entre um homem
infectado pelo HIV e uma mulher HIV‑negativa (Banco Mundial,
1997, p. 59).
A África, a Ásia e a América Latina têm epidemias hete‑
‑rossexuais de AIDS muito graves: 70% das pessoas do mundo
todo infectadas pelo HIV vivem na África subsaariana e estima‑
‑‑se que 90% da transmissão do HIV naquela região resulte de
contato heterossexual ou da mãe para o bebê. Para formular uma
política de prevenção para países pobres, nós precisamos entender
as forças que fomentam a transmissão heterossexual do HIV na
África subsaariana, assim como em populações semelhantemente
pobres da Ásia e das Américas.
A epidemiologia de vanguarda já reconheceu há muito tempo
o papel de fatores anfitriões, inclusive a pobreza, na promoção
1714
Metáforas raciais: os antecedentes de estratégias de modificação do comportamento para combater a AIDS na África
1715
Eileen Stillwaggon
1716
Metáforas raciais: os antecedentes de estratégias de modificação do comportamento para combater a AIDS na África
6 De acordo com os autores, boa parte do apoio financeiro para o artigo deles de 1987 veio do Conselho
Populacional. “Este artigo deriva mais da própria experiência de pesquisa dos autores, especialmente
em projetos de pesquisa realizados em Gana em 1962‑1964, na Nigéria em 1969, no Quênia em 1969‑
‑70, na Nigéria em 1971‑72, e no trabalho de campo do Changing African Family Project realizado na
Nigéria durante 1973 e em outras partes da África em anos subsequentes (todos financiados pelo
Conselho Populacional), e no Nigerian Family Study de 1974‑75 e 1977 (financiado pelo Conselho
Populacional e pela Universidade Nacional Australiana)” (Caldwell e Caldwell 1987, p. 434, Notas).
Entre 1968 e o ano 2000, 35 artigos escritos por um dos Caldwell ou por ambos foram publicados em
periódicos produzidos pelo Conselho Populacional, sendo 20 deles no Population and Development
Review e 15 no Studies in Family Planning.
7 Os artigos de 1987 e 1989 baseiam‑se no relatório deles de 1985 para o Banco Mundial (Caldwell e
Caldwell 1985). O artigo de 1987 afirma: “Toda a variedade de provas que sustenta o argumento mais
teórico desenvolvido neste artigo está apresentada num relatório que os autores preparam para o
Banco Mundial (1987, p. 434, Notas), um alerta repetido em duas notas de fim. O relatório de 1985,
no entanto, contém basicamente o mesmo material.
8 “Essa pesquisa social [para conter a AIDS] provavelmente revelará uma sociedade coerente – na
verdade, uma civilização alternativa – com funcionamento muito diferente, inclusive seus padrões de
comportamento sexual, do que pessoas de fora que receitam curas e até mesmo oferecendo simpatia
e apoio costumam perceber” (Caldwell et al., 1989, p. 185).
1717
Eileen Stillwaggon
9 A metáfora deriva de Homo hierarchichus (Dumont 1966/1980), de Louis Dumont, para caracterizar o
patriarcado eurasiano. Essa abordagem foi criticada por Montagu (1952, p. 7n), citando Weidenreich:
“elevar as diferenças entre grupos raciais à classificação de diferenças específicas ao dar a esses grupos
nomes específicos não passa de uma tentativa de exagerar as dessemelhanças pela aplicação de
um truque taxonômico” (Weidenreich, 1946, p. 2). Apesar de talvez de maneira não intencional, a
metáfora de Caldwell as distingue não apenas da visão bíblica e cristã, em que todas as pessoas
são reconhecidas como sendo filhos de Adão, ou seja, de uma criação (Stepan, 1982, p. 1), mas
também da taxonomia de Lineu, em que todas as raças são subconjuntos da única espécie, Homo
Sapiens. Lineu efetivamente achava que as diferenças entre pessoas mereciam alguma codificação e
observou que o Homo sapiens europaeus é sagaz, inventivo e governado por costumes, enquanto o
Homo sapiens afer é negligente e governado por capricho (Linne, 1758, p. 21‑2, minha tradução). A
construção de Caldwell faz a quebra específica no Homo. Biólogos modernos distinguem o Homo
habilis e o Homo neanderthalensis do Homo sapiens e dos humanos modernos, os Homo sapiens
sapiens.
1718
Metáforas raciais: os antecedentes de estratégias de modificação do comportamento para combater a AIDS na África
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Metáforas raciais: os antecedentes de estratégias de modificação do comportamento para combater a AIDS na África
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Eileen Stillwaggon
1722
Metáforas raciais: os antecedentes de estratégias de modificação do comportamento para combater a AIDS na África
13 “[...] As coisas mais incompatíveis parecem ser capazes de viverem juntas em harmonia e paz no
rio lodoso e turvo dos seus pensamentos. . . Suas concepções de causa e efeito são confusas, sem
esperanças e [...] sua religião é uma massa confusa de culto aos antepassados juntamente com o
pavor da magia” (Kidd, 1904, p. 277).
14 Eles usam repetidamente a referência ao patriarcado da Eurásia como sendo um ataque preventivo à
crítica (1989, p. 185, 186, 193, 194). Num artigo de 1991, Caldwell et al. (1991) responderam à crítica
ponderada da obra deles por Le Blanc et al. (1991) ao construir de maneira equivocada o que os
críticos dizem e ao afirmar que quaisquer críticas estejam sob o domínio do patriarcado da Eurásia
(Caldwell et al., 1991, p. 507).
1723
Eileen Stillwaggon
1724
Metáforas raciais: os antecedentes de estratégias de modificação do comportamento para combater a AIDS na África
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Eileen Stillwaggon
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Metáforas raciais: os antecedentes de estratégias de modificação do comportamento para combater a AIDS na África
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Metáforas raciais: os antecedentes de estratégias de modificação do comportamento para combater a AIDS na África
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Metáforas raciais: os antecedentes de estratégias de modificação do comportamento para combater a AIDS na África
1737
Eileen Stillwaggon
19 O relatório de 1985 para o Banco Mundial fornece “a variedade completa de provas” (Caldwell
e Caldwell, 1987, p. 434, notas) para o artigo de 1987 que, por sua vez, eles citam como sendo a
base da obra de 1989 (Caldwell et al, 1989, p. 185). As obras citadas no relatório de 1985 incluem
aproximadamente 25 de 1920 a 1960, 17 da década de 1960, 30 da década de 1970, além de mais 25
a partir de uma coletânea de obras anteriores realizada em 1973, 30 da década de 1980 e 42 citações
das suas próprias obras. Em 1985, quando os Caldwell citaram relatórios de campo do começo da
década de 1970, eles eram praticamente contemporâneos. Autores que citam os Caldwell no final da
década de 1990 ou agora estão usando dados com pelo menos 30 anos de idade.
1738
Metáforas raciais: os antecedentes de estratégias de modificação do comportamento para combater a AIDS na África
20 A América Latina pode, no entanto, começar a se assemelhar ao caso tailandês. Intervenções feitas
pelo governo da Tailândia resultaram numa mudança no turismo sexual, em particular o infantil, para
a América Latina. O uso de drogas também é mais comum em alguns países latinos do que na África
e fornece outra fonte de risco para a região. (Stillwaggon, 2000).
1739
Eileen Stillwaggon
1740
Metáforas raciais: os antecedentes de estratégias de modificação do comportamento para combater a AIDS na África
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Eileen Stillwaggon
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Metáforas raciais: os antecedentes de estratégias de modificação do comportamento para combater a AIDS na África
1744
Metáforas raciais: os antecedentes de estratégias de modificação do comportamento para combater a AIDS na África
Conclusão
Este capítulo deu alguns exemplos de metáforas raciais
e outra linguagem evocativa que moldou o discurso da AIDS na
África desde seu início e estabeleceu um paradigma de modificação
comportamental como sendo a base da política de AIDS. A ciência
racial desacreditada cultivou sua cabeça feia na forma de uma
metáfora com poderes generativos formidáveis, trazida consigo
por visões raciais ocidentais profundamente arraigadas que
supõem comportamentos sexuais excepcionais pelos africanos.
Uma explicação estreitamente comportamental para diferenças
na prevalência de taxas de HIV domina a literatura sobre AIDS,
às vezes explicitamente, mas com mais frequência implicitamente,
ao não considerar outros fatores geralmente incluídas em estudos
epidemiológicos.
A aceitação do paradigma comportamental é facilitada pelo
fato de que a pesquisa ocidental sobre a África, especialmente no
que diz respeito à sexualidade e a outros aspectos da vida cultural
e social, não é exigido para se adequar a padrões convencionais
para evidência no trabalho acadêmico. Parece que afirmações que
1745
Eileen Stillwaggon
***
1746
Metáforas raciais: os antecedentes de estratégias de modificação do comportamento para combater a AIDS na África
1747
CAPÍTULO 57
ALTERIDADE NO DISCURSO DA FILOSOFIA
AFRICANA: UMA AUSÊNCIA ESQUECIDA1
T. Carlos Jacques
1 A versão original deste capítulo foi proferida na Conferência “Constructions of the Other in Inter‑
‑African Relations” realizada entre 4 e 6 de dezembro de 2006 em Marrakech, Marrocos, organizada
pelo Institut des Etudes Africaines, Université Mohamed V, em Rabat.
2 John S. Mbiti (1989, p. 106).
1749
T. Carlos Jacques
3 O termo “alteridade” será usado neste artigo no sentido de que a identidade de alguma coisa
depende do que é diferente dela. Espero que as implicações desta ideia para discussões de identidade
africana sejam esclarecidas no artigo.
1750
Alteridade no discurso da filosofia africana: uma ausência esquecida
4 Nenhum exemplo dessa literatura europeia, na esfera da filosofia, pode superar a descrição que Hegel
fez da África. Veja G. W. F. Hegel (1956 [1802], p. 91‑99).
5 Estes são indivíduos que Wiredu descreveu de maneira adequada como sendo os “reis‑filósofos da
África”. Veja Kwasi Wiredu (1996, p. 145).
6 Joseph Ki‑Zerbo (1975, p. 64); S.M. Molema (1975, p. 36); Kwame Nkrumah (1964, p. 69); Julius Nyerere
(1996, p. 296‑300).
7 Joseph Ki‑Zerbo (1975, p. 61‑2); Julius Nyerere (1996).
8 Jomo Kenyatta (1975, p. 32).
1751
T. Carlos Jacques
9 Jomo Kenyatta (1975, p. 26); Joseph Ki‑Zerbo (1975, p. 61‑2); Sekou Toure (1975, p. 495).
10 Julius Nyerere (1975, p. 297).
11 Leopold Sedar Senghor (1964, p. 279).
12 Jomo Kenyatta (1975, p. 31).
13 Jomo Kenyatta (1975, p. 31).
14 Jomo Kenyatta (1975, p. 32).
15 Jomo Kenyatta (1975, p. 21).
16 Jomo Kenyatta (1975, p. 21).
17 Jomo Kenyatta (1975, p. 19); Julius Nyerere (1975, p. 478).
1752
Alteridade no discurso da filosofia africana: uma ausência esquecida
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T. Carlos Jacques
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Alteridade no discurso da filosofia africana: uma ausência esquecida
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Alteridade no discurso da filosofia africana: uma ausência esquecida
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Alteridade no discurso da filosofia africana: uma ausência esquecida
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T. Carlos Jacques
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Alteridade no discurso da filosofia africana: uma ausência esquecida
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T. Carlos Jacques
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Alteridade no discurso da filosofia africana: uma ausência esquecida
1763
T. Carlos Jacques
Mas será que a ingenuidade dos nacionalistas também não pode ser
encontrada no estado apartidário de Wiredu? Alguns historiadores
da política africana tradicional observaram a natureza autoritária
de vários regimes políticos africanos tradicionais. E pelo menos um
escritor já sugeriu que formas de governo Akan eram totalitárias74.
Mas novamente, a questão histórica deve ser deixada de lado. O
que eu realmente quero sugerir, no entanto, é que a ingenuidade
nesta disputa deve ser encontrada nas posições dos dois partidos e
que ela está num nível mais profundo do que os argumentos sobre
quantos partidos políticos devem ter permissão para concorrer ao
poder.
Um tema recorrente em toda esta literatura é a ideia de
que a unidade seja distintivamente africana, enquanto a divisão
seja estrangeira, algo trazido com o colonialismo e que destrói a
tradição africana. Se escritores nacionalistas pudessem afirmar
que “a ideia de uma oposição institucional é estrangeira à tradição
africana”75 e que é a tarefa de uma “democracia nacional” superar
“os antagonismos pequenos e irracionais, que dividem toda
sociedade”76, escritores contemporâneos como Wiredu conseguem
descartar a democracia multipartidária alegando que ela é divisiva77,
historicamente estrangeira, um “epifenômeno do colonialismo”78,
ou de maneira mais forçosa, como no caso do escritor ganense
Kwame Gyekye, que se a política autoritária e tomadas de poder
ilegítimas forem a ordem do dia na África, “dificilmente pode‑
‑se dizer que elas derivem de tradições africanas”79. Ainda assim,
quando as origens do bem e do mal são identificadas de maneira
tão clara com povos e culturas específicos, pode‑se perdoar a
1764
Alteridade no discurso da filosofia africana: uma ausência esquecida
1765
T. Carlos Jacques
Uma leitura mais atenta da sua obra, no entanto, torna as coisas menos claras. O meio para o consenso
é a persuasão racional, de acordo com Wiredu. Mas indivíduos entram num diálogo racional porque
existe uma disposição compartilhada para o consenso, uma disposição compartilhada que só se pode
entender se houver uma crença compartilhada na ideia de que existe um bem humano comum
e que vale a pena todo mundo procurá‑lo. O consenso, como objetivo de negociação política, é
uma ideia forte demais para ser sustentada apenas pela crença no valor de acordo sobre questões
práticas. O acordo intrínseco ao conceito de Wiredu de consenso exige, portanto, um acordo muito
maior sobre questões morais e cognitivas. E isto fica evidente, e necessariamente, na identificação
que Wiredu faz da África como sendo mais ou menos culturalmente homogênea e na sua afirmação
de que os africanos compartilham interesses comuns. Ele não dá argumentos para nenhuma dessas
afirmações. Então quais razões nós temos para aceitá‑las? (Para uma crítica semelhante de Wiredu,
veja Emmanuel Chukwudi Eze (1997). Novamente, a questão aponta na direção do mito.
84 Claude Levi Strauss (1987, p. 172‑3, 184‑5, 190‑1).
85 Claude Levi‑Strauss (1987, p. 145; 1978, p. 40‑1).
86 Kwasi Wiredu (1996, p. 178, 180‑1).
87 Este apelo é muito mais importante para o argumento dele do que qualquer evidência histórica
possível que ele cite em seu favor. E ele cita muito pouca evidência desse tipo.
1766
Alteridade no discurso da filosofia africana: uma ausência esquecida
1767
T. Carlos Jacques
1768
Alteridade no discurso da filosofia africana: uma ausência esquecida
97 Aqui eu estou seguindo a exposição de Todd May (1997, p. 28) da obra de Nancy.
98 Jean‑Luc Nancy (2004, p. 15‑6).
99 Jean‑Luc Nancy (2004, p. 35‑6).
100 A obra de Hanna Arendt (1973) e Giorgio Agamben (1997) sobre o totalitarismo é especialmente
esclarecedora nesse sentido.
1769
T. Carlos Jacques
1770
Alteridade no discurso da filosofia africana: uma ausência esquecida
***
1771
APÊNDICE AO CAPÍTULO 57
JACQUES SOBRE WIREDU
Helen Lauer
1773
Helen Lauer
Fontes
Nas notas de rodapé abundantes de Jacques (103), ele conta
com dois textos de Wiredu:
I. O terço final do seu livro Cultural Universals and Particulars:
An African Perspective (1996, p.145‑190).
II. Um artigo influente chamado “Society and Democracy in
Africa”, conforme reproduzido numa antologia editada
por Teodros Kiros (2001)3.
As ideias de Wiredu sobre a política apartidária na África
são descritas de maneira mais ampla em dois artigos menos
divulgados, mas muito eficazes, que evidentemente não estavam
3 Este artigo foi reproduzido por T. Kiros em 2001 a partir de um artigo de 1999 com o mesmo título
no periódico New Political Science vol. 21 n. 1:33‑44. Esta é a versão reproduzida, nesta antologia,
como o Capítulo 60. O artigo foi chamado inicialmente de “The State, Civil Society and Democracy
in Africa” e foi lido pela primeira vez num colóquio internacional e interdisciplinar na Universidade de
Abidjan‑Cocody, Costa do Marfim, de 13 a 18 de julho de 1998. Primeiro ele foi publicado com este
título numa edição especial dos procedimentos do colóquio em Quest. An International Journal of
Philosophy como vol. XII no. 1, junho de 1998, p.241‑252. Então neste apêndice às vezes ele é citado
como (1998/1999/2001). As referências de página serão dadas tanto à publicação de 1998 quanto à
de 1999.
1774
Jacques sobre Wiredu
1775
Helen Lauer
Realismo histórico
Em todos os seus textos, Wiredu não retrata nada como
uma sociedade Akan antiga harmoniosa e ele também não
parece exagerar líderes tradicionais como sendo uniformemente
superiores (2001a: 163) àqueles conhecidos nos tempos modernos,
1776
Jacques sobre Wiredu
Considerações pragmáticas
Wiredu analisa a lógica, a estrutura e a tática da política
multipartidária como sendo divisiva e inerentemente auto‑
‑derrotista no longo prazo. Ele ilustra considerações muito
práticas de como a campanha eleitoral no contexto moderno
1777
Helen Lauer
6 Uma excelente exposição das estruturas que protegem o discurso livre na sociedade Akan tradicional
e o impacto destas dinâmicas sobre a vida pública contemporânea, aparece no Capítulo 61, de Kwesi
Yankah.
1778
Jacques sobre Wiredu
1779
Helen Lauer
Conclusão
Estas observações pretendem esclarecer que a interpretação
precisa é fundamental para qualquer crítica acadêmica confiável.
Para explorar e confrontar um ponto de vista produtivamente,
é necessário se definir aqui se as críticas que o artigo faz são
totalmente pertinentes. É claro que nada neste apêndice estabelece
se Wiredu está certo ou errado sobre a política multipartidária.
Também não se definiu aqui se as críticas que o artigo faz são
totalmente pertinentes. Foram levantadas questões que exigem
maior exploração e debate. Esta é a natureza e o processo do estudo
das humanidades.
A razão deste apêndice é mostrar até que ponto é crítico
formar uma versão precisa do argumento e da posição de um autor
antes de avaliá‑lo ou atacá‑lo. Se a pessoa não conseguir estabelecer
muito bem suas visões, uma crítica que, caso contrário, seria
grande pode desviar a atenção do leitor e perder toda sua força
por estar voltada para o alvo errado8. Por esta razão é fundamental
acessar todos os materiais publicados relevantes de um pensador
antes de finalizar seu julgamento sobre suas visões. Muitas vezes,
publicações fundamentais são difíceis de resgatar, em cujo caso
se o sujeito estiver vivo vale a pena tentar solicitar materiais
inacessíveis para ele diretamente “online”. Não se pode pressupor,
mas espera‑se que você tente permitir que se o autor quiser ajudá‑
‑lo, ele esclareça e até mesmo forneça materiais que talvez você não
conheça. A tecnologia da Internet mudou os critérios pelos quais
se avalia o discurso crítico.
8 A partir das considerações brevemente esboçadas apresentadas aqui, pode‑se argumentar que
Jacques tenha transformado em adversário alguém cuja obra, se lida de maneira mais abrangente,
parece estender o projeto digno de elogios do próprio Jacques de expor abusos passados e presentes
de retórica nacionalista e democrática africanas. Infelizmente, devido a limitações de tempo, o Dr.
Jacques não teve sua devida oportunidade de responder antes que este volume precise ser impresso.
O autor pede perdão e indulgência, com a intenção de esclarecer um ponto puramente pedagógico.
1780
SEÇÃO VII
DEBATENDO DEMOCRACIA,
COMUNIDADE E DIREITO
CAPÍTULO 58
DEMOCRACIA E A DEMOCRACIA DELES:
NOSSA PARTE DO DISCURSO
Kofi Awoonor
1783
Kofi Awoonor
1784
Democracia e a democracia deles:nossa parte do discurso
1785
Kofi Awoonor
1786
Democracia e a democracia deles:nossa parte do discurso
1787
Kofi Awoonor
1788
Democracia e a democracia deles:nossa parte do discurso
1789
Kofi Awoonor
1790
Democracia e a democracia deles:nossa parte do discurso
1791
Kofi Awoonor
3 N.E.: O Capítulo 63, de Kwame A. Ninsin, reflete as dificuldades de Gana neste sentido. Veja também
a discussão de Samir Amin no Capítulo 20.
1792
Hamas, disputando sua legitimidade para ser um sócio crível no
chamado Mapa Rodoviário que supostamente ainda estava sendo
implementado pela administração neofascista de Ariel Sharon.
1794
Democracia e a democracia deles:nossa parte do discurso
1796
Democracia e a democracia deles:nossa parte do discurso
***
1797
Kofi Awoonor
1798
CAPÍTULO 59
SALVANDO O SURREAL PROCESSO
DEMOCRÁTICO DE GANA
Assibi O. Abudu
1799
Assibi O. Abudu
1800
Salvando o surreal processodemocrático de Gana
1801
Assibi O. Abudu
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Assibi O. Abudu
1804
Salvando o surreal processodemocrático de Gana
1805
Assibi O. Abudu
1807
Assibi O. Abudu
3 N.E.: No que diz respeito à democracia consensual nativa da cultura Akan explicitamente comparada
com democracias eleitorais multipartidárias estrangeiras, veja o Capítulo 60, de Kwasi Wiredu.
O Capítulo 61, de Kwesi Yanka, e o Capítulo 62, de S. K. B. Asante, fornecem uma retrospectiva
adicional e uma visão contemporânea de prioridades democráticas sociais do governo tradicional,
a seguir neste volume. O Capítulo 42, de Addo‑Fening, apresenta os detalhes históricos em torno
do começo da corrupção na instituição. Para uma visão crítica da franquia tradicional no estado
moderno de Gana, veja o Capítulo 63, de Kwame Ninsin.
4 N.E.: Discussão deste potencial é o foco do Capítulo 63, de Kwame Ninsin neste volume. Veja também
o Capítulo 10, de Mahmood Mamdani, para uma análise histórica da contribuição europeia para
episódios pós‑coloniais específicos dos conflitos étnicos mais devastadores da África.
1808
Salvando o surreal processodemocrático de Gana
1809
Assibi O. Abudu
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Salvando o surreal processodemocrático de Gana
1811
Assibi O. Abudu
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Salvando o surreal processodemocrático de Gana
1813
Assibi O. Abudu
1814
Salvando o surreal processodemocrático de Gana
1815
Assibi O. Abudu
Recomendações finais
Independentemente de como ela possa ser definida, qualquer
democracia será sustentável se a maioria da população realmente
sentir que suas instituições de governo – os poderes executivo,
legislativo e judiciário – são genuinamente fáceis de entender,
transparentes, honestos e responsáveis. A democracia nativa
de Gana pré‑colonial passou nestes testes11. No entanto, ao usá‑
‑la para o domínio e a exploração coloniais, o governo britânico
e os governos pós‑independência subsequentes corromperam
algumas das suas virtudes. Entretanto, o sistema não perdeu seus
elementos consensuais básicos.
Há menos de sessenta anos, os britânicos iniciaram
apressadamente uma democracia superficial em Gana. Desde sua
independência em 1957, Gana tem experimentado diversas formas
de governo. Entretanto, para cultivar sua própria democracia, a
nação deve levar em conta os princípios a seguir. A democracia,
tanto quanto qualquer outro sistema de governo, é mais uma viagem
do que um destino. A única maneira de reforçar que a maioria dos
viajantes sustentem o esforço é através de melhorias sistemáticas
nos seus padrões de vida que o cidadão médio realmente pode
sentir. Caso contrário, Gana estará fomentando sua própria versão
de explosões socioeconômicas que recentemente chocaram vários
países africanos ao longo das duas últimas décadas.
A Constituição de Gana precisa ser emendada, para criar uma
separação clara de poder entre os três respectivos ramos do governo.
Por exemplo, isto está atualmente ausente quando alguns membros
1816
Salvando o surreal processodemocrático de Gana
1817
Assibi O. Abudu
1818
Salvando o surreal processodemocrático de Gana
***
1819
Assibi O. Abudu
1820
CAPÍTULO 60
ESTADO, SOCIEDADE CIVIL E DEMOCRACIA NA
ÁFRICA1
Kwasi Wiredu
1821
Kwasi Wiredu
1822
Estado, sociedade civil e democracia na África
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Estado, sociedade civil e democracia na África
1825
Kwasi Wiredu
o que deve ser feito. Pessoas que discordam sobre os dois primeiros
tipos de questões ainda podem concordar com o que deve ser feito
por virtude de um acordo. Não existe acordo em relação ao que é ou
deveria ser. Mas pessoas razoáveis com crenças divergentes sobre
essas questões, precisando entretanto agir juntas, mutuamente
podam suas reservas para poderem evitar a imobilização. Nós
percebemos em funcionamento aqui o mesmo fenômeno do ajuste
de interesses sobre o qual comentamos anteriormente, apesar de
aqui os interesses serem tanto práticos quanto possivelmente
intelectuais. Consenso, a não ser no caso limitador da unanimidade
total, é um negócio de acordo e o acordo é determinado ajuste dos
interesses de indivíduos (na forma de convicções distintas sobre o
que deve ser feito) à necessidade comum para que algo seja feito.
Como alguns comentaristas estão aptos a perceberem a defesa
do consenso como sendo um tipo de demanda por conformidade,
pode ser útil enfatizar que a sugestão não é que qualquer pessoa
tenha um direito de exigir consenso de qualquer outra pessoa. Essa
exigência seria contraditória em relação à própria essência da busca
pelo consenso. Alguém pode dissertar, num fórum de discussão
racional, sobre as vantagens do consenso como sendo um modo
de tomada de decisões. Mas esse caso é simplesmente submetido à
avaliação livre de outros, assim como em qualquer diálogo legítimo.
Além disso, provavelmente é repetitivo que o consenso, como fator
de tomada de decisões na ação social, não leve à unanimidade ou
ao acordo na crença intelectual ou ética. A ideia é simplesmente
que, apesar de qualquer diversidade dessa crença, uma disposição
a ceder para chegar a um entendimento sobre o que deve ser
feito, facilitaria a harmonia na ação de grupo. Além disso, sugere‑
‑se que na esfera política esse espírito de cessão possa se manifestar
em instituições diferentes daquelas conhecidas em algumas das
democracias mais glorificadas do mundo atualmente.
1826
Estado, sociedade civil e democracia na África
1828
Estado, sociedade civil e democracia na África
do órgão de governo. A eficácia aqui deverá ser julgada por até que
ponto os desejos em questão são contabilizados em decisões. Dos
dois lados do vínculo existem grandes complicações práticas e, de
fato, teóricas também. Para que se escolham representantes por
algum sistema de votação, existem tanto problemas matemáticos
quanto éticos a serem considerados. Será que uma maioria
simples é uma quantidade legitimadora? De qualquer maneira,
como as unidades de representação devem ser mapeadas? Não
se pode fingir que as democracias da Grã‑Bretanha e dos Estados
Unidos, por exemplo, tenham alcançado qualquer perfeição nestas
questões, apesar de as da Europa, especialmente da Bélgica e da
Suíça, levarem a sério de maneira mais clara por causa da maior
prevalência de faccionalismo religioso e ideológico.
Suponha estes problemas a serem resolvidos de alguma
forma tolerável. Como os representantes mantêm contato com as
opiniões e os desejos de seus eleitores “à medida que eles evoluem
em relação ao fluxo de eventos? E como eles explicam o destino
dessas opiniões no processo de tomada de decisões? Além disso, a
conveniência de um mecanismo para a avaliação do desempenho
e a revisão do status dos representantes não pode ser ignorada.
Não está claro até que ponto as democracias multipartidárias
modernas resolveram ou abordaram ou até mesmo reconheceram
estes problemas.
Estas democracias também não inspiram confiança pela
forma em que diferentes pontos de vista são tratados nos
processos de implementação de tomada de decisões e de política.
De fato, diferentes pontos de vista não são ignorados. Nos
Estados Unidos, por exemplo, existe um sistema de comitês em
que deputados dos partidos de oposição desempenham papéis
muito importantes na formação de políticas. Além disso, existe
um sistema de “freios e contrapesos” que restringe as atividades
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Kwasi Wiredu
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Estado, sociedade civil e democracia na África
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Kwasi Wiredu
1844
CAPÍTULO 61
LIBERDADE DE EXPRESSÃO EM SOCIEDADE
TRADICIONAL: AS BASES CULTURAIS DA
COMUNICAÇÃO EM GANA CONTEMPORÂNEA1
Kwesi Yankah
1 Reprodução editada da Palestra Inaugural do autor com o mesmo título, apresentada no dia 20 de
novembro de 1997, na Universidade de Gana, em Legon, conforme publicada (1998, Acra: Ghana
Universities Press).
1845
Kwesi Yankah
1846
Liberdade de expressão em sociedade tradicional: as bases culturais da comunicação em Gana contemporânea
Desenvolvimento
O papel da mídia não era apenas criar um clima adequado para
a mudança. As próprias mídias modernas eram consideradas como
constituindo desenvolvimento. Uma nova tecnologia criaria um
ambiente moderno e isso era desenvolvimento em si. A relevância
do ambiente moderno fica clara numa declaração atribuída a um
aluno do Mali que, quando foi perguntado sobre a importância
do rádio, disse, “Eu fiquei sabendo pelo rádio que o Mali está se
desenvolvendo noite e dia” (Cutter, 1975, p. 15), o que implica que
a modernização continua até mesmo quando se está dormindo
(West e Fair 1993, p. 92).
Defender a liberdade de expressão pressupõe a existência
de uma autoridade superior (maquinário estatal, normas sociais,
etc.) dotada da capacidade de criar obstáculos ou equipada com
ela, de tal forma que isso exigiria instrumentos legislativos,
cláusulas constitucionais, ou a afirmação de uma Declaração de
Direitos universalmente vinculante, para neutralizar qualquer
impedimento potencial. Portanto, os direitos a determinadas
liberdades humanas básicas são garantidos nas constituições de
diversos estados soberanos da África, baseados numa Carta adotada
em 1948 pela Assembleia Geral da ONU: o direito à liberdade de
discurso e de expressão, a liberdade de sustentar opiniões sem
interferência e de buscar, receber e transmitir informações e ideias
1847
Kwesi Yankah
1848
Liberdade de expressão em sociedade tradicional: as bases culturais da comunicação em Gana contemporânea
Desconfiança
Ainda assim, apesar de os antropólogos e os estudiosos
de comunicação ocidentais não verem nenhuma esperança no
jornalismo africano para a objetividade por ela derivar de sistemas
culturais de comportamento e organização social, os próprios
africanos muitas vezes suspeitaram de tecnologias de comunicação
avançadas. A desconfiança geral da comunicação mediada pela
Europa fica evidente pela sua percepção e descrição por tradição
em termos relativamente depreciativos. Observemos referências
nativas à mídia moderna. Os Akans de Gana referem‑se ao telefone
como ahomatrofo, que significa “mentiroso, o fio que conta estórias”,
“fio ou cabo que transmite mentiras, informações não verificadas”,
em que não se deve confiar, negociando com falsidades. Isto implica
que notícias que se espalham rapidamente, cuja veracidade não pode
ser verificada, não são confiáveis. De maneira semelhante, “jornal”
chamado de koowaa krataa, literalmente significa “papel com a
língua solta”, “tabloide”, fofoca. Koowaa deriva de ka no waa como em
mekaa no waa: “Eu falei brincando, não me leve a sério”. A suspeita e
1849
Kwesi Yankah
1850
Liberdade de expressão em sociedade tradicional: as bases culturais da comunicação em Gana contemporânea
Interação de normas
Significativas, no entanto, são as diversas estratégias pelas
quais sistemas tradicionais mediaram o ataque de forças da
modernidade: as estratégias de incorporação, acomodação e
domesticação. Na descrição que a África faz da mídia moderna
e de instituições relacionadas, a base cultural na qual elas estão
integradas sempre foi implicada. A estátua de um homem
tocando o sino duplo (dawuro) em frente à principal estação
transmissora de Gana (GBC) demonstra isto. Os Akan não
precisavam tomar emprestada a palavra “transmissão”. Apesar de
bɔ dawuro literalmente significar “tocar o gongo”, também significa
“anunciar”, “transmitir”. Ela descreve o modo africano típico
da comunicação de notícias públicas no ambiente rural, que é
apresentado e encerrado com o toque de um gongo. O funcionário
de comunicação relevante aqui é o dawurobɔfo, quem toca o gongo.
O gongo em si é um modo de comunicação substituto e ele próprio
pode transmitir mensagens.
Tambores falantes
De fato as cornetas e os tambores falantes constituem o
nexo entre a mídia popular e a mídia de massa na África, uma vez
que, assim como o rádio, eles comunicam mensagens cobrindo
1851
Kwesi Yankah
1852
Liberdade de expressão em sociedade tradicional: as bases culturais da comunicação em Gana contemporânea
1853
Kwesi Yankah
Equipe linguística
Um funcionário de comunicação ainda mais importante que
sobreviveu ao governo moderno é o ɔkyeame, o orador e conselheiro
do chefe, muitas vezes chamado de “linguista”.
Juntamente com seu cetro ou bastão de autoridade. O bastão
e itens relacionados têm sido ícones de diplomacia em estados
tradicionais na África Ocidental desde tempos imemoriais.
Embaixadores em vários estados precisavam carregar símbolos
de autoridade e se comportar como dignatários, representando
os respectivos reis. Em geral, o ɔkyeame na África Ocidental
colonial carregava credenciais ou distintivos de cargo em formas
como bengala, bastão, espada, ou trajes especiais como gorros ou
1854
Liberdade de expressão em sociedade tradicional: as bases culturais da comunicação em Gana contemporânea
Linguista estatal
Na Primeira República de Gana, o Dr. Nkrumah ampliou
ainda mais o papel tradicional do ɔkyeame ao nomear um linguista
1855
Kwesi Yankah
1856
Liberdade de expressão em sociedade tradicional: as bases culturais da comunicação em Gana contemporânea
Liberdade de discurso?
A questão da liberdade de discurso na África tradicional
costuma gerar dúvida e incerteza. Ela traz à mente a aparente
supressão de mulheres e crianças em diversas esferas do discurso
1857
Kwesi Yankah
1858
Liberdade de expressão em sociedade tradicional: as bases culturais da comunicação em Gana contemporânea
Aconselhamento
Para se prevenirem contra a interferência indevida com os
direitos à liberdade de discurso, os funcionários políticos que
aconselham chefes instalados recentemente, às vezes alertam
contra a perseguição de acusados cuja liberdade de expressão foi
suprimida. No trecho a seguir, por exemplo, um ɔkyeame numa vila
na área de Kwahu, dando as boas‑vindas a um chefe de linhagem
com uma prece de libação, suplica que o novo chefe faça um bom
governo e o alerta contra a restrição da liberdade de expressão:
1859
Kwesi Yankah
1860
Liberdade de expressão em sociedade tradicional: as bases culturais da comunicação em Gana contemporânea
1861
Kwesi Yankah
Tabu verbal
Aprender a falar também envolve reconhecer a potência da
palavra falada, assim como o valor comunicativo do silêncio e
da evitação linguística em determinadas situações. Na sociedade
tradicional, a obediência a tabus verbais faz parte da etnografia
da comunicação, pois às vezes a sociedade introduz determinadas
palavras sob uma censura verbal rígida. Normas de fala proíbem
referências verbais a determinadas palavras ou eventos históricos,
cuja verbalização direta poderia desencadear forças de instabilidade.
Uma categoria do que não se pode falar refere‑se a determinados
itens impregnados com espíritos potencialmente destrutivos, aos
quais se pode referir apenas sob o eufemismo amplo, ammɔdin,
“não mencionável”.
A categoria mais importante de tabus verbais em várias
culturas de Gana é o que os Akan chamam de ntam, “juramento
reminiscente” (Agyekum, 1996) ou tabu cuja evitação é rigidamente
mantida. Trata‑se da arma mais importante em procedimentos
judiciais e não pode ser pronunciada a não ser que quem falar
queira iniciar um processo jurídico. Ntam costuma se referir a
uma calamidade histórica ou a uma tragédia – uma derrota numa
guerra, uma morte real, uma aflição natural, ou algum infeliz
incidente marcado na vida de um indivíduo, de uma família ou de
um estado veneráveis. Referências verbais a isto são capazes
de incitar indevidamente o sofrimento nacional ou de levar a uma
recorrência (veja Rattray, 1927, p. 205‑215; Mensa‑Bonsu, 1989).
Isto se baseia na suposta potência da palavra falada.
O ntam nacional, ou a prerrogativa de mencionar essa
calamidade, pertence estritamente ao governante do território,
1862
Liberdade de expressão em sociedade tradicional: as bases culturais da comunicação em Gana contemporânea
que pode torná‑la disponível para uso pelos seus súditos como um
instrumento jurídico para proteger ou reivindicar propriedade, com
a cláusula sendo que ela não deve ser pronunciada para apoiar uma
falsidade. Quem quer que pronuncie um ntam, será imediatamente
levado diante do chefe para que comecem procedimentos judiciais.
A potência de ntam é como a de duabɔ, imprecação de maldição ou
de juramento2.
Antigamente, existia uma prática em que uma faca (sepɔ) era
enfiada através da língua e da bochecha de uma pessoa condenada
para impedir que ela pronunciasse um ntam para atrasar a execução.
Provavelmente esta fosse a forma mais extrema de censura à fala.
Outros tabus verbais são expressões que buscam discriminar
com a intenção de depreciar. Estes incluem investigar ou fazer
referências públicas à origem ou à genealogia de outra pessoa,
com a intenção de denegrir a família dessa pessoa. O mais
importante aqui são alegações públicas no que diz respeito à
ancestralidade escrava ou às origens migratórias de outra pessoa
(veja Agyekum, 1996, p. 119‑123). Essas afirmações evocam
indevidamente emoções humanas e devem ser evitadas, sendo
que evitá‑las é uma parte integral das normas que regulamentam
o ato de falar em público. Violações desses tabus verbais, mesmo
que as alegações sejam verdadeiras, muitas vezes levaram a uma
ação punitiva no tribunal.
Restrição sexual
Outra forma de controle no passado foi o imobilizador de
lábio, aplicado em grande parte a mulheres: o uso por mulheres
de diversos tipos de placas para os lábios em algumas sociedades
africanas ou como decoração ou como instrumentos para inibir a fala
2 N.E.: Sobre as provocações de invocar e os protocolos para revogar uma maldição, veja o Capítulo 17,
de Beverly Stoeltje.
1863
Kwesi Yankah
1864
Liberdade de expressão em sociedade tradicional: as bases culturais da comunicação em Gana contemporânea
1865
Kwesi Yankah
Cultura do silêncio
Portanto, o silêncio relativo das mulheres na esfera dos
dois sexos misturados pode ser uma representação do status
social delas, que é uma parte integral das normas sociais da
comunicação. Ainda assim, na sociedade tradicional, o silêncio
às vezes constitui um ato de fala (Saville‑Troike, 1985, p. 6). Eu
me refiro à retirada estratégica da fala na sociedade tradicional
como sendo uma afirmação em si mesma. No começo da década
de 1990, Gana acordou para o neologismo “cultura do silêncio”
quando condições sociais e políticas predominantes normalmente
teriam precipitado uma bateria de protestos e reclamações da
mídia. O silêncio, que saudou as condições sociais, foi cultivado
em parte como uma manifestação de medo, mas também como
um ato proverbial de fala. Não levou muito tempo para a liderança
manifestar abertamente um desconforto em relação à força de
locução do silêncio predominante. Subsequentemente, os ganenses
foram encorajados a manifestarem abertamente suas opiniões sem
temerem a censura.
Algumas vezes, a sociedade tradicional tentou criar espaço
verbal para o silêncio e marcou sua potência verbal em frases
como Mese Hmm (o nome do Hotel) literalmente, “Eu digo silêncio;
eu reservo minhas palavras” indicando uma implosão virtual de
palavras naquele que fala ou não fala. O silêncio aqui é um ato
de internalizar o estresse, onde não seria estratégico ventilar as
ideias de uma pessoa em palavras. O resultado é uma interjeição,
“hmm”, uma lembrança verbal do silêncio, que ocorre ao mesmo
tempo que um suspiro profundo. Esse silêncio costuma carregar
a potência de palavras, mas também pressente incertezas ou
uma tempestade iminente (veja também Peek, 1994). Em
determinadas situações o silêncio pode constituir uma expressão
estratégica de indiferença por um adulto, implicando que não são
1866
Liberdade de expressão em sociedade tradicional: as bases culturais da comunicação em Gana contemporânea
1867
Kwesi Yankah
Crítica aberta
A ideia de fala como terapia de Ansah tem implicações mais
amplas para ritos e práticas públicos. Às vezes comunidades na
1868
Liberdade de expressão em sociedade tradicional: as bases culturais da comunicação em Gana contemporânea
1869
Kwesi Yankah
1870
Liberdade de expressão em sociedade tradicional: as bases culturais da comunicação em Gana contemporânea
1871
Kwesi Yankah
Gênese
A gênese histórica de festivais de liberdade de expressão
aponta para um ideal democrático altamente louvado de liberdade
de expressão. De acordo com tradições orais, um dos primeiros reis
de Techiman no século XVIII, Nana Ekumfi Ameyaw I, era um tirano
que não permitia que as pessoas se expressassem livremente sobre
seus descontentamentos e reclamassem sobre negócios do estado.
Como resultado disso, eles perderam uma guerra com os Ashantis,
pois o povo Bono se recusou a se reunir e defender seu estado contra
a invasão Ashanti. Ao contrário, as pessoas enterraram suas armas
num rio. O rei foi feito refém pelos Ashantis e foi afogado num
rio pouco depois de ser libertado. Seu sucessor, tendo aprendido
com as experiências amargas do passado, instituiu o festival Apoɔ,
para marcar uma nova era de liberdade de expressão e governo
democrático e subsequentemente obteve a cooperação plena do
seu povo. No festival, então, a liberdade de expressão e até certo
ponto o comportamento sem restrição moral, são exagerados para
impressionar, se nada mais para marcar a relevância crucial da
liberdade para o bem‑estar individual e corporativo. Observe, no
entanto, que esta licença para violar as normas do decoro social na
fala é sustentável apenas no período do festival. Depois disso, as
normas sociais são imediatamente restauradas.
Ônus da repressão
Espera‑se que a divulgação de falhas sociais através do abuso
leve à reforma do comportamento desobediente para o bem geral.
De maneira mais importante, a intenção do abuso é afastar o
mal e a saúde ruim, pois acredita‑se que o mal e o ressentimento
levem à saúde ruim e que você poderá ficar doente se alguém ficar
ressentido com você. De maneira semelhante, quem guardar rancor
contra outra pessoa poderá ficar doente. De acordo com um ancião,
1872
Liberdade de expressão em sociedade tradicional: as bases culturais da comunicação em Gana contemporânea
1873
Kwesi Yankah
Fala ingovernável
A crítica da autoridade não era apenas um evento anual
em partes da sociedade tradicional. Normalmente também
era a província de certos funcionários como a rainha‑mãe, o
baterista divino, menestréis da corte e os chamados poetas de
louvor que de vez em quando aproveitavam a oportunidade para
incorporar, impunemente, comentários críticos nas denominações
altissonantes dirigidas ao rei, enquanto ele era o chefe do estado
(Yankah, 1983).
Se a sociedade tradicional não valorizou muito a crítica aberta
de autoridade durante todo o ano, isso significa que normas
culturais colocam mais ênfase sobre a natureza e o estilo de
comunicação diante da autoridade, do que sua mera realização. A
crítica pública de autoridade é permitida apenas quando o discurso
tiver sido destilado para tornar evidente a crise. Costumes culturais
incentivam a comunicação estilizada que evita o confronto aberto
com a autoridade. O comportamento verbal indisciplinado atrai
sanções ou precaução. Assim, um réu num tribunal que tiver
feito uma observação descortês, insultando implicitamente a
inteligência dos anciãos num caso em Afrisipa (na área dos Bonos),
será severamente censurado. Nas palavras de um ɔkyeame:
1874
Liberdade de expressão em sociedade tradicional: as bases culturais da comunicação em Gana contemporânea
1875
Kwesi Yankah
Vias indiretas
No entanto, em grande parte disponível para o público em
geral, está o discurso clandestino de bastidores ostensivamente
falado pelas costas do dominante (Scott, 1990). Isto pode ser
uma retórica velada na forma de uma via indireta, uma metáfora,
um provérbio, uma alegoria, uma circunlocução, uma indireta,
localmente chamada de akutia e de dispositivos literários
relacionados (Yankah, 1997; Piersen, 1977; Abrahams, 1992).
Entre os Dyulas da Costa do Marfim, mulheres dominadas por
homens durante o ano inteiro, usam uma canção epigramática no
final do Ramadã para indicarem problemas domésticos encontrados
durante o ano para criarem uma catarse bem vinda (Derive,
1995, p. 126). Os Igbos conseguem obter um efeito semelhante
nas suas narrativas de ficção onde se descreve a tensão entre o
poder monárquico e valores democráticos e o destino de reis não
democráticos cruéis revelados (Azuonye, 1995, p. 65‑91). Na época
moderna na Tanzânia, poetas orais sugerem seus próprios pontos
de vista sobre realidades socioeconômicas, às vezes protestando
contra uma liderança de governo ruim na vila de Ugamaa (Mlama,
1995, p. 32). Então, tanto no governo tradicional quanto no
moderno, oportunidades para a crítica da autoridade são criadas
de maneira oficial e não oficial para exercer poderes contrários e
compensatórios e para aliviar o domínio. Aqui, a reverência cultural
muitas vezes concedida aos anciãos e a sede de autoridade política
restringem consideravelmente o fluxo do discurso aberto e crítico.
1876
Liberdade de expressão em sociedade tradicional: as bases culturais da comunicação em Gana contemporânea
1877
Kwesi Yankah
1878
Liberdade de expressão em sociedade tradicional: as bases culturais da comunicação em Gana contemporânea
Efeitos da modernidade
No entanto, as realidades de um estado moderno são
diferentes. Não é apenas necessário lidar com um idioma
estrangeiro que vem com suas próprias normas de uso, mas
também existem novos canais de comunicação, como o jornalismo
impresso, o rádio, a televisão, o telefone, a comunicação eletrônica,
a Internet, etc., onde o fator “pessoal” intrínseco na comunicação
nativa é eliminado. Portanto, o estado‑nação moderno tem
que lidar com normas concorrentes e enfrenta a escolha entre a
adoção por atacado de instituições modernas e mídia com todas
as suas normas associadas e operar a instituição estrangeira num
referencial cultural.
Ordem social
As incertezas envolvidas nessa escolha e a ameaça que isto
poderia representar à estabilidade e à ordem social podem ser
discernidas nos incidentes públicos a seguir, ocorridos na Gana
contemporânea.
a. Julho de 1996. O estado Ashanti encontra‑se
praticamente em crise em função de uma alegação
num jornal, atribuindo palavras a um ministro regional
1879
Kwesi Yankah
1880
Liberdade de expressão em sociedade tradicional: as bases culturais da comunicação em Gana contemporânea
1881
Kwesi Yankah
Juramento de lembrança
Baseado na gravidade considerada destas violações da ordem
de comunicação, o Conselho Tradicional de Kumasi massacrou
uma ovelha para pacificar os deuses. O Ministro negou as alegações
e para sustentar sua afirmação de que ele era inocente, ele declarou
sua prontidão para pronunciar o impronunciável juramento de
lembrança dos Ashanti, Ntam Keseε (O Grande Juramento), que
marca de maneira sumária uma grande calamidade histórica e cuja
pronúnica para sustentar uma falsidade é uma transgressão verbal
grave. Então, ele foi além e desafiou seus adversários a se juntarem
a ele na invocação do impronunciável Ntam se eles quisessem
contestar as questões. Duas características que se destacaram
neste caso são significativas:
I. Na sociedade tradicional existem determinados tabus
verbais, impronunciáveis conforme discutido anteriormente:
em primeiro lugar, ntam, que denota uma esfera de eventos
públicos e tragédias e calamidades históricas permanecendo
sob rigorosa censura verbal, em respeito do qual os direitos
de uma pessoa à liberdade de expressão só poderão ser
exercidos com extrema cautela.
1882
Liberdade de expressão em sociedade tradicional: as bases culturais da comunicação em Gana contemporânea
1883
Kwesi Yankah
Agressão paralinguística
A segunda alegação, de que o acusado gostava de cruzar
as pernas na presença do rei, demonstra a relevância de atos
paralinguísticos na esfera do poder. Cruzar as pernas na presença
de uma autoridade é um ato de insubordinação, uma declaração de
supremacia, desobediência ou superioridade num duelo. Isto
estaria em contradição com normas que exigem a manifestação de
humildade e respeito na maneira de vestir e no comportamento
paralinguístico. O ato de não observar as normas gestuais
apropriadas é interpretado como sendo uma expressão aberta de
desdém, uma violação proposital da etiqueta social como declaração
política. A última alegação – que ele tinha se referido ao rei pelo seu
nome verdadeiro – novamente sinaliza que referências públicas à
1884
Liberdade de expressão em sociedade tradicional: as bases culturais da comunicação em Gana contemporânea
Insubordinação da mídia
O segundo exemplo citado, especificamente uma alegação
feita por um jornal de ataque sexual envolvendo uma personagem
importante do governo e seu resultado, apresenta mais um incidente
significativo descrevendo normas conflituais de comunicação na
esfera tradicional e na moderna. Deve‑se lembrar que a Comissão
Nacional de Mídia interveio, dizendo que a notícia do jornal era de
mau gosto e aconselhou a mídia a ponderar com muito cuidado o
interesse nacional antes de publicarem qualquer coisa no futuro.
De acordo com a Comissão de Mídia, “Nos casos específicos
mencionados [...] eles são o próprio espelho da Nação e devem
merecer o devido respeito” (Daily Graphic, 20 de agosto de 1994,
p. 1). Aqui surge novamente a interação conflitante entre normas
jornalísticas de liberdade de expressão e a responsabilidade para
preservar uma ordem social predominante conforme a tradição
exige.
Este surgimento não sugere que faltem controles nacionais
sobre a liberdade do jornalista na Constituição. O Artigo 164 da
Constituição de Gana de 1992 subordina a liberdade de imprensa
a “leis exigidas de maneira razoável no interesse da segurança
nacional, da ordem pública, da moralidade pública e, para os fins
de proteger as reputações, os direitos e as liberdades de outras
pessoas”. Em nenhum lugar a Constituição se prepara para a
concordância com o devido respeito exclusivamente para idosos
1885
Kwesi Yankah
1886
Liberdade de expressão em sociedade tradicional: as bases culturais da comunicação em Gana contemporânea
1888
Liberdade de expressão em sociedade tradicional: as bases culturais da comunicação em Gana contemporânea
3 N.E.: Nana S. K. B. Asante descreve em primeira mão o papel de chefes na política partidária
contemporânea, no Capítulo 62.
1889
Kwesi Yankah
Insulto?
Em agosto de 1996 na Costa do Cabo, o Presidente Jerry
Rawlings, lamentando a ausência de condições de saneamento
em aldeias e cidades e especialmente nas praias, referiu‑se ao
comportamento higiênico do gato (depois de excretar) como digno
de ser imitado. Ele falou isso numa recepção de chefes e pessoas da
Costa do Cabo, durante a inauguração formal do Festival Nacional
de Artes e Cultura (NAFAC). A partir de uma perspectiva, isto
constitui uma denúncia sincera da falta de hábitos sanitários do
homem que ofendem a dignidade do ambiente (veja Editorial
do Daily Graphic, 9 de setembro de 1996) e um pedido para que
os ganenses se inspirem com o comportamento de criaturas
benéficas ao ambiente. No entanto, a Costa do Cabo percebeu este
discurso como sendo um “insulto” – uma afronta aos chefes e ao
povo. Numa recepção de festival na Costa do Cabo duas semanas
após o incidente, o Ministro Regional Central, Sr. Valid Akyianu,
num exercício de controle de danos (num ano eleitoral) pediu
que as pessoas da Costa do Cabo não interpretassem de maneira
equivocada as observações do presidente como sendo um insulto,
mas que elas aceitassem o desafio de manter o município limpo
(Daily Graphic, 9 de setembro de 1996). A interpretação negativa
de observações oficiais neste caso lembra outro, quando em 1970
o Primeiro‑Ministro K. A. Busia foi interpretado como tendo
insultado habitantes da área rural dizendo numa transmissão de
1890
Liberdade de expressão em sociedade tradicional: as bases culturais da comunicação em Gana contemporânea
televisão que a água no seu vaso sanitário parecia ser mais limpa
do que a água de beber em áreas rurais.
Na sociedade tradicional, a referência a funções corporais
e substâncias escatológicas no discurso público costumam ser
reprimidas. Mesmo em uso metafórico, isso é considerado
socialmente inaceitável. Funcionando de acordo com normas
culturais em que referências ao vulgar, no discurso formal, são
duplamente acolchoadas com eufemismos, renúncias apologéticas
e abordagens respeitosas, para dissipar qualquer impressão de
falta de respeito para com a autoridade, os chefes podem ter
interpretado o discurso como uma profanação pública de uma
esfera real santificada, uma afronta aberta à sua integridade e às
pessoas sob a sua jurisdição. A situação é diferente da sociedade
ocidental, onde palavras ofensivas que denotam raiva ou frustração
são tomadas emprestadas livremente da escatologia. O insulto
citado neste exemplo é agravado por referências a um animal
inferior, cujo comportamento higiênico é retratado como sendo
um modelo ideal para a humanidade. Foi fácil de interpretar isso
como invectiva, uma vez que a racionalidade humana costuma
ser retratada como superior à dos outros mamíferos. O conceito
de insulto (atεnnidie, em Akan) na sociedade tradicional é muito
amplo, variando de invectivas abertas, afrontas veladas praticadas
por subordinados sociais, a atitudes paternalistas: tentativas
aparentes de ser didático, ou de demonstrar sofisticação superior
sobre os pares ou sobre aqueles de maior classificação social. Onde
tal comportamento didático combina com referências escatológicas
para a racionalidade superior de animais inferiores, a ofensa a
sensibilidades, intencional ou não, é reforçada. Falar a partir do
ponto de vista de um convidado também não ajudava, uma vez que
se esperaria que os convidados – independentemente da força
que eles exercem no governo moderno –exerceriam limitação
verbal na presença da autoridade tradicional. Na verdade, quanto
1891
Kwesi Yankah
Conclusão
Os incidentes anteriores apontam para uma crise de normas
de comunicação concorrentes num estado moderno, onde o
uso do idioma não nativo e de novos canais de comunicação
criaram uma subcultura de normas de discurso, que vão contra
os princípios básicos de comportamento e da fala. Diante destas
normas conflitantes, o estado‑nação moderno precisa decidir
entre adotar a subcultura adaptá‑la, ou assimilá‑la dentro da
matriz megacultural. As crises descritas foram desencadeadas em
parte pela diferença entre recursos de comunicação disponíveis
em sociedades tradicionais e modernas. O modo de comunicação
oral da sociedade volta seu foco em grande parte no fator “rosto”.
O fator rosto é indispensável na comunicação tradicional dentro de
comunidades pequenas e ele naturalmente limita ou condiciona o
fluxo de discurso diretamente diante da autoridade. Na sociedade
complexa contemporânea, onde a comunicação impressa e a
eletrônica são predominantes, a eliminação do fator rosto tende
a influenciar o estilo e o fluxo da comunicação. Isto torna‑se
inevitável à medida que a sociedade torna‑se mais complexa e que
se torna cada vez mais inviável para os mais velhos perguntarem,
“ele é filho de quem para ter um discurso tão sem refinamento”?
1892
Liberdade de expressão em sociedade tradicional: as bases culturais da comunicação em Gana contemporânea
1893
Kwesi Yankah
1894
Liberdade de expressão em sociedade tradicional: as bases culturais da comunicação em Gana contemporânea
1895
Kwesi Yankah
***
1896
Liberdade de expressão em sociedade tradicional: as bases culturais da comunicação em Gana contemporânea
1897
CAPÍTULO 62
CHEFIA, BOM GOVERNO APARTIDÁRIO E
DESENVOLVIMENTO NA DEMOCRACIA MODERNA
DE GANA
Nana Dr. S. K. B. Asante
Introdução1
Um paradoxo surge a partir de contradições ostensivas ao
se combinar sistemas de governo tradicionais com estruturas
democráticas africanas modernas. Uma questão central urgente
que atrai continuamente um debate intenso é se formas tradicionais
africanas de liderança podem contribuir com qualquer coisa
positiva e significativa atualmente para promover o crescimento
democrático e o bom governo na construção de uma nação
igualitária.
Para lidar tanto com a dimensão prática quanto com a
dimensão ideológica desta preocupação, assim como seus
1 N.E.: Este capítulo foi compilado e resumido pelo editor a partir de quatro dos vários artigos
apresentados pelo autor para diversas plateias públicas e acadêmicas em Kumasi e Acra de 2003 a 2006.
1899
Nana Dr. S. K. B. Asante
2 N.E.: Para um relato detalhado da deterioração de recursos da família real e da eficácia através das
maquinações da interferência colonial britânica, veja o Capítulo 42, de Robert Addo‑Fening.
1900
Chefia, bom governo apartidário e desenvolvimento na democracia moderna de Gana
3 N.E.: Veja Benedict Der, Capítulo 43, para detalhes de política e governo no norte de Gana.
4 John Austin foi um jurista do começo do século XIX que continua a ser um dos filósofos do direito
britânicos mais influentes. No seu clássico de 1832, ele define um “estado” como sendo um soberano
político apoiado por agências de imposição da lei bem organizadas e geralmente obedecidas pelos
cidadãos.
1901
Nana Dr. S. K. B. Asante
1902
Chefia, bom governo apartidário e desenvolvimento na democracia moderna de Gana
5 N.E.: O Capítulo 60, de Kwasi Wiredu detalha o governo Akan tradicional como um paradigma da
democracia consensual.
6 N.E.: O Capítulo 42, de R. Addo‑Fening, detalha a exploração, a negação dos direitos de cidadão e a
incapacitação de governantes tradicionais da Costa do Ouro por administradores britânicos desde o
final do século XIX até o começo do século XX.
1903
Nana Dr. S. K. B. Asante
7 N.E.: No Capítulo 6, Kwame Ninsin argumenta não a favor da abolição, mas sim pelo desestímulo
da chefia uma vez que ela tem, no saldo, uma influência divisiva na época e em condições
contemporâneas.
8 Emmanuel Gyimah‑Boadi, diretor do Centro para o Desenvolvimento Democrático (CDD) é
coeditor de Afrobarometer Working and Briefing Papers, com Michael Bratton (Universidade de
Michigan State) e Robert Mattes (Instituto para a Democracia na África do Sul). Disponível em
<www.afrobarometer.org>.
1904
Chefia, bom governo apartidário e desenvolvimento na democracia moderna de Gana
1905
Nana Dr. S. K. B. Asante
1906
Chefia, bom governo apartidário e desenvolvimento na democracia moderna de Gana
1907
Nana Dr. S. K. B. Asante
1908
Chefia, bom governo apartidário e desenvolvimento na democracia moderna de Gana
12 N.E.: Kojo Amanor (2007, p. 1) contribuiu para este tema durante debate numa mesa redonda da
equipe de Etnicidade e Projeto de Governo Democrático, Instituto de Estudos Africanos, reunido pelo
Diretor do IAS, o Professor Takyiwaa Manuh, 4 de janeiro de 2007, veja Capítulo 15 desta antologia.
Veja também o Capítulo 63, de Kwame Ninsin e o Capítulo 64, de Ukowo Ukiwa nesta antologia..
1909
Nana Dr. S. K. B. Asante
1910
Chefia, bom governo apartidário e desenvolvimento na democracia moderna de Gana
1911
Nana Dr. S. K. B. Asante
1912
Chefia, bom governo apartidário e desenvolvimento na democracia moderna de Gana
1913
Nana Dr. S. K. B. Asante
1914
Chefia, bom governo apartidário e desenvolvimento na democracia moderna de Gana
13 Okuapehene Oseadeeyo Addo Dankwa III é o chefe supremo da Área Tradicional de Akuapem.
1915
Nana Dr. S. K. B. Asante
1916
Chefia, bom governo apartidário e desenvolvimento na democracia moderna de Gana
1917
Nana Dr. S. K. B. Asante
15 Por definição, os cargos de Orador e Ministro de Estado pareceriam recair no escopo de “cargo
público”. De fato, eles são claramente listados como sendo cargo públicos sob o artigo 286, cláusula
(5). Parece que por implicação necessária, o Diretor, o Vice‑Diretor e outros membros da Comissão
de Serviços Públicos, da Comissão de Terras e da Comissão Nacional para a Educação Cívica são cargo
1918
Chefia, bom governo apartidário e desenvolvimento na democracia moderna de Gana
públicos, uma vez que seus emolumentos são cobrados no Fundo Consolidado [artigo 71(1) (d)]. No
que diz respeito à participação como membro da Comissão de Terras, a Constituição proporciona
claramente a inclusão de um representante da Câmara Nacional de Chefes na Comissão, artigo 259
(6) (1), independentemente da estipulação da exigência comum de que a qualificação para eleição ao
Parlamento seja um pré‑requisito para se tornar membro da Comissão (artigo 263).
1919
Nana Dr. S. K. B. Asante
A emenda proposta
O memorando do Promotor Geral sobre o Projeto de Lei da
Constituição da República de Gana (Emenda) procura abolir todo
o artigo 276, que contém a proibição de participação na política
partidária ativa e a qualificação das restrições impostas aos chefes.
No entanto, ele manteria a condição que exclui os chefes do
Parlamento, especificamente o artigo 94 (3) (c) e todas as condições
que estipulam a qualificação para tornar‑se membro do Parlamento
como pré‑requisito para a nomeação para determinados cargos.
O memorando fornece o seguinte raciocínio para a emenda
proposta:
Parágrafo 12: Este parágrafo repele parcialmente a
proibição da não participação de chefes na política
partidária. De acordo com o governo, a extensão da
1920
Chefia, bom governo apartidário e desenvolvimento na democracia moderna de Gana
1921
Nana Dr. S. K. B. Asante
As questões importantes
Até agora nós lidamos com o status atual dos chefes sob a
Constituição e com o efeito provável das emendas constitucionais
propostas. As propostas de emenda motivam as quatro questões
importantes a seguir:
Qual é a definição de “participar da política partidária ativa”?
Seria odioso tentar proporcionar uma definição confiável de
“política partidária ativa”. No final das contas deve‑se confiar no
bom senso de um chefe e das pessoas mais velhas que ele para
determinar a adequação da conduta específica, tendo em mente a
preocupação principal de preservar a dignidade da instituição de
chefia e manter o papel do chefe como fator de unificação e como
um árbitro imparcial dos interesses do seu povo. A Constituição
não fornece claramente essa definição. No entanto, alguma
orientação poderá ser derivada a partir de algumas cláusulas
constitucionais que regem os partidos políticos. Por exemplo,
o Artigo 55 (8) impede que uma pessoa que não seja qualificada
para ser um membro do Parlamento exerça o cargo de membro
fundador, um líder ou um membro executivo de um partido político.
Pode‑se inferir a partir disso que o ato de exercer estes cargos
constitua participação na política partidária ativa. Orientação
adicional também é proporcionada pelo artigo 55 (3), que define
o papel fundamental de um partido político como participar da
1922
Chefia, bom governo apartidário e desenvolvimento na democracia moderna de Gana
1923
Nana Dr. S. K. B. Asante
família que são como chefes nas suas famílias estendidas e às vezes
em suas comunidades mais amplas?
A definição de “chefe” na Constituição (artigo 277) é ampla
o suficiente para abranger chefes de divisão, Adikrofo e todos os
chefes menores. Portanto, pode‑se perguntar se proibições no
artigo 276 (1) e 94 (3)(c) devem ser aplicadas a todos os chefes.
Pelas razões alegadas por Nana Juabenhene nas suas observações
defendendo a proibição relatada a seguir, não seria prático limitar
a proibição a chefes supremos. Portanto, todos os chefes dentro do
significado do artigo 277 devem ser igualmente afetados.
Será que a proibição dos chefes participarem da política
partidária ativa deve ser estipulada claramente na Constituição?
Se for, então qual será o papel e o lugar dos clérigos também?
Pode‑se argumentar que apesar dessa proibição se aplicar
moralmente a outras ocupações, como os clérigos, os juízes e os
funcionários civis, a Constituição não é explícita em relação a elas.
Talvez esta restrição deva ser deixada para o chefe e seus anciãos.
O argumento contrário é que enquanto as nossas convenções
políticas claramente excluem juízes, funcionários civis e outros
funcionários estatais permanentes da política partidária ativa, o
impacto cumulativo da nossa experiência histórica neste sentido
exige uma proibição constitucional inequívoca de participação na
política partidária ativa no caso de chefes.
Será que um chefe pode ser nomeado para qualquer cargo
público para o qual ele tenha a qualificação necessária, desde que
esse cargo seja puramente apartidário e não envolva a participação
efetiva como membro do Parlamento? Uma reação positiva estaria
de acordo com uma interpretação do artigo 276 (2). Não parece
haver nenhuma razão íntegra ou de base válida na política para
negar à nossa nação o benefício da experiência e da contribuição
de chefes qualificados no setor público. Esse papel não é de
1924
Chefia, bom governo apartidário e desenvolvimento na democracia moderna de Gana
1925
Nana Dr. S. K. B. Asante
1926
Chefia, bom governo apartidário e desenvolvimento na democracia moderna de Gana
1927
Nana Dr. S. K. B. Asante
1928
Chefia, bom governo apartidário e desenvolvimento na democracia moderna de Gana
1929
Nana Dr. S. K. B. Asante
1930
Chefia, bom governo apartidário e desenvolvimento na democracia moderna de Gana
Conclusão
A proposta de repelir a proibição da participação de chefes na
política partidária ativa em 1996 [artigo 276 (1)] era desaconselhável
e deveria ser abandonada. A participação de chefes na política
1931
Nana Dr. S. K. B. Asante
1932
Chefia, bom governo apartidário e desenvolvimento na democracia moderna de Gana
1933
Nana Dr. S. K. B. Asante
***
1934
Chefia, bom governo apartidário e desenvolvimento na democracia moderna de Gana
1935
CAPÍTULO 63
GANA DESDE MEADOS DO SÉCULO XX:
TRIBO OU NAÇÃO?1
Kwame A. Ninsin
Introdução
Há cinquenta anos, no dia 6 de março de 1957, Gana tornou‑
‑se independente. Desconsiderando‑se o quadriênio anterior à
independência em que a unidade desta nova nação foi ameaçada
por forças separatistas, questões sobre a identidade deste país
foram resolvidas pela Constituição da independência: Gana
era um estado‑nação soberano, independente e unitário, tendo
percorrido uma estrada longa e tortuosa desde o começo do século
XVIII. Ganenses de todas as classes tinham grande expectativas
em relação ao seu novo status como cidadãos de uma nova nação
– como pessoas que não estavam mais vinculadas a uma potência
colonial. A expectativa geral era de amplos dividendos de liberdade
1 N.E.: Esta é uma versão editada e resumida do artigo “Ghana at 50: Tribe or Nation?”, publicado na
série Gana Speaks Lecture/Seminar do Instituto de Governo Democrático (IDEG) em 2007. Ele foi
comissionado e apresentado inicialmente em março de 2007 pelo autor para a Ghana@50 Jubilee
Lecture Series.
1937
Kwame A. Ninsin
1938
Gana desde meados do século XX: tribo ou nação?
1939
Kwame A. Ninsin
1940
Gana desde meados do século XX: tribo ou nação?
1941
Kwame A. Ninsin
4 Por exemplo, o poder de chefes no norte de Gana foi reestruturado de tal forma que eles se tornaram
mais poderosos sobre seus súditos, mas eram fracos nas suas relações com o estado colonial. Veja J. N.
K. Brukum (2006).
5 Esta seção sobre o nascimento do estado‑nação, a não ser que se afirme o contrário, baseia‑se no
Capítulo 1 de David Held et al. (1999).
1942
Gana desde meados do século XX: tribo ou nação?
1943
Kwame A. Ninsin
1944
Gana desde meados do século XX: tribo ou nação?
1945
Kwame A. Ninsin
Nacionalização de tribos
Implícitos no precedente estão vários pontos que valem a
pena reafirmar. (I) As nações da África, assim como a maioria das
suas contrapartidas em outros lugares do mundo, foram forjadas a
partir de sociedades tribais. (II) A nação é uma comunidade política
moderna com suas raízes na sociedade europeia ocidental. (III)
O estado‑nação coincide com um espaço territorial definido por
limites reconhecidos internacionalmente. (IV) Até a colonização
da África e de outras partes do mundo, a maioria das nações eram
caracterizadas por um idioma comum, memórias compartilhadas
de uma história comum, mito e lenda. Com a rara exceção de poucos
países como a Suíça, os estados‑nações da Europa Ocidental eram
homogêneos desde o início.
Em Gana, as primeiras medidas adotadas para fundir sociedades
tribais existentes numa nação tomaram a forma de tratados
com chefes locais, chefes tribais e reis. Conforme o tratado com o
chefe da Costa do Cabo mostra claramente, tratados anteriores
eram os chamados pactos de amizade projetados para fornecerem
proteção para as tribos em questão e para garantir paz para o
comércio europeu. No entanto, as potências europeias tinham
uma razão obrigatória para disputar esses tratados com os chefes
das sociedades tribais que existiam. Por trás da necessidade de
garantir um ambiente capacitador para o comércio havia um projeto
maior, especificamente, a imposição de controle político sobre os
chamados povos atrasados. A disputa entre o Rei Aggrey da Costa
do Cabo e seus compatriotas versus os britânicos constituiu a base
para a reivindicação da Grã‑Bretanha à soberania sobre o domínio
fora dos limites do Castelo da Costa do Cabo. Essa contestação
local à autoridade britânica em breve provou ser calculada de
maneira equivocada e fútil; a força do interesse comercial britânico
era muito superior à força tribal do Rei Aggrey. As duas pressões
1946
Gana desde meados do século XX: tribo ou nação?
1947
Kwame A. Ninsin
1948
Gana desde meados do século XX: tribo ou nação?
1949
Kwame A. Ninsin
8 Cruikshank observou: “Não havia nenhum refúgio ou cantinho da terra para o qual o empreendimento
de algum comerciante não o tivesse levado (…) Toda vila tinha suas guirlandas de algodão de
Manchester e sedas da China, penduradas nas paredes das casas ou em volta das árvores no mercado,
para atrair a atenção e estimular a cupidez dos moradores da vila”. Citado em Ninsin (1991, p. 37).
Quase oitenta anos depois, em 1931, outro inglês, A.W. Cardinall, também observou a expansão
intrépida de “uma zona de produção (...) para áreas tão remotas quanto Bawku e Bolgatanga, onde
painço, milho da Guiné, feijão, amendoim e manteiga de karité eram produzidos e exportados”.
Citado por Ninsin (1991, p. 27).
1950
Gana desde meados do século XX: tribo ou nação?
1951
Kwame A. Ninsin
1952
Gana desde meados do século XX: tribo ou nação?
O estado e cidadania
Na época da independência, a economia de Gana era
predominantemente agrícola com um grade setor comercial e a
sociedade era governada predominantemente por lealdades, ideias
e sentimentos tradicionais. Ela era, conforme observou Austin
(1975, p. 7), uma nação de comunidades pequenas governada
por tradições locais. Mais tarde na década de 1960 quando já
1953
Kwame A. Ninsin
10 Barbara Ward (1959, p. 16) formulou o nascimento do cidadão e da democracia: “(…) se um homem
tivesse um direito de participar do seu próprio governo, seguiu‑se logicamente que o seu governo
não podia ser controlado de maneira arbitrária a partir de outro lugar. Era inútil dar representação a
ele se ela não afetasse o verdadeiro centro do poder. A Revolução Americana simbolizou a conexão
entre os direitos do cidadão e os direitos do estado. O cidadão livre tinha direito de governar a si
próprio, portanto toda a comunidade de cidadãos livres tinha direito a governar a ela própria”.
1954
Gana desde meados do século XX: tribo ou nação?
para quem a nação era a única estrutura política viável para exercer
sua autonomia e sua autodeterminação conquistadas com tanto
sacrifício. Para a massa de cidadãos, as ideias de liberdade e justiça
pelas quais eles tinham lutado só poderiam ser colocadas em
prática numa estrutura política nacional. Com efeito, tanto para
as massas de cidadãos comuns quanto para os seus líderes, havia
um projeto de construção de uma nação para ser implementado.
Para o governo, esta aspiração só poderia ser realizada se o estado
fosse fortalecido e se a economia fosse modernizada. A história da
Europa enfatizava este vínculo entre cidadania e modernidade11.
A necessidade de colocar em prática o direito de cidadania do povo
era central para o projeto de construção da nação e, portanto,
era uma razão convincente para construir um estado forte e uma
economia moderna. Sem os direitos dos cidadãos não poderia haver
nenhuma autodeterminação legítima e nenhuma democracia.
A cidadania era a base da democracia. Não havia nenhuma
ambiguidade em relação a este fato.
Igualmente convincente era o movimento global pelos direitos
humanos que tinha estabelecido o princípio de que os direitos à
cidadania eram universais e que o estado era responsável por
colocar em prática esses direitos. Após a Declaração dos Direitos
Humanos das Nações Unidas, portanto, o governo de Nkrumah
não reconheceu nenhuma contradição entre um estado forte
e os direitos dos cidadãos. A independência tinha estabelecido
liberdade e igualdade formais para todos os cidadãos através da
Constituição do estado‑nação cujas instituições mais elevadas
representavam todo o povo. Nas condições de atraso social e
econômico terríveis em que a nova nação nasceu, o estado foi
obrigado a se tornar o parteiro dos direitos dos seus cidadãos.
O estado tinha que garantir que todos os cidadãos desfrutariam
igualmente dos mesmos direitos. Foi por isso que o governo de
11 Veja, por exemplo, Reinhard Bendix (1969) para uma declaração explícita deste vínculo.
1955
Kwame A. Ninsin
1956
Gana desde meados do século XX: tribo ou nação?
1958
Gana desde meados do século XX: tribo ou nação?
Estado de coma
Em 1966, quando o CPP foi removido do poder as estruturas
e processos de governo democrático tinham sido minados
através do estabelecimento de um estado unipartidário: tinha
havido um menosprezo dos direitos dos cidadãos de escolherem
seu governo e de exigirem prestação de contas. O direito dos
cidadãos de participarem do seu governo tinha sido severamente
cortado. Isto erodiu a legitimidade do estado e privou o estado do
1959
Kwame A. Ninsin
1960
Gana desde meados do século XX: tribo ou nação?
1961
Kwame A. Ninsin
ainda maior do poder estatal, de tal forma que o estado não pode
agir além da proclamação de leis reguladoras que em todo caso ele
dificilmente pode obrigar e ele também não consegue proteger seus
cidadãos contra as devastações da economia de mercado. O estado
abandonou seus cidadãos à mercê de forças de mercado. O gigante
foi amansado e induzido a esquivar‑se da sua responsabilidade de
proteger seus cidadãos.
Falha política
Desde quando se tornou parte da economia global, a
economia de Gana permaneceu uma economia comercial. Por
definição uma economia comercial é uma economia aberta14. Essas
economias precisam da proteção do estado de agentes econômicos
poderosos tanto nas suas transações econômicas internas quanto
externas. Além disso, eles precisam do estado para catapultá‑los
para um caminho de desenvolvimento novo e dinâmico. O declínio
precipitado da capacidade do estado ganense deixou sua economia
fraca sem proteção e sem direção.
Desde 1966, os sócios de desenvolvimento assumiram cada
vez mais o projeto de desenvolvimento da nação. A economia de
Gana passou por uma série de reformas – da estabilização, passando
pelo ajuste estrutural até a reforma institucional. Governos
desde 1966 tentaram lidar com a calamidade cada vez maior da
pobreza. Na década de 1980, o governo tentou aliviar a pobreza.
Hoje em dia o governo está lutando para reduzir a pobreza usando
uma estratégia de redução da pobreza. A prova é impressionante.
A economia não conseguiu desenvolver a capacidade estrutural
para o crescimento sustentável15. Depois de quarenta anos de
14 Para uma definição de uma economia aberta e a implicação que esta abertura tem para uma
economia subdesenvolvida como a de Gana, veja Dudley Seers (1972).
15 Tony Killick (2000) resume a prova da seguinte maneira: “A economia de Gana não cresceu muito
desde o começo da década de 1960. Na verdade, ela caiu de ser classificada com um país de renda
média para um país de renda baixa (…) Se o encaixe entre mudança estrutural e crescimento
1962
Gana desde meados do século XX: tribo ou nação?
econômico fosse perfeito, a previsão para uma economia que não crescesse seria que a estrutura
também permaneceria sem mudar”. Citado em Aryeetey e Fosu (n.d.), que também discutem a
ausência de mudança estrutural na economia de Gana como sendo o problema central da economia.
1963
Kwame A. Ninsin
16 Na década de 1980, à medida que esta crise social se aprofundava, o governo foi obrigado a tomar
várias medidas paliativas. Com o conselho das Instituições de Bretton Woods, o Programa de Ação
para Mitigar o Custo Social de Ajuste (PAMSCAD) foi formulado para lidar com o desemprego e a
pobreza. Entre 1992 e 2003, nada menos do que nove dessas medidas fúteis para aliviar a pobreza,
inclusive o GPRS 1 tinham sido lançadas. (Ninsin, 2007). A busca por uma solução para esta crise
social ainda continua!
1964
Gana desde meados do século XX: tribo ou nação?
1965
Kwame A. Ninsin
1966
Gana desde meados do século XX: tribo ou nação?
Reações da elite
A captura do estado pela classe política de Gana foi calculada.
Apesar de o papel do estado na economia ter diminuído, ele
continua a receber muito dinheiro dos sócios de desenvolvimento
– ou como empréstimos ou como concessões. Por exemplo, uma
1967
Kwame A. Ninsin
1968
Gana desde meados do século XX: tribo ou nação?
Implicações perigosas
Eu já argumentei que Gana é uma nação constituída por tribos.
Desde a época colonial, os chefes como autoridade central política
das tribos gradualmente perderam seu poder político para o estado
e as tribos como comunidades políticas foram incluídas na nação de
Gana, deixando que elas tivessem sucesso como a epítome da cultura.
Após meio século, Gana continua a ser uma nação, mas o fracasso
do estado em desenvolver a economia e fornecer os direitos básicos
de cidadãos gerou ampliação da alienação e desânimo resultando
em diversas formas de comportamento social desestabilizador,
inclusive o tribalismo. Estes desenvolvimentos depreciam o projeto
de construção da nação concebido há cinquenta anos. No ritmo em
que as identidades tribais estão sendo fortalecidas e que processos
públicos estão sendo tribalizados, o país pode chegar num ponto
em que lealdades conflitantes baseadas em tribos surgirão19.
19 Isto poderia gerar graves riscos de segurança e outros tipos de riscos. Imagine o comportamento
do trabalhador que assegura um emprego devido à sua filiação tribal para o chefe da organização.
Naturalmente sua fidelidade será para o patrono tribal. Para essa pessoa o patriotismo não faz parte
da ética de trabalho. O chefe também fica limitado para tomar uma ação disciplinar contra este
trabalhador por vir trabalhar atrasado ou por fazer um trabalho de má qualidade. O empreiteiro
de prédios e estradas que assegura um contrato com base na filiação tribal executa o contrato
independentemente do interesse da nação. Ele não pode ser punido por um trabalho abaixo do
padrão. Onde nomeações, promoções, relançamento e retrocesso nos serviços públicos e de
segurança são manchados por considerações tribais, a fidelidade e a diligência provavelmente
serão muito coloridas por sentimentos tribais ou por solidariedade com o chefe ou com o governo,
conforme o caso. Informações vitais podem ser omitidas, vazadas, desviadas ou destruídas. Ordens
ou instruções podem ser realizadas, desobedecidas ou distorcidas. Decisões críticas podem ser
tomadas rapidamente, atrasadas, evitadas, deferidas ou abortadas de acordo com considerações
tribais. As implicações de segurança da tribalização da vida pública são incríveis. Eu agradeço ao
Sr. Kofi B. Quantson por chamar a atenção para esta ameaça à segurança durante o debate que se
seguiu à palestra “Gana At 50: Tribe or Nation?” na série Gana Speaks Lecture/Seminar, no Instituto
pelo Governo Democrático, Acra, 14 de março de 2007.
1969
Kwame A. Ninsin
20 Isto é adaptado de uma descrição do estado feudal por Stuart Hall (1984).
1970
Gana desde meados do século XX: tribo ou nação?
21 N.E.: Para uma cronologia detalhada da alienação do estado em relação a iniciativas de pesquisa
e desenvolvimento tecnológico e seu abandono de fábricas onde o processamento básico de
agregação de valor dos recursos brutos de Ganas foi colocado em movimento na década de 1960,
veja Addae‑Mensah Capítulo 27.
1971
Kwame A. Ninsin
1972
Gana desde meados do século XX: tribo ou nação?
22 N.E.: Veja Kojo Amanor, “Costume, ideologia colonial e privilégio: a questão agrária na África,”
Capítulo 15 desta antologia.
1973
Kwame A. Ninsin
1974
Gana desde meados do século XX: tribo ou nação?
23 Eu apliquei este princípio num artigo anterior em que a minha finalidade era minimizar conflitos
entre etnias. Veja Ninsin (1995, p. 69‑71).
24 N.E.: Ukoha Ukiwo argumenta que, ironicamente, a etnicidade em alguns ambientes políticos
funciona para afirmar a identidade nacional de alguém (ostensivamente não étnica). A filiação étnica
na Nigéria às vezes é o único meio de solicitar e exigir do estado os direitos constitucionais de alguém.
Veja seu capítulo mais adiante nesta seção.
1975
Kwame A. Ninsin
1976
Gana desde meados do século XX: tribo ou nação?
1977
Kwame A. Ninsin
1978
Gana desde meados do século XX: tribo ou nação?
Desenvolvimento e democracia29
É claro que memórias do governo que nos trouxe a
independência nos coloca imediatamente num dilema. Será que
queremos outro estado autoritário? Eu considero isto como sendo
uma forma autoderrotista de reagir ao desafio de construir uma
1979
Kwame A. Ninsin
1980
Gana desde meados do século XX: tribo ou nação?
1981
Kwame A. Ninsin
Conclusão
Na minha visão existem apenas dois tipos de governo: o
bom e o ruim. O governo bom é aquele que governa para o bem
público e o governo ruim é aquele que menospreza o bem público
ao sacrificá‑lo para satisfazer os interesses paroquiais daqueles que
governam. A finalidade do governo, conforme delegado através de
eleições, é buscar o interesse maior das pessoas. Eu já argumentei
que na independência, em março de 1957, o estado que passou a
existir para Gana estava baseado na premissa de que ele seguiria
políticas que nos tornariam cidadãos livres em vez de súditos e
criaria oportunidades para o desfrute igual dos nossos direitos.
Esse futuro de liberdade com prosperidade e justiça estava
traçado na nova nação que nasceu naquele dia, 6 de março de
1957. O primeiro governo pós‑colonial entendeu plenamente esta
obrigação e iniciou medidas para colocá‑la em prática. O fracasso
cada vez maior do estado, especialmente desde a década de 1960,
trouxe a nação para esta situação potencialmente arriscada em
que identidades tribais estão sendo fortalecidas e politizadas e a
política pública está sendo tribalizada. Nós chegamos tão longe
porque nós aceitamos como um princípio religioso que é pecado
utilizar o poder do estado para transformar a economia e melhorar
a qualidade de vida das pessoas ou que nós somos incapazes em
termos congênitos de construirmos um estado desenvolvimentista
para catalisar uma revolução econômica e uma transformação social
(Mkandawire, 2001, p. 306). Estas são falácias, são uma simples
propaganda ideológica. Não é impossível sair desta armadilha
e construir uma nação de cidadãos livres, prósperos e iguais no
desfrute dos seus direitos. Neste futuro de liberdade, prosperidade
1982
Gana desde meados do século XX: tribo ou nação?
***
1983
CAPÍTULO 64
ETNICIDADE E CIDADANIA NA ÁFRICA:
ALGUMAS REFLEXÕES
Ukoha Ukiwo
Introdução
O objetivo deste capítulo é explicar por que os cidadãos de
alguns países dão mais importância às suas identidades étnicas
do que seus contemporâneos em outros países. A etnicidade e a
cidadania tornaram‑se mais importantes na esfera pública em
toda a África desde o início da liberalização política e econômica
na década de 1980. Sua importância deriva do que vários atores
consideram cada vez mais a necessidade imperativa de definir e
redefinir a associação a um grupo como uma base para a inclusão e
exclusão de direitos. Determinados aspectos da “liberalização” são
responsáveis pela importância cada vez maior da identidade no
continente. A liberalização econômica, por um lado, desencadeia
o movimento e a localização de investimentos de capital em
locais específicos (países, condados, cidades). A concentração de
investimentos inevitavelmente gera a migração de pessoas – mão
1985
Ukoha Ukiwo
1986
Etnicidade e cidadania na África:algumas reflexões
1 N.E.: Veja o Capítulo 10, de Mahmood Mamdani, nesta antologia, sobre a fabricação de identidades
étnicas ao longo de várias décadas que levaram ao genocídio em Ruanda da década de 1990.
1987
Ukoha Ukiwo
1988
Etnicidade e cidadania na África:algumas reflexões
1989
Ukoha Ukiwo
70
60
50
40
30 Ethnic
National
20
10
1990
Etnicidade e cidadania na África:algumas reflexões
1991
Ukoha Ukiwo
1992
Etnicidade e cidadania na África:algumas reflexões
Tanzânia
Eu argumento que a forte ligação com o grupo étnico que
alguém tenha, mais do que com seu estado‑nação, tende a se
correlacionar com o reconhecimento pelo estado da identidade
étnica como critério para a distribuição de bens públicos. É por
isso que a Tanzânia tem a divergência mais ampla entre aqueles
que se identificaram como étnicos (17%) e aqueles que preferiram
a identidade nacional (62%). Apesar de desigualdades regionais
derivadas de padrões de colonização e fatores ecológicos, regimes
sucessivos da Tanzânia ainda não reconheceram critérios étnicos
como um requisito de elegibilidade para bens públicos. De acordo
com Julius Nyerere, presidente da Tanzânia (1964‑1985) que
estabeleceu esta política:
Nosso país é um daqueles na África que é muito elogiado
por ser unido. Nós não temos tribalismo, disputa
religiosa, discriminação de cor e opressão baseada em
tribo, religião ou cor, onde quer que ela exista. (Citado
em Nyangoro, 2006, p. 322).
Consequentemente, a cultura política dominante na Tanzânia
é uma em que “uma identificação étnica próxima demais por
um candidato torna‑se um passivo político” (Nyangoro, 2006,
p. 333). Em eleições para o Parlamento, nomeações para cargos de
gabinete e de funcionalismo público sênior, considerações étnicas
são conscientemente desestimuladas. Apesar de não reconhecer
formalmente a identidade étnica como um critério para acessar
bens públicos, governos sucessivos asseguraram que instituições
1993
Ukoha Ukiwo
Quênia
A Tanzânia difere marcadamente do seu vizinho da África
Oriental – o Quênia – onde a etnicidade permeia tanto a vida
política quanto a social. Apesar de a etnicidade ser criticada no
discurso público, enquanto as elites étnicas diferentes acusam uma
à outra de ceder no “tribalismo”, a modalidade de envolvimento
no estado e na sociedade civil no sistema de estado queniano
é uma que cultiva, nutre e promove alta consciência étnica
(Kanyinga, 2006). Jomo Kenyatta, o primeiro presidente do
Quênia independente, tentou criar um senso de unidade nacional,
promovendo programas comunitários de autoajuda conhecidos
como Harambee, em que o estado fornecia subsídios iniciais para
projetos comunitários. Esta modalidade para o envolvimento da
sociedade civil e do estado foi politizada, especialmente nos anos
de Daniel Arap Moi, que sucedeu Kenyatta. O regime de Moi
transformou o Harambee num sistema de política de patrocínio
e clientelista. Projetos de Harambee tornaram‑se oportunidades
para políticos angariarem votos e ipso facto mobilizar benefícios
1994
Etnicidade e cidadania na África:algumas reflexões
Botsuana
Ao contrário do Quênia, Botsuana tem sido especialmente
bem sucedido no uso da política pública para despolitizar a
etnicidade e a desigualdade. O objetivo da política foi diminuir o
predomínio da etnia Tswana e das suas comunidades constituintes.
As políticas incluem a nomeação de representantes de grupos
marginais para o Gabinete, o reconhecimento de eleitorados
especiais para comunidades tribais, uma política deliberada de
espalhar instituições educacionais e assistência, infraestrutura
física e amenidades sociais para todas as regiões, com ênfase
em regiões historicamente desprezadas e pobres (Selolwane,
2006). Uma ação afirmativa notável adotada em Botsuana para
1995
Ukoha Ukiwo
Gana
Ainda que de uma forma menos proativa do que na sua
contrapartida de Botsuana, o fato de o estado de Gana ter reagido
a desigualdades regionais e étnicas pode explicar o motivo para os
entrevistados que preferiram a identidade étnica (37%) ser maior
do que o de entrevistados mais conscientes em termos nacionais
(25%). A não ser pelas estratégias de construção de coalizão entre
a elite que favoreceram políticos vindos de regiões historicamente
mais pobres do norte, assim como a transferência líquida de
investimentos em infraestrutura, o estado de Gana não adotou
nenhuma política de ação afirmativa para suas etnias concorrentes.
No entanto, percepções de dominação étnica e de desigualdades
horizontais – especialmente entre as etnias Ewe e Akan, assim
como dentro do grupo majoritário Akan – aumentaram o senso
de identidade étnica no Gana contemporâneo. Existe uma forte
percepção em Gana de que instituições públicas são dominadas por
pessoas da etnia do presidente (Gyimah‑Boadi e Asante, 2006).
Durante a época de Jerry Rawlings (1983‑2000), houve acusações
de que os cargos estratégicos no estado eram ocupados pelos Ewe
na Região de Volta. Desde a eleição presidencial do ano 2000 e a
1996
Etnicidade e cidadania na África:algumas reflexões
Nigéria
O grau de identificação com a etnia em vez de com o estado‑
‑nação é maior na Nigéria como resultado de um medo obsessivo
que os nigerianos têm do domínio étnico e da abundância de
compartilhamento de poder e outra variedade de instituições
políticas inclusivas, como o princípio do caráter federal e o sistema
de quota (veja Mustapha, 2006; Ukiwo, 2007). O princípio do
caráter federal – lançado pela Constituição de 1979 e mantido em
1997
Ukoha Ukiwo
1998
Etnicidade e cidadania na África:algumas reflexões
1999
Ukoha Ukiwo
2000
Etnicidade e cidadania na África:algumas reflexões
2001
Ukoha Ukiwo
Conclusão
Sempre se temeu que a afirmação de subidentidades nacionais
fosse uma ameaça à identidade nacional e ao estado‑nação.
Este medo fica claro na seguinte avaliação precoce da adoção do
princípio do “caráter federal” na Nigéria:
Suponha que o “caráter federal” onipresente agora
entrincheirado como um motivo predominante
da vida nacional nigeriana devesse se estender
logicamente e com alguma justificação aparente para
outras instituições nacionais e outros aspectos do
governo federal? Será que isto levaria ipso facto ao
mesmo benefício previsto de agir como o afundador
elétrico do fator étnico? Será que a medida plena do
princípio fundamental do “caráter federal” para todas
as principais instituições nacionais gera uma ameaça
maior à eficácia e, então, à estabilidade da federação?
(Kirk‑Greene, 1983, p. 465)
Consequentemente, muitos estados multiétnicos tentaram
diversas políticas de integração voltadas para criar um sistema em
que a identidade nacional ofusca todas as subidentidades nacionais.
No entanto, políticas de integração são igualmente problemáticas
e na maioria dos casos polêmicas porque a chamada “identidade
nacional” costuma ser a identidade do grupo predominante. É por
isso que a acomodação de subidentidades nacionais foi oferecida
como a receita para a estabilidade em sociedades multiétnicas.
De acordo com o modelo de acomodação, o ideal não é obter uma
“mistura” fictícia, mas sim uma avaliação realista do “caldeirão”
em que todas as identidades permanecem importantes (Stuligross
and Varshney, 2002). O ponto deste capítulo foi enfatizar que os
países na África em que identidades étnicas são notavelmente
importantes são aqueles que adotaram o modelo de acomodação
2002
Etnicidade e cidadania na África:algumas reflexões
***
2003
CAPÍTULO 65
IDENTIDADE NACIONAL E A LINGUAGEM DA
METÁFORA1
Kofi Anyidoho
O contexto histórico
A busca constante da nação por metáforas de autodefinição
e autorrenovação costuma ser parte de processos históricos
1 Este capítulo é uma reprodução um pouco editada do primeiro capítulo com o mesmo nome entre
as páginas 1‑22 de FonTomFrom: Contemporary Ganaian Literature, Theater and Film, Matatu, Journal
for African Culture and Society, números 21‑22, editada pelo autor e por James Gibbs (2000). Ele
aparece aqui com a concordância de Gordon Collier e Geoffrey Davis, os editores de Matutu e com a
permissão generosa do editor sênior do livro, Fred van der Zee of Rodopi, em Amsterdã.
2 Homi K. Babha (1990, p. 291).
2005
Kofi Anyidoho
2006
Identidade nacional e a linguagem da metáfora
4 Wole Soyinka (1963). Uma nota de prefácio à peça publicada indica que “ela foi encenada pela
primeira vez como parte das Comemorações da Independência da Nigéria, outubro de 1960”.
N.E.: Biodun Jeyifo analisa interpretações transculturais das obras dramáticas mais amplamente
produzidas de Wole Soyinka no Capítulo 73.
2007
Kofi Anyidoho
de estrume5. Mais cedo, Ayi Kwei Armah tinha nos oferecido uma
visão apreensiva, quase assustadora da nação recém‑nascida na
“criança velha” simbólica:
Foi a imagem de algo que a legenda chamou de criança
velha. Ela tinha nascido com todas as características
de um bebê humano, mas em menos de sete anos
tinha completado o ciclo de bebê a criança a jovem à
maturidade e à velhice e no sétimo ano tinha morrido
de morte natural6.
Estas são visões do artista como humanista, que, conforme
sugere Robert July, costuma se preocupar com “questões básicas de
desenvolvimento e propósito nacionais” e, portanto, não é levado a
uma felicidade sem cautela em relação a ganhos de curto prazo na
busca de uma nação pela realização própria:
Assim como ocorre com indivíduos, a saúde de
nações costuma depender de intangíveis – axiomas
que regem padrões de comportamento nacional.
O desejo de criar um mundo mais são, mais
seguro e mais saudável. Definições de princípios
éticos ou estéticos concordados. A reconciliação
de necessidades materiais com espirituais. Aqui o
humanista africano estava no seu próprio território.
Aqui, assim como no passado, ele se manifestou no
seus poemas e histórias, seus dramas, suas danças
e sua arte. Ao fazer isso, ele estava observando
e julgando, advertindo e exortando, avaliando a
qualidade e o caráter do mundo em que ele vivia7.
2008
Identidade nacional e a linguagem da metáfora
8 Várias exceções importantes podem ser observadas: o conto alegórico “The Eagle and the Chicken,”
que costuma ser atribuído ao Dr. J. E. K. Aggrey, foi recriado como um importante livro infantil com o
mesmo título escrito por Ama Ata Aidoo (1986).
9 A importância da estrela negra como uma metáfora que definiu a história e a política do surgimento
de Gana para a condição de nação são capturados nos títulos de Basil Davidson (1989), Black Star:
A View of the Life and Times of Kwame Nkrumah. Na peça de Kwaku Mensa‑Bonsu, The Trial of Kwame
Nkrumah, ele é simbolicamente identificado como “Estrela Negra”.
2009
Kofi Anyidoho
The past
Is but the cinders
of the present;
The future
10 N.E.: “Akan Drum Prelude”, citado em Kwabena Nketia, “Akan Poetry”, em Ulli Beier (ed.) (1967, p. 30).
Reproduzido como o Capítulo 70.
2010
Identidade nacional e a linguagem da metáfora
The smoke
That escaped
Into the cloud‑bound sky.
Be gentle, be kind my beloved
For words become memories,
And memories tools
In the hands of jesters.
When wise men become silent,
It is because they have read
The palms of Christ
In the hands of the Buddha […]11.
O princípio de Sankofa
Uma introdução cuidadosa a criadores representativos da
tradição contemporânea de Gana nas artes enfatiza uma visão
de vida em que o presente está em constante interface criativa
com o passado, mas sempre com expectativas de colheitas
futuras como sua força motriz básica. Esta visão de uma tradição
nacional nas artes é adequadamente captada na agora onipresente
figura mitológica de Sankofa: pássaro Akan proverbial antigo,
constantemente voltando‑se para o passado ao mesmo tempo em
que voa em direção ao céu para um futuro de grandes expectativas,
sempre tendo em mente que um salto sem cautela para o futuro
poderia levar facilmente a um colapso repentino de sonhos.
No pássaro Sankofa, a cultura de Gana encontrou sua expressão
mais complexa e mais recorrente do princípio orientador de
desenvolvimento favorito da nação.
Uma das maneiras mais significativas em que este princípio
tem orientado desenvolvimentos nas artes é a busca constante
por modelos antigos de excelência e relevância que possam ser
2011
Kofi Anyidoho
2012
Identidade nacional e a linguagem da metáfora
2013
Kofi Anyidoho
2014
Identidade nacional e a linguagem da metáfora
2015
Kofi Anyidoho
24 Veja o Suplemento ao Western Echo (1886) 1(7). Costa do Cabo; quarta‑feira, 20 de janeiro, p. 1.
25 Atukwei Okai (1974, p. 24) Lorgoligi Logarithms and Other Poems.
26 Wole Soyinka (1984, p. 90) The Man Who Died.
2016
Identidade nacional e a linguagem da metáfora
2017
Kofi Anyidoho
2018
Identidade nacional e a linguagem da metáfora
28 Akosua Anyidoho (1994) “Tradition and Innovation in Nnwonkoro: An Akan Female Genre”.
29 Albert Kayper‑Mensah (1976a, p. 4). Veja também seu poema “Stale Comment” no seu Proverb
Poems (1976b) para o perigo de viver de forma não crítica e constante no passado.
2019
Kofi Anyidoho
30 J. B. Danquah (1943) The Third Woman. Para uma análise de uma produção da peça de Asare, veja o
fragmento de James Gibbs (1994) no Newsletter for the School of Performing Arts Legon: Universidade
de Gana, janeiro‑março:11‑12. N.E.: A pequena história do teatro em Gana, de James Gibbs, constitui
o Capítulo 74.
2020
Identidade nacional e a linguagem da metáfora
31 Efua Sutherland (1975, p. v.). N.E.: No Capítulo 52 desta antologia, K. Anyidoho esboça brevemente a
análise de Opoku‑Agyemang do charlatão africano como um veículo histórico de crítica sociopolítica.
2021
Kofi Anyidoho
O tambor primitivo
Até agora eu argumentei que o princípio Sankofa e a personagem
do Ananse podem ser vistos como metáforas que definem a
identidade nacional nas artes e possivelmente em outras esferas
da vida na sociedade ganense. Agora podemos olhar brevemente
o tambor como outra metáfora crucial para a identidade nacional.
Talvez mais do que qualquer outro artefato cultural específico, o
tambor se destaca como sendo um ponto básico de comunicação e
de communitas. Não existem tantos rituais de passagem na vida de
indivíduos, comunidades, assim como da nação como um todo que
sejam marcados sem a presença central do tambor. Tanto na esfera
do ritual quanto da recreação, na celebração tanto da vida quanto
da morte, o tambor sempre está presente. Até mesmo no contexto
do sistema de comunicações do estado moderno, o tambor ocupa
um lugar extraordinário. Toda vez que o rádio ou a televisão dá
a notícia, existe um brado de convocação do prelúdio do tambor.
De fato, o logotipo da Gana Broadcasting Corporation é um par de
tambores falantes.
2022
Identidade nacional e a linguagem da metáfora
33 J. H. Kwabena Nketia em Voices of Gana (ed.) Henry Swanzy (1958, p. 17‑23). N. E.: Reproduzido nesta
antologia como Apêndice ao Capítulo 70.
34 Acquah (1989, p. 95, 99).
2023
Kofi Anyidoho
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Identidade nacional e a linguagem da metáfora
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Kofi Anyidoho
2026
Identidade nacional e a linguagem da metáfora
2027
Kofi Anyidoho
45 N.E.: A Comissão Nacional de Cultura de Gana agora é mantida como um departamento subordinado
ao Ministério da Chefia e da Cultura, inaugurado em 2006 como uma agência independente do
governo distinta do atual Ministério do Turismo e das Relações da Diáspora.
2028
Identidade nacional e a linguagem da metáfora
2029
Kofi Anyidoho
2030
Identidade nacional e a linguagem da metáfora
48 Ama Ata Aidoo (1996) The Girl Who Can & Other Stories.
49 Kojo Laing (1992, p. 3).
50 Kojo Laing (1992, p. 7).
2031
Kofi Anyidoho
51 Para uma introdução útil à linguagem da obra de Laing, veja M. E. Kropp Dakubu (1993). N.E.: Kropp
Dakubu analisa provérbios Ga no Capítulo 81.
2032
Identidade nacional e a linguagem da metáfora
isso? “É amor, senhor. Amor por você …; amor, senhor… por este
grande… grande continente. Amor…, senhor”!52
Conclusão
O quadro geral que se pintou aqui da paisagem cultural de
Gana é, na melhor das hipóteses, parcial, com uma ênfase evidente
na literatura escrita. Mesmo aqui, o registro não chega a estar
completo, ao se concentrar como se concentra na literatura escrita
em inglês. Existe um orgulho de lugar compreensível, ainda que
problemático, dado ao movimento de independência e o destaque
da escrita criativa de Gana, juntamente com desenvolvimentos
gerais sobre o continente como um todo. O período nos deixou
com o legado extraordinário de uma geração de criadores que
desde então tornaram‑se figuras ancestrais apesar de muitos
deles de fato estarem vivos e ainda cheios de energia criativa:
Kwesi Brew, Kofi Awoonor, Ayi Kwei Armah, Ama Ata Aidoo, J. H.
Kwabena Nketia, Mawere Opoku, sendo que a presença contínua
de todos eles na cena cultural permanece um ponto de referência
constante; Ephraim Amu, Joe de Graft, Albert Kayper‑Mensah,
Andrew Opoku, Ͻkyeame Akuffo Boafo e Efua Sutherland e todos
os outros já foram embora, mas cujo espírito criativo continua a
orientar a nação através de momentos de felicidade ou lamento.
Além desta lista de honra, nós temos que chamar atenção
especial para o domínio da literatura oral, que só agora está
começando a receber atenção plena dos nossos estudiosos e
professores, apesar de os escritores sempre terem se beneficiado
muito dos seus recursos ricos. Entre os principais criadores nesta
tradição estão Vinoko Akpalu da tradição agoha Ewe ou nyayito
(dirge), Ͻkyeame Boafo Akuffo da apae (poesia de louvação) Akane
e Maame Efua Abasaa do nnwonkoro Akan.
2033
Kofi Anyidoho
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Identidade nacional e a linguagem da metáfora
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Kofi Anyidoho
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Identidade nacional e a linguagem da metáfora
of the Aeroplanes, e Major Gentl and the Achimota Wars; Bill Marshall:
Permit for Survival and Stranger to Innocence; K. Mensa‑Bonsu: A
Bride for the King; Stephen Owusu: Dark Faces at Crossroads; Joseph
Sebuava: The Inevitable Hour.
A estes temos que acrescentar as várias vozes muito fortes
com obras significativas porém ainda inéditas, sendo que algumas
delas já alcançaram o público através do palco, da tela de televisão
ou da arena de leituras e apresentações públicas: K. Asiedu
Aboagye, Mawuli Adjei, Fred Mwanga Agbobli, e Adzo Zagbede‑
‑Thomas (poesia); Setheli Ashong‑Katai (poesia e cinema); Vincent
Odamtten (poesia e crítica); S. B. Donyuo Sungbamaa (poesia e
ficção); Yaw Asare e Efo Kojo Mawugbe (drama); Abeoku Sagoe e
Sackey Sowa (drama e cinema); Alex Agyei‑Agyiri (ficção); Tettey
(contos) et al. Especificamente, conforme Esi Sutherland‑Addy e
outros demonstram nos seus artigos sobre teatro e cinema, existe
um incrível alinhamento de novas vozes e testemunhas oculares
ocupadas usando de maneira criativa a mídia moderna do palco,
das ondas aéreas e da tela, carregando com elas a atenção popular
de uma amostragem da população.
O que tudo isto significa é que existe uma lacuna serosa entre
o criador e o crítico. Nós temos que reconhecer as contribuições
muito úteis que já estão sendo feitas, infelizmente ainda por
apenas um punhado de críticos – entre os quais os dois principais
textos de Kwesi Yankah, amplamente lidos internacionalmente
(1989, 1995) na área da literatura oral e a dissertação de doutorado
de Kofi E. Agovi e artigos influentes em periódicos (1980, 1982,
1988, 1989, 1990, 1995) tanto sobre a literatura oral quanto
escrita. Numa nota pessoal, eu costumo sentir que na maior parte
do tempo que eu tenho gastado ultimamente em estudos críticos
provavelmente seria melhor dedicado à escrita criativa. A situação
em que vários artistas criativos de Gana sentiram a necessidade de
2037
Kofi Anyidoho
2038
Identidade nacional e a linguagem da metáfora
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2039
Kofi Anyidoho
2040
CAPÍTULO 66
O ARGUMENTO A FAVOR DA CONTAMINAÇÃO:
MULTICULTURALISMO COMO REGRA NA ÁFRICA
CONTEMPORÂNEA1
Kwame Anthony Appiah
1 N.E.: Este artigo apareceu originalmente no New York Times Sunday Magazine, de 1º de janeiro de
2006, adotado do livro recente do autor, Cosmopolitanism: Ethics in a World of Strangers, publicado
pela W.W. Norton, 2006, nos Estados Unidos. Ele está reproduzido aqui com permissão da Penguin
Books Ltd.
2041
Kwame Anthony Appiah
2042
O argumento a favor da contaminação: multiculturalismo como regra na África contemporânea
Japão, de onde vem sua esposa. Eles têm outro irmão que esteve
por algum tempo na Espanha e mais dois irmãos que, da última
vez que eu soube, estavam nos Estados Unidos. Alguns deles ainda
vivem em Kumasi, um ou dois em Acra, a capital de Gana. Eddie,
que mora no Japão, fala o idioma da sua esposa agora. Ele precisa
falar. Mas nunca se sentiu confortável com o inglês, o idioma do
nosso governo e das nossas escolas. Quando ele me telefona de vez
em quando, prefere falar Asante‑Twi.
Ao longo dos anos, prédios do palácio real em Kumasi se
expandiram. Quando eu era criança, nós costumávamos visitar o
rei anterior, meu tio‑avô por casamento, num pequeno prédio que
os britânicos tinham permitido que seu antecessor construísse
quando ele voltou do exílio nas Ilhas Seychelles para um reino
Asante restaurado, porém reduzido. Agora esse prédio é um museu,
tornado minúsculo pela imensa casa ao lado – construída pelo seu
sucessor, meu tio por casamento – onde o rei atual vive.
Ao lado, rente à varanda onde estávamos sentados, está o
conjunto de escritórios recentemente concluído pelo rei atual,
o sucessor do meu tio. Os britânicos, o povo da minha mãe,
conquistaram Asante na virada do século XX. Agora, na virada do
século XXI, o palácio transmite a mesma sensação que deve ter
passado no século XIX: um centro de poder. O Presidente de Gana
também vem deste mundo. Ele nasceu do outro lado da rua, sendo
filho de um membro do clã real Oyoko. Mas ele também pertence a
outros mundos: estudou na Universidade de Oxford, é membro de
uma das associações de advogados em Londres e é católico (na sua
sala de estar, há uma foto em que ele cumprimenta o Papa).
O que devemos entender com isso? Na quarta‑feira de festival
de Kumasi, vi visitantes da Inglaterra e dos Estados Unidos recuarem
diante do que eles consideram como a intrusão da modernidade em
rituais tradicionais atemporais – mais evidência, eles acreditam,
2043
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O argumento a favor da contaminação: multiculturalismo como regra na África contemporânea
2045
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O argumento a favor da contaminação: multiculturalismo como regra na África contemporânea
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Kwame Anthony Appiah
3 N.E.: Estes são exemplos perfeitos das várias novelas exibidas durante o dia que mostram visões
convencionais de vanguarda nos Estados Unidos de um estilo de vida sofisticado e valores acelerados.
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O argumento a favor da contaminação: multiculturalismo como regra na África contemporânea
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Kwame Anthony Appiah
acham que existem muito valores pelos quais vale a pena viver e
que você não pode viver por todos eles. Então nós desejamos e
esperamos que pessoas e sociedades diferentes incorporem valores
diferentes. Outro aspecto do cosmopolitanismo é o que os filósofos
chamam de falibilismo – o sentido de que nosso conhecimento é
imperfeito, provisório, sujeito a revisão diante de alguma prova
nova.
O conceito neofundamentalista da ummah global, ao contrário,
aceita variações locais – mas apenas em assuntos sem importância.
Estes anticosmopolitas, assim como vários fundamentalistas
cristãos, efetivamente pensam que existe um jeito certo para todos
os seres humanos viverem e que todas as diferenças são meros
detalhes. Se o que o preocupa for a homogeneidade global, então
você deverá se preocupar com esta utopia, não com o mundo que o
capitalismo está produzindo.
Ainda assim, os universalismos em nome da religião difi‑
cilmente são aqueles que invertem a doutrina cosmopolita. Em
nome da humanidade universal, você pode tão facilmente ser o
tipo de marxista, como Mao ou Pol Pot, que quer erradicar toda a
religião, como ser o Grande Inquisidor, supervisionando um auto
de fé. Todos estes homens querem o mundo inteiro do seu lado
para que possamos compartilhar com eles a visão no espelho deles.
“Na verdade, eu sou um conselheiro confiável para vocês”,
disse Osama bin Laden numa mensagem ao povo americano de
2002. “Eu os convido para a felicidade deste mundo e do além e a
escaparem da sua vida seca, miserável e materialista, que não tem
alma. Eu os convido ao islamismo, que pede que se siga apenas o
caminho de Alá, o caminho que pede justiça e proíbe a opressão
e crimes”. Juntem‑se a nós, dizem os anticosmopolitas e todos
nós seremos irmãs e irmãos. Mas cada um deles planeja pisotear
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O argumento a favor da contaminação: multiculturalismo como regra na África contemporânea
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Kwame Anthony Appiah
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O argumento a favor da contaminação: multiculturalismo como regra na África contemporânea
4 N.E.: A Ku Klux Klan (KKK) é uma missão protestante quase secreta organizada hierarquicamente
de supremacia branca nos Estados Unidos inaugurada em 1865, famosa pelo terrorismo racista
ritualizado, especialmente incontáveis linchamentos de negros americanos, realizados com
impunidade e com a cumplicidade tácita de agências locais de imposição da lei. Até hoje, execuções
racistas extrajudiciais são realizadas sem nenhuma investigação judicial no sul dos Estados Unidos,
tanto sob a égide da KKK quanto fora dela, que atualmente é uma rede descentralizada com uma
estimativa de 8.000 membros distribuídos em 179 filiais em todo o país.
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Kwame Anthony Appiah
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CAPÍTULO 67
TRANSPLANTANDO O CARVALHO INGLÊS:
LEGALISMO, LEGALIDADE, PLURALISMO JURÍDICO E
O DIREITO PENAL DE GANA1
Henrietta Joy Abena Nyarko Mensa‑Bonsu
2069
Henrietta Joy Abena Nyarko Mensa‑Bonsu
Introdução
Com estas palavras memoráveis, Lord Denning descreveu os
conflitos de princípio que tendem a surgir em qualquer sistema
jurídico que aplicar normas estrangeiras à sua própria cultura,
se nenhum esforço for feito para adaptá‑las ao clima local4. Este
capítulo explora vários exemplos em que a dissonância muitas
vezes citada entre a lei declarada e sua operação pode ser rastreada
para deficiências ou fracassos absolutos em prestar atenção
nas necessidades duplas de o direito penal reagir a situações
culturalmente polimorfas e dele resolver conflitos de cultura
inerentes num ambiente juridicamente pluralista.
As mudanças no carvalho em si podem ser ocasionadas ou
pelo solo para o qual ele foi transplantado ou pelo enxerto de outras
espécies nele. Conforme certamente aconteceu, o solo inglês de
onde derivava o carvalho tinha que ser diferente uma vez que tinha
determinadas qualidades que o solo para o qual ele foi transplantado
não tinha. O novo solo pode ter sido rico em nutrientes que o clima
mais frio não tinha, nutrientes que ao longo tempo tiveram um
3 Lord Justice Per Denning (como ele era na época) em Nyali Ltd. v. Attorney‑General [1955] All E.R. 646,
em 653.
4 Um estudioso jurídico propôs o problema da seguinte forma: “As populações africanas estão vivendo
sob suas próprias formas de sociedade, tendo seus próprios costumes, sua própria religião, crenças,
organização social, padrões de casamento, etc. Como a lei inglesa pode ser aplicada a elas sem ser
adaptada”? D. K. Afreh (1970, p. 25).
2070
Transplantando o carvalho inglês: legalismo, legalidade, pluralismo jurídico e o direito penal de Gana
2071
Henrietta Joy Abena Nyarko Mensa‑Bonsu
6 A necessidade de adaptar nossas leis e ajustá‑las de acordo com noções culturais é apoiada pelo
filósofo John Rawls (1986, p. 3) que sustenta que “a justiça é a primeira virtude de instituições sociais,
assim como a verdade é de sistemas de pensamento. Não importa o quanto leis e instituições forem
eficientes e bem ordenadas, elas precisam ser reformadas ou abolidas se forem injustas”.
7 Lei 653.
8 PNDCL236.
9 PNDCL333 conforme emendado pelo Securities Industry (Amendment) Act, 2000 (Lei 590).
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Transplantando o carvalho inglês: legalismo, legalidade, pluralismo jurídico e o direito penal de Gana
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Henrietta Joy Abena Nyarko Mensa‑Bonsu
14 O Artigo 47(5) prescreve que a cada sete anos ou em até 12 meses após um censo nacional, a
Comissão Eleitoral deverá rever fronteiras eleitorais.
15 [1961] Part II GLR 523.
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Transplantando o carvalho inglês: legalismo, legalidade, pluralismo jurídico e o direito penal de Gana
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Henrietta Joy Abena Nyarko Mensa‑Bonsu
2082
Transplantando o carvalho inglês: legalismo, legalidade, pluralismo jurídico e o direito penal de Gana
Identidades múltiplas
Não é apenas na comunidade jurídica que se encontra o
respeito pela forma da lei em detrimento da sua substância. Pessoas
comuns também exibem estas atitudes e, juntamente com uma
cultura de pluralismo jurídico, elas promovem uma nova espécie
de crime nesta jurisdição. Uma expressão comum deste problema
é a maneira pela qual as pessoas mudam por vontade própria o
mais básico de aspectos particulares pessoais – nomes e idades –
simplesmente porque a lei oferece um meio de se fazer isso, mas a
lei não fiscaliza esse procedimento de maneira adequada.
Nomes. Um nome é uma das qualidades mais básicas de
uma pessoa. Ele identifica e distingue essa pessoa das outras.
A atitude da common law em relação a nomes é que uma pessoa
pode se chamar da maneira que ela quiser25. Portanto, pode‑se
carregar qualquer nome e também mudar esse nome por vontade
própria. No entanto, a regra da common law claramente não previu
que numa das colônias britânicas seria legalmente possível uma
pessoa ter vários nomes ao mesmo tempo. Portanto, a regra
transplantada tornou‑se o meio pelo qual a fraude está sendo
24 Ibid, p. 202.
25 Countess of Cowley v. Cowley (1900, p. 305). Esta atitude não é compartilhada por toda jurisdição.
Recentemente, o governo da Malásia proibiu o uso de determinados nomes uma vez que uma
quantidade muito grande de pessoas estava solicitando uma mudança de nomes para usar nomes
como: “Hitler”, “007” e algumas marcas japonesas de carros. Veja item de notícia online em <www.
bbcnews.com> data de acesso: 30 de julho de 2006.
2083
Henrietta Joy Abena Nyarko Mensa‑Bonsu
2084
Transplantando o carvalho inglês: legalismo, legalidade, pluralismo jurídico e o direito penal de Gana
pode‑se até pensar que ele seja “B. Osei Koffie” e dessa forma se
apresentar involuntariamente como três indivíduos separados!
Então esta situação multiplica as oportunidades de fraude. Nomes
muçulmanos também apresentam um desafio neste sentido porque
um “Aziz Mohammed” pode ser uma pessoa totalmente diferente
de um “Mohammed Aziz” e ainda assim, essa pessoa pode se
apresentar regularmente como “Mohammed Aziz”, não levando
em conta a mudança de identidade que ocorre com a inversão
da ordem do seu nome. Apesar de isto não ser um problema de
sistemas de lei civil uma vez que se exige que eles escrevam o nome
de família com letras maiúsculas, a ausência dessa exigência cria
oportunidades para confusão e até mesmo para fraude.
Uma complicação adicional deste problema é que uma pessoa
pode mudar de nome voluntariamente, sem dar nenhuma razão.
Apesar de um documento formal como uma declaração solene
geralmente ser necessário, tornou‑se a prática de uma pessoa
mudar seu nome e, cada vez mais, sua data de nascimento, pelo
simples expediente de jurar por um depoimento que se deseja ser
conhecido e chamado de fulano de tal e que “todos os documentos
anteriores permanecem válidos”. Em seguida, o fato da mudança
é anunciado no jornal, e pronto, a pessoa terá assumido uma
nova identidade legal. Assim, esta prática tornou possível para
Abena Nyarko, sem rima ou razão, anunciar num jornal depois de
declarar sob juramento, que ela se tornou Akosua Bonsu (ou seja,
uma menina nascida num domingo) ou que ela se tornou Adelaide
Oppong e que todos os documentos anteriores permanecem
válidos! A cultura de identidades múltiplas e a facilidade com que
uma identidade pode ser abandonada em favor de outra com muito
pouca interferência da lei, é um problema grave para o direito penal
de Gana por ser uma receita clara para a fraude. As pessoas podem
abandonar obrigações contratadas simplesmente assumindo uma
nova identidade através de uma mudança de nome. Elas podem
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26 Considere o seguinte texto literal de uma nota do Registrar da Universidade de Gana, Ted Konu, a
funcionários da Universidade de Gana, datada de 7 de janeiro de 2002: “Data de Nascimento: Todos
os funcionários (membro sênior, funcionário sênior e funcionário júnior) são lembrados que a partir
de agora eles ficarão vinculados à data de nascimento declarada na primeira vez. Em outras palavras,
neste século XXI e além, a Universidade não aceitará mais uma declaração juramentada atestando
uma mudança na data de nascimento”.
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27 Ao preencherem formulários oficiais como aqueles para solicitar passaporte, muitas pessoas assinam
a seção de testemunha antes mesmo dos fiadores serem abordados para fornecerem a garantia.
Tendo assim gerado falso testemunho, nenhuma consequência legal jamais ocorre quando surge
um problema e a testemunha não estiver em condições de depor sobre a legitimidade da assinatura
daquele que assumiu a responsabilidade pelo candidato como fiador. Por que devemos continuar a
exigir testemunhas se elas não pretendem funcionar como testemunhas quando surge a necessidade?
Será que temos essa seção do formulário apenas porque os outros as têm ou porque nós assumimos
uma obrigação internacional a mantê‑la nos nossos formulários? Muitas vezes nós temos de nos
manter de acordo com a letra da lei desconhecendo ou desprezando completamente seu espírito.
28 O cidadão médio não vê o motivo de toda a discussão jurídica quando a pessoa é, na opinião delas,
“culpada” porque “ela fez e todo mundo sabe que ela fez”! Importa pouco para nós que a “culpa” tenha
que ser estabelecida de acordo com a acusação feita e de acordo com padrões aprovados pela lei.
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que elas tiverem sido presas. Esse uso dos poderes de polícia de
prisão realmente resulta em abuso. Estes ataques são usados como
uma loteria de caça aos criminosos e são uma violação dos direitos
daqueles que são presos dessa forma. Ainda assim, o restante de
nós não condenamos a prática porque ela é percebida como um
meio de lidar em espécie com aqueles que tornam nossas vidas
inseguras ou cujos estilos de vida ameaçam nosso conforto. Ainda
assim, nós temos que insistir que limites jurídicos estabelecidos
para proteger os direitos dos indivíduos sejam respeitados e nós
não devemos estimular a ausência de lei oficial simplesmente por
nós tendermos a nos beneficiarmos dela. Nenhum fim, por mais
honorável que seja, pode ser justificado se os meios usados para
alcançá‑lo forem, eles próprios, ilegais ou desonestos.
Nós temos louvor abundante pela polícia quando ela noticia
que ladrões armados foram mortos num “tiroteio” sem nunca
questionarmos como tiroteios parecem produzir resultados
unilaterais. Mas depois nós criticamos quando acreditamos que as
pessoas erradas tenham sido mortas. Nós temos que nos esforçar
para melhorarmos o sistema formal de policiamento em vez de
tentarmos enxertar métodos tradicionais de imposição da lei no
sistema moderno.
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35 Relatório do Comitê de Especialistas sobre Propostas para um Projeto de Constituição de Gana (1991,
p. 124, Parágrafo 266).
36 Ibid, Parágrafo 266.
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Fiança
A instituição da fiança é outro caso em que noções culturais do
tratamento de pessoas acusadas de um crime entram em conflito
com princípios da common law. O significado do termo “fiança”
em si parece ter mudado com o tempo. Seu significado original
referia‑se a um indivíduo que concordava em deter uma pessoa
que tivesse sido acusada de cometer um crime e em produzir a
pessoa no momento adequado para ela ser julgada37. No entanto,
seu significado mudou de tal forma que agora ele tornou‑se uma
descrição do processo para assegurar a liberdade de uma pessoa
acusada de uma ofensa até que um julgamento possa ser realizado38.
Apesar da mudança de significado, fiança trata basicamente de
remover um indivíduo acusado de um crime da custódia do Estado
para a custódia de alguém que se apresenta como voluntário
para fazer essa custódia, permitindo assim que a pessoa acusada
desfrute da sua liberdade durante a investigação ou o julgamento.
A concessão pode estar condicionada a uma garantia dada por
outra pessoa ou por outras pessoas que concordem em assumir a
responsabilidade pelo comparecimento da pessoa no tribunal numa
data posterior ao afiançar ou até pelo próprio reconhecimento da
pessoa (ou sua promessa de permanecer disponível sempre que for
necessário para responder à acusação)39. Não conseguir produzir
a pessoa acusada no prazo exigido pode fazer com que a pessoa
compareça ao tribunal para transcrever a fiança40. Esse processo
37 A. N. E. Amissah (1982, p. 181); Ronald N. Boyce & Rollin M. Perkins (1989, p. 1074).
38 Republic v. Registrar of High Court ex parte Attorney‑General [1982‑83] Ghana Law Review 407, p.
417. O entrevistado tinha recebido fiança pendente de recurso por um Tribunal Superior após
condenação por uma Vara Cível. O solicitante trouxe Certiorari para a decisão do Tribunal Superior,
mas o requerimento foi dispensado.
39 Everette v. Griffiths [1921] A.C. 631.
40 Transcrever o contrato simplesmente significa impô‑lo. O resultado dessa imposição é que
independentemente da quantia de dinheiro que fosse solicitada como fiança, ela teria que ser paga
ao tribunal, ou o fiador seria considerado pessoalmente responsável pelo fracasso em honrar o
contrato.
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Bigamia
Esta é a única ofensa que parece ser ineficaz devido ao
pluralismo jurídico. A bigamia ocorre quando uma pessoa casada
de acordo com a Lei do Casamento de 1884 (Cap. 127), que é um
casamento monogâmico, pretender contratar qualquer outra
forma de casamento, consuetudinária ou civil. A bigamia parece
ser o crime mais comumente não forçado da cena social. Não
se sabe de nenhuma condenação que tenha ocorrido desde a
aprovação do Código Penal em 1960. A ausência de imposição não
se deve à ausência de casos, mas sim à ausência de pessoas que
reclamem. Isto, por sua vez, deve‑se ao fato de pessoas socializadas
numa cultura polígama aceitarem o funcionamento de conceitos
consuetudinários de poligamia apesar de a pessoa poder ter optado
pela monogamia ao se casar voluntariamente de acordo com a Lei.
Mulheres nesta cultura são socializadas para compartilharem
seus maridos alegremente com qualquer mulher que o atrair ao
erguerem o modelo da “esposa boa” como alguém que dá as boas‑
‑vindas à nova esposa do seu marido e não causa problemas. Ao
contrário, a “esposa ruim” é a mulher ciumenta que se recusa a
aceitar uma coesposa e constantemente causa problemas e nossas
lendas populares estão repletas de estórias de como uma mulher
dessas paga por isso. Estas imagens são fortes na definição da
conduta aceitável, até mesmo quando um marido tiver violado a lei
e muito poucas ganenses sentem‑se à vontade de sujeitarem um
marido ou um cunhado ou sogro ao processo criminal por bigamia,
especialmente se o marido não rejeitar o casamento anterior de
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Adultério
Bem ao contrário, um fato que muitos homens acham difícil
de aceitar é que o adultério, especialmente envolvendo uma
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deveria ter usado o teste subjetivo para saber se ele realmente foi
provocado ou não. Seu recurso foi indeferido, com o tribunal de
apelação sustentando, na questão da provocação, que o juiz não
tinha instruído os jurados equivocadamente uma vez que, inter
alia, a Seção 53(c) exigia que uma pessoa tivesse visto a cônjuge no
ato de adultério. Não bastava que sua conduta tivesse sido adúltera
uma vez que no tempo material ele estava agindo de acordo apenas
com uma suspeita – por mais sólida e bem fundamentada que ela
fosse. De novo, a atitude da lei é que uma confissão de adultério,
por mais gráfica que seja49, não pode levar adequadamente à perda
do autocontrole por uma pessoa de caráter comum. É claro que isto
não leva em consideração as circunstâncias nas quais a confissão
foi feita. Supõe‑se que apenas uma confrontação pessoal com o ato
de adultério praticado pela cônjuge atenderia à cláusula.
Também é o caso, na Seção 53(d), que um pai ou responsável
que por acaso presenciar um ato consensual de relação
homossexual pode ser suficientemente provocado, mas não um pai
ou responsável que por acaso presenciar uma cena que envolva o
relacionamento heterossexual. É claro que pais que usarem armas
com destreza não têm nenhuma defesa quando suas filhas se
envolvem num ato consensual de relação heterossexual. Pode ser
interessante fazer um censo de quantos pais ganenses com filhas
adolescentes concordam com a cláusula!
Apesar da existência de circunstâncias de provocação, a defesa
ainda assim não irá beneficiar uma pessoa acusada específica se
houver prova insuficiente de que a matança tenha ocorrido de
uma forma “precipitada e impulsiva”. Portanto, na Seção 54(1)(a)
uma pessoa que agir em circunstâncias reconhecidas como uma
provocação extrema poderá ainda assim ser privada da defesa se o
júri concluir que a pessoa não estava realmente privada do poder
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58 Ibid., p. 729.
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Educação cívica
Lições de educação cívica planejadas de maneira adequada
enfatizam o respeito pela lei. A Comissão Nacional Para Educação
Cívica (NCCE) deve estar envolvida. Isto deve ir além de algumas
conversas ou palestras sobre direitos humanos, para alguma lei
rudimentar para a vida quotidiana. A educação cívica pode ser feita
sem doutrinação política e isto deve receber atenção. A educação
do eleitor não é a única forma de educação cívica exigida para
manter uma democracia e injunções de fé por eles próprios não
aumentará o respeito pela lei. Apenas através de diversos meios
de comunicação e de diversos métodos de pedagogia um esforço
consciente para cultivar o respeito pela lei pode frutificar nas
mentes de todos os cidadãos, jovens ou velhos.
Funcionários da lei devem assegurar que suas operações
sejam informadas pelo conhecimento de que a pessoa média deve
conseguir entender a lei mesmo que ela não avalie a importância
jurídica de todas as questões envolvidas. Também se deve ter em
mente que a operação do direito penal costuma representar o índice
do cidadão comum e a concepção de operação do sistema judicial
especificamente e todo o sistema jurídico em geral. Os principais
agentes do sistema, os policiais, portanto, precisam exibir mais
admiração e respeito, não apenas pela sua própria instituição,
2120
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mas até mesmo pelo peso jurídico dos seus uniformes. Os atos de
corrupção leve aos quais eles se entregam minam o respeito que
a lei confere a eles. De maneira semelhante, o abuso do uniforme
– como mandar um motorista parar apenas para pedir carona
para um amigo, brigar sem tomar atitudes ou trocar insultos
com membros do público enquanto estão fardados, beber álcool
enquanto estão fardados, ou serem vistos bêbados enquanto estão
fardados – são atos que parecem pequenos isoladamente, mas que
em conjunto destroem a estima do público pela polícia. Esta falta de
respeito pelos agentes da lei se traduz numa falta de respeito pela
própria lei, levando a uma indisposição para respeitar processos
estabelecidos para a manutenção da lei e da ordem públicas.
Profissionais jurídicos precisam estar conscientes de que
o trabalho deles é a esperança de justiça para o cidadão comum.
Portanto, abordagens que beneficiam a eles próprios à tomada
de decisões e à imposição apenas minam a imagem da lei como
protetora de todos os cidadãos, de qualquer forma que eles sejam
colocados e produzam uma crença de que a lei é irrelevante nas
questões que afetam a vida quotidiana das pessoas. Tornar a lei
irrelevante para a pessoa comum é autoderrotista, uma vez que
seu resultado direto é a cultura de ausência da lei sobre a qual
nós reclamamos com tanta frequência. Da parte do cidadão
comum, o respeito por processos jurídicos é absolutamente tão
importante quanto o resultado desses processos, pois a justiça não
começa com o resultado, mas com a maneira em que o resultado
é obtido. Portanto, é nosso dever cívico ordenarmos nossos
negócios de acordo com a prescrição da lei e termos consciência
de que independentemente de quanto a nossa causa for justa, nós
a mancharemos se adotarmos meios ilegais para expressarmos
nossos direitos ou nosso desacordo.
2121
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Transplantando o carvalho inglês: legalismo, legalidade, pluralismo jurídico e o direito penal de Gana
***
2124
Capítulo 68
TRECHOS DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA
DE GANA DE 1992
Assembleia Consultiva do PNDC1
Introdução
A Quarta Constituição Republicana de Gana, elaborada em
1992 e em vigor desde 7 de janeiro de 1993, recolocou Gana no
caminho da democracia e do constitucionalismo. Fora sua elegância
e força como texto literário, sua potência como uma vontade
coletiva que orienta decisões judiciais hoje e no futuro deste país,
a Constituição inclui uma característica central e significativa
do ambiente humano contemporâneo2 – uma característica que
estudiosos, filósofos, pesquisadores, investigadores, ativistas e
comentaristas sociais devem levar em consideração ao refletirem
1 N.E.: Conselho Provisório de Defesa Nacional, ou Provisional National Defence Council (PNDC), em
ingês, foi a denominação adotada pelo governo militar do Gana após o golpe de 31 de dezembro de
1981, que depôs o governo constitucional de Hilla Limman.
2 A caracterização da Constituição como uma característica do ambiente humano deve‑se ao
Professor Kofi Kumado, Diretor do Centro de Negócios Internacionais de Legon. Os autores desta
antologia incluíram estas observações introdutórias.
2125
Assembleia Consultiva do PNDC
3 Extraído da introdução à edição revisada e resumida (2003) produzido pelo Conselho Nacional Para
Educação Cívica (NCCE). Este capítulo é dedicado com especial gratidão ao seu presidente Larry
Bimi, pelo seu compromisso com a educação cívica fundamental para compartilhar os frutos de uma
democracia por todos os seus cidadãos.
2126
Trechos da Constituição da Repúblicade Gana de 1992
***
4 Veja especialmente o capítulos escritos por Assibi O. Abudu, IVan Addae‑Mensah, Robert Addo‑
‑Fening, Akosua Anyidoho, Kofi Anyidoho, Nana S. K. B. Asante, Kofi Awoonor, H. J. A. N. Mensah‑
‑Bonsu, Kwame Ninsin, Kwame Nkrumah, Abena Oduro, Judith Sawyerr, Jacob Songsore, Kwasi
Wiredu, Kwesi Yankah.
2127
Assembleia Consultiva do PNDC
PREÂMBULO
2128
Trechos da Constituição da Repúblicade Gana de 1992
CAPÍTULO CINCO
Artigo 12
1. Os direitos humanos e as liberdades fundamentais sacra‑
mentados neste capítulo serão respeitados e sustentados pelo
Executivo, pelo Legislativo e pelo Judiciário, por todos os outros
órgãos de governo e suas agências e, onde se aplicar a elas, por
todas as pessoas físicas e jurídicas em Gana e serão impostos pelos
Tribunais conforme previstos nesta Constituição.
2. Toda pessoa em Gana, independentemente da sua raça,
lugar de origem, opinião política, cor, religião, credo ou sexo
terá direito aos direitos humanos e liberdades fundamentais do
indivíduo contidos neste Capítulo, mas sujeita ao respeito pelos
direitos e liberdades dos outros e pelo interesse público.
Artigo13
1. Nenhuma pessoa será privada da sua vida intencionalmente,
a não ser no exercício da execução de uma sentença judicial no que
diz respeito a um crime de acordo com as leis de Gana pelo qual ela
tiver sido condenada.
2. Não se pode sustentar que uma pessoa tenha privado outra
pessoa da sua vida violando o Parágrafo (1) deste artigo se essa
outra pessoa morrer como resultado de um ato de guerra legal ou
se essa outra pessoa morrer como resultado do uso da força até o
ponto em que ela seja razoavelmente justificável nas circunstâncias
específicas:
2129
Assembleia Consultiva do PNDC
Artigo 14
1. Toda pessoa terá direito à sua liberdade pessoal e nenhuma
pessoa será privada da sua liberdade pessoal exceto nos seguintes
casos e de acordo com o procedimento permitido pela lei:
a. na execução de uma sentença ou ordem judicial referente
a um crime criminal pela qual ela tiver sido condenada ou
b. na execução de uma ordem judicial punindo‑a por desacato
à autoridade de um tribunal ou
c. com a intenção de trazê‑la diante de um tribunal na
execução de uma ordem dele ou
d. no caso de uma pessoa sofrendo de uma doença infecciosa
ou contagiosa, uma pessoa de mente insana, uma pessoa
viciada em drogas ou álcool ou errante, para seu cuidado
ou tratamento ou proteção da comunidade ou
e. para a educação ou bem‑estar de uma pessoa que não tiver
chegado aos 18 anos de idade ou
f. para impedir a entrada ilegal dessa pessoa em Gana, ou
efetivar a expulsão, extradição ou outra retirada legal dessa
pessoa de Gana ou para limitar essa pessoa enquanto ela
estiver sendo transportada legalmente através de Gana
2130
Trechos da Constituição da Repúblicade Gana de 1992
2131
Assembleia Consultiva do PNDC
Artigo 15
A dignidade de todas as pessoas será inviolável.
2. Nenhuma pessoa, independentemente de ser presa,
confinada ou detida ou não, será submetida a:
a. tortura ou outro tratamento ou outra punição cruel,
desumana ou degradante;
b. qualquer outra condição que deprecie ou provavelmente
possa depreciar sua dignidade e seu valor como ser
humano.
3. Uma pessoa que não tiver sido condenada por um crime
não será tratada como condenada e será mantida separadamente
daquelas.
4. Um criminoso juvenil que for mantido em custódia ou
detenção legal será mantido separadamente de um adulto.
Artigo16
1. Nenhuma pessoa será mantida em escravidão ou servidão.
2. Nenhuma pessoa será obrigada a realizar trabalho forçado.
2132
Trechos da Constituição da Repúblicade Gana de 1992
Artigo17
1. Todas as pessoas serão iguais perante a lei.
2. Uma pessoa não será discriminada com base em sexo, raça,
cor, origem étnica, religião, credo ou status social ou econômico.
3. Neste artigo, “discriminar” significa dar um tratamento
diferente a pessoas diferentes atribuível apenas ou principalmente
às suas respectivas descrições por raça, lugar de origem, opiniões
políticas, cor, sexo, profissão, religião ou credo, pelo qual pessoas
de uma descrição são submetidas a incapacidades ou restrições às
quais pessoas de outra descrição não são submetidas ou recebem
2133
Assembleia Consultiva do PNDC
Artigo18
1. Toda pessoa tem o direito de ser dona de uma propriedade
ou sozinha ou em associação com outras pessoas.
2. Nenhuma pessoa será submetida a interferência com
a privacidade da sua casa, propriedade, correspondência ou
comunicação exceto de acordo com a lei e à medida que for
necessário numa sociedade livre e democrática para a segurança
pública ou para o bem‑estar econômico do país, para a proteção da
2134
Trechos da Constituição da Repúblicade Gana de 1992
Artigo 19
1. Uma pessoa acusada de um crime deverá receber um
depoimento justo dentro de um período razoável por um tribunal.
2. Uma pessoa acusada de um crime deverá:
a. no caso de um crime que não seja alta traição ou traição,
cuja punição é a morte ou a prisão perpétua, ser julgada
por um juiz e um júri e:
I. quando a punição for a morte, o veredito do júri deverá
ser unânime e
II. no caso de prisão perpétua, o veredito do júri deverá ser
por uma maioria que o Parlamento possa prescrever por
lei;
b. no caso de um tribunal de crime por um Tribunal Regional,
cuja pena seja de morte, a decisão do presidente e dos
outros membros do painel deverá ser unânime;
c. ser supostamente inocente até que se prove que ela seja
culpada ou que ela se declare culpada;
d. ser informada imediatamente num idioma que ela
entender e detalhadamente da natureza do crime da qual
ela estiver sendo acusada;
e. receber tempo e recursos adequados para preparar sua
defesa;
f. ter permissão para se defender diante do tribunal
pessoalmente ou por meio de um advogado da sua escolha;
g. receber recursos para examinar, pessoalmente ou por
meio do seu advogado, as testemunhas que a promotoria
2135
Assembleia Consultiva do PNDC
2136
Trechos da Constituição da Repúblicade Gana de 1992
7. Nenhuma pessoa que mostrar que ela tiver sido julgada por
um tribunal competente por um crime e ou tiver sido condenada
ou absolvida, será julgada novamente por esse crime ou qualquer
outro pelo qual ela poderia ter sido condenada no seu julgamento,
a não ser por ordem judicial superior durante o recurso ou
os procedimentos de revisão relacionados à condenação ou à
absolvição.
8. Apesar do inciso (7) deste artigo, uma absolvição de uma
pessoa num julgamento por alta traição ou traição não impedirá
que a instituição realize procedimentos para nenhum outro crime
cometido por essa pessoa.
9. Os Parágrafos (a) e (b) do Inciso (2) deste artigo não serão
aplicados no caso de um julgamento feito por um tribunal marcial
ou outro tribunal militar.
10. Nenhuma pessoa que for julgada por um crime será
obrigada a apresentar prova no julgamento.
11. Nenhuma pessoa será condenada por um crime a não ser
que este seja definido e que sua punição seja prescrita numa lei
escrita.
12. O Inciso (11) deste artigo não impedirá que um Tribunal
Superior puna uma pessoa por desacato a ela própria apesar de o
ato ou omissão que constituir o desacato não estar definido numa
lei escrita e de a punição não ser prescrita dessa forma.
13. Uma autoridade julgadora para determinar a existência ou
a extensão de um direito civil ou uma obrigação será, de acordo
com esta Constituição, estabelecida pela lei e será independente
e imparcial e onde procedimentos para a determinação forem
instituídos por uma pessoa diante dessa autoridade julgadora, o
caso deverá receber um julgamento justo dentro de um período
razoável.
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Assembleia Consultiva do PNDC
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Trechos da Constituição da Repúblicade Gana de 1992
2139
Assembleia Consultiva do PNDC
Artigo 20
1. Nenhuma propriedade de qualquer descrição ou interesse em
qualquer propriedade ou direito sobre ela deverá obrigatoriamente
ter sua posse tomada ou ser adquirida pelo Estado a não ser que as
seguintes condições sejam atendidas.
a. a tomada de posse ou a aquisição se necessária no interesse
da defesa, segurança pública, ordem pública, moralidade
pública, saúde pública, planejamento da cidade ou do país
ou no desenvolvimento ou utilização da propriedade de
tal forma a promover o benefício púbico e
b. a necessidade de adquirir for claramente afirmada e for
tal que forneça uma justificativa razoável para causar
qualquer dificuldade que possa resultar para qualquer
pessoa que tiver algum interesse na propriedade ou tiver
direito sobre ela.
2. A aquisição compulsória da propriedade pelo Estado só será
feita de acordo com uma lei que preveja:
a. o pagamento imediato de indenização justa e adequada e
b. um direito de acesso ao Tribunal Superior por qualquer
pessoa que tiver um interesse na propriedade ou direito
sobre ela, ou diretamente ou por recurso feito por outra
autoridade, para a determinação do seu interesse ou
direito e a quantia de indenização à qual ela tiver direito.
3. Quando uma aquisição ou posse compulsória de terra
realizada pelo Estado de acordo com o Inciso (1) deste artigo
envolver o deslocamento de qualquer habitante, o Estado
reassentará os habitantes deslocados numa terra alternativa
adequada com a devida atenção pelo seu bem‑estar econômico e
pelos seus valores sociais e culturais.
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Trechos da Constituição da Repúblicade Gana de 1992
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Assembleia Consultiva do PNDC
Artigo 21
1. Todas as pessoas terão o direito à:
a. liberdade de discurso e de expressão, que incluirá a
liberdade de imprensa e de outras mídias;
b. liberdade de pensamento, consciência e crença, que
incluirá a liberdade acadêmica;
c. liberdade de praticar qualquer religião e manifestar essa
prática;
d. liberdade de reunião, inclusive a liberdade de participar de
procissões e demonstrações;
e. liberdade de associação, que incluirá a liberdade de formar
ou se juntar a sindicatos ou outras associações, nacionais
ou internacionais, para a proteção dos seus interesses;
f. informação, sujeita às qualificações e às leis que forem
necessárias numa sociedade democrática;
g. liberdade de movimento que significa o direito de se
deslocar livremente em Gana, o direito de sair de Gana ou
entrar em Gana e imunidade de expulsão de Gana.
2. Uma restrição à liberdade de movimento de uma pessoa
pela sua detenção legal não será considerada inconsistente com
este artigo ou contrária a ele.
3. Todos os cidadãos terão o direito e a liberdade de formarem
ou de se juntarem a partidos políticos e de participarem de
atividades políticas sujeitas às qualificações e às leis necessárias
numa sociedade livre e democrática e que sejam consistentes com
esta Constituição.
2142
Trechos da Constituição da Repúblicade Gana de 1992
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Assembleia Consultiva do PNDC
Artigo 22
1. Um cônjuge não será privado de um abastecimento razoável
do espólio de um cônjuge, independentemente de ele ter morrido
tendo feito um testamento ou não.
2. O Parlamento deverá, assim que for viável após a entrada
em vigor desta Constituição, aprovar uma legislação para
regulamentar os direitos de propriedade dos cônjuges.
3. Com o objetivo de alcançar a realização plena dos direitos
mencionados no Inciso (2) deste artigo:
a. os cônjuges terão acesso igual à propriedade adquirida em
conjunto durante o casamento;
b. ativos que forem adquiridos em conjunto durante o
casamento serão distribuídos de maneira igual aos
cônjuges quando o casamento se dissolver.
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Trechos da Constituição da Repúblicade Gana de 1992
Artigo 23
Órgãos administrativos e oficiais administrativos deverão
agir de maneira justa e razoável e deverão obedecer às exigências
impostas a eles pela lei e pessoas prejudicadas pelo exercício desses
atos e dessas decisões terão o direito de pedir uma reparação diante
de uma corte ou de outro tribunal.
Artigo 24
1. Toda pessoa tem o direito de trabalhar de acordo com
condições satisfatórias, seguras e saudáveis e deverá receber
pagamento igual por trabalho igual sem nenhum tipo de distinção.
2. Todo trabalhador terá direito ao descanso, ao lazer e ao
limite razoável de horas de trabalho e períodos de feriados pagos,
assim como remuneração para feriados públicos.
3. Todo trabalhador tem um direito de formar ou se juntar a
um sindicato da sua escolha para a promoção e a proteção dos seus
interesses econômicos e sociais.
4. Não haverá nenhuma restrição ao exercício do direito
conferido pelo Inciso (3) deste artigo a não ser restrições previstas
pela lei e que sejam razoavelmente necessárias no interesse da
segurança nacional ou da ordem pública ou para a proteção dos
direitos e das liberdades de outras pessoas.
Artigo 25
1. Todas as pessoas terão o direito a oportunidades
educacionais e instalações iguais e, para alcançar a realização plena
desse direito:
a. o ensino fundamental será gratuito, obrigatório e
disponível para todos;
2145
Assembleia Consultiva do PNDC
Artigo 26
1. Toda pessoa tem direito a apreciar, praticar, declarar,
manter e promover qualquer cultura, idioma, tradição ou religião
de acordo com as condições desta Constituição.
2. Todas as práticas costumeiras que desumanizam ou
prejudicam o bem‑estar físico e mental de uma pessoa são proibidas.
Artigo 27
1. Atenção especial deverá ser dada a mães durante um período
razoável antes e depois de dar à luz e, durante esses períodos, mães
que trabalham deverão receber licença remunerada.
2146
Trechos da Constituição da Repúblicade Gana de 1992
Artigo 28
1. O Parlamento deverá aprovar as leis que forem necessárias
para garantir que:
a. toda criança tenha o direito à mesma medida de atenção
especial, assistência e manutenção que forem necessárias
para seu desenvolvimento dadas pelos seus pais naturais,
a não ser quando esses pais tiverem efetivamente
renunciado a esses direitos e responsabilidades no que diz
respeito à criança de acordo com a lei;
b. toda criança, nascida ou não de um casamento, tenha o
direito a uma provisão razoável do patrimônio dos seus
pais;
c. os pais realizem seu direito e sua obrigação natural de
cuidarem, manterem e criarem seus filhos em cooperação
com as instituições que o Parlamento possa, por lei,
prescrever de tal forma que em todos os casos os interesses
da criança sejam supremos;
d. crianças e jovens recebam proteção especial contra
exposição a danos físicos e morais e
e. a proteção e o desenvolvimento da família como sendo a
unidade da sociedade sejam salvaguardados na promoção
do interesse das crianças.
2147
Assembleia Consultiva do PNDC
Artigo 29
1. Deficientes físicos têm o direito de morarem com suas
famílias ou com pais adotivos e de participarem de atividades
sociais, criativas ou recreativas.
2. Um deficiente físico não será submetido a tratamento
diferencial no que diz respeito à sua residência a não ser na medida
em que isso for exigido pela sua condição ou pela melhoria que
possa derivar do tratamento.
3. Se a estadia de um deficiente físico num estabelecimento
especializado for indispensável, o ambiente e as condições de vida
lá serão os mais próximos possíveis aos da vida normal de uma
pessoa da sua idade.
4. Deficientes físicos serão protegidos contra toda exploração,
todos os regulamentos e todo tratamento discriminatório, abusivo
ou degradante.
5. Em qualquer procedimento judicial em que um deficiente
físico for uma parte, o procedimento legal aplicado deverá levar em
conta sua condição física e mental.
2148
Trechos da Constituição da Repúblicade Gana de 1992
Artigo 30
Uma pessoa que por razão de doença ou qualquer outra
causa não conseguir autorizar não será privada por nenhuma
outra pessoa de tratamento médico, educação ou qualquer outro
benefício social ou econômico apenas por razões religiosas ou de
outras crenças.
Poderes de Emergência
Artigo 31
1. O Presidente poderá declarar, agindo de acordo com a
sugestão do Conselho de Estado, por meio de uma Proclamação
publicada no Diário Oficial, que um estado de emergência existe
em Gana ou em nenhuma parte de Gana de acordo com as cláusulas
desta Constituição.
2. Apesar de qualquer outra condição deste artigo, onde
uma proclamação for publicada de acordo com seu Inciso (1), o
Presidente deverá apresentar imediatamente ao Parlamento os
fatos e as circunstâncias que levaram à declaração do estado de
emergência.
3. O Parlamento deverá decidir, dentro do prazo de 72 horas
após ser notificado disso, se a proclamação continuará em vigor ou
2149
Assembleia Consultiva do PNDC
2150
Trechos da Constituição da Repúblicade Gana de 1992
Artigo 32
1. Quando uma pessoa for confinada ou detida em virtude
de uma lei feita de acordo com uma declaração de um estado de
emergência, as seguintes condições serão aplicadas
a. assim que for viável e de qualquer maneira não depois do
que 24 horas após o início da restrição ou detenção, ele
deverá receber uma declaração por escrito especificando
detalhadamente com base em qual princípio ela está
sendo confinada ou detida e a declaração será lida ou
interpretada para a pessoa confinada ou detida;
b. o cônjuge, pai ou mãe, filho ou outro parente mais próximo
disponível da pessoa confinada ou detida será informado
da detenção ou do confinamento em menos de 24 horas
após o início da detenção ou do confinamento e poderá
ter acesso à pessoa na primeira oportunidade viável e, de
2151
Assembleia Consultiva do PNDC
2152
Trechos da Constituição da Repúblicade Gana de 1992
Artigo 33
1. Quando uma pessoa alegar que uma condição desta
Constituição sobre os Direitos Humanos e Liberdades
Fundamentais tiver sido, estiver sendo ou provavelmente será
violada em relação a ela, então, sem prejuízo a nenhuma outra
ação legalmente disponível, ela poderá solicitar uma reparação ao
Tribunal Superior.
2. O Tribunal Superior poderá emitir, de acordo com o Inciso
(1) deste artigo, as orientações, ordens ou regulamentos inclusive
2153
Assembleia Consultiva do PNDC
CAPÍTULO SEIS
Artigo 34
1. Os Princípios diretores da Política Estatal contidos
neste Capítulo orientarão todos os cidadãos, o Parlamento, o
Presidente, o Judiciário, o Conselho de Estado, o Ministério,
partidos políticos e outros órgãos e pessoas na aplicação ou
interpretação desta Constituição ou de qualquer outra lei e na
2154
Trechos da Constituição da Repúblicade Gana de 1992
Artigo 35
1. Gana será um estado democrático dedicado à realização da
liberdade e da justiça e, portanto, a soberania será exercida pelo
seu povo, de quem o governo deriva todos os seus poderes e sua
autoridade através desta Constituição.
2. O Estado protegerá e salvaguardará a independência, a
unidade e a integridade territorial de Gana e buscará o bem‑estar
de todos os seus cidadãos.
3. O Estado promoverá um acesso justo e razoável por todos
os cidadãos a instalações e a serviços públicos de acordo com a lei.
4. O Estado cultivará entre todos os ganenses o respeito pelos
direitos humanos e pelas liberdades fundamentais, além de pela
dignidade da pessoa humana.
5. O Estado promoverá ativamente a integração dos povos de
Gana e proibirá a discriminação e o preconceito baseados no lugar
de origem, circunstâncias de nascimento, origem étnica, sexo ou
religião, credo ou outras crenças.
6. Para realizar os objetivos declarados no Inciso (5) deste
Artigo, o Estado adotará medidas adequadas para:
a. promover um espírito de lealdade a Gana que supere
lealdades seccionais, étnicas e outros tipos;
2155
Assembleia Consultiva do PNDC
Artigo 36
1. O Estado tomará todas as medidas necessárias para
garantir que a economia nacional seja administrada de tal forma
a maximizar a taxa de desenvolvimento econômico e garantir o
máximo de bem‑estar, liberdade e felicidade de toda pessoa em
Gana e fornecerá meios adequados de subsistência e emprego e
assistência pública adequados para os necessitados.
2156
Trechos da Constituição da Repúblicade Gana de 1992
2157
Assembleia Consultiva do PNDC
Artigo 37
1. O Estado se empenhará para garantir e proteger uma ordem
social baseada nos ideais e nos princípios de liberdade, igualdade,
justiça, probidade e responsabilidade conforme sacramentado no
2158
Trechos da Constituição da Repúblicade Gana de 1992
2159
Assembleia Consultiva do PNDC
Artigo 38
1. O Estado fornecerá instalações educacionais em todos os
níveis e em todas as regiões de Gana e tornará, no máximo que for
viável, essas instalações disponíveis para todos os cidadãos.
2. O governo formulará, em menos de 2 anos depois de o
Parlamento se reunir pela primeira vez após esta Constituição
entrar em vigor, um programa para ser implementado dentro dos
próximos 10 anos, para fornecer o ensino fundamental gratuito,
obrigatório e universal.
3. O Estado fornecerá, de acordo com a disponibilidade de
recursos ‑
a. acesso igual e equilibrado ao ensino médio e outros tipos
de educação pré‑universitária adequada, acesso igual
à universidade ou ensino equivalente, com ênfase em
ciência e tecnologia;
b. um programa gratuito de alfabetização de adultos
e treinamento vocacional gratuito, reabilitação e
reassentamento de deficientes físicos e
c. ensino para toda a vida.
2160
Trechos da Constituição da Repúblicade Gana de 1992
Artigo 39
1. De acordo com o Inciso (2) deste artigo, o Estado adotará
medidas para estimular a integração de valores costumeiros
adequados ao tecido da vida nacional através da educação formal
e informal e da introdução consciente de dimensões culturais a
aspectos relevantes do planejamento nacional.
2. O Estado garantirá que valores costumeiros e culturais
adequados sejam adaptados e desenvolvidos como parte integral
das necessidades cada vez maiores da sociedade como um todo e
especificamente que práticas tradicionais prejudiciais à saúde e ao
bem‑estar da pessoa sejam abolidas.
3. O Estado promoverá o desenvolvimento de idiomas
ganenses e o orgulho pela cultura ganense.
4. O Estado se empenhará para preservar e proteger lugares
de interesse histórico e artefatos.
Artigo 40
Nas suas operações comerciais com outras nações, o governo:
a. promoverá e protegerá os interesses de Gana;
b. tentará estabelecer uma ordem econômica e social
internacional justa e igual;
c. promoverá o respeito pelo direito internacional, pelas
obrigações de tratados e pela solução de disputas
internacionais por meios pacíficos;
d. aderirá aos princípios consagrados ou, conforme o caso,
aos objetivos e ideais:
I. da Carta das Nações Unidas;
II. da Carta da Organização de Unidade Africana;
III. da Commonwealth;
2161
Assembleia Consultiva do PNDC
Artigo 41
O exercício e o aproveitamento de direitos e liberdades
são inseparáveis do desempenho de deveres e obrigações e,
consequentemente, todo cidadão terá o dever de:
a. promover o prestígio e o bom nome de Gana e respeitar
seus símbolos;
b. sustentar e defender esta Constituição e a lei;
c. promover a unidade nacional e viver em harmonia com
os outros;
d. respeitar os direitos, liberdades e interesses legítimos dos
outros e, em geral, evitar fazer atos prejudiciais ao bem‑
‑estar dos outros;
e. trabalhar de maneira consciente na sua profissão escolhida
legalmente;
f. proteger e preservar a propriedade púbica e expor e
combater o uso indevido e o desperdício de verbas e de
propriedade públicas;
g. contribuir para o bem‑estar da comunidade em que o
cidadão viver;
h. defender Gana e prestar serviço à nação quando for
necessário;
i. cooperar com agências legais para manter a lei e a ordem;
j. declarar sua renda de maneira honesta às agências
adequadas e legais e atender a todas as obrigações fiscais e
k. proteger e salvaguardar o ambiente.
2162
Trechos da Constituição da Repúblicade Gana de 1992
CAPÍTULO SETE
REPRESENTAÇÃO DO POVO
Direito de Votar
Artigo 42
Todo cidadão de Gana com pelo menos 18 anos de idade e
mente sã tem o direito de votar e de ser cadastrado como eleitor
em eleições públicas e referendos.
Comissão Eleitoral
Artigo 43
1. Haverá uma Comissão Eleitoral que consistirá de:
a. um Presidente;
b. dois Presidentes Substitutos e
c. quatro outros membros.
2. Os membros da Comissão serão nomeados pelo Presidente
de acordo com o Artigo 70 desta Constituição.
Artigo 44
1. Uma pessoa não estará qualificada para ser nomeada
membro da Comissão Eleitoral a não ser que esteja qualificada para
ser eleita como membro do Parlamento.
2. O Presidente da Comissão Eleitoral terá os mesmos prazos
e as mesmas condições de serviço que um Juiz do Tribunal de
Recursos.
2163
Assembleia Consultiva do PNDC
Artigo 45
A Comissão Eleitoral terá as seguintes funções:
a. compilar o cadastro de eleitores e revisá‑lo nos períodos
que poderão ser determinados pela lei;
b. demarcar as fronteiras eleitorais tanto para eleições para
o governo nacional quanto local;
c. realizar e supervisionar todas as eleições e os referendos
públicos;
d. ensinar as pessoas sobre o processo eleitoral e sua
finalidade;
e. realizar programas para a expansão do cadastramento de
eleitores e
f. realizar as outras funções que possam ser prescritas pela
lei.
2164
Trechos da Constituição da Repúblicade Gana de 1992
Artigo 46
A não ser conforme previsto nesta Constituição ou em qualquer
outra lei que não seja inconsistente com esta Constituição, no
exercício das suas funções, a Comissão Eleitoral não se submeterá
à direção ou ao controle de qualquer pessoa ou autoridade.
Artigo 47
1. Gana será dividido em tantos distritos eleitorais para eleger
membros do parlamento quanto a Comissão Eleitoral indicar
e cada distrito eleitoral será representado por um membro do
Parlamento.
2. Nenhum distrito eleitoral deverá cair em mais de uma
região.
3. Os limites de cada distrito eleitoral serão tais que a
quantidade de habitantes no distrito eleitoral seja o mais próximo
possível de ser igual à quota populacional.
4. No Inciso (3) deste artigo, a quantidade de habitantes
de um distrito eleitoral poderá ser maior ou menor do que a
quota populacional para levar em conta meios de comunicações,
características geográficas, densidade populacional e área e limites
das regiões e de outras áreas administrativas ou tradicionais.
5. A Comissão Eleitoral analisará a divisão de Gana em distritos
eleitorais em intervalos de não menos do que 7 anos, ou em menos
de 12 meses depois da publicação das cifras de enumeração após a
realização do censo populacional de Gana, o que ocorrer primeiro
e, consequentemente, poderá alterar os distritos eleitorais.
6. Quando os limites de um distrito eleitoral estabelecido
de acordo com este artigo forem alterados como resultado de
uma análise, a alteração entrará em vigor na próxima vez que o
Parlamento for dissolvido.
2165
Assembleia Consultiva do PNDC
Artigo 48
1. Uma pessoa prejudicada por uma decisão da Comissão
Eleitoral no que diz respeito a uma demarcação de um limite
poderá recorrer a um tribunal composto de 3 pessoas nomeadas
pelo Chefe de Justiça e a Comissão Eleitoral deverá impor a decisão
do tribunal.
2. Uma pessoa prejudicada por uma decisão do tribunal
mencionado no Inciso (1) deste artigo poderá recorrer ao Tribunal
de Recursos, cuja decisão sobre o assunto será definitiva.
Artigo 49
1. Em qualquer eleição pública ou referendo público, a votação
será secreta.
2. Imediatamente após o encerramento da votação, o
presidente, diante dos candidatos ou seus representantes e dos
seus agentes eleitorais que estiverem presentes, realiza a contagem,
naquela seção eleitoral, das cédulas daquela seção e registra os
votos dados a favor de cada candidato ou pergunta.
3. O presidente, os candidatos ou seus representantes e, no
caso de um referendo, os partidos que estão concorrendo ou seus
agentes e os agentes eleitorais se houver algum, então deverão
assinar uma declaração informando:
a. a seção eleitoral e
b. o número de votos dados a cada candidato ou pergunta:
e o presidente deverá, lá e nesse momento, anunciar o
2166
Trechos da Constituição da Repúblicade Gana de 1992
Artigo 50
1. De acordo com as cláusulas desta Constituição, quando ao
final das indicações e na véspera de uma eleição pública:
a. dois ou mais candidatos tiverem sido indicados, a eleição
ocorrerá e o candidato que receber a maior quantidade de
votos válidos será declarado eleito ou
b. apenas um candidato for indicado, não haverá nenhuma
eleição e esse candidato será declarado eleito.
2. Quando para as finalidades de uma eleição pública dois ou
mais candidatos forem indicados, mas ao final das indicações e na
véspera da eleição, apenas um candidato continuar indicado, um
período adicional de 10 dias será permitido para a indicação de
outros candidatos e nenhuma pessoa indicada nesse período de 10
dias poderá abandonar sua indicação.
3. Quando ao final das indicações de acordo com o Inciso (2)
deste artigo apenas um candidato continuar indicado, não haverá
eleição e esse candidato será declarado eleito.
4. Quando ao final das indicações, mas antes da eleição,
um dos candidatos morrer, um período adicional de 10 dias será
permitido para indicações e quando a morte ocorrer a qualquer
momento a menos de 25 dias da eleição, a eleição naquele distrito
eleitoral ou naquela unidade será adiada por 21 dias.
2167
Assembleia Consultiva do PNDC
Artigo 51
A Comissão Eleitoral, por instrumento constitucional,
deverá fazer regulamentações para o desempenho eficaz das suas
funções de acordo com esta Constituição ou com qualquer outra
lei e, especificamente, para o cadastro de eleitores, a realização de
eleições públicas e referendos, incluindo a cláusula para votar por
procuração.
Artigo 52
Em toda região e em todo distrito haverá um representante da
Comissão Eleitoral que desempenhará as funções que a Comissão
lhe atribuir.
Artigo 53
A nomeação de oficiais e de outros funcionários da Comissão
Eleitoral será feita pela Comissão consultando a Comissão de
Serviços Públicos.
Artigo 54.
As despesas administrativas da Comissão Eleitoral incluindo
salários, créditos e pensões pagáveis a pessoas servindo com a
Comissão, ou em nome delas, serão cobradas no Fundo Consolidado.
2168
Trechos da Constituição da Repúblicade Gana de 1992
Partidos Políticos
Artigo 55
1. O direito de formar partidos políticos está garantido a
partir de agora.
2. Todo cidadão de Gana em idade eleitoral tem o direito de se
juntar a um partido político.
3. De acordo com as cláusulas deste artigo, um partido político
tem a liberdade de participar em moldar a vontade política do povo,
disseminar informações sobre ideias políticas, programas sociais e
econômicos de um caráter nacional e patrocinar candidatos para
eleição para qualquer cargo público a não ser para assembleias
distritais ou unidades inferiores de governo local.
4. Todo partido político terá um caráter nacional e a
participação como membro não será baseada em divisões étnicas,
religiosas, regionais ou outras divisões seccionais.
5. A organização interna de um partido político estará de
acordo com princípios democráticos e suas ações e finalidades
não serão contrárias a esta Constituição ou a qualquer outra lei ou
serão inconsistentes com isto.
6. Uma organização não funcionará como partido político
a não ser que ela esteja registrada como tal de acordo com a lei
atualmente em vigor para a finalidade.
7. Para fins de cadastro, um partido político potencial
fornecerá à Comissão Eleitoral uma cópia da sua Constituição e
os nomes e endereços dos seus oficiais nacionais e convencerá a
Comissão de que:
2169
Assembleia Consultiva do PNDC
Artigo 56
O Parlamento não terá nenhum poder para aprovar uma lei
para estabelecer ou autorizar o estabelecimento de um órgão ou
movimento com o direito ou o poder para impor ao povo de Gana
um programa comum ou um conjunto de objetivos religiosos ou
políticos.
CAPÍTULO DOZE
Artigo 162
1. A liberdade e a independência da mídia estão garantidas
pelo presente.
2. De acordo com esta Constituição e com qualquer outra lei
que não seja incompatível com ela, não haverá nenhuma censura
em Gana.
2171
Assembleia Consultiva do PNDC
Artigo 163
Toda mídia estatal permitirá oportunidades e instalações
justas para a apresentação de visões divergentes e opiniões
contrárias.
Artigo 164
As cláusulas dos Artigos 162 e 163 desta Constituição estão
sujeitas a leis que sejam razoavelmente exigidas no interesse da
segurança nacional, da ordem pública, da moralidade pública e
para proteger as reputações, os direitos e as liberdades de outras
pessoas.
2172
Trechos da Constituição da Repúblicade Gana de 1992
Artigo 165
Para evitar qualquer dúvida, as cláusulas deste Capítulo não
serão consideradas como limitadoras da aplicação de nenhum
dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais garantidos de
acordo com o Capítulo 5 desta Constituição.
Artigo 166
1. Será estabelecida por Projeto de Lei menos de seis meses
após o Parlamento se reunir pela primeira vez depois que esta
Constituição entrar em vigor, uma Comissão Nacional de Mídia
composta de 15 membros distribuídos da seguinte maneira:
a. um representante cada indicado:
I. pela Associação dos Advogados de Gana;
II. pelos Editores e Donos da Imprensa Privada;
III. pela Associação de Escritores de Gana e pela
Associação de Bibliotecas de Gana;
IV. pelo grupo cristão (o Secretariado Católico Nacional,
o Conselho Cristão e o Conselho Pentecostal de
Gana);
V. pela Federação de Conselhos Muçulmanos e pela
Missão Ahmadiyya;
VI. pelas instituições de treinamento de jornalistas e
comunicadores;
VII. pela Associação de Publicidade de Gana e pelo
Instituto de Relações Públicas de Gana e
VIII. pela Associação Nacional de Professores de Gana.
b. dois representantes indicados pela Associação de
Jornalistas de Gana;
c. duas pessoas nomeadas pelo Presidente e
2173
Assembleia Consultiva do PNDC
Artigo 167
As funções da Comissão Nacional de Mídia são:
a. promover e garantir a liberdade e a independência da
mídia para a comunicação de massa ou para a informação;
b. adotar todas as medidas adequadas para garantir o
estabelecimento e a manutenção dos padrões jornalísticos
mais elevados na mídia de massa, inclusive a investigação,
a mediação e a resolução de reclamações feita contra a
impressa ou outros meios de comunicação de massas ou
por eles;
c. isolar a mídia estatal do controle governamental;
d. fazer regulamentações por instrumento constitucional
para o registro de jornais e outras publicações, exceto
que as regulamentações não irão prever o exercício de
nenhuma direção ou de nenhum controle sobre as funções
profissionais de uma pessoa envolvida na produção de
jornais ou outros meios de comunicação de massa e
e. realizar as outras funções que possam ser prescritas pela
lei que não sejam inconsistentes com esta Constituição.
Artigo 168
A Comissão nomeará os diretores e outros membros de
conselhos de administração de empresas públicas que administram
a mídia estatal em consulta com o Presidente.
2174
Trechos da Constituição da Repúblicade Gana de 1992
Artigo 169
Editores da mídia estatal serão nomeados pelos conselhos
de administração das respectivas empresas em consulta com a
Comissão de Serviços Públicos.
Artigo 170
A Comissão nomeará os oficiais e outros funcionários da
Comissão em consulta com a Comissão de Serviços Públicos.
Artigo 171
As despesas administrativas da Comissão Nacional de Mídia,
inclusive salários, créditos e pensões pagáveis a pessoas servindo
com a Comissão ou no nome delas serão cobradas no Fundo
Consolidado.
Artigo 172
A não ser onde esta Constituição determinar ao contrário
ou por nenhuma outra lei que não seja inconsistente com esta
Constituição, a Comissão Nacional de Mídia não estará sujeita
à direção ou ao controle de qualquer pessoa ou autoridade no
exercício de suas funções.
Artigo 173
De acordo com o Artigo 167 desta Constituição, a Comissão
Nacional de Mídia não exercerá nenhum controle ou direção sobre
as funções profissionais de uma pessoa envolvida na produção de
jornais ou outros meios de comunicação.
2175
Assembleia Consultiva do PNDC
CAPÍTULO VINTE
Artigo 240
1. Gana terá um sistema de governo e administração local que
será, na medida em que for viável, descentralizado.
2. O sistema de governo local descentralizado terá as seguintes
características:
a. o Parlamento aprovará leis adequadas para garantir que
funções, poderes, responsabilidades e recursos sejam
transferidos a todo momento do governo central para
unidades de governo locais de uma forma coordenada;
b. o Parlamento, por lei, irá prever a adoção das medidas
necessárias para melhorar a capacidade de autoridades
do governo local de planejarem, iniciarem, coordenarem,
gerenciarem e executarem políticas relacionadas a todos
os assuntos que afetam as pessoas dentro das suas áreas,
com a intenção final de tornar essas atividades locais;
c. para cada unidade de governo local será estabelecida
uma base financeira saudável com fontes adequadas e
confiáveis de receitas;
d. na medida em que for viável, pessoas a serviço do governo
local estarão sujeitas ao controle efetivo de autoridades
locais;
e. para garantirem que as autoridades do governo local
prestem contas, as pessoas em áreas específicas de governo
local terão, na medida em que for viável, a oportunidade
de participarem efetivamente do seu governo.
2176
Trechos da Constituição da Repúblicade Gana de 1992
Artigo 241
1. Para as finalidades do governo local, será considerado que
Gana tenha sido dividido nos distritos existentes imediatamente
antes da entrada em vigor desta Constituição.
2. Por lei, o Parlamento poderá prever que se desenhe
novamente os limites de distritos ou que eles sejam reconstituídos.
3. De acordo com esta Constituição, uma Assembleia
Distrital será a maior autoridade política do distrito e terá poderes
deliberativos, legislativos e executivos.
Artigo 242
A Assembleia Distrital consistirá dos seguintes membros ‑
a. uma pessoa de cada área eleitoral do governo local dentro
do distrito eleita por sufrágio adulto universal;
b. o membro ou membros do Parlamento dos distritos
eleitorais que recaírem na área de autoridade da
Assembleia Distrital como membros sem direito de voto;
c. o Chefe Executivo Distrital do distrito e
d. outros membros, não somando mais do que 30% de todos
os membros da Assembleia Distrital, nomeados pelo
Presidente em consulta com as autoridades tradicionais e
outros grupos de interesse no distrito.
Artigo 243
1. Haverá um Chefe Executivo Distrital para todo distrito,
que será nomeado pelo Presidente depois de ser aprovado por
não menos do que uma maioria de dois terços dos membros da
Assembleia presentes e votando na reunião.
2. O Chefe Executivo Distrital:
2177
Assembleia Consultiva do PNDC
Artigo 244
1. A Assembleia Distrital terá um Presidente eleito pela
Assembleia dentre seus membros.
2. O Presidente da Assembleia Distrital será eleito por uma
maioria de pelo menos dois terços de todos os seus membros.
3. O Presidente:
a. presidirá as reuniões da Assembleia;
b. desempenhará as outras funções previstas pela lei.
4. De acordo com o Inciso (5) deste artigo, a duração do
mandato do Presidente da Assembleia será de dois anos e ele
poderá ser reeleito.
5. O Presidente da Assembleia deixará de exercer o cargo
sempre que a Assembleia decidir retirá‑lo do cargo por uma maioria
de pelo menos dois terços de todos os seus membros.
2178
Trechos da Constituição da Repúblicade Gana de 1992
Artigo 245
Por lei, o Parlamento irá prever as funções de Assembleias
Distritais que incluirão:
a. a formulação e execução de planos, programas e estratégias
para a mobilização eficaz dos recursos necessários para o
desenvolvimento geral do distrito;
b. a cobrança e a arrecadação de impostos, taxas, obrigações
e tarifas.
Artigo 246
1. Eleições para as Assembleias Distritais ocorrerão a cada
quatro anos exceto que essas eleições e as eleições para o Parlamento
deverão ocorrer com uma distância de pelo menos seis meses.
2. A não ser que renuncie ou morra ou que seu antecessor deixe
de exercer o cargo de acordo com o Inciso (3) do Artigo 243 desta
Constituição, a duração do mandato do Chefe Executivo Distrital
será de quatro anos e ninguém exercerá esse cargo por mais do que
dois mandatos consecutivos.
Artigo 247
De acordo com esta Constituição, os critérios para ser membro
de uma Assembleia Distrital, os procedimentos de uma Assembleia
Distrital e de outras unidades de governo locais inferiores a uma
Assembleia Distrital que possam ser criadas, serão previstas por
lei.
Artigo 248
1. Um candidato tentando se eleger para uma Assembleia
Distrital ou para qualquer unidade de governo local inferior
2179
Assembleia Consultiva do PNDC
Artigo 249
De acordo com qualquer procedimento estabelecido pela lei, o
mandato de um membro de uma Assembleia Distrital poderá ser
revogado pelo distrito eleitoral ou pelo órgão nomeador.
Artigo 250
1. Os emolumentos de um Chefe Executivo Distrital de uma
Assembleia Distrital serão determinados pelo Parlamento e serão
cobrados do Fundo Consolidado.
2. Os emolumentos de um Presidente de uma Assembleia
Distrital e de outros membros da Assembleia serão determinados
pela Assembleia Distrital e pagos com seus próprios recursos.
Artigo 251
1. Será estabelecido um Comitê Executivo de uma Assembleia
Distrital que será responsável pelo exercício suas funções executiva
e administrativa.
2. A composição do Comitê Executivo e o procedimento para
suas deliberações serão conforme previstos em lei.
Artigo 252
1. Haverá um fundo conhecido como Fundo Comum das
Assembleias Distritais.
2180
Trechos da Constituição da Repúblicade Gana de 1992
Artigo 253
O Auditor Geral auditará as contas das Assembleias Distritais
uma vez por ano e submeterá seus relatórios sobre a auditoria ao
Parlamento.
Artigo 254
O Parlamento aprovará as leis e tomará as medidas necessárias
para uma descentralização maior das funções administrativas e de
projetos do governo central, mas não exercerá nenhum controle
sobre as Assembleias Distritais que seja incompatível com seu
status descentralizado, ou de outra forma contrário à lei.
2181
Assembleia Consultiva do PNDC
Artigo 255
1. Um Conselho de Coordenação Regional será estabelecido
em cada região, que consistirá:
a. do Ministro Regional e seu substituto ou substitutos;
b. do Presidente e do Chefe Executivo Distrital de cada
distrito da Região;
c. de dois chefes da Câmara Regional de chefes e
d. dos Chefes Regionais dos ministérios descentralizados na
região como membros sem o direito a voto;
2. O Ministro Regional será o Presidente do Conselho de
Coordenação Regional.
3. De acordo com este Capítulo, as funções de um Conselho de
Coordenação Regional serão previstas por um Ato do Parlamento.
Artigo 256
1. O Presidente nomeará, para cada região, com a aprovação
anterior do Parlamento, um Ministro de Estado que:
a. representará o Presidente na região;
b. será responsável pela coordenação e pela direção da
máquina administrativa na região.
2. O Presidente poderá, em consulta com o Ministro de
Estado para uma região e com a aprovação anterior do Parlamento,
nomear para que o Ministro Substituto regional ou os Ministros
Substitutos regionais exerçam as funções que ele determinar.
2182
Trechos da Constituição da Repúblicade Gana de 1992
CAPÍTULO VINTE E UM
Terras Públicas
Artigo 257
2183
Assembleia Consultiva do PNDC
Artigo 258
1. Será estabelecida uma Comissão de Terras que, em
coordenação com as agências públicas e com os órgãos do governo
relevantes, desempenharão as seguintes funções
a. em nome do governo, gerenciar terras públicas e quaisquer
terras conferidas ao Presidente por esta Constituição ou
por qualquer outra lei ou quaisquer terras conferidas à
Comissão;
b. aconselhar o governo, autoridades locais e autoridades
tradicionais sobre o sistema político para o
desenvolvimento de áreas específicas de Gana para garantir
que o desenvolvimento de lotes de terra individuais seja
coordenado com o plano de desenvolvimento relevante
para a área em questão;
c. formular e submeter ao governo recomendações sobre
política nacional no que diz respeito ao uso e à capacidade
de uso da terra;
d. aconselhar sobre e auxiliar na execução de um programa
abrangente para o cadastro de direito à terra no país
inteiro;
e. realizar qualquer outra função que o ministro responsável
pelas terras e recursos naturais possa atribuir à Comissão.
2184
Trechos da Constituição da Repúblicade Gana de 1992
Artigo 259
A Comissão de Terras consistirá das seguintes pessoas
nomeadas pelo presidente de acordo com o Artigo 70 desta
Constituição:
a. um presidente, que não seja nem Ministro de Estado nem
Ministro Substituto;
b. um representante de cada um dos seguintes órgãos
indicados em cada caso pelo órgão em questão:
I. a Câmara Nacional de Chefes;
II. a Associação de Advogados de Gana;
III. a Instituição de Pesquisadores de Gana;
IV. cada Comissão Regional de Terras;
V. o departamento responsável pelo planejamento da
cidade e do país;
VI. a Associação Nacional de Agricultores e Pescadores;
VII. o Conselho de Proteção Ambiental, e
VIII. o Ministério de Terras e Recursos Naturais e
c. o Administrador Chefe da Comissão de Terras, que será o
Secretário Executivo.
Artigo 260
1. A Comissão de Terras terá uma filial em cada região que
será conhecida como uma Comissão Regional de Terras para
2185
Assembleia Consultiva do PNDC
Artigo 261.
Uma Comissão Regional de Terras consistirá das seguintes
pessoas nomeadas pelo Ministro de Terras e Recursos Naturais:
a. um presidente, que não seja nem Ministro de Estado nem
Ministro Substituto;
b. um representante de cada um dos seguintes órgãos
indicados em cada caso pelo órgão em questão:
I. a Câmara Nacional de Chefes;
II. a Associação de Advogados de Gana;
III. a Instituição de Pesquisadores de Gana;
IV. cada Comissão Regional de Terras;
V. o departamento responsável pelo planejamento da
cidade e do país;
VI. a Associação Nacional de Agricultores e Pescadores;
VII. o Conselho de Proteção Ambiental e
VIII. o Ministério de Terras e Recursos Naturais.
c. o Administrador Chefe da Comissão de Terras, que será o
Secretário Executivo.
Artigo 262
1. Cada Comissão Regional de Terras terá um Oficial Regional
de Terras.
2186
Trechos da Constituição da Repúblicade Gana de 1992
Artigo 263
Uma pessoa não estará qualificada para ser nomeada como
membro da Comissão de Terras ou de uma Comissão Regional de
Terras exceto o Secretário Executivo e o Oficial Regional de Terras a
não ser que ela se qualifique para ser membro do Parlamento, exceto
que, para evitar dúvida, uma pessoa não estará desqualificada para ser
membro de acordo com este artigo apenas por ser um oficial público.
Artigo 264
1. O presidente e membros da Comissão de Terras e também o
presidente e membros de uma Comissão Regional de Terras exceto
o Secretário Executivo e o Oficial Regional de Terras permanecerão
no cargo por quatro anos e poderão se qualificar para serem
nomeados de novo.
2. O cargo de presidente ou membro da Comissão de Terras ou
de uma Comissão Regional de Terras, exceto o Secretário Executivo
e o Oficial Regional de Terras ficará vago se:
a. ele deixar de ocupar o cargo de acordo com o Inciso (1)
deste artigo;
b. surgir qualquer circunstância que o tornar desqualificado
para ser nomeado de acordo com o Artigo 263 desta
Constituição;
c. ele for retirado do cargo pelo presidente ou, no caso de
um membro de uma Comissão Regional de Terras, pelo
Ministro de Terras e Recursos Naturais por incapacidade
de desempenhar as funções do seu cargo ou por
comportamento inadequado declarado.
2187
Assembleia Consultiva do PNDC
Artigo 265
Exceto se previsto de maneira diferente nesta Constituição
ou em qualquer outra lei que não seja inconsistente com ela, a
Comissão de Terras não se submeterá à direção e ao controle de
qualquer pessoa ou autoridade no exercício das suas funções.
Artigo 266
1. Não será criado nenhum interesse em qualquer terra em
Gana ou direito sobre ela que confira a uma pessoa que não seja
um cidadão de Gana um interesse de propriedade absoluta por
qualquer terra em Gana.
2. Um acordo, testamento ou uma transmissão de propriedade
de qualquer natureza, que tente, ao contrário do Inciso (1) deste
artigo, conferir a uma pessoa que não seja um cidadão de Gana
qualquer interesse de propriedade absoluta em qualquer terra ou
direitos sobre ela será nulo.
3. Onde, no dia 22 de agosto de 1969, qualquer pessoa que
não fosse um cidadão de Gana tivesse um interesse de propriedade
absoluta em qualquer terra em Gana, ou direito sobre ela, esse
interesse ou direito será considerado arrendado por 50 anos num
aluguel simbólico a partir do dia 22 de agosto de 1969 e o interesse
pela devolução de uma propriedade absoluta em qualquer terra
desse tipo será conferido ao presidente em nome do povo de Gana
e em sua confiança.
4. Não será criado nenhum interesse em qualquer terra em
Gana ou direito sobre ela que confira a uma pessoa que não seja um
cidadão de Gana uma propriedade arrendada por um prazo de mais
50 anos em nenhum momento.
2188
Trechos da Constituição da Repúblicade Gana de 1992
Artigo 267
1. Todas as terras públicas em Gana serão confiadas à
comunidade adequada em nome dos seus súditos e em sua
confiança de acordo com a lei consuetudinária e o uso.
2. Será estabelecido o Cargo do Administrador de Terras
Públicas que será responsável:
a. pelo estabelecimento de uma conta de terra pública
para cada comunidade para a qual serão pagos todos os
aluguéis, as dívidas, os royalties, as receitas ou outros
pagamentos, seja na natureza da renda ou do capital
obtido com as terras públicas;
b. pela arrecadação de todos esses aluguéis, dívidas, royalties,
receitas ou outros pagamentos, sejam eles na natureza da
renda ou do capital e contabilizá‑los para os beneficiários
especificados no Inciso (6) deste artigo e
c. pelo desembolso das receitas que possam ser determinadas
de acordo com o Inciso (6) deste artigo.
3. Não haverá nenhuma alienação ou desenvolvimento de
qualquer terra pública a não ser que a Comissão Regional de Terras
da região em que a terra estiver situada tiver certificado que isto
2189
Assembleia Consultiva do PNDC
2190
Trechos da Constituição da Repúblicade Gana de 1992
Artigo 268
1. Qualquer transação, contrato ou empreendimento que
envolver a permissão de um direito ou concessão por qualquer
pessoa ou em seu nome, inclusive o governo de Gana, a qualquer
outra pessoa ou grupo de pessoas de qualquer maneira que sejam
descritos, para a exploração de qualquer recurso mineral, hídrico
ou outro recurso natural de Gana feito ou em que ele tenha
entrado após a entrada em vigor desta Constituição dependerá de
ratificação pelo Parlamento.
2. O Parlamento poderá, por meio de uma resolução apoiada
pelos votos de não menos do que dois terços de todos os seus
membros, isentar das cláusulas do Inciso (1) deste artigo qualquer
classe específica de transações, contratos ou empreendimentos.
Artigo 269
1. De acordo com as cláusulas desta Constituição, o Parlamento
irá prever, por meio de um Ato do Parlamento ou de acordo com ele,
o estabelecimento, em menos de seis meses após ele se reunir pela
primeira vez depois que esta Constituição entrar em vigor, de uma
Comissão de Minerais, uma Comissão Florestal, uma Comissão de
Pesca e as outras Comissões que o Parlamento possa determinar,
que serão responsáveis pela regulamentação e pela gestão do uso
2191
Assembleia Consultiva do PNDC
CHEFIA
Artigo 270
1. A instituição da chefia, juntamente com seus conselhos
tradicionais conforme estabelecidos por lei consuetudinária e uso,
está garantida por meio desta.
2. O Parlamento não terá poder para aprovar qualquer lei que:
a. confira a qualquer pessoa ou autoridade o direito de
conceder ou retirar o reconhecimento de um chefe por
qualquer razão ou
b. deprecie ou desmereça de qualquer forma a honra e a
dignidade da instituição da chefia.
3. Nada em nenhuma lei ou feito de acordo com sua autoridade
será considerado inconsistente com o Inciso (1) ou (2) deste artigo
ou contrário a eles se a lei previr:
2192
Trechos da Constituição da Repúblicade Gana de 1992
Artigo 271
1. Haverá uma Câmara Nacional de Chefes.
2. A Câmara de Chefes de cada região elegerá como membros
da Câmara Nacional de Chefes cinco chefes supremos da região.
3. Onde, numa região, houver menos do que cinco chefes
supremos, a Câmara de Chefes da região elegerá a quantidade de
chefes divisionais que componham a representação necessária de
chefes para a região.
Artigo 272
A Câmara Nacional de Chefes:
a. aconselhará qualquer pessoa ou autoridade acusada
de qualquer responsabilidade de acordo com esta
Constituição ou com qualquer outra lei por qualquer
assunto relacionado com a chefia ou que a afete;
b. realizará o estudo, a interpretação e a codificação
progressivos da lei consuetudinária com o objetivo de
evoluir, em casos adequados, um sistema unificado
de regras de lei consuetudinária e compilar as leis
2193
Assembleia Consultiva do PNDC
Artigo 273
1. A Câmara Nacional de Chefes terá jurisdição apelativa em
qualquer causa ou assunto que afetar a chefia que tiverem sido
determinados pela Câmara Regional de Chefes numa região, de
cuja jurisdição apelativa haverá um recurso ao Supremo Tribunal,
com a autorização da Câmara Nacional de Chefes ou do Supremo
Tribunal.
2. A jurisdição apelativa da Câmara Nacional de Chefes será
exercida por um Comitê Judicial da Câmara Nacional de Chefes
composto por cinco pessoas nomeadas por ela dentre seus
membros.
3. Um Comitê Judicial de uma Câmara Nacional de Chefes
será auxiliado por um advogado que esteja na ativa a não menos
do que 10 anos nomeado pela Câmara Nacional de Chefes por
recomendação do Advogado Geral.
4. Um membro de um Comitê Judicial da Câmara Nacional
de Chefes será destituído do cargo se ficar comprovado seu
comportamento inadequado ou uma enfermidade da mente ou do
corpo pelos votos de não menos do que dois terços de todos os
membros da Câmara Nacional de Chefes.
2194
Trechos da Constituição da Repúblicade Gana de 1992
Artigo 274
1. Será estabelecido em cada região de Gana e para cada uma
delas uma Câmara Regional de Chefes.
2. Uma Câmara Regional de Chefes consistirá dos membros
que o Parlamento determinar por lei.
3. Uma Câmara Regional de Chefes:
a. realizará as funções que lhes são conferidas por um Ato do
Parlamento ou de acordo com ele;
b. aconselhará qualquer pessoa ou autoridade acusada de
acordo com esta Constituição ou com qualquer outra lei
de qualquer responsabilidade por qualquer assunto que se
relacione com a chefia na região ou a afete;
c. ouvirá e determinará recursos dos conselhos tradicionais
na região no que diz respeito à indicação, eleição, seleção,
instalação ou destituição de uma pessoa como chefe;
2195
Assembleia Consultiva do PNDC
Artigo 275
Uma pessoa não estará qualificada como chefe se ela tiver sido
condenada por alta traição, traição, alto crime ou por um crime que
envolva a segurança do Estado, fraude, desonestidade ou torpeza
moral.
2196
Trechos da Constituição da Repúblicade Gana de 1992
Artigo 276
1. Um chefe não participará da política partidária ativa
e qualquer chefe que desejar fazer isso e tentar eleição para o
Parlamento deverá abdicar do seu cargo.
2. Apesar do Inciso (1) deste artigo e do Parágrafo (c) do Inciso
(3) do Artigo 94 desta Constituição, um chefe poderá ser nomeado
para qualquer cargo público para o qual caso contrário ele estiver
qualificado.
Artigo 277
Neste Capítulo, a não ser que o contexto exigir de forma
diferente, “chefe” significa uma pessoa que, vinda da família e da
linhagem adequadas, tiver sido indicada, eleita ou selecionada e
entronada ou instalada como um chefe ou rainha‑mãe de acordo
com a lei consuetudinária e o uso relevantes.
2197
Formato 15,5 x 22,5 cm
Internacionais
Relações
Relações
coleção
O Resgate das Ciências Humanas e das Humani- Internacionais
É com satisfação que a Fundação Alexandre de
dades através de perspectivas Africanas terá im- 749 Gusmão (FUNAG) apresenta este ambicioso
pacto no tratamento da temática e na percepção Helen Lauer e Kofi Anyidoho projeto de tradução para o português, em quatro
correta do alcance da contribuição da África (Organizadores) volumes, de Reclaiming the Human Sciences and
para o desenvolvimento da humanidade. Muitas Humanities Through African Perspectives. Publica-
trilhas alternativas poderão ser abertas com sua
(Organizadores)
vizinhança de além-mar, que tanto marcou a for- histórica, étnica e cultural para o Brasil. Ainda existe um desconhecimento pro-
mação e a evolução do Brasil e que ainda busca o fundo a superar, apesar do trabalho recente de acadêmicos e de centros de estudos e das Humanidades através os autores apresentam interpretação dos desafios
e questões com que se deparam os povos africa-
resgate pleno de sua identidade. africanos criados em diferentes partes do País. Nesse sentido, a FUNAG publica
Sérgio Eduardo Moreira Lima
O Resgate das Ciências Humanas e das Humanidades através de Perspectivas Afri- de Perspectivas Africanas nos de uma perspectiva própria, ainda pouco co-
nhecida, que busca conjugar autonomia cultural
canas, uma compilação de estudos, apresentados inicialmente em um simpósio na com cidadania e desenvolvimento. Trata-se de um
Presidente da Fundação Alexandre de Gusmão
Universidade de Gana, em 2003, no esforço de refletir sobre a questão do ponto exercício essencialmente crítico de aspectos do
de vista científico com vistas a restabelecer, no plano mais alto do conhecimen- Volume IV pensamento ocidental e de sua influência tanto so-
to, a perspectiva ausente, resultante de séculos de domínio e exploração externa bre a realidade africana, quanto sobre a percepção
amparadas em teorias que não poderiam subsistir ao escrutínio da História. Os dessa realidade.
trabalhos elaborados para o simpósio no campus da Universidade de Gana foram
coleção
Internacionais
Volume IV
Ministério das relações exteriores
Instituto de Pesquisa de
Relações Internacionais
Centro de História e
Documentação Diplomática
Conselho Editorial da
Fundação Alexandre de Gusmão
Volume IV
Brasília – 2015
Direitos de publicação reservados à
Fundação Alexandre de Gusmão
Ministério das Relações Exteriores
Esplanada dos Ministérios, Bloco H
Anexo II, Térreo
70170‑900 Brasília–DF
Telefones: (61) 2030‑6033/6034
Fax: (61) 2030‑9125
Site: www.funag.gov.br
E‑mail: funag@funag.gov.br
Equipe Técnica:
Eliane Miranda Paiva
Fernanda Antunes Siqueira
Gabriela Del Rio de Rezende
Guilherme Lucas Rodrigues Monteiro
Jessé Nóbrega Cardoso
Vanusa dos Santos Silva
Projeto Gráfico:
Daniela Barbosa
F151
Faganello, Priscila Liane Fett.
Operações de manutenção da paz da ONU : de que forma os direitos humanos revolucionaram a
principal ferramenta internacional da paz / Priscila Liane Fett Faganello. – Brasília : FUNAG, 2013.
372 p.
ISBN 978‑85‑7631‑474‑5
Volume 1
Seção 1: Examinando a produção do conhecimento como
instituição social
Seção 2: Explicando ações e crenças
Volume 2
Seção 3: Reavaliando o “desenvolvimento”
Seção 4: Medindo a condição humana
Volume 3
Seção 5: Lembrando a História
Seção 6: “África” como sujeito do discurso acadêmico
Seção 7: Debatendo democracia, comunidade e direito
Volume 4
Seção 8: Revisitando a Expressão Artística
Seção 9: Recuperando a Voz da Autoridade
Referências bibliográficas
5
SUMÁRIO
Seção 8
ReviSitando a expReSSão aRtíStica
Capítulo 69
O tambor nostálgico: literatura oral e as possibilidades
da poesia moderna ......................................................................... 2197
Femi Osofisan
Capítulo 70
Poesia Akan ..................................................................................... 2227
J. H. Kwabena Nketia
Apêndice: A poesia dos tambores................................................ 2245
J. H. Kwabena Nketia
Capítulo 71
Pan‑africanismo literário: o lugar da diáspora africana na
educação e na consciência de intelectuais africanos ............... 2255
Anne V. Adams
Capítulo 72
A metaf ísica e a política da representação sexual nas artes
da África ............................................................................................ 2279
Esi Sutherland‑Addy
Capítulo 73
Teatro de quem? África de quem? “The Road”, de Wole Soyinka,
viajando ............................................................................................. 2309
Biodun T. Jeyifo
Capítulo 74
História do teatro em Gana........................................................... 2337
James Gibbs
Capítulo 75
“Bobokyikyi’s Lament”: teatro e a experiência africana .......... 2363
Mohammed Ben Abdallah
Capítulo 76
A oportunidade do dramaturgo: nossas crianças como
fonte na produção do teatro infantil .......................................... 2399
Efua T. Sutherland
Capítulo 77
“A melhor tradição continua”. Consumo do público e a
transformação do teatro popular na Gana Neoliberal............. 2419
Jesse Weaver Shipley
Capítulo 78
Algumas razões para ensinar estudos de música popular
africana na universidade ................................................................ 2465
E. John Collins
Capítulo 79
Onde está o compasso? Em busca da métrica na
música africana ............................................................................... 2489
William Anku
Capítulo 80
Como não analisar a música africana ......................................... 2533
Kofi Agawu
Seção 9
RecupeRando a voz da autoRidade
Capítulo 81
Metáforas de finitude social e epistemológica em
provérbios Ga .................................................................................. 2577
Mary Esther Kropp Dakubu
Capítulo 82
A situação sociolinguística de línguas francas não nativas
em Gana: inglês, hausa e pidgin ................................................... 2595
Kari Dako
Capítulo 83
Ensino de línguas, voz crítica e a construção do
conhecimento .................................................................................. 2615
Gordon S. K. Adika
Capítulo 84
Revisitando a primeira língua na educação de crianças
em Gana multilíngue ...................................................................... 2633
Akosua Anyidoho
Capítulo 85
Lembrando da África: memória, restauração e renascimento
africano ............................................................................................. 2663
Ngũgĩ wa Thiong’o
Referências bibliográficas .............................................................. 2693
SEÇÃO VIII
REVISITANDO A EXPRESSÃO ARTÍSTICA
CAPÍTULO 69
O TAMBOR NOSTÁLGICO: LITERATURA ORAL E AS
POSSIBILIDADES DA POESIA MODERNA1
Femi Osofisan
Chorus‑singers
Beat the gong with your hand
Do the dance with your feet…
I, Uturu, am singing
I, with voice better than musical
boom
My voice is gong’s voice
Let my chorus‑singers respond.
– Egudu and Nwoga (1971a, p.70)2
1 N.E.: Este capítulo apareceu originalmente na edição de 1988 da Review of English and Literary Studies
vol. 5, n. 1 (Ibadan, Nigéria). Ele foi reproduzido com a autorização do editor da Review sob o mesmo
título, como último capítulo de The Nostalgic Tambor: Essays on Literature, Drama and Culture, do
autor, publicado pela Africa World Press (Trenton, Nova Jersey), em 2001, p. 311‑335. Nós o incluímos
aqui sob a orientação do autor que possui os direitos autorais e com gratidão pela generosidade do
editor da Africa World Press.
2 Como bem o sabem os iniciados, o gongo sempre funciona como invocação para os tambores no
momento do ritual: assim, o trecho aqui justifica seu papel como introdução a este artigo.
2197
Femi Osofisan
2198
O tambor nostálgico: literatura oral e as possibilidades da poesia moderna
2199
Femi Osofisan
3 N.E.: Kofi Awoonor comenta tradições democráticas e estadismo tanto nativos quanto no exterior
no capítulo capítulo 58 desta coletânea.
4 Veja Christopher Caudwell (1937, p.13‑18). A limitação na análise que, fora isso, é excelente, de
críticos marxistas é causada porque os estudiosos europeus desconhecem algumas formas estéticas
africanas, como o tambor falante, uma deficiência que este artigo tenta compensar.
5 Estou falando aqui especialmente da sua implicação espacial. Mas a relevância do processo artístico
foi enfatizada pela primeira vez, até onde eu saiba, por Herbert M. Cole (1969), na sua discussão
sobre arte mbari, quando ele escreveu: “Uma avaliação adequada de mbari deve [...] focar também na
atividade, nos movimentos e processos que a tornam possível. Como podemos penetrar a natureza
básica de artes africanas, os valores de expressão africana se permanecermos confinados por ideias
2200
O tambor nostálgico: literatura oral e as possibilidades da poesia moderna
***
2201
Femi Osofisan
2202
O tambor nostálgico: literatura oral e as possibilidades da poesia moderna
que o tipo de poesia que queremos dizer aqui não é aquele lido
apenas para acompanhar o tambor – toda poesia boa sugere um
pano de fundo de música – mas sim aquele em que o poema é
efetivamente transmitido através do tambor, em que as palavras
simplesmente traduzem a mensagem percussiva. Vamos comparar
os dois poemas a seguir:
A. B.
OYEKU MEJI FIFTH OFRUTUM
Nigba eekeji Lead thou me on
Mo loaba won janpata lode Aro the night is dark, nananon
Won nke janpata janpata mon me I hear hyenas bark, nananon
Won nke oloye oloyee mo mi. I cannot see the ark, nananon
Mo ni kin le nse lode Aro?
Won ni awon njoye ni and I am far from home
Mo ni e pele o.
The day is long, nananon
Oye o gbogbo Oluyeyentuye, they are beating my gong, Nananon
Oye o gbogbo Oluyeyentuye, I hear hyenas howl, nananon
Oye o gbogbo Olugbo;
Eyi to gbogbo gbo and I am far from home…
To fomoowu ran onde sorun.
damiri damiri damirifa due due
Omoowu je je ku bi abare damiri damiri damirifa due due
Abare je je ku bi iru esin… damirifa due
(Reunido por W. Abimbola) (Atukwei Okai)
2203
Femi Osofisan
2204
O tambor nostálgico: literatura oral e as possibilidades da poesia moderna
2205
Femi Osofisan
Senghor
Considerando‑se este fator óbvio, fico pessoalmente surpreso
de ver Osadebay e Casely‑Hayford ainda sendo incluídos em
antologias sérias de poesia africana. A desculpa comum de
precedência histórica, conforme qualquer pessoa pode ver,
é simplesmente uma farsa, pois o primeiro poeta africano
autoconsciente nos idiomas europeus a declarar sua autenticidade
não foi nem um nem outro desses versejadores imitadores, mas
sim Leopold Sedar Senghor. Numa coleção após a outra desde
o começo da década de 1940, num artigo após o outro, Senghor
repetidamente sustentou a visão do poema na sua forma tradicional
como uma síntese de dança, música e máscara. Num trecho citado
por Paul Ansah (1974, p. 35) Senghor afirma: “O ritmo essencial
(e é isto que dá ao poema negro africano seu caráter peculiar), não
é o da palavra, mas sim o dos instrumentos de percussão [...].”
Aqui novamente esta nostalgia é expressa e reiterada com ainda
mais ênfase num artigo sobre a poesia negra americana citado em
Sylvia Ba (1973, p. 127‑28): “Assim que a alma estica sob o efeito
da emoção, as cordas do instrumento humano se agitam: o ritmo
6 N.E.: Periódico de poesia editado pelo autor, publicado em Ibadan.
2206
O tambor nostálgico: literatura oral e as possibilidades da poesia moderna
7 Senghor (1956) responde a isto no Posfácio de Ethiopiques: “[…] vous m’invitez a organiser le poeme a
la francaise comme un drame quand il est, chez nous, symphonie, comme une chanson, conte, une piece,
un masque negre. Mais la monotonie du ton, c’est ce qui distingue la poesie de la prose, c’est le sceau de
La Negritude [...]”.
2208
O tambor nostálgico: literatura oral e as possibilidades da poesia moderna
2209
Femi Osofisan
Okigbo
A trajetória poética de Christopher Okigbo vai na direção
oposta da de Senghor, mas apesar disso e apesar do fato de que
Okigbo não era tão volúvel sobre seus métodos poéticos, a nostalgia
2210
O tambor nostálgico: literatura oral e as possibilidades da poesia moderna
2211
Femi Osofisan
2212
O tambor nostálgico: literatura oral e as possibilidades da poesia moderna
2213
Femi Osofisan
2214
O tambor nostálgico: literatura oral e as possibilidades da poesia moderna
2215
Femi Osofisan
BEYOND the iron path careering along the same beaten track.
The GLIMPSE of a dream lies smouldering in a cave,
together with the mortally wounded birds,
Earth, unbind me; let me be the prodigal; let this
be the ram’s ultimate prayer to the tether …
AN OLD STAR departs, leaves us here on the shore
Gazing heavenward for a new star approaching;
Before a going and coming that goes on forever […]
(Okigbo, 1971, p. 72)
É claro que estamos além da “métrica” e do “tempo” neste tipo
de poesia, que em vez disso estamos preocupados com a dança, a
máscara e o ritmo como aspectos de protesto político. Os versos dos
poemas se desenvolvem e viram de acordo com a amplitude e a pausa
da música – com seus crescendos, diminuendos e clímaxes. A ocasião
não é mais o ritual de um poeta envolvido na tarefa pessoalmente
gratuita de exploração introspectiva ou narcisista, mas sim o de
um poeta envolvido num rito comunitário juntamente com outros
artistas, um rito em que o destino de toda a comunidade está em
jogo. E assim como as trompas cantam sobre a morte de um sonho
numa atmosfera de terror desencadeada pela administração militar
do General Ironsi, os chocalhos falam do estado de caos tanto em
relatos de fábula e mito tradicionais quanto de exposição direta,
como por exemplo na seção chamada “Elegy for Slit‑drum:”
the panther has delivered a hare
the hare is beginning to leap
the panther has delivered a hare
the panther is about to pounce–
condolences …
parliament has gone on leave
the members are now on bail
2216
O tambor nostálgico: literatura oral e as possibilidades da poesia moderna
2217
Femi Osofisan
Okai
Eu acredito que Okigbo tenha conseguido controlar esses
momentos de fraqueza, mas não o poeta ganense Atukwei Okai.
Rude e apaixonado como Okigbo, com a mesma preocupação
intensa com o dano da corrupção social, Okai é exibidor demais
para controlar o tambor na sua mão. O próprio poeta declara
que desde os títulos gigantescos das suas coleções ele nos
desafia com seu entusiasmo. Ou quem pode não ouvir a batida
urgente e compulsiva do seu tambor em títulos como Lorgorligi
Logarithms, Rhododendrons in Donkeydom, ou The Gong‑gongs of
Mount Gongtimano? Os versos a seguir também não nos poupam:
“A poesia de John Okai”, escreve Eric Lincoln (1971, p.8),
“é a música da África: uma melodia declarada e depois
embelezada. Estas páginas apresentadas e colocadas
em justaposição finalmente se movem em harmonia
como resultado do seu desvio inerente e natural do
paradoxo. Como os tambores”.
Certamente, numa medida inigualável nem mesmo por
Okigbo, os versos de Okai apropriam a cadência musical do tambor
— até que, nos momentos mais apaixonados, o poeta abandona
completamente o idioma europeu estrangeiro em favor de um meio
que é uma mistura de vários idiomas africanos como twi, ewe, ga,
iorubá, hausa e outros:
nkrangpong nkrangpong
ashiedu ketekre
ashiedu ketekre
afrikapong afrikapong
ashiedu ketekre
ashiedu ketekre
odom ni amanfo
2218
O tambor nostálgico: literatura oral e as possibilidades da poesia moderna
2219
Femi Osofisan
2220
O tambor nostálgico: literatura oral e as possibilidades da poesia moderna
2221
Femi Osofisan
Brathwaite
É exatamente esse controle e esse equilíbrio que contribuem
para a força e a originalidade impressionante de Edward Brathwaite,
o poeta de Barbados. Sua poesia, a julgar apenas pela evidência,
aparentemente influenciou Okai. Brathwaite passou oito anos em
Gana, assimilando novamente a cultura da qual seus ancestrais
tinham sido violentamente desligados séculos atrás. É por isso, sem
dúvida, que sua poesia — especialmente a trilogia The Arrivants,
na qual ele tenta analisar a posição peculiar das Índias Ocidentais
no mundo — pulsa com os diferentes instrumentos de percussão
do povo Akan. Construída como um ritual de iniciação, com
movimentos de dança, dramas e simbolismo mítico, a poesia de
Brathwaite é muito parecida, na forma, no tempo e na entonação,
à de Okigbo, especialmente na segunda parte da trilogia chamada
Masks. Neste volume, Brathwaite escolhe lidar com o ritual do
retorno para casa, ou seja, o retorno do exílio para a pátria, para
suas raízes e seus ancestrais. Da maneira como isso ocorre, ele
prova ser um rito fútil, pois o poeta não consegue mais encontrar o
local em que seu cordão umbilical está enterrado, ele não consegue
descobrir as raízes da fraqueza e da derrota da sua tribo e vai
embora de novo, apesar de ir sem desespero.
Analisada de maneira estrutural, Masks é a realização artística
final daquela jornada iniciada em Okigbo, mas interrompida de
maneira tão trágica. Movido por um impulso comunitário analó‑
gico pela salvação, por discernimento redentor, o poema se molda
de maneira soberba, fundindo dança com canção, imagem com
ocasião, gesto com significado e torna‑se concreto, expressando
a metáfora icônica e fônica do tambor. Assim como em Silences,
de Okigbo, por exemplo, Masks começa com uma procissão dos
instrumentos musicais — gongo, chocalho, cabaça, baqueta — até
2222
O tambor nostálgico: literatura oral e as possibilidades da poesia moderna
2223
Femi Osofisan
But slowly
our daring uncurls
the mute
fear; hands
whisper and twist
into move
ment; buttocks
shift
stones of inertia;
rhythms arise
in the darkness;
we dance
and we dance
on the firm
earth; certainties,
farms,
tendrils unlocking;
wrong’s
chirping lightning
no longer harms
us; birds echo
what the earth
with its mud, fat
and stones, burns
in the tunnelling
drum
of our hot
timeless
morning,
exploding
dimensions
of song. (Brathwaite, 1968, p. 30)
2224
O tambor nostálgico: literatura oral e as possibilidades da poesia moderna
***
2225
Femi Osofisan
2226
CAPÍTULO 70
POESIA AKAN1
J. H. Kwabena Nketia
Poesia falada
Primeiro, existe uma tradição de poesia recitada, não cantada.
O maior uso disto está relacionado com a chefia. Em funções de
estado, poemas especiais de louvor são recitados por menestréis
que também agem como mestres de cerimônias para chefes
supremos. Nestes poemas são feitas alusões a sucessos anteriores
1 N.E.: Este artigo é reproduzido com a aprovação do autor e com a permissão do editor Ulli Beier e
da editora Longman (uma subsidiária de Pearson Education Limited) da obra Introduction to African
Literature: An Anthology of Critical Writing From Black Orpheus, páginas 23‑33, 2ª. Edição, 1979. O
editor Ulli Beier fundou o periódico Black Orpheus em 1957 e subsequentemente, em 1961, foi
cofundador, juntamente com Wole Soyinka, Chinua Achebe e outros, que na época constituíram o
MBARI Writers’ and Artist’s Club. Na época, Black Orpheus passou a ser o periódico oficial do grupo.
MBARI Club é proprietário oficial do título da antologia, mas o clube não sobreviveu ao trauma do
conflito armado. Christopher Okigbo, um dos membros fundadores, morreu numa das primeiras
batalhas da Guerra de Biafra.
2227
J. H. Kwabena Nketia
2228
Poesia Akan
espada que está na sua mão direita para o chefe a sua frente. Isto
aumenta o efeito dramático.
Os padrões efetivos do poema podem ser na forma de ex‑
‑pressões cumulativas ou de um diálogo.
He is the one!
O father wake up.
What is it, my child?
It is the Toucans crying.
Really!
You are a good boy to mistake the horns of
Amaniampong for the crying of Toucans.
Don’t be too quick to shoot at a great man.
Before you can fire, he snatches your powder.
He says: Help! Help!
He says: Akosua, Adwoa!
Quick, get me my torch.
What is it, she asks?
He replies, Is it not what happened the other day that has
happened once
more?
Again? This child is really a child!
When I was a mighty one, I could not overthrow him.
The mighty one could not overthrow him.
The entangling one could not overthrow him.
Aku that eats the snails of little children.
Quando cada poema desse tipo está sendo recitado, sempre
existe uma atmosfera tensa que é aliviada no final de cada poema
por tambores e trompas que tocam um interlúdio enquanto os
menestréis se preparam para recitar o próximo.
2229
J. H. Kwabena Nketia
Recitativa
A segunda tradição é a de um verso meio falado e meio
cantado – o estilo recitativo usado em cantos fúnebres e na poesia
das comemorações dos caçadores.
Tanto em cantos fúnebres quanto nas elegias de menestréis
da corte (Kwadwomfoᴐ) são feitas várias referências que são
agrupadas em poucos temas: o tema do Ancestral, o tema do morto
ou de qualquer indivíduo específico, o tema do local de domicílio.
A estes são acrescentadas diversas reflexões e mensagens como a
seguinte:
What were your wares that they are sold out so quickly?
This death has taken me by surprise.
When father meets me, he will hardly recognise me,
For he will meet me carrying all I have:
A torn sleeping mat and a horde of flies.
O que é interessante sobre o canto fúnebre é que existe uma
série de poemas adequados para toda pessoa Akan de acordo com
seu clã ou suas filiações familiares imediatas ou com o nome que
ela traz consigo que no passado indicava seu Ntrᴐ. Por exemplo,
Boakye, Boahene, Dua seriam o grupo Bosompra, enquanto Apea,
Apea Kusi seriam Bosomtwe. Outro exemplo pode ser interessante.
Este poema enfatiza o tema do Ancestral:
Grandsire ᴐpᴐn Sasraku,
I ask you to help me in clearing the forest to make a farm.
Then I ask you to help me in felling the trees on the farm.
Then I ask you to help me in making mounds for the yam seeds.
But for harvesting the yams, I do not need your help.
Your subjects, male and female alike, are terrible suckers.
ᴐpᴐn’s grandchild who hails from Danyaw and drinks Tefufu and
Akᴐnᴐma.
2230
Poesia Akan
2 Ou seja, as mercadorias que um caçador exige enquanto está morando afastado na floresta.
3 Nome forte do caçador Kwasi Febrisi Kae. Para a relevância desses nomes veja J.H.K. Nketia, edição
original (1969 [1955], p. 30‑33).
4 Ibid.
2231
J. H. Kwabena Nketia
Poesia lírica
A maior parte da poesia Akan acontece na tradição lírica: o
uso da canção como veículo para a poesia. Algumas canções são
fragmentárias apesar de algumas vezes esses fragmentos serem
resumidos e poeticamente interessantes. É difícil traduzi‑los de
maneira resumida para transmitir suas implicações. Aqui está um
exemplo:
What good is the woodpecker to be used in the soup?
A great bird has been left behind on the other side of the river.
Wayside palm tree, I have grown a multitude of branches.
Who will reap my nuts when I am dead and gone? Little beetle,
My head has no thinking‑cap.
I have searched for one, but without avail.
A estrutura de poemas líricos é grandemente influenciada
pelas exigências musicais. Canções executadas por indivíduos
tendem a ter uma forma de verso sustentada com o mínimo de
repetições, enquanto aquelas cantadas isoladamente e em coro
tendem a ter algumas frases repetidas vezes.
Em geral, as sequências de “expressões” ocorrem logo após
as frases musicais. Em algumas canções isto é regular. Em outras,
no entanto, frases de tamanhos diferentes são usadas. Exemplos
dos poemas nesta tradição serão selecionados a partir dos diversos
tipos líricos.
2232
Poesia Akan
Canções de ninar
Nestas canções sempre existe espaço para as reflexões da mãe
ou da babá, para alusões à coesposa de um casamento polígamo,
alusões ao tratamento repressor do marido para com a mulhe. As
canções de ninar, portanto, podem ser tão satisfatórias para a mãe
quanto para a criança.
2233
J. H. Kwabena Nketia
Canções de donzela
Na sociedade Akan canções de donzela são cantadas em
noites de luar por mulheres que se juntam em pequenos grupos de
apresentação para esta finalidade. As mulheres ficam em pé num
círculo e batem palmas enquanto cantam. Cada uma tem sua vez
para liderar os versos de cada canção.
As canções são usadas principalmente para louvar ou para
fazer referências a pessoas amadas, irmãos ou outros parentes ou
homens que se destacam na comunidade. No passado, qualquer
pessoa que recebesse essa homenagem deveria dar presentes às
mulheres no dia seguinte.
He is coming, he is coming,
Treading along on camel blanket in triumph.
2235
J. H. Kwabena Nketia
Canções guerreiras
Organizações guerreiras fazem parte da organização política
de estados Akan. Estas organizações têm suas próprias canções que
elas usam em ocasiões importantes como em festivais, cerimônias
políticas e, no passado, em tempos de guerra. As canções incluem
canções de desafio, incitação, insulto, canções de luto (usadas ao
transportar o corpo de um capitão morto de volta para casa) e
outros tipos.
Hirelings adamant to rain and scorching sun,
Members of the Apagya company,
There was a cannon mounted vainly on top of the fort5,
The cannon could not break us,
The trusted company that engages in battle.
Hail the helper.
2236
Poesia Akan
2237
J. H. Kwabena Nketia
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Poesia Akan
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J. H. Kwabena Nketia
2240
Poesia Akan
7 “Samrawa” é um termo usado na música de percussão tradicional dos deuses como o equivalente a
akantam, provérbios de percussão tocados na corte de chefes. “ᴐno saa” é o termo correspondente
em Akwapim para akantam tocado (em Akropong) na corte do Chefe Supremo.
2241
J. H. Kwabena Nketia
Conclusão
Nossa poesia teve uma tendência a dar mais importância
a pessoas, relacionamentos interpessoais e atitudes e valores
derivados da nossa concepção do universo. Nós não perdemos
tempo com os narcisos ou com o rouxinol, com o céu noturno,
e assim por diante, como coisas em si, mas apenas em relação à
experiência social. Nossa poesia está cheia de animais e plantas,
mas estes são usados porque proporcionam uma metáfora ou uma
comparação adequadas, ou formas comprimidas de refletir sobre a
experiência social.
Na vida em grupo, o uso da poesia é mais ou menos organizado.
Existem alguns separados para transmitir isso através de trompas
e foles e outros separados para transmitir isso por palavras.
De maneira semelhante, entre bandas e associações populares
existem cantores principais que conseguem trazer para a canção
uma variedade de expressão poética adequada à ocasião.
A tradição poética ainda está sendo mantida, apesar de não
na mesma medida. Alguns tipos de poesia, especialmente aqueles
associados com a Corte, estão longe de serem tão conhecidos quanto
apenas algumas décadas atrás. Muitas pessoas, especialmente as
que tiveram o benefício de terem sido educadas em escolas, não
podem fazer nenhuma reivindicação ousada a um conhecimento
das tradições. Entretanto, poetas e guardiões da tradição ainda
podem ser encontrados criando e recriando a poesia tradicional em
contextos adequados.
***
2242
Poesia Akan
2243
APÊNDICE
A POESIA DE TAMBORES1
J. H. Kwabena Nketia
1 N.E.: Reproduzido com a permissão do autor a partir de Voices of Ghana: Literary Contributions to
the Ghana Broadcasting System 1955‑1957 editado por Henry Swanzy, impresso pelo Ministério da
Informação e da Transmissão do Governo de Gana, 1958, p. 17‑23.
2245
J. H. Kwabena Nketia
2246
A poesia de tambores
2247
J. H. Kwabena Nketia
2248
A poesia de tambores
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J. H. Kwabena Nketia
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A poesia de tambores
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J. H. Kwabena Nketia
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A poesia de tambores
2253
CAPÍTULO 71
PAN‑AFRICANISMO LITERÁRIO: O LUGAR DA
DIÁSPORA AFRICANA NA EDUCAÇÃO E NA
CONSCIÊNCIA DE INTELECTUAIS AFRICANOS1
Anne V. Adams
1 N.E.: Este capítulo era originalmente um artigo chamado “Pan‑africanismo Literário” e apareceu no
periódico Thamyris/Intersecting: Place, Sex, and Race, nos números seriados 11 e 12, com o título
“Africa and its Significant Others: Forty Years of Intercultural Entanglement” (2004) p. 137‑149. Ele
está reproduzido aqui, editado nominalmente, com a permissão do autor, dos editores convidados
da série Isabel Hoving, Frans‑Willem Korsten e Ernst van Alphen e com a gentil permissão do editor,
o afável Fred van der Zee, de Rodopi em Amsterdã.
2255
Anne V. Adams
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Pan‑africanismo literário: o lugar da diáspora africana na educação e na consciência de intelectuais africanos
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Pan‑africanismo literário: o lugar da diáspora africana na educação e na consciência de intelectuais africanos
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Pan‑africanismo literário: o lugar da diáspora africana na educação e na consciência de intelectuais africanos
2261
Anne V. Adams
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Anne V. Adams
Ideais políticos
Apesar de o projeto pan‑africanista literário ser o assunto
central de dois romances exemplares na obra tanto de Armah
quanto de Conde, relacionamentos pan‑africanos também desem‑
penham um papel fundamental em outros textos dos dois
escritores. Por exemplo, em, Why Are We So Blest, de Armah (1972),
construído com símbolos que agora são clichês, o protagonista
africano Modin, bolsista de Harvard, é lentamente destruído
através dos seus casos com mulheres brancas: uma delas, esposa
de um dos seus professores faminta por coisas exóticas, a outra,
uma colega estudante, “aspirante” a radical e frígida. O possível
“antídoto” para a “atração fatal” causada por dois casos com “olhos
azuis”, que o veem como “alimento para a alma” (“olhos azuis o
comerão até a morte”, Blest 2000) é oferecido através de duas
amizades mentoras do mundo negro. Uma delas é o relacionamento
sexualmente platônico de Modin com uma irmã americana negra
politicamente consciente. A outra pessoa conhecida é a escritora
africana ressentida, incerta e impotente que gostaria de poder
alertar Modin sobre a contradição em qualquer tentativa de
construir um estado africano revolucionário em parceria com a filha
do colonizador. Portanto, o protagonista sofre e morre por causa
da sua cegueira colonial, a incapacidade de ver sua destruição pelos
colonizadores e suas filhas. Apesar de agora este romance poder ser
visto como clichê, ele forma um elo na insistência característica
de Armah sobre o que se pode chamar de correção política sexual.
Na verdade, esta noção prevalece até mesmo em seu romance mais
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Pan‑africanismo literário: o lugar da diáspora africana na educação e na consciência de intelectuais africanos
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Anne V. Adams
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Pan‑africanismo literário: o lugar da diáspora africana na educação e na consciência de intelectuais africanos
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Anne V. Adams
***
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Pan‑africanismo literário: o lugar da diáspora africana na educação e na consciência de intelectuais africanos
Survival: African Literature and the Search for New Life (1998). Também
editou, com Esi Sutherland Addy, The Legacy of Efua Sutherland: Pan‑
‑African Cultural Activism (2008). Traduziu Blues in Black and White:
A Collection of Essays, Poetry and Conversations by May Ayim (2003) e a
coleção Showing Our Colors: Afro‑German Women Speak Out, editada por
May Opitz, Katharina Oguntoy e Dagmar Schultz (1992). Atualmente,
está completando a edição e a compilação de um livro em homenagem à
escritora africana premiada Ama Ata Aidoo.
2277
CAPÍTULO 72
A METAFÍSICA E A POLÍTICA DA REPRESENTAÇÃO
DE GÊNERO NAS ARTES DA ÁFRICA
Esi Sutherland‑Addy
Introdução
Neste capítulo, adotamos a visão de que sexo e gênero são
fatores tão importantes da condição humana que eles aparecem
de forma muito destacada no espaço criativo, tanto por meio
do processo de produção artística quanto do seu ônus temático.
A herança das artes é um fenômeno social com forte identificação
de gênero, de acordo com o padrão que evoluiu em sociedades pré‑
‑coloniais em que homens e mulheres atuam em esferas e espaços
distintos. Em suma, este capítulo lidará principalmente com a
restituição das vozes de mulheres à esfera pública. Ao longo dos
últimos trinta anos, esta preocupação acadêmica por si só levantou
várias questões críticas sobre a representação de gênero que serão
esclarecidas nesta exploração panorâmica introdutória.
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Esi Sutherland‑Addy
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A metafísica e a política da representação de gênero nas artes da África
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A metafísica e a política da representação de gênero nas artes da África
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A metafísica e a política da representação de gênero nas artes da África
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Esi Sutherland‑Addy
5 O material a seguir foi coletado sob os auspícios das Women Writing Africa Nigeria and Senegal
Country Committees, respectivamente. Estes textos são discutidos detalhadamente na introdução
de Esi Sutherland‑Addy e Aminata Diaw (eds) (2005).
2291
Esi Sutherland‑Addy
julgam que elas não podem mais ficar de fora, mas que elas devem
entrar na briga para salvarem sua nação.
Na Nigéria, por exemplo, Inikpi era a filha favorita da
governante da Igala, Ata Ayagba, que se dispôs a se sacrificar pela
sobrevivência do reino Igala durante sua guerra com o povo Jukun.
Apesar de seu pai não estar disposto a aceitar o pronunciamento
do oráculo de que ela deveria morrer para que seu povo fosse salvo
ela convenceu seu pai, se ofereceu e se enterrou viva. Até hoje,
durante o festival anual do Igala, realiza‑se um ritual em que uma
canção especial é cantada celebrando ela:
Inikpi, filha querida do pai
Inikpi, filha querida do pai
A terra Igala pela qual você morreu
Não está mais avançando
Então nós suplicamos para você
Abrir o caminho para nós
Inikpi, filha querida do pai
Os Wolof contam outro épico sobre uma princesa do século
XIX do reino Bawol, na época situado no noroeste do Senegal.
Ngone Latyr, a filha de Lat Sukaabe. A protagonista ganhou seu
lugar na história quando ela assumiu o comando do exército do seu
pai depois de ele ficar doente durante uma guerra entre seu reino e
o de Trazza Moor. De acordo com os primeiros versos do seu épico:
Bem! Vocês estão certos
No Senegal a coragem é disseminada
E mulheres também podem ser responsáveis por atos de coragem
Como participar de uma batalha – mesmo que seja raro!
Meu pai está doente
Ele não consegue se levantar, quanto mais ir a qualquer lugar
Mas o que ele tinha como proteção mágica
Passará a ser meu
2292
A metafísica e a política da representação de gênero nas artes da África
2293
Esi Sutherland‑Addy
Eu atirarei
E todos devem me apoiar
Qualquer coisa revelada ao inimigo será sua ação
É por isso que chamo meu cavalo de Ndeyal Neeg!
Dois pontos são pertinentes para o nosso debate aqui.
O primeiro é que Ngone Latyr adota uma personalidade masculina
para assumir o manto da liderança. Esta noção de tornar‑se
uma pessoa diferente dela mesma para transcender barreiras
socialmente impostas parece ser uma estratégia comum que
mulheres usam, provando que, na verdade, elas sempre tiveram
uma competência, poder, habilidade ou talento ocultos. Mulheres
Dagaare que são netas de um patriarca morto podem, durante os
ritos funerais após o sepultamento do patriarca, vestir a roupa de
homens e entrarem no local da cerimônia numa breve paródia,
cantando músicas fúnebres restritas aos homens. Numa missão
mais sombria, mulheres Seerer do Senegal pintam seus rostos com
carvão e vestem roupas de homens, andando de maneira vigorosa
e cantando canções guerreiras a caminho de enterrarem uma
moça que morreu tragicamente ao dar à luz. Neste estado, todos
devem dar passagem a elas. Por um breve período, elas se livram
do comportamento subordinado normativo que a sociedade espera
delas como mulheres.
Como o trecho anterior também demonstra, Ngone Latyr
mostra coragem excepcional e julga que chegou o momento de
agir porque o poder estatal se enfraqueceu até um nível crítico.
Este tema é encontrado sustentando as ações de muitas heroínas
africanas ou “shero” de acordo com a famosa escritora e ativista
negra americana chamada Maya Angelou. Na experiência de Gana
podemos citar Nana Yaa Asantewaa, rainha‑mãe de Ejisu, como
outro exemplo de mulheres decidindo contestar o provérbio Akan:
2294
A metafísica e a política da representação de gênero nas artes da África
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Esi Sutherland‑Addy
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A metafísica e a política da representação de gênero nas artes da África
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A metafísica e a política da representação de gênero nas artes da África
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Esi Sutherland‑Addy
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A metafísica e a política da representação de gênero nas artes da África
6 N.E.: Highlife é um gênero musical que se originou em Gana no começo do século XX, incorporando
instrumentos ocidentais às estruturas harmônicas e melódicas tradicionais da etnia Akan. O highlife
foi associado com a aristocracia local Africano durante o período colonial. Na década de 1930,
propagou‑se por Serra Leoa, Libéria, Nigéria, Gâmbia e outros países do Oeste Africano.
7 N.E.: No capítulo 78 desta coletânea, John Collins detalha profundamente as formas pelas quais a
Highlife de Gana evidencia a crítica social, o patriotismo nacionalista e a luta de classes.
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A metafísica e a política da representação de gênero nas artes da África
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Esi Sutherland‑Addy
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A metafísica e a política da representação de gênero nas artes da África
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Esi Sutherland‑Addy
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A metafísica e a política da representação de gênero nas artes da África
Conclusão
Tanto a política quanto a metafísica de uma representação
de gênero pronunciada nas artes da África podem ser analisadas
no processo de criação desde épocas antigas e em vários níveis.
Formas de arte que envolvem o pensamento ontológico da
sociedade africana revelam uma força primordial de mulheres
e da feminilidade. Esta descrição de força feminina arquetípica
certamente camufla os estereótipos principalmente depreciativos
encontrados em formas populares de arte. É revelador entrar em
espaços reservados para cada gênero na sociedade africana para
experimentar as palavras de afirmação própria, assim como a visão
do outro. Formas de arte contemporâneas, especialmente a escrita
criativa, fornecem uma ilustração vívida da consciência cada vez
maior de uma política de representação de gênero. Cada vez mais,
vemos tomar forma uma correção para a ausência clássica das
vozes femininas na esfera criativa. Esta é uma das maneiras pela
qual os artistas contemporâneos de origem africana no mundo
todo contribuíram para a construção de uma sociedade mais justa.
***
2307
Esi Sutherland‑Addy
2308
CAPÍTULO 73
TEATRO DE QUEM? ÁFRICA DE QUEM? “THE ROAD”,
DE WOLE SOYINKA, NA ESTRADA1
Biodun T. Jeyifo
Introdução
Neste capítulo exploro a questão do que acontece quando
textos literários e dramáticos africanos “viajam”. Usando o exemplo
de uma das principais obras do corpus de Wole Soyinka, The Road,
pergunto: onde reside a “africanidade” dos textos literários e
teatrais africanos e como ela se sai quando textos africanos viajam?
Em outras palavras, eu exploro como os marcadores, sinais e
códigos de “africanidade” são lidos, decodificados, reconfigurados
e, sobretudo, são apropriados quando textos africanos viajam.
Apesar de todas as três ocasiões de “viagem” que eu explorarei na
encenação de The Road terem ocorrido fora da África, eu desejo
enfatizar que tanto as implicações práticas quanto teóricas das
1 N.E.: Este capítulo é uma reprodução do artigo com o mesmo título que apareceu em Modern Drama
45 (3) Outono, 2002: p. 449‑465, que é um periódico do Graduate Centre for the Study of Drama da
Universidade de Toronto e que detém os direitos autorais. O artigo publicado no original em inglês
permissão do autor e permissão apoiadora da editora, University of Toronto Incorporated.
2309
Biodun T. Jeyifo
2310
Teatro de quem? África de quem? “The road”, de Wole Soyinka, na estrada
2 N.E.: Olufemi Taiwo explica as tensões cumulativas entre pontos de vista contrastantes sobre a
“africanidade” como um produto de pesquisa e teoria conforme perseguidas por estudiosos africanos
dentro da África versus africanistas baseados na América do Norte, no capítulo 53.
2311
Biodun T. Jeyifo
3 Veja Biodun Jeyifo (2001). Para um debate influente sobre o pós‑modernismo africanista no que diz
respeito à filosofia política e ao governo na África, veja Emory M. Roe et al. em Transition (1994).
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Teatro de quem? África de quem? “The road”, de Wole Soyinka, na estrada
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Biodun T. Jeyifo
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Teatro de quem? África de quem? “The road”, de Wole Soyinka, na estrada
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Teatro de quem? África de quem? “The road”, de Wole Soyinka, na estrada
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Teatro de quem? África de quem? “The road”, de Wole Soyinka, na estrada
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Biodun T. Jeyifo
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Teatro de quem? África de quem? “The road”, de Wole Soyinka, na estrada
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Biodun T. Jeyifo
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Teatro de quem? África de quem? “The road”, de Wole Soyinka, na estrada
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Biodun T. Jeyifo
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Teatro de quem? África de quem? “The road”, de Wole Soyinka, na estrada
10 Eu explorei esta questão em “The Hidden Class War in The Road” (Jeyifo, 1985).
2329
Biodun T. Jeyifo
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Teatro de quem? África de quem? “The road”, de Wole Soyinka, na estrada
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Biodun T. Jeyifo
2332
Teatro de quem? África de quem? “The road”, de Wole Soyinka, na estrada
2333
Biodun T. Jeyifo
“Africanidade” no mundo
Surge uma necessidade de obter sinais, marcadores e códigos
de “africanidade” em textos teatrais africanos em geral apenas por
causa da inflação da crítica pós‑modernista de noções de identidade e
comunidade nacionalistas ou “essencialistas”. Nas obras de críticos
culturais como Paul Gilroy (2000) no contexto “britânico negro”
e Valentine Mudimbe (1988) no contexto africano, esta crítica é
especialmente cáustica sobre articulações nacionalistas de noções
de identidade e comunidade em alegorias puristas e exclusivistas
de “lar”, origens e experiência. Mas pelo extremismo desta crítica
pós‑modernista, teria sido simplesmente insensato afirmar a
reivindicação óbvia, como pareço ter feito neste capítulo, de que o
mundo (ainda não) é homogêneo e que textos literários e teatrais
carregam com eles códigos e marcadores de onde eles vêm. Além
disso, eu não teria achado necessário reafirmar o truísmo que os
2334
Teatro de quem? África de quem? “The road”, de Wole Soyinka, na estrada
***
2335
Biodun T. Jeyifo
2336
CAPÍTULO 74
HISTÓRIA DO TEATRO EM GANA1
James M. Gibbs
1 N.E.: Este breve levantamento do teatro em Gana baseia‑se num artigo que apareceu em A History of
Theatre in Africa, editado por Martin Banham, publicado pela Cambridge University Press em 2004,
p. 159‑170. Ele supõe definições de determinadas palavras‑chave e despreza algumas áreas de
atividade. Ele está editado novamente e reproduzido aqui com a permissão do editor original e
da editora.
2337
James M. Gibbs
2 N.E.: Veja também a interpretação de Jesse Weaver Shipley da relevância mais ampla da comercialização
do gênero concert party por uma empresa multinacional líder em produtos detergentes no final
do século XX em Gana, no capítulo 77.
2338
História do teatro em Gana
2339
James M. Gibbs
3 N.E.: O Children’s Park em Acra também foi rebatizado com o nome de Efua Sutherland in memoriam,
no ano da sua morte. A apresentação de um seminário por Efua Sutherland sobre a centralidade da
experiência infantil e exemplo ao corpus do dramaturgo africano constitui o capítulo 76.
2340
História do teatro em Gana
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James M. Gibbs
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História do teatro em Gana
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James M. Gibbs
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História do teatro em Gana
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James M. Gibbs
6 N.E.: Veja o artigo de Efua Sutherland sobre o teatro infantil, que aparece como o capítulo 76.
2346
História do teatro em Gana
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James M. Gibbs
2348
História do teatro em Gana
7 Veja Martin Owusu (1970, 1973); Mohammed Ben‑Abdallah (1987, 1989, 1993).
8 N.E.: Ben‑Abdallah reflete sobre a origem e as intenções por trás da sua peça mais recente “The Song
of the Pharoah”, no capítulo 75.
2349
James M. Gibbs
2350
História do teatro em Gana
Eu
Quero.
Eu entendo que nos anos que restaram para ela, Sutherland
nunca visitou nem o Teatro Nacional nem o Efua Sutherland
Drama Studio “reconstruído” em Legon.
O Teatro Nacional agora é um fato da vida teatral em Gana.
Ele foi inaugurado com uma produção que reuniu o National Dance
Ensemble, a National Symphony Orchestra com a companhia de
atuação Abibigromma. Ao longo dos anos, diretores, artistas cênicos
e designers de iluminação assumiram o desafio representado pelo
prédio. Por exemplo, durante 1994, Anton Phillips (diretor) e Larry
Coker (iluminador) vieram convidados pelo Conselho Britânico
para trabalharem em Old Story Time, de Trevor Rhone. No mesmo
ano, Femi Osofisan9 montou seu próprio roteiro Nkrumah Ni [...]
Africa Ni! e Steven Gerald (Universidade do Texas, em Austin)
dirigiu The Playboy of the West Indies, de Mustapha Matura. No
entanto, apenas o National Dance Ensemble, coreografado por Nii‑
‑Yartey, conseguiu lidar com os amplos espaços abertos do palco
e com a escala do auditório no Teatro Nacional. Alguns diretores
locais ignoraram o grande espaço e, em vez disso, optaram por
trabalharem num teatro ao ar livre ao lado do prédio.
Enquanto se afastava do modelo fornecido por Sutherland em
relação a prédios de teatro, os Anos de Rawlings viram a realização
do Primeiro Festival de Drama Histórico na Costa do Cabo que,
os promotores se deram ao trabalho de observar, teve sua origem
numa proposta que Sutherland tinha feito em 1980. O primeiro
festival internacional ou pan‑africano aconteceu em dezembro
de 1992 e desde então uma grande variedade de grupos cênicos
tanto da África quanto da sua diáspora têm se reunido em nome
9 N.E.: O artigo clássico de Femi Osofisan sobre literatura oral e poesia de performance aparece aqui
como o capítulo 69.
2351
James M. Gibbs
2352
História do teatro em Gana
2353
James M. Gibbs
Apêndice
2355
James M. Gibbs
Collins, E. John.
(1994) Highlife Time. Acra: Anansesem Publications.
(2003) “Ganaian Women Enter Into Popular Entertainment,”
Journal of the Humanities (Ile‑Ife), 3(1), p. 1‑10. Inclui
material sobre Adelaide (sic) Buabeng, Araba Stamp, o
Workers’ Brigade Concert Party e cantores – tanto de Gana
(como Diana Akiwumi) quanto outros que não são de Gana
(Miriam Makeba).
Deandrea, Pietro.
(2002) Fertile Crossings: Metamorphis of Genre in Anglophone
West African Literature. Amsterdã: Rodopi. O estudo tem um
capítulo com 46 páginas sobre Ben‑Abdallah e seções grandes
sobre Sutherland, Aidoo, Addo e Yirenkyi. Deandrea leva
em conta especialmente as experiências de Okai e Acquah
como poetas de atuação e sua discussão de obras individuais
se beneficia do uso de material de entrevista abrangente e
original. Aspectos da vida teatral, prédios de teatros e assim
por diante são incorporados.
Dogbe, Esi.
(2002) “Visibility, Eloquence and Silence: Women and
Theatre For Development in Ghana”. African Theatre Women.
Jane Plastow (ed.). Currey: Oxford, p. 83‑99.
Dove, Mable.
(2004) Selected Writings of a Pioneer West African Feminist.
Stephanie Newell and Audrey Gadzekpo (eds). Nottingham:
Trent Editions.
2356
História do teatro em Gana
Gibbs, James.
(2001a) “Ghana: Theatre,” Censorship A World Encyclopaedia,
Vol. 2. Derek Jones (ed.) Londres: Fitzroy Dearborn,
p. 951‑2.
(2001c) “Noticeboard,” em African Theatre: Playwrights and
Politics. Martin Banham, James Gibbs, Femi Osofisan (eds).
Oxford: Currey, p. 191‑203.
(2001) and Anthony A. Aidoo, “Mohammed Ben‑Abdallah
at Fifty”, in African Theatre: Playwrights and Politics. Martin
Banham, James Gibbs, Femi Osofisan (eds.) Oxford: Currey,
p. 84‑88.
(2001b) “Joe de Graft: Theatrical Prophet With Strange
Honours”, African Theatre: Playwrights and Politics. Oxford:
Currey, p. 72‑73. Uma resposta ao perfil de Agovi (1979),
apresentado pela primeira vez em Legon em 1994.
(2001) “Ghana: Theatre”. Censorship A World Encyclopedia,
Volume 2, Ed. Derek Jones. Londres: Fitzroy Dearborn, 2001,
p. 951‑2. (Considera o patrocínio e a proibição, observa a
influência do Conselho Britânico, o destino de J. B. Danquah,
a experiência dos Osagefo Players, A Man for All Seasons,
etc.).
(2004) “Obituary of Yaw Asare”. African Theatre Southern
Africa. Ed. David Kerr, Oxford: Currey, p. ix‑x.
Kirby, Jon P.
(2002) “A Cobra in Our Granary”: Culture‑Drama and
Peacebuilding, a Culturedrama Workbook. Tamale: Tamale
Institute of Cross‑Cultural Studies. (Inspirando‑se em
atividades usadas no drama psicológico, Kirby e co‑
‑facilitadores realizaram uma oficina de construção da paz
2357
James M. Gibbs
2358
História do teatro em Gana
2359
James M. Gibbs
Yirenkyi, Asiedu.
(2003) Two Plays: Dasebre e The Red Ants. Legon: Depar‑
tamento de Artes Teatrais.
Nota de Fim (04/07/2006): Em Agosto de 2005, uma conferência
sobre Pesquisa do Teatro de Gana foi realizada no Instituto de
Estudos Africanos, em Legon. Patience Addo, Kofi Anyidoho, Awo
Asiedu, Africanus Aveh, Evans Oma Hunter e Esi Sutherland‑
‑Addy estavam entre aqueles que apresentaram artigos ou que
participaram de um debate útil que chamou a atenção para a
escassa consideração dada à herança teatral do país. O desprezo de
arquivos e de efêmero teatral foi especialmente deplorado. A.P.T.S.,
de Efo Mawugbe, foi apresentada para coincidir com a conferência.
Durante os meses seguintes, o trabalho seguiu com planos de
publicação e em 2006 Ananse in the Land of Idiots, de Yaw Asare
apareceu por Study Ghana, Legon [sic].
***
2360
História do teatro em Gana
2361
CAPÍTULO 75
BOBOKYIKYI’S LAMENT: TEATRO E A EXPERIÊNCIA
AFRICANA1
Mohammed Ben‑Abdallah
1 Este capítulo aparece como o capítulo 18 em Transcending Boundaries: The Humanities & Socio‑
‑Economic Transformation in the African World, editado por Kofi Agawu e Kofi Anyidoho e publicado
em 2009 como um projeto colaborativo do Conselho para o Desenvolvimento da Pesquisa de
Ciências Sociais na África (CODESRIA em Dakar, Senegal), o Instituto para Estudo e Pesquisa
Avançados nas Humanidades Africanas (Universidade Northwestern em Evanston, Illinois) e o
Programa de Humanidades Africanas CODESRIA (Universidade de Gana, em Legon).
2363
Mohammed Ben‑Abdallah
2364
Bobokyikyi’s Lament : teatro e a experiência africana
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Bobokyikyi’s Lament : teatro e a experiência africana
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Mohammed Ben‑Abdallah
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Bobokyikyi’s Lament : teatro e a experiência africana
Existe uma sensação que a pessoa tem quando sai de casa para
ir ao trabalho ou a algum outro lugar e percebe pouco tempo depois
que esqueceu alguma coisa, mas que ela não sabe exatamente o que
é que ela esqueceu – uma certa sensação de vazio em algum lugar e
algum canto remoto da pessoa, uma sensação desconfortável que cria
uma sensação de desequilíbrio na personalidade total, uma sensação
que alguns artistas negros americanos, caribenhos e a maioria dos
artistas africanos colonizados e intelectuais já tiveram em algum
momento. Essa sensação se expressa de várias formas. Às vezes ela
vem à tona quando o artista africano se afasta da sua criação, olha
longamente para ela, balança a cabeça e diz para si mesmo: “está
faltando alguma coisa. Não sei o que é, mas está faltando”.
Na minha visão, Artaud, Boal, Brook, até mesmo Brecht e
muitos como eles, fornecem dicas sobre qual é esse fator que falta
– esse ingrediente esquecido. O cronista de Brook escreve:
Primitivismo não se aplica a nenhuma parte da África
às quais nós fomos. Longe das cidades modernas, o
africano tinha algo a mais para oferecer e era quase
tão precioso quanto sua personalidade expansiva.
A cultura tradicional de civilizações africanas não
é apenas extremamente rica e completa, mas em
relação ao teatro ela prepara a plateia de uma forma
singular. Se você pegar uma caixa de papelão, ela
é apenas um objeto. Mas se você colocar um ator
dentro de uma caixa, ela passa a ser uma metáfora.
Para a plateia ocidental, realidade e fantasia são
coisas diferentes. Mas para o africano criado num
modo de vida tradicional, elas são dois aspectos da
mesma realidade. Para ele existe uma passagem livre
entre o concreto e o abstrato, o visível e o invisível7.
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Mohammed Ben‑Abdallah
2372
Bobokyikyi’s Lament : teatro e a experiência africana
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Bobokyikyi’s Lament : teatro e a experiência africana
Ele resume isto tão bem e de maneira tão concisa no final do seu
livro que eu a reproduzo aqui:
O herói lendário, ou seu protótipo histórico,
marcado por extremidades inferiores inchadas,
passando seus primeiros anos no exílio longe da sua
casa em Tebas; seu retorno, com a morte do seu pai,
à sua pátria e ao seu reino, que por pouco tempo
tinha sido governado pela viúva real; sua falta de
reverência pela memória do seu pai, cujo nome ele
apagou e cuja lápide ele mutilou; seu casamento com
sua mãe com quem ele teve filhos; sua popularidade
entre seus súditos e a afeição deles pelo rei “que
vive de acordo com a verdade” e que se achava que
fosse sábio; a ocorrência de algum azar no reino
cuja culpa foi atribuída à injustiça do rei; a cegueira
do rei; sua abdicação forçada depois de 16 anos de
reinado, sua prisão e sua partida para o exílio; o
papel desempenhado nesta revolução no palácio pelo
irmão da rainha; o acordo pelo qual dois jovens filhos
do rei exilado deveriam governar sucessivamente; a
recusa do mais jovem, ainda adolescente, a devolver
o trono ao mais velho quando chegou a vez deste; o
apoio e a orientação dados nesta questão ao príncipe
que estava no trono pelo mesmo parente, o irmão da
rainha morta; a guerra subsequente entre irmãos,
em que o pretendente no exílio foi auxiliado por
exércitos estrangeiros; a morte dos dois jovens irmãos
na batalha na cidade sitiada de Tebas; a proibição
pelo regente contra o sepultamento adequado do
pretendente decaído e os ritos funerais esplêndidos
dados ao rei jovem decaído; o sepultamento
clandestino do rival decaído por uma irmã devota
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Bobokyikyi’s Lament : teatro e a experiência africana
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Mohammed Ben‑Abdallah
CENA:
AQUI E AGORA. Um palco pouco iluminado, sem mobília
alguma, exceto por uma banqueta alta posicionada na frente, o mais
perto possível da plateia. A característica mais extraordinária do palco
é a multiplicidade de níveis em que diversas cenas ocorrem, às vezes
simultaneamente. Em três áreas separadas, em níveis diferentes, três
grupos musicais estão afinando seus instrumentos silenciosamente e
estão se preparando para a apresentação. Eles consistem de:
2386
Bobokyikyi’s Lament : teatro e a experiência africana
ADOWAHEMAA:
Meus irmãos e minhas irmãs, temos que começar agora pois
já chegamos a um acordo. Vamos começar agora, Amuzu. O tempo
não está do nosso lado.
AMUZU:
Então não vamos adiar mais. Vamos começar. As pessoas
estão esperando.
SEKOU‑BA:
Sim, mas não temos que começar conforme exigem o costume
e a tradição, com uma oração?
ADOWAHEMAA:
Realmente você tem razão, meu filho Sekou‑ba. Não é por
acaso que eles o chamam de filho da sabedoria. Temos que começar
com uma oração, uma libação de acordo com eles; uma invocação
de Onyame, dos Deuses e dos nossos Ancestrais abençoados para
que eles se juntem a nós. E talvez, se tivermos sorte, o próprio
Escriba Amonhotep junte‑se a nós. Talvez ele seja nosso convidado
especial e nos empreste o poder do seu incrível conhecimento [...].
2387
Mohammed Ben‑Abdallah
SEKOU‑BA:
Amonhotep? Desculpe. Nana Adowahemaa, mas você
certamente não quer dizer o Grande Amonhotep? O escriba do
Faraó?
ADOWAHEMAA:
Exatamente ele, Sekou‑Ba. É dele que estou falando.
AMUZU:
Amonhotep, Filho de Hapu? Bem, então temos que chamar
Kumo‑Ji. Pois se existe alguém que possa levantar Amonhotep,
Filho de Hapu, e convocar o antigo escriba para que ele saia da
bruma da história e entre em nossa presença miserável, este
alguém é Kumo‑Ji. Pois Kumo‑Ji não é o único idoso vivo que nós
conhecemos que atravessa regularmente o caminho que vincula a
Vida e a Morte? Ele não costuma se sentar sob a sombra do Baobá
no cruzamento da Vida, da Morte e da Eternidade para trocar
sabedoria com os Grandes Ancestrais? Então o chamem! Batam os
tambores falantes e deixem que eles digam o nome dele! Kumo‑
‑Jiiii! […] Eu digo some o gongo e convoquem o velho Kumo‑Ji
aqui [...] Kuu […] Moo […] Jiiii! […]
2388
Bobokyikyi’s Lament : teatro e a experiência africana
SEKOU‑BA:
Nós lhe imploramos Baba, que invoque humildemente a
presença de Amonhotep, Filho de Hapu, para o nosso meio. Solicite
a ele, sábio, que oriente nossos lábios com a força da sua grande
sabedoria e tornem verdadeiras as palavras que sairão das nossas
bocas hoje mais tarde [...]
KUMO‑JI:
O Maawu! Pai e Criador de tudo que vive e deve morrer, nós
sabemos que Vocês estão aqui conosco. Nós também sabemos que,
pela força do seu amor, os Deuses, nossos Ancestrais e nosso Futuro
Que Ainda Não Nasceu estão atualmente reunidos aqui conosco.
Pai, nós especialmente pedimos para que o Senhor autorize que
um grande Ancestral, Amonhotep, filho de Hapu, escriba do faraó
[...] nos lhe pedimos, Pai, para permitir que ele esteja aqui conosco
pessoalmente. Amonhotep! Filho de Hapu! Escriba superior do
Faraó Akhenaten! Das profundezas da história; do esplendor
rapidamente retrocedente do nosso passado glorioso, eu o invoco!
Nós pedimos para que o Senhor esteja conosco; que nos oriente
e nos mostre os caminhos para o nosso passado. Amonhotep!
Filho de Hapu! Em nome de Maawu e de todos os Deuses, eu lhe o
chamo! Levante‑se, Amonhotep, filho de Hapu! Levante‑se! Venha,
Amonhotep! Nós o chamamos! Ouça‑nos e venha! [...] Venha!
Amonhotep, filho de Hapu, venha! [...]
2389
Mohammed Ben‑Abdallah
2390
Bobokyikyi’s Lament : teatro e a experiência africana
ABABIO:
Meu nome é Ababio
Estou aqui [...] e estive lá
Nascido na alvorada
Eu estive lá no limite do tempo
Eu vi e ouvi e senti
O Universo borbulhar e lamentar e tremer
Enquanto ele desvenda seus próprios mistérios.
Eu observei a Mãe Terra engatinhar de forma suave mas
confiante
Saindo da sua casca maciça e áspera
No caminho do Destino
No caminho para a Eternidade e o Dia do Juízo...
E Além.
Eu observei
Enquanto impérios surgem e caem
E civilizações e putrefações
Brilham e apodrecem e fedem
Enquanto a metamorfose sem fim da Humanidade
Evolui do Animal para o Homem
Do Homem para o Animal
De trás para frente [...]
De frente para trás.
Eu observei os nascimentos de uma grande quantidade de
Homens e Mulheres maiores e menores
E observei eles viverem e morrerem.
Eu observei por inúmeros milênios
Enquanto das miríades de almas que não nasceram
2391
Mohammed Ben‑Abdallah
2392
Bobokyikyi’s Lament : teatro e a experiência africana
2393
Mohammed Ben‑Abdallah
LEIDJA:
Continue, velho! Apenas continue a estória […]
ABABIO:
Você está certa, adorável, eu devo continuar a estória pois
ela é longa. E como você disse, não temos a noite inteira... Nossa
estória hoje começa com vida e morte.
LEIDJA:
A morte de um Rei [...]
ABABIO:
Um Deus, querida, a morte de um Deus, [...] e o nascimento
de outro Deus.
LEIDJA:
Dois, sábio, o nascimento de dois Deuses [...] um Deus e uma
Deusa [...]
ABABIO:
Não, minha irmã, um Deus e uma Rainha! O nascimento de
um Deus e da sua Rainha. Uma morte real e dois nascimentos
reais. Três grandes eventos numa noite fatídica [...]
LEIDJA:
Em Tebas, Cidade de Amon, na terra antiga de Kemet, a Grande
Terra Negra dos ancestrais. Esse é o começo da nossa estória. Uma
estória muito grande [...]
2394
Bobokyikyi’s Lament : teatro e a experiência africana
ABABIO:
Sim, minha irmã, você está certa. É uma canção para muitos
dias e muitas noites. Sim meus filhos, o fardo desta canção exigirá
as vozes tomadas emprestadas de gerações de encarnações de
contadores de estórias e cantores e das línguas ágeis e das memórias
dos guardiões da palavra sagrada e da nossa sabedoria coletiva [...]
LEIDJA:
Você precisa fazer isso? Você precisa convidar e tomar
emprestadas as línguas e as vozes de várias gerações de contadores
de estórias? Será que nós mesmos não podemos fazer isto sozinhos?
ABABIO:
Nós devemos, minha irmã. Na verdade, precisamos! A Canção
do Faraó é uma canção pesada. Ouça, minha irmã, ouça! […]
LEIDJA:
Abibiman Nwonkro Kuo Mma despertará o próprio espírito
de Agoro para nós. Então eles suspirarão e respirarão a essência
de Agoro para o cerne desta nossa execução da Canção do Faraó.
Vejam, meus filhos, ABIBIGORO está vivo. Ele tem uma vida, um
espírito e uma alma própria. Ele respira. E trabalha muito duro.
Ele vive e muitas vezes morre [...] especialmente nas mãos cruéis
dos ignorantes e dos sem iniciação, o impostor, o charlatão e o
medíocre. Assim como qualquer pessoa que trabalha duro, Agoro
2395
Mohammed Ben‑Abdallah
Fade‑in gradual.
2396
Bobokyikyi’s Lament : teatro e a experiência africana
Suas obras teatrais incluem The Trail of Mallam Ilya, Verdict of the Cobra,
The Alien King, The Witch of Mopti, The Fall of Kumbi, The Slaves, Land of
a Million Magicians, e atualmente seu Song of the Pharoah está sendo
produzido. Escreveu ainda duas peças infantis: Ananse and the Golden
Drum e Ananse and the Rain God.
2397
CAPÍTULO 76
A OPORTUNIDADE DO DRAMATURGO: NOSSAS CRIANÇAS
COMO FONTE NA PRODUÇÃO DE TEATRO INFANTIL1
Efua T. Sutherland
1 N.E.: Este capítulo é uma versão editada do texto datilografado original de “The Dramaturg’s Oportunity
in Drama for Our Children”, que a autora apresentou no Seminário sobre Escrita e Produção de
Literatura Para Crianças, de 5 a 10 de abril de 1976, no Instituto de Estudos Africanos, na Universidade
de Gana, em Legon. Este material foi selecionado para publicação com permissão da detentora dos seus
direitos autorais, a Dra. Esi Sutherland‑Addy, do Instituto de Estudos Africanos, em Legon.
2399
Efua T. Sutherland
2400
A oportunidade do dramaturgo: nossas crianças como fonte na produção de teatro infantil
2402
A oportunidade do dramaturgo: nossas crianças como fonte na produção de teatro infantil
2403
Efua T. Sutherland
2404
A oportunidade do dramaturgo: nossas crianças como fonte na produção de teatro infantil
2405
Efua T. Sutherland
2406
A oportunidade do dramaturgo: nossas crianças como fonte na produção de teatro infantil
2407
Efua T. Sutherland
2408
A oportunidade do dramaturgo: nossas crianças como fonte na produção de teatro infantil
2409
Efua T. Sutherland
2 N.E.: Depois disso o livro de contos de fadas e folclore de Gana da autora foi publicado
(Sutherland,1983).
2410
A oportunidade do dramaturgo: nossas crianças como fonte na produção de teatro infantil
2411
Efua T. Sutherland
2412
A oportunidade do dramaturgo: nossas crianças como fonte na produção de teatro infantil
2413
Efua T. Sutherland
2414
A oportunidade do dramaturgo: nossas crianças como fonte na produção de teatro infantil
***
3 N.E.: Após a morte da autora em 1996, o Drama Studio da Escola de Artes Cênicas da Universidade
de Gana recebeu seu nome, assim como o único Parque Infantil nomeado oficialmente na capital
Acra. Sobre o escopo amplo da obra de Sutherland, veja James Gibbs (2000) e seu capítulo 74 deste
volume. Sobre o legado mais amplo da influência de Efua Sutherland, veja Anne Adams (2000); Anne
Adams and Esi Sutherland‑Addy (eds) (2007) e Kofi Anyidoho (2000b).
2416
A oportunidade do dramaturgo: nossas crianças como fonte na produção de teatro infantil
2417
CAPÍTULO 77
“A MELHOR TRADIÇÃO CONTINUA”. CONSUMO
DO PÚBLICO E A TRANSFORMAÇÃO DO TEATRO
POPULAR NA GANA NEOLIBERAL1
Jesse Weaver Shipley2
1 N.E.: Este capítulo foi originalmente publicado em 2004 com o mesmo título pela Brill Press, em
Leiden, como o capítulo 4 na antologia Producing African Futures: Ritual and Reproduction in a
Neoliberal Age, editada por Brad Weiss (p. 106‑140). Ele está reproduzido aqui, um pouco editado,
com o consentimento generoso do autor e a gentil permissão da editora.
2 Este ensaio é dedicado à memória de Yaw Asare, roteirista teatral, professor e amigo. Agradeço à
Fundação de Pesquisa Wenner‑Gren e à Fulbright‑IIE por financiar a pesquisa para este ensaio e ao
Instituto Carter G. Woodson de Estudos Negros Americanos e Africanos na Universidade de Virgínia
por financiar seu escrito. Quero agradecer aos meus sócios de pesquisa Kelvin Asare‑Williams e Sarah
Dorgbadze pelas suas contribuições para este projeto. Também gostaria de agradecer à concert party
Union de Gana, ao Teatro Nacional de Gana e à Faculdade de Artes Cênicas da Universidade de
Gana pelo seu apoio. Sou grato a Mohammed Ben Abdallah, John Collins, Nii Quaye Hammond,
David Dontoh, Y.B. Bampoe, Samuel Otoo, Ice Water, Judith Opoku Boateng e Diana Kofitiah, em
Gana, além de John Comaroff, Andrew Apter, Nancy Munn, Anne Maria Makhulu, Paul Liffman,
David Donkor, Hanan Sabea, Reginald Butler, Wende Marshall e Jeff Fleisher, nos Estados Unidos, por
contribuírem para esta pesquisa. Também quero agradecer a Jemima Pierre pelo seu rigor intelectual
e seu apoio específicos.
2419
Jesse Weaver Shipley
3 “Concert party” se escreve em letras maiúsculas quando se refere ao programa específico Key Soap
Concert Party no Teatro Nacional. Uso letras minúsculas quando me refiro a “concert party” no
sentido mais geral de um gênero teatral.
4 Unilever Ghana Limited é uma subsidiária da Unilever Overseas Holdings Limited e da CWA Holdings
Limited, sendo que as duas são subsidiárias da Unilever PLC, incorporada na Inglaterra. A Unilever
é uma empresa multinacional que tem uma grande variedade de produtos em Gana, inclusive
alimento, higiene pessoal e itens de cuidados domésticos.
2420
“A melhor tradição continua”. Consumo do público e a transformação do teatro popular na Gana neoliberal
2421
Jesse Weaver Shipley
2422
“A melhor tradição continua”. Consumo do público e a transformação do teatro popular na Gana neoliberal
6 Na época a taxa de câmbio era de aproximadamente 7.000 cedis “antigos” por 1 dólar americano ou
1 cedi de Gana.
2423
Jesse Weaver Shipley
2424
“A melhor tradição continua”. Consumo do público e a transformação do teatro popular na Gana neoliberal
2425
Jesse Weaver Shipley
8 Veja Karin Barber (1987); Johannes Fabian (1998); Catherine Cole (2001).
9 Rawlings assumiu o poder pela primeira vez como líder do AFRC num golpe militar, no dia 4 de junho
de 1979. O AFRC supervisionou a eleição do Presidente Hilla Limann e a implementação da nova
constituição da Terceira República antes de entregar o poder ao regime democraticamente eleito em
setembro de 1979. No entanto, Rawlings liderou outro golpe no dia 31 de dezembro, argumentando
que o novo governo tinha estimulado ainda mais a corrupção e não tinha conseguido fazer nenhum
progresso no desenvolvimento político e econômico da nação.
2426
“A melhor tradição continua”. Consumo do público e a transformação do teatro popular na Gana neoliberal
2427
Jesse Weaver Shipley
2428
“A melhor tradição continua”. Consumo do público e a transformação do teatro popular na Gana neoliberal
2430
“A melhor tradição continua”. Consumo do público e a transformação do teatro popular na Gana neoliberal
10 N.E.: No capítulo 14, Volume I desta antologia, Kwame Ninsin detalha como o governo do NDC
organizou e subsidiou várias associações de pequenos comerciantes, artesãos e artífices itinerantes,
cooptando dessa forma a sindicalização da mão‑de‑obra durante o estágio SAP do declínio
econômico de Gana e antes dele.
11 N.E.: O discurso de Kwame Nkrumah com este nome está reproduzido aqui como o capítulo 49 deste
volume.
12 No final da década de 1950, a dramaturga Efua Sutherland liderou o Movimento do Teatro Nacional
e a tentativa intelectual de redescrever a concert party numa forma nacionalista que refletiria
artisticamente uma modernidade realmente africana. O Movimento obteve sucesso parcial em
termos de atração popular, apesar de ter moldado a história das artes cênicas e dramáticas de Gana,
conforme pode ser visto nas obras de dramaturgos como Mohammed Ben Abdallah, Martin Owusu
e Yaw Asare. Seu legado se reflete no desenvolvimento dos Abibigromma (literalmente traduzido
do idioma Akan como “atores africanos”), um grupo teatral patrocinado pelo estado fundado por
2431
Jesse Weaver Shipley
Mohammed Ben Abdallah em 1983 e o conceito dos Abibigro, que delineia uma teoria do drama
africano como teatro total, incluindo música, dança e teatro.
N.E.: Para mais das suas respectivas reflexões sobre drama e teatro, veja o capítulo 75, de Mohammed Ben
Abdallah e o capítulo 76, de Efua Sutherland neste volume.
13 No começo da década de 1990, cineastas locais – muitas vezes se inspirando em expressões da
concert party – começaram a produzir filmes ganenses de forma barata em vídeo e a distribui‑los por
todo o país.
2432
“A melhor tradição continua”. Consumo do público e a transformação do teatro popular na Gana neoliberal
14 “National Theater in Retrospect: An Overview of the First Four Operational Years 1994‑1997,” Agosto
de 1998, p.12.
15 A ‘Revolução de Rawlings voltou a despertar críticas voltadas para o socialismo do neocolonialismo
e do neoimperialismo que tinham se destacado menos durante os regimes militares da década de
1970s. Assim como o primeiro Presidente de Gana, Kwame Nkrumah, tinha feito antes dele, Rawlings
argumentou que para criar uma nação africana sólida e independente, Gana precisava recriar suas
estruturas políticas, sociais e econômicas firmemente nas tradições culturais africanas e ganenses.
Diante disto, o governo tentou se afastar da influência econômica e cultural ocidental (Nugent 1995,
Herbst 1993). Especialmente sob a tutela do Diretor da Comissão Nacional de Cultura, Mohammed
Ben Abdallah, houve uma volta renovada para o Pan‑Africanismo e o nacionalismo cultural ganense.
2433
Jesse Weaver Shipley
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“A melhor tradição continua”. Consumo do público e a transformação do teatro popular na Gana neoliberal
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27 “Bishop Bob Okalla – Man of the Moment” People and Places, 27 de março de 1996.
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Jesse Weaver Shipley
28 “Cultural Splash” foi um programa da concert party encenado no Arts Centre, em Acra de 1997 a
1999 contando com a presença dos artistas da concert party que tinham saído do Teatro Nacional.
Ele foi administrado pela Bristman Advertising Company e patrocinado pela ABC (Accra Brewery
Company). O espetáculo foi gravado e mostrado na TV3, a primeira estação privada de televisão
em Gana, estabelecida por uma empresa da Malásia, em 1996. De acordo com vários dos artistas
envolvidos, quando o patrocínio acabou, a administração começou a ter problemas e o programa foi
cancelado.
29 Entrevista com Gerente de Marketing da Unilever, abril de 2001.
2444
“A melhor tradição continua”. Consumo do público e a transformação do teatro popular na Gana neoliberal
30 “Bishop Bob Okalla – Man of the Moment”, People and Places, 27 de março de 1996.
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“A melhor tradição continua”. Consumo do público e a transformação do teatro popular na Gana neoliberal
2448
“A melhor tradição continua”. Consumo do público e a transformação do teatro popular na Gana neoliberal
32 Para as finais da Key Soap Concert Party do ano 2000, os critérios eram Tema: cinco pontos, Humor:
cinco pontos, Clareza de Linguagem: três pontos, Relevância das Canções: cinco pontos, Fantasia: dois
pontos e Tempo: cinco pontos. Os comediantes que passassem de 15 minutos perderiam pontos,
enquanto os grupos de teatro eram penalizados quando passavam de 45 minutos. Recentemente,
o branqueamento da pele feito por artistas foi usado como uma forma de desviar das suas
pontuações. Enquanto algumas pessoas consideraram isto como um comentário social positivo pela
Unilever, outras viram como uma forma de a empresa promover seus próprios produtos de higiene
relacionados com a pele (correspondência, David Donkor).
2449
Jesse Weaver Shipley
2450
“A melhor tradição continua”. Consumo do público e a transformação do teatro popular na Gana neoliberal
tentou pedir ajuda mas, como ele estava alto, ele foi entendido de
maneira errada e ele morreu queimado. Apesar de a lição moral
explícita ser que se você usar drogas e for promíscuo você pagará o
preço, a maneira bem‑humorada de descrever esta tragédia evocou
muitos aplausos da plateia jovem e mostrou as contradições entre
prescrição moral oficial e a vida quotidiana. Desta maneira, o
comediante como pastor também ressoava com as figuras mais
antigas do Coringa e do charlatão Ananse, mostrando todos os
ângulos de uma questão e deixando os espectadores imaginando
qual era o relacionamento pretendido entre uma mensagem direta
e suas críticas.
Na verdade, apesar das regulamentações institucionais,
nem sempre as apresentações eram voltadas para os desejos dos
patrocinadores corporativos. Ao longo do seu desenvolvimento,
a concert party foi caracterizada por sensibilidades estéticas
contraditórias ou subversivas – muitas vezes proclamando ideias
específicas enquanto ao mesmo tempo as minavam, abrindo,
assim, espaço para revelar contradições sociais e políticas (Cole
2001, 1997). Diante disto, às vezes os artistas anunciavam o Key
Soap ou abordavam os temas sociais estabelecidos pela Unilever,
mas muitas vezes o efeito era irônico e contraditório em relação às
finalidades da Unilever.
Por exemplo, o Bispo Bob Okalla, um comediante favorito da
Unilever que costumava incluir anúncios nos seus esquetes cômicos,
começou sua apresentação nas finais do “Quem É Quem” de 1999
elogiando o Key Soap enquanto ele subia no palco e se direcionava
à plateia. [Aplauso] “Obrigado! Vocês fizeram a coisa certa. Vocês
estão dizendo que engordei”. Okalla, um homem excepcionalmente
alto e esguio, virou de costas revelando que suas calças de terno
esfarrapadas estavam cheias de travesseiros fazendo com que seu
traseiro se projetasse de uma forma exagerada e cômica. A multidão
2451
Jesse Weaver Shipley
33 Comediante Bispo Bob Okalla, 1º de janeiro de 2001, finais do “Quem É Quem” da Key Soap Concert
Party. Traduzido a partir do idioma Akan por Emma Agyei Darko.
34 “Bishop Bob Okalla – Man of the Moment,” People and Places, 27 de março de 1996.
35 Conforme teorias de prática argumentaram (Bourdieu, 1977, 1984; Comaroff, 1985; Hanks, 1996),
práticas (corporais, situadas) são centrais para a ação comunicativa que, ao serem encenadas,
produzem dialeticamente os termos através dos quais se vive as subjetividades. Neste sentido, o
assunto “se produz no espaço e também produz esse espaço” (Lefebvre, 1974, p.170).
36 Austin (1962) argumenta a favor de mudar de considerar o idioma como prática referencial
concebendo‑o como ação social (Bauman e Briggs, 1990). Isto permite explorações da natureza
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“A melhor tradição continua”. Consumo do público e a transformação do teatro popular na Gana neoliberal
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39 “Charley” é uma expressão no vernáculo que costuma ser usada como chamamento na família para
amigos e conhecidos, especialmente por parte de rapazes.
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Jesse Weaver Shipley
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“A melhor tradição continua”. Consumo do público e a transformação do teatro popular na Gana neoliberal
como parte dos gestos sutis com as mãos desta dança “tradicional”,
ele incluiu um movimento com o polegar apontando para baixo
que, nos meses recentes, tinha passado a simbolizar o slogan de
campanha, Aseɛ ho40, para o candidato presidencial de oposição pelo
NPP, J.A. Kufuor que, significativamente, era ele próprio um Asante,
ao contrário do Presidente Rawlings, um Ewe, que estava de saída.
No bar local em Acra onde eu estava assistindo a este programa, os
espectadores, especialmente homens da classe trabalhadora foram
imediatamente provocados para discussões calorosas sobre mudança
política, rivalidade étnica e o papel de empresas como a Unilever em
apoiar ou contribuir para as condições econômicas desesperadoras
da nação. A indeterminação parecida com a de um charlatão da
intenção do comediante em usar este gesto manual político e sutil –
e os possíveis papéis do Teatro Nacional e da Unilever em aprovarem
ou censurarem sua execução – aumentou ainda mais sua eficácia em
gerarem polêmica. Desta forma, plateias dispersas foram incluídas
em questões relevantes em termos nacionais como as provocadas
neste debate. A identificação nacional foi difusa através da mídia de
massa e as manifestações privatizadas e descentralizadas do estado.
Estes espectadores participaram numa esfera pública nacional,
apesar de ser uma delineada pela interpenetração de política étnica
e estadual, as distinções de classe que os excluíram do Teatro e, no
final das contas, a autorização empresarial do discurso político e
cultural.
Num sentido geral, então, o fato de pessoas marginalizadas
assistirem à televisão tanto dentro de Acra quanto de locais mais
remotos geograficamente em todo o país, reforçou simultanea‑
mente suas identificações com espaços e práticas centralizados
40 “Aseâ ho” pode ser literalmente traduzido como “Lá embaixo”. Ele se referia ao fato de o nome de
Kufu Or aparecer embaixo da cédula de votação e pedia que os eleitores marcassem seus nomes
“lá embaixo” para elegê‑lo. Isso também tem conotações obscenas. Esta frase e o gesto associado a
ela costumavam ser usados frequentemente em espaços públicos especialmente pelos jovens para
indicarem sua filiação política tanto de maneiras bem‑humoradas quanto sérias.
2461
Jesse Weaver Shipley
Conclusão
Este estudo examinou alguns dos processos dialógicos através
do qual o consumo, a transformação em mercadoria e posições de
assunto associadas com a economia política neoliberal, entram em
espaços locais e os remodelam. A Key Soap Concert Party voltou o
público para padrões uniformes de consumo, reproduzindo cidadãos
nacionais ao mesmo tempo que sujeitos de consumo. Conforme tentei
mostrar, a descentralização e a privatização de empresas estatais e a
valorização do livre mercado se expressaram como uma indistinção
das linhas entre estruturas e interesses estatais e corporativos, entre
discursos de consumo e identificação nacional. Através de diversas
práticas, espectadores no teatro e telespectadores foram invocados
como consumidores modernos e homogêneos, enquanto, ao
mesmo tempo, diferenças de classe, étnicas e urbanas‑rurais foram
reinscritas. O que está em jogo, em última análise, é entender os
processos em alteração através dos quais forças político‑econômicas
2462
“A melhor tradição continua”. Consumo do público e a transformação do teatro popular na Gana neoliberal
***
2463
eles confrontam as realidades de raça, patrocínio empresarial e mudança
política.
CAPÍTULO 78
ALGUMAS RAZÕES PARA ENSINAR MÚSICA
POPULAR AFRICANA NA UNIVERSIDADE1
E. John Collins
1 N.E.: Este capítulo foi originalmente ilustrado com slides e apresentado como a palestra de posse
como professor pleno no Grande Salão, Universidade de Gana, em Legon, 17 de novembro de 2005.
A versão original aparece online na Scientific African <http://www.scientific‑african.org/scholars/
jcollins/info72>. Ela foi editada apenas um pouco aqui.
2465
E. John Collins
2466
Algumas razões para ensinar música popular africana na universidade
3 N.E.: Anku agora é Diretor da Faculdade de Artes Cênicas na Universidade de Gana. Suas contribuições
à teoria da música africana aparecem no capítulo 79 desta coletânea.
4 N.E.: E.F. Collins ajudou a começar o Departamento de Filosofia em Legon, em 1952 e participou do
primeiro conjunto, de Oxbridge e Londres, a presidi‑lo.
5 Robert Sprigge tocava piano de vez em quando para a banda de highlife Red Spots na década de
1950 e também escreveu um artigo influente sobre highlife para o periódico do Instituto de Estudos
Africanos da Universidade, chamado Music in Gana (1961).
6 N.E.: A contribuição de Kwasi Wiredu para esta antologia aparece como o capítulo 60.
2467
E. John Collins
2468
Algumas razões para ensinar música popular africana na universidade
2469
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Algumas razões para ensinar música popular africana na universidade
8 Para mais informações sobre o papel da música highlife na luta pela independência de Gana e na sua
busca por uma identidade nacional, veja Collins (1992, 2005, 2008).
2471
E. John Collins
2472
Algumas razões para ensinar música popular africana na universidade
2473
E. John Collins
2474
Algumas razões para ensinar música popular africana na universidade
10 N.E.: Para concert parties, veja Collins (1976), Barber, Collins & Ricard (1997) e Cole (2001). Veja Jesse
Weaver Shipley no capítulo 77 deste volume sobre como a mudança de conteúdo, assim como as
características gerenciais e estruturais de uma versão televisionada da concert party atualmente reflete
as pressões exercidas sobre a economia política em mudança de Gana contemporânea pela busca
corporativa transnacional do capital.
11 Para uma discussão mais ampla e abrangente de highlife e urbanização em Gana, veja Collins (2004).
2475
E. John Collins
2476
Algumas razões para ensinar música popular africana na universidade
12 Para uma entrevista com Otoo Lincoln sobre este assunto, veja meu livro Highlife Time (1996,
p. 109‑111).
2477
E. John Collins
2478
Algumas razões para ensinar música popular africana na universidade
14 Para mais informações sobre gênero e música popular ganense/africana, veja Collins (2003).
2479
E. John Collins
15 Veja meu artigo sobre censura na música popular de Gana (2006) e o artigo de Agovi (1989) sobre
highlife e política.
2480
Algumas razões para ensinar música popular africana na universidade
16 Para uma discussão mais completa desta canção, veja Kwesi Yankah (1984).
17 Estas informações vêm do artigo inédito do Professor Mensah (1969/1970) “Highlife”, sendo que uma
cópia dele está nos Arquivos de Música Popular Africana J. Collins/BAPMAF, em Acra.
2481
E. John Collins
18 Para mais detalhes sobre goombay e sua disseminação para Gana, veja Collins (2007).
19 Para uma discussão mais completa sobre este termo, veja Barber (1987).
2482
Algumas razões para ensinar música popular africana na universidade
2483
E. John Collins
20 A primeira de todas as referências escritas ao nome “highlife” apareceu na brochura de 1925 para uma
grand soirée no Hamilton Hall, no Cabo da Costa no dia 11 de setembro de 1925, organizada pela
Associação Literária de Cape Coast, que contava inclusive com Casely Hayford, T. Hutton‑Mills, A.J.E.
Brew, Ofori Attah e A.J.E. Bucknor.
2484
Algumas razões para ensinar música popular africana na universidade
2485
E. John Collins
21 Entrevistei o Professor Opoku várias vezes entre 1972 e 1992. Chrys Sackey (1989) refere‑se aos
tocadores de konkoma como tendo “abandonado a escola”.
2486
Algumas razões para ensinar música popular africana na universidade
***
2487
E. John Collins
africana. Seu livro mais recente Fela: Kalakuta Notes, sobre a vida e a obra
do criador nigeriano do Afro‑beat, foi lançado pelo Instituto Tropical
Real Holandês, em 2009. Já concedeu várias entrevistas no rádio e na
televisão, inclusive mais de quarenta para a BBC. Em 1978, escreveu e
apresentou a primeira série da BBC (em cinco partes) de programas de
rádio sobre música popular africana chamada “In The African Groove”.
Atuou também como consultor de cinema e mediador para a BBC, a
IDTV, de Amsterdã, a Huschert Realfilm, da Alemanha, a Loki Films,
da Dinamarca e a USA Films for the Humanities and Sciences, de Nova
Jersey. É um dos líderes, juntamente com Aaron Bebe Sukura, da banda
de highlife Local Dimension, que fez turnê pela Europa em 2002, 2004,
2006 e lançou um CD em 2003 chamado N’Yong pela gravadora French
Disques Arion. Juntamente com o Professor J.H.K. Nketia e com o
violinista folclórico de Gana Koo Nimo, em 1987, tornou‑‑se membro
vitalício honorário da Associação Internacional para o Estudo de Música
Popular (IASPM).
2488
CAPÍTULO 79
ONDE ESTÁ O COMPASSO? EM BUSCA DA MÉTRICA
NA MÚSICA AFRICANA1
Willie Anku
1 N.E.: Este capítulo é uma versão editada do primeiro capítulo do que se esperava que fosse um futuro
livro sobre sua teoria do conjunto estrutural da música africana, antes de o autor sofrer um acidente
de carro fatal no dia 1º de fevereiro de 2010.
2489
Willie Anku
2 N.E.: “How Not to Analyse African Music”, de Kofi Agawu, está reproduzido como o capítulo 80 deste
volume.
2490
Onde está o compasso? Em busca da métrica na música africana
2491
Willie Anku
2492
Onde está o compasso? Em busca da métrica na música africana
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Willie Anku
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Onde está o compasso? Em busca da métrica na música africana
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Willie Anku
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Onde está o compasso? Em busca da métrica na música africana
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Willie Anku
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Onde está o compasso? Em busca da métrica na música africana
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Willie Anku
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Onde está o compasso? Em busca da métrica na música africana
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Willie Anku
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Onde está o compasso? Em busca da métrica na música africana
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Onde está o compasso? Em busca da métrica na música africana
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Willie Anku
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Onde está o compasso? Em busca da métrica na música africana
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Willie Anku
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Onde está o compasso? Em busca da métrica na música africana
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Willie Anku
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Onde está o compasso? Em busca da métrica na música africana
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Willie Anku
Padrões em Justaposição
2512
Onde está o compasso? Em busca da métrica na música africana
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Willie Anku
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Onde está o compasso? Em busca da métrica na música africana
2515
Willie Anku
2516
Onde está o compasso? Em busca da métrica na música africana
“Kyankyena” são sílabas sem sentido; “[...] opanin didi oyi ayiwa”
(que significa “se o mais velho comer toda a comida, ele também
deverá lavar seu próprio prato”). Esta resultante surge a partir da
combinação de sinos e tambores donno da seguinte maneira:
2517
Willie Anku
2518
Onde está o compasso? Em busca da métrica na música africana
2519
Willie Anku
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Onde está o compasso? Em busca da métrica na música africana
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Onde está o compasso? Em busca da métrica na música africana
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Willie Anku
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Onde está o compasso? Em busca da métrica na música africana
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Willie Anku
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Onde está o compasso? Em busca da métrica na música africana
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Willie Anku
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Onde está o compasso? Em busca da métrica na música africana
2529
Willie Anku
***
2530
Onde está o compasso? Em busca da métrica na música africana
2531
CAPÍTULO 80
COMO NÃO ANALISAR A MÚSICA AFRICANA1
Kofi Agawu
2533
Kofi Agawu
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Como não analisar a música africana
2535
Kofi Agawu
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Como não analisar a música africana
2537
Kofi Agawu
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Como não analisar a música africana
2539
Kofi Agawu
2540
Como não analisar a música africana
6 N.E.: Olufemi Taiwo discute estes e outros aspectos relacionados da competição intercultural na
esfera do conhecimento das humanidades africanas de maneira mais geral no capítulo 53 do Volume
II desta Antologia.
2541
Kofi Agawu
2542
Como não analisar a música africana
2543
Kofi Agawu
2544
Como não analisar a música africana
8 N.E.: Para argumentos paralelos derivados sobre a produção de conhecimento nas ciências naturais,
veja H. Lauer, Cap. 48 no Vol. II desta antologia.
2546
Como não analisar a música africana
2547
Kofi Agawu
11 Etnografias que utilizam conceitos do idioma africano incluem Zemp (1971), Stone (1982) e Keil
(1979), para citar apenas três exemplos influentes.
2548
Como não analisar a música africana
2549
Kofi Agawu
2550
Como não analisar a música africana
Hornbostel
Em seu artigo pioneiro, “African Negro Music”, Hornbostel
(1928) forneceu uma ampla discussão dos princípios básicos
de organização da música africana. Baseando suas análises em
gravações de toca‑discos – aliás, Hornbostel acreditava que esta
abordagem fosse melhor do que anotar melodias diretamente no
campo – ele comentou sobre os aspectos de melodia, harmonia e
ritmo da música africana em termos que se tornaram conhecidos
para estudantes que vieram depois. A abordagem de Hornbostel
é informada pela psicologia Gestalt e seu método é comparativo
sem negar características marcantes individuais. O artigo contém
transcrições de melodias de diferentes partes da África e referências
modestas à literatura existente. Apesar de não haver ideias para
serem contestadas, inclusive reivindicações do papel generativo
da percussão ou a teoria de que a música africana constitui um
sistema de movimento, a visão ampla do autor, suas teses ousadas
e suas percepções individuais sutis combinam para formar uma
afirmação precoce importante sobre a música africana.
Uma das representações mais intrigantes no artigo de
Hornbostel é um conjunto de diagramas identificados como
2551
Kofi Agawu
Exemplo 1
2552
Como não analisar a música africana
2553
Kofi Agawu
Blacking
Hornbostel (1967) não foi o único estudioso a perceber a
organização hierárquica no nível tonal na música africana. Na
sua obra rica em termos etnográficos sobre canções infantis
Venda, John Blacking inclui um capítulo chamado “The Structure
of the Children’s Songs: Patterns of Melody and Tonality”12. O
exemplo 2 (a seguir) reproduz parte de um diagrama, juntamente
com uma transcrição da segunda das cinco canções analisadas.
Lendo da esquerda para a direita, a coluna 1 fornece o “centro
tonal”, ou altura focal, do som, que geralmente se encontra no final
(às vezes Blacking indica dois centros tonais em vez de apenas
um). A coluna 2 contém uma redução arrítmica da sequência de
alturas em determinada canção, eliminando todas as repetições
adjacentes. Pode‑se cantar o caminho traçado por esta sequência
de alturas para ver como ela é ativada em termos rítmicos e verbais.
A coluna 3, provavelmente a mais interessante para esta discussão,
é composta de linhas de tom. Estas também são resumos de altura,
mas diferentemente da apresentação na coluna 2, que preserva uma
cronologia de alturas, a coluna 3 exibe o conteúdo total de altura
de uma forma comprimida. As notas em cada exibição recebem
valores de duração diferentes e isto ocorre porque Blacking,
assim como Hornbostel, deseja transmitir algo da organização
hierárquica de cada melodia13. Ele as descreve como “linhas de tom
ponderadas”, apesar de os critérios para a ponderação não serem
nem abrangentes nem conclusivos. Sinais de alfa e ômega são
usados para marcar a primeira e a última notas de cada canção para
12 N.E.: Na época da pesquisa de Blacking, até 1994, Venda era uma das dez “pátrias governadas de
maneira independente” sob a lei do Apartheid, em que nascimentos e mortes de “negros” eram
excluídos de censos oficiais, em que residentes não tinham direito a voto, serviços de saúde pública
nem municipais, em que a educação pública custava ao governo 1/5 do gasto com Africâneres
brancos e onde “leis de passe” proibiam qualquer viagem fora da sua própria vila – a não ser por
migração forçada periódica de homens trabalhadores, da mesma maneira que o gado para e das
minas e outros campos de trabalho.
13 Para o uso de uma notação analítica semelhante, veja Merriam (1957).
2554
Como não analisar a música africana
Exemplo 2
14 Veja Powers (1980). Uma coisa interessante na história da análise da música africana é a análise
“paradigmática” breve mas sugestiva de Sprigge (1968) de uma canção Adangbe da terra dos Ewe. As
análises paradigmáticas mais profundas da música africana encontram‑se em Arom (1991).
2555
Kofi Agawu
15 De acordo com Arom, “as taxonomias africanas, apesar de adequadas a partir de uma perspectiva
social e/ou religiosa, não esclarecem de forma alguma a estrutura sistemática das técnicas musicais
utilizadas” (1991, p.215). Ao analisar categorias conceituais Igbo, no entanto, Nzewi menciona o uso
de palavras como udi, que significa “como uma coisa é construída/moldada” e ngwakota, que significa
“como os componentes estruturais se juntam para perfazer o todo” (1991, p.19, 56). É possível, então,
que uma visão menos absoluta da estrutura do que a de Arom possa achar concepções nativas
sugestivas.
2556
Como não analisar a música africana
“Schenker”
É provável que a distinção entre uma nota estrutural e
uma ornamental, ou entre uma nota estrutural e seu meio de
prolongamento seja ampla, talvez universal. Uma definição
de música que reconheça intensidades flutuantes no nível de
articulação de unidades implicitamente reconhece essa distinção
sem, no entanto, equacionar de maneira bruta uma articulação
sólida com a estrutura e uma articulação mais fraca com a
ornamentação. Enquanto diferenças tendem a existir entre
culturas nas formas específicas ou idiomáticas em que as pessoas
conceptualizam essa distinção, a própria ideia parece se impor
onde quer que se faça música. Diversos repertórios africanos
apresentam canções em que diminuições clássicas como notas
passantes, notas vizinhas e arpejos animam a superfície musical.
Entre os Ewe do Norte, por exemplo, noções de ornamentação são
imediatamente reconhecidas no discurso verbal. A frase de atsia
me significa “colocar decorações nele”, o que implica a existência
de uma estrutura aparte das suas decorações. Então, apesar de
não terem produzido ainda gráficos completos de suavidade vocal
à maneira de Schenker, não seria estranho sugerir que alguns
aspectos do pensamento de Schenker – ou, de maneira mais ampla,
do pensamento de contraponto – são plenamente compatíveis com
a prática dos Ewe do Norte.
Em outro lugar (Agawu 1990) tomei emprestada a
metalinguagem da análise de Schenker para demonstrar um
arquétipo difundido na canção dos Ewe do Norte e para sugerir que
a atenção a técnicas de variação possa auxiliar o entendimento.
Foi possível extrair – de maneira simplesmente especulativa
– uma melodia primitiva ou de Ur, não diferente da “estrutura”
de Hornbostel, e mostrar como segmentos individuais dela
são “compostos” usando diversas técnicas de prolongamento.
2557
Kofi Agawu
2558
Como não analisar a música africana
2559
Kofi Agawu
Arom
A busca por um modelo inerente de estruturação musical
também é uma preocupação de Simha Arom, cuja obra monumental
African Polyphony and Polyrhythm (publicada primeiro em francês
em 1985 e na tradução inglesa em 1991) fornece uma explicação
sistemática e moderada dos princípios organizadores do ato de
tocar conjuntos de trompas na República Centro‑africana16. O livro
de Arom (1991) fornece a abordagem mais metodologicamente
explícita à análise de qualquer música africana. Para entrar no seu
modelo, ele precisa estabelecer limites. Todos os fatores estéticos
são excluídos, as letras das canções são ignoradas e questões de
contexto social são suprimidas. De maneira mais significativa, Arom
se intromete vigorosamente no campo, gravando e regravando
partes para trompas tanto individuais quanto combinadas para
estabelecer os pontos de referência de cada músico e os limites
gerais de possibilidade. Como costuma acontecer com projetos tão
grandes quanto este, a descoberta básica é relativamente simples. O
exemplo 3 exibe numa única pauta musical o modelo reconstruído
de Arom para uma parte do repertório Banda‑Linda, destilando a
essência de uma textura de conjunto elaborada de mais ou menos
18 partes de trompas. O modelo fornece um ponto de referência
cognitivo. Presente e ausente ao mesmo tempo, ele representa
uma canção profunda que dá origem a várias canções superficiais.
16 Para duas avaliações confiáveis, uma africanista e a outra metodológica, veja, respectivamente, Locke
(1992a) e Nattiez (1993).
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Como não analisar a música africana
Exemplo 3
17 Processos de variação são estudados em Erlmann (1985) e Jones (1975‑1976). De especial interesse no
alinhamento do procedimento técnico e da conceptualização nativa é Uzoigwe (1998, p.90‑128).
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Como não analisar a música africana
Jones
Um dos nomes que surge frequentemente no texto de Arom (e
neste também) é A.M. Jones (1959), cujo Studies in African Music
forneceu transcrições na íntegra da música percussiva africana. As
análises de Jones denunciam a informalidade e o empirismo que às
vezes alguém encontra na obra de outros analistas britânicos: elas
não são severamente sistemáticas como Arom foi mais adiante,
nem se baseiam explicitamente na teoria. Ao contrário, elas
consistem de observações e insights de senso comum sobre como
o conjunto de tambores trabalha em termos rítmicos, se existem
coisas como compassos múltiplos e ritmos múltiplos, como o tom
está relacionado com a melodia e o impacto da nova música neo‑
‑folclórica sobre a expressão africana tradicional.
Muitas vezes voltei a Jones não apenas porque ele seja um
mestre da generalização vulnerável, mas porque dificilmente
exista alguma questão no estudo do ritmo africano que ele
não tenha abordado. Além disso, apesar de haver muita coisa
para discordar, os assuntos de conversa expostos no seu livro
são ricos e variados e eles passaram a dominar o pensamento
subsequente no campo. Escritores americanos tão variados quanto
Gunther Schuller (1968), Sam Floyd (1995), Olly Wilson (1974)
e Robert Fink (1998) recorreram a Jones para caracterização da
música Africana tradicional, assim como fizeram teóricos como
Kubik (1994), Chernoff (1979) e Arom (1991), que tiveram o
cuidado de dar crédito a Jones por determinados percepções
penetrantes. Pesquisas sobre a música africana realizadas por
Myers (1983) e Waterman (1992), entre outros, não acharam
possível ignorar Jones. Além disso, o compositor americano Steve
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Anku
A obra do musicólogo étnico, artista e compositor de Gana,
Willie Anku, apesar de (ainda) não ser amplamente conhecida
(Anku mora em Gana, leciona na Faculdade de Artes Cênicas
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Como não analisar a música africana
18 N.E.: Willie Anku se aposentou como Diretor da Faculdade de Artes Cênicas na Universidade de
Gana, em Legon, em julho de 2009. Ele morreu num acidente de carro no dia 1º de fevereiro de 2010.
19 Anku (1992) e (1993). Veja também Anku (1995, 1997 e 2000).
N.E.: O capítulo 79 de Anku neste volume é uma versão editada do capítulo I do seu livro que será lançado
em breve sobre sua teoria do conjunto estrutural da música africana.
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Conclusão
Eu comecei este capítulo observando as lacunas que dividem
as subdisciplinas musicais, especialmente a teoria musical e a
musicologia étnica. Estas lacunas se originam em determinados
arranjos institucionais, mas elas também são parcialmente
metodológicas. A musicologia Africana deve ser criativamente
cética em relação a estas fronteiras. Em seguida, relatei algumas das
minhas próprias experiências com publicações e acabei defendendo
e comemorando análises de épocas diferentes da musicologia
africana, inclusive a década de 1920 (Hornbostel), de 1950 (Jones),
de 1960 (Blacking), de 1980 (Arom) e de 1990 (Anku). Limitações de
espaço impediram uma comemoração mais ampla, mas espero que
o que se disse aqui seja sugestivo.
Como não analisar a música africana? É claro que não existe
nenhuma forma de não analisar a música africana. Toda e qualquer
forma é aceitável. Uma análise que não tenha valor ainda não
existe, o que não significa que, dependendo das razões para uma
adjudicação específica, algumas abordagens podem provar ser mais
ou menos úteis. Portanto, temos que rejeitar todas as advertências
musicológicas étnicas sobre análise porque o objetivo delas não
é autorizar os estudiosos e os músicos africanos, mas reforçar
determinados privilégios metropolitanos. A análise é importante
porque, através dela, observamos atentamente, de perto, como
funcionam as mentes musicais africanas. Considerando a relativa
vagarosidade da análise, erigir barreiras contra uma abordagem ou
outra parece prematuro. Não se trata de desmotivar uma discussão
crítica, mas de estimular o desenvolvimento de um compêndio de
análises – pelo menos por agora.
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Como não analisar a música africana
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SEÇÃO IX
RECUPERANDO A VOZ DA AUTORIDADE
CAPÍTULO 81
METÁFORAS DE FINITUDE SOCIAL E
EPISTEMOLÓGICA EM PROVÉRBIOS GA1
Mary Esther Kropp Dakubu
Introdução
Pode‑se pensar que provérbios em idiomas africanos já foram
discutidos mais ou menos até a exaustão. No entanto, revisitarei
o assunto, tanto para reconsiderar a definição, se de fato puder
haver uma, quanto para discutir determinado tipo de metáfora.
Abordarei as duas tarefas com relação a um determinado idioma, o
Ga, tradicional de Acra, capital de Gana. Pode‑se pensar que estes
dois assuntos são bastante diferentes, mas afirmo que não. Como
espero mostrar, o curso da discussão na segunda parte depende da
sua validação do que tenho para dizer na primeira parte.
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2 Veja por exemplo Finnegan (1970) e Nketia (1958) conforme citado nesse lugar, na página 389.
3 Vários acervos clássicos publicados de provérbios (curtos) na língua Ga de Acra (Zimmermann, 1858;
Rapp,1936; Holm, 1944; Ankra, 1966) fornecem a base para um estudo de um aspecto das metáforas
utilizadas.
4 Uma versão Dangme é aparece como o capítulo 5 de Nanor (1975).
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Metáforas de finitude social e epistemológica em provérbios Ga
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