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manuel co,,cla de and,adc

ATERRA l DICE

E O HOfflEffl PREFÁCIO ll

no · I -
II -
Introduçiío
O Nordeste: região de rontrast~-s . . . .. .. . ... . . . . . .. ....... . .
15
19

nonDESTE 11 I -
L
2,
3.
Conceito de ordeste ....... .. . . ........ . . , ..... •. .....
Condições natutai$ e dive:rs ificações regionais ... .. . .•. . ... .
Popufação e estwrurn fundiária no Nordeste . . ... . .. . ..... .
A propriedade da terra e a mão-de-obra na Região da Mata e Litoral
Orkntal ... , . . . . . . . . . . . . . . .
21
23
55

(.\J
1. A coloniznçíio ponuguesa e o problema da mão-de-obra , . . . . . . . 65
2. Os holandeses e a escravidão ....... . .. , .. , , .. , .. , .. ... , , 72
J. O desenvolvimenco ccooômico e as relações de trabalho n3
segunda me111de do século XVII e no século XVUJ 8L
4 . Trabalho ,:scrnvo " •ss•hiriado no ~éculo XlX . .. ... .. ... . , 96
5. O desenvolv imento das usinas e a prolccarização do trnbaU,ador
rural .... ...... . , .. . ....... , .. . , ..... , ... . .. .... , . . , . . 109
6 . O trabalho no cBmpo, na~ ~rcas de Clllturn do coco, do arroz
e_ do cacau . .. .. .. . . .. .. ..... . .. .. ........... . . .. . .... , 1)1

IV - Propriedade, polkufrura ~ mão.de-obra no Agreste , . .. . ... , .. . , . 141


1 . A pecuária e o povoamenro do Agte te . . . . . . . . . . . . . . . . . . 143
2. Ó suno algodoci ro no Agl'este e o de~envolvimento do trnb3lho
assalatiado .... . ... , ....... .... ... . , .. . ... . , .. , .. , , . . , . 150
J. As relações de trabalho no Agre~1e em nossos dias 159
brasiliense
V - O latifúndio, a divisão da propriedade e as rd~çõcs de crabnlho
no Scrt~o e no Litoral Se tentrional ..... ..... , ... , .. , . . , . . . . . 177
1. A pecu,irla e o larifiíndio .M conquista do Sertão e do Litoral
Setentrional . . .. . . . . , . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 179
2. O desenvolvimenio da agricultura sertane ja . . . . . . . . . . . . . . . 188
3, P~fçeria e trabnJbo assalariado na econolJ)ia serrnneja . . . . . • . . 198
VI O Meio Norte e a Gu iana Maranhensc .. ...... . . .. . . . . . .·. .. . 223
1, Prnncescs e portugueses : a conguisca .. , ... , •.. , .. . .. , , . . . 225
'1 , A ooup,tÇão do 1crrit6rio . .. .. . . . . . ... . , . • .. . . .. . . . . ... , . 226
1, O 1nublemo da mão-de-obra . , .... .. . . , . . , . , •.. , . . . . . . . . . . . 232
•l O~ ~lstema~ ngricolas ntu~ís . , , .. , ... , ...... , . . . • . . . . . . . . . 234
flJIII HUIMl' IA - l 1 ~ 1 ◄ ' • • • ' • • • • • • • • ' • • • • • ' • • • • • 1 • O • - f • • ; • • 4 • • • , • • • , • • 241

A 'J'errt1 e o Homem 110 Nordeste 9


wras de mandioca e milho e criavam alguns papagaios. De animais
europeus eles pos. uíam apenas galinhas. { 4 l
Foi com Duarte Coelho, porém, aqu i chegado em 1535 1 que se
uiiciou verdadeiramente a colonização. Homem de têmi;,era com um
rino pcático admirável e recebendo do Rei a doação de um lote de
terra que se estendia desde a foz do Rio S-anta Cruz, ao Norte, até
l a foz do Rio São Francisco, ao Sul, pata aqui se transferiu com a
esposa, o cunhado, parentes, amigo;; e companheiros gue desejavam
A COLONIZAÇÃO PORTUGUESA E O PROBLEMA fazer fortuna na América.
DA MAO-DE-OBRA Den tre às inúmeras atribuições que lhe competiam , estavam as
de doar terras em sesmarias a pessoas cristãs e a de escravizar os
A co5:tab nordestina
lit • ·1 ·
foi, ínegavdmente dentre
' ª grand.e extensao
- índios a fim de usá-los no trabalho.. )?aderia até exportar para Por·
oranea ras1 eira, a primeira a ser explora(! P . tugal, em cada ano, 24 indígenas; permissão que não deve causar
a n d E . . · a, or aqui passavam
~ aus que n ~uropa vrnham para a Terra de Sant C . .
travam . , d 'f ª ruz, aqui. enc:on- estranhein uma vez que em Portugal, no século XVI , havia grande
quantidade de escravos negros. ( ~)
·1• ' por trbas. os reC\ es, pe.netrando 110s estuáríos por um ou doí
qu1 ometros,
A . h . . a r1go b contra
. as for ça s d a natureza
. e contra os mumgoss Chegando a Pernambuco, trato u Duarte Coelho de conquistar a
. qdt;1 _avida tai:'1 ém o pau-brasil largamente utilizado na E1.iropa pel~ terra ao gentio, fundando, em 15 :mos, du:ts vilas - lgaraçu e Olinda
m ustrla a tinta. - e cü1eo engenhos , um dos quais de sua propriedade. Teve de man-
ter árdua luta, desde que os tabajara~ e c:aetés, insuflados , às vezes,
. Antes mesmo da colonização, da viagem de Martim Afonso "á
b:~~:,t~~
P f
ernJC1mbuco algumas feitorias, entreposto~ onde 05 v-ali~s~s
a'd terta eram trocados por "bugigangas" cle b mxo
.
pelos franceses, hostilizavam constantemente o donatário . Dai afirmar
o ctonista Rocha Pica ( 0 ) que o terreno gue fora concedido a léguas
foi conqubtado a palmos, e queixar-se o donatário ao Rei , em uma de
era preço e
m remet, os para as respectivas metrónolc~ S l suas cartas, que se achava "gastado, pobre e endividado". (1)
trans.p • ,· - d f .i:' e a carave a que os
J.

, _01 tava n~o e rontasse com o inimigo no caminho d E ,


~1egocio garantia grande sucesso econômico. Nessas feit()r~as
am-~e ~s portugueses com alimentes indígenas, com costumes índí enas
1::&:~a~ Não sendo um visionário que se deixasse embriagar pela ambição
da descoberta de minas de ouro ou prata e sendo o comércio de pau-
brasiJ monopólio da Coroa, achou Duarte Codho que a sua fortuna
~~~~~::::mee:rt~~é~om mtbere_s indígenas, uma vez que difícili!ente só seria conseguida através da agricultura da cana-de-açúcar, uma vez
na América n _r; • as se d1spon~m a atravessar o Atlântico para viver que este produto tinha grande ptoc ura no mercado europeu. O clima
' a mcetteza os pr1metros anos de conquista. quente, com uma estação seca e outra chuvosa, dominante em sua Cnpi•
Dentre as feitorias fundadas na costa norde . tania, ao lado de um solo argiloso de massap~, favoreciam considera-
tinham ciuáter temporário ( i ) d t d sana e que, certamente velmente essa atividade agrícola, por isto tratou de apossar-se dii ·
segundo V arnha 1 ( 2) f'. e~ acou-se a e Ttamaraca, de onde, terras férteis e t~rnidas das várzeas. Tratou de doar terras a pessoas
. d ~ei , . 01 l'emeudo açúcar pau Portugal em 1526
que o acompanhavam , escravizar índios e conseguir, no Reino, os
para on e_ terrnm sido levados naquele ano por Diogo Le1·te 10
a fim. ..de se
• de d", . a trabalhos agrícolas
' c1·éditos necessários à instalação de engenhos e à cultura da cana.
csc1•avos
,. a:arem ( :1 ) L f • R
rni:·ez,. que a v1s1tou, afirma que nela viviam 13 eur; ~us
~ possm11m
\SSIIT)dado certos costumes alimentares ind'tgenas, pois
a-
que, . aviam
is , Na .realidade, num período de quase 20 ano~ , ele conquistou poucas
terras em torno de l!Ylraçu e de Oli nda e, ao fokccr , os caetés ainda
cul-

( 4) Carta publicada na "Revisln do (nstituto Hist61·ico e Geográfico Bra-


(1) Oliveira Lima A No L •, . ,, , . sileiro", tomo XV, pág, 14.
tngul:sa", vol. ITI. ' . va iwtania, em História da Colonl,:ílçiio Por-
( 5) Goulart, Maurício, A Escrnvidiío A/ricana 110 Brasil, p.lgs, 17 e sejls.
( 2) Vatnhage:a, Hútória Geral do )3ral·i{ tomo I , ( 6) Hiilória dn A,r;éri.ca Port11g11e,a, pág. 81.
( .3) Diégue$ Júnior M- - , , ' peg, 124. (7) Corta de 14 de ~bril de 1549, publicad~ na Hirlóri« do Colnnizaçiío
)1~[(, 4;. • anuel, Popz,laçao e Açucar no Nordeste do Br<1Sií,
Porwguesa, vol. III, págs. )18 e 319.

A Terra e o Homtm no Nordeste 65 66 M,mud Corr11/a de Andrnde


ccnstitu,íam sério obstáculo à ação colonizadora dos portugueses. Coube Mas a posse da terra doada em extensos latifúndios, às vezes
a Jerônimo de Albuquerque, após 1553 1 conquistar a várzea do Capí- com dezenas de léguas de extensão, não el'a tudo. Necessário era
baribe, ampliando consideravelmente II área favorável à cana-de-açúcar derrubar a mata, instalar os engenhos, as casas-grandes, as senzalas,
e ª<?s filhos do ~onatário, Jorge e Duarte de Albuquetque Coelho'. plantar os canaviais e as lavouras de mantimentos. Para isso os ses-
realizarem, na sétima década do século XVI, a conquista das várzeas meiros necessitavam ter animais - bois e cavalos importado~ da
dos rios Jaboatão, Pirapama, Ipojuca, Serinbaém 1 Ona e Manguaba, Europa - e escravos. A preação de índios tornou-se , então, uma ati-
estendendo o povoornento europeu quase até a foz do São Francisco. vidade tnuito rendosa e olhada corri grande simpatia pelo segundo dona-
Esta expansão fulminante para o Sul foi o resultado do fortalecimento tário - Duarte de Albuquerque Coelho.
dos colonizadores e da necessidade de terras e de braços para o ca-
Em seu governo, após derrotar os índios de Serinhaém, abateu-se
navial.
sobre o gentio grande desânimo, e os brancos, sequiosos de escravos,
~ssa imemetida pelo território indigena era feita com grande subiam os rios e aprisionavam os índios, trazendo-os para o litoral
energia, e ao mesmo tempo que lhes tomavam as terras e os aprisio- quase sem encontrar resistência. Ai eram eles vendidos ao preço
navam como escravos, destruíam suas tabas e cercas defensivas e pas- de um carneiro, por dois cruzados ou a mil-réis a cabeça, conforme
savam a consumir os mantimentos encontrados e a realizal' novas cul- assevera o cronista Frei Vicente do Salvador . ( u)
turas, ( 8 ) muitas vezes, até, usando as mesmas ''covas" dos roçados
indígenas. Nesta época tornou-se famoso o ex-jesuíta Padre Antônio de Gou-
veia, que sabendo fazer mágicas, penetrou para o inte.rior com alguos
Com a grande expansão territorial conseguida, pôde o donatário
companheiros e convencendo os índios do seu poder, por processos de
aquinhoar os se\JS companheiros com grandes porções de cerra em
magia, uazia-os a Olinda a fim de vendê-los aos proprietários se1J,1pre
á~eas d~ matas consideradas as mais propícias às culturas, cortacbs pot
sequiosos de escravos. Disto resultou para o padre aventureiro, não só
t10s e tJachos perenes e localizadas nas proximidades dos trechos nave-
uma grande renda, como a ·alcunha de Padre do Ouro e o chamamento
gáveis dos rios que desembocam 110 Atlântico, o que permitia o em-
a Portugal para responder a processo perante a Inquisição, ( io) apesar
barque:; do açúcar produz.ido pata Olinda ou diretamente para o Reino .
de os 1ndios caetés estarem condenados à escravidão por haverem devo•
Na verdade, os c:stuátios dos pequenos :rios tiveram uma influência
rado em 1555 o Bispo D . Pero Fernandes Sardinha_
decisiva no povoamento do Nordeste, até a construção das estradas de
f~rr~ ~o século passado., Ante; destas , cidades localizadas a alguma Estava sendo, as:ú.m, concluída a fase her6ica da conquista, em
d1sta,nc1a do mar, por t_ras da area ocupada pelos mangues, no ponto que cada proprietário "era obrigado a sustentat quatro te1·ços de espin-
term!nal do crecho fluvial navegado, formavam pottos para onde con- gardas, vinte espadas, dez lanças e vinte gibões ou pelotes de armas,
vcqnam os produtos de grandes áreas do interior. Em função disto alétn. de mal1ter uma casa-forte; cada morador, por seu lado, devia
tiveram notável desenvolvimento, no século passado, Marnanguape, na possuir uma arma: lança, arcabuz ou espada", ( 11 ) a fim de resistir a
Paraíba. Goiana e Rio Formoso. em Pernambuco Porto Calvo e Coru- algum ataque dos selvagens. São desta fase, ou nela inspiradas, as
rlpe, em A!ago:1s , e Maruim e São Cristóvão , em' Sergipe. casas-grandes verdadcirame.nte acasteladas que existiram em Pernam·
A proximidade do porto barateava o transporte não só do açúcar, buco e que teve na do engenho Megaípe seu exemplo mais caracte-
c:omo das máquinas e utensílios necessários ao engenho; os rios e os rístico.
ti11chos, numerosos e pouco profundos, forneciam ,ígua para o consumo Afastados os índios do Lícoral e sendo ainda dispendiosa a impor-
d~ população , irrigavam os canaviais de suas ,margens e, às vezes , mo- tação de escravos africanos que ptovavelmente era feita desde o go-
Vlflm os engenhos; a mata fornecia a caça, no~ primeiros tempos, verno do ·primeiro Duarte Coelho, trataram os colonos de env;ar en-
quílndo o gado era ainda insuficiente, fornecta a lenha para a fornalha tradas que, subindo o rio São Francisco, trouxessem escravos do Sc:rtão.
e fl madetra para as construções e para a confecção das caixas de Este caminho, apesar de ser o mais extenso, tinha a vantagem de
tc;dcar. Assim, as condições naturais favoreceram o desenvolvimento
rle uma civilização eminenteme11te agtária como a que Duatte. Codbo
(9) Hirt6rid do Brasil, pág. 20.3.
om seus sucessores realizo!l em Pernambuco. ( 10) Salvador, Frd Vicente do, Hütória do _Brasil, pág. 204; C~rvalho
Alfredo de, A11entrm1s e Aventureiros 110 Brasil, págs. 49 a 97 .
( 8) Salvador, Frei Vicente do ,História do Bra.1il, pág. 201. ( 11] Prado Júnior, Caio, EvoluçJo Polílica do Brasil. Ensaio de Tnterpre•
lação Materialista da Hir16ria Brasiléira, pág. 32.
A 'I.'erra e o Homem Hó Nordeste 67
68 h1am,e( Correia de Andrade
permitir o transporte pelo rio, livrando os entra<listas da penetração e dois na do Rio Grande do Norte, totalizando, assim, no ordeste,
pela mata e da subida da escarpa da Borborema, onde os indígenas 166 engenhos.
teriam condições excepcionais para lutar e bater os europeus. É claro que o crescimento constante do número de engenhos
As entradas são-franciscanas res ultaram em completo fracasso. estava sempre a exigir um conespondente crescimento do número de
Assim, a que foi feita pelo provedor Francisco de Caldas, auxiliado braços, de escravo8. Crescendo a população, to,rnava-se necessário de-
por Gaspar Dia~ de Taíde, foi concluída após lutas e canseiras, com senvolver a cultura d!! mantimentos quf! desde o governo de Duarte
a morte dos entradistas em mãos dos índios que os devoraram . A outra, Coelho se fazia com razoável interesse, tanto que, dirigindo-se ao Rei,
realizada em 1578 pelo Capitão Francisco Barbosa da Silva, também em 1550, afirmava o grande Donatário que entre os moradores de
não trouxe resultados positivos, um✓.1 vez que os entra<listas voltaram sua Capitania, os mais ricos montavam engenhos, uuttôs plantavam
a Olinda, cansados e estropiados. ( 1 ~) Essas entradas provocariam canaviais, rornando-se lavradores que mofam suas canas nos engenhos
fortes divergências emre os tabajaras e os ponugueses, fazendo com dos primeiros, e outros, mais pobres, plantavam algodão e mantimentos
que aqueles se aliassem aos potiguarcs da Paraíba e passassem a atacar "que são a principa] e mais neces~ária cousa para a terra". ( i1)
11 combalida capítania de Itamaracá. Os ataques indígenas provocaram Ao lado da cana-de-açúcar cultivavam-se, no pi'imeiro éculo
forte reação dos luso-brasileiros e a conquista das regiões situadas ao de colonização, produtos americanos que os europeus se acostumaram
orte da ova Lusitânia. Realmente, foi notável a atrancada feita a consumir, como o algodão, a mandioci, a macaxeira ( aipim), o milho,
para o Norte e Nordeste, daq ueles que, partindo de OJinda , conquis- várias espécies de favas e legumes, além de plantas exótícfls como
taram a Paratba, o Rio Grande do Norte e o Ceará e arrebataram aos o arroz e várias fruteiras, legumes e coqueiros int.mduzidos aqui pdos
franceses o Maranhão, no curto período de .35 anos, de 1580 â 1616. portugueses que, navegando por todo o mundo, trouxeram-nos da
A cana-de-açúcar acompanhou os conquistadores olindenses sempre Eutopa, Ásia, África e Oceania . ( 18 )
que estes encontraram condições de clima e solo que permitissem a sua Mas, o problema principal, o mais sério, era o da mão-de-obra,
cultura. Daí surgirem os vales açucareiros do Paraíba do orte, na de vez que os trabalhadores eram necessários não si> à cultura da cana
Paraíba, e o de Cunhaú, onde Jerônimo de Albuquerque fundou o - plantio, limpa e colheita - como à fabricação e ao transporte do
engenho do mesmo nome no Rio Grande do Norte. açúcar e ainda à cultura de mantimentos e -aos serviços domésticos.
Nos lugares onde as condições climáticas e edáficas não permi- o~ índios não &atisfaúam a essa necessidade de mão-de-obra; inicial-
tiram a cultura da cana-de-açúcar, como nos cabuleiros litorâneos que mente eram pouco numerosos e as guctras e a migração para o interior
do Norte de Olinda se estendem até o Rio Grande do Norte ou nas contribuíam seriamente para diminuí-los. Além disto, o seu desenvol-
caatingas localizadas a Leste e ao Norte da Borborema, os proprietários vimento cultural não havia atingido, ainda, a fase da agricultura seden-
orgeoiza_r,am currais e criaram o gado necessário para suprir de ali- tária de vez que na época do descobrimento ainda se alimentavam,
mentos e de animais de Ltabalho a área açucareira de Olinda. sobretudo, dos produtos de coleta, da caça e da pesca . Ainda mais,
O número de engenhos crescia con tan temente; se eram 5 em ccnheceodo bem a região, fugiam facilmente par-a a mata, onde se ali-
1550, ( u ) somavam trint·a em 1540, ( u) sessenta e seis em 1584 ( l 5 ) mentavam dos produt0s fornecidos pela floresta, conheciam os seus
e cento e quarenta e quatro por oca ião da conquista holande~ ( 1' ) perigos e o meio de evitá-los. Ainda em fa vor do gentio - embora a
m Pernambuco, havendo, ainda , dezenove na capitania da Paraiba sua aplicação fosse sempre burlada - havia uma série de leis regula-
mentando os casos em que podiam ser escravizados, embora a sua
( 12) Salvador, Frd Vicc.nte do, História do BMil, pág, 220; Barbosa escravização só tivesse sído terminantemente proibida por lei de 27 de
Lim11 Sobríoho, Per11ambuco e o Siío Pra11cisco, págs. 36 a 39. outubro de 18)1. ( ln)
( 13) Costa Porto, Sobre velhos engenhos, em ''Jornal do Comércío" do
ltecife, de 14 de janeiro de 1962.
( 14) Gandavo, Pero de Magalhães, His16ria da Província de Santa Cruz,
(17) Carta de 24 de novembro de 15.55 , trnnscrita na História do Colc-
11i:t.açiio Portuguesa, tomo IlI, pág. 320.
cm "A ossa Primei ra História", de Assis Cinrra . ( 18) Gonsalves de Mello, neto, José Antônio, Notas ,1ccrca da introdução
(15) c~rdim, Fernão, Tratados da Terra e da Gente do Brasil, pág. 290.
de vegetais exóticos em Pa1u1mbucu, em "Boletim do Instituto Joaquim Nabuco
( 16) vau der Dussen, Addcn, Re/1116,ios sobre M C(/pitani11.s- conquistadas de Pe~quis~s Sod~is, vol. III, págs, .33 n 1.38.
ti<• BraJi/ pelos hola11deses (19.39) . T,adução, 1mrodução e notas de José Amônio ( 19) Perdigão Ma.lheiio, Dr. Ar.o tinho Marques, A Escrovíaiio 110 .Brasil.
Gon~fl lVe de MelJo, nclo. Ensaio Hí11órico-]urídico-Social, vol. T, pág. 138.
A Terra e o Homem no Nordeste 69 70 Manuel Correia de Andradi-
LU VA- e e H /B l IH I o r Ee A mortandade e õs quilombos, porém, não impediram os proprie-
Por essas rn;r,ões, desde os primeiros tempos, houve sempre a tários de continuar a importa r negros da África, tanto assim que, no
importação de africanos para o Brasil, e escravidão negra e indígena começo do século XVII , Brandônio dizia a Alvino em seus diálogos:
coexistiram desde o início da colonização, uma vei que o próprio "neste Br-asil se há criado um novo Guiné, com a grande multidão
Duarte Coelho, já em 1542, solicitava 110 Rei autorização para importar de escravos vindos dele que nele se acham ; em canto que, em. algumas
negros da África. Nos anos que se segui.rum, foram íntroduzidos negros capitanias, h á mais deles que dos naturais da terra, e todos os homens
no Nordeste e, em 1559, a própria Ral_nhn. D. Ci1tadna determinou ,ao o ue ndes vivem rêm metido quase toda ~1,1;,1 fazenda em semelhante
Governador da Ilha de São Tomé que permitisse a saída, para cada mercadoria'' . ( 23 )
senhor-de-engenho do Brnsil que apresentasse cerlidão do Governador Mas a produção do açúcar não era apenas uma atividade agrícola;
Geral, de 120 negros do Congo, pagando apenas um terço do direitos ela requerii1 um cer to nível técnico q ue os escravos negros ou indígenas
que lhes eram cobrados_ ( 20 ) Assim, apesar do preço elevado os não pos~uíam . Dar haver tido Duarte Coelho, logo 110s primeiros
escravos africanos eram importados para Pernambuco, guando os por- tempos, o cuidado de importar técnicos da Europa, os quais eram
tugueses ocupavam ainda pequenas áreas da Capitania. A expansão pata quase sempre israeliLas. { 24 ) Estes, que nunca e dedicavam à agri-
o Sul, tornando desenfreada a cac,:a ao índio, não dispensava a impor- cultura, mas demonstravam pendores industriais, aproveitavam a ocasião
tação de negros de Guiné, de vez que o Pad re Fernão Cardim, q ue para deixar o Velho Mun do justamente quando grande era a pressão
esteve cm Olinda em 1584, afitmou que af havia grande escrava,,ia exerdda pela Inquisição contra o povo judeu. Tão grande era o número
de Guiné e já poucos índ ios da terra. ( 21 ) Na realidade, o negro, de judeus e tal a sua importância em Permmbuco nos fins do século
representante de uma dv ili2aç1io -agrícola e já acostumado ao regime XVI , que a Capitaaia duartina recebeu a visitação do Santo Ofício ,
servil na Africa, oferecia maior produtividade rio tnib1\lho que o indí· demorando-se o seu represe11tante em Olinda, procurando puni r os cris-
gcna. Dai preferirem os proprietários, apesar do alto preço, adquirir tiíos novos que permaneciam fiéis às práticas. religiosas do mosa1smo.
escravos negros a escravizar índios parn o trabalho. Dois fatos, porém , Foram, certamente, este técnicos impor tados pelo primeiru Donátffrio,
tornavam pernicioso um grande. emprego de capital em escravos afri- os primeiros mestres de açúcar, caldeireiros, pmgadores, banqueiros
rnnos: a mortandade muito grande entre eles devido à má acomodação e caixeiros dos engenhos coloni ais . Eles e os pequenos lavradores
das senzalas, à má alimentação, ao excesso de trabalho e à adimata- iriam construir o núcleo cenLr:'.11 de uma classe média rural que, pouco
bilidade, como também a alta perceatagem de fugas para o in terior numerosa e dominada pela aristocracia do ~çúcar, manter-se-ia como
onde se reuniam em quilombos, bastante numerosos e freqüentes em classe até a proletariz-açi'ío quase total, imposta nos últimos anos pela
todo o território nacional. O de Palmares, devido à sua longa dunição concentração fundiária resultante do aparecimento das grandes usinas.
e à área de influência que ab rangeu, conseguiu romper a "cortina-de-
-silêncio" que os nossos bistoriadores estenderam sobre as reações
11egras conrra o cativeiro no Brasil. Estas revoltas negras, porém, no 2
início do século XVII alarmaram o Governador D. Diogo de Botelho, OS HOLANDESES E A ESCRAVIDÃO
qu ehviou fotças mUitates para os combater. D . Diogo de Meneses
e Siqueira, Governador Getal que muito se preocupou com a agri-
A conquista holandesa de Pernambuco e demais capitaniás nordes-
cultura nordestina , cm cartas ao Rei ( 22 ) achava que a e:scravarLa de
tinas representa um empreendimento bem diverso do da colonização
1,1iné, devido ao alto preço e ·aos riscos que advinham da sua con ·er- portuguesa na mesma área, como experiência de adaptação do europev
vnç~o, era a causa da ruína de muito senhores-de-engenho e tomava-se aos trópicos. Uns e outros eram, sobretudo, cornerciantes, ao se def ron-
ndvogado da escravidão indígena. tarem c:om as plagas nordestinas e -aqui chegar no afã de expandir o

(20) Gand11vo, Pero de Magalhães, obra citada, pág. 78. ( 23) Brandão, Ambrósio Fcmnodes, Diálogos d11s Gr11ndezas do Brasil,
( 21} Obra citada, pág. 294. ?ái.. 99.
( 22) Corrns de 23 dt ar;osto de 1603, publicadas nos Airais da Biblioteca (24) Diégues Júnior, Manuel, Pop1,ldçrio e Açúcar 110 Nordesu do Dra.r1/
Nmin11ul, vai. LVTT, p~J!- 37 . i;,ágs. 43 e segs .

A Terra e o Hot1iem 110 Nordesll! 71 72 M,:m11el Correia de Airdrade


seu comerc10. Os portugueses 1 porém, defrontaram-se com u ma terra Pernambuco e as capitanias vizinhas e dela dependentes econômic11
desconhecida, inculta e habitada por indíge11as que se achavam em e socialmente, estavam em plena fase de desenvolvimento q uando, em
plena idade da pedra , e que, pa ra ptopordonar lucros, tin ha de ser con- 1630, os holandeses iniciaram a invasão. Segundo Verdonk, q ue agia
quistada aos selvagens e transformada em função de um mercado ex- como verdadeiro espião, ( 4 ) Olinda era o grande centro da colônia,
terno que começava a tornar-se sequioso de produtos tropicais, Pro- pois af viviam quase 10.000 pessoas, dentre as quais 4.000 eram es-
dutos que por isto atravessavam uma fase ele constante e ascendente cravos, e era Ci\mbém o ponto para onde convergia o comércio do
valori7.açí'io. Os holandeses aqui chegaram conhecendo a terra e as açúcnr, umn vez q_llc o porto do Recife, então simples povoação, ( r,)
possibilida<les de lucro que dela podiam retirar, conhecendo as gnindes dela distava apenas 6 quilômetros. A área açucareira por excelência,
possíbílidades de colocação do açúca r no mercado europeu. Daí acha- mai rica e de mais famosos engenhos, era a várzea do Capibarib e,
rem os historiadores modernos ( 1 ) que foi o comércio de açúcar- e os que ficava próxima e dispunha, então, de 13 a 14 engenhos, seguindo-
h.1cros que ele poderia oferecer a causa principal da escolha de Pe r- -lhe a região do Cabo de Santo Agostinho, onde havia 16 engenhos.
nambuco para início da com.J_uista holandesa no Brasil, após o fracasso Também com mais de 10 engenhos em cada uma, dedicavam-se inteira-
experimentado na Bahia em 1624. Conquistaram um-a colô11i a com mente à cultura da cana ~s várzea do Jpojuca, do Serinhaém, em
economia organizacfa cm função da p rodução açucare ira, visando ao Pérnambuco, n do Goiana, na capitania de Itamaracá, e a do Paraíba
itbastecimemo do mercado externo, dispondo <lc numerosa população c!o Norte 1 na capit-ania deste nome , Nestas ~reas o gado ctiado era
branca, possuidora de grandes latifúndios nos quais, utilizando o braço pouco e as lavouras de subsistência feitas em função do auto-abaste-
escravo Jcsenvolviám uma atividade monocultorn de "pl,mtation". cimento.
Assim, 'como explica Gilberto f-reyre na série de livros em que inter-
Zonas de criação e de lavoll t!I visando ao abastecimento da própria
p retou a formação social do Nordeste , ( 2 ) a colônia portuguesa qu e os capitania em produtos como o feijão, mandíoca, milho, arroz , cereais
holandeses conquistaram tinha sua economia basead a na trilogia : lati- fumo e frutas, el'8 a compreendida pela bacia do Rio Una e pe lo atual
fún dio, monocultura e escravidão. Dai sua permanente telação com a tetritório alagoano, onde havia, de permeio , alguns engenhos. Porto
África, que lhe fornecia os braços necessários ~L agricultura, e coro a Calvo, por exemplo, apesar dos engenhos fundados por Cristóvão
Europa, para onde exportava açúcar e pau-biasíl e de onde Importava Líns, ( 0 ) era zoo.a mais de pecuária que Je agricultura. Pecuária que
alimentos corno farinha de trigo, queijo, man teig-a, vinho, e vestuário, crescia de importâncfa à proporção que se caminhava para o Su1, uma
calçados, adornos etc. vez que essa era a atividade quase exclusiva na zona do São Francisco
A intenção dos bolandeses não era destruir esta civilização já e no território sergipano. Convém ainda lembrar que no Norte da
consolidad a, mas tomar aos po r tugueses as posições, os lucros e os Bahia estavam estabelecidos os Dias d'Ávi la, que iniciaram no governo
privilégios que aq ui usufrufam. Veucendo aos portugueses, fa riam mo• de Tomé de Sousa uma verdadeira dinastia de criadores de gado, a
dificações de superestrutu ra , mas na realidade manteriam intatas as qu·al, em função desta atividade econômica, realizou, através dos seus
instituições econômicas bem rendo!-.aS na época. Daí ser grande o prepostos, a conquista de amplas áreas sertanejas, tomando-se os mais
número de holandeses que logo ap6s a conquista se fez senhor-de- famosos e poderosos latifundiários do Brasil colonial e imperial. A
•enge11ho, lavrador de cana e até proprietário de currais. ( 3 ) famosa Casa da Torre constitui, inegavelmente, um símbolo do lati-
fúndio pecuário no Brasil. (7) É claro que, sendo pequena a penetração
( 1) Opinião de José Antônio Gonsalves de Mello. neto, Tempo dos
/l,111:e,1gos, piig, 150; Jo.- ·. Rodrigrn::~ e .Joaquim Ribeiro, Ciuilizar;íio Holandesa
( 4) Vcrdonk, Adricn. Memória oferecida 110 Senhor Presidente e mais Se•
m; Brasil, p,ii;. 92. O historiador pernambuca no Alfredo de Carvalho admite em
ésf11dos Pe-r11ambr1canos, pág. 1, que o desejo de encontrar minas de ouro tam- nhorr:s do Conselho dest<1 cid<1de de Pernambuco sobrn a siwação, lugares, aldeias
e comlfrcio da me.<1Jla Cidade, bem como de Itar,umzcá, Paraíba e Rio Crtmde.
bém tenha influído na determinação desta invasão.
"'Revis111 do Arquivo Público", Ano LV , n .• VI, págs. 613 a 628.
(2) Frcyte, Gilberto, Casa-Grande & Sental(l, 4." edição, Sóbrados e Mo-
( 5) Sobre a povoação do Recife no período pré.holandês, escreveu Guerr.t,
r11111bor, Ordem e Pmgresso e Norcle-st,: são os livros principalmente dedicados
Flávio, o ensaio Arrecife de Siio Miguel.
11ul I sociólogo de Apipuços à formação social e.la civilização açueareíra do Nordt:Ste.
(6) Diégues Júnior, Manuel, O B1111giii! 11as Alagoa.r, pág. 25 e scg~.
0) Gunsalves de Mello, 11ctú, Ju sé Antônio, Tem po dos flamengos, págs, (7) Ver a ,esµr:ito, Boxer, C. R., Or f-10!11J1deses 110 Brasil (1624-1654),
1 2 t! l.5J; Honório Rodrigues, José e Ribeiro, Joaquim, Civitiwçiio Holandesa
11() /)r11si(, págs. 254 e sc;gs, pág. 200.

A Terra a n TTnm.-.m- no Nordeste 73 74 Manual Co,rei4 de Andrade


l
do povoamento para o interior no primeiro século , o~ pecuaristas deviam ou ao mar. Os canaviais foram destruídos. O gado foi em parte dizi-
ocupar áreas dcsmatadas na bacía do U na, grandes ex tensões de tabu- mado e em parte dispersado. Os fazendeiros de Sergipe e do São Fran-
leit:os existentes cm Alagoas, e os campos sergipanos e baianos. cisco levaram os animais que puderam _para a Bahia, ou subiram o curso
Ao Now: de Olinda ficava Igaraçu, uma vila pobre, de poucos do grande rio. Os escravos, aproveitando-se da luta, fugiram para o
engenhos e de pequena produção de açúcar, uma vez que e~tava cercada interior, para as matas , e organizaram q_uilombos o nde voltavam à vida
por tabuleiros arenosos pouco férteis e por exlenso~ manguezais. Ao que levavam na Africa. Bandos de salteadores passaram a agir naquela
Norte da Paraiba havia apenas um engenho em Camaratuba, e o Cunhaú área out rora flotescente e agora abandonada por grande parte dos pro-
e o Potengi no Rio Grande do NotLe. Nesta área surgia novamente em prietários que se retirara para a Bahia.
toda a sua plenituJe o domítlÍo da pecuária, da pesca e da agricultura Cabia aos holandeses reorganizar aquela economia cujos alicerces
de mantimentos, vivendo o popu lação sempre a poucos qllilômetros de haviam abalado. Apesar de muitos inici-almente haverem-se tornado
distância do litoral. senhores-de-engenho e lavradores, compreenderam que necessitavam de
Observa-se, assim, que a cultura da cana-de-açúcar e tava em apoio dos portugueses, conhecedores dos processos de cultura da cana
plena fase expansiva, conquistando terras às maros e às lavouras de e da fabricação do açúcar, para fazer florescer as capitanias conquistadas.
subsisLência que a antecediam no desbravamento dos locais mais inós- Maurício de Nassau, chegado ao Recife em 1637 , era a figura mais
pítos e distantes; havia extensas áreas com solos propfcios aincbt não indicada para concluir e consolidar a conquist.a, pois às suas qualidades
conquistadas por ela. Podeda es tender-se pelos vales férteis do Sul de administrador juntava grande espírito de tolerância e profundo
e do Nor te, assím comQ para o interior, onde -as espessas matas eram amor à terra conquistada. As tarefas eram muito árduas. Era neces-
perlustradas apenas por _preadorcs de índio. e pessoas dedicadas à sário combater os sal teadores que agiam na região açucareira , capta r
exploração do pau-brasil. Estas áreas possuíam alg uns engenhos que a confiança e a colaboração dos portugueses e luso-descendentes que
nem sempte moíam todos os anos, campos de criação e culturas de permaneceram nas capitanias conquistadas, destruir os quilombos, aliar-
manlimcntos. Forne iam , assim , os alimentos necessários à área cana- -se aos índios que em geral odiavam os portugueses, conquistar os
vieír-a e às vilas e povoações das capitanias nordestinas . Também o mar pontos fornecedores de escravos - a África e o Maranhão - reunir
e os rios eram muito piscosos, os manguezais ofereciam saborosos caran- o gado disperso, reotganizar a pecuária e tomar providências a fim de
guejos e as matas, abundante caça . normalizar o abastecimento do Recife e da cidade Maurícia que ele, o
conde holandês, hi-a criar na Ilha de Antônio Vaz. Eram todas, tarefas
Cada engenho era uma unidade econômica que reunia gt-andc nú-
mero de pessoas. Geralmente, além do senhor-de-engenho viviam no para muitos realizarem em muitos anos.
mesmo, brancos: o caJJeli'io , o mestre de açúcar, o banqueiro, o mestre Adríen van der Dusscn, em levantamento feito em 1639, quando
purgador, o escumador, {11 ) o feitor e os lavradores. É verdade que, muitos engenhós podiam ter sido já consertados , informou que 27%
com o tempo , os mulatos e negros foram ascendendo II estes postos e dos engenhos das capitanias conquistadas não moeriam naquele ano,
houve até escravos que chegaram a ser mestres de açúcar. Tumbém havendo até alguns cuja reconstrução se apresentava ao holandês como
em cada engenho havia, então, em média, de 50 a 60 escrnvos do difícil de ser feita. Dos engenhos mencionados, a maioria - 78 -
senhor, além dos pertencentes aos lavrndores. Estes, ou eram negros era movida a água, enquanto 37 eram movidos a bois; quanto aos
de Guiné, ou !ndjos locais , ou do Miuanhão . restantes - 33 - , o relatório não indica qual a força utilizada. .h
A conquista holandesa foi feita após m-ais de cinco anos de lutas interessante observar como, a esta altura, era grande o número dos
íntensas que provocaram grande destruição nas capitanias nordestinas. engenhos - 23 - adquiridos à Companhia d11s Índias Ociêlentais pelos
O linda, o mais importante centro w-bano regional, foi incendiada e holandeses. Esta os havia confiscado aos portugueses que se retiravam
com ela vários engenhos tiveram casa-grande, sern:ala e fábrica inteha- para a Bahia com as forças de Bagnuolo. PosteríormenLe, estes holan-
mente destruídas pelo fogo. Muitas máql!inas foram lançadas aos rios deses foram-se desinte1·essando da produção do açúcar e se dedicando
mais ao comércio, como convinha ao povo, em geral çitadino , e por
( 8) van der Dussen, Aclrie.n, Relat6rio das co.piümiaJ conquistadas 110 Brasil dar lucros mais fáceis . Só alguns, como Servaes Carpcntier e Gaspar
Jll'foJ hohm,lens (1639) . Suai condições eu,m5m i,;as e sociais. van der Ley, adaptaram-se realmente à vida dos e □ genhos , havendo

A Terra e o Homtm no Nord,:tte 75 76 Man,,el Corl'eia de Andrade


gindo a este prejuízo , a Companhia passou a vender os . escravos
o segundo casado com pernambucana e permanecido no Brasil após a a vista mas como os senhores-de-engenho e lavradores não d ispunham
expulsão dos seus compatriotas. ( 0 ) de capltais para isto, os negros eram vendidos a comerciantes judeus
Mas a produção do açúcar não dependia apenas da reconstrução que o.s revendiam a prazo, aos que deles necessitavam i por r~eços exor•
dos engenhos . Era necessário que os proprietários e os lavradores dís- bitantes e juros elevados. Isto criava uma situaç~o vexatória pa-ra os
pusessem de escravos. Estes, aJ1te da conquista, etaro constituídos produtos de ~çúcar , uma vez que o preço deste produto :1~°. dava para
por três grupos : os indígenas da região que, legalmente, ou haviam cobrir as despesas com a reconstrução dos engenhos, aqu1s1çao e manu-
sido apreendidos em guerra ou sido adquiridos aos tapuias; os indígenas tenção dos escrnvos, a manutenção da prónria familia e os oreiufaos
aprisionados no Maranhão e remetidos para Pernambuco, e os negros causados pelos salteadore soldados holandeses às vezes muito prepo-
trazidos da costa da África, de várias nações, e oriundos de vár-ios portos tentes , e pelos bando · de guerrilhei tos oriundos da Bahi-a, que incen-
desde a Guiné até o Congo e a Angola . ( 1 0 ) Os holandeses, visando diavam os canaviais da área sob o domínio batavo. Incursões essas que
conseguir apoio dos índios que pertenciam às tribos da região, liber- se tomaram mais freqüentes após a voltn para o Holanda do Conde de
taram os pertencentes ao primeiro grupo, admitindo como legal a escra• Na sau.
vidfo dos negros e dos índios do Maranhão . Também , para que a
indústria açucareira se reorganizasse, ocuparam certos pontos da costa Naquela época, porém , o senho1·-de-engenho era mais um indi1strial
africana, corno os portos da Costa da Mina e de Luanda e a Ilha que um agricultor , de vez que cultivava apenas uns poucos oartidos
de São Tomé, e passaram, eles pr6prio~, a realizar o tráfico como mono• de cana , quando o fazi a, preferindo industrializar a cana fornecida oelos
pólio da Companhia. Os escravos eram trazidos amontoados em navios, lavradores. Assim, no relató ·io de: van der Dussen , ciuando ele men-
sob condições alimentares e sanitárias as mais precárias e sujeitos a ciona o número Je partidos de cana lavrados em 61 engenhos, apenas
grande mortandade, Condições, dizem, ( 1 1 ) mais precárias ainda que uns 1)% penendam ,1os proprietários, sendo a imensa tnaioria de mais
as dos tumbeiros portugueses e agravadas, sobretudo , para aqueles pro- de $5 % dos partidos, de propriedade dos lavradores.
venientes da costa da Guiné que, devido às calmarias, faziam quase Estes às veze~ lavravam terras próp rias fornecendo suas canas
sempre uma viagem muito longa.
para o engenho próximo qt1e mais lhes aprouvesse. Cabia a eles o
Chegando ao Recife os negros eram expostos à venda no mercado plantio e t rato da cana, colheita e transporte até o engenho onde ela
dos escravos e -adquiridos quase sempre a prazo, com vencimento na em entregue ao senhor; o senhor-de-engenho com seus ernptegados <'
época da safra, por senhores-de-ehgenho e lavradores. A Companhia escravos se incumbia da moagem, sendo o açúcar prôduzi<lo dividido
deveria, com isto, obter grande lucro, uma vez que o escravo era com- em partes jgua is, uma para o senhor e ou tra para o lavrador. O lavra-
prado na África a preços módicos - de 12 a 75 florins em Guiné, do r necessitava , assim 1 de escravos e de bois com os respectivos carros,
e de 38 a 55 florins em Angola - e vendidos no Recife a preços ele•
a fim de atender à sua cultuta. É claro que o númt:ro de escravos
vados - de 200 a J00 florins por peça comu.m ( 12 ) - ; quando oo
e de juntas de bois de que dispunha, variava com as posses e os par-
negros eram fortes e sadios davam , às vezes, 600 a 800 florins. Este
comércio teve tanta importância que, dos fins de 1636 até o vetao <le tidos que podia cultivar, Ap6s a moagem , cabia ao lavrador as des-
1645, os holandeses trouxeram pata o Recífe 23.163 negros. Mais pesas com o secarnento do açúcar , o encaixotamento e o frete para o
de 2.500 escravos por ano, portanto. Os lucros , porém, desapareciam mercado ou lugat conveo iente.
porque os compradores quase nunca saldavam os seus débitos . Fu- Se o lavrador .não dispunha de terriis próptias, alugava-as de um
determinado engenho, obrigando-se a nele moer as suas canas ; neste
caso, a sua percentagem era menot, sendo de um terço contra dois do
(9) Gonsalves de Mello, neto, José Antônio, Tempo dos Flamengos, pág,
163 a 165. senhor-do.engenho, se a terra era fértil e próxima à fábrica . ou de
(tO) van der Dussen, Adrien Relatório sobre as capitanias co11quiltad,u 110 dois quintos se não ocorressem. c.ssa s vantagens. Também o mel que
Brasil pelos holandeses, pág. 91. escorria do açúcar na casa de purgar eta propr:edade d~ senhor-de•
( 11} Gons,alves de MclJo, neto, José Am6nio, Tempo dos Flt11rre11gos, •engenbo, que o utilizava na entre-safra sob a forma de nara~a. mi
pág. 210. alimentação de escravos, cavalos e bois. Ora, um lavrador que cultivasse
( 12) Wntjen, Hermanr,, O Dominfo Colonial Hola11dês 110 Dra.,il, págs. 40 tar efas de cana, lembrando-se de que cada ta refo correspondia à
486 e. 487. guantidade de cana moída por um en~enbo em 24 hol'as, necessitaria
A Terra e o Homem 110 Nordeste 77
1H l•il,mMI Correia de Andrade
1 • ~
dispor de, aproximadamente, 20 escravos com enxadas, foices e ma- uommgos, Dai os escravos preferiram os senhor . d . - ,.
chados, e de 4 a 8 carros com uma quantidade de bob que oscilaria 1 e estes aos C'<llvínísras. ( , ~) Fel b es Ju eus aos catoltcos,
conforme o número de canos, entre 12 e 24, A tarefa correspondia, nos tânda do negro no p rodução do ex~o~to oAserva-se. o grau de impot-
engenhos a boi, a 25 ou 30 carros de cana e, nos movidos a água , a 40 açúcar fez com que os calvinis~asaçh~t· necess1dade de produzir
ou 50 carros. pulos religiosos contra a escravidão ( ;~teses aforassem seus escrú-
Heercn XIV a afírma• que "se ' o que evou em 1640 os
O número de tarefas que cabia a cada lavrador dependia tanto ' m negros e sem b · d
esperar de Pernambuco" ( 1G) A . p · ois na a se podetia
da área dispon[vd como da capacidade e do número de l:wradores · ss1m ernambu A 1 - l
permanecer na mão de um u'n ico ' sen · h' or se se g co· _e ngo .á tm 1am de
existentes no engenho_ Isto porque a .moagem só podia estender-se L
aoustecer de açúcar a Europa O trat
1 ,
ui~esse, naque a epoca,
de setembro a abril. Também cabia ao lavt~dor realizar, pot intermédio seus senhores tanto holandes~s com amento receb,do pelo~ negros, dos
dos seus escravos, lavouras c.lc .subsistênci-a, geral.mente nas terras menos como ocorria na e'p· o,..a O · . o portugueses, era bastante severo
férteis ou mais distantes, a fim de dimentat a famtlia e a escravaria. "" • s escravos e1·a rn f _.. '
Levava, a;:;si m, uma vida bem morigerada, uma vez que o lucro obtido a maus-tratos, ' ª castigos corporais p d d requebtite~dent~ subme tidos
varas ou correias de couro ser ' o en o ser atl ·!Js com chicote,
era quase ~empre empl'egado em escravos, em animais e em utens.ílios ser acorrentados pelos pe'• o' lpostos -a feno ou no tronco ou até
de trabalho. Lavouras de subsistência ainda eram cultivadas pelos • u pe o pescoço· n=-- · h
aos senbotes matar ou mut1·1~ . ' ao convm a, entretanto,
chamados moradores, homens livres que o proprietário autorizava • . ' gf os cativos que Jh l •
a viver em sítios distantes do engenho e que pagavam anualmente uma muito d1nhei1o í é possível que al uns . . es 1~v1arn custado
la. ssem ou ferrassem 11 fog g . maJs perversos as yezes muti-
pequena tenda, sempre em gêneros e cha111ada geralmente de foro. ., 0 os seus escravos 1na - - d ·
quente a fim de não desvalorizar " e as" C ' s nao evrn ser fre-
O senhor-de-engenho que moía as canas dos lavradores e a de seus aqueles cautelosos e cientes d . { çd , ao caras. Entretanto, mesmo
pa rtidos, quando cultivav11 cana, tinha de empregar grandes cabedais João Fernandes Vieira recom~ da or os seus esqavos, como o famoso
e, apesar de receber um bom quínhão das canas que mofa, vivia quase vos com paus nem co~ pedra n ava;. que não se castig,~ssem os escra-
sempre em dificuldades -para amortizar as suas d[vidas. Isto porque valotizá-los, mas que os coloc:s!':ns;b1~e1ecessem, a fun d:
não des-
era grande o capital empregado nas construções que necessitava fazer ap6s o açoitamento, fossem os mesmo -e ~m dcatro e os açoitassem e,
( casa de moenda, -chamada de "moita'' ao Norte de 'Pernambuco, casa que cortasse be d . d . · s pica os com navalha e Jaca
de purgar, olaria, além da casa-grande, da senzala e, às vezes, da capel-a), ou utfoa. Após~~t~~~i;cl:e er:pi1s, sobre a~ feridas,. sal , sumo de limão
nas máquinas, na aquisição de negros - em número que norurnlmente alguns dias ( l l) V ' . pobre escravo i;neudo em conente por
· e-se, assim, como eram po h . .
oscilava entre 40 e 70 indivíduos , co11forrne a capacidade do engenlio de vida impostas aos escravos em . ucbo umanas -as condições
. nossos engen os. (is)
- em animais - de 30 a 40 bois - em cerca de 1O a 12 carros
e numa série enorme de utensílios. Também cabia 11 ele pagar o sa1ário No Brasil holandês, entretatJL - . .
o trabalho esctavo· os índ ' l' o, nao se .u~ava na agricultma apenas
de uma série de empregados, como os que düígiam a moenda, a plan- dedicando-se à cole,ta à ca"1ª0s rvre~ que v1vJam em seus aldeamentos
~ação, os negros e os bois. ( 1 3 ) e .. _ , " e a uma peqL1ena agricuh d . d'
e 1e1iao, aceitavam, às vc:.:esl trabalhar por al um rem urd . e man ioca
Os negros erom obrigados a trabalhar todo o dia, 1'de sol a sol", prometessem aguardente ou outras bebidas f:nes Nyo, ed~de qub: ~hes
• ao ten o am 1çoes,
reunidos formaJ1do o eito, soh as 01·dens de um feitor. Engenhos havia
que, devido à sua importância, possuiam vários feitores, sendo o chefe
deles chamado feitor-mor. Costumavam os senhores-de-engenho e lavra- (14) Gon6a lves de Mello, neto, José Antônio, Tempo
pág. 221. doI Flame11gos,
dores portt1gueses, por sctem cat61icos 1 permitir o descanso e.los seus
escravos nos domingos e dias ~antificados, enquanto os holandeses, por (15) Gonsalves de Mdlo, neto, Josr.: Antônio, Tempo dos Fl1Jmen;,0J,
serem calv inistas , guardavam apenas os domit1gos. Os escravos dos pág_ 208.
judem tinham mais Colga 1 já gue estes, por motivos religiosos, guar- (16) Boxer, C. R., Os Holandeses no Bra.siJ (16'4·1654) á 192
rlavam os sábados e por temor às autoridades g,1atdavam t ambém os (17) Go 1 - , p,g, eJ93.
U .
nsa vc=s de Mello nero José A • -
de enwmho em 1663 em ''Boi ti 'd I .n•orno, m Reg1rmm10 de feitor-mor
Sociais", n.• 2, pág-. g3_ e m O n5 t1 tuco Jo~quim Nabuco de Pesquisa~
( 13} van det Dussen, Adrie11, Relat6rio rnbre as capitanias conquistadas
tlO Brasil pelos holandrn!s (.J 639), ptigs. 93 a 96.
( 18) Boxer, C. R., obra citada, i::,ágs_ 181! e 189.

A Terra e o Homem 110 Nordeste 79 SO Manutl Correia de Andrade


vivendo em choças na m11ior miséria, não se dbpunham a trabalhar se população do Reino e aos sérios problemas criados pdas companhias
não houvesse o estímulo mencionado. ( 1 o) de comércio.
As destruições causadas peh guerra e o alto preço da escravaria Em compensação, a~ guerras travadas na Europ~ n_a s_egund~ ll?e-
fizeram com que os senhores-de-engenho e lav radores ernpregasserr: tade do século XVIII, em que se envolveram as prmc1pals potencias
os braços de que dispunhan1 na cultura da cana-de-açúcar e se descuí- colonizadoras, e as revoluções surgidas nus fins daquele sécul~ n~s
dassc:m das i::ulturas de !Tlllntimcntos, Resulwu daí tornar-se freqüenre, Antilhas - Hairi, sobretudo-, favoreceram muito a nossa 1odusttla
Jurante o domínio holandês, a fo lta de alimentos básicos, sobretudo da açucareira, d,·mdo-lhe uma fase de euforia econômica, n~ian?º•. em con-
far inha de mandioca. Como tal fato provocasse sérios transtornos na seqüência, p 11 ra o inicio do século :X:IX, as lutas emanc1pac1omst~s que
capital, resolveu o Conde de Nassau determinar que cada senhor-de- se deram com tanta intensidade em Pernambuco. Isto porque, f1Cil.o~o
Portugal à margem daqueles conflitos, colocav11 facilmente a froduçao
•engenho e rnda lavrador de <.:ana plantasse manlímentos, determinando
brasileira do açúcar no merendo europeu. ( 1 ) Produç~o de açuçar que,
que cmre estes se exigisse a plantação de 5 .000 covas de l'oças por cada
escravo que possuíssem . Os lavradores que lie dedicavam a outro!\ cul- apesat· dos seus altos e baixos, deu li potênc!a colonizadora, em t?do
lmas deveriam plantar 1.000 covas por cada escravo. ( 20 ) o seu período de domínio sobre o Brasil, m'llls rendas do que a mine-
ração do ouro.
Assim, tentando .ape11~i; substit uir os portugueses, inicialmente,
nos negócios do açúcar, e depois se dedican<lo mais ao comérc io deste Interessante é que, ape~ar da flutuação da procuta do açúcar ~o·
produto que à sua produção, os holandeses, apesar de desenvolverem mercado europeu e dos baixos níveis técnicos da a,gric-ultura e du m-
consideravelmente a cidade do Recife e ~ vida. urbana na área sob o dústria, a população notdestina espalhou-se no ~enodo que ora estu•
seu dom(nío, não íntroduziram modificações sensíveis nem nas técnicas
damos por toda a região, ocupando-a quase mteiramentc. É verdade
de produção do açúcar, nem nas relaçoes de trabalho no c:impo. Do- que amplas áreas ~ontinua~am cobe~tas de matas e que os engenhos~
vilas e povoações ficavam situados_ d1stante7 um dos outros, mas a su
minarnm militar e poliúcamente grande {uea do território brasileirn,
perfkie dos Estados nordestinos fKou praticamente desbravada, o que
ma~ a produção de açúcar conti~UOlt em mãos portuguesas, uma vez
não ocorteu em outros trechos do território nacional, como os Estados
que os batavos não aprenderorn bem as técnicas de sua fabricação ,
do SuJ do país e São Pau.lo , ql1e ficaram com terras a desbravar até o
n1::m as maneiras mais hábeis de tratar o escravos e faz!'.-los produzi.r.
século XX.
Levantamento fei to em 1774, ( 2 ) constata um povo~mento quase
contínuo em cod11 11 regiao estudada, desde Natal, no ~10 Grande do
3
arte, até Penedo, no atual Estado de Alagoas. Serg1pe e o N~tte
O DESENVOLVJMENTO ECONôM COE AS RELAÇÕES da Bahia já eram também naquele ano basrnnte povoados. A area
DE TRABALHO NA SEGUNDA METADE DO StCULO canavieira localizava-se quase sempre próxima ao líwral, mas. em Per-
xvn E NO SÉCULO XVIIl nambuco já· penetrara bastante pata o interior em fregues1as como
Tracunhaém, Vitória de Samo . Antão e São Lourenço da Mat~ que
No período qLte se estende desde il expulsão dos hohtndeses ficnvam, nos fins do século XVI, em plena árell de e;-;plor~çao do
( 1654) até a abertura dos portos brasilcíros às nações amigas ( 1808 ), pau-brasíl. Espalhados pela rcgiao havia 387 engenho~ rems e 85
a agricultura canavieita no Brasil atravessou fases de crise e de esplen- engenhocas. Em Sergipe, nos fins do s&7.1lo XVIII! loc_alizavam-s~ 30
dor. As prirneira6 provocadas pelo desenvolvimento da indú stria açu- engenhos - 10 no vale do Vaza-Barris e 20 na Cot10gu1ba - ao ado
careira nas Antilhas, onde melhores solos e uma técnica agrícola e
industria l mais desenvolvida permitiram uma produção mais econó- ( l} Prado Júoior, úio, Hist6ri,i Eco11ómic11 do Broúl, pág. 81 e segs. _
mica. Tan1bém a política monopolista das potências colonizadoras (2) Idéia Geral d4 C11pil1111i11 de f'e~namb11~0 e das r~ar anexas, extc,ba(I
causou sérios transtoi-nos à nossa indústria açucareir:i, dev ido à baixa de SU/IS Cortas, Rim e Povoações nolaveu . Agricultura, numero de Engm
Co11tractos e Rendimentos Reaes, auynemo q11e ~,tes tem .hdo desde O ~mo 6
1'
1774 em ;,u· tomou pom: do Governo dar mesmas Capit~ni~r e Go11e,:1ia ~; e.º
( 19) Boxc,r, C. R., obr,i cit,1d11, p.ig. 160; Gonsalve5 de Mdlo, neto, J. A., Capitan G~ncral ]o,é Cés,ir de Menetes, em "Anaes da Biblioteca N~cional , Rio._
Tm1po dor fl,1me11go.r , pág. 175. de Janeiro, vol. XL, pila. 1 a 113.
(20) Gons~lves de Mello, neto, J. A., Tempo dos Fltimengo1, pág. 189,
82 Manuel Correia de Andr,i,le
li Terra e o Homem no Nordéste 81
de 10 engenhocas que se dedlcavam à fabricação de aguardente, (")
Os engenhos reais se distinguiam das engenhocas por se destinarem
à fabricação do açúcar e não à fabricação de rapadura ou de mel maté-
ria-prima para a fabricação da aguardenre.
A ro1Üor concentração de engenhos se locali~ava uo atual terii-
tório pernambucano onde somava o númern de 287 , contra 6.3 na atual
Alagoas, 32 l)a P-arafba e apenas .3 no Rio G,ande do orle. É que
aí havia melhores condições narurais, maior densidade demográfica e
maior proximidade do porto do Recife , o que tornava os fretes mais
baratos.
O progresso sobre o período anterior, guanto à indústrfa açuca-
reira, era mínimo, urnl\ ve;;: que continuavam a dominar os engenhos
a tração animal ~obre os engenhos d'água, apesar destes oferecerem maior
<.apacidade de J?todução (Foto n.º 8). A pouca declividade do solo nas
áreas próximas ao litoral e a pouca água no verão, nos lugares mais dis.
tantes, certamente ]e\lavam os proptietários -a preferir a força mecânica
dos animais à força hidráulica na movimentação dos seus engenhos.
Observe-se, porém, que os bois, largamente usados para movimentar as
al manj,arras até o domínio holandês, haviam sido, então , quase inteira-
mente substituídos _por cavalos e éguns bem mais velozes . Continuavam,
porém, a usar lenha para alimentar as fornalhas, enquanto o bagaço
era queimado na bagaceini,; ignoravam o uso de adubo na cultura dos
canaviais, perdendo o este1·co dos animais e o próprio bagaço apodre-
cido, e contínuavam a fazer a "coivara", ou seja, il queima da vegeta-
ção nativa após o corte, a fim de desocupar as terras onde pretendiam
cultivar a cana. Nunca procuravam obter novas variedades de cana;
cultivavam sempre a variedade introduzida no século XVI e que, pos-
teriormente, chamaram "crioula"; e s6 a partir do século XIX, pas•
saram a cultivar outras variedadl':s.
Ao Lado dos canavíais 1 outras atividades econômicas, feitas em
menor escala e ocupando áreas ainda não disputadas pela cana , tinham,
cntao, alguma importância. Dent re elas se destacàda, a cultura do
gJgodoeiro, pois, graças à descoberta da máquina a_vapor o algodão
p11ssou a ser largamente consumjdo na Europa pela flo rescente indústtia
de tecidos, Quem estudar a histó ria econômica do Nordeste verá que
cla si:: resume, nos dois ú ltimos séculos, numa luta entre a cana-de-a~úcar
e o algodão. Conforme as soliciti1ções do mercado externo e a oscilação
r.loll preços, a cana-de-açúcar, partindo das áreas mais úmidas onde domi-
n11v11, avançava por áreas de clima menos úmido, que _por sua vez ernm

()) Freire, Dr. Felisberto de Oliveira , Hist6ria de Sergipe (1575-1855) ,


116/!, 205.

A Temr e Q Homem 110 Nordeste 83


dísputadas pelo algodão, domina11te nas regiões semi-áridas quando os A instalação e o desenvolvimento de um engenho implicav-ain num
preços subiam ~ os do açúcar baixavam, O algodão arnda1 alimentava grande emprego de capital, níío só devido à construção dos .prédios
importante fobrn:ação de tecidos ordinários l.arcramente consumidos no indispensáveis como a "moita" onde se lornhzavam a caldeira e o
país e muito vendidos na .feira de Santo An~ão. A pecuária indis- assentamento , a "casa de pui:gar" onde 9 açúcar era posto em formas ,
pensável tanto à indústri~ a.çucarcira como ao abastecimento d~s cen- em e~crados sobre um tanque para onde escorria o mel de furo, o seca
tros urbanos então llorescerites, ocupava não só o Agreste e o Sertão onde, ap ós o escoamento do mel, ele era poslo a secar ao Sol, e o encai-
como até mesmo certo~ trechos da região da Mata e do Litot·al Oriental' xamento onde ele em acondicionado para a exportação, como também
º?retudo no Rio Grande do Norte, na bacin do Mamanguape ( Pa~ dos prédios complementares como o curral, a estrebaria, a casa-grande,
r~ba), e ao ?ul, no~ vales do São Míguel, do Corutipe, do San Fran- a casa do feltor e a senzal-a ( Foto n. 0 9). Empregavam também capital
cisco e dos nos sergtpanos. Este gado permitiu a existência de vátios na aquisição de escravo~, bois e cavalos sem os quais a cana n_ão
curtu1nes e movimentou importantes feitas nas 11i1as de Santo Antão e seria plant11da nem moída. O número de escravos era sempre de várias
rm povoação de Pau d ' Alho. Informa dornmento da época { 4 ) com dezenas, havendo até grandes engenhos gue dispunham de 150 a 200
possível exagero, que aos sábados se abatiam nessa povoaçã~ de 90 a escravos, cifra que à p.rimeira vista poderi11 parecer exagero, mas que
100 reses. não o era, devido às condições de cultura e industrialização da cana-
. Ou1ras cu~turas como a mandioca, o milho, o feijão e as fruteiras .de-açúcar_
n.~ttvas e exóticas eram largamente cultiv11das até mesmo naquefas Assim, quando se iniciava "!I estação chuvosa, geralmente em
var~ea~ que se destacavam pela produção de açúcar, como a do Capi- março, não tinha ainda o engenho conclu!do a moagem e Já era tcm~o
bar~be e a do Jaboatão, garantindo não só o abastecimento da popu- de limpar o mato para a cultura da cana. Essa limpa, que requena
laçao rural, como da urbana . Também il cultura do coqueiro já come- sempre um grande número de braços, era feita a machado quando se
çav-a, nessa época, a expLJsar o cajueiro nativo das regiões praieiras, Lrnta a de mata , ou a foice , quando em em -área antes explorada, e
n:iodc:lan?o uma paisagem bem diversa da que an tes existia. Muitas das sempre seguida da "coivara''. Na época a que nos r eferimos, esta terra
cidades Já se destacavam como vilas ou povoações. podia ser míJizada na cultura do milho e do feijão , frita em fins de
No Recôncavo Baiano a cana-de-açúcar limitou-6e a ocupar as marco e começo de abril e colhido em junho e julho a fim de ser
terras de massapê, deixando para o forno os terrenos arenosos· a cul• mil izado na alimentação dos escravos. Em jur1ho e julho era feito o
tura do fumo se expandiu muito, de vez que este produto p~ssou a plantio da cana destinada à moagem do ano seguinte, is-w é, aquela
ser usado como moeda para a -aquisição <le negros na África . Assim, a ser frita U a 18 me5es após o plantio, podendo este estender-se nas
a área que produzia aç~car para o mercado europeu e que se abastecia várzeas úmidas até novembro ou dezembro. Em setembro começava
de negros na costa africana passou a abastecer este continent .com o 11 moa em que se estenderia até março ou abr il do ano seguinte. Assim,
fumo. devido ao longo ciclo vegetativo da cana-de-açúcar, o senhor-de-engenho
Em toda a região estruturou-se, nesse período, \1m11 sociedade dnha e aínda hoje tem sempre duas safras a ttatar, a do ano corrente
aristocrática dividida em classes. No ápice aparecia a fígura do senhor- e a que moerá no ano seguinte, necessitllndo manter a cana limpa até
-dc~engenho com um prestigio e poder que eram tanto maiores quanto que da alcance o seu pleno desenvolvímento. Como a cana, uma -vez
mamr fosse a extensão de suas terras, 11 produção dos seus can11vi11is cottadu, refloresce, renasce, distinguimos a de planta ( l ." folha), a da
ou o número de escrnvos que possuisse. Para salíentar a sua posição, soca (2.°' folha), da ressoca ( .' P folha) , da 4.", da 5," , da 6.• folha
construía -a casa-gta11de assobrndada ou com calçada alta sobre uma etc . A primeira n~cessira de cinco limpas anuais, ao p~s~o q,1e as
colina ou uma e.ncosta, de onde falava a lavradores, empi;egados ou demais se manterão limpas e darão boa produção, em media com 3
escravos. Safo sempre a cavalo, ( ü) de onde continuava a folai; do limpas por ano.
~!to àqueles a quem dava ordens. Daí a comum paixão por bons ca- Devido a este sobrecarregado calendário agrkola é ~ue o senh_o:-
valos que, como ainda hoje se diz; "andam de meio abaixo". -de-engenho sempre necessitou de braços , sempre precisou adgumr
escravos para pagar quando . entregasse o açúcar e, conseg_üente":ente,
( 4) Idéia da população etc., já citada, pág. 36. sempre esteve end ividado devido ao alto preço dos negros e ~ fre•
(5) Preyre, Gilberto, Nordeste, 2.• edição, pág . 124. qüente perda dos mesmos pot doenças, acidentes ou fuga. Salienta-
mos por fuga, porque, apesar de se afirmar sempre que o negro su-
A Terra e o Homem no Nordeste 85
86 Manuel Correia de Andrade
portou com pac1encia, sem reação, o cativeiro, o fato é que ele sem-
pre estava a fugir para o mato, a organizar quilombos, a suícidar-se. a
reagir, enfim, das formas mais · diversas contra a prepotência dos seus
senhores.
Em segundo lugar na escala social de55a aristocracia canavieira
estavam os lavradore.s que, por não poderem instalar engenhos, embora
dispusessem de terras, ou por não tecem terras, moíam ou cultivavam
a cana no engenho do senhor. Conforme -as posses, a terra de que
dispunham para cultivar, o número de escravos que possuíam e as
safras que produziam, era maior ou menor a importância econômica
e social dos lavradores. Muitas vezes, filhos de senhor-de-engenho
tornavam-se lavradores do piii ou do próprio irmão; grandes lavra-
dores possuíam, às vezes, numerosos escravos que tratavam dos par•
tidos de cana e lavoutas, enquanto outros, mais pobres, tinham poucos
escxavos e des próprios lavl'avam a cerra ou feitornvam as mesmas .
O ponto nevrálgico para os lavradores era. a relação destes com
os senhores-de-engenho, uma ver. que o seu lucro ou prejuízo ia de-
pender da conduta dos mesmos; pois se havia senhores-de-engenho
que respeitavam os díreitos dos. lavradores, havia também aqueles
prepotentes que cau5avam aos seus dependentes grandes transtornos.
Eta freqüe11te o senhor-de-engenho proibir aos lavradores a enttada
na "casa de purgar" durante a moagem de suas canas. Alegava que
a presença do lavrador ali implicava numa fiscalíznção e, conseqüente-
mente, numa desconfiança no senhor-de-engenho. Ora, sem poder acom-
panhar a moagem de suas canas, o lavrador ficava sem saber ao certo
quanto produzira nem a qualidade do açúca. pi-oduzido, podehdó o
~enhor-de-engenho lhe dar uma cota inferior a que tinha direito ou
trocar o açúcar de boa por um de má qualidade. Outras vezes dava
a cont-a certa de produção mas retinha parte do ,açúcar do lavrador
como empréstimo, prometendo pagar na safra seguinte, o que o preju-
d icava setiamente pois, moendo cana uma vez por ano, estava de na
safra necessitando de dínhi:iro pata atender aos seus compromissos . ( 0 )
Outras medidas prejudiciais aos l-avradotes eram tomadas por senhores•
-de-engenho prepotentes quando havia desavenças entre uns e outros;
assim, para causar prejuízo ao lavrador bastava não consentir no corte
da cana na época certa, e esta, passado o período de amadurecimento,
começava a secar clim inuindo o seu conteúdo de açúcar, provocando

(6) Amonil, André João, Cultura e Op,ilbu;hz do Brasil pot suas dro,g11s
e minai, pág$, 74 e segs.; Vilhena, Luís dos Santos, Notícias Soteropo/itanµr
e Br41ílicas, vol. r, págs. 182 e 183; Barbosa Lima Sobrinho, Problemas Econó•
micos e Sociais d.; Lavoura Cana-vieira, 2.' 1:dição, pág 9 e s~gs., analisam e.~tcs
problemas.

88 Manuel Correia de Andrade


.. ' .
uma séria queda na prod ução do lavrador. Outras vezes o proprietário
não negava o corte, mas chegada a cana ao engenho, deixava-a no "pica- melhores, _instalações, preocupando-se também com a conservação do
deiro" por três ou quatro dias , ficando a mesma azeda e imprestável. solo.
O senhor-de-engenho perdia a meação, mas não se arruinava porque Era, assim, bem difícil a vida dos lavradores nos séculos XVII
dispunha das canas próprias e das dos partidos dos outros lavradores , e XVIlI. Ma seus problemas não advinham apenas das refações com
mas o lavrador que só dispunha daquela, perdia em um~ semaua o que o senhor-de-engenho; os escravos de que necessitavam constituíam uma
lhe custara um ano de pesados serviços; deixava de dispor dos meios grande inversão de capital e, como não dispunham de numerário com-
necessários a atender seus compromissos, fiC'<lva insolúvel e, em conse- pravam-nos a prazo para pagar na época da safra, geralmente com juros
qüência, arruinado. altos. O tempo também causava sérios transtornos porque se o verão
Outras ve;;es, depois de ter o lavrador cortado e ·moído suas era muito seco, sem chuvas as cana.s das encostas pouco se Jesen-
canas, tratava de fa7.er "aceros" nos partidos já explorados e queimar volviam, e se o inverno era excessivamente chuvoso , as cheias prejudi-
a palha a fim de que a soca nascesse e lhe desse no ano seguinte uma cavam as canas das várzeas. Certos rios de regime mais irregular, como
renda razoável - prática ainda hoje usada sobretudo nos lugares o Paraíba, em alguns anos desrnúam safras inteiras e até, à vezes, en-
úmidos a fim de eliminar os ratos dos canaviais. Ent1io o senhor-de- genhos .
-engenho comunicava estar extinto o sctt arrendamento e lhe dava um Também o capim, sempre a crescer e a t:;xigir limpas a fim de não
prazo curto para desocupar o sítio, uma vez que pretendia entregá-lo atrofiar o canavial, era um inimigo pertinaz e constante do agricultor.
a outrem. Com pequena indenização ou sem qualquer indenização, con- Ao lado disto, animais criados soltos, como cabras, porcos e até bois
forme a consciência do proprietário, via-se o lavrador obrigado a perder e cavalos fugidos dos cercados, causavam grandes prejuízos aos partidos
a colocação e -as socas da cana que plantara e a ter de procurar esta- de cana, obrigando seus proprietários a colocar vigias que muitas vezes
belecer-se em outro lugar, embora, com esses exemplos, não possamos matavam os animais predadores, causando dissensões emre os proprie-
conduir que todos os senhores-de-engenho agissem assim; muitos deles tá rios dos canaviais e os proprie tários dos animais. Quem conhece a
eram corretos no trato com os seus lavradores e demais dependentes. área canavieira nordestina sabe o grande ódio dos lavradores ao ''boi
O que se deve salientar, porém, é que a estrutura econômica então ladrão", isto é, ao boi capaz de fugir do cercado e invadir as plantações ,
dominante e a organização político-social dela emanada, permitiam que Apesar disto tudo, cu ltivando o produco rei de exportação, a cana-
es~es abusos fossem cometidos ~em que os lavradores tivessem a quetn .de-açúcar, o lavrado( ti11ha melhor situação que o morador, roceiro
recorrer em defesa dos seu~ mais legítimos direitos. Toda a organi- que cultivava produtos de subsistência, e os empregados , uma vez que
zação político-soda! se orientava no sentido de garantir ao senhor-de- estes recebendo salários, estavam mais vinculac,cs ainda ao senhor-de-
-engenho o exercício pleno do seu poder sobre suas terrus, agregados e -eng;nho. Depois destes estavam os escravos, que t:rarn con~idei-ados
dependentes. como coisa e tinham um tratamento semelhante ao dispensado aos bois
A insegurança na renovação dos contratos de arrendamento cons- e cavalos.
tituía para Tollenare, que nos visitou na segunda metade do éculo Os moradores, cm getal mestiços que viviam nos engenhos, cons-
XIX, ( 1 ) o principal empecilho 110 progresso dos lavradores que, por tituíam uma elevada percentagem da população rural livre. Geralmente
isto, construíam pequenas e toscas habitações ao lado de cercados conseguiam dos senhores.de-engenho autorização para Jesbravar um
provisórios , já que a qualquer momento poderiam ser expulsos. As pequeno pedaço de mato e estabeJecer uma choupana e um roçado.
rendas de que dispunham empregavam sempre cm negros e em gado Choupann excessivamente pobre , coberta de folhas e onde o ·únicos
11orque eram bens que podiam ser transportados para onde se trans- bens existentes eram esteü-as e panelas de barro. As mulheres { 8 ) co •
ferissem. Analisando o problema, achava o observador francês que os rumavam fazer renda enquanto os homens plantavam alguma mandioca
lnvradores deviam ser protegidos por lei que obrigasse os senhores-de- para prover a alimentação, A caça, abundante na matas , e a pcsc11 ,
• ngenho a arrendar o terrenos baldios com contratos de arrendamento nos rios ou nos manguez-ais se se localizavam próxímos à praia, con-
que durassem nove anos . Assim , os lavradores, garantidos por um tribuíam enormemente para a alimentação. os anos chuvosos em que
prazo longo de arrendamento poderiam fazer na .. áreas que exploravam a produção era maior, costumavam comercializar o excedente do con-

(7) Tollen:tre, L. F., Notas Dominlcafr, pág. 93 a 95.


( 8) Notas Domitticois, pág. 94.
A Terra e o Homem m.1 Nordeste 89
90 Ma.11111!1 Corrl!ia de Andr11de
/]i VA.: e H/B! Bt.lOT ECil O feitor-mor era a segunda autoridade, depois do proprietário, no
sumo e com isto adquirir roupas e alguns utensílios. O foro que pa- engenho; dele recebia ordens às vezes por escrito e as transmitia aos
gavam era, em geral, muito baixo, não necessitando por isto de Iea- outros feitores, o da moenda e os dos partidos. Quando o senhor se
lizar grandes explorações. ausent11 va cabía a ele a administração <lo engenho; seu poder e.ra limi•
A insegi.1rança era uma constante na vida dos moradores! uma v~z tado a~enas pela vontade do titoptietátio, que lhe dava ordeJ1S e podia
que o proprietário, por qualquer motiv<J ou sem nenhum rnouvo, po_d1a dcsped1-lo a qualquer momento. Geralmente cabia ao feitor-mor castigar
expulsá-los das terras que ocupavam. Isto se dava freqüentemente devido os escravos , com cuidado para não torná-los incapazes ou ineficcnte,
a choques de interesses ou a problemas de familia - os senhores-de- para ô traba lho. Era também atribuição sua fiscalizar os escravos contá-
1

-engenho tinham especial predileção por mulheres de moradores ( u) - -,los _todos os dia~ a fim de procúrar os que tugissem, obrigá-los a assistir
provocando até assassi_t1atos. Proprietários havia, que dificiltnen,te safam a mtssa aos domingos e a confessat-se todos os anos e providenciar medi-
de suas propriedades sem guarda-costas, temendo a ação agressiva de ca?1ento pata os 9ue adoecessttn. Cabi;'l-lbe ainda evitar que os escravos
6r1gassem entre si e que faltassem ao trabalho. A fim de que os negros
moradores que haviam expulsado de su-as tetras. Copstituindo uma boa
pareda da população rural, eram esses moradores umil reserva de ~e auto-abastecessem, o feitor-mor obrigava-os -a trabalhar em suas
ro~as nos dias santificados e durante o inverno, quando o cngenl,o estava
mão-de-obra que poderia set utilizada pela agro-indústria do açúcar.
pejado, aos sábados. Com isto os senhores se livravam do ônus de ali-
que não absorvia esta massa humana disponível por preferir o trabalho
mentá-los às suas custas.
escravo ao assalariado. Formava-se, assim, lenta;nence, como que a
espera da extinção do tráfico, uma reserva de mi'io-de-obra de que os Diégues Júnior ( 11 ) afirma que, como esta prática era. feita inicial-
proprietátios disporiam na hora em que os escravos lhes faltassem. mente .no Brasil, sendo daqui levada para as Antilhas, passou a ser
c_onhe:1da como "sistema do Brasil''. À primeira vista parecia uma
No trabalho dos engenhos não havia, porém, somente esc,avos;
hbetalidade do senhor permitir que seus escravos cultivassem nos dias
iio lado destes h,lVi.a a1guns homens livres que por suas habilitações
livres, um pedaço de terra para si; mas, desde que o senhor o; obrigava
ocupavam vários postos administrativos e, digamos também, técnjcos,
- como já fazia o famoso João Fernandes Vieíra , ( 12 ) herói da Restau-
exigidos pela indústria açucareira. Embora dependeates dos enbores-
ração Pernambucana - -a trabalhar em "suas roças" nos dias s-antifi-
-de-engenho, de quem recebiam as ordens e o salário, tinham uma po-
cados, fazendo-os perder o .repouso que a Igreja lhes garantia, e que o
sição de destaque na proprled-ade porque cabia a eles dirigir os negtos
produto deste trabalho era empregado na alimentação do próptio negro,
no trabalho e fabricar e encaixar o açúcar a ser remetido ao mercado
vemos que o chamado "sis tema do Brasil" era uma vantagem p-ara o
consumidor. senhor e não para o escravo. Maiores ainda eram os cuidndo::i do feitor-
Dentre os as~alariados destacava-se, segundo Antonil, ( 10 ) o -mor com a boiada, uma vez que para os bois niío havia tronco e ele~
capelão que no engenho tinha grandes atívidades a exercer e muitos gozariam sempre que possível de um dia de descanso por um de tra-
engenhos dispwiham de capelas paramentadas, conforme reza lev.in- balho.
tamento feito em 1774. Ao i;;apelão cabia a asssitência espir itual e o
ensinamento da douttina o·istã tanto à familia do senhor-de-engenho Os afazeres e as responsabilidades do feitor-mor eram muito nume-
como a dos agregados e aos escravos . Cabia a de rezar missa todos rosos , devendo fiscalizar o estado das construções, cercar os c1maviais 1
defender as m.itas, impedir que os vizinhos inv-adissem a propriedade,
os domingos, ouvir as queixas, dirimir as contendas, aconselhar aos des-
consertar os açudes, levadas e: pontes, fiscalizar a olaria e a desti-
contentes e vl'ganiz-ar as festas religiosas. Se o \/igário não comparecia
lação - casa em que se fabricava a aguardente - limpar ns pastos,
no dia do intcio da safra, da 'botada", cabia ao capelão benzer as
r~~artír e en~aixar o ll?JCar etc . . Por timto serviço e tama nha responsa•
moendas . o que fazia também no término da safra, no dia da "pejada''.
b1lidade o feitor-mor unha a tég1a remuneração de cinqüenta A sessentg
Recebia um ordenado anual de quarenta a cinqüenta mil-réis no início
mil-réis por ano.
do século XVIII, equivalendo, porlanto, à remuneração de um feitor
de moenda, infc.,;.ior, porém, a de um feitor-mot ou a de om mestre
de açúcar. ( 11) Poprdação e Açtícar no Nordeste do Brtlsil, pág. 69 e scg$,
( 12) Gonsalves de Mello, J. A., V111 regit1w1to de fcilor-111or de engettho
nm 1663, págs. 80 a 87, Recife, 19'.iJ.
( 9) To!lc1me, obrll cilada, pág. 96.
{ 10) Obra d tada, pág. 77. 111 ,M11111 ~, C11,reid de A11drt1de-
A Trm.1 e o Homem 110 Norcieste 91
Sob as suas ordens o ft:itot da moenda, que percebia cerca de a retirada do Dízimo, a porção dos lavradores etc. Por este trabalho
quarenta a cinqüenta mil-réis por ano, encarregava-se de pôr a trabalhar percebia de trinta a cinqüenta mil.réis por ano.
as negras que levavam as canas à moenda, atento parG evitar acidentes, Além destes havia os escravos, que etam numerosos, atingindo
e providenciar a lavagem diária da moenda a fim de que o caldo não nos grandes engenhos de 150 a 200 indivíduos , Sua importância era
azeruisse, prejudicando a fabricação do açúcar_ tanta que um cronista colonial . a eles se referindo afirmou: ( 14 )"Os
Os feitores de partidos que gat1havam menos, cerca de tdnta escravos ão as mãos e os pés do senhor-de-engenho, porque sem eles
mil-réis por ano , cuidavam destes, pondo os escravos a trabalhar no no Br asiJ não é possível fazer, conservar e aumentar a fazenda nem ter
plantio_ limpa e corte das canas, fiscalizando ainda as roças. Entre suas engenho corrente," Eles eram encontrados por todos os laclos, tanto
obtigações estava a de estar sempre atento "para que não se pegue o nas Iábri-:as, nos partidos de cana , nas roças, nas olarias, nas serrarias
fogo nos canaviais por descuido dos negros boçais, que às vezes deixam como nas barcas. Todos os anos eram aclquiriJos vários deles para cada
ao vento o tição de fogo, que levarão consigo para usarem no ca- engenho, sendo originários de pontos diversos da costa afrírnna. Uns
chimbo". ( 1 ~) Sempre o fantasma do fogo , do incêndio , a amedrontar etatn fracos , como os oriundo de Cabo Ve1·de e São Tomé. Os de
os senhores-de-engenho que poderiam perder, em um dia, o resultado Angola tinham mais capacidade para os ofícios mecânicos, enquanto
de anos de trabalho . os do Congo eram lnduscriosos e bons para o serviço da aina e da casa.
No cozinhamento do caldo da cana e nil fabricação do ac.,'-Úcar tra- Os mais espertos eram, às vezes, aproveitados para aprender ofícios,
balhavam o mestre-de-açúcar e o soto•mestre ou banqueiro. Permane- tornando-se caldeireiros carpinas , calafates, tacheiros, barqueiros, mari-
ciam durante a safra na casa das C11!dciras, o prímeiro durante o dia nheiros ele.
e o segundo à noite, onde se localizavam as quatro ou cinco tacha · Viviam nas senzalas, em casas pequenas e ligadas umas às outras,
destinadas ao cozinhamcnto do caldo da cana. Deste cozinhamento, constituindo ou não família , mas trabalhando sempre. Homens e mu·
da. maior ou menor intensidade e duração do mesmo, que devia variar lheres eram empregados nas duras foinas do campo e nos trabalhos
conforme o solo e a topografia do local onde fora a cana planrnda, de- da indústria. Apenas no campo, as mulheres não trabalhavam com o
pendia a boa ou má qualidade do açúcar. Cabia a eles providenciar machado; JJO plantio e na limpa do canavial, os escravos eram postos
a colocação do mel açucarado em formas no tendal e daí transferi-lo a trabalhar com o nascer do sol e se recolhiam à senzala à noite, termi-
para a casa de purgar, quando passaria à competência do mestre pur- nando a faina com o pôr do sol. Na colbeita da cana, cabia a cada negro
gador. Os mestres de açúcar petcebiam de cem a cento e vinte mil-réis cortar, por dia, trezentos e dnqücma fe ixes de 12 canas que eram amar-
pot ano, ao passo que o soto-mestte percebia de trinta a quarenta mil- rados por uma escrava. Assim, cada cortador de cana era acompanhado
-réis. na sua faina por uma amarradora. Essa quantidade em o suficiente para
Ao purgador de açúcar cabia administrar a casa de purgar e dirigir a fabricação de uma forma de açúcar.
o processo de purgamento , isto é, de embranquecimento do açúcar, com Uma vez cortada e amarrada, era a c11na transportada para II casa
bat o colocado na parte superior da forma. Além da responsabilidade da moenda e depositada num amplo salão, o "picadeiro". Este ocupava
da obtenção de açúcar de boa qualidade completando a obra do mestre, um lado da casa cm que se colocava a moenda, ficando o outro lado
cabia a ele zelar pelo mel que escorria para os rn.ngues o chamado ocupado por uma alrnanjarra, no engenho a tração animal, ou por
'' mel de furo" que seria a matéria-prima para a fabricação da aguar- uma roda d'água no engenho d'água. Ai tri'\balhavam várias escravas;
dente. Seu salário era bem inferior ao do mestre-de-açúcar, uma vez umas levando a cana do "picadeiro" para junto da moenda, outras,
que só nos grandes engenhos chegava a percebet quarenta mil-réis pot: com grande risco, uma vez que por um descuido podiam ser presas
1rno . e espremidas entre os tambores da moenda, punham a cana na mesma ;
Ao caixeiro cabia encaixat o açúcar após a purga, separnndo-o, uma te(ceira, ainda, fazia passar o bagaço entre os tambores, uma
e;nfortne a qualidade, em branco , macho , batido e mascavado. Após quarta cuidava de consertar e acender as candeias; finalmente uma
o encaixamento devia determinar o barreamento dos cantos das caixas, outra cuidava do "paro!" - tacha em que se acumulava o caldo da

( 13) Antonil, obra citada pág. 84. ( 14) Anronil, obra citada, pág, 91.

A í erra e o Homr:m 110 Nordeste 93 94 Ma11ut:l Correia dt: Andrade


cana que ia para o cozinhamento. Assim, como o engenho moía as 24 4
horas do dia, estas sete escravas necessítavam de outras sete que ·com
elas se revezassem. TRABALHO ESCRAVO E ASSALARIADO NO
SÉCULO XIX
Na e-asa das fornalhas, também chamada de assentamento, traba-
lhavam sempre escriwos doentes um,a vez que acreditavam que o forte
calor a1 t!x ;sreme os curasse, Ao lado destes, os escravos rebeldes,
O século XlX foi um período de grandes U:an fotrnações e.conô-
rn icas, políticas e sociais. Os velhos engenhos que durante três sé-
..:riminosos, mal vistos e perseguidos pelo senhor-do-engenho ou pelo
culos haviam tido urna evolução muito lenta , foram sacudidos por uma
feitor, eram colocados presos em corrente para traba lhar como cal-
série de inovações que melhora.ram a técnica agrícola e transformaram
deireiros e tachelros a fim de purgar sua~ culpas. Além disso, uma
profundamente tanto os ptocessos industri·ais, como os de transporte.
escrava, a "calcanha", limpava e acendia as candeias e t irava a e.5puma
do "_paro.! " o fim de tomar a colocá-la na caldeira. Como as fornalhas
A cana-de-açúcar, que era a senhora absoluta das terras, passou a sofrer
concorrência de outra lavoura de exportação que interessava também
consum iam muita le~1ba, era grande o número de escravos que traba-
aos grandes propl;Íetários - o algodão - . Embora este concorrente
lhavam nas matas , recebendo cada um a tarefo diária de cortar e atrumat
tenha sido vencido na tegião úmida, foi durante alguns anos concor-
umt\ pilha de lenha com sete palmos de altura e oito de largo, o sufi-
rente da economia açucareira.
ciente para a carga de um carto de boi.
Dentre os melhoramentos introduzidos na agro-indústria do açuca r,
Eram os escravos negros que punham o mel cozinhado no tendal salienta•se, nos primeiros anos do século , o uso do arado, i~troduzi~o
e que após três dias transportavam -as formas para a casa de purgar. no século XVIII, mas generalizado no século XIX, e a introduçao
Ai, além do purgadot e do Cll ixeirn, trabalhavam escravos; uns punham o de uma nova variedade de cana, a caiana, trazida da Guiana Frnncesa,
barro sobre a forma de açúcar, outros assistiam ao bakiio de mas- durante o curto período de ocupação deste território por tropas por-
cavar, enquanto outros ainda traziam as formas , tirando delas os pães tuguesas. ( 1 ) Tomando conhecimento. da existência de outras terras
de nçúcar, e amassavam o barrn de purgar. ( 10 ) Ainda trabalhavam onde havia produção de açúcar, os 5enhores-Je-engenho, sobretudo
escravos nos balcões de secar. aqueles que freqüentavam os grandes centros regionais, o Recife e ~al-
Estes escravos levavam vida dura trabalhando seriamente durante vador, passaram a preocupar-se com a introdução de novas técmcas
todo o ano na cultura, na limpa e na colheita da cana, assim como na e de nows variedades de cana , ao r1otarem 'llle, com o tempo, a
fábrica de açúcar. Um dia pot semana , em geral, era dedicado à cultura caiana como acontecera antes à c-rioula, também degenerava e <lecafa de
das lavouras de subsistência . Qualquer reclamação er-a punida com produ~ão. Por isto ainda no século passado, passou-se a cultivar novas
castígo, uma vez que, como informa Antonil, ( 10 ) "no Brasil costumam varied-ades sutgidas' de vatiações espontâneas da cana caiaDa - a "imp<:-
dizer que para o escravo são necessários três P .P.P., a saber, pão , pau e rial" e a "cristalina" - que só seriam suplantadas no período republi-
pano". cano, pela cana "manteiga" ou "Flor de C~~a", ob~ida graças a sel;".;õ:s
e cruzamentos feltos no engenho Cachoeumha, situado no mumc1p10
A alimenrnção constitufda de farinha de mandioca e. carne seca
de Vit6ria, em Pernambuco, pelo seu propríet:ário, Manuel Cavakanti de
cl'a entregue. a cada escravo em uma cuia; além disto recebiam tam-
Albuquerque. ( 2 )
bém ração de mel de furo, alimento dado 1argamente a bois e cavalos.
Com as novas variedades dando o autnento da produtividade, sen•
Assim, vivendo como verdadeiros animais em senzalas infectas, mal tiram os senhores-de-engenho a necessidade de aumentar a produção e
ulhrtentados, sem direitos e sem con forto , foram os escravos, por mais melhorat a qualid~de do produto a fim de, no mercado europeu, concor-
d~ u-ês séculos, o sustentáculo da economia açucareira nordestina. rerem com o açúcar das Antilhas e com o prnduzido na próprla Europa,
gtaças à industrialização da beterraba .

( 1) Pinto, Irir1cu Ferreira, D,uar e Notas para a H ~s16ria da Paraíba,


{15 ) Antoníl, obra citada, págs. 105 .a 181; TollcMrc, ()bfa cita.da, p~gs. tomo I, pág. 190; Kostcr, Hc11ry, Viagem ao Nordeste do Branl, págs. 426, e 428.
,4 " 55. ( 2) Carli, GileJ10 de, Geografia Eco116mica e Social da Cana-de-Açucar 110
( 16) Obra cilada, pJÍg. 94, Brasil, pilgs. 29 e 72.

A Terra e o Homem 110 Nordeste 95 96 Manuel Correia de Aiufrade


Começaram, então, a sentir as in conveniências dus seus engenhos 1865, ( 8 ) nos vales açucareiros da l?arafba nas últimas décadas do
movidos a bois e a éguas, que não só produziam menos que os engenhos
século passado, ( 9 ) enquanto Al-agoas, com condições mais favoráveis
d'água - moíam de. 25 a 30 tarefas por dia contra 30 ou 40 nos que os Estados mais setentrionais, possuía 2 engenhos a vapor já em
engenhós d'ág~a ------:--• como também necessitavam manter uma quantidade
1851 e 5 em 1852. ( 1 º )
enorme de an1ma1s. Esses, que eram facilmente alimentados durante
a safra , quando havia muito cachaça - escuma e sujo re tir;do do caldo Ainda neste período, a cal passou a s1.165tituir a potassa na fabri-
durante o cozinhamento - e muito olho de caria, nos meses de entre- cação do açúcar, as moendas que tinham os seus tambores colocados
-,safra -: de abril a setembro - necessitavam ser retirados para outras em posição vertical, pa saralll a Lê-los em posição borizomal 1 foi feita
areas. (\reas como a região de Bom Jardim .recebiam muito gado da a substituição das formas de barro por formas de madeira e metal e
f~eg~es1a de Tracunhaém durante o inverno, que ia pastar "no verde" generalizou-se o uso do bagaço como combustível, mediante certas
a1 existente, '_apascentado por vaqueiros, pessoas pobres e livres que deste modificações nas fornalhas. ( 11 ) Estes melhoramentos tiveram consi•
trabal_ho retaa~am os magros salários para o seu sustento. ( 3 ) Outras deráveis conseqüências, uma vez que atenuaram a desenfreada destruição
propriedades situadas em freguesias próximas ao litoral costumavam de nossas matas que iam grnd-ativamente sendo transformadas em lenha ,
~-eservar gra~des áreas incultas para apascentar os eqüinos durante o a fim de atender à fome insaciável das casas de caldeiras, e ao mesmo
mverno, enviando os bovinos para as praias a fon de se alimentarem tempo resolveu o senhor-de-engenho o problema da destruição do ba-
c?m o capim que se desenvolvia à sombrn dos coquóros. ( 4 ) Daí ter gaço que se acumulava em torno da casa de moenda no fim da safra.
sido parn estes proprietários uma grande solução o aparecimento dos Na segunda metade do século começaram os engenhos a usar
engenhos a vapor. Apesar das vantagens que apresei1tava , a diHcul• aparelhos capazes de fabricar açúcar branco, libertando-se, assim , do
dade de obtenção de capitais e de créditos e o atraso dominante na rotineiro processo empregado de purgar o açúcar com batro colocado na
mentalidade dos proprietários da época, impediram que este novo tipo parte superior da fotma. Passou-se a tratar , entíio , da instalação dos
de engenho se propagasse rapidamente. Daí ter o primeiro sido insta- engenhos centn1is.
lado em Pernambuco em 1819, e em 1854 , 35 anos depois. existirem
apenas 5 engenhos a vapo.r contra 101 a água e 426 a tração animal. ( 6) Os engenhos centrais seriam maquini~mos po,santes, capazes de
esmagar canas de váríos engenhos bangüês e de fabricar açúcar de
Em 1857, porém , este número ascendera Data l8. Estas estatísticas
não espantam porqpe em 1914, num Lotai de 2.756 engenhos existentes me lhor qualidade e que , de acordo rom os estadistas que os idealizaram ,
em Pe~;,ambuco - _incluindo as engenhocas produtoras de rapadura separariam a atividade agrícola da industrial , Estes engenhos que seriam
montados com garantia da obtenção de juros dos capitais empregados
do sertao - , os movidos a vapor eram -apenas 785, contr~ .329 movidos
a .ígua, 1.182 a tração animal. Apenas 490 engenhos esravai;n de "fogo - g1nanti::1 esta dada pelo Governo - pertenciam a companhias estran·
morto", fomecendo suas canas para as usinas. ( ç) Assim, apenas 28% gei.ras que não poderiam cultivar cana, não usariam o braço esctiwo e,
d~s engenhos eram do primeiro tipo , 19% do segundo, 42% do tet- como iriam receber a matéda, prima de áreas muito amplas, muito mais
ce1ro e 18% do qparto. Como já salientamos em trabalho anterior, ( •) extensas que a de um engenho bangLiê, deveriam construir estradas de
estes melhoramentos eram feitos inicialmente nas áreas em que as con- ferro a fim de que estas substituíssem os rotineiros carros de boi no
dições de clima , solo e relevo eram mais favoráveis à cultura cana- transporte da cana , dos partidos até a fábrka. Os carros de boi se
vieira e, só posteriormente, é que atingi-amas áreas periféricas. Assim, limitariam a levar as can-as dos partidos distantes da esttada de ferro
os engenhos a vapor só surgiram no vale do Ceará-Mirim depois de até os desvios consttuídos à margem da mesma. Era a modern•zação
total da indústria açucateira, o início d-a transformação de uma pai-
sagem relativamente estática já havia crês séculos. Tambbn tratou o
( .3 ) Idéia da População d,' Pernambuco, cit ., pág. }O. fatado, já que garantia o juro do capital empregado pelas companhias
( 4) Ko~ter, Henry, Vi11ge.11s ao Norderle ,lo Brasil, pág. 440. inglesas, francesas e ho]andesas de determinar a localização dos eo•
(5) Diégues Júnior . Manuel, O Bt11rgüé i'm Pernambuco no r&ulo XIX em
'' Revim do Arquivo Público", Anos V!I n X , n.• lX a XII, pág. 23. '
( 81 Andrade , Gilberto Osório de, O Rio Ceará-Mirim , pág. 33.
(6 ) Peres, Apolônio, A lndlÍstria Açucareira cm Pernambuco, pág. JJ ,
(9) Marfa, Celso, Evolução Eco116mica da Paraíba, pág. 78.,
( 7) Audtade, Manuel Correia de, O Vale do Sírijí (Um estudo de Geo•
wa/in Regional) , pág. 57. (10) Diégues Júnior, Manucl, O B1mgii€ nas Alagoar, pág. 92 ,
{11) Perez, Apolônio, A Indústria Açuct1refra em Pernambuco, p.íg. 57.
A Terra e o Homem no Nordeste 97
98 Manuel Correia dt! Andrade
genhos centrais, a fim de que cada um tivesse a sua zona cie influência Os coqueirais, respeitando o imperialismo da cana, confina:am-se
que um não disputasse as canas dos outros . Apesar dos tropeços sur'. à estr'e ita faixa litorânea, dando ma~gem a que se desenv?lv_esse_, al, u~a
gLdos, ao ser decretada a Lei Aurca a 13 de maio de 1888 já havia sociedade pobre, democrática, que nenhuma sombra fazm a anstCJcracia
em foncionamento uma sétie de engenhos centrais: o Ce~ltral Siio dos canaviais; pois, como testemunhou o -argut? Koster, ( 10 } numa
João, fundado nesse ano na várzea do Paraiba ( 12 ) o Santo Inácio época de divisão de classes bem acentuada, é smgular q1:1e houv:sse
Cuiambuca, Firmeza e Bom Gosto , instalado;; ~m 1 884 em Pernam'. povoações como a de Gam~oa, em que a pessoa de maior constde~
buco, enqua nto, em Alagoas, datam da última década do século os ração e presrtgio d-a Comunidade foss: u~ homem pobre e de co~,
enªenhos Centra:s de B:?s!ldta, no Val e do Paraíba do Meio, do Utinga e saliente-se, um homem de cor que nao dispunha, como ou.tros, enn-
L_eao, !1,º Mundau, e º . Sm1mbu, no pequeno Vale do Jiquiá, e, em Ser- '
quetidos, de "cartas de brancurá '' em seu f avor.
gipe, Ja em 1888 se mstalava no município de Riachuelo o primeiro Esta faixa c~m paisagem car~cterística se estendia tanto na,s P;,a-
engenho central. ( 13) xLmídades do Recife, pelas freguesias de Mamangu~pe e Itamarac,a, ( )
. ~stes engenhos centrais seríam, porém 1 apesar da aplicação de como nos pontos mais distantes, emol~urando º. litoral da P_arn1ba, do
cap1ta1s estrangeiro~, um sério f~acasso; a maioria deles não moeu mais Rio Gl'ande do Norte, de Alagoas, Se1:g1pe e Bahia. O co91:e.1r_o, apes~r
de um ano. Esse fracasso deu margem ao aparecímento da usina e à de levar seis a sete anos para começar a produzir, não exigia mdus,tna-
transformação de alguns engenhos centrais em usinas mantendo-se lização local com maqui.nismos de preço~ eleva~~s coi_no -a cana-de-a_çuc~r,
assim, a atividade agrícola e a industrial em uma s6 dião. ' permitindo O fracionamento d~ pro~rted~d~ J~ assmalada na primeira
A estes aperfeiç-oamentos também se juntaria a preocupação do metade do século XIX. Tambem nao e1ugm limpas co~stantes , ? que
go~erno com a construção de estradas, a princípio de rodagem e, _pos- equivalia a ocupar poucos braços, e, d.ando 5 safras ~nua1s, forn 7c1a aos
tenormenre, de ferro, que partindo do Recife se dirigiam parn o interior, propi"ietários uma renda quase permanente , Além disso~ coqueiral for-
para as zonas produtoras de açúcar e de algodão. As primeiras tiveram necia, fora O fruto, o ttonco e as folhas usadas na corifecçao das palhoças.
seu _traçado pl-anejado pelo famoso engenheiro francês L. Vauthier, que Mas até aí chegava a tirania da cana , uma vez qae o gado dos engenhos
aqw esteve por vários anos -a serviço da Província, ( 1 ~ ) e. as segundas invernava à sombra dos coqueirais aproveitando as gramíneas que ai se
foram construídas a patti.t de 1858. ( 1 " ) desenvolviam.
Essas estradas iriam livrar os engenhos distantes do litoral dos A mandioca, o feijão e as fruteiras largamente consumidas pot
tropeços de lo.n.gas viagens até os pequenos portos de mar e do res- ricos e pobres nunca fizeta1n sombra à cana-de-açúcar. ~?ntentararo-se
pectivo transbordo do açúcar para as barcaças que demandariam o Re- sempre com a posição de vanguardeiros do avanço can-av1e1ro, ocupa~_do
cife. Iriam também provocar a decadência de cidades situadas nos áreas desmatadas e distantes à espera da chegada da cana , e nas reg1oes
fundos dos estuários, que por serem portos t.inham uma desenvolvida mais povoadas se limitavam a ocupar os ~olos que à cana não interes-
função comercial, como Mamanguape, Goiana , Rio Formoso, Po.tto savam. Constituíam a peqllcna lavoura feita por escravos e rnoradotes
Calvo, Alagoas, Valença, Camamu etc. para o auto-abastecimento e venda da sobra, e por senhores-d~-engenho
e lavradores às vezes, apenas para o consumo de suas fomili-as e seus
A conco_trênda do algo?ão constítuiu também sério problema para dependentes '. Sintomático é que ainda hoje, na região da Mata e do
a cana-de-açucar que, considerada até então como cultura imperia l, Litoral Oriental a fabricação de farinha se f.aça pelos mesmos processos·
apossara-se das terras, conquistata as várzeas de massapê e as gretas da época colonial; a descrição de uma "ca~a d~ _farinha" feita por
de barro vermelho, destruíra as maras, afugemara os animais e s6 Nieuhof, ( 1B) em pie.no domínio holandês, 1deot1(1ca·a com -as cas~s
permitia que outras lavouras se desenvolvessem, qual vassalas, nas de fatinha existentes nas "gretas" e nas " chãs" dos nossos atuais
áreas em que ela não podia, nas condições da época , medrar. engenhos. Enquanto a fabricação do {lçúcar evoluiu desde o engenho

(l2) A~:itade, ?i!berto O~ório de, O Rio Paraíba do Norte, pág. 115.
( 1.3) D1tgues J~n1or, Mam1el, O Ban:1ti nas Alagoas, págs. 112-3, (16) Koster, Henry, Vi1.1ge11.r ao No fdeste do Br.a;il. pág. 346._ .
( 17) Kidder, Dnniel P ., Remi11isc~11cias de viagens e perrna11~11cra no Brim!
(14) F~eyre, Gtlbetto, Um Erigimbâro Franc,fr no Brasil, p:tgs. 178 e segs.
( 15) Pinto, Estêvfo, Hist6ri.à de #ma Estrada de Ferro do Nordeste, (Províncias do Norte), pág. 109. . .
p,ig. 62. ( 18) ieuhof, Joan, MemorJ.vel Viagem Marítima e Terrestre ao Braiil,
pág. ,284.
A Terr.z e a Homem 110 Nordeste 99
IIIO M111mel Correia de Atzdrade
de bois até as grande~ usinas que moem anualmente mais de 500.000 região úmida, logo se propagou para o Agreste e o Sertão como que
sacos de açúcar, a casa de farinha continua muitas vezes a ser movida repelida pela cana e pelo clima. Mas, se nas épocas de baixa do preço
a força humana. Apesar de sua importância, foi uma cultura relegada o algodão recuava para o Agreste, deixando a Mata livre para a cana,
a um plano secundário, sempre desprovida de proteção e sempre des- quando subia o preço ou quando havia crise na indústria açucateira, a
cuidada a ponto de a sua falta ter sido freqüentemente assinalada em cultura do algodot:iro avançava em díl·eção ao litoral. Sendo cultura
toda a hist6ria nordestina, falta que estava a dificultar e a piorar cada de ciclo vegetativo curto e produto industriaJizado por comerciantes
vez mais o regime:: alimentar, por si já deficiente, de moradores e es- estabelecidos em vílas e povoações, às vezes, até, em engenhos e usinas
cravos. - como ocorreu em Serra Grande, em Alagoas, na primdra metade do
O gado foi sempre um servo da cana; ocupava áreas pioneiras à século XX - por bolnndeiras e descaroçadorcs, o algodão conquis-
sua espera e cada vez se distanciava mais do litoral, tendo, conseqüen- tava a preferência de ricos e pobres, de senhores-de-engenho e lavra-
temente, que ir alongando cada vez mais as suas caminhadas para chegar dores.
aos centros de consumo. Foi ele que desbravou e ocupou os vales Cultura fádl , barata, democrática, deixava-se associar à fava, ao
fluviai distantes de Olinda, fixando-se, ao Sul , no Vale do São Francisco feijão e ao milho , fornecendo o roçado ao pequeno agricultor, a um
e nos campos de Sergipe e, ao Norte, nos tabuleiros da Paraíba e do Rio s6 tempo, tanto produto para a venda como alimentos. O seu curto
Grande do Norte. Não fosse a pecuária e os tabuleiros se teriam tor- ciclo vegetativo requeria apenas poucas limpas ou capinas; conseqüen-
nado verdadeiros vazios demográficos e econômicos entre as áreas úmi- temente, não ocupava braços durante t0do o ano como ocorria com o
das e férteis das várzeas . açúcar. Não bavia, assim, vantagem em adquirir escravos II preços ele-
A cana o expulsav-a sempre para o interior, tanto que a feira de vados para que eles trabalhassem apenas durante algum tempo, ficando
lgaraçu, ao Norte do Recife, teve de ser transferida para Goiana, depois inativos vários meses, sem produzir e consumindo alimentos. Daí a
para Pedras de Fogo e 1 fihaJmente, para Itabaiana, já no Agreste, ( 10 ) cultura do algodoeiro na segunda metade do século XIX quase não
ond.- permaneceu até o nossos dias. usar o trabalho escravo, sendo preferível pagar a moradores as fainas
Ma com o algodão o problema foi diferente: ele enfrentou a cana agrícolas , mesmo quando a procur-a de braços se tornou grande e a
e não foi apenas lavoura de pobre, como afirmou Gileno de Carli, ( 20 ) mão-de-obra, insuficiente provocou a ascensão dos salários até mil-réis
mas também lavoura de rico , como, teferindo-se à Paraíba, assegurou diários. Os salários 11-ltos, ma pagos cada dia, eram mais vantajosos
Celso Mariz. ( 21 ) que a aquisição de escravos, quando essa aquisição era difícil e represen-
tava uma grande inversão de capitais . Produto leve, o algodão era
A cultura algodoeira, feita no Nordeste desde o inicio da coloni-
facilmente colhido por mulheres e crianças; daí uma série de vantagens
zação, teve uma fase de estagn'<lçã~ durante o século XVII e a primeira
p arva enfrentar a cana nas ocasiões em que o mel'cado europeu necessi-
metade do século XVIII. Desenvolveu-se, depois, em função da fabri-
cação de tecidos ordinários usados na vestimenta dos escravos e, mais tava de algodão. Koster, nas primeíras décadas do século XIX, encon-
ninda, cm conseqüência da revolução tndustrial, com o desenvolvimenco trou até ricos senhores-de-engenhoi como o de Cunbaú, representante de
da indústria têxti l que então se processava na Inglaterra. Portugal, como uma das maís nobres estirpes de Pernambuco - a dos Albuquerque
usufrutuário de nossas 1·iquezas, ganbando somas enormes como inter- Maranhão - cuhivando-o em seus domínios, ao lado da cana-de-açúcar
mediário entre o Bra. il e a Inglaterra , estimulou a cultura deste produto e da pecuária. ( 2 :1 ) Grande expansão teve a cultura algodoeira durante
e criou em 1751 uma estação de Inspecção do Algodão e, logo após , a guerra de Secessão, quando os E. U. A . não podiam atender ao mer-
uma Alfândega do Algodao. ( 22 ) A sua cultura, que se iniciara na cado europeu , Nessa ocasião o algodão avançou pelo Vale do Paraíba,
dividiu com a cana as terras drenadas pelo Mamanguape e possibilitou
o devassamento dos intetflúvios do Siriji com o Tracunhaém, ao Norte
( 19) Joffily, lrincu, Notas sobre a Paraíba, pág. 144. Je Pernambuco. Nessas regiões ele não só disputou terras à cana,
( 20) Carli, Gileno de, Geografia Econômica e Social da Ca11a-de-Aç-rirnr no
Dl'llril, pág. l5. como tornou os engenhos empresas híbridas, uma vez que rnantinnam
(21) Mariz, Celso, Evol11ção Econõmica da Paralba, pág. 4L
( 22) Pereira da Costa, F. A., Anais Pernambucanos, vol. VI, pág. 83; e
() Algodão em Pernambuco ( Vista hisrórico-retrospcdiva) , pág. 11. (23) Kosrer, Henry, obr11 citadt1, pág. 103.

A Terra e o Homem no Nordeste 101 102 Manuel Corri:ia di: A11drade


junto às suas "moitas" descaroçadores de algodão. ( 2 ·1 ) Muitos mora- observar o mercado de escravos onde os negros de ambos os sexos, de
dor~s pobres - :irnlatos, caboclos, ou mesmo negros - enriqueceram todas a~ idades e vários cipos fisionômicos eram vendidos apenas com
~ult1vando algodao e ascenderam socialmente; foram os chamados uma tanga, expostos aos olhares de possíveis compradores ou de sim-
brancos do algodão". ples cudosos. O preço de um escravo era basta!lte elevado, pois custava
Mas não foi só :\Í que se travou o duelo açücar-algodão; também cerca de 900 francos , enquanto um boj custava, ge.rnlrnentc , 200 francos
em Alago~s e Sergipe ele se fe:.1 selltir corn toda a intensidade. Em e um cavalo, 70 francos. Assim, em média, um escravo valia cerca de 4
Alagoas, por exemplo, apesar de sua cultura achar-se em decadência, bois ou 13 cavalos. esses mercados ele era vendido aos senhores-de-
os algodoais têm importânci.a econômica ainda hoje em municípios da -engenho , que o levavam para as suas propriedades. No Sul de Pernam-
Mat~ como ~ão José <la Laje e União. No século passado nãô só pro- buco e no Recôncavo da Bahia, upesar da existência de muitas cerras
gredUJ de maos dadas com o açúcar, uma vez que o senhor-de-engenho inaproveitadas, estavam localizados os engenhos mais ricos, era a área
se ?edicava a uma e outta culturá, como chegou mesmo, em certos mais favorável à cultura canavieira. Os grandes engenhos djspunham ,
penodos, a suplantar o açúcar, como ensina o h istoríador-sociólogo em geral, no começo do século, de mais de 100, às vezes, até, de 150 a
Diégues Júni?r. _( 2 n) Teve também grande ímportância em Sergipe, 200 escravos. Apesar da existência de grande número de moradores,
embora o i:,rtn;ipal ptoduto fosse, em 1848, nos meados do século, os ~enbores niio recorriam com freqüência ao trabalho assalariado; limi-
portanto, o açucar, como se pode observar da análise de depoimen o tavam-se a receber a pequena renda que atbittavam pela morada e cul -
conte1:11porâneo, ( 26 ) pois havia, então, nessa pequena província, cerca tura de cada morador,
de seJscentos engenhos que produziam 20 míl caixas de 50 arrobas Já ao Norte do Recife, eram raros os senhores-de-engenho ricos que
de açúcar cada ano. possuíam numerosa escravaria e s6lidos sobrados; por isto, ao lado
O café, introduzido na região no início do século não foria de algumas dezenas de escravos, costumavam contratar trabalhadores
séria concorrência à cana-de-açúcar na região da Mata , p~is ocuparia assalariados - índios semicivilizados, mulatos e negros livres - . O
próprío Henry Koster, como senhor-de-engenho em Jaguaribe, 1<11 época
~pena~ ~s encostas da Borbo.rema e só iria disputar terras à gramínea
de. maior trabalho, geralmente de plantio ou de colheita da cana, fez
1mpern1.li;ta, no Agreste, nas regiões de brejos. Como produto de
longas viagens a Goiana e Paraíba , com o fico de assalariar índí.genas
e~pottaçao, como grande lavoura, ele iria transformar as paisagem agres-
para as suas plantações. ~ 2 ) !-avia também terras de írmandades reli-
trnas, fazer com que essa região povoada com vista:; ho abastecimento
giosas que eram arrendadas a peguenos agricultores que as cultivavam
d? mercado interno - criação de g-ado - dirigisse mais ainda as suas
com lavouras de subsisrtncia, visando ao abastecimento interno.
vistas para o mercado externo, pa.ra onde se inclinara desde o surto
algodoeiro. Era freqüente, nessa região, os senhores-de-engenho, por não po-
Quanto -ao problema da mão-de-obra, o p eríodo que ora esrudarnos derem adquirir escrnvos devido a seu alto custo, para suprir a neces-
é aquele em que se travou séria batafüa entre o traball o escravo e o sidade de braços, facilitatem o estabdecimento de moradores em suas
a.ssa lariado. teJ:ras, com a obrigação de ttabalhai:em para II fazenda. Esses trabalha-
dores tinbarn permissão para dertubar trechos de matas, levantar chou-
Na primeira metade do século dominava ainda o trabalho escravo panas de bano ou de palha, fazer pequeno roçado e dar dois ou t.rês
e o tráfico com a costa africana era feito com grande intensidade. dias de trabalho semanal por baixo preço, ou gratuito, ao senhor-de-
Tollenare, que esteve no Recife em 1617, ( 2T) teve oportunidade de
-engenho.
Surgiu, assim , aquilo que se chamou ''moradores de condição",
( 24) A respeito escreveram Andrade, Gilberto Osório de, O Rio Paraíba constituindo grande parcela dos trabalhadores do campo na segunda
~o Norte, págs. 10~ e 106; Andrade, Manuel Correia de, O Vale do Siriji (Um metade do século passado e até os no. sos dias. Esses moradores pro•
1/udo de, Geog1·af1a Reg1?11al) , pág. 62; Mad~, Celso, Evolução Eco11ômica da curavam colocar-se sob a tutela do senhor-de-engenho; naqueh1 época,
l 1m1lha, pag. 22_; PJnto, IrJneu , D11tns e Notas para a Hüt6ria da Paraíba, tomo
li , prig, 210; Ltra Tavares, A Paraíba, págs , 539, 543 e 603-4. no interiol' nordestino, não se gozava de nenhuma garantia governa,
(25 ) Ba,,güê rm Alagoas, pág~. 87-8 , mental. Os senhores-de-engenho, embora as doações de terrn se fizcs-
( 26) Co.sta Pereira. Jo,é Saturnino, Apontamentos para a formação de um
rM,•lro ,la; Costas do Brasil, pág. 118.
( 27} Obra cítada, págs. 22-3. (28} Obr/1 cítada, pág. 290.

A Terra e o Homem no Nordeste 10J 104 M,mu,•I Í.órre,a de Andrade


sem, então, em porções bem menores que na época de Duarte Coelho, cafezais do Sul, qu1: estavam em frança fast! _expan~iva, dimin uía o
quando as sesmarias podiam ter dimensões ilimitadas - passaram a ter número de esaavos e os trabalhadores assalar1ados iam aumentando
a extensão máxima de quatro léguas de comprido por urna de largo a sua contribuição na produção da indústria açucareira. ( 3 i) Certos
em 1695,(2'') reduzidas para três de comprido por uma de largo em ofícios como os de pedreiro, carpina, oleiro, tanoeiro etc., ao Norte
1729, e passaram a ser de uma légua em quadro no século XIX ( 30 ) do Recife, eram exercidos por homens livres que muit~s vezes reskliam
- detinham grandes latifúndios e em suas terras eram senhores abso- em vilas, cidades e povoações. Este foto que se observava ao orte
lutos. Os desordeíro~ e ladrões de animais agiam abertamente na região de Pernambuco era ainda mais sentido no Río Gtande do Norte e
açucareira, criando uma situação incerta para a população. Alguns na Paraíba onde era menor o número de escravos , mas se dava de
deles, como Antônio Bernattlo e o Cabeleira, ficaram famosos e vivem forma miü; atenuada ao Sul do Redfe, em Alagoo.s e Sergipe. Tanto
ainda no cancioneiro popular. Daí os moradores pobres procurarem que, vísirondo este Estado em 1859, Ro~ert _Avé-Lallernant depar~u
colocar-se sob a proteção destes potentados, recebendo deles amparo com st1a grande área açucarcira - a Cotmgu1ba - com a produçao
e um lugar onde morar. Os senhores-de-engenho, por outro lado, ocupa- em derndência, devido à falta de braços, à diminuição do número de
vam assim melhot as suas terras, díspunham de braços parn as lnvoui:as escravos provocada tanto pelas causas anteriores, como e.m conseqüência
e de pessoas que os acompanhassem nas lutas contm vizinhos. Se do surto de c:ólera-mórbus que grassava na região em 1855 e 1856. (:ia)
um morador era preso por alguma falta, o seu patrão co11sidetava-se
diminuído em sua autoridade, desprestigiado, e procurava libertá-lo. Na realidade, não era grande a percentagem de escravos na popu•
Ainda hoje, raro é o proprietário que não se sente diminuído se um lação dos Estados nordestinos dos meados pata os fins do século pas-
morador seu for desarmado pela autoridade poücial. Para reter os sado. Assim, no Rio Grande do Norte o número de escravos nunca
moradores, costumavam os senhores-de-engenho emprestar pequenas foi muito elevado. Como depõe Câmara Cascudo, ( 3 ~) nunrn o Estado
quantias aos mesmos, só permitindo que os devedores deixassem a sua teve importação direta de negws africanos, sendo os escravos daí adqui-
propriedade quando o débito fosse saldado. O próprio Koster perseguiu ridos em Pernambuco; como o ciclo do açúcar chegou retardado à terra
um morado.r que tentou deixar o engenho Amparo, de sua propriedade, pot.iguat, os escravos do Rio Grande do Norte não chegantm a cons-
sem saldar os seus débitos. ( :u) Este hábim, de uso generalizado cm tituír uma grande percentagem da população, pois em 1805 compreen-
grandes áreas nordestinas, apesar da nossa legislação proibir a prisão diam apenas 16,.3% do total dos 11abitantes da então Capitania. O
por dívidas, é em parte tolerado pelo art. 1.230 do Código Civil, quan- número de escravos subiu à proporção que aumentou a produçao de
do este dispõe. que o locatário de serviços agrícolas é responsável pelo a~úcar; assim, em 18.35i havia na província 10.240 escravos, conti-
pagamento dos débitos do locador com o locatário anterior. nuando o número a ascender até 1870. O avanço da cultura do algodiío
Os mor-adores viviam em choupanas e na maior pobrezaj dispondo e a grande seca de 1877 arruinando muitos proprietários, determinou a
apenas de esteiras e panelas de barro, mas andavam sempre armados venda de grande quantidade de. escravos para o Sul, 11 ponto de em
de uma foca chamada localmente de "peixeira" e de uso proibido pelas 1884 restarem apenas 7 .623 cativos em toda a Província . Comparapd?·
autoridades. A povoação de Pasmado, localizada entre lgaraçu e -se com a Bahia, em 1854, observa-se 4uc, enqu.into ness0. província
Goiana, era famosa pela fabricação deste tipo de arma. Getalmente hav ia 1.200 engenhos com 70.000 escravos, no Rio Grande havia ape-
eles vigiavam as matas, "almocrevavam", isto é, transportavam o açúcar
nas 144 engenhos e 1.508 escravos, isto é, 10 escravos para c11da
n, cavalos para os portos ou para as estações de estrada de ferro
e tll.mbém patticipavam com os esctavos do trabalho no eito.
enoenho contra 58 para cada engenho na Bahia. Segundo argumentava
o Presid~nte Passos, tinha a Bahia oito vezes mais engenhos e quarenta
Com as rest.riç6es ao tráfico e sua posterior 1:1bolição, a lei do
v 'IH.te livre e a venda de grande parte da população escrava para os
( 32) Millet, Henriqm: Augusto, O Q11ebra Kilo, e a Crise da L:n.1ot1tt1,
pág. 35,
( 29 l Diégues Júnior, Manuel, População e Propríedade da Terra no Bralil, (33) Avé-1'..alJemam, Robert, Viagem pelo I orte do Brasil 110 a~w de 1859.
r11IRs., 19.20.
vol. I , pág . .337; Pereira Rego, Dr. José, Memóría Histórica das Epidermas qt/t!
(JO) Carli,. Gileno de, Geogra/ía Econômica e Socitil da Cana-dc-Aç,lcar no
nmil, págs . .32-J. têm reirit1do rio Brasil, pág. 1,235.
(31) Obra citada. págs. 221 a 223. (34} Cascudo, Luí.s da Cil.mara, Hift6ria do Rio Grande do Norte, pdgs.
45 :1 48.
A Terra e o Homem no Nordeitc 105
-106 M,muel Correia ele Amlrade
e seis vezes mais escravos que o Rio Grande do Norte. ( 3 ~ ) Nos mea- arroba ( 15 quilos). Achava ele, por isto, que o lucro líquido dado pelos
dos do século era comum haver senhmes-de-engenho, de pequenos engenhos não compensava o custo da produção ( 3 ~) do açúcar.
engenhos, é claro, que mantinham sua propriedade com 4 Oú 5 escravos Em Alagoas a situação era diversa da dos Estados setencri;nais.
e 20 -ou 30 trabalhadores livres. Estes, além de ficarem na mais rigo- desde que, ainda em 1871, os escravos deviam constituir menos de
rosa dependência do senl1or, ganhavam salários já então baixíssimos, 16% da população total da Provinda, pois, segundo os cálculos de T.
em torno de 400 réis diários. Tanto que, ao se.r aprovada a Lei Áurea, Espíndola, ( 4 0 ) seriam 48 .816 indivíduos numa população total de
havia no Rio Grande do Nor te apenas 482 escravo~, a t ransição para 310.585 habitantes . Também aí, à proporção que o número de escravos
o trabalho livre já havia sido feita. dimim1fa devido à abolição do tráfico, à lei do ventre livre, à venda de
Na l\1.roíba o quadro niio era diferente; grande era o número de escravos para o Sul e às medidas de alforria cada vez mais numerosas
Ltabalhadores livres que ganhavam de 400 a 600 réis diários, e a esta depois de 1879, não deve ter a abolição trnzido gl"andes transtornos à
massa se juntaram os antigos cativos após a abolição. ( 86 } economia açucateira. :É verdade que o Noi;deste não recebeu, como
Na realidade, na Paraíba nunca houve grande percentagem de São Paufo 1 imigrantes europeus, e que estes não se adaptariam às
escravos na população, uma vez que eram 16 ,3 % ( 20. 000 escravos em condições sub-humanas de trabalho aqui existentes, mas não havia aqui
122.407 habitantes) em 1825 e apena~ 5, 7% ( isto é, 21 .526 escravos uma cultura em expansão, sequiosa de braços, como o café, e havia
para 377.226 habitantes) em 1872. ( 87 ) aquela formidável reserva de mão-de-obra .representada pelos mora-
Em Pernambuco, mesmo, sobretudo ao Norte, na "mata seai", dores que, devido às suas ínfimas condições de vida, à sua ignorância
o trabalho assalariado era , na segunda metade do século XIX, de uso e às condições de trabalho então existentes, facilm ente seria absorvida,
generalizado. Henrique Millet, profundamente preocupado com os como o foi pela agro-indústria do açúcar. Também o escxavo que se viu
nossos problemas, afirmou ( 38 ) que a supressão do tráfico não nos liberto de uma hora para outra, sem nenhuma ajuda, sem terras para
trouxe prejufzo, uma vez que a produção aumentou depois de 1855. cultivar, sem assistência dos governos, sentiu que a liberdade adquirida.
Salientou ainda que as lavouras de algodão eram feítas quase inteira- se constituía apena~ no direito de trocar de senhor na hora que lhe
mente por assalariados, assim como "mais da metade da lavoura da apro~vesse. Transf?rmou-se em assalariado 1 em "morador de condição",
cana-de-açúcar, pela proporção cada vez mais importante que reptesen- continuando a habitat choupanas de palha ou senzalas, a comer carne.
tava, na safra dos engenhos , o quinhão devido aos plantadores livres seca com farinha de mandioca e a trabalhar no eito de sol a sol por
isto é, ao sistema de parceria". Só certos trabalhos mais pesados, com; um saládo que oscilava entre 400 e 600 réis. { 41 ) O salário do tra-
o corte, transporte e manipulação das canas, contínuavam a ser feitos balhador rural sofrera séria redução após o término da guerra de Seces-
quase unicamente por escravos. são, quando os Estados Unidos teconquistararo o mercado europeu,
expulsando do mesmo o nosso algodão. Sem mercado, sem podet
O próprio Millet admitia, eh1 torno de 1875, que afastados os exportar, o preço do algodão caiu, sua cultura foi se reduzindo cada vez
grandes engenhos que produziam mais de 5.000 pães de açúcar por ano
mais e rnilliares de trabalhadores se viram sem tet o que fazer. Aumen-
- o pão de açúcar pesava em média 75 kg - outros, num conjunto
tando a mao-de-obra disponível, os proprietários rebaixaram os salários
de perto de 2 .000 engenhos de P ernambuco e capitanias vizinhas,
numa proporção de 40 a 60% dos pagos durante o rmh algodoeiro .
cujo açúcar era comercializado no Recife, cl.i:;punham em 111t:dia de
Achamos mesmo que a crise do açúcar posterior à abolição resultou
4 a 12 escravos em cada engenho, número bast ante modesto, e que
mais da falta de mercado externo, devido à concorrência do açúcar
JiRgavam , então, salários muito altos aos trabalhadores livre - de SOO
de beterraba europeu e do aç.'icar antilhano , do que da libettação dos
u 1.000 réis diários - caso comparassem estes s:ilários com o preço
e~cravos. Esta foi feita 11-a. hora em que as condições econômicas e
do açúcar que, entre 1872 e 1875, osdlou entre 1.600 e 2.200 réis a

(39) Millet, Henrique Augusto. O Quebra-Kilos e t1 Críst ela Lavoura


(J5 ) Cascudo, Lu(~ da Omlltll, Hisiórid do Rio Gra11de do Norte, págs. pág. vn, J e segs. ,
1f!R. 189: Andra~e, Gilberto Os6rio de, O Rio Ceará-Mifim, págs. 28-9.
(>6) Mam:, Celso, Evolução Econ/Jmir:a da Paraiba, pág. 37-8. ( 4Q) Espíndola, Dr. Thom~z do Bom Fim, Geografia Alagoa,ia ou Des-
(J7) Almeida, Jo é Américo de, A Paraíba e seus Problemas, págs. 208-9. cripçiio Physica, Política e Histórica da Prervfncía das Aldgoas, pág . 97.
( J8) Au:,;ilío à Lavoura e Crédito Reol. Tipogr~fi.a do "Jornal do Rccife", ( 41) Carli , Gileno de, Geografia Eco11ómic11 e Social da Ca11a-de-Apfo1r
no Brasil, pág. 49.
111 " ' }J,
A Term e o Homem no Noràesle 107 1OR Manuel Correia d~ h1drade
ociais estavam a exígir tal medida, que nao foi progressista, uma vez
tendo encerrado as suas atividades industriais poucos anos após a
que ao escravo libe1·to não deu qualquer perspectiva de uma boa colo-
instalação. Também raros foram os fundadores de usinas que se man-
cação para seu trabalho. A Jibetdade de ir e vir, de não ser proprie-
tiveram como proprietários das mesmas. A maioria, sem dispor de
dade de um senhor, foi a únka conquista que o escravo conseguiu
capital , endividou-se, e teve de se desfazer da usina passando a indús•
com a Lei Áurea.
tria a terceiros. Daí, se examinarmos a relação das usinas fundadas
neste pedodo, observaremos que muitas delas - cerc-a de 24 - não
existem mais, estão, como os velhos bangüês, "de fogo morto" ' , tribu-
5 tárias de outra~ guc rjveram melhor sorte.
O DESE VOLVIMENTO DAS USINAS E A E te surto usineiro foi olhado com grande simpatia pelo governo
PROLETARIZAÇÃO DO TRABALHADOR RURAL estadu11l, sobretudo na administração de Barbosa Lima, que foi muito
generoso na concessão de empréstimos à nova tndústria, empréstimos
O engenhos centrais da nona década do século passado consti- estes que eram condicionados à utilização pública das estradas de ferro
tuíram um fracasso na rentativa de modernização do nosso parque que se construíssem e a outras dáusulas que tentavam evitar fosse o
açuc~r~iro, e fize_ram ir po~ terra ? sonho do Barão de Lucena de separar dinheiro púbJic:o b~ndidar apenas os proprienírios, Também con-
a at1v1dade agr1cola da 1ndustrrnl. As companhias estrangeiras que tribuiu parn o surto usineiro a grande elevação do preço do açúcar na
montaram os engenhos centrais não estavam, atrnvés de seus técnicos década de 1890-1900, uma vez que o tipo cristal chegou a valer quase
identificadas com as condições naturaís t: econômicas do meio nordes'. 10 cruzeiros antjgos por arroba ( 15 quilos). Essa euforia se estendt:-
tino, a maquinaria era de má qualidade e insuficiente ( 1 ) e os forne- ria até 1901 , quando uma crise atingiu a lavoura caoavieira, pois a
cedores da matéria-prima nem sempre cumpriam as cláusulas contra- arroba de açúcar branco teve ~ cotação baixada para menos de
tuais, impedindo que a atividade industrial atingisse a sua plenitude. Cr 4,00. ( ~) Com esta crise que se estenderia, praticamente, até a
primeira Grande Guerra ( 1914-1918). o surto de fundação de usinas
_A melhoria da indústria açucareira era porém, um imperativo eco- foi bastante am:1inado , embora não tivesse sído , de forma alguma,
nôm1co. O açúcar bruto de jnferior qualidade produzido pelos engenhos
paralisado.
bangüês, não podia competir no mercado internacional, e muitos pro-
prietários já vinham procurando, desde 1870, aperfeiçoaQ as suas Nesta fase , outros Esti1do. nordes tinos tiveram também as suas
instalações industriais a fim de produzir um açúcar de melhor qua- primeiras usinas , quer fund11.das por antigos senhores-de-engenho, quer
lidade. Daí surgiu a usina , que consistia na instalação da moderna resultantes da transformação em usinas, dos primitivos engenhos cen-
fábrica de açúcar em terras do antigo bangüê e às custas de seu pro- traís , uma vez que estes passaram a adquirir terras e a cultivar canas.
prietário; quase sempre de proprietário mais rico, às vezes possuidor ~ o caso da Central São João, no Va le do Paraíba, única usina deste
de vários engenhos, mais esclarecido , e de espírito empreendedor. Estado no século XIX. Em Alagoas, onde as condjções ecológica
As duas últimas décadas do século XIX foram o período em que eram , nos vales do Paraíba do Meio e do Mundaú, quase tão favo-
a usina sofreu o seu impulso inicial em Pernambuco, Estado líder da ráveis quanto no Sul de Pernambuco, surgiu a primeíra usina -
produção açucarei_ra no Nordeste, uma vez que ai surgiram, entre 1885 a Brasileiro - em 1890, fundada pelo Barão de Vardesmert. Três anos
e 1900, cerca de 49 usinas. ( 2 ) A instalação, porém, era feita sem depois e-ra instalada a Leão, no baixo Mundaú, e a Sinimbu, no pequeno
o estudo prévio das condições existentes, sem a análise das áreas de Vale do Jíquiá, ( 4 ) Sergipe: também teve suas primeiras usinas naquele
influência que caberiam a cada usina e, muitas ve-.les, freqüentemente século. Só o Rio Grande do Norte iniciaria o século XX ligado na
mesmo, eram instaladas por pessoas ou firmas que não dispunham produção açucareira apc:nas aos velhos bangüês.
de capital necessário à movlmentação de uma grande indústria; tanto Apesar da crise iniciada em 1901 , como o consumo interno já
que mui tas dessas usinas então instaladas, estão hoje de "fogo morto", absorv ia mais de 70% da produção nacional , continuaram as usinas

(1) Diégues Júnior, Manuel, População e Açúcar 110 Nordeste do Brasil, ( 3) Cílrli, Gi!eno de, O Açúcar 11a Formaçiiu Eco116mica do Brasil, págs,
pág. 18.3. 21l a 29.
{2) Carli, Gileno de, Aspectos da Economia Açucareira, pág. 18. ( 4) Carli, Gileao de:, i lsp.:,;/01 du Eco11omia Açucareiro. pág. 9.

A Terra e o Homem no Nordeste 109 110 Manuel Correia. de A11dmde


a ser fundadas, a ponto de, em 1910, existirem no Nordeste 00 usinas, safras: 761.884 e 866.277 sacos. Também a Central Barreiros em
a maioria da~ quais, de peq\.1ena produção, localizava-se em Sergipe. 1?55-56, teve sozinha maíot produção que as J6 usinas sergípanas reu- 1

O elevado preço alcançado pelo produto, devido à desorganização da rudas - 824 ..390 sacos. Nos últimos anos começa a processar-se, no
indústria de açúcar de beterraba, provocada pela guerra 1914-1918, peq~eno Estado. do N?rdeste, a concentração fundiária, uma vt:z que
não só intensificou a fundação de novas usinas, como t-.imbém aper- o numero de ustnas caiu de 1956 para 1961 - em cinco anos apenas
feiçoou e elevou a capacidade de produçiio das já existentes. O quadro - d~ 36 par_a 22. Em 197 3 são apenas seis. O total d11 ptodução
seguinte d~ bem a idéia do que afirmamos: d~ a~car serg1pano, porém, manteve-se relativamente estável desde que
armg1u a 6.35.900 sacos na safra 1·9'.59-60 e ascendeu a 790 .079 sacos
TAll.E LA N.º 3 na de 1960-61.
Em 1973, a~ analisa~mos as quotas de produção estabelecidas pdo
Estado Número de tuinas I ·A· A -, -as ma iores usmas pernambucanas são: Cenu·al Barreiros
1910 1920 ( 1.200.000 sacos), CateQdt: ( 98.3.000 sacos), Central Olho d' Ãgua
(703.1~2 sacos_), Cucau e Sanca Teresinha ( 700.000 sacos, cada uma).
Rio Grande do orte 4 3 Estas cmco usinas deveriío produzir um total de 4.286.000 sacos ou
Paraíba 5 2 cerca de 30% da produção estadual ( 17 .810.000 sacos de 60 kg),
Pernambuco 46 54 Além de Pernambuco, só Alagoas é grande produtor de açúcar no
Alagoas 6 15 No1;d~s1e - 26 usinas com a guotn to.tal de 9 .510.000 sacos. Os
Sergipe 62 70 demais stados possuem poucas usínas e poucas quotas de produção,
7 22 como a Paraíba - 7 usinas com quota de 1.620 .000 sacos - Bahia
Bahia
- 6 usinas e quota de 1.000.000 de sacos - , Serg-Jpe - 6• usinas
para 900 .000 sacos - , Rio Grande do Norte - 2 usinas pa.ra 600.000
Como vemos acima, o Rio Grande do orte e a Paraíba tiveram, sacos - e Ceatá, Maranhão e Píauí, com uma usina cnda e, respectiva-
na segunda década do século atual, urna diminuição do número de mente, 200.000, 100.000 e 60 .000 sacos. A política governamental em
usinas, enquanto em Pernambuco, Alagoas e Sergipe, estes números fase de Implantação de estímulo ~ fosão de usinas e à transferência para
fornm aumentados. (") melhores áreas, provocará, naturalmente, uma redistribuição geográfica
Deve-se, porém, salientar que a produção de açúcar não era maior das mesm~s. Na situação atual dificilmente poderão manter-se as pe-
ou menor conforme o númern de usinas uma vez que, apesar do menor quenas usinas que produ,em menos de 100,000 sacos anuais. A usina
número de fábricas,.a produção pernambucana era 8 vezes maior que era, assim, um auttncico D. João de terras ( u) estando sempre dis-
a sr.:rgipana, ao mesmo tempo que Alagoas, coro :ipenas 15 usinas, tinha posta a estender seus trilhos, como verdadeiros tentáculos, ·pelas árei1s
urna produção 50% superior à sergipana com 70 usinas. É gue em onde pudesse obter cada vez mais canas . Esta fome de terras iria dat
Sergipe se desenvolveu l argamente a fundação de pequenas usinas, origem ao agravamento do pt0b1ema do latífúndío que desde a colo-
correspondentes, cada uma delas, quase a um antigo bangüê, enquanto nização aflige o Nordeste. a realidade, as antigas sesmarias de dirneô'-
nos outros Estados as usinas aumentavam constantemente a sua capa- sõ~s descom unais, foram sendo desmembradas pelos primiti;os proprie-
cidade de esm:igamento de canas e íam, cada ano , absorvendo novos tános à proporçâo que os filhos se tornavam adultos ou que as fílhas
engenhos e até mesmo outras usinas. A titulo de cur iosidade chama- se casavam, a fim de que novos engenhos fossem fundados para uns
mos a atenção para o fato de a produção das 36 usinas setgipanas, na e outro~. Daí se falar em engenhos "cabeças de sesrnatias", quando
safra de 1945-55, ter sido de 785.613 sacos e, na safra de 1955-56, ter se quet referir a engenhos muito gtaodes e antigos, e haver muitas ve2es
sido de 716.765 sacos de 60 quilos enquanto a Catende, a maior usina engenhos chamados "velhos" ao lado de otJtro denominados ''novos".
de Pernambuco, teve nestes dois anos, respectivamente, as seguintes Por isto os grandes latifúndios primitivos foram se dív.idindo até

(.5) Carli, Gi.leno de. O Açúcar 11a Por11111ção Econl1111ica do Brasil, págs. (6) Caril, Gileno de, O Processo l-iistórico d.a U,inll cm Pemamhuco 1
pág. 18.
32 e 33.
112 M1111uel Correia de Andrade
A Terra e o Homem no Nordesu 111
l
formar propriedades médias, digamos assim, capazes de manter uu1 que se iniciou cm 1923 e atingiu o auge em 19 30 , teve suas conse-
engenho bangüê, propriedades que, conforme a área em que se locali- qüências sobre a indústria estendida até 1940, fazendo com que muitas
zavam, tinham geralmente de 200 a L000 hectares . Com a usina, e-sse usinas e muitos bangüês fechassem ns suas portas, apagassem seus fogos,
processo de divisão, de retalhamento de propriedades não só foi detido, tornando-se ttibutários de outros mais poderosos.
como se passou a formar um processo de concentração fundiária a ponto
de haver usinas, hoje, como a Catende, a Central Barreiros e a Santft Interessante, porém, é salientar a capacidade de resistênciá do
Teresinba, que controlam áreas enormes, superiores a 35 .000 h,:ctares bangüê. Com menores capitais, técnicas mais atrasadas, b11 íxa produ-
em cada uma delas, reunindo sob seu domínio mais de cinqüenta tividade e pondo no i:omfadu um produto de qualidade inferior , o
antigos bangüês . Vinte ou trinta engenho estarem nas mãos de uma bangüê resistiu como pôde ao surro usineiro, voltado que estava para
única usina é fato comum em Pernambuco. Há, assim , usinas que o mercado consumidor regionai. A reação do bangüê fez-se com tal
controlam dezenas de engenhos, concentrando em suas mãos vaks energia que, apesar de sua fraqueza econômica e das vantagens conse-
inteiros. guidas pelos usineiros perante as i nstituições governamentais, s6 no
fim da década de 1951-60, veio praticamente a extinguir-se. Assim o
As usinas , ao setem ínst.aladai;, dispunham de máquinas com capa- bangüê reagiu por mais de 70 anos à investida das usinas , para s6
cidade de esmagamento superioi; à capacidade de produção - dentro baquear realmente depois de 1950. P.ara citar apenas alguns exemplos
das condições técnicas então dominantes - dos engenhos a ela vin- sali entamos que em 1914, exatamente 30 nnos após o estabelecimento
culados, e trat-avam de adquirir mais terras para atender à fome de dos primeiros engenhos centrais em Pernambuco, só 490 engenhos, isto
canas de suas moendas. Adquiridas as terras sem certo planejamento, é, 17 ,5 % dos bangüês do Estado est11.vam de "fogo morto", dominados
o desequilíbrio passava a proceder de forma contrária , ficando as pelas 49 usinas então existentes.
máquinas com capacidade inferior à produção agrícola, e tratavam os
usineiros de adquirir novas máyuin-as. Assim , ampliando as terras Também em Alagoas em 1931 havia 27 usinas, mas 60% dos
e as máquinas ela ia acentuar cada ve:. mais a concemração fundiária. engenhos , cerca de 618 , continuavam a funcionar e prod1.1ziam ainda
cerca de 31 % do açúcar alagoano. ( 7 ) Hoje , porém, o bangüê aparece
Também as estradas de ferro, quer particulares, quer da antiga raramente, um o u outro ainda a moe.r toda ou parce da safra, sem cons-
Gre-at Western, atual Rede Ferroviária do Nordeste, muito contribuiram riruir mais uma força de resistência ao avanço avassalador das usinas.
para aumentar o poder expansivo das usinas já que permitiam que Estas, com o novo surto de desenvolvimento provocado pela Guerra
as canas fossem pai-a das transportadas de grandes distâncias. Assim, Mundial de 1939-45, niio só aumentaram consideravelmente. a sua pro-
a usina Brasileiro, hoje de "fogo morro", mns que kve seu período dução, como, devido ao uso do caminhão e ao melhoramento das ro-
,forco e foi uma das mais importantes do país na década de 1931-40, dovias, passaram a ampliar a área de influência, estendendo a mesma até
localizada cm Atalaia, Alagoas, possuía engenhos à margem ela estrada os altos cursos dos rios, até os "corgos" mais d istantes, até mesmo
de ferro em União e São José da Laje, a cerca de 30 quilômetros de as encostas ingremes da Borborema. ( 8 ) Casos há de usinas siruadas
Jistância. Por sua vez as estradas de feno parricul-ar,es de cada usina quase no Agreste, em verdadeiras indentações da Mata, n s caatingas
não só cortavam os engenhos próprios como, muitas vezes, mediante da Borborema, como ocorre com a Santa Helena, na Paraíba, com a
concessões , passavam por engenhos de terceiros. Estes quase sempre Central Olhos d'Água, a Petribu e a N. S. de Lourdes, em Pernambuco_,
desmontavam suas máquinas, passando os proprietários agora sem ín- e com a própria Serra Grande, em Alagoas. Também a pequena usina
Justriaüzar sua produção, de bangüezciros a fornecedores. As estradas Crauatá, cm Canhotinho, Pernambuco, loca1iz.a-se nas veitentt:s muito
de ferro, irradi,ando:se em muitas direções mas quase sempre subindo indínadas drenadas pelas cabeceiras do Rio Canhoto , afluente do Mun-
ou descendo um vale, demarcavam a extensão da área de influência daú. É que nos períodos favoráveis, quando o açúcar dá bom preço
de cada usina. Às vezes a conquista de uma zona onde havia bons e o I. A. A, - Instituto do Açúcar e do Alcool - permite, fundam-se
engenhos era disputada entre várias usinas que queriam levar até usinas em locais topogtafi.camente pouco fovoráve :s. Ti1l é o caso da
lá os seus tr ilho~, e estes engenhos eram verdadeirameme leiloadas pelos criação da usina Laranjeiras, no Vale do Sii:iji, e da usina Ceatral N. S.
seus pl'Opriecários, vencendo a empresa ind1,1strial que desse maior preço .
Também a passagem dos trilhos por engenhos particulares em com- (7) Costá, Craveiro, Alagoas ~111 19JI, pál\S . 78,9.
prada por dtos preços. A crise, com a conseqüente queda do açúca1· ( 8) Andrade, Manuel Correia de Oliveira, O V 11/c do Siriii, págs. 86 e $egs.

A Terra e o Homem 110 Nordeste 113 114 Manuel Correia de l!.,,drade


de Lourdes, na bacia do Capibaribe-Mirim, na década de 1951-60 , que , anual de 790.079 sacos de açúcar, existiam no pequeno Estado 22
usinas, o que dava uma produção média por usina cie 35.912 sacos.
vêm fazendo desaparecer os últimos bangüês que sutpteendemos ao
Daf estar o parque açucareiro sergípano em decadência, uma vez que
estudar aquele vale em 1958, e que Orlando Valverdc estudou nesta
bacia em 1959. (º) pequenas usinas não podem concorrer com as grandes devido ao alto
custo de sua pequena produção, obtida eni condições técnicas inferiores
Hoje o número de usinas também diminui e, no Rio Grande do a da grande indüsttia, Por isto, em Sergipe, mesmo na hist6rica área
Norte, a mais importante - Estivas - mói menos de 340.000 sacos da Cotingniba, pontilhada de cidades tradicionais, de igrejas antigas,
de açócar de 60 kg po1· ano; 11a Paraíba, cotn superior a esta já é produ- muitas delas tombadas pelo Patrimônio Hist6tico, e de vetustos solares
zida por duas usinas - Santa Helena e São João - ulmipassando a senhoriais, observava-se o recuo da cana-de-açúcar, como cultura, ante
primeira os 400 míl sacos anuais. Em AJagoas, as principais usinas - o avanço da capineíra. O fato é que, com a valorização sempre cres-
Central Leão e Cornripe - ultrapassam os 800 mil sacos, endo poucas cente da carne, achavam os pequenos usioi.:iros scrgipanos mais van-
as que produzem menos de 250 mil sacos. Em Pernambuco as três tajoso criar e engordar gado para o açougue do que plantar cana e
maiores usinas - Catende, Central Barreiros e Central OJhos d'Água fabricar açúcar. Por isto desmontavam as usinas, vendiam as ferragens,
- estão com produção superior a 700 mil sacos cada urna. Das 40 faziam capineiras onde hav.ia ca11aviais, cercavam as propriedades e
usinas em atividade no Estado, apenas 11 têm ptodi1ção inferior a 300 criavam ou engordavam gado mestiço azebuado. O boi, como o\1trora
mil sacos e das só são consideradas médias quando produzem pelo o algodão, favorecido pelo aumento do mercado interno, enfrentava e
menos 400 mil sacos de açúcar anuais. Ai o ptocesso de concentração venda a cana, ali, onde a indústria açucareira, não enconttando con-
industrial chegou a tal ponto que não só há usinas maiores absorvendo dições excepcion11is ao seu desenvolvimento, não alcançou o aho padrão
menores 1 como também as firmas propl'ietárias de grandes us inas estão obtido nos Vales do Pirapama , do Jaboatão, elo lpojuca, do Serinhaém,
adquirindo outras, organizando grupos econômicos que controlam não do Un-a, do Paraíba do Meio ou do Mundaó.
uma, mas várias usinas. É o c,iso do grupo Bezerra de Me!o, que possui O avanço do gado, porém, não ptovocou a queda da produção
as ushi.as Rio Una, Santo André e Central Barreiros, em Pernambuco, açucareira sergipa11a, hoje cotn quota de 900.000 sacos para a safra
e a Santana em Alagoas, dispondo de uma área de mais de 70.000 1972-3. Na .realidade, a maior porção das usinas de ' apareceu e a pro-
hect-ares em terras continuas com urna produção de perto de 2.000.000 dução de açúcar concentrou-se em seis fábricas com capacidade que
sacos de açúcar por ano. O grupo Costa Azevedo, controlando as oscila entre os 250 .000 (Central Riachuelo) e os 75.000 (Vassouras
usinas Catende e Piranji, dispõe de perto de 45.000 hectares produ- e Proveito) sacos anuais. Esras usinas são pequenas se comparadas
zindo cerca de 1.000.000 de sacos de açúcar por ano. O grupo Dias com as de Pernambuco e Alagoas, mas apresentam porte equivalente as
Lins possui as usinas União e Indústria, em Petnambuco, e a Serra dos outros Estados do Nordeste.
Gtande em AJagoas, com uma produção anual de cetca de 1.000.000
sacos . José Ermírio de Mornis, que recememente vem aplicando ci- A grànde concentração fundiária tornou-se um dos mais graves pro-
pitais em usina~ de açúcar em Pernambuco, adquíriu as usinas São blemas do Nordeste, sobretudo nas áreas de elevadas densidades demo-
José e Tiúma, e já forma um pequeno império com cerca de 40.00o" hec- gráficas como a Ma ta e o Agreste. Tal fato tornou a região açucareita
tares e uma produção de 1.060 .000 sacos de açúcar na safra de 1972-3. da Mara uma área de forte tensão social e de choques entre proprietá-
Por sua vez, peg_uenas usinas como Regalia, Santa loês e Peri-Peri rios e assa lariados . Daí a SUDENE. já em seu primeiro Plano Diretor ,
encerraram suas atividades, absorvidas que foram, nos últimos anos, haver admitido atacar o problema agrário nordestino com uma polüica
pot 1,1sina5 maiores. Vê-se, .assim, como a concentração vem se fazendo dupla: a) - promovendo a migmção dos excedentes demográfkos da
com grande inten idade no parque illdusttia1 açucateito pernambucano, região para áreas sub-povo11d11s, o Sul da Bahia e o Noroeste do Ma-
com sérias implicações em Alagoas. Em Sergipe esta concentração não ranhão; b) - reestrututando a agro-indústria açucareira através de uma
foi observada até 1961 quando sua maior usina, a São José, em Lar:m- elevação da produtividade agrícola e industrial provocada pelo desen-
jciras, produzia apenas 121.655 sacos de açúcar. Para uma produçao volvimemo de métodos modernos - irrigação, adubação, uso de inse-
ticidas e herbicid11s - e de reequipameoto de usipas e liberação de
terras, como pagamento dos empréstimos govetnamentais pelo~ usi-
( 9) Vai verde, Orlando, O Nordeste da Mala P1:mamb11cana ( A regiào de nei.ros, onde seriam instalados lo te. familiares produtores de alimentos.
'f11t1baúba) . "Uofotim Carioca de Geografia", Ano XIU, n.º l e 2, pág. 42.
116 Ma,mti Correia de Andrade
A T errn e ó Homem nó Norde;te 115
O Estatuto da Terra promulgado em fins de 1964 e a criação do
para as pequenas cidades próximas, Marním, Divina Pastora, Riachuelo
IBRA ( Tnstituto Brasileiro de Reforma Agrária) trariam per ·pectivas
etc. , para os povoados e vilas das imediações e para Aracaju, dando aos
de uma reformulação ag,rária para a região, O cadastramento das pro-
mesmos um excedente de população que esses lugar-es, não dispondo
priedades rurais {eito em 1965 constatou o domínio? º.ª região, do lati-
de indústria , não podtm empregar. E a população, sem perspectivas
fúndio por exploração e, conseqüentemente, de oc10~1dade no uso da
de melhor futuro, ou emigra ?ara a Bahia - é grande o número de
terra . Daí serem as regiôes da Mata e do Agreste de Pernambuco e
sergípanos que vivem em Salvador - ou para o Brasil Sudeste - Rio
Paraíba 'consideradas como áreas prioritária:. pa.rn a Reforma Agrária,
e ter sido a Usina Caxangú, com mais de 20 ,000 ha . desapropriada parn
de Janeiro e São Paulo - ou ainda para o arte do Paraná. Assim,
o gado resolve a situação econômica de algumas dezenas de proprietá-
experiência de reforma.
rios, levando ao desemprego, à miséria e à emígtação uma g,rande pcr-
Agora, inicia-se a desapropriaçao, 11través do programa da PRO- cencagem da população sergípana.
TERRA, dos excedentes de grandes propriedades para instalar pequenos
e médios proprietários, De acordo com este programa os larifundiários A Bahia, Estado outrora grande produtor de açúcar, teve os seus
que possufrem mais' de 1.000 ha. deverão organizar projetos, cedendo canaviais bastante reduzídos, de vez que o Recôncavo foi , cm grande
ao poder público uma porção de suas terras para_ ser 1istrib~ída entre parte, ocupado pelo fumo ( Crt12 das Almas, São Félix, Cachoeira),
agricultores, que encontrarão financiamento e ass1stênc1a téc~1ca gover- pela mandioca ( Nazaré e Maragogipe) e pelo cacau em sull porção
namental. Esta porção corresponderá a 20% para as propriedades de meridional. Hoje possui seis usinas, as maiore~s com quot.is de 260.000
área equivalente a 1.000 ha., a 30% nas propriedades com l]lais de sacos ( Aliança e Cinco Rios) e a menor com quota de 20.000 sacos
1.000 e menos de 3.000 ha., a 40% nas propriedades que tiverem entre ( Altamira). Sua produção total de 1.000.000 de sacos de 60 kg tem
3 e 5.000 ha., e a 50% naquelas de mais de 5.000 ha. As parcelas pOL1ca expressão na região nordestina.
resultantes das terras liberadas poderão oscilar entre um e seis módulos A usina deu margem ao aparecimento de uma nova figura na
( Instrução NR 08/72 do INCRA). Os preços por hectare das terras paisagem açucareira do Nordeste, a do fornecedor de cana, sucessor
a suem desapropriadas foram estabelecidos pelo Ministério da Agricul- do bangüezeiro. O antigo senhor-de-engenho, ao desmontar seu velho
tura, com base nas declarações dos proprietários ao responderem aos bangüê, de bueiro quadrado e baixo, sempre localizado na meia en-
çadastros do INCRA , o que fez com que eles fossem compensadores costa, transforma-se em fornecedor proprietário. Sua figura de pro-
para os latifundiários desapropriados e, apesar de uma reação inicial dutor da matéria-prima para a fábr íca de outrem, lembra, guardadas
pouco favorável de proprietários mais conservadore , houve 1.Jma ponde- as proporções , a figura do lavrador da era colot1ial , assemelhando-se o
rável adesão dos mesmos ao PROTERRA. As ím, ao se concluir o atual usineiro ao antigo senhor-de-engenho. Realmente, o fornecedor
prazo para entrega dos projetos 'JO INCRA, a 26 de janeiro de 1973 , está na dependência do usineiro, como o lav rador estava ua do senhor-
este rncebeu, em Pernambuco. a adesão de 119 proprietários de terras, -de-engenho, uma vez que até 1930 nao tinha o usineiro obrigação de
dentre os quais se encontravi1m vários usineiros. Foram oferecidas à
moer a cana do fornecedor, fi~ndo este com o fornecimento , mais
liberação 77 .000 ba. de terras, ( 10 ) dos 130 000 que deveriam ser líbé-
cedo ou mais tarde, dependente do usineirn. 'Também as balanças das
rados para o INCRA. Na P.arafba deverão ser liherados 12.478 hectares
usinas não podiam ser fiscalizadas pelos fornecedores, que ficavam,
e, no Ceará, área que ultrapassará os 500.000 ha . O processo de fusão
assim, à mercê dos usineiros. As contendas eram freqüentes, os atritos
de usinas e os programas de reflorestamento coexistem com este pro-
ocorriam a rodo instante, mas a capacidade de lura dos fornecedores
grama.
foi muho grande e aos poucos eles conseguiram o direito de possuir
O que ocorreu em Sergipe, o recuo da cana ante o avanço do uma cota de fornecimento que participava da cota total da usina, sendo
gudo, tem conseqüência sociais das mais sérias, já que empregan~o. a
esta obrigada a moer as canas dos engenhos a ela vinculados. Conse-
agro-indú, tria do açúcar maior número de braços do que a pecuar1a,
guiram também facilidades de crédito, e financiamento, para a realização
isso acarreta um grande desemprego no meio rural. O usineiro, tornado
de uâs aftas, a juros módicos com descomo na época da moagem ,
pecuarista, necessita de poucos braços, dispensa e faz com que gra1:de
Graças à sua capacidade de luta, os fornecedores conseguiram sobre-
parte dos moradores se retire de suas terras . Estes afluem, encao,
viver e constituem, ainda hoje, os produtores de grande percentagem das
cana. moídas cm todo o Nordeste. As im, na safra de 1960-61, em
( 10) O fatado de São P,wlo de 27-1-1973. Pernambuco, eles contribuirnm com 49% das canas esmi1gadas, tn-
A Terra e o Ho111etn no Norde1te 11.7 118 Manuel Correia de A11drade
!;..., f:,"r< \.~ - s . '- "'- s- ... ~ :
quanto em Alagoas, na safra de 1958-59, a percentagem da cana dos
fornecedores foi de. quase 58%. Sua importância é muito grande, por- . . A tendência das grandes ~-si~ as:-;~r,ém,
0

é cultivar terras própdas,


tanto, para a indústria açucareira. elimmando_ os forne~edores. Querem, além do lucro industrial, 0 agrí•
cm todos os fornecedores, porém, cultivam terras próprias, pois cola; por tsto adquirem grande núme.to de engenhos, ligam-nos por
muitas vezes eles alugam engenhos da usina para plantar; enquanto cs esti:adas de ferro e de rodagem à usina, dividem o tota.l das terras
fornecedores proprietários ttm, m1.1itas vezes, cotas em várias t1sina~, q~•~ possuem e°:1 _zonas_ e estas em capitanias que por sua vez se
não dependendo exclusivamente de urna, os fornecedores rendeiros d1~1_dem em adrnm1sttaçoes que correspondem quase sempre a um pri-
estão vinculados a usina proprietária da terra q1.1e lavram, só podendo mmvo_ e_ngenho de 400 ou 500 ~t:c:tares. Têm, então, os fiscais de zona,
fornecer a ela as canas que cultivam, Pagam urna renda equivalente a o_s cap1 ta~s_de cahll)O e os adm1mstradores a dirigirem cada uma destas
15 ou 20% da sua produção ao usineiro. Há ainda usinas que possuem c1tcunscr1çoes. E como um todo monol1cico, a área é cultivada em
lavradores isto é, pequenos planLadores de cana que dispõem de áreas moldes r:iodemos, com mecanização, adubo e, aquela~ localizadas em
onde cultivam alguns hectares, lavrnndo pessoalmente a terra com seus áreas mais secas, . com inigação. A seleção de variedades de cana mais
familiares e empregados; a Sama Rita , por exemplo, no Vale do Parai- re~1stentes e rna1s produtivas é hoje problema que preocupa os usi-
bã, resavou um dos seus engenl10s - o Gargaú - para estes pequenos ~eitos, sobretudo_depois que -a Co 33} dominou os canaviais nordes-
lavradores. $ão eles, quase sempre , funcionários da usina - maqui- tJ.nos, fazendo cair o tendi_mento industrial das usinas . A vitória da
nistas, mecânicos etc. - q ue _trabalham na sua especialidade na safra e Co J33 sobre as oa tr~s vaneda~e~ da Coimbatore, da POJ , da CB etc.
lavram a terra na entre-safra . A Monte Alegre, no vale do Marnan- deveu-se,, sobretu~o, a sua r~st1c1dade, à sua resistência às secas e ao
guape, possui n1ais de 60 lavradores instalados em um engenho vizinho. s_eu razoavel rendimento agncola. Por ser uma cana de ciclo vegeta-
de propríedade do Estado. Outras usinas aí localízadas, como a Sao tivo loogo - 18 meses - e de curto amadurecimento, é sempre moída
João, possuem cerca de 1.000 lavradores, enquaiito a Santa Helena ~ctde ~u seca, pr.ovocando como conseqüência a queda do rendi.menta
recebe de lavradores e fornecedores cc!"ca de 70% da cana que esma- mdustr1al das usmas. Sua substituição parcial por outras variedades
de cana de me.n~r cic~o veget~tivo, a fim de gue -as usinas moam sempre
ga. ( u)
can11s maduras, e um 1mperat1vo para a indúsn-ia açucareita do Nordeste.
Usioas há, em Pernambuco, embora constituam exceções, que não Ser:ª _Grande, Pº)' exemplo, invetteu ghmcles capitais em açudes a fim
cultivam uma "touceira" de cana. Toda :i. matéria-prima é adquirida
de fornecedores, corno ocorre com a Laranjeiras, a Matari, a Muçurepe
7
d 1m~ar canas situadas, em sua maior porção, em tenas altas. Tam-
be°: fo1 em Catende, como agrônomo, itrigando canaviais que Apo•
e a Central N. Senhora de Lourdes. O mesmo fato ocorre em A1agoas lômo Sales se notabilizou a ponto de ser chamado à vida ;olítica em
com as usinas Boa Sorte, Santa Clotilde e Taquara. Conveniente é 193?, por Agamenon Maga1hães. Para ter-se uma idéia desta co~cen-
salientar que, na luta contra a absorção usineira, os plantadores de cana traçao basta lembra.r que apenas 18% das canas esmagadas em Catende
não se organizaram em cooperativas, senão corno exceção, para instala- sao de fornecedores , sendo esta percentagem também baixa eln Santa
rem suas próprias usinas. Apenas um movimento deste tipo ocorreu Teresi~ha_(J~%) e e~ S~lgado (6%) . Por isto há quem afirme que
em Alagoas, no Vale do São Miguel, dando margem à instalação da a tendencrn e o ,hangu~e•ro tornar-se fornecedor proprietiírio, depois
Usina Caeté. Esta, instalada em 1946, moeu até 1957 - com interrup- fornecedor rendeiro e, fma lmente, ter de deixar a terra que possuiu e
ção no período de 1952-56 - quando , .fracassando a cooperatiV'll, foi lavrou durante quase toda a vida. ( 1 2)
vendida a uma sociedade anônima. Duas outras usinas alagoanas juri-
O ~d~lnisttado.t de eng~nho é um empregado da usina que a_pe-
dicamente organizadas sob á forma de coopcrntivas - a Boa Sorte e a
Santa Clotilde - são, na realidade, sociedades organizadas pot famí-
nas admm1stra ª:
culturas feitas p_ot esta em sua circunscrição, recc•
b~ndo ~emuner~~ao sen~anal e no fim do_ a_no um-a gratificação propor-
lias, respectivamente a Brandão Vilela e a Oiticica, de antigos bangüe-
c10!1al_ a p!oduçao da ,ª~ea por ele adnrn11strad11. Não tern economia
zdros que, !?atentes, associaram-se para montar a usina . Estão, assim,
propr1~, nao gere,_negoc1os seus e, como preposto da u:.ina, pode ser
os associados, ligados mais pelos vínculo~ do parentesco que pelos despedido na ocas1ao em que esta desejar. Não tem por isto nem a -auto-
ideais e. convicções cooperativi~tas .

12), Lacerds _de Mclo , Mfoo, Pem11mb11co: Traços de si,a Geografia H11-
( 11) Andrade, Gilberto O~ório de. O Rio Paraíba do Norte, pág. 126. 111011a,p~g. 92; P,magens do Nordeste em Per,wmbuco e Para!ba, p,lg, 112.

A Terra e o Homem no Nordeste J l9 120 ).fonuel Correi" de Andrade


1u V A <. e H /81 B LI o T €e ,'\ 1
nomia do fornecedor, nem a clássica independência e altivez do senhor- zação do açúcar, que passou a ter boa coloc-ação no, mercado. ext:m~;
-de-engenho. as usinas, modernizad;is, trataiam de expandir suas areas de mfluencta
Na área açucateira ainda há um grupo econômico que a usina vem
e muitos dos senhores-de-engenho que viviam de "foros" na cidaJe,
resolveram voltar à atividade agrícola ou encontraram melhores ofertas
eliminando, mas que teve na primeira metade do século XX relativa
importância e, em certas áreas, até uma grande importância - a dos /o- de renda pua suas propriedades por parte das usina~. Trataram então
refros - . Estes surgiram ainda na época da escravidão e eram homens de expulsar os foreiros às vezes indenizando as benfeitorias e outras
que viviam em áreas mais distantes dos engenhos, cultivando lavouras sem lhes dar indenização alguma apenas alguns meses para colherem
de subsistência e pagando ao proprietário um pequeno aluguel anual. as lavouras temporárias . Também ocorreu o caso das usinas permitirem
Nas épocas de maior trabalho nos engenhos - plantio e colheita - que os foreiros permanecessem nas suas posses, cham~das localmente
costu mavam os foreiros dar ao proprietário alguns dias de trabalho de "sítios" com a condição de que destruíssem os pomares, colhessem
por semana , às vezes gratuito, às vc,;es por ínfimos salários; era a as lavoura; e se tornassem plantadores de cana. Assim, de várias ma-
"condição" ou o "cambão" que, segundo Lacerda de Melo, assemelhava- neiras e por vários processos, foram os foreiros atacados e batidos
-se à corvéia medieval. ( 1 :1 ) Por isto são os foreiros, às vezes, chama- nos primeiros entreveros. Trataram , depoi8, de . se organizar e se
dos de moradores de condição. A importânda dos foreiros cresceu com associar usando "slogans" de combate "~ condição" ou "ao cambã~" .
o desenvolvimento da cultura do algodão, sobretudo nas áreas pro- Foi desta luta dos foreiros, dos peq uenos rendeiros contra os proprie-
pícias a essa atividade agrícola. É que sendo o algodão uma cultura tários que os queriam desalojar de sítio. ocupados, muitas vezes, há
comercial por excdênda, tinha fácil colocação no mercado, dando ao dezenas de gnos, que surgiu o caso do et1genho Galiléia , em Vit6ria_ de
foreiro uma rcnd'<I monetária razoável. Muitos senhores-de-engenho Santo Antão ; caso que deu origem às fomosas Ligas Camponesas lide-
chegaram a instalar em suas propriedades descaroçadores de algodão,
radas pelo então Depu tado Fra □dsco Julião. As conseqüências das
passando a adquirir para beneficiamento a produção deste e dos pe-
primeiras vitórias -dos grandes proprietários sobre o foreiros foram
quenos proprietários da vizinhançg. Este fato era freqüente na Paraíba
c em Alagoas ainda na primeira metade. deste século. sentidas pelos habitantes das ddades circunvizinhas que viram, repen-
tinamente, dim inuir a frutas que eram vendidas cm suas feiras, ao
A crise do açúcar e a conseqüen te baixa dos preços fez com que mesmo tempo em que os preços subiam assustadoramente. As con-
muitos senhores-de-engenho encerrassem suas atividades industriais . dições alimen tares, que sempre foram precárias na região 1ímida nor-
Quando próximo a estes oongüês de "fogo morto" havia usinas, eles
destina, tornavam-se, assim, cada vez mais difíceis ,
se tornavam fornecedores· quando, porém, não havia, eles costumavam
dividir os enge11bos em pequenos sítios e alugar a Foreiros. Dizia-se, Infclizme □ te não dispomos de dados est-acísticos sobre o assunto ,
então, que o engenho estava "aforado" e que seu proprietário ia viver mas, da Qbservação direta no çarnpo, podemos afirmar que, entre_ 1945
"de foros". Este fato ocorreu sobretudo nas áreas que, além de dis- e 1955, foi grande a área, outrora ocupada por foreiros, que fo1 con-
tantes das usinas, ficavam também distantes das principais estradas. quistada pela cana-de-açúcar e gran de o número de foreiros que teve
Dava-se também, de preferê nci;i, naqueles engenhos próximos à encosta de afastar-se da atividade a que se dedicava.
da Borborema, com terra. férteis para a cultutá de fruteirns e de Os trabalbadores assal-ariados também denominados. em certas
lavouras de subsistência. Município:; como Vitória de Santo Antão,
áreas, de "traba lhadores de eito", "cassacos" e "eiteiro_s" constituem
Amai-aji e Bonito, em Pernambuco, prestaram-se muito a estes afora-
a imensa maioria dos trabalhadores rurais na área açucare1ra. Conforme
mentos. Estes engenhos, divididos em grande número de pequenos
a sua maior fixação à terra e dependência ao proprietário, podem ser
estabelecimentos, logo $e tornaram famosos pelo abastecimento das
agrupados em três categoria : us mol".:idores que res idem na p_roprie-
cidades que, em crescimento contínuo, consumiart1 a produção dos mes-
dade onde tnibalham , os trabalhadores "de fora" , que vivem nas cidades,
mos e davam margem ao desenvolvimento de uma pequena classe média
vilas e poVQAÇÕes da zona, constituindo a maioria da população das
no campo. Mas a conclusão da guerra de 1939-45 trouxe a valori -
me mas e: os "corumbas" ou "caatingueiros" que residem no Agreste
e Sertã~ mas se de lornm todos os anos para a zona canavicira durante
( 13) Lacerda de Melo, A.pectQJ do "habilQI" mral 110 Norderu do Brasil, a safra, 'a fim de participar da colheita. fazem , assim , uma migração
cm "Anais da Associação dos Gc6grafos Brasileiros", vol. X, tomo l , pág. 2.51. sazonal, uma vez que com as primeiras chuvas voltam pata a sua terra.

A Tc,rr(I e o Homem no Nordeste 121 122 M,mucl Correia de A11drade


Os primeiros são moradores que 1·esidern em engenhos ou fn:,,endas Na quarta década do século XX quando este •}~tema es.tava no
e recebem uma casa para morar e um pedaço de terra para a lavourn apogeu, 0 economista Humberto Basco~ ~ 14 ) e o. agronomo G1kno de
de subsistência. A casa, sempre pequena e humilde, varia muito, qu11nto Carli rcaliznram estudús sobre as cond1çoes de vida dos trabalhadores
ao~ c:6modos e ao material de que é construida, de uma 1·egião para rurais. O primeiro encontrou em Alagoas, em _19 36 e l 937, esses_ traba-
ou tra. Algumas usinas e i:ngenhos, sobretudo na Paraíba e cm Per· lhadores ganhando uma diária de crês cr;-1ze1ros ant1gos e cult1~.imdo
nambuco, costumam construí-las de alvenaria, uma vez que dão mais roçidos sobretudo de algodiio. Nessa epoca constatou, atraves. de
conforto e têm maior duração . A maioria, potém , é de raipn, isto é, inquéritos, que ele consumiam em sua aHmentação bacalbllu, formha
formada por esteios de madeira ocupando as várias extremidades da de mandioca, cdé de segunda, feíjão e carne-de-ceará . ( rn) Pelo Natal
casa. Estes esteios são Jigados uns aos outros por um entrançado de consumiam, às vezes, carne de boi.
varas amarradas por cipós. Sobre este entrelaçado hmça-se, 'então, o Estes salários, porém, oscilavam durante o -ano c<;:mforme. a maior
barro. De taipa foram construídas -no passado p.té. as casas-grandes dos ou menoc necessidade de braços dos engenhos e usinas. Gileno de
engenho~. como a do Teitanduba n o Vale do Siriji. Em Alagoas, porém, Carli em 1940 ainda encontrou em Pernambuco trabalhadores do campo
na zona canavieii-a, encontramos freqüentemente casas cobertas de palha ganhando de Cr$ 2,00 até Cr$ 3,00 diários. Nessa época até os cam-
com telhado em quatro águas, que por sua forma fazem lembrar as habi- biteiros que conduziam os cavalos e muares com cana durante a safra ,
tações africanas . As casa dos moradores, de melhor tipo, compreendem ganhavam apenas de Cr$ 2,60 a Cr$ 3,00 por dia, ~ os carreiros, com
CJUilse sempre uma sala de frente, um corredor, um ou dois quartos e todo o prestigio que tinham no meio rural, percebiam Cr$ _3 ,30 por
uma coiinha. A maioria, porém, é formada por três cômodos paralelos dia. (lo) As condições de. vida. eram difíceis, o salários b~ixos e os
que se, sucedem da sala da frente à cozinha. Nunca, ou quase nunca, são gêneros, para o valor da moeda de então, eram caro~. ~avia, porém,
i\ssoolhadas, sendo o chão de terra batida. Não dispõem de instal!lções os roçados, 05 "sítios", _onde no jnvet~?.! se não h_:ivra amda tr~balho
sanitárias, sendo os rios utilizados para o bai,bo e as touceiras de mato de plantio da cana, cultivavam roça, fe11ao e -algo?ªº·, A rnulhei:_ e os
milis compactas, para o atendimento da~ necessídades fisiológicas. Esta filho~ menores também ajudavam a cuidar do sítio; as vezes c.navam
ausência de instalações sanitárías contribui considei:avelmente para bodes porcos galinhas e até mesmo, excepcionalmente, possufom um-a
piorar as condições médico-higiênicas regi9nais. A a1sa con1 a, área , ' leite 'ou um cava1o. O roça do e as cnaçocs
vac:a ele ' - comp1ern_~1t_?,vam
para a cu1t\.lra em torno é chamada geralmente de ''sítio.''. a alimentuçao e forneciam algum dinheiro, empregado na aqu1s1çao de
O morador fixado em um "sítío" tem uma série de obrigações vestimentas.
para com o ptopi-ietário, sendo a pr.incipal delas a de dar-li1e um certo Na décad~ 1956/65 esse sistema de vida vê- e complet•amente
número de dias de ttabalho por se1nana. Nos demais dias ele pode, ttansformado · nas áreas de usinas menores, sobretudo na Pàraíba e no
com a aíuda da farnilia, cu ltivar na área em torno da casa qualquer Norte de P~rnambuco, os engenhos e usinas ainda diia direito de
lavoura temporária; as permanentes, como a bananeira e <) cafee iro. plantar, mas os sítios são pequenos e localiza~os em te_rras_ ca11sar1'J.s;
são terminantemente proibidas a fim de que o morador em caso d~ além disso exigem dos moradores sempre de cinco a seis dias de ser-
viços por semima, o que impede os mesmos do trabalho em suas lii-
mudança não possa pleitear indenização. Geralmente a mais cultivada
é a mandíoca; em Alagoas cultiva-se muito milho, e na Airaíba e n,o R)o vouras .
Grande do Norte o algodão tem grande importância ne.stt:s i-oçados. No Rio Grande do Norte, em seu vale mais fért il - o ?º
Cear~-
Este sistema é ainda gencl'a lizado n-as áreas em que o processo usinei ro -Mirim - as condições topográficas e edáficas rêm ~ma_ mfluên~ia
está em desenvolvimentC) e onde o proprietário exige apenas uma "su- muito grande sobn: a dim:ibuição do babif(lt; as habltaçoes se dis-
jeição" de três ou quatto dias por semana durante a estação das chuvas . tribuem sempre em fonna linear entre as terras da várzea arena-
À proporção que o processo usineiro evolui, a área cultivada com
cana vaí aumentando e os proprietários não ~ó restri ngem os ~ítios
( 14) Bastos, Humbc.no, Açiícar & Algodão, pág. 96.
dos moradores, tiran do-lhes as ál'eas tnais favoráveis, como exigem dos ( 15) NesLa époCll o bacalhau era vendido a Cr$ 3,..50 o \j\1ilo; o café 11
mesmos cinco ou seís días de serviço por semana nos seus canaviai$, CrS 2,80; o açúcar a C:r$ 1,00; a manteiga a Cr$ 9,50; e o chu.~_:1e a CrS 3,BO,
e que impede os trabalhadores de cuidarem dos seus toçados. Vai então A fodnha de mandioC!l era vendida 11 CrS 0,80 o li tro, e ô fei1ao u Ct$ 1,40.
se ptocessan<lo gtadativame1J te a proletarização da massa camponesa. ( 16) C3rli 1 Gileno de, /4lpet1M Açlfcareiros de Pen11Jmbuco, P~P:- l9.

A Terra e o 1-fome,n 11,0 Nordeste 123 124 M,mr,el Correia de A11drade


~ 1--- ---------------------------7
1 I 1

1 I 1
1 -humosas e as da encosta, mais íngn:mc na porção Norte e merios indi- I 1

1 nada nn Meridional. ( l 7 ) Por isto os moradores que vivem quase mesmo engenho, até em um mesm,1 sítio, A proletarizaçâo e, conse- 1

1 agrupados não dispuem de terras para a cultura junto a suas habi- 1 qlienJemente, o empobrecimento cada vez maior do trabalhador rural, 1

tações . Permitem que os moradores cultivem " mil covas" , isto é, um leva o mesmo '.!O descontenlamento, à insatisfação. Os proprietários,
1

1 I I

1 terço de hectare, nos terrenos arenosos da encosta chamados arisco, compreendendo isto, realizam pequenos trabafüos de '.lssistênda yue
I ou nos t11buleiros também arenosos dos planos lnterflúvios. Nunca I servem de meros paliativos, sem conseqüêncías positivas, ou exercem 1

ou quase nunca eles usam deste direito, pois as áreas de cultura fícam medidas drásticas, violenLas, para conter os 'anseios populares . 1

distantes das casas em que residem , o solo é de baixa produtividade, A preocupação com a manutenção do tra balba dor residente nas
a án:a é cxígna, as garantias de colheita do roç-ado niio existem, uma proximidade~ leva os usineiros e senhores-de-engenho a concederem
vez que podem ser despedidos a qualquer momento, e o tempo Je que ao mesmo . alguma a~sistência social, embora em 1941 houvesse em
dispõem para cuidar das lavouras é pouco, pois a i:;poca de instalação Pernambuco uma grande usina que lhe dava apenas assisrência reli-
da lavoura ( agosto a setembro) coincide com a do plantio e co1heita giosa. Essa f!Ssístência social, porém, está muilo aquém da concedida
das canas, quando têm de dar seis dias de serviço por semana ao pro- aos trabalhadores na indústria, que contribuem para 05 institutos Je
prietário. Também impressiona a quem visÍtll a região de Ceará-Mírim, previdêI1cia, são sindicalizados e têm uma série de direirns garantidos
a proximidade exhtcnte entre as sedes dos engenhos. Estes, além de pela Consolidação das Leis de Trabalho. Aos trabalhadores rurais oão
lJCquenos, com extensão que varia entre l 00 e 200 beccares, tÉm forma eram concedidos nem mesmo O direito a fc::rias e à percepção do :salário
linear, são compridos e estreitos, formando todos eles lotes com testada mínimo, apesar da referida Consolidação estender-lhes esses direitos
no leito do Ceará•Mirim, possuindo, assim., áreas de várzea enxuta, de em seus artigos 76 e 129, desde 1943. É freqüente, porém, receberem
arisco e Je tabuleiro. A uma testada de alguns menos de largura , na dos proprietários assistência médica, farmacêutica, dentária _ apenas
margem do rio, corresponde às vezes um comprimento de quilômetros, para extração de dentes _ e sodal. Essa assistencfa, feita com O fito
Nas zonas de grandes e de muitas usinas, no Sul de Pernambuco e de prender o trabalhador à empresa, eta feita com maior ou menor
no Norte de Alagoas, a proletarização dos. trabalhadores já chegou ao intensidade, conforme as condições econômicas e a maneira mais ou
auge. A maioria deles reside em casas loc11liz.adas nas sedes dos engenhos menos evoluída de pensar dos prnprietários. Mas não era só com
- lembrando antigas senzalas - e não tem di.reito Je fazer lavoui·as. assistência social que muitos costumavam prender o trabalhador; em
Mesmo agudas usinas que teoricamente dão terras para es e fim, na algumas áreas dominava um costume bastante ofensivo à liberdade do
prática impedem o cul tivo das mesm\-ls, pois exigem dos trabalhadores mesmo e que era muito '.lpropriadamente chnmado de "compra do tra-
6 dias de trabalho por semana. Dá-se, assim, a proletarização crescente balhador''. Consistia no seguinte: o proprietário facilitava ao trabalha-
do trabalhador do campo. À proporção que aumenta a produção de dor pequenos empréstimos; este, ganhfmdo pouco, com família nume-
açúcar e que se usa a técn ica agrícola, e industrial muis avançada, o rosa e abastecendo-se em barracão que cobrava sempre preços elevados,
homem do campo fica roais pobre, mais necessitado, com menos direitos , ia semanalmente fa:teL1do novos empréstimos, novas dívidas . Quando
foto aliás salientado por Caio P rado Júnior em trabalho recente. ( t ) o débito se elevava, o proptietário começava a negar novos empréstimos,
Por isto, nessas áreas, os trabalhadúres não se fixam mais; nada pos- alegando que a conta estava grande, Ameaçava de um desconto se-
suindo, vi.vem errantes, trabalhando hoje em um engenho, amanhã em manal no salário a fim de que fosse feita a amortização do débito. O
outro. Uma trouxa, denominada geralmente de "bomba", é o único trabalhador desesperado procurava sair para outra propriedade mas o
bem gue transportam em suas sucessivas mudanças, ao comrário do credor não consentia que ele se mudasse se não saldasse a conta. Então
que aind,, ocorre nas zonas de menor proletarização, onde é comum ele pedia um empréstimo eqúivalente ao débito ao ptopriwírio do
o n,urador passar vários anos, às vezes até dezenas de anos em u m engenho onde ia morar e, se conseguia, pagava o débito anterior é se
mudavn; não era liv re, porJm , porque "se venJcra ao novo proprietá-
rio" e só poderia sair de suas terras quando pagasse H importância de-
( 17 ) Lacerda de Melo, Mário, Fisio11omia do l111bi1111 rural tio Baixo Ceará vida. Incrível é que quando o morador não encontrava ,1ucm o com-
-l'!liri111 "Anais dQ As o.dação dos Geógrafos Bra~ileiros" , vol. X, tomo 1, pág.
272 e segs. rrasse e safa à noite fugido - esta a expressão usada - da
( 18) Contribuição para a 1111átire dr.1 Questão Agrtitia 1w Bra.1il, cit,, págs. propriedade do credor, era eomum que este conseguisse o apoio de
l79 e 180, uma autotidade que fosse prender o foragido onde estivesse a fim dê
que ele trabalhasse para o credor e saldasse o débito . Às vezes, o
;) Terr<1 e o Homem 110 Nordeste 125
126 Manuel Col'reia de Andrade

_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _J___

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trabalhador que fugia ficava na propriedade do credor trabalhando meses de setembro e outubro d .
durante o dia e permanecendo à 11oite preso em um quarto sob vigi- seca não permite a existência' J~12t1;a~ai;o~,s~nas co~eçam a rnoer e a
lâm:ia dos vigias em verdadeiros cárceres privados. Embora hoje esteja descem em grnpos em direção à área . . . . _gd~olas no Agteste, eles
se tornando esporádico, ainda occrre a imposição de castigos cotporais em canú11bões, e vêm oferecer seus tn:;tv1~ua, as .vezes a pé, às vezes
permanecem até as pr1·1ne1"r cl h(:,s nas us111as e engenhos . Aí
a trabalhadores. . · as mvas que sao A . .
ab tl1• qua ndo regressam aos sem l t· no gr_este em março ou
Grande parte dos trabalhadores rurais vive, porém, nas cidades, çados. · ares ª im de rnsrnlar novos ro-
vilas e povoações da zona canavieira. Sao ger almente pequenos aglome-
rados onde, ao lado das autoridades, dos poucos funcionários públicos, Os curumoos St: destacam pela " d .
. espírito gregátio que os un bran e rnpacrdade de trabalho, pelo
comerciantes, proprietários e artífices, vive uma grande quantidade de lhadores da região canavieir: e os _lmanté1:1 sempre afastados dos ttaba-
gente que se mantém grnças ao serviço no campo, nas propriedades ' e pe o apetite que dem t h
a cana cm ao tomar o seu ·ald É .. uns .ram ao e upar
vizinhas. O trabalhador vive neste aglomerado que chama geralmente 1 . <.: o. que utiliza ld
como a tmcnto para economizar O ' 1· . eb 'd rn. o ca o e a cana
de "rua" , para ter a liberdade de w1balhar no dia que quiser, fre- ou ao Sertão no fim da -f s sa anos rec l os e voltar ao Agreste
• sa ra com alguma . · A .
qüentar o culto religioso que desejar , votar no candiJato que preferir quando havia dificuldade de r'. economia,. nttgamemc
ou que melhor pag,at o seu voto, ter vida social mais movimentada, costumavam visitar à f rJ· iansporte e eles se locomoviam a pé ,
pois organiza danças, gerahnente aos sábados, -poder freqüentar bo- N ata I ao Ano Novo isto am ra apenas na Fest , d '
é d 24 d· d - a - peno o que vai do
degas e tomar cachaça e ter o direíto de receber salário urn pouco H · ' • e e czemhro a 1 ° d · •
OJe, com as constantes viagens d . h- - . e Jane.iro .
mais elc:vado. Não rec~be, porém, qualqi_1er assistência médico-de11tária, 15 dias ou de três em trê. . e camrn oes, vao às vezes de 15 em
farmacêutica nem social, e dificilmente consegue empréstimo~. com. li família, Sem esta n~a-so~mc.le~nobas pass_ar ?s sábados e os domingos
Em 1963 o Estatuto do Trabalhador Rural veio garantir ao assala- m•· t·rei·1m ente conspguiriain . l' . ra ag1estma as usmas ,• do Nordeste
f .- - rea lZllf as suas moa
riado o direito à percepção do salário mínimo das férias , do repouso sa ras dos dias atuais Em . . - . 1· gens com as grandes
em mais de cinq· iient·a us· pesqdmsdas tea izadas nos últi.tnos 5 anos
semah-al remunerado e do décimo terceiro mês. Os proprietários rea- AI mas, es e o R· G d d
giram à aplicação da lei mas os trabalhadores, organizados cm sind.ícatos, agoas, não encontramos uma única . . 10 - ,.ran e o Norte até
corumbas. . que dispensasse. a cooperação do&
resistiram. Criou-se uma atmosfera de tensão na região e a lei passou a
se, -aplicada com maior ou menor Lntensidadc . Com a aplicação da lei No Vale do Ceará-Mirim _por exem l .d ,
os proprietários preferírnm dLmínuir o número de moradores, de empre- encharcada no iovt:rno e O 1 • , d P o, on e a var"zea perm~nece
d a moagem há neste per1· d p ant10 a cana só •Jod f .
gados permanentes, 11tillZando geralmente trabalhadores avulsos contra- . . t e ser " eito na época
.- ' . ' 0 0 , uma necessidade d d -
N a 11nt1ga usina Ilha Bel-a h-' dif gran e e mao-de,obra.
tados por empreiteiros resídentes nas cidades e vilas. A assistência
de trabalhadores n.a safra e ~ umnt . cfrença de 50% entre o núme~•o
médica e socíal passou a ser dada aos seus associados pelos sindicatos - l a en ie-sa, rn enquanto n s- F .
rurais. Acentuou-se, a~sim, o processo de proletar~ação do trabalhadot que nao exp orn carnaubais e . . d'f , a ao ranc1sc0,
acréscimo de m.ão-de-obra , ~e;sad l e~e~~a sobe a. 70 e 80% . Este
rural. A partir de 1971 - Lei Complementar n. 0 11 - a previdência N P 'b . as t egloes agrcstmas vizinhas ( t 11 )
soàal foi estendida aos trabalhadores rurais , que passaram a gozar do . a - arn1 a essas Julgrações sazonai f . ,
s1dade, pois não coincidindo , 1 f s se azem com me.nos inten-
direito à aposentadoria por velhice e pot invalidez, e as suas familias ,
à pensão e ao al1xílío funeral. Concedeu-se assim, pottanto, ao traba-
número de trabal hadotes da o
a 20 % .
ta~
tbo com a colheita, o alimento do
sa ta so re os da entre-saíra não excedi!
lhador rural, os direitos de que gozam os tnibalhadores urbanos desde
a qu'inta década do século XX. O mesmo fenômeno, cem intcnsidad 1
n.a Paraíba, acontece também p be serne hance ao que ocoUta:
Os "corumbas" , "caatingueiros" ou "curaus" são habitantes do D estacam-se como mun. , .em ernam ucu, Alagoas e Sei: . ,
í g1pe.
Agreste e às vezes do Sertão que passam o "inverno" - est11ção chu- Agreste, como 1"'-aipu no Rio i;p1osd ·dnecedores de corumbas os do
vosa - na sua região. Ai, como proprietários de pequenos lotes ou
e Itabai-ana, na Par~fba; Bom tj:rdeim o forte;. Guarabira,, Sapé, Ingá
como rendeiros , se não possuem terrn, cultivam lavouras dt: subsistêhcia • 1moe.1ro, Gravata , Bezei•ros,
ao caírem as primeiras chuvas, permanecendo, como veremos no pró-
ximo capftulo, até o período da cofüe.ita. Chegado, porém , o estio, nos ( 20) And rade. Gilberto Os6 rio de ' Rio Cea ra-, -M..
mm pág. 5J.
A T emi e o H ornem 110 Nc,rdeste 127
128 M,mue/ Cnrreia de An,lr11de
Carwm1, Cupira, Panelas, São Bento do Una e Bom Conselho, em Per- familiares levavam o almoço e u jantar, faiendo-se uma pausa a fim de
nambuco; .Palmeira dos fndioi, Arapirnca, Junqueiro, Anadia e Li- que eles se alimentassem.
moeiro de Anadia, em Alagoas etc. · · Hoje os trabalhos são feitos por empreitada, e pagos nas limpas
}Qteressantc é que estas migrações sazonais, devido à direção das à base da "quadra" ou da "tarefa", que variam um pouco de uma
estradas e caminhos, são feita~, em geral, na direção Noroeste-Sudeste, área para outra. Na Paraíba e. no Norte de Pernambuco uma "quadra"
sobretudo em Pernambuco. Assim os rnrumbas de Taqu:i.ritinga do oscila entre urn quadro com cerca de dez até treze metros de cada lado,
Norte:, Surubim e Vertentes deslocam-se quase sempre para Vícência conforme o mato esteja maior ou menor. No Sul de l'emambuco a uni-
~liança e Nazaré da Mata, os de Limoeiro e João Alfredo, para Viró: dade é a "tarefa", que corresponde a um terço de hectare, e a 625
na de Santo Antão e Moreno, os de Gravatá, Bezerros e Carnaru, para braças e01 quadro, cm Alagoas. O morador pela manhii vai p~ra o
Amaraji, Gameleira e Ribeii-ão, os de Cupira e Panelas, para Catende, set.víço e é informado pelo "cabo medidor de conta ' da iírea que lhe
Palmares e Barreiros, e os de Garanhuns e Bom Conselho, para Viçosa cabe limpar. Concluída a conta, a qu alquer bom do dia o "cabo" a fisca-
Uníao e São José da Lage, já em Alagoas, enquanto os de Palmeira do~ liza para ver se. o trabalho foi executado como dev ia, e o trabalhador
fudi?s e _Arapíraca se dirigem para os vales do São Migud, do Jiquiá, se retira, livre pelo resto do dia. Conforme o mato, ele trabalha gera1 -
do Coturlpe etc. mente desde o amanhecer até às 14 ou 1.6 horas, quando; então, conclui
a conta.
As usinas mais distantes do litoral, como Roçadinbo, Pedrosa,
No plantio e na adubação da cana costumam pagar diária aos tra-
Catende, Serra Grande etc., por se localizarem próximas ao Agreste,
balhadores de serviço, sendo na adubação largamente empregado o tra-
recebem corumbas mais facilmente e em maior número. Aquelas loc-a-
balho das mulheres, mão-de-obra que é empregada com menor intensi•
liz.adas distantes, necessitam, às vezes, enviar caminhões às cidades
dade na limpa ou capina das canas.
agrestinas em dias de feira para agendar u-abalhadores. As usinas Sta.
Teresinha, Sto. André e Central Barreiros, localizadas muito a Leste, Na época da moflgem uma atividade de grande importâncin é o
próximas ao litoral, têm, freqüememc:nte, que lançar mão deste recurso corte de cana, que é ·a sua própria colheita. É 1.nn serviço pesado qLle
para conseguir os braços de que necessitam . só os melhores trabalhadores, os mais dispostos, executam; este tra•
balho é pago à razão do "cento de feixe " de cana cortado e amarrado .
. Hoje, _estamos seguramente informados de que em algwnas usinas Cada feixe deve ter 12 canas e um trabalhador comum corta de 100 a
- Catende, Roçadinho e Sta. Teresinha, sobretudo - têm-se fixoado 200 feixe~ por dia, podendo um excepcional cortar uma médi,a diária
~om suas famílias, trabalhadores oriundos do Agreste, o que é vanta~ até de 300 feixes. O pagamento por "cento de feixe" varia \1m pouco
1oso para -as mesmas, uma vez que estão aumentando consideravel- de uma área para outra e até numa mesma área durante a safra, con-
mente suas sefras e necessitam sempre de braços. forme o at a o ou ad.iantamento da moagem.
. É pequena a proporçiío da área cultivada com máquinas agrícolas, O · salál'ios oscilam um pouco, de acordo com a lei da, ofei-ta e da
pois os ptocessos de cultura· da cana ainda são rotjneiros; além disso, procura e com a especiafüação e capacidade do ttabalhador. Mantêm-
tls ~errenos no jntcrior são muito acideutados e algumas várzeas mesmo -se, pcrém , em níveis próximos ao salário mínimo, em uma região
- ... • ' . J
nuo se prestam a mecanização, ou por passarem grande parte do ano em que a vida é m'u ito cara. Assim, cm 1973 o bacal_hau é vendido entte
encharcadas - a Coruripe, por éxemplo - ou por serem muito entre- Cr$ 8,00 •e Cr$ 10,00 o kg , conforme 5eja de batl'ica ou de caixa, o
cortadas por canai:; e valetas de drenagem, como ocorre no Ceará-Mirim. charque oscila entre Cr$ 10,00 e Cr$ 12,00, a farinha de mandioca
Daí o gtande emprego que tem ainda hoje a enxada. No Vale do Coru~ é vendida a Cr 1,50 o kg, o feijão a Cr$ 1,80, o açúcar a Cr$ 1,00
ripe ~ vát·ze_a encharca tanto que nem mesmo a enxada é em.pregada, se cristal, e -a Cr$ 1,20 se refiniido, e o ovo, com preço sempre oscilante ,
sendo substttuída pelo furão, instrumento de origem indígena. é vendido até a. Cr$ 0,25 a unidude.
O regime de trabalho sofreu modifkações consideráveis nos últi- Estes são os preços das mercadorias nas cidad~s; os moradores
mos. anos; ,~té íl década de 30 era paga sempre a diária, iniciando-se abastecem-se rnuitas vezes em coopera ivas de consumo que obedecem
a faina agricola com o 01'1SCet e terminando com u pôr do sol. Os tra- mais ou menos a estes preços, mas em muitos engenhos e usin'<ls impera
balhadores el'am reunidos em turmas que trabalhavam juntas, enfilei- ainda o regime do barracão, onde os pi'Odutos são de interior qualidade
radas, sob a vigilância do feitor. Era o eito. Às 10 e às 15 horas, os e 0s preços ainda mais altos. Há até lugares {111cle- o pagamento não

A Terra e a Hame/ll tto Nordeste 129 130 Manuel Correia de A11drade


'
é feito em dinheiro, mas em "vales" que circulam apenas no barracão, como ocorre às vezes em Pernambuco e freqüen temente cm Sergipe,
ficando este con1 condições para impor os preços. Também as feitas ora se estreitando a ponto de desaparecer, como ocorre na Paraíba , ao
são pontes de aha~tecimento, emhora na "Zona da Mata" elas sejam Sul de João Pessoa, e em AJagoas, em certo trecho situado entre Santo
mais de venchi de tecídos, roupas feitas, sapatos e utensílios, que de Antônio e lvfaragoji. Algumas ve~es esse terraço é seccionado na foz de
cereais, carnes e outros alimentos , como ocorre no Agreste . algum rio, como o Paraíba do Norte, o Goiana o Serinhaém, o For-
De um modo geral, obse rva-se o crescente empobrecimento do moso etc.
homem do campo, do trabalhador rural. Em entrevista e inquéritos Na praia o coqueiral domina inteiramente a paisagem , sendo visto
que realizamos, tivemos a oportunidade de constatar que a sua alimen- a grande distância cobrindo com a sua sombra as habitações dos pes-
tação é feita à base de farinha de mandioca e peixe seco ou salgado, cadores, os apetrechos e redes de pescar quando expostos ao vento,
oriundo das praias e do Rio São Francisco; entre estes destacam-se a as "caiçaras", onde os veranistas descansam e os pescadores consertam
manjuba, a piranha, havendo um verdadeiro comércio otg11nizado dis- as suas redes, como a própria vegetação rasteira que a( se desenvolve.
pondo de caminhôc~ pata o seu transporte. Também um minúsculo As pequenas povoações e cidades litorâneas como Muriu, no Rio
crustáceo pescado nas lagoas litor.ineas - a pitinguirra - é largamente Grande do Norte, P itimbu , na Paraíba, São José da Coroa Grande
vendido seco, cm Afagoas, à popuJação rutal pobte. Às vezes ela adquire e Jaguaribe, em Pernambuco, Mar-agoji e Barra de Santo Antônio, em
o que chama "lombinho", retraços de carne seca de inferior qualidade . Alagoas, Porto das Cabras e Atalaia Velha, cm Sergipe, e Barra do lta-
Feijão, macaxeira e jerimum (abóbora) s6 come quando planta . O riri ou Cpnde, na Bahia, desenvolveram-se no meio do coqueiral de tal
charqt1e e o bacalhau, comida cotidiana desde a época da escr,avidão, forma que as casas· e palmeiras se misturam em verdadeira promiscui-
subiram tanto de preço que hoje figuram apenas nas mesas das casas dade. Fora do Lerraço arenoso cultivam o coqueiro em menor escafo nos
ricas e remediadas. tabuleiros entre uma ou outra plantação, devido à sua importância,
O estado sanitátio é contristador e a esquistossomose é endêmica, como a do engenho Ubu, em Goiana.
conta minando em alguns municípios mais de 80% da população; a ela Na realidade, é grande a área cultivada com coqueiros e consi-
se juntam, conforme a área , outrus moléstias, como 11 bouba, 11 doença derável a produção de coco-da-baía nos Estados nordestinos, desta-
das Chagas, vái-ios tipos de verminoses e a anemia, conseqüente do nível cando-se entre estes por sua produção a Bahia, Alagoas e Sergipe, como
de vida levado pela população da região açucareira. os três maiores produtores nacionais, como vemos na tabela seguinte_
referente ao ano de 1970. ( ! )

6 TABE L A N.º 5
O TRABALHO NO CAMPO, NAS ÁREAS DE CULTURA
Estado Área cultivada ( ba.) Produção ( t)
DO COCO, DO ARROZ E DO CACAU
Maranhão 1.123 20.226
Na região da Mat-a e do Litoral Oriental a cana-de-açúcar não con-
Piauf 156 1.069
seguiu dominar grandes extensões con tinuas, mas apenas as faixas
praieiras, formadas pelos terraços de acumulação de 2 a 3 m acima do
Ceará 11.038 64.935
Rio Grande do Norte 7.210 41. 441
nível do mar, alguns lrcchos da encosta da Borborema , as margens do
Paraíba 7 .268 42 . 620
São Francisco, os campos sergipanos que chegam quase até a praia e o
Pernambuco 9.850 6.3.321
Sul da Bahia. 103.08,5
Alagoas 22.207
Na faixa litorânea, por sobre os terraços de acumulação acima Sergipe 21.157 92.629
mencionados, o coqueil'o domina imperh1lmente . Na verdade, apesar Bahia 31 .196 182.665
de ser, como a cana-de-açúcar, um vegetal exótico, aqui introduzido
pelo colonizador português; o coco-da-baía logo ~e estendeu _pelo litoral ,
ocupando-o ctn toda a área ora estudada . Sua penetração para o interior
( 1) At111ário Eslalíslíco do Brasil, 1971.
depende da largura do terraço arenoso, ora se alatgando por quílômetros,
132 Ma11uel Corrl'ia de A11drade
A Terra e o Homem 110 Nordeste 131
A cultura do coco-da-bafa, por não l:'.xigir grandes cuidados, pro- caçúes, afirmou o visitante norte•americano: "O coco é de fato o prin-
duzir continuamente por dezenas de anos e não necessitar de- dispen- cipal vegetal d:1 região. e, conquanto não se conheçam na ilha todas
diosa industrialização, tanto é feita por grandes, como por ,pequenos as suas aplicações, ainda assim ele proporcíona à população alimento,
proprietários embora o início da sua produção s6 se dê vários anos bebida, combustível, teto e comércio. Além da venda do coco natural ,
após o pl,antio - 5 a 6 anos se feito na praia, e 15 a 20 nos tabu- sua polpa é convertida em óleo, a casca em vasilhames e as fibras em
leiros - . O coqueiro anão,. porém, introduzido no Nordeste nos últi- cordas. O valor de sua água como bebida é reconhecido por todos. A
mos .30 anos, não tem se expandido muito comercialmente, apesar de folha fornece, ainda, todo o material necessário para a construção de
produzü 2 ou 3 anos ap6s o plantio e de ser facilmente colhido devido urna casa completa . Pode também ser trabalhada em forma de cestos,
à sua pouca altura. Isto se deve ao fato de seu fruto deteriorar-se cercas, e quando seca pode ~et usada para escrever ao passo que sua
mais rapidameme que o do coqueiro comum, tornando precária a venda. cinza contém potassa. A ponta da haste con~tín.ti excelente iguaria''. ( :.i}
Como planta de "fundo de quintal" para uso doméstico, sobretudo Com o coco são feitos farnosos pratos regionais como o feijão de coco,
para fornecer "água de coco verde", tem tido grande aceitação. Muitas o doce de coco, o peixe de coco e a cocada. É comido também com
vezes, o coqueiro é cultivado em pequenas propriedades de 20 a 30 piio pela populaçiio praíei.ra, substituindo a manteiga.
metros de frente, de testada para o mar, estendendo-se pôr centenas A industriali,;a)ão do coco-da-bafa é feita de forma sumária;
de metros para o interior, outras vezes forma verdadeiros latifúndios a.rmam-se no meio do coqueirãl galpões de palha de coqueiro onde os
explorados por gra ndes proprietários. A usina Central Barreiros, por frutos são descascados e empilhados à espera de tnmsporte para os
exemplo, esrendendo suas terras até a praia , possui um departamento portos,. pam as fábricas de beneficiamento e os centros consumidores
destinado a supervisionar e tratar do coqueiral de sua propried ade , region2is em barcaças e caminhões. No de~c11sc:amento os trnbalbadores
que corresponde a cerca de 100.000 pés. Pouca é a mão-de-obra emp re- ganham por milheiro de côco descascado , podendo os mais dispostos
gada no coqueiral, de vez q,ue se faz uma capina :1nual, quase sempre descascar até 1.300 cocos por dia. Uma boa média é a de um milheiro
realizada por trabalhadores que residem nas cidades e vilas do litoral, por: día. Como só os frutos grandes e médios conseguem boa colo-
sen(!o o pagamento fe ito à diária ou por tarefa. A tarefa corresponde cação no mercado consumidor, existem fábricas, sobretudo em Sergipe
a 25 btaças - uma braça equivale a 2,20 metros - t:m quadro, le• e Alagoas, que industrializam os frutos pequenos, produzindo óleo e
vando um homem de dois dias e meio a três para executá-la. Quando farinha de coco; este óleo pode ser de dois tipos; com e sem açúcar.
o proprietário dispõe de recursos sufidentes, realiza adubação com a Embora o coqueiro seja uma planta de grande valor cconômíco,
torta de mamona e sais minerais, sobretudo o nitrogênio, potássio e
a ponto de se calcular o valor das propriedades na praia não pela
cálcio, Com a adubação, a produção do coqueiro é 11Jaior, atingindo, extensão, mas pelo número de palmeiras frutificando gue possuem, oão
em médi-a. de 40 a 60 frutos anualmente. A maioria dos pequenos moldou uma civilização dpica como a cana-de-açúcar e não emprega ,
proprietários nao aduba os coqueirais e tem, por isto, uma produção permanentemente, uma grande quantidade de trabalhadores. O praieiro
bem menor que a dos grandes proprietários_ dedica-se quase semp1·e à pesca, embora por processos ainda bastante
O principal trabalhador do coqueiral é o "tirador de coco" que, l'Otineitos, com jangadas, em viveiros ou em currais. ( ª) Ele é consi-
munido de uma ''peia de corda" e de uma foice, sobe na palme.ira, derado em toda a região como preguiçoso, como homem q1.1e gosta de
tira o fruto maduro e cott-a as fo lhas setas. Percebe um Sàlário por pouco trabalho , o gue é em parte um exagero, uma. vez que é muito
cada palmeira em que sobe, desfrutando, em média, 80 coqueíros por dura a faina do pescador. Na verdade, se o regime de trabalho não tem
dia. O coqueiro dá quatro ou cinco safras anuais, uma em cada dois a continuidade do tt'abalho de outras áreas, é que depende muito do
ou três meses. tempo e porque, na praia, a alimentação é focilmente encontrada nos
A população praieira u tifüa a sua sombi-a e adquire aos propl'ie-
tários as palhas para cobrir suas casas, rolos do tronco para facilitar (2) Kidder, Daniel P., Remini.r:ê!rcias de viagem· e penmmém:ia no Brasil
a ida das jangadas para o mar e a saída dessas do mal' para a tena; (províncias do Norte), pág. 106_
alimenta-se com o fruto, mas quase nunca possul coqueil'os ou trabalha ( 3) Lacerda de Melo, Miüo, Paisagens do Nordeste em Pcnrambui;o e
no coqueiral. Esta múltilpa utilização do coqueiro impress ionou viva- Paraíba, págs. 78 a 85 ; Sette, Hilron, Aspectos da Atividade Pesqueira em Per,
namb1KO, em "Anais da Associação dos Geógrafos Brasileiros", vol. XI, 1omo [,
mente o pastor evangélico Daniel P. Kídder, quando no século págs. 235 e segs.
passado visitou a Ilha de Itamaracá. Sobre as ~uas múltiplas apli-
] 34 Manuel Correia d~ Andr1Jac
A Terra e o Homem 110 Nordeste 1J3
A época do pl-antio e da colheita é diversa, conforme se esteja
mangues que ficam por trás das restingas. Aí são encontrados em nas proximidades da foz - "Piaçabuçu - ou a montante de Peoedo,
grande quantidade, os caranguejos, crustáceos que dão excelentes p;atos .
devido ao fato de ali o arrozal ser irrigado naturalmente, devido à
. Nas faixas de terra mais para o interior, em solos onde o co- maior influência da maré dinâmica, assim como a colheita ter de ser
qu:erra1 não avança devido às condições pedológicas desfavoráveis iniciada aotes de agosto, mês em que o débito do São Francisco já se
~x1st~m pequenos sítíos onde se cultivam fruteiras - mangueiras ~ acha muito reduzido, fazendo , conseqüentemente, a água salgada do
;aque1ras ..- ,cºíi:~ ocorre em Itamaracá, bananeiras, como se vê no oceano penetrar muito no r;o,
Vale_ do_ Cearn-~mi:n, ou ararut-a - tubérculo cuja farinha se presta ~
A cultura do arroz era feita na região desde o século passado .
Í?br1caça~ de b1sco1tos, papas e ;11i•1gaus - no Cabo de Santo Agos-
usando-se uma variedade de pouca penetração no mercado consumidor
ti~ho . . Sao pegue~as lavourns feitas em sítios em que o próprio pro-
urbano, chamada localmente de macambira ou chatinho, de grão ver-
pnecário, co~ a a1udf da família e de um ou dois empregados, encar-
teg_a-se?ª faina _agnrnla. A, ~rea, porém , é. pequena, porque logo
melho e cutto; propagava-se facilmente por ser muito rústico. Iniciando
suas atividades, resolveu a Comissão do Vale do São Ftancisco, hoje
apos ~sta .º tabuleiro quase ~s_teril ou os solos oriundos da decomposição
do cnstalmo com os canavia is, SUVALE, i!pÓs 1955, revolucionar a rizicultura regional, introduzindo
uma no'la variedade de arroz chamada cana .toxa ou arroz do Texas,
No baix? Sã? Francisco, a !us_ame de Propriá, a principal cultura, que é hote a dominante. Também cultivam uma outra linhagem oriunda
aquela g~c da maior renda e m-a1s mte1·essa aos ptoprietários é o arroz. de Sete Lagoas Minas Gerais. ·
~ algod~o tem alguma importância; as demais culturas como a man-
dioca, o mhame-da-costa, a macaxeira, o inh-ame-d'água são feitas ape- A Comissão dá assistência aos proprietários e agricultores, orien•
nas p~ra o cons~m_o local e a cebola não tem, aí, a importância que tando-os na racionalização das culturas, no combate às pragas, sobre.
conquistou no med10 São Frandsco. tudo a lagarta, vendendo inseticidas, máquinas agrícolas e trilhadeirns
para o beneficiamento do -a rroz a preços módicos, e facilitando o paga-
A i~fl~1ência do rio é decisiva na vida econômica regional e, como mento a prazo com juros bancários. Também tem plano de mecani-
n~ ~mazoma, é o seu regime, e não o da chuva, quem comanda o calen- zação, cobrando ao agricultor uma taxa horária pelo uso do trator.
darro agrícola . A grande diferença do volume d'água do São Francisco
entre a çheia, quando o débito sobe a 13.000 m:1 d'água pot segundo'. O propr.ietário tem quase sempre muitas tenas, mas não as cultiva
e a vazante, quando este mesmo débito se torna inferiol' a 900 m3 faz diretamente. Isto seria p-ara ele grande transtorno, uma vez que não
com que em suas margens existam depressões que se transforma~ em teria serviço durante todo o ano para os seus moradores, como ocorre
lagoas na época da cheia, e que a foz de seus afJuentes se apresentem na área canaviei1·a. Os trabalhos são iniciados quando baixa o nível
afogadas como acontece com os igarapé~ do Am-azonas. As cheias do do rio com a limpa dos campos onde o arroz será cultivado, limpa
São Frnncis<.:o , dt:tern.inadas pelas chuvas de verão caídas em sc,1s feita por assalariados pagos pelo proprietário. Estes salários variam
curso~ alto e médio, não coincidem com as dos seus pequenos afluentes com a quantidade de braços disponíveis e com o dpo de mato a limpar.
do baixo curso, onde dominam as chuvas de outono-inverno. Também Finda a limpa, esses assalariados são dispensados, passando a obtec seu
é freqüente il existência de vales fluviais encharcados durante todo o sustento com outras atividades - pesca, caça, roça - que esporad i-
uno , como o Merituba , que compreende mais de 7.500 hectares. Só com camente se apresentam, Há, assím, subemprego e miséria. O arro7,
a drenagem estes vales poderão ser aproveitados pela agricultura. é então plantado em canteiros, na região de Piaçabuçu, em fevereiro
ou março, conforme a distância da foz, a fim de ser entregue aos
A cheia garnnte uma adubação naru ral da área inundada de vez
meeirns na época do tta.nsplante, em abril e maio. A colheita inicia-se
que o rio deposita na mesma cerca de 2 -a J cm de vasa chamada local-
em ju1ho, estendendo-se até outubro, quando, devido à d1minuição do
mence de ''colha'', e consttói pequeno dique marginal que retém a água
débito do rio, a maré oceânica, salgada , sobe o mesmo até acima de
por algum tempo nas depressões . Essas depressões são localmen te cha- Piaça.buçu. Entre Penedo e Propriá a seroeaduta se procede em maio
madas "lagoas de arroz' '. As áreas situadas a barlavento recebem maior
e o transplante vaí sendo feito à proporção que as águas do rio vão
quan~idadc de vasa de colmatagem que as situadas a sota-verrto , sendo
baixando. A colheita se estende de setembro a dezembro.
por isto melhores produtoras de ilrroz. A produtividade das terras
ribeirinhas do São Francisco é alta, de vez que se obtém, em média, A sementeira é feita pelo proprietário, que paga a trabalhadore.s
l .800 quilos de arroz por hectare assalariados. Os meeiros iniciam as suas atividades anuais tecebendo

A Terra e o Homem 110 Nordesl~ 135 l.36 Manuel Correia de Andrade


as mudas do proprietário, quando então deixam -as cidades em que
residem, acompanhados de suas familias, e se estabelecem em choupanas pequenos. :tJltimao1ente há alg1.1ns proprietários em Penedo dando
nas proximidades do arrozal. Geralmente, cada famili-a toma conta de terras a agncultore• de arroz, cobrando apenas 25% da prnduçífo, ao
4 a 5 tarefas, às vezes até 10. Nesta região, uma tarefa compreende mesmo teJ:J"lPO que encaminham e avalizam o financiamento dos mesmos .
25 braças em quadrn ou 3 .025 mi, quase um terço de hect-are. As .É w11a medída que segl.l.ida por outros proprietáüos, sobretudo quan-
famílias numerosas poderiam cuidar de áreas mais amplas, mas o do as terras de arroz Íotem ampliadas e diminuir a oferta de braços,
númi:ro <le candidatos é grande e o proprietário necessita atender a poderá te1Jolucionat O regime de trabalho na região.
todos. Ess-as áreas poderão ser ampliadas guando o saneamento e O arroz vendido aos proprietários de usinas de beneficiamento
drenagem de certos vales comu o Marituba abrirem m-ais terras à rizi- estabelecidos nas cidades - Penedo e Propriá ,sobretudo - é seco
cultura. As " lagoas do arroz" são divididas em quadros de 50 por e descascado, e re01et1do aos mercados consumidore~ em caminhões,
60 braças e com declive da ordem de 30 a 40 centimetros. Como quando localiz.ados (IO Nordeste, e por via marítima quando destinados
a colheita se estende, a montante de Penedo, -até outubro e novembro, ao Rio de Janeiro e a Santos. Uma firma p enedense - Peixoto, Gon-
são instaladas portas d'água que não só impedem a penetração das çalves & Cia. - possuí dois vapores empregados neste transporte . A
águas vindas com as primeíras enchentes, como também na vazante seca do arroz colhid~. na :frea de Piaçabuçu é feita em esmfas, devido
controlam a ~ida das mesmas, a fim de que se faça à proporção que o às chuvas ainda frequentes em julho, agosto e setembro, roas o arroz
arrozal caminha para o centro da lagoa. colhido no estio era até 1962 secado no Jei to das ruas das cidades mais
Como os meeíros necessitam adquirir alimentos e não percebem Jmportantes, como ocorre em Penedo, na parte da cidade vizinha ao
salários, é praxe os proprietários financiarem os mesmos cobrando juros porto. Os meeiros de Hrtoz não se limitam à atividade rizicultora, que
de 6 a 10% ao mês a receber na colheita. Cabe ao meeiro cuidar os empregii apenas d~rante quatro a cinco meses por ~mo; alugam tam-
do arrozal desde o transplante até a colheita, por um espaço, em média, bém, na zona de lgreJa Nova, terras onde cultivam roça, feijão e milho,
pagando 20% da re11dn ao proprietário. De qualquer forma, têm baixo
de três meses. Feita a colheita é necessário que se realize a debulha do
nível <le vida e pas6 3m Vátios meses do ano sem tet em que empregar
arroz a fim de que ele possa ir ser descascado nas u$inas. Essa debulha
pode ser feita manualmente, a pau, o que estraga muito o produto, o seu tu.balho.
ou através da máquina chamada trilhadeira ou batedeira e muito difu.n- Os proprietários costumam cultivar nas terras altas, com irrigação ,
dida no vale, graças à Comissão, o algodão he rbáceo de _fibra longa ( Sakaa 4) e, nos cordões sedimen-
tares silicosos, o aliodao, o milho, a bananeira e a mangueira. Criam
Para usar a trilhadeira tem o meeiro de pagar ao proprietário
gado de -vez que há boas pastngeo.s na região , e durnme o vcrao uti-
aluguel por cada alqueirt! beneficiado ( o alqueire alagoano equivale
lizam a palha de arroz como ração suplementar. Há , assim, uma com-
a 240 kg), pagando ainda ao cevador gue trabalha com a máquina,
plementaçâo, uma a~sociação rizicultura-pecuária em uma área onde esta
por alqueire. Além do cevador, trabalham na trilhadeira o medidor,
tende a tornar-se cada ~e2 mais importante, pois :a capacidade de lotação
empregado do proprietário e por ele pago, e de 8 a 10 ajudantes qu.e
é de 1 rês po1' hecrue,
são os próprios meeiros em regime de mutirão . Uma trilhadeira des-
casca cerca. de 40 alqueires por dia. Convém salientar que ela é ven- O Sul da Bahi~ _é praticamente um~ áre:il nova que se abre à
dida pela Corni~são do Vale do São Francisco a prazo, com uina entrada exploração agro-pecvarla !lesta segunda metade do século XX . Fazemos
de 25% e o pagamento do restante feito em três anos com juros de tal afirmação apesar de saber que as primeír@S vilas do litoral -
7% ao ano. Como se vê , é a aqu_isíção da ttilhadeira um exceleme Sao Jorge dos Ilhéus e Porto Seguro - foram fundadas no século
XVI, :no início da colonização da costa brasileira , Esras v.ilas, porém,
emprego de capüal pata os proprietários.
pouco prosperaram e suas capitanias foram absorvidas p ela da Bahia.
Alcançado o primeiro beneficiamento é o arroz dividido, ficando A partir dos fins do século XVIII foram abert:as matas ao Oeste de
50% paro. o meeiro e 50% para o proprietário. Muitas vezes o con- Ilhéus onde começou a ser cultivado com sucesso, o cacau, cultura
tuto obriga o meeiro a vender a sua parte ao proprietário por preço oriunda da Amazônja Gue aí encontra'va solos .:favoráveis e um clima
equivalente a dois terços do preço corrente na praça. Às vezes, porém, quente e úmido com chuvas d istribuídas d urnfl. te todo o ano. E o
o meeiro pode vender a sua parte na produção a -quem lhe aprouver. cacau fez a riqueziJ da região, voltando-a in te:itamcntc para o mer•
A reclamação é grande, mas o proprietários alegam que seus lucros são cado externo, de vr;;,J, que mais de 90% de sua _produção é destinada à

A Terra e o Hom~m no Nordnte 137 118 Mmwel Correia Jc Andrade


expor tação. Sua cultura e a riqueza canalizada por ela para a reg1~0,
provocaram migrações de trabalhadore-S de outras regiões da Bahia e de
Sergipe, criando aí um sisrcma agrkola e uma sociedade diferentes de
quai.squer outros do Brasil. O cacaueiro, necessitando de sombra para
se · desenvolver, não acarretou destruição da florest-a e, sendo perma-
nente, fez com que houvesse grande necessidade de brnços apenas no
período da co lheita. Por isto é pequeno o número de traba lhadores IV
fjxos nas fazendas, residindo os mesmos nas cidades e vilas e prestando
serviços aos proprietários quando convocados, corno assalariados. Na
entre-safra o trabalhador deixa-se ficar nos centros urbanos - Ilhéus PROPRIEDADE, POLICULTUR~ E MÃO-DE-OBRA
e I tabuna, sobretudo - vivendo Je serviços ocasionais, ou migra NO AGRESTE
para outras ,egioes . as fazendas o cacau imperialisticamente ocupa
roda a área agricultável, permitindo apenas a existência de pequenos
cercados nas sl':dl':s de fazenda ·, e Inexistem culturas de subsistência. A
fai:inha o milho, o feíjão, as frutas e os legumes con umidos na área são
importados de outras t'eglões e vendídos, conseqüentemente, a preços
elevados.
Modernamente, nas áreas arenosas situadas na proximidade d11
costa e refugadas, devido às condições pedológicas, pelo cacau, vêm
sendo ocupadas por culturas que ~e desenvolvem na regíão em função
do crescimento industrial do país, como o <lendê e a seringueira. Siio
culturas feitas por grandes empresas com elevado emprego de capital e
de técnica moderna e que ·utiüzain mão-de-obra assalariada. A pecuária
e a exploração florestal são também duas atividades de grande ímpor-
Lil.ncia econômica rm Sul da Bahia.
A recente abertura da BR-101, <jue diminuirá a distância entre
Salvador e o Riu de .Janeiro, estimulará o desenvolvimento do turismo,
sobretudo se lev11uno5 cm conta que na área se encontram Porto Seguro
- cidade histórica ligada ao descobrimento do Brasil - e lhéus, popu-
larízada em todo o _país pelos famosos romances de Jorge Amado.

A Terra e o Homem flO Nordeste 139


nas áreas maís secas e distantes, fazendas e currais onde solt-avam o
gado visando abastecer os seus engenhos (Foto n.º 10).
O Agreste, localizado quase inteiramente sobte a Borborema, ape-
l sar de próximo à área açucareira e de dispor de condições climáticas e
pastagen~ favoráveis ao desenvolvimento da pecuária, foi tardiamente
A PECUÁRIA E O POVOAMENTO povoado. Na realidade, só a sua porção baixa, situada ao sopé da serra
DO AGRESTE e que se estende pelo médio curso do l?ara[ba do Norte e do Maman-
guape, foi ocupada por criadores ante~ d.li guerra holaL,desa. Essa
A ci;iaçiio de gado foi desde os primeiros tempos uma atividade ccupação, que se estendt'<I. até as proximidades· da serra do Cupaoba,
econômica subsidiária da cana-de-açúcar. Os engenhos ernm quase sem- onde Duarte Gumes da Silveíra possuía currais ( 1 ) esparsos em área
pre movidos a trac,ão animal e tanto o tram;portt: da oana, dos partidos muito ampla, resultara do devassamento do médio Mamanguape pelos
pará a fábrica , como o minsporre do açúcar, das fábricas para os portos franceses que com apoio dos potiguares dominaram a região por vádas
de embarque, estavam sempre a exígir grande número de bois e de décadas do século XVI , desenvolvendo intenso comércio de pau-brasil,
cavalos. Nas entre-safras eram esses animais colocados em áreas de produto típico das matas secas. ( 2 )
praias ou, se distantes do mar, em trechos pr6prios nas grandes proprie- A parte alta, as superfícies aplainadas sobre a Borborema, não
dades, a fim de passarem o "inverno" sem molestar as plantações , nem h11viam sido exploradas, haviam sido contornadas ao Sul por criadores
criar transtornos às atividades agrícolas. Não dispondo de arame far- de gado quando subiam o São Frnncisco, ao Norte quando alcançavam
pado pata fazer cetcados, costumavam os senhores-Je-eugenho destinar e subiam os Vales do Açu e do Apodi e ao Oeste quando os criadores
à criação propriamente dita, áreas distanciadas tanto dos canaviais baianos transpuseram o Rio São Francisco e subiram os seus afluentes
como de Olinda e do Recife, gtie eram o grande empório açuca- da margem esquerda - o Moxotó e o Pajeú - . O Ipanema seria :,1.
reiro . Por isso, por ocasião da invasão holandesa, já a agricultura ca- vfa de penetração para o Agre'ste, como assegura Hilcon Sette. ( s) Só
navieira se concentrava em alguns vales como o Paraíba do Norte, o após a guerra holandesa, porém, é que esta região seria conquistada e
Capibaribe, o Jaboatão, o Ipojuca e o Serinhaém, enquanto a pecuárja economicamente integrada no Nordeste.
extensiva ocupava os amplos tabuleiros alagoanos, sobretudo nas áreas O devassamento do Agreste deve ter-se ínici-ado durante a ocupa-
drenadas pelo São Francbco e pelo Coruripe e se expandla, ao Norte, ção holandesa, quando companhias de emboscada e predadores ligados
pelos vales do Mamanguape 1 do Camaratuba e pelo Rio Grande do ao governo português da Bahia procuravam, usando os mais difíceis
Norte. caminhos, destruir os canaviats da área submetida ao dom(nio batavo.
Nos p r imeiros tempos a criação de gado foi uma atividade a que Este conhecimento se tornaria mais sistemático após a expulsão dos
alguns se dedicaram geralmente com espíríto deruasifldo independente holandeses, quaodo os pernambucanos tiveram de destruir o Quilombo
pata se submeterem à hierarquia social rígida da civilização -açucareira ; dos PaLnares e liquidar a chamada "Confederação dos Catirís".
como não dispunham de capitais p-ara montar engenho~, adq'u irir es- O Quilombo dos Pa1mares, co111 uma série de redutos satélites,
cravos e plantar canaviais, procmaram estabelecer-se sempre nas pl"Oxi- exerceu influência na segunda metade do século XVII, por áreas gue
midades da costa ou dos rios navegáveis, uma vc-., que os transportes se estendiam desde Atalaia, em Alagoas, até Garanhuns, em Pernam-
por água ernh1 os únicos usados para as grandes travessias. A guerra
holandesa e o medo de perder seus animais , requisitados pelos inva-
(l) Herckmann, Elias, Descrição Geral da Capitanüi da Paraíba (l6J9),
sores, fizeram com que criadores alagoanos e sergipanos subissem o
em "Revista do Instíruro Arqueológico , Hisrórico e Geográfico Pemambucano'',
Río São Francisco em demanda do sertão. n.• 31, págs. 239 e. 265.
Ricos senhores-de-engenho, como João Fernandes Vieira, André (2) Andrade, Manuel Corteia de, Os Rios de A,;úcar do Nordeste Oriental.
Vidal de Negreiros e Duarte Gomes da Silveira, costumavam fundar, II - O Rio Mamanguczpt, pág. 25.
(3)Serre, Hilron, Pesqueir,1_ Aspectos de wa Geografia UrbarUI e de
mas relações inter-regionais, pág. 40.
A T erra e o J-/.01111:tn 110 Nordeste 143
144 Man11el Correia de Andrade
buco, compreendendo, assim, grandes porções da Mata e do Agreste. A
sua destruição deu m~tgem a que inúmeras sesmarias surgissem em
áreas antes fora do domínio do governo português.
A lura contra os úidios cariris .revoltados ante a pressão cada vez
maior dos pecuaristas que lhes tomavam a terra e os escravizavam, fa-
zendo por qualquer pretexto o que chamavam de "guerra justa", não
só possibilitou o desbravamento do Agreste e de parte do Sertão, como
aniquilou o poderio indígena, faz.e ndo com que os remanescentes das
poderosas ttibos se recolhessem h serras, aos brejos altos menos acessí-
veis aos brancos e menos cobiçados pelos criadores de gado.
Assim, após esses dois eventos, -a liquidação do Estado Negro e
das ttibos indígenas, passaram os governadores a doar sesIDarias nas
ribeiras do Paraiba do Norte, do Capibaribe, do Ipojoca e do Una. A{
se constituirom, nos primeiros tempos, grandes fazendas, uma vez que
a propriedade doada em sesmaria tinha quase sempre três léguas de
compi;imento por uma de largura, ou seja, 1.1ma e"Xtensão superior a
10.000 hectares. Como o Agreste tem relevo movimentado e os brejos
são freqüentes, as propriedade dispunham quase sempre de amplas
extensões aplainadas propícias ii criação, onde se desenvolviam a milhã ,
e capim de cheiro e o mimoso, e possufam t-ambém algumas áreas úmi-
das de brejo onde se faziam, desde os t_>rimeiros tempos, cu1turas de
subsistência; dispunham ainda de água no leito dos rios durante a esta-
ção chuvosa, ou em cacimbas neles escavadas durante as estações secas.
Formavam, assim 1 estabelecimentos com economia própria que se auto-
abastedam, pois era uma área onde, devido à moviment-.ação do relevo,
tornava-se difícil abastecer-se com produtos de outrn região. S6 o gado ,
que se auto-Lranspott11va, era mercadoria destinada ao abastecimento
da cidade de Olinda e dos engenhos d:1 zona úmida.
A criação extensiva, com gado solto,. não requeria grandes cuida-
dos, não necessitava de muitos braços. Por isso, nos primeiros tempos,
era pequeno o número de escravos na região. A fazenda era quase sem-
pre administrada por um vaqueiro que zelava pata que o gado não se
extraviasse e não fosse dizimado pelas epizootias. O proprietário vivía
geralmente na cidade ou cm engenhos da Mata. O vaqueiro providen-
ciava a construção de cacimbas durante a .seca e a condução do gado
aos bebedouros, assim como cortava as "rnmas", as cactáceas e as ma-
cambiras, alimentos que mitigavam a fome dos animais nos meses secos,
q,iando não _havia mais pastagem. Fiscalizava o gado no campo, forra-
va, "assinalava", benzia em caso de doençn e an,ans-ava bois e burros.
As vezes, nas grandes fuzendas, havia urna verdadeíta equipe de va-

146 M,muel Correia de Andrade


queiros, cada um com a sua especialidade, donde a existência do cam- geralmente havia em cada fazenda, fora o vaqueiro, alguns mestiços
peiro, do ferrador, do benzedor e do amansador. (~) forros chamados o.-a de "alugados" ora de "fábricas'', ( 7 ) que fazi:un
P~ra que os animais de ,im proprietário não se confundissem com serviç~s auxL!iares recebendo pcquen~ remu□~ração ~m espécie, a!ém
os de outro, recebiam o "sinal" ou a "ferra". O sinal era feito geral- de cas-a e comida. Aqueles que tangiam a pe a· boiadas para a areo
mente etn caprinos e ovinos e consistia em um cotte na orelha, corte úmida, fazendo viagens de muitas léguas, eram chamados de tange-
que era feito de maneira diferente por cada proprietário. O gado dores ou tangerinos. Para essas longas caminhadas, assim como para
bovino era marcado com um feno em brasa com as in iciais do seu dias inteiros a perseguir o· animais bravios nas caatingas, o habitan!e
proprietário: era a "forra". Ferrava-se com o forro do propdetário do do Agreste e do Sertão tinha uma alimentação própria. Em um alfot1e
lado direito, enquanto no esquerdo se punha a marca da ribeira em de couro, o "mocó", le11ava a paçoca ( carne seca pisada. no pHiío
que a fazenda se localizava. Assim, animais de fazendas e de ribeiras com farinha) e n tapadura. Também costumava levar o camboe1ro
diversas, caminhando, reuniam-se em pontos mais favoráveis, sem que ( carne seca cortada miudinha com farinha) e um saco de couro - ,ª
houvesse dificuldade de ser identificada a fazenda a que pertenciam. borracha - utilíz,ado para transportar a água que .se conservava, at,
Findo cada invert10, quando se costumava remeter ao mercado consu- fria e límpida. ( 8 )
midor os anímais gordos, os "bois do ano", reuniam-se os vaqueiros Para prover a própria alimentação,_ costumavam o.s vaqueiros e
de várias sesmarias para apartar o gado, separa11do os animais de pro- agregados derrubar trechos das matas existentes nos bte10s, desde que
priedades diversas e ferrando os novos. Essas reuniões, que eram chca- os indígenas não ofereciam mais sél'ia resistência, e _aí faziam ..r_oçados
madas de "juntas" ou "apartações", tomavam-se verdadeiras festas> onde cultivavam alimentos básicos, sobretudo o milho, o fe1JaO e a
pois -reuniam vaqueiros das mais diversas procedêndas. (") mandioca. Costumavam também cultivar os leitos se~os dos rio~, _apl'o-
Não taro algum animal mais arisco fugia ao laço do vaqueiro, veitando a umidade fornecida pelo lençol d'água aluvwl; essa atlvtdflde
passando anos na caatinga sem ser preado. Era o animal bravio semi- agrícola é chamada ainda hoje de ''lavoura de vt1zante", de vez qüc
-selvagem, o "barbatão" que logo ganhava fama au·aLndo os vaqueiros avança pelo leito do rio à proporção que baixa. o níve! das ág~as,
mais famosos em sua perseguição. Pai·a a sua captura convocavam-se Geralmente os agricultores não se fixava:11 nos bre1os; abriam da~cm1s
vaqueiros das várias ribeiras que em verdadeira festa iam perseguir na mata , onde p lanuwam roçados e faziam. uma choça que servia de
o animal bravio. O que o derrubava, além de grande fama, recebia abrigo nos dias de mais inten o trabalho e de local para guardar _os
como prêmio, ou o animal vencido, ou uma importância em di nheiro. utensílios . Geralmente essas choças eram cobertas de folhas de pm-
Ainda hoje, no Sertão, fazem festas deste tipo, precedidas por impressos doba ou de catolé e às vezes de sapé , ('1 ) Agricu[tura transumante deste
em que se anuncia a data, o local, os caracterfaticos do animal e o tipo foi surpreendida ainda em 1952 por Mário ~acerda de Melo ( '.º)
valor do prêmio . A pr6pria vaquejada, ( 6 ) festa popular em toda a na se.tt-i\ Negra, no Sertão pernamb~cano, e por nos em 1961, no baixo
área pecuadsta nordestina e que consiste em fazer correr um grupo São Frandsco, em Alagoas e Sergipe.
de vaqueiros atrás de uma rés arisca, em cercado estreito e comprido, As in. ralações das sedes de fa,1,enda eram de grande pobreza se
teve origem, certamente, nas antigas apartações. comparadas com as instalações dos engenhos da Região da M11ta; qu:m -
O vaqueiro, que era o responsável pela fazenda, não recebia salário do O proprietário nela resídía, a casa era coberta de telhas. Ao seu
em dinheiro. Sua remuneração correspondia a um quarto da produção lado ficavam as casas dos vaqueitos e agregados, 9uase sempre cobertas
da fazenda, pois em cada quatro bezerros que nasciam, um lhe pertencia de palha, °' currais de pau-a-pique e etn frente ficava o pátio, isto é,
e os outros tr~s eram do proprietário. Ao apartar> podia o vaqueíro um campo amplo de on_de se retiravam to?as as árvores e onde: se con-
vendet os animais de sua propriedade. Às vezes, ern grandes fazen das centravam os reses trazidas para os cut,als.
devido à elevada produção, o vaqueiro terminava também fazendeiro;
(7) Diégues Júoior, Maauel, Regiõtr Culturais do .Brasil, pâgs" 154; Prado
( 4) Documentaç?ío Hist6rica Pernambucana, vol. 1, págs. 4, 91, 9.3, 171 Júoior 1 Cnio, Por11111ç'ão do Braiil Conltrnporifoeo, pág. 187.
e 173; Joffily, Irineu, Nota.r sobre a Paraíba, p:Ígs. 31 e 32. · (8) Câmara Cascudo, Luís, Hist6ria do Rio Grtllld(? do Norte , pág. 116,
(5) Joffily, lrincu, Notar sobrtr a Paraíba, p:lg. 126 e segs. (9) Joffily, Irineu, Notas sobre a Paraíba, pág. 117.
, ( 6) Câmara ~scudo, Luís, Tradições Populares da Pecuária Nordestina, (10) Lacerda de Melo, Márto. A Serra Nexra, 11ma "ilha" na c<UJtí11ga ,
pag. 1J a 25.
pág. 150.
A Terra e o Homem no Nordeste 147
148 Ma1111éi Correía de A11drade
No~ meados do século XV II, quando a população agrestina já A população agrestina era em geral pobre, limitando-se a cultivar
crescera bastante e a pecuátia extensiva não era capaz de absorvei· a o algodão - produto cuja cultura se expandia de. de os meados do
mão-de-obra aí existente, os índio · refugiados nos brejos de altitude século XVITT, mas que só no início do século XIX realizaria uma revo-
foram sendo aldeados e as seca$ foram fazendo com que os habitantes lução no Agreste e no Sertão - o milho, o feijão, a mandioca e a
da caatinga se abrigassem nos brejos úmidos, ambientando os mesmos cana-de-açúcar, para fazer mel e rapadura. As lavouras davam assim
à coleta dos produtos florestais e à agricultura; foi aí que os brejos de lucros reduzidos . '
altitude passaram a ser mais densamente povoados . Aí iri am con-
centrar-se grupos humanos que se dedicavam à agricultura de manti- O gado destinado ao abastecimento do mercado interno não dava
mentos e à cultura de cana-de-açúcar, que eni transformada po,r enge- grandes despe. a , nem também grandes lucros. A população pobre
nhocas cm rapadura e 11guardente, dando origem a sítios e até a pe- ganhava a vida, conforme a área, ora com o comércio do gado -
quenas vilas. Agregados dos fazendeiros da caAtinga tornaram-se mui- Campina Grande - , ora apascentando o gado dos senhores-de.~engenho
tas vezes foreiros, agricultores e rendeiros que abasteciam o Agreste da ~egião da Mata, que ia passar o "inverno" '?º Agres re - .Bom
rlt: P.êneros alimentícios e, quando a cultura e o comércio do algodão Jardim - , ora se alugando como tangedora do gado que ia para o
abriram condições, passaram a fornecê-los também à Mata e ao Sertão. Recife ou para Salvador - Gatanhuns-, Cimbres e Bezerros. lntete -
sante é gue a influência dessas duas cidades era muito grande na região,
Assim. na sei;i;unda metade do século XVIII, existiam na região uma vez que vinha gado de Garanhuns e de Cimbres para o Recife ao
agrestina seis freguesias com uma população total de 14.095 hab. ( 11 ) mesmo tempo em que ia de Bezerros, localizada muito mais próxirn11
distribuída de acordo com a Tabela n .º 6. des.ra cidade, para Salvador. A influência da Capital baiana chegava ,
assim, até quase a nossa zona ,açuca reira, embora a inHuência pernam-
TABELA N_u 6 bucana penetl'asse nesta área "economicamente contestada' até a porção
mais ocidental do Agreste.
Freguesías
Campina G~nd 2.480 2
Cimbres 1.140
Bom Jardim 4.687 O SURTO ALGODOEIRO NO AGRESTE E O
Limoeiro 272 DESENVOLVIME TO DO TRABALHO
Bezerros 1.838 ASSALARIADO
Garanhuns 3.669
O algodão opel'Ou, após os meados do século XVIIf, uma ver-
dadeira revolução ag1·ái.-ia no Agreste. Cultura autóc tone que tivera
Observa-se, assin1, já em 1774, urna ccndência a maior concen-
relativa importância no primeiro século de colonização, fora pratica-
tração populacional nas :áreas úmidas de brejo, onde se localiz~vam
mente eclipsada no século seguinte, para reaparecer estuante de vida
Cimhres, Bom }'.lrdim e Garanbuns, dedicando-se essa população, em
getal, à agriculcura de subsistência. As outras três vilas se localizavam no século XVIII e tornar-se uma das principais culturas agrícolas do
à margem dos caminhos de penetração: Campina Grande, centro de Nordeste até os nossos dias. Vários fatures contl'ibuíram para o seu
desenvolvimento: o aumento d\l população e u conseqüente aumento
comércio do gado, era como a porra de penecração parn o sertão parai-
do consumo de tecidos ordinários como o chamado "~lgodaozinho"; a
bano, para o Cariri; Limoeirn e Bezerros, localizados rc·spectivamente
descoberta ela máquina a vapor e o seu emprego na indús L ia têxtil na
nos vales do Capibaribe e do Ipojuca, eram "pousos" à espera dos
tropeirns que do Recife demandavam o Agreste ou o Sertão ou que, Inglaterra e a conseqüente revolução industrial; a obenura dos portos
às nações amigas por D . João VI em J 808; e os eventos políticos
oriundos destas regiões, procuravam o Recife.
internacionais como a Guerra de Secessão, eliminando do mercado
internacional, pot período relativamente longo, concorrentes que dís-
( J 1} Idéia Geral ,ta Capitania de Perna111b11co e suas anexas, etc., em punham de técnicas ma is aperfeiçoadas e de produto de melhor (111ali-
"Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro", vol. XL, págs, 100 e segs. dade que. o Nordeste brasileü-o. Por isto podemos dizer que, desde 1750
A Terra e D Homem /'lO NDrdi:rte 149 150 Manuel Correia de Andrade
feita no perlodo mais seco do ano, podiam a "rama" do algodoeiro e
até 1940, o algodão foi um dos principais produtos nordestinos e o a palha do milho servir de alimento ao gado que era posto a pastar
único que enfrentou a cana-de-açúcar c:ol.l'l algum êxito, na disputa às por dois ou três meses na área em que fora cultivado; justamente nos
terras e aos braços. ' meses mais secos do ·ano, quando o gado não dispunha de pa~tagens
Foi a parfo de 1750 que o algodão começou a ter imp?rtância e no campo. Esta vantagem viria animar os grandes p,op ríetários da
a pesar na economia nordestina, segu1~do se deduz do~ ens :namen~os região, sempre criadores de gado, uma vez que aumentarü1m seus lucros
de Pereira ela Costa ( 1 ) o Governo crtou uma lnspecçao do Algodao , sem aba ndonar, ao contrário, melhorando aind;.,1 mais a sua atividade
depois trnnsformad~ em Alfândega do Algodão, destinada a fazer o econômica tradicional. Ainda hoje podemos observar como, no Agreste
exame e a classifüação do artigo destinado à exportação. As culturas e no Se.rtão, a cciação de gado é a atividade econôtnica mais ligada ao
eram feitas, inicialmenLe, na própria região da Mata 1 mas penetraram laüfúndio, poís os grandes proprietários são sempre, priocipalmente,
c,ada vez mais para o interior, 1.1ma vez que à proporção que se di_stan- i:iecuarist~s , e s6 subsidiari!unente, agricultores , Esta regra só é que-
ciavam do litoral, encontrávam condições naturais mais favoníve1s ao brada nos b!'c jos, onde as condições clímátícas são desfavoráveis à
seu desenvolvimento. Favorecia o avanço algodoeiro a es agnaçiío que criação de bovino~ e onde a propriedade está quase sempre muito
dominava o parque açucareirn, tanto coro a baixa produtividade ggrfcola d ividida.
da cana "crioula", como da baixa produtividade industrial dos engenhos O desenvolvimento da cultura do algodoeim tornou-st: maior no
a tração animal. O economísta Celso Furtado ( 2 } é de opinião que esta início do século X I X qua11do 1 gtaças aos estudos do na tt11'11 Usta Arruda
fase possibilitou a liberação da mão-de-obra que a indústria açuc~reira Câmal'a, passou-se a retirar o óleo do caroço do algodão ; desenvolveu-se
não podia absorver, e petmitiu a expulsão de excedente popul-aoooal mais ainda após a abertura dos portos quando o Recife, ligado düeta-
para o Agreste e 01.1tras áreas próximas à Mata. me11te ao comércio inglês e depois ao francês, teve os preços dos pro-
O algodao era por natureza 1.iwa cultura mais democrática que dutos de expottação elevados consideravelmente. Na década de 1841-
a cana-de-açúcar. Não só os grandes proprietários, utilizando mão-de- -5 0 foram introduzidas em Fernambuco mudas de algodão herbáceo ( 4 )
-obra escrava e assalati-ada cultívavam-,oo, como também pequenos pro- de origem norte-americana, que logo se alasti:aram pelo Agreste e Ser-
prietários, foreiros e moradores. A indust:i~lizaçifo mais bara~a e men~s tão, adaptando-se em municípios os mais diversos quanto às condições
urgente que a da cana, colocou o ben~f1c1arnen~o d~ algodau lla mao climáticas como Garanhuns, Brejo da Madre de Deus, Cimbres e
de comerciantes que, com suas bo1andeiras, a prtndp10; e seus de caro- Flores. Davam-se, assim, alicerces sólidos ao verdadeiro rush algodoeiro
çadores, depois, estabeleciam-se em cidades, vilas e povoações, passan- que aüngiri"- o clímax durante a guerra de Secessão ( Í86 l-64) , quando
do a comprar a matéria -prima ao agricultor ~ara vendê-la, após ~ h:ne- o Sul dos Estados U1,idos, sem o contrnle dos mares, viu-se fora do
fici11mento, aos exportadores. Daí ter conrr1buido desde o_s. primeiros mercado consumidor inglês. Não só o Agreste e o Sertão se embria-
tempos para o desenvolvimento ~a vida ~rbana ,_ao contrari? do que garam na vo~gem algodoeira; também va les açucareiros 1 como o do
ocorria com a cana-de-açúcar. Atrtda hoie as cidades localizadas no Paraíba do Norte, do C:ipibaribe Mirim, do Tracunhaém , do Sirij i, do
Agreste são maiores e têm mais movimento corneteia! que as da região Mun<laú e do Paraíba do Meio, viram árei1s de matas dev11stadas e
da Mata. ~etras Je cana ocupadas por algodoais . Muitos descaroçadores funcio-
Primitivamente cultivavam variedades de algodão nativo do dpo naram em bagaceir:1 e até em moitas de engenhos e muitas pessoas de
arbóreo, que produzia por um per1odo de cerca de trê~ a quatro ânos. parcos recurso· er1.tiq ueceram, ascenderam de status social , passando
Koster, C1 ) ao percorre r o Nordeste, enconuou-o cultivado nas terras a conviver em igualdade de cond ições com os orgulhosos senhores-de-
descansadas em associação om o milho. Esta era uma das suas grandes -engenho. As pessoas de cor que co•~eguitain essa a censão em poucos
vantag~ns: 'partilhar com uma Clllt~ra de subsist~ncia ,a terra que -anos, foram chamadas em certas áreas os "brancos do algod!i.1.1" . O
ccupava, permitindo ao pequeno agriculto r produzir em uma mesma algodão teve ainda grande importância no nosso século; não fosse 11
área com um só trabalho de preparação da terra e de limpeza d~s cul- crise de 1929-30, a praga da lagarta rosada e a expansão dos algodoa i
tura;, 0 alimento e o produto comercial. Além disto, após a colheita, paulistas, e Lalvez hoje ainda foss•e o a1godão o grande concorrente do

( 1) Aliais Pemambucono'i, vol. VI, pág. 83 . ( 4) Pi:rdra da Co ia, F. A., O Algodifo ,,,, Per110.mbuco. Vi~ltt Hu t6rico•
(2) A Opm,ção Nordeste, pág , 2.2; Formação Econ6mica do Brasil, pdg. &l. •rctrospe,tiva, pág. 17.
(.3 J 'Viagens ao Nordeslll do Bl'asil, págs. 4n e 455.
l52 Manuel Correia de A11dr11de
A terra e o Homem no Nordeste 151
açúcar naquelas áreas nordestinas sub-úmidas, indecisas t:ntre a · áreas
centemente, com certeza com dinheiro do algodão, um sobrado para
úmidas da Mata e serni-áddas do Agreste e do Senão.
sua residência e senzalas com "um ar de conforto" para alojar seu5
Os cronistas que nos visitaram nos pómeiros anos do século XIX, escravos.
Tcllenare e Koster, sobretudo, afirmavam que o~ grandes proprietários
No Brejo da Paraíba, a fase inicial das culturas de subsistência
de terras, após a abertura dos portos, eufóricos com os altos preços do
- mandioca, cereais e cana em pequena escala para ser moída em
algodão, organizavam verdadeiras planlations deste prnduto. Cufo-
engenhos de moenda de pàu, vetticais e movjdos a boi - h.1via sido
vavam-no aristocraticamente, como faziam C(.)lll -a cana-de-açúcar. Assim,
substituída pela algodoeira, j:í cm 1815, a ponto de haver, na primeira
para o arguto comerciante francês que. aqui esteve em 1816 e 1817,
metade do século XIX só na vila de Areia, quatro bolandeiras, além
n cultura algodocira era frita nas terras afastadas de 10 a 15 léguas
da Jocaliiadas cm outros povoados e sítio . Aí, o algodão, apesar de
da Capital, havendo proprietários que empregavam de 100 a 1.50
rcr contra ele "os inconvenientes das chuvas excessivas, da friagem
negros. No Ceará havia até proprietários que dispunham para a sua
e também das pragas" que i,:>rejudicavam as safras pendentes, foi mais
cultura, de 300 negros. Poucas eram as despesas com a manutenção
compensador dó que a cana nté os meados do sécl,llo. ( ~) Só então
dos escravos, urna vez que não davam carne aos mesmos, alimentando-os
se iniciou o terceiro ciclo econômico do Brejo paraibano - o da cana-
com farinha e angu de milho, obrigando-os a cultivar a mandioca e o
-de-açúcar - sucedendo ao algodão, da mesma forma que este sucede~
milho, este em associação com a malvácea. :e
possível que houvesse
ao das lavouras de subsistência.
n(I época muita caça no Agreste e que o próprio escravo tratasse nas
ocasiões de menos trabalho, de complementar essa nlirner1tação. Admi- a caatinga agrestina . paraibana tarnbém o algodão se alastrou
tindo que ~da negro produzisse 20 arrobii.s de algodão por a110 e que ~e t•al forma que a propriedades rurais aí localizadas "cbegaram a riva-
.1 arroba valesse, então, de seis a onze cruzeiros, o negro dava um
lrz,u• com os engenhos de açúcar, não somente pelo número de escravos
rendimento bem superior ao que daria no trabalho dos engenhos, isto que chegaram a possuir, e pelas construções, como pel'cls vantagens e
sem se levar em conta o desgaste físico que deve1ia ser maior na área lucros que dava o exercício da indústtí11". ( 0 )
açucareirv,1, onde .~e teria que exigir do negro um trabalho mais árduo, Mas não foram só os grru1des proprietários que se lançaram à
maí · pesado. ( õ ) O que encarecia o produto era o transporte para o cultura do algodão; os poucos pequenos proprietários e moradores pas-
porto do Recife através de péssimas estradas, em dorso de a1úmais. saram logo a semeá-lo nos pedaços de terra de que dispunham, asso-
Só mesmo a pequena produção dos plantios feitos na proximidades do ci11ndo-o ao milho e ao feijão, a fim de colher de um mesmo roçado o
litoral deu motivo a que esta cultura fosse empurrada para o interior produto de subsistência e o de venda . Para estes, a produção era pe-
até os ertões, distantes várias léguas do porto de embarque , quena, mas as despesas também eram mínimas, pois investiam apenas
um p_ouco de trabalho. Não só a possibilidade de poder fazer cult1m1
Até pessoas de nobreza , possuidoras de dezenas de escravos e
associada, como o fato de ser a mesma de ciclo vegetativo curto e de
de muitas léguas de terras, deixaram-se embriagar pela cultura dessa
não ter o agricultor necessidade de industri11lizar o produto, fazia com
malvácea; Koster cm sua vingem ao orte observou que, em face da
que o algodão, mais democrático que a cana, se tornasse cultura de ricos
incerteza da produção algodoeira ante as v;iriaçõcs climáticas, era fre•
e de pobres . Também compreenderam os proprietários que a "rama"
qüeme os senhores-de-engenho plantarem a um só tempo cana-de-açtícm:
do algodão e a palha do milho poderiam ser ração suplementar para o
e algodão. ( n) Procuravam, assim, consolidar sua economia em duas
gado nos meses mai!l secos - janeiro e fevere iro - . Passaram , então.
culturas para não ficarem na dependência -apenas do preço de uma só.
a. ceder "pel11 palha" 1 terra aos moradores de suas propriedades , da~
i o Agreste surgiram grandes plantações; em Bom Jardim, por vilas e dos povoados próximos. Em mf;lrço, com as primeiras chuvas, o
exemplo, teve o observador inglês a oportunidade de visitat· a fazenda proprietário entregav,a a terra ao agricultor que semeava o milho o
Pindoba , ·ujo dono era rico e possuía muitos escr11vos 1 i"ecebendo seus feijão, a fava e, em maio, o algodão. Durante o 11110 o agricultor Íà 'co-
hóspedes com luxo e iguarias. ( 7 ) Também um outro constru(rn, re- lhendo para si o produto do seu roçado, devendo concluir a colheita em
dezembro e devolver 11 terra ao proprietário a fim de que o gado deste ,
( 5) Tollenare, 1. F., Not(IS Domí11ícais 1 pág. 112 e sega.; f:( $ter, Henry, para aí trânsportado, se alimentasse com o restolho destas culturas no
obra citada, pág. 462.
(6) Kostcr, Henry. Viagens aó Nordeste do Brasil, págs. 103 a 107.
(7) Kos1er , Henry, Vi(lgt:n1 ao Nôrdes(e ,lo Brasil, págs, 268 a 272. ( 8) Almeida, Hor:lcio <le, Dre;o d1: Areia, pág. 147 t 148,
( 9) Joffily, lrineu, Notas sobre a Paraíba, págs. 115 e 116,
A Terra e o Ho1m:m no NordeJte 15.3
154 Manuel Correia de Andrade
agteslinos, e desenvolveu-se de forma considerá.vel. Parou engenhocas,
per!odo anterior às primeiras chuvas . Nenhuma renda era cobrada, uma expulsou para as terras arenosas e roais pobres as peque[).as e tradi -
vez que havi-a muitas terras e poucos agricultores , e dizia-se, então, que cionais lavouras de mandioca, milho e fumo , destruiu as matas exis-
a terra ero dada "pela p:ilha". Este sistema vigorou até o inldo de~te tentes e enriqueceu grandes proprietários. No Brejo paraibano sua
século e ainda hoíe, nas zonas mais distantes e nas terras menos pro- trajetória foi rápída e brilhante; ínttoduzído na árei1 de Bananeiras
dutivas, é, às ve.zes, encontrado em vigor. aproximadamente em 1840, tornou-se produto rei desde as últirnas
O trabalho escravo não era, por~m, o majs rendoso para a cultura décadas do século passado até 1925, quando foi Jiquidado pela praga
algodoeira. O algodão, sendo uma lavoura de ciclo vegetntívo curto, do Cerococus parabibemis. Bananeiras viveu nesse período grandes
dava trabalho ao negro apenas de maio a dezembro e sua colheita dias, formou-se ai uma al'istocracia do café, com coronéis, coroendidot
erá largamente feita por mulheres. Nao tinha, corno a cana, de ser cui- e até Barao - o de Araruima - . A pequena cidade teve igreja grande
dado todo o ano. Pol' isto foram os propriet,írios compreendendo não e bem construída, colégios, jornais e comércio movimentado, para ver
ser vantajoso manter o escravo por todo o ano, se o ocopavarn apenas a decadência cbegar, trazida por uma praga que os conhecimentos téc-
durante oito ou nove meses. Também os preços dos escravos passaram nicos da época não souberam combater. ( 1 ~ ) No seu periodo áureo o
a se ele_var muito a partir de 1854, depois da exrinção do tráfico, e café se estendeu por todo o Brejo paraibano, aproveitando-se da des-
nos anos de seca, mantê-los era um problema. Daí item os foze.ti- truição da caaa "caiana" pela praga da gomose, que atingiu o seu clímax
deiros do Agreste gradativamente substituindo o trabalho escravo pelo eln 1884. O café teria, assim, o seu auge de desenvolvimento na última
livre, chegando mesmo a pagar s1!lários elevados para a época, qu11-0do década do século passado e nas duas primeitas deste século. A. des•
o algodão subia e queriam ampliar suas plantações. Assim, no Sertão truiçao dos cafezais, de 1921 a 1925, provocada uma volta à cana-
cearense, chegaram a pagar, em 186.3, 1$280 réis por um dia de tra• -de-açúcar, em Areia e municípios vizinhos, com a criação de engenhos
balbo, ( 1 º) enquanto em Pernambuco , em 1875 , os salários oscilavam rapadureiros a vapor e a posterior instalação de usinas - Santa Maria
entte 1$000 e $800. ( ª) Nesse ano, segundo depoimento de teste- em 19.31 e a S. Francisco em 1948 ( 10 ) - e o desenvolvimento das
munha conhecedora dos nossos problemas rurais , ( 12 ) o trabalho es- culturas de fumo, em Bananeiras, e da agave, sobretudo em Anüa. ( 11 )
cravo desaparecera completamente das nossas culturas de algodão e Observa-se , assim, que no maior brejo agrestino houve uma suces-
legumes, onde dominava a pequena explotação, continuando, porém, a são de ciclos econômicos em poucos séculos de utilização da terra.
compreender perto de 50% dos trabalhadores. em caMviais. Ciclos determinados pelo aparecirnento de culturas que sub sútufam
Na segunda metade do s&ulo XIX, quase um século após o surto outras geralmente devastadas por pragas. Observa-se, porém , que a
algodoeiro, novo produto viria transformar as paisagens agrestinas, cana-de-açúcat, o café e, modernamente, a ag-ave foram lavouras feitas
devastar grandes área& de mata nos brejos e ampliar a contribuição no estilo de grandes c1.tl.t.iras que imperialisticamente afastavam para
da agticultura à economia regíonal - o café-. Ele se desenvolveria as áreas de solos pobres os outros produtos. Foram lavouras que car-
tanto nas áreas de brejo, nas encostas, cristas e nos planaltos de altiludes rearam ora mais, ora menos di.nhei.to para os grandes e médios pro-
superiores a 500 metros, como nos rebordos da Borborema, na área príetários, deixando em situaç:fo de miséria a maioria da populaçao.
em que o Agreste e a mata se encohlram e confundem. Introduzido A escravidão não tinha aí , grande importância corno nas áreas
no Nordeste nos últimos anos do século XVIII ( 13 ) e início do do Sul de ?ernambuco, uma vez que viviam no Brejo apenas 3.6}0
XTX, ( 14 ) o café foi pot alguma dezenas de anos lJlanta de quintal, escravos, isto é, 14% dos cativos da Pnafba, em 1880, ( i u) mas os tra-
cultivado apenas para uso doméstico. Nos meados do século XIX, b1lhadores rurais levavam e levam , até os nossos dias, vida de escravo.
porém, aproveitando o baixo rendimento dado pela cultura da . cana- Horácio de Almeida, o arguto escritor areiense, falando sobre os mora-
-de-açúcar, foi o café introduzido nas áreas de altitude, nos brejos dores dos engenhos e fazendas do Brejo paraibano, afirma que " Os

(10} Thcophilo, Rodolpho, Híslória ,ia Seca do CearJ 0871-1880) pág. 27. ( 15) Mariz, Celso, Cidades e Homens, págs. 95 e segs.
( 11) Mílle1 , Henrique Augusto, O.r Q11ebra-Kilos e a ci·if;e da Lavo11ra, ( 16) Andrade, Manuel Correia de, Os Rior de Açúcar do Nordeste Orien•
pág, Vll. l/11. 1I - Rio Mllm/lngti/lpe, plÍgs. 43 e ,egs.
(12) Miller, Henrique Augusto, Auxilio a L,:vom.i a Crédito Real, pág. 33. ( 17) Almdda 1 Horácio, Brejo de Areia, págs. 147-165.
( 13) Mariz, Celso, Cidades ~ Home11s, pág. 93-4. ( 18 ) Almeida, José Américo de, A Paraíba e os seras problemar, pág. 208 .
( 14) Ko5ter , Henry, Víagenr ao Nordesle, pág, 46).
1.56 Ma11uel Corteia de And,ade
A Terra e o Homem 110 NorJ,we D::i
assalariados moravam em mocambos de palha, que mai, p<1reciam chi-
queiros de porços. E nessas esterqueiras criavam a família , dorm,indo quando a escravidão já estava prestes a expirar, o café tornou-se a
cm magotes em jiraus de vara ou no çhão úmído, na m<ais abjeta _pro~fa- cultura cumercial de maior im portância dos brejos do Agreste pernam-
(uidade . Quando chovia, a água corri~ em bica por dentro da pocilga , bucano e alagoano, colocando Pethambuco como o principal produtor
cnde todos viviam agachados. No terreiro dos ca ebres, meninos pan• regional. Em 1958, para uma produção nordestina de 26.200 tone-
çudos de pés cambados ostentavam a barriga cbe.ia de lombrigas. A~ ladas, ( 21 ) que representam apenas 1,5% da produção brasileira , Per-
filhas moças não tinham mais que uma muda para cobrir o corpo, e os nambuco entrou com 20 .976 toneladas, o que corresponde a 79,6%
moleques de dez anos já pegavam no pesado para ajudar os pais. da produção regional , seguido do Ceará com 2.852 toneladas ( 10,8%
Roçados não tinham porque mourejavam no alugado os seis dias da da produção nordestina) e. de Alagoas com apenas 1.845 toneladas, ou
semana e também porque o p-,Hrão não lhes dava terra para plantar. seja , 7% da produção nordestina. ·
A única alegria era beber dois vin téns de cachaça nas feiras , aos sá- A partir de 1965, caiu consideravelmen te a 1,rodução nordestina
bados. O saldo do salário, que ao fím da semana recebiam, mal chegava de café, de vc:z que o Governo Federal, através do IBC ( Insti tuto
para a farinha, a pinga e , às vezes, um itto de fava para o consumo Brasileiro de Café), executou a política de erradicação dos cafeza1s que
apresentavam baixa produ ti vidade. Os fazendeiros de café eram indeni•
da semana. Tomavam b ns tragos mas não ficavam alterados. Embora
zados pelos cafezais errndicados e podiam destinar suas terras à pe-
tristes, sem razão mesmo para expansão da alegria, eram dóceis, res-
cuária e a oumis culturas. Esta política fortal eceu a tendência à peçua-
peitadores , serviçais. Comendo pirfo d'água com caico , ou fava pura rização no Agreste, provocando o desemprego no meio rural, estimulan-
çom farinha, resis tiam ao trabalho pesado de sol a sol, com inexplicável do o êxodo pam as- cidades. Em árens de encostas em que o cafezal era
energia física. Os que tinham uma cabra de leite pata sustento do filho sombreado, . com o desmarnmento houve a aceleração dos processos
de colo consideravam-se ricos . Meninos de cinco anos cachimbavam erosivos, A produção caiu consideravelmente, sendo em 1970 de
à vista dos pais para prevenir contra possível dor de dente. O pito 43.282 ton. na Bahía, de 14.152 to11. em Pernambuco e 10.082 ton. no
e a pinga tanto serviam para enganar o estômago como de consolo ão Ceará. A Paraiba produziu 1.18.3 ton., ficando os demais Estados da
aviltamento da condição social em que viviam". ( 10 ) região com produção inferior a 700 ton. Hoje o IBC está estimu-
Em Pernambuco e Alagoas o desenvolvimento da cafeiculrura tam- lando, Mlte a queda da produção brasileim de café e ao crescimento
bém se fez a partir da metade do século XIX. A cultura tomou logo da demanda, a formação de novos cafezais nos municípios tradicional-
grande impulso na Região da_ Mara, nos municípios localizados ao sopé mente produtores da rubiácea.
e na encosta da Borborcma, e no Agreste, nas áreas ocupadas pelos O café logo se tornou cultura de ticos e pobres, mas sendo uma
cultura permanente, foi desde os primeiros tempos vedada aos mora-
brejos de altitude e exposição, ocupando a serra de Taquaritinga, as
dores e foreiros, a fim de que estes não' pleiteassem indenização pelos
crista , localizadas nos interHúvios do Capibatibe com o Ipojuca e do
cafezais que plantassem quando os proprietários os despedissem, O
Ipojuca com o Una e no Planalto de Garanhuns, estendendo-se em café, uma vez cultivado, só começa a frutificar aos três anos , repre-
Alagoas pelos munidipios localizados no rebordo meridional da Borbo- sentando, desse modo, uma sél"ia inversão de capital. Seria uma cul-
rema, como Palmeira dos fndio~ Quebrângl1lo e Viçosa. Na 13ahia tura de ricos se, quando novo, não permitisse a associação com a man-
ocupou áreas na Chapada Diamantina. No Sertão, serr-as como a d e dioca, o milho e o feijão , garantindo a subsistência do pequeno pro-
Triunfo logo se cobriram de cafezais. As cond ições meso16gica~ eram prietário. Este ainda podia, nas ocasiões de dificuldades, alugar seu
bastante favoráveis ne tes brejos, uma vez que a cultura era feita em braço aos grandes proprietários !las limpas dos cafezais, geralmente
vertentes relativamente altas que apresentavam condições de drenagem em julho e em de2ernbro. Nestas ocasiões necessitavam os proprie-
e aewção; os solos profundos conservavam umidade e facilitavam a táríos de muitos braços, pois á faina agrícoli1 era realizada a enxada.
fixação de rafzes . O sombteamemo, de uso generalizado em quase toda No período da colheita, de agosto a dezembro, mulheres e crianças
a região, mantinha um razoável pH de solo e atenuava a _erosão. ( 20 ) eram larg1lmente empregadas neste serviço leve, permitindo que os
Encontrando condições favoráveis e mão-de-obra assalariada barata , mesmos completassem o magro salário familiar. ( 22 ) Era, assim, seme-

( 19) i\lmeida, Horácio de, obra citadt2, pág. 154-5. ( 21) A1111JÍrío Estatístico do lJrasil, 1960.,
(20 ) Andrade, Manuel Correia de, O Vale do Siriji (Um estudo de Geo- (22) Ramo6, Augu6to, O café rio Brasil e rio esfr1111geiro, vág.. 259 o 26,.
grafia Regional) , pág. 64.
l.'.58 M111111el Correia de At1drttdc
A Temi e o Hom11111 no Nordeste 157
ihante a situação dos ti-abalhadores nos cafezais a dos assalariados
do Agreste são formados por prop!'iedades ou explorações com extensão
rurais de OUlras áreas do Nordeste.
inferior a 20 hectares, embora disponham de apenas 14% da área
Desse modo, o Agreste essencialmente pecuário do século XVIII, regional. Estes pequenos proprietários formam, inegavelmente, uma
tomou-se dominantemente agrícola nos séculos XIX e XX; a agricultura classe médí-a rural que tem um nível de vida bem inferior ao dos
com a melhoria das condições técnicas, o aumento da densidade demo- grandes e médios proprietários, tnas uma situação econômica e social
gráfica e a construção de boas estradas que ligam a 1·egião às capitais bem superior a dos trabalhadores sem terra. Entre eles, porém, há
de Estado, assim como a maior divisão de propriedade, vai cada vez um acentuado escalonamento econômico, escalonamento este que é
mais M! diversificando, tornando a região po1icultora e contribuindo, determinado não só pela extensão da propriedade, como também pela
de forma superior à M-ata e ao Sertão, pata o abastecimento das grandes sua localização e pela fertilidade dos solos de que ela dispõe. Assim,
cidades nordestinas. A pecu.fria vai perdendo cada vez maiores áreas; o povo, em sua sabedoria empirica, chama de "sítios" aquelas parcelas
entretanto vai se tornando uma atividade econômica altamente com- maiores de terras, mas chama de "chao de casa" aqueles pequei10s
pensadora, pois vai passando dos padrões culturais mais extensivos lotes de menos de um hectare. O 1.!SO da terra e o nível de vida dos
para os intensivos , vai se especializando na produção de leite c de pequenos proprietários é também o mais variado, de uma área para
carne, intensificm1do a engorda dos animais. À proporção que perde outra. No Brejo de Areia, na Paraíba, por exemplo, os pequenos pro-
áreas de criaçao, aumenta, graças a técnicas roais avançadas, a sua prietários costumam, imitando os senhores-de-engenho, cultivar cana-
capacidade de lotação, e apesar de ocupar área consideravelmente in- -de-açúcar 1: agave, mas cultivam também, às vezes entre as fileiras
ferior à pecuária sertaneja, tem a criação de gado agrestina importância de agave, as tradicionais lavouras de subsistência. Têm eles, geral-
refotivamente tão grande quanto aquela . mente, um ofício de pedreiro, marceneiro, carpinteiro, mecânico etc. ,
que lhes garante uma renda certa. ( 1 ) São os artesãos, chamados na
região de "artistas", e ter lima "arte" constitui uma garantia de segu-
3 rança econômica para os dias incertos.
Nos brejos pernambucanos, a propriedade também está muito
AS RELAÇOES DE TRABALHO NO AGRESTE dividida. Há pequenos ítios em brejos como o da Serra do Vento, em
EM NOSSOS DIAS Belo J~1tdim, o da Serra Vermelha, em Caruaru, e os de Bezerros e
Camocim de São Félix, em que os pequenos proprietários apanham
O Agreste, tegião de transição que é, possui val"iações mesológicas llm pouco de café, de castanha de caju, uma vez que o cajueiro
bem mais acentuadas que a Mata e o Sertão. Apresenta grandes diver- é usado no sombreamento do cafeeiro, um pouco de pjmenta-do-rcino,
sificações no tipo de uso da terra e, conseqüentemente, nas relações cultivada junto aos cajueiros que lhe servem de suporte, e algumas fru-
de trabalho no campo. Pot isto, neste capítulo em que pretendemos teiras - laranjeira, mangueita, abacateiro, jaqueíra etc. - plantadas
retratar as condições de vida e o trabalho do homem que moureja na no meio do cafeza1; tudo 'is to, porém, é. insuficiente para manter um a
terra, _ptoc\.l.taremos focalizar o verdadeiro mosaico que é a região , fam!Jia . ( ~) Ró uma v1:rdadcíra promiscuidade vegetal no u o da terra ,
Assim, após salientarmos a importância regiona l da pequena proprie- desde que o proprietário, dispondo de peq,1e11a área, procura apro-
dade e os _padrões econômico-culturais dos pequenos p.i;oprietários, pas- veitá-la ao máximo, embora o rendimen to seja insignificante. Não co-
saremos a estudar as relações de trabalho dominantes 011 área açu- nhecendo os processos técnicos de conservação do solo e não dispondo
careira e da agave, na área da pecuária associada à cultura do algodão de dinheiro para adquirir adubos, têm eles uma produção mínima,
e de cereais, na zom1 do café e na área dn fumícultura. Não falaremos sendo a renda aufetida insuficiente para a manutenção da famflia. O
das relações de trabalho na região rizicultora são-franciscana, por serem
feitas nas mesma~ b11ses da realizada na zona da mata, jii estudada.
( l) Bernardes, Nilo, Observaçoe~ robre a paisag~m agrária no 1t11miclpio
A primeira realidade com que se depara o estudioso dos problemas de Areia. "Anais da A~sodação de Ge6grafos Brasileiros", vol. VI, ton10 lT ,
agrários do Agreste é a importância que tem nesta região o pequeno pág. 60 11 62.
estabelecimento, ao contrário do que ocorre na região da Mata e no ( 2 ) Lacerdn de Melo, Mário e Andt~dc. Mnn\lel Correia de, Um Brtifl
Sertão. Realmente, mais de 85% dos esrabelecimenros agropecuários de Pema1,rb11c:o (R.:gião d~ Camodm de Siío félix),
p,íg~. 19 e 20. SepArnrn do
"Boletim Carioca de Geografia", Rio de Janeiro, 1961.
A Terta e o Homem no Nordeste J.5'}
160 Manuel CorreilJ de AJ1drade
Nltíante complementa o seu orçamento trabalhando "alugado ", como
111nart\da, diriam no Sul do país, para os gi"aode~ e médios propriétários
vh1inhos, ou emigra no esriu pata a área açucareira, a fon de trabalhar
1111s usinas etn moagem, deixando à mulher a guarda e administração de
sua gleba. Engaja-se, assim, no grande exército formado pelos tra.
bt11hadorcs sem terra que, a partir de setembro, migram pará• a região
da Mata, voltando à gleba em março, com as primeiras chuvas .
Também o pequeno proprietário se preoçupa com o auto.abaste-
cimento, procurando nas exíguas áreas de que dispõe plantar algumas
''covas de ruça" - macaxeira ( aipím) e mandioca - um pouco de
milho, sempre associado ao feijão e à fova, e criar alguns animais. Estes
são representad0s por uma vaca de leile ou um garrott::, qiados presos
"na corda''. A vaca destina-se ao fornecimento de lcite à família
(;; à obtenção de "crias" que, ao serem apartadas, são vendidas visando
à aquisição de roupas. O garrote é quase sempre adquirido em feiras
de gado, corn um ou dois ~nos de idade, e passa a ser engordado p~ra
ser vendido q uando reformar. A feita de gado de João Alfredo, por
exemplo, caracterim.se pelo dom!nio absoluto de garrotes para a
''reei-ia'' . Estes, engordados, akançam melhor preço pata o açougue
que o gado comum engordado em cercados , seodo muito usados para a
fabrí~ção de "carne-dc•sol", alimento muito apreciado no Agreste
e Sertão nordestinos. Carne-de-sol assada com foijão-macassar, man-
teiga do sertão derretida e farinha de mandioca é pr11to regional hoje
lacgarnente apreciado mesmo nas cidades litorílneas, nas cnpitaís dos
Estados nordestinos. É mu ito freqtiente, também, cada famíJig criar
dols ou três porcos, os "capados", visando com a sua venda, no fim
do ano, atender aos gastos extruoi-dinátíos da época de " Fes ta" -
Natal e Ano Bom - . As 1'miunças", cabras, sob retudo, são encoü-
tr adas em todas as casas Fomt!cendo, às vezes, leite, quando não há
vacas.
Em certos trechos da caatinga agrestina onde domina o clima
semi-átido ma os solos são arenosos e profundos, como ocorre em
Lajedo, Surubim , Vertentes e D istrito de Capoe.iras, em Pernambuco,
a ptopriedade é bastante dividida e os pequenos proprietários dedicam-
-se à cultura de tubétculos, sobretudo mandioca , ínhame, cará e batata..
Casas de farinha a tração anim11l -são e11conttadas com freqüência, e a
farinha constitui um produto comet·cial por excelência destes pequenos
propl"ietários. T êm -eles nlvel de vida modesto, mas bem superior
aos assalariados ; suas casas se distribuem pela pais.1gem, próximas
umas d-as outtas, sempre com;truíd11s de alvenaria e com um terraço
na frente. Para se locomovere~ e transportar os produtos do sítio
para a cidade 1 têm quas·e sempre um cavalo ''de qmgalha", um huno,
um jumento, ou, às vezes, um pequeno carro de boi puxado por dois

A Terra e ,:, 'Homem 1,0 Nordeste 161


"boiatos" - animais novos ainda não formados - numerosos
Hobremdo nos distritos vizinhos de Capoeiras, em São Bento do Una ,
e Corrés, em Garanhun:s. Aí, nos dias de feira, as estreitas estradas
carroçáveis, ladeadas por cercas vivas de avelós ( Foto n. º 11 ) , ficam
durante horas praticamente obstruíd'<!s po, estes pachorrentos e vaga-
rosos veículos que vão à vila, d irigidos pelos pequenos proprietários,
carregados de _produtos do síúo destinados -à venda, e voltam à tarde
com os maotiínentos da semana. Eles lembram as carroças dos colonos
ale.mães e poloneses, puxadas a cavalo e muito encontradas em Santa
Cararim1 e no Paraná; lembram também aquelas outm.s de pneumático,
a tração animal, usadas largamente no v11le do Apodi, no Rio Grande do
Notte, Há, assim, uma correspondência entre as peque11as propriedades
e os veículos de tração animal, uma vez que o pequeno proprietário não
dispõe de meios para adqtlitit um jipe ou um caminhão. O veículo
a tração animal - carroça, ou o carro de bois - serve para ttans-
portar a família e a produção do sítio, sem ser muito oneroso às suas
parcas finanças. Esta~ vi.las, como as cidades agtesti11as próximas aos
brejos, têm grandes feiras, uma vez que a menor concentração fun.
diária permite maior divisão do dinheiro: diminui o número de ricos
e de pobres, aument-ando o de remediados . Pot isto feitas como as
de Camocim de São Félix, Cupira, c~choeirínha e Capacitas (Foto n.°
12) , apesar da pequena população do aglomerado, são muito mais im-
portantes do que as de cidades grandes da zona da Mata, como Goiana,
Nazaré ou Palmares. Às vezes as barrac11s e caçuás onde: são expostos
à venda os mais dive.rsos produtos, estendem-se por todas as ruas do
aglomerado , ocupando-o inteiramente. Isto para não falar de feiras
como as de Campina Grande, de Fejra de Sant11rn1 ou de Cnnmru, (a.
mosas pela sua importância em todo o Brasil. Também 110 Agreste
scrgipano, em Itabaiana, em brejos de pé de serra, existem pequenas
Áreas em q_ue a propriedade é extremamente dividida. Aí os agricul-
tores cultivam a màndioca, ao fado de legumes, cebola e, sobretudo,
tomates, visando ao abas tecimento de Aracaju e Salvador. Dispondo
de pouca terra e necessitando tirar o máximo de rendimento, os pro-
prietários compram adubo orgânico oriundo da área de criação e fazem
uma agricultura que é uma verdadeira jardinagem. O grande problema
com que se defrontam é o da grande oscilação dos preços dos produtos,
uma vez que o poder públko não garante aos mesmos um preço mínimo.
A com paração entre o nfvel de vida do pequeno proprierá rio e o do
trabalhador assalariado já é um forte argumento em favor de uma maior
democratização da terra, de uma política que vise a maior divisão da
ptopriedade.
O nível de vida poderá ser elevado quando os pequenos proptie-
tários, arrenda tários e parceiros receberem uma assi~tênci11 técnica

A l'erra e o Homem 110 Nordeste 16}


A criação de gado no Agn::sre é feita eq1 fazendas bem menos
ruais eficiente, uma educação que o~ leve a melhor ucílizar os recursos
extensas que as do Sertão. O fazendeiro geralmente divide a proprie-
que o meio lhe oferece, t iverem acesso amP,lo ao crédito bancário e
dade_ em cetcados, uns destinados à permanência do gado durante a
tiverem a comercialização de s1.1a produçiio organizada, eliminando a
estaçao chuvosa, sendo outros reservados para a estação seca; durante
ação do agiota nos emp1·éstimos de entre-S11fra e do intermediárío na
gran~e · parte do ano são divididos etn pequenos lotes e arrendados
comerciafüação da produção.
a agricultores gue recebem as terras em mat·ço com obrigação de devol-
Na verdade, grande esforço vem sendo fe.ito nos últimos trinta vê-las em de~embro e janeiro. Não necessitam rer, çomo nas p1·oprie•
anos para levar ao pequeno agricultor o crédito fácil e barato, a assis- dades essencialmente agrfcolas, muitos empregados, grande número de
tência técnica e a garantia do preço mínimo para a sua produção. A matadores.~ Os padrões de criação, apes~r de bem mais evoluídos qut:
alra de organização do. agricultores, o baixo nível cultural dos mesmos, os do Sertao, nao podem runda ser considerados intensivos a não ser
11 ausência de espírito cooperativista, a oposição do~ grandes propde- em certas ,áreas especializadas na produção de leite ou nn 'seleção de
tórios e comerciantes, o caráter estático e as estruturas das instituições raças zeb_u1~a~ para venda _de t~produtor~s. Defendendo-se das impli-
b·1ncâri>1$ vêm retardàndo a aplicação de leis que tentam beneficiar os ca~ões d ímat1cas, usam m1graçoes sazon111s, arraçoamento ou o apro-
pequenos prod1.1tores. veitamento do .restolho de certas cultutas - milho algodão e arroz
sobretudo (Foto n. 0 D). ' '
Assim, a criação do Banco do ardeste do Brasil e a expansão do
sl5tema ABCAR pelos Estados do Nordeste abriram perspectivas, As migrações sazonais usadas desde o século XV UI, orn são fei ta5
idnda na déc-ada 1951-60, à u.ssistência ao 1_:,equeno agticultor com cré- entre a Mata e o Agreste, quando o proprietário díspõe de terras em
dito agrfcofa supervisionado . O Banco do Brasil, sobretudo a partír uma e 011tra região, ora entte a caatinga e os brejos de altit 11 de no
de 1960, procurou, com a organização das MOVECS, levar o crédito ptópdo Agreste. No primeiro caso, o gado é: levado para a região
ao pequeno _produtor, sem esperar a sua vinda à agência do Banco. da Mata em setembro, quando começa a colheita da cana, de vez que
Sua ação foi freada pela focapacidade do mesmo de atender a uma as pastagens do Agreste estão secos e na Mala há abundânci-a de palha
grande multiJ?licação do número de contratos. Daí experiênda5 feitas de ~ana. Com as p.rimeiras chuvas, em março, o gado é devolvído à
em alguns Esrndos, como Pernambuco, onde em 1963-4, com apoio caatmga, onde vai passar o "verde'', i~to é, o _período em que as pas-
de repartição estadual, o GEPA {Grupo Execu tivo de Produção de tag~ns s_e tol'11am abundantes graça~ ao florescimento da milhã e do
Alimentos), foi ampliado consideravelmente o nó.mero de empréstimos . capim-raiz. Antigamente era freqüente o senhor-de-engenho ter fazenda
no Agreste e lá pass-ar às vezes ô "inverno". Hoje esse costume vai
Hoje, como executor do programa de preços mínimos para os
desaparecendo devido, certamente, ao alto preço da terra e à intensifi-
produtos agrícolas, o Banco do Brasil vem adquirindo parte da produção
cação do~. t~abalh,os agrícolas nos engenhos, com a ampliação receate
de algodão ( já descaroçado), do milho, do feijão e de outros produtos
dos ca;1aviars devido ao aumento constante da capacidade de produção
da pequena lavou1·a, utíli?.anJo os '}!Ctna?.éns da CIBRAZEM para depo- da~ usinas.
sitá-los . Ainda assim os intermediários, apesar de perderem parte de
sua dientehi, continuam a controlar a produção dos pequenos agticul- . Semelh~nle movimento ocorr e entre a caatinga agrescina e os
1ores localizados em di~tríros distanti::s das cidades que d_ispõe.m de ~reios de_ altitu~e. As ser.r as, muito úmidus no inverno, não se prestam
11gêncías do Banco do Brasil e de armazéns e silos da CIBRAZEM. a pecuána e sao aproveitadas por agricultores que cultivam ceteais
Também os arrendatótios e meeitos, sem contratos escritos, ficam na pl~~tas de ci~o vegetatívo curto. Na estação seca, após a colheita d;
dependência dos proprietários das terras em que trabalham, e que mui- 1º
foiJ?º• do milho e algodiío, o gado é levado · para 11 serra, para o
tas veze,s exigem que lhes vendam a produção. Acreditamos ser neces- breio, ond~ se.mfü:item com este alimento suplementar à esper:a de que
silrío uma política cooperativista que congregue um maior número de c?m as pr1me1:"ª! _chuvas, a caatinga reverdeça. São famosas por ser-
pequenos agricultores, parn complementar a ação das entidades oficiais virem de refugeno au gado certas sertas como as de J11carnrá , da
e efetivar as medidas de proteção e a~sistênda à pequena agricultuta. Moça e de Ororobá, em Pernambuco, e de MM Vermelho e Quebrãn-
gulo, em Alag(las . No Brejo parailJano geralmente os senhores-de-en-
Quanto às relações de trabalho q1.1e envolvem os trabalhadores sem
genho possuem fazendas de gado a Oeste , na bacia do Curimataú e
terta convém salientar, por ocupar ~aiotes áreas e ser mais tipica-
mente agrestinas, aquelas que caracreriz-am as regiões onde domina
fazem iguais migrações sazon-ais de seus animais de uma região p~ra
outra_
a pecu:ítia, associada à cultura do algodão e cereais.
166 Manuel Correia de At1drr1de
A Terra e o Homem 110 Notdesle 165
Quando não dispõem de terras ero reg1oes diversas para fazer a
migração, costumam os. proprietários arrnçoar º< gado no "verão".
Antigamente, como ainda hcije, no Sertão e até em alguns trechos do
Agreste, eram utilizadas neste arraçoarnent(.) plantas nativas brome-
liáceas como a macambíra e cactácea.s corno o facheiro e o mandacaru.
A primeira, cozinhada e picada, e as cactáccas queimadas para neutra-
lizar a ação dos espinhos, e.raro dadas aos animai~ nas ocasiões em que
faltavam as pastagens.
A melhoria da qualidade do gado e a elevação dos padrões téc-
nicos levaram os fazendeiros a procurar cultivar plantas que servissem
de alimento aos animais; surgiram e intensificaram-se, então, nas duas
últimas décadas, os plantíos de palma e .as capineíras. A palha é muito
difundida 11as áreas semi-~ridas de clima menos rigoroso, como o
Agre~te paraibano e pernambucano e no Sertão afogo11no - muni-
dJ?iO de Jacaré dos Homens, Major Isidoro e Barnlha - enquanto
....l'l.
,o no Agreste alagoano e scrgipano de clima sub-úmido, domina a capi-
..,
~
neira (Foro n.• 14) .
O plantio da palma ( ~) faz com q1.1e os fazendeiros necessitem
"e mobilizar moradores para o seu ser viço. Cultivam centenas de hectares
.
.g
'>ll
de palma sem despender grandes capitais , porque ela é amn cultura
permanente que duta no campo de 12 a 15 anos. Os moradores cul-
..,o ivam a p,dma em área~ qve o~ pioprietátios lhes entregam desmatadl!s .
8 prontas p1ua o cultivo juntamente com as "raquetes". Estes se incum-
e
<J
E bem de plantar as "raquetes" e de manter limpo o pal mal ; podem
ê.
~
cultivar para si, entre as fileiras de palma, como culturas intercaladas ,
o mílho, a fava, o feijão e o algodão. Por um período de três a quatro
< anos, enquanto a palma não dá corte e necessita apenas para o seu
desenvolvimento de duas a três limpas anuais, o agricultor cuida dela
e de suas culturas sem qualquer emprego de capital pol' pane do
proprietário; quando da começa II dl!r Wtte, sombreia muito o terreno
e impede as culturas .in tercalares; o agricultor retira-se, encíio, do-pal mai ,
deixando a terra e a pal ma ao propri etário. Dai em diante o p roprie•
tário limitil-se a pagar diária a assa lariados que uma vez por ano roça!Jl
o mato que ci:esce no palmal.
A capineíra, por não permitir a assodação de outras culturas, é
feita por trabalhadores assalariados . O plantio e conservação do capim
não ocupa, porém, o~ trabalhadores por um longo período, dai haver
uma incerteza mnito grande quanto à obtenção de trabalho assalariado
durante grande parte do ano.

(.3) 'f rês são os tipos de palma: a chamada Joc:nlmen1e de palma grnúd.i
(Opuntia Fiem indica Mil{), ,l palma .redoada (Oprmlia sp) e a palma mi úda
(Napolea Cacbenilifmt Si1lttt-Dick) .
O trato direto do gadc exige pouca gente. O vaqueiro hoje é um
simples empregado adapt:ado ao trato de animais, sabendo laçá-los, fa-
zer curativos de urgência, o.tdenhar as v,acas etc. Não se assemelha
muito aos dos primeiros te.mpos e, ainda hoje, aos do Sertão, que ves-
tidos de couro viuam as caatingas à procura das n:ses mais 11riscas. O
arúmal, criado em cercados de pequena extensao, vindo 110 cu.trai com
freqüência a fim de ser vacinado, ferrado, ordenhado, curado de bichei-
ras ou enfermidades e auaçoado, é sempre manso e facilmente condu-
zido pelo vaqueiro. Por isto, este hoje administra l..lU n~siste ao proprie-
tário na administração, fiscaliza e conserta cercas, conduz os animais
a serem vendidos nas feitas, conduz o rebanho nas migrações sazonais,
ordenha e fiscaliza a en.trega do leite que se destina à venda e per-
cebe uma remuneração em dinheiro, tendo casa para morar e direito de
moma, roçado. Aquele cóstum e de pagar ao w.qudro com um quarto
dos bezerros nascidos a "quarta", foi inteiramente abolido □ o Agreste,
desde qt1e o gado d11 região, raceado com o zebu, o holandês e o
schuwytz, está muito valorizado, elevando ç,onsideravelrnente o salário
do vaqueiro se o pagamento continuasse ~1 ser feito em espécie. Assim,
o pagamento em moeda, substituindo a "quarta", de uso ainda gene-
nilizado no Sertão , onde domina o gado crioulo ou ''pé duro'', não
representa um,1 melhoria p~ra o vaqueiro, mas uma inferiori:.:ação sobre
a remuneraçao anterior, poh o proletariza e impede que, como ocorria
no passado, ele tenha a oportunidade de tornar-se fazendeiro .
Além do vaqueiro híí em cada fazenda alguns moradores que ~esi-
dem em casas de "rn.ipn" , das chamadas no Sul de rnsas de •:~opapo",
gue trabalham na roçagem dos cercados, na limpa dos currnis 1 no arra-
çoamento dos animais e em outros misteres suplementares obríg11ndo-
-se a dar três ou quatro dias de serviços semanais, reservando os de-
mais à cultura de algodão e cereais que fazem cm área de um u dois
hectares, cedida pelo fazendeiro. Estes moradores, cujo número é pe-
gueno, variam de uma fazenda parn outra e recebem um salárío bai-
xíssimo pelos "dia~ de sujeição", tendo remuneração mais a1ta nos
mais dias, caso trabalhem para a fazenda. Nem sempre o salário míni-
mo é respeitado, de vez que não trabalhando seis dias por se111ana,
perdem o direito ao repouso semanal remunetado e têm as férias anuais
reduzidas . Além disto, recebendo e.isa parn morar e área parn cultivar,
têm o seu salário pardalmente pago em e~pécie. Muitas vez;es o pro-
prietário não respeita a lei, usimdo artifícios que minimizam os efeiros
de sua aplicação, e os moradores dele dependentes não têm condições
de recorrer à Justiça dl..l Trabalho.
A uti lização do restolho de culturas nu alimentação dos animais
leva o fozendeiro a manter relações econômicas corn grande número

170 Manuel Corr~ia de Andrade


de agricultores; são os rendehos, uma vez que quase sempre eles não CALENDÁRIO AGRÍCOLA DA ZONA DE PASTOREIO E CULTURA
residem na propriedade do fazendeiro, mas em cidades, vilas e povoa- DO ALGODÃO E CEREAIS DO AGRESTE
ções próximas ou até em suas pequenas proprieJaJes, pois muitos 2·
destes agricultores lavram terra alheía mas possuem um "chão de ter• ~
ra", 11m minifún dio onde moram com suas familias. Hoje, porém, é
i:aro o proprietário ceder a terra "pela piilho", pois o númet·o de agl"icul-
tores a desejar terras é grande e a~ ex tensões são ex1guas. As terras são
quase sempre arrendadas, variando o preço da "quadra" ( 12.1 00 m 2 )
conforme a qualidade da terra e a distância dos centros consumi-
dort:s e das estradas .)]lais movlmentadas. Em alguns casos, o proprie-
tái-ío reserva áreas de piores solos para ceder "pela p1'1ha " 1 com a con-
dição de que II terra scía devolvida em outubro ou novembro , impedin-
do, asJim, a cultura do 11lgodão que é sempre colhido a partir de de-
zembro. O 1,agamento da· renda é, às vezes, feito em moeda e às vezes
em algodão. O agricultor não tem qualquer garantia de renovação do
contrato, nenhum documento que legalize a transaçao, ficando à mercê
do proprietário em qualquer emergência. Geralmeme a term é entre-
gue aos agricultores em março, com as pcimeÍtás chuvas. Preparada a our.
rerra, cultívam o milho e o feijão; em maio realizam 11 cultura do -al-
godão herbáceo; em junho colhem o feijão e parte do milho ainda
verde para poder atender aos festejos juninos. A colheita do milho
seco é feita a partít- de setembro, contribuindo par11 11 11lir:nenLação de
homem; e anítn11is. A colheita do algodão, iniciada c:m dezembro, es-
tende-se geralmente até janeiro, quando a terra é restituída ao proptÍe•
tário a fim de que o gado solto nos velhos roçados se alimente com '<I
rama do algodão e a palha do milho. Em março novamente a terra
volta às mãos dos agricultor~s para o reinkio do ciclo anual de cultura
(Fig. n ." 1 ); esses agricultores são os que em setc:mbto, quase não
tendo o que fazer no Agres te, migram pata a área açucareira a fim de
trabalhar nas usinas que neste mês iniciam a moagem, fazendo as mi-
grações sazonais típicas do Nordeste, desde o Rio Grnnde do Norte
até Sergipe. À fam ília cabe. cuidi1r do roçado, colhendo o algodão e
utilizando corno alimento o milho seco.
Este sistema está em decadência , totnando-se cada vez menor a
~
drca de terras oferecidas aos agricultores pelos pecuaristas, D uas
n1zões levam os grandes proprietários a esta política de restrições 011 PASTOREIO-- - ------------- ·
oferta de terras: a ) - o receio de que uma reforma agr ária venha . g. i
PLANTIO E LIMPA-- ·- - - - -- -- ..l'..!..._
beneficiar os parceiros e rendeiros, com desapropriação de parte de
suas terras; b ) - o desenvolvimento da niltura de gramíneas como o CRESCIMENTO - - ---- ----- - -~
capim pangola, que permite a restrição do uso do restolho do milho
e do algodão. P ara o plantio des tas gramíneas conta o pmpdetário CONVENÇÕES COLHEITA DE FEIJÃO- - - - ·-- -- ,e
CC1 m o crédito a juros módicos e a prazos razoáveis, fornecido pelos
b11ncos oficiais e part iculares. COLHEITA DE MILHO VERDE--- -- · '

A 'Ccmt e i, l-ltmum no Nordeste 171 COLHE ITA DE MILHO SECO -------1


COLHEITA DE ALGODÃO ·--·----!lf;
o~ "corumbas" são conhecidos na zona da Mata por não confra- lações e caprichos do mercado externo. Os velhos bangüês rapadureiros
ternizarem faci lmente com os "matutos", po1· gostarem de chupar cana estão às vezes em funcionarnenlo, à~ vezes de fogo-morto, pois moem
e por serem extremamente econômicos, a ponto de regressarem ao seu as suas canas nas pe4uenas -usinas surgid as após 1930: a S-anta Maria
rincão com um "pé-de-meia" . São tão necessários às usin11s e aos enge- e a Tanque. Esta~ e a S. Francisco moeram juntas, na safra de 1955-56,
nhos da mata, que na sede de cada propriedade canavieira há sempre pouco mais de 100.000 sacos de -açúcar, safra considerada pequena para
um conj,1nto de quartos, "os castelos", destinados a hospedá-los. Com uma única usina de Pernambuco.
este fim também são ulilizadas, freqüentemente, casas nobres de en- A Usina Siio Ftandsco teve poucos anos de moagem , rendo se
genhos de "fogo morto" absorvidos pelas usinas, e chamadas desde- cxringuido em 1963. Atualmente ( 1973) as usil1as Santa Maria e
nhosamente de "galpões", Muita casa assobradada de Barão, Comen- Tanque, juntas, têm uma quota de produção fixada pdo IAA (Insti-
dador e Coronel da Guarda Naciona1, que abcigou no passado, no pe• tuto do Açúcar e do Álcool) e111 360.000 sacos de 60 quilos - 180.000
rfodo áureo do bangüê, muita riqueza e opulência, está, hoje, suja e para cada uma das usinas - , pl'Odução que corresponde a uma usina
semi-abandonada, transformada em "galpão", onde se alojam durante média cm Pernambuco ou Alagoas,
a safra os ''corrumbas". Sua permanência na zona úmida é determina• O senhor-de-engenho, apes'!lr de não ser aquela figura .prestigiada
da apenas pelo tempo; $e chove na sua terra, o "caatingueiro'' nrruma da região da Mata, ocupa posição de destaque na hierarquia social da
a trouxa e volta para montar roçado . regrno, inferior apenàs il figL1ra do usineiro. No campo vivem os
A elevada densidade do Agreste e a precárias condições de vida "lavn1dores" e os " moradores de sujeição". Os primcíros, que já foram
nf dominantes transformar11m a região em um centro de emigração, e figuras tradicionais nas regiões açucareiras, estão hoje quàse desapa-
por isto muitos dos seus filhos têm abandonado a terra e se focado recidos. Recebem do proprietário um lote de tena de extensão quase
nas cidades maiores, nas capitais litorâneas - Recife e Salvador sobre- sempre inferior a 10 heeta res, e o cultivam com os seus próptios braços
Ludo - ou seguido em "paus-de-arara" par11 o Rio, São Paulo, Norte e com a ajuda da fom!lia; às vezes , se o trabalho é multo, contratam
do Pataná e Brasilia. O "candango" , construtor da epopéia de Brasfüa, trabalhador assalariado para ajudá-los. Quando chega a moagem, cortam
nada mais é que o "cornwba" que fez uma viagem mais longa e se a cana e moem no ellgenho do propi:ietário, sendo as cargas de rapa-
dispôs a permanecer mais tempo para o Su1 e Centro-Oeste. ( •) Esta dura divididas igualmente entre o lavrador e o senhor-de-engenho,
migração para o Centro, Sul e Sudeste muito preocupou senhores- cabendo 50% para cada um. Além da cana, pode o lavrndor cultivar
.de-engenho e usineiros que sentiam a falta de brnços cada vez maior para o abastecimento de sua famflia as viírias lavouras de ubsistência.
em seus partidos de cana e em suas moendas. Os Lrabalba<lores de "suje ição" recebem um " sítio", área de apro•
No brejo paraibano, sobretudo na região que compreende os muni- ximadamente um hectare, e uma choupana para viver; culrivam produtos
cfpfos de Areia, Serraria, Pirpirituba e Alagoa Grande, as refações de de- subsistência e algodão. O princip;1] produto, porém, é a mandioca
trilbalho tutal tomam aspectos bem diversos, uma vez que domina 1 ai, com que fazem a farinha, usando as casas de farinha do engenho. Às
u cultura da can:,1-de-açúcar e da agave (Agave sisalana). Por isto, se vezes, o uso dessa rudimentar indústria é gratuito, mas às vezes pagam
bem que em proporções bem mais modestas que na zona da Mata, ao proprietário uma cota, ,1 "conga", q11e corresponde a uoia em cada
desenvolve-se aí uma agricultura do tipo pfontation, ocupando grandes dez "cuias" de farinha pl'Oduzidas, T1·abalharu 1,a1·t1 o seJ1hor-de•engenho
e médias propriedades. A mão-de-obra assalariada, numerosa, preo• obrigatoriamente de 2 a 3 dias J)Or semana dutantt: a estação chuvosa
cupa-se com dois produtos de exportação sujeitos, portanto, às osci- - a "~ujcição" - e de 5 a 6 dias na safra . Os dias que sobrnm podem
ser destinados à sua lavoura ou podem trabalhar para o patrão, ,rece-
bendo melhor salário. Os salários são, porém, muito baixos , pois as
( 4) O problema da migração dos nordestinos foi e.st udndo em 195} por diárias eram entre 1952 e 1955 de Cr$ 20,00 a Cr. 36,00 para traba-
Sou1.a Barros no livro ~.w,d,> e Fixaçiio e por Lopes de Andrade cm Forma a
Efeitos das Migrações no Nordesu; e mais recentemente pelo 1nstiLuto Joaquim lhadores de fora nos d ias "não sujeitos", e de Cr · 10,00 a Cr$ 12,00
Neb\LCO de Pesquisas Sociais, na série A1 Mi!{rações para o Recife, formada por para os dias de sujeição. ( r,) Em 1957 , estes s!llários, apes.ar da desva-
quatro ensaios: f,swdo GeogrJ/ico, de Mário Lacerda de Melo; Aspeclos do
crescirr,enlo urbano, de António Carolino Go11ç(llvcs; Aspectos econ6micos, d.:
Paulo, Maciel, todos publicados em 1961; e Livareda, José, Migrações inlcrru,r ( 5) Btrna,d.:.s, Nilo, Ob.iervaçõeJ sobre a p(li.Jilgem agráriil 110 M1111iclpio
11c, Nordeste - Caruru um dm seus cc11tros de/e11tore.t. "Bolerim n.' 9"', do de Areia, pág. 57; Valvcrde, Orlando, O UsQ da Tem, 110 Lesr~ da Parafba,
fostituto Jooquim Nobuco de Pesquisas Sociais, págs. 7 e ~égs. pág, 75.

A Terra e o Homem 110 Nordesu tD 174 Mnm1e/ Correia de Artdr(lde


ln faaçiio da moeda, ainda oscilavam ent1e Cr$ 35,00 e Cr 50,00, ( r.) dutora de fumo. Estes qu11tra Estados reunidos produzem cerca di:
11110 ultrapassando hoje os Cr$ 100,00 diários a não ser em casos 10,3% da produção nacional. A área de cultura mais intensa e a
1•itci.:pcionais. Hoje nem sempre pagam o salário mínimo. Com a q_ue owpa su~erfícic mais ampla, porém,. é a de Arapirnca, A cidade,
l'l!pansão da área de cultura da cana-de-açúcar e a pressão sobre os situada em um plano de iilmude Sllpenor a 100 metros, é cercada
pr pl'ietiírios para que respeitem o Estatuto do Trabalhador Rural e pot campos de fumo que se estendem por cerca de 10 a 15 quilô-
pilgut!m o salário mínimo, os sistemas de morndotes estão em complera metros em tod~s as direções. Fumais mais densos que os de Cruz das
d '(;11dência, em verdadeir-a desintegração. Mais miseráveis ainda que Almas, na Bahia, e de Ubá em Minas Geraís.
o~ moradores sao os "empri::iteiros' ' , jsto é, os sertanejos que na época O, fum?, que é lavoura extremamente trabalhosa, mns remunera-
d t1 seca. m igram para o Brejo a fim de trabalhar na colheirn da cana. dora, _e c~ltwado por arrendatários ou meeíros e pequenos e médios
1':azcm para a grnnde ilha úmida migração igual a dos corumbas para propm:tános que. dispõem de áreas que não excedem quase sempte
,t r ·gião da Ma ta, e o seu número é tanto maior, quanto mais intensa a 200 hectares.
(qr ti seca no Agreste e no Sertão. O plan~io é feito na estação chuvosa, a _partir de man;;o, desde
q~e sofre dois _rrn~splantes para ser colhido il partir de agosto. Trinta
Outra cultura importante até 1965 e que gerava condiç6es de
1rnh11lho um pouco diversas era o café. Quando feita em pequeno sítio,
~ias ~~ós o p.r1me1ro corte, o fumo poderá dat um segundo, que é -a
soca . Paga-se atualmente :io. ttabalh~dor que faz as ''lciras" por
crr1 o pr6prio ptoprietário que com a sua família limpava o cafezal e
tarefo, correspondendo essa medida g nrn1s de 3 .000 m~. O trabalhador
tol hia as cerejas. As grandes e médias propriedndes possuíam moradores
leva de quatro a cinco d ias para 1_:> ·eparar as "leiras'' de uma tarefa.
JII C1 como 110 Breío paraibano , recebiam casa para morar e pequena
Usam tam?ém a '.11eação, costumando os meeiros trabalhar ajudados
r n para as culturas d e subsistência. Era raro, aí , arrendar-se a terra,
pela própria família. Se pagnm o serviço à di.fría, essa é valorizada
puls o proprletiírio nu nca tinha gado para -ap roveitar a restcva. Recen.-
em relação às áreas -vizinhas. Sendo na maioria d:is vezes diarista os
lcmente, po1·ém, devido ao alta preço alcançado pelo tomate os pro-
assa1arfodos das regiõe~ vizinhas afluem para a área fomiculwra dur~nte
pri et ár ios em Camocim de São Féli x vêm arre11dando, 11 pr eço elevado,
pu1.Juenos t red10s de menos de uma tarefa, para esta cult ura. ( 7 ) Em
ª, 7olheit11. Para abriga~ estes trabalhadores migrantes , os proprie.-
tano~ cçsturnam construir., junto ou nas proximidades de suas casas
);lt!rrt[ o morador dá ttês dias de se1viço por ~em11na à fazenda, perce-
quartos que lembram os "castelos" dos engenhos de açúcar da regiã~
htipdo um salário inferior ao corr ente. Estes dias de obrigação podem da Mata.
cr aumen tados ou diminuí.dos conforme as necessidades do serviço.
Fm Alagoas é costume , q uando o trabalhado r não resid e na proprie- Colhida a folha de forno, é e.la posta a secar cm cstaleirns de
th11le, .receber além do sahfrio a " bóia" , isto é, uma ,·cfcíçlfo composta votas arrumadas no campo durante 25 dias, ou enrolada por- processo
LI· feijão coh) cl,arq ue ou com peixe salgado, ao meio-dis. ( 8 ) A co- que duia 90 dias, para obcer-se o fumo de corda. É'. o fumo um~
llw itíl de café iniciava-se em agosto, es te11dendo.se até novembro ou k1voum que exíge cuidados especiais, adubaçâo e tratamento demorado
de?.embro. Era feita vagarosamenk, colhendo-se apenas ·as cerejas já an tes qne. s~ja lançado no mercado; daí serem as áreas onde é cúlti·
:1madurecidas , deixan do-se no pé, para a próxima cata<;iio, as que esti- vado de alta densidade demográfica e set o salário do trabalhador rural
mai-s elevado.
vessem verd t!s, fazendo-se de duas a três apanhas por safra.
Por ser lavourn de ddo vegetativo curto, petmíte que se faça
Nas regiões furnicultoras íá temos ou tro tipo de relações de trn- rotação de- culturas, beneficiando até com o adubo que para ela é colo-
h alho. Es~as regiões formam importantes manchas em tenas -arenosas cado,~ti lavoura que a sub~titui. Enquanto em Ubá -a lavoura que faz
oo Agreste nordes tino , dentre as quais ~e salientam os mu nicípios de rotaçao com o f~mo é_ o milho, ( ~) em Arnpiraca é o -algodão herbáceo,
Bimaneiras na Parníba , de G tavalri em Pe rnambuco, de Arapiraca em pl~ntado_ a parm. de 1ufüo no meio Jo fumal, pata ser colhido em j-a-
AlagOílS e de Lagarto em Sergipe. Na Bahia , o Recôncavo é a área pro- neu-a. Tiram, assim, o 1,roJ?rietário e o meeiro, em um mesmo pedaço
de tetta , lucro correspondente a duas lavouras. Ainda cultivam em
(6 ) Andrade, Manuel Correia de;: , O Rio Mamonguap e, pág. 53.
pequena escala, visando ao auto-abastecimento,- o 1nilho, o feijão e a .fava ,
(7) Lacecda de Melo, M.1.rio e Andrade , Manuel Correia de, U111 Breio de
/!emamhr.co ( Região de Camocirn de São Félix ). pág. 31. . ( 9} Andrade, Manuel Correin de, Aspeclo5 Geográficos d(I Regiilo de Ubá,
( 8) Andr~dc, Manuel Cor reia d~ , Anadia, um mr.11icípio do Aires/e 111-11-- pág. 41.
P,Ol/tlô, inédito.
176 M,mriel Corr~ia de Andr,,dc
A Terra e o Homem 110 Nordesu ln
V l
A PECUÁRIA E O LATIFÚJ\..lDIO NA CONQUISTA
O LATIFONDIO. A DIVISÃO DA PROPRIEDADE E AS DO SERTÃO E DO LITORAL SETENTRIONAL
RELAÇÕES DE TRABALHO NO SERTÃO E NO
LITORAL SETENTRIONAL O Sertão nordestirio foi integrado na colonização portuguesa graças
11 movimentos populacionais pa1tidos de dois foco~; Salvador e Olinda.
Furom estas duas cidades que se desenvolveram como centros de áreas
clr Lcrrus férreis de "massa.pê" e, conseqüentemente, como centros
ni,:ucareiros que comandaram a arremetida para os sertões à cata de
lr 11•n onde se fizesse a criaçã.o de gado indispensável ao fornecimento
dt· 11nímais de trabalho - bob e cavii1os - ao~ engenhos, e ao abas•
li•rlmento dos centros urbanos em desenvolvimento.
A exploração da hinterlândía baiana foi iniciada pot entradistas
11m• subiam os rios da vercente adâm ica - o Jequitinhonha, o Para-
1,111nçu, o Itapicuru, o Real etc. - à procura de minas que os encheriam
ti• dquezas e de mercês. É o caso, por exemplo, de Espinosa, de João
l ,ti~lho de Sousa, Jo cronist'll Gabriel Soares e do famoso neto de
l ;Hrnmuru, Belchior Dias Moréia, cujo segredo das minas de prata
lincl11 hoje não foi desvendado.
Garcia d'Avila e seus descendentes, porém, estabelecidos na casa•
1 rt da bai-a de Tatuapera - a famosa Casa da Torre - embora
1111u di:sdenbassem 11s poss1bilidades de riquezas minerais, deram maior
mporc11nc-ia ao gado e, desde o governo de Tomé de Sousa, trataram
d conseguit· doações de terras, sesmarias, que cad-a vez mais pene•
11•1tv~m o Senão, subindo o I tapic11ru e o Rio Real, para alcançarem o
l(lo São Francisco. ( 1 ) Nem este grahde tio deteve a ambição, a fome
th· ttrras dos homens da Casa da Torre que, iitravés dos seus vaqueiros
• pr~postos, estabeleceram currais na margem esqverda, pernarnbucana
pm t·nnto, do Rio São Francisco e ocuparam grande parte dos sertões de
Pernambuco e do Piauí. Até no Cariri cearense pleite11ram os homens da
l ~11~a da Torre o recebimento de sesmarjas. ( ~) Constrníram 1 assim os

( 1) Calmon, Pedro, Hislória da Casa da 'fo,,.e; e Ca,~udo, Luis da Cô.


UJI rn, Tradições Populares da Pecuária Nordestina, págs. 1 a 7.
(2) Brígida, J., Ce,ml (rfome1n e Fáctos) . págs .65 e segs.

A Terra e o Homem no Nordeste 179


maiores Jarífúndios do Brasil , tornando-se enhotes de um,1 exlen~fo tr::r•
ritorial maior do que muitos rei □_os europeus, pois possufam, em. 171J,
rl kó s des igu11is com os poderosos senhores que recebíam doações de
em nossos sertões mais de 340 léguas de terra nas margens do RJO Sao 1r:rras como mc::rcê Pl:lr favores prestados ou pela amizade e influênci11
Francisco e de se~s afluentes. CorupetLndo com ela pela extensão das jmltô aos Governadores Gerais não tiveram ainda o historiador que
«lc::screvesse n epopéiq por eles ' reafüada, como o tiveram os latifun-
terras que possuía, só se comparava 11 família do M~fitre-d~-Campo
diários da Casa da Ttine.
Antônio Guedes de Brito, uma vez que possuía propriedades que se
estendiam desde o Morro do Chapéu até a nascemes do Rio das O avanço pernat:ti bucaoo em.bom tivesse no século XVI se dirigido
Velhas, compree~d~ndo mais de ~60 l_é_g~as de terras. ~J) t:Jão eram p11 rn o grande Rio São Fran~isco - émradas do Provedor Francisco
estes, porém os tlnJCO grandes lat1fund1anos; ou tr3s havia , CUJ!IS- posses Cílklns e do Capitão Francisco Barbosu da Silva - logo foi desviado
eram bem inferiores, mas que viviam como grao-senhore~ po~ pos- pn.tn o Norte seguind() a linha lit0rânea, uma vez que ao Norte o Settão
suírem sesmaria~ de grandes extensões, esparsas pelas mais diversas chegiwa até O litoral e oferecia boas pastagens pata o gado, ao mesmo
áreas dos. sertões nordestinos. Barbosa Lima Sobrü,ho, com a sua auto- cempo que 110 Litoral Setentrional os franceses constituíam uma ameaça
ridade de pesquisador honesto e historiador consci~ncioso,(_~) aponta, constante li jovem colõni-a portuguesa. Por isto, voltados pai-a o Norte,
entre outros , Domingos Afonso Mafrense, João Peixoto Viegas, . L~u- os pemambucRnos Íl.lodarnm a Paraíba, expulsaram os franceses dos
renço de Bríto Coi-reia 1 Manuel de Abreu Soares e Manuel de Oliveira vales do Mnmunguape e do Camaratuba e fundaram Natal, no Potenj i ou
Porto. ( ~) Niio foram estes grão-senhores, porém , com~ querem fazer Rio Gl'ande, em 159a. Da[ partiria a arremetida para o Noroeste com
elltender alguns historiadores, os homens fortes da c~ngw-sta dos nossos a conquista dos vales do Açu, do Apodi , do Jaguaribe , do Ac~raú e,
sertões . Não enfrenrarnm o calor t: a sede nas caatingas udustas , ne_:11 finalmente, D expuls~ 0 dos franceses do Maranhão e a garantia para
as flechas ttaiçoeiras dos indígenas que atacados pelos brancos nao a Amé.dca Portugt1es<1 da posse da desembocadura do Amazonas. ( 7 )
tinham para onde recuar, passando a defender palmo a palmo aquel-a Nas terras serns do luo Gtande do Norte e do Ceará, os p~narnbu-
terra seca onde caçavam e aquelas ribeiras onde pescavam para a su~ canos iriam desenvoher a pecuária e nisto pensaram desde. os primeiros
alimentação. Esta luta difícil em um meio hostil contra selvagens beli- momeiltos, uma vez 9ue, em chegando ao Ceará, ao fundar o Forre de
cosos, assim como a defesa das reses deixaoos nos currais c_omo ver- São Sebastião e a etll'\ida de N. S. do Amparo, Martim Soares Moreoo,
daaeiros marcos do avanço do movimento povoador, eram fertas pelos o romanceado guerr~iro branco de Iracema, lá soltou "gado cavalar,
vaqueiros, multas vezes escravos, e por J)0ssei..tos que,. não di pondo de suíno, caprino e aves domésticas". ( 8 ) O Sertão paraibano sería tam-
prestígio em Salvador, nem _das hab~dadcs :1cccssánas _parn obt,cr_em bém ínvadido e seml:ado de sesmarias na segunda metade do século
concessões de terras nos meios palacrnnos, nao conseguiam sesmarias. XVII ~or entradas Pilttindo do Leste, com Teodósio de Oliveira Ledo,
Eram obrigados a colocar-~e sob a proteção dos grãos-~enhotes, não e po · o_utrn~ v!□ das. do Sul que ocuparam o a~to curso do Rio Piran~~s
por temer o ataque dos índios, mas para não serem perseguidos pdos e a bacia do Rio Pelx~. (u) A influência paraibana penetrava os Canm
poderosos de Salvador. Reconhecendo o domínio da terra aos mesmos Velhos até o Boguciq0 e daí se estendia a Taperoá, enquanto a baiana
e tornando-se seu~ foreiros, estabeleciam-se com o curral e as 7es 7s e paofüta atingia a~ ~reas drenadas pelo Pianc6 e pelo Piranh11s.
no que chamaYam de ''sitio'', pagando mmalmente um foro que aung1a Graças a essa tr~mcnda expansão que cada dia ocupava m-ais terras
em 1710 10 mil -réis na füihia. ( 6 ) Estes s(tios não tinham aquelas e semeava currais onde havia água pe1·manente, é que os índios foram
dimensõe~ de principados das sesmarias, mas eram formados quase levados à .revolta. Revol ta que se esteudeu por mais de 10 anos e que
sernpre por um lote de uma légua e.m quadro. entrou paro n bist6ria com O .nome de Guerra dos Bárbaros.
Estes posseiros que como autênticos her6is dominaram os índios Os várics gtup~s indígenas que dominavam as caa tingas serta-
e estabeleceram fazendas □ a interlândia sertaneja , lutando em con- nejas, não podiam vet com bons olhos a penetração do bomem branco
que chegava com gadlJ, escravos e agregados e se instalava nas ribeiras
(J) AmoniJ, André João, Cultur11 e Opuli nçj11 (lo Br(l.ril em su(JJ Drogas mais fé rteis. Co11sttr.iía casas, levantava currais de pau-a-pique e sol-
e Minai, pág.· 264-5. . , , 34 5
( 4) Barbosa Lima Sobrinho, O Dev,mam~11lo do Puiu1, p~g. l · •
(5) fürbosa Uma Sobtinhó, O Devarn1111ento do Piaul, 141. ( 7) Andrnde, Ma~uel Conein de, A Economia Perhambucalla 110 século
XVI, p,íg. 6J .
(6) Antonil, André João, Cultur/J e Op11iência do Br1Júl em s11as D,og,as
e Minas, pág. 265. (8) Gira'o, R:1imu~o História Eco116míca do Ceará, pág. 65.
(9) Joffíly, Irineu , Notas sobre a 1'1Jraiba, pág. 31 e se~s.
180 Manuel Correia de Andrade
A Terra e o Homem no Nordew• 181
tava o gado no pasto, afugentando os índios para as serras ou pata as u ''quarta" dos bezerros e potros que nasciam. Outras áreas eram
caatingas dos interflúvios onde havia falta d'água durante quase todo iludas em enfiteuse, os "sítios" , que conespondiam a um-a légua em
o ano. Vivendo na idade da pedta, .retirando o sustento principalmente quodro e eram arrendadas a 10 mil-réis por ano aos posseiros. A
da caça e da pesca, o indígena julgava-se com o direito de abater os 11randes distâncias e as dificuldades de comunicação fizeram com que
bois e cavalos dos colonos, como fa;:ia com qua lquer outra caça . Abatido ,r se desenvolvesse uma civilização que procurava retirar do próprio
o animal, vinha a vlndita e a reação do indígena e, finalmente, a guerra. mdo o máximo, a fim de atender às suas necessidades. Assim, na
Guerra que provocou muitas mortes e devastações, que atrniu os ban- 1límentação usava-se principa lmente a carne e o leite, este abundante
deirantes paulistas, hábeis na luta contra os tndios, que provocou o 11p •nas no " inverno", frutos silvestres e alguns produtos de uma inci-
devassamento do interior e que se concluiu com o aniquilamento de piente lavoura de subsistência feita nos bre jos, nas vazantes dos rios
poderosas tribos e com o aldeamento dos remanescentes. Guem1 que nu, nos bons invernos, na própria caatinga . Lavouras de ciclo vege-
possibili tou a o,upaçao, pela pecuária, do Ceará, do Rio Grande do 1111 ivõ curto - feijão, fava, milho etc . - eram confinadas por cerc11s
Norte, e de quase toda a Paraíba. Várias extensões foram incorporadas d· varas ou de pedras a fim de impedir a danificação provocada por
economicamente à colônia ponugucsa, passando a fornecer os an imais 11nimnis ( Foto n .~ 15).
de trabalho e a carne às áreas mais povoadas da Mata pernambucana Os m,Jis vari ados utensílios domésticos e móveis eram feitos de
e do Recôncavo baiano. , miro, Capistrano de Abreu, ana li ando o complexo cultural que do-
O sistema de criação era o mesmo encontrado no Agreste; apenas minou a região e que ele com grande oportunichide chamou "clvíli-
aqui as extensões crnm maiores, as fazendas mais importantes, possuindo ,w;íío do couro", afirmou: ( 11 ) "De couro era a porta das cabanas;
até, algumas delas, mais de 5.000 cabeças de gado; as secas ernrn mais 1 mk: leito aplicado ao chão e mais tarde a cama par:i. os partos; de
rigorosas, provocando gtandes prejuízos aos criadores, e as comunicações r nuro todas as cordas , a borracha para carregar água, o mocó ou alforje
com o litor11l 1 mais difíceis devido às jmensas distâncias. pntll levar comida, a mala para guardar a roupa, a mochila para milhar
No início do século XVIII os currais baianos se estendiam pela ,. 1v11lo 1 a peia para prendê-lo em viagem, as bainhas de fac-as, as brocas
margem direita do Rio São Francisco e pelas ribeiras do Rio da Velh11s 1· os urrões, a roupa de montar no mato , os bangüês para curtumes

(hoje território mineiro), das Rãs1 Verde, Paramirim, Jaculpe, Itapi- 1111 piua apanhar sal; para os açudes o material de aterro era levado
curu, Real, Vasa-Barris e Sergipe, possuindo perto de 500.000 cnbeças 1•111 couros por juntas de bois, que calcavam a terra com o seu peso;
de gado. Os currais pernambucanos, que deviam 11brigar perto de 1·111 couro pisava-se tabaco para nariz" . Este sistema domioou por
800.000 rese~, ocupavam a margem esquerda do Rio São Francisco llculos o Sertão, e quando Spix e Martius percorreram o Nordeste, ao
e os vales dos R ios Preto, Guaraíra, Corrente, Jajeú, Moxotó, além dw11arcm no Piauí ainda encontraram , até nas fazendas de propriedade
do São Miguel, em Alagoas, do Paraíba do Norte, do Piranhas-Açu, do ,111 overno Tmperial , o sistema de criação extensivo enunciado por
Apodi, do Jaguaribe, do Acaraú, do Piauí e até do Parnaíba . Era um A111onil. Aí, segundo eles, ( 1 ~) a~ dezeno~ de fazendas reais eram
mundo que se estendia desde O linda, a Leste, até a fronteira do Ma- 1li viuidas em três inspeções, cada uma dirigida por um Inspetor que
ranhão, ao Oeste. 1111h11va .300$000 por ano. Cada fazenda em dirigida pot um ·vaqueiro
qut• devia obediência ao Inspetor; servindo às vezes gratuitamente
A área de influência das capitais não era determinada pelas dn ,inte anos para, ao entrar na posse do devido pngamento, rece-
circunscrições políticas, uma vez que a influência baiana penetrav11 111•1• um quarto dos bois e cavalos criados na fazenda . Et11 permitido
consideravelmente o Sertão pernambucano, o que levou o histoi-iador 11111• c.l • criasse cabras, porcos e carneiros e tinha direito à produção de
C-apistrano de Abreu ( 1 0 ) a afirmar que a influência pernambucana se lt lt · e queijo. Havia nas fazendas ' escravos do rei" que recebiam ape-
detivera mui to próxima ao litoral, na atual cidade de Bezerros. 1111~ roupa e carne, devendo retirar o resto do seu sustento de suas
Nestes sertões desenvolveu-se urna civilização sui generis. Aí os p11\prl11s plantações e crias.
grandes sesmdros rnantinham algum ruu-ais nos melhores pootos de
suas proptiedade , d irigidos quase sempre por um vaqueiro que, ou
era escravo de confiança, ou um 11gtegado que tinha como temufietação ( 11) Trecho de Capistrano de Abreu , transcrito por Andrade, Manuel
1 ,111 oln de , em Evolilçiio e Características da Pecuária Nordeslina 1 pág . 17.
( 12 ) Splx J. von e M9rtiu~ C. E. P. von , Viag ~m ao Brasil, vol. II,
( 10) Abrem, Úlpiscrano, Camính01 ,mtigos e Povoame,ao do BraJrl, pág. :n. 11,j •Ili!.

182 Manuel Correia de Andrade A T erra e o Homem no Norderte 18)


Como as chuvas caíam a partir de dezembro indo até abril, cos-
tun,avatn nessa época reunir as vacas ao anoitecer e ordenhá-las pelas
manhã. Com o leite faziam queijo. Ap6s maio, quando chegava o
tt: mpo da seca, us vacas não produziam mais leite e c.ram deixadas
o ltas no pasto durante todo o tempo. Sistema idêntico, apenas sem
1 (:xistêncía de escravos, mcontramos em 1960 na chapada do Apodi,
11 R io Grande do Norte, e ainda é dom in1rn tc nos altos sertões de
Pc. rnambuco, Piauí e Bahia.
O gado para chegar ao mercado consumidor fazia intermináveis
·11minhadas, havendo pessoas especializadas na condução destes ani-
mnis. Antonil, com a precisão característica de suas observações, ( 13 )
1füma que as boiadas eram compostas de 100 a .300 cabeças, sendo
· induzidas por pretos, brancos, índios e mulatos.
Costumavam locomover-se com um homem caminhando à frente
d 11 boiada, cantando o ''aboio sertanejo", enguanto os demais acom-
p11nhavam as reses taogendo-as e vigiando-as para que niio se disper-
:1sscm. Caminhavam de 4 a 6 léguas por dia se bavía águ'J com foci-
lldade ao caminho, mas estendiam a jornada até 1.5 ou 20 léguas,
omendando dias e noites, nas áreas onde não havia água. Nas passagens
rios rios, um vaqueiro, pondo sobre a cabeça uma caveira de boi, nadava
1111 frente da boiada a fim de que os animaís o acompanhassem.
Quando a caminhada se estendia por 15 ou 20 dias , costumavam
OK proprietários pagar ao encarregado do transporte quatrocentos réis
11111· cabeça, em uma época em que um boi valia, em média, na Bahia,
di: quatro II sete m il-réis. A este. cabia pagar -a manutenção dos tange-
dores e gu ias. Se algumas reses fugiam no caminho, c:r-a descontado
11 pngQmerito equ ivalente ao transporte das mesmas. Essa paga aumeo-
tt1v11 ou díminuía , c::onfoune as distâncias.
Os caminhos do gado eram muito longos, ocupavam grande parle
d 1~ moradotes do Sertão e, devido ao emagrecimento nas viagens, cos,
1iimt1vam fazer os animais oriundos do Piauí, do Ceará, do Rio Grande
1h1 No rte, da Paraíba e de Pernambuco, quando tangidos para a B,ahía ,
p11~sar algum tempo se refazendo nos campos de Jacobina. S6 depois
1h· refeitos é q1.1e ei·am tangidos para Cnpoame, nas ímediações de Sal-
v 1dor.
Para Olinda e, poster iormente, Recife, o gado também Íazía longas
1111ninhnda~. Assim, havia um caminho de gad9 que partindo de Olinda
l' d irigia paça o Norte , passando por Goiana, Esp.ítito Santo (Paraíba) ,
M11 1111rnguape, Canguaretcma, Paparl , São J osé do Mipibu, Na tal, Açu,

( 1} ) Antonll, André J oão, Cu/lura e Opulh ,cit1 do DfMil em mas Drog11s


Mi11r1.r, págs. 268-9.

A Temi e o Homem 110 Nordeste 185


Moçoró, P1·aía do Tibau, Aracatl e Fortaleza ( ver mapa n.º 3) . Outra
estrada ia drenar o gado piauiens~ para Olinda, através de Goiana,
També, Vale do Espinharas, Tapexoá, Patos, Pombal, Sousa, São João
do Rio do Peixe, Icó, Tauá, atingindo Crateús, onde se juntava à
vaqueirama piauiensc: e: trazia o se1J gado pata a átea canavieira. ( H)
Mais tacde, tentando contrabalançar n influência baianí1 nos ~er1ões ...
pernambucanos, fez o Governo de Olinda construir dois ci1minhos que CAMINHOS DO GAOO PARA OLINDA E RECIFE
demandavam o São Francisco atingindo Cabrobó, que junto com Pilão
Arcado eram as duas freguesias pernambucanas do médio São Francisco
na segunda metade do século XVI II ( 177 4). Estes caminhos , tendo )
de atmvessar a Borborema, aproveitavám os Vales do Capibaribe e do
lpôjuca. Assim, o primei.to, pattindo do Recife dirigia-se para Limoeiro
pelo Vale do Capibaribe e subia o rio até suas nascentes. Atravessando CI\PITi:il
seus interflúvios ia atingir o rurso do Pajeú na fazenda São Pedro, CIOAOE
descendo o vale deste .rio, passando por Sena Talhad.1 e continuava MT A o.i:is 80la.OA'$

0 segui-lo até Floresta, de onde se desviava parn o Oeste a fin1 de LIMITE lrt1'E'.ft($t~OU:it..
RIO
!'lkançar Cabrobó. O ~egundo caminho subia o Vale do lpojuca até a
Serra de Ororobá ( traçado atual da Rede Ferroviária do Nordeste e
da estrada central de Pernambuco), daí descia para o Sul att a atual
cidade de lnajá, onde se desviava para o Oeste procurando Tarnratu,
Jatinã e, finalm~nte, Cabrobó, ( lG)
O gado cearense, porém, chegava magro a Olinda e, devido à
distância, pagava maiores preços pelo transporte que o paraibano e o ..
norte-ríograndense. Daí se lembrarem os cearenses, ainda em 1 740, de
exportar suas reses já abatidas, transformadas em carne ~eca, salgada
e em couros. Para a salga dispunham das salinas naturais do Aracati,
da foz do Jaguaribe, enquanto os bois vinham do lilota1 e do baixo e
médio cursos deste riu. Surgiram , assim, -as "oficinas" para a fabri-
cação do chatque, mais conhecido no Nordeste como "carne-do-ceará~',
e que permitiram àquela região competir com a Paraíba e o Rio Grande
do Norte no abastedmento de Pernambuco. As "oficiJ1as'' surgidas .no
Aracati logo tiveram congêneres na foz do Parnaíba, do Acar:iú, do
Camocím, do Moçoró e do Açu. Com tão grande número de char-
queadas tomou-se difícil o abastecimento de animais de trabalho para
os engenhos pernambucanos, e aquelas localizadas no Rio Grande do
Norte fornm proibidas de funcionar; as demnis continrn1ram em atlvi-
.,,/
......... ~....,--- ....

,,.....,.,/
( 14) Ornara Cascudo~ Luís da, Tradirões Popu/a,,e; da Pecuíiria No,-
dmina, pág, 6.
(1.5) Rocha, Tadeu, O Homem e a Téc11ic11 e/11 Pau/e Afonso, no Diário
de Pernambuco, de 29 de Ab1·il de 1953; Andrade, Manllel Correia de, Evo•
luçiio e Crm1cterfs1ic11s da Pecuárid Nordesli1111 (Co1111ibuíção ao Es111do da
Geografia Pastoril do Nordesle Orie111al), plÍ(!.. 5.

186 Manuel Correia de Andrade


dade até a grande seca de 1790-92, que dizimou praticamente o re6"anhv
cearense, acabando com a florescente ind(tstria. ( 1 n) O colapso dessa
indústria beneficíou a princípio os produtores de Parnaíba e, logo ap6s,
as eh.arqueadas gaúchas que du rante muito tempo dominaram comple-
mmente o mercado no rdestino e só nos últimos anos é que está sofrendo
séria com;orrênda dos produtores do Centro-Oeste .
Deste modo, foi a pernátia quem conquistou parn o Nordeste a
maior porção de sua área territorial. Complementou a área úmida
agrícola com urna atívid;1de econômica indi~pensávcl ao desenvolvimento
da agro-indústria do açúcar e ao abastecimento das cidades nascentes.
Carreou para o Sertão os excedentes de população nos períodos de
estagnação da indústria açucareira e aproveitou a energia e 11 capacidade
de trabalho daqueles que, por suas condições econômicas e psicológicas,
não puderam integrar-se ,na famosa civilização da "casa.grnnde" e da
"senzala '. Permitiu, assim, a formação daquilo que Djacit Meneses
chamou de "O Outro Nordeste", do Norde~te das caatingas e do gado,
que a um s6 tempo se opõe e complementa, o Nordeste do massapê e
da cana-de-açúciir.

O DESENVOLVIMENTO DA AGRICULTURA
SERTANEJA

O início da atividade agrícola no Sertão deve ser contemporâneo


do desbravamento do inrerior e da criação do gado. Apenas a agri.
cultura nãQ foi a atividade principal, desenvolveu-se mediocremente
à sombra dos "curra is", devido à grande distância que separava aquela
zo,na do litoral e ao elevado preço gue os gêneros atingiam após o
transporte por dez.enas e centenas de léguas. Era feita, porém, de forma
penosa, sendo os pequenos campos cultivados limitados por cercas ou
valados que vedavam não só a passagem de bovinos e eqüinos, como
também das "miunças" - bodes e carneiros.
Ocupava a agricultura pequenas áreas, uma vez que era feita vi-
sando ao abastecimento da população de cada ' 1curtal", e nos locais mais
úmidos, mais favoráveis , onde os solos eram mais espessos, como os
leitos dos rios (Foto n.° 16) e as lagoas secas; cultivavam também o
leito do Rio São Francisco e seus afluentes, à proporçao que o baixar

( 16 ) Girão, Raimundo, Peq,iena .Histâria do C~ard, págs. 91 a 97; Edi-


t,wi A. Batista Fonrenelle, Fortaleza, 1953.

J88 Ma111,el Correi,; de A11drade


das águas deixava descobertns as "praias" e ilhas; el'am, po.rtanto, cul- S,•r·idó - , ora de varas, ora de ramos, ora de "espinhos", isto é, de
tUTilS de vazante. Cultivavam ainda as "serras frescas'' de que fala 1·11<·tdceas . Algumas veze1> o travessão era fixo, mas às vezes era repre-
Raimundo Girão. ( 1 ) •1nta do por urna cerca de fácil locomoção, e ele avançava ou recuava de
Essa agricultura restringia-se :apenas à mandioca, ao milho, feijão, 1rnl'do coro a esta~~º d? ano ou com a vontade de um Coronel pode-
11> li ou de um pohuco mfluente. Nos últimos cinqüenta anos o arame
algodão e, às vezes, à melancia e ao melão. Nas "serras frescas", porém,
além destes prod,itos, surgiram logo a cana-de-açúcar e as fruteiras. lnt pudo vem sendo ern_pregado neste mister e é comum o~ grandes
As áreas agrícolas constituíam, porém, pequenas manchas, "ilhas" iso- p1 uprictátios cercarem áreas de melhor pasto formando as ' ' mangas';
11111· r~servam para o seu gado, Restringem, assim, a possibilidade dos
ladas na vastidão das caatingas.
1111~1uc1rns e de pessoas pobres críatem animais nas área5 de campo
tsses pequenos roçados eram feitos, a princípfo, pelo próprio ui 11•1n, de "p?sse em ~omum". A importância desses travessões chegou
vaqueh·o com a sua familJa ou agregados, de vt:z que os proprietários 1111 "ossos clias e, arnda em 1928, o Governador Estácio Coimbra
não tinham preocupação direta com o abastecimenm de seus prepostos. 111•1wupou-se com a construção de um valado com 86 quilômetros de
Estes é que deviam prover a rna alimentação dentro das condições que li IIRiio,, que prot egesse a cultu~a de mandioca da Chapada do Araripe
o meio natural lhes oferecia. Nem mesmo o sal ia do litoral para o uu tjtl:ll inverteu grandes quantias, sendo esta obra considerada corno
in terior, pois, cm certas áreas centrais, ele er-a retirado dos depósitos 110!11 d11s que marcaram a sua administrnção por tentar uin zoneamento
aluviais do São Francisco e de alguns dos seus afluentes , como o Rio 11111 n agr icultura e a pecuária. ( s) Ainda hoje o governo de Per-
Salitre. Ainda hoje a retirada do que chamam "sal da terra" é feit-a 111111 '1ttt·o vem conservando o famoso travessão.
nas margens do grande rio sertanejo. No litoral setentrional, desde
o Açu até o Acaraú, o dima quente e seco, a cost,a baixa e a presença Af!,uclas primeiras culturas juntar-se-ia logo a cana-de-açúcar, sur-
de maré.s com. ,amplitude razoável permítiram o aparecimento de salinas 11111du 11111 la, no século XVIII, os primeiros engenhos de mel e rapa-
naturais conhecidas desde a época do povoamento. Hoje, na costll 1h1111 nngcnhos pequenos, com uma moenda de madeira , movidos
Norte do Rio Grande do Norte e na cearense, localiza-se o mais impor- 11111 1 1•n1pre -a tração anitnal - bois ou çavalos - e apenas excepcio-
tante parque salineiro do país. ltnrlll~ fl água, e qne ei:n vez de açúcar produziam rapadvta ou agua.t-

A preocupação com o gado érn de t,ü ordem que terras de verda,


i 1 1 l1; ngenhos _~este tipo, 'verdadeiras "engenhocas", já moíam cana
11h111!,1 no Carlrl cearense em 1731, (~) e seu número subia nessa
deita mata , como o Cariri cearense, foram requeridas em sesmarias 1 1 11 7 que "fabricavam mel e rapadura" em 1765. (r.) Célebres
para criação. ( 2 ) S6 depois, à proporção que a populaçifo foi se aden•
li .i li ·1,genhos rapadurciros era)J'l quase. todas as serras sertanejas
sanda, é que essas manchas úmidas de maior extensão como as SerrâS
111111 ri iln Baixa Verde, em Pernambuco, e de Água Branca, em Alagoas(
de Ibiapaba, Meruoca, Baturité e o Cariri, no Ceará, as de João do
11111 Ili ,,n~ margens do São Francisco , pequenos engenhos rapadureiros
Vale, do Martins e de Portalegre, no Rio Grande do Norte, a do
Teixeira, na Parnlba, as de Araripe e da Balxa Verd e, em Petnambuco,
11 111vnlvernm disseminando canaviais pelas margens e ilhas do
f ,1 1fo, As ca1las a eles fornecidas chegavam às fábricas por via
as de Agua Branca e Mata Gr.i1 ude, em Alagoas, a de Itiubá, na Bahia,
1 1111, ,,in canoas. Crato, no Cariri cearense, e Triunfo, na serra da
e muitas outras, pas~aram a ser cetcadlls por grandes valados chamadot
1 Vc l1LI , fotam e são, ao seu modo, centro~ açucareiros produtores
"travessões", que serviam de limite entre a área agrícola e .a de criação.
1 p 11l111•us gu_e ainda hoje ~ão larg-.imente consumidas no Settão para
Dentro do trnvessão a agricultura era feita Jlvremente e o gado só po•
111\111 t rw~ alimentos ou diretamente misturadas com farinha . Hoje
deria aí permanecer, se cercado ou preso; fora do travessão a lavo1m1
IINI 11li11N mpadureiros se encontram em decadência , em face da iação
é que era cercada e o gado podia fiCTtr solto, em campo aberto, desde
li hh1 juc, abrindo escritórios de venda de açúcar nas principais ci-
que a área era resen•ada ~ pecuária. Vales como o do Açu são aind
hoje cercados lateralmente por travessões de arame farpado que indicam " 11 H1tl!jns 1 vêm colocando no mer-ca.do re$:ional o açúc-.ir cristal.
1111ç1 li deste tipo de açúcar é devida tanto à facilidade de trans-
o limite entre uma e outra área. O travessão eta formado ora po
um valado, ora por uma cerca, que podia ser de pedra - freqüente nu
11rryre, Gi lberto , Estácio Coimbra, Goucmndor de Pemamhuco, em
hi lide, e outros Per/fr, pág. 193.
( l) HiJt6ria Eco11~mica do Úará, pág. 59 .
(2) Pinhtiro, lrineu, O Coriri, p~g. 26.
Vi11111,• lrcdo Fllho, José de, E11ge11hos de Rapad11ra de Carirí, pâg. 13.
llrlitklo, João, Ce,mí (Homem l! Fatos) , pág. 416.
190 Manuel Correia de Andrilde
A Terr/1 e o Homem 1m Nordeste 191
portes quanto à necessidade, por parte das usinas, com _produção cm IO$i1 e por serem os senhores mais pobres, havia no Cariri maior apro-
expansão, de ampliarem o seu mercado no pais, sobretudo nos períodos iinação entre senhores e escravos, menores distinções sociais. Deve-
de retração do mercado externo. Até viajantes ilustres, como os in- mos inclusive lembrar-nos aqui do depoimento de Rugendas, de que
gleses Kostel' ( 1') e Gardner, ( 7 ) provaram-na e a ela se referem com "t11\s fazendas maiores a comida dos escravos é feita em separado, mas
simpatia. ,111de eles são menos numerosos, e principalmente nas plantações lon-
Com os engenho$ fundados por proprietáríos víndos da região ,il11qua~ do pais, os cnbores comem à mesma mesa que os escravos".
da Mata, wrnaram-se cfifercntes a fisionomia e as relações de trabalho fllJl' isto a abolição, feita no Ceará cm 1884 e nos outros Estados
nestas manchas úmidas, daquel:is dominantes na caatinga, pois os ,•1n 1888, não trouxe problemas a estas micro-á reas açucareiras, onde
senhores-de-engenho, emboro não dispusessem do prestígio e das dispo- ,1 1• \na-de-açúcar foi o produto mais irnpo tante, mas nunca chegou a
aibílidades ec:onômicas dos que vieram daquela 7,ooa, tentaram organizar 11,rn:1r-se monocultura.
plantation do tipo realizado na região da Mata . P.ara isto organizaram Como nos brejos agrestinos, também no Sertão, -a partir de 1840,
um sistema de trabalho agrícola, empregando escravos; procuraram tam- , , 1111 ·,o □ a desenvolver.se a cultura <lo café. Os pequenos engenhos ra-
bém interessar homens livres em cultivar a cana para moer "de meia" p11d11rdros tiveram na rubi1k~a uma sé.ria concorrente, de vez que matas
em seus engenhos. ,SurgiaÍn; assim, no século XVIII, no Sertão úmido, 1 , 111rnviais foram transformados em cafezais. Setras como -.i de lbõa.
os lavradores, como ocorrc:ra dois séculos antes na capil'ania duartina. E p11l11 1 de Meruoca, de Baturité , da Babrn Verde e o próprio Cariri
o cido do açúcar nas serras frescas do Sertão, como no brejo parai- , , 111 11sc tornaram-se, por v,frios anos, grande~ pi:odutores . Não somente
bano, se processaria como se fosse uma miniatura distancúida no tempo ,111· lcdam a região, c:orno Ceará e Pernambuco wnmram-se exporca-
e no espaço da civilização canavieirn da região da Matu. Os me1hora- ,1111,·~ do produto. E 1n Baturité, chegou -até a ocorrer o que se deu
mentos e inovações feitos chegavam com dezenas de anos de atraso, 111 llnnaneiras, no Brejo paraibanc: formou -se a "pequena nobreza
e às vezes os engenhos do brejo e das manchas úmidas do Sertão eram ,1, ~ , ;1fo7,ais" de que fala Gitão, uma vez que muitas famílias emique-
montados com moendas, caldeiras e tachas gue , após longos -anos de uso
ld,1~ destacaram-se por "hábitos e costumes mais apurados e projeção
na Mata, haviam sido substituidas 11ot outtas novas ou mais possantes.
, 11111 11111is salientes". ( 11 ) Nos fins do século XVIII e no século XIX,
Sendo, porém, a rapadura um ptoduto destinado ao consumo focal,
111 lo~ m smos motivo5 que ocorreram no Agreste, a agric:ulturn tomou ,
não alcançava grandes preços; a capacidade das moendas era pequena
11111 1 u ~urro algodoeiro, rápido desenvolvimento no Sertão. Grande
e por ist'o os canaviais pouco cresciam. Daí tet sido sempre pequeno
11,1111· do pl'ocluto e,r,1 consumido na própria região, após tecido manual-
o n{uneto de esctavos que, rnesroo nos séculos XVIII e XIX, raramente
111, 111 pdas tecedeiras . Vilas houve, como a de Itabaiana, situada no
ultrapassavam a duas dezenas naqueles engenhos de propríetários mai
ricos. anua lmente os senhores-de-engenho dispunham, apenas, de 12 \111 •,1H sergipano, que se notabilizaram , no início do século XIX
1 IIHlH), por essa atividade artesanal exe rcida sobretudo por mu·
a 15 escravos por engenho, ( ) o que os obrigava, sobretudo nas épocas
de plantio e colheita, a r,e correr a agregados e a assalariados. li, ·1 ,. , ( 10 } Grande parte do algodão, porém, como o do Vale do
1 1) 11, ,11ravessava as caatingas por caminhos com mais de uma centena
lrineu P in heiro, após atenta investigação nos velhos cartórios do ti lq,tulh em demanda do porto do Recife, de onde seguia para ser
Catiti, salienta qlie o pequeno número de escravos era o resulcado do 11111, fidudo nos teares ingleses.
alto preço dos mesmos, pois custavam, faz um século, ''centenas de mil-
-r6s". A distância do litoral e as péssimas estrad,is impediam a expor- h. Síl atividade agrkola, porém passados os prímeiros anos, não
tação dos produtos agrícolas que se destinavam apenas -ao mercado li\, ~11111 Je tantos escravos como a rnna-de-açúrnr e proporcionou
regicnal, impedíndo que a culturas se expandissem po.t gta.ndes áreas 11111 t\l'mdt: desenvolvimento ao trabalho assalariado no Sertão. Real-
e que os pl'oprietários dispusessem de capital necessário à aquisição de 111 1111, 11uma área em que em quase cada decênio havia uma grande
grande e~cravaria . .Por isto mesmo, por ser a escra varia pouco numt'• , ,1 .tlúmundo o gado e provocando a migração dos proprietários ma is
1 hd11 , nío poderia dar bons resultados o emprego de grandes C!tbedais

i 6) Koster, Henry, QÍJra citada, pág. 152.


(7 ) Gardner, George, Vic1gcm no Brasil, póg. u;:,. 1•f) Giriio, RRimundo, Hütória Eco116111ica do Ceará, págs. ;l-71 e 372
(8) Figueiredo Filho, J., obra c-ílada, pág. 24. 1111) So~tsn, Marcos Antônio de, Afo111ó1·i11 sobre a Capita,ri~ ,le Sergip•
1111,r ,Ir 180//) , prigs. 32 e scgs.
192 Manuel Correia de AJ1drad~
A ·remi ~ o Homem 110 Nordc5lc 193
e~11 t::~cravos. Escravos que, devido ao curto ciclo vegetativo do algodão, mulher e pelos filhos, fazia 11 semeadura. Esta era iniciada pelo
f1c~r~am grande. pai:re do ano sem ter o que fazer, sem produzir o 1 liío ''ligeiro", pelo milho de "sete semanas", ( 14 ) o jerimum e a
suficiente 11ara pagar II sua manuteoção e que nos períodos de seca nu:lnncia. A mandioca, o algodão, o milho e o feijão eram semeados
seriam vendidos a preços fnfimos para outra~ regiões ou morreriam de ,lt·p1,i~. Entre o primeiro e o segundo plantios, a família mantinha o
inanição. Por isto mesmo, em 1872, em tima população total de 721.688 lllÇMlo limpo, enquanto o chefe ttabalhava assalariado nas grnndes e
habitantes, havia no Ceará apenas 31.915 escravos, percentagem infima, 111 lias propriedades. O salário era utilizado na aquisição da fatinha
portanto, correspondente a 4,49b do total. ( 11 .) Isto, antes da seca 11m· constitufa com a caça do preá, sobretudo, o allmento cotidian~.
de 77, quando a maioria dos escravos da região passou a ser vendida /\1, agosto e.ram colhidos e consumidos o milho, o feijão, o jerimum
pata os cafezais do Sul, ávidos de braços. u melancia. Em sete1nbro começavam a desfazer a mandioca, a .rea-
O salário pago aos trabalhadores variava muito dum.ate o ano, 111111 n "fadnhada", trabalho em que contnvfün, com a ajuda dos pa-
de acordo com a lei da oferta e da procura, OIJ de um 11no para outro, 1111 1,-s e amigos, sendo a farinha guardada em sacos sobre giraus ex.is-
conforme fosse o inverno e, conseqüentemente , as perspectivas d11 ll'lllr~ nas pequenas casas de taipa. Esta cooperação da farinhada é
produção agrícola. 1 mlllll'llente chamada de "aju tório". A farinha devia ser consumida
111111 1,nrcimônia, pois dela dependia. o sustento da família até abril,
No pedodo da Guerra de Secessão nos E. U. A., por exemplo,
quando chegou ao auge o rush algodoeiro, a jornada de trabalho chegou 11111111!10 o roçado começava a dar o jerimurn, a melancia e as primeira~
a ser paga a 1$280. ~ verdade que o assalariado pouco lucrava deste YIIM n~ de feijão. A colheita e venda do algodão pennitiam ao pobre
sal.frio, polque as culturas de mantimento haviam protícamente sído 1rnhulhudor a aquisição de roupas e outros utensílios pat·a a famílía. ( 1.5 )
abandonadas e os gêneros alimentícios, imporrndos de outros Estados, f lt• tft o rnodt" vivendi do trabalhador serunejo sem ter ra nas áreas
alcançavam preços extraordinários . ( 12 ) Piita se ter uma idéia do vahn 1 llhlt inga até quase os nossos dias., Pelo calendifrio agrícola que
deste salário, basta compará-lo com o que era pago aos sertanejos )IIIMcmos, observa-se que, morando em um a propriedade, tinha o tra-
pela Inspetoria Fedefal de Obras Contra as Secas na construção de l1111l111dm· que dividir o seu trabalho entre o coçado próprio e o do
açudes no Ceará, mais de cinqüenta anos depoi , em 1924, de 1$800 l'dlri o, O trabalho para o patrão era, às vezes, remunerado em dinheiro,
diários. ( 33 ) O aumento seria, assim, de menos de 50% em quase ,11 l'l'fl que o morador necessitava pagar renda da terra que cultiv~va
60 anos. O que ocorreu, porém , é que, vencidos os Estados Confede- , 111 i r.:m diohdro ou com parte da produção; outras vezes ele tinha
rados na América do Norte, caiu a procura do algodão no mercado inter- 1 ' 1'111 para cultivar sem pagar rendas, mas obrigava-se a dar tt.!s dias
nacional e os preços no país. Os algodoais minguaram e os trabalha- ,1 1viços gratuitos para o proprietário, estando, assim, sujeito ao
dores, tendo seus salários- reduzidos para $400 e $500 diários, voltaram ", Mmh, o" . A gama de telações eta muito va1riâvel e, como estas tdações
à sua faina antr:dor ao rush. Deste5 $400 e $500 diários é que os 11 1~I lllm em nossos dias, serão estudadas no pró~iino capftuló.
salários subiram até atíngir os 1$800 de 1924. A tnrnaubeíra, palmeira que recobre grandes áreas dos vales secos
Após o período do rush algodoeiro, passaram os agricultores serta- 1111 /w1, do Apod.i-Moçoró, do Jaguaribe e do Acaraú e é abundante
nejos a regular sua vida amanhando a cerra, ajudando-se uns aos outros 1 11 111~<ll1J São Francisco ( Foto n.º 17}, tinha uma grande importíim:ia
e procurando obter tanto o produto comercial por excelência - o ,1 v riu ~ multiplicidade de utilidades que -a_prc:sent11va. Viírios foram
iilgodão - , como os produtos alimentícios. Assim , nos anos regulares, 111 YIN1trtntcs a quem ela impressionou, a ponto de o famoso sábio
costumavam os sertanejos, reunidos em mutirão, "brocar" os seus ro- 11,1 ~Ir. nfirmar que ela "fornece uma madeira muito linda, fone e du-
çados em outubro, fazendo a queima em fins de dezembro, a füm d\l 1, ·om que aq_ui ,e fazem as armações dos telhados , dá também
de que em janeiro fossem consttu[das as cercas. Com a chegada do
" inverno" - período chuvoso - o chefe de família, ajudado pl!la ( H) Thoophilo, Rodolpho, obra cit11da, pág, .53.
l I t ) Informações colhidas t:m pesg uisas de campo nos. Jc,.ram a arer
li " 1.-IJilo "ligeiro" de que fala Rodolpho Teóphilo, sejn o feijão de corda
( 11 ) Pinheiro, lrineu, obra citada, pá!ls. 36, 43 e 44.
• 11•m nte difundido 110 Sertiio, Quanto aQ milho de "sete semanas'' n~o
(12) Th('()philo, Rodolpho, Hi.rt6ria da Seca do Ceará, pág. 27. li PNUlmws identificu e cremos que Q'ão seis o ,;orgo, muito cultivAdo nos
( 1J ) Moracs Barros, Dr. Paulo de, Impr1mõe1 do Nordeste Brasiltlfa 1 110 Jn11t1aribc, do A~i e do Açu, uma vez qu~ o ci.do ver.:et.ativo deste
pág. 76. 1111•tl111 íl 75 dias, e o "sete s~maJ1as" correspot1de a apenas 49 dras,

194 Manutl Correia de AtJdtdde A Temi e o Homem no Nordesld 195


1111111 cera que, mai bem. purificada e clareada, daria velas ei<:celentes;
11 ~lm mesmo corno é, constitui a 6nica espécie de iluminação usada;
1 om ~w1s fibras sedosas, fobdcam-se cordas e um fio muito resistente ;
11 miolo das fol h,~s, depois de cozido, dá um verdadeiro legume, mai
,1 lirndo qae a couve, e as folhas inteiras servem de fo rragem muito
1111tdtiva para o gado, Na província d o Ceará, passa como um pr.0-
i,,1 t·liio que, onde a carnaúba n.lio falta, um homem possui tudo de
, 1111· necessita para si e para o seu cavalo". ( i O) Apesar de todas essas
111,li<lncles, não era dada à carnaubeira a importância que da merecia
t'1' 1 freqüente nas épocas de seca serem derrubadas carnaubeitas novas
1u1111 alimentar o gado. S6 na segunda metade do século passado é q ue
,1, 1-1overnos p rovinciais começarám a pro tege r a famosa palmeira, proi-
1il11cll1 que se derrubasse a árvore para tirar as folhas. A coloc:wao da
, , 1 1 IIO mercado internacional e a sua valorização despertaram interesse
,lo 111•oprietáríos de camaubais, e a extração d;l cera passou a ser em
101~~0~ dias, como veremos no próximo capítulo, uma das principais
111 lvith,des econômicas rurais de grandes áreas do Sertão. A extração
,l,1 , 'J'I• de c.i rnaúba é hoje uma das fases de mais im,portincia do
, ,11, udório agrícola de g~nde parte do Ceará, do Rio Grande do Norte
ilo Piauí.
Assim, analisando-se a evolução econ6míca do Senão, observa-s..:
111111 1·<:L'ta semelhança com o que ocorreu no Agreste. Dizemos seme-
ll11111~•11 e não identidade porque as dificuldades de comunicação do Ser-
1,11 , om a região da Mata eram bem maiores que as do Agre~te. açar-
11 t 1111110 o encarecímento dos produtos agrícolas, como também dificul-
hll11 l,1 , -:olocação dos mesmos. Ficou, assim, o Sertão mais "ilhado",
111111 nfa~t11Jo dos progressos que se faziam na região mais desenvol-
lih, Ttnnbém no Senão as áreas úmidas mais favoráveis à atividade
, 1h •11!11 constituem uma pequena percentagem <la superfície total. ao
t 111111· rio Jo que owrre no Agreste. Por isto é o Sertão, ainda hoje.
1111111 íll' •a onde p redom ina o critério extensivo, enquanto o Ag1·este
, lnndnantcmcnte agropecuário, onde avultam economicamente -a polt•
11lt um ~ uma pecuária com tendência a tornar•sc intensiva. A ~eme-
ll11111~ ,1 que salientamos deriva do fato de ambas as regiões haverem
11111 p1woadas por criadores de g..ido, e de ter sido a pecuária a razão
11 ~, 1 J 11 conquista e do povoamento regional. Com o ffumenro da po-
1,11111 m1 desenvolveu-se em uma e outra, primeiramente a agricultura de
11li I t 11cla depois, como complemento desta , a cultura da cana-de-
n11il 111· 1· 1i indústria de .rapaduras. Na segunda metade do século
1 111 , ns duas regiões passaram a ser atingidas pelo ciclo do algodão,
1111111ul!ln•sc esta malvácea a cultura dominante. Cem anos depois, a

1lr,) Al\a~siz, Luís, Viagem 110 Brasil (1865-1866), pág . 539.

17 - Aspecto do l'io São Frnncisco nv seu


A Terra e o Homem 110 Nordeste 197
da cachoeir~ de Sohrndinh,,_
partir de 1840, chegou a vez do café, que sem roubar terras ao algodão, 11Hrndável, uma vez que a ~~atinga está '1etde, a. água é abundar.i.te! .!s
uma vez que era cultivado apenas nas manchas úmidas de altin1d~, vucas são ordenhadas perm1tmdo que se use o leite e se faça reque11ao
tornou-se, até a segunda década do 1,1osso séCLJlo, um produto de grande 1111·0 as refeições, e as "criações" gordas oferecem bons pratos. Em
importância nas duas áreas. Hoje, c::om as facilidades de comunicação, 111nrço ou abril, quando as águas começam a escassear, é época do re-
o Agreste voltou-se para a policultura e a racionalízação da pecuária, «•N~o, ficando a propriedade e o rebanho aos cuidados do vaqueiro,
en9uanto o Sertão mais vagarosamente vai transformando sua organi- 1, nesta "estação chuvosa" que o proprietário fiscaliza a atenção do
za<;âo econômica e cultural. Houve, assim, como no todo brasileiro, v11queiro, mandando consertar cercas, currais e casas, e adquire animais
uma sucessão de ciclos econômicos. lllil!;tOs de outras regiões para engordá-los e vendê-los para o açougue
,1111111do, terminada a e-s tação chuvosa, o pasto torna-se escasso.
No estio o pasto não é suficiente e o gado é retirado para as
t'l'i'ns onde há pastagem mais abundance. Estas serras são considera-
PARCERIA E TRABALHO ASSALARIADO NA ,111 "o tefrigérío" do gado, e a sua existência é a nizão de ser da pe-
ECONOMIA SERTANEJA u111rit1 sertaneja em grandes áreas. No Settão baiano o gado do Vale
,lt, Silo Fra.ocisco é levado para as "serras" (jue servem de limite entte
A pecuária é hoje , como foi no passado, a grande riqueza do Ser- llilhia, de um lado, e Goiás e o Piauí, do outro. São as "gerais". Esta
tão, apresentando-se ora como atividade econômica quase exclusiva, 111l1inu;iío, conforme a intensidade e o período das chuvas, sabendo-se
ora etn sui generi:; associação c:orn o algodão. As fazendas, quase sem- il11 il'reguladdade pluvial dos climas semi-i.ímidos e semi-áridos, in.icia-
pre sediadas à margem ou nas proximidades dos grandes rios, estendem- ' geralmente, em m-arço e abril, perma.t1ecendo o gado lá geralmente
-se por léguas pelo interior das caatingas, ísto porque, nas màrgens 111 Lll1tubro. O gado já está tão acostumado a essa migração que mui-
dos principais rios como o São Ftimcisco e, mais acentuadamente, nas Ili ve~es ele a foz sozinho, sem necessitar ser conduzido. Com a queda
várzeas do Açu, do Apodi-Moçot6 e do Jaguaríbe, a sucessão heredi- il11~ 1,Fimeiras chuvus, porém, vão os vaqueiros J!s "gerais" busrnr o
tária dividiu as propriedades de tal forma que elas se cornaro,m estreitas 1 h1111ho que lá ficou por cinco ou seis meses intcitamente livre, em
e alongadas, tendo algumas braças de tes tada na margem do rio, por v dn quase selvagem. Este regresso com as primeiras chuvas é neces-
quilómet ros de comprimento, penetrando as caatingas do interior. E 1 1 lo poFque, se o gado lá permanecer neste período, é atacado por uma
é a extensão que possui à beira-rio, na várzea, que indica o seu valor, 1111lllK11n chamada vulga.rmente de "o toque".
sendo as terras das caatingas quase sempre desvalorizadas. 10:rn Pernambuco, nas bacias dos afluentes do São Francisco, faz-se
O regime de crlação nas grandes fozendns sertanejas pouco evoluiu 1 111li11m esta migração sazonal ; assim, o gado do baixo Pajeú, por
nos últimos anos, salvo em certas -regiões mais favoráveis como os ea- Nt·rnplo, conforme os rigores da estiagem, é levado para as setras de
r iris Velhos da Paraíba, o chamado Sertão Baixo de Pernambuco e o 1111111 l' Arapuá, ou para o alto curso deste rio, para Serra Talhada, onde
Sertão alagoano, que analisaremos depois. Nas maiores extensões, 11 fni ndeiros ai-urram cercados a fim de não s6 disporem d'água, como
sobretudo nas áreas baianas e pernambucanas drenadas para o São I' 111 111,roveitat o :estolho das culturas de algodão, fava e milho, aí abun-
Francisco, e no Sul e Oeste do Piauí, porém, domi11a a pecuária ultra. 1 111 •, Para o alto Pajeú - Municípios de Tabira , São José do Egito
extensiva com gado criado solto, em campo aberto, produzindo anl• 1111/1tJtÍm, sobretudo - .também s~o ~evados os rebanhos dos Cariris
mais de pequeno porte e peso ( de 8 a 9 arrobas) e que só chegam ao 1 1111 )llnos, !rnzem-nos ameia, se dtspoem de terras, para as margens
ponto de açougue -aos 6 anos. u S111 Fr*odsco onde, em geral, cultivam capim fattuta e cabeludo,
Esra pecuári-a t1ão dá grandes rendimentos nem também grande& •nndo ttrr'dÇOat o gado (Foto n.º 18). As fazendi.is são mui to extensas
despesas. Os fazendeiros vivem, em geral, nas cídacl.e.s do interior mais 1111 r1·11 o -uma vez que são necessários 10 heccares de terras para a]i-
próximas às suas fazendas, onde $C dedicam a outras atividades ecton6- 1 t 11h11' um boi, enquanto no médio São Francisco, a montante da fo~ do
micas, sobretudo ao comércio. A fazenda é administrada pelo vaqueiro 1, 1 ,rnncle, são suficie.J;ites de 3 a 6 hectares por cada rê~, Domina,
e ele lá demora-se, qt1ando o faz, apenos na estação das chuvas, que s 111111 111 Sertão baiano, o gado crioulo "pé duro", entretanto, procuram
estende, nos anos bons, de outubro e novembro - "época das trovo 1 llu11•11r C!Sse reb~n ho bitrnduzindo reprodutores zebus das raças Gyr e
das" - até março ou abril. Neste período a temporada .no campo lrn Por isto mesmo costumam cercar as melhores áreas da proprie-
1il , 1•c- ~crvando estas "mangas" para os seus pró.prios animais.
198 Manuel Corr~ía de At1drt1de
A Temi e o Homem no Nordeste 199
No Vale do Paraíba também costumam fazer migrações; o gado
~sa o período chuvoso na "ribeira" e na seca sobe para as serras do
-:=-eixeira, do Jacararé e de Poção. Na ribeira domina o campo aberto,
__ oje interrompido por diversas "mangas", enquanto nas serras o gado
_i>asta nos roçados já colhidos, aproveitando o restolho das plantações;
~mentação suplementar, como a denomina com muita propriedade o
g-eo-economista Dirceu Lino de Matos. ( 1 )
A chapada do Araripe é ponto para onde converge tanto o gado
pernambucano como o cearense; é trazido quase sempre em maio, ( 2 )
a estação seca, a fim de aproveitar o "capim agreste, o guicé, a mu-
::unam, o taqui, a flor e a vagem do visgueiro, o fruto e a flor do
maracujá etc.", e é retirado com ~s primeiras chuvas para que não seja
acometido, como nas Gerais, pelo "togue". Assim, em quase toda a
área sertaneja a migração sazonal é um hábito que se repete todos os
anos. Quando o proprietário não a faz anualmente, necessita recorrer
a ela nos anos mais secos em que o "inverno" não chega.
A figura central de trabalhador em uma fazenda é o vaqueiro, que
cuida do rebanho, administra a propriedade e, na ausência do proprie-
tário, dá ordens aos trabalhadores e agregados. A sua remuneração às
vezes é feita pela "guartiação", isto é, o vaqueiro recebe um quarto
dos bezerros, potros e cabritos n,ascidos na fazenda, sendo a partilha
feita pela sorte, aproveitando um dia em que o proprietário esteja na
fazenda. Quando este é mais liberal, conserva essa forma tradicional
de pagamento em toda a sua plenitude, permi tindo que os animais do
vaqueiro sejam. criados ao lado dos seus, como se fossem animais "da
fazenda". Outros, porém, achando que os animais crescem mais "com
a vista do dono'' e que ele, ao contrário do vaqueirõ, está ausente a
maior parte do tempo, temendo que nas ocasiões de seca os seus ani-
mais sejam relegados em benefício dos do empregado, exigem, então,
que o vaqueiro lhes venda os animais que a ele couberam, logo após
a partilha. Tiram, assim, a possibilidade de um dia o vaqueiro vir a
ser também fazendeiro, ter um rebanho próprio . Com a introdução de
touros da espécie zebu, de origem indiana, melhorando os padrões do
gado, e a valorização da carne sempre em ascensão, os fazendeiros estão
preferindo abandonar o sistema tradicional e passam a pagar aos va-
queiros um salário semanal que raramente _alcança os níveis do salário
mínimo. Em 1960, encontramos na Chapada do Apodi, no Rio Grande
do Norte, a "quartiação" exercida em toda a sua plenitude, uma vez
gue até o leite e_o queijo apenas na estação chuvosa eram dados ao va-

( 1) Lino de Matos, Dirceu, Região da Baixa Moiiana (Contribuição ao


Estudo da Geografia Agrária do ponto de vista do uso da terra), pág. 61.
( 2) Pinheiro, Irineu, obra citada, págs . 26 e segs.

A Terra e o Homem no Nordeste 201


lhl'.'s poderá se.r fatal se a cactâcea escolhida for a pequena e e1;pinhosa
quipá. A lida com o gado na caatinga d1à1. de galhos e espinhos é
1' t -O e ven der "sa sobras na Eeíra.
. o que podja usá-lo na a 1mSen _aç~, tem valor comercial i11 natur~ das mais difíceis, uecessit-ando ter o vaqueiro indumentária pr6pria e
queir , 1 ·r no ertao so d equet-
Convérn sallentar que o e1 e ·dades sendo transfomHI o em-~ caracterfsrica para enfrentá-la . Para correr o gado ele u~a sempre
. idades das grandes o • . distantes. O quetJO com chapéu, gibão, ji\leco ou peitoral, cal~as, pernei.ras e lnvas, tudo de
nas prox1rn .. de coalho nas fazendas mal~ . cotidianos do ser-
jão e em que110 d bode llonstituem os alu'.(ientos . . à -farinha courn do chamado veado caatingueiro. Tem sempre -aos pés um pat de
rapadur!) e carne . e t quant0 ao valor nuttttJVO, esporas e !las mãos urna chibata de couro, indicativa de gue, se não está
. b uperrot portan o, M mcntado, pode fozê-lo a qu.alguer momt!nto. O maior problema com
tane10, ern s , ·d na região da ata.
Pence seco consumi a ' . d !to à lei da natureza, que ele se defronta é o da água, já que às vezes o gado tem de ser
com . ado ena o so , lh t
Pal'ece à primeíra vista 9ue o g. erada de pouco ttaba o; es e, conduzido po.r dezenas de quilômetros até os bebedouros. Dai o cos-
. "' vaqueiro \1ma vida mong ~ . gr-.inde parte do tempo tume de deixar ó gado sem beber durante 48 horas e de se cavar ca-
peumte ª"' , Passa o vaqueiro as
.. é árduo e contJ.nuO. . d fiscalizando as pastagen5 ' cir:obas no leito dos rios. Cacimbas que vão sendo aprof\ir.idadas à
p0remd cavalo percorrendo a f.azen ad, do a lugares distantes proporçao que baixa o nível do lençol d'água; são quase sempre cer-
monta o a d Nas migrações, cen uz o ga "cefrígérío"
cercas e :is agua as. : . d -o algumas vezes dur.anL~, o do cadas de um lado, para que <;S animais não destruam seus barrancos,
na ida e no regresso, v1srtan do rebanho. No "inverno ' com.do gaam e aí eles bebem água, urinam, defecam, transmitindo, assim, as
Paf,i_ in
. formar-se do estado o , tarde pata que urm doenças de que são. portadores. Nicolau Athanassof, em telatório ao
,, , os bezerros a da
lhido às "mangas ' reune h - Sua família se encarrega . Governo pernambucano nos últimos anos da década de 1921-30, cba-
r:~~os, e ordenha as vacas p_ela, man d~- ueijo e d:i coalhad~. Neste mava a atenção contra o petígo deste uso que poderia coJ1taminar todo
f
.ia r
b icação por processos rotineiros, t ç'!ao de cercas e c.uuats; ielam
, d · d n da recons tu d · . que o o rebanho, propagat1do as mais nocivas eplzootias. ( 3 )
r.eríodo é que to o c111 ai d ·dem principalmente epms d e'
,,. Quco pe1a casa de taipa" on e . resJ '
- ,, ois O pagamen o t em moe
, . a Em algumas áreas vêm sendo eavados poços que melhoram consi-
. , . eliminou a. quartiaçao
pproprietarlO
. ' l;J 11 .. 1 do seu salano. detavelmente as condições da criação. Isto se deu a partir de 1950,
um esbu ilO patcrn ,
consid.eràdo pelo vaqmmo como .. elos companheiros das fa- na Chapada do Apodi, onde o lençol d'água é encontraJo a apenas 70 m
. d ao vaquciró, auxthado p . . à'-lo com a marca de ptofundídade. A existência de água durante todo o ano permite
Cab e am a . d s cu1·ra1s e assm d que o gado permaheça na d1apada calcária de janeiro a dezembro, aQ
zendas da redondeza, reun~r o ga ;a;bém é m•balho. seu a _doma os
contl'ário do que oconia antes, quando ele só poderia .ficar nela na
do dono com ferro em _rasa. a pois os animais bravios reagem
' .
potros, serviço em qu .
e mutto se arrJsC •
b . do-o a realizar gran es p
d ioezas
.
estação chuvosa. A imponânda da
água é tal, que nessas fazendas o
poço e á casa de máquinas que bombeiam água são, ao lado das man-
muitas ve:tes i\ montaria, o rtga~ i, d d vida do vaqueiro; ,nen;
é O pior per,o O ª d ,aue -só e jedouras, as únicas Gonstruções de alvenaria, as quais contrastam com
É a épol>a sec;i, por ml', f . havendo proprí.ed-a es en; ."'" ~ a pobreza das de taipa habitadas pelos vaqueiros.
· ação sazGna e ena, . d .necessano, entao,
sempn~ ~ m1gr realiza 1ío nos anos mais secos, se~-~ as cactáeeas são Além d.os vaqueiros, têm as fazendas clllguns empregados perce-
necessana a su~ d ç Gernlme.nte ne~sas reg1oe~ . h ,, coroo
o gado ser alunenrn o. - b . d de "áreas de esptn ~s ' '-'~nd0 salários em dinheiro, dentre os gua-is se destacam os carreiros.
· sto sao atizll a~ Q do eimte o res- Sua importância decorre do us0 do tradicional carro-de-bo:is, que vai
abundan:s P:r~;~~uco com o v;c1~~- do fMmi:~t~ilhoua~ostum11•se usá•lo diminuindo de ano para ano com a abettL1(a de novas estradas e o
ocorre e d dão fe1iao ava • d corno o
· lh dos roçados e ª1go ' ' bé.m. concentra ·os, . aumento do número de caminhões. Na 1·ealidade, tem sido o caminhão,
to o - d do· às ve:tes se usam tara caatingue1ta, o nessas doas últimas décadas, o grande conquistador do Se.rtão, o veí-
n:) alimentaçao :} ga ' de certas áFvores como a q:ue têm
rle algodao ou ramas · 0 tambunm etc., culo que velll quebrando estruturas secnlarcs e transformando os gê-
caroço . . . 1a a io.ga:z.ei.ra, o angico, m,mdacatu e, nos
umbuze1rod, ~ JUt~o \,aquei~o. As caGt:k~s, com~ o de set queimadas
neros de vida delas decorrentes, O carreiro que pachortcntamente,
de ser p(D a as p f b , o e o -xique-xique, tem ,, , que além usando avental e chapéu de couro e de vara ao ombro, e0nduz pelos.
• eoos O ac eu· d ,1 macarnutra ,
:~:s d: 1
:e: dadas ao gad~, ~~a:cs;;11 ;~d~/ ser dada aos animais.
caminhos das caatingas os carros puxados por duas ou três juntas de
b0is, é auxiliado ao seu mister pm seus filhos de mais de dez anús d.e
de ~er queimada, deve se p d omcm o.s cactáceas no campo
• - esfomea os e ção o que
Às vezes os {ltllll)àlS 'd , .rudimentar preparo · '
$em que te nl,am sido submetl as a (3) Arhanassof, Nicolau , 11 lndú.rt-rw P«l·tor.i.l, pág. 2.'l~.

202 Manuel Correia de Andrade A Terra e o Homem no Nordeste 203


idade, que aprendem com o pai os mistérios de uma profissão que vem rindo os propúet~rios entregá-las ao~ agriculrorcs sob tegimt! de par-,
sendo transmitida de geração em geração. ceria. Dentte estas destaca-se a "meia'', de uso generalizado no sertão
Os tangcrínos ou tangedores também constituen~ uma outrn pro- norte-ríograndense, na qual os propdetátios fornecem a terra e as se-
fissão em vias de desa_parecimento, esrando o seu campo de ação limi- mentes [inandando o agricultor durante a formação e o trato do roçado.
tadQ iio~ sertões mais distantes, devido à concorrência do caminhão que Após a' colheita, recebem como pagamento a metade da ptod~1ção de
transporta o gado às cidades mais afastadas. algodão e o restolho das cultur,i> fic1UJ~O o a~~~cttltor com a outra
As áreas hoje de maior trabalho para os rangerinos ao
aquelas metade do algodão, com os ceteais - milho, fe11ao e fava - e com
que do sertão do Piauí demandam a cidade de Ai.:aripina, em Pernam- as "frutas de rama", .isto é., o jeriinum, a melancia t! º.
~e_lão. (_ 4 )
buco; as que do Norte da Bahia - sertao de Rodelas e Raso da Quando o roçado se localiza em terras de va7.ante, o propnetano exige
Catarina - demandam as cidades senanejas de Parnamidm, Salgueiro também a meação dos cereais e das "fnitas de rama'.
e Arcoverde, em Pernambuco, atravessando o Rio São Fnmcisco em Ein algumas áreas sertanejas , em condíções semelhantes à _anterior,
Glória e t!m Barra qe Tarracbil; os caminhos gue, partindo do Norte usa-se a "terça" em lugar da "meia" . Neste caso cabem dois tetços
de Minas e do Siil <ln Bahia, convetgem para Propriá penetrando em da produção ao proprietário, ficando o agricultor co':1 apen.~s um _t~:ço.
Sqgipe por Simão Dias; ou aínda os gue de Propl'iâ demandam Caruaru, Interessante é que na P,ai-aíbíl chamam esta pa;cena de meaçao e,
Maceió e Recife. para dístin!!Ui-la da "terça", dão à verdadeira "meação" o titulo de
Os tangerioos conduzem a boi'llda corno o fo•da,in no tempo de ''meação m~io pelo meio". ( 6 ) No Piauí o processo da "qunr_ta" ílâo
Antoníl ; residindo nas cidades e vilas onde têm mais fadlidade de é usado somente na pecuáría, foi estendido tambén1 ii agr1cultuu.
encontrar trabalho, na realidade J)11ssam a vida a varar os sertões, pet- Assim, ao aproximar-se a estação chuvosa, os ;igrk:uJtores recebem. dos
cebendo saláríos. Geralniente aGom.panham as boiadiis 11 pé, havendo fazendeiro$ as ,ttea~ que devem ser Ct1ltivadas e as sementes de mtlh~,,
porém, junto ao gl\do algun.li cavalqs nos quais eles se revezam algt1mas feijão, fava , algodão etc. Cabe ao !griculro~ a limpa do mato, o _Plantio
horas <l.urame a viagem. e a capina do mato, mas caso ha1a necess1~adc de foliar fo~m1gas ou
As vezes os tilngerínos residem em alguma fazenda onde plantam de usar ervicidas os "venenos" são [ornecJdos pelo fazendeiro. Che-
"roça"; moram ern choupanas com telhado de uma só água, <'.hamadas gada a época da 'colheita, o agricultor pag_a ao proprletário de_ um_ a
em Sergipe de "testas de bode". As camas de que dispõem, muito dois alqueires por cada t-arefa, Caso °, ~gnc1.1lt_o~ deva algum Jl-nheLro
pobrns e for1mdas por um estrado, sobre forqui lhas, são chamadas de ao proprietário, este poderá cobrar a d1v1da, exigindo que o pagamento
"isidotas" . À hora do almoço toda a família se reúne cm torno de seja feilo em espécie.
·um alguidar de barro de ondç se retirá com as mãos o alLmento. A A "sujeição" rfplca da região da Maca também é encontrada no
únírn tefeição diária ê constituída , quase ~empre, de fei jao, farinha , Agreste e no Sertão. Por ela os Foreiros ~e obrígam a dar a~1 dono_ d1~
pimenta e sal, às vezes acompanhada de carne.
terra um dia semanal de trabalho gratu1ro. -e o famoso cambao
Quando na fa~enda existem áreas de melhores solos, costumam eon tra o qual tão inge11 temente lutavam as -~igas Camponesas. ~É
os proprietários permitir que seus momdotes e o~ das vilas e ddade uma obrigação pessoal. o que Jeva em cei-tas reg1oes ao costume de nao
pr6ximas façam coçadoR, Ness11 áreas desenvolve-se- també1n a agri~ se permitir que o foreiro pague a outro pata que de 1.:xecute a .ta~e~a ,
cultura de algodão moGÓ, que é plantado de três em trê~ ou de quatro tendo de prestá-la pei.soalmente, como uma homenagem ao propl'letal'lO.
em quatro anos associado ao feijão e ao milho. Mui las vezes os proprie- Se levarmos em conta o valor de um dia de t rnbalho, sab~do-se que
tário~ fazem por sua conta grande,, roçado deste tipo , contratando para o trabalhador presta anaalm~me 52 cHas de trabalho gra tu1to ao pro-
isto a salariados.
prietÁrio, concluiremo que ele paga um a~u guel exorbitante pela pe-
A maLot parte, porém, pi-efere entregar a terra a agricultores , corno quena iírea de cultura e pela choupana - as vezes construída po.t _ele
se im: no Agresre, para a cnltura de algodão e de cereai~, Hcando com próprio - cm que habitá. Vê-se, assini , nas relações de tr~balho acima
o ro,;ãdo nos dois meses rn11is secos do ano para apascentar o gado. t"spedficadas, a grande desvantagt!m l~v~da pelo ag:1<:_uhor que,
Apesar do algodão mocó ser ntb6reo, pcrmanente , o gado limita-se o não possuindo te.nas, vê-se obrigado a SUJCJtar-se a cond1çoes de con-
co1net as suas folhas , a "apará-lo", fazendo que cotn as pdmcírn chuvas
ele "rebente" viçoso. As terras em geral não são arrendadas, prefe-
(4} Galvão Hélio O M11/Jrâo no Nordest~ , pág. 47.
204 M,muqt Corrt:id de Andrade ( 5) Lop<?~ de Andra<le, l,,trodm;ão ,i Sociologia d12s Secas, pág. 34.

,i Terra r: o H0111em 110 Nordeste 205


tratos verdadeiramente leoninos. Devemos lembrar ainda que, plantan-
do em região seca, estão os agricultores sujei tos a perder o trabalho se o
Tent-ativas procurando melhorar as condições de produtividade do
''inverno" não for regular, o que ocasiona freqüentes prnjuízos. O
gado e cviar outtas áreas leiteiras, vêm sendo feitas com base na cul-
arbítrio do proprietário também funciona como verdadeira espada de lura da palma em outras áreas, rnmo o Cariri paraibano e o Vale do
Dárnocles sobre a cabeça do agricultor, de vez que ele, não tendo Acaraú, no Ceará, ( 7 ) ionas relativamente pró:,;:imas das grandes cidades
contrato escrito, não possuí garantias de permanência Fia terra, podendo nordestinas: Recife e Fortaleza. Çertm:oente se houver sucesso nos
a qualquer momento ser despedido e ter de procurar área para tra- planejamentos, transformações semelhantes far-se-ão sentir nas relações
balhar em condições idênticas em outra fazenda . de trabalho .
Algumas áreas sertanejas vêm tendo maior desenvolvimtrn.to e Nas margens do Rio São Frnndsco c em suas ilhas vem se desen-
transformando estes característicos estrut1:1rados em três séculos de ex- volvendo corrsidera:velmente nos últimos ao0s, graças à irrigação, a
Atividade agrícola. As principajs culturas irrigadas são a cebola, a
ploração da terra. Assim , municípios sertanejos de Alag<?as como Ja-
ca11a-de-rtçúcar e as fruteiras. As culturas de vazante, feitas desde o
caré dos Homens, Major Isidoro, Batalha, Palmeira dos Indios e Pão
período colonial, foram ampliando consideravelmente a sHa área desde
de Açúcar vêm desenvolvendo largamente a pecuária de corte e de leite, que começaram a fazer irrigação, gra','{IS à elevação da á'gua do rio por
com base na cultura da palma. Na cidade de Batalha há mesmo uma rodas d'água. ( 8 ) A partir de 195 1, ao lado desti:is, sui-giram as moto-
moderna fábrica de laticínios que recebe, quase que apenas desse muni- -bombas e nos últimos quinze anos as bombas elétric,;1s. A abundância
cípio, cerca de 1 l..500 litros diários de leite. Aí, os palmais de hectares de água e o desenvo]vimento da agi;ieult1:1ra vieram dar serviço em
e as fazendas , ao lado da criação de gado com alta percentagem de condições estáveis e com possibilidades de rendas superiores ao tra-
sangue holandês, fazem a engorda de bois trazido-s do Norte de Minas balho na pecuária, a trabal hadores sem terras. Os ma iorns lucros,
Gerais e do Sul da Bahia e que se destinam ao consumo do Recife e porém, ficam com os p.roptietários da terra que pouco a cultivam.
Maceió . Nessas fazendas que engordam de quatro a cinco mil bois por Os meeiros recebem do proptietário a terra, a água, a semente
ano, usam o trabalho assalariado . Os empregados que trabalham no - c:obrando 5.0% do preço desta - o dinheiro, enquanto não há.
trato do gado em caráter permanente, são contratados eventualmente produção, adubo e inseticida. O produto é obrigatoriamente ven-
entre moradores de cidades e vilas próximas , assalariados para o plantio dido ao dono da tena pelo preço corrente. no mere11do . Cabe ao meeiro,
e trato do palmal. Na cultl!.lra da palma geralmente os homens cavam inicialmente, limpar e aguar o terreno por uns dez dias, usando a
irrigação por infiltração e por inundação. A água tan to é elevad a por
a terra e as mulheres plantam as " raquetes". Os salários das mulheres
processos mecânic'0s, como manuais , usando 11este caso latas e cuias
correspondem a dois terços dos salários dos homens. Os moradores
(Foto A. 0 19). As sementes são importadas das ílbas Canárias, uma
também não têm direito de cultivar a terra para si e estão obrigados vez que a nossa semente não preduz cebola de qualidade que permita
a dar cinco dias de trabalho por semana. Apesar de desejarem ter a entrada do !?reduto nos mercados citadinos. Após a aguaçã.o vem
acesso à pFopriedade da terra, não podem adquiri-la , porque pertencem a adub11ção com esterco de bode e a semeadura. Vin te a quarenra âfas
a grandes e médios proprietários que F1ão querem vendê-la. depois, a cebola é transplan lad;J para canteiros defin itivos, de onde setá
A jornada de trabalho rnmeça ao nascer do sol para interromper-se colhida ttês a quatro meses depois. As duas limpas que a cebola leva
às dez horas, quando há uma hora de folga para a primeira· refeição ; antes da colheita são feitas a mão, empregando neste trabalho as mu-
lheres e as crianças; depois de colhidas são postas em estaleiros onde
esta é constituída por feijão de corda, farinha e café, sendo feita no
fica,_m ,5endo aguadas de d.hco a sete dias; em seguida é feito o "restea-
próprio campo. A segunda refeição é feita à noite, em casa, compreen- fl'l.ento" , no qual elas são arrumadas em ttanças com perto de Qitenta
dendo o mesmo cardápio, acrescido de pequenos pedaços de carne ou centímetros de comprimento, e vendidas para o Sol, pata 11mde são
peixe seco nos dias que seguem à feira. Condições de trabalho tão
pesadas fazem com que grande parte dos sertanejos desta área procure
migrar para o Sul do país, saindo grande quantidade de caminhões (7) Pímentel Gomes, O Nordeste dos Geógrafos, em "Observador Eco.
todas as semanas com este destino . Esta migração aterroriza os fazen- nêmico e Fi11anceiro", págs. 50 a .55.
(8) Coelho, José CJ;iudio Mdu, Irrigação na Area Pemambucm1a do
deiros ante o pmblema da falta de braços. Assim, o desenvolvimento São Francisco, pág. .13.
da pecuária, aumentando a produção de leite e de carne, acarreta uma
maior circulação monetária e elimina gradativamente as tradicionais A Terra e o 1-Tome:m tio Nordesie 207
formas de parceria.

206 Manuel Correia de Andrade


uanspo(~adas em caminhões. Quando o _propríetárío culti\'a a cebola
por sua conta, o que não é freqüente, usa mão de obra assalariada,
conforme a maior ou menor necessidade de braços. A cebo-la tem dado
grande$ rendas a pessoas, proprietá1•ios, sobretudo, q:ue não estavam
habilitadas a investir bem estes capitais. Daí notabilizar-se Cabi·obó,
maior centro " ceboleira'' do Nordeste, pela grande venda de caminhões
e revólveres, urna vez que julgam os "ceboleitos" que a sua impor-
tância social se elevará cada vez mais em reJação à quantidade de
caminhões e de rev6lveres que possuírem.
A cahtl•de,açúcar é cultivada la{gamente em vazamt=s e em átea~
itri,g11di1s. b, depois da cebola, a cultura mais importante, estendendo-
-se nas margens do rio e nas ilhas. Pequenos engenhos, movidos a
,ração animal - bois e cavalos - a 6leo diesel e ,.,_ eletricidade, ttans-
formum a rica gtamínc:a em rapaduras vendidas cm toda a região ser-
taneja. lnteres~ante é ql,le ve:lhos engenhos de bois passam diretamente
a ser movidos a eletricidade, pulando, quanto à técnica, uma série de
tipos de engenhos O plantio de cana é feito em geral por meeiros
que recebem do proprietário a tetra e o transporte da cana até a fá.
brica. Eles cultivam, limpam e cortam a cana, sendo após a moagem
a produção dividida: 50% para o sen.hor•de-er:igenha e JO% par'<l. o
meeiro; este recebe, às vezes, a sua patte em p1•odut01 à.s vezes, em
dinheiro, Quando os proprietários cultivam a cana-de-açúcar, pagam
aos assaJatfados os mesmos preços que são pagos pelos ceboleiros.
As rehições entre proprietários e meeiros são do mesmo ripo que
as anteriores no cuJtivo da mandioca, do arroz, do feijão, do milho,
do algod~o e dos demais produtos cultivados nas margens do São
Francisco. As culturas l,)ettn.anentes, laranjeiras, mangueita:;, bananeira5
etc., são feitas ªf:>enas pelos propríetihk1s.
Entre os projetos de itrigação a serem implantados na regiao
são-franciscana, figura o da insralação dt: uma grande usina de açúcar
com capacidade de produ~ão de cerca de 1.000.000 de sacos por ano
devendo ser uma das maiores do ardeste. Há, também em implan-
tação, o projeto Bebedouro, graças à ação da SUDENE e da SUVALE,
para cultivo de pastagens visando à produ ão de ca&ne e, já implant.ado,
em produção, ô de cultura de uva de roe:;a ( M0Jjna, em Santa Mllria
da Boa Vista} e de vinlla ( CINZANO).
Nas margens do São Francisco há uma importante atividade arte-
sanal que é representada, como nas praias, pela confecção de rendas
de bilros, pela tecelagem de redes e pela extração do "sal da terra"
que é largamente consumld0 não . 6 em uso doméstico como usado nu
processo de salga dos peixes. A pesca vem se desenvolveJ'Jdo consi-
deravelmente e a industrialização do pei½e por processos rotineiros

A Terra é o Homem no Nordesle 209


vem tendo grande dese~volvi·m~nto, uma vez que este produto penetra
inttmsamente no mercado consumidor rural de todo o Nordeste, à pro-
porção que o bacalhau e o charque recuam devido aos elevados preços
que alcançam.
Rotineiro e interessante é o processo de obtenção deste sal; o
trabalhador retira porções de terras argilosas e salinas dos baixios
das margens do São Francisco, no período das águas baixas. Esta
argila é depositada em potes de barro com o fundo furado vedado
por paus. · No fundo do pote é feita uma grande abertura por onde se
põe areia e, com ela, a argila salgada com água. O sal dissolvido pela
água é filtrado pela areia e vai cair em uma vasilha posta sob a
"trempe". Obtida a água salgada, leva-se ao fogo e ela, aquecida, eva-
pora-se, deixando o sal no fondo da "panela". O sal é, então, posto
em um saco, lavado para tirar ·as impurezas e posto para .secar enter-
rado por vinte e quatro horas. O pote de barro é chamado na região
de "estilador", o tripé em que ele é colocado chama-se "jirau" e a
vasilha que recebe a água sillgada é a "lata". A argila, após a sua
utilização, é colocada no solo ao lado dos "jiraus" para servir de
pára-vento ( Foto n .º 20). Obtém-se, geralmente, em média, um quilo-
grama de sal em cada 18 de terra salgadil.
Nos vales secos do Rio Grande do Norte e do Ceará o interesse
maior dos grandes proprietários volta-se para a exploração da cera de
carnaúba, e essa indústria extrativa ocupa a maioria dos braços durante
alguns meses do ano, comandando verdadeiramente o calendário agrí-
cola. Sua influência na paisagem é m1:1ito intensa, já que ocupa, desde
o Vale do Açu até o do Parnaíba, todas as terras de várzea dos cursos
dos rios que demandam o litoral setentrional; formam autênticas flo-
restas galerias que, nos pontos em que as várzeas são muito largas ,
como ocorre no Açu, a jusante da cidade deste nome, no Apodi, nas
proximidades desta cidade e da de Moçoró, e no Jaguaribe, em Russa s
e em Limoeiro do Norte, alcançam alguns quilômetros de largura. Há
uma dominância completa dos carnaubais nativos, calculando-se que só
na várzea do Açu existam seis milhões de carnaubeiras ocupando uma
área de, aproximadamente, vinte e cinco mil hectares, isto é, mais de
62 ,5% da superfície da mesma . Nos solos mais favoráveis a densi-
dade vegetal é de tal ordem que se caminha dificilmente no carnaubal
e torna-se uma operação penosa e perigosa o corte de suas folhas na
safra. Nas várzeas, porém, existem áreas amplas não ocupadas pelo
carnaubal e utilizadas pela população para cultura de mantimentos, na
construção de habitações e na secagem das folhas . Muitos destes claros
são devidos il incêndios e à destruição feita , no passado, quando a cera
de carnaúba não tinha grande valor económico e inúmeras palmeiras
foram derrubadas para ceder terras à lavoura, sobretudo de algodão, nos

210 Manuel Correia de Andrade


períodos em que este produto alcançava preços elev11dos. Também ntis Pela extensão ocupada pelos carnaubaís e pela multiplkidade de
épocas de seca, quando escasseava o alimt:.nto para o gado, costumava- ap1icações dos produtos da carnaubeira, podemos afirmar que há um
-se durubar os "quandus" - carnaubeiras novas - para alimentar verdadeiro complexç, c~1h1.1ral na região, uma verd-adeira cívilização da
os rebanhos. Hoje, quando a cera está valorizada e a sua exploração carn,aúba que está a ex.igít um mínucíoso levantamento, um verdadeiro
dá ao proprietário rendas qoe no Brasil quase só se co.mpliram com .inventário que a encare do ponto de vista da importância econômica,
a fornecida pelos cafe~ais paulistas e paranaenses, os carnaubais nativos das influências culturais, antropológicas e sociológicas , sem esguecer os
são conservados e até fazem cultura d.e carnaubeirns nos "claros" exis- aspectos históricos .
tentes nas várzeas e nos tabuleiros. Há, assim , uma grande pi:eocupação
com li conservação e até com 11 ampliação dos carnaubais e com o As ca as de taipa são muitas vezes feitas com esteios e pedolos
aumento da produção da cera, que mantém b(e)a c0Mção no mercado de carnaúba , aos quais é juntado o barro; a cobertura é feita, fre-
internacional. qüentemente, com as folhas coladas sobre peças de tronco de camau-
beira; os cata-ventos que reriram água do subsolo têm S\.laS hastes de
A cera de carnaúba atravessou ,m\a fase cdt ica no pedodo 1966-9, carnaubeíras; os cercados e currais são íeítos com tábuas otJ lascas do
na qual até a sua colheita era anti-econômica, porque os custos de pto·
seu tronco; os caçuás onde se transportam mercadorias no dorso de
dução eram superiores ao valor do pcoduto. Os proprietários passaram
Cl\V!llos e muares são foüos com couro e pecíolos também destá pal-
a fazi::r a colheirn apenas uma vez cada dois anos para obter maior
meira; a palha, após a extrnção da cera, alimenta importante indústria
produção e compensar o baixo preço. Houve até proprietários que se
artesanal de bolsas e chap6us (Foto n.º 21) e, se a extração foi feita pm;
dispuseram a derrubar o carnaubal para ocupar a área com culturas
que dessem maior reJ\da. Nos últimos anos houve intervenção do processos mecânicos e a palha fiaou inutilizada pará esta indústria, é
Banco do Brasil, que melhorou os preços do produto fazendo, outra utilizada como cobettura para o solo, evitando a perda de umidade
vez, crescer a produção. por evaporação e o crescim,ento da vegetação natural, nociv11 aos ro·
çados. A cera, que é o seu p,tjncipaI produto, é fon te de renda segura
O carnaubal não marca apenas a paisagem e o q]endátio agrícola ,
como íá salient:imos. A esttutura fundiária está diretamente ligada a para os proprietários e de trabalho durnate três a quatro m,eses J}Of
ele e às terrac;; da várzea. Como esta é a única produtíva no meio dos ano para os trabalhadores . n assim um vegetal de múltiplas utilidades,
tab uleiros P<•wco férteis, secos e desvalorizados dos intedlúvio~. as que em uma ..tegião de parcos recursos atende ao homem de várias
velhas sesmarias, ao serem divididas pela sucessão hereditária, o foram maneiras. D ai dizermos que :.e pode falar no Brasil em uma civilização
em fadas que panem dR margem do rio para o inLerlor. Daí deriva a da carnaúba , ao lado da civilização do couro, da civilização da cana-
forma hoje dominante de p-ropríedades estreitas, e0m algumas brl.'lças -de-açúcar, da civílização do ou.ro e da civilização elo café.
de ''testada" - uma braça cotictsponde a ;2,20 metros - e tr~s a quatro Os carnaubai s6 Oéuparo os trabalhadores praticamente dL1rante
guilômet10s de fundo, e a formação de um habitat linear pelo qual as a colheita, de setembro a dezembro , excepcionalmente aré janeiro ou
casas d0s ptoprietários colocadas à margem da -e · ttada, que é quase fevereiro, já que quase sempre eles são nativos e não se usa fazer a
pai;alela ao rio, :a-presentam-se como se fossem uma verdadeira povoação, capina dos mesmos. Poucos foram os planüos feit0s a partir de 1935
tão próximas se 11cham uma.s das outras, Há casos extremos, como um e intensificados depois da segunda guerra mundial, após 1945, com a
que constatamos, ~m que uma propriedade tinha nove braças de frente alta coiação do produt0, Acreditamos que as plantações não se tenham
por seis quilômetros de fundo. ~ grande o número de pequenas pro- estendido consideravelmente, devido à tradição do extra tivismo da cera
priedades, não se concluindo deste fato, porém , que elas ocupam maior que refreia uma ação mais p0sitiva dos proprietlÍr.ios ma.is roti neiros,
área que as gràndes propriedades, uma vez que s6 a fozenda Itu tem e ao Jongo periodo de espera pela primeira prndução, que é. de 6 anos
12.000 hectares, incluindo em seus dómíti.ios várzeas, tabuleiros, lagoas na várlea e de 20 anos nos tabuleiros. Apenas quando o mato estlÍ
etc. A própria lagoa do Piató, que é consíderada muito subdjvidida> muito grande costuma-se brocar o camaubal, o que não se faz freqüen-
tem grande parte de sua superfície encravada em uma propriedade temente,, uma vez que são poucos os vegetais que conseguem desen-
de 500 hectares . São propriedades bem extensas, sobretudo se consi- volv~r-se à sombra dos carnaubals. Tauro assim qi1e, <.Juando o car-
derarmos que toda a várzea do A~ tem 40 .000 hectares aproximada- nauba] é nov0, tostuµm -se .110 verão ti:azer 9 gado a fim de que éle
mente. Essas mesmas considerações sobre a estrutura fu{ldiá,ria no stt alimente com a vegetação nativa; ao envelhecer o carnaubal, porém.
Açu podem set repetidas em relaçao ao vale do Apodi e do Jaguadbe. c~ra vegetação se atrofia, desaparece e cessa inteiramente á associação

212 M1J111,1cl Ci:mei11 de Andr11de A 'ferra e o Homem no No,,Jeste 21'.I


gado-camaába, apesar de muiro bem vista pelos proprietat1os do ·
carnaubais que são também , quase sempre, criadores de gado.
este curto perfodo de cinco meses, porém, há muito tFabalho
na coleta da cera , e os proprietários se vl!em a braços com a fa lta d~
trabalhadores, pgis a safra da carnaúba coincide com -a época da extra-
ção do sal, que é outro grande produto regional, e a população pobre
divide-se, uns preferindo trabalha;r nos carnaubais, enquanto omros
prccuram as salinas. ( [)) Entretamo mesmo os que preferem os car-
naubais, a partlt de dezembro, quando já se acha adiant-ado ◊ cotte das
folha~ da carnaubeira e o serviço vai escasseando, ttansfetem-se para
M S1.1.lihas . Participam, assim, com seus braços, das duas principais
indústrias extrativas regionais.
A colhei ta da ceta é muito complexa e, como salienta o agrônoJ;no
Pimentel Gomes, ( 1 Q) é feita através de seis fases: a) corte; b)
secagem; e) batedura; d) fusão; e) resfriamento;/) classificação.
O corte é feito por trabalhadores especializados no manejo de
uma foice ligada a uma vara comprida, com cerca de 15 metros, e
leve. O cortadot deve ser bastante hábil para cortar as folhas sem
prejudicar a átvore e sem deixar que elas caiam sobre a sua própria
·cabeça. O salário do "cortador", pago por produção, varia conforme
o ano, se o inverno foi bom ou mau. No primeiro caso, ele, coroo
meeiro, obtém colheita e exige melhores salários; no segundo, nada
tendo obtido co.tn a sua atividade agrícola, fica à mercê. do proprietá-
rio do G:arnaubal. Em 1960 os cortadores percebiam, em média, de
C.i:$ 100,00 a Cr$ 15'0,00 diários. ( 1 1 )
Cortam as folha.s da palmeira mas deixam sempie as "do olho"
para que a árvore não morra; vêtn então outros trabalhadores que
reúnem essas folhas derrubadas, amarn1m-n11s e, utilizando getalmentc
jumentos, transportam as mesmas ao estaleiro. Este é o nome dado
ao terreiro onde elas são postas a secar e onde, à cera, junta-. e urná
grande quantidade de jmpurezas. Expostas ao vento, as folhas ainda
perdem de 20 a 30% da cera que contêm. Os opetários que trabalham
neste mister, em geral mulheres e crianças, são chamados ajuntadotes
e i;,ercebem ~alários consideravelmente inferiores aôs cortadores .
Após vários dias, quando as folhas já estão seca~. são tran$_pot-
tadas pelos trouxeiros para um barradío de madeira onde são gtJarda-

(9) P.,troni , P1;1Nu11h:, A Vár:rc>a do Açu, pdg. 5,}, avulso n.• 2. Asso-
ciaçao dos Gc6grafos 13rasildrm. São Paulo, 1961.
( 10) Pimentel Gort1es, A CtJrmu,b,,ira.
( 11 ) Valverdc, Orlando e Mesquita, Miriam Goines Coel ho , Geogra/it1
.,4gr1Ír,a do Baixo Açu, pág. 468.
FOTO N_" 2 l - O rrnbalho arresanol com a folha da c3rna ubcira rem grande
irnportfoci~ nn vale no Jnguo ribe, Ceará A 'J'erra e o Hom em no Nnr,lesle 215
das as máquinas de beneficiamenco. A este barracâo dão pomposai;nen- Passada a safra da cera de carnaúba e o período de exu-ação do
te o nome de "usina". Qtrnndo não dispõem de máquinas, usam o sal tratem os moradores de cuidar de suas lavo,1ras de subsistência,
tradicional p.tocesso da batedura, quase desaparecido na Vá.tzea do Açu, utilizando as terras de vaza11tes nas n.1a~gens dos rios e das lagoas. En-
mas ainda de u~o gene::táli:r.ado no Jagua,ibe::. Esse proce~so tem a gran- tre estas destacam-se. por sua extensão e importância, as do Piató e a
de vantagem de deixat a palha em condições de ser utilizada na fabrica- da Ponta Grande, esta inteiramente localízada na fazenda Itu, imenso
ção de bolsas, chapéus e esteiras, e na coberrura de casas. É perniciosa, latifúndio com mais de 12.000 hectares. O calendário agrícola depeo-
porém , por provocar uma queda na produção de E:era por unidade. A de mais da variaçã0 do nível das :1guas dos rios e lagoas que da época
maioria dos ptoprietátios, porém, beneficia a ceta attavés de mãquinas das chuvas. Em ge,:al, porém, as plantaçõe~ se iniciam e_m jftnei-
a diesel de 5 a 12 HP. Há ainda na l'l.~gião o empreiteiro, que possui ro e fevereiro com a cultura do .feijão -associada a do algodão, geral-
a máquina e se instala na zona produtora , migrando de uma proprie- meote da vuiedade verdão. stes vegetais são plantados primeiro,
dade parJ! outra a fim de beneficiar a cera dos pequenos preprietários porque as primeiras tetras descobertas são arenosas e eles se desenvol-
que não dispõem de meios para adquirir a máquina, fütes empreiteiros vem bem em solos silicosos. Com a baixa das águas são de~cobertos,
contratam com os proprietários "a olho" o beneficiamento das arrobas sobretudo nas lagoas, so)os argilosos qt1e se crestam com a insolação,
de cera, cobrando uma taxa pol' atroba . Outras v:ezes, porém, o con- onde iío plantados o melão, a melancia, o jerimum e o milho - este
trato é feito na seguinte base: d0is terços da produção são do proprie- nos anos boas, enquaoto o sorgo, chamado na região ~e milho-trigo, é
tário e um terço é do ef(lpreiteiro. cultivado nos a11os maus . - O sorgo, por fec;bar mwto ao se desen-
A~ máquínas trabalham sob a direção de um maquinista compe- volver, impede a associação com outras cu lturas. Nas lagoas também
ten te e capa% de fazer pequenos consertos de que ela necessite, rendo vem sendo muito cultivado nos últimos anos, após 1956, o arroz . En1
às suas ordens um banquei:ro que transporta as folhas do estaleiro a áreas de vái:zeas vêm sendo feitas com i~rígação não só estas culturas-,
um banco deixando-as prontas para serem usadas na máquina; um ceva- como também ;s fruteiras em geral - mamoeiro e bananeir.a; sobre-
dor que t~ma as folhas no banco, pondo-as de três em três na máquina; tudo. Os proprietários que proíbem aos meeiros a.s Javouros perma-
e um bagaceito que remove o bagaço da palha da máquina pat·a o cam- nentes para evítar complicações se quiserem despedi-los, ~»1gem dos
po, já que o pó da cera é automaticamente ensacado pela máquina. O mesmos a "meia" do algodão e a "terça" dos outros produtos. Os
maquinista é o mais bem l'emunerado dentte estes trabalhadores, en. meeiros ainda são obrigados a vender o algodão ao i;.,roptietário da
quanto os tr:ouxeit0s que tra sportam as folhas do estaleiro pllra a usina terra e pab>l!m juros do dinheiro que lhes é fornecido du rante o período
e o bagaceit·o percebem sa látios que cot·respo11dcm a 50 ou 60% da em que a lavoura está a se desenvolver. Quando o ano é seco, a pro-
remuneração do primeiro. dução é pouca e ao ser feita a colheita, em 11g:osto ou sétembto, o l~cro
não é suficiente pata pagar os débitos à. fazenda, à qual eles ficam
No processo do coúnhamentô ainda trabalham o mestre ou Feitor prei;os para tentar o pagamento no ano seguinte. '
de cera, o auxiliar do mestre e o prenseiro.
Os agricultores utilizam neste trabalho proGessos rotineiros a
Após a fusão , a cera é resfrilida em recipientes apropriados e _de enxada ou 0 espeque - bastão de pau branco resistente e com ponta
várias dimensões, seguindo depois pat·a os armazéns das companhias Íina - que batendo contrf! o solo cava "covas" estreitas e profundas,
exportadoras q\.le às vezes necessitam ~eneficiar a cera, putifican?o-a. onde colocam as sementes de sorgo e um pouco de arei11 . A profun-
Logo após da é classificada em Üpos difer~ntes: a do olh,;.i - . retirada didade deve ser relativamente grande a fim de que o pas5arínho não
das folhas ainda .não de todo abertas e por isso de melhor qualidade - destrua as sementes_ Apesar du emprego de processos totineiros, as
em primeira e- em mediana, e a de folhas , que é classíficada em gorda , terras de vazante e os fundos de lagoas secas são tã0 férteís que se
gordurosa e arenosa. Os preços gara11tem aos produtotes em pel'iodos
obtê1n, em média, 5.000 quilogi·amas de sorgo ou 3 .500 de arroz pot
favotáveis um lucro tão elevado que conforme a e~tensão dos seus càr•
ha. Os meeiros têm no algodão sua cult ura comercial, vendendo-o
naubais residem sempre fora da propriedade, quer nas pdncipais cida-
logo após a partilha. Os out.tos produtos, após o pagamento dá terça
des da região ( Ac;:u , Moçor6 Aratati, Ru~sas , Limoeiro do Norte etc._)
dos proprietários, eles utilizam na alimentação da família, armaze-
quer nas capitais dos Escados - Fortaleza ou atai - ou até, os ma1~
nftndo-os para o verão e s6 nos anos de boa produção vendem a sob.ra_
ricos, JlO Recife ou po Rio de Janeiro. Só necessitam ir ao carnaubal
Interessaitte é o p,ro1.:esso por eles emp, egadQ na conscl'vação de certos
no curto período da safra.
cereais como o feijão ; colocam, no em u ma lata de qt1erosene ero que
.216 Manuel Correia de Andrade
A Terra ~ o Homm1 110 NordeJte 217
haja apenas um.a pequena abertura, depois de cheia vedam e;:sta aber- Os proprietários também cultivam e~tes produtos e tl'\nto eles
wra com sabão, conservando-se o cerea l por muito tempo. Aos pro- como os meeiros costumam contratar assalariados que eram pagos, em
dutos que obtêm da lavta da t erra juntam o peixe pescado no rio ou 1959, a 40 cruzeiros antigos tliários com a "bóía" . Entre os meei!'os,
lagoas e só uma vez por semana comem carne. estes ass11la riados fazem as refeições cm companhia dos patrões, o que
A falta de crédito é um problema seríssimo para os meeiros, já não acontece q13ando trnbalham para os grnnde1; e médlo proprietários.
que os empiéstimo gue 1hes ~ão feitos pelos proprietários e comer- A irrigação na várzea, retirando água de um Jençol aluvial que está
ci:rntes são mL1lco one~osos. Em pesquisas que realizamos na Várzea a sete metros de profundidade, vem sendo feita faz an·os, visando à cul-
do Açu, em 1960, colhemos informações de um plantador de sorgo, na Lura da bananeira ( das variedades leite e anã ) e de ou eras fruteiras,
Lagoa do Canto da Velha Joa11a, cuja produção fora vendida antecipa- de hortaliças, de arroz e até, apesar do seu baixo 'preço, do sorgo. No
damente "na palha". O côrnercíante gut:: financiara o plantio o fizera governo <lo Presidente Juscelino Kubitscheck, passou-se a financial' os
com a condição de q~t:: o sorgo lhe fosse antecipadamente vendido prôpdetários qué quisesseni adquirir moto-bomb11s. Muitos peque.nos
por um preço 40 ou 50% inferior ao do mercado. :É interessante proptiet,Jrios adquiriram estas bombas. No Açu e hO Apodi váti,1s
observar como essa pJanta africana , que é um dos princ.:ipais alimentos área5 de várzea foram irrígadas e cultivada~, dando ,ao visitante uma
utili2ados pela população do Sudão, 110 Sul do Saara, teve larga d ifusão magnífica impressão de fartura. Depoi~, a conservação das mo to•bom-
nesta parte do Nordeste. Chamf\m-na de "planta dos anos maus", bas, a SL1bstitulçiio de peças gastas e qu~brada~ que só podiam se1
porque tendo um ciclo vegetativo mais curto que o do milho, é nos ildquiridas no Recife e el'.n São Paulo, e a falt11 de assistência técnica
anos secos o seu sucedâneo natural. Uma vez cultivado, desemrolve-se fü:er,1m com que este surto agrícola '<lrnainasse. O bispo de Moçoró, D.
rapidamente dando uma primeira colbeila entre 80 a 90 dias e, se o Eliseu Mendes, que foi o grande animador do aproveitamento agríco1a
solo conserva a umidade, produz uma prlmeira soca após 25 dias e dos vales do Apodi e do Açu , também foi mmsterido da região, per-
uma segunda com outros 25 dias. Com a sua fatinha foz-se uma série dendo os agricultores um entusiasta e verdadeiro advogado dos seus
de pratos regionais seme lhan tes ao milho. É uma cultura para a qual interesses. Asslm, é muito pteclÍ(ia. a situação daquelcs (lLte lavram a
os governos nordl"stino~ deveriam voltar as vistas e procurar difundi-la terra na área dos camaubais .
aas áreas secas dos seus Estados; resistente à estiagem e desenvol-
vendo-se com pouca chuva 1 o sorgo seria um alimento indispensável Outra atividade agrícola interessante é a Íeita no leito do rio,
tanto aos homens como aos animais, pois é também ótima forragem. a~toveirnndo algumas fontes existentes próximo à vila do Governador
Esta cultura , que é feita largameme no Sudão, onde se desenvolveu Díx-Sept antiga São Sebastião, na m,avgem do Rio Apodi. O "belra-
deiro", habitante da margem, cultiva nó próprio leito do l'io o alho
uma verdadeira "civilizaçiío do sorgo" , na fndia, na China e nas regiões
e a cebola.
cemraís dos Estados Unidos, poderia dar ao gado, como já salientou o
técnico amel"icano Klan: S. Markley em relatório ao Banco do Nordeste, Ao baix-.ir a água do rio, deixando o leito quase inteiramente des-
uma forragem excelente e rica em prote!nas. Considerava-a, como for- coberto, os bei radc:iros Eazem canteiros onde misturam à areia o estrume
ragem, superior à palma, boje tão difundida. ( 12 ) Achamos mesmo de bode , ahuhdanre na região. O canteiro tem sempre nove palmos
que a difusão da cu lrura do sorgo é um dos esteios para o desenvolvi- de h1rg1.1rn por vi nte t' um de comp.rimt:nto . A um con jupto de vinte,
mento da pecuária nordestina e, conseqüentemente, da recuperação trinta, quareota ou até me ·mo cinqüenta rnntei.ro$, di'io o nome de
eçG1nômica tegional. lasno. Ea, geral contr·atam trabalhadores as alariados pai-a fazer o
lastro. Cada assalariado prepara diariamente de cinto a seis canteiros.
O grande inimigo do sorgo e do arroz é o passa.riaho, que vem
Fazem depois o " traçado" do canteiro, revolvendo a terra até que a
comer as suas se1nentes, sendo necessário, nos períodos de produção,
água <lo lençol aluvial chegue à superfície, por capilal'idade. Em junho
manter-se nos plantios meninos armados de fundas - os p a&toreadores
e julho semeiam pessoalmente o nlho das variedades bratico e ro~o .
- a per~eguir as aves faminrns,
que será colbtdo de outubro a novembrn, levando neste~ quatro meses
duas limpas ou capinas. A mulher e os filhos menores do " beiradeiro"
{ 12) Andrade, Ftanci~co Alves de, /J.grop11et1ári<1 e Desenvóluin,e,,10 dó se encarregam de, com um regador, aguar as plantações d uas vezes
Norde.,te 1 ['Ág. 75. por dia, pela manhã e à tarde.
218 Manuel Correi« de A11dradc A Tirrra <' o Home111 11,;, Nnr.dc.rt~ 219
Etn outubro. e novembro, à proporção que colhem o alho, plantam um regulamento que controla o uso da água em irrigação pelos vários
a cebola, das variedades encarnada, branca e de leite, as quais são agrícultores.
colhidas três meses ap6s o plantio, levando neste período duas limpas. Os engenhos rapadureiros são movidos a tração anin1al, a vapor,
Após a collieíta, em janeiro e fevereiro, vem a enchente do rÍG que a motor diesel, prevendo,se nos pontos em que se faz a eletrificação
ocupa todo o leito, espalhando a areía e destruindo os lastros e canteiros rural utilizar até a enei:gía elétrica. Os engenhos de pau movidos a b0.i
que só serão i;econsttuídos após a estação das águas. A produçao é escasseiam 1 confinand0-se aos pé:; d~ serra mais pobres ou aos rincões
toda vendída para Fortaleza, Natal, Recife e Salvador, sendo o trans- maís distantes, nas "manchas úmidas" dos sertões piauierises. Estes
porte feito em camlnhõi;:s. Desenvolve-se, assim, em peque;1a área pequenos engenhos são mlilito n1.1me~osos, subindo seu número, em
no leito do rio, uma agricultura de jardínagem na qual trabalham os 1956, em Triunfo, a 113 , com c-apacidade de produçã(i) para cada um de
m0ra'dorcs da margem com suas famílias. Const•Ítui uma peqwena 300 a 400 cargas de rapadura por ano, ( 13 ) enquanto no Cariri, só no
ilha agrfoola na imensidão das caatingas onde domina a pecuária exten- 1mmidpio do Crato, existiam e111 foncionamento, em 1958, 7 3 engenhos,
stva meBos exigente como os caprinos, uma vez que a vila que é. pom- d0s quais 67 acionados a motor diesel, três ll, água e três a bois. ( 14 )
posah1e11te crismada como "a capital do alho", acha-se e~ctavada em Hoje grande parte destes engenhos estão de "fogo morto", e projeta-se
terras pertencentes a ''fazendas de bodes". a instalação de uma usina de açúcat no Cariri cearense. Em linhas
No Cariri e nas serras frescas há um contraste muito grande gerajs, as relações de trabalho nessas áreas assemelham-se as que ocor-
00m "IS áreas sert-anejas vizinhas. Os habitantes destes verdadeiros oásis riam na região da Mata antes do surto usine.ito. Os moradores distri-
de verdura no me.lo do deserto cinzento de caatingas, geralmente não buem-se pel-as propriedaJes em cas.as de taipa, dispondo em torno desta
gostam até de ser chamados sertanejos. Sentem gue é maior a seme-, de e:itfguas áreas onde cuhivam para si um po1.1Co de algod~o e lavouras
Jhança do seu ríndio com a Mata distante do que com o Senão p1'6- de subsistência. Da colheita destas ctilturas não participa o proprietá-
ximo. O contraste é determinado pela topografia , devido ii presença rio , que e:xige do empregado um certo número de dias de serviço por
de serras, pois o Cariri fica ao pé da Chapada do Araripe, na vertente semana por preço inferior ao pago aos traha1hadores. de .fora. Só a
ceatense, e as serras frescas localizam-se sob.te porções mais altas e mais cana-d.e-açúcar é que, sendo plantada mesmo po~ moradores, paga rnea-
expostas -aos ventos 1ímidos, como ocorre com a de Triunfo; é deter- ção pela moagem. A dHerença de salário entre os moradores e os
minado também pelos solos, e.m geral espessos e escul'Os, só aparecendo trabalhl\.dores gue não residem na propriedade é considerada como o
exposição das rochas subjacentes nos po~1tos mais acidentados; pela pagamento de aluguel da cas'<l e do sítio. Nos períodos de safra exigem-
vegetação luxuriante onde a mata primitiva ainda não foi destruída e -se dos rnoJ:adores de cinco a seis dias de serviços semanais e, como
ocorre na M;ita,. utiliza-se o braço dos migrantes que vêm das caatlnga::;
pelas Capoeiras muito densas em solos que já foram lavrados ; pela
11tíviçlade agrícola q_"1e a1 substitui 1l pecuátia típica do Sertao. Esrn.s vizinhas à procura de tn1balho.
"m.anchas úrnidas", determinadas ora pelas condições climáticas, ora Na época da safra os trabalhadores qm: passaram o ano na enxada
pela estrutura geológica, constitm;m verdadeiros 0ásís no meio do cuidando do pl1mtio, passam a ter as mais diversas ocupações: aparece,
peneplano semi-árido. Dentre elas destacam-se po1· sua grande extensão entao, o "cambiteiro" a dil'igir ca.valos e burros que transportam a cana
o Cariri ( 7 .649 kmi) e a l'egião de Triunfo ( quase 500 km:!). dos partidQs pata o e,o.genho; o "cortador" de cana, que ganha salário
A sucessão hereditária tez com que nestas áreas as prímitiv~s por produção e, com seu facão ".rabo-de-galo'', despe os solos tirando
sesmarias se dividissem muito e se formasse uma grande população de rapidamente a cobertura verde dos canavíais; o "botador" de cana
pequenos proprietários. Para se ter uma idéia do fato, basta s~lient:.u na moenda , que a qualquer descuido pode perder o braço, tragado t;,efa
que r,io Cariri os engenhos rapadureiros são chamados "sítios". Os mesma ; os ªtombadores'' , que pegam feixes de cana no "picadeird'
pequenos propdetátfos dedicam-se geralmente à policultura, cultivando e colocam sobre a mesa próxima à moenda, ao alcance do botado(; o
milho, feijão arroz, maQdiorn e amendoim; nos pontos mai~ úmidos
cultivam até a cana-de-aç,kat, que moem mediante o pagamento da ( 1.3) Lacerda de Melo, Mário, Paisagem dó Norde.rte em Pernambuco e
meacão, nos e.ngenhos tapaduteiros vizinhos. Daf serem as várzea~ Paraíba, pág. 19'{).
de altitude dos tiachos perenes, ou dos que não secam comple tamente ( 14) Figueiredo Filho, José de, Enge11hoJ de Rapadura do Cariri, págs .
no verão , ocupadas quase sempre por canaviais, e de haver no Cariri 36.37_

220 Manuel Correia- de Andrade A Tert11 e o Homem tio Nnrdeste 221


maquínlsLa, que Guida do motoli e verifica de quando cm vez a pressãú
das caldeiras; o mestre-de--açúcar, que dá "ponto ao caldo durante o
coziahamento, indicando o momento em que o mesmo deve passar de
uma racha para outra, e da última para as formas das rapadur-as: os
caldehseiros 1 gue são os ajudantes do mestre-de-açúcar; o "tirado11" de
b11gaço, que remove os .resíduos da cana da moenda para a bagaceira,
onde fícarão expostos ao sol a secar. A descrição das funções dos
várío~ trabalhadores que momejam em um engenho de rapadura lembra
muito as descrições minuciosas que dos engenhos coloniaís fe-.:, no IV
início do século XVIII, o arguto jesuíta Antonil.
Estes trabal,hado;:es, prest-ando serviços pot· t0do o dia, às vezes
em jornadas gue se estendem por mais de dez horas de trabalho, per- O MEIO NORTE E A GUIANA MARANHENSE
cebem diárias de acordo com a especialidade e a produção de cada
um. Salários que l}ÍÍO lhes podem dar condições de existêncía, mesmo
modestas. A contribuição das lavouras de subsistênc.ia à manutenção
dos moradores, tão salientada pelos apologistas da atual estrutura social
do tàmpo no ordeste, é quase insignificante, urna ve:>. que os "sítios
de moradores" são pequenos - de um terço a meio hectue - e lavra-
dos todos os anos, sem que haja rota!,'.ão de terras nem adubação; além
disso os morndores dispõem em geral de poucos dias pal'll cuidar do
seu "roçado". Convém salientar ainda que não há qualquer preocupação
dás estações experimentais com as lavouras de subsistência ,. procurando
selecionar sementes das variedades mais produtivas e mais bem adapta-
das ao meio, não há um estudo sistemático das pragas que as atacam,
nem uma orient-ação técnica visando tornar o agricultor um homem mais
identificado com as lavoeras que cultiva e com o meio em que vive.
A preocupação das estações el!perimentais volta-se unicamente para a
grande lavouN:1, para a cultura de !!Xporração e, em menor escala, para
as frut,e iras que também interessam apenas aos proprietários, aos meei-
ros e aos foreiros.
Tanto quanto a reform.-. de uma est rutura, toma-se premente a
reforma de uma mentalidade, é preciso dar educação ao povo para
que aprenda a tratar a terra de forma mais adequada , permitindo que
ela produza o máximo com o mínimo de desgaste.

222 Mn,111111 Correia de Andr11dc

1
2
A OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO

Por muito tempo esta nova Capitania permaneceu multo pobre,


com a wa economia b;,~eada na agricultura de subsistência e no apre-
samento d:o indígena, que era utilizado no trabalho agrícola ou vendido
1 como escravo para áreas mais próspcna. como a Capitan i,a Je Petnam-
buco. ( 1 ) As dificuldades de comMnicações madrírnas com :1 Metr6-
FRANCESES E PORTUGUESES: A CO Q1JISTA _pole, em face da direção do,~ venros e correntes rna1·írimas 1 impedíam
que eb se in tegl:'<lsse no 5i$tema colotiial port ugi.1ês de uma ccon,;,mia
Na co11quista e ocupação do Meio Norte distin guimos duas direções inteiram.ente vollada para o mercado externo, fornecedora de produtos
do povoamento e de ocupação do espaço. O litoral, inicialmente ~ispu- tropicais. Ficou , as~im, numa posição secundáda , dentro da e. trutura
tado entre franceses e portugueses, foí ocupado pot povoamento oriundo colón.ial brasileira, de forn ecedora d e mão,de,obl'a à 1· grão canavieir-a,
de Olinda, J?onto de onde partiram os lusos parn a conquista de todo corno ocorria com o Sertão, 116a,1ecedor de couro e de carne à região
o Litoral setenttional e da própria Amazônia. Ao mesmo tempo, cor- mais dinâmica. O povoamento limitou-st inicialmente ~ porção lito-
.rânea e à baixada rrrnranhense, maJs facilmente defendida , embol'a ho,1-
rentes de vaquei ros, de criadores de gado or iundos da Bahía, subiram
vessc caminbos que iam a grande distância da costa, por onde o.
os rios da vertente oriental - Itapecuru, Vaza Barris, Paraguaçu, etc.
preadores de J □dios entravam a procura do seu pr oduto comt:rcial e
- atravessaram os interflúvios existentes entre as nascentes destes por on de os ía dios muit11s vezes desci.uu -a fim de faier guerras aos
rios - Chapada Diamantina - e as nascentes das afluentes ?ª mar_gem seus inimigos" Estas lutas entre colonos e iodigenas seriam eausa de
direita do São Fnincísco e, após conquistar o vale do grande no, submdo rremendas divergências entre os Golonus e os jesoirns que, desejando
os cursos de seus afluentes da margem esquerda, atravessatam as cha- catequizar os indígenas e aldeá-los, opunham-se tenazmente n sua escra-
padas que sepa~m o Piauí da Bahia e se espraiaram pelas_ te~ras dre- vização.
nadas para o rio Parnaíba. Dominaram assim_ o e..,sp~ço p~auiense - Por isto, conforme testemunho de Maurkio de Heriarte, ( 2 ) o
aiada hoje o Sul do Piauí recebe uma granJe mfluenc1a ba_~ana - e a povoamento se restringía, nos fins do século XVIII, à área próxima ao
porção ,:neridional .do Maranhão. Poderiamos falar, consequentemente, Golfio M.ua1,hen.se e à ilha de São Luís, haven do fazend:is de gado
em uma corrente de povoamento pernambucana e outra baiana, durante nos baixos cursos dos rios Grajaú, Píndaré, MeaJ>im , ftapecuru e
o período colonial. Munirn, assim como ao Nordeste, nas proximidades da próspera vila
Alcântara. Canaviais eram cultivados , afim de possibilitar a produção
A porção litorânea do Meio Norte não se integratia_ na América
de açúcar e de aguardente , em \•Ínte engenhos e vinte e seis ''molinetes",
Portuguesa no século X.VI, só o fazendo no século seguinte. A ten-
a maiothi dos quais s1: locillizava n a ilba, nas im~diaçõe:. de Akântata
tativa de povoamento das Capitanias Hereditárias falhou completa- e no vale do ltapecuru. Tinha ainda algum desta(ijue na ilha de São
mente ao Norte de Jt.amarad; durante quase um século os francéses, Luís a cultura do rumo. Restavam a criação de g'<!do, sobretudo nâ
aliados aos tupi.t1a1nbás, controlaram esta po.rção do te.rrltório brasi• babrnda inundada em grande parte durante a estação das chuvas - o
leiro desenvolvendo um escambo de produtos da lerMi por produtos verão e grandes plantios de fruteiras, utilizadas pela população
' de pouco valor.
europeus local. As florestas permitíam a exploração de madeira ,
Nos fins do século XVI instalaram no atual território maranhense
uma colônia - a França Equinocial - e construíram na ilh-a a sua ( 1) Vaa der Dussea, Adrien - Rela16rio u,bre àr Capita11iar Co~qui.rtada1
capital - São Luís. Aí permaneceram p~r mais de ~inte anos, até em Pcr,um1b11,o peloi hofancJeses (1939) pág . 91 . Ediçiio do lasthuro de Akool
quando os portugueses, oriundos de Pernambuco e chefiados pot. Jerô- e Açúcar, Rio de J~neiro 1 1947,
(2) Descrição do Estado do Maranhão, Pará, Corujo! e o rio das Amazonas
nimo de Albuquerque, expubaram-nos, instalando-se na mesma cidade. _p,í-g. 10. llllpreasa do Fílho ae Carl&, Gerold, Vieaa d'Aumia, 1S74.
A '/'erra e o Homem tm Norde~te 225 226 Manuel Correia de Andrade
O comercio eta :feito sobretudo através de trocas, tendo pouca Este processo de ocupação, ampliando a átea ocupada de forma
imp0ttância a circul ação da moeda. horizontal fazia com que os povoadores do Norte, do litotal, que: su-
biam os rios, fossem encon trar uo alto Itapecuru e no médio Parnaíba
A c,riação da Companhi~ Geral do Grão-Pará e do Maranhão ern os povoadores baianos vindos do Sul e ci:iadores de gado. Estes cami-
1756, como tentativa de recupernção et::onômica da colônia, no dinâ- nhando na frente dos vaqueirns das grandes famOias ba.ianas - Garda
mico governo do Marquês de Pombal, iria traosfol'!Jlar o Maranhão D'Ávi1a, sobretudo - ou a serviço das mesmas, i11stalav-am corrais
em uma colônia pt(;:)dutora de nUigos de ex17iOttaçãl'>, estimulando o na~ caatingas e cerrados onde criavam o gado bovino e as "miunças"
desenvolvimento d-a cnltura do arroz e do algodao , pFodutos que tinham - carneiros e cabras - , estabelecendo -uma economia inteiramente pas-
gran:de demanda no mei;cado europeu. O ci_clo da caça ao índio já estava toól. Faziam pequenas lavouras de subsistência, cercadas, a fim de
em, decadência em face da dizimação dos nativos; pa:ra tr:uisfoCJnar a que os animais criados soltos para aproveítarcrn as pastage;ns naturais
área em uma zona expo.ttadota, tratou a rdetida companhia de regula- aiio as danifi C'llssem, e conduziam o gado das áreas mais secas para as
rizar o tráfico comerci'<ll com a Europa, consumidora em potencia] dos mais úmidas - as margens dos rios perenes c t 1 as serras - nos pe-
seus produtos vroi,icais, e com a África, fornecedora dos braços necessá- 1·fodos secos, no inverno. Dos anfo1ais .i:etiravam tu do o que neces-
rios ao desenvolvimento da atividade agrícola. A Companhia passou sitavam, daí haver Capis tra no de AbFeu falado na civilização do couro,
ainda a fornecer créditos aos colonos a fim de que adquiL'issem os es- e tecebiam remuneração, quando hoh:i.ens livres, em cspéde. Geral-
cravos negros, as sementes selecionadas de algodão e de arroz e pudes- mente utüizi:ivam o leite das vacas paridas e recebiam_ um bezerro em
sem avançar o !?ovoamento e a ocupação do e ·paço na margeJI'! dos rios cada quatro que nasciam, hábito ai nda hoje usado na· áteas mais cUs-
n.ivcgávcis. E la ga~a11tia um justo preço, quase sempn1 não obedecido, tames e onde dominava o gado "pé duro" (Foco n.º 22) , crioulo, de
para os produtos da terra, e form:;tia os produtos importados que pas- pouco valor. Os criadores de gado, vivendo vida rude e d istante dos
saram a ser consumidos pcla classe enriquecida pela nova política eco- centros exportadores, forneciam carne e -arumais d~ trabalho para a
oômicll - propi:ietários de terr::is e altos funciomírios, sobremdo - . região liLorânea , exportadora de açúcar e fumo, e couro para expor-
O consumo do auoz e do algodão em éxpansão na Europa , que vivia tação. O gado fazia longas caminhadas de centenas de léguas que du-
G§ ano da Revolução Industrial era illtamente es-timulante parn o ravam mesc:s, das áreas de prodação às áreas de consumo. E(a grande
crescimento ec0nômico da Ca11ítania que, nos últimos anos do período o contraste 4:!fltte a área de criáçao de gado, que ocupou pi aticame11te
colonial , era utna das mais ric.-i~ do Brasil. Os sobradões de São Luis toda a porção meridional e central do Piauí e o Sul do M:ua nhão até
ainda hoje atestam a g-raudeza desses dias. Pastos Bons, e a ií.rea produtora de ilrr02, -algodão e açúcar, dominan te
sobretudo no vale do I tapccuru .
A expansão geogrâfoca do povoatllento criaria sérios problemas
a essa economia voltada para o mercado externo e que não dispunha Necessita ndo de ·poucos braços e n1io sendo o trabalho, em uma
de facilidade de esco'.lmento da produçâo do interior para o litoral, petuária ultra-extensiva em campo aberto, ( ,t) contínuo e sedentário
de vez que os tios, apesar de caudalosos, tinham regime muito h-tegulat, como o agrícola, pouco utilizou a mlio-de-obta escrava, sendo o vaqudro
<som gr11nde queda do débito no in'veimo e leitos rapidamente assoteados, um homem de certa independência e poder de decisões, não só eni fac~
sobretudo após o desmatamento. Os so1os oriundos da decomposiçã0 da sua condição de home-m livre, como da distih1cia que 5e encon-
de wchas do terciário e muito silirnsos, sujeitos li ação d<,s agentes rr-ava do patrão; além d isso, tinha a possibilidade de se tomar, ele
meteorológicos em um clima nopical muita quente e com estação chu- próprio, um fazendeiro em face do sistema de tem uneraç~o e do hábito
vosa muito prolongada, logo se 1ixiviavam, forçando os agriculto es a dos grandes proprietários de a rrenda rem "sítios" - áreas de uma lég.ua
pwcurar sempre novas terràs, terras virgens. mais prodl!ttiv'l!s. Este em quadro - sob o sistema de enfiteuse. No Itapecum mara!ibense, pO•
fato alatmava o inteligente governador do início <lo século XIX - rém, a agi:icultura em feita por grande proprietário que utilizavam
Betna1·do José da G:ima-. ( 3 ) o trabalho escravo visando atender à Jemanda de produtos tropicais
do mercado internacional. D aí o grande in tercâmbio havido na sul!

(3) Gama, Bernardo Jo~é da - T11/orrno.rão sobte o Capitania do Mar,111hiio


dado. em 181J, pág , 10. Imprensa do filho de c~ rlo; Gt:rold. Viena d'Austria, ( 4) Andrnde, Manuel Correia de - L'Elevage au Nord EH dit Brésll, Le,
1872. Cahien d'Aulre Mer, Tome págs. ____ , Bórdeaux, 1%8.

A Terra e o Homem 1•0 Nordesté 227 221! Mo.,wei Corr~ia de Andra,Je


fase ámea entre São Luís e a costa af1·icana, 1,oi o mWco de est:tavos
era feito para esta cidade com igual intensidade àguele fe ito mm os
prindpai~ centros produtores do país no século XVIII - Recite, Sal-
vado, e Rio de J1meho. A importação de negros modificou, inclasll.!e
do pC>nto de vista étnico, a pop~lação maranhense, hoje em grande parte
tcnnacJa por negros e mulatos , o 9.m: levou Caio Prado ]tJnior a afimrnr
que ''o algodão", apes1\,t de branco, tornou pteto o Maranhão. ( •)
A importância da porção Norte do Maranhílo como região de
especnlação, ( 0 ) isto é, região em que os europeus ínstalaram ~1ma
economfo de exportação de produtos tropicais, eresceu de tal forma que
nos fim, do século XVIII o Maranhão era, dcp0ís de Pernambuco, a
maior capitania exportadora de algodão, destacando-se ainda rnmo ex-
ponado.ra de ~rroz e de cout0. Este fato indica que parte da porção
Sul, obtendo uma saída pata o mar pelo Norte, OJ1de u porto era mais
;::,
'-" _próximo, desviou-se da anaç;fo dé Salvador. É c1aro que à pl'Oporção
6"'
., ..e
OJ)., que os campos de criàçáo se distanciavam da capital da colônia, pas-
ff ...o
a... .,
savam a sofrer a ação das forças centrífi.11;as e a serem eaptutad0s,
"O
parcial ou totalmente, por novos pólos . Para se ter uma idéia do
crescimento econômfoo do Maranhão e, conseqfü:ntemente, do Meio
Norte na segunda metade do século XVIII , basta salieatar que, iniciada
a exportação do algodão pela Cempanhia em 176'.;> co,n U0 sacas, atin•
girfa, 31 anos depoís, em 1800, 29.799 sacas. O ar.ro;,,, -após a intro-
dução de sementes da Carolína e a instalação de fábricall de beneficia-
mento, teria um crescimento expressivo, de vez que suas exportações
crescera11.1 de 2.847 arrobas em 1766 para 102.944 arrobas em 1774,
atingindo .360.000 arrob11s em 1777. O couro também teve ccesci-
mento expres ivo nas exportações saídas de São Luts, cle vcr1; que subiu
de 21.8 1O peles em J 760 para .31625 peles em li67 , cn.indo em 1771
para 11.460 peles. ( 7 )
Ao jr1iciaMe o ~éculo XIX, era o MM:✓.1nhiío 1.1ma das Capitanias
mais prósperas do Brasil beneficiando-se com a política de D. João VI
ele abertura do5 port05 à5 nações amiga~ . São Luís tornara-se uma
cidade onde vivia uma burguesia rica, consumidora de produtos finos
europeus e educaàa à européia. Os eventos da Gu.ei'ra da lnclepeudên-
cia, quando a bvrguesia m!lr~nhense, ligad~ n interesses portugueses,
procurou llttlnter•se fiel a Lisboa, eJllquanto propríetiírlos agricultores

(5J Hist6ria Econõmkà do Br>\sil, pás, S4. 4.• caição, Editora Brasiliense
Llda. São Paulo, 1956.
( 6) Ka-yser, llcrn~rd - La div1sio11r d1· /'espace Geograpbique dam lei
Pd;·s Xous-Developph Bxtrai~ de Annales de Geag.raphie. Puris , 1966
(7) Viveiros, Jerônimo - Obra r:i111da, pág,~. 16-7.

230 Manuel Corteia de Andrade


e grupos populares do interior lutavam pela independência, e os acon-
f:ecimentos do período regencial, quando grande parte da população
pobre do interior, vaqueiros , artífices e escravos, desordenadamente, 3
sem um comaAdo único, desfechar·arn a revolução chamada de Balaiada ,
criaram sérios problema~ e desorganízaram uma economia rnrnl e ex- O PROBLEMA DA MÃO-DE-OBRA
portadora. Ainda assim, durnnte o Segundo Reinado, apesar da cou~-
tante luta entre os coJ11etciantes e os la..,tadores, a região destacou-se No periodo colonial toda a atividade agrícola esteve dependendo.
por sua produçao agrícola sempre em ascenção. Na segundà metade díl mão-de-obra esGrava 1 seodo o escravo inicialmente indígena e pos-
do século XIX, a então província distinguia-se por suà produção de teriotmeme n.egro. Durante os primeiros tempos em que o Meio Norte
algodão, de açúcar e de arroz como pltodutos de exportação, e de man. não se integrara na economia de expo.·tação, as culturas tinham expies-
dioca e milho como produtos de s1.1bsistênda, A cana-da-açúcar et·,1 são re lativamente peque.na e oecessitavam de poucos braço~. O indígena
cultivada :;;Qbretudo Ili\ porção mais úmida, o vale do Píndaré, utili- era suficiente pMa atender às suas necesstdades. PosLetionnénte, a
zando em larga escala o braço escravo. Em 1860 havia no Maranhão expansão da área cultivada e a possibilidade de c~ponar escravos para
410 engenhos, 284 dos quais movidos a vapóY. ( ) O algodão cul- Pernambuco e Bahia levaram os entrndisrns a inten ificar o preamento
tivado no vale do Itapecutu tinha tal importância que a produção dos indígenas, agravando a dívcrgência existente entre colonos e je-
estadual atingia as 460.000 arrobas em 1875. Utilizttvll uma menor suítas. Nessa fase as entradiis furam se distanciando cacl~, vez mais
quantidade de mão-de-obra e o produto em de .inferior qualidade, se do litoral, indo buscar o indígena nos lugares distantes para onde e!('
comparado ao de outr:is regiões du No.rJeste, de ve:l que a industria- recuara (Foto n." 23 ),
lízação era feita por processos atrasados, com a utili~ílção dos l!nf!.r!nh os C-0m a criação da Companhia Geral do Comércio do Grão-Pad
de serra no descaroçamento do mesmo, que cortavam e esfarrapavam e do M.aranhão, iniciou-se o tráfico afrícano t:ifl larg'.l escala e o Má-
a pluma ao extrair a semente. O auoz, exigindo melhores s0los, tinha ranhão passo~1 a recebet grande quantidade de ne1v•os. É daro que li
sua cultura em terras tecentemente desbravadas, perdendo importância qu111nidade Je negros impoítad1, cada ano va.tiiwa com a demanda dos
devido ~ distância e ao fretes, perdendo gradativamente competiti- produtos mat,mhenses 110 mercado eutopeu e com a expJl.nsão das
vidade no mercado intej:nacional, disputado pol' outta$ áreas produ- li1vouras, mas sabemos que ó no período qlile v1ii Jt 1812 a 1820,
toras tropicais. Pass01:i de cultura de exportação a cultura de consumo portanto ern oito anos, entraram no po!ito de São Luís cerca de 36.456
interno, o que lhe tirou condições de competit com a cana-de-açúcar escravos, ou seja, uma rnédra de 4.500 peças por ano. Estes esctavos
e com o algodão na disputa de terras e de braçQs. eram mais abundantes no vale do Pindaré, onde se desenvolveu a cana-
Eoquanto isto ocorria no Maranhão, o Piauí continuava dedicado -de-açúcar, mas eram também muito abundantes no vale do I tapecuru-
írrteiramente à pecuária, exportando o gado vivo pata a Bahia ou trans- •Midm, zona produtora de algodão. O tratamento dado aos escravos,
form-ando-o em charque em sua o/icinas. Ch:arquc que era exportado considerados peças ~aras e que deveriam repor, em poucos anos, o
para Pernambuco e Bi1hia por via marítima. As ''ofkínas•· , nome dado investimento feito pelos fazendeiros au adquiri-los, era muito duro
então no Nordeste às charqueadas que precederam às gaúchas, tiveram fazendo-os trabalhi11· de 12 a 14 hoi-a por dia, conforme as neces idades
grande importância no século XVIII, sobretudo nos v:1les do Parna1íba da eulrura. Os cscravcs, revo ltados, rnuiras vezes reagíam ao cativeiro
e do Aracatí. As grat1des secas do fim do écuko , dizimando os re- ou .fugiam para as florestas, onde a caçii e a pesca - o~ dos et ani
hanhos, e a cot1cotrência gaúcha no século XIX, provocatain a deca- numerosos e' perenes - eram abundantes, faze11do teças de mandioco
dência e o desaparecimento das chatqueada . pata complemei1tat a allmetltaç~o- Chamavam aos seus redutos de
moca1nbos, e foram estes L1\o numeroso que, dutante a Balaiada, era o
preto Cosme, chde de um quilombo, um dos mais influentes líderes.
A população pobre e livre pouco trabalhava nos latifúndio$, dé
vez que em regiao tropical ómida era abundante a oferta de alimentos
pela hatureza e poucas as vantagens oferecidas pelo traba lho para os
(8) Vtvciros, Jerônimo - Hisl6ri// du C0Jt1ér,;io do MaratJblio (1612-1891)
págs. 201 e segs. Edição da Assodaçio Comel'dal do M~ranhiio. Siío Luís, 1951 fazehdeiros. Vivendo no meio do habaçual, a população rural pobre

A Terra e ó Home;11 no Nordeste 231 232 Manuel Carreia de Andrade


oh>tínha alimento com a caça, a pesca, a coleta do cuc(c) babaçu e pe-
quenas roças de mandioca, wílho ou ari-oz. Mantinha-se isofada das
pequenas cídades, vívendo em uma economia fechada, de subsistência
(Foto n.u 24 ).
A abolição da esetavic!ão , em 1888, veio agtiwat seriamente a
economia da área -agrkola, embora só {lferasse indireram,ente a iirea de
pecuária. Com a libertação, os Mgros abwdona.ram as fozendas e
engenhos, embriagados com a liberdade adquirida. Embrenharam-se
pelos cocais e pelas fio.restas, retirando facilmente: das mesmas o seu
, o ~ustenro. Havia abundância de rerras devolutas, desocupadas, de onde
f • "!;! o índio já havia sido afastado mas que o branco ainda não ocupara
u com as suas plantações, podendo vívcr numa economia fechada, amone-
o tária, de subsist.ê ncia. Os engenhos e as _plantações _ressentiram-se da
oe
falt~ de mão-de-obra e regrediram . Plantações e fábricas de açúcar
11
ô dewparecera,n. a área peçuo r ina , poi·ém, o número de esctavos em
"e
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d11,1inuto e a mão-de-obra necessária era pouco numerosa; conseqüen-
"5
temente, só indireumente sofreu com a abolição, porque , com a desor-
i u ganização econômica da área agr.ícola consi.1midora de aJJimais de t ra-
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~~ balbo e de carne, teve reduzida a demanda dos seus produtos,
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"e "... OS SISTEMAS AGRÍCOLAS A'I'UAIS


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.s Ao arrnfüarmos os sistemas agrícolas e os problemas das relações
.,
-o de trabalho no Meió-Norte, podemos distinguir nitidamente duas
• ' o
e. regiões: aquela em que dotniua 0 pecu,hia, ou seja, a região de velho
::,
p povoamento, e aquela de povoamento recente em que domina a agri~
cultura.
1
Na região de velho povoamento o grande pJopl"ietáriç é sempre
"'N in teressado pela pecuária sendo sobretudo Cl'iadot de gado. Possuindo
i grandes fazendas cria o gado solto, utilizando vaqueiros pat a vigiá-lo
~ em suas migr ações a _procLJra de pastagens, ou para lugares distantes
: nas ocasiões de secas - Pi·a uí e Sul do Maranhão - ou de cheias
- na baixada maranhense. Necessitando de alimentação suplementar
para o gado nos períodos em que os pastos são pobres e de alimentos
pata a popufação da fazenda , permitem que agrici1ltot es cultivem por-
ções de suas terras com algodão e produtos de su bsístênda - milho,
feijão e mandioca, sobretudo - ou alugando-as óu ero tegime de p-at-
ceria, O preço do alugud ou a partidpaçãc, na L1rodução agrícola por
parte do fazendeiro varia consideravelmente no espaço e no tempo,
confor.me o pod.e r de barganha que as duas pa rtes possuam. Assim,

234 M111111cl Correia de Andraác


4uando há abundância de terras e falta de mão-de-obFa os contratos
são mais favoráveis aos agricul tores, sendo, ao contrário, mais favo-
ráveis aos proprietários qu-ando ocorre o inverso, e estes ficam munidos
de maior poder de barganha. As relações com às vaquciws ~ traba-
lhadores que se dedicam .aos cuidados com o rebanho são feitas pelos
sistemas dominantes, já vistos ao analisarmos o Sertão,
Nas áreas de várzeas cortadas pelo rio Parnaíba e pelos seus prin-
<:Ípais afluentes - o Gurgueia, o Püwí-Canindé e o Poti - existem
grandes c11rnaubais, ve1•dadeitas matas de galerias que, da mesma forma
que no Ceará e no Ri.o Grande do Norte, são ex,plomdos em f unção da
exportação para o mercado externo e têm grande itnpoi;tí'incia paln a
economia l'Íauiense. Em 1970 este Estado produziu 4.085 toneladas
de cera de carnaúba, tlo valor de Cr$ 8 .363.000 100 1 tendo o Piauí contri-
buído com cerca de 20% da produçã0 brasileira. A cera de carnaúba
era quase totalmente exportada pelo porto de Luís Cotteia, chegando
até Pat naíba , importan te centro comercial e de benefidamento, pelo
l'io do mesmo nome. A eonstrução da rodovia 'forezina-Fortaleza,
porém, fez com que a Capital cearense capturasse para sua ;írea de
influência grande parte das teuas situadt1s ao Sul da todavia , roubando
ao 6nico porto do Piauí grande parte do seu hin terland, fato que pro-
vocou 1.1roa. des~celernção no crescimento populacional e ecohômico da
cidade de Pamalba.
Na porção Norte-Oriental do Maranhão domina o babaçual, e as
populações pobres que aí vivem dependem em grande parle <l~ coleta
do coco de babaç.u ; as terras ot1tt0ta cultivadas com algodlío e arroz
se encontram quase que esgotadas, e 0 babaçual domina int!!iramente a
paisag.cm. Os grandes proprietál'ios, quase sempre comerciantes, 6un-
cionários ou índus11:fais na:- cidades da região, exploram as terras que
possuem, desenvolvendo utna pecuária extensiva e uma atívídade co-
mercial complementai'. De um modo geral, não edlfic«m em suas
fazendas casas confortáveis a nã0 set por exceçao, e estabelecem nas
mesmas um pequeno enueposto onde vendem produtos adquii:idos nos
centros urbanos - sal pólvora, tecidos ordinários, remédios, etc. -
e ~ompram os proélurns l01c,aís - peles , amêndoas de coco babaçu , etc.
PeFrnítem que caboclos da tel'ta ou noJ'destinos gue migram das porções
orientais superpovoadas se estabeleçam em suas terras, desde gut:'
apanhem 0 coco babaçu, extraiam -as amêndoas e entreguem no seu
entreposto, onde as adquir~m pelo preço que estabelecem, geralmente
inferior ao do mercado O vagame.nto ai não é feito em moeda, de-
vendo o eabocl11 adquirir em troca das amêndoas oi; artigos de que: neces-
sita; assím ele nã.o toca em moeda e o proprietário estabef1rce os preços
dos produtos que vende e que comprn. elevando os primeiros e rebai-

236 Mr,mut'l Correj/1 Je A11dr11de


xando os segundos; muitas vezes o seu lucro ainda é -acrescido pela mesma ocupada, quai~ as condições climáticas e pedológicas que pco•
utilizaçao de pesos falsos. _porcionadam uma maior produtividade das palJneÍl'as, qual o espaça-
O caboclo, igr'lO.rante, sem apoio, cheio de verminoses e out ras mento necessário entre as palmeiras para estimular a sua maio,r produ-
molés ti_as, leva 1.1ma vida primitiva, em habitação de palha construída tividade e quais os processos racionais de apanha do côquilho. É bem
por. ele p~óprio nQ meio do babaçual. Além da apanha do babaçu, verdade que é difícil uma toletí'I mais racion-al em uma f lore~ta espon-
dedica-se a Caça e pesca e ao trabalho nas rnças. Pela manbã, após tânea tropical em que as palmeiras se disnibuem de Forma ,márquica
magra .refeição, ele e seus familiares apanham um cesto de palha µe relo espaço, e que a descobetta de máquina· para quebr-;i dos coqvi lbos
babaçu e passa~1 a caminhar por veredas que se afastam g-radativamente provocaxá um grande desemprego entre a população Tural.
de sua h abitaçao, (lpanbando os cocos que encontram. Estes são nume- Bem diversos são os problemas da á!'ea de ocupa~ão recente loéa-
rosos, ,de vez que cad:t pa lmeira dá em média l2 cachos, e que cada lízad11 ao Nordeste do Marnnhão, ainda no Meio Norte e já na Guiana
cacho contém em média de 200 a .300 coqu1lh0s. Ern ti,da coquilho Maranhense. A Hiléía Amazônica vai sendo áf de truída por mi.
se obtêm de 2 a 6 amêndoas. O trabalho é penoso porq1.1e '<IS palmeiras, grantes que acompanham picadas - como a do telégtafo - ~ estradas,
não sendo ~uhivadas, crescem de forma irregular no terreno, encon• à proporção que essas vão sendo abettas , destruindo a mata pela coi-
trando-se mujras vez.es muito próximas unias das outras. Além disto, vara e plantando arr0z. A terras, à ptindpio devolut11s e agora em
exiscem no sub-bosque vegecaís de baixo e médio porte, de variedades grandt' parte controladas pela SUDENE e por empresas- que conse-
.11~ mais dive rsas, e o chão fica coberto µor folhas e coquilhos apodre- guiram subsfdios da SUDA.M, vão sendo apropriadas e as matas des-
cidos, sendo hum~rosas as cobras, ao lado de animais de caça ,;;omo trnídas. Na fase da ocupação espontânea, muito intensa até a sétjmR
tatus, pacas e cotias. Muitos trabalhadores morrem em conseqüência década do séeuJo XX - 1961-70 - , os caboclos nordestinos migravam
de mordidas de cobras. Não há uma solução 1111 apanha dos coqu!lhos, para o Maranhao, a procura de terras vitgen de mata. Ao encontraretn
sendo recolhidos ao cesto espéeimes dos mais variados tamanhos, ora as mesmas faziam um rancho, roçavam parrc da mata. e ateavam o fogo.
mais verdes, ora mais maduros. À tarde, voltando à casa, os coquUhos preparando as terras pnra a cµ hura ( Foto n. º 25 ), No solo cheio de
s·ão depositados no terreiro onde mulheres, semadas no chão. passam ciJ1ias e de trorn;os semeavam o arroz, sendo financiados pelos d<mos de
a quebrá-los para retirat as amêndoas. Os processos us(ldos são manuals, usinas beneficiadoras, a quem pagavam juros altos e se compromeciam a
pois até hoje não se descobriu uma máquina qlie quebrasse os coquilhos vender a produçio . No ano seguinte, como a terra e. tives e enfraque•
em danificrlos; elas seguram com as pernas um facão afiado, com o cida, plantavam na me ma a mandioca e derrubavam uma n0vu área de
gume para e::ima e, colocando o coquilho sobre o mesmo, batem com mata patá o pfontio ck, atroz, ca.mü1hanclo sempte pani a frente, cada
um qiacete a fim de dividi-lo em duas partes. Partido o coco retitam ano1 fazendo novas queimadas, 110 que podemos chamar de u1na agricul-
as amêndoas, depositando-as em uma cuia. Ti-abalhando todo o dia tt,ra migratória. As terta por eles deixadas à retagu arda vão sendo
pode uma mulber obter cite! 8 u 1 O quilos de amêndoas. Posta a secar "gora o ·u1)adas por comerciantes, industriais beneficiadores de arroz. ou
para se desidratar é a amêndoa., após alguns di11s , vendida ao pruptie- funcionários que as cercam para criação. Vai havendo, assim, uma de-
tá rio - co,mercii111 te. que a revenderá aos industriais de 6leo estabe• vastação da flores ta e uma expansão da cultura do anoz e' da pecuária.
lecidos nas principais cidades . O preço paga ao caboclo corresponde A madeira, em grande pane queim11da , nlio é miliz.ada, destruindo-se
quase sempre a 40% do preço .que o pwprietário vende a amê11doa. dessa forma, sem qualquer aproveitamento, uma riqueza secular. O q1'le
Os processos primitivos de apanha e quebra dos coqu il hos é os pl'O- se observa é que o agricu ltor pobre prepara a área para o pecuarista rico
b lemas deeortentes das relaçõl':s de trabalho existentes entre o eaboclo ocupar. Os títulos de propricdnde diticilmente existem,. fii:;;ando as
e o proprietário são os grandes responsáveis 11ela b1ixa qualidade da rerras com o pecuarista.
maior percentagem da prod ução do babaçu do Brasil. A SVDENE , desde o seu primeiro Plano Diretor, vem tentando
E impress ion.ante o baixo nível de conhecimentos existentes acerca implimt~ r um progrnrna de povoamento e colorúzat;ão da área de exten-
do babaçu, produto abundante po Nordeste e n.o Centro Oest~ do país, são superior a 30 .000 km~ a ela concedi<la pelo Governo do Estado,
e otie Lendo :.,ia pcod u~íio racionalízada poderia dar uma grande con- proc1mmdo fornr o agricultor ao so lo, firranciá-lo através de uma política
tribuição à nossa economia. Infdiz,mente não .se fizeram estudos geo- cooperaüvista e organizar a sua produção. Faz expedências, com a
•agtonômicos sobre a palmeira, e continuamos a ignorar qll'al a área pela fünalidade de introduzit na área culturns tropicais que tenham fácil

A 'ferra e. o Homem no Nortlerte 237 238 Mam,~l Comeia de A11drade


colocação no mercado externo, como a banàna. Problemas llgados ao
porle dos financiamentos tiecessádos, à baixa fortilizaGão ~ ao problema
de lixíviação dos solos, à dificuldade de uanspottes da área aos portos
e de ordem administrativa têm u:tardado o andamento do proieto, ota
em fase de reformulação,
Após a abertura da e~trada Belém-Brasilia e, mais recentemente,
da Belém-São Luís, e com a facilidade de orntenção de crMitos 01·iundos
do roecanlsmo dos artigos 34/18 , através da aprovação de projetos
agro-pecuários aprovados pela SUDENE e pela SUDAM, empresas da
região Sudeste, sobretudo de São Paulo, vêm instalando fazendas na
~rea, promoven.do o desmntamento, a planrnção de pastagens e a intro -
dução de gado zebu, produtor de carne. Trata-se de urna criação exten-
siva em e-etc.idos, em q~1e os padi-ões técnkos empregados são bem
superiores aos em uso na região, e qw~ tenta obter um ptoduto p11ra sct
Cli>nsumido nvs grandes centrns urbano~ do pai~ e tenh,1 acé itação no
metca,do externo. O aJtos preços da carne no metcado internacional
estimulam o l~,asi! a se tornai• um exportador do produto, embora a
expansão da pecuárfa venba cria.ado sédos probJemas de desempre:go
e, de rnigrnção da pouplação tural para centros urbanos que não dis•
~õe.n1 de inlu-esrrututa que empreguem os migt:rntes.
A produção :ri:;iícola do Maraohiio ten:i grande importância, tendo
aloançado 675.55] ton . em 1970, no va1or de Cr$ 144.565.000,00. Re-
presenta terce. de 9% da produção brasileira , e11quanto o Estado é o
5. 0 pt·odutor do país. O anoi m-aranhense, e11t~etanto, plantadó pai- sis•
tema ,prímitivos, sem tlma seleção de variedades e beneficiado em
usinas primicivas, não pessui os padrões do arrori; de outras á~eas do
paí - Rio Grande do Sul, Baixe São Francisco, etc. - sendo vendido
por preço inferior ao destas áreas . Tem um grande mereado n0 Nor-
deste e no Sudeste, porém, graças aos baixos preços e à expansão .da
população urbana da e.lasse média baixa e média, de padrões de vida
inferiores. Necessário se faz o desenvolvimento de uma polítü:a de assis•
tência ao- pequeno predutor, que lhe gaFanta, efetiv-amente, o crédito
a_gi:kola a j\1ros baix-0s, a gatantia do& preços m[nimo~, 11 assistência
técnica e a gátabtia da pos$:e dm tetras por ele desbravad1lS com orien-
tação conservacienísta. Do contrário, dentro de alguns anos os grandes
pecuaristas terão 0cupado as terras em prodtJção <lo Meio-Norte, substi-
tuindo a1·rozais por área~ de criilçiío. Um sistem-a cooperuJ:vísta com
amplo ar,oio otíefol podeti11 melhorar as culturas e as condições de
vida dos pequenos agrículto1·cs, co1ittib•;indo assim para a elevação do
nível <le vida e da capacida.<le de cQJ~sumo dos n~esmos, assim como
pai-a melhorar o abastecimento dos centros urbanos.

240 Maniiel Correia de Andrade

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