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ATERRA l DICE
E O HOfflEffl PREFÁCIO ll
no · I -
II -
Introduçiío
O Nordeste: região de rontrast~-s . . . .. .. . ... . . . . . .. ....... . .
15
19
nonDESTE 11 I -
L
2,
3.
Conceito de ordeste ....... .. . . ........ . . , ..... •. .....
Condições natutai$ e dive:rs ificações regionais ... .. . .•. . ... .
Popufação e estwrurn fundiária no Nordeste . . ... . .. . ..... .
A propriedade da terra e a mão-de-obra na Região da Mata e Litoral
Orkntal ... , . . . . . . . . . . . . . . .
21
23
55
(.\J
1. A coloniznçíio ponuguesa e o problema da mão-de-obra , . . . . . . . 65
2. Os holandeses e a escravidão ....... . .. , .. , , .. , .. , .. ... , , 72
J. O desenvolvimenco ccooômico e as relações de trabalho n3
segunda me111de do século XVII e no século XVUJ 8L
4 . Trabalho ,:scrnvo " •ss•hiriado no ~éculo XlX . .. ... .. ... . , 96
5. O desenvolv imento das usinas e a prolccarização do trnbaU,ador
rural .... ...... . , .. . ....... , .. . , ..... , ... . .. .... , . . , . . 109
6 . O trabalho no cBmpo, na~ ~rcas de Clllturn do coco, do arroz
e_ do cacau . .. .. .. . . .. .. ..... . .. .. ........... . . .. . .... , 1)1
(20) Gand11vo, Pero de Magalhães, obra citada, pág. 78. ( 23) Brandão, Ambrósio Fcmnodes, Diálogos d11s Gr11ndezas do Brasil,
( 21} Obra citada, pág. 294. ?ái.. 99.
( 22) Corrns de 23 dt ar;osto de 1603, publicadas nos Airais da Biblioteca (24) Diégues Júnior, Manuel, Pop1,ldçrio e Açúcar 110 Nordesu do Dra.r1/
Nmin11ul, vai. LVTT, p~J!- 37 . i;,ágs. 43 e segs .
(6) Amonil, André João, Cultura e Op,ilbu;hz do Brasil pot suas dro,g11s
e minai, pág$, 74 e segs.; Vilhena, Luís dos Santos, Notícias Soteropo/itanµr
e Br41ílicas, vol. r, págs. 182 e 183; Barbosa Lima Sobrinho, Problemas Econó•
micos e Sociais d.; Lavoura Cana-vieira, 2.' 1:dição, pág 9 e s~gs., analisam e.~tcs
problemas.
-engenho tinham especial predileção por mulheres de moradores ( u) - -,los _todos os dia~ a fim de procúrar os que tugissem, obrigá-los a assistir
provocando até assassi_t1atos. Proprietários havia, que dificiltnen,te safam a mtssa aos domingos e a confessat-se todos os anos e providenciar medi-
de suas propriedades sem guarda-costas, temendo a ação agressiva de ca?1ento pata os 9ue adoecessttn. Cabi;'l-lbe ainda evitar que os escravos
6r1gassem entre si e que faltassem ao trabalho. A fim de que os negros
moradores que haviam expulsado de su-as tetras. Copstituindo uma boa
pareda da população rural, eram esses moradores umil reserva de ~e auto-abastecessem, o feitor-mor obrigava-os -a trabalhar em suas
ro~as nos dias santificados e durante o inverno, quando o cngenl,o estava
mão-de-obra que poderia set utilizada pela agro-indústria do açúcar.
pejado, aos sábados. Com isto os senhores se livravam do ônus de ali-
que não absorvia esta massa humana disponível por preferir o trabalho
mentá-los às suas custas.
escravo ao assalariado. Formava-se, assim, lenta;nence, como que a
espera da extinção do tráfico, uma reserva de mi'io-de-obra de que os Diégues Júnior ( 11 ) afirma que, como esta prática era. feita inicial-
proprietátios disporiam na hora em que os escravos lhes faltassem. mente .no Brasil, sendo daqui levada para as Antilhas, passou a ser
c_onhe:1da como "sistema do Brasil''. À primeira vista parecia uma
No trabalho dos engenhos não havia, porém, somente esc,avos;
hbetalidade do senhor permitir que seus escravos cultivassem nos dias
iio lado destes h,lVi.a a1guns homens livres que por suas habilitações
livres, um pedaço de terra para si; mas, desde que o senhor o; obrigava
ocupavam vários postos administrativos e, digamos também, técnjcos,
- como já fazia o famoso João Fernandes Vieíra , ( 12 ) herói da Restau-
exigidos pela indústria açucareira. Embora dependeates dos enbores-
ração Pernambucana - -a trabalhar em "suas roças" nos dias s-antifi-
-de-engenho, de quem recebiam as ordens e o salário, tinham uma po-
cados, fazendo-os perder o .repouso que a Igreja lhes garantia, e que o
sição de destaque na proprled-ade porque cabia a eles dirigir os negtos
produto deste trabalho era empregado na alimentação do próptio negro,
no trabalho e fabricar e encaixar o açúcar a ser remetido ao mercado
vemos que o chamado "sis tema do Brasil" era uma vantagem p-ara o
consumidor. senhor e não para o escravo. Maiores ainda eram os cuidndo::i do feitor-
Dentre os as~alariados destacava-se, segundo Antonil, ( 10 ) o -mor com a boiada, uma vez que para os bois niío havia tronco e ele~
capelão que no engenho tinha grandes atívidades a exercer e muitos gozariam sempre que possível de um dia de descanso por um de tra-
engenhos dispwiham de capelas paramentadas, conforme reza lev.in- balho.
tamento feito em 1774. Ao i;;apelão cabia a asssitência espir itual e o
ensinamento da douttina o·istã tanto à familia do senhor-de-engenho Os afazeres e as responsabilidades do feitor-mor eram muito nume-
como a dos agregados e aos escravos . Cabia a de rezar missa todos rosos , devendo fiscalizar o estado das construções, cercar os c1maviais 1
defender as m.itas, impedir que os vizinhos inv-adissem a propriedade,
os domingos, ouvir as queixas, dirimir as contendas, aconselhar aos des-
consertar os açudes, levadas e: pontes, fiscalizar a olaria e a desti-
contentes e vl'ganiz-ar as festas religiosas. Se o \/igário não comparecia
lação - casa em que se fabricava a aguardente - limpar ns pastos,
no dia do intcio da safra, da 'botada", cabia ao capelão benzer as
r~~artír e en~aixar o ll?JCar etc . . Por timto serviço e tama nha responsa•
moendas . o que fazia também no término da safra, no dia da "pejada''.
b1lidade o feitor-mor unha a tég1a remuneração de cinqüenta A sessentg
Recebia um ordenado anual de quarenta a cinqüenta mil-réis no início
mil-réis por ano.
do século XVIII, equivalendo, porlanto, à remuneração de um feitor
de moenda, infc.,;.ior, porém, a de um feitor-mot ou a de om mestre
de açúcar. ( 11) Poprdação e Açtícar no Nordeste do Brtlsil, pág. 69 e scg$,
( 12) Gonsalves de Mello, J. A., V111 regit1w1to de fcilor-111or de engettho
nm 1663, págs. 80 a 87, Recife, 19'.iJ.
( 9) To!lc1me, obrll cilada, pág. 96.
{ 10) Obra d tada, pág. 77. 111 ,M11111 ~, C11,reid de A11drt1de-
A Trm.1 e o Homem 110 Norcieste 91
Sob as suas ordens o ft:itot da moenda, que percebia cerca de a retirada do Dízimo, a porção dos lavradores etc. Por este trabalho
quarenta a cinqüenta mil-réis por ano, encarregava-se de pôr a trabalhar percebia de trinta a cinqüenta mil.réis por ano.
as negras que levavam as canas à moenda, atento parG evitar acidentes, Além destes havia os escravos, que etam numerosos, atingindo
e providenciar a lavagem diária da moenda a fim de que o caldo não nos grandes engenhos de 150 a 200 indivíduos , Sua importância era
azeruisse, prejudicando a fabricação do açúcar_ tanta que um cronista colonial . a eles se referindo afirmou: ( 14 )"Os
Os feitores de partidos que gat1havam menos, cerca de tdnta escravos ão as mãos e os pés do senhor-de-engenho, porque sem eles
mil-réis por ano , cuidavam destes, pondo os escravos a trabalhar no no Br asiJ não é possível fazer, conservar e aumentar a fazenda nem ter
plantio_ limpa e corte das canas, fiscalizando ainda as roças. Entre suas engenho corrente," Eles eram encontrados por todos os laclos, tanto
obtigações estava a de estar sempre atento "para que não se pegue o nas Iábri-:as, nos partidos de cana , nas roças, nas olarias, nas serrarias
fogo nos canaviais por descuido dos negros boçais, que às vezes deixam como nas barcas. Todos os anos eram aclquiriJos vários deles para cada
ao vento o tição de fogo, que levarão consigo para usarem no ca- engenho, sendo originários de pontos diversos da costa afrírnna. Uns
chimbo". ( 1 ~) Sempre o fantasma do fogo , do incêndio , a amedrontar etatn fracos , como os oriundo de Cabo Ve1·de e São Tomé. Os de
os senhores-de-engenho que poderiam perder, em um dia, o resultado Angola tinham mais capacidade para os ofícios mecânicos, enquanto
de anos de trabalho . os do Congo eram lnduscriosos e bons para o serviço da aina e da casa.
No cozinhamento do caldo da cana e nil fabricação do ac.,'-Úcar tra- Os mais espertos eram, às vezes, aproveitados para aprender ofícios,
balhavam o mestre-de-açúcar e o soto•mestre ou banqueiro. Permane- tornando-se caldeireiros carpinas , calafates, tacheiros, barqueiros, mari-
ciam durante a safra na casa das C11!dciras, o prímeiro durante o dia nheiros ele.
e o segundo à noite, onde se localizavam as quatro ou cinco tacha · Viviam nas senzalas, em casas pequenas e ligadas umas às outras,
destinadas ao cozinhamcnto do caldo da cana. Deste cozinhamento, constituindo ou não família , mas trabalhando sempre. Homens e mu·
da. maior ou menor intensidade e duração do mesmo, que devia variar lheres eram empregados nas duras foinas do campo e nos trabalhos
conforme o solo e a topografia do local onde fora a cana planrnda, de- da indústria. Apenas no campo, as mulheres não trabalhavam com o
pendia a boa ou má qualidade do açúcar. Cabia a eles providenciar machado; JJO plantio e na limpa do canavial, os escravos eram postos
a colocação do mel açucarado em formas no tendal e daí transferi-lo a trabalhar com o nascer do sol e se recolhiam à senzala à noite, termi-
para a casa de purgar, quando passaria à competência do mestre pur- nando a faina com o pôr do sol. Na colbeita da cana, cabia a cada negro
gador. Os mestres de açúcar petcebiam de cem a cento e vinte mil-réis cortar, por dia, trezentos e dnqücma fe ixes de 12 canas que eram amar-
pot ano, ao passo que o soto-mestte percebia de trinta a quarenta mil- rados por uma escrava. Assim, cada cortador de cana era acompanhado
-réis. na sua faina por uma amarradora. Essa quantidade em o suficiente para
Ao purgador de açúcar cabia administrar a casa de purgar e dirigir a fabricação de uma forma de açúcar.
o processo de purgamento , isto é, de embranquecimento do açúcar, com Uma vez cortada e amarrada, era a c11na transportada para II casa
bat o colocado na parte superior da forma. Além da responsabilidade da moenda e depositada num amplo salão, o "picadeiro". Este ocupava
da obtenção de açúcar de boa qualidade completando a obra do mestre, um lado da casa cm que se colocava a moenda, ficando o outro lado
cabia a ele zelar pelo mel que escorria para os rn.ngues o chamado ocupado por uma alrnanjarra, no engenho a tração animal, ou por
'' mel de furo" que seria a matéria-prima para a fabricação da aguar- uma roda d'água no engenho d'água. Ai tri'\balhavam várias escravas;
dente. Seu salário era bem inferior ao do mestre-de-açúcar, uma vez umas levando a cana do "picadeiro" para junto da moenda, outras,
que só nos grandes engenhos chegava a percebet quarenta mil-réis pot: com grande risco, uma vez que por um descuido podiam ser presas
1rno . e espremidas entre os tambores da moenda, punham a cana na mesma ;
Ao caixeiro cabia encaixat o açúcar após a purga, separnndo-o, uma te(ceira, ainda, fazia passar o bagaço entre os tambores, uma
e;nfortne a qualidade, em branco , macho , batido e mascavado. Após quarta cuidava de consertar e acender as candeias; finalmente uma
o encaixamento devia determinar o barreamento dos cantos das caixas, outra cuidava do "paro!" - tacha em que se acumulava o caldo da
( 13) Antonil, obra citada pág. 84. ( 14) Anronil, obra citada, pág, 91.
(l2) A~:itade, ?i!berto O~ório de, O Rio Paraíba do Norte, pág. 115.
( 1.3) D1tgues J~n1or, Mam1el, O Ban:1ti nas Alagoas, págs. 112-3, (16) Koster, Henry, Vi1.1ge11.r ao No fdeste do Br.a;il. pág. 346._ .
( 17) Kidder, Dnniel P ., Remi11isc~11cias de viagens e perrna11~11cra no Brim!
(14) F~eyre, Gtlbetto, Um Erigimbâro Franc,fr no Brasil, p:tgs. 178 e segs.
( 15) Pinto, Estêvfo, Hist6ri.à de #ma Estrada de Ferro do Nordeste, (Províncias do Norte), pág. 109. . .
p,ig. 62. ( 18) ieuhof, Joan, MemorJ.vel Viagem Marítima e Terrestre ao Braiil,
pág. ,284.
A Terr.z e a Homem 110 Nordeste 99
IIIO M111mel Correia de Atzdrade
de bois até as grande~ usinas que moem anualmente mais de 500.000 região úmida, logo se propagou para o Agreste e o Sertão como que
sacos de açúcar, a casa de farinha continua muitas vezes a ser movida repelida pela cana e pelo clima. Mas, se nas épocas de baixa do preço
a força humana. Apesar de sua importância, foi uma cultura relegada o algodão recuava para o Agreste, deixando a Mata livre para a cana,
a um plano secundário, sempre desprovida de proteção e sempre des- quando subia o preço ou quando havia crise na indústria açucateira, a
cuidada a ponto de a sua falta ter sido freqüentemente assinalada em cultura do algodot:iro avançava em díl·eção ao litoral. Sendo cultura
toda a hist6ria nordestina, falta que estava a dificultar e a piorar cada de ciclo vegetativo curto e produto industriaJizado por comerciantes
vez mais o regime:: alimentar, por si já deficiente, de moradores e es- estabelecidos em vílas e povoações, às vezes, até, em engenhos e usinas
cravos. - como ocorreu em Serra Grande, em Alagoas, na primdra metade do
O gado foi sempre um servo da cana; ocupava áreas pioneiras à século XX - por bolnndeiras e descaroçadorcs, o algodão conquis-
sua espera e cada vez se distanciava mais do litoral, tendo, conseqüen- tava a preferência de ricos e pobres, de senhores-de-engenho e lavra-
temente, que ir alongando cada vez mais as suas caminhadas para chegar dores.
aos centros de consumo. Foi ele que desbravou e ocupou os vales Cultura fádl , barata, democrática, deixava-se associar à fava, ao
fluviai distantes de Olinda, fixando-se, ao Sul , no Vale do São Francisco feijão e ao milho , fornecendo o roçado ao pequeno agricultor, a um
e nos campos de Sergipe e, ao Norte, nos tabuleiros da Paraíba e do Rio s6 tempo, tanto produto para a venda como alimentos. O seu curto
Grande do Norte. Não fosse a pecuária e os tabuleiros se teriam tor- ciclo vegetativo requeria apenas poucas limpas ou capinas; conseqüen-
nado verdadeiros vazios demográficos e econômicos entre as áreas úmi- temente, não ocupava braços durante t0do o ano como ocorria com o
das e férteis das várzeas . açúcar. Não bavia, assim, vantagem em adquirir escravos II preços ele-
A cana o expulsav-a sempre para o interior, tanto que a feira de vados para que eles trabalhassem apenas durante algum tempo, ficando
lgaraçu, ao Norte do Recife, teve de ser transferida para Goiana, depois inativos vários meses, sem produzir e consumindo alimentos. Daí a
para Pedras de Fogo e 1 fihaJmente, para Itabaiana, já no Agreste, ( 10 ) cultura do algodoeiro na segunda metade do século XIX quase não
ond.- permaneceu até o nossos dias. usar o trabalho escravo, sendo preferível pagar a moradores as fainas
Ma com o algodão o problema foi diferente: ele enfrentou a cana agrícolas , mesmo quando a procur-a de braços se tornou grande e a
e não foi apenas lavoura de pobre, como afirmou Gileno de Carli, ( 20 ) mão-de-obra, insuficiente provocou a ascensão dos salários até mil-réis
mas também lavoura de rico , como, teferindo-se à Paraíba, assegurou diários. Os salários 11-ltos, ma pagos cada dia, eram mais vantajosos
Celso Mariz. ( 21 ) que a aquisição de escravos, quando essa aquisição era difícil e represen-
tava uma grande inversão de capitais . Produto leve, o algodão era
A cultura algodoeira, feita no Nordeste desde o inicio da coloni-
facilmente colhido por mulheres e crianças; daí uma série de vantagens
zação, teve uma fase de estagn'<lçã~ durante o século XVII e a primeira
p arva enfrentar a cana nas ocasiões em que o mel'cado europeu necessi-
metade do século XVIII. Desenvolveu-se, depois, em função da fabri-
cação de tecidos ordinários usados na vestimenta dos escravos e, mais tava de algodão. Koster, nas primeíras décadas do século XIX, encon-
ninda, cm conseqüência da revolução tndustrial, com o desenvolvimenco trou até ricos senhores-de-engenhoi como o de Cunbaú, representante de
da indústria têxti l que então se processava na Inglaterra. Portugal, como uma das maís nobres estirpes de Pernambuco - a dos Albuquerque
usufrutuário de nossas 1·iquezas, ganbando somas enormes como inter- Maranhão - cuhivando-o em seus domínios, ao lado da cana-de-açúcar
mediário entre o Bra. il e a Inglaterra , estimulou a cultura deste produto e da pecuária. ( 2 :1 ) Grande expansão teve a cultura algodoeira durante
e criou em 1751 uma estação de Inspecção do Algodão e, logo após , a guerra de Secessão, quando os E. U. A . não podiam atender ao mer-
uma Alfândega do Algodao. ( 22 ) A sua cultura, que se iniciara na cado europeu , Nessa ocasião o algodão avançou pelo Vale do Paraíba,
dividiu com a cana as terras drenadas pelo Mamanguape e possibilitou
o devassamento dos intetflúvios do Siriji com o Tracunhaém, ao Norte
( 19) Joffily, lrincu, Notas sobre a Paraíba, pág. 144. Je Pernambuco. Nessas regiões ele não só disputou terras à cana,
( 20) Carli, Gileno de, Geografia Econômica e Social da Ca11a-de-Aç-rirnr no
Dl'llril, pág. l5. como tornou os engenhos empresas híbridas, uma vez que rnantinnam
(21) Mariz, Celso, Evol11ção Econõmica da Paralba, pág. 4L
( 22) Pereira da Costa, F. A., Anais Pernambucanos, vol. VI, pág. 83; e
() Algodão em Pernambuco ( Vista hisrórico-retrospcdiva) , pág. 11. (23) Kosrer, Henry, obr11 citadt1, pág. 103.
(1) Diégues Júnior, Manuel, População e Açúcar 110 Nordeste do Brasil, ( 3) Cílrli, Gi!eno de, O Açúcar 11a Formaçiiu Eco116mica do Brasil, págs,
pág. 18.3. 21l a 29.
{2) Carli, Gileno de, Aspectos da Economia Açucareira, pág. 18. ( 4) Carli, Gileao de:, i lsp.:,;/01 du Eco11omia Açucareiro. pág. 9.
O elevado preço alcançado pelo produto, devido à desorganização da rudas - 824 ..390 sacos. Nos últimos anos começa a processar-se, no
indústria de açúcar de beterraba, provocada pela guerra 1914-1918, peq~eno Estado. do N?rdeste, a concentração fundiária, uma vt:z que
não só intensificou a fundação de novas usinas, como t-.imbém aper- o numero de ustnas caiu de 1956 para 1961 - em cinco anos apenas
feiçoou e elevou a capacidade de produçiio das já existentes. O quadro - d~ 36 par_a 22. Em 197 3 são apenas seis. O total d11 ptodução
seguinte d~ bem a idéia do que afirmamos: d~ a~car serg1pano, porém, manteve-se relativamente estável desde que
armg1u a 6.35.900 sacos na safra 1·9'.59-60 e ascendeu a 790 .079 sacos
TAll.E LA N.º 3 na de 1960-61.
Em 1973, a~ analisa~mos as quotas de produção estabelecidas pdo
Estado Número de tuinas I ·A· A -, -as ma iores usmas pernambucanas são: Cenu·al Barreiros
1910 1920 ( 1.200.000 sacos), CateQdt: ( 98.3.000 sacos), Central Olho d' Ãgua
(703.1~2 sacos_), Cucau e Sanca Teresinha ( 700.000 sacos, cada uma).
Rio Grande do orte 4 3 Estas cmco usinas deveriío produzir um total de 4.286.000 sacos ou
Paraíba 5 2 cerca de 30% da produção estadual ( 17 .810.000 sacos de 60 kg),
Pernambuco 46 54 Além de Pernambuco, só Alagoas é grande produtor de açúcar no
Alagoas 6 15 No1;d~s1e - 26 usinas com a guotn to.tal de 9 .510.000 sacos. Os
Sergipe 62 70 demais stados possuem poucas usínas e poucas quotas de produção,
7 22 como a Paraíba - 7 usinas com quota de 1.620 .000 sacos - Bahia
Bahia
- 6 usinas e quota de 1.000.000 de sacos - , Serg-Jpe - 6• usinas
para 900 .000 sacos - , Rio Grande do Norte - 2 usinas pa.ra 600.000
Como vemos acima, o Rio Grande do orte e a Paraíba tiveram, sacos - e Ceatá, Maranhão e Píauí, com uma usina cnda e, respectiva-
na segunda década do século atual, urna diminuição do número de mente, 200.000, 100.000 e 60 .000 sacos. A política governamental em
usinas, enquanto em Pernambuco, Alagoas e Sergipe, estes números fase de Implantação de estímulo ~ fosão de usinas e à transferência para
fornm aumentados. (") melhores áreas, provocará, naturalmente, uma redistribuição geográfica
Deve-se, porém, salientar que a produção de açúcar não era maior das mesm~s. Na situação atual dificilmente poderão manter-se as pe-
ou menor conforme o númern de usinas uma vez que, apesar do menor quenas usinas que produ,em menos de 100,000 sacos anuais. A usina
número de fábricas,.a produção pernambucana era 8 vezes maior que era, assim, um auttncico D. João de terras ( u) estando sempre dis-
a sr.:rgipana, ao mesmo tempo que Alagoas, coro :ipenas 15 usinas, tinha posta a estender seus trilhos, como verdadeiros tentáculos, ·pelas árei1s
urna produção 50% superior à sergipana com 70 usinas. É gue em onde pudesse obter cada vez mais canas . Esta fome de terras iria dat
Sergipe se desenvolveu l argamente a fundação de pequenas usinas, origem ao agravamento do pt0b1ema do latífúndío que desde a colo-
correspondentes, cada uma delas, quase a um antigo bangüê, enquanto nização aflige o Nordeste. a realidade, as antigas sesmarias de dirneô'-
nos outros Estados as usinas aumentavam constantemente a sua capa- sõ~s descom unais, foram sendo desmembradas pelos primiti;os proprie-
cidade de esm:igamento de canas e íam, cada ano , absorvendo novos tános à proporçâo que os filhos se tornavam adultos ou que as fílhas
engenhos e até mesmo outras usinas. A titulo de cur iosidade chama- se casavam, a fim de que novos engenhos fossem fundados para uns
mos a atenção para o fato de a produção das 36 usinas setgipanas, na e outro~. Daí se falar em engenhos "cabeças de sesrnatias", quando
safra de 1945-55, ter sido de 785.613 sacos e, na safra de 1955-56, ter se quet referir a engenhos muito gtaodes e antigos, e haver muitas ve2es
sido de 716.765 sacos de 60 quilos enquanto a Catende, a maior usina engenhos chamados "velhos" ao lado de otJtro denominados ''novos".
de Pernambuco, teve nestes dois anos, respectivamente, as seguintes Por isto os grandes latifúndios primitivos foram se dív.idindo até
(.5) Carli, Gi.leno de. O Açúcar 11a Por11111ção Econl1111ica do Brasil, págs. (6) Caril, Gileno de, O Processo l-iistórico d.a U,inll cm Pemamhuco 1
pág. 18.
32 e 33.
112 M1111uel Correia de Andrade
A Terra e o Homem no Nordesu 111
l
formar propriedades médias, digamos assim, capazes de manter uu1 que se iniciou cm 1923 e atingiu o auge em 19 30 , teve suas conse-
engenho bangüê, propriedades que, conforme a área em que se locali- qüências sobre a indústria estendida até 1940, fazendo com que muitas
zavam, tinham geralmente de 200 a L000 hectares . Com a usina, e-sse usinas e muitos bangüês fechassem ns suas portas, apagassem seus fogos,
processo de divisão, de retalhamento de propriedades não só foi detido, tornando-se ttibutários de outros mais poderosos.
como se passou a formar um processo de concentração fundiária a ponto
de haver usinas, hoje, como a Catende, a Central Barreiros e a Santft Interessante, porém, é salientar a capacidade de resistênciá do
Teresinba, que controlam áreas enormes, superiores a 35 .000 h,:ctares bangüê. Com menores capitais, técnicas mais atrasadas, b11 íxa produ-
em cada uma delas, reunindo sob seu domínio mais de cinqüenta tividade e pondo no i:omfadu um produto de qualidade inferior , o
antigos bangüês . Vinte ou trinta engenho estarem nas mãos de uma bangüê resistiu como pôde ao surro usineiro, voltado que estava para
única usina é fato comum em Pernambuco. Há, assim , usinas que o mercado consumidor regionai. A reação do bangüê fez-se com tal
controlam dezenas de engenhos, concentrando em suas mãos vaks energia que, apesar de sua fraqueza econômica e das vantagens conse-
inteiros. guidas pelos usineiros perante as i nstituições governamentais, s6 no
fim da década de 1951-60, veio praticamente a extinguir-se. Assim o
As usinas , ao setem ínst.aladai;, dispunham de máquinas com capa- bangüê reagiu por mais de 70 anos à investida das usinas , para s6
cidade de esmagamento superioi; à capacidade de produção - dentro baquear realmente depois de 1950. P.ara citar apenas alguns exemplos
das condições técnicas então dominantes - dos engenhos a ela vin- sali entamos que em 1914, exatamente 30 nnos após o estabelecimento
culados, e trat-avam de adquirir mais terras para atender à fome de dos primeiros engenhos centrais em Pernambuco, só 490 engenhos, isto
canas de suas moendas. Adquiridas as terras sem certo planejamento, é, 17 ,5 % dos bangüês do Estado est11.vam de "fogo morto", dominados
o desequilíbrio passava a proceder de forma contrária , ficando as pelas 49 usinas então existentes.
máquinas com capacidade inferior à produção agrícola, e tratavam os
usineiros de adquirir novas máyuin-as. Assim , ampliando as terras Também em Alagoas em 1931 havia 27 usinas, mas 60% dos
e as máquinas ela ia acentuar cada ve:. mais a concemração fundiária. engenhos , cerca de 618 , continuavam a funcionar e prod1.1ziam ainda
cerca de 31 % do açúcar alagoano. ( 7 ) Hoje , porém, o bangüê aparece
Também as estradas de ferro, quer particulares, quer da antiga raramente, um o u outro ainda a moe.r toda ou parce da safra, sem cons-
Gre-at Western, atual Rede Ferroviária do Nordeste, muito contribuiram riruir mais uma força de resistência ao avanço avassalador das usinas.
para aumentar o poder expansivo das usinas já que permitiam que Estas, com o novo surto de desenvolvimento provocado pela Guerra
as canas fossem pai-a das transportadas de grandes distâncias. Assim, Mundial de 1939-45, niio só aumentaram consideravelmente. a sua pro-
a usina Brasileiro, hoje de "fogo morro", mns que kve seu período dução, como, devido ao uso do caminhão e ao melhoramento das ro-
,forco e foi uma das mais importantes do país na década de 1931-40, dovias, passaram a ampliar a área de influência, estendendo a mesma até
localizada cm Atalaia, Alagoas, possuía engenhos à margem ela estrada os altos cursos dos rios, até os "corgos" mais d istantes, até mesmo
de ferro em União e São José da Laje, a cerca de 30 quilômetros de as encostas ingremes da Borborema. ( 8 ) Casos há de usinas siruadas
Jistância. Por sua vez as estradas de feno parricul-ar,es de cada usina quase no Agreste, em verdadeiras indentações da Mata, n s caatingas
não só cortavam os engenhos próprios como, muitas vezes, mediante da Borborema, como ocorre com a Santa Helena, na Paraíba, com a
concessões , passavam por engenhos de terceiros. Estes quase sempre Central Olhos d'Água, a Petribu e a N. S. de Lourdes, em Pernambuco_,
desmontavam suas máquinas, passando os proprietários agora sem ín- e com a própria Serra Grande, em Alagoas. Também a pequena usina
Justriaüzar sua produção, de bangüezciros a fornecedores. As estradas Crauatá, cm Canhotinho, Pernambuco, loca1iz.a-se nas veitentt:s muito
de ferro, irradi,ando:se em muitas direções mas quase sempre subindo indínadas drenadas pelas cabeceiras do Rio Canhoto , afluente do Mun-
ou descendo um vale, demarcavam a extensão da área de influência daú. É que nos períodos favoráveis, quando o açúcar dá bom preço
de cada usina. Às vezes a conquista de uma zona onde havia bons e o I. A. A, - Instituto do Açúcar e do Alcool - permite, fundam-se
engenhos era disputada entre várias usinas que queriam levar até usinas em locais topogtafi.camente pouco fovoráve :s. Ti1l é o caso da
lá os seus tr ilho~, e estes engenhos eram verdadeirameme leiloadas pelos criação da usina Laranjeiras, no Vale do Sii:iji, e da usina Ceatral N. S.
seus pl'Opriecários, vencendo a empresa ind1,1strial que desse maior preço .
Também a passagem dos trilhos por engenhos particulares em com- (7) Costá, Craveiro, Alagoas ~111 19JI, pál\S . 78,9.
prada por dtos preços. A crise, com a conseqüente queda do açúca1· ( 8) Andrade, Manuel Correia de Oliveira, O V 11/c do Siriii, págs. 86 e $egs.
12), Lacerds _de Mclo , Mfoo, Pem11mb11co: Traços de si,a Geografia H11-
( 11) Andrade, Gilberto O~ório de. O Rio Paraíba do Norte, pág. 126. 111011a,p~g. 92; P,magens do Nordeste em Per,wmbuco e Para!ba, p,lg, 112.
1 I 1
1 -humosas e as da encosta, mais íngn:mc na porção Norte e merios indi- I 1
1 nada nn Meridional. ( l 7 ) Por isto os moradores que vivem quase mesmo engenho, até em um mesm,1 sítio, A proletarizaçâo e, conse- 1
1 agrupados não dispuem de terras para a cultura junto a suas habi- 1 qlienJemente, o empobrecimento cada vez maior do trabalhador rural, 1
tações . Permitem que os moradores cultivem " mil covas" , isto é, um leva o mesmo '.!O descontenlamento, à insatisfação. Os proprietários,
1
1 I I
1 terço de hectare, nos terrenos arenosos da encosta chamados arisco, compreendendo isto, realizam pequenos trabafüos de '.lssistênda yue
I ou nos t11buleiros também arenosos dos planos lnterflúvios. Nunca I servem de meros paliativos, sem conseqüêncías positivas, ou exercem 1
ou quase nunca eles usam deste direito, pois as áreas de cultura fícam medidas drásticas, violenLas, para conter os 'anseios populares . 1
distantes das casas em que residem , o solo é de baixa produtividade, A preocupação com a manutenção do tra balba dor residente nas
a án:a é cxígna, as garantias de colheita do roç-ado niio existem, uma proximidade~ leva os usineiros e senhores-de-engenho a concederem
vez que podem ser despedidos a qualquer momento, e o tempo Je que ao mesmo . alguma a~sistência social, embora em 1941 houvesse em
dispõem para cuidar das lavouras é pouco, pois a i:;poca de instalação Pernambuco uma grande usina que lhe dava apenas assisrência reli-
da lavoura ( agosto a setembro) coincide com a do plantio e co1heita giosa. Essa f!Ssístência social, porém, está muilo aquém da concedida
das canas, quando têm de dar seis dias de serviço por semana ao pro- aos trabalhadores na indústria, que contribuem para 05 institutos Je
prietário. Também impressiona a quem visÍtll a região de Ceará-Mírim, previdêI1cia, são sindicalizados e têm uma série de direirns garantidos
a proximidade exhtcnte entre as sedes dos engenhos. Estes, além de pela Consolidação das Leis de Trabalho. Aos trabalhadores rurais oão
lJCquenos, com extensão que varia entre l 00 e 200 beccares, tÉm forma eram concedidos nem mesmo O direito a fc::rias e à percepção do :salário
linear, são compridos e estreitos, formando todos eles lotes com testada mínimo, apesar da referida Consolidação estender-lhes esses direitos
no leito do Ceará•Mirim, possuindo, assim., áreas de várzea enxuta, de em seus artigos 76 e 129, desde 1943. É freqüente, porém, receberem
arisco e Je tabuleiro. A uma testada de alguns menos de largura , na dos proprietários assistência médica, farmacêutica, dentária _ apenas
margem do rio, corresponde às vezes um comprimento de quilômetros, para extração de dentes _ e sodal. Essa assistencfa, feita com O fito
Nas zonas de grandes e de muitas usinas, no Sul de Pernambuco e de prender o trabalhador à empresa, eta feita com maior ou menor
no Norte de Alagoas, a proletarização dos. trabalhadores já chegou ao intensidade, conforme as condições econômicas e a maneira mais ou
auge. A maioria deles reside em casas loc11liz.adas nas sedes dos engenhos menos evoluída de pensar dos prnprietários. Mas não era só com
- lembrando antigas senzalas - e não tem di.reito Je fazer lavoui·as. assistência social que muitos costumavam prender o trabalhador; em
Mesmo agudas usinas que teoricamente dão terras para es e fim, na algumas áreas dominava um costume bastante ofensivo à liberdade do
prática impedem o cul tivo das mesm\-ls, pois exigem dos trabalhadores mesmo e que era muito '.lpropriadamente chnmado de "compra do tra-
6 dias de trabalho por semana. Dá-se, assim, a proletarização crescente balhador''. Consistia no seguinte: o proprietário facilitava ao trabalha-
do trabalhador do campo. À proporção que aumenta a produção de dor pequenos empréstimos; este, ganhfmdo pouco, com família nume-
açúcar e que se usa a técn ica agrícola, e industrial muis avançada, o rosa e abastecendo-se em barracão que cobrava sempre preços elevados,
homem do campo fica roais pobre, mais necessitado, com menos direitos , ia semanalmente fa:teL1do novos empréstimos, novas dívidas . Quando
foto aliás salientado por Caio P rado Júnior em trabalho recente. ( t ) o débito se elevava, o proptietário começava a negar novos empréstimos,
Por isto, nessas áreas, os trabalhadúres não se fixam mais; nada pos- alegando que a conta estava grande, Ameaçava de um desconto se-
suindo, vi.vem errantes, trabalhando hoje em um engenho, amanhã em manal no salário a fim de que fosse feita a amortização do débito. O
outro. Uma trouxa, denominada geralmente de "bomba", é o único trabalhador desesperado procurava sair para outra propriedade mas o
bem gue transportam em suas sucessivas mudanças, ao comrário do credor não consentia que ele se mudasse se não saldasse a conta. Então
que aind,, ocorre nas zonas de menor proletarização, onde é comum ele pedia um empréstimo eqúivalente ao débito ao ptopriwírio do
o n,urador passar vários anos, às vezes até dezenas de anos em u m engenho onde ia morar e, se conseguia, pagava o débito anterior é se
mudavn; não era liv re, porJm , porque "se venJcra ao novo proprietá-
rio" e só poderia sair de suas terras quando pagasse H importância de-
( 17 ) Lacerda de Melo, Mário, Fisio11omia do l111bi1111 rural tio Baixo Ceará vida. Incrível é que quando o morador não encontrava ,1ucm o com-
-l'!liri111 "Anais dQ As o.dação dos Geógrafos Bra~ileiros" , vol. X, tomo 1, pág.
272 e segs. rrasse e safa à noite fugido - esta a expressão usada - da
( 18) Contribuição para a 1111átire dr.1 Questão Agrtitia 1w Bra.1il, cit,, págs. propriedade do credor, era eomum que este conseguisse o apoio de
l79 e 180, uma autotidade que fosse prender o foragido onde estivesse a fim dê
que ele trabalhasse para o credor e saldasse o débito . Às vezes, o
;) Terr<1 e o Homem 110 Nordeste 125
126 Manuel Col'reia de Andrade
_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _J___
_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _J
trabalhador que fugia ficava na propriedade do credor trabalhando meses de setembro e outubro d .
durante o dia e permanecendo à 11oite preso em um quarto sob vigi- seca não permite a existência' J~12t1;a~ai;o~,s~nas co~eçam a rnoer e a
lâm:ia dos vigias em verdadeiros cárceres privados. Embora hoje esteja descem em grnpos em direção à área . . . . _gd~olas no Agteste, eles
se tornando esporádico, ainda occrre a imposição de castigos cotporais em canú11bões, e vêm oferecer seus tn:;tv1~ua, as .vezes a pé, às vezes
permanecem até as pr1·1ne1"r cl h(:,s nas us111as e engenhos . Aí
a trabalhadores. . · as mvas que sao A . .
ab tl1• qua ndo regressam aos sem l t· no gr_este em março ou
Grande parte dos trabalhadores rurais vive, porém, nas cidades, çados. · ares ª im de rnsrnlar novos ro-
vilas e povoações da zona canavieira. Sao ger almente pequenos aglome-
rados onde, ao lado das autoridades, dos poucos funcionários públicos, Os curumoos St: destacam pela " d .
. espírito gregátio que os un bran e rnpacrdade de trabalho, pelo
comerciantes, proprietários e artífices, vive uma grande quantidade de lhadores da região canavieir: e os _lmanté1:1 sempre afastados dos ttaba-
gente que se mantém grnças ao serviço no campo, nas propriedades ' e pe o apetite que dem t h
a cana cm ao tomar o seu ·ald É .. uns .ram ao e upar
vizinhas. O trabalhador vive neste aglomerado que chama geralmente 1 . <.: o. que utiliza ld
como a tmcnto para economizar O ' 1· . eb 'd rn. o ca o e a cana
de "rua" , para ter a liberdade de w1balhar no dia que quiser, fre- ou ao Sertão no fim da -f s sa anos rec l os e voltar ao Agreste
• sa ra com alguma . · A .
qüentar o culto religioso que desejar , votar no candiJato que preferir quando havia dificuldade de r'. economia,. nttgamemc
ou que melhor pag,at o seu voto, ter vida social mais movimentada, costumavam visitar à f rJ· iansporte e eles se locomoviam a pé ,
pois organiza danças, gerahnente aos sábados, -poder freqüentar bo- N ata I ao Ano Novo isto am ra apenas na Fest , d '
é d 24 d· d - a - peno o que vai do
degas e tomar cachaça e ter o direíto de receber salário urn pouco H · ' • e e czemhro a 1 ° d · •
OJe, com as constantes viagens d . h- - . e Jane.iro .
mais elc:vado. Não rec~be, porém, qualqi_1er assistência médico-de11tária, 15 dias ou de três em trê. . e camrn oes, vao às vezes de 15 em
farmacêutica nem social, e dificilmente consegue empréstimo~. com. li família, Sem esta n~a-so~mc.le~nobas pass_ar ?s sábados e os domingos
Em 1963 o Estatuto do Trabalhador Rural veio garantir ao assala- m•· t·rei·1m ente conspguiriain . l' . ra ag1estma as usmas ,• do Nordeste
f .- - rea lZllf as suas moa
riado o direito à percepção do salário mínimo das férias , do repouso sa ras dos dias atuais Em . . - . 1· gens com as grandes
em mais de cinq· iient·a us· pesqdmsdas tea izadas nos últi.tnos 5 anos
semah-al remunerado e do décimo terceiro mês. Os proprietários rea- AI mas, es e o R· G d d
giram à aplicação da lei mas os trabalhadores, organizados cm sind.ícatos, agoas, não encontramos uma única . . 10 - ,.ran e o Norte até
corumbas. . que dispensasse. a cooperação do&
resistiram. Criou-se uma atmosfera de tensão na região e a lei passou a
se, -aplicada com maior ou menor Lntensidadc . Com a aplicação da lei No Vale do Ceará-Mirim _por exem l .d ,
os proprietários preferírnm dLmínuir o número de moradores, de empre- encharcada no iovt:rno e O 1 • , d P o, on e a var"zea perm~nece
d a moagem há neste per1· d p ant10 a cana só •Jod f .
gados permanentes, 11tillZando geralmente trabalhadores avulsos contra- . . t e ser " eito na época
.- ' . ' 0 0 , uma necessidade d d -
N a 11nt1ga usina Ilha Bel-a h-' dif gran e e mao-de,obra.
tados por empreiteiros resídentes nas cidades e vilas. A assistência
de trabalhadores n.a safra e ~ umnt . cfrença de 50% entre o núme~•o
médica e socíal passou a ser dada aos seus associados pelos sindicatos - l a en ie-sa, rn enquanto n s- F .
rurais. Acentuou-se, a~sim, o processo de proletar~ação do trabalhadot que nao exp orn carnaubais e . . d'f , a ao ranc1sc0,
acréscimo de m.ão-de-obra , ~e;sad l e~e~~a sobe a. 70 e 80% . Este
rural. A partir de 1971 - Lei Complementar n. 0 11 - a previdência N P 'b . as t egloes agrcstmas vizinhas ( t 11 )
soàal foi estendida aos trabalhadores rurais , que passaram a gozar do . a - arn1 a essas Julgrações sazonai f . ,
s1dade, pois não coincidindo , 1 f s se azem com me.nos inten-
direito à aposentadoria por velhice e pot invalidez, e as suas familias ,
à pensão e ao al1xílío funeral. Concedeu-se assim, pottanto, ao traba-
número de trabal hadotes da o
a 20 % .
ta~
tbo com a colheita, o alimento do
sa ta so re os da entre-saíra não excedi!
lhador rural, os direitos de que gozam os tnibalhadores urbanos desde
a qu'inta década do século XX. O mesmo fenômeno, cem intcnsidad 1
n.a Paraíba, acontece também p be serne hance ao que ocoUta:
Os "corumbas" , "caatingueiros" ou "curaus" são habitantes do D estacam-se como mun. , .em ernam ucu, Alagoas e Sei: . ,
í g1pe.
Agreste e às vezes do Sertão que passam o "inverno" - est11ção chu- Agreste, como 1"'-aipu no Rio i;p1osd ·dnecedores de corumbas os do
vosa - na sua região. Ai, como proprietários de pequenos lotes ou
e Itabai-ana, na Par~fba; Bom tj:rdeim o forte;. Guarabira,, Sapé, Ingá
como rendeiros , se não possuem terrn, cultivam lavouras dt: subsistêhcia • 1moe.1ro, Gravata , Bezei•ros,
ao caírem as primeiras chuvas, permanecendo, como veremos no pró-
ximo capftulo, até o período da cofüe.ita. Chegado, porém , o estio, nos ( 20) And rade. Gilberto Os6 rio de ' Rio Cea ra-, -M..
mm pág. 5J.
A T emi e o H ornem 110 Nc,rdeste 127
128 M,mue/ Cnrreia de An,lr11de
Carwm1, Cupira, Panelas, São Bento do Una e Bom Conselho, em Per- familiares levavam o almoço e u jantar, faiendo-se uma pausa a fim de
nambuco; .Palmeira dos fndioi, Arapirnca, Junqueiro, Anadia e Li- que eles se alimentassem.
moeiro de Anadia, em Alagoas etc. · · Hoje os trabalhos são feitos por empreitada, e pagos nas limpas
}Qteressantc é que estas migrações sazonais, devido à direção das à base da "quadra" ou da "tarefa", que variam um pouco de uma
estradas e caminhos, são feita~, em geral, na direção Noroeste-Sudeste, área para outra. Na Paraíba e. no Norte de Pernambuco uma "quadra"
sobretudo em Pernambuco. Assim os rnrumbas de Taqu:i.ritinga do oscila entre urn quadro com cerca de dez até treze metros de cada lado,
Norte:, Surubim e Vertentes deslocam-se quase sempre para Vícência conforme o mato esteja maior ou menor. No Sul de l'emambuco a uni-
~liança e Nazaré da Mata, os de Limoeiro e João Alfredo, para Viró: dade é a "tarefa", que corresponde a um terço de hectare, e a 625
na de Santo Antão e Moreno, os de Gravatá, Bezerros e Carnaru, para braças e01 quadro, cm Alagoas. O morador pela manhii vai p~ra o
Amaraji, Gameleira e Ribeii-ão, os de Cupira e Panelas, para Catende, set.víço e é informado pelo "cabo medidor de conta ' da iírea que lhe
Palmares e Barreiros, e os de Garanhuns e Bom Conselho, para Viçosa cabe limpar. Concluída a conta, a qu alquer bom do dia o "cabo" a fisca-
Uníao e São José da Lage, já em Alagoas, enquanto os de Palmeira do~ liza para ver se. o trabalho foi executado como dev ia, e o trabalhador
fudi?s e _Arapíraca se dirigem para os vales do São Migud, do Jiquiá, se retira, livre pelo resto do dia. Conforme o mato, ele trabalha gera1 -
do Coturlpe etc. mente desde o amanhecer até às 14 ou 1.6 horas, quando; então, conclui
a conta.
As usinas mais distantes do litoral, como Roçadinbo, Pedrosa,
No plantio e na adubação da cana costumam pagar diária aos tra-
Catende, Serra Grande etc., por se localizarem próximas ao Agreste,
balhadores de serviço, sendo na adubação largamente empregado o tra-
recebem corumbas mais facilmente e em maior número. Aquelas loc-a-
balho das mulheres, mão-de-obra que é empregada com menor intensi•
liz.adas distantes, necessitam, às vezes, enviar caminhões às cidades
dade na limpa ou capina das canas.
agrestinas em dias de feira para agendar u-abalhadores. As usinas Sta.
Teresinha, Sto. André e Central Barreiros, localizadas muito a Leste, Na época da moflgem uma atividade de grande importâncin é o
próximas ao litoral, têm, freqüememc:nte, que lançar mão deste recurso corte de cana, que é ·a sua própria colheita. É 1.nn serviço pesado qLle
para conseguir os braços de que necessitam . só os melhores trabalhadores, os mais dispostos, executam; este tra•
balho é pago à razão do "cento de feixe " de cana cortado e amarrado .
. Hoje, _estamos seguramente informados de que em algwnas usinas Cada feixe deve ter 12 canas e um trabalhador comum corta de 100 a
- Catende, Roçadinho e Sta. Teresinha, sobretudo - têm-se fixoado 200 feixe~ por dia, podendo um excepcional cortar uma médi,a diária
~om suas famílias, trabalhadores oriundos do Agreste, o que é vanta~ até de 300 feixes. O pagamento por "cento de feixe" varia \1m pouco
1oso para -as mesmas, uma vez que estão aumentando consideravel- de uma área para outra e até numa mesma área durante a safra, con-
mente suas sefras e necessitam sempre de braços. forme o at a o ou ad.iantamento da moagem.
. É pequena a proporçiío da área cultivada com máquinas agrícolas, O · salál'ios oscilam um pouco, de acordo com a lei da, ofei-ta e da
pois os ptocessos de cultura· da cana ainda são rotjneiros; além disso, procura e com a especiafüação e capacidade do ttabalhador. Mantêm-
tls ~errenos no jntcrior são muito acideutados e algumas várzeas mesmo -se, pcrém , em níveis próximos ao salário mínimo, em uma região
- ... • ' . J
nuo se prestam a mecanização, ou por passarem grande parte do ano em que a vida é m'u ito cara. Assim, cm 1973 o bacal_hau é vendido entte
encharcadas - a Coruripe, por éxemplo - ou por serem muito entre- Cr$ 8,00 •e Cr$ 10,00 o kg , conforme 5eja de batl'ica ou de caixa, o
cortadas por canai:; e valetas de drenagem, como ocorre no Ceará-Mirim. charque oscila entre Cr$ 10,00 e Cr$ 12,00, a farinha de mandioca
Daí o gtande emprego que tem ainda hoje a enxada. No Vale do Coru~ é vendida a Cr 1,50 o kg, o feijão a Cr$ 1,80, o açúcar a Cr$ 1,00
ripe ~ vát·ze_a encharca tanto que nem mesmo a enxada é em.pregada, se cristal, e -a Cr$ 1,20 se refiniido, e o ovo, com preço sempre oscilante ,
sendo substttuída pelo furão, instrumento de origem indígena. é vendido até a. Cr$ 0,25 a unidude.
O regime de trabalho sofreu modifkações consideráveis nos últi- Estes são os preços das mercadorias nas cidad~s; os moradores
mos. anos; ,~té íl década de 30 era paga sempre a diária, iniciando-se abastecem-se rnuitas vezes em coopera ivas de consumo que obedecem
a faina agricola com o 01'1SCet e terminando com u pôr do sol. Os tra- mais ou menos a estes preços, mas em muitos engenhos e usin'<ls impera
balhadores el'am reunidos em turmas que trabalhavam juntas, enfilei- ainda o regime do barracão, onde os pi'Odutos são de interior qualidade
radas, sob a vigilância do feitor. Era o eito. Às 10 e às 15 horas, os e 0s preços ainda mais altos. Há até lugares {111cle- o pagamento não
6 TABE L A N.º 5
O TRABALHO NO CAMPO, NAS ÁREAS DE CULTURA
Estado Área cultivada ( ba.) Produção ( t)
DO COCO, DO ARROZ E DO CACAU
Maranhão 1.123 20.226
Na região da Mat-a e do Litoral Oriental a cana-de-açúcar não con-
Piauf 156 1.069
seguiu dominar grandes extensões con tinuas, mas apenas as faixas
praieiras, formadas pelos terraços de acumulação de 2 a 3 m acima do
Ceará 11.038 64.935
Rio Grande do Norte 7.210 41. 441
nível do mar, alguns lrcchos da encosta da Borborema , as margens do
Paraíba 7 .268 42 . 620
São Francisco, os campos sergipanos que chegam quase até a praia e o
Pernambuco 9.850 6.3.321
Sul da Bahia. 103.08,5
Alagoas 22.207
Na faixa litorânea, por sobre os terraços de acumulação acima Sergipe 21.157 92.629
mencionados, o coqueil'o domina imperh1lmente . Na verdade, apesar Bahia 31 .196 182.665
de ser, como a cana-de-açúcar, um vegetal exótico, aqui introduzido
pelo colonizador português; o coco-da-baía logo ~e estendeu _pelo litoral ,
ocupando-o ctn toda a área ora estudada . Sua penetração para o interior
( 1) At111ário Eslalíslíco do Brasil, 1971.
depende da largura do terraço arenoso, ora se alatgando por quílômetros,
132 Ma11uel Corrl'ia de A11drade
A Terra e o Homem 110 Nordeste 131
A cultura do coco-da-bafa, por não l:'.xigir grandes cuidados, pro- caçúes, afirmou o visitante norte•americano: "O coco é de fato o prin-
duzir continuamente por dezenas de anos e não necessitar de- dispen- cipal vegetal d:1 região. e, conquanto não se conheçam na ilha todas
diosa industrialização, tanto é feita por grandes, como por ,pequenos as suas aplicações, ainda assim ele proporcíona à população alimento,
proprietários embora o início da sua produção s6 se dê vários anos bebida, combustível, teto e comércio. Além da venda do coco natural ,
após o pl,antio - 5 a 6 anos se feito na praia, e 15 a 20 nos tabu- sua polpa é convertida em óleo, a casca em vasilhames e as fibras em
leiros - . O coqueiro anão,. porém, introduzido no Nordeste nos últi- cordas. O valor de sua água como bebida é reconhecido por todos. A
mos .30 anos, não tem se expandido muito comercialmente, apesar de folha fornece, ainda, todo o material necessário para a construção de
produzü 2 ou 3 anos ap6s o plantio e de ser facilmente colhido devido urna casa completa . Pode também ser trabalhada em forma de cestos,
à sua pouca altura. Isto se deve ao fato de seu fruto deteriorar-se cercas, e quando seca pode ~et usada para escrever ao passo que sua
mais rapidameme que o do coqueiro comum, tornando precária a venda. cinza contém potassa. A ponta da haste con~tín.ti excelente iguaria''. ( :.i}
Como planta de "fundo de quintal" para uso doméstico, sobretudo Com o coco são feitos farnosos pratos regionais como o feijão de coco,
para fornecer "água de coco verde", tem tido grande aceitação. Muitas o doce de coco, o peixe de coco e a cocada. É comido também com
vezes, o coqueiro é cultivado em pequenas propriedades de 20 a 30 piio pela populaçiio praíei.ra, substituindo a manteiga.
metros de frente, de testada para o mar, estendendo-se pôr centenas A industriali,;a)ão do coco-da-bafa é feita de forma sumária;
de metros para o interior, outras vezes forma verdadeiros latifúndios a.rmam-se no meio do coqueirãl galpões de palha de coqueiro onde os
explorados por gra ndes proprietários. A usina Central Barreiros, por frutos são descascados e empilhados à espera de tnmsporte para os
exemplo, esrendendo suas terras até a praia , possui um departamento portos,. pam as fábricas de beneficiamento e os centros consumidores
destinado a supervisionar e tratar do coqueiral de sua propried ade , region2is em barcaças e caminhões. No de~c11sc:amento os trnbalbadores
que corresponde a cerca de 100.000 pés. Pouca é a mão-de-obra emp re- ganham por milheiro de côco descascado , podendo os mais dispostos
gada no coqueiral, de vez q,ue se faz uma capina :1nual, quase sempre descascar até 1.300 cocos por dia. Uma boa média é a de um milheiro
realizada por trabalhadores que residem nas cidades e vilas do litoral, por: día. Como só os frutos grandes e médios conseguem boa colo-
sen(!o o pagamento fe ito à diária ou por tarefa. A tarefa corresponde cação no mercado consumidor, existem fábricas, sobretudo em Sergipe
a 25 btaças - uma braça equivale a 2,20 metros - t:m quadro, le• e Alagoas, que industrializam os frutos pequenos, produzindo óleo e
vando um homem de dois dias e meio a três para executá-la. Quando farinha de coco; este óleo pode ser de dois tipos; com e sem açúcar.
o proprietário dispõe de recursos sufidentes, realiza adubação com a Embora o coqueiro seja uma planta de grande valor cconômíco,
torta de mamona e sais minerais, sobretudo o nitrogênio, potássio e
a ponto de se calcular o valor das propriedades na praia não pela
cálcio, Com a adubação, a produção do coqueiro é 11Jaior, atingindo, extensão, mas pelo número de palmeiras frutificando gue possuem, oão
em médi-a. de 40 a 60 frutos anualmente. A maioria dos pequenos moldou uma civilização dpica como a cana-de-açúcar e não emprega ,
proprietários nao aduba os coqueirais e tem, por isto, uma produção permanentemente, uma grande quantidade de trabalhadores. O praieiro
bem menor que a dos grandes proprietários_ dedica-se quase semp1·e à pesca, embora por processos ainda bastante
O principal trabalhador do coqueiral é o "tirador de coco" que, l'Otineitos, com jangadas, em viveiros ou em currais. ( ª) Ele é consi-
munido de uma ''peia de corda" e de uma foice, sobe na palme.ira, derado em toda a região como preguiçoso, como homem q1.1e gosta de
tira o fruto maduro e cott-a as fo lhas setas. Percebe um Sàlário por pouco trabalho , o gue é em parte um exagero, uma. vez que é muito
cada palmeira em que sobe, desfrutando, em média, 80 coqueíros por dura a faina do pescador. Na verdade, se o regime de trabalho não tem
dia. O coqueiro dá quatro ou cinco safras anuais, uma em cada dois a continuidade do tt'abalho de outras áreas, é que depende muito do
ou três meses. tempo e porque, na praia, a alimentação é focilmente encontrada nos
A população praieira u tifüa a sua sombi-a e adquire aos propl'ie-
tários as palhas para cobrir suas casas, rolos do tronco para facilitar (2) Kidder, Daniel P., Remini.r:ê!rcias de viagem· e penmmém:ia no Brasil
a ida das jangadas para o mar e a saída dessas do mal' para a tena; (províncias do Norte), pág. 106_
alimenta-se com o fruto, mas quase nunca possul coqueil'os ou trabalha ( 3) Lacerda de Melo, Miüo, Paisagens do Nordeste em Pcnrambui;o e
no coqueiral. Esta múltilpa utilização do coqueiro impress ionou viva- Paraíba, págs. 78 a 85 ; Sette, Hilron, Aspectos da Atividade Pesqueira em Per,
namb1KO, em "Anais da Associação dos Geógrafos Brasileiros", vol. XI, 1omo [,
mente o pastor evangélico Daniel P. Kídder, quando no século págs. 235 e segs.
passado visitou a Ilha de Itamaracá. Sobre as ~uas múltiplas apli-
] 34 Manuel Correia d~ Andr1Jac
A Terra e o Homem 110 Nordeste 1J3
A época do pl-antio e da colheita é diversa, conforme se esteja
mangues que ficam por trás das restingas. Aí são encontrados em nas proximidades da foz - "Piaçabuçu - ou a montante de Peoedo,
grande quantidade, os caranguejos, crustáceos que dão excelentes p;atos .
devido ao fato de ali o arrozal ser irrigado naturalmente, devido à
. Nas faixas de terra mais para o interior, em solos onde o co- maior influência da maré dinâmica, assim como a colheita ter de ser
qu:erra1 não avança devido às condições pedológicas desfavoráveis iniciada aotes de agosto, mês em que o débito do São Francisco já se
~x1st~m pequenos sítíos onde se cultivam fruteiras - mangueiras ~ acha muito reduzido, fazendo , conseqüentemente, a água salgada do
;aque1ras ..- ,cºíi:~ ocorre em Itamaracá, bananeiras, como se vê no oceano penetrar muito no r;o,
Vale_ do_ Cearn-~mi:n, ou ararut-a - tubérculo cuja farinha se presta ~
A cultura do arroz era feita na região desde o século passado .
Í?br1caça~ de b1sco1tos, papas e ;11i•1gaus - no Cabo de Santo Agos-
usando-se uma variedade de pouca penetração no mercado consumidor
ti~ho . . Sao pegue~as lavourns feitas em sítios em que o próprio pro-
urbano, chamada localmente de macambira ou chatinho, de grão ver-
pnecário, co~ a a1udf da família e de um ou dois empregados, encar-
teg_a-se?ª faina _agnrnla. A, ~rea, porém , é. pequena, porque logo
melho e cutto; propagava-se facilmente por ser muito rústico. Iniciando
suas atividades, resolveu a Comissão do Vale do São Ftancisco, hoje
apos ~sta .º tabuleiro quase ~s_teril ou os solos oriundos da decomposição
do cnstalmo com os canavia is, SUVALE, i!pÓs 1955, revolucionar a rizicultura regional, introduzindo
uma no'la variedade de arroz chamada cana .toxa ou arroz do Texas,
No baix? Sã? Francisco, a !us_ame de Propriá, a principal cultura, que é hote a dominante. Também cultivam uma outra linhagem oriunda
aquela g~c da maior renda e m-a1s mte1·essa aos ptoprietários é o arroz. de Sete Lagoas Minas Gerais. ·
~ algod~o tem alguma importância; as demais culturas como a man-
dioca, o mhame-da-costa, a macaxeira, o inh-ame-d'água são feitas ape- A Comissão dá assistência aos proprietários e agricultores, orien•
nas p~ra o cons~m_o local e a cebola não tem, aí, a importância que tando-os na racionalização das culturas, no combate às pragas, sobre.
conquistou no med10 São Frandsco. tudo a lagarta, vendendo inseticidas, máquinas agrícolas e trilhadeirns
para o beneficiamento do -a rroz a preços módicos, e facilitando o paga-
A i~fl~1ência do rio é decisiva na vida econômica regional e, como mento a prazo com juros bancários. Também tem plano de mecani-
n~ ~mazoma, é o seu regime, e não o da chuva, quem comanda o calen- zação, cobrando ao agricultor uma taxa horária pelo uso do trator.
darro agrícola . A grande diferença do volume d'água do São Francisco
entre a çheia, quando o débito sobe a 13.000 m:1 d'água pot segundo'. O propr.ietário tem quase sempre muitas tenas, mas não as cultiva
e a vazante, quando este mesmo débito se torna inferiol' a 900 m3 faz diretamente. Isto seria p-ara ele grande transtorno, uma vez que não
com que em suas margens existam depressões que se transforma~ em teria serviço durante todo o ano para os seus moradores, como ocorre
lagoas na época da cheia, e que a foz de seus afJuentes se apresentem na área canaviei1·a. Os trabalhos são iniciados quando baixa o nível
afogadas como acontece com os igarapé~ do Am-azonas. As cheias do do rio com a limpa dos campos onde o arroz será cultivado, limpa
São Frnncis<.:o , dt:tern.inadas pelas chuvas de verão caídas em sc,1s feita por assalariados pagos pelo proprietário. Estes salários variam
curso~ alto e médio, não coincidem com as dos seus pequenos afluentes com a quantidade de braços disponíveis e com o dpo de mato a limpar.
do baixo curso, onde dominam as chuvas de outono-inverno. Também Finda a limpa, esses assalariados são dispensados, passando a obtec seu
é freqüente il existência de vales fluviais encharcados durante todo o sustento com outras atividades - pesca, caça, roça - que esporad i-
uno , como o Merituba , que compreende mais de 7.500 hectares. Só com camente se apresentam, Há, assím, subemprego e miséria. O arro7,
a drenagem estes vales poderão ser aproveitados pela agricultura. é então plantado em canteiros, na região de Piaçabuçu, em fevereiro
ou março, conforme a distância da foz, a fim de ser entregue aos
A cheia garnnte uma adubação naru ral da área inundada de vez
meeirns na época do tta.nsplante, em abril e maio. A colheita inicia-se
que o rio deposita na mesma cerca de 2 -a J cm de vasa chamada local-
em ju1ho, estendendo-se até outubro, quando, devido à d1minuição do
mence de ''colha'', e consttói pequeno dique marginal que retém a água
débito do rio, a maré oceânica, salgada , sobe o mesmo até acima de
por algum tempo nas depressões . Essas depressões são localmen te cha- Piaça.buçu. Entre Penedo e Propriá a seroeaduta se procede em maio
madas "lagoas de arroz' '. As áreas situadas a barlavento recebem maior
e o transplante vaí sendo feito à proporção que as águas do rio vão
quan~idadc de vasa de colmatagem que as situadas a sota-verrto , sendo
baixando. A colheita se estende de setembro a dezembro.
por isto melhores produtoras de ilrroz. A produtividade das terras
ribeirinhas do São Francisco é alta, de vez que se obtém, em média, A sementeira é feita pelo proprietário, que paga a trabalhadore.s
l .800 quilos de arroz por hectare assalariados. Os meeiros iniciam as suas atividades anuais tecebendo
( 1) Aliais Pemambucono'i, vol. VI, pág. 83 . ( 4) Pi:rdra da Co ia, F. A., O Algodifo ,,,, Per110.mbuco. Vi~ltt Hu t6rico•
(2) A Opm,ção Nordeste, pág , 2.2; Formação Econ6mica do Brasil, pdg. &l. •rctrospe,tiva, pág. 17.
(.3 J 'Viagens ao Nordeslll do Bl'asil, págs. 4n e 455.
l52 Manuel Correia de A11dr11de
A terra e o Homem no Nordeste 151
açúcar naquelas áreas nordestinas sub-úmidas, indecisas t:ntre a · áreas
centemente, com certeza com dinheiro do algodão, um sobrado para
úmidas da Mata e serni-áddas do Agreste e do Senão.
sua residência e senzalas com "um ar de conforto" para alojar seu5
Os cronistas que nos visitaram nos pómeiros anos do século XIX, escravos.
Tcllenare e Koster, sobretudo, afirmavam que o~ grandes proprietários
No Brejo da Paraíba, a fase inicial das culturas de subsistência
de terras, após a abertura dos portos, eufóricos com os altos preços do
- mandioca, cereais e cana em pequena escala para ser moída em
algodão, organizavam verdadeiras planlations deste prnduto. Cufo-
engenhos de moenda de pàu, vetticais e movjdos a boi - h.1via sido
vavam-no aristocraticamente, como faziam C(.)lll -a cana-de-açúcar. Assim,
substituída pela algodoeira, j:í cm 1815, a ponto de haver, na primeira
para o arguto comerciante francês que. aqui esteve em 1816 e 1817,
metade do século XIX só na vila de Areia, quatro bolandeiras, além
n cultura algodocira era frita nas terras afastadas de 10 a 15 léguas
da Jocaliiadas cm outros povoados e sítio . Aí, o algodão, apesar de
da Capital, havendo proprietários que empregavam de 100 a 1.50
rcr contra ele "os inconvenientes das chuvas excessivas, da friagem
negros. No Ceará havia até proprietários que dispunham para a sua
e também das pragas" que i,:>rejudicavam as safras pendentes, foi mais
cultura, de 300 negros. Poucas eram as despesas com a manutenção
compensador dó que a cana nté os meados do sécl,llo. ( ~) Só então
dos escravos, urna vez que não davam carne aos mesmos, alimentando-os
se iniciou o terceiro ciclo econômico do Brejo paraibano - o da cana-
com farinha e angu de milho, obrigando-os a cultivar a mandioca e o
-de-açúcar - sucedendo ao algodão, da mesma forma que este sucede~
milho, este em associação com a malvácea. :e
possível que houvesse
ao das lavouras de subsistência.
n(I época muita caça no Agreste e que o próprio escravo tratasse nas
ocasiões de menos trabalho, de complementar essa nlirner1tação. Admi- a caatinga agrestina . paraibana tarnbém o algodão se alastrou
tindo que ~da negro produzisse 20 arrobii.s de algodão por a110 e que ~e t•al forma que a propriedades rurais aí localizadas "cbegaram a riva-
.1 arroba valesse, então, de seis a onze cruzeiros, o negro dava um
lrz,u• com os engenhos de açúcar, não somente pelo número de escravos
rendimento bem superior ao que daria no trabalho dos engenhos, isto que chegaram a possuir, e pelas construções, como pel'cls vantagens e
sem se levar em conta o desgaste físico que deve1ia ser maior na área lucros que dava o exercício da indústtí11". ( 0 )
açucareirv,1, onde .~e teria que exigir do negro um trabalho mais árduo, Mas não foram só os grru1des proprietários que se lançaram à
maí · pesado. ( õ ) O que encarecia o produto era o transporte para o cultura do algodão; os poucos pequenos proprietários e moradores pas-
porto do Recife através de péssimas estradas, em dorso de a1úmais. saram logo a semeá-lo nos pedaços de terra de que dispunham, asso-
Só mesmo a pequena produção dos plantios feitos na proximidades do ci11ndo-o ao milho e ao feijão, a fim de colher de um mesmo roçado o
litoral deu motivo a que esta cultura fosse empurrada para o interior produto de subsistência e o de venda . Para estes, a produção era pe-
até os ertões, distantes várias léguas do porto de embarque , quena, mas as despesas também eram mínimas, pois investiam apenas
um p_ouco de trabalho. Não só a possibilidade de poder fazer cult1m1
Até pessoas de nobreza , possuidoras de dezenas de escravos e
associada, como o fato de ser a mesma de ciclo vegetativo curto e de
de muitas léguas de terras, deixaram-se embriagar pela cultura dessa
não ter o agricultor necessidade de industri11lizar o produto, fazia com
malvácea; Koster cm sua vingem ao orte observou que, em face da
que o algodão, mais democrático que a cana, se tornasse cultura de ricos
incerteza da produção algodoeira ante as v;iriaçõcs climáticas, era fre•
e de pobres . Também compreenderam os proprietários que a "rama"
qüeme os senhores-de-engenho plantarem a um só tempo cana-de-açtícm:
do algodão e a palha do milho poderiam ser ração suplementar para o
e algodão. ( n) Procuravam, assim, consolidar sua economia em duas
gado nos meses mai!l secos - janeiro e fevere iro - . Passaram , então.
culturas para não ficarem na dependência -apenas do preço de uma só.
a. ceder "pel11 palha" 1 terra aos moradores de suas propriedades , da~
i o Agreste surgiram grandes plantações; em Bom Jardim, por vilas e dos povoados próximos. Em mf;lrço, com as primeiras chuvas, o
exemplo, teve o observador inglês a oportunidade de visitat· a fazenda proprietário entregav,a a terra ao agricultor que semeava o milho o
Pindoba , ·ujo dono era rico e possuía muitos escr11vos 1 i"ecebendo seus feijão, a fava e, em maio, o algodão. Durante o 11110 o agricultor Íà 'co-
hóspedes com luxo e iguarias. ( 7 ) Também um outro constru(rn, re- lhendo para si o produto do seu roçado, devendo concluir a colheita em
dezembro e devolver 11 terra ao proprietário a fim de que o gado deste ,
( 5) Tollenare, 1. F., Not(IS Domí11ícais 1 pág. 112 e sega.; f:( $ter, Henry, para aí trânsportado, se alimentasse com o restolho destas culturas no
obra citada, pág. 462.
(6) Kostcr, Henry. Viagens aó Nordeste do Brasil, págs. 103 a 107.
(7) Kos1er , Henry, Vi(lgt:n1 ao Nôrdes(e ,lo Brasil, págs, 268 a 272. ( 8) Almeida, Hor:lcio <le, Dre;o d1: Areia, pág. 147 t 148,
( 9) Joffily, lrineu, Notas sobre a Paraíba, págs. 115 e 116,
A Terra e o Ho1m:m no NordeJte 15.3
154 Manuel Correia de Andrade
agteslinos, e desenvolveu-se de forma considerá.vel. Parou engenhocas,
per!odo anterior às primeiras chuvas . Nenhuma renda era cobrada, uma expulsou para as terras arenosas e roais pobres as peque[).as e tradi -
vez que havi-a muitas terras e poucos agricultores , e dizia-se, então, que cionais lavouras de mandioca, milho e fumo , destruiu as matas exis-
a terra ero dada "pela p:ilha". Este sistema vigorou até o inldo de~te tentes e enriqueceu grandes proprietários. No Brejo paraibano sua
século e ainda hoíe, nas zonas mais distantes e nas terras menos pro- trajetória foi rápída e brilhante; ínttoduzído na árei1 de Bananeiras
dutivas, é, às ve.zes, encontrado em vigor. aproximadamente em 1840, tornou-se produto rei desde as últirnas
O trabalho escravo não era, por~m, o majs rendoso para a cultura décadas do século passado até 1925, quando foi Jiquidado pela praga
algodoeira. O algodão, sendo uma lavoura de ciclo vegetntívo curto, do Cerococus parabibemis. Bananeiras viveu nesse período grandes
dava trabalho ao negro apenas de maio a dezembro e sua colheita dias, formou-se ai uma al'istocracia do café, com coronéis, coroendidot
erá largamente feita por mulheres. Nao tinha, corno a cana, de ser cui- e até Barao - o de Araruima - . A pequena cidade teve igreja grande
dado todo o ano. Pol' isto foram os propriet,írios compreendendo não e bem construída, colégios, jornais e comércio movimentado, para ver
ser vantajoso manter o escravo por todo o ano, se o ocopavarn apenas a decadência cbegar, trazida por uma praga que os conhecimentos téc-
durante oito ou nove meses. Também os preços dos escravos passaram nicos da época não souberam combater. ( 1 ~ ) No seu periodo áureo o
a se ele_var muito a partir de 1854, depois da exrinção do tráfico, e café se estendeu por todo o Brejo paraibano, aproveitando-se da des-
nos anos de seca, mantê-los era um problema. Daí item os foze.ti- truição da caaa "caiana" pela praga da gomose, que atingiu o seu clímax
deiros do Agreste gradativamente substituindo o trabalho escravo pelo eln 1884. O café teria, assim, o seu auge de desenvolvimento na última
livre, chegando mesmo a pagar s1!lários elevados para a época, qu11-0do década do século passado e nas duas primeitas deste século. A. des•
o algodão subia e queriam ampliar suas plantações. Assim, no Sertão truiçao dos cafezais, de 1921 a 1925, provocada uma volta à cana-
cearense, chegaram a pagar, em 186.3, 1$280 réis por um dia de tra• -de-açúcar, em Areia e municípios vizinhos, com a criação de engenhos
balbo, ( 1 º) enquanto em Pernambuco , em 1875 , os salários oscilavam rapadureiros a vapor e a posterior instalação de usinas - Santa Maria
entte 1$000 e $800. ( ª) Nesse ano, segundo depoimento de teste- em 19.31 e a S. Francisco em 1948 ( 10 ) - e o desenvolvimento das
munha conhecedora dos nossos problemas rurais , ( 12 ) o trabalho es- culturas de fumo, em Bananeiras, e da agave, sobretudo em Anüa. ( 11 )
cravo desaparecera completamente das nossas culturas de algodão e Observa-se , assim, que no maior brejo agrestino houve uma suces-
legumes, onde dominava a pequena explotação, continuando, porém, a são de ciclos econômicos em poucos séculos de utilização da terra.
compreender perto de 50% dos trabalhadores. em caMviais. Ciclos determinados pelo aparecirnento de culturas que sub sútufam
Na segunda metade do s&ulo XIX, quase um século após o surto outras geralmente devastadas por pragas. Observa-se, porém , que a
algodoeiro, novo produto viria transformar as paisagens agrestinas, cana-de-açúcat, o café e, modernamente, a ag-ave foram lavouras feitas
devastar grandes área& de mata nos brejos e ampliar a contribuição no estilo de grandes c1.tl.t.iras que imperialisticamente afastavam para
da agticultura à economia regíonal - o café-. Ele se desenvolveria as áreas de solos pobres os outros produtos. Foram lavouras que car-
tanto nas áreas de brejo, nas encostas, cristas e nos planaltos de altiludes rearam ora mais, ora menos di.nhei.to para os grandes e médios pro-
superiores a 500 metros, como nos rebordos da Borborema, na área príetários, deixando em situaç:fo de miséria a maioria da populaçao.
em que o Agreste e a mata se encohlram e confundem. Introduzido A escravidão não tinha aí , grande importância corno nas áreas
no Nordeste nos últimos anos do século XVIII ( 13 ) e início do do Sul de ?ernambuco, uma vez que viviam no Brejo apenas 3.6}0
XTX, ( 14 ) o café foi pot alguma dezenas de anos lJlanta de quintal, escravos, isto é, 14% dos cativos da Pnafba, em 1880, ( i u) mas os tra-
cultivado apenas para uso doméstico. Nos meados do século XIX, b1lhadores rurais levavam e levam , até os nossos dias, vida de escravo.
porém, aproveitando o baixo rendimento dado pela cultura da . cana- Horácio de Almeida, o arguto escritor areiense, falando sobre os mora-
-de-açúcar, foi o café introduzido nas áreas de altitude, nos brejos dores dos engenhos e fazendas do Brejo paraibano, afirma que " Os
(10} Thcophilo, Rodolpho, Híslória ,ia Seca do CearJ 0871-1880) pág. 27. ( 15) Mariz, Celso, Cidades e Homens, págs. 95 e segs.
( 11) Mílle1 , Henrique Augusto, O.r Q11ebra-Kilos e a ci·if;e da Lavo11ra, ( 16) Andrade, Manuel Correia de, Os Rior de Açúcar do Nordeste Orien•
pág, Vll. l/11. 1I - Rio Mllm/lngti/lpe, plÍgs. 43 e ,egs.
(12) Miller, Henrique Augusto, Auxilio a L,:vom.i a Crédito Real, pág. 33. ( 17) Almdda 1 Horácio, Brejo de Areia, págs. 147-165.
( 13) Mariz, Celso, Cidades ~ Home11s, pág. 93-4. ( 18 ) Almeida, José Américo de, A Paraíba e os seras problemar, pág. 208 .
( 14) Ko5ter , Henry, Víagenr ao Nordesle, pág, 46).
1.56 Ma11uel Corteia de And,ade
A Terra e o Homem 110 NorJ,we D::i
assalariados moravam em mocambos de palha, que mai, p<1reciam chi-
queiros de porços. E nessas esterqueiras criavam a família , dorm,indo quando a escravidão já estava prestes a expirar, o café tornou-se a
cm magotes em jiraus de vara ou no çhão úmído, na m<ais abjeta _pro~fa- cultura cumercial de maior im portância dos brejos do Agreste pernam-
(uidade . Quando chovia, a água corri~ em bica por dentro da pocilga , bucano e alagoano, colocando Pethambuco como o principal produtor
cnde todos viviam agachados. No terreiro dos ca ebres, meninos pan• regional. Em 1958, para uma produção nordestina de 26.200 tone-
çudos de pés cambados ostentavam a barriga cbe.ia de lombrigas. A~ ladas, ( 21 ) que representam apenas 1,5% da produção brasileira , Per-
filhas moças não tinham mais que uma muda para cobrir o corpo, e os nambuco entrou com 20 .976 toneladas, o que corresponde a 79,6%
moleques de dez anos já pegavam no pesado para ajudar os pais. da produção regional , seguido do Ceará com 2.852 toneladas ( 10,8%
Roçados não tinham porque mourejavam no alugado os seis dias da da produção nordestina) e. de Alagoas com apenas 1.845 toneladas, ou
semana e também porque o p-,Hrão não lhes dava terra para plantar. seja , 7% da produção nordestina. ·
A única alegria era beber dois vin téns de cachaça nas feiras , aos sá- A partir de 1965, caiu consideravelmen te a 1,rodução nordestina
bados. O saldo do salário, que ao fím da semana recebiam, mal chegava de café, de vc:z que o Governo Federal, através do IBC ( Insti tuto
para a farinha, a pinga e , às vezes, um itto de fava para o consumo Brasileiro de Café), executou a política de erradicação dos cafeza1s que
apresentavam baixa produ ti vidade. Os fazendeiros de café eram indeni•
da semana. Tomavam b ns tragos mas não ficavam alterados. Embora
zados pelos cafezais errndicados e podiam destinar suas terras à pe-
tristes, sem razão mesmo para expansão da alegria, eram dóceis, res-
cuária e a oumis culturas. Esta política fortal eceu a tendência à peçua-
peitadores , serviçais. Comendo pirfo d'água com caico , ou fava pura rização no Agreste, provocando o desemprego no meio rural, estimulan-
çom farinha, resis tiam ao trabalho pesado de sol a sol, com inexplicável do o êxodo pam as- cidades. Em árens de encostas em que o cafezal era
energia física. Os que tinham uma cabra de leite pata sustento do filho sombreado, . com o desmarnmento houve a aceleração dos processos
de colo consideravam-se ricos . Meninos de cinco anos cachimbavam erosivos, A produção caiu consideravelmente, sendo em 1970 de
à vista dos pais para prevenir contra possível dor de dente. O pito 43.282 ton. na Bahía, de 14.152 to11. em Pernambuco e 10.082 ton. no
e a pinga tanto serviam para enganar o estômago como de consolo ão Ceará. A Paraiba produziu 1.18.3 ton., ficando os demais Estados da
aviltamento da condição social em que viviam". ( 10 ) região com produção inferior a 700 ton. Hoje o IBC está estimu-
Em Pernambuco e Alagoas o desenvolvimento da cafeiculrura tam- lando, Mlte a queda da produção brasileim de café e ao crescimento
bém se fez a partir da metade do século XIX. A cultura tomou logo da demanda, a formação de novos cafezais nos municípios tradicional-
grande impulso na Região da_ Mara, nos municípios localizados ao sopé mente produtores da rubiácea.
e na encosta da Borborcma, e no Agreste, nas áreas ocupadas pelos O café logo se tornou cultura de ticos e pobres, mas sendo uma
cultura permanente, foi desde os primeiros tempos vedada aos mora-
brejos de altitude e exposição, ocupando a serra de Taquaritinga, as
dores e foreiros, a fim de que estes não' pleiteassem indenização pelos
crista , localizadas nos interHúvios do Capibatibe com o Ipojuca e do
cafezais que plantassem quando os proprietários os despedissem, O
Ipojuca com o Una e no Planalto de Garanhuns, estendendo-se em café, uma vez cultivado, só começa a frutificar aos três anos , repre-
Alagoas pelos munidipios localizados no rebordo meridional da Borbo- sentando, desse modo, uma sél"ia inversão de capital. Seria uma cul-
rema, como Palmeira dos fndio~ Quebrângl1lo e Viçosa. Na 13ahia tura de ricos se, quando novo, não permitisse a associação com a man-
ocupou áreas na Chapada Diamantina. No Sertão, serr-as como a d e dioca, o milho e o feijão , garantindo a subsistência do pequeno pro-
Triunfo logo se cobriram de cafezais. As cond ições meso16gica~ eram prietário. Este ainda podia, nas ocasiões de dificuldades, alugar seu
bastante favoráveis ne tes brejos, uma vez que a cultura era feita em braço aos grandes proprietários !las limpas dos cafezais, geralmente
vertentes relativamente altas que apresentavam condições de drenagem em julho e em de2ernbro. Nestas ocasiões necessitavam os proprie-
e aewção; os solos profundos conservavam umidade e facilitavam a táríos de muitos braços, pois á faina agrícoli1 era realizada a enxada.
fixação de rafzes . O sombteamemo, de uso generalizado em quase toda No período da colheita, de agosto a dezembro, mulheres e crianças
a região, mantinha um razoável pH de solo e atenuava a _erosão. ( 20 ) eram larg1lmente empregadas neste serviço leve, permitindo que os
Encontrando condições favoráveis e mão-de-obra assalariada barata , mesmos completassem o magro salário familiar. ( 22 ) Era, assim, seme-
( 19) i\lmeida, Horácio de, obra citadt2, pág. 154-5. ( 21) A1111JÍrío Estatístico do lJrasil, 1960.,
(20 ) Andrade, Manuel Correia de, O Vale do Siriji (Um estudo de Geo- (22) Ramo6, Augu6to, O café rio Brasil e rio esfr1111geiro, vág.. 259 o 26,.
grafia Regional) , pág. 64.
l.'.58 M111111el Correia de At1drttdc
A Temi e o Hom11111 no Nordeste 157
ihante a situação dos ti-abalhadores nos cafezais a dos assalariados
do Agreste são formados por prop!'iedades ou explorações com extensão
rurais de OUlras áreas do Nordeste.
inferior a 20 hectares, embora disponham de apenas 14% da área
Desse modo, o Agreste essencialmente pecuário do século XVIII, regional. Estes pequenos proprietários formam, inegavelmente, uma
tomou-se dominantemente agrícola nos séculos XIX e XX; a agricultura classe médí-a rural que tem um nível de vida bem inferior ao dos
com a melhoria das condições técnicas, o aumento da densidade demo- grandes e médios proprietários, tnas uma situação econômica e social
gráfica e a construção de boas estradas que ligam a 1·egião às capitais bem superior a dos trabalhadores sem terra. Entre eles, porém, há
de Estado, assim como a maior divisão de propriedade, vai cada vez um acentuado escalonamento econômico, escalonamento este que é
mais M! diversificando, tornando a região po1icultora e contribuindo, determinado não só pela extensão da propriedade, como também pela
de forma superior à M-ata e ao Sertão, pata o abastecimento das grandes sua localização e pela fertilidade dos solos de que ela dispõe. Assim,
cidades nordestinas. A pecu.fria vai perdendo cada vez maiores áreas; o povo, em sua sabedoria empirica, chama de "sítios" aquelas parcelas
entretanto vai se tornando uma atividade econômica altamente com- maiores de terras, mas chama de "chao de casa" aqueles pequei10s
pensadora, pois vai passando dos padrões culturais mais extensivos lotes de menos de um hectare. O 1.!SO da terra e o nível de vida dos
para os intensivos , vai se especializando na produção de leite c de pequenos proprietários é também o mais variado, de uma área para
carne, intensificm1do a engorda dos animais. À proporção que perde outra. No Brejo de Areia, na Paraíba, por exemplo, os pequenos pro-
áreas de criaçao, aumenta, graças a técnicas roais avançadas, a sua prietários costumam, imitando os senhores-de-engenho, cultivar cana-
capacidade de lotação, e apesar de ocupar área consideravelmente in- -de-açúcar 1: agave, mas cultivam também, às vezes entre as fileiras
ferior à pecuária sertaneja, tem a criação de gado agrestina importância de agave, as tradicionais lavouras de subsistência. Têm eles, geral-
refotivamente tão grande quanto aquela . mente, um ofício de pedreiro, marceneiro, carpinteiro, mecânico etc. ,
que lhes garante uma renda certa. ( 1 ) São os artesãos, chamados na
região de "artistas", e ter lima "arte" constitui uma garantia de segu-
3 rança econômica para os dias incertos.
Nos brejos pernambucanos, a propriedade também está muito
AS RELAÇOES DE TRABALHO NO AGRESTE dividida. Há pequenos ítios em brejos como o da Serra do Vento, em
EM NOSSOS DIAS Belo J~1tdim, o da Serra Vermelha, em Caruaru, e os de Bezerros e
Camocim de São Félix, em que os pequenos proprietários apanham
O Agreste, tegião de transição que é, possui val"iações mesológicas llm pouco de café, de castanha de caju, uma vez que o cajueiro
bem mais acentuadas que a Mata e o Sertão. Apresenta grandes diver- é usado no sombreamento do cafeeiro, um pouco de pjmenta-do-rcino,
sificações no tipo de uso da terra e, conseqüentemente, nas relações cultivada junto aos cajueiros que lhe servem de suporte, e algumas fru-
de trabalho no campo. Pot isto, neste capítulo em que pretendemos teiras - laranjeira, mangueita, abacateiro, jaqueíra etc. - plantadas
retratar as condições de vida e o trabalho do homem que moureja na no meio do cafeza1; tudo 'is to, porém, é. insuficiente para manter um a
terra, _ptoc\.l.taremos focalizar o verdadeiro mosaico que é a região , fam!Jia . ( ~) Ró uma v1:rdadcíra promiscuidade vegetal no u o da terra ,
Assim, após salientarmos a importância regiona l da pequena proprie- desde que o proprietário, dispondo de peq,1e11a área, procura apro-
dade e os _padrões econômico-culturais dos pequenos p.i;oprietários, pas- veitá-la ao máximo, embora o rendimen to seja insignificante. Não co-
saremos a estudar as relações de trabalho dominantes 011 área açu- nhecendo os processos técnicos de conservação do solo e não dispondo
careira e da agave, na área da pecuária associada à cultura do algodão de dinheiro para adquirir adubos, têm eles uma produção mínima,
e de cereais, na zom1 do café e na área dn fumícultura. Não falaremos sendo a renda aufetida insuficiente para a manutenção da famflia. O
das relações de trabalho na região rizicultora são-franciscana, por serem
feitas nas mesma~ b11ses da realizada na zona da mata, jii estudada.
( l) Bernardes, Nilo, Observaçoe~ robre a paisag~m agrária no 1t11miclpio
A primeira realidade com que se depara o estudioso dos problemas de Areia. "Anais da A~sodação de Ge6grafos Brasileiros", vol. VI, ton10 lT ,
agrários do Agreste é a importância que tem nesta região o pequeno pág. 60 11 62.
estabelecimento, ao contrário do que ocorre na região da Mata e no ( 2 ) Lacerdn de Melo, Mário e Andt~dc. Mnn\lel Correia de, Um Brtifl
Sertão. Realmente, mais de 85% dos esrabelecimenros agropecuários de Pema1,rb11c:o (R.:gião d~ Camodm de Siío félix),
p,íg~. 19 e 20. SepArnrn do
"Boletim Carioca de Geografia", Rio de Janeiro, 1961.
A Terta e o Homem no Nordeste J.5'}
160 Manuel CorreilJ de AJ1drade
Nltíante complementa o seu orçamento trabalhando "alugado ", como
111nart\da, diriam no Sul do país, para os gi"aode~ e médios propriétários
vh1inhos, ou emigra no esriu pata a área açucareira, a fon de trabalhar
1111s usinas etn moagem, deixando à mulher a guarda e administração de
sua gleba. Engaja-se, assim, no grande exército formado pelos tra.
bt11hadorcs sem terra que, a partir de setembro, migram pará• a região
da Mata, voltando à gleba em março, com as primeiras chuvas .
Também o pequeno proprietário se preoçupa com o auto.abaste-
cimento, procurando nas exíguas áreas de que dispõe plantar algumas
''covas de ruça" - macaxeira ( aipím) e mandioca - um pouco de
milho, sempre associado ao feijão e à fova, e criar alguns animais. Estes
são representad0s por uma vaca de leile ou um garrott::, qiados presos
"na corda''. A vaca destina-se ao fornecimento de lcite à família
(;; à obtenção de "crias" que, ao serem apartadas, são vendidas visando
à aquisição de roupas. O garrote é quase sempre adquirido em feiras
de gado, corn um ou dois ~nos de idade, e passa a ser engordado p~ra
ser vendido q uando reformar. A feita de gado de João Alfredo, por
exemplo, caracterim.se pelo dom!nio absoluto de garrotes para a
''reei-ia'' . Estes, engordados, akançam melhor preço pata o açougue
que o gado comum engordado em cercados , seodo muito usados para a
fabrí~ção de "carne-dc•sol", alimento muito apreciado no Agreste
e Sertão nordestinos. Carne-de-sol assada com foijão-macassar, man-
teiga do sertão derretida e farinha de mandioca é pr11to regional hoje
lacgarnente apreciado mesmo nas cidades litorílneas, nas cnpitaís dos
Estados nordestinos. É mu ito freqtiente, também, cada famíJig criar
dols ou três porcos, os "capados", visando com a sua venda, no fim
do ano, atender aos gastos extruoi-dinátíos da época de " Fes ta" -
Natal e Ano Bom - . As 1'miunças", cabras, sob retudo, são encoü-
tr adas em todas as casas Fomt!cendo, às vezes, leite, quando não há
vacas.
Em certos trechos da caatinga agrestina onde domina o clima
semi-átido ma os solos são arenosos e profundos, como ocorre em
Lajedo, Surubim , Vertentes e D istrito de Capoe.iras, em Pernambuco,
a ptopriedade é bastante dividida e os pequenos proprietários dedicam-
-se à cultura de tubétculos, sobretudo mandioca , ínhame, cará e batata..
Casas de farinha a tração anim11l -são e11conttadas com freqüência, e a
farinha constitui um produto comet·cial por excelência destes pequenos
propl"ietários. T êm -eles nlvel de vida modesto, mas bem superior
aos assalariados ; suas casas se distribuem pela pais.1gem, próximas
umas d-as outtas, sempre com;truíd11s de alvenaria e com um terraço
na frente. Para se locomovere~ e transportar os produtos do sítio
para a cidade 1 têm quas·e sempre um cavalo ''de qmgalha", um huno,
um jumento, ou, às vezes, um pequeno carro de boi puxado por dois
(.3) 'f rês são os tipos de palma: a chamada Joc:nlmen1e de palma grnúd.i
(Opuntia Fiem indica Mil{), ,l palma .redoada (Oprmlia sp) e a palma mi úda
(Napolea Cacbenilifmt Si1lttt-Dick) .
O trato direto do gadc exige pouca gente. O vaqueiro hoje é um
simples empregado adapt:ado ao trato de animais, sabendo laçá-los, fa-
zer curativos de urgência, o.tdenhar as v,acas etc. Não se assemelha
muito aos dos primeiros te.mpos e, ainda hoje, aos do Sertão, que ves-
tidos de couro viuam as caatingas à procura das n:ses mais 11riscas. O
arúmal, criado em cercados de pequena extensao, vindo 110 cu.trai com
freqüência a fim de ser vacinado, ferrado, ordenhado, curado de bichei-
ras ou enfermidades e auaçoado, é sempre manso e facilmente condu-
zido pelo vaqueiro. Por isto, este hoje administra l..lU n~siste ao proprie-
tário na administração, fiscaliza e conserta cercas, conduz os animais
a serem vendidos nas feitas, conduz o rebanho nas migrações sazonais,
ordenha e fiscaliza a en.trega do leite que se destina à venda e per-
cebe uma remuneração em dinheiro, tendo casa para morar e direito de
moma, roçado. Aquele cóstum e de pagar ao w.qudro com um quarto
dos bezerros nascidos a "quarta", foi inteiramente abolido □ o Agreste,
desde qt1e o gado d11 região, raceado com o zebu, o holandês e o
schuwytz, está muito valorizado, elevando ç,onsideravelrnente o salário
do vaqueiro se o pagamento continuasse ~1 ser feito em espécie. Assim,
o pagamento em moeda, substituindo a "quarta", de uso ainda gene-
nilizado no Sertão , onde domina o gado crioulo ou ''pé duro'', não
representa um,1 melhoria p~ra o vaqueiro, mas uma inferiori:.:ação sobre
a remuneraçao anterior, poh o proletariza e impede que, como ocorria
no passado, ele tenha a oportunidade de tornar-se fazendeiro .
Além do vaqueiro híí em cada fazenda alguns moradores que ~esi-
dem em casas de "rn.ipn" , das chamadas no Sul de rnsas de •:~opapo",
gue trabalham na roçagem dos cercados, na limpa dos currnis 1 no arra-
çoamento dos animais e em outros misteres suplementares obríg11ndo-
-se a dar três ou quatro dias de serviços semanais, reservando os de-
mais à cultura de algodão e cereais que fazem cm área de um u dois
hectares, cedida pelo fazendeiro. Estes moradores, cujo número é pe-
gueno, variam de uma fazenda parn outra e recebem um salárío bai-
xíssimo pelos "dia~ de sujeição", tendo remuneração mais a1ta nos
mais dias, caso trabalhem para a fazenda. Nem sempre o salário míni-
mo é respeitado, de vez que não trabalhando seis dias por se111ana,
perdem o direito ao repouso semanal remunetado e têm as férias anuais
reduzidas . Além disto, recebendo e.isa parn morar e área parn cultivar,
têm o seu salário pardalmente pago em e~pécie. Muitas vez;es o pro-
prietário não respeita a lei, usimdo artifícios que minimizam os efeiros
de sua aplicação, e os moradores dele dependentes não têm condições
de recorrer à Justiça dl..l Trabalho.
A uti lização do restolho de culturas nu alimentação dos animais
leva o fozendeiro a manter relações econômicas corn grande número
(hoje território mineiro), das Rãs1 Verde, Paramirim, Jaculpe, Itapi- 1111 piua apanhar sal; para os açudes o material de aterro era levado
curu, Real, Vasa-Barris e Sergipe, possuindo perto de 500.000 cnbeças 1•111 couros por juntas de bois, que calcavam a terra com o seu peso;
de gado. Os currais pernambucanos, que deviam 11brigar perto de 1·111 couro pisava-se tabaco para nariz" . Este sistema domioou por
800.000 rese~, ocupavam a margem esquerda do Rio São Francisco llculos o Sertão, e quando Spix e Martius percorreram o Nordeste, ao
e os vales dos R ios Preto, Guaraíra, Corrente, Jajeú, Moxotó, além dw11arcm no Piauí ainda encontraram , até nas fazendas de propriedade
do São Miguel, em Alagoas, do Paraíba do Norte, do Piranhas-Açu, do ,111 overno Tmperial , o sistema de criação extensivo enunciado por
Apodi, do Jaguaribe, do Acaraú, do Piauí e até do Parnaíba . Era um A111onil. Aí, segundo eles, ( 1 ~) a~ dezeno~ de fazendas reais eram
mundo que se estendia desde O linda, a Leste, até a fronteira do Ma- 1li viuidas em três inspeções, cada uma dirigida por um Inspetor que
ranhão, ao Oeste. 1111h11va .300$000 por ano. Cada fazenda em dirigida pot um ·vaqueiro
qut• devia obediência ao Inspetor; servindo às vezes gratuitamente
A área de influência das capitais não era determinada pelas dn ,inte anos para, ao entrar na posse do devido pngamento, rece-
circunscrições políticas, uma vez que a influência baiana penetrav11 111•1• um quarto dos bois e cavalos criados na fazenda . Et11 permitido
consideravelmente o Sertão pernambucano, o que levou o histoi-iador 11111• c.l • criasse cabras, porcos e carneiros e tinha direito à produção de
C-apistrano de Abreu ( 1 0 ) a afirmar que a influência pernambucana se lt lt · e queijo. Havia nas fazendas ' escravos do rei" que recebiam ape-
detivera mui to próxima ao litoral, na atual cidade de Bezerros. 1111~ roupa e carne, devendo retirar o resto do seu sustento de suas
Nestes sertões desenvolveu-se urna civilização sui generis. Aí os p11\prl11s plantações e crias.
grandes sesmdros rnantinham algum ruu-ais nos melhores pootos de
suas proptiedade , d irigidos quase sempre por um vaqueiro que, ou
era escravo de confiança, ou um 11gtegado que tinha como temufietação ( 11) Trecho de Capistrano de Abreu , transcrito por Andrade, Manuel
1 ,111 oln de , em Evolilçiio e Características da Pecuária Nordeslina 1 pág . 17.
( 12 ) Splx J. von e M9rtiu~ C. E. P. von , Viag ~m ao Brasil, vol. II,
( 10) Abrem, Úlpiscrano, Camính01 ,mtigos e Povoame,ao do BraJrl, pág. :n. 11,j •Ili!.
0 segui-lo até Floresta, de onde se desviava parn o Oeste a fin1 de LIMITE lrt1'E'.ft($t~OU:it..
RIO
!'lkançar Cabrobó. O ~egundo caminho subia o Vale do lpojuca até a
Serra de Ororobá ( traçado atual da Rede Ferroviária do Nordeste e
da estrada central de Pernambuco), daí descia para o Sul att a atual
cidade de lnajá, onde se desviava para o Oeste procurando Tarnratu,
Jatinã e, finalm~nte, Cabrobó, ( lG)
O gado cearense, porém, chegava magro a Olinda e, devido à
distância, pagava maiores preços pelo transporte que o paraibano e o ..
norte-ríograndense. Daí se lembrarem os cearenses, ainda em 1 740, de
exportar suas reses já abatidas, transformadas em carne ~eca, salgada
e em couros. Para a salga dispunham das salinas naturais do Aracati,
da foz do Jaguaribe, enquanto os bois vinham do lilota1 e do baixo e
médio cursos deste riu. Surgiram , assim, -as "oficinas" para a fabri-
cação do chatque, mais conhecido no Nordeste como "carne-do-ceará~',
e que permitiram àquela região competir com a Paraíba e o Rio Grande
do Norte no abastedmento de Pernambuco. As "oficiJ1as'' surgidas .no
Aracati logo tiveram congêneres na foz do Parnaíba, do Acar:iú, do
Camocím, do Moçoró e do Açu. Com tão grande número de char-
queadas tomou-se difícil o abastecimento de animais de trabalho para
os engenhos pernambucanos, e aquelas localizadas no Rio Grande do
Norte fornm proibidas de funcionar; as demnis continrn1ram em atlvi-
.,,/
......... ~....,--- ....
,,.....,.,/
( 14) Ornara Cascudo~ Luís da, Tradirões Popu/a,,e; da Pecuíiria No,-
dmina, pág, 6.
(1.5) Rocha, Tadeu, O Homem e a Téc11ic11 e/11 Pau/e Afonso, no Diário
de Pernambuco, de 29 de Ab1·il de 1953; Andrade, Manllel Correia de, Evo•
luçiio e Crm1cterfs1ic11s da Pecuárid Nordesli1111 (Co1111ibuíção ao Es111do da
Geografia Pastoril do Nordesle Orie111al), plÍ(!.. 5.
O DESENVOLVIMENTO DA AGRICULTURA
SERTANEJA
(9) P.,troni , P1;1Nu11h:, A Vár:rc>a do Açu, pdg. 5,}, avulso n.• 2. Asso-
ciaçao dos Gc6grafos 13rasildrm. São Paulo, 1961.
( 10) Pimentel Gort1es, A CtJrmu,b,,ira.
( 11 ) Valverdc, Orlando e Mesquita, Miriam Goines Coel ho , Geogra/it1
.,4gr1Ír,a do Baixo Açu, pág. 468.
FOTO N_" 2 l - O rrnbalho arresanol com a folha da c3rna ubcira rem grande
irnportfoci~ nn vale no Jnguo ribe, Ceará A 'J'erra e o Hom em no Nnr,lesle 215
das as máquinas de beneficiamenco. A este barracâo dão pomposai;nen- Passada a safra da cera de carnaúba e o período de exu-ação do
te o nome de "usina". Qtrnndo não dispõem de máquinas, usam o sal tratem os moradores de cuidar de suas lavo,1ras de subsistência,
tradicional p.tocesso da batedura, quase desaparecido na Vá.tzea do Açu, utilizando as terras de vaza11tes nas n.1a~gens dos rios e das lagoas. En-
mas ainda de u~o gene::táli:r.ado no Jagua,ibe::. Esse proce~so tem a gran- tre estas destacam-se. por sua extensão e importância, as do Piató e a
de vantagem de deixat a palha em condições de ser utilizada na fabrica- da Ponta Grande, esta inteiramente localízada na fazenda Itu, imenso
ção de bolsas, chapéus e esteiras, e na coberrura de casas. É perniciosa, latifúndio com mais de 12.000 hectares. O calendário agrícola depeo-
porém , por provocar uma queda na produção de E:era por unidade. A de mais da variaçã0 do nível das :1guas dos rios e lagoas que da época
maioria dos ptoprietátios, porém, beneficia a ceta attavés de mãquinas das chuvas. Em ge,:al, porém, as plantaçõe~ se iniciam e_m jftnei-
a diesel de 5 a 12 HP. Há ainda na l'l.~gião o empreiteiro, que possui ro e fevereiro com a cultura do .feijão -associada a do algodão, geral-
a máquina e se instala na zona produtora , migrando de uma proprie- meote da vuiedade verdão. stes vegetais são plantados primeiro,
dade parJ! outra a fim de beneficiar a cera dos pequenos preprietários porque as primeiras tetras descobertas são arenosas e eles se desenvol-
que não dispõem de meios para adquirir a máquina, fütes empreiteiros vem bem em solos silicosos. Com a baixa das águas são de~cobertos,
contratam com os proprietários "a olho" o beneficiamento das arrobas sobretudo nas lagoas, so)os argilosos qt1e se crestam com a insolação,
de cera, cobrando uma taxa pol' atroba . Outras v:ezes, porém, o con- onde iío plantados o melão, a melancia, o jerimum e o milho - este
trato é feito na seguinte base: d0is terços da produção são do proprie- nos anos boas, enquaoto o sorgo, chamado na região ~e milho-trigo, é
tário e um terço é do ef(lpreiteiro. cultivado nos a11os maus . - O sorgo, por fec;bar mwto ao se desen-
A~ máquínas trabalham sob a direção de um maquinista compe- volver, impede a associação com outras cu lturas. Nas lagoas também
ten te e capa% de fazer pequenos consertos de que ela necessite, rendo vem sendo muito cultivado nos últimos anos, após 1956, o arroz . En1
às suas ordens um banquei:ro que transporta as folhas do estaleiro a áreas de vái:zeas vêm sendo feitas com i~rígação não só estas culturas-,
um banco deixando-as prontas para serem usadas na máquina; um ceva- como também ;s fruteiras em geral - mamoeiro e bananeir.a; sobre-
dor que t~ma as folhas no banco, pondo-as de três em três na máquina; tudo. Os proprietários que proíbem aos meeiros a.s Javouros perma-
e um bagaceito que remove o bagaço da palha da máquina pat·a o cam- nentes para evítar complicações se quiserem despedi-los, ~»1gem dos
po, já que o pó da cera é automaticamente ensacado pela máquina. O mesmos a "meia" do algodão e a "terça" dos outros produtos. Os
maquinista é o mais bem l'emunerado dentte estes trabalhadores, en. meeiros ainda são obrigados a vender o algodão ao i;.,roptietário da
quanto os tr:ouxeit0s que tra sportam as folhas do estaleiro pllra a usina terra e pab>l!m juros do dinheiro que lhes é fornecido du rante o período
e o bagaceit·o percebem sa látios que cot·respo11dcm a 50 ou 60% da em que a lavoura está a se desenvolver. Quando o ano é seco, a pro-
remuneração do primeiro. dução é pouca e ao ser feita a colheita, em 11g:osto ou sétembto, o l~cro
não é suficiente pata pagar os débitos à. fazenda, à qual eles ficam
No processo do coúnhamentô ainda trabalham o mestre ou Feitor prei;os para tentar o pagamento no ano seguinte. '
de cera, o auxiliar do mestre e o prenseiro.
Os agricultores utilizam neste trabalho proGessos rotineiros a
Após a fusão , a cera é resfrilida em recipientes apropriados e _de enxada ou 0 espeque - bastão de pau branco resistente e com ponta
várias dimensões, seguindo depois pat·a os armazéns das companhias Íina - que batendo contrf! o solo cava "covas" estreitas e profundas,
exportadoras q\.le às vezes necessitam ~eneficiar a cera, putifican?o-a. onde colocam as sementes de sorgo e um pouco de arei11 . A profun-
Logo após da é classificada em Üpos difer~ntes: a do olh,;.i - . retirada didade deve ser relativamente grande a fim de que o pas5arínho não
das folhas ainda .não de todo abertas e por isso de melhor qualidade - destrua as sementes_ Apesar du emprego de processos totineiros, as
em primeira e- em mediana, e a de folhas , que é classíficada em gorda , terras de vazante e os fundos de lagoas secas são tã0 férteís que se
gordurosa e arenosa. Os preços gara11tem aos produtotes em pel'iodos
obtê1n, em média, 5.000 quilogi·amas de sorgo ou 3 .500 de arroz pot
favotáveis um lucro tão elevado que conforme a e~tensão dos seus càr•
ha. Os meeiros têm no algodão sua cult ura comercial, vendendo-o
naubais residem sempre fora da propriedade, quer nas pdncipais cida-
logo após a partilha. Os out.tos produtos, após o pagamento dá terça
des da região ( Ac;:u , Moçor6 Aratati, Ru~sas , Limoeiro do Norte etc._)
dos proprietários, eles utilizam na alimentação da família, armaze-
quer nas capitais dos Escados - Fortaleza ou atai - ou até, os ma1~
nftndo-os para o verão e s6 nos anos de boa produção vendem a sob.ra_
ricos, JlO Recife ou po Rio de Janeiro. Só necessitam ir ao carnaubal
Interessaitte é o p,ro1.:esso por eles emp, egadQ na conscl'vação de certos
no curto período da safra.
cereais como o feijão ; colocam, no em u ma lata de qt1erosene ero que
.216 Manuel Correia de Andrade
A Terra ~ o Homm1 110 NordeJte 217
haja apenas um.a pequena abertura, depois de cheia vedam e;:sta aber- Os proprietários também cultivam e~tes produtos e tl'\nto eles
wra com sabão, conservando-se o cerea l por muito tempo. Aos pro- como os meeiros costumam contratar assalariados que eram pagos, em
dutos que obtêm da lavta da t erra juntam o peixe pescado no rio ou 1959, a 40 cruzeiros antigos tliários com a "bóía" . Entre os meei!'os,
lagoas e só uma vez por semana comem carne. estes ass11la riados fazem as refeições cm companhia dos patrões, o que
A falta de crédito é um problema seríssimo para os meeiros, já não acontece q13ando trnbalham para os grnnde1; e médlo proprietários.
que os empiéstimo gue 1hes ~ão feitos pelos proprietários e comer- A irrigação na várzea, retirando água de um Jençol aluvial que está
ci:rntes são mL1lco one~osos. Em pesquisas que realizamos na Várzea a sete metros de profundidade, vem sendo feita faz an·os, visando à cul-
do Açu, em 1960, colhemos informações de um plantador de sorgo, na Lura da bananeira ( das variedades leite e anã ) e de ou eras fruteiras,
Lagoa do Canto da Velha Joa11a, cuja produção fora vendida antecipa- de hortaliças, de arroz e até, apesar do seu baixo 'preço, do sorgo. No
damente "na palha". O côrnercíante gut:: financiara o plantio o fizera governo <lo Presidente Juscelino Kubitscheck, passou-se a financial' os
com a condição de q~t:: o sorgo lhe fosse antecipadamente vendido prôpdetários qué quisesseni adquirir moto-bomb11s. Muitos peque.nos
por um preço 40 ou 50% inferior ao do mercado. :É interessante proptiet,Jrios adquiriram estas bombas. No Açu e hO Apodi váti,1s
observar como essa pJanta africana , que é um dos princ.:ipais alimentos área5 de várzea foram irrígadas e cultivada~, dando ,ao visitante uma
utili2ados pela população do Sudão, 110 Sul do Saara, teve larga d ifusão magnífica impressão de fartura. Depoi~, a conservação das mo to•bom-
nesta parte do Nordeste. Chamf\m-na de "planta dos anos maus", bas, a SL1bstitulçiio de peças gastas e qu~brada~ que só podiam se1
porque tendo um ciclo vegetativo mais curto que o do milho, é nos ildquiridas no Recife e el'.n São Paulo, e a falt11 de assistência técnica
anos secos o seu sucedâneo natural. Uma vez cultivado, desemrolve-se fü:er,1m com que este surto agrícola '<lrnainasse. O bispo de Moçoró, D.
rapidamente dando uma primeira colbeila entre 80 a 90 dias e, se o Eliseu Mendes, que foi o grande animador do aproveitamento agríco1a
solo conserva a umidade, produz uma prlmeira soca após 25 dias e dos vales do Apodi e do Açu , também foi mmsterido da região, per-
uma segunda com outros 25 dias. Com a sua fatinha foz-se uma série dendo os agricultores um entusiasta e verdadeiro advogado dos seus
de pratos regionais seme lhan tes ao milho. É uma cultura para a qual interesses. Asslm, é muito pteclÍ(ia. a situação daquelcs (lLte lavram a
os governos nordl"stino~ deveriam voltar as vistas e procurar difundi-la terra na área dos camaubais .
aas áreas secas dos seus Estados; resistente à estiagem e desenvol-
vendo-se com pouca chuva 1 o sorgo seria um alimento indispensável Outra atividade agrícola interessante é a Íeita no leito do rio,
tanto aos homens como aos animais, pois é também ótima forragem. a~toveirnndo algumas fontes existentes próximo à vila do Governador
Esta cultura , que é feita largameme no Sudão, onde se desenvolveu Díx-Sept antiga São Sebastião, na m,avgem do Rio Apodi. O "belra-
deiro", habitante da margem, cultiva nó próprio leito do l'io o alho
uma verdadeira "civilizaçiío do sorgo" , na fndia, na China e nas regiões
e a cebola.
cemraís dos Estados Unidos, poderia dar ao gado, como já salientou o
técnico amel"icano Klan: S. Markley em relatório ao Banco do Nordeste, Ao baix-.ir a água do rio, deixando o leito quase inteiramente des-
uma forragem excelente e rica em prote!nas. Considerava-a, como for- coberto, os bei radc:iros Eazem canteiros onde misturam à areia o estrume
ragem, superior à palma, boje tão difundida. ( 12 ) Achamos mesmo de bode , ahuhdanre na região. O canteiro tem sempre nove palmos
que a difusão da cu lrura do sorgo é um dos esteios para o desenvolvi- de h1rg1.1rn por vi nte t' um de comp.rimt:nto . A um con jupto de vinte,
mento da pecuária nordestina e, conseqüentemente, da recuperação trinta, quareota ou até me ·mo cinqüenta rnntei.ro$, di'io o nome de
eçG1nômica tegional. lasno. Ea, geral contr·atam trabalhadores as alariados pai-a fazer o
lastro. Cada assalariado prepara diariamente de cinto a seis canteiros.
O grande inimigo do sorgo e do arroz é o passa.riaho, que vem
Fazem depois o " traçado" do canteiro, revolvendo a terra até que a
comer as suas se1nentes, sendo necessário, nos períodos de produção,
água <lo lençol aluvial chegue à superfície, por capilal'idade. Em junho
manter-se nos plantios meninos armados de fundas - os p a&toreadores
e julho semeiam pessoalmente o nlho das variedades bratico e ro~o .
- a per~eguir as aves faminrns,
que será colbtdo de outubro a novembrn, levando neste~ quatro meses
duas limpas ou capinas. A mulher e os filhos menores do " beiradeiro"
{ 12) Andrade, Ftanci~co Alves de, /J.grop11et1ári<1 e Desenvóluin,e,,10 dó se encarregam de, com um regador, aguar as plantações d uas vezes
Norde.,te 1 ['Ág. 75. por dia, pela manhã e à tarde.
218 Manuel Correi« de A11dradc A Tirrra <' o Home111 11,;, Nnr.dc.rt~ 219
Etn outubro. e novembro, à proporção que colhem o alho, plantam um regulamento que controla o uso da água em irrigação pelos vários
a cebola, das variedades encarnada, branca e de leite, as quais são agrícultores.
colhidas três meses ap6s o plantio, levando neste período duas limpas. Os engenhos rapadureiros são movidos a tração anin1al, a vapor,
Após a collieíta, em janeiro e fevereiro, vem a enchente do rÍG que a motor diesel, prevendo,se nos pontos em que se faz a eletrificação
ocupa todo o leito, espalhando a areía e destruindo os lastros e canteiros rural utilizar até a enei:gía elétrica. Os engenhos de pau movidos a b0.i
que só serão i;econsttuídos após a estação das águas. A produçao é escasseiam 1 confinand0-se aos pé:; d~ serra mais pobres ou aos rincões
toda vendída para Fortaleza, Natal, Recife e Salvador, sendo o trans- maís distantes, nas "manchas úmidas" dos sertões piauierises. Estes
porte feito em camlnhõi;:s. Desenvolve-se, assim, em peque;1a área pequenos engenhos são mlilito n1.1me~osos, subindo seu número, em
no leito do rio, uma agricultura de jardínagem na qual trabalham os 1956, em Triunfo, a 113 , com c-apacidade de produçã(i) para cada um de
m0ra'dorcs da margem com suas famílias. Const•Ítui uma peqwena 300 a 400 cargas de rapadura por ano, ( 13 ) enquanto no Cariri, só no
ilha agrfoola na imensidão das caatingas onde domina a pecuária exten- 1mmidpio do Crato, existiam e111 foncionamento, em 1958, 7 3 engenhos,
stva meBos exigente como os caprinos, uma vez que a vila que é. pom- d0s quais 67 acionados a motor diesel, três ll, água e três a bois. ( 14 )
posah1e11te crismada como "a capital do alho", acha-se e~ctavada em Hoje grande parte destes engenhos estão de "fogo morto", e projeta-se
terras pertencentes a ''fazendas de bodes". a instalação de uma usina de açúcat no Cariri cearense. Em linhas
No Cariri e nas serras frescas há um contraste muito grande gerajs, as relações de trabalho nessas áreas assemelham-se as que ocor-
00m "IS áreas sert-anejas vizinhas. Os habitantes destes verdadeiros oásis riam na região da Mata antes do surto usine.ito. Os moradores distri-
de verdura no me.lo do deserto cinzento de caatingas, geralmente não buem-se pel-as propriedaJes em cas.as de taipa, dispondo em torno desta
gostam até de ser chamados sertanejos. Sentem gue é maior a seme-, de e:itfguas áreas onde cuhivam para si um po1.1Co de algod~o e lavouras
Jhança do seu ríndio com a Mata distante do que com o Senão p1'6- de subsistência. Da colheita destas ctilturas não participa o proprietá-
ximo. O contraste é determinado pela topografia , devido ii presença rio , que e:xige do empregado um certo número de dias de serviço por
de serras, pois o Cariri fica ao pé da Chapada do Araripe, na vertente semana por preço inferior ao pago aos traha1hadores. de .fora. Só a
ceatense, e as serras frescas localizam-se sob.te porções mais altas e mais cana-d.e-açúcar é que, sendo plantada mesmo po~ moradores, paga rnea-
expostas -aos ventos 1ímidos, como ocorre com a de Triunfo; é deter- ção pela moagem. A dHerença de salário entre os moradores e os
minado também pelos solos, e.m geral espessos e escul'Os, só aparecendo trabalhl\.dores gue não residem na propriedade é considerada como o
exposição das rochas subjacentes nos po~1tos mais acidentados; pela pagamento de aluguel da cas'<l e do sítio. Nos períodos de safra exigem-
vegetação luxuriante onde a mata primitiva ainda não foi destruída e -se dos rnoJ:adores de cinco a seis dias de serviços semanais e, como
ocorre na M;ita,. utiliza-se o braço dos migrantes que vêm das caatlnga::;
pelas Capoeiras muito densas em solos que já foram lavrados ; pela
11tíviçlade agrícola q_"1e a1 substitui 1l pecuátia típica do Sertao. Esrn.s vizinhas à procura de tn1balho.
"m.anchas úrnidas", determinadas ora pelas condições climáticas, ora Na época da safra os trabalhadores qm: passaram o ano na enxada
pela estrutura geológica, constitm;m verdadeiros 0ásís no meio do cuidando do pl1mtio, passam a ter as mais diversas ocupações: aparece,
peneplano semi-árido. Dentre elas destacam-se po1· sua grande extensão entao, o "cambiteiro" a dil'igir ca.valos e burros que transportam a cana
o Cariri ( 7 .649 kmi) e a l'egião de Triunfo ( quase 500 km:!). dos partidQs pata o e,o.genho; o "cortador" de cana, que ganha salário
A sucessão hereditária tez com que nestas áreas as prímitiv~s por produção e, com seu facão ".rabo-de-galo'', despe os solos tirando
sesmarias se dividissem muito e se formasse uma grande população de rapidamente a cobertura verde dos canavíais; o "botador" de cana
pequenos proprietários. Para se ter uma idéia do fato, basta s~lient:.u na moenda , que a qualquer descuido pode perder o braço, tragado t;,efa
que r,io Cariri os engenhos rapadureiros são chamados "sítios". Os mesma ; os ªtombadores'' , que pegam feixes de cana no "picadeird'
pequenos propdetátfos dedicam-se geralmente à policultura, cultivando e colocam sobre a mesa próxima à moenda, ao alcance do botado(; o
milho, feijão arroz, maQdiorn e amendoim; nos pontos mai~ úmidos
cultivam até a cana-de-aç,kat, que moem mediante o pagamento da ( 1.3) Lacerda de Melo, Mário, Paisagem dó Norde.rte em Pernambuco e
meacão, nos e.ngenhos tapaduteiros vizinhos. Daf serem as várzea~ Paraíba, pág. 19'{).
de altitude dos tiachos perenes, ou dos que não secam comple tamente ( 14) Figueiredo Filho, José de, Enge11hoJ de Rapadura do Cariri, págs .
no verão , ocupadas quase sempre por canaviais, e de haver no Cariri 36.37_
1
2
A OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO
(5J Hist6ria Econõmkà do Br>\sil, pás, S4. 4.• caição, Editora Brasiliense
Llda. São Paulo, 1956.
( 6) Ka-yser, llcrn~rd - La div1sio11r d1· /'espace Geograpbique dam lei
Pd;·s Xous-Developph Bxtrai~ de Annales de Geag.raphie. Puris , 1966
(7) Viveiros, Jerônimo - Obra r:i111da, pág,~. 16-7.