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ARGUMENTATIVA DA
FILOSOFIA E A DIMENSÃO
DISCURSIVA DO TRABALHO
FILOSÓFICO
Aires Almeida
SPF e APF
Ficha técnica
Autor: Aires Almeida, 2017
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é a capital de Portugal”, “Mentir é sempre errado”, “Todas as nossas ações são livres”,
“Os gatos são felinos”. Claro que algumas destas frases podem descrever erradamente
as coisas ou estados de coisas, caso em que exprimem proposições falsas. Assim, uma
proposição é a ideia, verdadeira ou falsa, expressa por uma frase declarativa.
A frase é, pois, um item linguístico (formado por sons articulados ou inscrições
numa superfície), sendo a proposição o seu significado ou conteúdo, o qual não é um
item linguístico. A frase “O gato Tobias está a comer” ou o desenho numa folha de
papel de um gato a comer são apenas modos de exprimir algo; neste caso, um certo
gato a comer. Caso esse gato esteja de facto a comer, a frase será verdadeira mas o
desenho não é verdadeiro nem falso — apenas representa bem ou mal um gato a
comer. Alguns filósofos pensam então que a frase só é verdadeira, ao contrário do
desenho, porque exprime uma proposição. De maneira que, deste ponto de vista,
dizer que uma frase é verdadeira ou falsa é apenas uma forma indireta de dizer que a
proposição por ela expressa é verdadeira ou falsa.
Para tornar mais clara a diferença entre frases e proposições, basta pensar que
frases diferentes podem exprimir a mesma proposição. Por exemplo, as frases “Paris
é a capital da França”, “A capital da França é Paris” e “Paris is the capital town of
France” são todas diferentes mas dizem a mesma coisa, têm o mesmo significado: isto
é, exprimem a mesma proposição. Neste caso, sabemos que aquelas três frases
exprimem uma proposição verdadeira. Ora, as discussões filosóficas geralmente não
são acerca das frases elas próprias, mas das ideias que elas veiculam e se tais ideias
são verdadeiras ou falsas.
Note-se que uma frase nunca é uma proposição; apenas exprime uma
proposição se for verdadeira ou falsa. Tal como o numeral que escrevemos num papel
— “4”, por exemplo — nunca é o próprio número quatro: apenas o exprime.
Verdade
O que se espera de uma tese é que seja verdadeira. A verdade de uma tese —
ou de qualquer proposição — é a característica de ela representar adequadamente as
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coisas como elas realmente são. Caso isso não aconteça, essa tese ou proposição é
falsa.
Por exemplo, a proposição de que há extraterrestres só é verdadeira se houver
extraterrestres, independentemente de nós sabermos que há ou não
extraterrestres. Do mesmo modo, a tese filosófica de que toda a arte representa
algo só é verdadeira se não houver mesmo obras de arte que não representem
algo; caso contrário, é falsa.
Algumas proposições são verdadeiras, outras falsas (quer o saibamos quer
não); chama-se “valor de verdade” à verdade e falsidade das proposições. As
proposições mais comuns são ou verdadeiras ou falsas, mas não as duas coisas; mas
é um problema filosófico em aberto saber se há proposições sem valor de verdade, ou
simultaneamente com os dois, ou se há outros valores de verdade, além da verdade e
da falsidade.
Ninguém está interessado em teses falsas porque elas não nos permitem
compreender como as coisas realmente são e, portanto, não nos proporcionam
conhecimento.
Como referido, as teses filosóficas são respostas a problemas em aberto e
estão, portanto, sujeitas a discussão. Isto significa que não há maneira de provar
inequivocamente que uma dada tese é verdadeira (ou falsa). Por isso se espera que o
proponente de uma tese seja capaz de defender, de algum outro modo, a verdade
dessa tese, apresentando boas razões que a apoiam e mostrando ser justificado
acreditar que a tese é verdadeira. Assim, apresentar razões que sustentem uma tese
é argumentar a seu favor, de modo a persuadir os outros.
Argumento
É frequente apresentarem-se vários argumentos em defesa de uma dada tese.
Um argumento é um conjunto variável de proposições (ou afirmações) articuladas
entre si, com o intuito de uma delas ser apoiada pelas outras.
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A proposição que se procura apoiar ou defender é a conclusão do argumento
e as que visam apoiar a conclusão são as premissas do argumento. A conclusão não
tem de surgir em último lugar nem as premissas têm de surgir antes da conclusão. O
que importa é saber qual é a conclusão visada, e quais são as premissas usadas para
a apoiar.
Mas se precisarmos de ser completamente claros, podemos apresentar os
nossos argumentos na sua forma mais simples (a “forma canónica” ou também
“forma-padrão”), com as premissas separadas e a conclusão no fim. O número de
premissas de um argumento é variável, mas a conclusão é só uma. (Quando
encontramos várias conclusões é porque estamos perante vários argumentos
encadeados.)
É comum num texto haver vários argumentos e é importante avaliar cada um
deles, pois tanto podem ser bons como maus. Para isso é preciso começar por
identificá-los, pois muitas vezes surgem misturados com outras informações e
considerações laterais.
A melhor maneira de identificar um argumento é começar por identificar a sua
conclusão, isto é, o que se quer defender. Muitas vezes, há palavras ou expressões
indicadoras de conclusão. Por exemplo, “logo”, “portanto”, “consequentemente”, “por
isso”, “daí que”, “por conseguinte”, “infere-se que”, “como tal”, “assim” são termos que
normalmente indicam que a conclusão surge imediatamente a seguir. Por sua vez,
palavras ou expressões como “porque”, “pois”, “dado que”, “visto que”, “devido a”, “já
que”, “a razão é que” são termos que normalmente servem para apresentar razões, ou
seja, premissas.
Uma vez identificados os argumentos a favor de uma dada tese ou contra teses
rivais, é ainda preciso averiguar se tais argumentos são aceitáveis ou não. Isso faz-se
averiguando dois aspetos: um acerca da relação entre as premissas e a conclusão e
outro acerca da credibilidade das premissas.
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Validade
O primeiro desses aspetos diz respeito à validade. O que, neste caso, se procura
apurar é se as premissas apoiam efetivamente a conclusão. Quando as premissas
apoiam da maneira mais forte uma conclusão isso significa que não há maneira de a
conclusão ser falsa caso todas as premissas sejam verdadeiras; ou seja, significa que
as premissas implicam a conclusão ou, para falar ainda de outra maneira, significa
que a conclusão se segue logicamente das premissas. Quando isto acontece diz-se
também que a verdade das premissas garante a verdade da conclusão. E é isto que
significa dizer que um argumento é válido.
A validade é, assim, uma propriedade ou característica dos argumentos como
um todo, e não das premissas nem da conclusão.
Para se compreender melhor a noção de validade, atente-se nos dois exemplos
seguintes:
Argumento 1
A Sofia fala francês e é portuguesa. Portanto, é portuguesa.
Argumento 2
A Sofia fala francês ou é portuguesa. Portanto, é portuguesa.
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Num argumento válido
- é impossível todas as premissas serem verdadeiras e a conclusão falsa,
simultaneamente.
- a conclusão não pode ser falsa, se todas as premissas forem verdadeiras.
- a conclusão tem de ser verdadeira, se todas as premissas forem
verdadeiras.
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ter. Logo, é inválido. Mas se a resposta for “não, não é possível aquela conclusão ser
falsa, caso a premissa seja verdadeira”, então o argumento é válido.
Vejamos, então, se o argumento 1 pode ter a premissa verdadeira e a conclusão
falsa. Dado que não conhecemos a Sofia, não sabemos se a premissa é verdadeira ou
falsa. Contudo, sabemos que, se ela for verdadeira (se aquela Sofia falar mesmo
francês e for portuguesa), então a conclusão será também verdadeira; a falsidade da
conclusão ficou excluída. Estamos, assim, em condições de afirmar que o argumento
1 é válido.
E quanto ao argumento 2? Continuamos a não saber se a premissa do
argumento é verdadeira ou falsa. Porém, somos agora capazes de ver que nada
impede a conclusão de ser falsa, mesmo que a premissa seja verdadeira. Basta, por
exemplo, dar-se o caso de a Sofia falar francês mas não ser portuguesa. Se for esse o
caso, então a premissa será na mesma verdadeira, mas a conclusão será falsa. Logo, é
possível o argumento ter a premissa verdadeira e a conclusão falsa, pelo que é
inválido.
Solidez
Ficámos a saber que um argumento válido pode ter premissas falsas. Mas
apresentar argumentos com premissas falsas, mesmo que válidos, é pouco ou nada
convincente. Por isso, temos também de acautelar o segundo aspeto acima referido:
precisamos que, além de válidos, os nossos argumentos tenham efetivamente
premissas verdadeiras. Chama-se sólido a um argumento válido e com premissas
verdadeiras. A solidez inclui, pois, a validade.
A propósito da validade, perguntámos se as premissas podem ser verdadeiras
(não se elas são mesmo verdadeiras) e a conclusão falsa. Mas agora precisamos que
elas sejam mesmo verdadeiras e não apenas que o possam ser.
Que as premissas possam ser verdadeiras é muito diferente de elas serem
mesmo verdadeiras. A diferença entre uma proposição poder ser verdadeira e ser
efetivamente verdadeira é, assim, de grande importância.
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Ora, se queremos que os nossos argumentos sejam aceites pelos outros, não
basta que as premissas de que partimos possam ser verdadeiras; é preciso que sejam
realmente verdadeiras. Ninguém estará disposto a deixar-se convencer por
raciocínios corretos que partam de premissas duvidosas. Precisamos também que
elas sejam verdadeiras, para que os nossos argumentos sejam sólidos.
Não é raro as premissas de um argumento serem elas próprias apoiadas por
outras razões. Nesse caso, elas são simultaneamente premissas de um argumento e
conclusões de outro, podendo mesmo formar-se uma longa cadeia de argumentos que
convergem para uma conclusão final. As teorias filosóficas são frequentemente
formadas por encadeamentos de argumentos, em que algumas teses secundárias
convergem para apoiar a tese principal, como ilustrado no gráfico seguinte:
Conclusão
Premissa 1 Premissa
Conclusão
Premissa 1 Premissa 2
Conclusão
Premissa 1
Premissa 1
Conclusão
Premissa 2 Conclusão Premissa 2
Conclusão Premissa
Premissa 1 Premissa 3
Conclusão Premissa 2
Premissa 2
Premissa 3
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O processo argumentativo aqui esboçado nem sempre é transparente, pois as
teorias filosóficas incluem frequentemente muitos outros aspetos: de carácter
histórico, de contextualização filosófica, de explicitação de conceitos, de referência a
perspetivas rivais e outros. Por outro lado, mais do que argumentar a favor de uma
tese, alguns filósofos optam antes por desenvolver modelos teóricos explicativos,
procurando basear esses modelos em intuições filosóficas fundamentais. Em todo o
caso, umas vezes de forma mais explícita e outras de forma meramente implícita, a
dimensão argumentativa tem sido um aspeto marcante de toda a história da filosofia.
O QUADRADO DA OPOSIÇÃO
Uma característica notória da história da filosofia é que os filósofos discordam
entre si, chegando mesmo a defender teses opostas. Muitas vezes os filósofos
defendem teses universais, como “Todo o conhecimento tem origem nos nossos
sentidos” ou “Nenhuma ação motivada apenas pelo interesse pessoal é moralmente
correta”. Outros filósofos discordam, isto é, negam que as coisas sejam mesmo assim,
considerando falsas essas teses. Mas não chega dizer que não se concorda. É também
importante saber discordar, isto é, saber como se nega uma dada proposição e o que
se segue daí.
Por vezes, temos alguma dificuldade em saber o que se segue da negação de
uma dada tese ou proposição e não é raro pensarmos que discordamos sem, afinal,
discordarmos realmente. Imaginemos, por exemplo, que o Sérgio defende que alguns
doces não fazem bem à saúde e que a Sofia discorda. Para mostrar que a afirmação do
Sérgio é falsa, a Sofia alega que alguns doces fazem bem à saúde, e até consegue dar
vários exemplos. Será que a Sofia discorda mesmo do Sérgio? A resposta é que aquilo
que a Sofia diz não nega o que o Sérgio afirma, pois pode perfeitamente ser verdadeiro
o que ambos defendem. Ora, duas afirmações que podem ser simultaneamente
verdadeiras, nunca são a negação uma da outra. Se duas afirmações forem a negação
uma da outra, então não podem ter ambas o mesmo valor de verdade: a verdade de
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uma implica a falsidade da outra e vice-versa. Assim, a negação de “Alguns doces não
fazem bem à saúde” não é “Alguns doces fazem bem à saúde”. Vejamos, então, como
se negam teses ou proposições.
Há vários maneiras de classificar proposições. Uma das mais comuns tem em
conta o uso de quantificadores. Como o próprio termo indica, os quantificadores
quantificam. Por exemplo, quando falamos de portugueses, tanto podemos estar a
referir a totalidade dos portugueses ou apenas uma parte deles. Tudo depende dos
quantificadores usados. Assim, se juntarmos os termos “todos” ou “qualquer” aos
portugueses, estamos mesmo a referir a totalidade dos portugueses; mas se, em vez
disso, usarmos “alguns”, “há”, “certos”, “muitos”, estamos a referir apenas uma parte
do universo dos portugueses. No primeiro caso, usamos quantificadores universais e
no segundo usamos quantificadores particulares. Temos, neste caso, dois tipos de
proposições: as universais e as particulares, respetivamente.
Mas as proposições costumam também ser distinguidas pela sua qualidade, ou
seja, por afirmarem ou negarem uma dada qualidade ou predicado a um certo sujeito.
Assim, dizer que os filósofos são inteligentes é atribuir aos filósofos o predicado de
ser inteligente, ao passo que dizer que os algarvios não são espanhóis é negar o
predicado de ser espanhol aos algarvios. Daqui resultam mais dois tipos de
proposições: as afirmativas e as negativas.
Porém, as proposições podem combinar qualidade e quantidade, o que dá
origem a quatro tipos de proposições: (Tipo A) universais afirmativas; (Tipo E)
universais negativas; (Tipo I) particulares afirmativas; (Tipo O) particulares
negativas. É o que se encontra no chamado “quadrado da oposição” seguidamente
apresentado e que foi originalmente pensado para referir coisas que realmente
existem. Assim, o quadrado da oposição funciona da maneira abaixo descrita apenas
porque não tem em conta termos vazios como “marcianos”, “sereias”, “lobisomens”,
“pessoas com mais de 3 metros de altura”, etc.
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Este quadrado permite-nos compreender melhor a relação entre esses quatro
tipos de proposições e é especialmente útil para aprendermos a negar proposições
quantificadas. Uma vez que já sabemos o que temos em cada uma das pontas do
quadrado, precisamos agora de interpretar corretamente as setas que se observam,
começando pela descrição associada a cada uma.
As setas que se cruzam indicam uma relação de contraditoriedade, a qual se
verifica apenas entre proposições com diferentes quantidades e qualidades. Por sua
vez, a seta que se observa no topo do quadrado indica uma relação de contrariedade,
que se verifica apenas entre proposições universais. Por último, a seta que se observa
na base do quadrado indica uma relação de subcontrariedade, que se verifica apenas
entre as proposições particulares. Mas o que são exatamente proposições
contraditórias, contrárias e subcontrárias? A resposta está na tabela seguinte.
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Tipo de relação Descrição da relação Implicações Observações
Posto isto, torna-se agora bastante mais fácil determinar qual a negação de
uma dada proposição. Assim, a negação de “Todos os ricos são felizes” não é “Nenhum
rico é feliz” mas antes a sua contraditória “Alguns ricos não são felizes”. E, claro, a
negação de “Alguns ricos não são felizes” é “Todos os ricos são felizes”. Podemos,
então, resumir da seguinte maneira: a negação de uma dada proposição quantificada
é um proposição com os mesmos termos mas com diferente quantidade e diferente
qualidade. Isto significa, por exemplo, que se uma proposição é particular afirmativa
(Tipo I), a sua negação é uma universal negativa (Tipo E).
Note-se que há outros tipos de proposições que o quadrado da oposição não refere
sequer, como é o caso das chamadas proposições singulares. As proposições
singulares são aquelas que dizem respeito a um só indivíduo ou objeto singular, como
a própria palavra indica. Eis alguns exemplos de proposições singulares: “Fernando
Pessoa é espanhol”, “O rio Douro não tem afluentes”, “A baleia é um peixe”. Todavia,
a negação de proposições deste tipo não levanta qualquer dificuldade: “Fernando
Pessoa não é espanhol”, “O rio Douro tem afluentes” e “A baleia não é um peixe”,
respetivamente.
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FORMAS DE INFERÊNCIA VÁLIDA
Inferir é concluir a partir de algo. Assim, uma inferência é genericamente um
raciocínio ou argumento. Como tal, as inferências tanto podem ser válidas como
inválidas. Há um número infinito de formas de inferência válidas, mas algumas
merecem uma atenção especial, por serem muito comuns na nossa argumentação.
As formas de inferência válida de que vamos falar aplicam-se, em grande parte
dos casos, a argumentos constituídos por proposições de tipo diferente das referidas
na secção anterior. Por isso, vamos começar por esclarecer de que tipo de proposições
estamos a falar.
Conectivas proposicionais
As proposições podem ser simples ou complexas; para os nossos propósitos
iremos considerar simples uma proposição que não contenha qualquer uma das cinco
conectivas que iremos estudar, como a conjunção (“e”). Assim, “Marcelo Rebelo de
Sousa gosta de fado” é simples, ao passo que “Marcelo Rebelo de Sousa gosta de fado
e de rock” é complexa. À excepção das proposições complexas que resultam
exclusivamente da negação, todas as outras são no fundo compostas por mais de uma
proposição. Neste caso, temos duas: a expressa pela frase “Marcelo Rebelo de Sousa
gosta de fado” e a expressa pela frase “Marcelo Rebelo de Sousa gosta de rock”,
estando ambas ligadas pela conectiva “e”.
As conectivas são muito importantes, pois o mesmo par de proposições
simples ligadas (numa proposição complexa) por uma dada conectiva pode ter um
valor de verdade diferente do que teria se estivessem ligadas por outra conectiva
diferente. Por exemplo, “A ponte da Arrábida fica em Lisboa ou no Porto” é
verdadeira, mas “A ponte da Arrábida fica em Lisboa e no Porto” é falsa.
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A chamada lógica proposicional é a teoria lógica que trata dos argumentos que
resultam do uso das conectivas. A maioria dos argumentos que usamos
habitualmente são deste género.
As conectivas são cinco: negação (“não”), conjunção (“e”), disjunção (“ou”),
condicional (“se”) e bicondicional (“se e só se”). A única que não liga duas proposições
é a negação, havendo por isso quem considere não se tratar de uma verdadeira
conectiva como as outras. Cada conectiva tem um símbolo próprio, como indicado no
quadro abaixo.
Uma vez que, para determinar a validade dos argumentos, o que interessa é a
sua forma lógica, e não tanto o seu conteúdo, há vantagem em recorrer a uma
linguagem lógica diferente da linguagem natural portuguesa, de modo a representar
com clareza a estrutura dos argumentos — e das proposições que os constituem. Daí
que se usem também as letras P, Q, R, etc., para representar proposições simples —
sendo, por isso, chamadas letras ou variáveis proposicionais. As proposições simples
podem agora ser mais rigorosamente definidas: é qualquer proposição que não
contenha qualquer ocorrência de qualquer uma das cinco conectivas.
O quadro seguinte mostra, com exemplos, como representar a forma lógica de
proposições.
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Como se pode ver, a formalização é a representação da forma lógica de uma
proposição — ou, quando é o caso, de um argumento. A formalização é, assim, uma
espécie de radiografia da estrutura lógica da proposição ou do argumento, revelando
apenas o que interessa. Ao processo inverso — de partir de uma fórmula para
reconstruímos a proposição expressa na linguagem natural — chama-se
interpretação de fórmulas.
Se prestarmos atenção ao quadro anterior também ficamos a compreender
melhor por que razão se diz que as letras P, Q, etc., são variáveis proposicionais: elas
podem representar qualquer proposição, cabendo-nos a nós estabelecer qual,
recorrendo a um dicionário. Por sua vez, os símbolos ¬, ∧,∨,→ e são constantes,
representando cada um deles sempre a mesma conectiva.
É importante realçar que as conectivas não representam apenas aquelas
palavras exatas, destacadas no quadro anterior, mas qualquer palavra ou expressão
que operem do mesmo modo. Assim, uma conjunção tanto pode ser expressa na
linguagem natural pela palavra “e” como pela palavra “mas” ou por expressões como
“tanto... como...” e outras. Eis alguns exemplos.
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Esta linguagem proposicional tem a vantagem de permitir representar
proposições bastante mais complexas. Apenas é preciso recorrer aos parêntesis para
representar adequadamente proposições com duas ou mais conectivas. Vejamos
alguns exemplos.
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Tabelas de verdade
Mas para que precisamos de formalizar proposições numa linguagem
simbólica diferente da linguagem natural? A resposta é que assim podemos calcular
de uma forma relativamente simples em que circunstâncias uma dada proposição é
verdadeira e em que circunstâncias ela é falsa. Comecemos pela mais fácil, que é a
negação.
Imaginemos a fórmula proposicional ¬P, em que P significa “Portugal é uma
monarquia.” Em que condições a fórmula ¬P é verdadeira e em que condições é falsa?
A tabela seguinte apresenta todas as circunstâncias possíveis na coluna da esquerda
e que, neste caso, são apenas duas: P é verdadeira ou P é falsa. Assim, quando P é
verdadeira, a sua negação, ¬P, é falsa; e quando P é falsa, a sua negação, ¬P, é
verdadeira, como se verifica na coluna da direita. (Note-se que este é um dos aspectos
da lógica proposicional clássica, que difere de outras lógicas que aceitam que há mais
de dois valores de verdade. Muitas destas lógicas alternativas são especulativas e
polémicas.)
P ¬P
V F
F V
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a primeira ser verdadeira e a segunda falsa, pode a primeira ser falsa e a segunda
verdadeira e podem ambas ser falsas, num total de quatro combinações.
Na coluna da direita verificamos que, se ambas forem verdadeiras (se for
verdade que o Mónaco é um estado e que é também uma cidade), então a conjunção
será também verdadeira. E essa é a única circunstância em que a conjunção é
verdadeira: nas restantes é sempre falsa.
P Q P∧Q
V V V
V F F
F V F
F F F
P Q P∨Q
V V V
V F V
F V V
F F F
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significado de “ou” da proposição expressa pela frase “O Ricardo viveu em Braga ou
Santarém”. Neste sentido da disjunção, a ideia é não excluir a possibilidade de ambas
as proposições serem verdadeiras.
Contudo, usamos por vezes a mesma palavra “ou” para exprimir uma
disjunção exclusiva: “O Ricardo nasceu em junho ou em julho” exclui a possibilidade
de ele ter nascido em ambas os meses. Neste caso, a conectiva é diferente, e apresenta
as seguintes condições de verdade:
P Q P⩒ Q
V V F
V F V
F V V
F F F
Imaginemos agora uma condicional, como “Se a Ana tirar onze valores no
exame de Filosofia, então passa de ano”. Numa condicional chama-se antecedente à
proposição que está associada ao “se”, ao passo que se chama consequente à
proposição associada ao “então”, mesmo que este esteja subentendido e
independentemente de qual surge em primeiro lugar — por exemplo “A Ana passa de
ano, se tirar onze valores no exame de Filosofia” exprime exatamente a mesma
proposição, sendo a antecedente e a consequente exatamente as mesmas.
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P Q P→Q
V V V
V F F
F V V
F F V
P Q PQ
V V V
V F F
F V F
F F V
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das proposições simples (P, Q e R) que a compõem. Podemos, então, perguntar: qual
o valor de verdade da proposição complexa se cada uma das proposições que a
compõem for também verdadeira? Uma tabela de verdade dá-nos a solução, não só
nesse caso mas em todos os casos possíveis. Vejamos a tabela, que tem agora três
variáveis, pelo que as combinações possíveis aumenta para oito, em vez de quatro.
P Q R P (Q ∧ ¬ R)
V V V V F V F F
V V F V V V V V
V F V V F F F F
V F F V F F F V
F V V F V V F F
F V F F F V V V
F F V F V F F F
F F F F V F F V
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o valor de verdade da conjunção de ¬R, que acabámos de verificar ser falso, com Q.
Dado que na primeira linha R é verdadeira, o resultado é que a conjunção é falsa, como
nos recordamos da tabela da conjunção. Ficamos assim a saber qual o valor de
verdade (em cada linha) do que está entre parêntesis. Falta apenas uma conectiva: a
bicondicional entre P e o que está entre parêntesis. Dado que P é verdadeira (na
primeira linha), a bicondicional é falsa, pois para ser verdadeira ambas as
componentes teriam de ter o mesmo valor de verdade e não têm.
Assim, a tabela permite-nos concluir que a proposição é falsa quando cada uma
das suas componentes é verdadeira. Curiosamente, se cada uma das suas
componentes for falsa, então a proposição é verdadeira, como se verifica na última
linha. O facto de isto poder ser surpreendente, mostra que as tabelas podem ser muito
úteis, ajudando-nos a decidir que condições têm de se verificar para uma dada
afirmação ser verdadeira.
Apesar do que foi dito, a utilidade maior das tabelas revela-se quando
precisamos de testar a validade de argumentos. Não é estranho usar o método das
tabelas de verdade para testar a validade de argumento, pois ainda que os
argumentos não sejam verdadeiros nem falsos (mas antes válidos ou inválidos), eles
são constituídos por proposições (as premissas e a conclusão), que são verdadeiras
ou falsas. Uma vez que já sabemos que um argumento válido só não pode ter
premissas verdadeiras e conclusão falsa, podemos então colocar lado a lado as tabelas
de verdade das premissas e a da conclusão, de modo a ver se alguma vez se verifica
aquelas serem verdadeiras e esta falsa. Se tal acontecer uma vez que seja, ficamos a
saber que o argumento é inválido.
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Para determinar se é válido ou não começamos por representar a forma lógica
de cada uma das proposições, depois de explicitar um dicionário:
O que fazemos agora é uma sequência de tabelas de verdade, uma para cada
premissa e outra para a conclusão, a que se chama também inspetor de
circunstâncias:
P Q P∨Q ¬P ∴Q
V V V F V
V F V F F
F V V V V
F F F V F
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Se Deus existe, a vida faz sentido.
Porém, Deus não existe.
Logo, a vida não faz sentido.
Usando o mesmo dicionário que usámos antes, a forma lógica deste argumento é a
seguinte:
P→Q
¬P
∴ ¬Q
P Q P→Q ¬P ∴ ¬Q
V V V F F
V F F F V
F V V V F
F F V V V
Como se vê, agora temos duas circunstâncias em que as duas premissas são
verdadeiras. Contudo, numa delas a conclusão é falsa. Logo, a forma argumentativa é
inválida.
É incorreto dizer que esta forma argumentativa é válida na terceira fila e
inválida na quarta. Um argumento ou é válido ou não, sendo incorreto afirmar que é
válido em algumas circunstâncias e inválido noutras. Ser válido é não haver qualquer
circunstância em que as premissas são verdadeiras e a conclusão falsa. Basta haver
uma circunstância em que as premissas são verdadeiras e a conclusão falsa para que
o argumento seja inválido.
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reconhecíveis. Trata-se de formas argumentativas em que a verdade das premissas,
sejam elas quais forem, garante a verdade da conclusão.
P→Q
Se Deus existir, a vida tem sentido. Ora, Deus existe.
Modus ponens P
Logo, a vida tem sentido.
∴Q
P→Q
Se Deus existir, a vida tem sentido. Dado que a vida não tem
Modus tollens ¬Q
sentido, segue-se que Deus não existe.
∴ ¬P
P∨Q
Silogismo Deus existe ou a vida é absurda. Ora, Deus não existe. Daí que
¬P
disjuntivo a vida seja absurda.
∴Q
P→Q
Silogismo Se a arte agrada, então é bela. Se é bela, tem valor. Logo, se a
Q→R
hipotético arte agrada, tem valor.
∴P→R
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Porém, precisamos de estar atentos, pois há padrões ou formas
argumentativas que se assemelham a algumas das anteriores e que podem, por isso,
levar-nos ao engano. Os argumentos que têm tais formas são falaciosos.
Uma falácia é um argumento que parece bom mas não é. Dado que um
argumento tem de ser válido para ser bom, uma das maneiras de parecer bom sem o
ser é parecer que tem uma forma válida sem a ter. Uma falácia formal é precisamente
um argumento que parece ter forma válida sem a ter. Eis duas das mais comuns
falácias formais.
P→Q
Falácia da afirmação da Se Deus existir, a vida tem sentido. Dado que a vida
Q
consequente tem sentido, segue-se que Deus existe.
∴P
P→Q
Falácia da negação da Se Deus existir, a vida tem sentido. Dado que Deus
¬P
antecedente não existe, segue-se que a vida não tem sentido.
∴ ¬Q
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TIPOS DE ARGUMENTOS E FALÁCIAS INFORMAIS
Indutivos
Argumentos
não Por analogia
dedutivos
De autoridade
Generalização
precipitada
Amostra não
representativa
Lógica informal
Falsa analogia
Apelo ilegítimo
à autoridade
Apelo à
ignorância
Falso dilema
Falácias
informais Falsa relação
causal
Boneco de
palha
Derrapagem
Petição de
princípio
Ad hominem
Ad populum
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Quando um argumento é dedutivamente válido, é impossível que tenha
conjuntamente premissas verdadeiras e conclusão falsa. Mas quando um argumento
é não-dedutivamente válido, não é impossível que tenha premissas verdadeiras e
conclusão falsa: é apenas improvável. A diferença é que a validade dedutiva exclui a
possibilidade de a conclusão ser falsa se as premissas forem verdadeiras. A validade
não-dedutiva não exclui esta possibilidade, mas torna-a improvável. Eis um exemplo
da diferença entre a impossibilidade e a improbabilidade: não é impossível que uma
pessoa ganhe dez vezes seguidas o primeiro prémio do Euromilhões, mas é
muitíssimo improvável. Do mesmo modo, não é impossível que as premissas de um
bom argumento não-dedutivo sejam verdadeiras e a sua conclusão seja falsa, mas é
muito improvável. Por isso, há quem considere ser mais adequado falar de força em
vez de validade para os argumentos não dedutivos, sejam eles generalizações e
previsões indutivas, argumentos por analogia ou argumentos de autoridade.
A lógica formal é adequada para captar a validade dedutiva quando esta
resulta da forma lógica dos argumentos. Contudo, no caso dos argumentos não-
dedutivos, a validade não resulta da forma lógica. Por isso, não temos uma lógica
formal para este tipo de argumentos: com a mesma forma lógica tanto podemos ter
argumentos indutivos bons como maus. Apesar disso, dispomos de alguns critérios
informais que ajudam a avaliar argumentos não-dedutivos.
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Critérios de avaliação Exemplos Violação do critério
Os x têm as propriedades A, B, C, D.
Os y, tal como os x, têm as propriedades A, B, C, D.
Os x têm ainda a propriedade E.
Logo, os y têm também a propriedade E.
Os x são E.
Os y são como os x.
Logo, os y são E.
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Os relógios são criados por alguém inteligente.
A Natureza é como os relógios.
Logo, a Natureza é criada por alguém inteligente.
É preciso que não existam Uma pessoa que conclui que os homens têm
Falácia da falsa
3 diferenças relevantes com útero porque são como as mulheres, e estas
analogia
respeito à conclusão. têm útero, viola este critério.
Argumentos de autoridade
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Os argumentos de autoridade são muito comuns porque a maior parte do que
sabemos é obtido por meio de outras pessoas, nomeadamente os especialistas das
diversas áreas: estamos convencidos que devemos tomar certos medicamentos
quando estamos doentes porque o medico nos disse para os tomar; evitamos comer
certos alimentos porque o nutricionista diz que devêmos evitá-los; aceitamos que
uma certa ponte seja encerrada para obras porque o engenheiro inspetor diz que deve
ser encerrada; acreditamos que uma a água é constituída por H2O apenas porque os
cientistas o afirmam, e não porque ela o tenha verificado pessoalmente; e, claro,
acreditamos que os salários na Dinamarca são, em média, mais elevados do que em
Portugal porque lemos isso numa publicação de referência ou porque algum amigo
nosso lá viveu e nos contou tal coisa. É assim, que obtemos várias informações
corretas sobre coisas banais, e não vamos verificá-las todas.
Mas, apesar de grande parte dos argumentos de autoridade serem bons, eles
também são frequentemente utilizados de forma abusiva. Como distinguimos um uso
correto de um uso incorreto dos argumentos de autoridade? Eis quatro critérios:
Falácia do apelo
A autoridade invocada
Invocar Einstein para defender ideias sobre ilegítimo à
tem de ser realmente
2 física (mas não sobre economia, dado não ser autoridade
uma autoridade na
conhecido como economista). (autoridade não
área.
reconhecida)
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Se é invocada a opinião de um investigador
ambiental sobre o efeito de uma dada indústria,
ele não dever trabalhar para as empresas da Falácia do apelo
A autoridade invocada
área nem suas concorrentes. (Por sua vez, não é ilegítimo à
não deve ter fortes
4 aceitável um eventual argumento dos autoridade
interesses pessoais ou
mecânicos de automóveis com o intuito de nos (falta de
de classe no assunto.
convencer que nenhum carro é seguro se não imparcialidade)
for obrigatoriamente à oficina uma vez por
trimestre).
FALÁCIAS INFORMAIS
Como vimos, uma falácia formal é uma dedução inválida que parece válida.
Mas há também as informais. Uma falácia informal é um erro de argumentação que
não depende da forma lógica do argumento, o que significa que, com a mesma forma
tanto pode haver argumentos bons como argumentos maus. Temos, por isso, de olhar
para outros aspetos como o próprio conteúdo do que se afirma.
Algumas falácias informais foram apresentadas na secção anterior,
nomeadamente aquelas que constituem violações diretas dos critérios de avaliação
dos diferentes tipos de argumentos não dedutivos: as falácias indutivas da
generalização precipitada e da amostra não representativa, a falácia da falsa analogia
e a falácia do apelo ilegítimo à autoridade.
Vejamos mais algumas muito comuns.
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Apelo à ignorância
Não se sabe (desconhece-se, ignora-se, não se provou, demonstrou, etc.) que é falso que P.
Logo, é verdadeiro que P.
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de mostrar tal coisa, cantando sempre desafinado. Por sua vez, se o professor de
matemática concluir que um aluno copiou no teste por este não lhe conseguir mostrar
o contrário, então o professor estará a argumentar falaciosamente.
Em geral, a nossa ignorância (ou desconhecimento, ou falta de provas)
relativamente a uma coisa nada prova quanto à sua existência ou inexistência, ou
quanto à sua verdade ou falsidade. Da nossa ignorância nada de certo é legítimo
concluir, a não ser que somos falíveis.
A falácia da falsa relação causal (também conhecida pelo seu nome latino post
hoc ergo propter hoc: depois disso; logo, causado por isso) é um erro indutivo que
consiste em concluir que há uma relação de causa-efeito entre dois acontecimentos
que ocorrem sempre em simultâneo ou um imediatamente após o outro. Um exemplo
desta falácia é:
O trovão ocorre sempre depois do relâmpago. Logo, o trovão é causado pelo relâmpago.
Esta inferência é falaciosa porque não se pode excluir, por exemplo, que ambos
os eventos sejam causados por um terceiro. Neste caso, é precisamente isso que
acontece: tanto o relâmpago como o trovão resultam de uma descarga elétrica. Do
mesmo modo, o carteiro toca à campaínha da porta da Sara sempre que ela tem
correio, mas não é por causa do carteiro tocar à campaínha que ela tem correio, mas
sim porque alguém decidiu escrever-lhe. Noutras situações, o facto de dois
acontecimentos ocorrerem sempre juntos pode ser meramente acidental, sem que
um seja causado pelo outro. Por exemplo, sempre que viaja de avião o Carlos reza e
este não cai. Contudo, isso não nos autoriza a concluir que o avião não cai por causa
da reza do Carlos.
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Petição de princípio
Sem dúvida que as pessoas nunca agem de forma verdadeiramente desinteressada, pois são
todas egoístas.
Falso dilema
P ou Q.
Mas não P.
Logo, Q.
Andorra é um reino ou uma república. Dado que não é uma república, segue-se que é um reino.
A disjunção é falsa porque Andorra pode não ser uma coisa nem outra,
havendo mais possibilidades: pode, por exemplo, ser um principado, como sucede na
realidade. Sempre que num argumento usamos uma disjunção entre duas coisas e
queremos concluir uma delas negando a outra, temos de garantir que não há pelo
menos uma terceira possibilidade igualmente plausível. Quando esta existe, o
argumento não é adequado porque a disjunção é falsa.
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Quando o tema do argumento é mais filosófico, é mais fácil cair na falácia:
As verdades são absolutas ou relativas. Dado que é evidente que não são absolutas, são
relativas.
Derrapagem
Também a falácia da derrapagem (ou bola de neve) se baseia numa forma
lógica válida:
Se P, então Q.
Se Q, então R.
Se R, então S.
Logo, se P, então S.
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Todas as condicionais usadas são aceitáveis porque são ligeiramente
prováveis; porém, são também são ligeiramente improváveis. Ora, esta
improbabilidade ligeira vai-se acumulando e, quando chegamos à última condicional,
o resultado é surpreendente.
A falácia é mais difícil de ver quando o tema é filosófico, como no seguinte
exemplo:
Boneco de palha
A falácia do boneco de palha (ou espantalho) não tem uma forma lógica
característica; ocorre sempre que distorcemos ou caricaturamos as ideias do nosso
interlocutor para que pareçam mais implausíveis, ridículas ou obviamente falsas. Eis
um exemplo:
Os professores que mandam trabalhos para casa aos alunos são maus porque não querem ser
eles a ensinar as matérias nas aulas.
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Ad hominem
A pessoa a afirmou P.
Mas a não é credível.
Logo, P é falso.
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Ad populum
Um ilustração disso é:
A maioria das pessoas pensa que só o que é natural é bom para a saúde. Logo, só o que é natural
é bom para a saúde.
O problema deste tipo de inferência é que a maioria das pessoas podem estar
simplesmente enganadas, como sempre o estiveram em muitos outros assuntos. Houve
tempos em que a maioria das pessoas pensava que a Terra era plana, que o Sol girava em
torno da Terra e tantas outras coisas falsas. A verdade ou falsidade de uma afirmação não
tem de depender da opinião das pessoas e, mesmo que dependa das opiniões, seria
injustificado considerar que a opinião da minoria é falsa.
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BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
Santos, Ricardo (2014). “Lógica”, in Galvão, Pedro (ed). A Filosofia por disciplinas.
Lisboa, Edições 70.
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