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CDD-930
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Mestre e doutora em História pela Unicamp, colaboradora do Departamento de História da Unicamp.
O Egito exerce um fascínio impressionante e isso há milênios. Não há
civilização com tantos filmes, peças teatrais e demais referências, desde a Grécia antiga,
passando por Roma e chegando ao Brasil dos nossos dias. É incrível, mas o Egito
aparece como tema nas Escolas de Samba, ou melhor, no Carnaval, mesmo antes da
existência de Escolas, com destaque recorrente. Já em 1910, Tia Fé, personagem da
história da Estação Primeira, criou no Morro da Mangueira o rancho Pérolas do Egito,
país presente na temática de grupos carnavalescos daquela época. No início do século
XX, três ranchos carnavalescos se destacavam no Morro da Mangueira, no Rio de
Janeiro: Pingo de Amor, Pérola do Egito e Príncipes da Mata. Quem não se lembra de
“Faraó, divindade do Egito”?, canção de Djalma Oliveira com a participação de
Margareth Menezes, em 1987. Composto por Luciano Gomes, a canção foi o primeiro
samba-reggae gravado no Brasil, vendeu mais de 100 mil cópias e, segundo o próprio
Oliveira, foi um dos marcos para a música brasileira, principalmente a baiana:
Deuses
Divindade Infinita Do Universo
Predominante
Esquema Mitológico
A Ênfase Do Espírito Original
Exu
Formará
Do Eden Um ovo Cósmico
A Emersão
Nem Osíris Sabe Como Aconteceu
A Emersão
Nem Osíris Sabe Como Aconteceu
A Ordem Ou Submissão
Do Olho Seu
Transformou-se
Na Verdadeira Humanidade
Epopéia
Do Código De Gerbi
E Nuti
Gerou As Estrelas
Osiris
Proclamou Matrimônio Com Isis
E o Morsede
Irado Assassinou
Impera
Horus Levando Avante
A Vingança Do Pai
Derrotando o Império Do Morsede
Ao Grito Da Vitória
Que Nos Satisfaz
Cadê?
Tutacamom
Hei Gize
Acainaton
Hei Gize
Tutacamom
Hei Gize
Acainaton
Eu Falei Faraó
êeeee Faraó
Clamo Olodum Pelourinho
êeeee Faraó
Pirâmide a base do Egito
êeeee Faraó
Clamo Olodum Pelourinho
êeeee Faraó
Faraó ó ó ó Ó
Faraó ó ó ó Ó
Faraó ó ó ó Ó
Faraó ó ó ó Ó
Pelourinho
Uma Pequena Comunidade
Que Porém Olodum Guia
Em Laço De Confraternidade
Despertai-vos a
Cultura Egipicia no Brasil
Em Vez De cabelos Trançados
Veremos Turbantes De Tutancamom
E Nas Cabeças
Se Enchem De Liberdade
O Povo Negro Pede Igualdade
E Deixamos De Lado As Separações
Cadê?
Tutacamom
Hei Gize
Acainaton
Hei Gize
Tutacamom
Hei Gize
Acainaton
Eu Falei Faraó
êeeee Faraó
Esse é Olodum Arebentando
êeeee Faraó
Batendo Na Palma Da Mão
êeeee Faraó
Esse é Olodum Arebentando
êeeee Faraó
Tutacamom
Hei Gize
Acainaton
Hei Gize
Tutacamom
Hei Gize
Acainaton
Eu Falei Faraó
êeeee Faraó
Clamo Olodum Pelourinho
êeeee Faraó
Pirâmide a base do Egito
êeeee Faraó
Clamo Olodum Pelourinho
êeeee Faraó
Faraó ó ó ó Ó
Faraó ó ó ó Ó
Faraó ó ó ó Ó
Faraó ó ó ó Ó
Como explicar esse êxito excepcional? De muitas maneiras, com certeza, mas
um aspecto não pode deixar de ser evidente: o caráter africano da civilização egípcia e a
importãncia das tradições africanas no Brasil. Nem sempre, contudo, os estudiosos
estiveram atentos ao fato de o Egito estar no continente africano e houve mesmo uma
longa tradição, que remonta ao século XIX, ao menos, de considerar aquela que foi uma
das primeiras civilizações com escrita no mundo, há cinco mil anos, como se fosse
estranha ao continente onde floresceu. Nem sempre foi assim, contudo, como lembra o
estudioso americano Martin Bernal, pois, na Antiguidade, o historiador Heródoto (484-
425 a.C.) atribuía ao Egito muitas das tradições gregas. Reconforta, portanto, ver como
no Brasil o Egito aparece, na percepção popular, como africano e ligado à nossa cultura
e realidade.
A trajetória do Egito
Durante os últimos cinco mil anos, o vale do Nilo foi o grande elo entre a África
subsaariana e o Mediterrâneo. Os povos da África tropical estiveram sempre em contato
com o Mediterrâneo, pois o Nilo tem suas fontes no Lago Vitória, com uma ligação
direta dos atuais países Uganda, Sudão Meridional, Sudão e Egito, de sul a norte, e com
conexão mediada com o restante do continente, em particular com a região oriental e
central do continente, incluíndo a Eritrea, Somália, Etiópia, Quênia e Tanzânia, a leste,
e a República do Congo e Ruanda a oeste. O Egito faraônico, constituído por povos
oriundos do norte do continente, recebeu influxo constante vindo do sul, em particular
dos povos da antiga Núbia (atual Sudão). A língua egípcia antiga é proveniente do norte
da África, segundo a opinião mais aceita pelos linguistas, assim como é caso também
das línguas semíticas, inclusive o árabe, usado desde o século VII até hoje no Egito e no
restante da África setentrional. Uma das primeiras civilizações, talvez a mais persistente
e duradoura, era africana e, como veremos, muitos de seus traços culturais africanos
fizeram dela tão popular no mundo todo e no Brasil, em particular.
Talvez o elemento cultural africano mais forte da civilização egípcia e que tenha
tido maior repercussão seja a religiosidade, em sua especificidade: crença em almas, na
vida após a morte e na ressurreição. Já no início do período faraônico, quando temos
registros escritos em hieroglifos (fim do quarto milênio a.C.), os egípcios acreditavam
que a pessoas possuíam diversos tipos de espírito e corpo: khat (corpo), jb (coração), rn
(nome), ka (espírito da vida), shut (a sombra), ba (a alma imortal). Essa riqueza única
de aspectos espirituais ligados à vida está bem enraizada nas tradições africanas, sendo
conhecidas, em outras formas, na espiritualidade dos povos da África subsaariana. Não
por acaso, povos de outras regiões do mundo, em diferentes épocas, inspiraram-se nas
concepções de alma dos egípcios, desde os gregos antigos até os modernos adeptos da
religião espírita, tão difundida, ademais, no Brasil.
À guisa de conclusão
O Egito está tão presente no Brasil que isso passa, tantas vezes, despercebido:
quantos nos atinamos para as pirâmides, em toda parte? Mais do que isso, quantos
pensamos que o Egito representa de forma tão esplendorosa o continente africano em
sua imensa riqueza cultural e espiritual? E, no entanto, como vimos no início deste
capítulo, o povo brasileiro reconhece o Egito como parte da sua grande herança
africana. Os brasileiros reconhecem na África parte importante de suas origens étnicas,
mas também culturais, para além da dimensão genética. Os egípcios, com sua
espiritualidade profunda, mas também com sua sensualidade e valorização da mulher,
representam bem essa nossa relação viva com o continente africano, como na bela
canção de Gilberto Gil (Oração pela libertação da África do Sul):
Agradecimentos
Referências bibliográficas
FUNARI, R.S. O Egito dos faraós e sacerdotes. São Paulo, Atual, 2001.
FUNARI, R.S. Egypt and Brazil. In: New perspectives on the ancient world. Oxford,
Archaeopress, 2008. p. 73-76.
FUNARI, R.S. O interesse pelo Egito faraônico: uma aproximação inicial. In: História
Antiga, contribuições brasileiras. São Paulo, Annablume/Fapesp, 2008. p. 93-100.
GRALHA, J.C.M. Egípcios. In: As religiões que o mundo esqueceu. São Paulo,
Contexto, 2009. p. 11-27.
MESKELL, L. Intimate archaeologies. The case of Kha and Merit. World Archaeology:
Intimate Relations,29/3. p. 363-379.
MESKELL, L.; JOYCE, R. Embodied lives. Figuring ancient Maya and Egyptian
experience. Londres, Routldege, 2003.
Questões
Biografia
Raquel dos Santos Funari é licenciada em História pela Faculdade de Filosofia de Belo
Horizonte (1986), mestre (2004) e doutora (2008) em História também pela Unicamp,
em curso de excelência (nota máxima da Capes). Atualmente é pesquisadora
colaboradora em pós-doutoramento no Departamento de História da UNICAMP, sob
supervisão do Prof. Dr. Paulo Miceli, professora do Colégio Santo Américo,
Supervisora da Educação Infantil do Ensino Fundamental e Médio. Autora de diversos
livros e artigos científicos, consultora pedagógica em vários projetos e instituições. Em
2007, passou a atuar como Assessora de História da Secretaria de Educação do Estado
de São Paulo, no Programa São Paulo faz Escola. Ainda em 2007, passou a assessorar a
área de História da Klick Educação, no projeto Lição de Casa, distribuído gratuitamente
para milhares de estudantes, em todo Brasil. Consutora de História do LED
(Laboratório Educativo do Hopi Hari). Tem experiência na área de História, com ênfase
em História Cultural, atuando principalmente no estudo do ensino de História.
Proeficiente, pelo Centro de Estudo de Línguas da Unicamp, em inglês e italiano.
Autora de 30 livros, dentre os quais: "O Egito dos Faraós e Sacerdotes", "Imagens do
Egito antigo: um estudo das representações históricas", "Caderno do Professor,
História" (SEE/SP 2008). Publicou 23 artigos em revistas arbitradas e nove capítulos no
Brasil e no estrangeiro. Atua em grupos de pesquisa cadastrados no CNPq, como
"História da Egiptomania no Brasil", liderado pela Profa. Dra. Margaret Bakos
(PUCRS), assim como em grupos sediados na UNIFESP (Antiguidade e Modernidade:
História Antiga e usos do Passado) e na UNICAMP.