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Alexis de Tocqueville:

ALEXIS DE TOCQUEVILLE:
o profeta da democracia?
Revista de Direito Constitucional e Internacional | vol. 89/2014 | p. 351 | Out / 2014
DTR\2014\20180

Paulo Roberto Barbosa Ramos


Mestre em Direito e Instituições do Sistema da Justiça pela Universidade Federal do Maranhão -
UFMA. Especialista em Direito Civil e Processual Civil e em Direito de Família e Sucessões.
Professora do Curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB, e do Curso de
Direito do Instituto de Ensino Superior Florence. Presidente do IBDFAM - Seção do Maranhão.

Bruna Barbieri Waquim


Pós-Doutorado em Direito Constitucional na Faculdade de Direito da Universidade de Granada -
Espanha (2010-2011). Doutorado em Direito pela PUC-SP (2001). Mestrado em Direito pela
Universidade Federal de Santa Catarina (1997). Professor associado da Universidade Federal do
Maranhão. Professor pesquisador do Centro Universitário do Maranhão. Coordenador do Mestrado
em Direito e Instituições do Sistema de Justiça da UFMA. Presidente do Conselho Nacional dos
Direitos da Pessoa Idosa da Presidência da República - CNDI. Ex-presidente da Associação
Nacional dos Membros do Ministério Público de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa e com
Deficiência - AMPID. Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Maranhão.

Área do Direito: Internacional; Processual; Fundamentos do Direito


Resumo: Alexis de Tocqueville, sendo francês e membro da nobreza da França napoleônica, foi o
autor que mais conseguiu penetrar na realidade da vida social e política dos Estados Unidos da
década de 1800, extraindo de sua visita ao país algumas das observações mais relevantes sobre a
construção da igualdade de condições e da própria democracia naquele país. No presente artigo,
abordaremos alguns dos principais fatos da vida de Tocqueville que culminam com sua viagem à
América e ajudam a entender de que forma o autor conseguiu superar os paradigmas de sociedade
e governo da época para escrever uma das obras mais atuais em termos de análise dos benefícios e
riscos da instalação de uma democracia, "A Democracia na América". Por meio da análise da
biografia escrita por Hugh Brogan e de artigos científicos sobre diferentes aspectos da obra de
Tocqueville, pontuamos algumas das considerações formuladas por Alexis sobre os Estados Unidos
da época que demonstram o porquê de trechos de suas obras serem, hoje, consideradas
verdadeiras profecias sobre o desenrolar histórico do governo da maioria.

Palavras-chave: Alexis de Tocqueville - Democracia na América - Igualdade.


Abstract: Alexis de Tocqueville, french and being a member of the nobility of Napoleonic France,
was the author who most successfully penetrated the reality of social and political life of the United
States of the 1800s, drawing from his visit to the country some of the most relevant observations on
construction of equal conditions and of democracy itself in the country. In this article, some of the
main facts of life of Tocqueville that culminate with his trip to America are discuss and help to
understand how the author managed to overcome the paradigms of society and government of the
time to write one of the most current works in terms of analysis of the benefits and risks of installing a
democracy, "Democracy in America". Through the analysis of the biography written by Hugh Brogan
and scientific evidence on different aspects of the work of Tocqueville articles, we pointed out some of
the considerations made by Alexis over the United States on that time to demonstrate why excerpts of
his works are today considered true prophecies about the historical unfolding of majority rule.

Keywords: Alexis de Tocqueville - Democracy in America - Equality.


Sumário:

1.Introdução - 2.Uma vida de aventuras e pesquisas - 3.Profecias de igualdade e democracia em


Alexis de Tocqueville - 4.Conclusão - 5.Referências

1. Introdução

Alexis Charles Clérel de Tocqueville é um personagem da história francesa cujas contribuições


sociológicas, jurídicas e políticas ultrapassaram os limites geográficos da França e se fizeram sentir
em toda a história ocidental. Página 1
Alexis de Tocqueville:

Apesar de ser um autor ainda pouco referenciado em solo brasileiro, sua importância na propagação
e consolidação dos ideais de democracia, liberdade e igualdade foi imortalizada por estudiosos de
todo o mundo.

A vida fecunda de experiências, acontecimentos e escritos de Tocqueville foi objeto de inúmeras


obras modernas, como as elaboradas por André Jardin (Tocqueville: A biography), Lucien Jaume
(Tocqueville: The aristocratic sources of liberty), Joseph Epstein (Alexis de Tocqueville: democracy’s
guide) e Olivier Zunz (Alexis de Tocqueville and Gustave de Beaumont in America: Their friendship
and their travels).

Mas foi em 2006 que Hugh Brogan, pesquisador de História Americana da conceituada Universidade
de Essex, nos Estados Unidos, lançou aquela que seria uma das biografias mais aclamadas de
Tocqueville, em que discorre com riqueza de detalhes as fases da vida do Alexis menino, rapaz,
adulto e idoso, permeando os fatos de sua vida com sua prodigiosa produção literária.

Mas o presente trabalho não se resume a traçar as linhas gerais da bibliografia citada. Há um fato
curioso que desperta a atenção desde a leitura do título da obra e que merece uma análise mais
aprofundada.

Na versão original, editada pela Yale University Press, o título dado pelo autor é apenas a frase
“Alexis de Tocqueville: a life” (Alexis de Tocqueville: uma vida). Na tradução da obra para o
português, os editores alteraram o subtítulo, fazendo constar a sugestiva expressão “O profeta da
democracia”.

Esta alteração brasileira nos convida a uma interessante reflexão: por que o francês Tocqueville, de
origem aristocrática, ocupante de cargos de indicação política como Juiz e Ministro, que nasceu e
morreu sob os auspícios das Revoluções que instauraram verdadeiras ditaduras na França, teria
sido considerado o profeta da democracia?

O presente trabalho, assim, objetiva esclarecer as razões pelas quais Alexis de Tocqueville foi
imortalizado, na obra de Hugh Brogan e em várias outras, como o profeta da democracia, a partir do
cotejo da cronologia da sua vida com os seus escritos, cuja perspicácia manteve como atual a
maioria dos temas por ele tratados.

No primeiro tópico, será traçado um breve escorço dos momentos mais relevantes da vida de Alexis,
que esclarecem e justificam muitas das suas ações, filosofias e contradições que são refletidas em
suas obras.

No segundo item, será analisada a consolidação do conceito de igualdade nos escritos de


Tocqueville e de que forma este conceito influenciou a consolidação da própria noção de democracia
no Ocidente, particularmente nos Estados Unidos da América, a fim de se ponderar se pode este
autor, de fato, ser considerado um profeta.

Para a elaboração do presente artigo, foi realizado levantamento bibliográfico para auxiliar na
compreensão das ideias fundamentais expostas, majoritariamente, na obra de Tocqueville “A
Democracia na América”, que respondem à questão de por que Alexis pode ser considerado um
“profeta” da democracia.
2. Uma vida de aventuras e pesquisas

Alexis Charles Clérel de Tocqueville nasceu em 29.07.1805, em Paris, filho de Hervé-Bonaventure


Clerel de Tocqueville e de Louise Le Peletier de Rosanbo.

A família de seu pai compunha a pequena e rústica nobreza normanda, “que passava o tempo
cultivando as terras ou extorquindo dinheiro da classe camponesa, quando não estava combatendo
nas guerras do rei”.1

A linhagem materna, por sua vez, não deixava a desejar, sendo Tocqueville descendente direto de
Malesherbes Lamoignons, o primeiro Presidente do conselho tributário da França (Cour des Aides),
Ministro do reinado de Luis VX e grande incentivador da Encyclopédie.

Do seu pai, Hervé, extrai-se o retrato de um homem acanhado e inexperiente, mas que jamais
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Alexis de Tocqueville:

recuava diante de um dever, mantendo a inteligência e o caráter firmes sob qualquer pressão. Hervé
cresceu criando uma aversão contra aquilo que via como a frivolidade e imoralidade dos grandes
nobres, conservando a esperança para que surgisse na França um governo liberal e reformador,
mantendo, porém a lealdade à Luis XVI.2

Com a assunção de Napoleão Bonaparte ao poder, em 1810, diante da necessidade do regime de


contar com homens qualificados para ocupar as posições que foram criadas, Hervé recebeu a
grande oportunidade de se tornar Maire (equivalente a prefeito) na cidade de Verneuil, na qual havia
se fixado com a esposa e os três filhos pequenos, Alexis, Édouard e Hippolyte.3

Ocupando este cargo, apesar de ter feito o juramento de lealdade ao regime imperial a contragosto,
por sua fidelidade familiar à casa de Bourbon (leia-se descendentes do rei Luís XVI), ficou protegido
contra as conspirações de camponeses mal-intencionados, consolidando a sua influência local.4

De Louise Rosanbo, mãe de Alexis, obtém-se apenas a descrição de uma mulher muito religiosa,
caprichosa, extravagante e melancólica, que ficava com frequência irritada e insatisfeita, sofrendo
perpetuamente de enxaqueca. Brogan chega a afirmar que o único legado imaterial que Louise teria
deixado ao filho seria “seu temperamento inconstante e sua indisposição à saúde, ao passo que ele
[Alexis] encontrou no pai o melhor dos companheiros e o mais confiável dos amigos”.5

Estes registros são relevantes, pois acontecimentos da vida dos pais de Alexis influenciaram sua
própria vida, de tal de modo que lhe moldaram o caráter ou tiveram reflexos em suas opiniões e
pensamentos.

Brogan6 relata que a investida de Napoleão contra os russos não deixou de ser sentida na pequena
Verneuil, que anualmente enviava inúmeros jovens para alimentar a máquina de guerra napoleônica.
Hervé fazia o possível para sabotar o processo de alistamento, incentivando os casamentos dos
jovens de todos os meios possíveis, proclamando e realizando enlaces matrimoniais no mesmo dia,
mesmo isto representando se expor a sérias punições por esses atos.

Nessa época, Alexis ainda era um garoto de cerca de 9 anos, e esse episódio ajuda a esclarecer
“sua incansável e vitalícia oposição à ditadura militar e aos Bonapartes”.7

Quando Alexis contava com aproximadamente catorze anos, seguiu seu pai para a cidade de Metz,
deixando sua mãe em Paris. Ali iniciou seus estudos no lyceé, ganhando vários prêmios logo em seu
primeiro ano. Seu brilhantismo afastou-o de seguir carreira militar, como seus irmãos e primos,
apesar disto não ter sido bem recebido pelos parentes paternos, em virtude da tradição soldadesca
da família.8

Foi nesse período que enfrentou a primeira grande crise de crenças que lhe modificaria o modo de
pensar e agir: como dispunha de pouco tempo livre com seu pai, pelas atividades políticas e
administrativas deste, Alexis começou a passar muito tempo na biblioteca da residência, onde teve
contato possivelmente com as obras de Descartes, Voltaire e Rousseau.9

Tais leituras foram incentivadas por sua “insaciável curiosidade”, e o fato da balança pender tão
rapidamente para a incredulidade “sugere que ele já estava tendo dúvidas; ou, pelo menos, que
sentia a necessidade de se empenhar na consideração dos fundamentos religiosos”.10

Segundo Brogan, quaisquer que fossem seus sentimentos por sua mãe, Alexis pode ter se sentido
culpado por repudiar a religião que era a preocupação central da existência dela, ainda mais se esse
repúdio fosse assumido como um ato de rebelião. Mais do que isso,”perder a fé de sua mãe pode ter
sido como a ruptura do último laço ligando-o ao passado”.11

Se Alexis sentia-se ou não culpado por abandonar a religião, é apenas especulação, porém isto
demonstra um contorno particular de Tocqueville, que durante toda a sua vida empenhou-se para
libertar sua mente brilhante e sensível das algemas de sua formação.12

Mas Alexis não se tornou ateu e sim deísta, pois acreditava firmemente na existência de Deus e na
vida após a morte, defendendo que a fé é a única condição permanente da humanidade. O que ele
passou a rejeitar foi o sistema organizado pelo cristianismo, especialmente os dogmas e a
autoridade da Igreja Católica.13
Página 3
Alexis de Tocqueville:

Em 1823, Alexis começou a estudar Direito, voltando a residir com sua mãe em Paris, até que se
formou em 1826, apresentando suas duas teses, uma em latim e a outra em francês. Brogan registra
que “sob o regime ainda mais reacionário da Restauração, não se esperava que ele demonstrasse a
mais leve originalidade, e ele não demonstrou: não posso julgar a tese em latim, mas, em francês,
ela é letargicamente entediante, a única coisa maçante que jamais escreveu”.14

Agora formado, a tradição da família lhe exigia que ingressasse no serviço do rei, e seu pai, assim
como muitos, acreditava que a Restauração havia trazido de volta a nobreza e a monarquia
legitimada, pois, apesar de ter sido a noblesse destituída de seus privilégios pela Revolução, ainda
preservava os ativos mais importantes, de riqueza, educação e acesso ao governo.15

Para o pai de Alexis – e este pensamento influenciou o jovem – a nobreza deveria ser definida pelos
seus deveres em relação ao Estado, e estes deveres deveriam ser realizados para demonstrar o
direito dos nobres à sua posição proeminente na sociedade. Porém, no caso de Tocqueville, ele não
teria direito a votar antes de completar 30 anos, nem de entrar na Câmara dos Deputados antes de
completar 40 anos, conforme as Leis da Restauração.16

Contando apenas com 21 anos, Tocqueville foi então indicado pelo pai para ocupar a função de
juge-auditeur, cargo equivalente a um magistrado, com sede departamental em Versalhes, o que não
foi por ninguém contestado. Até porque a Restauração do Regime Bourbon não desejava ressuscitar
a figura dos parlamentares, sendo os candidatos de boas famílias aceitos para os cargos jurídicos
como forma de tornar os tribunais da França substitutos do Parlamento, em uma verdadeira “nobreza
de serviço”.17

Os tribunais franceses eram organizados em duas Câmaras, uma para ouvir e decidir os casos, e a
outra para investigá-los e, se necessário, instaurar um processo (o Parquet), estando os
juge-auditieurs na base da classe de Parquet, não sendo sequer remunerados os jovens cavalheiros
que ocupavam tais cargos. Tomando posse em 1827, Tocqueville se empenhou para trabalhar e
aprender o máximo possível.18

Como membro do Parquet, Alexis investigou vários processos que diziam respeito a ações judiciais
movidas pelos imigrantes ou familiares que fugiram da Revolução, buscando a restituição da
propriedade perdida nesse período, porém Tocqueville era obrigado a reconhecer que nem a lei nem
os advogados poderiam anular os eventos de trinta anos, e os efeitos da Revolução só podem ser
abrandados, mas não revertidos, sendo este um pensamento com o qual sua criação não o
acostumara.19

Simultaneamente aos processos judiciais, Tocqueville aprofundava seus estudos particulares de


história com a obra Histoire de La Révolution de Adolphe Thiers, e a leitura fez Alexis se deparar
com a ideia de que a Revolução não foi apenas o resultado de uma conspiração traiçoeira por parte
dos franco-maçons ou do duque de Orleans, mas que havia sido instaurada pelo egoísmo da
nobreza e pela incompetência real.20

Esta exposição começou a afetar seus princípios políticos, levando Alexis a observar, em cartas a
amigos, que no período anterior à Revolução, a política estava em tal estado de confusão que esta
medida se fazia iminente e necessária, distinguindo Tocqueville entre a causa subjacente da
Revolução (os privilégios obsoletos da nobreza e do clero) e as circunstâncias acidentais, como o
contato com as repúblicas americanas, até então por ele consideradas como um exemplo
inadequado para a França.21

Em uma longa carta ao amigo Gustave de Beaumont, escrita quando Tocqueville contava com 23
anos, este se propôs a analisar a história da Inglaterra, comparando-a com a da França, pois
enquanto a Inglaterra havia sido forte por causa de sua liberdade, a França havia sido enfraquecida
por um confuso sistema social e político que tornara a expansão da liberdade difícil.22

Nesta carta, que mais se assemelha a um ensaio universitário, começam a surgir, ainda que de
forma indefinida, alguns dos principais temas que ocuparam a produção intelectual de Alexis:
igualdade, revolução e liberdade.23

Apesar de Tocqueville ainda se prender ao mito de que a nobreza era e deveria ser a verdadeira
fiadora da liberdade francesa, chegou a afirmar, após comparar e enfatizar as diferenças entre as
lutas de reis, nobres e do povo da Inglaterra e França, que “uma igualdade razoável deve ser Página
a única4
Alexis de Tocqueville:

condição natural para o homem, visto que todas as nações chegam a isso, embora partam de pontos
tão distintos e percorram caminhos tão diversos”.24

Na primavera de 1828, Tocqueville e Beaumont passaram a frequentar as conferências históricas de


François Guizot na Sorbonne, talentoso professor e orador que exerceu grande influência sobre a
educação de Alexis. A descrição do feudalismo e da Idade Média por Guizot tornou-se para Alexis
bastante incompatível com o mito de que esse período havia sido uma era de ouro, quando rei,
nobreza e camponeses viviam harmoniosamente juntos sob os cuidados pastorais de uma igreja
benevolente.25

Conforme aponta Brogan, “o que mais fascinava Tocqueville em relação às conferências de Guizot
era sua ambição, sua profundidade e seu alcance”,26 tendo sido a inspiração que Alexis precisava
para mostrar-lhe o caminho a ser seguido dali para frente: estudar não os eventos da história, mas o
seu significado.

Além de servir de inspiração, a convivência com Guizot mostrou para Alexis a importância da
utilização da fonte dos arquivos, como fazê-lo, como raciocinar historicamente a partir das forças
sociais e não da vontade divina, e como relacionar as instituições umas às outras e à sociedade
como um todo, utilizando métodos que poderiam ser aplicados tanto ao presente como ao passado.27

Alexis aprendeu, a partir de então, que poderia ser tanto um cientista político como um historiador, e
esta sua percepção eclética se fez sentir na futura obra “A Democracia na América”.28

Em meados de 1830, Tocqueville consolidava o namoro com sua futura esposa, Mary Mottley,
inglesa, protestante e pertencente à classe média. Tais características a tornavam inadequada para
os padrões da tradicional família aristocrata de Tocqueville, o que talvez explique a longa demora
para que o casal contraísse matrimônio.

O certo é que o breve relato da vida de Alexis até então levou Brogan a conjecturar que “em 1830,
Tocqueville rejeitou as tradições de sua família a respeito da religião, da história e do amor.
Permanecia a política”.29

Nesse período, o fracasso da Restauração dos Bourbons já se mostrava patente, em virtude da falha
na conquista do apoio sólido da classe trabalhadora, da crise econômica que começara em 1827 e
da nítida insegurança do regime.30

No início do ano de 1830, alguns poucos franceses desejavam a queda dos Bourbons, mas ninguém
esperava que isto acontecesse de imediato. Nos chamados “Dias de Julho”, em que os monarquistas
foram massacrados, Tocqueville chegou a se alistar na Guarda Nacional local, mas suas visões
políticas já haviam mudado de forma radical, levando-o a entregar suas armas e decidir prestar
juramente a Luis Felipe: “aquele rei [Charles X] caiu porque violou os direitos que eram caros para
mim, e eu esperava que a liberdade de meu país fosse revivida e não destruída pelo seu
desaparecimento”.31

Dos filhos de Hervé, Alexis foi o mais atingido pela ascensão de Luis Felipe a rei. Ele ficou
duplamente atormentado, como francês e como magistrado com uma carreira em risco,
especialmente por ter testemunhado as lutas nas ruas de Paris. Conforme pontua Brogan32
Tocqueville “estava principalmente receoso de que Luis Felipe, tendo chegado ao trono de forma tão
dúbia, se envolvesse em aventuras militares para se tornar temido em casa e no exterior, ou se
submetesse humildemente a qualquer brigão (tal como o tsar) para obter o perdão por ter
conquistado o poder”.

Naquele período, Alexis estava certo que sua carreira jurídica não havia deslanchado com os
Bourbons, e provavelmente não se sairia melhor sob o reinado de Luis Felipe, mas prestar o
juramento ao novo rei ao menos lhe preservaria o emprego. Isto lhe deu certo apoio e até mesmo
algumas oportunidades, embora em seu íntimo Tocqueville sentisse que estava rompendo com tudo
que sua educação o levara a crer e agir de modo correspondente, fazendo-o sentir-se um traidor
(BROGAN, 2012).

E, a bem da verdade, a vida de Alexis tornou-se pouco agradável nesse contexto, pois a elite social
de Versalhes havia se dividido em dois campos, os legitimistas e orleanistas, sendo impossível a
Alexis manter boa relação com ambos. Para os legitimistas, Tocqueville era um traidor e para
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Alexis de Tocqueville:

orleanistas, ele era um oportunista. Suas perspectivas profissionais estavam péssimas, sendo um
objeto de suspeita do novo governo, que inclusive lhe obrigou a prestar juramento em duas ocasiões
diferentes (BROGAN, 2012).

Foi nesse contexto que Alexis se viu diante da ideia de viajar até a América, para “desaparecer por
um tempo, escapando da observação hostil e da necessidade de quaisquer outras escolhas mais
desagradáveis”.33

A América já tinha sido objeto de estudo de Tocqueville no seu tempo de estudante de Direito,
quando ele escreveu o esboço de um artigo em que debatia as visões da América expressas por
Chateaubriand no Journal de Débats de outubro de 1825. Nesse artigo, que não chegou a ser
publicado pelo historiador que o encontrou (Antoine Rédier), Alexis escreveu como um monarquista
convicto e nacionalista francês, denunciando que as opiniões de Chateaubriand eram equivocadas,
como ao argumentar este que a França tivesse alguma coisa a aprender com as chamadas
“repúblicas americanas”.34

Mas foi com a obra Voyage em Amérique (1827), de Chateaubriand, que Tocqueville encontrou as
perspectivas presentes e futuras sobre os Estados Unidos da América que o fizeram refletir sobre a
viagem, levando a ponderar o seguinte, como registra Brogan:35

“O estabelecimento de uma república representativa nos Estados Unidos foi um dos maiores eventos
políticos na história do mundo: um evento que revelou, como eu já disse em outras ocasiões, a
existência de dois tipos de liberdades praticáveis: um, pertencente à infância das nações, é a filha
dos costumes e das virtudes; os gregos e romanos antigos o tinham, assim como os selvagens na
América; o outro nasce na idade avançada de uma pessoa, é a filha do iluminismo e da razão; esta é
a liberdade que, nos Estados Unidos, substituiu à dos índios. A terra próspera passou em menos de
três séculos de uma liberdade para outra, quase sem esforço, e através de um conflito que não
durou mais de oito anos!”

Levando Alexis a proposta da viagem aos Estados Unidos para seu amigo Beaumont, este abraçou a
ideia, pois partilhava da convicção de Tocqueville de que a França estava se tornando uma
democracia, e fazia todo sentido estudar o sistema na única grande nação que adotara a igualdade,
aparentemente preservando a liberdade, mesmo que as lições não pudessem ser inteiramente ou
mesmo parcialmente aplicadas em outro lugar.36

Mas nenhum dos dois amigos pretendiam renunciar a seus postos, mesmo que a carreira jurídica de
Alexis não lhe fosse de grande monta. Teriam, então, que pensar em uma justificativa para que seus
chefes lhes concedessem uma licença para se ausentarem do trabalho, o que demandaria
demonstrarem que a viagem a que se propunham era uma missa de utilidade pública.37

Foi então que Alexis e Beaumont iniciaram a redação de um relatório que justificasse a realização de
uma viagem para estudar diretamente as novas prisões dos Estados Unidos, consideradas as
melhores do mundo. Como magistrados, haviam se familiarizado com o sistema prisional francês, e a
França da época (1830) havia testemunhado o aumento assustador das taxas de criminalidade, sob
pressão da economia vacilante.38

Este relatório, intitulado “Observação sobre o Sistema Penitenciário”, consistia em uma vigorosa
denúncia do estado atual das prisões da França e apresentava a justificativa para a missão proposta
de visitar os Estados Unidos, a terra tradicional das penitenciárias. Bem recebido, este relatório
garantiu a concessão da permissão formal para empreender a viagem, com 18 meses de licença,
porém teriam os amigos que custear sozinhos a viagem.39

No navio Le Havre, Alexis e Beaumont fizeram amizade com uma jovem americana, Miss Edwards,
que lhes deu aulas de inglês; com Charles Palmer, membro do Partido Liberal do Parlamento; e com
a família Schermerhorn, ricos nova-iorquinos. Esses novos conhecidos forneceram as primeiras
anotações de Alexis sobre a América e se tornariam muito úteis em Nova Iorque.40

Desembarcando na extremidade sul de Manhattan, Alexis e Beaumont foram muito bem recebidos
pelos locais, pois os nova-iorquinos ficaram imensamente lisonjeados ao saber pelos jornais que o
governo francês enviara uma missão oficial para estudar seu famoso sistema prisional. Durante as
primeiras duas semanas, a intensa receptividade dos locais e os diversos convites para bailes,
reuniões e festas noturnas desorientaram os dois amigos, que se viam ainda mais desnorteados
Páginaao
6
Alexis de Tocqueville:

perceber que a América parecia-se ainda menos com a França do que imaginavam, e as diferenças
estavam em áreas surpreendentes.41

Alexis registrou em suas anotações, com espanto, que nem os cidadãos nem as autoridades
públicas pareciam ligar para a ideia de deferência devida ao posto, pois até o governador do estado,
que estava hospedado em uma pensão, recebeu os estrangeiros com naturalidade e apertava as
mãos de todo mundo. Mesmo as mulheres, à mesa do jantar, sentiam-se a vontade para externar
suas opiniões sobre enforcamentos e detenções.42

A oração contida no primeiro item da Declaração de Independência dos americanos não passou
despercebida por Alexis, que se surpreendeu com a constatação de que nada naquele país era feito
sem a assistência religiosa, embora fosse certa a separação entre Estado e Igreja, sem embaraços
ao exercício do poder estatal.43

Nesse cenário de surpresas e contemplações é que foi produzida a obra “A Democracia na América”,
na qual Tocqueville expôs, com profundidade, os institutos e costumes que lhe deslumbraram tanto
naquele país, refletindo sobre conceitos como igualdade e liberdade para, enfim, expor sua própria
compreensão arrojada sobre a democracia que ali se desenvolvia, conforme será exposto a seguir.
3. Profecias de igualdade e democracia em Alexis de Tocqueville

Na Introdução do Livro I da obra “A Democracia na América”, Tocqueville44 (1987) é claro ao


destacar como a igualdade de condições observada na América lhe serviu de mote e inspiração para
refletir sobre a influência de tal igualdade nos costumes políticos, nas leis e nos hábitos daquele
povo.

Das elucubrações de Alexis nessa obra, podemos extrair duas visões sobre a igualdade verificada
em solo estadunidense: uma acepção intrínseca e uma acepção extrínseca.

A igualdade intrínseca, que tanto despertou a admiração de Tocqueville, foi aquela facilmente
identificada no cotidiano dos americanos, que não vivenciavam qualquer sistema de hierarquia ou
casta como os europeus vivenciavam em virtude da divisão da sociedade segundo berço ou
patrimônio.

Alexis observou que:45

“Todas as classes se misturam incessantemente, e não há a mínima indicação de suas diferentes


posições sociais. Todos se apertam as mãos. Em Canandaigua, vi um promotor de justiça apertar a
mão de um prisioneiro… Não acho que exista qualquer trabalho que, em si, avilte a pessoa que o
pratica. Leem-se constantemente nos jornais louvores a um homem que ‘mantém uma taberna
respeitável em tal lugar’. É palpável que os domésticos brancos se consideram iguais a seus patrões.
Eles conversam de modo familiar. A bordo dos navios a vapor, no início, tentamos dar gorjeta ao
camareiro. As pessoas nos impediram de agir assim, alegando que isso os humilhava. Nas tabernas,
vi um garçom sentar-se a uma mesa ao lado da nossa assim que acabou de servir a todos…”

Desta noção intrínseca de igualdade desenvolveu-se o que Tocqueville denominou de “dogma da


soberania do povo”, que representava a ideia de que cada indivíduo constitui uma porção igual do
governo, sendo cada indivíduo considerado tão esclarecido e tão forte quanto qualquer outro dos
seus semelhantes.46

Para Alexis, esta construção cultural é a própria justificativa pela qual os indivíduos, apesar de
soberanos, respeitam os limites naturais da vida em sociedade, pois:47

“Obedece à sociedade nunca porque seja inferior àqueles que a dirigem, ou menos capaz que outro
homem de se governar por si mesmo; obedece à sociedade porque a união com os seus
semelhantes parece-lhe útil e ele sabe que essa união não pode existir sem um poder regulador. Em
tudo o que diz respeito aos deveres dos cidadãos entre eles, é, pois, um súdito. Em tudo o que só diz
respeito a ele mesmo, continua sendo senhor: é livre e só a Deus deve contas das suas ações. Daí a
máxima de que o indivíduo é o melhor e exclusivo juiz do seu interesse particular, e de que a
sociedade não tem o direito de dirigir as suas ações a não ser quando se sente lesada por seu ato
ou quando tem necessidade de reclamar o seu concurso.”
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Alexis de Tocqueville:

E aqui encontramos o gérmen da segunda acepção de igualdade presente na obra de Alexis, por ele
denominado em diversas passagens de “espírito comunal” ou simplesmente de “maioria”.

Para Tocqueville,48 as instituições consolidadas nos Estados Unidos não são democráticas apenas
no seu princípio, mas ainda em todos os seus desenvolvimentos, pois é o povo quem indica
diretamente os seus representantes e os escolhe em geral todos os anos, a fim de tê-los
completamente em sua dependência.

Essa igualdade extrínseca, reverberada no poder dado à maioria para concretização do bem-estar
social, representava uma profunda mudança na forma de organização da sociedade, até então
acostumada aos modelos aristocráticos e autocráticos, tanto que Alexis formulou sua primeira
profecia: de que a revolução democrática era uma realidade irresistível, obra da “providência”, e seria
o caminho fatalmente a ser seguido pelas nações de todo o mundo.

Como reflete Marcelo Gantus Jasmin:49

“Hoje não temos muitas dúvidas de que Tocqueville estava certo quanto à duração, à extensão e ao
caráter vitorioso da igualdade social. Entre 1835, data daquela primeira afirmação, e os anos 90 de
nosso século, verificamos a eliminação histórica dos sistemas sociais aristocráticos e o fim de mando
exclusivo da nobreza no espaço do mundo ocidental. Mesmo onde vige a realeza, como na Espanha,
na Grã-Bretanha ou nos países nórdicos, não há aristocracia no sentido tocquevilleano do termo:
uma sociedade fundada na desigualdade hierárquica de condições sociais. E mais: se Tocqueville
restringiu sua profecia às fronteiras do “universo cristão”, podemos hoje verificar sua validade fora
dele. As experiências de África do Sul, Turquia, Índia e Japão, para dar apenas alguns exemplos
significativos, sugerem que a ultrapassagem histórica da desigualdade hierárquica não é privilégio do
acidente cristão.”

Para Alexis,50 a substituição dos demais modelos de governo exercidos pela democracia seria
inevitável, verdadeiro desígnio de Deus para os povos.

Daí Marcelo Gantus Jasmin51 afirmar que, em termos históricos, a igualdade de condições não parou
de desenvolver-se e tornou-se, exatamente como previu Tocqueville, uma regra fundamental sem a
qual não se constroem as constituições políticas e as normas jurídicas, nem se legitima a práxis
social do mundo industrial e pós-industrial.

E foi inspirado nessa profecia de inevitabilidade que Tocqueville passou a analisar criticamente a
democracia, seus efeitos e suas consequências.

Primeiro, Alexis buscou compreender os fatores que permitiram aos Estados Unidos se tornarem o
nascedouro da democracia como corolário da igualdade de condições sociais.

Para tanto, apontou diversas causas principais e acidentais: entre as primeiras, a forma de governo
federal, a constituição do Poder Judiciário, a saudável influência da religião sobre a política, entre
outros; já como causas acidentais, indicou a ausência de vizinhos ao país, o fato de ser um território
“vazio” (salvo a presença dos índios), a forte influência do bem-estar material sobre as influências
políticas, entre outros fatores.52

Fernando Magalhães destaca a força do patriotismo americano nas observações de Alexis, pois o
consenso democrático nos Estados Unidos seria orientado primordialmente para o alcance do
bem-estar social, no sentido mais individualista possível: “o patriotismo norte-americano deve-se aos
próprios prazeres materiais, dos quais o Estado é protetor. O bem público na democracia moderna
está associado, portanto, ao que Tocqueville chama de individualismo”.53

Em segundo plano, Alexis intentou distinguir quais seriam os efeitos da consolidação da democracia,
sob a ótica dos riscos da “tirania da maioria”. E aqui é possível perceber, novamente, a visão
futurística deste grande escritor, que foi capaz de antever o desvirtuamento da democracia no
totalitarismo, antes mesmo sequer da efetiva bancarrota da aristocracia em prol da democracia.

Para Tocqueville:54

“O que censuro a mais no governo democrático tal como é organizado nos Estados Unidos não é,
como o pretendem muitos na Europa, a sua fragilidade, mas, pelo contrário, a sua força irresistível. E
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Alexis de Tocqueville:

o que mais me repugna, na América, não é a extrema liberdade que ali reina, mas a pouca garantia
que ali se tem contra a tirania.

Quando um homem ou um partido sofre uma injustiça, nos Estados Unidos, a quem esperar que ele
se dirija? À opinião pública? Mas é ela quem forma a maioria. Ao corpo legislativo? Ele representa a
maioria e lhe obedece cegamente. Ao poder executivo? Ele é indicado pela maioria e serve-lhe de
instrumento passivo. À força pública? A força pública outra coisa não é senão a maioria em armas.
Ao júri? O Júri é a maioria revestida do direito de pronunciar arestos; os próprios juízes, em certos
Estados, são eleitos pela maioria (…).

Não afirmo com isso que, na época atual, se faça na América um uso frequente da tirania; afirmo que
nenhuma garantia ali se descobre contra ela e que é preciso buscar nisso as causas da brandura do
governo nas circunstâncias e nos costumes, antes que nas leis.”

Diante dessa previsão de que a maioria poderia se tornar tirana, em virtude da ausência de
mecanismos institucionais aptos a garantir a igualdade e a liberdade que se poderia subtrair das
minorias, Alexis chega a afirmar que se um dia a América vier a perder a liberdade, este
acontecimento deve ser atribuído à onipotência da maioria, que terá levado as minorias ao
desespero, forçando-as a apelar para a força material, desencadeando o despotismo e a anarquia.55

Há que se registrar que Alexis de Tocqueville não se opõe ao avanço da democracia, pois o autor
acredita que seus excessos podem ser amenizados por instituições que, nascidas no seio do novo
regime, serão capazes de conter o impulso desenfreado que emerge da maioria. A partir dessa
esperança é que Alexis passa a estudar os aparelhos adequados para atenuar o progressivo poder
ditatorial da maioria.56

Nesse escopo, Alexis elenca corpos intermediários entre os cidadãos e o poder que consistiriam em
verdadeiras barreiras à opressão da maioria, dos quais citamos as associações civis e os
magistrados, como garantidores da igualdade e da liberdade contra a tirania da opinião pública.

Aqui podemos identificar outra profecia deste visionário, a partir do destaque que ele confere ao
Poder Judiciário como contrapeso aos desmandos da maioria refletida no Executivo e no Legislativo.

No item “Do espírito legal nos Estados Unidos e de como serve de contrapeso à democracia” da obra
“A Democracia na América”, observamos Alexis elevar os juízes a uma posição social de relevo, pois
“os homens que se especializaram no estudo das leis adotaram de tais trabalhos hábitos de ordem
(…) que os tornam naturalmente por demais opostos ao espírito revolucionário e às paixões
irrefletidas da democracia”.57

Para Alexis,58 o corpo de juízes constituiria a nova aristocracia, intermediária entre o povo e a
autoridade, sendo o único elemento aristocrático que combina com o regime democrático. Segundo
ele, o povo não desconfia dos juízes, pois sabe que o interesse deles é de servir à sua causa, e não
de derrubar o governo.

Portanto, Tocqueville59 conclui que o magistrado americano, ao ser munido do direito de declarar
inconstitucionais as leis, recebe o direito também de penetrar nos negócios políticos, porém nunca
para forçar o povo a fazer suas leis, mas sim para constrangê-lo a nunca ser infiéis às suas próprias
leis e a permanecer em acordo consigo mesmo.

Apesar de todas as suas conclusões tomarem base do modelo norte-americano, Alexis se mostra
bem consciente de que não basta aos demais países importarem fria e literalmente o modelo dos
Estados Unidos, pois a mera reprodução das instituições democráticas não seria suficiente para o
sucesso da implantação da democracia.

E aqui podemos elencar uma final profecia de Tocqueville, como bem apontado por Claudio Voug,60
de que modelos institucionais não atuam no vazio, independentemente de meio físico, clima,
costumes, entre outros fatores.

Assim profetizou Alexis de Tocqueville:61

“A minha finalidade foi mostrar, pelo exemplo da América, que as leis, e sobretudo os costumes,
podiam permitir a um povo democrático permanecer livre. De resto, muito longe estou de crer que
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Alexis de Tocqueville:

devemos seguir o exemplo da democracia americana ponto por ponto e imitar os meios de que se
serviu para atingir com os seus esforços essa meta; pois não ignoro qual é a influência exercida pela
natureza do país e os fatos antecedentes sobre as constituições políticas, e consideraria um grande
mal para o gênero humano se a liberdade tivesse de produzir-se em todos os lugares seguindo os
mesmos caminhos.”

Como podemos perceber, a viagem de Alexis aos Estados Unidos, embora possa ter sido motivada
por interesses escusos de afastar-se dos conflitos ideológicos e políticos da aristocracia da época,
resultou em uma grande contribuição deste sociólogo e historiador ao desenvolvimento da própria
ideologia e política que viria a revolucionar o mundo: a democracia.

Portanto, compreender as profecias contidas na obra de Alexis é, antes de tudo, compreender a


consolidação desses eventos que se prolongam até os dias atuais, possibilitando à época
contemporânea uma visão muito mais aprofundada sobre o tema.
4. Conclusão

Alexis de Tocqueville foi um homem de seu tempo, de forte formação aristocrática e monárquica, leal
às obrigações cívicas e consciente do seu papel como ator social e político.

Mais do que isso, Alexis conseguiu tornar-se um homem para além do seu tempo, elaborando obras
de conteúdo econômico, antropológico, sociológico e político que romperam com os paradigmas de
sua época e foram recebidos na idade contemporânea com a mesma perspicácia e atualidade de
quando foram escritas.

A viagem de Tocqueville aos Estados Unidos coroou sua produção literária com o extrato da sua
condição visionária: permitiu-lhe conhecer, em primeira mão, o nascimento de um novo modelo
sociopolítico, a democracia, e a partir do seu deslumbramento com a concretização da igualdade de
condições daquele povo, Alexis conseguiu abstrair o encantamento com o “novo” para tecer algumas
das críticas mais contundentes e frutíferas sobre os riscos dessa nova modalidade de “ser” povo.

A forma como visualizou, a longo prazo, a substituição do modelo monárquico e aristocrático até
então dominante pela forma de governo pela maioria; a forma como chamou a atenção à ausência
de garantias contra o desvirtuamento do poder da maioria; a forma como elevou o Poder Judiciário à
condição de fiel da balança no novo desenho institucional de pesos e contrapesos no exercício do
poder desta maioria, e a forma como conscientizou os leitores para o perigo da mera reprodução de
instituições, sem a adequação às particularidades de cada local, representam verdadeiras profecias
que ultrapassaram os limites da intelectualidade da época.

Por tais motivos, vemos que a inclusão do subtítulo “O profeta da democracia” na versão brasileira
da biografia da vida deste profícuo autor, elaborada por Hugh Brogan, faz justiça à especial
contribuição de Tocqueville à consolidação das noções de igualdade e democracia em todo o
mundo.
5. Referências

BROGAN, Hug. Alexis de Tocqueville: o profeta de democracia. 1. ed. Trad. Mauro Pinheiro. Rio de
Janeiro: Record, 2012.

JASMIN, Marcelo Gantus. Tocqueville, a providência e a história. Dados. n. 2. vol. 40. Rio de Janeiro,
1997. Disponível em:
[www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0011-52581997000200002&lng=en&nrm=isso].
Acesso em: 05.01.2014.

MAGALHÃES, Fernando. O passado ameaça o futuro. Tocqueville e a perspectiva da democracia


individualista. Tempo soc. n. 1. vol. 12. São Paulo, may.-2000. Disponível em:
[www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-20702000000100008&lng=en&nrm=isso].
Acesso em: 05.01.2014.

TOCQUEVILLE, Alexis de. A democracia na América. 2. ed. Posfácio de Antonio Paim. Trad. notas
de Neil Ribeiro da Silva. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: USP, 1987.
Página 10
Alexis de Tocqueville:

VOUGA, Claudio. A democracia ao sul da América: uma visão tocquevilleana. Tempo soc. n. 1. vol.
13. São Paulo, may.-2001. Disponível em:
[www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-20702001000100008&lng=en&nrm=isso].
Acesso em: 05.01. 2014.

1 BROGAN, Hug. Alexis de Tocqueville: o profeta de democracia. 1. ed. Trad. Mauro Pinheiro. Rio de
Janeiro: Record, 2012, p. 17.

2 Idem.

3 Idem.

4 Idem.

5 BROGAN, Hug. Op. cit., p. 37.

6 Idem.

7 Idem, p.45.

8 Idem.

9 Idem.

10 Idem, p. 62.

11 BROGAN, Hug. Op. cit., p. 66.

12 Idem.

13 Idem.

14 Idem, p. 75.

15 Idem.

16 Idem.

17 BROGAN, Hug. Op.cit.

18 Idem.

19 Idem.

20 Idem.

21 Idem.

22 Idem.

23 BROGAN, Hug. Op. cit.

24 Apud BROGAN, Hug. Op. cit, p. 97.

25 BROGAN, Hug. Op. cit.

26 Idem, p. 101.
Página 11
Alexis de Tocqueville:

27 Idem.

28 Idem.

29 BROGAN, Hug. Op. cit., p. 109.

30 Idem.

31 Idem, p. 132.

32 Idem, p. 135.

33 BROGAN, Hug. Op. cit., p. 140.

34 Idem.

35 Idem, p. 142.

36 BROGAN, Hug. Op. cit.

37 Idem.

38 Idem.

39 Idem.

40 Idem.

41 BROGAN, Hug. Op. cit.

42 Idem.

43 Idem.

44 TOCQUEVILLE, Alexis de. A democracia na América. 2. ed. Posfácio de Antonio Paim. Trad.
notas de Neil Ribeiro da Silva. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: USP, 1987.

45 BROGAN, Hug. Op. cit., p. 185.

46 TOCQUEVILLE, Alexis de. Op. cit.

47 Idem, p. 57.

48 TOCQUEVILLE, Alexis de. Op. cit.

49 JASMIN, Marcelo Gantus. Tocqueville, a providência e a história. Dados. n. 2. vol. 40. Rio de
Janeiro, 1997. Disponível em:
[www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0011-52581997000200002&lng=en&nrm=isso].
Acesso em: 05.01.2014.

50 TOCQUEVILLE, Alexis de. Op. cit.

51 JASMIN, Marcelo Gantus. Op. cit.

52 TOCQUEVILLE, Alexis de. Op. cit.

53 MAGALHAES, Fernando. O passado ameaça o futuro. Tocqueville e a perspectiva da democracia


individualista. Tempo soc. n. 1. vol. 12. São Paulo, may.-2000. Disponível em:
[www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-20702000000100008&lng=en&nrm=isso].
Página 12
Alexis de Tocqueville:

Acesso em: 05.01.2014.

54 TOCQUEVILLE, Alexis de. Op. cit.

55 TOCQUEVILLE, Alexis de. Op. cit.

56 MAGALHAES, Fernando. Op. cit.

57 TOCQUEVILLE, Alexis de. Op. cit., p. 203.

58 TOCQUEVILLE, Alexis de. Op. cit.

59 Idem.

60 VOUGA, Claudio. A democracia ao sul da América: uma visão tocquevilleana. Tempo soc. n. 1.
vol. 13. São Paulo, may.-2001. Disponível em:
[www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-20702001000100008&lng=en&nrm=isso].
Acesso em: 05.01. 2014.

61 TOCQUEVILLE, Alexis de. Op. cit., p. 242.

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