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http://www.vertentes.ufba.br/a-teoria-da-variacao-linguistica; acesso:13-07-2012
Através da análise das variáveis sociais, busca-se definir o quadro de variação observado na
comunidade de fala nos termos da dicotomia entre variação estável e mudança em progresso. No
primeiro caso, conclui-se que o quadro de variação tende a se manter ainda por um longo período, já que
não se verifica uma tendência de predominância de uma variante linguística sobre a(s) outra(s). Já o
diagnóstico de mudança em progresso implica que o processo de variação caminha para a sua resolução
em favor de uma das variantes identificadas, que deve se generalizar, tornando-se o seu uso
praticamente categórico dentro da comunidade de fala. Nesse quadro, a(s) outra(s) variante(s)
tenderia(m) a cair em desuso.
Assim, correlacionando a estrutura linguística variável com fatores da estrutura social, poder-se-ia
observar como uma determinada variante estaria se difundindo entre os diversos segmentos sociais, no
que se definiu como uma das faces doproblema da transição – ing. transition problem. Por outro lado,
através de testes de julgamento subjetivo, poder-se-ia aferir a reação dos falantes diante dos valores da
variável observada, de modo a se definir a tendência de mudança que essa avaliação social favoreceria,
no que foi denominado problema da avaliação – ing. evaluation problem. Tais informações, juntamente
com as informações relativas ao encaixamento da variável na estrutura linguística da comunidade de fala,
teriam um papel capital para o esclarecimento acerca de como a postulada mudança chegaria a sua
consecução, no que foi denominado de problema da implementação – actuation problem (cf. WEINREICH,
LABOV e HERZOG, 1968; e LABOV, 1972 e 1982). Nesse sentido, a grande questão é avaliar se um
determinado cenário de variação tende a se resolver em função de uma determinada variante,
efetivando-se a mudança linguística, ou se as variantes identificadas tendem a se manter no uso
linguístico da comunidade, dentro de uma estratificação específica, o que caracterizaria a variação
estável.
O estudo da mudança linguística em tempo aparente
A possibilidade de se fazer inferências acerca do desenvolvimento diacrônico da língua a partir de
análises sincrônicas ganhou corpo na pesquisa linguística com os estudos desenvolvidos por William
Labov na década de 1960, primeiramente na ilha de Martha’s Vineyard, em 1963, e depois na cidade de
Nova York, em 1966. Como afirmaria o próprio Labov (1972), concebendo a variação linguística como um
fenômeno sistemático, e não aleatório, através da correlação entre fatores linguísticos e fatores sociais,
poder-se-ia superar a barreira erguida pelos estruturalistas americanos de que a mudança linguística não
poderia ser observada em seu processo de implementação, mas apenas em seus resultados finais.
Fundamentalmente, postula-se que a variação observada sincronicamente em um determinado ponto da
estrutura da gramática de uma comunidade de fala pode refletir um processo de mudança em curso na
língua, no plano diacrônico. Desse modo, busca-se apreender o tempo real, onde se dá desenvolvimento
diacrônico da língua, no chamado tempo aparente. O tempo aparente constitui, assim, uma espécie de
projeção.
O pressuposto central do tempo aparente é o de que as diferenças no comportamento linguístico de
gerações diferentes de falantes num determinado momento refletiriam diferentes estágios do
desenvolvimento histórico da língua:
A validade do [tempo aparente] depende crucialmente da hipótese de que a fala das pessoas de 40 anos
hoje reflete diretamente a fala das pessoas de 20 anos há 20 anos atrás e pode, portanto, ser comparada
com a fala das pessoas de 20 anos de hoje, para uma pesquisa da difusão da mudança linguística. As
discrepâncias entre a fala das pessoas de 40 e 20 anos são atribuídas ao progresso da inovação linguística
nos vinte anos que separam os dois grupos. (CHAMBERS e TRUDGILL, 1980, p. 165)
Mas, como reconhecem os próprios Chambers e Trudgill (idem, ibidem), "a relação entre tempo
aparente e tempo real pode ser de fato mais complexa do que a simples equiparação dos dois sugere".
Realmente, a projeção (ou equivalência) do que se observa no tempo aparente para o que teria se
passado no tempo real apoia-se no pressuposto de uma estabilidade do sistema, o que significa dizer que
o padrão linguístico fixado por um indivíduo na adolescência ou pré-adolescência se conserva mais ou
menos intacto pelo resto de sua vida; só assim podemos imaginar que o padrão depreendido do
comportamento linguístico dos falantes de 60 anos de hoje corresponderia a padrão fixado na
comunidade há 40 anos (LABOV, 1981, 180-1; e NARO, 2003, p. 43-50). Porém, não se pode ter absoluta
segurança a respeito disso, e, pelo menos até o início da década de 1990, esse pressuposto básico do
conceito de tempo aparente ainda não havia sido plenamente testado (LUCCHESI, 2001).
Por outro lado, nada pode assegurar que uma tendência de mudança identificada pelo linguista num
determinado momento não será revertida num futuro próximo em decorrência de novos fatos que não
estavam presentes no momento em que o linguista fez o seu diagnóstico. Em função desse caráter
contingencial dos processos históricos, "qualquer afirmação sobre a mudança [em progresso] é
evidentemente uma inferência" (LABOV, 1981, p. 177). Esse prognóstico entre mudança em curso e
variação estável baseia-se na combinação dos resultados obtidos através da correlação da variável
linguística estudada com as variáveis sociais.
REFERÊNCIAS
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