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ABSTRACT: Through the combination of theoretical presuppositions of Variacionist Theory and funcionalist
studies on grammaticalization, we discuss the influence of social factors over discursive phenomena. Analyzing
samples from VARSUL Project, we stress the role of age in apparent-time linguistic changes and in the
grammaticalization process of discursive items.
0. Introdução
Fenômenos de variação e mudança têm sido abordados, notadamente a partir dos anos 70, sob duas
importantes vertentes teóricas: da Teoria da Variação e Mudança, de inspiração laboviana; e do paradigma da
Gramaticalização. No âmbito da variação, em especial, a conhecida polêmica entre Labov e Lavandera acerca
do estatuto sociolingüístico e do nível de abrangência da regra variável abriu espaço para uma gradual
implementação de estudos variacionistas de fenômenos de natureza morfossintática, semântica e discursiva (cf.
Labov, 1978; Lavandera, 1978; Silva & Macedo, 1996; Sankoff et al., 1997; Naro, 1998, entre outros). Na
perspectiva da gramaticalização, tem-se estudado não só a emergência de itens gramaticais propriamente ditos,
mas também a de marcadores discursivos de vários tipos (cf. Traugott, 1995; Martelotta et al., 1996;
Androutsopoulos, 200–; entre outros). Nota-se, então, um ponto de convergência: fenômenos discursivos em
mudança analisados sob a ótica da variação e da gramaticalização[1].
O grupo tem por objetivos: (i) discutir aspectos teórico-metodológicos da interface gramaticalização e
variação; (ii) averiguar o condicionamento de fatores sociais sobre fenômenos variáveis de natureza discursiva;
(iii) interpretar resultados variacionistas como indícios de gramaticalização. São analisadas amostras do banco
de dados VARSUL[2], com recortes de três variáveis lingüísticas[3] no continuum multifuncional[4] de itens
discursivos, seja com valor mais textual, funcionando como conectores seqüenciadores – estudo de Maria
Alice Tavares (aí ~ daí ~ então ~ e); seja com matizes mais pragmáticos, atuando no nível interpessoal como
´requisitos de apoio discursivo´ – trabalho de Carla Regina Valle (entende? ~ sabe? ~ não tem?) ou como
´chamadores de atenção do ouvinte´ – estudo de Cláudia Rost (olhe ~ veja). Foram analisadas entrevistas de
36 informantes de Florianópolis/SC, estratificados de acordo com as variáveis sociais sexo, idade (15 a 21; 25
a 49 e acima de 50 anos) e escolaridade (primário, ensino fundamental e ensino médio).
Dentre os condicionamentos sociais analisados, vamos evidenciar, prioritariamente, o papel da idade
em casos de mudança em progresso decorrente tanto de um processo de variação como de gramaticalização.
Mudança e variação são contempladas nas duas visões teóricas acima mencionadas, mas com pontos
focais distintos. A relação entre gramaticalização e variação pode ser assim resumida: no decorrer de sua
evolução um dado item passa a desempenhar múltiplas funções, que podem abranger apenas mudanças
semânticas ou ser acompanhadas de mudanças categoriais[5] (uma forma[6] com mais de uma função – foco da
gramaticalização). Nesse percurso, seu uso pode expandir-se para um domínio funcional já codificado por
outro item, passando a disputar com ele o direito à representação da função/significado (mais de uma
forma com uma função/significado – foco da variação). Prioriza-se então, respectivamente, a história de uma
forma ou a coexistência e concorrência de formas em dado momento de sua evolução. (cf. Gorski et al., a sair)
Esse duplo enfoque teórico é respaldado pelos seguintes aspectos, entre outros: a) a prioridade
atribuída, em ambas as abordagens, à língua em uso, cuja natureza heterogênea abriga a variação e a mudança;
b) a previsão, na perspectiva da gramaticalização, de que ao mesmo tempo em que as línguas buscam
regularidade e iconicidade eliminando anomalias e variação, novos padrões emergem introduzindo novas
anomalias e nova variação (cf. Lichtenberk (1991:76); c) a importância dada, tanto pela teoria variacionista
como pelos estudiosos da gramaticalização, ao tratamento empírico com quantificação estatística,
especialmente à freqüência de uso (cf. Givón, 1995; Bybee & Hopper, 2001), como evidência para atestar
fenômenos de variação e mudança; d) o interesse que vem sendo demonstrado por alguns teóricos da
gramaticalização acerca da importância do contexto social (cf. Androutsopoulos, 200–; Bisang, 1998), fator
que é crucial para os variacionistas. Os dois últimos aspectos são os que nos interessam mais nesse momento.
Destacamos, em especial, a influência do fator social idade.
(1) E a cabo de uns anos [foi <te->]- terminou a venda e o meu pai sempre falava que a venda terminou
porque ela dava quase tudo pra pobreza. ENTÃO a luta dela foi essa. (FLP12:802)
(2) Porque é toda segunda-feira, AÍ cada segunda um aluno que dá aula. DAÍ vai ficando uma coisa diferente,
vai ficando legal, não vai ficando uma coisa chata, monótona. (FLP08J:659)
Nossa hipótese para o grupo de fatores idade se motiva no fato de aí e daí serem formas mais
recentes na língua, em comparação com e e então. Formas inovadoras geralmente destacam-se na fala de
pessoas mais jovens, especialmente quando são relacionadas a estilos menos formais ou mesmo quando são
estigmatizadas em certos contextos, caso de aí e daí (cf. Tavares, 1999). Observem-se:
A distribuição do e é semelhante ao longo das faixas etárias (de 30 a 37%); aí é mais freqüente na
fala de pessoas com menos de 50 anos (76%); daí é largamente favorecido pelos adolescentes
(80%); então predomina na fala das pessoas de mais de 25 anos (83%). O que podemos inferir desses
resultados? Parece estar havendo uma disputa especialmente entre daí e então: os falantes mais jovens estão
impulsionando bastante o uso do daí e reduzindo fortemente o uso do então. O fato de haver um uso intenso
da forma mais inovadora na adolescência e uma grande retração da forma mais antiga na mesma faixa etária,
além do fato de as duas faixas etárias adultas apresentarem uma distribuição linear decrescente para daí e
crescente para então, pode ser tomado como indício de uma mudança vigorosa em andamento (cf. Labov,
2001). Já o aí talvez esteja passando por uma mudança menos vigorosa, pois seu uso diminui gradualmente
com o avanço da idade, com uma queda mais acentuada entre as duas faixas mais velhas. E aparenta estar em
uma situação estável, evidenciando uma distribuição etária quase plana, com um pequeno retraimento de uso
na faixa intermediária e um pequeno acréscimo entre as pessoas idosas.
Nesta pesquisa, tomamos como regra variável os itens sabe?, não tem? e entende?, derivados de
verbos e conhecidos como requisitos de apoio discursivo (RADs), que, segundo Macedo e Silva (1996), atuam
como elementos de contato entre interlocutores, ocorrendo, quase sempre, no final de enunciado e tendo como
principal função a manutenção do fluxo conversacional.
(03) Eu mesmo não posso ler muito, sabe? me prejudica muito as vistas. (FLP15:143)
Eu mesmo não posso ler muito, não tem? me prejudica muito as vistas.
Eu mesmo não posso ler muito, entende? me prejudica muito as vistas.
Observe-se:
Ao observarmos a atuação dos itens olha e veja, verificamos que, em certos contextos, através de
referência metafórica, o foco da atenção deixa de apontar para o espaço e aponta para o texto do falante. Isso
significa que esses elementos estão expandindo seu significado lexical de base, derivando outros sentidos mais
abstratos e pragmáticos, associados a uma possível mudança categorial (de verbo a marcador
discursivo). Nesse caso, tendem a funcionar como elementos chamadores da atenção do ouvinte para o espaço
discursivo/textual, conforme o exemplo a seguir:
(04) E: Tânia, me diz uma coisa agora, dentro da educação, que tu achas da Língua Portuguesa? O que é falar
bem a língua portuguesa pra ti?
F: Olha, pra mim, eu acho assim, que falar bem a língua portuguesa. Olha, eu nem sei te explicar bem
[o] a língua portuguesa, porque eu tenho tão pouco tempo de estudo, que eu nem conheço bem a língua
portuguesa. (POA12:1024)
Em termos gerais, há uma escala decrescente de uso dos itens à medida que diminui a faixa etária: mais
velhos (46%) < faixa intermediária (31%) < mais jovens (23%) – resultado inverso à nossa hipótese inicial. A
baixa freqüência de uso entre os jovens concentra-se no item veja (12%), forma que é francamente preferida
pelos adultos (54%). A distribuição de freqüência sugere que veja seja a forma mais recente nessa função de
marcador. A faixa etária intermediária teria um comportamento diferenciado dos mais jovens e dos mais velhos
devido a pressões sociais (mercado de trabalho, por exemplo)? Como aparentemente não há vestígios de
estigma nos itens, esta interpretação não nos parece muito consistente. Um aprofundamento dessa análise
precisa ser feito para que possamos dispor de mais evidências.
6. Considerações finais
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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German. Extraído da Internet a 08/06/2000
BISANG, W. Grammaticalization and language contact, constructions and positions. In RAMAT, A. G. e
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1998.
BYBEE, Joan & HOPPER, Paul (eds.) Frequency and the emergence of linguistic structure. TSL 45.
Amsterdam/Philadelphia: J. Benjamins, 2001.
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GIVÓN, Talmy. Fnctionalism and grammar. Amsterdam/Philadelphia: J. Benjamins, 1995.
LABOV, William. Where does the linguistic variable stop? A response to Beatriz Lavandera. In: Working
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LAVANDERA, Beatriz. Where does the sociolinguistic variable stop? In: Language in Society 7. London,
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MACEDO, Alzira T.; RONCARATI, Cláudia N. & MOLLICA, M.Cecília (orgs.) Variação e discurso. Rio de
Janeiro: Tempo Brasileiro, 1996.
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TAVARES, Maria Alice. Um estudo variacionista de Aí, Daí, Então e E como conectores seqüenciadores
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TRAUGOTT, Elizabeth C. & HEINE, Bernd (eds.) Approaches to grammaticalization. V.1: focus on
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VALLE, Carla Regina Martins. Sabe?~não tem?~entende?: itens de origem verbal em variação como
requisitos de apoio discursivo. Florianópolis: UFSC, 2001. Dissertação de Mestrado.
*
As discussões são motivadas por pesquisas de dissertações e teses vinculadas ao projeto
integrado Gramaticalização/discursivização de itens de base verbal e adverbial: funções e formas
concorrentes, desenvolvido na área de Sociolingüística do Programa de Pós-Graduação da UFSC.
[1]
Uma discussão mais ampla desse aspecto é feita em Gorski et al. (a sair). Fenômenos discursivos: resultados
de análises variacionistas como indícios de gramaticalização. In: Português brasileiro – contato lingüístico,
heterogeneidade e história (livro organizado pelo GT de Sociolingüística da ANPOLL).
[2]
Variação Lingüística Urbana na Região Sul do Brasil.
[3]
No caso de uma variável lingüística discursiva, a noção laboviana de mesmo significado, que remete ao
plano representacional, precisa ser ampliada de modo a abarcar o plano funcional (os conectores, por exemplo,
mais funcionam do que significam). Lidamos, então, com a noção de função/significado (cf. Nichols, 1984),
que remete ao papel discursivo dos elementos lingüísticos. Assim, não são os itens em estudo que carregam
funções/significações, mas estas são depreendidas a partir do contexto de ocorrência daqueles.
[4]
Na ótica da gramaticalização, o termo função pode recobrir tanto mudanças categoriais (aí advérbio e
conector, por exemplo), como mudanças semânticas (aí espacial e temporal, por exemplo). Freqüentemente,
mas não necessariamente, os dois tipos de mudança co-ocorrem.
[5]
A variação, nesse caso, aparece como pano de fundo.
[6]
Sob a ótica da gramaticalização, forma pode ser tomada como equivalente a item, com ênfase na unidade
ou construção codificada, independentemente de eventual mudança categorial ou redução fonética. Por
exemplo: então é uma única forma, seja funcionando como advérbio ou como conector.