Você está na página 1de 138

c ultura r eligiosa

a presentação

Prezado aluno,

A experiência de mais de 16 anos de docência tem mostrado o fascínio da disciplina Cultura Religiosa. O começo
sempre é difícil. Existe uma resistência natural do aluno em estudar os conteúdos. O preconceito fica claro quando se
define a disciplina como aula de religião. Outros ainda pensam em catequese. Mas não será esse o nosso objetivo.
Vamos caminhar com cada um de vocês no sentido de construir uma reflexão madura sobre a vivência e o
comportamento religioso das pessoas e a influência que esses fatores exercem sobre a vida de cada um de nós.
Ao final de cada semestre, ficamos surpresos com a reação dos alunos. A maioria considera a disciplina muito
interessante. É claro que alguns resistentes ficam indiferentes, pois não tiveram a coragem de abrir o coração e aceitar
conceitos essenciais para se viver uma boa vida. Respeitamos esses posicionamentos.
A Ulbra é uma universidade confessional, está ligada a uma instituição religiosa, mas nem por isso queremos impor o
que pensamos. Vamos apenas debater. Nossa intenção é ajudá-lo com esta reflexão.
Você irá encontrar neste livro um panorama das maiores religiões do mundo. Notará a pluralidade religiosa e terá
uma idéia da riqueza de pensamento e valores das religiões estudadas. Também iremos analisar mais detalhadamente
o cristianismo e a Reforma Luterana, pois são movimentos que influenciaram diretamente na existência da
Universidade Luterana do Brasil. Por fim, sempre é hora de estudar ética, particularmente a ética cristã e os valores que
ela pode acrescentar à vida de cada um de nós.
Nesta caminhada muitos dos textos têm a participação de professores de Cultura Religiosa que nestes 15 anos estão
ao nosso lado. Citamos aqui Ronaldo Steffen, Jonas Dietrich, Valter Kuchenbecker, Egon Seibert, Ricardo Rieth, Valter
Steyer, Thomas Heimann, Nereu Haag e Bruno Muller. Além desses, não podemos deixar de citar o capelão-geral da
Universidade Luterana do Brasil, pastor Gerhard Grasel, e o diretor do curso de Teologia da Ulbra, pastor Leopoldo
Heimann. São pessoas que têm ajudado não somente a construir esta trajetória em Cultura Religiosa, como têm
colaborado com o aprofundamento da reflexão sobre o tema e auxiliado muitas pessoas.

Douglas Moacir Flor


(1)

o fenômeno religioso

Paulo Augusto Seifert é mestre em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e bacharel em Teologia pela Escola Superior de Teologia
do Seminário Concórdia (RS) e em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). É professor nos Cursos de Teologia e Filosofia da Universidade

Luterana do Brasil (Ulbra).

Ronaldo Steffen é bacharel em Teologia pela Escola Superior de Teologia do Seminário Concórdia (RS) e professor do Curso de Teologia da Universidade Luterana do
Brasil (Ulbra).
o desafio está posto: estudar religiões na universidade. A experiência tem demonstrado que não há
unanimidade na aceitação da disciplina, pelo menos a princípio. Há resistências das mais diversas ordens, desde as de
ordem econômica até as de informação técnica, que não contribuem para a complementação do curso em que o aluno
está matriculado. Vez ou outra rompem ainda as questões pertinentes à fé, ou à ausência dela, professada pelo aluno e
divergente daquilo que imagina que irá ocorrer na disciplina.
O repto está assentado. Não há como voltar atrás. É prerrogativa da universidade. Recuar ou enfrentar é o
elemento determinante. A esta altura, permita-nos, leitor, contribuir para a sua decisão a partir de algumas
considerações.
Damos o braço a torcer e damos razão a você que tem resistência a essa disciplina sob a alegação de que ela não
contribui com a sua formação técnica nem acrescentará nada a ela. Com exceção feita aos alunos matriculados no Curso
de Teologia, e para quem as informações da disciplina podem ser enquadradas como elementos técnicos importantes
para o exercício da função, não é pretensão da disciplina acrescentar informações técnicas específicas a nenhum outro
curso.
Estamos em sintonia com aqueles que vislumbram algum valor nas questões religiosas, mas discordamos da análise
puramente histórica dos movimentos religiosos. Acreditamos que a universidade é espaço privilegiado para o
aprofundamento das idéias. Escapar da linha histórica de tempo e aprofundar idéias parece-nos um caminho concreto
com vistas à busca da compreensão do universo e do ser humano a partir das percepções espirituais e religiosas.
Lamentamos discordar daqueles que esperam que a disciplina seja um manual de catequese com vistas à conversão
dos alunos ao cristianismo luterano. A plural sala de aula não é o espaço da catequese. É, sim, o momento de expor idéias,
confrontar razões, trocar experiências, colocar os contraditórios e trocar vivências. É o espaço do encantamento com os
caminhos que o ser humano tem construído ao longo de sua existência na tentativa de encontrar respostas religiosas
satisfatórias a respeito de sua origem e destino.
O que pretendemos é analisar os diversos cultos e práticas religiosas existentes no mundo, considerando a
confissão religiosa da instituição Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), uma instituição que se identifica como cristã
luterana, e sua proposta ética para a sociedade na qual vivemos.
Assim definidos, assentamos o núcleo da disciplina no ser humano, singular e plural. Seja qual for o curso
escolhido, não podemos escapar do fato inconteste de que não realizaremos nossas funções profissionais de forma
isolada. A vida é relacional: ou interagimos, ou rejeitamos, ou, ainda, buscamos compreender as razões alheias, com o
fim do bem-viver socialmente.
Nessa perspectiva, não podemos ignorar que convivemos com seres humanos que possuem individualidades,
independentes dos cursos profissionais para os quais se preparam. Respeitamos a confissão religiosa de nossos alunos
ou sua ausência. Pretendemos, simplesmente, apresentar os valores ético-cristãos como alternativa de vida, individual
e social.

(1.1)
a religião no dia-a-dia

De algum modo manifestações de natureza religiosa têm estado presentes no nosso cotidiano. Podemos, sem entrar em
detalhes por ora, mencionar algumas áreas, alguns eventos e algumas práticas pessoais e sociais marcados por idéias,
ritos e símbolos consagrados ao campo religioso.
Observemos, de forma rápida, práticas e situações familiares ligadas à tradição religiosa, como o casamento, o
batismo, a morte e o velamento; comportamentos de ordem pessoal regrados por normas morais ditadas por alguma
tradição religiosa; comportamento de busca de ajuda divina diante de qualquer doença ou de situações difíceis na vida.
As relações sociais mais amplas também estão marcadas por imperativos de ordem religiosa: no esporte estamos
acostumados, especialmente no futebol, à cena de uma oração conjunta antes da entrada no campo; no âmbito musical
não são raras as menções que se fazem a personagens religiosos e até mesmo a sentimentos de ordem religiosa; no
campo das artes somos conduzidos a milhares de imagens notadamente carregadas de simbolismo religioso dos mais
diversos matizes; a literatura de natureza religiosa não tem deixado por menos e tem sido o mercado que mais cresce
em termos de editoração nos últimos anos; adornos com diversos fins têm sido pautados por motivos religiosos; o
cinema tem sido pródigo nas temáticas de ordem religiosa; as novelas, fenômeno brasileiro que ganha o mundo,
jamais têm deixado de lado alguma alusão, personagem e até mesmo temática central ligados a fatos eminentemente
religiosos; o papel-moeda, seja o dólar, seja o real, tem feito menção a uma divindade; nossas vestimentas são
conduzidas por modismos, de estilo, de cores ou de tamanho, na maior parte inspirados por concepções religiosas;
nossa alimentação está em grande medida determinada por elementos de ordem religiosa; o modo de expressar
nossas idéias por meio da linguagem é, igualmente, em muito influenciado por formas religiosas; o turismo religioso é
hoje um grande filão na arrecadação de divisas para um município; a educação é fortemente marcada pelos valores
que ela prega, quase sempre idênticos aos valores de ordem religiosa; a área da saúde – o trato com a dor, a vida e a
morte – foi e ainda é construída com suporte religioso; nosso calendário – suas datas festivas e grandes eventos – tem
sua origem no meio eclesiástico; as diversas áreas do conhecimento humano, duma ou de outra maneira, têm se
ocupado com a temática religiosa, como a filosofia, a psicologia, a sociologia, a antropologia, a história, a medicina, a
física, a arqueologia, a geografia e assim por diante.
Apesar das diferentes atitudes de repulsa que caracterizam a negação dos elementos religiosos, as menções
apontam para o fato de que o ser humano busca ligar-se ao transcendente como se mantivesse com tal elemento uma
ligação umbilical, da qual retira os recursos vitais para a sua existência.
A questão que se coloca é a de como compreender essas ligações. Qual o fundamento capaz de sustentar uma
avaliação compreensiva da junção ser humano-transcendente? Há muitas possibilidades viáveis, tanto a partir das
diferentes perspectivas e entendimentos religiosos quanto a partir de escolas de reflexão filosófica.
Além disso, interessa considerar a relação que há, ou pode haver, entre a religião e as manifestações importantes do
espírito humano. A título de introdução, consideremos como se relacionam religião e filosofia, religião e ciência,
religião e moral, religião e teologia.

Religião e filosofia

O que tem a filosofia a ver com a religião? Essa é uma pergunta importante e cuja resposta não é óbvia ou simples. Ao
longo da história do pensamento humano, vemos cooperação e competição entre ambas as áreas. Em um certo sentido, a
cooperação e a competição pressupõem a mesma concepção: a de que compete à razão filosófica provar a veracidade das
idéias religiosas, ou, dito de outra maneira, que compete à razão filosófica determinar se religião e superstição são a
mesma coisa ou se são coisas distintas e separáveis.
Posta a questão dessa maneira, temos duas respostas possíveis: ou a filosofia apresenta provas de que a religião é
verdadeira, ou a filosofia apresenta provas de que a religião não é verdadeira. Se for o primeiro caso, dizemos que há
entre ambas cooperação; se for o segundo, que há competição. E, quando se fala em provas, isso significa que qualquer
pessoa racional deve concordar com o argumento; mesmo que não seja um argumento demonstrativo ao estilo da
matemática (um cálculo bem feito dá um único resultado, e o sujeito que não percebe o resultado ou não concorda com
ele é incapaz. Um exemplo simples: 3x3=9, e não faria nenhum sentido alguém dizer: “Para você, para mim é 8”), o
argumento deveria ser cognitivamente convincente. Aquele que não concorda com a conclusão, ou não compreende o
argumento, ou está agindo de má-fé.
Onde, porém, buscar tais provas? Historicamente, têm sido elas buscadas no raciocínio abstrato, na análise e na
comparação de idéias, na experiência sensorial, no senso comum, nas explicações científicas, no sentimento moral.
Diversos os pontos de partida, similaridade no modo de argumentar. Parte-se de elementos geralmente aceitos e, se for
o caso, de verdades evidentes ou necessárias (que não podem ser negadas), aplicam-se as regras básicas do raciocínio
lógico, dedutivo ou indutivo, alcançando-se uma conclusão, tal como se faz nos raciocínios comuns ou nos científicos.
Se o propósito é mostrar que a filosofia justifica a religião e prova a existência de Deus (ou da realidade última), temos
os argumentos ontológicos, teleológicos, cosmológicos, morais. Se o propósito é mostrar que a filosofia refuta a religião
e prova que Deus não existe, temos os argumentos do mal, os argumentos evidencialistas etc.
Exemplo do primeiro tipo: observamos que a natureza exibe ordem e finalidade, como se fosse uma grande
máquina, na qual as partes se ajustam umas às outras perfeitamente, de forma a fazer o todo funcionar. Na nossa
experiência, sempre que há ordem e finalidade em algo, tal objeto foi pensado e realizado por uma mente inteligente.
Logo, a ordem e a finalidade que observamos no universo indicam a existência de um criador inteligente. Este se chama
Deus. Logo, Deus existe. Exemplo do segundo tipo: observamos que há muitos e diversos males no universo. Se Deus
fosse bom, Ele desejaria eliminar todo e qualquer mal; se fosse onipotente, Ele o faria. Como o mal existe, Deus não é
onipotente ou não é bom, ou ambos. Logo, como a religião afirma que Deus é bom e onipotente, Deus não existe.
Mesmo aceitando que essa é a tarefa da filosofia, isso não quer dizer que o filósofo acredita que é assim que as
pessoas aceitam ou recusam uma religião, ou seja, com base em argumentos. As religiões seguem seu caminho
independente disso, e a preocupação com argumentos justificadores é, quando muito, secundária. Mas os argumentos
mostrariam se as pessoas são racionais na sua crença. Por outro lado, pode ser que o pressuposto esteja errado, e não
compete à filosofia fundamentar ou provar a verdade das crenças religiosas básicas. A tarefa da filosofia em relação à
religião seria mais modesta. Atualmente, muitos filósofos, tendo em vista o desenvolvimento histórico das explicações
filosóficas, julgam que a filosofia pode ajudar a melhor compreender as idéias religiosas e a auxiliar as religiões a se
livrarem de alguns elementos supersticiosos indevidamente acrescentados à fé básica, especialmente aqueles
relacionados a confusões conceituais, derivadas de um uso inadequado da linguagem, ou à compreensão equivocada de
teorias e hipóteses científicas, ou a preconceitos de natureza não religiosa. Essa abordagem tem se mostrado mais
produtiva do que as outras duas opções mencionadas.

Religião e ciência

E quanto à relação entre religião e ciência? Na maioria das vezes, quando isso é discutido, por ciência se entendem as
ciências naturais, como física, química e biologia. Há quem julgue que certas teorias científicas estão em direta
contradição com a crença religiosa. Um exemplo contemporâneo pode ser encontrado na discussão entre o
evolucionismo e a teoria do desígnio inteligente, ou criacionismo. Se olharmos para o passado, esse era o juízo feito por
alguns acerca da relação entre o heliocentrismo e o relato bíblico cristão sobre a criação e o papel do ser humano nela.
Críticos religiosos do heliocentrismo, à época, julgavam que a teoria geocêntrica era, esta sim, compatível com a crença
cristã, enquanto sua alternativa era incompatível. Hoje, nem mesmo grupos fundamentalistas percebem uma
contradição, e muito menos as igrejas tradicionais ou os cientistas ateus ou agnósticos.
A situação com o evolucionismo é, sem dúvida, um pouco mais complicada. Podemos, no entanto, dizer que isso se
deve em boa parte às conseqüências filosóficas, morais, teológicas extraídas por alguns de seus defensores. Se esse tipo
de argumento for legítimo, há um conflito. Por outro lado, também parece que esse conflito é alimentado por uma
interpretação literalista em demasia dos textos sagrados. Isso indica depender o conflito de certas concepções do
alcance das teorias científicas (concepções estas que não são científicas no mesmo sentido em que o são as teorias) e de
concepções hermenêuticas acerca de como deve ser entendida a revelação.
Contudo, há tanto teólogos quanto cientistas (crentes ou descrentes) que sustentam serem a ciência e a religião duas
esferas explicativas completamente independentes e sem relação. Assim, não há como surgir qualquer conflito. É
preciso preservar a integridade de cada esfera. Erram os teólogos que supõem poder extrair hipóteses científicas dos
relatos bíblicos (no caso do cristianismo, mas o mesmo raciocínio se aplica a qualquer outra religião que tenha texto
sagrado), e erram os cientistas que supõem poder extrair conseqüências morais, filosóficas ou religiosas de teorias e
hipóteses científicas. Água e óleo não se misturam, mas, por isso mesmo, não são incompatíveis, e um não anula o
outro.
Esta tese da independência ou da integridade da ciência e da teologia pode ser mantida, sem, no entanto, afirmar
que são duas esferas completamente separadas. Uma terceira abordagem sustenta a necessidade de integrar religião
(ou, talvez melhor, teologia) e ciência em uma explicação mais abrangente. Essa integração seria sempre historicamente
condicionada, podendo e devendo ser revisada, na medida em que se alteram e progridem ambas as esferas.
Essas considerações mostram que o conflito entre ciência e religião, ou o uso da ciência na religião, ou o uso da religião
na ciência, não é algo que deva ser simplesmente aceito ou recusado. É preciso considerar atentamente qual teoria científica
se tem em mente, qual interpretação teológica é suposta e qual visão geral da relação entre ambas é pressuposta.

Religião e moral

Algo que chama a atenção de quem participa das religiões ou as observa é a íntima conexão destas com a moral. Muitos
procedimentos e discursos religiosos (praticados no âmbito das religiões organizadas, especialmente) parecem consistir em
admoestações para que as pessoas corrijam seu modo de vida e passem a agir de acordo com códigos morais mais estritos,
que não se restringem a proibir determinados atos, mas também exigem do crente ações positivas, de auxílio aos doentes,
aos necessitados, por exemplo. Mesmo que haja diferença (embora não tão acentuada) entre os códigos morais professados
por diferentes religiões, não há como afirmar que essa relação seja meramente circunstancial, como parece ser o caso da
relação entre ciência (especialmente as chamadas ciências naturais) e religião. Como podemos explicar essa conexão íntima?
Uma proposta de explicação procura reduzir a religião à moral. Isso implica dizer que o significado essencial da
religião se encontra na moralidade. A religião consistiria em uma forma disfarçada ou mais eficiente de induzir as
pessoas a um comportamento ético desejável. Alguns pensadores sugeriram que há uma similaridade entre o papel das
religiões e o ensinamento moral de uma criança. Assim como se faz necessário por vezes ensinar bons modos a uma
criança na base de punições ou histórias fantasiosas, há pessoas (e são elas muitas) que precisam receber as idéias
morais acompanhadas de alguma narrativa cósmica ou divina. Caso contrário, não compreenderão a norma moral nem
se submeterão a ela. Mas, uma vez que se tornam maduras e autônomas, percebem que a moral se mantém por si
mesma e podem, então, abandonar a religião.
Esse tipo de explicação pressupõe a falsidade das histórias e/ou idéias religiosas. Se aceita por alguém, essa
pessoa deixa de ser, em um sentido mais forte, religiosa. Esse resultado não quer dizer que a explicação esteja
equivocada. Contudo, outras objeções que mostrariam a inadequação de uma tal hipótese podem ser mencionadas.
Primeiro, não faz jus ao fenômeno religioso. Mesmo que a moral seja parte integrante das religiões, não é tida como
única nem como a principal. Outros elementos importantes são a estética, os ritos, os mistérios, a ação de Deus na
história (no caso das religiões teístas). E o que, prestando atenção ao discurso religioso como tal, parece ser o mais
importante está naquilo que se poderia chamar de realidade última, o verdadeiro por trás das aparências, o
efetivamente real, o fundamento de tudo que existe (vamos chamar isso de o elemento metafísico). Por exemplo, no
cristianismo, considera-se como o ponto mais importante saber quem é Deus, quais seus atributos, qual sua relação
conosco. Se o Deus cristão fosse apenas um princípio moral, ou o princípio do bem, o cristianismo perderia muito de
seu sentido. Mesmo que alguém julgue ser o cristianismo, em última análise, falso, dizer que sua essência é a
moralidade constitui uma simplificação grosseira; além disso, para dizer que o cristianismo é falso, é preciso supor a
seriedade do elemento metafísico. Acrescentemos ainda que uma crítica feita constantemente por pessoas que
consideram os relatos religiosos como fantasia se refere à crueldade e à violência que as religiões exibem, ao terror
mental que exercem sobre os crentes, à sua intolerância. Se uma tal crítica faz sentido, é justamente porque a conexão
entre moral e religião não pode ser adequadamente explicada como se a essência da religião fosse a moral.
Outra explicação, e esta a favorecida pelos religiosos, está em que o elemento metafísico provê o fundamento da
moral. Esta depende da religião e lhe dá o suporte real de que ela necessita. Como a moral não é descritiva, mas
normativa, ou seja, diz como devemos agir ou que hábitos virtuosos devemos cultivar, não seria ela capaz de responder
à questão sobre sua própria validade. Se alguém pergunta por que deve ser moral, é preciso apontar para algo fora da
moral, para a realidade, para as coisas como elas realmente são. Devemos ser morais porque assim é o mundo. Por
exemplo, o cristão deve observar o decálogo porque Deus assim o quer, ou porque Deus criou o mundo de tal forma
que a inobservância dos princípios e das regras morais afeta e perverte toda a natureza.
Mas há uma outra alternativa de como compreender a relação entre moral e religião, pela qual nenhum desses dois
elementos serve de razão ou fundamento do outro, embora permaneçam intimamente ligados. A religião não é uma
forma mítica de impor regras morais nem necessita a moral de um fundamento religioso. São autônomas, sem, no
entanto, que isso implique que qualquer moral é compatível com qualquer religião.

Religião e teologia

Muitas vezes, os termos teologia e religião são considerados como sinônimos. Contudo, convém distingui-los para
melhor compreender o fenômeno religioso. Teologia é um termo grego e significa “conhecimento sobre Deus”. Hoje em
dia, é comum a distinção entre teologia natural e teologia revelada. Teologia natural se refere àquele conhecimento
sobre Deus que se baseia na experiência comum – quando, por exemplo, observamos o mundo ou quando consideramos
nossos sentimentos internos – e na racionalidade, enquanto teologia revelada se refere àquele conhecimento sobre Deus
que se baseia em alguma manifestação direta da divindade. E no que isso difere de religião?
A diferenciação pode ser especialmente útil para aquelas religiões que têm um texto sagrado e/ou uma tradição
considerada normativa. Assim, religião consistiria no conjunto de verdades reveladas (por exemplo, no cristianismo, que
Deus é triúno, que Jesus é Deus encarnado) de forma clara e não simbólica, enquanto teologia significaria a reflexão
organizada e sistematizada da revelação. Além disso, haveria os ritos e os modos de vida eclesial (de igreja, ou religião
organizada). Desse modo, seria possível manter um núcleo fixo e uma concepção progressiva da experiência e da
reflexão religiosas, consideradas então como teologia. A religião não muda, mas a teologia sim, especialmente no que se
refere a suas relações com a ciência e a cultura.
(2)

h induísmo

Ronaldo Steffen

p erfil
• Fundador: não há fundador.
• Ano de fundação: as raízes do hinduísmo
remontam a um período entre 1500 a.C. e 200 a.C.
• Textos sagrados: Livro dos Vedas, que consiste numa
coletânea de quatro obras, das quais certas partes
datam de 1500 a.C.
• Estatística: hoje, cerca de 80% da população da
Índia é hinduísta. O restante divide-se entre
muçulmanos (10%), cristãos (4%) e outros grupos
(6%). Em todo o mundo, os hinduístas perfazem
cerca de 13% da população mundial.

(2.1)
h istória

O passado

É difícil identificar uma data para registrar o início do hinduísmo. Costuma-se atribuir a alguma data entre 1500 a.C. e
200 a.C. Nesse período, um grupo de nobres (denominados de arianos) dominou o vale do rio Indo. Os nobres
trouxeram suas crenças, fortemente influenciadas por concepções religiosas indo-européias (grega, romana e
germânica). Esse período é denominado de período védico do hinduísmo em razão dos hinos recitados pelos sacerdotes.
Esses hinos eram chamados de vedas e significam “conhecimento”.
O sacrifício era importante para o culto ariano. Faziam-se oferendas aos deuses a fim de se conquistarem seus favores
e se manterem sob controle as forças do caos.
Achados arqueológicos no vale do rio Indo indicam que houve uma civilização avançada na Índia, anterior à
chegada dos indo-europeus, e é certo que essa civilização também contribuiu para o hinduísmo moderno.
Num período posterior, provavelmente entre 1000 a.C. e 500 a.C., surgiram os Upanishads, escritos em forma de
diálogos entre o mestre e o discípulo. É nesse período que é introduzida a noção de Brahman, a força espiritual essencial
sobre a qual se baseia todo o universo. É por essa razão que se diz que todos nascem do Brahman, vivem no Brahman e
retornam ao Brahman por ocasião da morte.

Os “Upanishads” introduzem a idéia de “Brahman”. Todos


nascem dele, vivem nele e na morte retornam a ele.

Hoje

O hinduísmo, embora originário da Índia, possui adeptos espalhados por todos os países a sua volta, em especial
Nepal, Bangladesh e Sri Lanka.
Apenas em 1947 é que a Índia deixa de ser um Estado religioso e passa a garantir direito de expressão religiosa a
todas as denominações religiosas.
Nesse mesmo ano, a tensão entre hinduístas e muçulmanos em razão da independência da Índia resultou na
criação do Paquistão como um Estado muçulmano separado, dividido em duas partes distintas, o Paquistão do Leste e
o Paquistão do Oeste. Depois da guerra de 1971 entre a Índia e o Paquistão, o Paquistão do Leste se tornou um Estado
independente com o nome de Bangladesh.

(2.2)
e nsinamentos

Deuses

A multiplicidade do hinduísmo também se manifesta em seu conceito de transcendente. Há duas formas de compreender
o tema: uma filosófica (Brahman é o princípio e a realidade última; o universo em sua totalidade é um só com a
divindade; Brahman toma a forma de três divindades: Brahma, Vishnu e Shiva, respectivamente o Criador, o
Mantenedor da criação e o Destruidor) e outra popular, ou menos acadêmica (acredita-se num grande número de
divindades a tal ponto que as aldeias elegem sua divindade local).

Deusas

O hinduísmo tem uma série de deusas. Alguns adotam a teoria de que essa abundância de deusas não passa da
expressão de uma grande e poderosa divindade feminina, a Rainha do Universo ou Deusa-Mãe. Sua manifestação mais
conhecida é Kali, a deusa negra, adorada, sobretudo, no Leste da Índia e a quem se sacrificam animais. O alto status de
Kali no mundo dos deuses é evidente pelas imagens que a mostram pisoteando o corpo de Shiva.
A importância das deusas na religião indiana é visível pela escolha da Mãe Índia (Bhárata Mata ou Bharthamata)
como a divindade nacional do moderno Estado da Índia. Na cidade de Varanasi há um templo especial que lhe é
dedicado. Ali, em vez de uma representação da deusa, está exposto um mapa da Índia.

Divindades menores

A maioria das aldeias tem seu templo dedicado a Vishnu ou a Shiva. Esses deuses se concentram nas questões maiores,
universais e, em geral, são homenageados nos grandes festivais. Num nível mais doméstico, as pessoas costumam
visitar pequenos templos dedicados a divindades menos importantes.
Embora não sejam tão poderosas como Vishnu ou Shiva, é mais fácil se aproximar delas para assuntos de menor
importância, tais como os problemas pessoais.

Há deuses para as questões universais


e deuses para as questões pessoais.

Os deuses menores por vezes exercem influência em áreas específicas, como, por exemplo, em certos tipos de
doença. Muitos deles têm origem humana: podem ser heróis que morreram em batalha ou esposas que se ofereceram
para serem queimadas na pira funerária do marido. Alguns deuses são espíritos malignos que foram deixados para trás
por homens maus. Ao cultivar esses espíritos como deuses, é possível controlar e neutralizar sua maldade.

Ser humano

A concepção que o hinduísmo desenvolve a respeito do ser humano está intimamente vinculada a uma compreensão
ampla que privilegia os entendimentos sobre carma, reencarnação e o sistema de castas.

Carma e reencarnação

O ser humano tem uma alma imortal que não lhe pertence. Depois da morte, a alma volta a aparecer pelo
renascimento, não necessariamente em forma humana, podendo, também, vir a renascer num animal.
O conceito que explica esse eterno vai-e-vem da alma é o carma (“ato” ou “ação”) do ser humano, referindo-se tanto
às ações como aos pensamentos, às palavras e aos sentimentos. Desse modo, entende-se que o carma é determinante
para o que irá ocorrer numa próxima existência. Muito embora se possa concluir que o carma é uma punição ou uma
recompensa das ações humanas, não é esse o modo de compreender sua extensão. É como se ele fosse apenas uma lei
natural da existência. Colhe-se aquilo que se planta, e é justamente isso que explica as diferenças entre as pessoas. O ser
humano é responsável por si mesmo e de posse do livre-arbítrio está apto a produzir as mudanças necessárias com
vistas a uma melhor existência posterior, quando renascer.

O sistema de castas

O surgimento do conceito de casta é confuso. O fato a ressaltar é a chegada dos arianos à Índia, com língua, cultura e
traços fisionômicos (altos, pele clara, olhos azuis e cabelos lisos) diferentes. A diferença propiciou um sistema de
identificação pela cor (varna, em sânscrito). As classificações tiveram ampliação à medida que a organização se fazia
necessária, de modo que se chegou a uma estratificação com quatro classes sociais: videntes, administradores,
produtores e seguidores.

Religiosamente, as castas indicam o grau


de pureza ou impureza de uma pessoa.

Na prática popular, hoje, a casta é entendida como as possibilidades que alguém tem de se relacionar com coisas
mais puras ou impuras. Essas possibilidades são determinadas pelas regras que conduzem cada casta: castas elevadas
buscam cada vez mais distanciamento das coisas materiais; castas mais baixas se permitem a aproximação com as
coisas da matéria. Duma ou doutra forma, se alguém quebrar alguma das regras de sua casta, restam-lhe os rituais de
purificação, sendo o mais conhecido o banho num dos muitos rios sagrados.
Os efeitos do sistema de castas e suas regras específicas influenciam diretamente a base da divisão de trabalho na
comunidade. Certas atividades e certos trabalhos são tão impuros que somente determinadas castas podem realizá-
los. Essas castas têm o dever de ajudar os outros a manterem sua pureza. Por outro lado, apenas as castas que
preencham os requisitos de pureza podem se aproximar dos deuses mais elevados. Para que isso ocorra com mais
facilidade, outras pessoas devem ser impuras. Entretanto, todos se beneficiam da limpeza dos puros, pois todos os
hinduístas tiram proveito dos ritos que são praticados.
O sistema de castas deu um novo contexto à vida do indiano moderno. Assim, ser expulso de sua casta é o pior
castigo imaginável e, por isso, só utilizado para crimes muito sérios. O nível mais baixo no sistema de castas é o dos
intocáveis ou sem-casta (também chamados de párias): criminosos, lixeiros e curtidores de couro de animais, por exemplo.
As complexas regras que controlam o contrato social entre as castas eram muito rígidas. A Constituição da Índia, de
1947, introduziu, no entanto, medidas com a finalidade de banir a discriminação por casta. Como não basta mudar a
legislação para acabar com antigas divisões sociais e religiosas, o sistema de castas continua tendo um papel
importante, em especial nas aldeias.

Vida e morte

Durante o período védico, as doutrinas do carma e dos renascimentos eram vistas como algo positivo. Por meio dos
sacrifícios e das boas ações, o ser humano podia garantir que viveria várias vidas. Mais tarde, o hinduísmo passou a
considerar esse ciclo como algo negativo, como um círculo vicioso a ser quebrado. É possível, assim, distinguir três
caminhos para a libertação: as vias do sacrifício, do conhecimento e da devoção.

A via do sacrifício

Como vimos, a palavra indiana para ”ato” é carma. Hoje ela é usada para denotar todos os atos humanos e até mesmo a
coletividade desses atos. No período védico, o termo se referia basicamente a atos religiosos ou rituais, em especial aos
atos sacrificiais. Estes eram necessários para incrementar a fertilidade e manter a ordem universal, além de propiciar a
possibilidade de libertação do constante nascer-renascer, integrando-se de modo definitivo com Brahman.

A via da compreensão ou do conhecimento

A compreensão ou o conhecimento é apenas uma das formas de libertar-se do ciclo de renascimentos, pois se enfatiza que
é a ignorância que aprisiona o ser humano a esse ciclo.
Compreender a verdadeira natureza da existência, o oposto da ignorância, é, portanto, um caminho para a
libertação. É apenas quando o ser humano adquire o reto conhecimento que ele é redimido da implacável roda da
transmigração. O reto conhecimento mencionado nada mais é do que a compreensão de que a alma humana (atmã: é o
reflexo da alma universal e encontra-se nos seres humanos, nas plantas e nos animais) e o mundo espiritual (Brahman)
são uma e a mesma coisa.

A via da devoção

Uma terceira rota para a salvação é a via da devoção. Essa proposta começou a difundir-se no Sul da Índia, por volta de
600 a.C. e logo se espalhou por toda a região da Índia. Já no século III a.C. esse caminho para a libertação encontrara
sua expressão no Bhagavad Gita, um poema catequético. Essa terceira tendência do hinduísmo é a que predomina na
Índia moderna, e o livro Bhagavad Gita é o texto sagrado que ocupa o lugar supremo na consciência do indiano médio.

Cumprir os rituais. Buscar o conhecimento.


Contemplar.A religião na Índia oferece a possibilidade de
vários caminhos para a libertação, e essa multiplicidade
é mais uma característica do hinduísmo.

Mundo

É plural

O mundo não é uno, mas plural. Há diversos mundos interconectados pela mesma razão. É como se fossem infinitas
galáxias, e cada uma com o seu ponto de referência, como a Terra. Para dar uma dimensão superlativa ao conceito de
infinitas galáxias, o hinduísmo entende que entre esse ponto de referência e o restante da galáxia há diversos outros
mundos mais sutis, acima, e mais grosseiros, abaixo. Os mundos sutis e grosseiros são os espaços ocupados pelas almas
e que por eles transitam conforme os méritos adquiridos ou não.
Cada mundo e galáxia têm ciclos diferentes de tempo. Há tempo que se expande e tempo que se recolhe, eterna e
incontavelmente no mesmo movimento, estabelecendo os ciclos cósmicos.

É meio

O mundo e suas galáxias têm uma razão. É o espaço onde as almas individuais cumprem a inexorável lei do carma até
sua libertação. Inerente ao conceito de carma está que toda decisão do ser humano terá determinadas conseqüências.
Não há fatalismos no universo.
Nos mundos mais grosseiros há uma percepção maior dos elementos sensoriais. Em razão dos prazeres
proporcionados, geralmente assentados no eu individual, o ser humano deve buscar a libertação para mundos cada vez
mais sensíveis, em direção ao EU absoluto, o Transcendente, até sua integração completa.

É moderado

O mundo e suas galáxias são o espaço onde bem e mal, prazer e dor, conhecimento e ignorância se entrelaçam em
proporções quase iguais. Não faz parte dos propósitos do universo ser um paraíso, mas o espaço onde o espírito do ser
humano pode viabilizar seu aprendizado de integração ao Transcendente. É como se o universo perceptível servisse
apenas para poder perceber-se que há outra realidade além dele.
É maya

O mundo e suas galáxias são maya. A palavra maya possui a mesma raiz que mágica. Na mágica, o que vemos nem
sempre é o que pensamos ver. Assim é o universo. Enquanto em processo de constantes renascimentos, o ser humano
pode cair no ardil de que a materialidade e a multiplicidade são realidades independentes, quando, em realidade, são
Brahman, o todo inclusivo de tudo o que é e de tudo o que não é.
O mundo e suas galáxias podem ser a prisão do ciclo de constantes e infindáveis renascimentos do ser humano. O
universo aí está para poder perceber-se sua unidade, que é Brahman. Mesmo que o ser humano não o perceba ou o
perceba apenas parcialmente, ele continua sendo Brahman.

É lila

O mundo e suas galáxias são o espaço lila (“dança”) do Transcendente. É onde ele dança, numa espécie de jogo, de
forma incansável, infinda, irresistível, mas absolutamente benéfica. É o jogo que o Transcendente criou a fim de que o
finito seja superado e destruído pelo infinito.

(2.3)
p rincipais tendências

Escolas do pensamento hindu

Entre os séculos II a.C. e IV d.C., surgiram seis escolas ortodoxas da filosofia clássica hindu, descritas a seguir. Não
eram grupos organizados, mas sistemas de pensamento que apresentavam perspectivas diversas, porém
complementares, de métodos devocionais, interpretação das escrituras e cosmologia.

• Vaiseshika – Defende que a libertação do ser humano se dá pela compreensão das leis da natureza.
• Nyaya – A libertação do ser humano se dá pelo conhecimento por meio do raciocínio lógico.
• Samkhya – A libertação do ser humano ocorre quando se alcança a união da alma individual com o
Transcendente (moksha) por meio da consciência que se desvencilha das preocupações mundanas e materiais.
• Mimamsa – A libertação do ser humano dar-se-á à medida que os escritos sagrados forem adequadamente
interpretados e, em decorrência, produzirem o justo agir (darma).
• Vedanta – A libertação do ser humano é decorrência da correta compreensão do Transcendente e dos
conhecimentos espirituais, possibilitada pela igualdade entre a alma individual e o Transcendente.
• Bhakti – A libertação do ser humano é possível em razão das atitudes devocionais que permitem a união entre
a alma individual e o Transcendente, embora sejam diferentes.

Correntes hindus modernas no Ocidente

Em meados do século XX, surgiu na Europa e nos Estados Unidos um grande interesse pela espiritualidade oriental.
Dentre as muitas razões para isso, podemos afirmar que o Ocidente materialista, espiritualmente estéril, percebeu que a
vida e o viver iam muito além dos reducionistas aspectos biológicos. Esse interesse, que atingiu seu ponto culminante
nas décadas de 1960 e 1970, concentrou-se no budismo e no hinduísmo, com destaque para a ioga. Surgiram inúmeros
movimentos que apresentaram o modo hinduísta de responder às questões da vida. Eram, em regra, movimentos
centrados na personalidade de algum mestre (guru) carismático, venerado como se fosse um avatar. Dos movimentos
que permaneceram na ativa após a morte de seus fundadores, destacamos:

• Meher Baba (1894-1969) – Foi o primeiro guru moderno de importância a conquistar adeptos no Ocidente.
Nascido na Índia, elaborou uma doutrina que sintetizava várias tradições religiosas, inclusive os conceitos de
carma e samsara (“renascimento cíclico”). Ensinava que o estado de iluminação que liberta só se alcança por
meio do amor puro, desinteressado.
• Sociedade Internacional da Consciência de Krishna – Foi fundada em meados da década de 1960 no Ocidente por A. C.
Bhaktivedanta Swami Prabhupada (1896-1977). Seus discípulos de túnica amarela procuram a iluminação por
meio do estudo das escrituras védicas, em especial o Bhagavad Gita, e do canto de um mantra em louvor a
Krishna e Rama (graças ao qual o movimento é popularmente conhecido como Hare Krishna). Praticam um
ascetismo rigoroso, que inclui o celibato, a não ser com finalidade de procriação e dentro do casamento.
• Meditação transcendental – Ensina um método simples de meditação que se baseia em um mantra pessoal (palavra
ou frase) que, constantemente repetido, produz o efeito de reduzir o estresse e de promover a integração
pessoal e, por conseqüência, a iluminação que liberta. Foi trazido para o Ocidente por Maharishi Mahesh
Yogi, nascido em 1911, em fins da década de 1950 e alcançou popularidade quando os Beatles se tornaram
seus adeptos.
• Missão da Luz Divina – Fundado na Índia em 1960 e no Ocidente em 1971, proclamou um menino guru, Maharah
Ji, nascido em 1958, o mais recente avatar do Transcendente. Ensina quatro técnicas de meditação que
capacitam os devotos a se voltarem para dentro de si mesmos a fim de experimentarem o estado de
iluminação: a Luz Divina, a Harmonia Divina, o Néctar Divino e a Palavra Divina.
• Bhagwan Shri Rajneesh (1931-1990) – Também conhecido como Osho. Ministra a doutrina do amor livre, da
sexualidade desinibida e dos atos impulsivos, juntamente com uma forma de meditação dinâmica que visa
liberar a energia da Terra. Uma das técnicas de liberação das energias reprimidas é o riso. Possui centros de
meditação em todo o mundo. Só no Brasil são oito centros, além de um jornal de circulação nacional.
(3)

b udismo
Ronaldo Steffen

• p erfil
• Fundador: Siddartha Gautama, identificado por
seus seguidores como Sakyamuni (pertencente ao clã
dos Sakya), Buddha (“o iluminado”) ou Bhagavat
(“senhor”). É tido como o quarto dos cinco budas
encarnados.
• Data de nascimento: não há certezas. As biografias
mencionam datas desde 624 a.C. até 410 a.C.

• Local de nascimento: reino dos Sakyas, na cidade de


Kapilavastu, próxima à fronteira atual entre a Índia
e o Nepal.
• Ano de fundação: estima-se que Siddartha tenha
atingido o estado de iluminação por volta de seus
35 anos de idade.
• Textos sagrados e reverenciados: os ensinamentos
de Buddha não foram originalmente escritos por
ele, mas transmitidos oralmente por seus
seguidores. Ao surgirem os primeiros escritos, duas
formas podem ser identificadas: o cânone sulista de
Pali, da tradição Theravada (escrito no Sri Lanka por
volta do século I a.C.), e o cânone nortista sânscrito,
da tradição Mahayana. O cânone de Pali é composto
por três obras (pitaka): a) Sutra: os discursos de
Buddha; b) Vinaya: as origens das regras da
disciplina monástica e c) Abdhidharma: tratados
escolásticos sobre a psicologia e a filosofia budistas.
Já o cânone de tradição Mahayana crê que as
doutrinas primeiras são incompletas e necessitam
ser aperfeiçoadas com os tratados interpretativos.
• Estatística: atualmente é um dos quatro maiores
grupos de tradição religiosa. Os números
correspondentes a essa afirmação são difíceis de
serem comprovados em vista das diversas escolas
budistas. Hoje é muito difundido no Sri Lanka e no
Sudoeste da Ásia, embora esteja também presente
na China, na Coréia e no Japão. Excluindo a China,
estima-se que cerca de 200 milhões de pessoas
professam a fé budista.

(3.1)
h istória

A Índia antes do budismo

O mundo à época do nascimento de Siddartha era de mudanças. Por volta de 1500 a.C., a Índia passou a ser
influenciada pela religião védica, trazida pelos guerreiros arianos. Possivelmente o processo sincrético ocorrido entre os
arianos e os não-arianos tenha originado o hinduísmo após séculos de evolução. Essas mudanças teriam ocorrido entre
os anos 1000 a.C. e 200 a.C. Além das revoltas filosóficas contra o vedismo e o bramanismo, duas religiões surgiram na
Índia: o jainismo e o budismo. Acresce que nesse tempo surgiram duas grandes escolas filosóficas: a Ajivakas, ou
nihilistas, e a Lokayatas, ou materialistas. Posteriormente, essas duas escolas opuseram-se ao hinduísmo. Popular
também à época do nascimento de Siddartha era um movimento denominado Sâmara, uma espécie de contracultura
dos mendicantes religiosos, que optaram pela renúncia ao mundo. Todos esses movimentos surgiram no exato
momento em que o ambiente da Índia era um campo fértil para novas idéias.

Nascimento e vida de Siddartha

O príncipe Siddartha cresceu em meio à fortuna e ao luxo. Seu pai ouvira uma profecia de que seu filho ou seria um
poderoso governante, ou abandonaria por completo o mundo. Esta última opção ocorreria caso o príncipe
testemunhasse as mazelas e o sofrimento das pessoas. Para evitar essa situação, tentou proteger seu filho, mantendo-o
recluso aos limites do palácio e cercado de delícias e diversões. Casou-se jovem com uma prima e mantinha um harém
de dançarinas.
Aos 29 anos, Siddartha experimenta uma situação que mudaria por completo sua vida palaciana. Embora proibido
pelo pai, arriscou-se a sair do palácio e viu, pela primeira vez, um velho, um homem doente e um cadáver em
decomposição. A contradição se interpôs quando, a seguir, viu um asceta com uma expressão de radiante alegria.
Percebeu que a vida de riqueza e prazer não traduz uma existência plena e com sentido. Questionou-se sobre a
possibilidade de haver algo que ultrapassasse a velhice, a doença e a morte. Percebeu-se tocado por um profundo
sentimento de compaixão pelas pessoas e por um chamado a fim de libertá-las do sofrimento. Ato contínuo, renuncia à
vida prazerosa do palácio, à sua esposa e filho e parte para uma vida de andarilho.
Da vida de abundância passa aos extremos dos exercícios ascéticos. Come cada vez menos; chega a alimentar-se
apenas com um grão de arroz por dia. O que esperava conseguir era o domínio do sofrimento. Sem resultado, adota o
“caminho do meio”, a meditação. Após seis anos de meditação ascética, aos 35 anos, chega à iluminação (bodhi), à
margem de um afluente do rio Ganges. Agora era um buda, um iluminado. Alcançara a percepção de que todo o
sofrimento do mundo é causado pelo desejo. É apenas suprimindo o desejo que o homem pode escapar de outras
encarnações e atingir a realidade última: o nirvana. Encontrara para si uma saída para a superação do sofrimento.
Passo seguinte, Siddartha decide compartilhar sua percepção.
À época, Benares era um grande centro religioso. É para lá que se dirige. Faz sua primeira pregação e desencadeia o
que se denomina de rodas de instrução. Monges mendigos tornam-se seus discípulos e por aproximadamente 40 anos o
seguem pelo Nordeste da Índia. Seus seguidores, desde o princípio, dividem-se em dois grupos: os leigos e os monges.
Por volta dos 80 anos, adoece e despede-se de seus discípulos. Daí para frente eles poderiam contar somente com o
darma (“instrução”) que Siddartha lhes havia dado nos anos anteriores.

(3.2)
e nsinamentos

Uma vez que o budismo surge dentro do contexto hinduísta como um caminho individual para a libertação dos
renascimentos, é natural que muitos de seus ensinamentos estejam marcados por esse pensamento. Destacam-se, de
modo especial, os pensamentos referentes às doutrinas do renascimento, do carma e da libertação (ou salvação).

Deuses

Buda não negou a existência dos deuses. Todavia, acreditava que esta era transitória, assim como a existência humana.
Embora eles vivessem mais tempo que os seres humanos, também estavam atrelados ao ciclo de renascimentos e em
nada podiam ajudar os seres humanos a se redimirem de tal ciclo.
Outro aspecto a ressaltar diz respeito à adoração de demônios, espíritos e outras divindades. Todos são seres vivos
e, se cultuados de modo correto, podem trazer vantagens para a vida neste mundo.

Ser humano

Para o hinduísmo, originalmente, todo ser humano, bem como todo o universo, possui uma única alma (atmã), que
sobrevive de uma existência a outra e é idêntica, total ou parcialmente, ao Transcendente universal (Brahman).
Buda rompe essa lógica. Nega que o ser humano tenha alma e rejeita a existência de um espírito universal. A alma é
fugaz e fruto da ignorância humana, que promove o desejo, fundamental para a criação do carma individual.
Nessa dimensão, o budismo entende a vida humana como uma série de processos mentais e físicos que alteram o
ser humano de momento a momento. Tudo é transitório.

“Aquilo que você planta é o que colhe.” O ser humano


é dono de seu destino: o que pensa e faz é determinante
de seu futuro cósmico.

Vida e morte

A lei do carma

Para Siddartha, o Buda, o ser humano é escravizado por uma série de renascimentos. Como todas as ações têm
conseqüências, o princípio propulsor que está por detrás do ciclo nascimento-morte-renascimento são os pensamentos
dos seres humanos, suas palavras e seus atos (carma).
A idéia básica consiste em que tudo o que fizemos em determinada vida, ainda que passada, repercute e alcança-
nos no presente. As ações de uma vida estendem-se a outra. O ser humano irá colher no presente aquilo que plantou
no passado. Não há “destino cego” nem “divina providência”. Daí a impossibilidade de escapar do carma. Enquanto
houver um carma, o ser humano está fadado a renascer e manter-se preso à existência humana, não transcendendo.
Em razão disso, torna-se imperiosa a busca por uma saída que seja capaz de produzir a libertação humana.

As quatro nobres verdades sobre o sofrimento

O denominado Sermão de Benares, que apresentou as quatro verdades sobre o sofrimento humano, ocorreu depois que
Siddartha obteve o estado de iluminação. As quatro verdades demonstram o seguinte:

• Tudo é sofrimento – Para o budismo, o sofrimento implica algo mais do que mero desconforto físico e
psicológico. Toda a existência é manchada pelo sofrimento, pois tudo é passageiro. Quem não percebe isso é
cego. Isso, no entanto, não significa que o budismo negue toda a felicidade material e mental. A felicidade
pode ser encontrada em muitos setores da vida, como na família, e em muitas coisas que estão à volta do ser
humano. Porém, nada disso vai durar para sempre.
• A causa do sofrimento é o desejo – O desejo é o mesmo que ânsia. Há três tipos de desejos: desejo pela sensualidade,
desejo por ser/existir e desejo por não ser/não existir. Resumida e metaforicamente, significa prender-se a algo
no curso da existência como se ele fosse absolutamente substancial para o ato de existir. É o desejo que
produz a existência continuada e a necessidade do renascimento. Não é a transitoriedade da felicidade que
causa o sofrimento, mas a atitude frente a ela, como o apego e a ignorância.
• O sofrimento cessa quando o desejo cessa – A experiência de interrupção do sofrimento é tão real quanto a própria
experiência do sofrimento. À interrupção do sofrimento dá-se o nome de nirvana. O nirvana é a cessação de
mudança. O nirvana pode apenas ser experimentado, mas não descrito. Resumidamente pode ser definido
como a cessação dos apegos ou dos desejos e certamente não é identificado com o céu. O nirvana não é um
lugar real ou metafórico. Em vez disso, o pressuposto é que a dor e a cessação da dor são duas
experiências reais realizadas aqui e agora e, por isso, nirvana não é um estado futuro. Simplesmente é o
estado em que o desejo cessa completamente.
O desejo cessa seguindo-se o caminho das oito vias – São elas:
• Entendimento (ou percepção/visão) justo: para conhecer a natureza e a origem do sofrimento, a cessação do
sofrimento e o caminho que conduz para a cessação do sofrimento.
• Resolução justa: renunciar à materialidade presente no mundo e não prejudicar ou eliminar qualquer ser vivo.
• Palavra justa: abster-se da mentira ou da calúnia, da injúria e dos mexericos.
• Conduta justa: abster-se de tirar a vida, roubar e praticar a luxúria.
• Sustento de vida justo: abster-se de pegar ou comercializar armas, consumir álcool e tóxicos e de qualquer outra
atividade que possa trazer prejuízo a outros.
• Esforço justo: é a vontade necessária para estancar as más qualidades que afloram à mente, eliminar todas as
que ali ainda estão e desenvolver bons estados mentais.
• Pensamento justo: ter consciência do seu próprio corpo, dos sentimentos e das atividades da mente.
• Meditação justa: é quando, privado de luxúria e disposições erradas, a serenidade interna é desenvolvida por
meio da prática de meditação. Esta é a atividade que, em última análise, conduz ao nirvana.

Analise os oito caminhos como uma proposta de


conduta ética e tire suas próprias conclusões.

Para pesquisar e confrontar:


Como o cristianismo explica o sofrimento?
Nirvana e céu são a mesma coisa?

Ética

Com a decisão de Buda, depois de alcançar a iluminação, de tornar-se guia do ser humano, passam a ser fundamentais
para o budismo o amor e a compaixão. Não só as ações, mas também os sentimentos e os afetos são importantes. A
caridade realizada não apenas afeta aos outros, mas contribui para enobrecer o próprio caráter de quem a pratica.
Nessa dimensão, o budismo tem cinco regras de conduta:

• Com relação às criaturas vivas: evitar toda maldade.


• Evitar o roubo.
• Ser responsável nos prazeres sensuais.
• Falar apenas a verdade.
• Evitar o uso de álcool e drogas.

Mundo

No mundo tudo é transitório. Nada é definitivo e, por isso, essa transitoriedade deve ser abandonada para evitar-se
todo e qualquer desejo. Notemos, no entanto, que, quando se fala em abandonar a transitoriedade da materialidade
constante no mundo, o que se tem em mente é o apegar-se a essa materialidade como se ela fosse capaz de resolver os
problemas da natureza humana. A única saída para a transitoriedade do mundo é o nirvana.
Uma vez que o nirvana é o oposto direto do ciclo de renascimentos, e uma vez que ele não pode ser comparado a
nada neste mundo, só é possível dizer que o nirvana não é. Alcançá-lo só é possível por meio do estado de iluminação e de
nada adiantam, por si sós, as boas obras.
Embora o mundo não tenha autonomia, seja transitório e pleno de sofrimento, este é o espaço dado e no qual o ser
humano pode chegar à libertação plena dos renascimentos.
(3.3)
p rincipais tendências

Os pensamentos de Buda foram transmitidos oralmente. O resultado foi o surgimento de, pelo menos, 18 escolas
diferentes. As escolas relacionadas a seguir representam apenas as mais importantes ramificações do budismo no
mundo moderno.

• Budismo Theravada – É a mais antiga escola da tradição budista. Defende que cada ser humano é responsável
sozinho pela sua própria iluminação. Apenas poucos alcançam esse estado. A sabedoria e a disciplina são
virtudes valiosas. Os rituais não são fundamentais, e sim a devoção. Está presente no Sri Lanka, na Tailândia,
em Mianmar, em Laos e no Camboja.
• Budismo Mahayana – É o budismo das pessoas comuns. Enfatiza que qualquer pessoa pode alcançar o estado de
iluminação que liberta. A compaixão e o amor pelos menos afortunados são mais importantes que a
sabedoria.
• Budismo Zen – É um amálgama da escola Mahayana com o taoísmo. Zen é o caminho da iluminação por meio da
meditação e da vida simples, evitando as teorias abstratas e favorecendo a experiência direta de um espírito
“vazio” e aberto. Há duas grandes escolas: a Rinzai Zen, que dá ênfase à iluminação espontânea, e a Soto, que
enfatiza a concentração espiritual e corporal disciplinada na meditação. As escolas Zen também enfatizam a
pintura, a caligrafia e até a cerimônia do chá como expressões de um vínculo não interpretado com a
natureza. Tornou-se popular no Ocidente a partir da década de 1950, com o surgimento dos movimentos
holísticos.
• Budismo da Terra Pura – É o culto de um buda ou bodhisattva que vive numa terra pura, celestial. Seus devotos
procuram renascer na Terra Pura, onde alcançarão a iluminação libertadora.
• Budismo Nichiren – Também conhecido como Seita do Lótus, ensina que o budista verdadeiro é o que segue os
ensinamentos contidos no Sutra do Lótus, escritura do século I d.C. A ênfase é que Buda é eterno e cósmico,
manifestando-se incessantemente em budas terrenos. O maior grupo dessa tendência é o Nichiren Shoshu.
• Budismo tibetano – Também conhecido como lamaísmo, adota a doutrina do bodhisattva e o caminho gradual
rumo ao estado de iluminação por meio de rígidas disciplinas monásticas. O grupo mais importante nessa
tendência é de Gelugpa, fundado em fins do século XIV d.C. Seu líder espiritual é o Dalai-Lama (“guru
oceano”), cuja sabedoria é profunda e ampla como o mar. O Dalai-Lama é considerado a encarnação de um
bodhisattva, e cada dalai-lama sucessivo é a reencarnação do anterior. A partir do século XVII, o Dalai-Lama
passou a ser também o líder secular do Tibete, até o país ser ocupado pela China, em 1959, quando o Dalai-
Lama passou a viver em exílio.

No Brasil, como podemos ver a seguir, podem ser identificadas três grandes escolas budistas. Devemos levar em
conta que cada escola pode estar subdividida em vários grupos.
Escolha seu veículo

As diversas escolas budistas existentes podem ser


agrupadas em três tradições fundamentais. Ainda na
Índia, desenvolveram-se diferentes correntes com
interpretações específicas dos ensinamentos de Buda.
Desse budismo primitivo, sobrevive até hoje a tradição
Theravada. Simultaneamente, a doutrina de Buda correu
a Ásia e foi adaptada a diferentes culturas. O resultado é
a diversidade.

Quadro 1 – As três grandes escolas budistas

Início Região de Filosofia Grupos no Membros no Alguns líderes no


Consolidação Brasil Brasil Brasil

Theravada Séc. IV Sul da Ásia A figura do “veículo pequeno” resume o espírito Cerca de 5 Menos de 1 Pushwelle
(Hinayana) a.C. (Sri Lanka, da tradição Theravada, também chamada de mil Vipasse
Tailândia, Hinayana. Cada um é responsável por guiar o
Mianmar, próprio barco. Sozinho, o praticante busca a
Laos, auto-iluminação por meio da meditação e de
Camboja) uma conduta condizente com a doutrina de
Buda.

Mahayana Séc. I Norte da Ásia A tradição Mahayana pode ser simbolizada pela Cerca Cerca de 220 Monja
a.C. (China, figura do “veículo grande”. O fiel não apenas de 85 mil Sinceridade e
Coréia, Japão) busca a própria iluminação como pode contribuir Monja Coen
para que todos a sua volta evoluam
espiritualmente. O bodhisattva (ser iluminado) é
o timoneiro em um barco com muitos
passageiros.

Vajrayana Séc. VII Tibete Os primeiros missionários a visitar o Tibete Cerca Cerca Lama Michel e
d.C. tiveram de incorporar algumas práticas de 45 de 3 mil Segyu
xamânicas da população nativa. A tradição Rinpoche
Vajrayana, ou “veículo de diamante”, combina a
ética Mahayana com doutrinas esotéricas do
Tantrismo.

Consultoria: Prof. Frank Usarski, programa de pós-graduação em Ciências da Religião da PUC de São Paulo.
Fonte: Revista Isto É, 2003.
(4)

i slamismo

• p erfil
• Fundador: o profeta Muhammad (Maomé).
• Data de nascimento: 570 d.C.
• Local de nascimento: Meca, atual Arábia Saudita.
• Ano e local de fundação: 622 d.C., em Meca.
• Textos sagrados e reverenciados: Qu´ran (Corão),
coleção das escrituras divinas como reveladas ao
profeta Maomé pelo arcanjo Gabriel, e Hadith,
coleção de ditos de Maomé e seus seguidores e que
se perpetuaram com o decorrer do tempo.
• Estatísticas: estima-se hoje em cerca de 1 bilhão e
300 milhões de adeptos distribuídos por várias
localidades: Turquia, Oeste da África, Sul da Ásia,
Filipinas, Indonésia, Índia, Oriente Médio, Europa e
as três Américas. No Brasil, fala-se em 1 milhão de
adeptos.
(4.1)
h istória

Com origem na Arábia, o islã está profundamente relacionado com a cultura árabe. Ressaltemos, no entanto, que hoje
apenas uma minoria de seus seguidores são árabes. O islã está difundido por regiões da África e da Ásia, em especial, e
é seguido por cerca de 15% da população mundial.
A palavra árabe islam significa “submissão”. É pertinente ao seu conteúdo que o ser humano deve entregar-se a
Deus e submeter-se a Sua vontade em todas as áreas da vida. Esse entendimento sugere que, enquanto religião, o islã
abrange todas as áreas da vida humana, pessoal e social.
É a terceira e última das religiões originadas com Abraão, após o judaísmo e o cristianismo. Fruto de um “segundo
casamento” de Abraão, agora com Hagar, Ismael dá origem aos muçulmanos.
De importância capital para a compreensão do islã é a figura de Muhammad, ou Mohammed, ou, ainda, Maomé.

Maomé

Nasceu em Meca, na Arábia, por volta de 570 d.C. Nascido numa das principais famílias da cidade, ficou órfão ainda
criança. Criado por um tio, Abu Talib, foi trabalhar como condutor de camelos para Khadidja, viúva de um rico
mercador. Quinze anos mais velha que Maomé, veio a ser sua esposa e exerceu grande influência no desenvolvimento
religioso de seu esposo, que não teve outra mulher.

A formação religiosa de Maomé

Meca era um importante centro comercial e religioso da Arábia. Tribos nômades já adoravam, bem antes de Maomé, a
pedra preta, objeto de muitas peregrinações de beduínos. Era prática comum na região, também, cultuar muitos deuses
e seres sobrenaturais, quase sempre ligados a práticas animistas. Em geral, os cultos eram tribais. Aliás, a tribo e a
família eram estruturas centrais para o modo de vida dos nômades. Todo o sistema legal estava vinculado à tribo,
originada e mantida pelos laços de sangue. Era recorrente o exercício da lei do “olho por olho”, quando um dos
membros de uma tribo era assassinado por um membro de outra. Um cenário de constantes e sangrentas rixas fixou-se
como prática comum.

Maomé foi fortemente influenciado pelos ideais


judaicos e cristãos, especialmente o monoteísmo.

Já à época de Maomé, apresentava-se um quadro de transição. A sociedade beduína nômade começava a dar lugar a
uma sociedade urbana mais fixa. Com isso, a religião e as práticas tradicionais passaram a ser revistas. Nesse hiato
aumentou em muito a influência do judaísmo e do cristianismo. Com toda a certeza, Maomé foi fortemente influenciado
pelo monoteísmo e pela noção de fim de mundo acompanhado de juízo final.
O judaísmo havia se estabelecido em toda a Arábia depois da queda de Jerusalém em 70 d.C. Aos poucos, os judeus
incorporaram a língua e o estilo de vida dos árabes, mantendo, porém, sua própria crença e seu culto mosaico.
O cristianismo, por sua vez, também havia avançado por muitas regiões do Oriente Médio. Estados como a
Abissínia (atual Etiópia) e muitas tribos beduínas tornaram-se cristãos. Com certeza o grupo que mais influenciou
Maomé em sua formação religiosa foram monges e eremitas cristãos, que viviam isolados nos desertos da Arábia.
Devotos e generosos eram pródigos na ajuda aos viajantes.

Deus revela-se a Maomé

A recitação de Maomé resulta no Alcorão.

Era costume de Maomé retirar-se todos os anos para uma caverna aos arredores de Meca com o fim de meditar. Esse
hábito também era prática corrente dos eremitas cristãos, que, diferentemente de Maomé, fundamentavam sua
meditação em algum texto sagrado, em geral os Evangelhos da tradição cristã.
Aos 40 anos, Maomé teve uma revelação. Apareceu-lhe o arcanjo Gabriel com um pergaminho ordenando-lhe que
o lesse. Maomé não sabia ler e, em vista disso, o arcanjo incitou-lhe a recitar o que ouvia.
As recitações transmitidas por Maomé foram reunidas num livro, o Qu´ran, o Corão, apenas após a sua morte.
Assim como no judaísmo e no cristianismo, o islamismo também passa a ter seu livro sagrado.

De Meca a Medina

Após a revelação, Maomé começa sua pregação em Meca. Proclama-se profeta e mensageiro de Deus. As famílias abastadas
entenderam essa pregação como manobra para usurpar o poder político da cidade. Também as famílias assentadas no
tradicionalismo religioso se lhe opuseram por entenderem que, se abandonassem suas antigas crenças, estariam
reconhecendo que seus antepassados foram pagãos.
A crise estava instalada. A situação de Maomé piora após a morte de seu tio e esposa. Alguns de seus seguidores,
residentes em Medina, mostraram-se dispostos a aceitá-lo na cidade. Assim, em 622 d.C. Maomé sai de Meca e vai para
Medina.
Esse episódio é conhecido como hégira, que significa “rompimento” ou “partida”, mas jamais “fuga”.

A hégira é uma partida estratégica.


Lembre-se de que não é uma fuga.

Líder religioso e político

Em Medina, Maomé torna-se um líder religioso e político. Sem perder de vista seu futuro retorno a Meca, procura se
estabelecer financeiramente por meio de assaltos a caravanas pertencentes às famílias ricas de Meca. O conjunto das
atividades desenvolvidas por Maomé com vistas ao retorno a Meca é conhecido como jihad, hoje empregado para
designar a guerra santa.
Na década seguinte, Maomé toma a cidade de Meca por meios militares e diplomáticos. Ocupou, a seguir, grande
parte da Arábia. Em 632 d.C., pouco antes de morrer, havia realizado o feito de unir o país e torná-lo um só domínio,
no qual a religião tinha mais representatividade que os antigos laços familiares e tribais.

Atribui-se o nome “Jihad” ao conjunto das ações


que Maomé desenvolveu para voltar a Meca.
O Cisma no islã após Maomé

Após a morte de Maomé, a liderança do movimento foi assumida pelos califas, ou sucessores. Os três primeiros califas
eram parentes de Maomé. O quarto califa, Ali, genro de Maomé, casado com sua filha Fátima, era filho de seu tio, Abu
Talib, que o havia criado.

Surgem os xiitas e os sunitas.

O Cisma no mundo islâmico começa na época de Ali. Sua liderança foi repleta de controvérsias, e ele acabou sendo
assassinado por seus adversários. Os seguidores de Ali defendiam e acreditavam que, por ser o parente mais próximo
de Maomé, ele era o seu sucessor natural. Esses seguidores eram identificados como os Shiat Ali (o partido de Ali), ou
xiitas, que formam a base da religião oficial do Irã de hoje.
Os xiitas entendiam que a liderança do movimento deveria ser concedida a um descendente direto de Maomé,
enquanto o grupo divergente, facção bem maior que os xiitas, identificados como sunitas, julgava que a liderança cabia
ao indivíduo que de fato controlava o poder.
Após a morte de Ali, o califado teve sede em Damasco por algum tempo e, a seguir, instalou-se em Bagdá, onde
permaneceu por 500 anos. Depois disso, a liderança passou para o sultão turco de Istambul. O último sultão foi
derrubado em 1924 e, desde então, o mundo islâmico deixou de ter um califa como líder.

(4.2)
e nsinamentos

Deus

Não há Deus, senão Alá, e Maomé é seu profeta. Este é o resumo da fé islâmica: o monoteísmo e a revelação dada a
Maomé.

Monoteísmo

O termo “alah”, árabe, e o termo “el”,


hebraico, referem-se a “Deus”.

Alá não constitui um nome pessoal, mas, sim, a palavra árabe que significa “Deus”. Etimologicamente, a palavra alah se
relaciona com a palavra hebraica el, que é utilizada na Bíblia para nomear o Deus dos hebreus.
O politeísmo é atacado com veemência, ressaltando-se a crença num só Deus, que é criador e juiz. Ele criou o mundo
e tudo o que há nele. No último dia irá trazer todos os mortos de volta à vida para julgá-los.
Há uma forte ênfase no amor e na compaixão divinos. Embora Deus seja aquele a quem todos devem submeter-se,
também é o que perdoa e auxilia o ser humano. Este não merece nada de Deus nem pode invocar direitos sobre nada. A
salvação e a fé brotam somente da graça de Deus e são coisas que os seres humanos podem apenas ter esperança de
conseguir.

Revelação

Deus falou ao ser humano por intermédio de seu profeta Maomé. Ele é o último dos profetas enviados por Deus à
humanidade. Embora, de início, Maomé estivesse próximo às tradições judaico-cristãs, delas se distancia em razão de
controvérsias tidas com os judeus sobre narrativas do Antigo Testamento.
O fundo histórico do movimento desencadeado por Maomé é encontrado em Abraão e seu filho, Ismael,
antepassado dos árabes. Maomé ensinou que Abraão e Ismael tinham reconstruído a sagrada Kaaba, que fora erigida
por Adão e destruída pelo dilúvio. Para Maomé, tanto os judeus como os cristãos distanciaram-se do monoteísmo de
Abraão.
Quando em Medina, Maomé ensinara que, ao orar, o rosto deveria estar voltado para Jerusalém. Depois de
rompidas as relações com os judeus, a orientação mudou: o fiel, agora, deve estar de frente para Meca ao orar. Por essa
época também, designou-se a sexta-feira como dia sagrado da semana.
Em relação ao cristianismo, a diferença acentuou-se em relação à questão da Trindade. Além disso, houve
divergência quanto ao papel de Jesus, que, para o cristianismo, é o Verbo (Palavra) revelado, enquanto, para o
islamismo, a revelação é o próprio Qu´ran (Corão).

Ser humano

O ser humano possui um estatuto especial e uma posição privilegiada no universo. A vida é dádiva divina. O ser
humano é criatura divina perfeita e possuidor de uma alma que perdura após a morte.
A bondade lhe é inata por graça divina e não se perde por qualquer meio ou motivo. Não há a noção de um pecado
herdado. O ser humano é sempre bom. Quando muito, ele se esquece de sua origem divina e da bondade que lhe é
inerente. Para que isso não ocorra, o ser humano necessita constantemente reavivar suas origens e qualidades divinas.
O fato de ter sido escolhido por Deus para revelar-Se dá a dimensão exata dos grandes valores e qualidades
humanas.

Vida e morte
Os cinco pilares

A vida de um seguidor do islamismo está marcada por cinco passos bem definidos, denominados de Os cinco pilares,
descritos a seguir.

• Credo – “Não há outro Deus senão Alá, e Maomé é seu Profeta.” É a primeira coisa que se deve sussurrar ao
ouvido da criança recém-nascida e a última a ser sussurrada no ouvido do moribundo.
• Oração – Deve ser feita cinco vezes ao dia; o pressuposto é estar ritualmente limpo das impurezas, causadas
pelas funções corporais, o que é obtido pelo banho em água corrente.
• Caridade – É uma espécie de taxa sobre a riqueza e a propriedade, fixada em cerca de 2,5% sobre o montante;
ela é destinada a usos sociais, objetivando diminuir as desigualdades entre ricos e pobres, sem interferir no
princípio da propriedade privada. O islã não proíbe que se desfrute a vida na terra, mas lembra que se deve
ter sempre em mente o fato de que esta não passa de uma preparação para a vida que começará depois do
julgamento divino.
• Jejum – O Corão proíbe comer porco e beber álcool. De resto, nada se proíbe. A exceção é o jejum durante o
Ramadan, mês em que Maomé teve sua primeira revelação. Nesse período, entre o nascer do sol e o pôr-do-sol,
é proibido comer, beber, fumar ou ter relações sexuais. Os viajantes, os doentes, as crianças e as mulheres
grávidas ou que estão amamentando são exortados a cumprir o jejum numa data posterior.
• Peregrinação a Meca – Todo muçulmano adulto que dispõe de meios financeiros deve realizar, pelo menos uma
vez na vida, uma peregrinação a Meca. Os peregrinos que para lá se dirigem, passam a usar vestes brancas e
caminham em torno da Kaaba por sete vezes. Outro momento importante é quando os peregrinos vão ao
monte Arafat e lá ficam, sem cobrir a cabeça, do meio-dia até o pôr-do-sol. Foi no monte Arafat que Adão e
Eva se encontraram de novo, depois que foram expulsos do jardim do Éden. O ponto alto das festividades é o
sacrifício de algum animal (carneiro, bode, camelo, boi etc.). A finalidade é relembrar que Abraão foi tão
obediente a Deus que se dispôs a sacrificar seu próprio filho, Ismael. Deus foi misericordioso com Abraão e
enviou-lhe um animal para que ele o sacrificasse em lugar do filho.

Relações humanas – ética e política

Não há no islã distinção entre religião e política, tampouco entre a fé e a moral. O Corão é suficiente para resolver todas
as questões que envolvem os relacionamentos humanos. Quando as instruções do Livro não forem suficientes, recorre-
se a dois princípios:

• princípio da similaridade ou analogia: busca-se no Corão um exemplo semelhante e capaz de sugerir uma decisão;
• princípio do consenso: uma decisão de consenso pode ser vista como lei a ser observada.

Os xiitas adotam um terceiro princípio: o da revelação. Acreditam que a revelação não está concluída e que seus
líderes são os instrumentos divinos para as novas interpretações. Essa posição contraria a dos sunitas, que afirmam que
a revelação veio apenas uma vez, em sua forma final.

As mulheres no islã

Há profundos contrastes no tratamento concedido a homens e mulheres na vida social e nas leis relativas ao casamento.
Devemos, no entanto, ressaltar que o Corão, em relação às mulheres, determina tanto obrigações (“os homens têm
autoridade sobre as mulheres”) quanto direitos (o dote pago pelo marido, por ocasião do casamento, é propriedade da
mulher e não pode ser usado sem o consentimento dela).
A mulher só pode ter um marido. Já o homem pode ter até quatro esposas, desde que as possa sustentar. A
poligamia é proibida na Turquia e na Tunísia. Outra particularidade com relação ao casamento e que é pouco
conhecida, embora bastante difundida, é o casamento por contrato com tempo determinado. É utilizado, em especial,
quando o marido fica por muito tempo fora de casa e tem por fim preservar a sustentabilidade da mulher.
O divórcio é possível, mas apenas quando iniciado pelo marido, que é o responsável pelo lado financeiro do
casamento. O marido também tem o direito de punir fisicamente a mulher se ela for desobediente.
A excisão do clitóris (mutilação genital feminina) não é obrigatória, mas mesmo assim é praticada com freqüência
no Norte da África. Não há no Corão menção a essa prática, bem como à tradição de usar o chador, o véu.

A morte

Após a morte, a alma do fiel muçulmano vai a um paraíso desfrutar dos seus deleites e contemplar o rosto de Alá. A
alma do infiel, por seu turno, vai ao inferno. Aguardar-se-á o dia do juízo, quando as ações dos seres humanos serão
definitivamente julgadas e receberão a devida paga. As almas dos mártires e dos profetas não passarão pelo juízo final,
pois já estão no paraíso. O ato final será a proclamação do islã como religião mundial, liderada por Jesus.
A crença num julgamento final após a morte é necessária, segundo muitos muçulmanos, para que o ser humano
assuma a responsabilidade sobre seus atos. A idéia de um julgamento cria um senso moral de dever que é relevante
para a comunidade.

Mundo

O mundo foi criado por um ato deliberativo de Alá. Em decorrência, dois aspectos emergem: o mundo da matéria é
real e importante, e, por ser obra de Alá, que é perfeito em bondade e poder, o mundo material também o é.

(4.3)
p rincipais tendências

• Sunitas – Defendem que a unidade da comunidade islâmica é muito mais importante que a genealogia de seu
líder. Acreditam que o profeta morreu sem indicar um sucessor e que os líderes que o sucederam, os califas,
representam a sucessão legítima. Distinguem-se, ainda, pela ênfase dada à inescrutabilidade racional de Alá e
à extensão limitada do livre-arbítrio humano.
• Xiitas – Defendem que a unidade da comunidade islâmica só é possível reconhecendo-se que os descendentes
do profeta são os líderes (imã) ou modelos naturais escolhidos por Alá. É particularmente importante para
esse grupo não perder de vista que o terceiro líder, assassinado em 680 d.C. ao recusar-se jurar fidelidade ao
califa regente, optou pelo martírio como forma de obediência às revelações dadas ao profeta. Essa lembrança
manifesta-se no sentimento de luto que toma conta dos xiitas por ocasião da morte, quando em luta, de um de
seus adeptos. Possuem um clero hierárquico organizado, no qual a ascensão se dá segundo o grau de cultura,
sendo o mais alto nível o de aiatolá.
• Sufismo – É o grupo islâmico com tendência mística e cuja característica mais marcante é a renúncia ao eu por
meio de hábitos devocionais e pela convicção de que Alá é a verdade suprema da existência humana e o
caminho para os estados mais elevados de consciência e iluminação. O termo sufi designa “o que se veste com
lã”, numa referência possível às vestes dos primeiros sufis.

• Fundamentalismo islâmico – Defendem que a shari´ah (conjunto de regras islâmicas extraídas do Corão e dos
ensinamentos de Maomé) tem validade eterna e deve ser seguida à risca. O movimento surgiu por volta do
século XVIII como uma reação ao avanço ocidental e ao conseqüente relaxamento dos princípios da shari´ah.
Imaginam que será por meio de uma inserção cada vez maior na política que poderão ser restabelecidos os
princípios islâmicos. Defendem uma estrutura familiar patriarcal e entendem que os postos militares e
políticos só devem ser entregues a muçulmanos comprometidos com a comunidade islâmica e que aos
empregados deve ser dado tempo para as orações diárias. Acreditam ainda que se deve solidariedade aos
muçulmanos no mundo todo e opõem-se ao homossexualismo e ao aborto.
(5)

j udaísmo

Ronaldo Steffen

p erfil
• Fundador: Abraão e seus descendentes Isaque e
Jacó.
• Data de nascimento: por volta de 1700 AEC (antes
da Era Comum; é assim que os judeus preferem
identificar a cronologia antes de Cristo).
• Local de nascimento: provavelmente em Ur, na
Caldéia.
• Textos sagrados e reverenciados: a Torah, que
descreve a criação do mundo e a fundação do
reino de Israel, além de contar as leis divinas; o
Talmude, um conjunto de escritos jurídicos, éticos
e litúrgicos, bem como de histórias e lendas
judaicas.
• Estatísticas: fala-se em 15 milhões de adeptos,
dos quais seis milhões estão fora de Israel. No
Brasil, estima-se em 130 mil adeptos.
(5.1)
h istória

O judaísmo é uma religião inteiramente ligada à história. As narrativas bíblicas começam com Adão e Eva e os relatos
que apontam as conseqüências do pecado, manifestadas no desejo humano de rebelar-se contra Elohim (Deus). Segue-
se a expulsão do paraíso. Mais tarde, o mundo inteiro é destruído pelo dilúvio, salvando-se apenas Noé e sua família,
juntamente com todos os animais da Terra. Sodoma e Gomorra, cidades sem Elohim, são aniquiladas, e a torre de Babel
é derrubada por representar a tentativa humana de chegar até o céu.

De Abraão a Moisés

A fase histórica seguinte tem seu ponto de partida com Abraão, ao sair da cidade de Ur, localizada no atual Sul do
Iraque, por volta de 1700 AEC. Seguindo orientação divina, Abraão saiu de sua terra e foi em direção à terra indicada
por Elohim, a fim de formar um grande povo. Esse povo ganhou um nome após uma dramática luta entre Jacó, neto de
Abraão, e um anjo de Elohim. O anjo lhe dá o nome de Israel (o que venceu a Elohim). Os filhos de Jacó, mais tarde,
vieram a ser identificados como as doze tribos de Israel.

Confira esses relatos no “Livro de Êxodo”,


disponível em: http://www.sbb.org.br.

Com José, um dos filhos de Jacó, as narrativas bíblicas mostram como os israelitas foram parar no Egito. Após
serem escravizados, foram retirados do Egito com a ajuda de Moisés, numa jornada de 40 anos pelo deserto antes de
chegarem à Canaã, a terra prometida.
Fato marcante da travessia acontece no monte Sinai, quando Elohim dá a Moisés as duas tábuas da Lei com os Dez
Mandamentos.
Por volta de 1200 AEC, os israelitas conquistaram parte de Canaã, convivendo com povos não israelitas. Foi a época
dos juízes que cuidavam para que o povo respeitasse as leis dadas por Elohim. A luta com os filisteus, nesse período, foi
o episódio determinante da necessidade da criação de um poder político centralizado.

O reino de Israel

O ano 1000 AEC marca a introdução da monarquia por meio de Saul. Davi e Salomão são os expoentes desse período.
Com Davi, nascido em Belém, dá-se a unificação das tribos de Israel. Com Salomão, dá-se a construção do Templo de
Jerusalém no século X AEC.
A prática de sacrifícios no templo, espécie de oferenda, passou a ser uma forma mecânica de adoração. Surgem daí
os profetas. Destaca-se Amós, que viveu por volta de 750 AEC e atacava os males sociais, como a opressão dos pobres
pelos ricos.

O exílio na Babilônia

Advertidos pelos profetas do juízo e da punição divinos em razão do descumprimento das leis divinas, os israelitas,
sem retroceder, viram o seu reino dividido em dois: o reino do Norte (Israel) e o do Sul (Judá). Em 722 AEC os assírios
invadiram e devastaram o reino do Norte, que deixa de ter importância política e religiosa.
O reino do Sul foi conquistado em 587 AEC pelos babilônios, que deixaram como marca da ocupação a destruição
do Templo de Jerusalém. Os habitantes do reino do Sul tiveram permissão para voltarem a sua terra em 539 AEC e daí
em diante se tornaram conhecidos como judeus. O Templo de Jerusalém foi reerguido em 516 AEC.

Ocupação estrangeira

Seguidas vezes, após o retorno da Babilônia, os judeus caíram sob o domínio político estrangeiro. Foi assim que, em 70 EC
(Era Comum), uma revolta contra os romanos levou ao saque de Jerusalém. O Templo, que recentemente havia sido
ampliado pelo rei Herodes, foi outra vez arrasado. Dessa época em diante se estabelece um novo formato do judaísmo,
desvinculado do Templo e centrado na sinagoga. Muitos judeus estavam agora dispersos pelas terras do Mar Mediterrâneo.

História mais recente

A dispersão dos judeus provocada pelas diversas ocupações permitiu que eles, em muitas ocasiões e em diferentes
lugares, assumissem papel de grande importância e destaque, tanto nas letras como na economia (a religião lhes
permitia ganhar juros emprestando dinheiro).
No entanto, o que mais tem marcado a dispersão dos judeus é a constante campanha que diferentes países e
culturas têm desencadeado com o fim de afastar os judeus de seus limites geográficos, em especial a partir da Baixa
Idade Média. Por muito tempo o cristianismo encabeçou a perseguição aos judeus sob a alegação de terem sido os
judeus os culpados pela morte de Jesus. Da França e da Inglaterra os judeus foram deportados nos séculos XIII e XIV;
na Espanha a perseguição dá-se no século XV, e os judeus são expulsos desse país em 1492; em 1687, foram proibidos
de entrar no território da Noruega. Culmina o cenário de perseguição, na história recente, com o avanço nazista na
Europa, entre 1933 e 1945.
Mesmo em épocas em que as perseguições explícitas não ocorriam, os judeus continuaram a sofrer restrições:
tratados como párias sociais; obrigados a adotar nomes de fácil identificação e a residir em lugares específicos;
proibidos de possuir terras e assim por diante.
Apenas em 1948 veio o reconhecimento mundial com um ato da ONU, que criou o Estado de Israel. Os primeiros
passos foram dados no fim do século XIX. Muitos judeus pensaram na possibilidade de voltar para sua antiga pátria e,
assim, fugir das constantes perseguições de que eram alvo. Essa idéia foi chamada de sionismo. A princípio, muitos
sionistas desejavam criar um estado laico, secular, mas os judeus ortodoxos conseguiram realizar o seu desejo de que o
país fosse fundado com base na religião judaica.
Esse novo Estado tem vivido em contínuo conflito com o mundo árabe, também por causa dos milhares de
palestinos que foram deslocados de suas propriedades na época da fundação de Israel.
Hoje as terras israelenses abrigam apenas cinco dos onze milhões de judeus.

(5.2)
e nsinamentos

Deus

O judaísmo é uma religião monoteísta. Elohim, o Deus único, é o criador do mundo e o senhor da história. Toda vida
depende dele, e tudo o que é bom flui dele. É pessoal e tem preocupação com as coisas que criou.
Quem é Elohim é algo que não pode ser expresso em palavras. O nome de Deus é representado pelas letras IHVH,
um acrônimo que em hebraico significa “eu sou o que sou”. Esse acrônimo costuma ser lido como Jeová ou Javé, porém
o nome real é tão sagrado que sempre se usa algum sinônimo, como “o Senhor” ou “o nome”. Jeová é o criador e o
sustentador do mundo. A idéia de que Elohim possa não existir é alheia a um judeu.
Particularmente específica na concepção de Elohim é a expectativa nutrida pela vinda de um messias (“o ungido”)
que virá criar um reino de paz na terra. Historicamente, a expectativa remonta à época do rei Davi, quando os reis eram
ungidos ao subir ao trono. Desde o exílio babilônico, os judeus alimentam a expectativa da chegada de um messias,
saído da linhagem de Davi. Esse rei ideal restabeleceria Israel como uma grande potência, e seu povo desfrutaria de
eterna felicidade.
Até hoje essa expectativa continua viva. Nem todos os judeus, entretanto, identificam o Messias como uma pessoa;
alguns falam numa “era messiânica” – um estado de paz na Terra, com destaque especial para Israel. Há alguns judeus
que identificam a criação do Estado de Israel, em 1948, como o cumprimento dessa expectativa.

Messias:
• Alguns esperam a vinda de uma pessoa.
• Outros esperam uma era messiânica.
• Outros identificam que essa era chegou
com a criação do Estado de Israel.

Ser humano

O fato de que Elohim é um, e apenas um, reflete-se na existência humana. Toda a vida do ser humano deve ser
consagrada. Não há linha divisória que separe o sagrado do profano.

O ser humano, embora biológico, faz parte da essência


divina e deve cumprir a missão de Elohim aqui na
Terra.

Enquanto ser biológico, o ser humano faz parte do cosmo. No entanto, de tudo o que há no cosmo, o ser humano
foi escolhido como parte da essência divina, ultrapassando os limites biológicos. Por isso, faz parte da missão divina no
cosmo, realizando a mediação entre o Criador e a criatura. A tarefa mais importante do ser humano é cumprir todos os
seus deveres para com Elohim e para com seus semelhantes.

Vida e morte

A vida e a morte de um judeu têm seus caminhos e atalhos traçados nas Escrituras Sagradas.

Os Escritos Sagrados

O chamado cânone judaico foi fixado por um concílio em Jabne por volta de 100 EC. São 24 livros divididos em três
grupos:

• Torá (a Lei): os cinco livros de Moisés.


• Nevim (os Profetas): os livros históricos e proféticos.
• Ketuvim (os Escritos): os demais livros.

Além da Torá, os judeus obedeciam às regras transmitidas oralmente. Conforme a tradição, no monte Sinai, Moisés
teria recebido a Lei Escrita e a Lei Falada. A Lei Falada era proibida de ser escrita, pois deveria adaptar-se às condições
reais da vida em diferentes lugares e épocas. Após a dispersão dos judeus, sob pena de perder-se a tradição oral,
decidiu-se registrar as orientações. Esse material se chama Talmude. Não é em si um livro de ensinamentos, e sim um
texto usado pelos rabinos em seus ensinamentos, para orientação dos fiéis em situações concretas.

A sinagoga e o sábado

Desde o exílio, a sinagoga tem desempenhado papel primordial na preservação das práticas religiosas dos judeus. É
nesse espaço que se encontra a Arca, uma espécie de armário colocado sistematicamente na direção de Jerusalém e
onde são guardados os rolos da Torá. Nas manhãs dos sábados (shabat), das segundas e das quintas-feiras, os rolos são
lidos de tal forma que todo o livro é lido no decurso de um ano. A sinagoga pode abrir suas portas para os serviços
religiosos três vezes por dia, desde que dez homens estejam presentes. As mulheres não desempenham parte ativa no
serviço religioso, pelo menos nos grupos ortodoxos. No entanto, encontram seu espaço nos rituais do Shabat.
O Shabat dura desde o pôr-do-sol de sexta-feira até o pôr-do-sol de sábado. É uma relembrança do ato criador de
Jeová que descansa no sétimo dia. O sábado se tornou uma festa semanal de renovação que ocorre em família. A esposa
abençoa as velas do Shabat na mesa já posta, e o marido abençoa o vinho e o pão. É mais um grande momento para a
união familiar judaica.

As regras alimentares

É responsabilidade da mulher zelar pela alimentação da família. Há, para tanto, que respeitar as regras definidas nos
livros sagrados.
A carne só pode provir de animais que ruminam e têm o casco partido, o que exclui o porco, o camelo, a lebre, o
coelho e outros. Das aves pode-se comer as não-predatórias. Dos peixes pode-se comer os que possuem escamas e
barbatanas, excluindo-se polvos, lagostas, mariscos, caranguejos, camarões etc.
Toda comida feita de sangue também é proibida, já que a vida está no sangue. Os animais com sangue e permitidos
para alimentação devem ser abatidos de forma que o máximo possível de sangue seja extraído. Além disso, é proibido
comer derivados de carne juntamente com derivados de leite. As frutas, as verduras, as bebidas alcoólicas e não
alcoólicas são permitidas.

Refletir:
Quem olha hoje pelos cuidados
da alimentação na família?

A ética

O religioso e o ético se fundem na vida de um judeu. Tudo pertence à Lei de Elohim. Além das 248 ordens afirmativas e
das 365 proibições, a vida do judeu ainda deve respeitar os costumes e as práticas que se consolidaram ao longo de sua
história.
Dentre as qualidades éticas recomendadas estão a generosidade, a hospitalidade, a boa vontade para ajudar, a
honestidade e o respeito pelos pais.
O dízimo (10%) faz parte do comportamento de muitos judeus. Com relação aos pobres e necessitados, é curioso
notar que o ato de dar esmolas não é considerado caridade, mas justiça. O dever de combater a pobreza é preceito
bíblico a fim de cumprir-se a palavra de que jamais haverá pobre no povo escolhido. A mesma concepção é mantida em
relação às viúvas, aos órfãos e aos estrangeiros.
Quando em determinada situação não houver clareza sobre o que fazer ou se a atitude gerar conflito, prevalece a
vida humana.

Refletir:
Dar esmola não é caridade, mas ato de justiça.

As fases da vida

Nascimento, juventude, casamento e morte são fases da vida, marcadas por costumes antigos e ainda mantidos.

• Circuncisão – Oito dias após o nascimento, os meninos são circuncidados e recebem formalmente seu nome. A
menina também recebe seu nome na sinagoga uma semana após o nascimento.
• Bar Mitsvá e Bat Mitsvá – No primeiro sábado após completar treze anos, o menino é recebido como “filho do
mandamento” (bar mitsvá). No ano precedente, ele é instruído nas leis e nos costumes judaicos, bem como
aprende a ler o trecho da leitura da Torá que fará no sábado de sua recepção. Já a menina torna-se “filha do
mandamento” (bat mitsvá) automaticamente ao completar doze anos. Por volta dos quinze anos, ela aprende o
principal da história e dos costumes judaicos e, particularmente, empenha-se em aprender as regras
alimentares, que é sua responsabilidade doméstica.
• Casamento – A família tem papel primordial na manutenção da cultura e da educação judaicas. O casamento é o
modo de vida ideal e o único tipo de coabitação permitido. Por princípio, judeu deve casar com judeu. O
divórcio é permitido, mas, para que seja legítimo, deve ser sancionado por um tribunal rabínico e selado pelo
marido, que dá à esposa a carta de divórcio.
• Enterro – O enterro deve ocorrer o mais rápido possível depois da morte. A cremação não é permitida. No
cerimonial de sepultamento, não se usam flores nem música. O cemitério é sempre muito bem cuidado em
razão de ser o lugar onde os mortos descansam até a ressurreição.

Os festivais

As festas judaicas marcam não apenas momentos de alegria. Elas trazem consigo uma forte conotação histórica e religiosa
e servem para marcar eventos que ressaltam a intervenção divina na vida do povo judaico, tanto no passado como no
presente.

• Rosh há-shaná (Ano Novo) – Celebrado em setembro ou outubro, rememora Jeová como criador e rei, conduzindo
as pessoas a se concentrarem na auto-análise e no arrependimento.
• Iom Kippur (Dia do Perdão) – É o fim do período de dez dias de arrependimento, iniciado no Ano Novo.
• Sukot (Festa dos Tabernáculos) – Ocorre alguns dias após o Dia do Perdão e procura relembrar o período em que
os judeus, durante sua peregrinação pelo deserto, residiam em tendas.
• Chanuká (Festa da Inauguração) – Realizada em novembro ou dezembro por oito dias, comemora a reinauguração
do Templo de Jerusalém, ocorrida em 165 AEC.
• Pessach (Páscoa) – Celebrada em março ou abril, relembra a passagem do anjo do Senhor “por cima” (pessach)
das casas dos israelitas, quando no Egito, por ocasião da décima praga, matou os primogênitos egípcios. Tem
a duração de oito dias e só se come pão sem fermento.
• Shavuot (Festa das Semanas) – Ocorre em maio ou junho e comemora a ocasião em que a Torá foi dada ao povo no
monte Sinai.

Mundo

Reza o texto sagrado, registrado em Gênesis, capítulo 1, que Elohim criou o “céu e a terra” (o universo), o ser humano
inclusive. Tendo concluído sua obra criadora, emanada exclusivamente de sua inexplicável vontade, constata que o
universo é bom. A força da qual flui o ato criador é sua ordem, a partir do nada e concretizada por suas palavras. A
soberania divina está realçada. Ele é o criador.
Uma vez criado, o universo continua a existir por vontade divina e não por moto próprio. A força vem de fora, não
de forma impessoal, mas pessoal e, ainda que o universo possua características materiais evolutivas, percebe-se nesse
processo a vontade divina presente no ato criador que lhe deu essa característica.

(5.3)
t endências

O judaísmo é tanto uma identidade hereditária e um modo de vida quanto um sistema religioso. Essa colocação faz
perceber a existência de uma diversidade de entendimentos.
A partir do século XIX, três comunidades religiosas distintas, descritas a seguir, desenvolveram-se com opiniões
divergentes acerca da importância da tradição e da teologia judaica.

• Judaísmo ortodoxo – Mantém as crenças tradicionais, inclusive a doutrina de que tanto a lei bíblica quanto a lei
oral são de inspiração divina, e obedece aos costumes e aos rituais tradicionais, com a rígida observância do
Shabat e das leis de alimentação.
• Judaísmo reformista – Surgiu no período do Iluminismo e, menosprezando a autoridade talmúdica, realiza cultos
simplificados no vernáculo, dando maior importância aos padrões éticos do que às leis rituais, grande parte
das quais considera irrelevantes no mundo moderno.
• Judaísmo conservador – Situa-se entre a aceitação da autoridade das Escrituras e a permissão de adaptação às
mudanças dos tempos e das situações.

No século XX, outras tendências se acentuaram, como a corrente liberal da Reforma Judaica e o Movimento
Reconstrucionista, fundado por Mordecai Kaplan, que entende o judaísmo como uma “civilização religiosa”.

(6)
c onfucionismo, xintoísmo e taoísmo
Douglas Moacir Flor é pós-graduado em Administração
e Planejamento para Docentes pela Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) e bacharel em Jornalismo pela Unisinos (RS) e em Teologia pela Escola Superior de Teologia
do Seminário Concórdia (RS). É professor nos Cursos de Comunicação e Teologia da Ulbra.

apresentamos neste capítulo três grandes religiões. Apesar de não serem populares no Brasil, consideramos
interessante esta análise para nos darmos conta de como pensam outros povos e da diversidade religiosa encontrada no
mundo. Essas religiões, sapienciais, buscam o caminho por meio da sabedoria e do conhecimento. É bom ressaltar que o
pensamento oriental é diferente do ocidental.

(6.1)
c onfucionismo

Observamos hoje que a China está despontando em todo o mundo pelo seu crescimento econômico e aos poucos vem
sendo reconhecida como uma grande potência mundial. Talvez o que o leitor não saiba é que até 1911 a China foi uma
potência imperial, na qual o imperador reinava acima de tudo. Era considerado o representante do país diante do
supremo deus Céu.
O que havia por trás de tudo isso era uma ideologia confucionista. O conjunto de pensamentos, regras e rituais
sociais foi desenvolvido pelo filósofo K’ung-Fu-Tzu, conhecido no Brasil como Confúcio, que também formulou normas
para a vida religiosa, os sacrifícios e os rituais. Acrescentemos ainda que

O confucionismo era, na verdade, uma religião estatal praticada pela elite e pelas classes dominantes, a qual, no entanto, nunca
se disseminou muito entre as massas, as camadas mais amplas da população. Da mesma forma que o imperador, em seu palácio
em Pequim, ficava remotamente afastado das pessoas comuns, o Céu era remoto e impessoal para a grande massa dos chineses
pobres, trabalhadores e camponeses. A Religião dos pobres era a adoração dos espíritos, particularmente dos antepassados,
religiosidade carregada de magia e traços de outras religiões.1

Quem foi Confúcio

Filho de pessoas pobres, Confúcio nasceu em 551 a.C. e desde cedo demonstrou um grande interesse que se referia à
vida. Diz a história que, após iniciar sua carreira pública como um oficial de segunda classe no estado de Lu, aos 18 anos,
tornou-se professor e começou a ensinar história, filosofia, ética, música, poesia e boas maneiras. A idéia era mostrar aos
seus alunos os princípios que ele sentiu necessários naquele momento de decadência da ordem feudal chinesa.

Embora suas lembranças da infância contenham referências nostálgicas à caça, à pesca e ao arco, sugerindo com isso que ele foi
tudo menos uma traça de livro, Confúcio dedicou-se cedo aos estudos e se saiu bem. ‘Chegando aos quinze anos de idade, forcei
a minha mente ao aprendizado.’ Com vinte e poucos anos, depois de ter ocupado vários cargos públicos insignificantes, depois
de ter feito um casamento não muito bem sucedido, ele se estabeleceu como professor particular. Essa era obviamente a sua
vocação. A reputação de suas qualidades pessoais e sabedoria prática espalhou-se com rapidez, atraindo um círculo de discípulos
entusiasmados.2

A carreira de Confúcio não foi um sucesso. Sua ambição era bem maior. Alguns biógrafos chegaram a criar a lenda de
que, por volta dos 50 anos, Confúcio realizou uma brilhante administração durante cinco anos, avançando rapidamente
de ministro de Obras Públicas para ministro da Justiça e primeiro-ministro e fazendo de Lu uma província modelo. “A
verdade é que os governantes da época tinham medo da franqueza e integridade de Confúcio, tanto medo que nunca o
designariam para qualquer posição de poder.”3

Suas obras

O que marca a obra de um líder é o seu legado escrito. Confúcio deixou várias obras escritas sobre sua filosofia de vida:
Shih Ching (Livro de poesias), Li Chi (Livro dos ritos), I Ching (Livro das transformações), Shu Ching (Livro de história) e Ch’um
Ch’íu (Anais da primavera e do outono).

A filosofia de Confúcio

A questão central na filosofia de Confúcio está na palavra li. Significa “cortesia”, “reverência”, “ritos e cerimônias” e o
“posicionamento ideal na vida pública e privada”. “O Chinês mais moderno entende por li uma ordem social ideal, com
tudo em seu devido lugar e com todas as pessoas prestando respeito e reverência aos outros na hierarquia social”.4
De uma certa forma, a idéia era estabelecer a ordem e acabar com a queda do respeito desencadeada pela ordem
feudal. Confúcio acreditava que, se cada um soubesse o seu lugar, poderia haver um comportamento de reciprocidade
como um guia de vida. É aqui que vai surgir o dito “não faças aos outros o que não queres que te façam”.
Político fracassado, Confúcio foi, sem dúvida, um dos maiores professores do mundo. Preparado para ensinar
história, poesia, governança, propriedade, matemática, música, adivinhação e esportes, ele foi, à moda de Sócrates, um
“homem universidade”. Seu método de ensino também era socrático. Sempre informal, ele não fazia preleções; preferia
conversa sobre os problemas apresentados por seus alunos, citando leitura e fazendo perguntas. Ele se apresentava aos
alunos como um companheiro de viagem, comprometido com a tarefa de se tornar plenamente humano, mas modesto.
Quanto ao ponto a que chegou no cumprimento dessa tarefa, ele mesmo cita:

Há quatro coisas no Caminho da pessoa profunda, nenhuma das quais fui capaz de fazer. Servir ao meu pai, como esperaria que
um filho me servisse. Servir ao meu governante, como esperaria que meus ministros me servissem. Servir ao meu irmão mais
velho, como esperaria que meus irmãos mais novos o servissem. Ser o primeiro a tratar os amigos como esperaria que eles me
tratassem. Essas coisas não fui capaz de fazer.5

Homem simples e humilde

Não havia nada de sobrenatural nele. Confúcio gostava de estar com as pessoas, de jantar fora, de cantar em coro uma
bela canção e de beber, mas não em excesso. Seus discípulos relataram que, nas horas de folga, o Mestre tinha um
comportamento informal e alegre. Ele era afável, mas firme; digno, mas agradável. Estava sempre pronto para defender
a causa das pessoas comuns contra a nobreza opressiva de sua época; nas suas relações pessoais, ele rompia
escandalosamente as linhas de classe impostas pela sociedade e nunca menosprezava os alunos mais pobres, mesmo
quando não podiam pagar as aulas. Era gentil, mas capaz de sarcasmos quando achava merecido. Falando daquele que
começava a criticar suas companhias, Confúcio observou: “É evidente que Tzu Kung tornou-se perfeito. Ele tem tempo
para esse tipo de coisa. Eu não tenho tempo livre”6.
Confúcio nunca lamentou a escolha que fez. “Com alimento ordinário para comer, água para beber e o braço
dobrado como travesseiro, ainda tenho alegria em meio a isso e a tudo. As riquezas e honrarias adquiridas por meios
iníquos não significam para mim mais do que as nuvens flutuantes”7, afirmou ele.
A glorificação veio após a sua morte. Entre seus discípulos, o gesto foi imediato. Disse Tzu Kung: “Ele é o sol, a
luz, aos quais não há meios de se subir. A impossibilidade de igualarmos nosso Mestre é como a impossibilidade de
alcançarmos o céu subindo por uma escada”8. Em poucas gerações, Confúcio era visto em toda a China como “mentor
e modelo de dez mil gerações”. O que mais lhe teria agradado foi a atenção dada às suas idéias. Durante dois mil anos
– até o século XX –, toda criança chinesa chegou à sala de aula, toda manhã, e levantou as mãozinhas postas na
direção de uma mesa que tinha uma placa com o nome de Confúcio. Praticamente, todo estudante chinês estudou
cuidadosamente os provérbios de Confúcio, durante horas a fio; o resultado é que eles se tornaram parte da mente
chinesa, chegando até os analfabetos na forma de provérbios. O governo chinês também foi influenciado por essas
idéias, mais profundamente do que qualquer outra pessoa.

Alguns provérbios

• Verdadeiro filósofo não será aquele que, mesmo


sendo reconhecido, jamais guarda ressentimento?
• Não faças aos outros o que não queres que te
façam.
• Não me entristece que os outros não me
conheçam. Entristece-me não conhecer os outros.
• Não esperes resultados rápidos nem procures
pequenas vantagens. Se buscares resultados
rápidos, não alcançarás a meta final. Se te
deixares desviar por pequenas vantagens, nunca
realizarás grandes feitos.
• As pessoas mais nobres primeiro praticam o que
pregam e depois pregam de acordo com a sua
prática. Se, quando olhas dentro do teu coração,
não vês nada de errado, por que te preocupas? O
q u e h á p a r a t e m e r e s ?
• Quando conheces uma coisa, reconhecer que tu a
conheces; quando não a conheces, saber que tu
não sabes – isso é conhecimento.

• Ir longe demais é tão mau quanto ficar aquém.


• Quando vês um homem digno, pensa quando
poderás emulá-lo.
• Quando vês um homem desprezível, examina o
teu próprio caráter.
• Riqueza e posição, eis o que as pessoas desejam;
mas, se não as conseguirem da maneira correta,
nunca as possuirão.
• Sê bondoso com todos, mas íntimo apenas dos
virtuosos.

Pano de fundo

É claro que os provérbios, por si sós, não explicam o sucesso de Confúcio. É necessário compreender o que havia de
errado na sociedade em que ele vivia.
A Antiga China não era nem mais nem menos turbulenta do que as outras terras. Do oitavo ao terceiro século a.C.,
porém, a China testemunhou o colapso da dinastia Chou, que foi um governo de paz e ordem. Baronatos rivais ficaram
em liberdade para fazer o que bem entendiam, criando uma situação idêntica à da Palestina no período dos juízes:
“Naqueles dias não havia rei em Israel; cada homem fazia o que parecia certo a seus próprios olhos”9.
A guerra quase contínua desse período começou dentro dos padrões do cavalheirismo. O carro de guerra era sua
arma, a cortesia era o seu código, e os atos de generosidade conferiam honra. Diante da invasão, o barão arrogante
enviaria um comboio de provisões ao exército invasor ou, para provar que seus homens estavam além do medo e da
intimidação, enviaria, como mensageiros, soldados que cortariam a própria garganta diante do invasor. Tal como na
era de Homero, guerreiros de exércitos inimigos se reconheciam, trocavam desdenhosos cumprimentos do alto de seus
carros de guerra, bebiam juntos e às vezes trocavam armas antes de entrar em combate.
Na época de Confúcio, contudo, a guerra interminável degenerava; de cavalheiresca, tornara-se o terror
desenfreado do Período dos Estados Combatentes. O horror chegou ao auge no século seguinte à morte de Confúcio.
Os combatentes entre carros de guerra deram lugar à cavalaria, com seus ataques de surpresa e reides súbitos. Em vez
do ato nobre de manter os prisioneiros até receber o resgate, os conquistadores promoviam execuções em massa.
Populações inteiras, capturadas nos azares da guerra, eram decapitadas, incluindo velhos, mulheres e crianças. Lemos
descrições de chacinas de 60 mil, 80 mil e até de 400 mil pessoas. Há relatos de vencidos atirados em caldeirões de água
fervente e seus familiares forçados a beber aquela sopa humana.
A pergunta, nessa época, era: “Por que continuamos nos destruindo?” Talvez aí esteja a resposta: ”Para
compreendermos o poder do confucionismo.” Confúcio viveu numa época em que a coesão social havia deteriorado
até o ponto crítico.
Confúcio insistia que o amor ocupa um lugar importante na vida, mas também que o amor deve ser apoiado por
estruturas sociais e por um etos coletivo. Bater exclusivamente na tecla do amor é o mesmo que pregar os fins sem os
meios. Quando perguntaram a Confúcio certa vez: “Devemos amar nossos inimigos, aqueles que nos causam mal?”, ele
respondeu: “De modo algum. Respondei ao ódio com a justiça e ao amor com a benevolência. Caso contrário, estaríeis
desperdiçando vossa benevolência.”10

Respeito às tradições

O que chama a atenção nas religiões orientais é o respeito que todos cultivam pelos mais velhos. A idade não é um
peso, mas uma bênção. A experiência é importante para os mais novos, que a buscam nas pessoas de maior vivência.
Assim também são conservadas as tradições, transmitidas pelos mais velhos. Sobre a socialização, o próprio Confúcio
ensinou:

Deve ser transmitida dos velhos para os jovens, enquanto os hábitos e as idéias devem ser conservados como uma teia ininterrupta
de memória entre os portadores da tradição, geração após geração. (...) Quando a continuidade das tradições de civilidade se rompe,
a comunidade é ameaçada. A menos que essa ruptura seja consertada, a comunidade se esfacelará em (...) guerras de facções. Isso
porque, quando a continuidade é interrompida, a herança cultural não está sendo transmitida. A nova geração se defronta com a
tarefa de redescobrir, reinventar e reaprender, por tentativa e erro, a maior parte daquilo que precisa saber. (...) Essa não é tarefa
para uma única geração.11

A tradição deliberada

A tradição deliberada segue, no esquema de Confúcio, cinco termos chaves, apresentados abaixo.

Jen

Etimologicamente uma combinação dos caracteres correspondentes a ser humano e dois, designa o relacionamento ideal
que deve existir entre as pessoas. Traduzido das mais variadas formas (bondade, fraternidade, benevolência e amor),
talvez a melhor maneira de transmitir a idéia seja pela expressão sensibilidade do coração humano. Jen envolve
simultaneamente um sentimento de compaixão pelos outros e de respeito por si mesmo, um sentimento indivisível da
dignidade da vida humana, onde quer que ela apareça.

Chun Tzu

Se Jen é o relacionamento ideal entre seres humanos, Chun Tzu refere-se ao termo ideal nesses relacionamentos. Esse
conceito tem sido traduzido como Homem Superior e O Melhor da Humanidade. Talvez Pessoa Amadurecida seja uma
tradução tão fiel quanto qualquer outra. É o oposto de pessoa estreita, pessoa mesquinha, pessoa de espírito pequeno.
Somente quando aqueles que formam a sociedade se transformarem em Chun Tzus é que o mundo poderá caminhar na
direção da paz.

Se houver honra no coração, haverá beleza no caráter.


Se houver beleza no caráter, haverá harmonia no lar.
Se houver harmonia no lar, haverá ordem no país.
Se houver ordem no país, haverá paz no mundo.

Li

O terceiro conceito, Li, tem dois significados. O primeiro é “propriedade”, a maneira pela qual as coisas devem ser
feitas. As pessoas precisavam de modelos, e Confúcio queria direcionar a atenção delas para os melhores modelos
oferecidos pela sua história social. Propriedade é um conceito com amplo alcance, mas podemos perceber o âmago do
interesse quando ele diz:

Se as palavras não forem corretas, a linguagem não estará de acordo com a verdade das coisas. Se a linguagem não estiver de
acordo com a verdade das coisas, os negócios não poderão ser concluídos com sucesso. (...) Portanto, um homem superior
considera necessário que os nomes por ele utilizados sejam falados apropriadamente, e também que aquilo que ele fala possa ser
transmitido apropriadamente. O que o homem superior requer é que em suas palavras nada haja de incorreto.12
Todo o pensamento humano avança por meio de palavras; logo, se as palavras forem oblíquas, o pensamento não
conseguirá avançar em linha reta. Então aí é importante aquilo que Confúcio chamava de retificação dos nomes. A
retificação dos nomes, na Doutrina do meio, nas Relações Constantes, no Respeito pela Idade e pela Família, esboçamos
importantes aspectos específicos de Li no seu primeiro significado: propriedade ou o que é certo.
O outro significado de Li é “ritual”, “que transforma o certo – no sentido daquilo que é corretor fazer – em rito”.
Quando o comportamento correto é detalhado em minúcias confucionistas, a vida inteira do indivíduo se estiliza numa
dança sagrada. A vida social foi coreografada.

Te

O quarto conceito axial que Confúcio procurou elaborar para seus conterrâneos foi Te, que significa ”poder”.
Especificamente, o poder por meio do qual os homens são governados. Ele estava convencido de que nenhum
governante consegue reprimir todos os seus cidadãos o tempo todo, nem mesmo grande parte deles na maior parte do
tempo. O governo precisa contar com uma aceitação da sua vontade, uma confiança apreciável naquilo que está
fazendo. Confúcio acrescentou que a confiança popular era de longe a mais importante, pois “se o povo não tiver
confiança em seu governo, este não se sustentará”13. Para ele, somente são dignos de governar aqueles que prefeririam
não ter de governar.
Quando o Barão de Lu lhe perguntou como governar, Confúcio respondeu: “Governar é manter-se reto. Se tu,
senhor, dirigires teu povo em linha reta, qual de teus súditos se arriscará a sair dessa linha?”14

Wen

O conceito final na estrutura confucionista é Wen. Refere-se às “artes da paz”, enquanto diferenciadas das “artes da
guerra”, à música, à arte, à poesia, à soma da cultura no seu modo estético e espiritual. Confúcio considerava apenas
semi-humanas as pessoas que eram indiferentes à arte. Mas o que atraía seu interesse não era a arte pela arte. Era o
poder da arte de transformar a natureza humana na direção da virtude que o impressionava – seu poder de facilitar o
interesse pelos outros.
Pela poesia, a mente é despertada; pela música, recebe-se o acabamento. As odes estimulam a mente. Elas induzem à
autocontemplação, ensinam a arte da sensibilidade, ajudam a evitar o ressentimento, fazem o homem acreditar no
dever de servir ao país e ao príncipe.

(6.2)
x intoísmo

Apenas para cultura geral vamos tecer algumas considerações sobre o xintoísmo, que tem grande influência sobre a
cultura japonesa. A partir dessa religião poderemos entender a força de um povo, sua seriedade, seus compromissos e
sua devoção.

O caminho dos deuses

Quando falamos do xintoísmo, normalmente nos reportamos aos japoneses, ricos pela sua forma de pensar, por sua
cultura e também pelos seus valores religiosos.
Primitivamente, a religião Xintoísta era chamada de Kami-no-michi, que é traduzido por “o caminho dos deuses”. Em chinês,
a mesma expressão é shen-tao, de onde procede a palavra shinto (em português, xinto). O Xintoísmo é uma religião peculiar
por sua expressão de amor japonês pelo seu país e suas instituições. Este aspecto da história sagrada está descrito no Kojiki,
datado do século VIII.15

O Kojiki diz que as ilhas japonesas foram criadas por Izanami e Izanagi, que também habitaram a Terra como
numerosas divindades, das quais os japoneses são descendentes. A família real é descendente de Jimmu Tenno (cerca
de 660 a.C.), o primeiro imperador humano, neto de Ni-ni-go, neto de Amaterasu, a divindade feminina Sol. No Shinto,
Amaterasu é reconhecida como a primeira no panteão das divindades, mas não a única. É apenas uma entre muitos. O
xintoísmo primitivo via o Japão como a terra dos deuses, o que explica o caráter nacionalista da religião. Os xintoístas
acreditam que todos os japoneses têm origem divina, mas em especial o imperador, que é descendente da própria
deusa do Sol.
O Shinto, “o caminho dos deuses”, pode ser descrito como um modo ideal de comportamento. O seu sistema ético
inclui os seguintes preceitos:

• lealdade ao imperador;
• gratidão;
• coragem diante da morte;
• o serviço aos outros está acima dos interesses próprios;
• verdade;
• polidez até mesmo com os inimigos;
• controle das manifestações de sentimentos e honra, que significa o ato de preferir a morte à desgraça.

Os acontecimentos da Segunda Guerra Mundial nos mostram um pouco desses conceitos quando os pilotos
japoneses corajosamente jogaram seus próprios aviões para atingir o alvo e acabar com o inimigo.

Principais idéias

O mito da origem japonesa parece ser uma resposta animista primitiva à natureza. A multiplicidade de deuses
japoneses pode ser atribuída a condições civis primitivas, quando a nação era habitada por um grande número de clãs
independentes, cada um com seus próprios deuses e práticas religiosas.
As cerimônias religiosas ajudam a evitar acidentes, promovem a cooperação e o contato com os Kamis e geram o
contentamento e a paz para o indivíduo e a sociedade. As cerimônias são feitas tanto no próprio lar como nas grandes
festas anuais do templo – morada dos Kamis. Quatro elementos estão sempre presentes nessas cerimônias: purificação,
sacrifício, oração e refeição sagrada.

(6.3)
t aoísmo

Os problemas éticos, sociais e políticos estão no centro das discussões da maioria das religiões orientais. É a opção pelo
ser e não pelo ter. Se as idéias de Confúcio são estimulantes para governantes sérios, o taoísmo apresenta uma visão
transcendente das preocupações com a vida, uma visão diferente da vida. É uma cultura oposta ao que estamos
acostumados a viver no Ocidente. Serão recomendadas leituras complementares para quem tiver interesse maior em
conhecer melhor as idéias de Lao-Tsé (o grande e velho mestre).

Lao-Tsé

A origem do taoísmo é relacionada com o nome de um homem chamado Lao-Tsé, supostamente nascido por volta de
604 a.C. As histórias sobre a vida desse homem são muito variadas. Alguns historiadores não têm nem certeza se ele
realmente existiu. Algumas lendas são fantásticas, como aquela que diz “ter sido ele concebido por uma estrela
cadente, permaneceu no ventre materno por 82 anos e já nasceu velho, sábio e com os cabelos brancos”16.
Lao-Tsé se traduz como “o velho”, “o velho amigo” ou “o grande e velho mestre”. Era contemporâneo de Confúcio.
Um historiador chinês relata que Confúcio ficou intrigado com o que ouvira a respeito de Lao-Tsé e certa vez o visitou.
Sua descrição sugere que aquele estranho homem o desconcertou, enchendo-o, porém, de respeito.

Eu sei que um pássaro pode voar; sei que um peixe pode nadar, sei que os animais podem correr. Criaturas que correm podem
ser apanhadas em redes; as que nadam, em armadilhas de vime; as que voam, atingidas por flechas. Mas o dragão está além do
meu conhecimento; ele sobe ao céu nas nuvens e no vento. Hoje vi Lao-Tsé, e ele é como o dragão.17

O livro sagrado

Uma boa idéia do início do taoísmo, como conta a tradição, é o que lemos no texto de Huston Smith, que assim coloca:

A história tradicional conta que Lao-Tsé, entristecido com o seu povo pela relutância em cultivar a bondade natural que ele
pregava e buscando maior solidão para os seus últimos anos de vida, montou nas costas de um búfalo e galopou para o oeste, na
direção do atual Tibete. No passo de Hankao, uma sentinela, percebendo o caráter incomum daquele viajante, tentou convencê-
lo a retornar. Não obtendo êxito, pediu ao velho que, ao menos, deixasse um registro de suas crenças para a civilização que
estava abandonada. Lao-Tsé, concordando com o pedido, recolheu-se durante três dias e retornou com um magro volume de
5.000 caracteres intitulado Tao Te King, ou O Caminho e o seu Poder. O livro pode ser lido em meia hora ou durante toda a
vida, e continua a ser, até os dias de hoje, o texto básico do pensamento Taoísta. Um livrinho de apenas 25 páginas e 81
capítulos.18

Os significados do Tao

No taoísmo tudo gira em torno do Tao, que literalmente significa “caminho”. Esse caminho pode ser entendido de três
maneiras:

• O Tao é o caminho da realidade última. É demasiado vasto para que a realidade humana possa sondá-lo. De
todas as coisas, o Tao certamente é o maior.
• O Tao é o caminho do universo, a norma, o ritmo, o poder propulsor de toda a natureza, o princípio
ordenador por trás de toda a vida.
• O Tao se refere ao caminho da vida humana, quando ela se harmoniza com o Tao do universo.

O “Tao Te King” tem sido traduzido


como “o Caminho e seu Poder”.
O taoísmo filosófico tem como objetivo alinhar a vida cotidiana da pessoa ao Tao. O caminho básico para fazê-lo é
aperfeiçoar uma vida de Wu Wei, que significa “pura eficácia e quietude criativa”. O conceito mais tradicional significa
“não-ação” ou “inação”. Mas devemos cuidar para não entender como atitude vazia, ócio. O taoísmo, na concepção de
muitos, implica passividade e não atividade. Para um sábio taoísta, a ação mais importante é a “não-ação”. Enquanto
Confúcio desejava educar o homem por meio do conhecimento, Lao-Tsé preferia que as pessoas permanecessem
ingênuas e simples, como crianças. Enquanto Confúcio ansiava por regras e sistemas fixos na política, Lao-Tsé
acreditava que o homem deveria interferir o mínimo possível no desdobramento natural dos fatos. Confúcio queria
uma administração bem-ordenada, mas Lao-Tsé acreditava que qualquer administração é má. “Quanto mais leis e
mandamentos existirem, mais bandidos e ladrões haverá”19, diz o Tao Te King.
Para Lao-Tsé, o estado ideal era a pequena comunidade (a aldeia ou a cidade pequena), que, segundo ele, já
existia nos tempos antigos. Ali as pessoas viviam em paz e contentes, sem interesse em guerrear contra seus
vizinhos, como fizeram mais tarde as províncias chinesas. O líder devia ser um filósofo, e sua única tarefa era que
sua passividade e seu distanciamento servissem de exemplo para os outros.

Lendo o Tao Te King20

A pessoa precisa deixar o Tao fluir para dentro e para fora de si mesma, até toda a sua vida se tornar uma dança na
qual não há febres nem desequilíbrios. Wu Wei é a vida vivida acima da tensão:

Encha a tigela até a borda


E ela vai derramar
Fique sempre afiando a faca
E ela vai cegar (Cap. 9)

Wu Wei é a materialização da maleabilidade, da simplicidade, da liberdade – uma espécie de pura eficácia na qual
não se desperdiçam movimentos em discussões ou exibições externas.

A pessoa pode caminhar tão bem que nunca deixa pegadas,


Falar tão bem que a língua nunca comete deslizes,
Calcular tão bem que não precisa de ábaco. (Cap. 27)

Uma eficácia dessa ordem obviamente exige uma capacidade extraordinária, o que é transmitido pela lenda taoísta do
pescador: com um simples fio, ele conseguia puxar para a terra peixes enormes, porque o fio havia sido fabricado com
tanta perfeição que não tinha um “ponto fraco”. A capacidade taoísta raramente é notada, porque, vista de fora, Wu Wei –
nunca forçando, nunca sob tensão – parece não exigir praticamente nenhum esforço. O segredo está na maneira pela qual
ele busca os espaços vazios na vida e na natureza e em como se move através deles.
A água era o paralelo mais próximo ao Tao do mundo natural. Era também o protótipo do Wu Wei. Os chineses
observavam a maneira pela qual a água se adapta ao ambiente e procura os lugares mais baixos. Por isso,

O bem supremo é como a água,


Que alimenta todas as coisas sem esforço.
Ela se contenta com os lugares baixos, que as pessoas desdenham.
Por isso, ela é como o Tao. (Cap. 8)

Mas a água, apesar de se acomodar, tem um poder que não é conhecido pelas coisas duras e quebradiças. A água
abre caminho além das fronteiras e por baixo dos muros divisórios. Seu fluxo suave acaba dissolvendo as rochas e
levando embora as orgulhosas montanhas que pensamos eternas.
Nada no mundo
É tão suave e maleável como a água
No entanto, para dissolver o duro e inflexível
Nada a suplanta.
O suave supera o duro;
O gentil supera o rígido.
Todos sabem que isso é verdade,
Mas poucos o põem em prática.

A pessoa que incorpora essas virtudes, diz o Tao Te King, “trabalha sem trabalhar”. Ela age sem tensão, persuade
sem argumentação, é eloqüente sem floreios e alcança resultados sem violência, coerção ou pressão. Enquanto o agente
mal seja percebido, sua influência é de fato decisiva.

Quando o bom líder governa,


O povo mal percebe que ele existe.
O bom líder não fala, age.
Quando ele termina o trabalho,
O povo diz: “fomos nós que fizemos sozinhos.” (Cap. 17)

Uma última característica da água, que torna apropriada sua analogia com o Wu Wei, é a clareza que ela alcança
ficando parada. “Água lodosa deixada parada”, diz o Tao Te King, “ficará límpida.”

Valores taoístas

O taoísta rejeita todas as formas de auto-afirmação e competição. O mundo está cheio de pessoas determinadas a ser
alguém ou causar problemas; pessoas que querem avançar, destacar-se. O taoísmo não vê utilidade nessa ambição. “O
machado abate primeiro a árvore mais alta”.

Aquele que se põe na ponta dos pés


Não tem firmeza.
Aquele que se apressa
Não vai longe.
Aquele que tenta brilhar
Tolda sua própria luz. (Cap. 24)

As pessoas deveriam evitar a estridência e a agressividade não só em relação aos outros, mas também em relação à
natureza. No taoísmo existe um naturalismo profundo e um respeito muito grande pela natureza. Tanto que, quando
falamos na escalada do Everest, por exemplo, nós, ocidentais, dizemos que o Everest foi conquistado. Os orientais diriam
que esse ato foi o de fazer amizade com o Everest.

Aqueles que querem dominar o mundo


E moldá-lo à sua vontade
Nunca, percebo, terão sucesso.
O mundo é como um vaso, tão sagrado
Que, à mera aproximação do profano,
Se danifica,
E quando estendem a mão para pegá-lo, ele se
perdeu. (Cap. 29)
Yin/Yang

Outra característica do taoísmo é a sua noção da relatividade de todos os valores e, como idéia correlata, a identidade
dos opostos. Nesse aspecto, o taoísmo está ligado ao tradicional símbolo chinês do Yin/Yang:

Essa polaridade resume todas as oposições básicas da vida: bem/mal, ativo/passivo, positivo/negativo, claro/escuro,
verão/inverno, masculino/feminino. Mas as metades, embora estejam em tensão, não são francamente opostas; elas se
contemplam e se equilibram uma à outra. Cada uma invade o hemisfério da outra e faz sua morada no recesso mais profundo do
domínio de sua parceira. E, no fim, ambas se resolvem no círculo que os cerca, o Tao em sua totalidade. A vida não se dobra
sobre si mesma, e chega, completando o círculo, à percepção de que tudo é um e tudo está bem.21

O taoísmo segue seu princípio da relatividade até seu limite lógico, colocando a vida e a morte como ciclos
complementares no ritmo do Tao.

Há o globo,
O alicerce de minha existência física
Ele me gasta com trabalho e deveres,

Dá-me repouso na velhice,

E me dá paz na morte.
Pois quem me deu o que necessitei na vida
Também me dará o que necessito na morte. (Chuang Tzu)
(7)

o cristianismo – história e expansão


Ronaldo Steffen

p erfil
• Fundador: Jesus Cristo
• Data de nascimento: ano 1 da era cristã. Há
estudos que apontam o ano 6 a.C. como a data de
nascimento (esse ano corresponderia ao ano
romano de 754).
• Local de nascimento: Palestina.

• Textos sagrados e reverenciados: a Bíblia,


formada, conforme o entendimento da Sociedade
Bíblica do Brasil, pelo Antigo Testamento (39 livros
escritos por diversos autores) e pelo Novo
Testamento (27 livros, também escritos por
diversos autores).
• Estatística: o conjunto dos cristãos, hoje
espalhados por todo o mundo, é estimado em
torno de 2 bilhões e 100 milhões de adeptos
(dados de 2001).

(7.1)
h istória

O contexto na Palestina

Depois da época dos reis Davi e Salomão, Israel entrou em decadência. Das doze tribos originais só restavam duas
(Judá e Benjamim). As outras haviam sido extintas desde 722 a.C. As duas tribos restantes, por sua vez, foram
submetidas, sucessivamente, aos impérios babilônico, persa, grego e, em 63 a.C., reduzidas a províncias romanas. No
decorrer desses fatos, os judeus continuaram a ter esperança de que um novo rei, ou messias, da linhagem de Davi,
haveria de vir.
Acrescenta-se ao quadro da época uma condição econômica desfavorável. A saída era buscar fora da Palestina os
mecanismos necessários para a sobrevivência. Era a diáspora, que perdurava desde o cativeiro babilônico (587 a.C. a 539
a.C.). O desejo, com certeza, de estarem novamente juntos na mesma terra não tinha desaparecido entre os judeus.
Desfavorável, ainda, era a presença de Herodes como rei. Embora semita, era visto como uma extensão do poder
imperial romano, que governava com mão-de-ferro. Imperdoável para o judeu foi a destruição do templo que Herodes
promoveu na conquista de Jerusalém. Um rei judeu, ungido a exemplo de Davi e Salomão, era uma esperança latente.

O desejo de um rei judeu ungido era alimentado:


• pela dissolução das tribos de Israel;
• pela diáspora;
• pelo rei Herodes.
Jesus

Jesus de Nazaré

Os Evangelhos dizem pouca coisa sobre a vida que Jesus levou durante 30 anos em Nazaré com seus pais, José e Maria.
Somente dois Evangelhos narram fatos relativos ao seu nascimento. Em contrapartida, os quatro têm a preocupação de
apresentar os três anos de sua vida pública, centrando-se na proclamação da mensagem salvadora.
Jesus nasceu em Belém antes da morte de Herodes, o Grande (ano romano de 749), provavelmente no ano romano
de 754, correspondente ao ano 6 a.C. Em sua juventude, o reino judaico estava sob o controle direto de um oficial do
império romano. Aos 30 anos, início de sua pregação pública, suas idéias baseadas nas escrituras judaicas despertaram
interesse em alguns e provocaram rejeição em outros.
Aos 33 anos, foi acusado de blasfêmia por um tribunal religioso judaico. Sentenciado à morte por um funcionário
romano, Pôncio Pilatos, foi crucificado publicamente nos arredores de Jerusalém.

Jesus, o Messias

A palavra messias significa “o ungido”, numa referência à maneira como o rei de Israel era ungido com óleos ao subir
ao trono. Traduzida para o grego, messias é christos. Dessa forma, Jesus Cristo é o nome que reconhece em Jesus o
esperado Messias.
Desde o princípio, sua mensagem esteve centrada no reino de Deus, no conceito de um Pai amoroso, no seu próprio
sacrifício expiatório, no arrependimento e na fé. Embora se anunciasse como o Cristo, evitou que as pessoas o soubessem,
porque temia que o termo fosse colocado em associação com as aspirações nacionalistas-revolucionárias latentes. Só
quando a hora da morte se aproximou é que assumiu sua messianidade, pois via nessa morte sacrificial a sua glória
suprema, enquanto o Cristo de Deus.

Jesus, como Cristo, assenta seus discursos bem distantes


das idéias nacionalistas-revolucionárias de seu
contexto.

Jesus, o Ressuscitado

O nascer e o morrer integram o ciclo normal da existência humana. Ressuscitar, porém, constitui algo totalmente fora
da experiência das pessoas. A ressurreição de Jesus quebra, assim, a seqüência natural dos fatos existenciais. Inaugura
um novo ciclo no existir do ser humano, pois a sua ressurreição é a garantia da nova vida pronta e consagrada ao
mundo amado por Deus.

A ressurreição do Cristo garante nova


vida ao mundo amado por Deus.

Jesus, a Ascensão

Uma vez ressuscitado, Jesus subiu ao céu e está à direita do Pai. A expressão subiu ao céu não significa estar num lugar
geograficamente definido. Igualmente, estar à direita do Pai é apenas expressão da posição de honra que é dada a Jesus,
que, antes, fora humilhado até à morte.
Jesus está em toda parte e em qualquer lugar com sua divindade e humanidade completas, enchendo os céus e a
terra.

Origens e primórdios

Em Jerusalém

O advento do Espírito Santo sobre os apóstolos no dia do Pentecostes judaico, isto é, 50 dias depois da Páscoa, marcou
o início histórico do cristianismo.
O Pentecoste tornou-se para o cristianismo a renovação da aliança, semelhante à ocorrida no Monte Sinai quando
Javé apareceu a Moisés. Os apóstolos foram tomados pelo Espírito Santo, passando a pregar o que Jesus fizera e o que
lhes ensinara. Dirigiram-se primeiramente aos judeus, vindos de toda a parte, reunidos em Jerusalém para a festa e
primeiros destinatários dessa nova aliança, considerada a consolidação da antiga. Esses primeiros cristãos eram todos
judeus, praticavam a Lei e acrescentaram observâncias inéditas, como o batismo e a repartição do pão.

Em Antioquia e por toda a parte

Logo surgiram obstáculos. Podem ser enumerados três, pelo menos, sendo um de ordem interna e dois de caráter
externo.

Figura 1 – Pentecostes
Fonte: El Greco, 1596–1600.

Internamente, os primeiros cristãos, de tradição judaica, julgavam que, antes de serem batizados, os novos
convertidos deveriam ser circuncidados. A questão foi resolvida no Concílio de Jerusalém, com a presença dos
apóstolos, aceitando-se o batismo cristão sem a imposição da circuncisão.
Duas situações externas criaram embaraços ao avanço do cristianismo:
• identificação do cristianismo, por parte da liderança judaica da época, como mais uma seita que deveria ser
desestimulada e banida;
• os impedimentos levantados pelo império romano, entre os quais se destaca a ênfase dada pelo cristianismo à
igualdade entre todos, inclusive em relação aos escravos.

Impedimentos à expansão cristã:


• a exigência da circuncisão aos convertidos;
• a compreensão de que seria apenas mais uma
seita;
• o entendimento cristão da igualdade de todos
os seres humanos.

A conseqüência imediata foi a saída dos cristãos de Jerusalém. Espalham-se por toda a Palestina e Síria e fazem de
Antioquia o novo centro expansionista do cristianismo. Jerusalém conservaria uma comunidade judaico-cristã até o ano
de 66 d.C.
As primeiras comunidades cristãs se desenvolveriam em torno da bacia do Mediterrâneo, durante o período
apostólico. Éfeso, Filipos, Tessalônica, Corinto, Roma e Alexandria foram os primeiros grandes centros do cristianismo,
reconhecidos como núcleos apostólicos.
Papel importante na expansão do cristianismo deve-se a Paulo, convertido por volta de 32 d.C. Ele não apenas
divulgou o cristianismo pelo mundo greco-romano, como também é responsável pelos fundamentos da teologia cristã.

Paulo faz do cristianismo uma religião mundial.

Pedro teria sido martirizado em Roma, em 65 d.C., depois do incêndio da cidade sob Nero; Paulo em 66 d.C.,
também em Roma; João em Éfeso, por volta do ano 100 d.C., e Marcos teria se instalado em Alexandria depois da morte
de Pedro.

Os Escritos do Novo Testamento

À tradição oral dos ensinamentos de Cristo acrescentaram-se os escritos identificados como Novo Testamento,
consolidados até o ano 100 d.C. O conjunto da obra é formado por:

• quatro Evangelhos: Mateus, Marcos, Lucas e João;


• Atos dos Apóstolos;
• 21 cartas: Romanos, Coríntios (1 e 2), Gálatas, Efésios, Filipenses, Colossenses, Tessalonicenses (1 e 2), Timóteo (1 e 2),
Tito, Filemon, Hebreus, Tiago, Pedro (1 e 2), João (1, 2 e 3) e Judas;
• um texto apocalíptico: Apocalipse.

A evolução até Constantino

A organização

Do século II ao século IV, o cristianismo se estendeu a todas as cidades da costa do Mediterrâneo e inseriu-se no
interior dos continentes. Implantou-se, assim, tanto no Oriente como no Ocidente. Os grandes centros cristãos do
século I tornaram-se modelos para a organização das comunidades que iam surgindo. À frente de cada comunidade
(igreja) estava o bispo, uma espécie de vigilante, que também era o pastor e o mestre. Seus auxiliares eram os diáconos
e os presbíteros. De início todos os bispos eram denominados de papa, e só a partir do século IV o termo é atribuído
exclusivamente ao bispo de Roma.
No início todos os bispos eram chamados de “papa”.

As perseguições

Ainda que mal compreendido, o cristianismo era tolerado, como o eram todas as religiões no império romano. As
perseguições eram esporádicas, em especial na Ásia.
O culto ao imperador impunha os limites e os determinantes das perseguições. Prestar culto ao imperador, o que
um cristão não fazia, era considerado gesto de civismo. A recusa representava uma ameaça ao equilíbrio religioso,
rompendo as relações entre os deuses e o império.

Causa das perseguições: os cristãos não cultuavam


o imperador. Isso punha em risco as relações entre
os deuses e o império.

De forma sistemática, as perseguições ocorreram por volta de 249 d.C., com Décio e depois com Galiano e
Valeriano. As ações se faziam principalmente contra os bispos e os cristãos de alta posição, a fim de privar o
cristianismo de seus dirigentes. A última perseguição geral foi ordenada em 303 d.C. por Diocleciano em nome da
união imperial, temendo, possivelmente, que a organização cristã se tornasse um outro estado dentro do império. Em
311 d.C., um edito de tolerância, liderado por Constantino, concedia uma trégua ao cristianismo sob a condição de que
nada se fizesse aos cristãos que fossem contrários à disciplina.
Por fim, em 313 d.C., ainda sob o comando de Constantino, o Edito de Milão concedia a liberdade religiosa aos
cristãos e punha fim às perseguições.

Em 313 d.C, sob Constantino, chegam


ao fim as perseguições aos cristãos.

O império cristão

Desde 305 d.C., Constantino já era senhor da Gália, da Espanha e da Bretanha e, em 312 d.C., tornou-se imperador. Sua
aproximação aos cristãos remonta a seu pai, que, em período de perseguição sob Diocleciano, protegeu e salvou
muitas pessoas. Os dois editos, o de 311 d.C. e o de 313 d.C., tinham um ingrediente político bastante forte, além de
proteger os cristãos. O fato é que, livre das perseguições, o cristianismo cairia sob o controle do imperador.
Constantino vislumbrava na aproximação com o cristianismo a culminância do processo de unificação do império.
Havia uma só lei, um só imperador e uma só cidadania. Por que não também uma só religião? Protegida por
Constantino, a Igreja Cristã cresceu rapidamente: isentou o clero dos encargos públicos, concedeu à Igreja o direito de
receber legados, proibiu o trabalho aos domingos nas cidades e o sacrifício pagão em casas particulares, erigiram-se
grandes templos em Roma, Jerusalém e Belém. Além disso, transferiu a sede do império para Bizâncio (depois Nova
Roma e, por fim, Constantinopla), no Oriente, a parte mais cristianizada do império. O laço imperial com o Ocidente
era a figura do bispo de Roma, ao redor do qual gravitava a vida.
Com Constantino, uma só lei, um só imperador e por
que não uma só religião a fim de unificar o império?

Após a morte de Constantino em 337 d.C., o processo de aproximação entre Igreja e Estado foi se consolidando e
tomou sua forma final com Teodósio, em 381 d.C., com a declaração do cristianismo como a religião oficial do império.

Em 381 d.C., o cristianismo é declarado


religião oficial do império.

De Constantino ao Grande Cisma

Embora unificado, o cristianismo tinha suas diferenças regionais. Uma das mais marcantes foi entre o Oriente (sede em
Constantinopla) e o Ocidente (sede em Roma). Várias razões podem ser alinhadas para o afastamento progressivo entre
as duas sedes cristãs.

A língua

Até o século III, o espaço geográfico formado pela bacia do Mediterrâneo conhecia o grego. O avanço do latim no
Ocidente teve como conseqüência inevitável o recuo do grego. Ao fundar sua nova capital, Bizâncio (depois Nova
Roma e, mais tarde, Constantinopla), o imperador Constantino queria fazer dela uma nova Roma, com uma
administração que utilizasse o latim. Não deu certo: o Oriente não se latinizou. Sem língua comum, os problemas
emergiram, e os acertos esbarravam nas questões lingüísticas, em especial os acertos teológicos.

A tentativa de implantar uma única


língua no império, o latim, fracassa.

Os concílios

A partir do Concílio de Nicéia (325 d.C.), as discussões tornaram-se constantes. Os Concílios de Éfeso (431 d.C.),
Calcedônia (451 d.C.) e Constantinopla (553 d.C.) foram ocasiões de confronto em detrimento da conciliação. As
discussões religiosas eram agravadas em razão da primazia da sede de Roma, que Constantinopla queria compartilhar.
Podem ser acrescentadas as questões referentes às imagens, normais no Ocidente, mas rejeitadas por parte dos cristãos
orientais, e ao celibato, obrigatório no Ocidente, porém exigido no Oriente apenas para os bispos.

As discussões religiosas distanciam


o Oriente do Ocidente.
A política fiscal

O imperador Justiniano (482 d.C.-565 d.C.) contribuiu muito para o agravamento das divisões religiosas. Nas
províncias ocidentais reconquistadas aos bárbaros, ele impôs o fisco e a administração detalhista do Oriente. O
Ocidente não rejeitou apenas essa prática, mas também o poder imperial. As populações passaram a adotar como
prática comum tratar diretamente com os bárbaros, rejeitando todas as orientações e obrigações impostas por
Constantinopla.

O Cisma

Finalmente, em 1054, ocorre o episódio final da separação em decorrência de uma recusa de reconhecimento mútuo
entre os legados do papa e do patriarca Miguel Cerulário. Essa recusa provocou uma excomunhão mútua, e cada uma
das partes do cristianismo passou a construir sua própria tradição.

Tentativas de reunificação

Após o Cisma, os contatos prosseguiram. Os imperadores do Oriente (ou bizantinos) solicitaram ajuda ao Ocidente
para lutar contra o avanço do islamismo. O apelo às cruzadas, lançado pelo papa Urbano II, em 1095, foi motivado, em
parte, para atender às solicitações orientais.
As primeiras cruzadas foram organizadas com a ajuda oriental. No entanto, logo se percebeu que os orientais ora
apoiavam o Ocidente, ora os muçulmanos. Uma tentativa de corrigir essa distorção ocorreu em 1204, durante a Quarta
Cruzada, quando o Ocidente saqueou Constantinopla e estabeleceu um passageiro império latino. À medida que o
avanço islâmico se concretizava, fortalecia-se a esperança de um retorno à unidade religiosa do cristianismo. As
esperanças, no entanto, dissiparam-se em 1453, quando a capital do Oriente caiu nas mãos dos otomanos. Era o fim da
Igreja Cristã Bizantina, que se divide, a partir daí, em Igrejas nacionais independentes.

Do Cisma ao século XVI

O Cisma deu origem, com sede em Roma, à Igreja Católica Apostólica Romana e, com sede em Constantinopla, às
Santas Igrejas Católicas Ortodoxas Orientais.
A unidade ocidental, por sua vez, não era concisa, e não tardou o surgimento de vozes discordantes aqui e acolá,
especialmente no que tocava à detenção do poder: a Igreja ou o Estado? Vislumbrava-se a necessidade de reformar a
Igreja cristã ocidental. A Inquisição nesse cenário foi uma tentativa religiosa que, por fim, serviu como instrumento de
pressão e eliminação das vozes discordantes.

No Ocidente continuam as vozes discordantes,


e a Inquisição serviu apenas como forma
de reprimir os dissidentes.

O desejo de reforma cedeu lugar à indispensabilidade desse processo, especialmente após a Guerra dos Cem Anos
(1337-1453) e a abertura da sociedade às novas técnicas: redescoberta da Antigüidade, exploração do mundo,
renascimento do grande comércio, aparecimento da imprensa. A esse clima de efervescência contrapunham-se a
pouca instrução dos ministros religiosos, a ausência constante dos bispos de suas dioceses e o Cisma, já mencionado,
provocando um enfraquecimento cada vez mais acentuado do cristianismo ocidental.
Não bastasse isso, durante todo o século XIV, os monarcas europeus se enfrentaram e tomaram como refém a
hierarquia da Igreja. De 1309 a 1327, os papas se instalaram em Avignon, sob influência francesa. A volta do papa a
Roma, em 1378, provocou uma eleição pontificial dissidente em Avignon. Os Estados da Europa, e com eles a
cristandade, dividiram-se em torno desses dois papas sem poderes.
A crise chegaria ao fim em 1417. Os Estados conseguiram se entender, convocando o Concílio de Constança, sob a
presidência do imperador da Alemanha. Houve concordância em restabelecer a unidade da Igreja, depondo os papas
em exercício e propondo um único papa para a cristandade ocidental. Ainda assim, a reforma necessária era
constantemente adiada.
No início do século XVI, os papas deixaram-se levar, a exemplo de outros príncipes, pelas lutas políticas e pela
renovação arquitetônica em Roma.
O projeto de reforma da antiga basílica impunha despesas consideráveis. Para suprir as necessidades, o papa Leão
X (1513-1521) recorreu ao sistema de indulgências, criado no ano 1000. De forma reducionista, os fiéis, com o
pagamento de uma quantia em dinheiro, podiam substituir as penas impostas pelo confessor aos pecados cometidos
após o batismo, como o jejum, as rezas, as peregrinações e assim por diante. Não tardou que os excessos na venda das
indulgências aparecessem. Em 1476, outro decreto papal determinava que a indulgência também tinha o poder de
remir as almas do purgatório.

Unir idéias religiosas para garantir projetos financeiros


se mostra uma alternativa inadequada.

Explodiam por toda a Europa movimentos que exigiam um retorno às Escrituras. Assim foi na Grã-Bretanha, com
John Wyclif, e na Boêmia, com João Hus. Nos Países Baixos, Erasmo dedicou-se à revisão da Bíblia, partindo do texto
grego. O momento era de reforma, e nesse cenário surge a Reforma do século XVI, destacando-se a figura de Lutero.

(7.2)
e nsinamentos

Atualmente, há três grandes matrizes do cristianismo: catolicismo romano, catolicismo ortodoxo e protestantismo.
Internamente, cada uma dessas três matrizes se desdobra em inúmeras outras correntes. Essa é uma dificuldade em
afirmar um único pensamento cristão.
Apesar das divergências, há, em linhas gerais, algumas concepções que permeiam os grupos cristãos: a figura de
Jesus, a Trindade (Pai, Filho e Espírito Santo iguais em natureza e dignidade), a criação divina do mundo a partir do
nada, a vinda do reino de Deus no fim dos tempos e o amor a Deus sobre todas as coisas, entre outras.
Em razão dos limites desta obra, optamos por mencionar apenas alguns dos temas citados.

Deus

Com seus fundamentos no judaísmo, o cristianismo preservou a crença num único Deus, criador do universo e de tudo
o que nele há, podendo intervir conforme a Sua vontade.
Ainda herança do judaísmo, o cristianismo manteve muitos dos atributos divinos, como a onipotência, a
onipresença e a onisciência. Merece, no entanto, um destaque um outro atributo divino: o do amor de Deus, que se
estende sobre todas as pessoas, estabelecendo uma relação pessoal entre o Criador e a criatura.

A relação de Deus com suas criaturas


é pessoal, por meio do amor.

A Trindade

A partir do Concílio de Nicéia (325 d.C.), a doutrina da Trindade passa a fazer parte do pensamento cristão. Um só
Deus em três pessoas distintas e inseparavelmente unidas: Pai, Filho e Espírito Santo, assim como confessado no Credo
Apostólico.
Não há concordância com relação ao tema. Percebem-se, de modo geral, dois grupos discordantes: externamente ao
cristianismo, judaísmo e islamismo divergem do cristianismo; internamente, há grupos nascidos no pensamento
cristão, mas que afirmam a existência de apenas duas pessoas: o Pai, que deve ser adorado, e o Filho, sem nenhum
direito à adoração.

Jesus

Esse é um tema candente. O monoteísmo cristão difere dos demais por ser o único que defende e proclama a realidade
de um homem-Deus, Jesus Cristo, possuidor de duas naturezas iguais entre si: a divina e a humana.
Fazem parte das crenças no Cristo Jesus a importância de Sua mensagem de amor ao Pai e ao próximo e Sua
encarnação, que vem libertar os seres humanos de seus pecados por meio de Sua morte expiatória na cruz e oferecer a
vida eterna por meio de Sua ressurreição.
Veja a seguir o que algumas tradições religiosas pensam sobre a figura de Jesus22.
Hinduísmo

• Quem é Jesus: é um avatar, alguém enviado por


Deus para descer ao mundo material e agir em
um determinado tempo e lugar.
• Por que ele veio: para estabelecer um darma (a paz e
a justiça) e introduzir o batismo com água.
• Como morreu: terminada sua missão na Palestina,
Jesus foi para a Índia, onde morreu vários anos
depois.
• Que papel terá: os hindus acreditam que Jesus
voltará, como prometeu, como um avatar, para
mais uma vez estabelecer a ordem no mundo.

Islamismo

• Quem é Jesus: é um entre muitos profetas, como


Moisés ou Maomé, e não o filho de Deus.
• Por que ele veio: sua missão foi trazer a mensagem
de Deus para o povo da Palestina.
• Como morreu: foi condenado à cruz, mas outro
acabou crucificado em seu lugar por intervenção
divina. Ele então subiu aos Céus para encontrar
Deus.
• Que papel terá: voltará no final dos tempos para
dirigir a humanidade no caminho da salvação.

Judaísmo

• Quem é Jesus: é um judeu comum que, como outros


na História, se proclamava o Messias.
• Por que ele veio: os judeus não crêem que Jesus seja
um profeta.
• Como morreu: morreu crucificado pelos romanos
por afrontar o poder do império ao declarar-se
rei dos judeus.
• Que papel terá: não atribui papel futuro a Jesus.

Espiritismo

• Quem é Jesus: um espírito, como os demais


homens, mas com tal grau de evolução moral que
é visto como modelo e guia para a humanidade.
• Por que ele veio: para oferecer os padrões éticos e
morais necessários à evolução espiritual.
• Como morreu: depois do suplício, não retornou em
seu corpo. A ressurreição é uma materialização
de seu espírito – o chamado corpo espiritual.
• Que papel terá: sua volta não se dará num corpo,
mas em forma espiritual, restabelecendo a
ordem.

Ser humano

É único

O pastor e professor Leopoldo Heimann23 assim se expressa: “o ser humano, como animal racional, não é produto do
acaso, mas é uma criação divina, criado segundo a imagem de Deus. Para conceder a vida eterna a este ser humano,
Jesus Cristo foi crucificado no Calvário e ressuscitou ao terceiro dia.”
O diferencial do ser humano, nesse contexto, é que é a única criatura divina que recebeu a imagem e semelhança de
Deus. Há, no entanto, grupos dentro do cristianismo que colocam o ser humano, a natureza e Deus em nível de
igualdade.

Criado à imagem e semelhança de Deus,


o ser humano recebeu a alma vivente.

É mordomo da criação

Ao ser humano, criado à imagem divina, foi dada a tarefa de cuidar da criação divina. Gênesis 2.15 assim descreve:
“Tomou o Senhor Deus ao homem e o colocou no jardim do Éden para cultivá-lo e guardá-lo”. Faz parte da essência
humana o cuidado com o universo. Ele não é dono, mas apenas responsável pela conservação e pela manutenção
adequada do mundo. Nessa dimensão, é tarefa do ser humano zelar pelo adequado manejo dos recursos naturais, e de
forma sustentável, bem como pela preservação de todos os seres vivos.

Cuidar, proteger e cultivar toda a criação divina é


tarefa do ser humano. O que você tem feito em relação a
isso?

É livre

Deus correu o risco, por assim dizer, de criar um ser passível de rebelar-se e recusar a existência que lhe foi dada. Ainda
assim, dotou o ser humano de livre-arbítrio, tornando-o completamente livre e responsável pela sua liberdade.
Incentivo: pesquise e discuta com os colegas
o tema do livre-arbítrio.

Pode transcender

As promessas de Deus conduzem o ser humano à certeza de que pode ir além de suas naturais limitações físicas. É com
base nessas promessas que o cristianismo pode propor novos objetivos, sentidos e conquistas ao ser humano, como a
da ressurreição e o da posse de um assento no reino de Deus que está por vir.
A morte não é mais o fim; é apenas ponte, passagem, para a vida eterna.

A dimensão de pertencer a uma realidade que


ultrapassa a materialidade conhecida faz dessa vida
uma passagem obrigatória na direção da vida eterna.

Vida e morte

A vida do seguidor de Jesus, o Cristo, é pautada pela sua resposta ao amor de Deus, que lhe aceita em razão da
expiação e da morte de Jesus.
Em retribuição à bondade e à gratuidade de sua aceitação, salvação, por Deus, o cristão pontua sua existência pelos
parâmetros encontrados nos preceitos de conduta do Novo Testamento, uma extensão dos Dez Mandamentos
encontrados no Antigo Testamento. A diferença é que agora não mais por obrigação e, sim, por agradecimento à
salvação concedida sem nenhum merecimento. A moralidade cristã encontra sua fundamentação na ética do amor e
merecerá todo um capítulo à parte, mais adiante.

As festas

Há no cristianismo, como em outras tradições, festivais que promovem a relembrança dos feitos divinos em favor dos
seres humanos. Muito embora haja divergência sobre esse tema em algumas tradições cristãs, o que percebemos é que o
cristianismo é festivo. De uma forma geral e ressalvadas as interpretações divergentes, podemos considerar como as
principais festas cristãs as apontadas a seguir.

• Advento – Ocorre nas quatro semanas que precedem o Natal e dá início ao chamado Ano Litúrgico, preparando
os cristãos para o nascimento de Jesus, o Cristo.
• Natal – Fixado sempre aos 25 de dezembro, relembra o nascimento de Jesus como o Messias prometido.
• Epifania – Festa fixada em 6 de janeiro, portanto 12 dias após o Natal, celebra a adoração de Jesus Cristo pelos
Reis Magos e, para os cristãos ortodoxos, o seu batismo.
• Sexta-Feira Santa – Data variável, ocorrendo na sexta-feira imediatamente anterior ao domingo de Páscoa,
relembra o sofrimento e a morte de Jesus.
• Domingo de Páscoa – O dia da Páscoa, por definição, é o primeiro domingo após a Lua cheia, que ocorre após o
equinócio vernal e pode cair entre 22 de março e 25 de abril. Celebra a ressurreição de Jesus e a Sua vitória
sobre a morte.
• Ascensão de Jesus ao céu – Data variável e determinada por ocorrer 40 dias após o domingo de Páscoa, celebra a
presença de Cristo junto ao Pai como intercessor.
• Pentecostes – Data variável, ocorrendo 50 dias após a Páscoa, celebra o aparecimento do Espírito Santo sobre os
discípulos, conforme Atos 2.

Os símbolos

A simbologia cristã é muito rica e procura remeter o fiel à lembrança das promessas divinas e conduzi-lo à fé nessas
promessas de salvação e cuidado. Neste espaço restrito, no entanto, faremos apenas algumas menções.

• O Bom Pastor – Seguidamente Jesus é identificado como o bom pastor que cuida de suas ovelhas e que se dispõe
a buscar, com o mesmo amor, aqueles que se desviam dos Seus caminhos.
Figura 2 – O bom pastor

Fonte: O Bom Pastor, [4--].

• A Cruz – Há muitas variedades de cruz enquanto símbolos do cristianismo. Entre nós, no Brasil, há duas
formas mais comuns: os católicos utilizam o crucifixo, enfatizando a morte e o sofrimento do Cristo, e os
protestantes utilizam a cruz vazia, enfatizando a vitória da vida sobre a morte por meio da ressurreição do
Cristo.
• O Peixe – Nos primórdios do cristianismo, a figura do peixe era utilizada para identificar os cristãos entre si em
razão das perseguições. Peixe, em grego Ichthys, traduz o acrônimo de Iesus Christus Theou Yicus Soter – Jesus
Cristo Filho de Deus Salvador.
• Alfa e Ômega – A primeira letra do alfabeto grego é o alfa e a última é o ômega. O símbolo dá a dimensão de que
Jesus, o Cristo, é o princípio e o fim de todas as coisas.

A vida depois da morte

Não é possível fugir dos temas do céu e do inferno quando se menciona a questão da vida após a morte.
Os católicos consideram que, após a morte, há ainda uma outra realidade: a do purgatório, local onde as almas que
morreram em estado de graça, mas cometeram pecados, podem ser purificadas.
O cristianismo defende que a vida plena, sem pecado e permeada pela santidade, dar-se-á no Juízo Final, quando
Cristo voltará para julgar os vivos e os mortos e dar a vida eterna a todos os que creram nas Suas promessas.

Figura 3 – O Juízo Final

Fonte: Buonarroti, 1536-1541.

Mundo

É criação divina e entregue ao ser humano para que este o administre, zele e promova a vontade do Criador. É bem
verdade que se formou, no decorrer dos tempos, uma concepção segundo a qual o mundo é ruim, bem como tudo o
que esteja ligado à materialidade. O mundo torna-se o espaço do diabólico, como expressão do ódio. Isso, de certa
forma, provocou uma tendência ao afastamento do mundo e o conseqüente isolamento marcado pela negação em
benefício das coisas do espírito. Muito embora ainda haja correntes da tradição cristã que adotam esse comportamento,
há uma maioria que vislumbra o mundo não mais como diabólico, mas como o espaço da expressão do amor divino.
Revitalizam-se a materialidade como criação divina e a conseqüente responsabilidade do cuidado e da proteção.
O cristianismo, de modo geral, reconhece o mundo como o espaço onde ocorre a história humana e interpreta-o
como o local onde o ser humano exerce a sua liberdade de filho de Deus.

O mundo é o espaço da expressão do amor


a Deus, aos semelhantes e às criaturas.
(8)

a mensagem cristã nas parábolas de j esus


Ronaldo Steffen
n ossa idéia, neste texto, é fazer uma reflexão sobre o cristianismo. Como os cristãos colocam em prática a sua fé e
onde está o fundamento dessa fé? A idéia não é catequizar, mas mostrar idéias contextualizadas a partir das parábolas
de Jesus. Contar histórias era o seu forte. Ele sabia usar uma linguagem simples para que as pessoas o entendessem.
Para os cristãos, é uma boa forma de rever conceitos. Para os não-cristãos, pode ser um bom momento para refletir
sobre as práticas do dia-a-dia.
(8.1)
a Bíblia, o livro sagrado do cristianismo

A palavra Bíblia significa “conjunto de livros”. É isso o que ela, na verdade, é, sendo que se divide em dois grandes
blocos, o Antigo e o Novo Testamentos (AT e NT). A palavra testamento lembra aliança ou acordo, estabelecido entre
Deus e os seres humanos. No caso do AT, refere-se a Abraão, que recebeu a promessa de vir a formar-se uma grande
nação, de onde viria o Messias, o Redentor de todos os homens. Também lembra a libertação da escravidão do Egito
por meio do sangue do cordeiro. Quanto ao NT, é lembrado o cumprimento da promessa, a saber, que o Messias veio
na pessoa de Jesus, que Ele salva os homens da morte eterna com o derramar do Seu sangue, o sangue da nova aliança,
e envia Seus mensageiros ao mundo para pregar Seu evangelho. Para facilitar a leitura, a Bíblia foi dividida em
capítulos e versículos.24

Antigo Testamento

Dados do Antigo Testamento:

• Formado por 39 livros, escrito em hebraico e aramaico pelos profetas aproximadamente entre 1260 a.C. e 400
a.C.
• Livros da Lei (Pentateuco).
• Históricos – Josué até Éster.
• Poéticos – Jó até Cantares de Salomão.
• Profetas Maiores – Isaías até Daniel.
Profetas Menores – Oséias até Malaquias.

Em relação ao conteúdo do AT, destacamos:

• criação do mundo em seis dias;


• queda em pecado pelos primeiros homens;
• promessa do Messias, o Redentor;
• formação e história do povo de Israel;
• profecias sobre Jesus (Gn. 3.15; Gn. 12.2; Is. 7.14; Mq. 5.2; Is. 53.4-11; S.l 16.10).

Novo Testamento

Dados do Novo Testamento:

• Formado por 27 livros, escrito em grego pelos evangelistas e apóstolos entre 50 d.C. e 100 d.C.

• Em relação ao conteúdo do NT, destacamos:

• quatro Evangelhos que narram vida, ensinamentos, milagres, sofrimento, morte, ressurreição e ascensão de Jesus;
• Atos dos Apóstolos: iniciando pela ascensão, narra o Pentecostes, a formação da Igreja Cristã, seu desenvolvimento,
suas atividades e perseguições que sofreu;
• cartas: Paulo (13), Pedro, Judas, Tiago; Hebreus (não se sabe o autor); João;
• profecia: Livro do Apocalipse – Revelação.

Quadro 2 – Lei e Evangelho – duas grandes doutrinas da Bíblia

Lei Evangelho

1) Ensina o que nós devemos fazer ou deixar de 1) O que Deus fez e ainda faz pela nossa salvação.
fazer.

2) Manifesta o nosso pecado e a ira de Deus. 2) Manifesta o nosso Salvador e a graça de Deus.

3) Exige, ameaça e condena eternamente quem 3) Promete, dá e sela o perdão, a vida e a salvação
não cumpre os mandamentos. ao que crê em Jesus.

4) Provoca a ira no homem e afasta-o de Deus. 4) Chama e atrai para Cristo, opera a fé.

5) Deve ser pregada aos impenitentes. 5) Anuncia-se aos atemorizados.

6) Serve como freio (impedindo que o mal tome 6) É a boa nova da graça, do amor de Deus em Cristo
conta do mundo), espelho (revelando os erros Jesus (João 3.16) e motiva o cristão à prática das
humanos) e norma (mostran do ao ser humano ações que agradam.
como agir).

As parábolas

A divindade de Jesus é percebida pelos cristãos por meio de Suas mensagens, transmitidas oralmente e,
posteriormente, consagradas nos quatro Evangelhos. Entre as mensagens de Jesus, o Cristo, sempre se dá um especial
destaque às parábolas. Foram usadas por Ele para dar um sentido às perguntas dos discípulos e dos demais
seguidores, utilizando-se de uma contextualização capaz de ser compreendida pelos Seus interlocutores.
A título de exemplificação, apresentaremos três parábolas que resumem alguns ensinamentos de Jesus, em idéias
desenvolvidas pelo professor Egon Seibert.
Sobre o amor devido àquele que retorna
arrependido – Lucas 15.11-32

Esta parábola é conhecida como A parábola do filho pródigo. Ela nos apresenta três personagens: o filho mais moço, o pai
e o irmão mais velho.

1. O filho mais moço


Pede ao pai sua parte na herança que lhe seria devida (conforme os costumes da época, ele tem direito a um terço
dos bens paternos, porém, após o recebimento, abdica do direito dos bens que o pai adquirir). Ressaltemos: o pai não
tinha a obrigação de satisfazer a vontade do filho, mas atende ao pedido.
O jovem sai de casa e gasta tudo o que recebeu de forma dissoluta, extravagante e imoral. Quando o dinheiro
acaba, o jovem se dá conta de que está em meio a uma grande crise: a região está assolada pela fome. Procura empregos
e o que lhe sobra é tornar-se cuidador de porcos. Aceita o emprego por imaginar que ali pudesse alimentar-se das
vagens gigantes que eram dadas aos porcos. Ninguém, no entanto, lhe dá coisa alguma.
Caindo em si, lembra-se da casa de seu pai, onde a vida dos escravos era bem melhor que a sua. Toma uma decisão:
voltar, pedir desculpas e suplicar que o pai o aceite de volta como um de seus escravos.

2. O pai
Chama a atenção um registro na parábola: o pai estava aguardando a volta de seu filho. Tanto é que, ao vê-lo vindo
pela estrada, não apenas o reconhece, mas vai ao seu encontro. Expressa sua compaixão abraçando-o e beijando-o.
Diante da expressão de tanta bondade paterna, o filho reconhece sua situação – sem nenhum direito a exigir –, mas faz
apenas uma súplica: “Aceita-me como um de seus escravos.”
A surpresa: o pai reintegra o filho à família e expressa essa aceitação providenciando as melhores roupas,
colocando um anel em seu dedo, dando-lhe sandálias para seus pés, promovendo uma recepção com festa, comida e
dança. A razão? O próprio pai explica: “Este meu filho estava morto e reviveu, estava perdido e foi achado.”

3. O irmão mais velho


Estava no campo trabalhando. Ao retornar para casa, ouve o som da música e gritos de alegria. Intrigado, pergunta
o que estava acontecendo. Ao tomar ciência de que se tratava de uma festa para o irmão que retornara, recusa-se,
indignado, a participar da festa. Não bastasse isso, ainda repreende seu pai e aponta uma razão lógica: “Estou há tanto
tempo contigo e nem um cabrito preparas para festejar comigo. Mas este teu filho, que foi embora e gastou tudo, volta e
é recebido com festas? Até um novilho cevado é abatido para festejar?” O pai justifica sua atitude: “Tudo isso aqui é
teu. Nada perdeste; a herança continua sendo tua. Mas era preciso que nos alegrássemos, pois este teu irmão estava
morto e reviveu, estava perdido e foi achado.”
O ensino desta parábola:
Jesus narra de forma clara que Deus é o pai que recebe o pecador que o busca em arrependimento. Os que
retornam, por piores que tenham sido as suas ações do ponto de vista humano, serão por Ele recebidos.

Deus aguarda sempre e de braços abertos


o retorno de Seus filhos dispersos.

Ele, porém, aponta para as atitudes, por vezes hipócritas, de quem se julga de sua família e que se dá o direito de
discriminar quem errou e que, arrependido, deseja voltar a esse convívio. Ao invés de lamentar e até estranhar que o
arrependido é aceito por Deus em sua família, os cristãos devem alegrar-se, pois o que Ele mais deseja é que todos se
arrependam dos seus pecados e vivam.
Sobre o perdão ao próximo – Mateus 18.21-35

Esta parábola é conhecida como O credor incompassivo.


Jesus é colocado diante de uma questão intrigante: quantas vezes alguém deve perdoar ao seu próximo? Alguns
argumentaram que até 7 vezes e espantaram-se com a dimensão dada por Jesus: 70 vezes 7, ou seja, sempre. É nesse
contexto que Jesus conta a parábola para ensinar a Sua vontade a respeito do perdão.
Um rei ajusta suas contas com seus servos. Um lhe deve 10 mil talentos (cerca de 480 mil quilos de ouro). Como o
devedor não tem como lhe pagar, o rei ordena que todos os seus bens sejam vendidos, bem como sua família e ele
mesmo. Desesperado, lança-se aos pés do rei e suplica-lhe clemência. Não é que o rei o atende?! Tocado por tamanha
generosidade, sai aliviado da presença do rei. No caminho de sua casa, encontra um conservo seu, uma espécie de
prestador de serviço, que lhe devia 100 denários (cerca de 4.800 kg de ouro) e, intransigentemente, insiste no
recebimento da dívida. Como não a recebe, vai às últimas conseqüências e conduz seu conservo à prisão.
Amigos desse pobre infeliz se dirigem ao rei e delatam a situação. Irado, o rei chama o servo devedor a sua presença,
manda prendê-lo e entrega sua vida às mãos dos carrascos.
O ensino desta parábola:
A nossa vida sobrecarregada de dívidas (erros, pecados) não pode ser paga diante de Deus. Muitos ainda tentam
efetuar o pagamento. Impossível! O valor é alto demais. A bondade, a generosidade e o amor de Deus, no entanto, vêm
ao encontro de nossas necessidades e perdoa nossas dívidas. Estamos livres!
Assim, contudo, como somos perdoados, Deus espera que também perdoemos a todos que têm dívidas a nos
pagar, sejam elas de quaisquer naturezas. É fácil? Com certeza, não! Mas, assim como somos perdoados, espera-se que
perdoemos aos que nos ofendem.

Assim como alguém é perdoado em suas muitas


faltas, também pode perdoar as faltas daqueles
que lhe são próximos.

Sobre o amor ao próximo – Lucas 10.25-37

Esta parábola é mais conhecida como O bom samaritano.


Um intérprete da Lei perguntou certo dia a Jesus o que deveria fazer para herdar a vida eterna. Jesus lhe disse: “O
que está escrito na Lei?” Ele respondeu: “Ama a Deus de todo o coração, alma e entendimento e ama ao próximo como
a ti mesmo.” Jesus, por sua vez, falou: “Faze isto e viverás.” Como que se desculpando, o intérprete da Lei perguntou:
“Quem é o meu próximo?” Foi aí que Jesus lhe contou a parábola do bom samaritano.
Um homem foi assaltado e deixado semimorto na estrada que ligava Jerusalém a Jericó. Por ele passam um
sacerdote e um levita. Nenhum dos dois o assiste. Passa também pelo assaltado um samaritano, grupo inimigo dos
israelitas, etnia do assaltado. Este, contrário ao senso do contexto, cuida do ferido e ainda o conduz a uma pousada,
paga as despesas iniciais e compromete-se com despesas posteriores do tratamento, se houver.
A pergunta de Jesus é retórica: “Quem foi o próximo do homem assaltado?” O intérprete da Lei, contrariado,
precisa reconhecer que fora o que usara de misericórdia em favor do assaltado. Diante disso, Jesus finaliza: “Vai e
procede tu de igual modo.”

A idéia de próximo é ampla: amar não


só os amigos, mas também os inimigos.
O ensino desta parábola:
O amor ao próximo foi sempre uma das características dos primeiros cristãos. Havia entre eles, especialmente em
Jerusalém, muitos pobres. A comunidade cristã, por meio de ofertas voluntárias, sustentava seus pobres, especialmente
os órfãos e as viúvas.
A certa altura surge um problema. As viúvas de origem grega sentem-se prejudicadas na medida em que começam
a receber auxílio menor que o oferecido às de origem judaica. Reclamam. Pedro, líder da comunidade cristã, convoca as
lideranças e ordena que sejam eleitos sete diáconos, homens fiéis para que cuidem da distribuição do alimento entre os
necessitados, enquanto ele e os demais apóstolos iriam dedicar-se ao ofício da oração e da pregação do evangelho.
Hoje denominamos esse serviço de diaconia. É o serviço amoroso que o cristão presta ao seu próximo em resposta
ao amor de Deus. Ela lida com as conseqüências e as causas do pecado: doenças, sofrimentos, pobreza, miséria,
ganância, preguiça, exploração, luto, solidão, violência (assaltos, estupros, homicídios), guerra, catástrofes naturais,
fome, vícios, insensibilidade, solidão e morte.
Sugestões de como é possível demonstrar amor ao próximo:

• visitar doentes em seus lares e hospitais (câncer, Aids, lepra);


• visitar idosos (nossos avós ou pais) para conversar, passear (asilos, casas-lares, creches, orfanatos);
• visitar os que sofrem (enlutados, órfãos);
• visitar os presos;
• auxiliar os pobres (alimentos, roupas, remédio, estudo, emprego);
• encaminhar dependentes de drogas ou de álcool às instituições especializadas;
• olhar pelos portadores de deficiências físicas (hospitais), mentais (Apae), visuais (doação de córneas),
auditivas etc.;
• lutar contra a poluição, preservando a natureza (lixo, inseticida, biodegradáveis), rios, ar, florestas, solo;
• lutar pela justiça social e contra qualquer tipo de discriminação (igualdade no trato com a lei);
• lutar pelo direito à vida (contra o aborto);
• apoiar o pacifismo (não à violência, à guerra);
• lutar contra a corrupção – não sendo corruptor nem corrupto;
• ajudar e orientar migrantes e desempregados;
• organizar palestras sobre higiene, saúde, drogas em associações de bairros;
• participar da vida política do País.

Um desafio incentivador: em razão do amor motivante,


mobilize seu grupo de estudo, olhe ao seu redor e
descubra formas e meios de poder exercitar o amor ao
próximo.
(9)

l utero e a r eforma
Ronaldo Steffen

(9.1)
l utero e a r eforma l uterana

O meio familiar e a educação

Martinho Lutero nasceu em 10 de novembro de 1483, em Eisleben, Alemanha. Sua família não era abastada, e a
educação familiar era pautada por padrões de severidade, próprios da época.
Os primeiros anos escolares (1488-1497) foram marcados pelo aprendizado do latim, do canto e dos princípios
básicos da fé cristã. O método empregado para o ensino era caracterizado pela memorização e, não raro, por castigos
físicos.
À fase escolar seguinte, até 1501, conhecida como escola do trívio (estudo da gramática, da retórica e da dialética),
seguiu-se o quadrívio (estudo da geometria, da aritmética, da música e da astronomia). Assim, Lutero estava pronto
para ingressar na faculdade de Direito.

Curiosidade:
Compare as ênfases dadas à educação da época
com as de hoje. Compartilhe suas conclusões.

Da universidade para o mosteiro

A continuação dos estudos em Direito nem se deu. Foi interrompida em julho de 1505. Em razão de um raio que
quase o atingira, e apavorado com a proximidade com que esteve da morte, promete abandonar tudo e tornar-se
monge. Há outras duas versões para sua decisão. Uma conta que, pouco antes de quase ser fulminado pelo raio, um
amigo teria sido acometido de um mal súbito e morrera, deixando Lutero profundamente assustado com a
possibilidade da morte. Outra versão, ainda, relata que Lutero teria sido ferido nos meses precedentes por um golpe de
espada.
O que transparece, em qualquer dos três relatos, é a forte presença de um sentimento de medo pelo castigo
associado à culpa. Essa percepção, aliás, não era exclusividade de Lutero. O forte sentimento de pecaminosidade era a
tônica de todo um movimento de reavivamento religioso na Alemanha da época. É assim que ainda em julho de 1505
ingressa no convento dos agostinianos.
Reflita:
Qual seu parecer sobre movimentos religiosos
que oprimem as consciências com o pavor
da condenação eterna?

Sacerdote e monge

Seguindo a tradição dos monges agostinianos, Lutero tornou-se um sacerdote e em 1507 reza sua primeira missa.
Durante uma das orações, é tomado por enorme angústia, provocada, ao que parece, pelo temor de aproximar-se de
Deus. A forte certeza de ser pecador, aliada à angustiante sensação de culpa, faz Lutero perceber-se diante de um Deus
severo, esboçado essencialmente como juiz.
A entrada na vida monástica não foi o suficiente para acalmar Lutero nem lhe trazer a desejada paz interior. As
penitências constantes e precedidas de confissões diárias não foram o suficiente para lhe afastar a imagem de um Deus
que pune.

Os estudos em teologia e a paz interior

Em sua busca de paz, resolve estudar teologia (1507-1512). Muda-se para Wittenberg e obtém o título de doutor. Passa
a lecionar na faculdade de Teologia sem, contudo, abandonar sua busca por um Deus que lhe desse a paz desejada.
Na universidade foi auxiliado por um de seus professores, o qual lhe pondera que a verdadeira penitência começa
com o amor a Deus e não com o temor pela punição. O estudo de Agostinho o fascina, em especial o significado da vida
e da morte de Cristo para a salvação. Ao proferir suas conferências sobre os Salmos (1513-1515), Lutero se convence de
que a salvação é uma nova relação com Deus, fundamentada na absoluta confiança nas promessas divinas. Em final de
1516, ao preparar sua preleção sobre Romanos, detém-se na palavra de que “o justo viverá por fé”. Era a chave que lhe
faltava. A salvação é dádiva divina, é amor. A justiça, que poderia significar o direito e o merecimento de quem age de
modo correto, e por isso está apto a ser chamado de justo, é percebida por Lutero isenta de direito e merecimento,
ainda que tenha agido de modo correto. O ser humano não merece a identificação como justo. Ela lhe é atribuída em
razão das promessas divinas e só pode ser recebida por fé, pelo simples fato de já terem sido dadas. Era o achado da
salvação pela fé, independente das obras.

Na universidade, após estudos em Salmos e Romanos,


Lutero “descobre” que a vida eterna é dada pela fé.
Salvação é amor divino e não merecimento humano.

As 95 Teses e o conflito com a Igreja

Lutero não era contra a idéia das indulgências, muito embora suas 95 Teses (1517) tenham tido como alvo exatamente as
indulgências. Teoricamente, estas constituíam um perdão relativo às penas impostas pela própria Igreja.

O abuso das indulgências: verbas para construção de


basílica e compra de diocese.
Com os abusos, muitos passaram a entender que o perdão podia ser estendido à diminuição das penas do
purgatório.
A indulgência contra a qual Lutero se rebelava havia sido promulgada em 1506 e renovada em 1517. As somas
recolhidas estavam destinadas a financiar a construção da basílica de São Pedro, em Roma. Soma-se a esse episódio
especial a figura de Alberto de Brandemburgo, decisivo no desenlace dos fatos que se sucederam.
Alberto era nobre e já bispo alemão, quando ficou vago o arcebispado de Mainz (Mogúncia), desejado por Alberto.
A importância dessa diocese estava no fato de ser uma das que tinham direito a voto na eleição para imperador (três
bispos e quatro príncipes do Sacro Império Romano-Germânico, após a morte do imperador, reuniam-se para eleger o
novo). Ao solicitá-la ao papa, este estipulou uma alta soma. O problema agrava-se porque Alberto já era supervisor de
duas outras dioceses, o que era proibido pelo direito canônico. Sem recursos suficientes para “comprar” a diocese vaga,
Alberto recorre aos Fugger, uma família de banqueiros. Resolvido o pagamento ao papa, Alberto tinha uma enorme
dívida com os Fugger. A solução? Utilizar as somas recolhidas com as indulgências, incrementando sua venda quase à
banalização, além de inflacionar os valores (1 florim para artesão e 25 para o clero e a nobreza; observemos que 1 florim
era o necessário para uma semana de subsistência de uma pessoa). Apenas a metade dos recursos era repassada a
Roma. A outra metade ia diretamente para a instituição bancária dos Fugger.
O documento de Lutero dado a público em 31 de outubro de 1517 não tinha como alvo as negociatas de Alberto,
das quais, segundo alguns historiadores, Lutero nem tinha conhecimento, mas, sim, as questões doutrinais e religiosas.
Propunha uma reforma nos costumes na Igreja e um retorno às Sagradas Escrituras, em especial no que respeitava à
salvação. A reação foi tão imediata que em pouco tempo já circulava por boa parte da Europa e, ainda que não
imaginasse tanto, já que Lutero pretendia uma discussão acadêmica, historicamente estava marcada a deflagração do
conflito que marcaria toda a história do mundo ocidental.

A reação da Igreja

As afirmações de Lutero encontraram terreno fértil para se ampliarem. Uns não apenas o defendiam, mas também se
admiravam de que alguém desconhecido tivesse ousadia para enfrentar a Igreja. Outros o condenavam e, ainda,
irritavam-se com sua pretensão de sugerir mudanças na Igreja.
Um dos primeiros a responder a Lutero foi Tetzel, o responsável nomeado por Alberto de Brandemburgo para a
venda das indulgências. Logo a seguir outro oponente, João Eck, também se manifesta por meio de um texto. Lutero
replica com um sermão. Corria o início de 1518, e a situação estava assim colocada, e sem solução.
É quando entra em cena mais uma vez Alberto de Brandemburgo, que se associa aos dominicanos, ordem à qual
Tetzel pertencia. Encaminham a Roma denúncias contra Lutero, e daí para frente os acontecimentos se precipitam.
Intimado pelo papa Leão X a comparecer em Roma, Lutero é protegido pelo príncipe-eleitor Frederico, o Sábio, que
consegue trazer a audiência para a Alemanha, em Augsburgo.
Instado a retratar-se, Lutero apela a instâncias superiores. Outros encontros se sucedem, e as discussões tornam
claro que as posições são cada vez mais contraditórias. Por fim, é solicitada a Roma uma bula condenatória contra
Lutero, publicada em junho de 1520, concedendo-lhe 60 dias para a retratação.

Figura 4 – Papa Leão X (detalhe)


Fonte: Sanzio, 1518-1519.

Nesse mesmo ano, e em meio às discussões que continuavam, Lutero produziu o escrito À nobreza cristã da nação
alemã, sugerindo que o poder temporal deve assumir suas responsabilidades sociais e políticas. Ainda nesse mesmo
ano, publicaria mais duas obras que provocariam um aprofundamento nas diferenças: Cativeiro babilônico da Igreja, em
que ataca ensinamentos da Igreja, e Sobre a liberdade cristã, enfatizando que o cristão é o mais livre de todos, não estando
sujeito a ninguém, e é o mais devoto servo de todos, estando a todos sujeito.
Sem a retratação, em janeiro de 1521, é publicada a decretação da excomunhão de Lutero. Estava posto fora da
Igreja Católica Apostólica Romana, perdendo todos os seus direitos religiosos, inclusive os sacerdotais. O império
precisava confirmar a excomunhão, cassando-lhe os direitos civis e políticos. Para tratar o assunto, foi convocada a
Dieta de Worms, na Alemanha, no mesmo ano. Sem acerto, Carlos V, recém-eleito imperador, confirma a excomunhão
em maio de 1521. Lutero era agora um criminoso.

Sem retratação, Lutero é excomungado


e perde seus direitos religiosos.
Confirmada a excomunhão pelo império,
perde os direitos civis e é, agora, um criminoso.
O exílio

Temerosos pela vida de Lutero, alguns de seus amigos o “seqüestraram” e o conduziram ao castelo de Wartburgo, sob
a proteção de Frederico. Nos dez meses de reclusão, produziu como nunca: traduziu o Novo Testamento do grego para o
alemão e produziu diversas obras teológicas.
Considerado como desaparecido, a ausência de Lutero desencadeou muita confusão. Radicais e fanáticos
mostravam muita imprudência na condução das reformas. A volta se impunha como necessária e foi a própria Câmara
Municipal de Wittenberg que fez a solicitação. O episódio marcou a volta de Lutero em março de 1522.
Embora a interdição contra Lutero nunca tenha sido suspensa, ela também não se cumpriu. A razão maior encontra-
se na ausência de um poder central forte, o que permitiu a Lutero conduzir as reformas religiosas por ele pretendidas.

Sem Lutero o movimento torna-se


caótico e incontrolável.

O andamento das reformas

Até 1524 as reformas prosseguiram sem maiores desassossegos. É a partir dessa data que principiam as divisões. Os
humanistas, liderados por Erasmo, separam-se de Lutero. Radicais espiritualistas pregavam a necessidade da
experiência religiosa. Outros radicais, os sociais, desejavam reformas mais rápidas e desencadearam a Guerra dos
Camponeses, considerada por Lutero como rebelião contra Deus, fortalecendo o poder temporal dos príncipes e, por
conseqüência, perdendo prestígio popular.
A reação aos avanços das reformas e de posteriores divisões fez com que os opositores de Lutero mais uma vez, em
1524, se organizassem na tentativa de cumprirem o interdito imperial.
Em meio a tudo, Lutero, aos 42 anos, surpreende ao casar-se, em junho de 1525, com Catarina, uma ex-freira com 26
anos.
Até 1526, todas as tentativas de aplicação da interdição de Lutero fracassaram. Nesse ano, uma abertura maior nas
discussões introduziu um adendo ao texto original da Dieta de Worms que dava aos príncipes a responsabilidade pela
escolha da religião a ser seguida em sua área administrativa. Em 1529, novo encontro restringe essa resolução e quer
fazer a situação voltar ao que antes era. Os príncipes luteranos reagiram por meio de um documento, no qual
começavam as suas afirmações sempre com a palavra protestamos, dando origem à identificação como protestantes a
todos os que se opunham à Igreja Católica Apostólica Romana.

Humanismo, espiritualismo e radicalismo


social impunham reformas em outros rumos.

A Dieta de Augsburgo (1530)

Sem cumprir o interdito contra Lutero,


o império amplia a liberdade religiosa: cada
príncipe é responsável pela escolha da religião.
Convocada originalmente por Carlos V para estabelecer os parâmetros de defesa do império contra a invasão dos
turcos otomanos, liderados por Solimão, os príncipes “protestantes” aproveitaram-se para entregar uma declaração de
fé em defesa de Lutero e seus seguidores, conhecida como Confissão de Augsburgo.
Em vista da necessidade de ter a seu lado todas as forças militares disponíveis, inclusive as dos príncipes
protestantes, Carlos V firmou a Paz de Nüremberg, assegurando a liberdade religiosa aos príncipes e às suas cidades que
haviam assinado o documento, mas impedindo que outros príncipes adotassem a Reforma em seus territórios. Era 25
de junho de 1530.
Somente em 1555 a controvérsia sobre a liberdade religiosa chega ao fim por meio da conhecida Paz de Augsburgo,
ainda sob Carlos V, concedendo direitos iguais tanto a católicos quanto a protestantes, mas enfatizando que a
responsabilidade da escolha religiosa era prerrogativa dos príncipes. Ao súdito que não concordasse com seu príncipe
restava apenas a emigração para outro principado.

A “Paz de Augsburgo” (1555) concede direitos iguais a


católicos e protestantes.

A morte de Lutero

Aos 62 anos, em fevereiro de 1546, Lutero falece em Eisleben, onde nascera.

Reflita:
No Oriente, o pluralismo religioso, embora
regionalizado, já era prática corrente; no Ocidente,
a Reforma propiciou a mesma prática.

Posicione-se:
A liberdade de culto contribui ou não para o
exercício pleno da humanidade do ser humano?

Figura 5 – A Rosa de Lutero


(9.2)
i grejas cristãs de tradição reformada

As principais denominações protestantes que surgiram da Reforma foram a Igreja de tradição luterana e a Igreja de
tradição reformada. Já mencionamos os alicerces que deram origem à tradição cristã luterana. Aqui queremos mencionar
os principais grupos de tradição cristã reformada.
Paralelamente ao movimento da Reforma na Alemanha, ocorria fato semelhante na Suíça (1522), com Ulrico
Zwinglio. Em 1529, Lutero e Zwinglio tentaram a aproximação de seus movimentos, impedida pela discordância com
relação à Eucaristia (Santa Ceia).
Após a morte de Zwinglio, seu sucessor, João Calvino (1509-1564), liderou o movimento e emprestou-lhe o nome
até 1561, quando os seus seguidores foram identificados como reformados daí por diante.

Anglicana

A Igreja Anglicana teve seu início em 1530, com Henrique VIII, denominado pelo papa Leão X de Defensor da Fé por ter
se posicionado contra Lutero em 1521. Casado com Catarina de Aragão, viúva de seu irmão, teve seis filhos,
sobrevivendo apenas uma filha, Maria. Uma vez que o casamento tivera sido apenas nominal e impossibilitado de ter
outros filhos com Catarina, Henrique VIII aliou a esses dois fatores seu desejo de ter um filho homem para ser seu
herdeiro e alegou à Igreja de tradição católica romana escrúpulos religiosos sobre a validade de seu casamento para
solicitar sua anulação.
Enamorara-se de Ana Bolena, uma dama de sua corte. Com a demora da decisão de seu divórcio, insurge-se contra
Roma, contando com o apoio popular contra as autoridades estrangeiras. O Parlamento inglês aprova um Ato de
Supremacia, declarando o rei como chefe da Igreja na Inglaterra.
Seu sucessor, Eduardo VI, conduz a Igreja mais para o lado calvinista, e sua sucessora, Isabel I, procurou integrar
na Igreja todos os seus súditos (católicos, luteranos e calvinistas), dando origem à Igreja Anglicana, uma igreja para os
anglos.
Nos Estados Unidos, após a independência em 1776, os seguidores da Igreja Anglicana passam a ser identificados
como seguidores da Igreja Episcopal Protestante.
No Brasil, os primeiros cultos anglicanos datam de 1810, no Rio de Janeiro.

Presbiteriana

O ano de 1560 marca a introdução do calvinismo na Escócia, por meio de John Knox, discípulo de Calvino. Nessa data,
o Parlamento escocês aboliu a jurisdição papal e proibiu a celebração da missa na Escócia. É preciso enfatizar, no
entanto, que os fatos não se sucederam de forma pacífica. Houve oposição.
As situações se complicam com a implantação, na Grã-Bretanha, por Isabel I de uma igreja única para os anglos.
Outros dissidentes – os que se opunham à intervenção do Estado nas questões religiosas – surgiram. Estes defendiam,
conforme Calvino, que o governo da Igreja deveria ser exercido pelo presbitério (o conjunto dos mais
velhos/experientes). Os ingleses mais próximos do calvinismo recebem então a identificação de presbiterianos. Porém,
foi apenas em 1876 que se organizaram como instituição, a Igreja Presbiteriana da Inglaterra, livre e não estatal, muito
embora seja atribuída a data de 1572 como ano de fundação do movimento.
O primeiro missionário com assento presbiteriano chega ao Brasil em 1859.
Batista

Há duas teorias que explicam o surgimento dos batistas. Uma reporta-se ao batismo de Jesus no rio Jordão. Outra
identifica nos anabatistas, século XVI, sua origem. Os anabatistas rejeitavam a validade do batismo de crianças e
exigiam um novo batismo. Daí o termo anabatistas, “os que batizam de novo”.
Com forte entonação calvinista, o movimento batista é uma dissidência da Igreja Anglicana. As primeiras
comunidades religiosas estruturadas tiveram lugar na Inglaterra, em 1611, e logo depois na Holanda. Defendem a
separação entre Igreja e Estado e um governo eclesiástico descentralizado, razão pela qual as congregações têm
autonomia. Fazem parte, ainda, da tradição batista os seguintes princípios: batismo apenas de adultos e por imersão;
concepção de que batismo e santa ceia são apenas ordenanças; não-admissão do uso de imagens; forte atividade
missionária e obra educacional.
No Brasil, o trabalho permanente dos batistas teve seu início em Salvador, Bahia, em 1882.

(9.3)
o utras tradições religiosas

A Paz de Augsburgo (1555) foi um avanço na época, porém ainda manteve nas mãos dos príncipes o direito de escolha
da religião a ser seguida por seus súditos. Somente em 1648, com a Paz de Westphalia, documento que poria fim à
Guerra dos Trinta Anos, é que se chegou à liberdade religiosa individual. Caberia a cada indivíduo escolher livremente
sua fé religiosa. A data marca, ainda, o fim do período histórico da Reforma na Europa.
A partir dessa liberdade surgem, em diversos lugares, e com diferentes interpretações bíblicas, bem como costumes
e práticas, líderes religiosos, pastores e profetas, dando origem a novas tradições religiosas cristãs.

Metodista

O movimento surgiu na Universidade de Oxford, na Inglaterra, por volta de 1739. Não tinha a pretensão de criar uma
nova tradição religiosa, mas tão-somente reavivar a espiritualidade, marcada pela frieza e lassidão dos costumes da
época, vigentes na Igreja Anglicana.
Um grupo de estudantes, liderados pelos irmãos John e Charles Wesley, passou a reunir-se para, em conjunto, orar
e estudar a Bíblia. O grupo foi denominado de Clube Santo e visto pelos de fora do movimento como metodistas em
razão de sua aplicação metódica na prática devocional.
A primeira sociedade metodista organizada estabeleceu-se em Bristol, em 1739. Em 1818, ocorre a ruptura com a
Igreja Anglicana.

Adventista do Sétimo Dia

O pastor batista americano Guilherme Miller (1782-1849) é quem dá início a essa tradição. Tudo teria começado em
1818, quando Guilherme, ao estudar a Bíblia, acreditou ter descoberto o dia da volta de Jesus Cristo (advento). A data
estava próxima: 22 de outubro de 1844.
A notícia espalhou-se rapidamente. O movimento teve o seu número de adeptos aumentado, os quais aguardavam
ansiosos o dia em que entrariam na glória celestial. A data chegou e nada aconteceu.
Em decorrência, ocorreu uma fragmentação do movimento em três grupos: um continuou a marcar novas datas;
outro se tornou incrédulo e, ainda, um terceiro continuou a estudar a Bíblia, concluindo que Miller estava certo
quanto à data, mas que havia errado na interpretação da profecia, pois o santuário a ser purificado naquela data seria
o céu e não a terra. Cristo passaria do lugar santo para o local santíssimo no céu, onde estaria intercedendo e julgando
o caso de todos os seres humanos. É desse último grupo que surgem personagens como Ellen G. White, a quem
muitos atribuem a origem do movimento, organizado em 1861, nos Estados Unidos, com a identificação de Igreja
Adventista do Sétimo Dia.
O assento da identificação em sétimo dia deu-se em razão de o movimento enfatizar o dia de sábado, o sétimo dia,
como o dia de descanso para os cultos e a adoração.
No Brasil, suas atividades iniciaram-se em 1916, e a central da Igreja está em Santo André (São Paulo).
Além da guarda do sábado, os adventistas do sétimo dia observam os seguintes princípios: batismo por imersão a
partir dos 12 anos de idade; realização do ritual da Ceia com suco de uva e pão, precedido pelo lava-pés; dízimo como
regra das ofertas; defesa do milênio (reinado de Cristo no céu entre sua primeira e segunda vinda, ficando a terra sujeita
apenas a Satanás e seus anjos; por ocasião da segunda vinda de Cristo, junto com seus santos, os ímpios mortos serão
ressuscitados e destruídos junto com Satanás, estabelecendo-se a purificação da terra); não-crença no inferno.

Mórmons

Em 1830, nos Estados Unidos, Joseph Smith inicia o movimento conhecido como Igreja dos Mórmons, embora o nome
oficial seja Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias.
Segundo os relatos de Joseph Smith, ele foi atendido em sua busca pela verdadeira Igreja de Cristo em 1820, por
meio de uma revelação que lhe recomendara não entrar em nenhuma das igrejas existentes. Em 1823, o anjo Moroni lhe
apareceu e falou de certas placas douradas enterradas no chão. Quatro anos após, Smith desenterrou essas placas,
encontrando ainda duas pedras especiais em recipientes de prata. Com a ajuda das pedras, após algum tempo, Smith
conseguiu decifrar as placas, que foram então levadas de volta pelo anjo Moroni. A tradução das placas foi publicada
em livro em 1830, com o título O Livro de Mórmon.
O livro fala dos povos indígenas da América e afirma que, depois de ressuscitar, Cristo se revelou a uma raça, mais
tarde exterminada, que vivia na América.
Após sofrer muitos contratempos e até perseguições, o movimento estabeleceu-se no atual estado de Utah. Ali
construíram uma cidade e fundaram uma comunidade estatal teocrática que se expandiu rapidamente. Manter um
Estado mórmon puro ficou impossível, sendo que, quando Utah se uniu à federação na condição de estado membro
dos Estados Unidos, a comunidade precisou abrir mão de alguns de seus costumes, entre eles a poligamia.
Dentre os seus pensamentos, podemos destacar: os seus escritos sagrados englobam O Livro de Mórmon, bem como
outros textos com o mesmo valor; Deus tem um corpo exatamente como o humano; Jesus é o Salvador que voltará à
terra para estabelecer um reino de paz; o casamento realizado no templo é eterno; o batismo pode ser indireto, isto é,
um mórmon vivo pode ser rebatizado em nome de um parente já falecido.

Exército da Salvação

Após a Revolução Industrial, Londres ficou muito abalada. Surgiram muitos mendigos, viciados e prostitutas.
Tomados de compaixão por essas pessoas, o casal William e Catherine Booth, em 1865, fundou a missão cristã com o
intuito de ajudar as pessoas em suas necessidades básicas e, com isso, evitar que o mal tomasse conta das pessoas.
O Exército da Salvação se estrutura rigidamente dentro da orientação militar, com oficiais e soldados. A obediência
aos superiores é uma regra essencial. Os oficiais têm emprego permanente e podem se casar, com a condição de que a
esposa também seja oficial. Os soldados são pessoas que possuem outros empregos e trabalham para o Exército da
Salvação nas horas vagas. Ocasionalmente os mais experientes são empregados em tempo integral, recebendo a patente
de sargento ou oficial local. As mulheres têm plena emancipação em todos os níveis, e um soldado do grupo não precisa
renunciar a sua própria comunidade religiosa.
Além disso, o trabalho social é parte de sua atividade evangélica. O movimento conta com um grande número de
instituições diversas para órfãos, alcoólatras e mães solteiras. Acrescentemos que as reuniões religiosas são marcadas
por muita música e canto.

Testemunhas de Jeová

O grupo teve sua origem em 1872. Um americano de família presbiteriana, convertido ao movimento adventista,
chamado Charles Taze Russel, desgostoso com as religiões existentes, formou um pequeno grupo de amigos a fim de
estudar a Bíblia.
Em 1878, abandonou o movimento adventista e, em 1879, lançou o primeiro número da revista Torre de Vigia (hoje,
A Sentinela), na qual afirmava que o fim do mundo seria no outono de 1914.
A maioria dos adeptos do movimento costuma participar na difusão de sua fé de porta em porta, fazendo circular a
Bíblia e suas revistas A Sentinela e Despertai.
Não possuem nenhum credo, baseando-se exclusivamente na Bíblia. Não acreditam na Trindade e afirmam que
apenas Jeová é Deus. O filho unigênito de Deus, sua primeira criação celestial, tornou-se Jesus Cristo, e o Espírito Santo
é a força invisível de Deus. Assim, rejeitam a divindade de Jesus.
O ponto central das convicções do movimento consiste na idéia de que a única esperança do ser humano é o reino
de Deus, um governo celestial que compreende Cristo e 144 mil indivíduos escolhidos, os quais serão elevados a uma
nova vida no céu. Todos os outros crentes terão uma existência eterna na terra como súditos do reino celestial.
Adotam um comportamento que promove a honestidade, a higiene, a temperança e a solidariedade. Não se
envolvem em questões políticas e sociais e reservam a si o direito de não participarem do serviço militar.

Assembléia de Deus

Os movimentos religiosos de reavivamento espiritual que marcaram o final do século XIX deram origem à Assembléia
de Deus. Corria o ano de 1892 nos Estados Unidos, quando dois pregadores pertencentes à Igreja Batista deram início
ao movimento. Por volta de 1914 já havia um considerável grupo que, reunido, deu início à Igreja da Fé Apostólica,
nome alterado em 1918 para Assembléia de Deus.
As idéias e o comportamento do movimento são pautados pelo relato do dia de Pentecostes no Novo Testamento.
Nessa data, Deus Espírito Santo desceu sobre os apóstolos, permitindo-lhes falar em outras línguas, curar enfermos e
realizar milagres. Foi o primeiro impulso de conversão que ocorreu na Igreja cristã primitiva, expandindo-se daí para
frente.
Fundamentados em especial nessa passagem, os devotos pregam o dom de línguas, curas e milagres. Para que isso
ocorra, é preciso que o homem esteja cheio do Espírito Santo, por vezes identificado como batismo do Espírito Santo.
Defendem, ainda, a Santíssima Trindade, o batismo por imersão e o dízimo como única regra de oferta; os pastores,
além de estudarem teologia, devem ser chamados por Deus e pelo batismo nas águas.
No Brasil, a Assembléia de Deus começou a atuar em 1910, em Belém do Pará, quando ainda estava ligada à Igreja
Batista.
Evangelho Quadrangular

A viúva de Aimée Semple McPherson, em 1922, nos Estados Unidos, funda o movimento do Evangelho Quadrangular.
O nome do movimento deve-se ao modo como Jesus Cristo é apresentado pelos quatro evangelistas: em Mateus, como
Rei; em Lucas, como Médico; em Marcos, como Salvador e, em João, como Batizador. Além disso, cada função de Jesus
descrita nos Evangelhos é simbolizada por meio de cores: respectivamente, vermelho, amarelo, roxo e azul.
O movimento está ligado ao tronco pentecostal e, por isso, é enfatizado o dom de línguas, curas e milagres, e
especial valor é dado à conversão pessoal e individual.
No Brasil, o Evangelho Quadrangular surgiu por volta de 1940, com um missionário metodista e só foi oficializado
em 1951, na cidade de São Paulo. Cabe destacar que, a partir desse movimento, ocorreram separações que deram
origem a dois grandes movimentos pentecostais brasileiros: em 1955, fundada pelo pastor Manoel de Melo, a Igreja
Pentecostal do Brasil para Cristo e, em 1962, fundada pelo pastor Davi Miranda, a Igreja Evangélica Pentecostal Deus é
Amor.

Igreja Universal do Reino de Deus

Com fundamentos na Assembléia de Deus, e por isso pentecostal, em 1977, o bispo Edir Macedo, no Rio de Janeiro,
funda sua primeira sede com o fim de acabar com dogmas e regras impostas pela Igreja que, segundo ele, só afastam as
pessoas de Deus.
Os fiéis defendem que todo o mal que ocorre na vida do ser humano é fruto da obra de espíritos malignos e
demônios que precisam ser afastados por meio de sessões de exorcismo (“descarrego”). O bem-estar na vida terrena,
inclusive o econômico-financeiro, é sinal visível da presença divina na vida da pessoa e de sua família. Seus líderes
devem ter como pré-requisito a visibilidade do Espírito Santo e vivem, exclusivamente, das ofertas de seus fiéis,
desafiados a contribuírem com o dízimo e ofertas especiais como forma de demonstrarem sua dependência de Deus.
( 10 )

i greja l uterana e educação


Ronaldo Steffen
é preciso contextualizar essa temática. Discorrer sobre o vínculo existente entre a Igreja Luterana e a educação requer,
inicialmente, uma volta ao passado – buscar as raízes, compreender o presente e vislumbrar a caminhada futura.

(10.1)
o passado

Em 1517, acontecimento já visto em tópico anterior, os fatos não se sucederam ao acaso, e isso por duas razões. Uma, e
fundamental, é a compreensão de que no universo, como na vida, as coisas não acontecem ao acaso. Deus, o criador e o
mantenedor, é quem conduz a bom fim todas as coisas. Outra, decorrente desta, é que os acontecimentos que cercaram
aquela data prepararam o evento atualmente denominado Reforma.
Lutero, hoje o reformador, com a publicação de suas 95 Teses, desejava à época sustentar que a libertação das almas
do purgatório dava-se por obra e graça divina, em Cristo Jesus, e que nenhum valor em dinheiro era capaz de fazer
isso.
Os fatos foram sendo desencadeados à medida que as discussões ocorriam. Inevitável, veio à tona o debate sobre o
poder do papa e dos bispos sobre o sacramento da penitência. Acirraram-se as divergências.
Para Lutero, a situação teológica definiu-se com a compreensão de que o justo é salvo pela fé nas promessas e nas
realizações divinas já garantidas. A justiça é ato divino e sem nenhum merecimento por parte do ser humano. Se assim
é, como ficam as boas obras?

Boas obras não obtêm a salvação. Elas são


agradecimento pela salvação já dada na promessa
divina.

Num escrito de 1520, Sobre as boas obras, Lutero define o novo rumo do agir humano. A fé é certeza de que a
promessa divina de salvação será cumprida, e Deus faz isso como favor aos seres humanos. Receber um presente dessa
natureza, ser considerado justo e salvo sem merecer, provoca uma reação de agradecimento, a única possível: amar a
quem nos presenteou e aos outros presenteados, também tornados justos por puro favor. Não é preciso mandar
agradecer. É espontâneo, a partir do amor que Deus teve com a humanidade. Para agradar, o benfeitor não se eximirá
de esforços agradecidos.
Numa sociedade fortemente regulada pelas orientações emanadas das autoridades religiosas, e por vezes
cumpridas ou à força, ou contra a vontade, as implicações sociais e políticas decorrentes da idéia de que as boas obras
não são definidoras nem da justiça, nem da salvação logo se evidenciam.
Em outro escrito, também de 1520, À nobreza cristã da nação alemã sobre a reforma da Cristandade, Lutero propõe
reformas no corpo cristão composto por todos os cristãos, independente dos papéis que desempenham. Príncipes,
senhores, artesãos, camponeses, clérigos, todos, pelo batismo, fazem parte do corpo de Cristo, nele integrados pelo
mesmo favor divino.

Todos, religiosos ou clérigos, receberam


a graça da salvação e podem agir, também
na vida da cidade, por agradecimento.

Todos estão no mesmo barco e na mesma direção: agem por agradecimento. As autoridades religiosas, cuja
competência é veicular a Palavra de Deus e aplicar os sacramentos, agem com amor por terem sido amadas primeiro. As
autoridades seculares, cuja competência é manter em boa ordem o corpo cristão, agem igualmente com amor por terem
sido amadas primeiro. Quando uma parte falha, é preciso que a outra intervenha. Naquele momento, Lutero entendia
que as autoridades religiosas estavam falhando e as autoridades seculares deveriam intervir, empreendendo as
necessárias reformas, movidos por amor ao corpo de Cristo.

Reflita:
Diante de Deus, autoridades religiosas e civis
têm a mesma direção: agir por agradecimento.
Quando uma falha, a outra deve intervir.
Qual sua opinião?

Entre as reformas necessárias, insere-se a das universidades e escolas. Lutero sugere que a Sagrada Escritura
constitua a matriz do currículo. Nas séries iniciais, meninos e meninas estudariam o Evangelho, em latim ou alemão.
Continuariam os estudos superiores aqueles alunos que se destacassem nesse período, escolhidos pelos príncipes e
conselhos das cidades. Nas escolas intermediárias, deveriam ser realizados estudos que remetessem à reflexão e à
observação da natureza, além do estudo das línguas (latim, grego, hebraico), da matemática e da história. Em relação aos
cursos superiores de Direito, seria necessário dar ênfase ao direito civil e, quanto aos de Teologia, as Escrituras deveriam
ser enfatizadas como objeto principal dos estudos.

Ensino Religioso nas escolas, inclusive públicas?!


Discuta com seus colegas essa proposta e tome
posições.

A dimensão política do amor seria ampliada em outro escrito, de 1523, Sobre a autoridade secular. Lutero torna mais
transparente que existem dois reinos ou regimes, o de Deus e o do mundo. O reino de Deus é integrado por todos
aqueles que, agradecidos pelo favor recebido, já atuam movidos por amor. Em tese, não precisam do regime secular,
mas submetem-se a ele e preservam-no a fim de que seu próximo seja beneficiado. O reino do mundo é integrado por
todos aqueles que também receberam o favor, muito embora alguns ainda ajam movidos pelo egoísmo e precisem ser
controlados para que no corpo cristão haja dignidade.

Em tese, o cristão não precisa das regras do mundo


secular, mas a elas se submete devido aos não-cristãos,
a fim de manter a boa ordem do mundo.
Analise essa afirmação tendo em vista a questão do
aborto.

Cabe à educação, nos diferentes níveis, um papel relevante. Orientar as consciências para que as pessoas saibam
como se conduzirem é tarefa que cabe não somente aos religiosos, mas também às autoridades e aos pais.
À medida que se aprofundam as diferenças entre Lutero e seus seguidores e a Igreja Católica Apostólica Romana,
também seus escritos com referência à educação vão se tornando mais específicos. É assim na carta aberta Aos prefeitos
das cidades alemãs, escrita em 1524.
A Reforma provocara um desestímulo à entrada nos mosteiros, justamente onde se encontravam as escolas. Sozinhos,
os pais não conseguiriam educar seus filhos. Lutero apela às autoridades civis cristãs para que tomem a si a
responsabilidade da educação, movidas por amor. Zelar pelo bem-estar da cidade inclui a formação de cidadãos
instruídos, hábeis e sábios, que tenham condições de adquirir e aumentar terras e propriedades. Daí que investir em
educação e na formação de cidadãos é concretizar a ética do amor.
No que se refere ao reino do mundo, Lutero entende que o estudo das artes e das línguas é que proporciona a
formação de homens capazes de reger domínios e mulheres habilitadas para governar filhos e empregados. No tocante
ao reino de Deus, entende que, igualmente, é preciso estudar as artes e as línguas a fim de melhor entender as
Escrituras e saber conduzir os negócios seculares.

Educação por amor, na vida secular, habilita homens


e mulheres ao governo das cidades e das famílias.
Educação por amor, na vida religiosa, habilita
a uma melhor compreensão das Escrituras.

Lutero recomenda, ainda, que, ao criarem escolas, os conselhos municipais deveriam ter o cuidado de formar boas
bibliotecas em torno das Escrituras, das línguas e das artes.
A preocupação de Lutero com a educação não se limita às autoridades civis. Ele defende que, se estas realizarem a
sua parte, resta, ainda, aos pais fazerem a sua enviando seus filhos à escola. Em 1530, numa pregação conhecida como
Sermão sobre o dever de mandar os filhos à escola, Lutero faz um alerta aos pais que preferiam colocar seus filhos no
trabalho ao invés de enviá-los às escolas criadas pelas autoridades civis. Ele entende que há proveito ou prejuízo em
educar ou deixar de educar os filhos. Em ambos os casos, os pais estão beneficiando ou prejudicando o próprio Deus,
que rege o mundo, o qual precisa de pessoas que se apliquem ao estudo e ao ensino das Escrituras, bem como de
pessoas que se apliquem ao estudo a fim de assegurarem a sobrevivência e a harmonia da sociedade tanto com relação
às leis como com relação à medicina e às artes liberais.

A educação, dever dos pais e do Estado, e o progresso


dela decorrente devem assegurar a sobrevivência e a
harmonia da sociedade.
A compreensão está na direção do bem-estar coletivo.

Este é o entendimento teocêntrico da educação: é meio e instrumento de Deus. Mais uma vez é a ética do amor
decorrente da fé que fundamenta a responsabilidade dos pais pela educação cristã das novas gerações, a fim de
realizarem Deus em dois seguimentos: um buscando a salvação de todos os homens e outro construindo a paz no
mundo.
O que impele Lutero a escrever sobre educação? Esta foi a indagação que motivou as reflexões que seguem,
desenvolvidas pelo Dr. Martin N. Dreher no 1º Fórum de Lutero, na Ulbra – Canoas, sob o título Lutero, Teólogo para a
Universidade.

O desencadeamento do movimento reformatório tornara


evidente a necessidade de uma reforma educacional. O
sistema educacional medieval estava em crise em virtude
das transformações pelas quais passava a sociedade, em
especial o surgimento do mercantilismo. Estava surgindo
um novo tipo de sociedade, na qual o comércio começava
a ter uma importância muito grande. As escolas, nas
quais se estudava Filosofia e Teologia em altíssimo nível,
eram escolas monásticas. A educação superior era toda
ela eclesiástica. Mas o novo tipo de sociedade que surgia
estava a exigir novo tipo de educação.

Necessário se fazia que houvesse formação para as áreas


do comércio, para a direção dos negócios do Estado, pois
também um novo tipo de Estado, mais centralizado,
estava surgindo. Era necessário que se formassem
conselheiros, administradores e juristas. O crescimento
do comércio, principalmente, requeria economistas.

Havia, porém, outro motivo que requeria a reforma do


ensino. Até agora, o ensino fora religioso; seu alvo era o
céu. Pais que optassem pelo “estudo” para seus filhos
faziam-no no sentido de garantir e alcançar méritos para
si e para seus filhos. O filho ia “estudar” para se tornar
sacerdote e, assim, garantir sua própria salvação e a
salvação dos pais. A salvação do mundo pouco ou nada
importava. Quando Lutero descobriu a salvação gratuita,
a justificação por graça e fé, esse tipo de educação não
tinha mais fundamento e ruiu. O alvo da ética não era
mais o céu, mas a terra, a preservação das coisas criadas
por Deus. A descoberta da justificação por graça
colocaria, além disso, a ênfase do estudo teológico na
pregação e no estudo da Bíblia, e não mais no aspecto
sacerdotal. Outros, pois, deveriam ser os conteúdos
preparatórios para o ensino superior.

Os príncipes haviam aproveitado o movimento


reformatório para se apossarem dos bens eclesiásticos.
Ora, das rendas dos bens eclesiásticos havia sido mantida
até então a educação dos sacerdotes. Agora, não havia
mais recursos para manter a educação. A educação fora
privilégio de minorias religiosas. Lutero, em
contraposição, vai anunciar a necessidade de um sistema
educacional que esteja ao alcance de toda a população.
Daí vem seu apelo para que as cidades criem e
mantenham escolas. Se antes se gastava dinheiro com a
salvação, é necessário que agora se use o dinheiro para a
educação, considerada por ele a atividade mais
importante. Fundamentalmente, para ele, a educação é de
responsabilidade da autoridade civil e não da autoridade
eclesiástica.

A argumentação de Lutero vai mais longe. Centro da


Reforma é a redescoberta do Evangelho. Essa
redescoberta não deveria ser deixada de lado na reforma
educacional. Aliás, assim pensa Lutero, se não acontecer
uma reforma educacional que dê acesso ao ensino para
toda a população, a redescoberta do Evangelho estará
sendo posta em perigo! Caso a população não puder se
educar, ter acesso à leitura do Evangelho, em pouco
tempo o Evangelho estará encoberto novamente.

Interessante é a fundamentação de Lutero. A educação é,


para ele, uma ordem de Deus. Deus quer que existam e
sejam criadas escolas, pois é nelas que poderão ser
apreendidas as profissões e Lutero entende que é através
da profissão que Deus chama as pessoas para o
Sacerdócio Universal de Todos os Crentes. Essa é a base
para a educação universal. (...)

Resta a pergunta: Quem será o sujeito da reforma


educacional? Segundo Lutero, é dever dos pais enviar os
filhos à escola. As pessoas com recursos nas cidades são
por ele convocadas a financiar e a manter escolas. Mas
não só elas. A educação deve ser tarefa política. Quem
deve, então, criar e manter escolas? Poder-se-ia pensar
nos príncipes. No governador, para usar uma palavra de
nossos dias. Lutero não pensa neles. Ele propõe que os
conselheiros das cidades, os vereadores, assumam essa
tarefa. Educação é tarefa do Estado. Segundo Lutero,
sempre que for investido um florim em gastos militares,
devem ser investidos cem florins em educação. Os
conselhos municipais devem obrigar os pais a enviarem
os filhos à escola. Aqui a exigência da obrigatoriedade
escolar, mas também a orientação precisa quanto às
prioridades da política. Para Lutero está claro que
governar é criar escolas e mantê-las.

Fica a pergunta: quem é que se beneficia com a educação,


segundo Lutero? A resposta é simples: a Igreja e o
Estado. A Igreja se beneficia em sua tarefa de pregação. É
necessário que se formem pregadores que anunciem o
Evangelho. Os pais devem enviar os filhos à escola para
que sejam pastores ou professores. Ambos dedicar-se-ão
à tarefa mais nobre: a de pregar o Evangelho. Lutero
pensa, em seu tempo, que se deve ensinar as línguas
bíblicas, para que todos tenham acesso à Bíblia no
original. A Bíblia é, aliás, o livro escolar mais importante.
Além das línguas deve-se estudar a história, pois se
aprende das experiências, dos êxitos e dos erros do
passado. Estudando história, evita-se a repetição dos
erros do passado.

O outro beneficiário da educação é o Estado. Vai ter


cidadãos preparados para assumir as tarefas na
sociedade. O Estado necessita de funcionários (homens e
mulheres). É verdade que Lutero ainda limita a função
pública da mulher ao magistério. As professoras
ensinarão nas escolas de meninas. Mas ele cria espaços
para os estudos da mulher. O Estado, pensa Lutero,
precisa, ainda, de juristas e médicos.

Como deve ser a educação? Lutero nega a educação


repressiva (surras, pressão...). A educação deve ser
lúdica, isso é, deve-se aprender, jogando, cantando e
dançando. Mas a escola também deve estar vinculada ao
trabalho. Ao lado das matérias comuns a todos os alunos,
deveria haver aprendizado artesanal. Nas escolas devem
existir boas bibliotecas que deveriam ter a Bíblia e outras
obras básicas. Finalmente, Lutero propõe uma escola
cristã, gratuita e obrigatória. Os professores não são
apenas funcionários públicos, mas também pessoas que
exercem um ofício espiritual. Quais os valores da
proposta de Lutero? Fundamental na proposta de Lutero
é que com a educação se mantenha a liberdade
evangélica. Através da educação se tem acesso à verdade
do Evangelho e a liberdade dele decorrente. É a liberdade
evangélica que possibilita a participação crítica na
sociedade. Depois, Lutero advogava a popularização da
educação. Ela não é questão de elite leiga ou religiosa. É
direito fundamental de todo cristão. Finalmente, é
importante ver que Lutero propõe um novo tipo de
pedagogia: aprender brincando. (...) Lutero considera
que a atividade do(a) professor(a) é, ao lado do ministério
da pregação, a atividade “mais útil, maior e melhor” que
existe. O mundo é dádiva de Deus, mas, para que haja
paz e ordem na terra, é necessário que existam muitos
professores e cientistas crentes e sérios. Esta necessidade
é para ele uma das razões de se enviar filhos à escola. Ao
mencionar esta razão, está falando dos professores destas
escolas que são pessoas crentes e sérias a exercer a maior
função que existe. São eles que levam seres humanos a
Cristo. Educar é levar a Cristo. Por isso, educação é
dádiva de Deus, oferecida através dos professores, nas
escolas.

É verdade que Lutero falava em tempos de regime de


cristandade. É, também, verdade que seus ideais eram
humanísticos. Não vivemos mais em regime de
cristandade; os ideais humanísticos também foram
abandonados. A tarefa do educador cristão, porém,
continua: preparar pessoas para a salvação do mundo;
preparar cidadãos capazes de remar contra a
correnteza, bons políticos, bons administradores,
pessoas capazes de tornar o mundo mais humano.

Fonte: DREHER, 2004.

Compare:
O percentual do Produto Interno Bruto (PIB)
que os países desenvolvidos investem em educação
em relação ao que se aplica na mesma área no Brasil.

Profissão é sacerdócio!
A afirmação enquadra-se na idéia do
sacerdócio universal de todos os crentes.
Proveitosa é a leitura de “A ética protestante
e o espírito do capitalismo”, de Max Weber.
Confira!

A educação não garante a vida eterna.


A educação garante a preservação
das coisas criadas por Deus.
A finalidade da educação se cumpre no cuidado
com o mundo e com tudo o que nele há.

Discuta:
Escola cristã, gratuita e obrigatória.

Reflita e discuta:
Qual o valor que se atribui ao magistério hoje?
(10.2)
o presente

Quase 500 anos nos separam de Lutero. Embora o mundo tenha mudado, a Igreja Luterana ainda mantém sua
perspectiva histórica sobre a educação e dela não se tem descuidado. O presente da educação luterana pode reportar-se
ao início do luteranismo no Brasil.
Quando chegaram ao País em 1824, os imigrantes alemães trouxeram tanto a marca do clima cultural que se
respirava na Europa como uma história de ensino dentro da própria Igreja em que cresceram.

Tradição escolar entre imigrantes alemães

Por ocasião dos 170 anos da imigração alemã no Rio Grande do Sul (1994), o Dr. Lúcio Kreutz publicou o artigo Escolas
da imigração alemã no Rio Grande do Sul: perspectiva histórica, em livro editado pela Ulbra (Os alemães no Sul do Brasil) e do
qual extraímos boa parte do texto deste tópico.
Até meados do século XVIII, predominou na Alemanha o motivo religioso na educação. A escola era concebida
como uma instância de apoio à formação religiosa. É nela que ocorriam os primeiros passos para a formação do cristão.
A escola e o professor eram paroquiais. Ao professor atribuía-se importante ação pastoral, pois, além do magistério,
deveria exercer ampla liderança social e religiosa. O ensino religioso ocupava lugar central em todo o processo
educacional.

O professor era responsável pela transmissão do


conhecimento e pela formação religiosa e moral.

Na segunda metade do século XVIII, houve um avanço na compreensão da educação, realçando-se a


responsabilidade do Estado na educação. Entendia-se que a prosperidade e a estabilidade nacionais dependiam da
educação geral do povo. Assim, a partir de 1763, a freqüência à escola tornou-se obrigatória, estipulou-se remuneração
adequada aos professores, organizaram-se livros didáticos e implantou-se a inspeção escolar.
No início do século XIX, novos avanços. Implantaram-se escolas normais para melhor formação dos professores, e um
novo pressuposto tomava conta da educação: reforma social e política só é possível pela educação.
Essa cultura os alemães trouxeram para o Brasil. É assim que podemos entender o empenho dos imigrantes em
implantar uma escola ao lado da igreja. A escola seria um mecanismo tanto para a melhor formação religiosa de seus
filhos quanto para despertá-los para a vivência da cidadania.

Ao lado da igreja, uma escola:


formação cristã e de cidadania.

Para termos uma idéia do valor atribuído à educação pelos alemães, basta recordar que nas décadas de 1920/30 já
havia, só no Rio Grande do Sul, uma rede de 1.041 escolas comunitárias (evangélicas e católicas) com 1.200 professores.
É essa cultura de educação que vai pautar o fazer religioso da Igreja Evangélica Luterana do Brasil, criada em 1900 com
a vinda de um missionário americano ao Sul do Brasil.
A Igreja Evangélica Luterana do Brasil (Ielb)

A Ielb tem sua origem, no Brasil, em 1900 e a partir do trabalho desenvolvido pela The Lutheran Church – Missouri Synod.
Esse grupo foi fundado em 1847, em terras norte-americanas, a partir da iniciativa de um pastor que sai da Alemanha
por razões de consciência religiosa. Ocorrera que em 1817 o rei da Prússia, Frederico Guilherme III, decretara em seus
domínios a união da Igreja Luterana com a Igreja Reformada em razão de disputas religiosas. A decretada união
resultara na Igreja Evangélica Unida. Evangélicos luteranos, inconformados com a ingerência do Estado nas questões da
Igreja, além de protestarem contra o racionalismo que invadira a teologia, emigraram para os Estados Unidos na
esperança de desfrutarem liberdade de culto sem a interferência do Estado. É desse grupo que resulta o Missouri Synod e
a Igreja Evangélica Luterana do Brasil.
Oficialmente a fundação ocorreu apenas em 1904, muito embora já desde 1900 houvesse congregações organizadas
no interior do Rio Grande do Sul.
A herança religiosa e escolar que se transferira da Alemanha para os Estados Unidos se manteve. Escolas eram
criadas e mantidas junto com as congregações religiosas. No Brasil não foi diferente. Acabou se consagrando o ditado
“ao lado de cada congregação, uma escola”. Essa era uma estratégia empregada entre os imigrantes alemães a fim de
fixá-los nos locais que ocuparam e não apenas expandir a mensagem religiosa, mas também dar-lhes o conhecimento e
a educação necessários a fim de progredirem.
À medida que avançava o trabalho religioso, ampliava-se, na mesma medida, a fundação de escolas. Assim, em
1907 já havia 13 escolas e, em 1924, 68 com mais de 2.000 alunos. Na década de 1970, o número de escolas chegou a 130.
Problemas é que não faltaram. Em 1922, uma corrente política pretendia eliminar as escolas particulares. Em 1938, o
Brasil foi tomado por uma onda de nacionalismo, motivando a proibição do uso de línguas estrangeiras nas escolas
primárias. Isso sem levar em conta os problemas decorrentes de duas guerras mundiais em que a Alemanha esteve
envolvida, ocasionando reflexos nos imigrantes aqui residentes e em suas instituições, quer religiosas, quer
educacionais.
É dentro desse quadro geral que se encontram as origens da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra).

A Universidade Luterana do Brasil (Ulbra)

A chegada da Igreja Luterana – Sínodo de Missouri em Canoas dá-se em 1905, com o atendimento religioso feito pelo
pastor de São Leopoldo (RS), recebendo a denominação de Comunidade Evangélica Luterana São Paulo. Com a expansão
do trabalho religioso duas medidas se faziam necessárias: uma capela para as atividades religiosas e uma escola para
ensinar os filhos dos seus congregados.
A primeira capela e, ao mesmo tempo, a primeira escola foram inauguradas em 1911. Após a Primeira Guerra,
passadas as hostilidades contra os alemães, a comunidade religiosa sentiu a necessidade de ampliar a capela e a escola.
A inauguração dá-se em 1925 e, no mesmo ano, é oficialmente criada a Escola Evangélica Luterana São Paulo.
A Segunda Guerra sobrevém e com ela uma série de efeitos desastrosos para as colônias alemãs, como perseguições
e entraves burocráticos. A Comunidade Evangélica Luterana São Paulo também foi afetada nesse período. Seu pastor
foi aprisionado em 1942, e o professor responsável pela escola teve de fugir a fim de não ter o mesmo fim. A escola, que
até então ministrava suas aulas em alemão, passou a fazê-lo em português.
No pós-guerra, as atividades gradativamente foram sendo retomadas. A Comunidade São Paulo ampliou-se, e a
terceira capela foi inaugurada em 1965. Em 1966, a Comunidade tornara-se independente e recebeu seu primeiro pastor
residente, o reverendo Ruben Eugen Becker, que, além das obrigações religiosas, deveria dedicar um turno de suas
atividades à escola da comunidade. A situação financeira da escola era um grande problema, a ponto de pensar-se em
fechá-la.
Elaborou-se, para continuarem abertas as portas da escola, um projeto de reformulação com vistas a expandir a
escola, aproveitando-se o momento histórico de forte empenho governamental na educação. O projeto visava à criação
de um ginásio orientado ao trabalho, um ginásio profissionalizante. Daí para diante não parou mais o avanço da escola.
Em 1968, lança-se a pedra angular que daria origem ao Colégio Cristo Redentor, e tornava-se realidade o ensino
profissionalizante de segundo grau. A cerimônia oficial de inauguração de funcionamento do Colégio Cristo Redentor
ocorre em 7 de maio de 1969.
Implantado o projeto de ensino profissionalizante no segundo grau, tornou-se inevitável pensar em nova expansão,
desta vez em direção ao terceiro grau. Já desde 1970 se pensava nessa direção. Encaminhadas as questões burocráticas,
em janeiro de 1972, foi aprovado o funcionamento da Faculdade Canoense de Ciências Administrativas, com aulas
iniciadas em março do mesmo ano. Logo a seguir, vieram os cursos de Arquitetura, Ciências Contábeis e Educação
Física, todos funcionando nas dependências do Colégio Cristo Redentor. Em 1976, novos cursos eram pensados. O
projeto para uma universidade estava em andamento e, para tanto, adquiriu-se em 1978 a área onde hoje se encontra o
campus central da Universidade.
A caminhada foi premiada, em janeiro de 1988, com a autorização da criação da Universidade Luterana do Brasil
(Ulbra). Os cursos foram ampliados, a pós-graduação foi implantada, os espaços físicos aumentaram, e novas unidades
foram abertas em todo o País, fazendo da Ulbra uma referência nacional.

Ulbra – Comprometimento com sua confissão

O jeito de ser da Ulbra é reflexo do jeito de ser de sua mantenedora, a Comunidade Evangélica Luterana São Paulo. A
Ulbra confessa, a partir de sua mantenedora, que o mundo é obra de Deus e por Ele regido, e não fruto do acaso ou do
arbítrio. Confessa, igualmente, que Jesus Cristo se entregou à morte como sacrifício pela culpa humana e ressuscitou
para reger as criaturas, bem como os corações dos crentes, pelo seu Espírito.
Entende a Ulbra, como parte da Igreja, que esta se apresenta como assembléia de todos os fiéis que o Senhor
congregou pelo evangelho, para o fim específico de proclamar a salvação a todos os homens. A vocação própria da
Igreja é, pois, anunciar o evangelho e exercer a caridade à imagem de Jesus Cristo, construindo o reino de Deus. No
entanto, ainda vive no reino do mundo em expectativa pelo reino divino e, por isso, não pode a Igreja nem seus
seguidores se manter indiferentes às necessidades dos homens e de todas as criaturas. O mesmo amor que salva é o que
constrange a Igreja a assistir todo ser humano, minorando sofrimentos, suprindo carências, abrindo novas perspectivas
de vida.
Essa é uma tarefa a ser construída historicamente, e a educação é um desses meios históricos disponíveis para
chamar o ser humano à comunhão com Deus e habilitá-lo à busca de uma sociedade melhor. Assim a Ulbra confessa.

Embora confessional, a Ulbra respeita a liberdade


religiosa e rejeita todo e qualquer tipo de preconceito.

É em razão de sua visão de Deus, do mundo e do ser humano que a Ulbra, embora transparentemente luterana,
respeita a liberdade religiosa e rejeita preconceitos de qualquer natureza. Ciente de que não é Igreja, a Universidade vê
na educação um instrumento para promover a formação integral do ser humano com intuito de construir uma
sociedade mais justa e menos carente, sem perder de vista, contudo, que a perfeição e a idealidade serão obtidas por
obra e graça de Deus, quando um novo céu e uma nova terra serão presenteados.
A Ulbra não apenas confessa, mas também estimula a vivência diária e constante nas relações decorrentes das
atividades educacionais fundamentadas nos preceitos teológicos que as regem e motivam. Para isso, zela e cultiva a
prática de virtudes espirituais e rejeita todos os valores negativos da natureza humana. Com isso, o que pretende é
formar profissionais capazes, honrados, honestos, sábios e humanos, que respeitam os valores morais e éticos, ainda
que numa sociedade marcada pela competitividade. Dos egressos da Universidade espera-se o comportamento de
guias e líderes humanos e altruístas.
Para chegar a esse resultado, a Universidade está ciente de que seus alunos precisam de modelos. As pessoas que
ocupam qualquer cargo e função na Universidade precisam conhecer, compreender e defender a qualidade acadêmica
e a personalidade confessional da instituição. Em especial, a Ulbra rejeita o comportamento dos bajuladores, dos
confidentes, dos fofoqueiros e dos interessados – que se apresentam como pessoas amigas e de confiança, mas que no
íntimo apenas usam a instituição para benefício e proveito próprio e egoísta.

(10.3)
o futuro

Teologicamente, educação não é uma opção, mas um imperativo. Como imperativo, é impensável deixar de fazê-la,
não apenas no âmbito religioso, apontando diretamente para o reino de Deus, mas também no âmbito secular,
apontando para o reino do mundo.
O cristianismo e a Igreja Evangélica Luterana do Brasil têm ainda muito a oferecer na construção de uma sociedade
mais justa, especialmente de uma sociedade, como a brasileira, marcada por tantas e profundas diferenças e
desigualdades de toda ordem.
Enfatizamos, no tópico anterior, a Ulbra como o lugar onde estamos cumprindo a vontade divina. No entanto, a
educação na Ielb não é feita apenas pela Ulbra. Seguindo sua historicidade, a Ielb continua a enfatizar a necessidade de
escolas cristãs, hoje espalhadas por todo o Brasil, com o mesmo propósito de formar religiosos que se apliquem ao
serviço da construção do reino de Deus, educar e preparar bons cristãos para a Igreja e o exercício da cidadania, bem
como educar e preparar cidadãos livres e altruístas.
( 11 )

a s religiões no b rasil

p a r t e 1

(11.1)
c atolicismo

Desde sua deescoberta em 1500, passando pela conquista, pela colonização e estendendo-se até a Proclamação da
República, são quase quatro séculos em que o Brasil é reconhecido como oficialmente católico.
A presença católica no Brasil deve-se a um fato ocorrido décadas antes do descobrimento e denominado de o direito
de padroado sobre as igrejas instaladas nas terras conquistadas por Portugal, concedido pelo papa. A descoberta de
novas terras e sua colonização eram acompanhadas de conversão compulsória de suas populações, nem sempre
pacífica. Junto com a ocupação vinha a religião.

Direito de padroado
Você sabe o que é isso?
Pesquise outras fontes e aprenda um pouco mais
sobre a formação religiosa e moral do povo brasileiro.

Como surgiu essa prática? Era uma recompensa dada ao Estado português pelo seu empenho na conversão de
“infiéis”. Cabia ao rei de Portugal conquistar novas almas junto com a conquista de novas terras. Era da
responsabilidade do Estado construir os templos e os mosteiros, dotá-los de padres e religiosos e, ainda, nomear os
bispos. Dessa forma, o clero católico aqui presente fazia parte do funcionalismo público, remunerado pelo Estado.
A Igreja submetida ao Estado tornou-se mais visível no período colonial brasileiro. Toda e qualquer orientação
oriunda do Vaticano para os seus religiosos aqui presentes era repassada pela administração portuguesa, que podia
revisar os documentos e considerar se era ou não viável publicá-los, conforme o interesse.
Com o estabelecimento do Império, o padroado passou a ser direito do imperador D. Pedro I, em 1827. O catolicismo
torna-se a religião oficial do Estado brasileiro, e a ingerência deste sobre a Igreja torna-se maior. Eram os funcionários
públicos das províncias que regulamentavam o funcionamento da Igreja em nível local.
A Proclamação da República em 1889 é que vai abolir o caráter de religião oficial do catolicismo no Brasil, tornando
o Estado brasileiro religiosamente neutro e abrindo os caminhos para outras tradições religiosas se organizarem e
expressarem com liberdade seus ritos e crenças.
A partir de então, o Vaticano passa a ter a responsabilidade de manutenção e sustento da Igreja Católica em
território brasileiro. É verdade que perder o caráter de religião oficial não foi um processo fácil e muito menos rápido.
As autoridades eclesiásticas, duma ou doutra forma, uns mais e outros menos, ainda insistiam em manter aproximação
com as autoridades civis e exercer influência religiosa sobre elas, determinando, por vezes, apoio religioso a atos
políticos com o fim de não perder a ascendência que até então tivera sobre a população. O efeito imediato foi um
distanciamento das realidades e das necessidades do cotidiano religioso e espiritual do povo católico.
A reaproximação ampla com os seguidores do catolicismo ocorre na década de 1960, com a realização do Concílio
Vaticano II. Sob a escolha pelos pobres se dá uma série de conformações e acomodações que visavam estar mais perto
da população e atendê-la mais adequadamente com o fim de evitar a evasão de seus fiéis para outras tradições
religiosas emergentes.
Ao “abrir-se” e adequar-se às necessidades do seu povo, a Igreja Católica permitiu a emergência interna de diversas
tendências, entre as quais se destacam a Teologia da Libertação, que foi buscar no materialismo histórico marxista
possibilidades de nova práxis religiosa, e os movimentos carismáticos, que buscam, por meio dos dons carismáticos,
uma confirmação do status de maior proximidade com Deus e do Seu poder de ação sobre Seus filhos.

Aprofunde sua compreensão sobre a Teologia


da Libertação e os movimentos carismáticos
na Igreja Católica Romana conversando
com o sacerdote de sua localidade.

É mais que evidente que esses avanços não obtiveram a concordância de todos. Muitos religiosos se opuseram às
novas tendências e deflagraram movimentos que visavam a um retorno aos princípios anteriores ao Concílio. Uma
dessas vozes fortes foi Dom Lefebvre, que, em 21 de novembro de 1974, assim declara:

Aderimos com todo coração, com toda nossa alma, à Roma católica, guardiã da fé católica e das tradições necessárias à
manutenção dessa mesma fé, à Roma eterna, mestra de sabedoria e de verdade. Por outro lado, recusamos, e temos sempre
recusado, a Roma de tendência neomodernista e neoprotestante que se manifestou claramente no Concílio Vaticano II e, depois
do Concílio, em todas as reformas que saíram dele.
(11.2)
p rotestantismo de imigração

O protestantismo chegou ao Brasil de forma massificada e efetiva com a chegada dos imigrantes, que, junto de suas
tradições e costumes, traziam as práticas religiosas oriundas de seus países.
Isso ocorreu a partir de 1824 com a chegada dos imigrantes alemães ao Rio Grande do Sul e a Santa Catarina,
dando origem à presença luterana no Brasil. Os primeiros que aqui se fixaram, entre 1824 e 1864, tinham atendimento
religioso desempenhado por leigos. Só a partir de 1886 é que as igrejas alemãs passaram a enviar pastores para
atenderem às colonizações germânicas. Era a Igreja Evangélica Alemã no Brasil. Em 1904, uma missão luterana vinda
dos Estados Unidos daria origem à Igreja Evangélica Luterana do Brasil. Após a Segunda Guerra Mundial, os grupos
que constituíam a Igreja Evangélica Alemã no Brasil formam a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil.
Os anglicanos e uma parte dos metodistas também começam seu enraizamento no Brasil a partir dos imigrantes
americanos confederados que se estabelecem no interior de São Paulo. Os primeiros anglicanos chegam ao País por
volta de 1810, tendo como característica não apenas a continuação de sua tradição religiosa, mas também a preservação
da língua materna, as tradições e os vínculos de dependência política e financeira com as Igrejas de origem.

(11.3)
p rotestantismo de conversão

Outros grupos protestantes também foram se instalando no Brasil, mas com a característica de que para cá vinham não
para atender a imigrantes, mas a fim de converter os brasileiros.
Diferentemente do protestantismo de imigração, esses grupos procuravam rapidamente adequar-se ao jeito
brasileiro, pois disso dependia o crescimento do número de convertidos. Enquadram-se nessa perspectiva os
presbiterianos, os metodistas, os batistas e os episcopais vindos dos Estados Unidos.
O movimento missionário protestante tem seu início na metade do século XIX, e boa parte de sua rápida expansão
deveu-se ao trabalho de propaganda desenvolvido pela sociedade bíblica de origem inglesa e norte-americana. Aliada
à Sociedade Bíblica, os metodistas, que aqui chegaram em 1835, distribuíram milhares de Bíblias entre os brasileiros
nos anos 1850-1860.
A partir daí proliferaram os movimentos missionários, todos de procedência norte-americana: em 1858, dá-se a
criação da Igreja Congregacional; em 1859, chega a primeira missão presbiteriana; em 1868, outra missão presbiteriana,
desta vez do Sul dos Estados Unidos. A missão metodista aporta em terras brasileiras em 1870, os batistas em 1881, e os
episcopais em 1889.

Por volta de 1850, havia nos EUA a idéia corrente


de unicidade do continente americano. Embutiu-se
nessa concepção a de também haver uma só religião.
Será que isso favoreceu o avanço no Brasil das
religiões ligadas ao protestantismo de conversão?
Leia mais sobre o assunto.
No final do século XIX, já apareciam implantados no Brasil os movimentos protestantes de tradição luterana,
anglicana ou episcopal, metodista, presbiteriana, congregacional e batista.

(11.4)
p entecostalismo

O movimento pentecostal chega ao Brasil nas primeiras décadas do século XX. A primeira Igreja formalmente criada foi
a Congregação Cristã do Brasil, em 1910, no Paraná e em São Paulo. No ano seguinte, no Pará, é criada a Assembléia de
Deus.
O crescimento das Igrejas Pentecostais efetivamente ocorre a partir dos anos de 1950: em 1953, surge em cena a
Igreja do Evangelho Quadrangular; em 1955, a Igreja Pentecostal O Brasil para Cristo; em 1962, a Deus é Amor, e, em
1964, a Casa da Bênção.

Características pentecostais:
• crença nos milagres exatamente
como ocorridos em Pentecoste;
• inexistência de grande apreço pela
organização hierárquica e sacerdotal (pastor é
quem possui
dons, e não estudo);
• negação do batismo infantil (o benefício
do batismo é recebido de forma consciente);
• culto baseado na Bíblia e com interpretação
livre conduzida pelo Espírito Santo;
• ausência de imagens e proibição
de seu uso e adoração;
• atribuição de grande importância à inspiração
interior e liberdade para expressá-la.

A partir dessas Igrejas, o movimento pentecostal dá origem a outros grupos, denominados de neopentecostais, entre
as quais se destacam: Igreja da Nova Vida (1960), Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra (1976), Igreja Universal do
Reino de Deus (1977), Igreja Internacional da Graça de Deus (1980) e Renascer em Cristo (1986).

Algumas características neopentecostais:


• ênfase no exorcismo;
• os dons espirituais ainda ocorrem
como em Pentecostes;
• a cura é divina;
• biderança carismática;
• discurso e ações voltados ao bem-estar
material, físico e emocional;
• pobreza, problemas sentimentais e pessoais
são ações do diabo, que deve ser expulso.

(11.5)
r eligiões não cristãs

Entre os grupos fora do cristianismo, os mais representativos e que merecem ser mencionados, são o judaísmo, o islã, o
budismo, o Hare Krishna, o xintoísmo, a Seicho-No-Ie, a Soka Gakkai e a Igreja Messiânica.
Há ainda outro grupo, denominado por uns de neocristão e por outros de paracristão, que também tem representação
no Brasil, como os mórmons, os adventistas, as testemunhas de Jeová, a ciência cristã e o racionalismo cristão.

p a r t e 2

(11.6)
e spiritismo

Os meados do século XIX foram particularmente revolucionários para o campo da biologia. Em 1859, foi publicada a
primeira edição do livro Origem das espécies, de Charles Darwin, obra em que o autor defende a evolução das espécies
pelo processo de seleção natural. Não é nosso propósito aqui discutir os méritos das colocações de Darwin, mas, sim,
constatar que ocorreram grandes mudanças provocadas pelos seus estudos ao asseverar que o universo dos seres vivos
está absolutamente colocado dentro dos domínios exclusivos da lei natural. Essa forma de enxergar a vida que já vinha
sendo construída em séculos anteriores passa, agora, a influenciar muitos conhecimentos e pensamentos nos séculos
seguintes, inclusive no campo religioso.
O espiritismo parece encaixar-se nesse quadro. Até então, de uma forma generalizada, aceitava-se, teológica e
religiosamente, que o corpo humano, embora criado por Deus, era matéria física passível de análise pelas ciências
naturais. Já a alma, ou espírito, embora também criada por Deus, não era matéria física e, portanto, ficava distante do
alcance das ciências naturais. Essa perspectiva é alterada pelo espiritismo, com origem na França.
Definido por Leon Hippolyte Denizard Rivail (1804-1869) – mais conhecido como Allan Kardec – como um
movimento científico, filosófico e religioso, o espiritismo contesta a existência de apenas um mundo material,
afirmando não só a existência, mas a própria materialidade de um mundo sobrenatural. A dicotomia corpo/alma deixa
de existir para afirmar-se uma unidade inseparável, sendo que a alma, como o corpo, pode ser percebida e estudada em
sua materialidade.
A essa análise Allan Kardec acrescenta em sua sistematização os milenares conhecimentos evolucionistas
(reencarnação e carma) e os de pluralidade de mundo (a existência de vários planos habitados, já que a Terra não é o
único mundo habitado, mas apenas um dos planetas habitados e distante da perfeição), ambos já encontrados no
hinduísmo antigo (vedismo e bramanismo). Essa é uma dentre as muitas causas que estabelecem o distanciamento
entre o espiritismo e o cristianismo.

A partir da reinterpretação de conceitos já existentes,


como “Deus”, “mundo”, “ser humano” e “evolução
espiritual”, o espiritismo busca oferecer explicações
racionais para os questionamentos humanos.

Ainda no decorrer da segunda metade do século XIX, logo após sua criação, o espiritismo chega ao Brasil, hoje o país que
tem o maior número de adeptos. As primeiras organizações espíritas surgiram por volta de 1870, na Bahia e no Rio de
Janeiro. No início, o traço distinto do espiritismo no Brasil, assim como na França, era sua proposta de terapia mediúnica por
meio de “passes” para combater todos os tipos de enfermidade e desconforto. De lá para cá, ocorreu uma mudança de
direção, de forma que o espiritismo hoje no Brasil realça mais o seu lado religioso de moralização da conduta.
De modo genérico, e a título de exemplificação, seguem-se alguns dos principais conceitos espíritas.
Ser humano

A visão que o espiritismo possui de ser humano é denominada de tridimensional. São três dimensões do mesmo
elemento: o corpo, o perispírito e o espírito.

Ser humano
• Espírito: princípio inteligente.
• Perispírito: envoltório semimaterial.
• Corpo: ser material; alma encarnada.

O corpo é sem valor em si mesmo e a parte menos nobre do ser humano, valorizada apenas na medida em que
possibilita ao espírito uma relação com o planeta Terra. O perispírito é a condensação de um fluído universal
normalmente invisível, que possibilita e explica as aparições nas sessões espíritas; é como se fosse um envoltório do
espírito, necessário para a união das dimensões do corpo e do espírito, e, por isso, não é só material nem só espiritual.
O espírito é de criação divina e é o princípio inteligível responsável pelo pensamento, pela vontade e pelo senso moral;
portador do livre-arbítrio, o espírito une-se ao corpo a partir da concepção, iniciando a possibilidade de decidir por
atos que permitirão ou não a evolução da dimensão espiritual.

Mundo

O mundo é concebido em dois grandes planos: o material (não se restringe à Terra, pois nesse plano há diversos níveis de
materialidade, determinados pela pureza ou pelo grau de desenvolvimento moral a que se conseguir chegar) e o
espiritual (também marcado por graus de moralidade e perfeição, é o plano em que habitam os espíritos desencarnados –
aqueles cujo perispírito, já gasto e não realizando mais suas funções de unir o corpo ao espírito, deixa o espírito separar-se
do corpo, provocando o que se chama de morte).
Espíritos desencarnados, por meio dos médiuns, são
responsáveis pela intercomunicação entre os diversos
planos de mundo, tanto espiritual quanto material.

A comunicação entre os dois planos é possível graças ao médium, cuja função é intermediar e interpretar os
espíritos por meio de diferentes aptidões, que o tornam capaz de captar e transmitir as mensagens recebidas. Entre as
aptidões, podem ser destacadas as percepções de: efeitos físicos, como batidas, levitação ou transporte de objetos;
auditivos, como sons; artísticos, como pintura, desenho, poesia ou romance; musicais e psicográficos – a captação da
escrita desenvolvida por um espírito desencarnado.

Passe

É uma espécie de exorcismo leve, dado individualmente por um dirigente ou pelo médium em transe durante a
sessão espírita, com o objetivo de afastar as influências negativas, as más vibrações, os “encostos” e as “demandas”,
além de transmitir energia espiritual positiva. A energia positiva é sempre pensada como sendo “luz”.

Deus

É exaltado como Ser e Fim Supremo, meta de perfeição de todo o processo evolutivo dos espíritos. É inacessível ao ser
humano. O mais perto que o ser humano pode chegar é dos espíritos desencarnados, para os quais o espiritismo
disponibiliza o principal meio de expiar suas obrigações cármicas – a caridade. Ajudar a humanidade é um meio eficaz de
expiar as faltas passadas e, assim, progredir rumo à perfeição.

Figura 6 – Processo de comunicação entre o médium e o espírito


As duas imagens acima procuram elucidar como ocorre a comunicação entre o médium e o espírito e qual é a função do médium nesse processo.

A seguir uma transcrição esclarecedora do Jornal Zero Hora (RS), publicada em 11/04/2004, página 4, por Itamar
Melo.
No espiritismo, doutrina religiosa fundada no século 19
pelo francês Allan Kardec, acredita-se que a alma é
independente do corpo e retorna à Terra em várias
reencarnações, até atingir a perfeição.

Jesus não é Deus, mas um espírito do mais alto nível


enviado por Deus à Terra para servir de modelo e guia a
toda a humanidade. Ele veio para oferecer à humanidade
os padrões éticos e morais necessários à evolução
espiritual. Conforme a Federação Espírita Brasileira
(FEB), Cristo não é uma figura mágica. É um educador. O
que importa, portanto, são seus ensinamentos – e não sua
morte física ou seus milagres. Jesus é o médium de Deus.

O Espiritismo, partindo das próprias palavras de Cristo,


como este partiu de Moisés, é conseqüência direta de sua
doutrina – escreveu Kardec.

A importância de Jesus assume tal dimensão que um dos


textos básicos da doutrina é O Evangelho Segundo o
Espiritismo – obra que consiste de explicações e
comentários sobre as narrativas dos evangelhos. Os
espíritas não valorizam os milagres de Jesus. A FEB
sustenta que todos eles são explicáveis pela ciência, e não
fruto de qualquer poder mágico. Se ainda não foram
explicados, é porque nossa atual condição intelectual e
moral não dá acesso ao conhecimento que Jesus possuía.

O espiritismo defende também que, como espírito puro,


Jesus era desprendido da matéria. Vivia mais da vida
espiri tual do que da corporal, a cujas fraquezas não
estava sujeito. Diz a FEB que sua alma provavelmente se
encontrava presa ao corpo apenas “pelos laços
estritamente indispensáveis”. Por isso, se desprendia
constantemente.
Além disso, como os espíritas entendem que é impossível
um espírito retornar a um corpo depois que este morre,
não aceitam que Jesus ressuscitou no corpo que teve. Para
eles, a ressurreição se explica pela materialização do
espírito – uma espécie de corpo espiritual que nada tem a
ver com o corpo físico.

Fonte: MELO, 2004.


Evolução dos espíritos25

Os seres humanos encontram-se num extenso processo de evolução, que não se limita ao tempo curto de uma
encarnação, mas prossegue por reencarnações sucessivas, indefinidamente. As vidas passadas explicam a atual
situação e condição aqui na Terra dos seres humanos a partir da lei do carma, que determina a casualidade moral – toda
ação, boa ou má, recebe a devida retribuição.
No longo percurso da evolução, os espíritos passam por diversos mundos habitados, os quais se localizam em
diferentes planos, escalonados de acordo com os princípios evolutivos, distribuídos numa escala que vai dos planos
mais próximos à matéria, os andares inferiores, até o plano mais elevado, o da suprema perfeição espiritual, atingível,
acima de tudo, pela prática constante da caridade e pelas orações dos espíritos de luz já desencarnados.

(11.7)
c ultos afro-brasileiros

São assim chamados em razão das práticas religiosas realizadas pelos negros que vieram trazidos para o Brasil como
escravos e que aqui, reprimidas, buscaram adaptação às religiosidades já existentes.
De início, as práticas religiosas dos negros serviam mais como elemento de coesão da raça e preservação de suas
tradições culturais. Não houve um movimento organizado. Os fatos foram acontecendo. Inicialmente, ainda eram
tradições religiosas praticadas exclusivamente pelos negros.

Consulte o site http://www.fgv.br/cps/ e descubra


em “Retrato das religiões do Brasil” qual o lugar
do País onde os cultos de origem afro são mais
praticados, proporcionalmente à população.

A organização das religiões negras no Brasil é recente. Deu-se, em especial, ao final do século XIX, quando as
grandes levas de negros traficados eram assentadas nas cidades. A aproximação uns dos outros e a relativa liberdade
de movimentos no espaço urbano sem dúvida favoreceram a sobrevivência não apenas dos costumes culturais mais
amplos, mas também das práticas religiosas. Começavam a surgir os primeiros grupos organizados de culto. Ainda
assim, essa organização ocorria de forma localizada, o que veio a favorecer a formação de grupos com diferentes
formas rituais e até diferentes formas de interpretação das forças transcendentes que conduzem o universo e a vida.

As crenças e os rituais de origem africana possuem


características comuns:

• a religião não é para ser entendida, mas


vivida;
• sincretismo;
• ausência de uma estrutura religiosa única;
• ausência da concepção de essências imutáveis;
• a concepção de certo e errado é variável de
pessoa para pessoa e de divindade para
divindade.

Você sabe o que é sincretismo? Pesquise.

Uma nota de observação se faz necessária. Em regra, os fenômenos religiosos são estudados a partir de suas
estruturas de pensamento. Com relação aos cultos afro-brasileiros, notamos a impossibilidade de perceber uma
estrutura única e universal. Falta-lhes a concepção de essências imutáveis, bem como a idéia de um ser que se possa
captar intelectualmente. A força vital ou primeira dos fenômenos religiosos não é para ser pensada, mas vivida e
manipulada, o que geralmente se dá por meio do transe. Com essa dimensão, é potencialmente impossível estabelecer
regras, normas, pensamentos e comportamentos absolutamente iguais. A experiência vivida vai ser diferente de pessoa
para pessoa e de grupo para grupo.

Candomblé

O candomblé, enquanto religião, é um processo sincrético intertribal africano, formado basicamente por quatro grandes
nações africanas, nomeadamente Kêtu, Fan, Jejê e Angola. Geograficamente, essas nações podem ser situadas no atual
Sudão, na Nigéria e na cidade de Daomé. As três primeiras nações são de origem sudanesa, os nagôs. A quarta nação, a
angolana, são os bantos e caracteriza-se por um espírito menos tolerante frente ao sincretismo desenvolvido por outras
nações africanas no Brasil.
O termo candomblé designava a dança, o instrumento e a música utilizados pelas quatro nações em seus rituais. Só
mais tarde é que o sentido ampliou-se para indicar a própria vivência religiosa. Ainda assim, não existe unanimidade
quanto ao uso do termo. Na Bahia, o termo se mantém, bem como em São Paulo e no Rio de Janeiro. Em Pernambuco e
Alagoas, é denominado de xangô. No Maranhão e no Pará, é conhecido como tambor de mina e, no Rio Grande do Sul,
como batuque. Por muito tempo, no Rio de Janeiro, foi conhecido como macumba.
As crenças do candomblé repousam na existência de uma pluralidade de deuses, denominados de orixás, com
diferentes poderes e funções na vida humana, além de diferentes exigências aos seus adeptos. Os orixás são elementos
da natureza divinizados, percebidos sensorialmente e manifestados por meio de imagens, em geral figuras humanas,
adaptadas sincreticamente aos santos aceitos pela Igreja Católica Romana.

Candomblé
Criador: Olorum.
Auxiliares: orixás (determinam o destino da pessoa).
Chefe dos orixás: Oxalá (recebe os pedidos e as
homenagens dos seres humanos).

Conforme as tradições religiosas do candomblé, o mundo foi criado por Olorum, que, após a criação, recolhe-se e
deixa que seus auxiliares, os orixás, tratem das questões relacionadas aos seres humanos. Oxalá, o chefe de todos os
orixás, é quem recebe todos os pedidos e as homenagens dos seres humanos. A função dos orixás é governar o mundo,
intervir em favor dos seres humanos e puni-los quando necessário. Cada pessoa, já antes de nascer, recebe um orixá,
que lhe é dado, e não escolhido. A partir da geração comandará toda a existência da pessoa (tristeza, dor, sofrimento,
alegria, prazer etc.). Considera-se que, de uma forma geral, o ser humano costuma apresentar traços de caráter de seu
orixá, que, por isso, é chamado de orixá de cabeça. Essa identificação determina que tudo o que a pessoa tem a fazer é
acomodar sua vida aos gostos e aos desejos de seu orixá para que possa ser bem-sucedida. Não compete ao indivíduo
discutir ou duvidar das preferências de seu orixá. Tudo o que tem a fazer é vivenciar as preferências,
independentemente dos conceitos de bem e mal.
A identificação do orixá é feita por meio do jogo de búzios, em atendimento individualizado e conduzido pelo
sacerdote, denominado de babalorixá ou pai-de-santo, se homem, e ialorixá ou mãe-de-santo, se mulher. A função da
liderança religiosa é incorporar o seu próprio orixá e dar licença aos seus seguidores para que possam levar adiante os
pedidos e os desejos aos seus orixás pessoais.
Os orixás são, ainda, desprovidos de moralidade e, por isso, não há uma ênfase nas questões éticas e morais. Não
há exigência ou recompensa para quem faz o bem nem condenação ou castigo para quem faz o mal. A religiosidade
centra-se nas questões rituais e mágicas, como o uso de roupas adequadas e próprias a cada orixá, alimentação e
bebidas específicas, sons, perfumes, flores, cores e assim por diante.
Além das propriedades e das funções descritas com relação ao orixá, acredita-se que cada pessoa possui, ainda, um
segundo orixá, chamado de juntó, que complementa o primeiro, determinando que a pessoa seja considerada, por
exemplo, filho de Iemanjá e Oxalá. Esta segunda divindade, além de possibilitar ao seguidor inúmeras combinações de
comportamento, permite que ele possa identificar a presença em sua vida de um pai e de uma mãe. Em regra, se o
“santo de cabeça” for masculino, o segundo será feminino e vice-versa.

Não há preocupação com questões éticas e morais.

Há nos rituais do candomblé constantes referências ao Exu. Não é propriamente um orixá, embora assim seja
designado, mas um intermediário entre o orixá e o ser humano. Assim, para se conseguir algo de algum orixá, é o Exu
que lhe deve ser enviado (despachado) com o pedido, quer seja bom, quer seja mau.
Para o pedido chegar logo, as pessoas devem oferecer ao Exu coisas de que ele gosta. É uma forma de agrado;
esquecer tal princípio faz com que sejam desencadeadas todas as forças negativas contra a pessoa esquecida. O reinado
de Exu está presente nas ruas, nas encruzilhadas e nos lugares considerados perigosos.
Para o candomblé, o pecado não existe. A distinção entre bem e mal depende basicamente da relação entre cada
seguidor e seu orixá. É nessa relação que irá ser estabelecido o que se pode e o que não se pode fazer, mas sempre de
forma individualizada. Isso determina que o orixá tem a possibilidade de estabelecer alguns tipos de limites a um
seguidor e de não impô-los a outro seguidor. O que é proibido para um não é necessariamente proibido para outro.

Não há a percepção de pecado. Os limites são


estabelecidos pelo orixá, variando de pessoa para
pessoa.

A seguir apresentamos uma lista com os principais orixás com algumas de suas caracterizações, muito embora
possa haver divergências quanto a esse aspecto, uma vez que as diferentes percepções e interpretações são
profundamente influenciadas pela cultura da região em que se encontram.

• Exu: orixá mensageiro; guardião das encruzilhadas e da entrada das casas. É considerado masculino, e suas
cores são o vermelho e o preto. No sincretismo, está associado ao diabo.
• Ogum: orixá da metalurgia e da tecnologia e ligado à guerra. É masculino, e suas cores são o azul-escuro, o
verde e o branco. No sincretismo, está associado a São Jorge e Santo Antonio.
• Oxossi: orixá da caça e ligado à fauna. É masculino, e suas cores são o azul-turquesa e o verde. No sincretismo,
está associado a São Sebastião e São Jorge.
• Ossaim: orixá da vegetação e ligado às folhas. É masculino, e suas cores são o verde e o branco. No sincretismo,
está associado a Santo Onofre.
• Oxumarê: orixá do arco-íris. É andrógino, e suas cores são o amarelo, o verde e o preto. Está associado, no
sincretismo, a São Bartolomeu.
• Obulaiê: orixá da varíola, da peste, das pragas e doenças e da cura. É masculino, e suas cores são o vermelho, o
branco e o preto, além de ser identificado pelo capuz de palha. Está associado, no sincretismo, a São Lázaro e
São Roque.
• Xangô: orixá do trovão e ligado à justiça. É masculino, e suas cores são o vermelho, o marrom e o branco. Está
associado, no sincretismo, a São Jerônimo e São João Batista.
• Iansã: orixá dos relâmpagos e ligado aos espíritos dos mortos. É feminino, e suas cores são o marrom, o
vermelho-escuro e o branco. Está associado, no sincretismo, a Santa Bárbara.
• Oba: orixá da água e do poder da mulher, ligado ao trabalho doméstico. É feminino, e suas cores são o
vermelho e o dourado. Está associado, no sincretismo, a Santa Joana d’Arc.
• Oxum: orixá das águas doces e do ouro, ligado ao amor e à fertilidade. É feminino, e suas cores são o amarelo e
o dourado. No sincretismo, está associado a Nossa Senhora da Conceição e Nossa Senhora Aparecida.
• Logum Edé: orixá dos rios dentro das florestas. É alternadamente masculino e feminino, e suas cores são o
dourado e o azul-turquesa. Está associado, no sincretismo, a São Miguel Arcanjo.
• Iemanjá: orixá das grandes águas, mares e oceanos, e ligado à maternidade. É feminino, e suas cores são o azul-
claro, o branco e o verde-claro. Está associado, no sincretismo, a Nossa Senhora das Candeias (ou Navegantes)
e Nossa Senhora da Conceição.
• Nana: orixá da lama do fundo das águas. É feminino, e suas cores são o lilás, o azul e o branco. Está associado,
no sincretismo, a Santa Ana.
• Oxaguiã: orixá da criação da cultura material e ligado à sobrevivência. É masculino, e suas cores são o branco
com um mínimo de azul real. No sincretismo, está associado ao Menino Jesus.
• Oxalufã: orixá da criação da humanidade. É andrógino, e sua cor é o branco. Está associado, no sincretismo, ao
Jesus Crucificado e ao Senhor do Bonfim.

Umbanda

A umbanda é um comportamento religioso próprio do Brasil. Entre as muitas histórias sobre a sua origem, conta-se a de
Zélio Fernandinho de Moraes, um espírita que recebeu orientação mediúnica para criar a nova religião no Rio de
Janeiro, em 1908.
Algumas considerações merecem ser feitas com relação à natureza das práticas e das idéias da umbanda. Uma
delas é que, apesar de suas origens remontarem aos ritos africanos, não há a preocupação de preservar essas raízes.
Outra é a sua rápida expansão nos centros urbanizados, onde se apresenta como religião aberta a qualquer pessoa,
independentemente das questões étnicas, enfatizando sua brasilidade. Para tanto, aboliu o uso de idiomas africanos,
evitou os sacrifícios de sangue e os processos iniciáticos, próprios do candomblé. Ainda outra questão relevante é a que
diz respeito à origem da composição dos conceitos que determinam as crenças umbandistas, pois resulta do encontro
de diversas crenças e tradições africanas com as formas populares do catolicismo romano, mais o sincretismo hindu-
cristão próprio do espiritismo kardecista. A partir dessa constatação, é possível perceber que a umbanda possui uma
diversidade de elementos que a compõe e que se refletirá nas experiências religiosas por ela desenvolvidas, de tal
forma que tudo o que se disser sobre as observações em determinada experiência poderá ser contrariado em outra
observação da vivência umbandista.
Composição dos conceitos:
tradições africanas;
formas populares do catolicismo romano;
espiritismo.

Compreender as divindades que compõem as práticas umbandistas, bem como sua forma de atuação é, sem
dúvida, tarefa nada fácil, até porque compreender não é o elemento primordial dos rituais, mas, sim, a vivência. Viver
é mais importante do que compreender. De alguma forma, no entanto, é possível aproximar-se de algum
entendimento, embora não definitivo.
A divindade maior é Zambi (Nzambi), tido como perfeito, não concebido nem criado e de quem emanam os orixás
que formam as sete linhas. Uma linha de orixá equivale a um grande número de espíritos que devem obediência ao
orixá que dá seu nome à linha, distribuídos em sete legiões, cada uma com um chefe específico.

Figura 7 – Hierarquia das divindades da umbanda

Cada legião, por sua vez, divide-se em sete grandes falanges, cada uma com seu chefe específico, que se dividem
cada uma em outras sete falanges menores, também com seus respectivos chefes, e assim por diante.
A título de exemplificação, apresentamos a seguir uma descrição de cada uma das sete linhas com suas sete
legiões e seus chefes.

• Linha de Oxalá: sincretizado por Jesus Cristo. Esta linha é constituída de espíritos de pessoas que na Terra tiveram
grande sentimento religioso. A missão das suas falanges é catequizar os maus espíritos que atuam a partir das
forças negativas do universo e arrastá-los para o bem.
• Linha de Iemanjá: sincretizada pela Virgem Maria. As falanges de suas legiões têm por missão proteger as
criaturas do sexo feminino e desmanchar os trabalhos de magia preta feitos no mar e nos rios.
• Linha do Oriente: sincretizado por São João Batista. As falanges de suas legiões estão incumbidas de ensinar os
habitantes da Terra tudo o que lhes for desconhecido. São os grandes mestres do ocultismo.
• Linha de Oxossi: sincretizado por São Sebastião. As falanges de suas legiões praticam a caridade, doutrinam os
sofredores, fazem curas e aplicam a medicina à base de ervas.
• Linha de Xangô: sincretizado por São Jerônimo. As falanges de suas legiões formam o povo da justiça, amparam
os humildes e os humilhados.
• Linha de Ogum: sincretizado por São Jorge. As falanges de suas legiões são responsáveis pelas grandes
demandas e são os defensores de todos os adeptos da umbanda, se estiverem no caminho da caridade.
• Linha de Iofá: sincretizado por São Cipriano (pretos velhos). As falanges de suas legiões conhecem todos os
segredos da magia da umbanda e empregam todos os rituais na prática da caridade em benefício daqueles
que buscam auxílio.

Essa complexa hierarquia tem como alvo o ser humano, que, assim como os orixás, as legiões, as falanges maiores,
as falanges menores e os guias, possui um espírito que não morre e tem possibilidade de infinito aperfeiçoamento. Esse
espírito possui individualidade própria e livre-arbítrio, o que lhe possibilita buscar o aperfeiçoamento, alcançado pela
sintonia e pela harmonização com Zambi. O livre-arbítrio é que determina se as ações e as intenções vão na direção da
harmonização ou não. Duma ou doutra forma, o espírito reencarnará e sofrerá a lei do carma, segundo a qual o estado
atual do ser humano é decorrente de atos passados e determinante da vida posterior, à semelhança do hinduísmo e do
kardecismo. No decorrer de uma encarnação, o ser humano tem, de um lado, entidades que o querem ajudar e, de
outro, entidades que o querem prejudicar. As entidades que o querem ajudar são denominadas de orixás, e as que o
querem prejudicar são conhecidas como kimbas, extremamente violentas, vingativas e cruéis.
É oportuno, a esta altura, comentar rapidamente sobre o Exu, uma da figuras mais polêmicas da umbanda. É uma
espécie de guerreiro que quer impedir o acesso das entidades guerreiras, os kimbas, às zonas espirituais mais elevadas.
Faz parte de sua função ser justo (nem bom, nem mau), castigando e protegendo segundo a lei cármica.
Por fim, é interessante fazer um breve comentário sobre a função sacerdotal na umbanda, exercida pelo pai-de-
santo e pela mãe-de-santo. Eles fazem parte da chamada hierarquia espiritual (há também a hierarquia administrativa,
que cuida da sustentação do templo), que tem por função incorporar o espírito protetor, identificar os espíritos que
baixam, riscar o ponto, explicar a doutrina, dar os passes, curar as doenças e adivinhar pelos búzios.
( 12 )

c ulpa e perdão: uma questão existencial


Thomas Heimann é mestre em Teologia pela Escola Superior de Teologia do Instituto Ecumênico de Pós-Graduação – IEPG (RS), pós-graduado em Psicopedagogia pelas
Faculdades Integradas de Amparo (SP), graduado em Psicologia pela Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) e bacharel em Teologia pela Escola Superior de Teologia do
Seminário Concórdia (RS). É professor do Curso de Teologia da Ulbra e do Curso de Teologia da Escola Superior de Teologia (RS).

u ma das primeiras questões que introduzem a nossa discussão diz respeito ao porquê de abordar a
temática da culpa na disciplina de Cultura Religiosa. O texto base que nos conduz nesta discussão encontra-se na obra
do psiquiatra suíço Paul Tournier, cujo sugestivo título é Culpa e graça: uma análise do sentimento de culpa e o ensino do
evangelho26.
Vamos tentar mostrar que a culpa é um dos fatores fundantes e estruturantes de muitas religiões, o que não
invalida uma análise mais criteriosa desse elemento, que aponte para as interfaces da culpa com aspectos psicológicos,
sociológicos, antropológicos e existenciais do ser humano. É essa visão interdisciplinar que propomos observar.

(12.1)
a universalidade da culpa

Alguns poderiam perguntar: será que é relevante abordar a questão do sentimento de culpa? Será que a culpa diz
respeito a minha vida ou faz parte do meu cotidiano? Poderíamos tentar responder a esse questionamento de muitas
maneiras, mas duas delas já são suficientes para fundamentar nossa posição de concordância. A primeira delas remete
a uma reportagem da Revista Veja27, cujo título de capa foi: “Culpa – por que esse sentimento se tornou um dos
tormentos da vida moderna”. Nessa reportagem, a revista procura apontar para “as culpas cotidianas de cada um”,
que parecem não ser mais uma questão de escolha pessoal, mas sim de imposição aos indivíduos que vivem na
sociedade moderna: competição no emprego, filhos ou carreira, desempenho sexual, comer demais, insucesso
financeiro são apenas algumas das culpas listadas.
Uma segunda forma de fundamentar a universalidade da culpa é fazer um exercício de auto-análise. Cada um
pode olhar para seu passado, recente ou remoto, e tentar listar todos os momentos, as vivências e as situações em que
se sentiu culpado, seja na última semana ou mês, seja no último ano. Poderíamos perguntar se é possível um sujeito
saudável psiquicamente olhar para o seu passado e dizer que nunca sentiu algum tipo de culpa. Uma resposta
adequada precisaria ser negativa, pois a culpa parece fazer parte da dimensão humana, sendo uma questão inclusive
civilizatória.
Não queremos aqui dimensionar a culpa ou medir a sua intensidade, pois sabemos que as culpas são diferentes
para cada uma das pessoas: o que para um pode ser motivo de culpa para outro pode ser motivo de riso. A culpa é um
sentimento muito pessoal, particular e subjetivo. Isso não quer dizer, porém, que as culpas também não possam ser
questões de caráter cultural, religioso e familiar, ou seja, o que para determinada sociedade, grupo ou cultura pode ser
taxado de culpa (ou ato culposo) para outra pode ser um costume normal ou natural.
O que podemos afirmar, categoricamente, é que a culpa é um sentimento humano universal, existencial, que
precisaria estar presente em todos os seres humanos ditos saudáveis, isto é, a falta de qualquer sentimento de culpa é
uma das marcas da psicopatia, de uma mente não saudável.

(12.2)
o rigem da culpa

De onde, afinal, surge a culpa humana? É um fator externo ou interno ao ser humano? Ela brota de dentro para fora,
sendo um aspecto humano inato, ou é incutida de fora para dentro, como um produto do meio social? Observamos que
as duas visões não se excluem mutuamente, pelo contrário, são complementares. Há, portanto, um duplo caminho na
formação da culpa humana: interno e externo.
Que a culpa é incutida exteriormente é possível provar a partir de uma rápida análise do meio em que se vive.
Quanto mais regras, leis e mandamentos uma sociedade tiver, tanto mais culpa gerará nos indivíduos que dela fazem
parte. Mesmo que os indivíduos não se sintam culpados em transgredir determinadas regras sociais, a culpa existe e é
reputada a eles. Há inúmeros tipos de regras ou leis que regem a convivência em sociedade: civis, religiosas, sociais,
profissionais e pessoais. Todas elas são praticamente “impostas” aos indivíduos que desejam viver e conviver em
coletividade.
Nesse sentido, precisamos fazer aqui uma diferenciação entre dois tipos de culpa: culpa objetiva e culpa subjetiva,
conforme descreve Gary Collins.
A culpa objetiva existe em separado de nossos sentimentos. Ela ocorre quando uma lei ou norma é violada. O
transgressor é culpado perante essa lei (pela transgressão dela), mesmo que talvez não se sinta culpado. Já a culpa
subjetiva é o sentimento pouco confortável de pesar, remorso, vergonha e autocondenação que surge com freqüência
quando fazemos e pensamos algo que sentimos estar errado ou quando deixamos de fazer algo que julgamos que
deveria ter sido feito.28
A culpa subjetiva, portanto, está intimamente associada aos sentimentos humanos e remete-nos à segunda fonte
da culpa: a nossa própria consciência. É possível afirmar que o ser humano é dotado de uma capacidade inata, uma
voz interior, que lhe dá uma intuição íntima e pessoal do que é certo ou errado. Vamos exemplificar: você pode ter
feito algo que todas as pessoas ao seu redor julgam como correto, mas mesmo assim brota no seu coração o
sentimento de culpa. Dois exemplos concretos: uma mãe que precisa aplicar um castigo ao filho por um erro que este
cometeu ou um gerente que precisa despedir um mau funcionário que, entrementes, está com dificuldades de saúde
na família. Tanto a mãe quanto o gerente fazem o que é socialmente esperado, agindo corretamente; porém, mesmo
assim, podem sentir-se culpados pela decisão que tomaram. Isso confirma que a culpa subjetiva pode brotar no
indivíduo mesmo quando não há uma culpa objetiva ou exterior imposta a ele.
(12.3)
c ulpa: um sentimento negativo ou positivo?

Um dos grandes questionamentos na análise do sentimento de culpa é se ele é um aspecto negativo ou positivo na vida
de um indivíduo e da própria sociedade. A resposta dependerá de alguns critérios, como freqüência, quantidade,
intensidade e duração da culpa ou, ainda, do uso e do abuso que alguns indivíduos fazem dela.
Numa primeira análise, podemos dizer que os aspectos negativos da culpa prevalecem, sendo vista como
produtora de neuroses, geradora de angústias e até promotora de doenças de cunho psicossomático. Aprofundaremos
tais questões mais adiante.
Vamos olhar, contudo, para os aspectos positivos da culpa. Ela pode, sim, cumprir funções positivas e
construtivas, tanto para o indivíduo quanto para a sociedade. São elas:

• Prevenção – Antes de cometer um ato ilícito, a culpa já pode surgir, evitando que o indivíduo cometa o ato que
está pensando. Ou seja, a culpa antecipatória age prevenindo um possível erro moral ou legal, podendo evitar
um eventual prejuízo de terceiros.
• Reflexão – Após cometer uma ação que a sua consciência apontou como errada ou má, a culpa surge e leva o
indivíduo a refletir sobre esta sua ação. A culpa leva, portanto, a uma auto-análise crítica das próprias ações.
• Reparação – Quando a culpa brota no indivíduo, pode levá-lo a reparar o seu erro, seja no pedido de perdão e
desculpas, seja na restituição concreta do que lesou ao outro.
• Retificação de vida – Como última função positiva, a culpa pode levar o indivíduo a não mais cometer um ato
que sua consciência julgou como ilícito, isto é, a culpa faz com que o sujeito não reincida no erro, gerando
uma mudança positiva de comportamento.

Olhando para as funções positivas mencionadas, podemos afirmar que um indivíduo que não sinta nenhuma culpa
diante de algumas atitudes e decisões pessoais pode se tornar uma ameaça para si e para a própria sociedade. A
ausência da culpa, que parece indicar a inoperância da consciência moral, faz com que o indivíduo perca a noção dos
limites e da liberdade do outro, tornando-o um indivíduo “perigoso”.
Um outro aspecto negativo da culpa é o uso nocivo que alguns indivíduos fazem dela, no sentido de manipular as
pessoas, situação que é comumente chamada de chantagem emocional. Normalmente, quando fazemos as pessoas se
sentirem culpadas, passamos a ter certo controle sobre elas. Essas pequenas chantagens fazem parte de nosso
repertório comportamental. É um filho que diz que a mãe não gosta dele, caso não lhe pague uma viagem; é um pai
que simula ao filho choro, caso ele não lhe dê um abraço; é o rapaz que se faz de vítima diante do término do namoro,
dizendo que vai se matar etc. Aqui cabe um alerta: precisamos tomar cuidado para não pautarmos os nossos
relacionamentos sobre o sentimento de culpa, pois ele leva a sentimentos não construtivos, como pena, comiseração,
rancor, indiferença, gerando um ambiente não saudável e de sofrimento aos envolvidos.
Ainda com relação aos aspectos negativos, já citados, a culpa pode cobrar um alto preço do indivíduo, como
provocar crises de ansiedade, angústia, preocupação, insônia, mau-humor, baixa auto-estima, melancolia, depressão e,
inclusive, levar um indivíduo a cometer o suicídio. Doenças como úlceras, gastrites, impotência, frigidez, enxaquecas,
entre outras, também podem ter um forte componente emocional ligado às culpas individuais. Culpas reprimidas e não
resolvidas certamente se tornarão sintomas neuróticos. Vamos aprofundar agora a questão desses pagamentos,
conscientes e inconscientes, que a culpa nos impõe.
(12.4)
c ulpa e pagamento

Na obra do psiquiatra Paul Tournier, que citamos na introdução, o autor afirma que a culpa traz como conseqüência
quase inevitável uma idéia de pagamento: “tudo deve ser pago”, diz o autor. “Parece-me que isto surge, pelo menos
em grande medida, de uma atitude psicológica que eu agora quero enfatizar, a saber, a idéia, profundamente enraizada
no coração de todos os homens, de que tudo deve ser pago”29.
Esse sentimento de dívida constante, mesmo que tenha sido valorizado na perspectiva judaico-cristã, não fica
circunscrito ao mundo cristão tradicional. Como diz Tournier, basta lembrar as multidões inumeráveis de fiéis hindus
que mergulham nas águas do rio Ganges a fim de serem lavados de suas culpas e até as ofertas votivas e o ouro que
cobrem as estátuas de Buda. Igualmente, são inúmeros os penitentes e os peregrinos de todas as religiões que impõem
a si mesmos sacrifícios, práticas ascéticas (privar-se de qualquer forma de prazer) ou duras jornadas como formas de
pagamento, seja por culpas cometidas, seja até por graças alcançadas. Tais pessoas parecem ter uma necessidade
interna de pagar, de expiar as suas culpas30.
Aqui podemos perguntar: será que a culpa e o seu respectivo pagamento são produtos exclusivos da religião? Será
que Freud está certo em afirmar que, libertando-se o homem do sentimento de culpa, a religião perde a sua finalidade ou
necessidade? Pensamos que essa é uma afirmação muito radical. Afinal, a relação entre culpa-pagamento-perdão existe
também fora do contexto religioso ou espiritual.
Basta observarmos as relações humanas cotidianas para comprovar tal assertiva. Muitos exemplos podem ser
dados. Uma falha leve com a namorada (deixar de acompanhá-la à liquidação no shopping para ir ao jogo com os
amigos) pode ser pago com um buquê de flores e um convite para jantar. Já uma falha mais grave (uma traição)
certamente exigirá um pagamento mais “caro”, para a conquista de um eventual perdão.
A típica frase “Essa ele me paga!”, muitas vezes repetida por nós em inúmeras e variadas situações e contextos,
expressa o que estamos afirmando neste texto. Todas as faltas, erros, delitos e pecados exigem um pagamento, que
normalmente implica uma proporcionalidade, isto é, o tamanho (preço) do pagamento é proporcional ao tamanho do
erro. Exemplo: no direito, um crime leve normalmente demanda uma pena leve, já um crime grave demanda uma pena
mais longa e severa. Também na prática da confissão católica, normalmente, a penitência é dada ao fiel de acordo com
a gravidade do seu pecado.
Indo além nesta abordagem psicológica, muitos dos problemas e neuroses trazidos pelos pacientes nos consultórios
estão ligados diretamente ao sentimento de culpa, como já foi dito anteriormente. Algumas vezes essa culpa é
claramente identificável e manifesta, estando no plano consciente. Outras vezes, porém, as culpas surgem como um
sentimento vago e indefinido, ligado a uma esfera semiconsciente, cujo prejuízo na saúde psíquica pode ser até mais
grave do que quando se trata de culpa consciente.
A própria psicanálise afirma que muitas doenças nervosas e físicas, e até mesmo acidentes, bem como frustrações
na vida profissional podem ser tentativas de expiação da culpa que é totalmente inconsciente. Essa seria uma forma de
punição que o sofredor administra a si mesmo e continua repetindo indefinidamente como uma espécie de fatalidade
inexorável31. Um exemplo hipotético de como isso pode acontecer: uma mãe, muito irritada com seu filho de oito anos,
acaba dizendo a ele que o seu nascimento a impediu de concluir o curso de Medicina, levando-a a abdicar de sua
realização pessoal e profissional, e que hoje se vê frustrada por ter feito tal escolha. Esse filho pode internalizar essa
crítica e, por um sentimento de culpa reprimido, não conseguir concluir nenhum curso superior como forma de pagar a
culpa pela frustração profissional da mãe.
A culpa, portanto, sempre cobra algum preço, muitas vezes um preço altíssimo, que pode incapacitar o indivíduo
de ser uma pessoa realizada e feliz. Essa é uma crítica também reputada às religiões, como veremos a seguir.
(12.5)
c ulpa e religião

A culpa é um dos aspectos fundantes ou estruturantes de muitas religiões. Por mais ácida que seja essa afirmação, ela
não é de todo injusta, pois, após analisarmos grande parte das religiões existentes, veremos que a culpa foi, e ainda é,
utilizada como um dos mais eficazes instrumentos de domínio das Igrejas sobre os fiéis. Porém, ao final desta análise,
queremos apontar para uma proposta religiosa que vai num caminho contrário, ensinando a total erradicação da culpa
por intermédio de Jesus Cristo.
O próprio Sigmund Freud, fundador da psicanálise e um dos maiores críticos da religião, afirma que o sentimento
de culpa é que deu origem às religiões, quando faz referência ao totemismo, que se configura como uma das mais
antigas e primitivas formas de religiosidade. Na sua obra Totem e tabu, Freud faz referência ao mito do parricídio, em
que os filhos se unem e matam o pai, chefe do clã, que era invejado e temido por eles. Após o assassinato, os filhos
devoram seu cadáver (antropofagia) e, identificando-se com o pai, apropriam-se de sua força. Após o parricídio, a
culpa dos filhos se estabelece em virtude dos sentimentos ambivalentes: ódio ao pai, que representava um
impedimento de alcançar o poder e satisfazer os desejos sexuais, em contraposição ao amor e à admiração pelo que ele
representava. Essa afeição, antes recalcada, surge em forma de remorso. A partir daí, os filhos criam uma representação
totêmica do pai morto, que se torna ainda mais forte do que quando estava vivo. Esta, portanto, seria para Freud a base
estruturante das religiões: a culpa que deu origem aos rituais religiosos totêmicos1.
Saindo dessa abordagem antropológica, podemos apontar diversas religiões que fazem uso cotidiano da culpa na
sua relação com os fiéis. Como diz Tournier, para apagar o passado de culpas e pecados, uma expiação (pagamento)
deve ser feita, sendo esse o sentido de quase todos os ritos e sacrifícios praticados nas diferentes religiões. Atos de culto
não deixam de ser uma forma de pagamento, ao menos do ponto de vista psicológico. Espera-se que eles garantam a
libertação da culpa descartando o débito que deu origem a ela.32 Vamos traduzir isso em exemplos práticos.
Em tribos primitivas, quando aconteciam tragédias, derrotas ou cataclismas (furacões, terremotos, temporais etc.),
normalmente se acreditava que alguém da tribo havia cometido um grave pecado. Quando se achava o culpado, este
era punido e sacrificado aos deuses. Portanto, aplacar a ira dos deuses por meio de oferendas, rituais e sacrifícios era
prática comum em inúmeros povos, tribos e culturas da Antigüidade.
No hinduísmo, em que a doutrina da transmigração das almas e da lei do carma fundamenta a religião, o indivíduo
só evolui espiritualmente se “pagar” as suas faltas por meio de inúmeros rituais. A sua evolução ou involução
dependerá da observância correta de ritos e outras práticas, que determinarão a sua condição na próxima reencarnação.
No budismo também prevalece a lei do carma, ou lei de causa e efeito, em que o aprendizado espiritual ou a busca
pela iluminação implica abdicar de determinadas práticas e desejos. As reencarnações se tornam necessárias até o ponto
em que o indivíduo fique liberto de toda forma de desejo.
Para o islamismo, as culpas podem e devem ser pagas por meio de ritos, como as cinco orações diárias, a realização
de boas obras, a prática da esmola e até mesmo a peregrinação do fiel à cidade sagrada de Meca.
Na realidade brasileira, temos a doutrina espírita, que se aproxima muito da expressão, utilizada por Tournier, de
que “tudo deve ser pago”. Mesmo que o conceito pagamento não seja nomeado, sendo substituído por palavras como
resgate, missão ou aprendizado, está implícito na doutrina espírita que cada indivíduo é responsável pelo seu
aprimoramento e pelo “resgate” de suas culpas passadas. Muitas doenças, problemas, dificuldades e tragédias que

1. O mito é contado aqui de forma muito resumida. Para uma melhor compreensão, devido à complexidade do tema, sugerimos a leitura do texto de

Freud na sua íntegra.


surgem na vida das pessoas são interpretados pelos espíritas como uma forma de “pagamento” de um carma anterior.
Sem esse resgate, não há evolução.
O cristianismo, por um longo tempo, também se estruturou sobre a prática do pagamento pelas culpas e pelos
pecados cometidos. Na Idade Média, era comum a venda das indulgências, que representavam a compra do perdão e
da salvação, além da veneração de relíquias sagradas, das encomendas de missas pagas, da realização de votos e
promessas e das práticas de autoflagelo, tudo como forma de expiar as suas culpas, pagar as dívidas com Deus e
ganhar algum mérito pessoal diante Dele.
A colunista Martha Medeiros, numa de suas crônicas publicadas no jornal Zero Hora33, intitulada Prometa não sofrer,
ressalta que algumas religiões cristãs têm na culpa o seu maior alicerce, e o rito das promessas seria a maior prova de
que, aos olhos de Deus, o ser humano não é merecedor da felicidade, ao menos não de uma felicidade gratuita. A
autora faz referência a ritos penosos, como subir 300 degraus de uma igreja, caminhar vários quilômetros para pagar
uma graça alcançada, dar uma soma polpuda para a caixa de coleta etc. “Como sofrem esses fiéis”, diz Martha
Medeiros, afirmando que eles se sentem devedores da própria fé, impingindo a si próprios inúmeros sofrimentos e
privações para pagar o que julgam dever a Deus. Ao almejar a felicidade, finaliza a autora, torna-se implícito que se
pagará muito caro por ela, se não financeiramente, ao menos com bolhas nas mãos e calos nos pés.
Não é essa proposta, porém, que o cristianismo, comprometido com os evangelhos bíblicos e com a obra de Jesus
Cristo, oferece aos seres humanos. A Igreja cristã tem o compromisso de proclamar a salvação, a graça e o perdão de
Deus à humanidade oprimida pela culpa: a salvação conquistada em Cristo, por Cristo e por intermédio de Cristo. Essa
salvação não tem preço, não pode ser comprada por ninguém, até porque, para o cristianismo, sacrifícios expiatórios ou
esforço moral não são suficientes para pagar a dívida com Deus. Na realidade, o cristão não precisa pagar nada, pois
Cristo já pagou em seu lugar. Como lembra Tournier,

é Deus mesmo quem paga, Deus mesmo pagou o preço de uma vez por todas, o preço mais caro que ele poderia pagar: a sua
própria morte, em Jesus Cristo, na cruz. A obliteração (destruição/eliminação) de nossa culpa é livre para nós porque Deus
pagou o preço. Jesus Cristo veio ‘para salvar o que estava perdido’ (Mt 18:11).34

Conforme está escrito na Escritura Sagrada, “O sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo pecado” (1 João
1:7); “no qual temos a redenção pelo seu sangue, a remissão dos pecados” (Efésios 1:7); “Pois também Cristo morreu,
uma única vez, pelos pecados, o justo pelos injustos” (1 Pedro 3:18).

Em síntese, a libertação total da culpa, a salvação, não é mais uma idéia remota de perfeição, para sempre
inacessível, mas é uma pessoa: Jesus Cristo, que veio a nós, veio para ficar conosco, em nossas casas, em nossos
corações. O remorso é silenciado pela sua absolvição. Jesus substitui o remorso com uma simples pergunta, aquela que
fez ao apóstolo Pedro, que o tinha negado por três vezes: “Tu me amas?” (João 21:15). Precisamos responder a essa
questão e achar em nossa ligação pessoal com Jesus Cristo paz para as nossas almas.35
Todos os homens podem se beneficiar dessa expiação única; todos os homens, de fato, “todo o mundo”, como João
afirmou (1 João 2:2). Jesus Cristo morreu por todos, sem qualquer distinção, para homens de todas as idades e regiões,
para hindus, para budistas, para muçulmanos, para pagãos e para ateus; basta que nele creiam.36
(12.6)
c ulpa e perdão

O grande ápice de nosso texto é a palavra perdão. De nada adianta falar de culpas se não abrimos a possibilidade de
refletir sobre o perdão. Numa dimensão humana, a das relações interpessoais, poderíamos afirmar que o perdão é uma
das mais importantes ferramentas terapêuticas existentes nesta vida. O perdão pode ser visto sob três aspectos: o
perdão divino, o perdoar a si próprio e o perdoar aos outros. Poderíamos perguntar: o que é mais difícil, perdoar aos
outros, pedir perdão aos outros ou ainda se apoderar do perdão divino? Obviamente que a resposta a essa questão está
ligada a uma série de variáveis.
Para um indivíduo orgulhoso, assumir o erro e pedir perdão é quase uma impossibilidade. Para um indivíduo com
pouca confiança em Deus, aceitar o perdão de Cristo também é difícil. Agora, perdoar realmente aos que nos fizeram
algum mal parece ser a mais árdua das tarefas. Não é à toa que se diz que “errar é humano e perdoar é divino”.
Hoje já há estudos que comprovam ter a prática do perdão um efeito benéfico sobre a saúde humana. O psicólogo
americano Frederic Luskin faz uma relação entre o bem-estar trazido pelo perdão e a saúde do ser humano. Luskin
afirma que guardar ressentimentos, culpar os outros ou apegar-se às mágoas estimula o organismo a liberar na corrente
sangüínea as mesmas substâncias químicas associadas ao estresse, que prejudicam o corpo. Um outro estudo de Luskin
indicou que as pessoas mais inclinadas ao perdão sofriam menos enfermidades e tinham menos doenças crônicas
diagnosticadas37.
Portanto, perdoar e pedir perdão são ações promotoras da saúde na dimensão emocional, física e espiritual. São
ações que precisamos aprimorar em nossa vida. O primeiro passo para isso é aceitar que as nossas culpas, os nossos
erros já estão perdoados por Deus.
Acabamos de ver que esse perdão divino é concedido a nós gratuitamente, sem qualquer barganha com Deus. Ele
nos oferece o perdão a todas as nossas culpas. Diante dessa verdade bíblica, vem-nos à mente um ditado popular:
“Quando a esmola é muita, o santo desconfia”.
O ser humano parece ter uma grande dificuldade de se apoderar do perdão oferecido pelo evangelho bíblico.
Mesmo participando de rituais como a Comunhão (Santa Ceia), a Confissão e a Absolvição nas missas e nos cultos, o
ser humano não consegue libertar-se de suas culpas, presas a ele como sanguessugas a retirar sua alegria, bem-estar,
auto-estima e paz de espírito. Como diz Tournier,

Parecia-lhe impossível (ao ser humano) que Deus pudesse remover a sua culpa sem que ele tivesse de pagar alguma coisa. Pois a
noção de que tudo tem que ser pago está profundamente arraigada e atuante em nós, tão universal quanto inabalável por
qualquer argumento lógico. Portanto, as pessoas que anseiam ardentemente pela graça são as que têm maior dificuldade em
aceitá-la. Seria uma solução muito simples, e uma espécie de intuição se lhe opõe.38

Precisamos crer e confiar que Deus nos perdoa. O grande privilégio que temos como cristãos é saber que somos
perdoados e que o perdão nos alcança por meio de Jesus Cristo. Foi para pregar a transformação radical, o despertar da
consciência de culpa e a erradicação desta culpa: a humilhação do orgulhoso e a restauração dos angustiados. Não que
a salvação tenha que ser conseguida. Ela já foi de uma vez assegurada a nós e a todos os que crêem. Tudo já foi
consumado em Jesus Cristo.39
Vale uma reflexão final para o tema em questão: o processo que leva a uma verdadeira libertação da culpa, que
parte da confiança no perdão divino oferecido a nós, implica três momentos. Primeiro, o reconhecimento dos nossos
erros que leve a um verdadeiro e sincero arrependimento. Segundo, o firme desejo de corrigir a nossa vida,
transformando-nos positivamente como pessoas e como cristãos. Como diz a Bíblia, os frutos e as obras do cristão
acompanham a verdadeira fé, mas obras feitas como símbolo de gratidão, como conseqüência natural da morada de
Cristo em nossos corações e mentes, e não como forma de pagar alguma culpa ou ganhar mérito diante de Deus.
Finalmente, libertar-se da culpa implica também uma disposição interna constante em perdoar aos outros, num
compartilhamento mútuo e recíproco do perdão que nos é oferecido por Deus em Cristo Jesus.
Culpa e perdão – uma questão existencial que permanecerá atuando e ressoando nos corações humanos enquanto o
indivíduo viver, mas cuja resolução está mais próxima do nosso alcance do que podemos imaginar: na pessoa que se
tornou a encarnação viva do amor, da paz, do consolo e do perdão, chamada Jesus Cristo. Crer nesse perdão e apoderar-
se dele é a ferramenta terapêutica por excelência, fonte de vida e alegria, da qual todos, sem exceção, podem fazer uso.
( 13 )

a relação entre fé e saúde


Thomas Heimann

um dos temas mais instigantes e polêmicos da atualidade é a relação (ou talvez tensão) entre fé e saúde, religião
e ciência, medicina e espiritualidade. Mesmo que essa relação seja muita antiga – em inúmeras culturas a doença e a
cura eram experiências que ficavam ao encargo dos sacerdotes, dos pajés e dos xamãs –, nos dias de hoje, tem-se
discutido muito quais são os limites de cada uma das duas áreas. Apesar de haver inúmeras correntes que vêem aí
oposição total, tensão constante ou diálogo crítico, uma outra corrente procura caminhar no sentido de propor uma
perspectiva convergente ou integralista de ambas as áreas, sem desrespeitar as especificidades de cada uma delas.
No artigo de Horta et al. cujo título é Psiquiatria na prática médica: a religiosidade e suas interfaces com a medicina, a
psicologia e a educação, os autores afirmam:

A partir de Einstein, reduziram-se, um a um, os impedimentos de cercania para ciência e religião, a ponto de João Paulo II
afirmar que religião sem ciência não é boa religião, bem como ciência sem religião não é boa ciência. Uma posição convergente
com a do sumo pontífice foi, recentemente, tomada pela Organização Mundial da Saúde (1998), ao ter acrescentado a dimensão
de bem-estar espiritual ao seu conhecido conceito multidisciplinar de saúde, que, como se sabe, só entendia uma condição de
saúde se existisse a presença de bem-estar nas dimensões físicas, psíquicas e sociais.40

É possível afirmar que o acréscimo da dimensão espiritual/religiosa à concepção de saúde integral constitui um
aspecto que aponta para uma valorização dessa área, tratando-se de um marco decisivo na aproximação e no
entrelaçamento da ciência com a religião ou, mais amplamente dizendo, com a espiritualidade humana.
Dois trabalhos de cunho científico, entre tantos outros que poderiam ser citados, indicam essa aproximação. O
primeiro deles é a tese da psicóloga gaúcha Luciana F. Marques, realizada pela PUCRS, em que ela procura comprovar
que a religiosidade e o bem-estar existencial são fatores importantes para os indivíduos terem uma melhor saúde física
e mental. Em sua pesquisa, as pessoas que afirmaram não ter religião, em geral, foram as que demonstraram menor
bem-estar existencial.41
O segundo trabalho é oriundo da Universidade do Texas e aponta para o fato de que a espiritualidade tem a ver
com disposição física e mental. As pessoas que praticam uma religião apresentam melhores condições de saúde. Os
maiores ganhos são de fundo psicológico, visto que os religiosos têm auto-estima maior e um círculo de amizades com
o qual têm afinidades, prevenindo doenças de fundo emocional.42
Num mesmo caminho, as faculdades de Medicina dos Estados Unidos já têm dado espaço à relação entre a
espiritualidade e a saúde na formação acadêmica de seus alunos. Vários simpósios, congressos, palestras e cursos na
área da saúde também vêm enfocando essa questão nos últimos anos, o que demonstra o aumento de interesse e
preocupação dos profissionais no sentido de, ao menos, refletir sobre a temática.
Há algum tempo, trabalhos e afirmações que aproximassem a espiritualidade da ciência pareceriam idéias sentidas
como completamente ilegítimas e estranhas aos preceitos religiosos e científicos, tal como explicam Horta et al.:
Ciência e religião eram campos historicamente opostos, pelo menos, na cultura do ocidente. O apego da cultura ocidental por
um pensamento linear (causalista e simplificador) e seu encantamento pelos avanços tecnológicos e sua crença numa filosofia
empirista – em síntese, a adição ocidental ao positivismo estrito – configuram um conjunto de condições que, provavelmente,
proporcionaram o isolamento e estimularam os conflitos entre religiosidade e pensamento científico.43

Para os autores supracitados, defender o pensamento de que a religiosidade de uma pessoa influencia não apenas
seu espírito, mas também seu corpo, sua mente e sua interação com os outros já causa bem menos estranheza nos dias
de hoje, mesmo que tal concepção ainda permaneça gerando desconfiança e inquietação em muitos meios acadêmicos.
Vamos passar agora a analisar um dos tantos fenômenos religiosos que podem ser interpretados de uma forma
interdisciplinar, apontando justamente para os diversos tipos de relações existentes entre religião e ciência, medicina e
espiritualidade.

(13.1)
a nálise de um fenômeno religioso: doença mental ou possessão?

Uma interpretação de práticas de libertação espiritual e exorcismo numa ótica


multidisciplinar

Quem de nós já não ouviu falar de filmes como O exorcista (1973) ou, mais recentemente, O exorcismo de Emily Rose
(2005)? Ou, ainda, quem de nós já não ouviu falar de cultos de libertação, sessões de descarrego ou então de pessoas
que afirmaram estar “com um encosto” ou nas quais “baixou o santo”? Transe religioso, mundo dos espíritos ou
apenas transtornos mentais?
Todos esses exemplos apontam para um fenômeno que vamos chamar aqui, genericamente, de possessão. Importa
afirmar, desde o princípio dessa discussão, que esse é um tema controverso, e que estamos cientes de que há diversas
formas de nominar e significar o fenômeno, dependendo do viés religioso ou científico de cada grupo, que constrói a
sua própria nomenclatura e interpretação do fato.
Desde o início da história humana, há indícios de que sofrimento e doença eram considerados fruto de uma força
externa maligna, que atuava negativamente sobre os corpos e as mentes das pessoas. As curas eram ministradas por
meio da expulsão dessa força maligna do corpo do indivíduo, em práticas que denominaríamos hoje de exorcismos,
realizadas por inúmeras tribos ao longo da história.
Portanto, a idéia do mal, de espíritos ruins ou de “pouca luz”, de demônios que atuam no plano físico e
atormentam os seres humanos não é privilégio do mundo cristão, embora a sociedade ocidental seja muito influenciada
pelo cristianismo e sua idéia do mal.
De um modo geral, o que se entende por possessão? Para o cristianismo, demônios são espíritos ou poderes
espirituais contrários a Deus e cujas fileiras são compostas pelos chamados anjos caídos, que acompanharam Lúcifer na
rebelião contra Deus.
Caracterizando de modo geral uma possessão, um ser humano que está “possuído” por uma dessas entidades
espirituais maléficas acaba ficando sob o controle total dela. O indivíduo perde sua identidade pessoal, bem como sua
liberdade de pensamento e até de ação, ficando alienado de si mesmo. Normalmente, uma possessão demoníaca é
acompanhada de um comportamento violento e destrutivo contra os outros e contra o ambiente, assim como contra o
próprio indivíduo “possuído”.
Para que se levante a possibilidade de um diagnóstico positivo de possessão, é necessário que um indivíduo
apresente, de forma clara e significativa, uma série de sintomas, indicados na tabela a seguir, levando-se também em
conta nesse diagnóstico a freqüência, a duração e a intensidade dos sintomas. O filme Stigmata (1999), mesmo que não
trate da questão da possessão, traz cenas que praticamente sintetizam todos os sintomas descritos neste texto, dando
uma visão concreta (um pouco exagerada) do que aqui estamos tratando.

Tabela 1 – Sintomas relacionados à possessão demoníaca

Sintomas
Sintomas Psicológicos Sintomas Espirituais
Físicos

Força sobre-humana Clarividência Caráter imoral (profanidade, nudez, linguajar


obsceno...)

Expressão facial alterada Telepatia Ameaça verbal ou física a tudo que representa
Cristo/Cristianismo

Mudança na voz (aspereza, zombaria, Habilidade para predizer o futuro Entrar em estado de transe quando alguém ora
rouquidão...)

Convulsões, prostração Habilidade para falar em línguas Incapacidade de confessar Jesus de forma
estrangeiras desconhecidas da reverente
pessoa possuída

Insensibilidade à dor Estado de transe Fenômenos poltergeist (p. ex.: ruídos


inexplicáveis, telecinesia, odores
desagradáveis...)

Mt 8.28; At 19.16; Lc 4.33; Mc 9.18-22; 5.1-5 At 16.16-18; Mc 1.21-24,34; Lc 4.33; At 13.4-11; Mc 5.1-5; Lc 9.41s; 1 Jo 4.1-6; 1 Co
1 Sm 18.10; Mc 9.18-22 12.3; 1 Sm 18.10

Fonte: OROPEZ, 2000, p. 131.

É prudente afirmar, porém, que a ciência já consegue provar que muitos desses sintomas podem ser explicados à
luz da fisiologia humana, como, por exemplo, em momentos de muita tensão, extrema força e insensibilidade à dor em
função de descargas de adrenalina.
Wegner, ao abordar essa temática, faz referência aos critérios que a Igreja Católica Apostólica Romana levanta para
indicar uma possível possessão, descritos no Rituale Romanum (escrito séculos atrás). São eles44:

• O possesso deve falar diversas palavras de um língua estranha ou entender o que alguém diz numa língua
desconhecida.
• Deve ser capaz de relatar fatos secretos ou acontecidos em lugares distantes.
• Deve demonstrar forças que excedam a sua idade e transcendam a possibilidade de que a natureza humana
dispõe.

Diante desse tema, que desperta inúmeras dúvidas sobre a sua etiologia, isto é, de onde surgem e por que se
manifestam as possessões nos indivíduos, segue uma série de possíveis interpretações para o fenômeno, que
transversalizam a medicina e a religião.
1. Doença, espíritos ou apenas fraude?
Diferentes interpretações da possessão

• Interpretação bíblico-cristã – As Igrejas cristãs têm como fonte de suas doutrinas as Sagradas Escrituras (Bíblia), de
modo mais especial o Novo Testamento. A partir desse pressuposto, as religiões cristãs admitem a existência e a
ação de seres espirituais maléficos, chamados de demônios. Há muitos textos bíblicos que mostram Jesus Cristo
e também os seus discípulos expulsando demônios. Há, porém, diferenças entre as Igrejas cristãs tradicionais
(Católica, Luterana, Batista, Metodista, Presbiteriana etc.) e as pentecostais/neopentecostais (Deus é Amor,
Universal do Reino de Deus etc.) no que tange à prática de rituais exorcistas e à própria interpretação do que
pode ser considerado possessão demoníaca. Logo a seguir trataremos desse aspecto.
• Interpretação desmitologizante – Baseia-se na parapsicologia, que procura diferenciar fenômenos verdadeiros
daqueles que não o são, desmascarando e desmistificando fraudes e truques. Os fenômenos verídicos podem
ser produtos de uma mente perturbada, fruto de uma psicorragia, isto é, uma energia mental que foge ao
controle voluntário humano, gerando fenômenos paranormais que se fazem presentes no indivíduo e no
ambiente em que ele se encontra, tais como tiptologia, telecinesia, xenoglosia, glossolalia, clarividência etc.
Essa linha de interpretação tem como representante conhecido no Brasil o padre Oscar Quevedo.
• Interpretações psicológico-psiquiátricas – As possessões são interpretadas como casos de transtornos mentais. A
psiquiatria, ao descrever as psicoses e as esquizofrenias, elenca uma série de sintomas que se aproximam dos
relatados nas possessões espirituais, como delírios, alucinações visuais, auditivas, táteis, entre outras.
Podemos ainda citar crises histéricas, dissociações de personalidade e até mesmo crises de epilepsia e
convulsões, que, muitas vezes, foram e ainda são confundidas e interpretadas por alguns religiosos como
possessões. O psiquiatra Rogério Zimpel afirma que os transtornos dissociativos talvez sejam o grupo de
perturbações mentais que mais se confundam com os fenômenos espirituais, englobando o transtorno de
personalidade múltipla (ou dissociativo de identidade) e ainda o transtorno de despersonalização. É
importante afirmar que ainda existe pouca literatura psiquiátrica e psicológica que trabalhe simultaneamente
com os dois paradigmas, a saber, o psíquico/científico e o espiritual/religioso.45
• Interpretações sociológicas – As possessões são vistas como comportamentos de protesto por parte de pessoas
oprimidas, que não têm condições de buscar ajuda de cunho profissional, como médicos psiquiatras,
psicólogos e outros terapeutas. Tais indivíduos encontram em igrejas um lugar de livre expressão de sua
condição de opressão e que serve também de espaço terapêutico para elas.
• Fenômenos catárticos – Uma outra interpretação, ligada à anterior, afirma que os fenômenos observáveis numa
possessão nada mais são do que uma descarga externa de muita opressão, violência e repressão, cuja expressão
livre é favorecida pelo ambiente sugestivo do culto. São os “demônios internos” de um indivíduo, o conjunto
de muitas frustrações reprimidas, que são colocadas para fora, numa catarse individual e/ou coletiva.
• Fraude – Uma das interpretações aponta o fato de que algumas igrejas podem fazer uso de estratégias teatrais
para gerar espanto e admiração do público, treinando indivíduos para se fazerem passar por endemoniados.
Pressupõe má-fé e falta de ética de religiosos.

Não é possível, a priori, dizer qual das interpretações é a mais acertada, até porque cada situação deverá ser analisada
individualmente, podendo ser qualquer uma das propostas aqui apresentadas.

2. Visões religiosas diferentes da possessão

Vamos examinar como as diversas religiões tratam do fenômeno, que, mesmo não sendo o mesmo em cada uma delas,
estruturalmente se mostra muito semelhante.
• Religiões afro-brasileiras – Afirmam que os eguns, espíritos zombeteiros de pessoas falecidas, podem importunar
ou atormentar os vivos. Nos cultos afro, diversas entidades também incorporam (“ocupam”, “baixam”) nos
indivíduos (médiuns), porém essas entidades não são vistas como espíritos malignos.
• Doutrina espírita (Allan Kardec) – Não crê em demônios, mas em espíritos obsessores de “pouca luz”. Andrade2
define obsessão como a ação persistente que um espírito mau exerce sobre um indivíduo, cujas características
podem ir desde uma simples influência moral, sem sinais exteriores perceptíveis, até a perturbação completa
do organismo e das faculdades mentais.46 Essa obsessão pode ser de três tipos ou graus: a) obsessão simples: o
sujeito é perseguido tenazmente pela ação mental de um espírito; b) fascinação: mais grave, pois o espírito
passa a controlar os pensamentos e o raciocínio do obsedado, como um processo parasitário; c) subjugação: há
um domínio quase total do espírito sobre a pessoa, moral e corporalmente. As formas de combater a obsessão
são a prece, a fluidoterapia (passes e água magnetizada), a participação em reuniões mediúnicas de
desobsessão e exercício constante do bem.47
• Religiões cristãs históricas/tradicionais – Admitem a possessão, mas após acurada investigação do caso, o que
implica levantar todas as possíveis causas racionais para os fenômenos, incluindo diagnósticos médicos e
psicológicos. Essas igrejas também diferenciam os conceitos de tentação, influência e possessão demoníaca.
• Religiões pentecostais e neopentecostais – Afirmam que os demônios atuam intensamente, sendo que todos os males
físicos e mentais podem ser sinais de possessão demoníaca. Em movimentos carismáticos, a possessão e o
exorcismo são práticas “comuns”, fazendo parte do cotidiano religioso.
• Islamismo – Também acredita em demônios. Considera que Satanás e seus filhos, os anjos caídos, chamados de
gênios, demônios e duendes, podem desobedecer a Deus e possuir o corpo das pessoas. Tais espíritos maus
precisam ser expulsos por meio do ritual em que se lê o Alcorão e se fazem súplicas pela libertação do possesso.
• Judaísmo – Acredita que espíritos de pessoas que já faleceram (os dibbuks) podem atormentar os vivos.
• Hinduísmo – Desde os Vedas, textos antigos e sagrados dos hindus, já há menção dos chamados exorcismos
medicinais, nos quais se usavam mantras e frases objetivando conjurar e expulsar os demônios.

3. A prática do exorcismo nos dias de hoje

Há dois tipos básicos de exorcismo praticados nos dias atuais: o público e o privado.

• Privado – A pessoa atormentada é levada para um local reservado. Não há público ou platéia. Os exorcistas
(padres ou pastores) realizam o rito de exorcismo, que implica uma “guerra” entre o exorcista e o possuído, o
que pode ser traduzido como uma batalha entre o próprio Deus (na pessoa de Jesus) e o demônio. São os
exorcismos praticados pelas Igrejas tradicionais (como a Católica), sempre após acurada investigação
psiquiátrica. A Igreja Católica, a partir do Concílio Vaticano II (década de 1960), decretou que apenas alguns
sacerdotes poderiam expulsar demônios. Já no ano 2000 foi lançado pela Igreja Católica um manual oficial de
exorcismo, buscando-se regulamentar a prática desses rituais.
Público – Está presente em alguns cultos evangélicos de cunho pentecostal (ou neopentecostal). São os chamados cultos
de libertação ou sessões de descarrego. Nesses cultos normalmente os demônios manifestam-se em várias pessoas, que
são publicamente exorcizadas. Pode ser observada nessas sessões a utilização de vários recursos como:
• Trilha sonora: ouvem-se melodias leves na hora das bênçãos e acordes pesados quando se mencionam demônios
e espíritos malignos.
• Iluminação: na penumbra os fiéis ficam mais sugestionáveis. Pode-se pedir para fechar os olhos.
• Figuração: o burburinho de pessoas rezando e gritando rebaixa os níveis de consciência de fiéis suscetíveis
(influência do meio).

2
. Presidente da Federação Espírita do Rio Grande do Sul entre 1998 e 2001.
• Roteiro: para evocar demônios, os pastores fazem orações repetitivas. Ditas em tom de autoridade e num
ambiente emocional, soam reais.
• Coreografia: aperta-se e balança-se a cabeça/corpo do fiel em movimentos circulares. Tontura e falta de apoio
podem induzir ao transe.
• Sonoplastia: podem ser introduzidos gravações e sons que lembram assombração. Tais ruídos estimulam o
inconsciente das pessoas.48

Um aspecto que chama a atenção dos estudiosos das religiões é o fato de que a manifestação dos demônios é quase
inexistente nos cultos e nas missas tradicionais (não pentecostais ou carismáticos). Ao compararmos tais eventos com as
sessões de descarrego ou libertação, em que prolifera a manifestação dos casos de possessão, fica em aberto uma
grande pergunta: por que há essa grande diferença?
Entre as possíveis respostas poderíamos citar: o clima sugestivo dos cultos de libertação, a quase conjuração à
manifestação das possessões nesses cultos e o estado psicoemocional do fiel que vai a uma sessão de descarrego.
Uma fala de um pastor batista no programa Documento Especial, da extinta Rede Manchete, no ano de 1989, talvez seja
um bom pensamento final. Mesmo admitindo a possibilidade e a ação dos demônios, ele afirma: “Eu acho que muitas
igrejas estão se preocupando demais com os demônios e se esquecendo do principal, que é Jesus Cristo”.
É o anúncio do amor, do consolo, da proteção em Deus que precisa ocupar o centro da mensagem cristã, e não
insistentemente o medo ao demônio. Como diz a Escritura Sagrada,

Se Deus está do nosso lado, quem nos vencerá?... Em tudo isso temos a vitória por meio daquele que nos amou. Pois eu tenho a
certeza de que nada nos pode separar do amor de Deus: nem a morte, nem a vida; nem os anjos, nem outras autoridades ou
poderes celestiais; nem o presente, nem o futuro; nem o mundo lá de cima, nem o mundo lá de baixo. Em todo o universo não há
nada que nos possa separar do amor de Deus, que é nosso por meio de Cristo Jesus, nosso Senhor. (Romanos 8.31, 37-39)

(13.2)
c onclusão

Voltamos a afirmar que tratar desse tema exige prudência, sem abrir mão de um olhar crítico e interdisciplinar,
respeitando-se sempre os diversos pontos de vista e interpretações trazidos pelos diferentes grupos, científicos e/ou
religiosos.
Não queremos aqui emitir juízos de valor ou desconsiderar algumas das interpretações, até porque a verdade
religiosa é uma questão subjetiva, que implica fé e que transcende uma análise lógica e racional dos fatos.
Muitas ainda poderiam ser as questões a serem discutidas dentro dessa temática, como, por exemplo, as possíveis
conseqüências para os indivíduos que se submetem aos rituais do exorcismo, bem como o efeito terapêutico ou
neurotizante de tais rituais. Mas isso implicaria um outro estudo, que não é o objetivo desta breve análise do fenômeno
possessão.

( 14 )
é tica
Ronaldo Steffen

(14.1)
é tica

Até aqui passamos por várias visões religiosas e suas respectivas respostas para as questões religiosas e existenciais.
Cada uma, a sua maneira, segue o que denominamos de filosofia de vida, os princípios ideais que normatizam o seu
modo específico de pensar.
Por vezes, no entanto, é difícil conciliar ideal e realidade. No campo religioso o problema assume proporções ainda
maiores, pois somos inclinados a pensar que tanto o movimento religioso como seus seguidores são perfeitos e não se
desviam nunca de sua pregação. Não raro, para indicar nossa indignação, usamos expressões como “isso é uma
imoralidade” ou, ainda, “isso é antiético”.

Ética e moral

As palavras ética e moral, embora usadas indiferentemente, possuem significados distintos. A moral se relaciona às
ações, isto é, à conduta real. A ética diz respeito aos princípios ou juízos que originam essas ações. Nessa dimensão, a
ética e a moral são como a teoria e a prática. A partir dessa constatação, é possível afirmar que a ética é a teoria ou
filosofia moral.
Todo ser humano tem uma moral em razão de que pratica ações que podem ser eticamente examinadas. Contudo,
nem todos levam em conta quais são os princípios éticos que determinam suas ações e, por isso, é fundamental avançar
na compreensão da ética.

Para refletir:
Tenho claro qual é o princípio ético
que determina minhas ações?

Ética descritiva e ética normativa

De forma sintética, podem ser identificados, com relação à ética, dois modos de percepção denominados de ética
descritiva e ética normativa.
A ética descritiva retrata as noções éticas predominantes nas diversas culturas. Ao considerar essas noções, não julga o
que é certo e errado; apenas descreve o que as pessoas pensam e como se comportam, sem emitir juízos de valor.
Normalmente a ética descritiva pode ser observada nas pesquisas de opinião que são feitas com as pessoas no intuito
de identificar seus pontos de vista sobre assuntos como sexualidade, aborto, impostos, roubos, violência e outros. Um
alerta se faz necessário: a ética descritiva pode gerar uma “moralidade estatística”, ou seja, a noção de que aquilo que a
maioria faz, deve estar certo.
A ética normativa, por outro lado, procura mostrar quais ações são certas e quais são eticamente inaceitáveis. Ela tem
como pressupostos determinados valores e, a partir deles, fornece normas para as ações. Sua busca não é pelo que é
certo ou errado, mas pela idealidade do que deve ser. Nesse sentido, os Dez Mandamentos, por exemplo, são ações de
idealidade motivadas por uma ética normativa.

A ética normativa tem como pressupostos alguns valores


e, a partir deles, fornece normas para as nossas ações.

(14.2)
v alores

Na Antiguidade, valor é o que deve ser objeto de preferência ou de escolha. Contemporaneamente, identificam-se três
aspectos no conceito de valor. Em primeiro lugar, valor não é somente a preferência ou o objeto da preferência, mas é o
preferível, o desejável, a partir de uma expectativa normativa. Um segundo aspecto aponta que valor não é simples
ideal que pode ser posto de lado pelas preferências ou escolhas efetivas, mas é guia ou norma das escolhas, sendo, por
isso, o critério para um juízo. O terceiro aspecto remete à idéia de que valor é a possibilidade das escolhas,
privilegiando umas em detrimento de outras, repetindo sempre a mesma escolha quando as condições determinadas
para a escolha ocorrerem e concedendo a essas escolhas o caráter de autênticas e certas, com pretensão à
universalidade.
É possível também pensar que alguns valores são apenas meios para se alcançarem outros valores mais desejados.
Consideremos como exemplo o dinheiro: ele não tem valor intrínseco, em si mesmo e por si mesmo, mas pode ser
usado para se obter algum outro valor só atingível com o dinheiro.
Dois fatos podem, ainda, ser ressaltados. Um é o que aponta para o fato de que, ao tomarem decisões
cotidianamente, os indivíduos priorizam valores, mesmo sem terem consciência deles. Outro é que, ao priorizarem
valores, é comum que os interesses de uns contrariem os de outros. Aquilo que é bom para um pode ser o infortúnio de
outro. Quando isso acontece, ocorre o que denominamos de egoísmo ético.

Para refletir:
Quais valores mais e melhor preenchem
nossas preferências: dinheiro, carro, lazer,
saúde, liberdade, amizade, amor?

Pesquise:
Busque mais informações sobre o egoísmo ético
e procure identificar se isso ocorre a sua volta.

Algumas tentativas de determinar o que tem valor e a justificativa adotada para validá-lo têm sido feitas. A seguir,
examinaremos algumas alternativas teóricas (natureza dos valores).
Teoria emotiva

Os defensores da teoria emotiva, identificados como subjetivistas, entendem que todos os valores são relativos e
individuais. O que determina o que tem ou não algum valor repousa simplesmente no fato de o indivíduo gostar ou
aprovar alguma coisa. A única justificação para um julgamento valorativo assenta-se em como um indivíduo sente ou o
quanto ele se envolve com uma determinada situação. Dessa forma, diferentes pessoas valorizam diferentes coisas, e
todas com direito à sua opinião. Nessa categoria se enquadram tanto os existencialistas quanto os lingüistas, pois
defendem a relatividade dos valores individuais.

Os valores são determinados


pelos sentimentos de cada um.

Teoria do relativismo cultural


Conforme essa perspectiva, o que é certo ou errado está determinado pela cultura particular na qual o fato ou a
circunstância ocorre. O relativismo cultural justifica os julgamentos valorativos apelando à autoridade social de uma
cultura em particular. O certo e o errado são sancionados pela sociedade. Enquadra-se nessa teoria a perspectiva
adotada por Freud, na qual o certo e o errado são idéias introjetadas a partir da sociedade e de nossos pais. A
psicologia comportamentalista ou behaviorista também pode ser incluída nessa teoria, pois condiciona o
comportamento dos indivíduos aos valores sociais.

Os valores são determinados pela


cultura em que vive o indivíduo.

Teoria absolutista

Conforme essa visão, identificada como objetivista, o que tem valor independe do que o indivíduo gosta ou pensa, bem
como do que uma sociedade sanciona. É uma teoria que se opõe ao relativismo asseverando que as leis morais são
universais e eternamente verdadeiras, independente de qualquer coisa. A lei moral dos Dez Mandamentos, cujos
valores repousam sobre a autoridade de Deus, sendo por isso universais, pode estar vinculada a essa perspectiva.

Os valores são determinados por leis morais


universais e eternamente verdadeiras.

Teoria do relativismo objetivo

Essa teoria entende que o amor é o mais alto valor e, por isso, quebrar uma promessa por razões egoístas é considerado
errado. O amor é tido como o mais alto valor não por ser uma regra moral absoluta, mas pelo fato de estar em jogo a
produção das melhores conseqüências e da satisfação humana a serem obtidas com uma determinada atitude.
A denominação de relativa refere-se à noção de que essa teoria defende que todos os valores dependem da
satisfação humana. Ao mesmo tempo, é considerada objetiva por insistir no teste da conseqüência a ser obtida, qual seja,
a produção do máximo de satisfação.
Estão enquadrados nessa teoria o utilitarismo, o pragmatismo e as correntes psicológicas defendidas por Erich
Fromm, Abraham Maslow e Carl Rogers.

Os valores são determinados pelo amor, entendido


como a melhor conseqüência e satisfação humana.

Teoria da escolha racional

A teoria da escolha racional nega a tese do relativismo cultural sustentando que um determinado modo de vida é
claramente melhor que outro, se a escolha for determinada por um processo racional de escolha. É verdade que, em
última análise, é o indivíduo quem faz a escolha do que é certo ou errado a partir do que sente ou prefere. No entanto,
o mesmo indivíduo, por ser racional, deve reconhecer que os sentimentos são fidedignos somente se forem livres,
imparciais e frutos da informação.

Os valores são determinados após uma escolha


racional.

(14.3)
c onsciência

A consciência desempenha um papel importante no sentido de coibir ou incentivar a tomada de determinada decisão a
partir de algum valor. Relativizando o conceito, consciência é a capacidade que temos de reagir ao certo ou ao errado a
partir daquilo que é o nosso mais alto valor.
Algo que constantemente tem emergido e tornou-se ditado popular é que podemos fugir de tudo, menos de nossa
consciência. Aliada a essa percepção, uma problemática se apresenta: de onde vem a consciência?
Há, pelo menos, três respostas a essa questão: uma que afirma ser a consciência inata ao ser humano; outra que diz
ser ela imposta pelo ambiente externo, sendo o ser humano moldado pelas condições culturais externas, como pensam
a psicologia e as ciências sociais; uma última, ainda, considera ser a consciência inata ao ser humano, apesar de receber
informações externas, agindo a partir destas, ou seja, ela pune as pessoas quando rompem as normas, mas não
determina absolutamente essas normas.
Uma questão em aberto ainda deve ser aqui lançada: todos têm a mesma consciência?

Para refletir:
• A consciência:
• é inata? ou
• é determinada pela cultura? ou
• é inata, mas moldada pela cultura?
(14.4)
d ireito positivo e senso de justiça

Essa é uma questão problemática, especialmente em países marcados por desigualdades de toda ordem. É verdade que
toda sociedade se baseia num determinado código originado por uma ética que enfatiza a igualdade de todos. Violar as
leis do código implica a quebra da harmonia social.
Podemos observar, no entanto, que nem sempre o que cada um pensa sobre o certo e o errado corresponde às leis
sociais. A título de exemplificação, basta relembrar a questão do aborto, da pena de morte, da eutanásia, do pagamento
de impostos (como o de renda), do trabalho de menores, da compra de produtos contrabandeados e assim por diante.
Há, ainda, o caso de profissionais que se recusam a cumprir determinada função em razão de sua consciência.
É possível relembrar muitos exemplos, mas há um especial ocorrido em 2002. É o caso de um tratorista baiano e
empregado de uma empresa contratada para cumprir mandato judicial que determinava a derrubada de casas erguidas
numa área invadida. Diante de uma casa a ser demolida, com a máquina ligada, o tratorista viu-se tomado de dor pela
senhora com seus filhos que se postavam na frente da casa numa tentativa de impedir a demolição. Acabou por não
executar a ação que lhe fora determinada e foi preso em flagrante por desobediência à ordem judicial.
Tecnicamente, denomina-se desobediência civil o ato de uma pessoa ou grupo desafiar e infringir o direito positivo (o
sistema jurídico acordado) de maneira plenamente intencional (senso de justiça).

(14.5)
r esponsabilidade

A questão da ética centra-se, também, no senso de responsabilidade. A pergunta que cabe para discussão é a referente a
por quem e pelo que as pessoas se sentem responsáveis. A título de reflexão, podemos falar em duas possibilidades, que
se completam, com relação à responsabilidade: uma individual, em que o sujeito é responsável por si e pelo que o rodeia,
e outra coletiva, em que a sociedade é responsável pelas ações que o sujeito não consegue fazer por si só.
O perigo que corremos é o de chegarmos a algumas circunstâncias em que nem o indivíduo, nem a sociedade
assumem a responsabilidade pelo que está acontecendo. Chama-se a esse comportamento de diluição de responsabilidade.
A alternativa mais viável quanto a esse tema é denominada de trabalho pela solidariedade, quando indivíduo e
sociedade assumem suas responsabilidades.

Descubra o porquê do surgimento


das chamadas “ações solidárias”.
(14.6)
l ivre-arbítrio

O livre-arbítrio é o pressuposto segundo o qual as pessoas possuem alternativas entre as quais podem escolher
livremente o que é certo ou errado, bom ou ruim e assim por diante.
Há duas correntes que conduzem a discussão do tema: uma é o determinismo, que defende que nossas escolhas são
determinadas pelos elementos externos, herdados dos pais ou do ambiente no qual vivemos. Nesse caso, o livre-
arbítrio é apenas uma sensação. Outra corrente, a do indeterminismo, argumenta que nossas escolhas são fruto de
vontade individual e nos tornamos o que escolhemos ser.

Refletir:
Para acabar com a violência, é preciso mudar
as condições econômico-sociais da nossa sociedade,
pois elas é que determinam a escolha pela violência.

(14.7)
é tica religiosa e social

Até aqui o texto privilegiou o tema da ética, contextualizando-o a partir de seus principais conceitos. Na seqüência, o tema
será estreitado, concentrando-se mais na perspectiva religiosa e cristã, oferecida como alternativa concreta para a vida em
sociedade.
Logo a seguir um quadro procura comparar sinteticamente os princípios, os meios e os fins da ética social e
religiosa, apontando para as suas diferenças.

Quadro 3 – Comparação entre ética social e ética religiosa

Ética social Ética religiosa

Princípios: extraídos da convivência humana a partir das idéias Princípios: extraídos das doutrinas que fundamentam a religião. São
filosóficas que traduzem os anseios e as expectativas da perenalistas por serem mais rígidos e dificilmente admitirem
sociedade. São situacionistas por serem flexíveis e se adaptarem mudanças históricas. Resultam do amor.
às mudanças históricas. Resultam do anseio pela liberdade.

Meios: partem do próprio sistema cultural sobre o qual atuam Meios: a lei moral que busca determinar o que é melhor para o ser
as diversas instituições sociais (família, escola, igreja, humano.
empresas, meios de comunicação, partidos políticos etc.).

Fins: atingir o bem comum. Por isso, é imanente, ou seja, restrita Fins: atingir o bem superior. Por isso, é transcendente, ou seja, projeta o
aos limites humanos, temporais e sociais. ser humano para além deste mundo material, buscando um sentido
eterno para sua vida.
(14.8)
é tica religiosa cristã

Como todos os pensamentos religiosos, o cristianismo também possui sua perspectiva ética. É bem verdade que a
diversidade do pensamento cristão faz-nos entender que não há um único modo cristão de entender o tema.
Respeitadas as diferenças, de uma forma geral, a abordagem religiosa cristã da ética não pode fugir de sua
centralidade: o Cristo, retratado no Novo Testamento. Assim, a ética religiosa cristã pode ser sintetizada em dois
fundamentos: um que ressalta a centralidade cristocêntrica, enfatizando Jesus Cristo e sua ação de salvação como fonte
de orientação ética e de poder de transformação, e outro que enfatiza a Bíblia, o Antigo e o Novo Testamento, como fonte
e norma tanto do ensino como das práticas cristãs.

Crítica externa

Em razão dessa postura, o cristianismo tem elaborado algumas críticas a sistemas éticos que se baseiam em outros
pressupostos. Confira o quadro que segue.

Quadro 4 – Crítica do cristianismo a sistemas éticos externos

Princípio Crítica cristã

Hedonismo: o prazer é o critério maior. O bem é o que dá É princípio que não leva em consideração os outros na sua versão
prazer e o mal é o que causa dor. A linha individualista busca individualista. Já na universalista, quem julgar sua ação digna de um bem
o prazer individual, e a linha universalista o bem maior para maior para um maior número de pessoas encontra justificativa para
o maior número de pessoas. sua ação.

Naturalismo: a Natureza é o princípio válido para todos e em Como ficam os doentes, os fracos e os inválidos? O que vale é “o
todos os tempos. A sobrevivência é o bem maior a ser maior come o menor”?
buscado, e o que a dificulta deve ser eliminado.

Relativismo: cada situação é única. Não há princípio A defesa da inexistência de verdades absolutas é uma verdade
experimental que defina o que é bom e mau. absoluta.

Esteticismo: o que entra em consideração não é o ato em si, O princípio é imediatista, defendendo o aqui e agora, gerando a
mas o resultado dele obtido. Os sentidos e as emoções são necessidade de auto-realização pessoal ou grupal sem medir o ato
utilizados para dar significado à vida e transformar a em si e enfatizando uma existência limitada à historicidade humana.
insignificância em beleza.

Idealismo: é a busca de um ideal fora do ser humano e da A questão que pode ser contraposta à linha intuitiva é: se o senso
natureza. A linha intuitiva reconhece que todos têm um moral está na consciência, onde está ela? Para a linha racionalista, pode
conhecimento intuitivo do que é certo e errado. A linha ser questionado: se o senso de dever se sobrepõe por meio do
racionalista enfatiza que o certo e o errado dependem do uso raciocínio, apenas os mais capazes é que estabelecem os melhores
adequado do raciocínio. deveres.
Crítica interna

Assim como faz com os princípios que lhe são alheios, o cristianismo também produz uma auto-análise e identifica,
com relação à ética, duas posturas comumente praticadas no seu interior. Uma mais negativa, a legalista, e outra mais
positiva, a pedagógica.
Na linha legalista, a lei de Deus é vista de forma inflexível, devendo ser cumprida em sua plenitude. Caso a pessoa
não a cumpra, o infrator só é redimido do erro mediante punição e penitência. É prática coercitiva e baseada no medo.
Na linha pedagógica, a lei de Deus é um método educativo que visa orientar a conduta humana dentro de princípios
movidos pelo amor e pelo desejo de proteger o ser humano dos perigos morais. Pressupõe a livre aceitação dos
princípios cristãos, sem coerção.

O amor como princípio

Destaca-se na linha pedagógica da ética religiosa o amor como elemento motivacional da conduta humana.
Os significados que o amor apresenta na linguagem comum são múltiplos e quase sempre malcompreendidos em
razão de pouco ou quase nada se pensar sobre ele. Em geral, acredita-se que amor é um sentimento e como tal não se
explica. A História da Filosofia, no entanto, tem demonstrado diferente: o amor pode e deve ser pensado. O fato hoje é
que se desacostumou de pensá-lo. A idéia desenvolvida a seguir é a construção de um modo de pensar o amor a partir
dos pressupostos cristãos a fim de podermos compreender por que ele é o fundamento maior da ética cristã.
Para definir o amor como fundamento ético, o cristianismo costuma pensar o tema a partir de três palavras gregas:
eros, filia e ágape, cujos significados gravitam em torno da palavra portuguesa amor. Confira o quadro que segue para
entender qual o significado que o cristianismo atribui ao amor.

Quadro 5 – Significado do amor no cristianismo

É toda e qualquer relação humana resultante da funcionalidade das sensações (sentidos físicos). Desse modo, entende-se
amor como força unificadora e harmonizadora, tanto sexual como política, resultante das percepções dos sentidos físicos.
Quando os sentidos funcionam em sua normalidade biológica, é possível falar em sensualidade. Quando a normalidade
biológica é quebrada, ficando fora de controle, fala-se em paixão.
Eros

Normalmente, identifica-se esse modo de amor com a sexualidade, tendo em vista que, ao sermos despertados para alguém,
nossa sensualidade descontrola-se e, se correspondida, somos conduzidos à paixão, que culmina no completo descontrole
dos sentidos, a sexualidade.
Amor nessa dimensão não se identifica com a base cristã para a ética.

É toda e qualquer relação humana resultante de atitudes concordantes e afetos positivos (solicitude, cuidado, piedade etc.).
O termo se assemelha às noções de afeição e amizade.
Filia

Nesse sentido, é possível afirmar que a dimensão do amor se dá 1) por escolha (é seletivo) e 2) por concordância ou, se preferir, por
concórdia, o que implica abrir mão de juízos valorativos condenatórios.
Amor nessa dimensão não se identifica com a base cristã para a ética.

É toda e qualquer relação humana resultante da ação de Deus e que se estende a todo “próximo”. Ágape se caracteriza pela
aceitação mútua. Nesse sentido, é possível falar que ágape é a disposição à igualdade verificada quando Deus, na criação,
Ágape

tornou o ser humano igual a Ele e quando, na redenção, Ele mesmo torna-se, em Cristo, ser humano a fim de resgatar nossa
dignidade pela compreensão e pelo perdão. Essa é a ação de Deus em nós e que se estende, por nós, a todo “próximo”. Nós
amamos porque Ele nos amou primeiro.
Amor nessa dimensão é a base cristã para a ética.
(14.9)
m oral religiosa cristã

Para os cristãos, os Dez Mandamentos, mais do que serem um manual de comportamento humano e social, apontam
uma sugestão de cumprimento de papéis ou funções para o bom exercício do amor (ágape), enquanto aceitação que
compreende e perdoa.
Costuma-se dividir os Dez Mandamentos em dois grupos: os mandamentos que se dirigem a Deus (amar a Deus) e
os que se dirigem ao próximo (amar o próximo). Respeitados os grupos que possuem uma divisão diferente, a tradição
cristã luterana identifica os mandamentos como indicado a seguir.

Amar a Deus

Eu sou o Senhor, teu Deus. Não terás outros deuses diante de mim. Confiar em Deus acima de todas as coisas.
Não tomarás em vão o nome do Senhor teu Deus, porque o Senhor não terá por inocente o que tomar o Seu nome em
vão. Em nome de Deus não amaldiçoar, jurar, praticar a feitiçaria, mentir ou enganar, mas invocá-Lo em todas as
necessidades, orar, louvar e agradecer.
Santificarás o dia do descanso. Não desprezar a pregação e a palavra de Deus, mas considerá-la santa, gostar de ouvi-
la e estudar.

Amar o próximo

Honrarás a teu pai e a tua mãe, para que te vás bem e vivas muito tempo sobre a terra. Não desprezar nem irritar pais
e superiores, mas honrá-los, servi-los, obedecer-lhes, amá-los e querer-lhes bem.
Não matarás. Não causar dano ou mal algum ao corpo do próximo, mas ajudá-lo e favorecê-lo em todas as
necessidades corporais.
Não cometerás adultério. Viver vida casta e decente em palavras e ações, cada um amando e honrando seu/sua
parceiro/parceira.
Não furtarás. Não tirar do próximo o seu dinheiro ou bens nem apoderar-se deles por meio de mercadorias
falsificadas ou negócios fraudulentos, mas ajudá-lo a melhorar e conservar seus bens e seu meio de vida.
Não dirás falso testemunho contra o teu próximo. Não mentir com falsidade, trair, caluniar ou difamar o próximo,
mas desculpá-lo, falar bem dele e interpretar tudo da melhor maneira.
Não cobiçarás a casa do teu próximo. Não pretender adquirir, com astúcia, a herança ou a casa do próximo nem se
apoderar dela sob a aparência de direito, mas ajudar-lhe e servi-lo para conservá-la.
Não cobiçarás a mulher do teu próximo, nem os seus empregados, nem o seu gado, nem coisa alguma que lhe
pertença. Não apartar, desviar ou aliciar a mulher do próximo ou os seus empregados, mas aconselhá-los para que
fiquem e cumpram o seu dever.
(14.10)
é tica social cristã

Os cristãos estão cientes de que hoje a maioria dos cidadãos, dentro de suas liberdades individuais, não fazem parte do
cristianismo. Ainda assim, os cristãos entendem que seu modo de perceber o universo e o ser humano pode contribuir
para a instauração de relações sociais mais harmônicas e igualitárias.
A base cristã para essa percepção encontra-se no fato de todos os seres humanos serem filhos criados e amados por
Deus, em Cristo Jesus, e que podem viver vida digna e harmoniosa, com justiça, paz, solidariedade e perdão, dentro de
ordens adequadas ao grupo de convivência.
Emergem dessa intenção dois modos, convergentes, de aplicar-se a ética social cristã. Um incentiva o indivíduo a
amar o próximo como a si mesmo. Embora nem sempre se viva de acordo com essa regra, há uma concordância
generalizada de que fazê-lo é um dever. Outro modo regra as relações sociais e aponta para o princípio da
reciprocidade, incentivando o indivíduo a tratar os outros como gostaria de ser tratado.

Regras de ouro:
amar o próximo;
tratar os outros como gostaria de ser tratado.

( 15 )

é tica social cristã aplicada


Ronaldo Steffen

o cristão, aquele que age eticamente, não apenas manifesta sua preocupação com as pessoas e o universo, como
também não faz um ar de arrogante superioridade como se o resto, além dele, não existisse. Essa preocupação que
alimenta faz com que busque na ética social cristã formas de poder equilibrar as relações sociais de modo que o seu
próximo não perca a alegria de viver nem cause dano à existência dos outros.
O compromisso da ética cristã é com a vida, em sua plenitude. A seguir, apresentamos alguns apontamentos que,
de forma resumida e fugindo das informações exaustivamente tratadas pela mídia, escrita, falada e televisiva, por teses
e livros, procuram apontar a ação desejada pela ética social cristã.

(15.1)
a mor-próprio

Em tempos de grande valorização da auto-estima, auto-imagem, marketing pessoal, cuidado com o corpo e assim por
diante, é prudente tocar nesse tema, ainda que resumidamente.
Pode um cristão ter amor-próprio? Como ser criado e salvo por Deus, ele foi feito nova criatura e recebeu, de graça,
o favor de Deus. O ser humano é visto por Deus como santo, bom. O cristão sabe disso. Sabe que recebeu o amor de
Deus para amar o próximo. Nesse sentido, o cristão tem amor-próprio. É dele que emana o amor ao outro e a todas as
criaturas divinamente criadas.
As razões que não podem mover o amor-próprio do cristão são: um amor-próprio por causa de si mesmo, pois é
egoísmo; um amor-próprio por causa dos outros, pois é negação de si mesmo.
Com isso, coloca-se o problema do amor-próprio não no amor, mas na razão que o produz.

Amor-próprio:
não por causa de si;
não por causa dos outros;
por causa de Deus, sim.

(15.2)
r esponsabilidade social

A ética cristã estabelece que todo ser humano deve ser respeitado como pessoa (não se trata de coisa) e que toda
pessoa, amiga ou inimiga, é nosso próximo. Amar o próximo inclui necessariamente o cuidado com ele. Isso significa
não apenas proteger os inocentes, mas agir de modo proativo, com vistas ao bem-estar de todos. Cuidar do próximo
aqui também não significa apenas zelar pela sua espiritualidade, mas, sim e inclusive, pelas suas necessidades
materiais.
A ética cristã prescreve que, por amor, o cristão deve cuidar:
• de si mesmo – prover as necessidades básicas para sua própria existência e de forma moderada;
• de sua família – prover o necessário para a existência de crianças, idosos, dependentes e órfãos que vivem na sua
própria família ou nas famílias próximas;
• de seus irmãos crentes – é histórico que o cuidado material que um cristão tem com o outro é revelador do quanto
eles se amam;
• dos pobres – cuidar de seres humanos, criados à imagem e semelhança de Deus, desprovidos de recursos para
uma vida minimamente digna é abusar da própria divindade e de Sua natureza de amor;
• dos escravos e dos oprimidos – promover e participar de movimentos que buscam erradicar toda e qualquer forma
de escravidão e opressão é tarefa cristã nobre e divina, assim como o sacerdócio;
• dos governantes – por entender que os governantes são, por assim dizer, o braço direito de Deus que estabelece a
ordem e a paz no mundo, compete ao cristão prestar o devido respeito a toda autoridade e não fugir de sua
responsabilidade de pagar os impostos adequadamente, pois é com eles que os governantes podem oferecer
vida digna a todos os cidadãos por meio de saúde, educação e segurança, entre outros fatores.

Cuidar do próximo não pode perder a dimensão


nem do físico, nem do espiritual.

(15.3)
b ioética

Como qualquer outra classe profissional, a classe médica também tem como compromisso primordial a vida. Para isso,
mais do que nunca há um aprimoramento nas pesquisas médicas, concentrando-se em especial na área da genética. O
cristianismo não se opõe de forma alguma às pesquisas que respeitam a vida humana e que desenvolvem práticas de
defesa da vida e estudos que visam evitar a evolução de doenças, bem como propiciar melhorias físicas e mentais aos
seres humanos.
Duas situações complexas:

• A manipulação genética de plantas e animais – Parece-nos que isso já é feito numa escala muito maior do que
possamos imaginar. A alegação da melhora das espécies tem tido como fundamento, de forma geral, razões
de ordem econômica. É verdade que os resultados dessas manipulações ainda não são exatamente conhecidos
pela população como um todo, embora se fale em melhora das espécies geneticamente modificadas.
• A manipulação de seres humanos – O uso do princípio de manipulação genética poderá também ser utilizado
em seres humanos com vistas ao aperfeiçoamento genético. Os riscos são imprevisíveis, e as informações
nesse campo são contraditórias e quase nunca esclarecedoras.

Sim às pesquisas, desde que promovam a vida


e o bem-estar humano em todas as suas dimensões.
(15.4)
c asamento

A ética cristã entende que o objetivo básico do casamento é criar as condições para vivermos a plenitude da vida e
ajudarmos uns aos outros. Em vista disso, a família é considerada o centro da vida, escola de aprendizado das virtudes
cristãs e espaço de construção de um ser humano que dignifica Seu criador.
Alguns atributos importantes do casamento são: é indissolúvel e vitalício (exceção se faz no caso de adultério), além
de monogâmico. A fidelidade mútua é preceito que os casais cristãos buscam cumprir por amor.
O amor no casamento revela-se de muitas formas: proteção, cuidado, compreensão, perdão, respeito ao outro e a
sua história, atividade sexual, afetividade, amizade, companheirismo, confiança, entre outras. Acrescentemos uma
observação: no casamento não há espaço para o ciúme. Ele não apenas inibe, mas destrói o amor.
Aqui, como em outros casos, é preciso compreensão por parte do cristão com todos os que, por diversas razões, não
conseguem desenvolver as virtudes cristãs do casamento nem conseguem até mesmo manter seu casamento e se
separam, buscando em uma segunda união a possibilidade de uma vida melhor.
Na temática do casamento, há uma controvérsia candente: a da união de homossexuais. O cristianismo entende que
a família formada pelo casamento é entre um homem e uma mulher. Aqui, também é preciso buscar a compreensão de
que nem todos são cristãos e as pessoas agem movidas por razões diferentes. Ao Estado compete regular essas relações
na medida em que percebe que é preciso tirar da ilegalidade tais relações e dar-lhes o caráter de legalidade.

Para refletir:
O ciúme inibe e destrói o amor.

(15.5)
c ontrole da natalidade

A fim de não causar nenhum mal-estar, é preciso fazer um registro: o tema do controle da natalidade dirige-se aos
casados, uma vez que aos solteiros, ainda que em tempos de liberalidade sexual, a ética cristã prescreve a castidade.
Os casados possuem plena liberdade de escolha do método que irão utilizar para o controle da natalidade: controle
dos dias férteis da mulher, uso de preservativo, diafragma, espermicida vaginal, pílula anticoncepcional a conselho
médico, vasectomia, laqueadura. Para o cristão, não se admite como forma de controle da natalidade a abstinência
sexual. Uma advertência se faz com relação ao dispositivo intra-uterino (DIU): ele age contraceptivamente, ou seja,
quando já ocorreu a concepção.
Como nossa sociedade é plural e parte dela não segue os princípios cristãos, é necessário haver regulamentações
para se evitarem os excessos. Assim, entendemos que as pessoas precisam não apenas de informações capazes de as
orientar, mas também de mecanismos capazes de lhes permitir uma vida minimamente sadia, física e mental. Para as
pessoas, solteiras ou casadas, que mantêm relações sexuais casuais ou com constante troca de parceiros é recomendável
o uso de mecanismos de controle da natalidade.
Para cristãos casados: controle da natalidade.
Para cristãos solteiros: castidade.

(15.6)
i nseminação

Não há muito o que discutirmos em relação a esse tema se considerarmos a inseminação in vitro e a fecundação obtida
com óvulo e esperma do casal (inseminação homóloga). As dificuldades no tema se acentuam, no entanto, quando
levamos em conta a inseminação heteróloga, ou seja, que é realizada com óvulos ou espermas de pessoas que não são
parceiros.
No mesmo patamar de discussão está a manipulação de óvulo fecundado para ser recebido por uma mãe-de-
aluguel, aquela que se prontifica a abrigar em seu útero o feto de outros pais.

O cristão evitará inseminação heteróloga


e o uso de mãe-de-aluguel.

(15.7)
a borto

O tema tem, recorrentemente, voltado à discussão. Para o cristão, está claro que o aborto é homicídio e por uma única
razão: a vida começa na concepção. Há, porém, outros que assumem outras perspectivas em que se aceita o aborto,
alegando a vergonha social de ser mãe solteira e vítima de estupro, ameaça ao equilíbrio econômico da família,
possibilidade de o feto ter anomalias ou razões semelhantes. Para essas pessoas, pensamos que devam existir leis que
regulem o restabelecimento de ações sociais equilibradas, especialmente em razão da prática de aborto clandestino.
Na relação com aqueles que são favoráveis ao aborto, é importante registrar que o cristão deve respeitar a decisão
pessoal do outro e ajudá-lo a viver da melhor forma possível.

Mesmo não concordando com o aborto, o cristão


irá esmerar-se no cuidado daqueles que o praticam.
(15.8)
e utanásia

O termo significa “boa morte”, “morte serena”, isto é, abreviar serenamente a vida de quem sofre doença incurável.
Alguns países já tratam legalmente do tema. Na Holanda, a legislação aderiu à eutanásia por solicitação de um
paciente. Na Inglaterra, a justiça já permitiu o pedido de eutanásia de uma pessoa tetraplégica. Nos Estados Unidos, o
chamado “Dr. Morte” (auxiliava os doentes, por meio de uma máquina, a auto-administrarem uma dose letal) cumpriu
pena de prisão pelo uso da máquina da morte. No Brasil, a discussão existe, mas não há lei que regule o assunto.
A ética cristã é contra a eutanásia pela simples razão de que a vida pertence ao seu criador, Deus.
O tema, no entanto, é complexo. Estaria enquadrada como eutanásia a suspensão de medicamentos, de alimentação
ou de aparelhos para sustentar de forma artificial uma vida aparentemente sem meios de voltar à normalidade?
Prolongar artificialmente uma vida não seria impedir que o curso dado por Deus àquela pessoa siga seu termo?
Aqui, mais uma vez, cabe ao cristão evitar o juízo condenatório, mesmo não concordando com a prática da
eutanásia.

Para refletir:
Tão importante quanto viver bem é morrer bem!

(15.9)
p ena de morte

Embora já adotada em outros países, a pena de morte é tema que volta sempre à tona entre nós, especialmente em
tempos de extrema violência. Há dois grupos que discutem o tema: os chamados legalistas, que exigem a pena de morte,
e os pacifistas, que defendem outros mecanismos como forma de penalizar criminosos.
Tanto um grupo quanto o outro se esmeram em buscar razões capazes de justificar suas opções. Quanto ao cristão,
entretanto, que se aplica ao exercício da ética cristã, sua posição é contrária por entender que Deus é o Senhor da vida e
da morte, que mesmo criminosos são alvos do amor de Deus e merecem ser vistos como “o nosso próximo” e, ainda,
que por eles devemos zelar.

O espírito de vingança (“olho por olho e dente


por dente”) não cabe nos princípios da ética cristã.
(15.10)
e cologia

O reino de Deus inclui todas as suas criaturas, inclusive o cosmos. O universo é criatura divina e compete ao filho de
Deus conservá-lo. Buscar a preservação do universo é manifestação do amor, como princípio ético. A conservação só
será possível com mudanças de rumo do ser humano. Deixar de lado a cobiça e o egoísmo é imprescindível.
O cristão concentra sua luta ecológica no controle da maldade humana: o grande destruidor da harmonia cósmica.
A ética cristã não leva o cristão a ser contra o uso da natureza, e sim contra o abuso que a maldade humana promove
contra a natureza e, por conseqüência, contra toda a humanidade e o universo, criaturas divinas.

Usar a natureza, sim!


Abusar da natureza, não!
r eferências numéricas

1 GAARDER; HELLERN;
NOTAKER, 2000, p. 77.
2 SMITH, 1991, p. 156.
3 Id.
4 STEFFEN, 2000, p. 48.
5 SMITH, 1991.
6 Id.
7 Id.
8 Id.
9 Id.
10 Id.
11 LIPPMANN, 1947.
12 SMITH, op. cit.
13 Id.
14 Id.
15 STEFFEN, 2000, p. 50.
16 SMITH, op. cit., p. 193.
17 Id.
18 Ibid., p. 194.
19 Id.
20 Id.
21 Ibid., p. 210.
22 JORNAL ZERO HORA, 2004.
23 HEIMANN, 2000, p. 30.
24 SEIBERT, 2002.
25 GAARDER; HELLERN;
NOTAKER, 2000.
26 TOURNIER, 1985.
27 REVISTA VEJA, 2002.
28 COLLINS, 1995, p. 100-101.
29 TOURNIER, 1985, p. 200.
30 Ibid., p. 200-201.
31 Ibid., p. 201.
32 Ibid., p. 202.
33 JORNAL ZERO HORA, 1999.
34 TOURNIER, op. cit., p. 212-213.
35 Ibid., p. 214.
36 Ibid., p. 215.
37 TARANTINO, 2003.
38 TOURNIER, op. cit., p. 200.
39 Ibid., p. 215.
40 HORTA et al., 2007.
41 JORNAL ZERO HORA, 2000.
42 REVISTA VEJA, 1999.
43 HORTA et al., 2007.
44 WEGNER, 2004, p. 126.
45 ZIMPEL, 2004, p. 79.
46 ANDRADE, 2004, p. 55.
47 Ibid., p. 56-57.
48 REVISTA ÉPOCA, 2003.
r eferências

ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.


ANDERSON, N. The world´s religion. Michigan: American Publication, 1975.
ANDRADE, N. S. de. Espíritos e obsessão conforme a doutrina espírita codificada por Allan Kardec. In: WULFHORST, I. (Org.). Espiritualismo/espiritismo: desafios para a Igreja na América
Latina. São Leopoldo: Sinodal; Genebra: Federação Luterana Mundial, 2004. p. 55-58.
BACH, J. M. Consciência e identidade moral. Petrópolis: Vozes, 1985.
BECK, N. (Coord.). As origens da Universidade Luterana do Brasil. Canoas: Ed. da Ulbra, 1994.
BECK, N. Igreja, sociedade & educação – estudos em torno de Lutero. Porto Alegre: Concórdia Editora Ltda., 1988.
BUDISMO. Disponível em: <http://www.rigdjed.hpg.ig.com.br>. Acesso em: 15 maio 2002.
BUONARROTI, M. O Juízo Final. 1536-1541. 1 afresco: color.; 1370 x 1220 cm. Capela Sistina, Vaticano, 1536-1541. Disponível em:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Ju%C3%ADzo_Final_(Michelangelo)>. Acesso em: 25 jun. 2007.
CINTRA, R. Candomblé e umbanda: o desafio brasileiro. São Paulo: Paulinas, 1985.
CLARET, M. (Coord.). O pensamento vivo de Buda. São Paulo: Martin Claret Editores, 1985.
COLLINS, G. R. Aconselhamento cristão. São Paulo: Vida Nova, 1995.
CONFUCIONISMO. Disponível em: <http://www.encarta.msn.com>. Acesso em: 20 maio 2005.
CORRÊA, N. O batuque no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 1992.
DREHER, M. N. Lutero, teólogo para a universidade. In: Fórum Ulbra de Teologia. Canoas: Ed. da Ulbra, 2004. v. 1.
EL GRECO. Pentecostes. 1596–1600. 1 óleo sobre tela: color.; 275 x 127 cm. Museo del Prado, Madrid, disponível em: <http://www.fotos.org/galeria/showphoto.php/photo/13095>. Acesso em:
25 jun. 2007.
ENCICLOPÉDIA ABRIL. São Paulo: As grandes religiões, 1973. 5 v.
FORELL, G. W. Ética da decisão. 3. ed. São Leopoldo: Sinodal, 1983.
FREITAS, B. et al. Cultura umbandística. São Paulo: Ícone, 1994.
GAARDER, J.; HELLERN, V.; NOTAKER, H. O livro das religiões. São Paulo. Companhia das Letras, 2000.
GALVÃO, A. M. Ética cristã e compromisso político. São Paulo: AM Edições, 1996.
GUIMARÃES, E. R.; LIMA, A. S. M. de. Universidade de umbanda. 2. ed. Rio de Janeiro: Erca, 1992.
HAMIDULLAH, M. Introdução ao islam. Rio de Janeiro: Sociedade Beneficente Muçulmana, [s. d.].
HEIMANN, L. Diferencial teológico na Ulbra Confessional. In: Ulbra – Universidade Confessional. Canoas: Ed. da Ulbra, 2000.
HEIMANN, T. Cultura religiosa. Polígrafo não publicado, [s.d.].
HERTZBERG, A. Judaism. New York: George Braziller, 1962.
HOFFMANN, M. L. Cultura religiosa. Polígrafo não publicado, [s.d.].
HOLL, K. The Reconstruction of Morality. Minneapolis: Augsburg Publishing House, 1979.
HONER, S. M.; HUNT, T. C. Invitation to Philosophy. California: Wadsworth Publishing Company, 1973.
HORTA, C. L. et al. A religiosidade e suas interfaces com a medicina, a psicologia e a educação. Psiquiatria na prática médica, Pelotas. Disponível em:
<http://www.unifesp.br/dpsiq/polbr/ppm/especial07.htm>. Acesso em: 02 jun. 2007.
JAHSMANN, A. H. Filosofia luterana da educação. Porto Alegre: Concórdia, 1987.
JAMES, E. O. Historia de Las Religiones. Madrid: Alianza Editorial, 1990.
JORNAL ZERO HORA. Porto Alegre, Caderno Donna, 12 set. 1999.
_____. Porto Alegre, Caderno Vida, 16 dez. 2000.
_____. Porto Alegre, 11 abr. 2004.
KARDEC, A. Fundamentos do espiritismo. São Paulo: Atheneu Cultura, 1994.
KONRAD, O. M. Apostila de Cultura Religiosa. Polígrafo não publicado, [s.d.].
KUCHENBECKER, V. (Coord.). O homem e o Sagrado. 5. ed. Canoas: Ed. da Ulbra, 1998.
KUHN, A. Caderno Universitário – Cultura Religiosa. Polígrafo não publicado, 2003.
LIPPMANN, W. The Public Philosophy. New Haven: Yale University Press, 1947.
LUCCHESI, M. (Coord.). Caminhos do islã. Rio de Janeiro: Record, 2002.
LUIZETTO, F. Reformas religiosas. São Paulo: Contexto, 1989.
MAUCH, C.; VASCONCELOS, N. Os alemães no Sul do Brasil: cultura, etnicidade e história. Canoas: Ed. da Ulbra, 1994.
MELO, I. As muitas formas de entender Jesus. Jornal Zero Hora, Porto Alegre, 11 abr. 2004.
O BOM pastor. [4--]. 1 mosaico: color. Mausoléu de Gala Placídia, Ravena, disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Arte_paleocrist%C3%A3>. Acesso em: 25 jun. 2007.
OROPEZ, B. J. 99 perguntas sobre anjos, demônios e batalha espiritual. São Paulo: Mundo Cristão, 2000.
OSHIMA, H. O pensamento japonês. São Paulo: Escuta, 1991.
PIAZZA, W. O. Religiões da humanidade. 3. ed. São Paulo: Edições Loyola, 1996.
PURTILL, R. L. Thinking about ethics. New Jersey: Prentice-Hall, 1976.
RENOV, L. Hinduism. New York: George Braziller, 1962.
REVISTA ÉPOCA. São Paulo: Globo, 28 abr. 2003.
REVISTA ISTO É. São Paulo: Três Editorial, 1º out. 2003.
REVISTA VEJA. São Paulo: Abril, 08 dez. 1999.
_____. São Paulo: Abril, n. 30, 31 jul. 2002.
ROHMANN, C. O livro das idéias. 4. ed. Rio de Janeiro: Campus, 2000.
RUDNICK, M. L. Ética cristã para hoje. 2. ed. Rio de Janeiro: Juerp, 1991.
SANZIO, R. Papa Leão X com os cardeais Júlio de Medici e Luigi de Rossi. 1518-1519. 1 óleo sobre madeira: color.; 154 x 119 cm. Galleria degli Uffizi, Florença, detalhe. Disponível em:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Papa_Le%C3%A3o_X>. Acesso em: 25 jun. 2007.
SHOJI, R. Uma perspectiva analítica para os convertidos ao budismo japonês no Brasil. Disponível em: <http://www.pucsp.br/rever/>. Acesso em: 15 jul. 2002.
SIAT, J. Religiões monoteístas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.
SILVA, P. W. da. Ética cristã. Rio de Janeiro: Junta de Educação Religiosa e Publicações, 1987.
SILVA, W. W. da M. E. Umbanda: sua eterna doutrina. São Paulo: Ícone, 1998.
SJLENDER, V. Caderno Universitário – Cultura Religiosa. Polígrafo não publicado, [s.d.].
SMITH, H. As religiões do mundo. São Paulo: Cultrix, 1991.
SNELLING, J. The Buddhist Handbook. Rochester: Inner Traditions, 1991.
STEYER, W. O. Os imigrantes alemães no Rio Grande do Sul e o luteranismo. Porto Alegre: Singulart, 1999.
STRECK, D. R. (Org.). Educação e Igrejas no Brasil. São Leopoldo: IEPG, 1995.
TARANTINO, M. Perdoar é humano. Revista Isto É, São Paulo, 08 jan. 2003.
THE ENCYCLOPEDIA OF EASTERN PHILOSOPHY AND RELIGION. Boston: Shambhala, 1994.
TOURNIER, P. Culpa e graça: uma análise do sentimento de culpa e o ensino do evangelho. São Paulo: ABU, 1985.
UMBANDA. Disponível em: <http://www.formigaonline.com.br/>. Acesso em: 31 ago. 2004.
______. Disponível em: <http://www.umbandaracional.com.br/>. Acesso em: 31 ago. 2004.
VALEA, E. A Comparative Analysis of the Major World Religions from a Christian Perspective. Disponível em: <http://www.comparativereligion.com/>. Acesso em: 24 mar. 2004.
VELASCO, J. M. Introducción a la Fenomenologia de la Religión. 5. ed. Madrid: Ediciones Cristiandad, 1993.
ZAEHNER, R. C. El Cristianismo y las Grandes Religiones de Ásia. Barcelona: Editorial Herder, 1967.
WALKER, W. História da Igreja Cristã. São Paulo: Aste, 1967. 2 v.
WARTH, C. H. Crônicas da Igreja. Porto Alegre: Concórdia, 1979.
WARTH, M. C. A ética de cada dia. Canoas: Ed. da Ulbra, 2002.
WEGNER, U. Demônios, maus espíritos e a prática exorcista de Jesus segundo os Evangelhos. In: WULFHORST, I. (Org.). Espiritualismo/espiritismo: desafios para a Igreja na América
Latina. São Leopoldo: Sinodal; Genebra: Federação Luterana Mundial, 2004.
WIDENGREN, G. Fenomenologia de la Religión. Madrid: Ediciones Cristiandad, 1976.
WINTER, G. Social Ethics. New York: Harper & Row Publishers, 1968.
ZIMPEL, R. Fenômenos espirituais: a visão da psiquiatria. In: WULFHORST, I. (Org.). Espiritualismo/espiritismo: desafios para a Igreja na América Latina. São Leopoldo: Sinodal; Genebra:
Federação Luterana Mundial, 2004.

Você também pode gostar