Você está na página 1de 13

Emergência do

cognitivismo:
principais conceitos
Tatiana Lima de Almeida

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

> Conceituar cognição e cognitivismo.


> Descrever as origens da psicologia cognitiva.
> Identificar as contribuições da psicologia cognitiva para a ciência da psi-
cologia.

Introdução
Neste capítulo, vamos abordar o conceito de cognição e o seu desenvolvimento
a partir de estudos na psicologia e em outras áreas de conhecimento, como a
computação e a neuropsicologia. Para isso, apresentaremos um breve relato da
psicologia cognitiva como ciência, enfatizando tanto os processos históricos quanto
os sistemas teóricos do conhecimento que a embasaram. Também falaremos sobre
o cognitivismo como área de conhecimento e analisaremos a sua relação com a
psicologia cognitiva. O objetivo é identificar e relacionar os pressupostos teóricos
a respeito da cognição com a prática profissional, ampliando a sua percepção
sobre aspectos relacionados à abordagem cognitivista.
14 Emergência do cognitivismo: principais conceitos

Cognição humana
O termo “cognição” é oriundo da palavra cognitione, já utilizada na antiga
Grécia por Platão e Aristóteles. Contudo, o seu estudo só foi aprofundado
muitos séculos depois, sobretudo no século XX, marcado pelo avanço da
ciência e da tecnologia. De fato, não é de se estranhar que a busca pela
compreensão da inteligência humana resultasse em avanços significativos,
principalmente na segunda metade desse período.
Assim como o conceito de inteligência, o termo cognição não tem uma
única definição, pois diferentes teorias versam sobre o seu funcionamento. Em
todas as áreas, porém, há o consenso de que a cognição trata a respeito do
ato ou processo de conhecimento, ou, ainda, o conhecimento obtido a partir
dele (FONSECA, 2015). Para Fonseca (2015, p. 25), o termo cognição engloba
um sistema complexo, que compreende:

[...] processos e produtos mentais superiores (conhecimento, consciência, inteli-


gência, pensamento, imaginação, criatividade, produção de planos e estratégias,
resolução de problemas, inferência, conceituação simbolização etc.), por meio dos
quais percebemos, concebemos e transformamos o envolvimento.

O conceito de cognição, portanto, remete-nos aos processos cognitivos


que são desenvolvidos desde a mais tenra infância até o envelhecimento.
Assim, envolve funções mentais que abrangem aquisição, armazenamento,
retenção e uso do conhecimento, e engloba, entre outros, os fundamentos
da atenção, da percepção, da memória, do raciocínio e da aprendizagem.
O psicólogo alemão Michael W. Eysenck passou décadas pesquisando e
escrevendo a respeito da inteligência. Uma das suas maiores contribuições
foi o Manual de psicologia cognitiva, escrito em parceria com o também
psicólogo Mark T. Keane, no qual descrevem a cognição como “[...] processos
internos envolvidos em extrair sentido do ambiente e decidir que ação deve
ser apropriada. Esses processos incluem atenção, percepção, aprendizagem,
memória, linguagem, resolução de problemas, raciocínio e pensamento”
(EYSENCK; KEANE, 2017, p. 1).
Para os autores, o estudo da cognição humana está dividido em quatro
abordagens principais:

1. a ciência cognitiva computacional;


2. a neurociência cognitiva;
3. a neuropsicologia cognitiva;
4. a psicologia cognitiva.
Emergência do cognitivismo: principais conceitos 15

Vemos, portanto que, de forma geral, a cognição consiste na forma como o


cérebro recebe e decodifica a informação, passando por percepção, aprendi-
zado, memória e pensamento. O recebimento das informações é captado pelos
sentidos e estas, então, são enviadas ao cérebro. Nesse momento, a cognição
processa as informações sentidas em percepção. Assim, o conhecimento que
é adquirido pelos sentidos e pela observação advém da experiência vivida.
Essa experiência será captada e reconhecida pela mente. Em seguida, ocorrem
a organização e a compreensão desse conjunto de informações, de maneira
que o raciocínio possa fazer uso desse conteúdo para julgar os processos
necessários às resoluções de problemas.

O cérebro é o órgão-chave da cognição, pois tem a capacidade de


captar e armazenar uma quantidade infinita de informação. De ime-
diato (quase instantaneamente), pode manipular as informações recebidas, não
só em relação ao passado, mas também em relação ao futuro, adequando-as a
situações inéditas e imprevisíveis (FONSECA, 2015).

Em resumo, o conceito de cognição remete ao processo de conhecimento,


contemplando a forma como o cérebro recebe e decodifica as informações
do ambiente. Assim, falar de cognição envolve falar sobre percepção, pen-
samento, memória, aprendizagem, raciocínio, entre outros conceitos caros
para o cognitivismo e a psicologia cognitiva.
Na sequência, vamos abordar o estudo desses processos, o cognitivismo.

Cognitivismo
O cognitivismo engloba uma área de conhecimento cujo objetivo é o estudo da
consciência e da mente. Surgiu como resposta às abordagens psicanalíticas e
behavioristas, com base em disciplinas como engenharia, linguística, filosofia
da ciência, matemática e neuropsicologia (CASTAÑON, 2007).
Para a psicologia, o cognitivismo busca compreender a forma como as
pessoas pensam e defende a ideia de que o pensamento não é um comporta-
mento. Dessa forma, o cognitivismo investiga a mente e as suas funções, como
os seus processos estão intimamente ligados ao comportamento humano.
16 Emergência do cognitivismo: principais conceitos

Um dos pioneiros em estudos cognitivistas foi Jean William F. Piaget, bió-


logo suíço que buscava respostas para a questão “Como o homem constrói
o conhecimento?”. O seu interesse pela inteligência levou-o a desenvolver
um método próprio de pesquisa, que incluía técnicas de observação do
comportamento espontâneo e do comportamento provocado em situações
experimentais, junto com diálogos e entrevistas com crianças (FERRACIOLI,
1999).
Piaget considerava o desenvolvimento mental um processo contínuo de
construção de estruturas mentais que ocorre entre a experiência interna e a
experiência com o meio, resultando na construção do conhecimento. Nesse
sentido, os seus estudos consideraram a inteligência como resultado de
uma adaptação biológica, na qual o organismo procura o equilíbrio entre
assimilação e acomodação para organizar o pensamento.

É comum muitas pessoas atribuírem a Piaget a origem do cons-


trutivismo. Contudo, os seus trabalhos não tinham esse objetivo.
Uma das pioneiras em estudos construtivistas foi Emilia Beatriz María Ferreiro
Schavi, psicóloga argentina, aluna de Piaget, que se dedicou a propostas em
alfabetização com base nas ideias cognitivistas.

Para Piaget, a equilibração é fundamental nos processos ativos de com-


pensação e de autorregulação. Segundo Ferracioli (1999), a busca pelo equi-
líbrio ocorre pela adaptação dos esquemas existente no mundo exterior.
A adaptação como processo ocorre pela assimilação e pela acomodação. A
assimilação é a internalização de informações do meio exterior à estrutura
cognitiva, enquanto a acomodação é a adequação das estruturas cognitivas
às informações assimiladas. Assim, entende-se que o pensamento se origina
na ação e, para saber qual é a gênese da inteligência, é preciso observar a
experiência do sujeito com o objeto e a lógica do seu pensamento na cons-
trução dos seus esquemas conceituais.
Como vimos nesta seção, os conceitos de cognição e cognitivismo têm
pontos em comum, mas abordam o tema de formas diferentes. Cognição se
refere ao processo de como se dá o conhecimento, envolvendo aprendizagem,
memória, percepção, entre outros. Ou seja, a cognição é o processo em si,
enquanto o cognitivismo diz respeito ao estudo desses processos, à inves-
tigação e à preocupação com a gênese do conhecimento na humanidade.
Emergência do cognitivismo: principais conceitos 17

Na próxima seção, estudaremos sobre a psicologia cognitiva e as suas


origens.

A psicologia cognitiva e as suas origens


Em latim, o termo cognoscere significa “conhecer” e tem como pressuposto
a busca pelo conhecimento a partir do pensamento e dos processos de
resolução de problemas fundamentada na psicologia cognitiva. Assim, são
objetos de estudo da psicologia a percepção, a atenção, a memória, a lingua-
gem, a tomada de decisão, as representações mentais e os demais processos
mentais básicos.
Muito antes de a psicologia cognitiva surgir como área de conhecimento,
o alemão Wilhelm M. Wundt, considerado o “pai da psicologia”, propunha
a técnica da introspecção, sugerindo uma análise da estrutura da mente.
Para o psicólogo, as estruturas da mente funcionariam de maneira dinâmica.
Wundt foi fortemente questionado por outros psicólogos, que priorizavam
a observação do comportamento por entenderem que a introspecção não
seria uma técnica replicável.

Wilhelm Maximilian Wundt (1832–1920), filósofo, médico e psicólogo,


atuou como professor de fisiologia e filosofia na Universidade de
Heidelberg e na Universidade de Leipzig, na Alemanha, onde trabalhou por 45
anos e criou o primeiro laboratório de psicologia experimental. Desenvolveu
pesquisas sobre a capacidade da mente em se organizar, dando origem ao
movimento chamado de estruturalismo.

Ainda no final do século XIX, o psicólogo americano William James descreveu


estudos sobre atenção e memória que fundamentaram, posteriormente, os
conceitos de memória de curto prazo e memória de longo prazo. Em 1890,
após 12 anos de elaboração, publicou a imensa obra Princípios de psicologia,
que pela primeira vez apresentava a psicologia como matéria independente
e a sua relação com a fisiologia.
No século XX, entre os anos 1950 e 1970, a busca pela compreensão do
comportamento humano abriu um campo de estudo para a psicologia cognitiva
que se debruçou sobre a investigação dos processos mentais. Avram Noam
Chomsky (linguista) e George A. Miller (psicólogo), ambos norte-americanos,
18 Emergência do cognitivismo: principais conceitos

dedicaram inúmeras pesquisas ao conhecimento da formação da linguagem,


revelando falhas no processo de compreensão desta. Os resultados permi-
tiram estudos acerca da aquisição e do desenvolvimento da linguagem, bem
como abriram espaço para estudos em psicolinguística e, posteriormente,
em neurolinguística (ANDERSON, 2004).

A psicolinguística estuda a organização da linguagem e as suas regu-


laridades universais, trazendo importantes contribuições à psicologia
cognitiva (BEST, 1992).

Em 1956, Jerome S. Bruner, psicólogo norte-americano, tomou a frente da


chamada “Revolução cognitiva”, quando realizou encontros com a psicóloga
cognitiva Jacqueline J. Goodnow e George A. Austin que culminaram na pu-
blicação da obra Um estudo de pensamento, um relato pioneiro de como os
seres humanos alcançam uma medida de racionalidade apesar das restrições
impostas pelo viés, pela atenção limitada e pela memória. No mesmo ano, foi
fundada a inteligência artificial, ou seja, a utilização da analogia da máquina
para entender o funcionamento da cognição. De fato, o ano da sua criação
passou a ser apontado como o marco do nascimento da psicologia cognitiva.
Muitas publicações tratavam do tema, mas o primeiro livro foi publicado
apenas em 1967, por Ulrich G. Neisser.
Ao publicar Cognitive psychology em 1967, Neisser, um psicólogo alemão
naturalizado norte-americano, passou a ser considerado o “pai da psicologia
cognitiva”, contribuindo com a perspectiva da teoria do processamento da
informação. Para ele, a psicologia cognitiva é aquela que aborda todos os
processos pelos quais um input (entrada) sensorial é decodificado e utilizado
pela mente humana.
Eysenck e Keane (2017, p. 17) definem a psicologia cognitiva como:

[...] o objetivo de compreender a cognição humana por meio da observação do


comportamento das pessoas enquanto executam várias tarefas cognitivas [...] o
termo “psicologia cognitiva” pode ser utilizado de forma mais abrangente para
incluir a atividade e estrutura cerebral como informações relevantes para a com-
preensão da cognição humana.
Emergência do cognitivismo: principais conceitos 19

De forma complementar, Gazzaniga, Heatherton e Halpern (2018, p. 18)


afirmam que “A psicologia cognitiva está preocupada com as funções mentais,
como inteligência, pensamento, linguagem, memória e tomada de decisão.
A pesquisa cognitiva demonstrou que o modo de pensar influencia seus
comportamentos”.
Outro importante autor para essa discussão é Howard E. Gardner, cujas
contribuições para a psicologia cognitiva foram fundamentais. Para o psicólogo
cognitivo e educacional norte-americano, a psicologia cognitiva superou o fra-
casso do behaviorismo em compreender a mente. De acordo com o psicólogo,
a ciência cognitiva é “[...] um esforço contemporâneo, com fundamentação
empírica, para responder questões epistemológicas de longa data, princi-
palmente àquelas relativas à natureza do conhecimento, seus componentes,
suas origens, seu desenvolvimento e seu emprego” (GARDNER, 1996, p. 19).
Para Anderson (2004), a psicologia cognitiva é contemplada dentro da
ciência cognitiva, que, por sua vez, abrange saberes sobre inteligência arti-
ficial, fisiologia, antropologia, linguística e neurociência. Contudo, a ciência
cognitiva faz uso da modelagem computacional e do raciocínio lógico para a
compreensão da cognição humana.
A comparação dos processos mentais com o computador vem da ideia
de que o computador exerce um conjunto de atividades intelectuais, assim
como a cognição humana. Nesse sentido, Eysenck e Keane (2017) descrevem
quatro tipos de processamentos (Quadro 1). Por meio do entendimento desses
processamentos, é possível compreender como ocorrem os processos de
captação e interpretação (percepção) de um estímulo do ambiente.

Quadro 1. Tipos de processamento segundo Eysenck e Keane

Processamento Processamento diretamente afetado pela


produção do estímulo. Ocorre um processo por
bottom-up (de
vez.
baixo para cima)

Processamento no qual um processo é


Processamento serial completado antes de ser iniciado o seguinte.

Processamento Processamento do estímulo que é influenciado


por fatores como a experiência passada e as
top-down (de cima
expectativas do indivíduo.
para baixo)

Processamento segue a abordagem tradicional.


Processamento paralelo Ocorre mais de um processo ao mesmo tempo.

Fonte: Adaptado de Eysenck e Keane (2017).


20 Emergência do cognitivismo: principais conceitos

Diante do exposto, é fato que qualquer tipo de atividade humana requer


algum tipo de conhecimento, e a psicologia cognitiva se debruça sobre a
forma como esse conhecimento se estrutura e se manifesta.

Na psicologia cognitiva, a abordagem cognitiva computacional pro-


vém da ideia de processamento de informações, descrita na teoria
matemática computacional, em 1950, por Alan M. Turing, matemático britânico
que forneceu a base para a compreensão das funções mentais (programas) e
do cérebro (computador) (FONSECA, 2015). Ao surgir o primeiro computador da
empresa Princeton, passou-se a compreender que a “máquina” não funcionaria
sem dados inseridos e processos operacionais, permitindo uma analogia à
relação entre mente e cérebro.

A partir desse resgate histórico, vale destacar um dos maiores autores


da psicologia cognitiva, o psiquiatra norte-americano Aaron T. Beck, que
postulou o modelo cognitivo como referência para a compreensão dos pro-
cessos cognitivos do homem. As pesquisas de Beck referentes aos processos
psicológicos da depressão deram início ao modelo cognitivo, quando observou
que o transtorno em questão refletia uma tendência sistemática no modo
como os pacientes significavam as experiências pessoais (BECK et al., 1998).
Esse constructo será abordado em mais detalhes na próxima seção.

A psicologia e a psicologia cognitiva


Agora, vamos falar um pouco mais sobre a psicologia cognitiva e as suas
contribuições para a ciência psicológica. Para iniciar a discussão, destacamos
que, conforme é sabido, o ser humano atravessa diferentes dimensões no
seu processo de desenvolvimento. No que diz respeito ao desenvolvimento
cognitivo, articula a neurociência e a psicologia com ênfase no desenvolvi-
mento, incluindo as funções cognitivas e o funcionamento cerebral.
Sabendo disso, você entenderá de que forma a psicologia cognitiva con-
versa com diferentes áreas da psicologia, contribuindo para essa ciência e
a prática cotidiana, sobretudo no que concerne às psicologias clínica e da
aprendizagem e à cognição social, como veremos a seguir.
Emergência do cognitivismo: principais conceitos 21

Contribuições para a psicologia clínica


Como mencionamos, um dos grandes nomes da psicologia cognitiva foi Aaron T.
Beck (1921–2021), que desenvolveu e sistematizou o modelo de terapia cognitiva
como forma de questionamento à eficácia da psicanálise para o tratamento
dos transtornos mentais. Ele formulou uma psicoterapia estruturada, de curta
duração, voltada para o presente, buscando solucionar problemas atuais e
modificar pensamentos e comportamentos disfuncionais.
Nesse contexto, Beck propôs um modelo cognitivo, no qual os eventos
externos são interpretados de acordo com as crenças construídas ao longo
da vida, influenciando a maneira de pensar, sentir e agir do ser humano. Ou
seja, esse modelo considera que a forma de pensar e interpretar os fatos tem
relação direta com as emoções, os comportamentos e as reações fisiológi-
cas. Além do comportamento observável, Beck avançou para a ideia de que
a percepção que o sujeito tem de um acontecimento vai determinar a sua
interpretação e, por conseguinte, o que sente e como se comporta.

O foco da teoria cognitiva de Beck são os processos intrapsíquicos,


a forma como cada pessoa interpreta a vida, não o comportamento
observável. Essa é uma característica herdada da teoria psicanalítica, embora os
procedimentos terapêuticos sejam mais semelhantes à terapia comportamental
(KNAPP; BECK, 2008).

A Figura 1 retrata o modelo cognitivo de Beck.

Interpretação Comportamentos
Eventos externos Pensamentos Emoções
automáticos Reações fisiológicas

Figura 1. Modelo cognitivo de Beck.


22 Emergência do cognitivismo: principais conceitos

Veja que a base do modelo cognitivo de Beck está na relação recíproca


entre emoção, cognição, comportamento e pensamento. Os pensamentos
passam pela interpretação, que é influenciada por crenças centrais e crenças
subjacentes. Essas crenças são formadas desde a infância e na relação com
o meio cultural em que o indivíduo vive. Elas moldam a forma de avaliar e
significar os eventos externos e os pensamentos.
O modelo cognitivo considera o ser humano capaz de construir sentidos
diante dos já articulados externamente, tornando singular o mundo interno,
por ser resultado de uma construção pessoal. Dessa forma, o processo da
cognição vai além do que é apresentado ao indivíduo.
Nesse sentido, de acordo com Beck, a forma como as pessoas interpretam
e significam os fatos de certo contexto determina o que elas pensam, não a
situação por si só. Mais ainda, diante de novas situações, o processo de pen-
samento extrai padronizações observadas de cada acontecimento, de modo
que transforma similaridades percebidas em padrões gerais de interpretação.
Esses padrões constituem uma rede de significados na nossa estrutura
cognitiva, caracterizados como crenças ou esquemas pela terapia cognitiva,
de modo que englobam padrões indutores e orientadores da percepção e da
interpretação da experiência (BECK et al., 1998).

Contribuições para a psicologia da aprendizagem


O campo da teoria da aprendizagem fez uso dos pressupostos cognitivistas
para dar forma à uma abordagem chamada de construtivismo. A partir dos
escritos de Emilia Beatriz María Ferreiro Schavi, os estudos sobre a inteligência
realizados por Piaget se transformaram em uma abordagem que propõe a
construção do conhecimento pelo aprendente.
A psicologia cognitiva não desenvolve propriamente uma teoria da apren-
dizagem, mas os seus pressupostos oferecem base para os estudos dos
processos de aprendizagem, contribuindo para áreas da psicologia como
psicologia da educação, psicologia escolar, psicologia do desenvolvimento
e psicologia da aprendizagem.
Outra contribuição da psicologia cognitiva diz respeito ao embasamento
técnico para a melhor compreensão das dificuldades nos processos de apren-
dizagem. Lev S. Vygotsky contribui com conceitos fundamentais sobre a relação
dialética entre indivíduo e sociedade. Fundamentado na ideia de funções
mentais superiores, o psicólogo bielo-russo estabeleceu os conceitos de
mediação e de zona de desenvolvimento proximal, com destaque à linguagem
e à interdependência entre conceitos cotidianos e científicos.
Emergência do cognitivismo: principais conceitos 23

Essa gama de elementos da área da psicologia cognitiva dá sustentação à


análise do processo de ensino e aprendizagem. Por isso, o psicólogo escolar
é o profissional mais indicado para analisar, discutir e criticar as situações
apresentadas no cotidiano da instituição, bem como para apresentar e de-
senvolver, com todos os envolvidos na escola, mudanças significativas que
contribuirão para melhores desenvolvimento e desempenho acadêmico dos
alunos.

No Brasil, a visão cognitivista do desenvolvimento humano da apren-


dizagem, junto a outras contribuições, forneceu subsídios para a
formulação dos Parâmetros Curriculares Nacionais. Dessa forma, substitui-se
a perspectiva curricular centrada em objetivos por uma perspectiva em que as
categorias centrais são as habilidades e competências de cada sujeito.

Contribuições para a cognição social


Lev S. Vygotsky compreendia que o funcionamento psicológico tem base
biológica e apresenta funções psicológicas superiores, como pensamento,
raciocínio, planejamento, memória, atenção voluntária, etc. Partindo do ponto
de vista genético e da compreensão da evolução humana e do organismo,
pressupõe que as interações sociais propiciam o pensamento complexo
quando internalizadas.
Na visão de Rego (2003), é pela mediação que o indivíduo se relaciona com
o ambiente, pois, como sujeito do conhecimento, ele não tem acesso direto
aos objetos, apenas a sistemas simbólicos, que representam a realidade. É
por meio dos signos, da palavra e dos instrumentos que ocorre o contato com
a cultura. Nesse sentido, a linguagem é o principal mediador na formação e
no desenvolvimento das funções psicológicas superiores.
Essa percepção sobre a linguagem gera, no psiquismo, três grandes mu-
danças. Primeiramente, permite lidar com objetos externos não presentes. É
possível abstrair, analisar e generalizar características dos objetos, situações
e eventos. Ainda, é caracterizada pela função comunicativa, constituindo,
assim, o sistema de mediação simbólica que funciona como instrumento
de comunicação, planejamento e autorregulação. É justamente pela sua
função comunicativa que o indivíduo se apropria do mundo externo, pois
é pela comunicação estabelecida na interação que ocorrem “negociações”,
24 Emergência do cognitivismo: principais conceitos

reinterpretações das informações, dos conceitos e significados. Por fim, a


linguagem materializa e constitui as significações construídas no processo
social e histórico, formando, na consciência, as suas experiências, as suas
formas de sentir, pensar e agir.
Além da linguagem, a aprendizagem também está relacionada com o
desenvolvimento das funções psicológicas superiores, visto que o indivíduo
depende da aprendizagem para se desenvolver. Os processos de aprendizagem
e desenvolvimento se influenciam mutuamente; quanto mais aprendizagem,
mais desenvolvimento.
As repercussões da teoria sócio-histórica de Vygotsky ecoam na contempo-
raneidade, sobretudo na área das ciências humanas, no campo da educação,
porque a maioria das suas pesquisas eram focadas nos processos pedagógicos.

No site da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional


(ABRAPEE), você encontra informações atualizadas sobre a psicologia
da educação no Brasil e artigos da revista da ABRAPEE com as mais recentes
pesquisas na área.

Reuven Feuerstein, psicólogo romeno e seguidor de Vygotsky, afirma que:

[...] os processos cognitivos têm várias aplicabilidades. Por exemplo, eles ajudam
o ser humano a focar em uma tarefa específica, a organizar e sequenciar um
volume elevado de informações, a planejar e tomar decisões, o reconhecimento
de conflitos, a aceitação de dissonâncias, entre outras (FEUERSTEIN; FEUERSTEIN;
FALIK, 2014, p. 26-28).

Dessa forma, as novas demandas envolvem a habilidade de escolha, o


planejamento, a organização dos dados e a hierarquização. Assim como outros
processos, revelam as capacidades de adaptação e alteração da cognição.
Neste capítulo, estudamos o conceito de cognição e o que é o cogniti-
vismo. Além disso, fizemos um resgate histórico sobre a origem da psicologia
cognitiva, finalizando com as principais contribuições dessa ciência para a
psicologia. A psicologia cognitiva está ancorada em uma ideia que aproxima o
funcionamento da mente com o funcionamento de um computador, mostrando
uma lógica de funcionamento semelhante. Esses entendimentos trazem um
novo olhar para a psicologia, contribuindo largamente para o desenvolvimento
Emergência do cognitivismo: principais conceitos 25

da ciência psicológica, principalmente para o entendimento de processos


como a aprendizagem, a percepção, a linguagem, o pensamento, etc.

Referências
ANDERSON, J. R. Psicologia cognitiva e suas implicações experimentais. 5. ed. Rio de
Janeiro: LTC, 2004.
BECK, A. T. et al. Terapia cognitiva da depressão. Porto Alegre: Artmed, 1998.
BEST, J. B. Cognitive psychology. 3rd ed. St. Paul: West Publishing, 1992.
CASTAÑON, G. O que é cognitivismo: fundamentos filosóficos. São Paulo: E.P.U., 2007.
EYSENCK, M. W.; KEANE, M. T. Manual de psicologia cognitiva. 7. ed. Porto Alegre: Art-
med, 2017.
FERRACIOLI, L. Aprendizagem, desenvolvimento e conhecimento na obra de Jean Piaget:
uma análise do processo de ensino-aprendizagem em ciências. Revista Brasileira de
Estudos Pedagógicos, v. 80, n. 194, p. 5-18, 1999.
FEUERSTEIN, R.; FEUERSTEIN, R. S.; FALIK, L. H. Além da inteligência: aprendizagem
mediada e a capacidade de mudança do cérebro. Petrópolis: Vozes, 2014.
FONSECA, V. Cognição, neuropsicologia e aprendizagem: abordagem neuropsicológica
e psicopedagógica. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 2015.
GARDNER, H. A nova ciência da mente: uma história da revolução cognitiva. 2. ed. São
Paulo: Edusp, 1996.
GAZZANIGA, M.; HEATHERTON, T.; HALPERN, D. Ciência psicológica. 5. ed. Porto Alegre:
Artmed, 2018.
KNAPP, P.; BECK, A. T. Fundamentos, modelos conceituais, aplicações e pesquisa da
terapia cognitiva. Revista Brasileira de Psiquiatria, v. 30, p. s54-s64, 2008.
REGO, T. C. Vygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação. 17. ed. Petrópolis:
Vozes, 2003.

Leituras recomendadas
DAMÁSIO, A. R. E o cérebro criou o homem. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
FLAVELL, J. H. Metacognition and cognitive monitoring: a new area of cognitive-deve-
lopmental inquiry. American Psychologist, v. 34, n. 10, p. 906-911, 1979.
GAZZANIGA, M. S.; IVRY, R. B.; MANGUN, G. R. Neurociência cognitiva: a biologia da
mente. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2006.
VIGOTSKII, L. S.; LURIA, A. R.; LEONTIEV, A. N. Linguagem, desenvolvimento e aprendi-
zagem. 14. ed. São Paulo: Ícone, 2016.

Você também pode gostar