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Os Segredos das Catedrais -

Uma viagem pelos símbolos e ensinamentos esotéricos que transformam as igrejas góticas em templos
ecumênicos, nos quais o cristianismo convive ao lado de antigas tradições, como a Cabala e a alquimia
Parada obrigatória para milhares de ocultistas do mundo inteiro, as catedrais e castelos de estilo gótico
fascinam por sua grandiosidade e riqueza de detalhes. Diante de Chartres, Notre Dame de Paris, Amiens,
Colônia ou o Duomo de Milão, o olhar se eleva e acompanha as delgadas agulhas que apontam para o
infinito, como um lembrete místico do destino maior do homem. E, ao transpor o grandioso pórtico
central, a respiração fica suspensa. A impressão que se tem é a de estar num bosque petrificado: altas
colunas de mármore, encimadas por capitéis e arcos, sustentam o teto abobadado como se fossem
árvores gigantescas. A luz, filtrada por vitrais coloridos, envolve a nave numa atmosfera de tranqüilidade e
convida à reflexão. É impossível não lembrar a reverência com que os antigos druidas (sacerdotes celtas)
penetravam nas florestas, espaços sagrados que imaginavam povoados pelos espíritos da natureza. E,
apesar de questionável, também é tentador pensar que, ao se converter ao cristianismo, aqueles filhos do
druidismo tenham visto na arquitetura gótica um meio de recriar suas florestas sagradas.
Surgido no início do milênio, no norte da França, coincidentemente antigo território celta, o estilo
gótico rapidamente se espalhou pela Itália, Alemanha, Inglaterra, Espanha e Áustria, tornando-se o
produto arquitetônico mais autêntico da Idade Média. Para os ocultistas, desvendar seus mistérios
corresponde a uma iniciação nos ensinamentos mais sagrados das grandes tradições da humanidade. A
Cabala, a alquimia, a astrologia, os ensinamentos druídicos e os principais fundamentos da teologia cristã
encontram expressão nesses suntuosos livros de pedra, cuja leitura exige uma boa dose de conhecimento
esotérico e também uma apurada capacidade de enxergar além da realidade.
O mistério começa na própria origem das técnicas que permitiram sua construção. Até o surgimento
das catedrais góticas, as igrejas eram erguidas seguindo os princípios românicos cuja base está no alicerce
e todo o peso se apóia nas paredes, que, por isso, são muito largas. Ao transferir essa sustentação para as
abóbadas - portanto, para o teto -, o gótico inverteu a regra básica de construção da época. “Tal inversão
coincidiu com a volta dos primeiros templários da Terra Santa, o que permite estabelecer uma ligação
entre os fatos, principalmente se lembrarmos que esses nobres tiveram acesso a todo o conhecimento
reunido na biblioteca do rei Salomão. Além disso, eram iniciados nos mistérios gregos e egípcios, de onde
tiraram a noção da Divina Proporção", explica Victor Francis ou príncipe Asklepius D'Sparta, grão, mestre
da Ordem Civil e Militar dos Cavaleiros do Templo, em São Paul De acordo com ele, a Divina Proporção se
baseia no número 0,618, representado pela letra grega Pi. Está presente nas pirâmides egípcias, na escola
musical e nas catedrais góticas, particularmente em Chartres e Notre Dame de Paris, ambas na França,
que formam triângulos eqüiláteros (pitagóricos), cujas medidas são sempre proporcionais a 0,61 metro.
Difícil acreditar que esse jogo de formas seja casual, pois desde sua origem, a geometria sempre esteve
de mãos dadas com a magia, e muitos dos seus símbolos foram adotados para exprimir conceitos
esotéricos, como o triângulo, que, entre outras coisas, é um emblema da Trindade Cristã. Esse tipo de
associação com o sagrado transformou várias figuras geométricas em egrégoras (centros de energia) de
grande poder, capazes de agir sobre o inconsciente do homem, despertando-lhe a energia interior.
Outro efeito sutil - mas intencional - do estilo gótico é a sensação de êxtase que ele provoca. “Enquanto
as igrejas românicas eram escuras, lembrando cavernas, as catedrais góticas são exuberantes, convidam a
olhar para o alto e dão um sentido ascensional ao ato de estar na igreja”, diz o teólogo Edmundo Pellizari.
Em sua interpretação, as igrejas românicas traduzem a influência dos elementos terra e água, fazendo o
homem se voltar para dentro de si mesmo. Já o gótico é um símbolo da verticalização da fé e convida a
uma união com o divino. Seus elementos seriam o fogo e o ar - purificação iniciática e elevação espiritual -
, que se expressam em vitrais e torres, cujas formas lembram labaredas. “Sem falar nas cores das rosáceas
(vitrais circulares, geralmente localizados sobre o pórtico central), em que o vermelho se destaca. A
intenção era que, durante as Vésperas e na Hora Mariana (horários canônicos correspondentes a 6 e 18
horas), a luminosidade filtrada criasse a sensação de um incêndio, verdadeiro fogo iniciático", completa
Pellizari.
Consideradas pantáculos (espécies de talismãs) do cristianismo, as rosáceas são a principal fonte de
entrada de luz no interior das catedrais góticas. Geralmente, há duas delas nas laterais e outra, a principal,
sobre o pórtico central, marcando a fronteira entre o sagrado e o profano. Para o ocultista Léo Reisler,
essas rosáceas são mandalas perfeitos e funcionam como "um mapa" das tradições que estão sendo
passadas: "Uma das chaves para sua interpretação são as cores usadas, que se limitam àquelas que
compõem o arco-íris, pois, arquetipicamente, simbolizam a aliança de Deus com o homem, no fim do
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dilúvio”. Também os alquimistas dão grande importância a esse elemento da arquitetura gótica. E, até o
final da Idade Média, a rosácea central era chamada de A Roda, que, na alquimia, simboliza o tempo
necessário para o fogo agir sobre a matéria, transmutando-a. Visão reforçada pelo esquema de incidência
de luz sobre elas. A rosácea da lateral esquerda, por exemplo, nunca é iluminada pelo sol. Representa, por
isso, a cor negra, que é a matéria em seu estado bruto, a morte. Já a da direita se ilumina com o sol do
meio-dia e irradia uma luminosidade branca, que é a cor do iniciado que acaba de abandonar as trevas.
Finalmente, a rosácea central, ao receber a luz do pôr-do-sol, parece incendiar-se e banha o templo com
um tom rubro, sinônimo da perfeição absoluta, da predominância do espírito sobre a matéria. Há, ainda,
uma terceira corrente de pensadores que compara as rosáceas a flores, símbolos da pureza, da castidade
e do feminino - qualidades valorizadas na era medieval, que, acima de tudo,
cultuou a Virgem Maria.
Evocada como intermediadora entre o terreno e o divino, eleita advogada da humanidade, a Virgem
Maria inspirou, entre 1170 e 1270, a construção de nada menos que 80 catedrais e 500 igrejas em sua
homenagem, só na França. Segundo Cesare Marchi, autor de Grandes Pecadores, Grandes Catedrais,
nascia naquela época a idéia do amor romântico, com suas donzelas inatingíveis, cuja imagem idealizada
assemelhava-as a deusas. A Virgem Mãe de Deus era o modelo, mas um modelo ambíguo, que esbarrava
na realidade de seu passado pagão. Acontece que a maioria das igrejas em honra da Virgem foram
erguidas em lugares antes dedicados a uma Madonna. Curiosamente, a uma Madonna negra, cujos
atributos estavam associados à sexualidade, à procriação e à fertilidade. No fundo, muitas dessas
Madonnas negras eram representações das antigas deusas ctônias (ligadas às forças da terra) do
paganismo. Outras estavam associadas à Lua ou a Vênus. Em outras palavras, eram herdeiças da antiga
crença em uma Deusa-Criadora, predominante nas concepções religiosas mais arcaicas e retornada com
força na Idade Média. É que, ao ser “Noiva de Deus”, “Mãe de Cristo” e “Rainha dos Céus” - inclusive
todas essas expressões foram cunhadas na época, a Virgem se revestiu de um poder que suplantava o
próprio Deus. Sem falar que o gótico acabou revivendo um dos elementos mais fortemente ligados
àquelas ancestrais deusas ctônias. Como divindades subterrâneas, seu poder concentra-se na morte e no
renascimento. Assim, ao figurarem nas criptas das catedrais góticas, essas Madonnas fazem reviver, no
imaginário coletivo, o sentido iniciático de fertilidade e morte a que se relacionam e que está
representado por mitos como os de Cibele, Ísis, Ceres e Réa. Em Chantres, por exemplo, havia uma dessas
Madonnas, a Nossa Senhora dos Subterrâneos, que era cultuada pelos templários. Tratava-se de uma
estátua de ébano, representando uma jovem com uma criança nos braços. No pedestal, a inscrição Virgini
Paritures chama a atenção para uma virgem que iria parir. Já na visão da alquimia, essas Madonnas negras
representam Íside Egízia, aquela que casou com Amnael, o anjo caído, e recebeu em troca o segredo da
magia. Corresponde à Papisa, do Tarô, muito bem representada em Notre Dame de Paris. Ali, a escultura
de uma mulher com um cetro numa das mãos, e dois livros, um deles fechado, na outra, é o símbolo da
alquimia e do saber esotérico.
Aliás, um saber de que os construtores góticos, empenhados em fazer dos seus templos verdadeiras
antenas em sintonia com as forças do Universo, não abriram mão. A carioca Marília Accioly, uma
estudiosa da alquimia, lembra, por exemplo, que a nave central dessas construções sempre aparece ligada
a ortotenias: “São veios de energia telúrica, que se unem a campos de radiação cósmica, negativos ou
positivos. E só por meio da radiestesia é possível identificar onde os veios positivos predominam. É fácil
deduzir, então, que os construtores góticos, assim como os druidas, conheciam as técnicas de
radiestesia”. Marília acrescenta, ainda, que cada uma das catedrais góticas funciona como um centro
psíquico da Terra, seguindo um mapeamento feito pelo pensador católico Bernard Clairveaux, fundador
da Ordem Cisterciense, de monges beneditinos.
Além disso, a maioria delas fica próxima de antigos menires (pedras sagradas) ou de montes, elevações
que os antigos filósofos gregos consideravam como centros de energia, omphalós (umbigo) do mundo. Em
outras palavras, pontos primordiais, de onde tudo se origina e para onde tudo retorna.
Também a estrutura das catedrais góticas não parece resultado de meros cálculos arquitetônicos. De
acordo com Fulcanelli, o grande alquimista que nos anos vinte escreveu O Mistério elas Catedrais, o plano
dessas igrejas tem a forma de uma cruz latina estendida no solo. Dentro da alquimia, essa cruz é símbolo
do crisol, ou seja, do ponto em que uma determinada matéria perde suas características iniciais para se
transmutar em outra completamente diferente. Simbolicamente, a igreja teria então o objetivo iniciático
de fazer com que o homem comum, ao penetrar nos seus mistérios, renascesse para uma nova forma de
existência, mais espiritualizada. Ainda segundo Fulcanelli, essa intenção é reforçada pelo faro de a entrada
desses templos estar sempre voltada para o Ocidente. Assim, ao caminhar na direção do santuário. a
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pessoa se volta obrigatoriamente para o Oriente, o lugar onde nasce o sol ou seja, sai das trevas e fuma
para a Luz, em direção ao berço das grandes tradições espirituais. Esse convite à iniciação está presente
até mesmo no piso, em que costuma haver a representação de um labirinto. Chamados de Labirinto de
Salomão, eles costumam se localizar no ponto em que a nave e os transeptos (os braços da cruz) se unem.
Seu sentido alquímico é o mesmo do mito grego de Teseu, o herói que entra num labirinto a fim de
combater o Minotauro e, após vencer o terrível monstro, consegue voltar, graças ao fio que Ariadne
(aranha) lhe dera. Filosoficamente, o labirinto são os inúmeros caminhos que o homem tem à sua
disposição. Cedo ou tarde, ele entrará em contato com seu monstro interior, sua falta de luz. Aquele que
consegue combater e vencer as próprias imperfeições (o Minotauro) pode voltar à vida. Mas só os que
possuem o fio de Ariadne (símbolo do conhecimento iniciático) é que conseguem efetivamente retornar à
Luz. Em Amiens, norte da França, essa alegoria fica completa, graças à existência de uma grande laje com
a representação de um sol de ouro bem no centro do labirinto. Já em Chartres, havia antigamente uma
pintura que mostrava o próprio mito de Teseu. Feito com pedras brancas e azuis, esse labirinto está junto
ao terceiro pilar da nave central e, linearmente, corresponde a 294 metros de comprimento.
Apesar de sua profunda ortodoxia, também o escritor francês Joris-Karl Huysmans, um positivista
convertido ao cristianismo, percebeu um sentido alegórico na estrutura gótica e procurou traduzi-lo em
termos de doutrina católica. Para ele, o teto abobadado era símbolo da caridade infinita. As quatro
paredes principais representavam os quatro evangelhos, e os vitrais, assim como as escrituras, deixavam
passar a luz (fé) e detinham os ventos (heresias). Finalmente, os três pórticos de entrada eram um
emblema da Trindade Cristã. Essa idéia foi levada ainda mais longe pelos construtores góticos, que
definiam as medidas dos altares, a quantidade de medalhões, a disposição e a dimensão das estátuas etc.,
seguindo sempre múltiplos de um dos
onze números sagrados do cristianismo. Segundo essa matemática teológica, 1 era igual a Deus; 2 referia-
se aos Testamentos; 3 dizia respeito às virtude teológicas (castidade, fé e caridade); 4 correspondia aos
evangelhos; 5 tinham sido as chagas de Cristo; 6 foram os dias gastos na Criação do mundo; 7 eram os
sacramentos da igreja (batismo, confissão, comunhão, casamento, confirmação, ordenação e extrema
unção); 8 correspondia às beatitudes (amor, fé, caridade, piedade, humildade, perdão, honestidade e
justiça); 9 lembrava os coros angelicais (anjos, arcanjos, virtudes, tronos, principados, querubins, serafins,
dominações e potencias); 10 tinham sido os Mandamentos recebidos por Moisés na Tábua da Lei; e 12
foram os apóstolos de Cristo.
Independente da interpretação que se faça dessas combinações numéricas, a constante repetição das
mesmas disposições espaciais, sem uma razão técnica que a justifique, faz muitos estudiosos suporem a
ação de algum tipo de sociedade secreta por trás dessas construções. E não faltam argumentos aos
defensores dessa tese. Primeiro, porque as obras demoravam até centenas de anos para serem concluídas
e, mesmo assim, mantinham sua unidade. Dois bons exemplos são as catedrais de Colônia, na Alemanha,
e o Duomo de Milão, no norte da Itália, cujas obras arrastaram-se por séculos. Ainda assim, todas as
características que identificam o gótico - em especial, a Divina Proporção - estão conservadas. O mais
intrigante é que nenhuma das construções góticas possui autor, alguém que assine o projeto. Até hoje o
único tipo de identificação encontrada são marcas gravavas nas pedras. Essas marcas representam
geralmente instrumentos de trabalho estilizados como martelos e compassos, e eram um tipo de
identificação profissional que o mestre-de-obras usava para controlar o trabalho de cada um. Todo
artesão possuía uma marca própria – que passava de pai para filho, de mestre para discípulo - e a repetia
sempre, em todo lugar onde trabalhasse. Em função de guerras, pestes e outros flagelos, muitas vezes as
obras das igrejas ficavam temporariamente interrompidas, e os trabalhadores viajavam, oferecendo os
seus serviços em outras cidades e países. Ganharam, assim, o nome de franc maçon, ou pedreiros livres,
cujas associações acabaram resultando na Maçonaria. Mas esta, embora detenha antigos conhecimentos
esotéricos, se consolidou como ordem iniciática apenas em 1792.
Se a busca dos idealizadores do gótico ainda permanece um enigma, o estudo da origem da expressão
arte gótica apenas reforça à idéia de que sua inspiração é totalmente mística. Estudos etimológicos
remetem às palavras gregas goès-goèts, de bruxo, bruxaria, que sugere a idéia de uma arte mágica. O
alquimista Fulcanelli prefere associar “arte gótica” a argol, que significa idioma particular, oculto, uma
espécie de cabala falada, cujos praticantes seriam os argotiers (argóticos), descendentes dos argonautas,
que, no mito grego de Jasão, dirigiam o navio Argos, viajando em busca do Tosão de Ouro. Para os
ocultistas, Jasão teria sido um grande mestre, que iniciava seus discípulos gregos rios mistérios egípcios,
inclusive na geometria sagrada, que é uma das chaves da arquitetura gótica.
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Prova dessa herança egípcia está no fato de os Construtores góticos disporem os símbolos que
aparecem nos entalhes, nas estátuas, nos medalhões e vitrais de maneira que obedeçam sempre a uma
seqüência que torna inevitável a associação de uns com os outros: “Este é um recurso egípcio de
memorização e permite a apreensão de um grande número de informações, pois a pessoa, sem perceber,
é levada a relacionar cada coisa ao local onde ela se encontra. E, assim, nunca mais esquece o que viu”,
explica Léo Reisler. Talvez seja este o motivo pelo qual, muitas vezes, o zodíaco está representado, dentro
das catedrais, fora de sua ordem convencional, apesar de normalmente aparecer na entrada. Longe de ser
aleatório, esse desmembramento está relacionado ao sentido mais esotérico de cada signo, como se vê a
seguir.
Áries - Geralmente sua figura é a de uni carneiro, que simboliza o início do caminho na busca da
elevação espiritual.
Touro - Representado pelo próprio Touro, às vezes está associado ao evangelista São Lucas; às vezes,
ao próprio Cristo.
Gêmeos - Sua representação usual é de duas figuras humanas abraçadas, que expressam a Capacidade
de elevar espiritualmente o próximo por meio da transmissão de conhecimentos. Em Chartres, este signo
aparece junto a uma das portas e mostra dois cavaleiros atrás de um grande escudo.
Câncer – Na forma de um caranguejo ou de um lagostim, costuma estar próximo da pia batismal, junte
de uma representação do arcanjo Gabriel. Com certeza, trata-se de uma influência da Cabala, que associa
a Lua, regente de Câncer, a Gabriel, o emissário dos nascimentos. A intenção é mostrar que, por meio do
batismo (um ritual iniciático), o homem pode se re-ligar às esferas espirituais das quais se origina.
Leão – Com a mesma representação de hoje, é emblema do evangelista São Marcos, a quem
emprestaria seus atributos de persistência e força de vontade na busca da espiritualização.
Virgem - Algumas vezes aparece como uma jovem segurando uma espiga de milho. Mas pode também
estar representado por uma estátua da própria Virgem Maria, com uma estrela na cabeça. É um dos
signos mais ricos de significados nas igrejas góticas, já que a maioria delas foi dedicada justamente à Mãe
de Cristo. Em Amiens, por exemplo, ela se encontra entre duas árvores. Na iconografia cristã, uma delas
representaria a árvore pela qual a humanidade caiu - numa referência ao mito de Eva e da serpente
tentadora enroscada numa árvore - enquanto a outra remete à cruz de Cristo, pela qual a humanidade foi
redimida.
Libra - Quase sempre aparece como uma mulher segurando uma balança desproporcionalmente
grande, no interior da qual há uma pessoa envolta num halo de luz. Seria um lembrete para o homem de
que ele também faz parte do divino.
Escorpião - Sua imagem pode ser traduzida por uma águia (símbolo de elevação espiritual) e representa
o evangelista São João. Ou, então, aparece como um escorpião mesmo, já com um sentido de regressão
espiritual. Só que, como não havia escorpiões na Europa, muitas das suas representações têm
pouquíssimo a ver com a realidade. Em ambas as formas, o signo está localizado onde a luz do sol chega
por último.
Sagitário - Este signo costuma ser representado por um centauro prestes a disparar sua flecha. Na
catedral de Amiens, porém, ele aparece na forma de um sátiro. Mas ambos os simbolismos traduzem a
luta que o homem precisa travar no sentido de vencer sua natureza material, a fim de ascender a planos
mais elevados.
Capricórnio - Meio cabra, meio peixe, este signo indica as oposições que o homem tem de enfrentar em
sua busca de espiritualização.
Aquário - Representado por um homem segurando um livro ou um pergaminho, foi adotado como
emblema do próprio cristianismo e do evangelista São Mateus. Esotericamente, seria o ar cósmico, que
permeia todas as formas de vida.
Peixes - Rico em significados esotéricos, aparece normalmente como dois peixes unidos por um cordão,
nadando em direções opostas. O cordão seria o fio de prata que une o espírito e a alma durante a vida,
mas que se rompe na morte. Um dos peixes corresponde, portanto, ao espírito, que permanece acima do
plano físico, enquanto o outro, a alma, seria um intermediário direto com a matéria. Por força desse
contato, pode perder sua pureza e ser atraída para a Terra. Essa natureza dual, mas elevada, foi associada
pelos cristãos primitivos a Cristo, que, segundo os Evangelhos, teria chegado a duvidar da própria força
para realizar sua missão sagrada. Em Chartres, o signo aparece como um único peixe, uma carpa,
guardada pelos guerreiros da representação de Gêmeos. Outra ligação importante feita entre Cristo e
Peixes deriva da associação do nome grego deste signo - Ichths -, que, na visão da época, corresponderia
às iniciais da frase: “Jesus Cristo, filho de Deus Salvador”.
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Uma curiosidade do cristianismo medieval é que, com exceção do peixe, a maioria dos outros animais
eram considerados funestos, embora fosse comum encontrá-los nas catedrais góticas. Dessa fauna
maldita faziam parte o dragão e o grifo, figura mitológica meio leão, meio pássaro (invólucros do
demônio), o cavalo (usado pelas forças das trevas), o bode (luxúria), a loba (avareza), o tigre (arrogância),
o escorpião (traição), o leão (violência), o corvo (malícia), a raposa (heresia), a aranha (o diabo), os sapos
(pecados) e até a avestruz (impureza).
Mas a figura mais temida na fauna que povoava o imaginário medieval era o Bafomé, que aparece com
destaque na porta de todas as igrejas góticas. Metade homem, metade bode, por muito tempo foi
confundido com o demônio cristão. Mas seu sentido é bem outro, como explica Victor Franco: “O Bafomé
é um símbolo templário, que expressa a necessidade humana de transcender seus instintos básicos, a fim
de ascender espiritualmente e cumprir seu papel evolutivo. Ser parte de Deus, até se confundir com Ele, é
o sentido da verdadeira humanização. E este era o ensinamento maior dos idealizadores do gótico, que
criaram uma arquitetura viva. Suas catedrais estão tão perfeitamente integradas ao cosmo, que são
praticamente forças da natureza”.

COLABOROU PARA A REPORTAGEM FERNANDO ZAIDER

Estrelas Nas Trevas


Romanceada e incompreendida, a Idade Média foi, por muito tempo, considerada um período de
trevas. Para muitos, esses quase mil anos que separam a desagregação do Império Romano (em 622) da
queda de Costantinopla (em 1453) representam o auge de um obscurantismo que levou o saber para as
bibliotecas dos mosteiros, guardando-o sob as garras afiadas da Inquisição. Um período negro pelas
guerras, pestes e miséria. Mas brilhante pelos inventos - como o moinho de vento e a carriola -, pelo
surgimento das cidades e do comércio.
Em nome da fé (e de novas terras), o homem medieval aventurou-se no Oriente e organizou as
Cruzadas. Viagens perigosas, que não era prudente enfrentar com ouro nas algibeiras. E, assim, surgiram
também as letras de câmbio e os contratos de seguro. As raízes da poesia trovadoresca também vieram
na bagagem dos primeiros cruzados e resultaram em obras grandiosas, como a anônima Chonson de
Rolond. Mas a Idade Média foi, acima de tudo, alusiva. Poucos sabiam ler, mas todos dominavam a
imagem como ferramenta de comunicação, buscavam significados por trás da realidade visível, Assim,
aquilo que aos olhos modernos pareceu obscurantismo era o apogeu da linguagem dos símbolos, E talvez
o saber humano nunca tenha estado tão revelado e acessível quanto naquela longa noite estrelada.

OS HERDEIROS DE SALOMÃO
No ano de 1099, a Europa cristã comemorou a tomada de Jerusalém das mãos dos "infiéis" e
transformou-a numa espécie de posto avançado do cristianismo. Apenas vinte anos mais tarde, um grupo
de nobres cavaleiros consagrava-se como ordem religiosa e militar e seguia para lá. Dotados de grande
espírito ecumênico, coragem e ambição, partiam a fim de proteger os lugares santos. Mas também de se
apoderar do tesouro do rei Salomão, que estaria dividido em túneis secretos do grande Templo localizado
no Monte Moria. Segundo a tradição, esses cavaleiros, comandados por Hughes de Payns, teriam
conseguido descobrir o fabuloso tesouro, juntamente com uma imensa biblioteca, o Santo Graal e a Arca
da Aliança. Historiadores mais cautelosos, porém, limitam-se a descrevê-los como aventureiros, um tanto
mercenários, que vendiam sua habilidade com as armas aos peregrinos de passagem. Seja como for, ao
retornarem para a Europa no início de 1200, constituíram uma ordem poderosa e riquíssima, que passou
para a história como Ordem dos Templários, cujos participantes só deviam obediência a seu Grão-Mestre.
Tamanha independência logo foi encarada como uma ameaça pela monarquia. E, em 1307, o rei francês
Felipe IV convence o papa Fernando a persegui-los por heresia, A perseguição começou em Avignon, na
França, mas bastaram quatro anos para que a Inquisição exterminasse a Ordem.

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A LEI INICIÁTICA DO SILÊNCIO

Platão, chamado a ensinar a arte de conhecer os homens, assim se expressou: “os homens e os vasos de
terracota se conhecem do mesmo modo: os vasos, quando tocados, têm sons diferentes; os homens se
distinguem facilmente pelo seu modo de falar”. O pensamento do filósofo Iniciado nos oferece excelente
oportunidade para uma profunda reflexão, principalmente para os que integram a Ordem Maçônica.
Nem sempre nos damos conta de como nos tornamos prisioneiros das palavras q proferimos. Por
serem a expressão do nosso pensamento, por traduzirem as idéias e os sentimentos, as palavras se
tornam um centro emissor de vibrações, tanto positivas quanto negativas. A palavra é o elemento que
identifica o Homem e é a síntese de todas as forças vitais; é o elemento que interliga todos os planos, do
mais denso ao mais sutil. A palavra está intimamente ligada ao silêncio, outra sublime expressão da psique
humana.
No mundo profano a palavra - falada ou escrita - é usada indiscriminadamente. A sociedade humana está
cheia de palavras que ofendem, que humilham, que magoam e que denigrem a honra do próximo. Se se
trabalhasse mais e se falasse menos, com certeza que a humanidade seria mais evoluída e mais civilizada.
Infelizmente existem palavras em excesso, não só no mundo profano como também nos Templos
Maçônicos. Tal situação é inconcebível em um Maçom, pois no estudo dos símbolos ele aprende a refletir
sobre o conteúdo oculto das palavras que, em última análise, refletem a essência interior do ser humano.
Não por acaso a doutrina Maçônica reserva o silêncio aos seus membros, de acordo, aliás, com a Tradição
Pitagórica. A Escola Iniciática de Pitágoras tinha um sistema de três graus: o de Preparação, o de
Purificação e o de Perfeição.
Os neófitos do grau de Preparação, equivalente ao grau maçônico de Aprendiz, eram proibidos de falar;
eram só ouvintes e cumpriam um período de observação de três anos, durante o qual a regra era calar e
pensar no que ouviam.
No grau de Purificação, equivalente ao de Companheiro Maçom, o silêncio se estendia por mais dois anos,
adquirindo estes Irmãos o direito de ouvir as palestras do Mestre Pitágoras.

Assim, para atingir o grau de Perfeição, equivalente ao de Mestre Maçom, quando então os Irmãos
podiam fazer uso da palavra, era necessário praticar o silêncio durante cinco anos.

Nas reuniões maçônicas, sem dúvida, constitui uma prova de sabedoria saber ouvir e manter o silêncio.
Chílon, um dos sete sábios da Grécia Antiga, quando perguntado sobre qual a virtude mais difícil de
praticar, respondia: “calar”.
No Zend Avesta, que contém toda a sabedoria da antiga Pérsia, encontramos normas e regras sobre o uso
e o controle da palavra, cuja universalidade desafia os séculos. No mundo maçônico, a dimensão da
palavra falada e escrita não é diferente. Ao entrar em nossa Sublime Instituição encontramos, na
ritualística, referências à sacralidade da palavra que, como meio de expressão dos pensamentos e dos
sentimentos, deve ser sempre dosada, moderada, e deve espelhar o equilíbrio interno do orador.
Em nossa Ordem, a palavra deve ser usada no mesmo sentido em que Dante Alighieri exortava o seu
personagem Metelo, na Divina Comédia: “usa a tua palavra como um ornamento”.
À primeira vista, o silêncio poderia parecer um condicionamento e um castigo.
Na realidade, o silêncio, a meditação e o raciocínio, são a única via que leva à libertação das paixões e
dos maus pensamentos.
Além de exercitar a autodisciplina, em seu silêncio o Maçom apreende com muito maior intensidade
tudo o que ouve e tudo o que vê. Assim, a voz do Irmão que se mantém em silêncio é a sua voz interior,
quando ele dialoga consigo mesmo e, neste diálogo, analisa, critica, tira suas próprias conclusões e
aprimora o seu caráter. Em suma, pelo silêncio, a Maçonaria estimula os Irmãos a desenvolver a arte de
pensar, a verdadeira e nobre Arte Real. Deste modo, o silêncio em Maçonaria não é meramente simbólico
e não é também um meio de castrar a iniciativa dos Irmãos. O silêncio é indispensável e decisivo no
processo de lapidação da Pedra Bruta e no aperfeiçoamento interno dos Irmãos. Ao cruzar as portas de
uma Loja Maçônica, trazendo consigo a liberdade total de expressão, um direito natural que lhe é
garantido pela Declaração dos Direitos Humanos, sem as restrições que lhe impõem a moral e a razão, o
novo Maçom aprende a controlar os seus impulsos, pela prática espartana do silêncio.
Assim ele aprimora o seu caráter e prepara-se para ser um líder, numa sociedade na qual prevaleçam a
Liberdade responsável, a Igualdade de oportunidades e a Fraternidade solidária.
Se tiver de falar, que o maçom siga o conselho de Dante e use a sua palavra como um ornamento. Tudo se
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resume na prática da Lei do Amor e da Tolerância.


Certamente que o Grande Arquiteto do Universo ilumina e abençoa a todos os que pensam mais do que
falam, pois estes espiritualizam a sua matéria, e são os Seus filhos mais diletos.

ANTÓNIO ROCHA FADISTA - M.'.I.'. Loja Cayrú 762 GOERJ / GOB - Brasil

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