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ANIMAIS DOMÉSTICOS

- É legalmente possível que o regulamento ou estatuto do condomínio


proíba a detenção de animais na parte comum ou própria, sobretudo se
atentarem contra o repouso, saúde e tranquilidade do condomímio.

II - O administrador do condomínio tem legitimidade para mover


acção contra o condómino pedindo que este seja obrigado a retirar o
animal.

Acórdão TRP de 10-02-2004. Relator Fernando Simões.

Este acordão vem reforçar o que o OraBOlas escreveu.

Processo: 0326819

Nº Convencional: JTRP00036187
Relator: FERNANDO SAMÕES
Descritores: CONDOMÍNIO
ADMINISTRADOR
LEGITIMIDADE

Nº do Documento: RP200402100326819
Data do Acordão: 10-02-2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: 3 J CIV V N GAIA
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: APELAÇÃO.


Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA.
Área Temática: .

Sumário: I - É legalmente possível que o regulamento ou Estatuto de


Condomínio proíba a detenção de animais na parte comum ou
própria, sobretudo se atentarem contra o repouso, saúde e
tranquilidade dos condóminos.
II - O Administrador do condomínio tem legitimidade para mover
acção contra o condómino pedindo que este seja obrigado a retirar o
animal.
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório

O Condomínio do Edifício....., sito na Rua....., ....., representado pelo


seu Administrador António....
(...)
Para tanto, alegou, em resumo, que a ré é proprietária da fracção “R”,
do referido edifício, onde reside, aí mantendo um cão, sua pertença, o
qual vem causando graves incómodos, no uso e fruição das partes
comuns do prédio, aos restantes condóminos, perturbando o
repouso, tranquilidade e qualidade ambiente destes, bem como
prejudica as condições de higiene nos locais de acesso ao prédio,
conspurcando-os com urina e maus cheiros, o que levou a
Assembleia de Condóminos, realizada no dia 4 de Janeiro de 2000,
a deliberar a remoção do cão, deliberação que a ré não cumpriu.
(...)
Não há dúvida, nem tal foi questionado no recurso, que o cão da ré
incomoda os demais utentes do Edifício...... Os factos provados,
designadamente os constantes dos itens 2 a 10, demonstram-no
muito bem, tendo permitido à Mmª Juíza concluir, na sentença
recorrida, pela violação dos direitos de personalidade dos restantes
condóminos, por a situação verificada atentar contra o seu direito ao
repouso, saúde e tranquilidade.

Sandra Passinhas - Os animais e o regime português da propriedade


horizontal
Pela Dr.a Sandra Passinhas(1)

SUMÁRIO:

INTRODUÇÃO. 1. O CONDOMÍNIO. 1.1. As partes próprias. 1.2. As


partes comuns. 1.3. O estatuto do condomínio. 1.3.1. O título
constitutivo. 1.3.2. O regulamento do condomínio. 1.3.3. As
deliberações da assembleia de condóminos e as decisões do
administrador. 1.3.3.1. A assembleia de condóminos. 1.3.3.2. O
administrador. 1.3.4. O acordo dos condóminos. 2. A PROIBIÇÃO DE
DETER ANIMAIS NUMA FRACÇÃO AUTÓNOMA. 2. 1.
Determinação e interpretação da proibição de deter animais num título
constitutivo ou em regulamento inserido no título constitutivo. 2.2.
Determinação e interpretação das restrições relativas a animais
estabelecidas por deliberação da assembleia de condóminos ou decisão
do administrador. 3. DETER UM ANIMAL NUMA FRACÇÃO
AUTÓNOMA–EXIGÊNCIAS DE ORDEM PÚBLICA 4. COMO PODE
UM CONDÓMINO DEFENDER-SE DOS INCÓMODOS CAUSADOS
POR UM ANIMAL DETIDO POR UM CONDÓMINO-VIZINHO? 4.1.
O direito público. 4.2. As regras de vizinhança. 4.3. A tutela da
personalidade. 4.3.1. Casos especiais de valoração. CONCLUSÃO.

INTRODUÇÃO

O problema de saber se um condómino pode ou não deter, e em que


termos, animais numa fracção autónoma de um prédio constituído em
propriedade horizontal tem vindo a ganhar novas proporções nos dias
que correm, devido ao aumento do número de animais de companhia,
em especial cães e gatos, detidos em apartamentos.

A resposta do Direito a esta questão há-de ter em conta, em primeiro


lugar, o valor social do condomínio e a função do prédio como um dos
lugares onde se desenvolve a pessoa humana(2), através da satisfação
colectiva das exigências de habitação. A personalidade humana(3),
além de uma unidade psicossomática, apresenta uma estrutura mais
alargada, de teor relacional, sócio-ambientalmente inserida e que
abarca dois pólos interactivos: o eu e o mundo. Enquanto unidade
funcional eu — mundo, a personalidade humana pressupõe um certo
espaço ou território e um conjunto de condições ambientais para a sua
sobrevivência e desenvolvimento. Esse espaço ou território é
preenchido, desde logo, pelo edifício colectivo que, enquanto fonte de
estabilidade, constitui um pólo que permite o desenvolvimento da
personalidade, através da satisfação de vários interesses humanos, de
tipo fisiológico, psicológico e cultural, de que são exemplo o convívio,
a intimidade familiar, a realização dos afectos ou o repouso.

A nossa Constituição adopta o direito à habitação como um direito de


carácter social; nos termos do artigo 65.º, n.º 1, “todos têm direito, para
si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em
condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a
privacidade familiar”. Para GOMES CANOTILHO/VITAL
MOREIRA4, o direito à habitação é não apenas um direito individual
mas também um direito das famílias; em segundo lugar, é uma
garantia do direito à intimidade da vida privada e familiar; finalmente,
engloba um direito aos equipamentos sociais adequados—água,
saneamento, electricidade, transportes e demais equipamento social —
que permitam a sua fruição.

A habitação é um ponto de referência do indivíduo, um objecto de


conteúdo afectivo e constituinte da sua auto-identificação(5). A casa
não cumpre só a função social de assegurar um tecto ao indivíduo, mas
representa também “um templo dos afectos familiares, donde a vida
renascendo se perpetua, um refúgio dos sentimentos, uma fonte
generosa da força de ânimo necessária para enfrentar a vida”(6). Esta
asserção é reconhecida, pacificamente, no nosso ordenamento
jurídico(7). Em si, a casa é um abrigo nu, um refúgio contra os
elementos naturais; o lar é uma unidade social de espaço articulado à
volta da família(8). Habitação e família(9) são, pois, dois termos
estreitamente relacionados: a família influencia e é influenciada pela
estrutura social a que pertence. O ambiente em que o indivíduo ou a
família vivem determina as suas necessidades e o espaço determina o
seu modo próprio de viver(10).

Tendo por adquirido que o valor social do condomínio se articula


axiologicamente com a habitação e com a família, a resposta ao
problema da detenção de animais num edifício constituído em
propriedade horizontal deve reflectir, inevitavelmente, a sedimentação
valorativa do crescente reconhecimento do papel dos animais na
realização pessoal do indivíduo e da sua importância enquanto
membros da colectividade familiar(11).

Uma comunidade habitável compreende os animais de companhia que


partilham as nossas casas, a vida selvagem que habita nas
proximidades e as espécies que migram através dos rios, florestas e
montanhas. Todos contribuem para a habitabilidade da nossa
comunidade, seja ela urbana ou rural(12). Earl Blumenauer(13) dá-nos
a conhecer que, em 2001, 40% das habitações nos Estados Unidos
tinham um cão ou um gato—mais de cem milhões no total. E, em 1995,
um estudo da American Animal Hospital Association havia concluído
que grande parte dos donos de animais de companhia os considerava
como membros da família. Os realizadores do estudo mostraram-se
impressionados com o alto grau de importância que os donos davam
aos seus animais, sendo que 70% dos inquiridos os viam como “their
children” ou seja, como filhos. Em Portugal, a situação não é diferente.
Muitas pessoas consideram os seus animais membros da família,
despendendo tempo, atenção e dinheiro na sua alimentação, nos seus
cuidados higieno-sanitários e nos seus tratamentos médicos.

O âmbito da nossa indagação está limitado aos animais de companhia,


ou seja, aqueles detidos ou destinados a ser detidos pelo homem,
designadamente no seu lar, para seu prazer e como companhia(14).
Numa altura em que o próprio critério axiológico do Direito Civil está
em transformação, em que vários países europeus já qualificam os
animais de companhia não como coisas mas como co-criaturas(15),
pondo fim à dicotomia persona-res, a leitura a dar aos nossos textos
legais não pode deixar de atender a esta evolução. Desta audaz, mas
necessária, hermenêutica constitutiva, o condomínio resultará
configurado como um espaço de convivência, em que os animais
participam não como coisas mas como legítimos conviventes.

A presente exposição está estruturada em quatro partes: começamos


por uma análise do regime geral da propriedade horizontal, com
particular incidência no que respeita às proibições e restrições
respeitantes a animais. Em segundo lugar, teceremos algumas
considerações a respeito da interpretação e concretização dessas
mesmas proibições e restrições. Em terceiro lugar, analisaremos o
artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 314/2003, de 17 de Dezembro, que aprova
o Programa Nacional de Luta e Vigilância Epidemiológica da Raiva
Animal e Outras Zoonoses, que estabelece um número máximo de
animais a alojar em prédios urbanos, e cuja leitura pode ser equívoca.
Por último, veremos como pode um condómino defender-se dos
incómodos causados por um animal detido numa fracção autónoma
vizinha.

1. O condomínio
No condomínio temos uma coisa materialmente indivisa ou com
estrutura unitária (o edifício), que pertence a vários contitulares, tendo
cada um deles direitos privativos ou exclusivos de natureza dominial
— daí a expressão condomínio — sobre fracções determinadas(16), as
partes próprias, e uma comparticipação no direito de propriedade que
incide sobre as restantes partes do edifício, as partes ditas comuns. Esta
é, se assim a podemos chamar, a noção objectiva de condomínio(17) e
aquela que vem expressamente consagrada no artigo 1420, n.º 1, do
Código Civil(18): “Cada condómino é proprietário exclusivo da fracção
que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício”.
Como vem sintetizado no artigo 1422.º, n.º 1, “os condóminos, nas
relações entre si, estão sujeitos, de um modo geral, quanto às fracções
que exclusivamente lhes pertencem e quanto às partes comuns, às
limitações impostas aos proprietários e aos comproprietários de coisas
imóveis”.

1.1. As partes próprias

A fracção autónoma identifica-se com a parte própria do condómino,


ou seja, com a parte do edifício que é objecto da sua propriedade
exclusiva, e constitui um todo unitário, que pode, no entanto, ser mais
do que o lugar destinado a habitação (ou a outro fim), como por
exemplo, “um apartamento com garagem e arrecadação”.

O condómino tem um verdadeiro direito de propriedade sobre a sua


fracção autónoma, a que se aplica o regime geral da propriedade;
assim, nos termos do artigo 1305.º, goza de modo pleno e exclusivo dos
direitos de uso, fruição e disposição da fracção autónoma que lhe
pertence, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por
ela impostas.

De forma muito simples, o uso consiste no poder do proprietário se


servir da coisa para a satisfação das suas necessidades. A fruição
traduz-se no poder de gozar a coisa indirectamente, através de tudo o
que ela produz periodicamente (produtos naturais ou civis, de que são
exemplo as rendas), sem prejuízo da sua substância. O poder de
disposição inclui poderes materiais, como o de transformar a coisa, e
poderes jurídicos, como os de a onerar ou alienar. O proprietário goza
destes poderes de modo pleno e exclusivo.

Em jeito de primeira regra, podemos para já reter a ideia pacífica(19)


de que cabe nos poderes de uso do proprietário em geral, e de um
condómino em particular, a detenção de animais de companhia num
imóvel(20).

1.2. As partes comuns

As partes comuns são as elencadas no artigo 1421.º, que distingue entre


as partes imperativamente ou necessariamente comuns (n.º 1) e as
partes presumidamente comuns (n.º 2). As partes necessaria ou
imperativamente comuns(21) são as partes estruturais do edifício,
designadamente o solo, os alicerces, as colunas e pilares e as paredes-
mestras; os elementos de cobertura, o telhado ou certos terraços; os
elos que permitem a circulação, a comunicação, ou a ligação espacial
entre as várias fracções, e entre estas e as partes comuns do prédio ou
as saídas para a rua: entradas, vestíbulos, escadas e corredores — elos
ou elementos comunicantes; são ainda partes necessariamente comuns
as instalações gerais, que estão funcionalmente afectadas ao uso
comum(22).

São partes presumidamente comuns(23) os pátios e os jardins anexos


ao edifício, os ascensores, as dependências destinadas ao uso e
habitação do porteiro e, por analogia, os locais destinados aos serviços
comuns; as garagens e outros lugares de estacionamento.
Materialmente estamos perante um critério de serviço comum:
presumem-se comuns as coisas destinadas a proporcionar melhor
habitabilidade a cada fracção autónoma.

O artigo 1421.º, n.º 2, alínea e), presume ainda comuns as coisas que
não sejam afectadas ao uso exclusivo de um dos condóminos. Neste
sentido, a ausência de atribuição privativa da coisa no título
constitutivo funciona como presunção da sua titularidade em
comunhão.

Os condóminos têm, sobre as partes comuns, um direito de


compropriedade. Na formulação legal do artigo 1403.º, existe
propriedade em comum, ou compropriedade, quando duas ou mais
pessoas são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre
a mesma coisa. Por força do artigo 1404.º, as regras gerais da
compropriedade são aplicáveis, com as necessárias adaptações, à
comunhão sobre as partes comuns de um edifício constituído em
propriedade horizontal.
Quanto ao uso das coisas comuns, o artigo 1406.º estabelece que, na
falta de acordo, a qualquer dos comproprietários é lícito servir-se da
coisa comum, contanto que a não empregue para fim diferente daquele
a que se destina e não prive os outros consortes do uso a que
igualmente têm direito. No uso das partes comuns, não são
consentidos aos condóminos, nem àqueles que possam vir a ocupar a
sua posição, v.g. um arrendatário ou um comodatário, excessos que
venham a limitar ou a restringir o igual direito dos outros condóminos,
desrespeitando os limites da normalidade e da razoabilidade, de
acordo com as circunstâncias do caso concreto(24). O igual direito dos
outros condóminos não deve ser entendido como uso idêntico — já que
a identidade espacial e temporal de utilizações concorrentes
comportaria uma proibição substancial para qualquer condómino de
fazer um uso particular da coisa comum —, mas antes deve ser
avaliado abstractamente, de acordo com a relação de equilíbrio que
deve ser mantida entre todas as possíveis utilizações concorrentes por
parte dos participantes no condomínio.

Assim, no âmbito dos seus poderes de uso das partes comuns do


edifício, cabe ao condómino a faculdade de circular acompanhado dos
seus animais de companhia em entradas, vestíbulos ou corredores(25),
mas já não pode utilizar um local de passagem comum como local de
permanência e de aprisionamento de um cão próprio(26).

1.3. O estatuto do condomínio

O estatuto da propriedade horizontal, rectius, de cada edifício


constituído em propriedade horizontal, é fixado pela lei (o legislador
fixa um conjunto de normas inderrogáveis pelos particulares), pelo
título constitutivo da propriedade horizontal, pelo regulamento do
condomínio e pelas deliberações da assembleia de condóminos, e é
executado pelo administrador. Escolhendo um local, o condómino
escolhe um imóvel, mas também um regime jurídico(27).

1.3.1. O título constitutivo

Nos termos do artigo 1417.º, n.º 1, são títulos constitutivos da


propriedade horizontal o negócio jurídico, a usucapião ou uma decisão
judicial proferida em acção de divisão da coisa comum ou em processo
de inventário. O título constitutivo é um acto modelador do estatuto da
propriedade horizontal e o seu conteúdo tem natureza real e, portanto,
eficácia erga omnes: vincula, desde que registado, os futuros
adquirentes das fracções, independentemente do seu assentimento(28).
Trata-se de um dos poucos casos em que a autonomia da vontade pode
intervir na fixação do conteúdo dos direitos reais, o qual, nesta medida,
deixa de ser um conteúdo típico(29).

O título constitutivo de um regime de propriedade horizontal não


pode violar disposições legais imperativas. Mas, no seu domínio de
aplicação, é o elemento normativo com força superior, não podendo
ser contrariado por qualquer regulação inferior, seja por um
regulamento do condomínio, seja por uma deliberação da assembleia
de condóminos ou por um acto do administrador.

Sendo um acto que, com relativa autonomia, pode fixar ou modelar o


conteúdo do direito de condomínio, o título constitutivo pode,
licitamente, proibir a detenção de animais de companhia nas fracções
autónomas. Ao fazê-lo, está a modelar o direito de propriedade de
cada condómino, excluindo do círculo dos seus poderes de uso aquele
de deter animais. Esta proibição abrange todos os futuros adquirentes
de fracções autónomas no edifício, e só pode ser alterada por escritura
pública, havendo acordo de todos os condóminos, nos termos gerais do
artigo 1419.º, n.º 1. O título constitutivo da propriedade horizontal
pode estabelecer um número máximo de animais por fracção
autónoma ou ainda sujeitar a detenção de animais numa fracção
autónoma a aprovação pelo administrador do condomínio, que no
entanto só a poderá recusar com base num razão ponderosa e
objectiva.

1.3.2. O regulamento do condomínio

Tal como o título constitutivo, também os regulamentos são uma


expressão de autonomia privada na definição concreta do estatuto do
direito real de propriedade horizontal, completando e adaptando o
regime legal, ou substituindo-o naquilo que ele tem de supletivo(30). O
regulamento do condomínio é um conjunto de regras gerais e
abstractas, destinado a disciplinar a acção dos condóminos no gozo e
administração do edifício(31) e, tal como o título constitutivo, vincula
quer os condóminos, quer todos aqueles que exerçam ou venham a
exercer poderes de facto sobre uma fracção autónoma, v.g.,
arrendatários(32), promitentes-compradores, comodatários.

O nosso Código Civil faz referência ao regulamento do condomínio em


duas disposições: no artigo 1418.º, n.º 2, e no ar-tigo 1429.º-A, ambos
com a redacção que lhes foi dada pelo DL 267/94, de 25 de Outubro.
Segundo o artigo 1418.º, n.º 2, alínea b), o título constitutivo pode
conter um regulamento do condomínio, disciplinando o uso, fruição e
conservação, quer das partes comuns, quer das fracções autónomas.
Nos termos do artigo 1429.º-A, “havendo mais de quatro condóminos e
caso não faça parte do título constitutivo, deve ser elaborado um
regulamento do condomínio disciplinando o uso, a fruição e a
conservação das partes comuns”. A feitura deste regulamento compete
à assembleia de condóminos ou ao administrador, se aquela não o
houver elaborado (33). O título constitutivo é, em geral, uma
declaração unilateral do proprietário, ou uma sentença do juiz, em que
se exprime a vontade ou a decisão de sujeitar o edifício ao regime da
propriedade horizontal e em que são estabelecidos os poderes dos
condóminos sobre as fracções autónomas e sobre as partes comuns,
sendo, assim, um acto modelador do estatuto da propriedade
horizontal. A assembleia de condóminos e o administrador são, nos
termos do artigo 1430.º, n.º 1, os órgãos administrativos a quem cabe a
disciplina do uso, fruição e conservação das partes e serviços comuns.

O regulamento previsto no artigo 1418.º, n.º 2 e o regulamento previsto


no artigo 1429.º-A podem coexistir, porque têm, ou podem ter,
conteúdos diferentes. O regulamento a conter no título constitutivo
tem, à partida, um conteúdo mais amplo do que o regulamento a
elaborar pela assembleia de condóminos ou pelo administrador: pode
disciplinar o uso, a fruição e a conservação, quer das partes comuns do
edifício, quer das fracções autónomas do prédio constituído em
propriedade horizontal. O artigo 1429.º-A refere-se ao regulamento do
condomínio como aquele que disciplina o uso, fruição e conservação
das partes comuns do edifício; este é o regulamento de condomínio
propriamente dito, que incide sobre matérias que cabem na
competência dos órgãos administrativos, e que têm um âmbito
decisório limitado: não alteram a distribuição de poderes entre os
condóminos, mas apenas disciplinam o exercício desses mesmos
poderes pelos seus titulares (v.g., o regulamento pode incidir sobre a
abertura e fecho da porta da rua, dispor regras sobre a utilização do
elevador, sobre os cuidados a ter com o jardim comum, sobre a forma
de acesso e de utilização das instalações ou espaços comuns, como
arrecadações, sótãos, garagens ou piscina).

As normas que incidam sobre este núcleo mínimo de matérias —uso,


fruição e conservação das partes comuns do edifício — têm carácter
regulamentar, e podem ser alteradas por maioria dos condóminos. A
disciplina das partes comuns de um edifício constituído em
propriedade horizontal resolve problemas e necessidades que variam
constantemente e, por isso, foi-lhe fixado um regime decisório
expedito, de deliberação maioritária em assembleia, ou por decisão do
administrador.

Quanto à modificabilidade, o regulamento contido no título


constitutivo, formalizado por escritura pública e sujeito a registo segue
as regras gerais: nos termos do artigo 1419.º, n.º 1, só pode ser
modificado havendo acordo de todos os condóminos, também por
escritura pública. O regulamento aprovado pela assembleia ou
elaborado pelo administrador é modificável por deliberação simples da
assembleia de condóminos, desde que regularmente constituída.

Em resumo, segundo o artigo 1418.º, n.º 2, b), o regulamento do


condomínio a inserir no título constitutivo pode disciplinar o uso, a
fruição e a conservação, quer das partes comuns quer das fracções
autónomas. Este regulamento participa definitivamente na natureza do
título constitutivo, modelando o direito de cada condómino sobre a sua
fracção autónoma. Por exemplo, o regulamento inserido no título
constitutivo pode estabelecer a proibição da colocação de vasos de
flores nas varandas, da secagem da roupa em determinados dias ou em
determinadas partes do edifício, ou da detenção de animais de
companhia nas fracções autónomas, definindo assim o direito de
propriedade de cada condómino.

O regulamento, stricto sensu, é um instrumento de gestão das partes


comuns do edifício(34). A assembleia de condóminos ou o
administrador não podem decidir sobre o uso das fracções autónomas,
salvo nos casos especiais previstos na lei (cfr. artigos 1422.º, n.º 2 a 4;
1422.º-A, n.º 3, 1428.º e 1429.º e artigo 5.º, n.º 2, do Decreto-Lei 268/94,
de 25 de Outubro), logo o regulamento elaborado pela assembleia de
condóminos não pode proibir a detenção de animais numa fracção
autónoma(35).

1.3.3. As deliberações da assembleia de condóminos e as decisões do


administrador

O artigo 1431.º estabelece que a administração das partes comuns do


edifício compete à assembleia de condóminos e a um administrador.

O administrador e a assembleia são os órgãos do condomínio, com


carácter obrigatório e necessário, e as suas atribuições estão ligadas à
sua função como expressão do grupo condominial. Os órgãos têm o
poder de realizar actos jurídicos vinculativos para uma organização
colectiva, in casu o condomínio, quer sejam actos prevalentemente
internos, como as deliberações da assembleia, ou actos externos, como
os contratos concluídos pelo administrador.

Todos os condóminos, reunidos em assembleia, formam uma vontade


—e o administrador executa essa vontade. Segundo o legislador, esta é
a estrutura necessária e adequada para satisfazer as exigências
organizativas do condomínio. A assembleia é o órgão deliberativo, o
administrador é um órgão executivo e representativo. Este esquema
organizatório não pode ser modificado por acordo dos condóminos,
nem podem ser criados órgãos especiais.

1.3.3.1. A assembleia de condóminos

Chama-se deliberação à expressão da vontade de um órgão plural, que


corresponde à proposta que obtiver a maioria dos votos(36). As
decisões tomadas pela assembleia de condóminos(37) representam o
resultado das várias vontades distintas dos condóminos mas tendentes
a um único escopo: a eficiente organização e gestão da vida
condominial. Naturalmente, uma vez tomadas as deliberações, a
vontade que constitui o seu fundamento assume uma autonomia
própria a respeito dos condóminos que formaram a decisão
colectiva(38). A deliberação tomada por uma colectividade, como é o
caso do condomínio(39), vale como deliberação do colégio e vincula,
normativamente, todos os membros da colectividade, mas é imputável
a cada um dos condóminos. Os efeitos jurídicos da deliberação
produzem-se na esfera jurídica de cada um dos membros da
colectividade, porventura em contitularidade.

Nos termos do artigo 1432.º, n.º 3, as deliberações são tomadas, salvo


disposição especial, por maioria dos votos representativos do capital
investido(40). Ao contrário do título constitutivo, que está inscrito no
registo predial e só pode ser modificado pelo acordo de todos os
condóminos, as deliberações não estão sujeitas a registo e a todo o
momento poderão ser suprimidas ou alteradas pela assembleia.

Na medida em que delimitam o direito de propriedade horizontal, as


deliberações da assembleia de condóminos têm natureza real e, por
conseguinte, eficácia erga omnes, independentemente de registo; quem
exerce poderes sobre a fracção autónoma, seja o próprio condómino ou
um terceiro, v.g., um arrendatário ou um promitente-comprador, está
sujeito à sua observância(41).

O nosso Código Civil refere, ainda, as deliberações “tomadas por


unanimidade dos condóminos” ou “tomadas sem oposição”: segundo
o artigo 1432.º, n.º 2, a convocação da assembleia de condóminos deve
informar sobre os assuntos cujas deliberações só podem ser tomadas
por unanimidade dos votos; nos termos do artigo 1422.º, n.º 2, d), a
assembleia pode proibir actos ou actividades por deliberação aprovada
sem oposição; o artigo 1422.º-A, n.º 3, estabelece que para a divisão de
fracções autónomas é necessário autorização da assembleia de
condóminos aprovada sem qualquer oposição. Nesta última
disposição, a autorização esgota o seu valor no próprio acto. Depois de
autorizado a dividir a sua fracção autónoma, o condómino pode, por
acto unilateral de escritura pública, introduzir a correspondente
alteração no título constitutivo (artigo 1422.º-A, 4).

Estamos, substancialmente, perante verdadeiras deliberações ou, pelo


contrário, o legislador chama “deliberação” a acordos dos
condóminos? Em nossa opinião, o legislador adopta um critério
formal(42): da assembleia (conjunto dos condóminos) e na assembleia
(reunião) só resultam deliberações (em sentido amplo)(43). A lei coloca
exigências variadas à assembleia, consoante a importância dos
assuntos a tratar: maioria representativa de dois terços do capital,
qualquer maioria, desde que não haja oposição dos condóminos,
maioria de dois terços dos condóminos, desde que não haja oposição e,
por último, unanimidade. Quando decida por maioria simples, os
poderes da assembleia de condóminos estão circunscritos à esfera das
relações respeitantes ao uso e gozo das coisas e serviços comuns. Este é
um princípio geral: a assembleia não pode invadir a esfera da
propriedade individual(44), em que a regulação está reservada à
regulamentação convencional dos condóminos. Os limites gerais da
actuação no âmbito condominial, sem invadir a esfera da propriedade
exclusiva, requerem necessariamente uma série de marcos, dentro dos
quais a assembleia deve conter as suas próprias decisões.

Se a assembleia de condóminos tem, tendencialmente, poderes apenas


sobre as partes comuns do edifício e não pode afectar o direito de
propriedade do condómino sobre a sua parte própria, a assembleia de
condóminos não pode proibir a detenção de animais de companhia
numa fracção autónoma. A maioria não pode emitir normas que
limitem os direitos ou faculdades que os condóminos tenham, iure
domini, sobre e nas respectivas fracções autónomas.

Quanto aos seus poderes sobre as partes comuns, a actuação da


assembleia de condóminos encontra um limite no direito de
compropriedade de cada condómino individual. Nos termos do artigo
1406.º, como vimos supra, a qualquer dos condóminos é lícito servir-se
da coisa comum, contanto que a não empregue para fim diferente
daquele a que a coisa se destina e não prive os outros consortes do uso
a que igualmente têm direito. A assembleia, no âmbito dos seus
poderes de administração, pode contemperar o uso da coisa comum,
no interesse colectivo do condomínio, mas ao fazê-lo não pode violar o
direito de compropriedade de cada condómino, privando-o do uso da
coisa. Assim, se a assembleia de condóminos pode estabelecer que o
condómino não possa descer no elevador quando acompanhado de
animais de companhia (mas ainda aqui a licitude da proibição depende
das circunstâncias do caso concreto, por exemplo, se o condómino é
uma pessoa idosa ou doente, ou se vive num 4.º andar, porque
consubstancia uma verdadeira privação, a proibição tem-se como não
válida), já não pode impedir que o condómino circule acompanhado de
um animal de companhia nas partes comuns do edifício, porque desse
modo estaria a privar o condómino do poder de usar aquilo de que é
comproprietário. Reentra, todavia, nos poderes da assembleia a
faculdade de disciplinar o uso das partes comuns, impondo deveres
especiais de cuidado com a higiene das partes comuns ou com a
segurança, quer do edifício, quer das restantes pessoas que nele
habitam (impondo a proibição de o animal vir à solta, por
exemplo(45)).

Se a assembleia proíbe a circulação de animais à solta nas partes


comuns de um edifício, e um dos condóminos pura e simplesmente
não respeita a proibição, quid iuris? Nos termos do artigo 1434.º, a
assembleia de condóminos pode fixar penas pecuniárias(46) para a
inobservância das suas deliberações e das decisões do administrador,
sendo que a acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver
deliberado o montante das penas constitui título executivo contra o
proprietário, nos termos do artigo 6.º, do DL 268/94, de 25 de
Outubro(47).

1.3.3.2. O administrador

O administrador, enquanto órgão do condomínio, tem uma


competência institucional, um quadro próprio de funções, que não
pode ser reduzido pela assembleia de condóminos(48).

A demarcação da actividade da assembleia de condóminos e do


administrador pode parecer difícil numa perspectiva jurídica, mas
surge naturalmente na vida prática. Por um lado, a assembleia de
condóminos, enquanto reunião esporádica da colectividade dos
condóminos, terá dificuldades em desempenhar a maioria das funções
do administrador (elaborar o orçamento das receitas e das despesas
relativas a cada ano, cobrar as receitas e efectuar as despesas comuns,
assegurar a execução do regulamento e das disposições legais e
administrativas relativas ao condomínio, guardar e manter todos os
documentos, publicitar as regras de segurança do edifício, entre
outras). Por outro lado, seria irreal hipotizar uma predisposição
generalizada, minuciosa e contínua pela assembleia dos actos que
devam ser realizados pelo administrador. As funções do administrador
têm um carácter marcadamente executivo e prático, que não se
coaduna com o funcionamento colegial da assembleia de condóminos;
os poderes que o administrador tem de regulação da coisa comum
exigem-lhe uma actividade autónoma e sustentada.

Deve, pois, entender-se que é atribuída ao administrador uma esfera


de competências não apenas legalmente pré-determinada, mas ainda
tendencialmente exclusiva e não comprimível(49). Esta solução surge
reforçada quando se evidencia que a fixação pela assembleia dos actos
a compreender nas funções do administrador não exclui, por um lado,
a autonomia deste, nem impede, por outro lado, a sua identificação
como sujeito da actividade de administração do condomínio
considerada no seu todo.

Do elenco das funções do administrador, cabe referir o dever de


executar as deliberações da assembleia e de assegurar a execução do
regulamento e das disposições legais e administrativas relativas ao
condomínio (artigo 1436.º, alíneas h) e l), respectivamente). Nos termos
da alínea g), do artigo 1436.º, cabe ao administrador o poder autónomo
de regular o uso das coisas comuns e a prestação de serviços de
interesse comum. Valem aqui as considerações feitas a propósito da
assembleia de condóminos: o poder-dever do administrador regular as
coisas comuns está limitado pela permissão do artigo 1406.º: não pode
violar o direito de compropriedade de cada condómino sobre as partes
comuns, maxime, privando-o do seu uso.
1.3.4. O acordo dos condóminos

No âmbito da vida condominial, os condóminos podem vincular-se a


certos comportamentos. Por exemplo, os condóminos podem, dentro
dos limites da sua autonomia contratual, acordar entre si em não
deterem animais nas fracções autónomas (50). Estes acordos vinculam
apenas quem a eles se obrigou, mas já não um ulterior adquirente de
uma fracção autónoma. Em rigor, não vinculam sequer um futuro
arrendatário, salvo se a tanto se obrigou no contrato de arrendamento
perante o senhorio(51). Também as deliberações da assembleia
tomadas por unanimidade, ainda que exorbitantes das atribuições
legais deste órgão, podem assumir relevância contratual nas relações
recíprocas entre os condóminos, comprometendo-os a observar o
conteúdo das deliberações, quando não faltem os requisitos de
substância e de forma(52). Não é raro, nos edifícios condominiais, que
os condóminos “votem”, em assembleia, por unanimidade, a não
detenção de animais nas fracções autónomas. Estas deliberações são
ineficazes, porque saem fora do âmbito de competências da assembleia
de condóminos, mas podem, licitamente, ser convertidas em acordos
condominiais.

2. A proibição de deter animais numa fracção autónoma.

Em jeito de balanço, façamos uma súmula das conclusões a que


chegámos até aqui: a proibição de deter animais de companhia numa
fracção autónoma pode ser estabelecida no título constitutivo ou no
regulamento do condomínio aí inserido, ou pode ser acordada pelos
condóminos entre si; a assembleia de condóminos ou o administrador
não podem estabelecer, por deliberação maioritária ou por decisão
simples, no regulamento do condomínio propriamente dito a proibição
de deter animais nas partes próprias; as deliberações da assembleia de
condóminos e as decisões do administrador sobre a utilização das
partes comuns não podem conter proibições ou restrições que violem o
direito de compropriedade de cada condómino sobre as partes comuns
do edifício.

2.1. Determinação e interpretação da proibição de deter animais num


título constitutivo ou em regulamento inserido no título constitutivo

A interpretação de um título constitutivo do condomínio que proíba a


detenção de animais de companhia numa fracção autónoma tem
levantado alguns problemas.
Em primeiro lugar, devem seguir-se as regras relativas à interpretação
dos negócios jurídicos. Assim, nos termos do artigo 236.º, a declaração
negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na
posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do
declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
Como o título constitutivo é um negócio formal, a declaração não pode
valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência
no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente
expresso (cfr. artigo 238.º, n.º 1); esse sentido só valerá se corresponder
à vontade real das partes e as razões determinantes da exigência de
forma se não opuserem a essa validade (artigo 238.º, n.º 2).

Em segundo lugar, a interpretação do título constitutivo do


condomínio desenvolve-se na especificação de um condomínio
historicamente determinado. O intérprete “deverá ter presentes todas
as circunstâncias caracterizadores do condomínio, a situação jurídica,
económica e social dos participantes, o ambiente em que se inserem, a
estrutura acessória do bairro, e qualquer aspecto que, directa ou
indirectamente, incida sobre a individualização da relação
condominial. Por exemplo, a proibição de as crianças brincarem nos
pátios do edifício, se pode ser justificada num contexto em que existam
parques infantis suficientes, não merece tutela num ambiente carente
ou em que faltem estruturas essenciais para o desenvolvimento
psicológico das crianças”(53).

Aos tribunais cabe a defesa dos direitos e interesses legalmente


protegidos dos cidadãos (cfr. artigo 202.º, n.º 2, CRP). Uma das formas
de concretização deste dever dos tribunais é através da determinação e
direcção das decisões jurisdicionais pelos direitos fundamentais
materiais(54). A norma jurídica constitucional só adquire verdadeira
normatividade quando se transforma em norma de decisão aplicável a
casos concretos, cabendo ao juiz como agente do processo de
concretização um elemento fundamental. Um dos princípios que
devem orientar o juiz é o princípio da máxima efectividade: a uma
norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia
lhe dê(55). O juiz, ao interpretar um título constitutivo, e ao decidir da
sua conformidade com a lei, não pode olvidar a lei constitucional. Uma
proibição, validamente estabelecida no título constitutivo da
propriedade horizontal, segundo a lei civil, pode apresentar-se,
materialmente, como violadora de direitos fundamentais dos
condóminos. Imaginemos que, num determinado edifício, o título
constitutivo proíbe ter animais nas fracções autónomas. Se um dos
futuros condóminos tiver um filho autista, para cujo desenvolvimento
é essencial a companhia de um cão, ou for um invisual que necessite de
ter um cão-guia, esta disposição do título ter-se-á por não aplicável.

O referente constitucional não é o único critério a ter em conta na


interpretação do título constitutivo; a doutrina e a jurisprudência
socorrem-se ainda dos referentes sistemáticos do Direito Civil. Ainda
que estabelecida no título, é opinião corrente que a proibição genérica
de deter animais não deve ser interpretada à letra(56), antes deve ter
em conta o concreto distúrbio provocado, segundo o substrato
valorativo e os limites protectores das normas da vizinhança e da
tutela da personalidade. A concretização de uma proibição genérica de
detenção de animais numa fracção autónoma deve ponderar sempre a
existência de um concreto prejuízo do interesse colectivo do
condomínio, sob o duplo aspecto da perturbação do sossego e higiene
públicos(57), ou, no mínimo, levar a uma investigação cuidada dos
objectivos a que as partes se propuseram com a cláusula proibitória: se
pretenderam evitar tout court a detenção de animais ou se
pretenderam evitar os prejuízos que a presença de animais no edifício
pode causar. Neste sentido, é pacificamente aceite que as cláusulas
gerais que proíbem a detenção de animais não abrangem os pequenos
animais, como peixes, ratos, hamsters e pequenas aves(58), porque não
são susceptíveis de causar qualquer incómodo aos condóminos
vizinhos(59). E no que respeita a animais que possam causar
distúrbios, como cães, gatos ou aves, a proibição deverá ter
necessariamente em conta o concreto prejuízo a que esses animais dão
origem(60).

2.2. Determinação e interpretação das restrições relativas a animais


estabelecidas por deliberação da assembleia de condóminos ou
decisão do administrador.

No condomínio existe um interesse colectivo (61), que não é a mera


soma dos interesses dos condóminos individualmente considerados,
ou seja, não se apresenta com carácter de identidade e homogeneidade
relativamente aos interesses dos sujeitos ligados pela pertença à
mesma colectividade. O interesse colectivo reconhece-se por referência
a um elemento de carácter subjectivo — o carácter comum a vários
condóminos — e a um elemento de carácter objectivo — a capacidade
de o edifício ser o ponto de referência, quanto às exigências que pode
satisfazer, de uma pluralidade de interesses. Mas a existência de um
bem idóneo a satisfazer as exigências comuns de uma colectividade
tem aqui um valor secundário; para além da comunhão de interesses
dos vários condóminos, é de reconhecer importância determinante à
organização em grupo dos condóminos para o surgir do interesse
colectivo. Só tal organização, que se revela, por exemplo, na
deliberação colegial e no princípio maioritário, na existência de órgãos
administrativos e de um regulamento condominial, determina a síntese
da pluralidade dos interesses, transformando o interesse comum dos
condóminos em interesse colectivo do condomínio, sem todavia excluir
que esses interesses possam continuar a ser referidos ainda ao
condómino na sua qualidade de membro do grupo.

Estruturalmente, o condomínio no edifício é caracterizado por uma


particular “organização de grupo” normativamente estruturada e
inderrogavelmente imposta, a qual, por um lado, circunscreve e
disciplina as relações internas entre os condóminos e, por outro lado,
no interesse de terceiros, faz com que o grupo se apresente
externamente como tal. Funcionalmente, o condomínio tem subjacente
um interesse supra-individual, considerado prevalecente sobre o
interesse dos condóminos(62). O interesse do condomínio representa o
elemento final e funcional da actividade de administração do edifício, o
que justifica e fundamenta que os poderes de gestão sejam subtraídos
aos condóminos para serem entregues ao grupo(63), através da
actuação conjunta da assembleia de condóminos e do administrador.

O reconhecimento de um interesse colectivo do condomínio tem efeitos


relevantes no assunto que nos ocupa, enquanto elemento conformador
da administração das partes comuns. O interesse colectivo impõe-se
como um critério interpretativo das disposições legais actualmente em
vigor em matéria de propriedade horizontal, criando um dever
especial de justificação dessas mesmas decisões. Ou seja, só serão
válidas as deliberações ou as decisões de órgãos administrativos de um
edifício constituído em propriedade horizontal que sejam tomadas nos
termos da lei e fundamentadas pelo concreto interesse colectivo do
condomínio. Nestes termos, a actividade decisória da assembleia de
condóminos e do administrador não pode ser arbitrária, antes carece
de legitimidade prático-fundamentadora; tem de se justificar, em cada
caso concreto, pelo interesse colectivo do condomínio(64). Assim
sendo, em cada decisão concreta, o interesse colectivo serve como
critério valorativo e limite à actuação da assembleia de condóminos,
quer quando ela decida sobre a actividade corrente de administração
das partes comuns, quer nos casos em que lhe é permitido agir sobre as
fracções autónomas. Esta hermenêutica valorativa permite-nos, pois,
concluir que a assembleia de condóminos não pode, por exemplo,
proibir a passagem de animais pelas partes comuns do edifício, v.g. um
elevador (actividade normal de uso da coisa comum), se não se
verificar em concreto um dano à segurança, higiene ou sossego do
prédio.

A valoração das deliberações da assembleia de condóminos ou das


decisões do administrador, no âmbito do artigo 1436.º, g), dependerá,
assim, sempre das circunstâncias concretas do caso. Note-se que não há
uma obrigação formal de fundamentação dos actos por parte destes
órgãos. O que o interesse colectivo do condomínio impõe é um critério
de valoração da actuação da assembleia e do administrador, que
muitas vezes só será relevante em sede litigiosa.

Quais serão as consequências de uma decisão tomada pela assembleia


contra o interesse colectivo do condomínio? Sendo este resultante do
regime legal estabelecido para a propriedade horizontal, a solução
segue o regime geral das deliberações da assembleia contrárias à lei e,
portanto, será anulável a requerimento de qualquer condómino que a
não tenha aprovado, nos termos do artigo 1433.º, n.º 1.

3. Deter um animal numa fracção autónoma – exigências de ordem


pública

O Decreto-Lei n.º 276/2001, de 17 de Outubro (65), que estabelece as


normas tendentes a pôr em aplicação a Convenção Europeia para a
Protecção dos Animais de Companhia, considera animais de
companhia aqueles detidos ou destinados a serem detidos pelo
homem, designadamente no seu lar, para entretenimento e companhia.
Por detentor, o artigo 2.º, alínea v), considera qualquer pessoa, singular
ou colectiva, responsável pelos animais de companhia para efeitos de
reprodução, criação, manutenção, acomodação ou utilização, com ou
sem fins comerciais.

Nos termos do artigo 6.º, incumbe ao detentor do animal o dever


especial de o cuidar, de forma a não pôr em causa os parâmetros de
bem-estar, bem como o de o vigiar, de forma a evitar que este ponha
em risco a vida ou a integridade física de outras pessoas e animais. O
artigo 8.º estabelece que os animais devem dispor do espaço adequado
às suas necessidades fisiológicas e etológicas e o artigo 15.º determina
que os alojamentos devem assegurar que as espécies animais neles
mantidas não possam causar quaisquer riscos para a saúde e para a
segurança de pessoas, outros animais e bens.

O Decreto-Lei n.º 314/2003, de 17 de Dezembro, que aprova o


Programa Nacional de Luta e Vigilância Epidemiológica da Raiva e
Outras Zoonoses, estabelece no seu artigo 3.º que:

“1. O alojamento de cães e gatos em prédios urbanos, rústicos ou


mistos, fica sempre condicionado à existência de boas condições do
mesmo e à ausência de riscos higío-sanitários relativamente à
conspurcação ambiental e doenças transmissíveis ao homem.
2. Nos prédios urbanos podem ser alojados até três cães ou quatro
gatos adultos por cada fogo, não podendo no total ser excedido o
número de quatro animais, excepto se, a pedido do detentor, e
mediante parecer vinculativo do médico veterinário municipal e do
delegado de saúde, for autorizado alojamento até ao máximo de seis
animais adultos, desde que se verifiquem todos os requisitos higío-
sanitários e de bem-estar animal legalmente exigidos.

3. No caso de fracções autónomas em regime de propriedade


horizontal, o regulamento do condomínio pode estabelecer um limite
de animais inferior ao previsto no número inferior”.

Os números estabelecidos por este diploma devem ser interpretados de


acordo com o âmbito de protecção das normas aí estabelecidas: a luta
conta as zoonoses transmissíveis pelos carnívoros domésticos. Este
Decreto-Lei não pretende modificar o regime jurídico das relações de
vizinhança ou do próprio conteúdo do direito de propriedade sobre
uma fracção autónoma, estabelecendo, sem mais, a proibição de deter
mais de três cães, quatro gatos ou quatro animais por fracção
autónoma. Em termos de Direito Civil, este número pode pecar por
excesso (imagine-se a situação em que um só animal provoca
distúrbios intoleráveis na vizinhança) ou por defeito (o proprietário
que detém 5 gatos que não causam qualquer transtorno). Este diploma
aprova o Programa Nacional de Luta e Vigilância Epidemiológica da
Raiva Animal e Outras Zoonoses. Seria no mínimo abusivo pretender
retirar daqui uma limitação geral em termos de detenção de animais
numa fracção autónoma, numa limitação matreira aos poderes
conferidos pelo código civil aos proprietários. Estes números só
interessam, e mesmo aí não de forma absoluta, para efeito de
prevenção das zoonoses — note-se que é admissível a presença de um
maior número de animais se houver autorização, mediante parecer
vinculativo do veterinário municipal e do delegado de saúde(66).

A limitação prevista nesta norma vale para efeito de prevenção de


zoonoses. Mal se compreenderia, num diploma desta natureza, uma
limitação geral, feita em abstracto (sem qualquer atenção, por exemplo,
à dimensão da fracção autónoma) aos poderes conferidos ao
proprietário pelo Direito Civil. O limite máximo aqui estabelecido
releva para efeitos de luta e vigilância epidemiológica, indiciando
riscos higío-sanitários, não pretende regular relações de vizinhança,
nem tutelar direitos de personalidade dos outros conviventes no
prédio. Verificando-se os requisitos hígio-sanitários e de bem-estar
animal legalmente exigidos, com a concomitante ausência de riscos de
epidemia, reentramos no âmbito normal dos poderes do proprietário,
tal como está definido no código civil.

4. Como pode um condómino defender-se dos incómodos causados


por um animal detido por um condómino-vizinho?

A protecção contra um animal de companhia que causa incómodos ou


distúrbios pode ser obtida em diversos instrumentos legais, consoante
a natureza do incómodo e as circunstâncias do caso concreto: pelo
direito público, pelas regras gerais do direito de vizinhança ou pela
tutela da personalidade.

4.1. O direito público

O Regime Legal Sobre a Poluição Sonora (Regulamento Geral do


Ruído), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 292/2000, de 14 de
Novembro(67), considera ruído de vizinhança aquele habitualmente
associado ao uso habitacional e às actividades que lhe são inerentes,
produzido em lugar público ou privado, directamente por alguém ou
por intermédio de outrem ou de coisa à sua guarda, ou de animal
colocado sob a sua responsabilidade, que, pela sua duração, repetição
ou intensidade, seja susceptível de atentar contra a tranquilidade da
vizinhança ou a saúde pública (artigo 3, alínea f). Nos termos do artigo
10.º, quando uma situação seja susceptível de constituir ruído de
vizinhança, os interessados têm a faculdade de apresentar queixa às
autoridades policiais da área. Sempre que o ruído for produzido no
período nocturno, das 22 às 7 horas, as autoridades policiais ordenam à
pessoa ou pessoas responsáveis pelo animal a adopção das medidas
adequadas para fazer cessar, de imediato, a incomodidade do ruído
produzido. Se o ruído de vizinhança ocorrer no período diurno, as
autoridades policiais notificam a pessoa ou pessoas responsáveis pelo
animal para, em prazo determinado, tomar as medidas necessárias
para que cesse a incomodidade do ruído produzido. O não acatamento
destas medidas pode levar à aplicação de uma coima, nos termos do
artigo 22.º deste Regulamento.

Realce-se que o ruído tem de ser de modo a atentar contra a


tranquilidade da vizinhança ou a saúde pública, através da sua
duração, repetição ou intensidade, de acordo, aliás, com a regra geral
de convivência em sociedade, segundo a qual cada um tem de (con)
viver com as pequenas incomodidades e transtornos provocados pelos
outros.

4.2. As regras de vizinhança

É pacificamente aceite entre nós que as regras gerais do direito de


vizinhança se aplicam não só a prédios independentes, mas também às
fracções autónomas de um edifício constituído em propriedade
horizontal. As restrições de vizinhança são restrições derivadas da
necessidade de coexistência(68), que visam regular os conflitos de
interesses que surgem entre vizinhos, “em consequência da
solidariedade dos seus direitos, ou seja, em vista da impossibilidade de
os direitos do proprietário serem exercidos plenamente sem afectação
dos direitos de vizinhança”(69).

Nos termos do artigo 1346.º, o proprietário de um imóvel pode opor-se


à emissão de fumo, fuligem, vapores, cheiros, calor ou ruídos, bem
como à produção de trepidações e a outros quaisquer factos
semelhantes, provenientes de prédio vizinho, sempre que tais factos
importem um prejuízo substancial para o uso do imóvel (sublinhado
nosso) ou não resultem da utilização normal do prédio de que
emanam. Tal como vimos acima, deter um animal numa fracção
autónoma cai no âmbito de uma utilização normal desta, logo, o
conflito de vizinhança só pode ser concebido como resultante de
cheiros ou ruídos provocados por animais que causem um prejuízo
substancial para o prédio vizinho. Como diz MANUEL HENRIQUE
MESQUITA(70), “o prejuízo deverá ser aferido pelo fim a que esteja
afectado o imóvel e não pelas condições especiais em que porventura
se encontre o respectivo proprietário”. Assim, o dono de uma casa de
habitação não pode opor-se aos ruídos que emanem de outro prédio, se
“tais ruídos não prejudicarem substancialmente o uso do prédio e
apenas tiverem essa consequência no caso concreto, pelo facto de o
respectivo proprietário se encontrar doente”. O âmbito de protecção do
artigo 1346.º realiza-se ou especifica-se naquelas situações em que, por
exemplo, o barulho provocado por animais detidos numa fracção
autónoma impede ou prejudica substancialmente (71) o funcionamento
de outra fracção, por exemplo, como clínica médica ou como um centro
para idosos. Estamos no âmbito da predialidade, do prejuízo causado
ao uso de um imóvel vizinho (e não no âmbito da pessoalidade, do
prejuízo causado por um prédio a alguém que se encontra num prédio
vizinho).

4.3. A tutela da personalidade

Como já foi assinalado, muitas vezes a actividade desenvolvida na


fracção autónoma não afecta outra fracção autónoma, mas antes os
próprios participantes no condomínio, em aspectos diversificados da
sua personalidade. Pode um condómino ouvir música na sua fracção
autónoma, pela noite dentro, incomodando os vizinhos e perturbando
o seu sono e repouso? Será lícito que um condómino coloque o som da
televisão no máximo se o seu vizinho está em período de
convalescença, após uma intervenção cirúrgica delicada? O direito de
vizinhança, como vimos acima, não tutela estes interesses, sendo
necessário recorrer à tutela própria da personalidade, em alguns dos
seus aspectos, sobretudo o direito à tranquilidade, o direito ao repouso
e o direito ao sono(72). O direito ao sono, ao repouso e à tranquilidade
são constituintes do direito à integridade física, e a um ambiente de
vida humano, em último termo, do direito à saúde na sua vertente
negativa, que consiste no direito a exigir do Estado ou de terceiros que
se abstenham de qualquer acto que prejudique a saúde. Situações como
as acima referidas consubstanciam um conflito entre um direito de
propriedade sobre uma fracção autónoma e um direito de
personalidade do condómino-vizinho. O “poder utilizar” de um entra
em colisão com o respeito pelo “poder ser” do outro (73), por exemplo
na situação em que o condómino tem na sua fracção autónoma um cão
que ladra constantemente e pela noite dentro, impedindo ou
dificultando o repouso e o sono dos restantes condóminos.

O direito geral de personalidade, segundo a definição de


RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA(74), é “o direito de cada
homem ao respeito e à promoção da globalidade dos elementos,
potencialidades e expressões da sua personalidade humana bem como
da unidade psico-físico-sócio-ambiental dessa mesma personalidade
humana (v.g. da sua dignidade humana, da sua individualidade
concreta e do seu poder de autodeterminação), com a consequente
obrigação por parte dos demais sujeitos de se absterem de praticar ou
de deixar de praticar actos que ilicitamente ofendam ou ameacem
ofender tais bens jurídicos da personalidade alheia, sem o que
incorrerão em responsabilidade civil e/ou na sujeição às providências
cíveis adequadas a evitar a consumação da ameaça ou a atenuar os
efeitos da ofensa cometida”.

O artigo 70.º, n.º 1, estabelece que a lei protege os indivíduos contra


qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física
ou moral. Mais uma vez, nas palavras de RABINDRANATH CAPELO
DE SOUSA, o bem da personalidade humana juscivilmente tutelado é
definido como “o real e o potencial físico e espiritual de cada homem
em concreto (sublinhado nosso), ou seja, o conjunto autónomo,
unificado, dinâmico e evolutivo dos bens integrantes da sua
materialidade física e do seu espírito reflexivo, sócio-ambientalmente
integrados”. A nossa lei tutela cada homem em si mesmo, concretizado
na sua específica realidade física e na sua particular realidade
moral(75). Em consonância com este princípio, a jurisprudência tem
entendido(76), pacificamente, que, no julgamento destes casos, o
julgador não deve atender a um tipo de pessoa médio, ao cidadão
normal e comum, mas a cada pessoa em concreto. O poder-utilizar de
cada fracção autónoma deve respeitar os que lhe estão próximos, e o
poder-ser do outro, com tudo o que este tem de fraqueza ou
contingência. Se o ladrar de um cão é suportável por uma pessoa
normal, mas no edifício habitam uma pessoa idosa, um doente ou um
bebé, a quem o ladrar causa prejuízos intoleráveis(77), então o tribunal
deve agir de acordo com esta concreta ofensa à personalidade do
vizinho.

A fundamentação legal para a prevalência do direito de personalidade


do vizinho sobre o direito de propriedade, de carácter patrimonial do
detentor do animal, encontra-se no artigo 335.º, n.º 2, segundo o qual,
havendo colisão de interesses desiguais ou de espécie diferente(78),
prevalece o que deva considerar-se superior(79). Perante um conflito
entre um direito de natureza patrimonial (direito à exploração de uma
actividade comercial ou industrial incómoda ou à livre utilização de
um prédio) e um direito de carácter pessoal ou direito de
personalidade de outrem, o conflito deve ser decidido a favor do
direito de personalidade. Assim vem acontecendo, desde há longa
data, nos nossos tribunais.

4.3.1. Casos especiais de valoração

Quando o juiz tem de valorar um caso concreto de conflito entre a


faculdade de deter animais numa fracção autónoma e o direito de
personalidade de outro condómino, não pode deixar de atender ainda
ao valor específico que um animal de companhia tem para o seu dono,
e que pode ser, inclusive, constituinte da sua personalidade. De facto,
os animais, ainda que considerados pelo nosso ordenamento jurídico
coisas (nos termos do artigo 202.º, n.º 1), fazem parte daquele tipo de
propriedade a que tradicionalmente se chama(80) propriedade pessoal,
ou seja, propriedade de certos bens que estão ligados à auto-construção
da personalidade(81). Muitas pessoas detêm objectos que sentem como
se fossem quase parte delas próprias; estas coisas estão ligadas
profundamente à sua própria personalidade porque são o meio através
do qual se constroem continuamente enquanto entidades no mundo. O
critério para avaliar o significado da relação de alguém com um objecto
é o do tipo de dano ou sofrimento que a sua perda causa. Neste
sentido, um objecto está relacionado com a construção da
personalidade de uma pessoa se a sua perda causa um dano que não
pode ser reparado pela sua substituição. O oposto de ter um objecto
que se torna parte da própria pessoa é ter um bem perfeitamente
fungível por outro de igual valor de mercado; estes objectos têm um
valor meramente instrumental para a auto-constituição pessoal.

Neste quadro conceptual, os animais de companhia, enquanto


propriedade, são constitutivos da personalidade de cada indivíduo(82).
Os animais enriquecem as nossas vidas, têm um efeito positivo no
comportamento e na saúde humanos, podem melhorar os ânimos e
exercer uma influência importante nas crianças, nos idosos e nos
deficientes. As pessoas que, por sofrerem de doenças graves ou pela
idade, estão confinadas às suas casas, retiram um benefício terapêutico,
mesmo espiritual, da presença de um animal. Àqueles que vivem
sozinhos, os animais oferecem consolo e muitas vezes até uma razão
para viverem. As crianças aprendem o valor da responsabilidade e da
disciplina, desenvolvendo um sentido de protecção e de generosidade.
Aos adultos, um animal em casa pode ainda ser uma fonte de
segurança.
Na sua actividade valorativa e coordenadora, o juiz tem de atender ao
valor pessoalmente constitutivo que o animal possa ter para o seu
dono(83), por exemplo para uma pessoa que viva sozinha, e ao trauma
psicológico que pode causar a perda de um animal. Pode acontecer que
um conflito, que começou por ser um conflito entre um direito de
propriedade sobre o animal e um direito de personalidade, se
transforme, por força das circunstâncias do caso concreto, num conflito
entre dois direitos de personalidade. Imaginemos que, num edifício
constituído em propriedade horizontal, um dos condóminos é doente e
vive sozinho, tendo apenas por companhia um cão que detém na sua
fracção autónoma, e um vizinho, alérgico a animais, vem requer em
tribunal o afastamento do cão do edifício. Ora, nesta situação, o juiz
está, mais do que a resolver um conflito entre um direito de
propriedade e um direito de personalidade, entre o poder-utilizar da
fracção autónoma e o poder-ser do condómino-vizinho, a resolver um
conflito entre dois direitos de personalidade: o direito à realização
pessoal, à tranquilidade psíquica, à segurança do dono do animal e o
direito à saúde do condómino vizinho. Neste caso, a valoração judicial
já cabe no âmbito do artigo 335.º, n.º 1: “Havendo colisão de direitos
iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do
necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem
maior detrimento para qualquer das partes”. A decisão poderia ser,
num caso concreto, estabelecer para um dos condóminos o uso do
elevador e para outro o uso das escadas, ou o estabelecimento de horas
em que o animal pode circular nas partes comuns.

Se existe no edifício um animal que ofenda o condómino no seu direito


à tranquilidade, ao repouso ou à saúde, para tutela da sua
personalidade, os condóminos podem utilizar variados meios que a lei
coloca ao seu dispor(84): a acção directa, actos de polícia,
procedimentos cautelares(85), o processo especial de tutela da
personalidade, previsto no artigo 1474.º do Código de Processo
Civil(86), que adjectiva o artigo 70.º, n.º 2, do Código Civil, e a sanção
pecuniária compulsória(87).

Nos termos do artigo 70.º, n.º 2 (tutela geral da personalidade),


independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar, a
pessoa ameaçada ou ofendida na sua personalidade física ou moral
pode requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso,
com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da
ofensa já cometida.
A sanção pecuniária compulsória, prevista e regulada no artigo 829.º-
A, permite ao tribunal condenar o inadimplente ao pagamento de uma
quantia pecuniária, segundo critérios de razoabilidade, por cada dia de
atraso no cumprimento, ou por cada infracção, conforme for mais
conveniente às circunstâncias do caso.

Nos termos do artigo 2.º, da Lei n.º 231/93, de 26 de Junho, a Guarda


Nacional Republicana tem por missão geral: manter e restabelecer a
segurança dos cidadãos e da propriedade pública, privada e
cooperativa, prevenindo ou reprimindo os actos ilícitos contra eles
cometidos (alínea b), e auxiliar e proteger os cidadãos e defender e
preservar os bens que se encontrem em situações de perigo, por causas
provenientes da acção humana ou da natureza (alínea g). E nos termos
do artigo 2.º da Lei 5/99, de 29 de Janeiro, é competência da Polícia de
Segurança Pública garantir a manutenção da ordem, segurança e
tranquilidade públicas (alínea b) e garantir a segurança das pessoas e
dos seus bens (alínea f).

Cabe ainda referir o artigo 336.º, que permite o recurso à força com o
fim de realizar ou assegurar o próprio direito, quando a acção directa
for indispensável, pela impossibilidade de recorrer em tempo útil aos
meios coercivos normais, para evitar a inutilização prática desse
direito, contanto que o agente não exceda o que for necessário para
evitar o prejuízo. A possibilidade de acção directa está, todavia, sujeita
ao seguinte limite: a acção directa não é lícita quando sacrifique
interesses superiores aos que o agente visa realizar ou assegurar.

CONCLUSÃO

Podemos agora reafirmar o que já dissemos em sede de introdução: o


condomínio é um espaço de convívio e nesse convívio os animais
participam não como coisas mas como conviventes. Como é natural, e
de acordo com as regras da sã convivência, entre conviventes é
necessário suportar os pequenos incómodos causados pelos outros.
Quando esses incómodos ultrapassam o grau de razoabilidade e de
tolerabilidade, o legislador coloca à disposição, através de meios de
direito público ou de direito privado, uma série de meios e
instrumentos adequados e bastantes para a protecção contra danos
causados pela detenção de um animal numa fracção autónoma.

A interpretação das proibições de detenção de animais, constantes do


título constitutivo ou resultantes de acordo condominial, deve ser feita
de acordo com referentes constitucionais e, tendo em consideração o
princípio da unidade do ordenamento jurídico, as valorações feitas em
sede de Direito Civil, ao nível do direito de vizinhança e da tutela da
personalidade.

As deliberações da assembleia de condóminos e as decisões do


administrador, que regulem a detenção de animais num prédio em
propriedade horizontal, têm de ser justificadas pelo interesse colectivo
do condomínio, enquanto elemento conformador da actividade
administrativa.

Por último, uma palavra quanto à actividade judicativa concreta.


Ainda que no actual quadro terminológico do direito português os
animais sejam considerados coisas, em sede de valoração concreta,
defendemos que o julgador deve ponderar o valor pessoalmente
constitutivo que a detenção de um animal de companhia tem para o
seu dono, especialmente para efeitos de interpretação do artigo 335.º.

Notas:

(1) Assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

(2) Nas palavras de RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, O Direito


Geral de Personalidade, Coimbra Editora, 1995, pág. 156, “a evolução
física e a evolução espiritual do homem não se processam em separado
mas concomitantemente e com influências recíprocas, sendo certo por
isso, nomeadamente, que a personalidade humana não é um mero
dado da natureza mas também um ser permanentemente trabalhado”.

(3) Cfr. RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, O Direito Geral de


Personalidade, pág. 200.

(4) GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da


República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, Coimbra Editora, 1993, pág.
345, II.

(5) NICOLO LIPARI, “Svillupo della persona e disciplina


condominiale”, Scritti in onere di Salvatore Pugliatti, Vol. I, tomo II,
pág. 1159.

(6) Cfr. GINO TERZAGO, “Perché sociologia del condominio”, in


Sociologia del condominio, a cura di Gino Terzago e AA. VV., pág. 6.
(7) Como se pode ler no Parecer da Câmara Corporativa sobre o
Projecto do Decreto-Lei n.º 40 333 (que regulamentou entre nós, pela
primeira vez, o regime da propriedade horizontal), “a casa de
habitação não representa, apenas, um refúgio material, como o poderia
ser um quarto de um hotel ou qualquer inóspito telheiro, que abrigasse
o homem das inclemências do tempo e lhe permitisse o descanso
estritamente corpóreo. O lar é o quadro da vida da família, que, na sua
inviolabilidade, exprime a independência e a intimidade desta; é o
local onde o homem encontra as suas alegrias mais profundas, o
repouso mais completo e são, o lugar onde ele se sente plenamente
senhor, mas senhor intensamente humano, por haurir a sua autonomia
na estima e nos afectos que o ligam a todos quantos o rodeiam (...) ”. E
o acórdão do STJ, de 13 de Março de 1986, in BMJ, n.º 355, 1986, págs.
356 e ss., definiu que o lar de cada um “é o recatado pequeno mundo
onde se procura encontrar o retempero de forças físicas e anímicas
desgastadas pela vivência numa comunidade activa, agitada e
esgotada dos tempos presentes, mormente nos grandes centros
urbanos”.

(8) Assim, J. M. MELLOR, Sociologia urbana, Porto, pág. 153.

(9) Nas palavras de LUÍS CARVALHO FERNANDES, Teoria Geral do


Direito Civil, vol. I, 2.ª ed., Lex, Lisboa, 1995, pág. 72: “a família é
tratada como a célula social básica em que se desenvolve
primariamente a vida dos homens na sociedade moderna; e, se a tomarmos no sentido da
chamada pequena família (composta dos pais e filhos), podemos configurá-la como o cadinho onde se forma a
mentalidade das gerações que asseguram a continuidade da vida social”.

(10) Como nos diz YVES GRAFMEYER, Sociologia urbana, E.E.A., 1994, pág. 56, “a composição social da vizinhança
e do bairro é fonte de um certo número de efeitos. Embora o espaço residencial não seja propriamente um sistema
de interacção, suscita, por sua vez, ocasiões de interacção ou, pelo menos, situações de coexistência. Quer seja
desejada ou inesperada, quer induza sociabilidades, tensões ou condutas evasivas, a proximidade do outro não é
nunca completamente indiferente. Mesmo quando se desconhecem praticamente os vizinhos, a maneira como
deles se fala traduz categorias de juízo, formas de se situar a si mesmo e de situar os outros (...)”.

(11) Veja-se STEVEN M. WISE, “Recovery of Common Law for emotional distress, loss of society, and loss of
companionship for the wrongful death of a companion animal”, Animal Law, 1998, 46. Em 1994, um juiz norte-
americano (Bueckner v. Hamel, 886 S.W. 2d 432) exortava os tribunais a reconhecerem que grande parte das
pessoas nos Estados Unidos tratam os seus animais de companhia como membros da família e, em alguns casos, os
animais de companhia são mesmo a única família que têm. E em 1997, o Supremo Tribunal de Vermont (Morgan v.
Kroupa, 702 A.2d 630) dizia que o valor de um animal é mais afectivo do que económico; o seu valor deriva da
relação que tem com os seus companheiros humanos.

(12) Cfr. CONGRESSMAN EARL BLUMENAUER, “The role of animals in livable communities”, in Animal Law, 2001, i.

(13) Ibidem.

(14) Segundo a definição da Lei n.º 92/95, de 12 de Setembro de 1995, sobre a protecção dos animais, são animais
de companhia como aqueles detidos ou destinados a ser detidos pelo homem, designadamente no seu lar, para o
seu prazer e como companhia. A definição do Decreto-lei n.º 276/2001, de 17 de Outubro, que estabelece as
normas tendentes a pôr em aplicação a Convenção Europeia para a Protecção dos Animais de Companhia e um
regime especial para a detenção de animais potencialmente perigosos, é similar: “qualquer animal detido ou
destinado a ser detido pelo homem, designadamente, no seu lar, para seu entretenimento e companhia”. Esta
definição manteve-se com o Decreto-Lei n.º 315/2003, de 17 de Setembro.

(15) Cfr. o artigo 285a do Código Civil Austríaco, o §90 do Código Civil Alemão e o artigo 614a do Código Civil
Suíço. Estas disposições são unânimes em determinar que os animais não são coisas, que são protegidos por leis
especiais e que o regime geral do Direito das Coisas só lhes é aplicável na ausência de preceito específico e no que
não contrarie o regime especial previsto.

(16) Veja-se a título de exemplo, PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, com a colaboração de MANUEL HENRIQUE
MESQUITA, Código Civil Anotado, vol. III, anot. ao artigo 1414.º, pág. 398, 9. LUÍS CARVALHO FERNANDES, Teoria
Geral I, pág. 55, fala em condomínio horizontal.

(17) Para LINO SALIS, Il condominio negli edifici, in Trattato di Diritto Civile Italiano, sob a direcção de Filippo
Vassali, vol. V, tomo III, Torino, 1950, pág. 158, o condomínio é um direito e não é correcto chamar condomínio ao
conjunto dos condóminos, ligados entre si pela existência de interesses comuns. Mas, no nosso ordenamento
jurídico, a doutrina, a jurisprudência e a lei utilizam habitualmente a expressão “condomínio” num sentido
subjectivo, para designar o conjunto dos condóminos.

(18) Todas as disposições legais citadas, sem referência em contrário, pertencem ao Código Civil.

(19) Cfr. HERMANN WEITNAUER, Wohnungseigentumsgesetz, 8.ª ed., Franz Vahlen, München, 1995, pág. 295. Nas
palavras de LINA BREGANTE, Il regolamento di condominio, Giuffrè, Milão, 2000, pág. 282, a detenção de animais
numa fracção autónoma é entendida como especificação do direito dominial de cada condómino sobre a sua
fracção autónoma.

(20) Nos termos do artigo 1422.º, n.º 2, alínea c), é especialmente vedado aos condóminos destinar a sua fracção a
uso ofensivo dos bons costumes. Cabem aqui situações, como aquela julgada num tribunal alemão em que um
condómino detinha em casa 11 serpentes e uma grande quantidade de ratos e ratazanas (OLG Frankfurt, AZ 20 W
149/90, citado por BÄRMANN/PICK/MERLE, Wohnungseigentumsgesetz, 7.ª ed., Beck, München, 1997, pág. 428).
Esta decisão é apoiada, unanimemente, pela doutrina. Ver, por todos, KONSTANTIN RIESENBERGER, Alles zum
Wohnungseigentum, 4.ª ed., WRS Verlag, München, 1999, pág. 125.

(21) HENRIQUE MESQUITA, “A propriedade horizontal no Código Civil Português”, in RDES, ano XXIII, n.º 1-4 (1976),
pág. 129, fala a este propósito de compropriedade necessária e permanente.

(22) Temos, assim, uma afectação estrutural, uma afectação envolvente ou de cobertura, uma de comunicação e
uma funcional. Sendo que a enumeração prevista na lei não é taxativa, estes vectores servirão como critérios
orientadores no caso de surgirem dúvidas sobre a natureza comum ou privativa de uma parte. Veja-se o nosso A
Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal”, Almedina, Coimbra, 2006.

(23) Esta presunção de comunhão do n.º 2, do artigo 1421.º, é uma presunção iuris tantum, logo susceptível de ser
ilidida mediante prova em contrário, a realizar no título constitutivo.

(24) O acórdão da Corte di Cassazione, secção II, 3.11.2000 n.º 14353, in Giustizia Civile, 2001, pág. 1012, I, (2),
decidiu que usar os espaços comuns de um edifício condominial fazendo circular um cão, sem as cautelas exigidas
segundo critérios normais de prudência (como açaime ou trela), pode constituir uma limitação não consentida do
igual direito que os outros condóminos têm sobre os mesmos espaços, se resultar que a falta de adopção das ditas
cautelas impede estes últimos de usarem e gozarem livremente esses espaços comuns.

(25) GUIDO VIDIRI, Il condominio nella dottrina e nella giurisprudenza, Giuffrè, Milano, 1999, pág. 107.

(26) Neste sentido, v. o acórdão da Relação do Porto de 19.03.2002, in www.dgsi.pt/jtrp.nsf.

(27) Assim, CHRISTIAN ATIAS, La Copropriété immobilière, Dalloz, Paris, 1995, pág. 29.

(28) HENRIQUE MESQUITA, A propriedade horizontal no Código Civil Português, págs. 94 a 102.

(29) A propriedade horizontal no Código Civil Português, pág. 94.

(30) Como nos diz EDUARDO VÁZQUEZ BOTE, “La propiedad horizontal en Derecho puertorriqueño”, RCDI, LXVIII
(Mar-Abril 1992), 609, pág. 379, para a propriedade horizontal existe um conjunto normativo simultaneamente
autónomo e heterónomo.
(31) Na definição de GIUSEPPE BRANCA, Commentario del Codice Civile de ANTONIO SCIALOJA e GIUSEPPE BRANCA,
2.ª ed., livro III, pág. 479, o regulamento é a lei interna que organiza e articula a vida do grupo; também para
NICOLETTI/REDIVO, Il regolamento e l’assemblea nel condominio degli edifici, 2.ª ed., Cedam, Pádova, 1990, pág.
5, o regulamento constitui a lei interna que organiza e articula a vida de um grupo social, no âmbito de um edifício
pertencendo a vários sujeitos jurídicos que têm a propriedade das várias fracções, os condóminos.

(32) Nos termos do artigo 3.º, alínea f), do Decreto-Lei n.º 160/2006, de 8 de Agosto, o contrato de arrendamento
deve mencionar a existência de um regulamento de propriedade horizontal, se o houver.

(33) Note-se que a assembleia de condóminos, como órgão deliberativo do condomínio, pode sempre e em
qualquer altura deliberar sobre o regulamento de condomínio, alterando-o ou substituindo-o integralmente por
outro, ainda que tenha sido elaborado pelo administrador.

(34) Como lapidarmente decidiu a Cassação italiana, 4.12.1993, n. 12028 in Arch. Locazioni, 1994, 798, se o
regulamento que proíbe ter cães (ou outros animais) no apartamento em edifícios condominiais não tem natureza
contratual (muito grosso modo, o regolamento contrattuale italiano corresponde ao nosso regulamento contido no
título constitutivo) não pode considerar-se eficaz a proibição nessa matéria aprovada pela maioria dos
condóminos, sendo necessário o consenso de todos.

(35) É inválida a cláusula que estabelece a obrigatoriedade de consentimento escrito dos outros condóminos para a
detenção de animais numa fracção autónoma, porque tal obrigação consubstancia, de facto, uma proibição. Assim
decidiu o Tribunal de Karlsruhe (OLG Karlsruhe WE 1988, 96, citado por HERMANN WEITNAUER,
Wohnungseigentumsgesetz, pág. 306), que considerou inválida a cláusula que estabelece a obrigatoriedade de
consentimento escrito dos outros condóminos para a detenção de animais numa fracção autónoma, porque tal
obrigação consubstancia, de facto, uma proibição, ainda que implícita.

(36) Seguimos quase ipsis verbis LUÍS BRITO CORREIA, Os Administradores das Sociedades Anónimas, Almedina,
Coimbra, 1993, pág. 425.

(37) GIUSEPPE BRANCA, Commentario del Codice Civile, pág. 454, caracteriza a assembleia como o órgão supremo,
natural, estrutural, permanente do condomínio. Destarte, não pode dizer-se que seja a mera soma dos
condóminos: as suas deliberações são obrigatórias também para aqueles que não as aceitaram. Também VOLKER
BIELEFELD, Der Wohnungseigentümer, 5.ª ed., Verlag Deutsche Wohnungswirtschaft GmbH, 1995, pág. 392,
considera a assembleia de condóminos como o “oberste” órgão de administração. Para NICOLETTI/REDIVO, Il
regolamento e l’assemblea nel condominio degli edifici, 2.ª ed., Cedam, Pádova, 1990, pág. 100, a assembleia, na
medida que pode decidir recursos contra os actos do administrador, é o órgão superior da administração.

(38) Cfr. NICOLETTI/REDIVO, Il regolamento e l’assemblea nel condominio degli edifici, pág. 96.

(39) PINTO FURTADO, Deliberações dos sócios, pág. 49, entende como deliberação a declaração juridicamente
imputável a uma pessoa colectiva ou simplesmente a um órgão seu, ou ainda, globalmente, a um grupo não dotado
de personalidade jurídica, formada mediante o concurso dos sujeitos de direito que a compõem e moldada pela
fusão das declarações individuais receptícias por eles emitidas (votos) que, no mínimo, integrem o núcleo mais
numeroso de declarações de sentido idêntico.

(40) As normas sobre a constituição da assembleia e a validade das suas deliberações não podem ser contrariadas
por nenhum acto negocial. Entendemos que os condóminos não podem alterar a maioria legalmente estabelecida;
o estabelecimento de uma maioria mais exigente comporta uma correlativa restrição dos poderes que a lei
concedeu à assembleia e dificulta a actividade de administração das partes comuns. Neste sentido, o acórdão da
Relação de Évora, de 19 de Abril de 1990, in CJ, II, págs. 289 e ss., considerou nula a cláusula que exigia a
totalidade dos votos representativos do capital investido para a aprovação das deliberações. “Neste ponto, a lei é
imperativa. De resto, até se poderá, com razão, dizer que as cláusulas contratuais, para poderem ser conformes à
lei, terão de poder dar um mínimo de funcionalidade às situações a que se destinam. Ora, exigir a unanimidade
para toda e qualquer deliberação da assembleia de condóminos, era praticamente o mesmo que tornar
ingovernável o condomínio. Tal situação teria necessariamente de ser afastada pelo legislador que, obviamente,
não criou um instituto na lei para permitir que ele não funcionasse de modo minimamente aproveitável, ou,
mesmo, deixando a possibilidade de situações amiúde verificáveis em que tal instituto ficasse paralisado. Bastaria
a vontade de qualquer dos condóminos, desconforme com a dos outros, para que nada na propriedade horizontal e
condominial pudesse funcionar”. Na doutrina, v. ARAGÃO SEIA, Propriedade Horizontal, 2.ª ed., Almedina,
Coimbra, 2002, pág. 177.
Esta questão é altamente controversa entre a doutrina italiana. Em sentido concordante com o estabelecimento de
uma maioria mais elevada, NOBILE, L’amministratore del condominio, 4.ª ed. revista e actualizada por Guido
Belmonte, Casa Ed. Dott. Eugenio Jovene, Nápoles, 1966, pág. 93, GINO TERZAGO, Il Condominio – Trattato
Teorico-Pratico, 4.ª ed., Giuffrè, 2000, pág. 545, e LINA BREGANTE, Il regolamento di condominio, Giuffrè, Milão,
2000, pág. 55. Pelo contrário, LAZZARO/STINCARDINI, L’amministratore del condominio, pág. 52, e
NICOLETTI/REDIVO, Il regolamento e l’assemblea nel condominio degli edifici, pág. 22, não aceitam a possibilidade
de estabelecer uma derrogação à maioria estabelecida ex lege, exigindo uma mais elevada, pois estas disposições
visam tutelar interesses fundamentais do condomínio ou de terceiros.
Na doutrina alemã, entende-se que o kopfstimmrecht é disponível. Por todos, v. VOLKER BIELEFELD, Der
Wohnungseigentümer, pág. 413.

(41) Cremos que o transmitente de uma fracção autónoma é obrigado a comunicar ao adquirente as deliberações
anteriormente aprovadas. Nos termos do artigo 9.º, do DL 268/94, o administrador, ou quem a título provisório
desempenhe as funções deste, apenas tem o dever de facultar cópia do regulamento aos terceiros titulares de
direitos relativos às fracções. Assim, o administrador pode, legitimamente, recusar-se a apresentar o livro de actas
a um terceiro que se apresente como eventual adquirente de uma fracção autónoma. Por outro lado, a culpa in
contrahendo prevê deveres de esclarecimento a cargo das partes em negociação (cfr. MENEZES CORDEIRO, Da Boa
Fé no Direito Civil, Almedina, Coimbra, 1997, pág. 549); a conclusão de um contrato na base de falsas indicações
ou na base de falta de informação implica o dever de indemnizar, por culpa na formação dos contratos. Na
prática, os futuros adquirentes não procuram o administrador para verificarem as actas, porque acreditam na
palavra do condómino-alienante ou entendem o seu silêncio como sinal da ausência de problemas. A dificuldade
agrava-se quando o condómino-alienante é o próprio administrador do condomínio. Esta opinião não é, contudo,
consensual; v. HENRIQUE MESQUITA, A propriedade horizontal, págs. 134 e 135.

(42) No sentido de que a vontade comunitária só pode formar-se na reunião formal da assembleia de condóminos,
v. ANTÓNIO VENTURA-TRAVESET, Derecho de Propiedad Horizontal, Bosch, Barcelona, 2000, pág. 490.

(43) O legislador refere-se ainda ao acordo de todos os condóminos no artigo 1419.º, n.º 1, para a modificação do
título constitutivo. Parece, quanto a este acordo, que ele pode ser obtido fora da assembleia de condóminos.

(44) Neste sentido, NICOLETTI/REDIVO, Il regolamento e l’assemblea nel condominio degli edifici, pág. 97 e
BÄRMANN/PICK/MERLE, Wohnungseigentumsgesetz, pág. 428.

(45) LUDWIG RÖLL, Handbuch für Wohnungseigentümer und Werwalter, 7.ª ed., Verlag Dr. Otto Schmidt, Köln,
1996, pág. 57, e MARCEL SAUREN, Wohnungseigentumsgesetz, Beck, München, 1995, pág. 145. A proibição de os
animais andarem à solta dentro das partes comuns do edifício não só evita a poluição destes locais e outros
estorvos, como permite identificar, com facilidade, a permanência aí de animais estranhos ao edifício.

(46) PINTO MONTEIRO, Cláusula Penal e Indemnização, Almedina, Coimbra, 1990, págs. 139 e ss., trata destas
sanções ao lado das sanções de índole disciplinar – pena associativa (“Vereinssstrafe”). São penas impostas pelos
órgãos de uma associação, “graças a um poder – sancionatório – inerente ao grupo, para fazer cumprir os deveres
associativos pelos respectivos membros”. A pena associativa destina-se “a exortar os sócios a assumirem um
comportamento conforme ao que a associação lhes exige, de acordo com os estatutos e segundo os padrões ético-
sociais específicos do grupo. Por isso é que a sua imposição passa por um juízo valorativo (Bewertung) ulterior,
através de um procedimento algo semelhante ao de um processo judicial (...)”. A pena associativa “tem
finalidades intimidativas (Abschreckung) e de expiação (Sühne) (...) de acordo com a sua função essencial:
assegurar a disciplina dos membros da associação e o respeito pelos deveres associativos”. Quanto à legitimidade
das penas associativas e das penas pecuniárias do condomínio, ela é naturalmente diferente. Continuando a seguir
os ensinamentos do Autor, a legitimidade das sanções associativas decorre do princípio da autonomia associativa.
Mas há analogia evidente na finalidade a cumprir. As penas associativas visam “assegurar o respeito pelas suas
regras internas de funcionamento e a disciplina do respectivo grupo ou colectividade”. As penas da assembleia de
condóminos são “sanções estabelecidas por um grupo – a assembleia de condóminos –, a fim de fazer respeitar as
suas deliberações, as disposições legais pertinentes ou as decisões do administrador”. Entendemos nós que, ao
contrário das associações, em que a legitimidade das penas é interna, decorrente da autonomia associativa dos
seus membros, no condomínio existe uma legitimidade de origem externa, decorrente de um elemento objectivo:
a convivência, a sociabilidade resultante da unidade estrutural do edifício.

(47) Neste sentido decidiu o acórdão da Relação de Coimbra, de 5 de Junho de 2001, in www.dgsi.pt/jtrc.nsf.

(48) Considerar que o administrador tem poderes negociais e processuais próprios não significa que exista um
campo de actividade reservado ao administrador do condomínio. Onde o administrador se move, também se move
a assembleia dos condóminos: na administração das partes comuns do edifício. Assim, não existirá um vício de
incompetência nas deliberações da assembleia por esta decidir no campo de actividade eventualmente reservado
ao administrador. A assembleia tem competências concorrentes com as do administrador, pelo que não são
impugnáveis as deliberações da assembleia de condóminos por invasão da esfera do administrador.

(49) Cfr. ROBERTO AMAGLIANI, L’amministratore e la rappresentanza degli interessi condominiali, pág. 158.

(50) V. WERNER NIEDENFÜHR/ HANS-JÜRGEN SCHULZE, WEG, Handbuch und Kommentar zum
Wohnungseigentumsgesetz, C. F. Müller Verlag, Heidelberg, 1997, pág. 131.

(51) No caso de o condómino senhorio não assegurar que o arrendatário se comprometa a não deter animais na
fracção autónoma, poderá incorrer em responsabilidade perante os outros condóminos.
(52) LUDWIG RÖLL, Handbuch für Wohnungseigentümer und Werwalter, 7.ª ed., Verlag Dr. Otto Schmidt, Köln,
1996, pág. 258, chama às deliberações aprovadas por unanimidade pseudo-acordos [Pseudovereinbarungen].
Também para GIUSEPPE BRANCA, Commentario del Codice Civile, pág. 418, uma deliberação votada por
unanimidade na assembleia pode só aparentemente ser uma deliberação e, inversamente, esconder um acordo;
não se trata de um comando do condomínio, mas de um acto dos condóminos individuais enquanto proprietários
das fracções (é evidente que o administrador não é obrigado, salvo deliberação expressa, a dar execução a esse
acordo). Quando a assembleia decide sobre coisas comuns, é o condomínio a pronunciar-se; quando dispõe
exclusivamente sobre as fracções, sem tocar, directa ou indirectamente, partes ou serviços comuns, é um acordo
no qual qualquer condómino dispõe do direito que tem como proprietário da sua fracção.

(53) Cfr. FRANCESCO RUSCELLO, ob. cit., pág. 149.

(54) Cfr. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, Coimbra, 1998, pág. 408.

(55) GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, págs. 1095 e 1097.

(56) Para ANTONIO VISCO, “I cani...in regime condominiale”, in Nuovo dir., 1972, pág. 168, é absurda a proibição
indiscriminada de ter um cão, ainda quando esta respeite apenas a diversas espécies destes animais. O cão além
de ser um amigo que faz companhia e brinca com as crianças, é útil para a guarda. No mesmo sentido, GINO
TERZAGO, “Detenzione di animali negli appartamenti di edifici in condominio”, Nuovo dir., 1969, págs. 415 ss. e
LINO SALIS, “Il cani e il...condominio”, Riv. Giur. Edil., 1971, I, pág. 451. GIVORD/GIVERDON, La Copropriété, 4.ª
edição, Dalloz, Paris, 1992, pág. 278, dão-nos notícia de a Cour de Cassation interpretou uma cláusula proibindo
ter um cão como limitada aos “cães barulhentos”. E DARCY ARRUDA MIRANDA, JR., Dicionário Jurisprudencial do
Condomínio, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1980, pág. 10, considera que improcede a acção cominatória
proposta pelo condomínio contra o proprietário de apartamento visando compeli-lo à retirada de animal doméstico
se, não obstante constar de proibição expressa, não se prova qualquer prejuízo para o sossego, a salubridade ou a
segurança dos moradores. A jurisprudência e a doutrina alemãs vão no mesmo sentido; cfr., por todos, HERMANN
WEITNAUER, Wohnungseigentumsgesetz, pág. 379.

(57) Nas palavras de ANTONIO VISCO, “I cani...in regime condominiale”, pág. 170, a cláusula “é proibido deter
animais domésticos no apartamento” deve ser entendida não num sentido absoluto, mas antes relativo, devendo
ser relacionada com as consequências, ou seja, com o distúrbio provocado pelo animal. Se o cão ou o gato, ou
qualquer animal, não é causa de distúrbio para quem vive fora do apartamento, o autor considera que a proibição
não tem valor porque constitui uma intolerável limitação à liberdade individual.

(58) Cfr. LUDWIG RÖLL, Handbuch für Wohnungseigentümer und Werwalter, pág. 56, e MARCEL SAUREN,
Wohnungseigentumsgesetz, pág. 144.

(59) HERMANN KAHLEN, Praxiskommentar zum Wohnungseigentumsgesetz, Luchterhand, pág. 176.

(60) Esta asserção tem vindo a ganhar força também na jurisprudência. Em Itália, a Pret. de Campobasso
(Campopiano c. Mónaco), em 12.5.90, in ALC, 1991, 176, considerou que a simples detenção de um animal não faz
o condómino incorrer na violação da proibição de deter animais, sendo necessário que se verifique, efectivamente,
um prejuízo à colectividade dos condóminos. Na Alemanha, a BayObLG MDR (citada por MARCEL SAUREN,
Wohnungseigentumsgesetz, pág. 144) já decidia neste sentido em 1972.

(61) ROBERTO AMAGLIANI, L’amministratore e la rappresentanza degli interessi condominiali, págs. 61 e ss..
CHRISTIAN LARROUMET, Les Biens, pág. 421, fala do interesse do imóvel distinto do interesse de cada um dos
condóminos. Refere-se a interesse geral dos condóminos, LUCIO GIARLETA, “L’amministratore diventa datore di
lavoro quando assume dei prestatori di lavoro per fare eseguire determinate opere per conto del condominio?”, in
MT, 1974, pág. 600. Segundo MARINA/GIACOBBE, “Condominio negli edifici”, Enciclopedia Del Diritto, VIII, pág.
821, a posição de cada um converge na posição dos outros, em relação à unidade do interesse geral.

(62) Cfr. LAZZARO/STINCARDINI, L’amministratore del condominio, Giuffrè Editore, 1992, pág. 2.

(63) Assim M. ZACCAGNINI, “Il potere di convocazione dell’assemblea da parte dell’amministratore e da parte dei
condomini”, Nuovo dir., 1970, pág. 809.

(64) Também quem entenda que, com base no artigo 1422.º, n.º 2, alínea d, (é especialmente vedado aos
condóminos praticar quaisquer actos ou actividades que tenham sido proibidos no título constitutivo ou,
posteriormente, por deliberação da assembleia de condóminos aprovada sem oposição), a assembleia pode proibir
a detenção de animais numa fracção autónoma – o que nos parece, cada vez mais, duvidoso, pois a detenção de
um animal não se enquadra na expressão “praticar actos ou actividades” tal como vem enunciada nesta disposição
normativa – está sujeito, nessa decisão, à necessidade fundamentadora do concreto interesse colectivo do
condomínio.
(65) Com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 315/2003, de 17 de Dezembro.

(66) Bem andou a Relação de Lisboa ao decidir o acórdão de 26.06.2001 (in www.dgsi.pt.jtrl.nsf) que prevendo a
lei a existência de animais de companhia no lar, tem de se entender que o uso habitacional do arrendado não fica
desvirtuado quanto ao seu fim quando eles lá permanecem: “O gato, sendo um animal detido ou destinado a ser
detido pelo homem, designadamente no seu lar, considera-se animal de companhia. Inexistindo na Lei qualquer
limite quanto ao número de gatos que podem ser alojados em cada fogo e não se provando que estes, embora em
número que excede três dezenas, produzam cheiros ou ruídos que importem um prejuízo substancial para o uso do
imóvel ou incómodo para os vizinhos, não se encontra caracterizado o fundamento do despejo – práticas ilícitas –
previsto na al. c) do n.º 1 do art. 64.º do RAU”. A situação não é, aliás, inédita. O Tribunal de Köln (OLG Köln, de
26.09.95, citado por HERMANN KAHLEN, Praxiskommentar zum Wohnungseigentumsgesetz, pág. 119) já havia
desenvolvido, em 1995, um raciocínio idêntico a propósito de um condómino que detinha mais de 100 pequenos
animais, mas de cuja fracção não emanavam quaisquer cheiros ou barulhos e, portanto, não resultava qualquer
dano para os condóminos vizinhos.

(67) Com as alterações introduzidas pelos Decretos-Leis n.º 76/2002, de 26 de Março, 259/2002, de 23 de
Novembro, e 293/2003, de 19 de Novembro.

(68) Cfr. CARLOS ALBERTO DA MOTA PINTO, Direitos Reais, Lições publicadas por Álvaro Moreira e Carlos Fraga,
pol., Coimbra, 1972, pág. 244.

(69) PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, com a colaboração de MANUEL HENRIQUE MESQUITA, Código Civil Anotado,
anot. ao artigo 1305.º, vol. III, pág. 95, 4.

(70) Direitos Reais, págs. 142 e 143.

(71) Nas palavras de PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, com a colaboração de MANUEL HENRIQUE MESQUITA, Código
Civil Anotado, vol. III, anot. ao artigo 1346.º, pág. 178, 5, exigindo-se prejuízo substancial, põem-se de lado as
emissões que produzam um dano não essencial.

(72) São três os artigos da CRP a ter aqui em conta: o artigo 25.º, n.º 1, que estabelece a inviolabilidade da
integridade física e moral das pessoas; o artigo 64.º, nos termos do qual todos têm direito à protecção da saúde; e
o artigo 66.º, n.º 1, que dispõe o direito de todos a um ambiente de vida humano sadio e ecologicamente
equilibrado. Os dois últimos são direitos sociais, mas de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias,
pelo que se aplica o seu regime (artigo 17.º da CRP). O artigo 2.º, da Lei de Bases do Ambiente, concretiza que
todos os cidadãos têm direito a um ambiente humano e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender,
incumbindo ao Estado, por meio de organismos próprios e por apelo a iniciativas populares e comunitárias,
promover a melhoria da qualidade de vida, quer individual, quer colectiva.

(73) Segundo MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, 1990, pág. 206, os direitos de
personalidade constituem “um círculo de direitos necessários, um conteúdo mínimo e imprescindível da esfera
jurídica de cada pessoa”.

(74) O Direito Geral de Personalidade, Coimbra Editora, Coimbra, 1995, pág. 93.

(75) Cfr. RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, O Direito Geral de Personalidade, pág. 116.

(76) Cfr. o acórdão da Relação de Lisboa, de 19 de Fevereiro de 1987, in CJ, I, pág. 141: “os ensaios de uma
orquestra, quando perturbadores do direito à tranquilidade dos vizinhos violam o direito à saúde e à integridade
física e moral das pessoas, como um direito eminentemente pessoal. Nestes casos o julgador, ao aplicar a lei, não
deve atender a um tipo humano médio, ao conceito de cidadão normal e comum, mas à especial sensibilidade do
lesado, tal como é na realidade”. Esta doutrina foi seguida pelo acórdão da Relação do Porto, de 6 de Fevereiro de
1990, in CJ, I, pág. 92.

(77) RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, O Direito Geral de Personalidade, pág. 232, nota 491, citaHubmann,
considerando que “cada um tem de suportar os pequenos aborrecimentos causados ocasionalmente pelos seus
vizinhos, mas já não tem de suportar uma chicana sistemática”. A vida em comum seria impossível sem cada um
sofrer certas incomodidades, nas palavras de FRANÇOIS CHABAS, Biens, Droit de propriété et ses démembrements,
Leçons de Droit Civil por HENRI e LÉON MAZEAUD e FRANÇOIS CHABAS, tomo II, 10.º volume, 8.ª ed.,
Montchrestien, Paris, 1994, pág. 98.

(78) “Os direitos, cujos limites não estão fixados de uma vez por todas, mas que em certa medida são “abertos”,
“móveis”, e, mais precisamente esses princípios podem, justamente por esse motivo, entrar facilmente em colisão
entre si, porque a sua amplitude não está de antemão fixada. Em caso de conflito, se se quiser que a paz jurídica
se restabeleça, um ou outro direito (ou um dos bens jurídicos em causa) tem que ceder até um certo ponto
perante o outro ou cada um entre si”. Assim, KARL LARENZ, Metodologia da Ciência do Direito, 2.ª ed., tradução
de José Lamego, FCG, Lisboa, 1989, pág. 491.

(79) “Quando se trata de bens constitucionais, o princípio da concordância prática impõe a coordenação e
combinação dos bens jurídicos em conflito de forma a evitar o sacrifício (total) de uns em relação aos outros. (...)
Subjacente a este princípio está a ideia do igual valor dos bens constitucionais (e não uma diferença de hierarquia)
que impede, como solução, o sacrifício de uns em relação aos outros, e impõe o estabelecimento de limites e
condicionamentos recíprocos de forma a conseguir uma harmonização ou concordância prática entre estes bens”.
Assim, GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição,1998, pág. 1098.

(80) Na doutrina anglo-saxónica, MARGARET JANE RADIN, in Reinterpreting Property, 1993, pág. 35 e ss., chama-
lhe propriedade constitutiva, para evitar o equívoco resultante da expressão personal property.

(81) O valor preponderante, e muitas vezes exclusivo, de um animal de companhia para o seu dono não é
económico. Como considera STEVEN M. WISE, “Recovery of Common Law damages”, i, nota 2, se o valor
económico de um animal não é mais que incidental para o seu dono então ele não pode ser definido como um
animal de companhia.

(82) Cfr. STEVEN M. WISE, “Recovery of Common Law damages”, pág. 67.

(83) O acórdão da Relação do Porto, de 2.05.2002, in www.dgsi.pt/jtrp.nsf, considerou viável o pedido de


indemnização, por danos não patrimoniais, relacionados com a morte de um cão, fundado na privação do direito
de propriedade do impetrante sobre o animal. O tribunal considerou que o desgosto de perder o animal, pelo qual
os autores nutriam grande afeição, não é uma mera incomodidade ou contrariedade, mas antes assume dignidade
de reparabilidade por dever ser considerado, à luz do critério acolhido no artigo 496.º, com gravidade tal que o
faça merecer a tutela do direito.

(84) Para a violação dos direitos de personalidade valem os princípios gerais da responsabilidade civil. O acórdão
do STJ, de 13 de Março de 1986, BMJ, n.º 374, 1988, págs. 443 e ss., confirmou o pagamento de uma indemnização
de Esc. 100.000$00, para ressarcimento dos prejuízos resultantes do barulho produzido em casa dos vizinhos,
provenientes do bater de portas, do arrastamento de móveis, e dos aparelhos de rádio e televisão em
funcionamento. A Autora teve de recorrer a tratamentos médicos, tendo sido forçada a pedir a pessoas amigas que
lhe facultassem pernoitar em suas casas por não poder suportar os ruídos que a maltratavam na sua habitação.
Segundo o acórdão, “nem interessa distinguir se a ofensa é cometida deliberadamente ou não, pois em qualquer
hipótese sempre existe a ofensa, e, no caso em análise pelo menos houve negligência dos recorrentes por isso que
não empregaram as cautelas devidas e não alteraram seus comportamentos mesmo depois da prevenção que lhes
foi dirigida quanto ao estado da demandante e aos cuidados que requeria”.

(85) Decidiu o Tribunale di Napoli, 25.10.1990, in Giustizia Civile, 1991, I, 446, que o juiz pode ordenar como
procedimento de urgência o afastamento de cães dos apartamentos dos condóminos se causam distúrbios e
incómodos, entregando a execução aos órgãos públicos com a obrigação de fechá-los em canil (público ou privado)
ou de os ter sob custódia de privados, à escolha do proprietário, com obrigação de não o deixar livre no exterior.

(86) Sobre a execução destas acções, v. RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, O Direito Geral de Personalidade, págs.
481 e 482.

(87) V. ainda as normas aplicáveis à detenção de animais perigosos e potencialmente perigosos, enquanto animais
de companhia, estabelecidas pelo Decreto-Lei n.º 312/2003, de 17 de Dezembro.
Existe legislação que regulamenta as exigências quanto aos cuidados a ter com os animais nos
apartamentos. Porém, não existe legislação que proíba as pessoas de os ter . A mais recente, portaria
nº1427/2001 de 16 de Dezembro,define no seu art.º 1º alínea 2 -“ Sempre que sejam respeitadas as
condições de salubridade e tranquilidade da vizinhança, podem ser alojados por apartamento até três
cães ou 4 gatos adultos” -, ou seja até 4 animais.

O código civil considera os animais pertença (um bem ) das pessoa, tornando-as por eles
responsáveis em todas as situações, logo, as pessoas não podem ser espoliadas dos seus pertences e
ou bens por qualquer regulamento de condomínio sem fundamento plausível.

Quando é celebrado o contracto de promessa de compra e venda de um apartamento e ou aluguer


deve o comprador ou o inquilino ser informado de que existe um regulamento que interdita o acesso a
animais; regulamento que deve estar afixado no imóvel.

Qualquer regulamento feito à posterior ,não pode ser aplicado a quem já tem direitos adquiridos. O
regulamento de condomínio só tem aplicação a partir da sua aprovação e desde que este seja
aprovado por maioria, conforme lei do condómino. Mesmo assim, é discutível a sua validade
porquanto não existe nenhuma lei que proíba a posse de animais, bem pelo contrário.

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