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CIVIL
RESUMO
Este discurso aborda as principais questões referentes ao condomínio ordinário, tratando de seu
conceito, elementos e efeitos jurídicos no Código Civil.
ABSTRACT
This speech addresses the key issues relating to ordinary condominium, treating the concept, elements
and legal effects of the Civil Code.
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Doutorando em Direito Civil pela USP. Mestre em Direito Negocial pela UEL. Professor dos Cursos de
Graduação e Pós-Graduação em Direito Civil e Processo Civil da UEL.
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Doutoranda em Direito Civil Comparado pela PUC-SP. Mestre em Direito Negocial pela UEL. Professora dos
Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito Civil e Processo Civil da UEL.
1 INTRODUÇÃO
2 À GUISA DE CONCEITO
porquanto ambos desfrutarão dos bens um do outro. É verdade que, em muitos casos, a
comunhão é acidental ou decorre da lei, como na hipótese de herança a ser partilhada por
vários herdeiros e no caso de muro ou parede divisória entre imóveis contíguos. Aqui, a
necessidade, e não a vontade, é determinante na gênese da comunhão. Mas tal não infirma,
antes confirma, sua função de regulação de interesses.
Daí a utilidade prática e fundamento econômico da comunhão.
Quando a comunhão recai sobre a propriedade, ocorre o condomínio ou
compropriedade. Logo, a comunhão é gênero, do qual o condomínio é a espécie. O
nascimento deste exige dois elementos: a) sujeito plural e b) coisa indivisa. Em suma, postula
pluralidade subjetiva e unidade objetiva (BESSONE, 1996, p. 79). O condomínio requer a
presença de dois ou mais proprietários, pouco importando sejam eles pessoas naturais,
capazes ou incapazes ou ainda pessoas jurídicas. Em relação à coisa, que será sempre
corpórea, exige-se sua indivisão. Coisa indivisa é aquela que não pode ser dividida ou que,
podendo sê-lo, ainda não o foi. Uma grande fazenda é um bem divisível, mas, se os titulares a
mantêm em comunhão, acha-se indivisa. Mas, se os vários herdeiros a dividirem, cada porção
tornando-se propriedade exclusiva e com escritura registrada, desaparecerá a comunhão e
surgirão vários domínios. Coisas há, contudo, que não comportam divisão, seja material seja
jurídica. Um carro não pode ser fisicamente partido sem perder sua substância
(indivisibilidade física, CC, art. 87), enquanto o imóvel rural de dimensões não superiores ao
módulo perde sua função sócio-econômica se fracionado for (indivisibilidade jurídica,
Estatuto da Terra, art. 65).
Assente ser o condomínio uma comunhão em que vários sujeitos são proprietários de
uma mesma coisa, pode-se conceituá-lo como a técnica jurídica por força da qual várias
pessoas são simultaneamente proprietárias de uma mesma coisa. Para o jurista espanhol Puig
Peña (1972, t. III, v. 1, p. 317), o condomínio é a forma de comunhão por força da qual a
propriedade de um bem corpóreo pertence a uma pluralidade de pessoas por cotas-partes
qualitativamente iguais.
O Direito não exige, no tema sob análise, seja a coisa imóvel. Embora a comunhão
sobre imóveis apresente maior interesse doutrinário, nada impede o condomínio mobiliário.
Um cavalo, um boi, uma bicicleta, um livro ou um anel de brilhante podem ser objeto da
compropriedade. Exigem-se apenas, ao lado do sujeito plural, o estado de indivisão e o
conteúdo econômico da coisa corpórea. Se dois alunos adquirem um exemplar de livro para
seus estudos, dele são condôminos. Se dois criadores arrematam um touro em leilão, dele se
3 NATUREZA JURÍDICA
adquirente.
Os adeptos dessa corrente partem da premissa de ser a indivisão um estado
transitório, pois, cedo ou tarde, a coisa será dividida ou alienada e, daí, cada um dos
condôminos receberá sua parte em dinheiro ou será proprietário da parte agora dividida. Logo,
se o condomínio se resolve nessas condições, tal se deve ao fato de cada condômino ser,
desde o começo da indivisão, proprietário exclusivo de sua parte ideal. É nesse sentido que se
expressa Trabucchi (1996, p. 446): “la divisione ha natureza dichiarativa, e pertanto la parte
materiale di beni, che serà attribuíta in concreto a ciascum condômino, si entende come fosse
stata fin dell’inizio oggeto di sua exclusiva proprietà”.1
Em abono dessa tese pode-se invocar a redação do art. 1.314 do Código Civil, que,
ao cuidar do direito de disposição do condômino, afirma recair ele sobre a cota, e não sobre a
coisa. Esse argumento pode levar à tentadora e singela conclusão de que o domínio de cada
um é parcial no sentido de recair sobre a dita porção ideal. Logo, haveria várias propriedades
parciais, concorrentes e simultâneas. Admitindo-se a existência de propriedades parciais,
recaindo sobre fração ideal, conciliar-se-ia o condomínio com o caráter exclusivo da
propriedade. A propriedade, no condomínio, permanecerá exclusiva porque seu objeto (cota)
será exclusivo.
A segunda concepção, a teoria da propriedade integral, sustenta a ideia de que o
direito de cada condômino recai sobre toda a coisa, e não sobre partes ideais. Cada um pode
se apresentar como proprietário diante de terceiros, dizendo-se dono de toda a coisa. Contudo,
é certo ser esse direito limitado pelos direitos dos demais comunheiros. A cota ou porção ideal
subsiste, não como objeto do direito de propriedade, porém como um critério aferidor dos
direitos e responsabilidades de cada comunheiro. É a teoria adotada por Scialoja, sufragada
por ASCOLI e seguida por boa parte da doutrina pátria. São palavras do jurista italiano: “io
credo che il condomínio sia um rapporto di concorrenza di piu proprietà sulla medisma cosa: a
ciascum condomino spetta sulla cosa un diritto, che è appurato il diritto di proprietà, non
qualche cosa di frazionario (SCIALOJA, 1993, v. 1, p. 432).2
O art. 1.314 do Código, ao possibilitar a cada um dos condôminos reivindicar a coisa
comum, ou proteger-lhe a posse sem a anuência dos demais, pareceu inclinar-se pela segunda
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1
Tradução livre: “a divisão tem natureza declarativa, e portanto a parte material dos bens, que será atribuída em
concreto a cada condômino se entende como se do início objeto de sua exclusiva propriedade.
2
Tradução livre: “eu creio que o condomínio seja uma relação de concorrência de várias propriedades sobre uma
mesma coisa: a cada condômino compete sobre a coisa um direito, que é precisamente o direito de propriedade,
não qualquer coisa de fracionário”. Confira-se, também, ASCOLI, Alfredo. Istituzioni di diritto civile. Nápoles:
Francesco Perrella, 19-¿. p. 73.
teoria. E, com efeito, a teoria das propriedades parciais deve ser rejeitada, pela simples e
óbvia razão de que a propriedade não pode incidir sobre direitos, no caso as cotas ideais. O
objeto do domínio são sempre coisas, jamais abstrações. Pretender fazer incidir a propriedade
sobre direitos seria subverter a lógica do domínio, que sempre teve nas coisas seu objeto. E,
como explica Sá Pereira (1924, v. 8, p. 396-397):
O domínio não se exerce sobre essa parte ideal, porque as coisas ideais não são
suscetíveis de domínio; nem sobre uma parte material, porque a nenhuma parte
material a parte ideal do consorte corresponde. O domínio de cada consorte não se
restringe a uma parte da coisa indivisa; mas abarca toda a coisa.
pela cota (BARASSI, 1945, p. 307). Dito em outras palavras, em cada condomínio há direitos
de propriedade sobre a coisa inteira (uso, gozo etc), mas cada um deles é quantitativamente
delimitado em seu exercício (1/4, 1/3, 1/2 etc).
Se não houvesse limitações no exercício do condomínio, aí sim se poderia falar em
ofensa ao princípio da exclusividade, porque qualquer dos comunheiros poderia explorar a
coisa a seu talante, dela destacando todos os frutos. Se assim agisse, o condômino interditaria
aos demais a percepção dos frutos, anulando-lhes o poder de gozo. Como a propriedade é o
direito de tirar da coisa suas utilidades, dela fazendo uso e fruição - e se cada comunheiro
pode fazê-lo na medida de sua cota e possuindo toda a coisa -, fica claro que a propriedade se
exerce sobre o todo, mas seu exercício se limita pelas cotas.
Assim, parece que a disciplina do condomínio brasileiro é simpática à teoria da
propriedade integral.
Essa a função e o sentido das cotas, não a de atribuir propriedades. Tal asserção não
derroga o princípio da propriedade como direito exclusivo; no condomínio, o exercício da
propriedade é de todos, porém delimitado pelo exercício dos demais. A exclusividade se
mantém, todos se conservam donos, porém na medida de suas cotas, das quais, repita-se,
donos não são. Como singularmente se expressa Silvio Rodrigues (1951, p. 23), no
condomínio, à semelhança do que ocorre na sociedade, tudo é de todos e nada é
especificamente de cada um.
Daí a feliz conceituação de Carlos Maximiliano (1956, p. 7), que, a propósito, busca
inspiração também na doutrina italiana:
4 DOMÍNIO E CONDOMÍNIO
Esse sistema, que refoge ao modelo clássico de domínio, baseado no sujeito singular,
levou CLÓVIS (1956, p. 214) a considerar o condomínio uma forma anormal de propriedade. A
anormalidade repousaria na coexistência de vários titulares sobre a mesma coisa, cada um
5 ESCORÇO HISTÓRICO
Macalense, dentre outros. Assim o direito brasileiro, embora autores existam a sustentar que a
comunhão universal de bens no casamento seja uma manifestação da propriedade comunitária
alemã (WALD, 2003, p. 135).
6 MODALIDADES
adquirem uma chácara para lazer, bens estes indivisíveis, ter-se-á condomínio ordinário
forçado.
Ambas as formas, voluntária e forçada, regem também as coisas adquiridas por
herança ou legado quando a coisa for móvel ou achar-se indivisa. Aqui, não se faz importante
saber a causa da comunhão. Importa antes apurar a natureza da coisa herdada ou legada.
Logo, os bens herdados ou legados podem ser objeto de condomínio ordinário, quer
voluntário quer forçado.
Edilício, de seu turno, é o condomínio cujo objeto são bens imóveis urbanos
compostos por partes privativas e partes de uso comum, de que são exemplos os edifícios de
apartamentos ou salas comerciais. A espécie vem regulada nos arts. 1.331 e ss. do Código e
na Lei 4.591/64, que trata de condomínio e incorporações. Adiante-se, porém, que a forma
edilícia, à símile da ordinária, também pode derivar de negócio entre vivos ou de sucessão por
morte.
Finalmente, necessário é o condomínio imposto pela lei em situações especiais e
tendo por escopo manter a ordem e o sossego entre imóveis contíguos. Dele são exemplos a
comunhão derivada da vizinhança (CC, art. 1.327 e 1.297 e ss.) e algumas formas de acessão
natural, como a formação de ilhas (art. 1.249, I), a aluvião (art. 1.250) e o álveo abandonado
(art. 1.252). Impende ressaltar que todo condomínio necessário é forçado no sentido de que os
comunheiros nele se conservam mesmo contra a vontade. Só poderão titular a coisa na
qualidade de condôminos, e não como proprietários singulares. É o exemplo dos muros ou
cercas divisórias.
Outros critérios podem ser admitidos, como o que enquadra a coisa quanto a sua
forma de divisão. Nesse sentido, conhece-se o condomínio pro diviso e a comunhão pro
indiviso. No primeiro, de que é exemplo o condomínio edilício, existe comunhão de direito,
mas não de fato, pois cada condômino exerce poderes privativos sobre sua unidade. Na
segunda, a comunhão é de fato e de direito, porque os condôminos não se localizaram na
coisa, exercendo posse sobre o todo, portanto (MONTEIRO, 2003, p. 206). É o exemplo dos
vários titulares que adquiriram uma casa na praia ou o dos agricultores que, comprando uma
fazenda, resolvem explorá-la em comum.
Captando-se a causa remota do condomínio, conclui-se, portanto, serem suas fontes
o contrato, a sucessão legítima, o testamento e a lei, sem excluir as formas aplicáveis à
aquisição da propriedade, como a usucapião e as acessões. Quanto à prescrição como causa
geradora do condomínio, v., particularmente, a usucapião coletiva multifamiliar disposta no
7 EFEITOS
Art. 1.314. Cada condômino pode usar da coisa conforme sua destinação, sobre ela
exercer todos os direitos compatíveis com a indivisão, reivindicá-la de terceiro,
4
defender a sua posse e alhear a respectiva parte ideal, ou gravá-la.
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4
Em termos semelhantes está redigido o art. 1.102 do Código Civil Italiano: “Ciascun partecipante può servirsi
della cosa comune, purché non ne alteri la destinazione e non impedisca agli altri partecipanti di farne parimenti
uso secondo il loro diritto. A tal fine può apportare a proprie spese le modificazioni necessarie per il migliore
godimento della cosa”. Tradução livre: “cada um dos participantes pode servir-se da coisa comum, desde que
não altere a destinação e não impeça os outros participantes de fazer igual uso segundo o seu direito. Para tal fim
pode acrescentar, a suas próprias expensas, as modificações necessárias para o melhor aproveitamento da coisa”.
desde que a maioria o autorize (art. 1.323) e o aluguel seja destinado a todos os consortes, na
proporção das respectivas cotas. De igual sorte, achando-se a coisa locada a terceiro,
pergunta-se se poderá o condômino reavê-la para uso próprio, de cônjuge, companheiro,
ascendente ou descendente, forte no art. 47, III, da lei inquilinária. Também aqui a resposta é
positiva, ressalvando-se não ser necessária a anuência dos demais, pois a coisa permanecerá
em seu estado anterior, ou seja, alugada, e os demais já haviam anuído na locação5. Contudo,
como já visto, deverá o condômino ou terceiro pagar o aluguel aos consortes, na proporção
das respectivas cotas, como visto acima;
b) Poder de reivindicação. Na condição de proprietário, poderá o condômino
também reivindicar, reavendo o bem a terceiro que injustamente o detiver. A reivindicação
visa à tutela do domínio e disso decorrem três consequências no âmbito da co-propriedade:
primeiro, não é possível reivindicar contra condômino, eis que este também é proprietário e,
nessa qualidade, poderá opor seu direito ao reivindicante; segundo, a reivindicação só pode ter
por objeto toda a coisa, e não a parte ideal, pois, achando-se esta indivisa, não existe uma
porção física destacada ao reivindicante. Logo, se ele não puder reivindicar toda a coisa, não
terá meios de reivindicar sua parte nela (BESSONE, 1996, p. 85). Finalmente, por ser indivisa a
coisa, a procedência do pedido reivindicatório a todos os comunheiros aproveitará, ainda que
apenas um deles tenha vindicado.
Titular do jus possidendi, vale dizer posse de proprietário, ao condômino é lícito o
manejo das ações e medidas possessórias, seja contra terceiros seja contra os próprios
consortes. Tal não exclui a possibilidade do desforço imediato contra uns e outros, presentes
as hipóteses do art. 1.210, § 1º., do Código. Se um dos condôminos, ainda nos exemplos
apresentados, impede o outro de usar a casa da praia, consumada estará a turbação; também
caracterizada estará a turbação se determinado condômino embaraçar a plantação de soja feita
por um deles. No exemplo dos sem-terra que invadem área em condomínio, presente estará o
esbulho e o ajuizamento da reintegratória por um a todos aproveitará. Condômino ou terceiro
que tenta arrebatar a posse de veículo, legitimamente exercida pelo consorte, sujeita-se às
consequências do desforço imediato. E assim multiplicam-se os exemplos.
Na verdade, todos os remédios judiciais de proteção à posse e ao domínio podem ser
postulados pelo condômino, por ser este possuidor e proprietário. Mencionam-se, assim, os
embargos de terceiro (CPC, art. 1.046), as ações confessórias e negatórias de servidão, a ação
de dano infecto, a ação de demarcação (CPC, art. 946, I), a ação de usucapião (CC, arts. 1.238
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Todavia, a retomada para uso próprio ou para as pessoas indicadas no art. 47, III, da lei inquilinária, não será
admitida quando a coisa estiver locada a condômino;
ss e CPC, arts. 941 ss.) e a ação de imissão na posse, dentre outras. Registre-se, por fim, a
possibilidade da ação de nunciação de obra nova quando terceiros ou os próprios consortes
pretenderem realizar obras que prejudiquem ou alterem a coisa comum (CPC, art. 934, II).
Tal como ocorre com a reivindicação, o provimento liminar ou definitivo nas
possessórias aproveitará a todos.
c) Poder de disposição. A faculdade de dispor produz, na sede condominial, duas
irradiações: o poder de alienar e o poder de constituir ônus e garantias reais. Quanto ao
primeiro, tem-se ser livre ao consorte doar sua cota, para tal não sendo necessária a anuência
dos demais, pois os atos gratuitos de disposição de bens não geram preferências. Nesse caso,
terceiros ingressarão na comunhão mesmo contra a vontade dos comunheiros, que poderão,
não obstante, pedir a extinção do condomínio.
Todavia, a possibilidade de alienação onerosa, vale dizer a venda do quinhão,
apresenta-se bem mais complexa, como abaixo se verá.
Quanto à constituição de garantias reais, pode o condômino fazê-lo sobre o seu
quinhão e à revelia dos comunheiros. A anuência destes será necessária apenas quando a
garantia gravar toda a coisa. Logo, a hipoteca sobre o quinhão de uma casa é de livre
conveniência do condômino-hipotecante; idem em relação ao penhor sobre quinhão de
automóvel. Tais direitos defluem do disposto na última parte do art. 1.314 e, em relação à
hipoteca, estão eles previstos no art. 1.420, § 2º. Contudo, não parece possível possa o
comunheiro dar em anticrese seu quinhão, salvo se concordância dos demais houver, pois essa
espécie de garantia implica o exercício da posse por terceiros, circunstância vedada pelo
parágrafo do art. 1.314.
Questão que pode gerar complexidade reside na resolução da cota condominial em
ação de divisão, pendendo ônus hipotecário. Se isso ocorrer, ou seja, se, por força de sentença
em ação de divisão, o condômino deixar de ser proprietário na pendência de garantia real, a
hipoteca caducará por perda do objeto (SERPA LOPES, 1996, v. VI, p. 348). Idêntica solução
aplica-se à garantia pignoratícia.
No tocante aos ônus reais, como o usufruto, as servidões e a superfície, uma vez que
todos geram o exercício da posse por terceiros, necessária será a anuência da unanimidade dos
consortes, como se vê do parágrafo do art. 1.314.
Vistas os poderes relacionados ao direito de propriedade, examinem-se agora os
direitos decorrentes do fato da indivisão.
d) Direito de preempção. A preempção, preferência ou prelação ocorre quando o
comunheiro deseja alienar onerosamente o quinhão a terceiros. Deverá, antes, comunicar aos
consortes sua intenção. A notificação, escrita e extrajudicial, deverá registrar todas as
condições por que pretende realizar o negócio, especialmente as condições de pagamento,
como preço e prazos. Recebidas pelos condôminos as notificações e interessando-se estes por
adquirir o quinhão, aplicar-se-á o sistema de preferências, que consiste na opção por um
dentre os vários interessados na compra do quinhão.
Em concorrência com terceiro, terá preferência o consorte que igualar ou cobrir a
proposta por aquele oferecida. Se mais de um consorte pretender a cota em negociação,
preferirá aquele que tiver benfeitorias de maior valor e, persistindo o empate, aquele que
possuir o quinhão maior. Caso, ainda assim, não se chegue a uma solução, o quinhão será
adjudicado àqueles consortes que o desejarem, desde que paguem o preço oferecido pelo
terceiro. A regra vem estampada no parágrafo do art. 504 do Código, redigido
especificamente para a venda de quinhão condominial: Sobre isso não há controvérsia ou
grandes debates nem na cátedra nem nos pretórios.
Contudo, frequentes são os casos de condômino que aliena onerosamente a coisa sem
prenotificar os demais. Em tal caso, aplicar-se-á o disposto no caput daquele dispositivo.
Art. 504. Não pode um condômino em coisa indivisível vendar a sua parte a
estranhos, se outro consorte a quiser, tanto por tanto. O condômino, a quem não se
der conhecimento da venda, poderá, depositando o preço, haver para si a parte
vendida a estranhos, se o requerer no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, sob pena
de decadência.
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Silvio Rodrigues (1951, p. 199) discorda da solução prevista no art. 504, que, a seu ver, ofende o princípio da
segurança jurídica;
arrendamento ou parceria, deve-se operar a analogia com o art. 504. O prazo será o mesmo de
180 dias, mas não haverá pagamento de preço. Reconhecendo a procedência do pedido, que
pode ser acolhido como tutela antecipatória, o juiz investirá o consorte na posse da área
transmitida, carreando ao requerente, porém, a obrigação de remunerar os demais pelos frutos
que vier a perceber. Não se trata de evento raro, sendo comum em condomínios rurais de
pequenas dimensões, onde um ou mais dos herdeiros arrendam o imóvel a estranhos,
preterindo o irmão agricultor. Como aqui não há registro, conta-se o prazo a partir da tradição
ou, numa opinião mais liberal, a partir da ciência inequívoca do consorte preterido.
É necessário assentar, finalmente, só ser possível o exercício da preempção quando a
coisa for indivisível. Uma fazenda, embora indivisa, não autoriza a preferência. Idem em
relação a um apartamento, embora compreendido no conceito de condomínio (art. 1.331).
e) Direito de pedir a divisão ou a venda da coisa. Não pode o condômino ser
compelido a manter-se em comunhão. Por isso a lei lhe confere o direito potestativo de
pleitear ou a divisão da coisa ou a extinção do condomínio (art. 1.320). Em relação à primeira
hipótese, que pressupõe evidentemente a divisibilidade, aplicar-se-ão as regras referentes à
partilha de herança (CC, arts. 2.013 a 2.022), como, por exemplo, a possibilidade de se
proceder por escritura pública quando amigável a divisão, ou a intervenção judicial, caso não
se chegue a um consenso.
Se amigável a divisão e imóvel a coisa, lavra-se e registra-se a escritura,
consumando-se daí a partilha e a extinção do condomínio. Quando os condôminos divergirem
acerca da partilha da coisa imóvel, possível será o ajuizamento da ação de divisão, prevista no
art. 946, II, do CPC. Cuida-se de procedimento complexo, demorado e custoso, a envolver
trabalhos de agrimensura, demarcação, avaliação etc. Vencidas as várias exigências desse tipo
de processo, o juiz deliberará sobre a divisão efetiva (CPC, art. 979). Cumprirá a ele, ao
decidir, velar pelo maior equilíbrio entre os condôminos, sendo-lhe lícito, para tal fim, agir
com o sistema de compensações.
É o caso da divisão de uma grande fazenda condominial. Supondo uma área de dois
mil hectares, deixada a quatro filhos por óbito do pai, a divisão não ocorrerá com o simples
destaque de quatro partes de quinhentos hectares e sua entrega a cada um dos herdeiros. Um
terreno com tal dimensão é certamente composto de áreas heterogêneas, de valor diverso.
Assim, haverá áreas de reserva florestal, porções com grande incidência de pedras, partes não
servidas por mananciais de água, terrenos pantanosos ou de várzea e espaços com acessões e
benfeitorias (casas, depósitos, silos, poços etc.), além das regiões cultiváveis.
Art. 1.322. Quando a coisa for indivisível, e os consortes não quiserem adjudicá-la a
um só, indenizando os outros, será vendida e repartido o apurado, preferindo-se, na
venda, em condições iguais de oferta, o condômino ao estranho, e entre os
condôminos aquele que tiver na coisa benfeitorias mais valiosas, e, não as havendo,
o de quinhão maior.
Parágrafo único. Se nenhum dos condôminos tem benfeitorias na coisa comum e
participam todos os condomínio em partes iguais, realizar-se-á licitação entre
estranhos e, antes de adjudicar a coisa àquele que ofereceu maior lanço, proceder-se-
á à licitação entre os condôminos, a fim de que a coisa seja adjudicada a quem afinal
oferecer maior lanço, preferindo, em condições iguais, o condômino ao estranho.
condominial, não poderá o credor demandar a dívida de todos, mas apenas do comunheiro que
com ele contratou. Este assumirá o total da dívida perante aquele, mas terá ação regressiva
contra os consortes, os quais concorrerão também na proporção de seus quinhões.
É a regra que emerge do Código, litterim: “Art. 1.318. As dívidas contraídas por um
dos condôminos em proveito da comunhão, e durante ela, obrigam o contratante; mas terá este
ação regressiva contra os demais”.
A solução pode gerar problemas ao credor. Medite-se no seguinte exemplo. A, B e
C, domiciliados na Cidade de São Paulo, são condôminos de uma casa em Campos do Jordão
e convencionam que, durante o inverno, cada um deles a usará num dos meses da estação (A
em julho, B em agosto e C em setembro). Durante a estada de B, um vendaval arrebata as
telhas à casa, obrigando-o a adquirir materiais em determinado depósito de construção. B
assume a dívida e é emitida duplicata para resgate em 30 dias, tendo ele indicado a referida
casa como sua residência (ele, de fato, lá reside temporariamente, embora domiciliado na
Capital). Passa-se o prazo convencionado e o credor se dirige até a casa, onde encontra agora
C. Considerando não estar este obrigado ao pagamento e achando-se B de volta à cidade, o
credor terá dificuldade em receber o crédito.
Tal solução, como de resto todas as que se referem às relações com terceiros,
também deflui do fato de o condomínio ser um ente sem personalidade jurídica.
É de advertir, todavia, que nem sempre o condômino devedor terá o direito de
regresso contra os consortes. Tal somente será possível em se tratando de benfeitorias
necessárias, como no exemplo da substituição das telhas. Cuidando-se de benfeitorias úteis ou
voluptuárias, imprescindível será a autorização da maioria (art. 1.323), conforme se verá
adiante, no tema da administração do condomínio.
b) Dever de não alterar a substância da coisa e de não dar posse a estranhos. Tem-
se aqui um exemplo de obrigação negativa. A substância identifica-se com a destinação do
bem. Uma casa de moradia não pode ser transformada numa clínica; um veículo de passeio
não pode ser convertido num táxi; campos de pastagem não podem ser substituídos por
campos de trigo. Ao condômino não é dado promover tais alterações, a menos que os demais
assintam. Não se contentou o legislador com o critério da maioria; quis antes o da totalidade,
à semelhança do que fez no art. 1.351, que trata da mudança de destinação do condomínio
edilício.
Idêntico critério aplica-se à transmissão da posse a estranhos. A locação, o comodato,
o arrendamento, a parceria, o usufruto e seus desmembramentos só poderão ser constituídos
mediante aquiescência de todos. Se o condômino der posse a estranhos à revelia dos demais, o
ato será tido por ineficaz, podendo os consortes, por si ou conjuntamente, invalidar o negócio
e reintegrar-se na posse da coisa.
As obrigações negativas aqui referidas encontram-se no parágrafo do art. 1.314:
“nenhum dos condôminos pode alterar a destinação da coisa comum, nem dar posse, uso ou
gozo dela a estranhos, sem o consenso dos outros”.
c) Dever de notificar da intenção de venda os consortes e de partilhar os frutos. Tais
obrigações já foram analisadas quando do discurso sobre o direito do condômino de exercer a
preferência e de aproveitar os frutos (cf. 6.1., a e b). Em relação aos frutos, convém aditar
que, achando-se eles pendentes, colhidos ou estantes, poderá o condômino promover cautelar
de sequestro para impedir que o consorte que os plantou deles se desfaça (CPC, art. 882, I);
cuidando-se de frutos percebidos, lícito ao condômino será promover ação de prestação de
contas, a fim de apurar o quinhão que lhe cabe no produto da venda (CPC, art. 914, I). Como
era dever do comunheiro partilhar os frutos com os demais, não o fazendo estará sujeito a tais
ações, às quais se poderá cumular o pedido de perdas e danos, a teor da regra geral do art. 186
do Código.
8 ADMINISTRAÇÃO
legislador parte da idéia de que, não podendo eles aproveitá-la pessoalmente, tomarão uma
dentre duas decisões: administrar o bem ou dá-lo em locação. Na primeira hipótese, nomearão
mandatário, que poderá ser um dos próprios condôminos ou um terceiro. O critério de escolha
é o da maioria absoluta, calculada esta não sobre o número de titulares, mas sobre a dimensão
dos quinhões. Se um dos condôminos não se conformar com a escolha, poderá pedir a divisão
ou venda do bem, direito que, como se viu, pode ser exercido a qualquer tempo. Do contrário,
será civilmente obrigado pelos atos do procurador.
Os atos do mandatário obrigam os condôminos segundo o regime geral do contrato
de mandato (art. 653 ss.). Tal negócio pode ser efetivado verbalmente ou por escrito. Num e
noutro caso, haverá representação. É possível também a figura do mandato tácito, o que
ocorre quando um dos condôminos, tomando a frente da comunhão, começa a administrar
sem oposição dos demais. Se, por exemplo, um dos filhos assumir a administração da fazenda
herdada ao pai e entregar anualmente aos irmãos o produto da venda das safras, sem qualquer
questionamento da parte destes, será presumido mandatário de todos (art. 1.324).
Quanto à extensão dos poderes do administrador, tem-se serem eles apenas
negociais, resumindo-se aos atos de conservação da coisa e de sua viabilização econômica. O
administrador de um cavalo de corrida poderá prover-lhe alimentação, adestramento,
veterinário, vacinas e inscrevê-lo no turfe, mas não poderá vendê-lo, dá-lo em penhor ou
comodá-lo. Estes atos, porque abusivos, reputam-se ineficazes diante dos condôminos, mas
aqueles, sendo necessários à conservação do animal ou implicando frutos civis, consideram-se
válidos. Verificando-se o condomínio em um latifúndio canavieiro, a compra de veículo de
passeio não obrigará os comunheiros, porque manifestamente estranha ao objeto daquela
empresa rural. Por isso se recomenda ao terceiro, também aqui, maior cautela quando
negociar com mandatários de condomínio.
Não querendo o universo condominial possuir a coisa nem nomear administrador,
poderá, na dicção do art. 1.323, alugá-la. Entenda-se nestes termos: não sendo a coisa
possuída ou administrada, a posse será entregue a terceiros, não necessariamente a título de
locação como refere o dispositivo, porquanto admissível a celebração de quaisquer contratos
de empréstimo, como o arrendamento e a parceria agropecuária. Logo, o vocábulo locação,
previsto no dispositivo, deve ser interpretado ampliativamente, para o fim de se entender
qualquer contrato de empréstimo oneroso. A idéia é a de que o condomínio traga vantagens
econômicas aos titulares que não o podem administrar, donde afastar-se o empréstimo
gratuito.
O art. 1.323 permite que a cessão da posse seja decidida pela maioria, enquanto
providência semelhante, a teor do parágrafo do art. 1.314, exige “o consenso dos outros”,
dando a idéia de unanimidade. A diversidade de critérios reside no fato de que a situação
regulada pelo primeiro dispositivo pressupõe uma potencial anencefalia do condomínio, que
não está sendo administrado pelos titulares. Logo, para não tornar as coisas ainda piores, o
legislador houve por bem seguir o critério da deliberação por maioria. A situação regulada
pelo segundo dispositivo é diversa, porque lá existe uso pessoal da coisa
No caso de administração, ainda que útil e proveitosa, o condômino é obrigado a
acatar a decisão da maioria, mas, não se conformando, poderá pedir venda ou divisão, direito
que, como se viu, é potestativo e pode ser exercido sem justa causa e a qualquer tempo.
Ocorrendo de os condôminos deliberarem sobre a cessão temporária da posse, seja
por locação ou outro contrato, deverão assegurar a preferência ao consorte. Na negativa,
aplicar-se-á a solução apresentada no item 6.1, “a”, acima (direito de preempção), podendo o
condômino obter a posse para si em analogia com o art. 504 do Código.
Questão tormentosa repousa nas deliberações, pois, se o art. 1.325, § 1º., exige
maioria absoluta, nem sempre se atinge esse quorum, ou então ocorre de as votações
resultarem em empate. Numa e noutra hipótese, qualquer dos condôminos poderá provocar a
intervenção jurisdicional, mediante procedimento especial de jurisdição voluntária, forte no
art. 1.112, IV, do CPC. Ouvidos os demais condôminos, proverá o juiz a solução que entender
mais razoável, não sendo obrigado, nesse caso, a adotar parâmetro de legalidade estrita (art.
1.109 do mesmo diploma).
O Código atual incluiu a questão da distribuição dos frutos na subseção referente à
administração (art. 1.326). Dos frutos já se falou em item anterior, aduzindo que sua partilha
se dará na proporção dos quinhões. Acrescente-se, contudo, que tal critério é apenas supletivo
da vontade, podendo os condôminos, ou ainda o doador ou testador, dispor em contrário.
9 EXTINÇÃO
10 CONCLUSÃO
velho Código, mostra não ter sido prioridade do Projeto Reale introduzir alterações
substanciais na matéria. De fato, os arts. 1.314 e ss., aqui examinados, não constituem
inovação de fundo, senão mera alteração literal de alguns dispositivos. Permanecem os
fundamentos históricos do instituto, vale dizer a teoria da propriedade integral, o que melhor
se afeiçoa ao princípio da funcionalização dos direitos reais.
Nesse sentido, pode-se afirmar que, embora o novo Código não tenha introduzido
substanciais alterações, o princípio da socialidade implica em que o instituto do condomínio
deve ser visto à luz da função econômica e social dos direitos reais, previstos no art. 5º.,
XXIII, da CF.
O condomínio é um poderoso instrumento de realização da propriedade.
Compreendê-lo sob a ótica dos princípios é elementar na nova ordem jurídica, onde impera a
idéia da repersonalização dos direitos privados.
REFERÊNCIAS
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MOREIRA ALVES. Curso de direito romano. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978.
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