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DIREITO CIVIL VI:

DIREITOS REAIS

Cinthia Louzada Ferreira Giacomelli


Posse
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Explicar a origem e o conceito de posse.


 Discutir a respeito das teorias acerca da posse.
 Analisar a natureza jurídica e o objeto da posse.

Introdução
Nas sociedades mais primitivas, desde as primeiras civilizações e as co-
munidades da Grécia Antiga, já se percebia a existência do conceito de
posse, embora não houvesse regramento sobre esse instituto. Foi apenas
com o advento do Direito romano que se passou a estabelecer as relações
de propriedade e posse de maneira mais conceitual, indicando limites
práticos e normativas específicas.
A partir dos conceitos que formam o instituto jurídico da posse, ao longo
do tempo, foram desenvolvidas teorias, que se tornaram majoritariamente
aceitas e que podem ser sintetizadas em dois principais grupos, tendo
como representantes Savigny e Ihering, que defendem a teoria subjetiva
e a teoria objetiva da posse, respectivamente. De maneira geral, embora
com perspectivas diferentes, é possível afirmar que há similitudes entre
as duas teorias, no que se refere à natureza jurídica e ao objeto da posse.
Neste capítulo, você vai ler sobre a origem e o conceito de posse, as
teorias que a fundamentam, bem como a natureza jurídica e o objeto
da posse, de acordo com a legislação e a doutrina.

1 Origem e conceito de posse


As descobertas arqueológicas das mais diversas épocas indicam que a posse
já estava presente nos primórdios da humanidade, como percebemos, por
exemplo, por meio da revelação de cadáveres mumificados junto com objetos,
como joias e documentos.
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Já na Grécia, o chamado período homérico, estabelecido entre XII a.C. e


VIII a.C., foi marcado pela formação das comunidades gentílicas, constituídas
por pequenas unidades agrícolas nas quais todos os insumos e as riquezas
eram produzidas coletivamente. O líder desses grupos era o chamado pater,
responsável por organizar as ações administrativas, judiciárias e religiosas
que deveriam ser desempenhadas por toda a comunidade.
Ao longo do tempo, porém, a falta de terras e o uso de técnicas de plantio
muito rudimentares resultaram em um crescimento populacional maior do que
a prática agrícola das comunidades gentílicas. Desse modo, foi estabelecida
uma nova configuração social, de forma que os membros mais próximos ao
pater passaram a integrar uma classe de proprietários de terras. Surgiram,
então, as relações gregas de posse e propriedade.
No entanto, para Rezende (2010, p. 1), não é de todo útil investigar, por
meio das várias teorias imaginadas e desenvolvidas por filósofos e juristas, a
“[...] origem da propriedade, porque, frente a fenômenos jurídicos, é bastante
que pesquisemos a origem desses fenômenos na organização romana, porque
foi Roma que organizou o Direito, com uma extensa projeção sobre o futuro”.
Assim, o marco jurídico da posse (e da propriedade) deve ser considerado a
partir do Direito romano. Como afirma Venosa (2018, p. 31):

Na história romana, o próprio conceito de posse foi sendo alterado nas di-
versas épocas, recebendo influências do direito natural, direito canônico e
direito germânico. [...] Na concepção mais aceita, o vocábulo posse provém
de possidere; ao verbo sedere apõe-se o prefixo enfático por. Nesse sentido
(semântico), posse prende-se ao poder físico de alguém sobre a coisa. Há
também os que sustentam que o termo deriva de potis (senhor, amo).

Nesse sentido, uma das principais dúvidas sobre o instituto jurídico da posse é
se ele se trata de um fato ou de um direito. A doutrina não é pacífica nesse ponto,
sendo que, para Tartuce (2019, p. 32), a posse é um direito, ou seja, “[...] o domínio
fático que a pessoa exerce sobre a coisa”. Já Venosa (2018, p. 32) entende que:

[...] a posse é o fato que permite e possibilita o exercício do direito de proprie-


dade. Quem não tem a posse não pode utilizar-se da coisa. [...] Por conseguinte,
prefere o ordenamento proteger sempre e com maior celeridade e eficácia
o que detém aspecto externo da propriedade, a investigar em cada caso, e
demoradamente, o título de proprietário e senhor.
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Apesar das divergências doutrinárias, aqui é fundamental citar uma distinção conso-
lidada na doutrina: o ius possidendi e o ius possessionis. O primeiro refere-se ao direito
de posse fundado na propriedade, ou seja, o possuidor também é proprietário e, se
perder a posse, não deixará de ser proprietário. Já o segundo é o direito fundado
no fato da posse, no aspecto externo, de forma que o possuidor pode não ser o
proprietário, embora pareça ser.

Citamos o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça, que refere os


conceitos de ius possidendi e ius possessionis em relação ao inadimplemento
de um contrato de compra e venda de automóvel:

RECURSO ESPECIAL — AÇÃO DE MANUTENÇÃO DE POSSE INTEN-


TADA PELO VENDEDOR DECORRENTE DE INADIMPLEMENTO DE
CONTRATO DE COMPRA E VENDA [...] Hipótese: A controvérsia diz
respeito à necessidade ou não de prévia rescisão do contrato de compra e
venda com reserva de domínio a fim de viabilizar a manutenção/recuperação
da posse do bem vendido, ante o inadimplemento do comprador. [...] Des-
necessário o ajuizamento preliminar de demanda rescisória do contrato de
compra e venda, com reserva de domínio, para a obtenção da retomada do
bem. Isso porque não se trata, aqui, da análise do ius possessionis (direito
de posse decorrente do simples fato da posse), mas sim do ius possidendi,
ou seja, do direito à posse decorrente do inadimplemento contratual, onde a
discussão acerca da titularidade da coisa é inviabilizada, haja vista se tratar
de contrato de compra e venda com reserva de domínio onde a transferência
da propriedade só se perfectibiliza com o pagamento integral do preço, o
que não ocorreu em razão da inadimplência do devedor. Cabia ao vendedor/
credor optar por qualquer das vias processuais para haver aquilo que lhe
é de direito, inclusive mediante a recuperação da coisa vendida (ação de
manutenção de posse), sem que fosse necessário o ingresso preliminar com
demanda visando rescindir o contrato, uma vez que a finalidade da ação
é desconstituir a venda e reintegrar o vendedor na posse do bem que não
chegou a sair do seu patrimônio, dando efetivo cumprimento à cláusula
especial de reserva de domínio [...] (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA,
2015, documento on-line).
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As palavras domínio e propriedade aparecem frequentemente no estudo das relações


jurídicas de posse, de forma que podem ser compreendidas da seguinte forma: domínio
refere-se às coisas incorpóreas, enquanto propriedade refere-se às coisas corpóreas
e incorpóreas. No entanto, muitas vezes, não erroneamente, são utilizadas como
sinônimos, de forma que não há muita preocupação doutrinária em distinguir os
termos. A reserva de domínio, por exemplo, é cláusula típica dos contratos de compra
e venda de veículo e consiste no fato de que a propriedade do bem somente passará
para o comprador após o pagamento integral.

O termo “posse” também é utilizado de maneira muito ambígua, em diversos


contextos, de forma que não pode ser confundida com outros institutos. Entre
essas confusões de sentido, Diniz (2018) cita alguns institutos:

 Posse como propriedade — como comentado, nem sempre quem


possui uma casa é seu proprietário e vice-versa; em geral, quando se
comenta que “fulano possui uma casa”, refere-se que a propriedade da
casa é do fulano, mas, em sentido jurídico, essa frase se refere apenas
que fulano tem a posse de uma casa.
 Posse como exercício de um direito — o art. 1.547 do Código Civil
prevê que “[...] na dúvida entre as provas favoráveis e contrárias, julgar-
-se-á pelo casamento, se os cônjuges, cujo casamento se impugna,
viverem ou tiverem vivido na posse do estado de casados” (BRASIL,
2002, documento on-line). Trata-se de uma referência incompatível
como o conceito próprio de posse, pois o estado de casados não pode
ser possuído.
 Posse como assunção de um cargo público — no Direito Ad-
ministrativo, refere-se ao indivíduo que toma posse de um cargo
público. Conforme previsto no art. 28 da Constituição Federal,
por exemplo:
[...] a eleição do Governador e do Vice-Governador de Estado, para mandato
de quatro anos, realizar-se-á no primeiro domingo de outubro, em primeiro
turno, e no último domingo de outubro, em segundo turno, se houver, do ano
anterior ao do término do mandato de seus antecessores, e a posse ocorrerá
em primeiro de janeiro do ano subsequente, observado, quanto ao mais, o
disposto no art. 77 (BRASIL, 1988, documento on-line).
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 Posse como poder sobre outra pessoa — no Direito de Família, até


pouco tempo atrás, era comum mencionar “a posse dos filhos”, uma
expressão que atualmente foi substituída por “guarda dos filhos”, de-
signando o poder familiar dos pais, o consequente direito de ter os
filhos em sua companhia e o direito de reclamá-los de quem os detenha.

Considerando os elementos que formam a posse e o cuidado para não utilizar


o termo “posse” em sentido impróprio, ao longo do tempo, foram desenvolvidas
teorias que se tornaram majoritariamente aceitas e que podem ser sintetizadas
em dois principais grupos, tendo como representantes Savigny e Ihering.

2 Teorias da posse
A teoria subjetiva tem como principal defensor Friedrich Carl von Savigny,
jurista alemão do século XIX, por meio da qual a posse pode ser conceituada
como o poder direto que alguém tem de dispor fisicamente de um bem com a
intenção de tê-lo e de defendê-lo. Para essa corrente, a posse é constituída de
dois elementos: o corpus e o animus domini. O corpus caracteriza-se pelo poder
de disponibilidade do bem, enquanto o animus caracteriza-se pela intenção de
exercer o direito de propriedade sobre a coisa. A partir de conceitos, Tartuce
(2019, p. 33) afirma que:

Logicamente, pelo segundo elemento, pela intenção de dono, poder-se-ia


concluir que, para essa teoria, o locatário, o comodatário, o depositário,
entre outros, não seriam possuidores, pois não haveria qualquer intenção de
tornarem-se proprietários. Portanto, não gozariam de proteção direta, o que
os impediria de ingressar com as ações possessórias.

Para a teoria objetiva, cujo principal defensor foi Rudolf Von Ihering,
jurista alemão do século XIX, para que a posse seja constituída, basta que o
indivíduo disponha fisicamente da coisa ou que tenha a mera possibilidade de
exercer esse contato. De acordo com a teoria objetiva, dispensa-se a intenção
de ser dono, de forma que a posse dispõe de apenas um elemento, o corpus, de
forma que, como comenta Tartuce (2019, p. 33), “[...] para essa teoria, dentro
do conceito de corpus está uma intenção, não o animus de ser proprietário,
mas de explorar a coisa com fins econômicos”.
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Um exemplo clássico da teoria objetiva, conforme comentado por Diniz (2018), é, ao


encontrar em um bosque um feixe de lenha amarrado, é evidente, a partir da própria
situação do bem, que ele está sob a posse de alguém e que, caso nos apossemos do
feixe de lenha, cometeremos um furto. Do contrário, se encontrarmos um anel caído
no chão, essa situação denuncia perda ou abandono, pois ali não é o local adequado
de um anel, permitindo, então, em tese, que seja possível apossar-se dele.

Entre as duas teorias, o Código Civil adotou parcialmente a teoria objetiva


de Ihering, conforme prevê o art. 1.196: “Art. 1.196 Considera-se possuidor
todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes
inerentes à propriedade” (BRASIL, 2002, documento on-line).
Assim, para o ordenamento jurídico brasileiro, o locatário e o comodatá-
rio, por exemplo, são considerados possuidores e podem fazer uso das ações
possessórias, inclusive, contra o próprio proprietário. Basta, portanto, que o
possuidor tenha qualquer um dos atributos da propriedade (usar, gozar, dispor
e reaver). São elementos das teorias da posse:

 Teoria subjetiva — para caracterizar a posse, é necessária a presença


de dois elementos: corpus + animus domini.
 Teoria objetiva — para caracterizar a posse, é necessária a presença
de apenas um elemento: corpus.

Assim, em síntese, a teoria subjetiva compreende a posse:

 como configurada apenas pela união de corpus e animus;


 é o poder imediato de dispor fisicamente do bem, defendendo-a de
terceiros;
 a mera detenção não possibilita o uso de interditos possessórios.

Por outro lado, a teoria objetiva defende que a posse:

 é condição de fato da utilização econômica da propriedade;


 é meio de proteção do domínio;
 é o caminho que conduz à propriedade, ou seja, é um direito.
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Ainda, para que seja caracterizada perante o Direito brasileiro, como ato
jurídico que é, a posse deve envolver um sujeito capaz, um objeto corpóreo ou
incorpóreo e uma relação de dominação entre o sujeito e o objeto; na ausência
de qualquer desses elementos, não há que se falar em relação possessória. Aqui,
é fundamental estabelecer uma distinção entre posse e detenção. Observemos
a previsão do art. 1.198 do Código Civil (BRASIL, 2002, documento on-line):

Art. 1.198 Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de depen-


dência para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento
de ordens ou instruções suas.
Parágrafo único. Aquele que começou a comportar-se do modo como pres-
creve este artigo, em relação ao bem e à outra pessoa, presume-se detentor,
até que prove o contrário.

O conceito de detentor trazido pelo art. 1.198 refere-se ao fâmulo da posse,


que, para Diniz (2018, p. 57), “[...] é aquele que, em virtude de sua situação
de dependência econômica ou de um vínculo de subordinação em relação a
uma outra pessoa (possuidor direto ou indireto), exerce sobre o bem não uma
posse própria, mas a posse desta última e em nome desta, em obediência a
uma ordem ou instrução”. Nesse caso, o detentor não tem direito de invocar
proteção possessória, uma vez que resta afastado o elemento econômico da
posse. Podemos citar como exemplos:

 os caseiros;
 as empregadas domésticas;
 os bibliotecários.

3 Natureza jurídica e objeto


Conforme comentado, a natureza jurídica da posse é bastante controvertida,
de forma que alguns autores a entendem como fato e outros, como direito.
Há, nesse sentido, três correntes doutrinárias:

1. a primeira, que sustenta a posse como fato;


2. a segunda, que compreende a posse como um fato e um direito;
3. a terceira, que entende a posse como um direito.

As correntes doutrinárias sobre a natureza jurídica da posse são:


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 Posse como fato — a posse é entendida como o fato que permite e


possibilita o exercício do direito de propriedade.
 Posse como fato e como direito — é um fato em si mesma e é um
direito quanto aos seus efeitos, como, por exemplo, a usucapião.
 Posse como direito — é um direito real, tendo em vista que é a visi-
bilidade da propriedade.

Para a doutrina majoritária, no entanto, a posse é um direito, um direito


real, tendo em vista que é a visibilidade da propriedade. Como comenta
Diniz (2018, p. 69), “[...] pode-se aplicar o princípio de que o acessório
segue o principal, sendo a propriedade o principal e a posse, o acessório,
já que não há propriedade sem a posse. Nada mais objetivo do que integrar
a posse na mesma categoria jurídica da propriedade, dando ao possuidor a
tutela jurídica”.
Assim, se a propriedade é um direito real, a posse também é. Diniz (2018)
comenta, ainda, que a posse apresenta todas as características de um direito
real, quais sejam:

 a posse pode ser exercida diretamente, sem intermediários;


 a posse é oponível erga omnes;
 a posse incide obrigatoriamente sobre determinado bem.

Apenas para relembrar, os direitos reais conceituam-se como as relações


jurídicas estabelecidas entre pessoas e coisas determinadas ou determináveis,
tendo como fundamento principal o conceito de propriedade, caracterizada
pelo direito de usar, gozar, dispor e reaver.
Nesse sentido, entre as classificações dos direitos reais, destacamos o
direito real de garantia, que é um instituto jurídico sobre coisa alheia, que se
diferencia dos direitos reais de gozo e fruição em virtude do seu conteúdo e
pela sua função. São direitos utilizados para assegurar o cumprimento de uma
obrigação, porém não se confundem com ela, tendo em vista que só haverá
garantia se houver uma dívida. De acordo com o art. 1.419 do Código Civil:
“Art. 1.419 Nas dívidas garantidas por penhor, anticrese ou hipoteca, o bem
dado em garantia fica sujeito, por vínculo real, ao cumprimento da obrigação”
(BRASIL, 2002, documento on-line).
Assim, caso uma dívida seja assegurada por uma garantia real, o credor
terá preferência sobre o valor que pode auferir com a venda judicial do bem
gravado. Na hipoteca ou no penhor, quando verificado o inadimplemento
da obrigação, o bem dado em garantia é oferecido à penhora, e o valor
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alcançado em leilões será destinado, de preferência, ao pagamento da


obrigação garantida. Na anticrese, o bem dado em garantia é transferido
para o credor, que, com as rendas por ele produzidas, pretende-se pagar.
O penhor é uma das espécies de direito real de garantia e se relaciona
com o instituto da posse, uma vez que exige a presença de duas figuras
distintas: o credor e o devedor pignoratício, sendo que o devedor pignoratício
pode ser o sujeito passivo da obrigação principal ou o terceiro que oferece
o ônus real. Em geral, como comenta Diniz (2018, p. 549), “[...] é ele que
contrai o débito e transfere a posse do bem empenhado, como garantia ao
credor, logo, deve ser proprietário do objeto onerado, devendo ter a livre
disposição de seus bens, como o poder de alienar, livremente, o bem dado
em garantia”. Já o credor pignoratício é aquele que recebe o bem empenhado
e a sua posse, pela tradição.
Outro direito real que se relaciona diretamente com o instituto jurídico da
posse é o usufruto. O usufruto é um direito real transitório que concede a seu
titular o direito de uso e gozo de bens que pertencem a outra pessoa, por tempo
certo ou de maneira vitalícia. Nos termos do art. 1.390 do Código Civil: “Art.
1.390 O usufruto pode recair em um ou mais bens, móveis ou imóveis, em
um patrimônio inteiro, ou parte deste, abrangendo-lhe, no todo ou em parte,
os frutos e utilidades” (BRASIL, 2002, documento on-line).
O usufruto não se caracteriza como uma restrição ao direito de proprie-
dade, mas sim uma restrição à posse direta, que é deferida a outra pessoa:
essa pessoa desfruta do bem alheio em sua totalidade, retirando-lhe os frutos
produzidos. No que se refere aos bens móveis, eles não podem ser fungíveis
ou consumíveis, mas poderão ser corpóreos ou incorpóreos, podendo ser
constituído usufruto sobre patentes de invenção e ações de uma sociedade
anônima, por exemplo.
No usufruto, há a existência de dois sujeitos: o usufrutuário e o nu-proprie-
tário. Para Diniz (2018, p. 472), “[...] o usufrutuário, que detém os poderes de
usar e gozar da coisa, explorando-a economicamente, e o nu-proprietário, que
faz jus à substância da coisa, tendo apenas a nua-propriedade, despojada de
poderes elementares”. O nu-proprietário, portanto, é assim chamado porque
está desprovido dos atributos diretos relativos ao domínio útil do imóvel, que
estão com o usufrutuário. Contudo, o nu-proprietário detém a posse indireta
ou imediata da coisa, diante do exercício do direito real.
No que se refere ao objeto da posse, em geral, todas as coisas que podem
ser objeto de propriedade podem ser objeto de posse, sejam elas corpóreas
ou incorpóreas. No que se refere aos bens incorpóreos, Venosa (2018, p. 55)
apresenta uma interessante reflexão acerca da posse de direitos:
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Destarte, embora inexata a expressão posse de direitos, tem ela perfeita compre-
ensão na doutrina. [...] Desse modo, como corolário da teoria objetiva da posse,
há de ser concebido como possuidor todo aquele que no âmbito das relações
patrimoniais exerça um poder de fato sobre um bem. Mas, em qualquer situação,
a posse deve estampar uma exterioridade ou aparência. Sem esta, não há como
defendermos a existência da posse, porque impossível torna-se o animus, porque
não existirá o fato passível de posse. Por essa razão, não chegamos ao extremo
de admitir a posse de um direito de crédito, por exemplo, como também não
deferimos proteção possessória à manutenção de um cargo ou função pública,
para cujo resguardo existem medidas específicas, distantes da noção possessória.

Assim, seguindo o entendimento da doutrina majoritária, a posse, em sua


natureza jurídica, pode ser compreendida como um direito, e o seu objeto pode
se referir a bens corpóreos ou incorpóreos, que, por sua vez, não podem ser
confundidos com posse de direitos não aparentes, como ocorre com cargos
públicos e direitos de crédito, por exemplo.

BRASIL. Constituição da república federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União,


Brasília, 5 abr. 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/
constituicao.htm. Acesso em: 10 abr. 2020.
BRASIL. Lei nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial
da União, Brasília, 11 jan. 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
leis/2002/l10406.htm. Acesso em: 10 abr. 2020.
DINIZ, M. H. Curso de direito civil brasileiro: direito das coisas. 33. ed. São Paulo: Saraiva,
2018.
VENOSA, S. de S. Direito civil: reais. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2018.
REZENDE, A. A posse e sua proteção. 2. ed. São Paulo: Lejus, 2000.
TARTUCE, F. Direito civil: direito das coisas. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp 1056837/RN. Recurso especial – ação de manu-
tenção de posse intentada pelo vendedor decorrente de inadimplemento de contrato
de compra e venda com cláusula especial de reserva de domínio – tribunal de origem
que reforma a sentença para indeferir o pleito possessório, ante a inexistência de
rescisão contratual preliminar – insurgência da parte autora. Relator: MARCO BUZZI.
2015. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/websecstj/cgi/revista/REJ.cgi/ITA?seq=145
9953&tipo=0&nreg=200801029596&SeqCgrmaSessao=&CodOrgaoJgdr=&dt=201511
10&formato=PDF&salvar=false. Acesso em: 18 abr. 2020.
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