Você está na página 1de 162

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA – UnB

FACULDADE DE ECONOMIA, ADMINISTRAÇÃO, CONTABILIDADE E CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO E


DOCUMENTAÇÃO – FACE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO

Lógica Administrativa do Estado Moçambicano


(1975 –2006)

Vasco Pedro Nyakada

Orientador: Profª. Drª Eda Castro Lucas de Souza

Brasília – DF
2008
Vasco Pedro Nyakada

Lógica Administrativa do Estado Moçambicano


(1975 –2006)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em


Administração da Universidade de Brasília – PPGA/UnB, como
requisito parcial para à obtenção do grau de Mestre em Administração.

Orientador: Profª. Drª Eda Castro Lucas de Souza

Brasília – DF
2008
Lógica Administrativa do Estado Moçambicano
(1975 –2006)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em


Administração da Universidade de Brasília – PPGA/UnB,
como requisito parcial para à obtenção do grau de Mestre em
Administração.

Aprovada por:

Profª Eda Castro Lucas de Souza


Universidade de Brasília – PPGA/FE/UnB
(Orientadora)

___________________________________

Prof. Dr. Paulo du Pin Calmon


Universidade de Brasília – PPGA/IPOL/UnB
(examinador interno)

___________________________________
Prof. Dr. Henrique Carlos de Oliveira Castro
Universidade de Brasília – CEPPAC/UnB
(examinador externo)

___________________________________

Prof. Dr. Eduardo Raulp Vargas


Universidade de Brasília – PPGA/IPOL/UnB
(suplente)

___________________________________
Sumário

Dedicatória..................................................................................................................................i
Epígrafe......................................................................................................................................ii
Agradecimentos........................................................................................................................iii
Resumo......................................................................................................................................iv
Abstract......................................................................................................................................v
Lista de abreviaturas e siglas..................................................................................................vi
Lista de figuras.........................................................................................................................vi
Lista de quadros.......................................................................................................................vi
Lista de tabelas........................................................................................................................vii

Introdução..................................................................................................................................1

1 – Referencial teórico..............................................................................................................6
1.1 - Conceito de Estado Moderno.........................................................................................6
1.2 - Estado e administração.................................................................................................13
1.2.1.- Modelos de administração pública.........................................................................15
1.2.1.1.- Modelo patrimonial.............................................................................................16
1.2.1.2 - Modelo burocrático..............................................................................................20
1.2.1.3 - Modelo gerencial.................................................................................................26
1.3 – Reforma do Estado.......................................................................................................32

2– Metodologia........................................................................................................................44
2.1 - Natureza da pesquisa..................................................................................................44
2.2 - Coleta de dados...........................................................................................................44
2.3 - Estratégia metodológica da pesquisa..........................................................................44
2.4 - Limitações..................................................................................................................46

3 – Evolução histórica das instituições políticas e administrativas de Moçambique........47


3.1 - Processo de formação e desenvolvimento do Estado moçambicano...........................47
3.1.2 - Período de vigência do Sistema Colonial (1884/5 –1975).......................................47
3.1.2.1- Processo de luta anti-colonial (1964 –1974)..........................................................53
3.1.2.2 - Transição do regime colonial rumo à independência política (1974 –1975).........56

4 – A independência política e a trajetória do Estado moçambicano (1975 –2006)..........59


4.1 - Edificação do Estado socialista (1975 –1986)..............................................................61
4.2 - Reconstrução do Estado sob signo do liberalismo (1986 – 1994)................................81
4.3 - Transição democrática e consolidação das instituições democráticas (1994 – 2001)..90
4.4 - Democracia e modernização do Estado (2001 – 2006)...............................................107
4.5 - Situação econômica no decurso das mudanças político-institucionais.......................116
4.5.1 – Visão estratégica do PARPA (teoria do programa)................................................122
4.6 – Síntese das principais transformações do aparato estatal..........................................133
5. Considerações finais e sugestões......................................................................................136

Referências.............................................................................................................................144
Dedicatória

Aos meus pais, irmãos e sobrinho pela


presença constante na minha trajetória
acadêmica.
A Jana pelo seu elevado interesse em
conhecer e saber mais sobre Moçambique. E
porque juntos idealizamos sonhos.

i
Epígrafe

A tarefa prioritária do intelectual num país como Moçambique parece não ser a de ter
respostas, a de arrogar-se a presunção de dar soluções. O intelectual como ensinava
o saudoso mestre Aquino de Bragança, deve interrogar-se e levantar dúvidas,
suscitar a reflexão e o debate, aprofundar a análise dos problemas, criticar decisões e
medidas que prejudiquem o relacionamento entre os homens e com a natureza,
sugerir novas estradas de pensamento e de ação a percorrer, proporcionar
informação à comunidade e aos seus dirigentes para apoiar a participação eficaz de
todos na reconstrução do país, para que o exercício da democracia seja cada vez
mais um ato consciente e a expressão da liberdade das mulheres e dos homens
(CABAÇO, 1995, P. 114).

ii
Agradecimentos

A edificação de um empreendimento desta natureza foi possível graças ao apoio de um


conjunto de indivíduos e instituições com os quais contraí uma dívida de gratidão.

No domínio institucional agradeço o apoio prestado pelo ISS e pelo ISRI.

Quero registrar os meus eternos agradecimentos aos meus pais Pedro Vasco António Nyakada
e Elvira Zeferino, por terem investido na minha educação e incutido em mim o espírito de luta
incansável pelo saber, traduzido pela ânsia por conhecimento.

Aos meus irmãos Lúcio, Agapito e Márcia, por terem me incentivado e confortado ao longo
dos momentos de angústia e desânimo.

Os meus sinceros agradecimentos:

À professora Eda Castro Lucas de Souza, pela dedicação, orientação e abertura de novos
horizontes.

Ao professor Henrique Carlos de Oliveira Castro pelas criticas, sugestões pertinentes e


valiosas, sua disponibilidade e incentivo.

Ao professor Paulo Du Pin Calmon pela abertura, criticas e sugestões.

Ao professor Jamisse U. Taimo, pelas palavras de estímulo e encorajamento proferidas na


véspera da minha partida à Brasília, cidade que encheu de orgulho a JK e ao povo brasileiro.

Ao professor Juvêncio Cumbane pela preocupação constante em relação ao meu desempenho


acadêmico.

À Janaína Ferreira Bittencourt Pereira, pelo amor e carinho demonstrado ao longo da nossa
prazerosa relação e pela “co-orientação”.

À família Bittencourt, não só vão os meus agradecimentos, mas também meu reconhecimento
pelas qualidades excepcionais que demonstraram ao longo da convivência que tivemos. Devo
confessar que, no Brasil, só me senti num ambiente familiar quando estive convosco.

Por fim, estendo os meus agradecimentos a todos que direta ou indiretamente contribuíram
para a consecução desta pesquisa e que não foram mencionados.

iii
Resumo

A presente pesquisa aborda questões relativas ao processo de mudanças institucionais sofridas pelo
Estado moçambicano ao longo das últimas três décadas. O estudo objetivou identificar a lógica
administrativa desse Estado através da análise do desenvolvimento sócio-histórico das suas
instituições políticas. Na abordagem desse, privilegiam-se as relações sociais e políticas
estabelecidas no decurso do processo histórico. Trata-se de uma pesquisa qualitativa de natureza
descritiva baseada em documentos institucionais. Durante a descrição do processo de mudança
institucional, constatou-se que o aparato administrativo é configurado através da coabitação ou
interconexão entre os modelos de administração pública patrimonial, burocrática e gerencial. No
entanto, o ambiente institucional apresentou, na sua trajetória, um pendor burocrático em detrimento
das restantes vertentes administrativas, que aparecem em segundo plano. Os valores conservadores
e autocráticos convivem, de forma não anacrônica, com instituições democráticas, causando esse
hibridismo político-institucional no aparato administrativo do Estado moçambicano.
Palavras-chave: Estado; Reforma do Estado; modelos de administração pública; instituições;
desenvolvimento institucional.

iv
ABSTRACT

This research addresses issues concerning the process of institutional changes made to the
Mozambican state over the past three decades. The study aimed to identify the logic of that
administrative rule by examining the socio-historical development of its political institutions. In this
approach, focus is the social relationships and policies established during the historical process. This
is a qualitative research based on descriptive nature of institutional documents. During the description
of the process of institutional change, it was found that the administrative apparatus is configured
through cohabitation or interconnection between the models of government property, bureaucratic and
managerial. However, the institutional environment presented in its path, an incline bureaucracy at the
expense of other administrative aspects, which appear in the background. The autocratic and
conservative values coexist, but are not anachronistic, with democratic institutions, causing this
political-institutional hybridism the administrative apparatus of the Mozambican state.
Keywords: State; Reform of the State; models of government, institutions, institutional development.

v
Lista de abreviaturas e siglas

AGP............................................................................................................Acordo Geral de Paz


BM....................................................................................................................Banco Mundial
CIRESP................................................Comissão Interministerial da Reforma do Setor Público
CNE............................................................................................Comissão Nacional de Eleições
CRM.........................................................................Constituição da República de Moçambique
CRPM.........................................................Constituição da República Popular de Moçambique
EAC.....................................................................................................Estratégia Anticorrupção
EGRSP................................................................Estratégia Global da Reforma do setor Público
FMI..............................................................................................Fundo Monetário Internacional
FRELIMO.........................................................................Frente de Libertação de Moçambique
Frelimo.................................................................................... Nome do Partido criado em 1977
GD´s.........................................................................................................Grupos Dinamizadores
IAF.........................................................................Inquérito Nacional de Agregados Familiares
INE.............................................................................................Instituto Nacional de Estatística
ONG´s...................................................................................Organizações Não Governamentais
PARPA.......................................................Plano de Ação para a Redução da Pobreza Absoluta
PRE...................................................................................Programa de Reabilitação Econômica
PRES.................................................................. Programa de Reabilitação Econômica e Social
Renamo...............................................................................Resistência Nacional Moçambicana
RPM.....................................................................................República Popular de Moçambique
RSP.....................................................................................................Reforma do Setor Público
UTRESP............................................................Unidade Técnica da Reforma do Setor Público

Lista de figuras

Figura 1 – Dinâmica da Lógica Administrativa........................................................................15


Figura 2 – Modelo da Teoria do PARPA................................................................................130

Lista de quadros

Quadro 1 – Principais características do modelo patrimonial...................................................18


Quadro 2 – Principais características da burocracia racional-legal..........................................24
Quadro 3 – Principais características do modelo gerencial......................................................30
Quadro 4 – Síntese dos três principais modelos administrativos..............................................31
Quadro 5 – Modelo de análise da pesquisa...............................................................................45
Quadro 6 – Lógica administrativa nos primórdios da independência (1975-1986)..................80
Quadro 7 – Lógica administrativa durante a reconfiguração estatal (1986-1994)..............89-90
Quadro 8 – Lógica Administrativa no período entre (1994-2001).........................................106
Quadro 9 – Lógica administrativa no processo de modernização estatal (2001-2006)..........115
Quadro 10 – Dinâmica da lógica administrativa do Estado moçambicano (1975-2006).......138
Quadro 11 – Dinâmica da lógica administrativa do Estado moçambicano (1975-2006).......140
Quadro 12 – Dinâmica da lógica administrativa do Estado moçambicano (1975-2006).......141

vi
Lista de tabelas

Tabela 1 – Eleições gerais em Moçambique 1994 – 2004........................................................95


Tabela 2 – Eleições locais em Moçambique 1998 e 2003........................................................97
Tabela 3 – Índice de valores de alguns indicadores econômicos no período de 1974 a
1993.........................................................................................................................................118

vii
Introdução

Dentro da região austral da África está situada a República de Moçambique, um


Estado cuja independência política foi alcançada em 1975, deixando por essa via de ser
colônia portuguesa. Depois da consumação deste fato histórico, o governo instituído procurou
criar ou construir instituições fortes para consolidar esse Estado, numa trajetória que conheceu
fases distintas obedecendo a certa lógica administrativa de acordo com seu posicionamento
ideológico.

Portanto, a transição do regime colonial para um novo regime significou o início da


configuração de novas instituições. Mas, como elas são construídas, socialmente, em um
processo simultaneamente estruturado e estruturante, derivado de percepções subjetivas,
surgem diferenças lógicas na maneira de conceber essas instituições. No entanto, tais
percepções podem se tornar racionais quando adquirem “utilidade” e passam a ser
amplamente compartilhadas para satisfazer a um objetivo específico do contexto social
(VIEIRA e CARVALHO, 2003). Do ponto de vista institucional, o Estado é reconhecido,
socialmente, como a última e mais perfeita forma de administração social até agora instituída.
No mundo civilizado, onde várias instituições são concebidas, o Estado tornou-se um mito
cuja existência ninguém se opõe, seja ele do tipo militar, feudal, monárquico, liberal,
socialista ou capitalista (BAZZO, 1994).

Nesse sentido, o Estado como instituição é, também, configurado de maneiras


diferentes de acordo com as percepções dos principais atores sociais, sendo na maioria das
vezes alvo de processos de reestruturação que resultam, em grande medida, de influências
ideológicas. Ou seja, a emergência da retórica reformista está associada aos diversos matizes
ideológicas que orientam as sociedades modernas, exigindo a reconstrução e ou, redefinição
do Estado (REZENDE, 2004). A “globalização e todas as inovações tecnológicas que
transformaram a lógica do setor produtivo também afetaram – e profundamente – o Estado”
(ABRUCIO, 2003, p. 176). Progressivamente, vão sendo criadas modificações nas relações
entre esta entidade e a sociedade. Aliás, a concepção de uma agenda de reformas do setor
público representa uma das respostas visíveis para tal fenômeno (REZENDE, 2004, p. 23).
Conseqüentemente, governantes e intelectuais de vários países passaram, a partir da década de
1980, a conferir particular importância à questão da reforma do Estado. Assim, as
preocupações em relação a esse assunto intensificaram-se, a partir da década de 1990, quando

1
o movimento reformista abraçou um conjunto significativo de países interessados em adotar
mudanças nas formas de responder aos problemas sociais.

Nos Estados contemporâneos, há constantes pressões sociais com intuito de levá-los a


melhorar a sua capacidade de resposta às crescentes demandas dos cidadãos, sobretudo em
sociedades onde o exercício da cidadania está garantido pelo sistema democrático, permitindo
que esses atores sociais façam exigências aos governantes. É nesse âmbito que surgem,
atualmente, um conjunto de políticas que conduzem o processo de modernização do Estado,
preconizando a flexibilidade das instituições, a transparência e a melhoria constante da
prestação de serviços públicos.

Ademais, “o Estado contemporâneo é formado por um mosaico de instituições com


objetivos, capacidade técnica, valores, paradigmas, formatos institucionais e graus de
interlocução e interação bastante dispares em relação aos diversos atores sociais”
(AZEVEDO, 2006, p. 139). É por esse motivo que essas instituições precisam adaptar-se às
transformações socioeconômicas, através da melhoria na burocracia para poderem alcançar os
fins superiores do Estado.

Conforme sugere Souza (2003), num contexto democrático, a manutenção do Estado


como regulador e provedor de serviços (sobretudo os de âmbito social), implica
transformações em nível do aparato administrativo, levando o Estado a assumir a função de
prestador de serviços públicos, inerentes aos direitos essenciais da sociedade, assim como
multiplicar os já existentes, mantendo e melhorando a qualidade na Administração Pública.
Por conseguinte, “a reformulação e a modernização da administração pública, no sentido de
racionalizar as ações e aumentar a eficiência e a eficácia das suas instituições, respondendo
com agilidade e competência às demandas do governo e da sociedade, fazem-se cada vez mais
necessárias (SOUZA, 2003, p.206). De acordo com o argumento apresentado por Abrúcio
(2003), a administração, a nível mundial, encontra-se num contexto “revolucionário”, uma
vez que algumas práticas tradicionais estão sendo abandonadas por não resolverem
problemas, apenas contribuem para que os mesmos se incrementem cada vez mais.

Nessa perspectiva, a reestruturação administrativa implica a necessidade de se


repensar e redesenhar os processos de prestação de serviços públicos. Por isso, nota-se uma
crescente preocupação em reinventar a administração, promover ações que garantam sua
eficiência e eficácia, assim como eliminar as patologias e disfunções da burocracia que
emperram o funcionamento da máquina administrativa, dificultando as tentativas de responder
às exigências fundamentais das sociedades modernas, caracterizadas pela observância, no seio
2
delas, de uma complexidade crescente de problemas. Pressupõe-se que responder às principais
demandas sociais implica um cometimento com a forma como se estrutura o aparelho do
Estado, pois, esta sociedade política deveria ter capacidade de materializar os propósitos da
sua existência, desempenhando positivamente o seu papel na sociedade como um todo. Aliás,
a modificação das formas administrativas e seu redimensionamento constituem uma das
condições primordiais para a viabilização das estratégias de reforma administrativa que são
parte integrante da reforma do Estado (SOUZA, 2003).

Na senda do que acontece (u) em muitos países do Leste Europeu, da América Latina,
da Ásia e da África, Moçambique tem vindo a sofrer profundas alterações na maneira de gerir
as relações entre o Estado e a sociedade. Segundo Egeu (1992) e Fry (2001), ao longo dos
últimos cinqüenta anos, registraram-se, nesse país, rápidas e dramáticas mudanças políticas e
econômicas, com maior incidência para o período pós-independência, no qual têm sido dados
passos excessivamente rápidos em vários domínios sociais. O principal desafio das mudanças
consiste em modificar a forma de governo e, concomitantemente, a estrutura que influencia o
funcionamento do aparato estatal. É interessante observar que, o Estado burocrático
moçambicano foi concebido numa altura em que o mundo conhecia constantes mudanças,
cuja repercussão incidia, também, sobre esse novo agrupamento político, daí que pode ter
adotado no processo de sua formação uma espécie de mimetismo institucional.

No processo de evolução do Estado moçambicano,

As filosofias, objetivos, estratégias, políticas e programas de desenvolvimento foram-se


modificando em resposta as crises conjunturais e estruturais, pressão e oposição internas,
alterações no ambiente internacional, nos modelos e modos de pensamento econômico e
pressões de doadores em direções opostas (CASTEL-BRANCO, 1995, p.581).
Assim, as instituições que surgem como produto de interação e adaptação. Este
processo tem revelado que, os elementos institucionais e ambientais sempre tiveram um papel
preponderante nas etapas centrais do desenvolvimento institucional.

Gradualmente, o Estado foi sentindo necessidade de exercer maior desempenho nas


áreas da vida econômica e social, modificando seu aparato para obter maior flexibilidade
institucional. Para o efeito, sempre procurou adotar procedimentos políticos e administrativos
considerados adequados para cumprir com sua missão.

Diante do exposto acima, considera-se pertinente à formulação de questões como:


Qual a lógica político-administrativa que o Estado moçambicano seguiu durante o seu
percurso histórico? Qual a relação dessa lógica política com o processo administrativo?
Como se deu a transformação do Estado em função da sua lógica política?

3
Esses questionamentos levam ao objetivo geral, que é identificar os diferentes
momentos históricos políticos do Estado moçambicano e as principais transformações
administrativas que incidiram sobre esse Estado no contexto sócio-político das reformas
estatais. Especificamente pretende-se (1) identificar as similitudes entre os ciclos de reforma
e os principais modelos de administração pública; (2) identificar as características
administrativas que o setor público adquiriu em decorrência das reformas estatais; (3)
identificar a lógica administrativa do Estado através da análise do desenvolvimento sócio-
histórico das instituições políticas; (4) identificar algumas especificidades que contribuem
para as mudanças institucionais.

Com a pesquisa realizada, poder-se-á contribuir para a compreensão da reforma do


Estado no contexto da trajetória política moçambicana, pois, conhecer o contexto no qual esse
processo se desenvolveu permite vislumbrar melhor as conseqüências das ações
organizacionais inerentes ao desenvolvimento do Estado e da administração pública. Poderá,
também, incentivar outros estudos relacionados com a problemática da modernização
administrativa, colaborando deste modo para o aprofundamento do conhecimento relativo a
essa sociedade política. O Estado e a administração pública, como um todo, já foram alvos de
vários estudos sistemáticos, mas para o caso do Estado moçambicano os estudos ainda são
escassos, mesmo havendo muitos assuntos do domínio estatal que possam ser abordados
academicamente. Daí a relevância dessa pesquisa. Tendo em conta essas constatações, tornou-
se perceptível a necessidade de se desenvolver um estudo que permita compreender melhor os
processos de mudanças institucionais efetuados, no quadro político-administrativo, durante o
período que sucedeu à independência política.

Desta feita, com o estudo desenvolvido, pretende-se abordar aspetos relacionados às


transformações nas organizações públicas, dando particular ênfase ao processo de mudanças
de caráter político e administrativo do Estado moçambicano. Do ponto de vista de
demarcação temporal, o estudo vai abarcar o período de 1975, por ser a altura da criação do
chamado Estado Novo, até 2006, ano em que terminou a primeira fase da implementação do
Programa de reestruturação estatal, que é denominado de Estratégia Global da Reforma do
Setor Público (EGRSP), cujo término está previsto para 2011. É neste intervalo de tempo
aonde se inserem as principais fases políticas e administrativas do país em estudo.

O presente estudo, foca questões de âmbito político-administrativo, no entanto, são


salientados alguns aspetos de caráter econômico, porque a política, a administração e a
economia estão interligadas como adverte Vieira (2005, p. 188) quando afirma que:

4
A maioria da literatura sobre a transição moçambicana tende a examinar os processos
econômicos (ajuste estrutural, introdução da economia de mercado) e os processos políticos
(acordo de paz, democratização) separadamente ou, quando muito, como transições paralelas.
No entanto, sob o ponto de vista mais amplo da re-configuração do Estado, fica claro que
ambas as transições – cada uma com seus altos e baixos e seus determinantes internos e
externos – condicionaram-se mutuamente, num processo dinâmico de interação sujeito a
múltiplas e cambiantes lógicas, conforme a ação dos diversos atores ou forças sociais
provocavam ou reagiam às mudanças.
Esta pesquisa divide-se em quatro capítulos. No primeiro, é feita a apresentação geral
de aspectos subjacentes ao tema pesquisado; procura-se mostrar as razões para a
reestruturação do aparato estatal, sua pertinência, seu processo histórico e os modelos de
administração pública predominantes nas diferentes sociedades. Ou seja, são focados os
aspetos teóricos que serviram para fundamentar a própria pesquisa. Nesta parte, foi conferida
primazia a componentes teóricas que tratam de questões relativas à reforma do Estado. No
segundo capítulo estão contidos os procedimentos metodológicos que serviram de base para a
efetivação desse estudo, é dedicado à descrição do percurso metodológico da pesquisa. No
terceiro capítulo procura-se descrever o processo de formação do Estado moçambicano
iniciado com a implantação do Sistema colonial após a Conferência de Berlim. No quarto, são
descritas e analisadas as principais transformações pelas quais o aparelho do Estado
moçambicano atravessou no âmbito político, administrativo e econômico, destacando a
influência do ambiente institucional dentro do período pós-independência. Por último, são
apresentadas ilações suscetíveis de serem tiradas a partir dos dados reunidos durante a
pesquisa.

5
CAPÍTULO I

Referencial Teórico

Este capítulo busca apresentar reflexões teóricas que discutem aspetos inerentes à
instituição denominada Estado. As diferentes contribuições descrevem, resumidamente, o
processo de sua evolução histórica, destacando os elementos conjunturais que determinaram a
configuração do aparato estatal, desde o seu surgimento, até ao novo cenário institucional.
São apontadas alternativas de análise do Estado, através de algumas reflexões importantes,
vinculadas à problemática das reformas estatais que têm ocorrido, com maior ou menor
intensidade, em quase todas as sociedades. Atualmente, essas mudanças são comuns, pois a
sociedade política precisa adaptar-se para desempenhar a sua função com eficácia e eficiência,
respondendo positivamente aos desafios propiciados pelas condições das sociedades
contemporâneas.

O arcabouço teórico, que se segue, contribuirá para desvendar a lógica administrativa


no quadro das transformações das instituições estatais abordadas, através das diferentes linhas
teórico-interpretativas. Enfim, os pressupostos teóricos, que são apresentados a seguir,
resultam de reflexões que ajudam a compreender as mudanças em nível das instituições
estatais, como será observado em diante.

1.1 – Conceito de Estado Moderno

O Estado emergiu, historicamente, em virtude da natureza social do homem e da


necessidade de um mecanismo, consensual, para garantir a satisfação das necessidades
coletivas, assim como para regular a interação entre os indivíduos no contexto social. Nesta
ordem de idéias, o Estado é uma unidade política responsável ou encarregue de organizar as relações
sociais (POULANZAS, 2000). Trata-se, neste caso, de uma instância social que possui um
potencial transformador em relação à sociedade, uma vez que ao articular as necessidades dos
diferentes atores sociais, ele cria um efeito multiplicador ao longo do processo de interação
(TEIXEIRA e SANTANA, 1994).

Essa instituição tornou-se tão complexa, contribuindo para que a sua definição
apresente uma multiplicidade de acepções. Os teóricos que refletem sobre o Estado assumem
posições divergentes no que concerne à maneira como deve ser concebido e administrado,
para atingir altos níveis de desempenho.

6
Segundo Bobbio (1983), o conceito de Estado não é universal, daí a existência de
diferentes acepções. Todavia, serve para referir-se a uma forma de ordenamento político
surgida na Europa a partir do século XIII, até fins do século XVIII ou inícios do século XIX,
tendo em conta pressupostos e motivos específicos inerentes ao processo da história européia.
Posteriormente, se estendeu libertando-se das suas condições originais e concretas de seu
nascimento, passando a fazer parte de todo o mundo civilizado.

A partir do sucesso diferente e dos vários graus de domínio que as velhas e novas forças
sociais apresentaram, surgiram as diferenças verificadas em diversos países e em diversos
momentos históricos em torno do modo geral de organização das relações sociais, como
variantes do mesmo modelo geral de Estado, detentor do monopólio da força legitima
(SOUSA; GARCIA e CARVALHO, 1998, p. 428).
Ao se inteirarem sobre o Estado, Boudon e Bourricaud (2000) argumentam que há
uma dificuldade de defini-lo, por que: (1) sua concepção associa, arbitrariamente, o ponto de
vista normativo e o descritivo; (2) o Estado pode designar uma forma política e
historicamente definida; (3) a definição do Estado coloca o problema inerente à lista e à
morfologia de seus órgãos (BOUDON e BOURRICAUD, 2000). Muitas vezes confundem-se
os órgãos do Estado tais como a Administração Pública 1 , o governo, as instituições públicas,
etc. com o próprio Estado. GRAMSCI (2000), por exemplo, considera Estado ao conjunto de
instituições por meio das quais a classe dominante garante o exercesse do seu poder e
influência sobre o povo. De acordo com esse autor, as instituições estatais abarcam o aparato
político-administrativo, incluindo outras instituições que, independentemente da sua natureza,
difundem a cultura e a ideologia estatal.

No sentido mais geral, o termo Estado designa o conjunto de cidadãos que vivem
politicamente organizados. Todavia, não pode ser confundido com as pessoas que exercem o
poder político durante algum tempo e nem com o próprio governo. De forma específica, serve
para fazer referência às instituições governamentais que tendem a ser duradouras, embora se
note mudanças na sua disposição institucional (REGO e PEIXOTO, 1998).

Em diferentes concepções teóricas, o Estado é encarado como uma instituição que


pode ser definida a partir da sua dimensão sociológica, política ou jurídica. A maior parte dos
conceitos apresentados baseia-se nas condições necessárias que compõem sua noção,
designadamente a população, território e poder político. Neste sentido, o Estado surge como
um termo usado para definir o conjunto de instituições adotadas como mecanismo de

1
A administração pública é concebida, do ponto de vista orgânico, como um sistema de órgãos, serviços e
agentes do Estado, bem como as demais pessoas coletivas que asseguram em nome da coletividade a satisfação
regular e contínua das necessidades coletivas tais como a segurança e bem estar (CAETANO, 1997).

7
articulação entre a população e o poder político, dentro de uma superfície territorial
previamente delimitada. A presença de tais elementos constituintes está implícita na definição
apresentada por Azambuja (1989, p. 23), segundo a qual.

o Estado é uma sociedade, pois se constitui de um grupo de indivíduos unidos e organizados


permanentemente para realizar um objetivo comum e se denomina sociedade política, porque,
tendo sua organização determinada por normas de Direito positivo, é hierarquizada na forma
de governantes e governados e tem uma finalidade própria, o bem público.
No entanto, Weber (2004) adverte que, do ponto de vista sociológico, não se pode
definir o Estado em função dos seus fins, mas pelo uso da coação física. De forma semelhante
aos agrupamentos políticos que historicamente o precederam, o Estado consiste em uma
relação de dominação do homem sobre o homem, fundada no instrumento da violência
legítima (ou considerada legítima). Este autor considera o Estado como a instituição social
responsável pelo monopólio desse tipo de violência, baseada no uso da força impregnada no
aparato político-administrativo. É por esse motivo que,

a uma associação de dominação denominamos de associação política, quando e na medida em


que sua subsistência e a vigência de suas ordens, dentro de um determinado território
geográfico, estejam garantidos de modo contínuo mediante ameaça e a aplicação de coação
física por parte do quadro administrativo (WEBER, 1994, p. 34).
Na abordagem dos clássicos do marxismo, o Estado é sinônimo de aparelho do Estado.
É concebido como sendo um aparelho repressivo, uma “máquina” de repressão que permite as
classes dominantes assegurar a sua dominação sobre as classes mais baixas, para submetê-las
ao processo de extorsão da mais valia. Na visão de Marx, a superestrutura jurídica e política
que incorpora o Estado se estabelecem sobre a estrutura econômica e social. Assim, o poder
estatal encontra-se acima da luta entre as classes, é um instrumento por meio do qual a classe
dominante assegura certos privilégios, principalmente os que emanam do âmbito econômico.
No entanto, com o avanço da teoria de Estado, salientam-se a necessidade de se estabelecer a
distinção entre poder de Estado, aparelho do Estado e os aparelhos ideológicos do Estado: o
governo, a administração, a polícia, etc. (ALTHUSSER, 2003).

Portanto, as modificações que o aparato estatal tem apresentado revelam que, o Estado
é uma estrutura política que varia no decurso do processo histórico, daí que sempre se buscou
entendê-lo. Essa atenção que recai sobre o Estado pode estar associada ao fato deste ter
exercido, progressivamente, influência sobre a vida econômica e social. E com a sua
evolução, ganhou uma amplitude cada vez maior, tornando-se um sistema complexo devido à
necessidade de se rever critérios e processos de seu funcionamento.

8
Segundo Menezes (2002, p.3), desde há muito tempo, existiram pensadores eminentes,
especialmente os gregos, que refletiram através de questionamentos científicos feitos sobre a
sociedade política (Estado), “legando à humanidade ensinamentos valiosos em extensão e
profundidade, de tal jeito que mesmo agora fornecem fundamentos indispensáveis à
formulação de princípios e de conclusões quanto aos complexos problemas atuais.”.

Na idade média, marcada pela supremacia da igreja católica, o trabalho intelectual era
feito pelos doutores católicos e, na idade moderna as reflexões eram feitas sobre o Estado na
senda de orientações ignoradas e até revolucionárias. Na idade contemporânea, onde
aparecem as Constituições escritas, um número significativo de estudiosos passou a examinar
o Estado, imprimindo-lhe uma verdadeira renovação, abrindo outras perspectivas para os
interessados em geral (MENEZES, 2002).

Ainda na dimensão analítica do Estado, a história das instituições e a história das


doutrinas políticas representam as duas fontes principais para o estudo deste aparato social,
cuja peculiaridade é ser um sistema institucional complexo (BOBBIO, 1995). O Estado
tornou-se, a partir de 1960, um campo de investigação e de discussão importante entre os
marxistas. A maioria dos estudos, recentes, sobre o Estado preocupa-se com a exploração e
explicação da sua “autonomia relativa” e das complexidades que envolvem suas relações com
a sociedade (BOTTOMORE, 1997). O desenvolvimento do pensamento científico e filosófico
é acompanhado pelo interesse em relação ao Estado, no que tange à sua organização, ao
estudo da sua origem, sua estrutura e funcionamento de seus órgãos. Mais do que em seu
desenvolvimento histórico, o Estado é estudado em si mesmo, em suas estruturas, funções, elementos
constitutivos, mecanismos, órgãos etc., como sistema complexo considerado em si mesmo e nas
relações com os demais sistemas contíguos (AZAMBUJA, 1986; BOBBIO, 1995).

O Estado engloba um sistema de órgãos ou estruturas que decidem, executam e


controlam com autoridade todos os assuntos públicos, sendo, por isso indispensáveis para a
sociedade. Tais órgãos têm merecido atenção particular por parte de vários pesquisadores,
provenientes da Ciência Política, Direito, Administração Pública, Relações Internacionais,
dentre outras áreas do saber.

A disposição desses órgãos é que dá certo formato ao Estado. Assim, consideram-se


formas de Estado ao conjunto de estruturas, concernentes à organização das competências
especiais, nas quais o poder do Estado se reparte, assim como a unitariedade ou pluralidade
que se encontra nele. Portanto, faz-se alusão às formas do Estado para designar os diversos
sistemas políticos que fundamentam o tipo de organização e funcionamento das sociedades

9
(SALDANHA e BONAVIDES, 1979). Esses sistemas podem ser autoritários ou liberais,
dependendo da maneira como são concebidos os Estados e dos regimes políticos2 instituídos,
no quadro do ordenamento social.

Desde o seu surgimento, e ao longo do seu percurso histórico, o Estado foi adotando
diversas formas do ponto de vista político, econômico e social. Assim, as formas de
organização administrativa estatal refletem a forma de poder, na qual ela está fundamentada.
Por esta razão, são traçadas estratégias que entram em consonância com sua estrutura político-
administrativa, aparecendo como mecanismos usados para cumprir com suas principais
prerrogativas. Aliás, durante o seu processo evolutivo, o Estado foi se adaptando para
enfrentar os desafios que emergiam e cumprir funções acopladas às doutrinas políticas
escolhidas para orientar os destinos da sociedade. Deste modo, foi acumulando, ao longo das
diferentes etapas históricas, várias funções de caráter administrativo.

Por este motivo, o Estado assume certa forma a partir da sua estrutura administrativa,
que é um ambiente político com funções autônomas e impessoais (POULANZAS, 2000).
Assim, a organização e o funcionamento do Estado resultam de configurações baseadas em
formatos institucionais, alicerçadas pelas diferentes perspectivas sobre a convivência social.
Nesta ordem de idéias, pode-se afirmar que, a filosofia administrativa de um país resulta da
evolução histórica, política, socioeconômica e cultural do seu povo.

Na época medieval, os poderes do Estado eram compartilhados entre o príncipe, o


senhor feudal e a igreja. Com efeito, a estrutura do poder era estratificada e sustentada pelo
feudalismo.

Esse exercício compartilhado do poder chegou ao fim com o advento do absolutismo,


em decorrência da crise do feudalismo, do conseqüente declíneo deste sistema e da
necessidade de se implantar o Estado-nação. A emergência desta forma de Estado implicou a
unificação dos exércitos, culminando com a centralização do poder de coerção dentro de um
dado território. Nestas circunstâncias, foi instaurado o Estado absolutista, tornando-se a
primeira expressão do Estado moderno, cujas características são a concentração de poderes
numa autoridade máxima, uso excessivo da violência por meio de instrumentos de
dominação, considerados legítimos pelo Estado (BOBBIO, 1992). Portanto, baseando-se na
doutrina absolutista, o Estado chamou a si a exclusividade do uso do poder punitivo, através

2
Regime político é “um conjunto de instituições que regulam a luta pelo poder e o seu exercício, bem como a
prática dos valores que animam tais instituições” (BOBBIO, 1993, p. 1081).

10
do monopólio do uso da força, visando à manutenção da ordem e a garantia da continuidade
do regime que sustenta essa concepção de Estado.
Ainda na modernidade, em oposição ao absolutismo, foi concebido o liberalismo
como doutrina política e econômica. A noção de contrato social, trazida por Thomas Hobbes,
John Locke e Jean Jacques Rosseau, contribuiu para o fundamento do Estado liberal moderno.
Essa concepção de sociedade é baseada no Estado de direito, na economia de mercado e na
descentralização de poderes. De acordo com o pensamento liberal, o Estado não precisa ser
grande no que tange ao seu tamanho. Os defensores do liberalismo argumentam que, um
Estado relativamente pequeno não é sinônimo de Estado fraco. Os críticos dessa abordagem
política e econômica advogam que o Estado liberal não teria condições para minimizar as
desigualdades, tendendo a favorecer uma concentração de renda e criando condições para o
agravamento das tensões sociais (LACOMBE, 2004).
Esse autor considera ainda que, a liberdade representa o ponto mais importante no
liberalismo, embora tal liberdade não seja absoluta, procura-se maximizar a liberdade de
pensamento, formar partidos, expressão, o direito de escolher os governantes, as formas de
governo e de mudar ambas. Pressupõe-se que, o bem-estar atinge uma amplitude maior numa
sociedade, onde se valoriza a liberdade, onde são salvaguardados os direitos fundamentais do
homem, onde existe a ação livre dos agentes econômicos.
No Estado liberal a coerção é reduzida em relação ao absolutista (totalitário), embora
ambos detenham o monopólio do uso de violência. No primeiro tipo de Estado, as sanções
ocorrem respeitando um rol de direitos e liberdades, enquanto no segundo há uma tendência
em reprimir as ações individuais através do uso excessivo da força. O Estado liberal,
defendido por Montesquieu, delimita o exercício dos poderes estatais, preconiza a separação
entre a esfera pública e privada, visa promover a liberdade. Esta distinção entre o público e o
privado constitui a base jurídica do Estado nas democracias de massas (PRATES, 2007).

Com o avanço da democratização, a burocracia, que acompanha o funcionamento do


Estado, é vista como o principal obstáculo para a flexibilização das instituições que
desempenham funções estatais. A burocracia apresenta-se como “um sistema de dominação
ou de poder autoritário, hierárquico, que reivindica para si o monopólio da racionalidade e do
conhecimento administrativo” (MOTTA e BRESSER-PEREIRA, 1986, p. 9),
comprometendo a execução rápida das tarefas reservadas ao Estado. Na perspectiva de
Azevedo (2006), as concepções funcionalistas e marxistas, que tendiam a privilegiar uma
visão ampla e uma lógica linear na ação do aparato estatal, estão muito distantes do Estado

11
contemporâneo. O novo modelo estatal, emergente, distancia-se das características que
permitem esse tipo de concepção. Além disso, a proliferação de regimes democráticos mostra
que o Estado já não pode ser concebido como um sistema burocrático-coercitivo.

O ambiente institucional demonstrou ser determinante na configuração do Estado. A


administração pública cresceu, a partir da segunda metade do século XX, em consonância
com o desenvolvimento do Estado, que se deu com o alargamento e aprofundamento de suas
funções, englobando uma variedade de serviços. Constatou-se que, para a materialização de
seus fins, o Estado segue o modelo de sua própria organização e da sociedade, resultante da
adaptação, constante, que lhe é exigido no decorrer do tempo. Por isso, os interesses e as
aspirações sociais encontram na estrutura política e administrativa um meio pelo qual se
encaminham num processo retroativo (POULANZAS, 2000). Segundo Bobbio (1995, P. 60)

a relação entre o conjunto das instituições políticas e o sistema social no seu todo é
representada como uma relação demanda-resposta (input-output). A função das instituições
políticas é de dar respostas às demandas provenientes do ambiente social ou, segundo uma
terminologia corrente, de converter as demandas em respostas. As respostas das instituições
são dadas sob a forma de decisões coletivas vinculatórias para toda a sociedade. Por sua vez,
estas respostas retroagem sobre a transformação do ambiente social, do qual, em seqüência ao
modo como são dadas as respostas, nascem novas demandas, num processo de mudança
contínua que pode ser gradual quando existe correspondência entre as demandas e as respostas,
brusco quando por uma sobrecarga das demandas sobre as respostas interrompe-se o fluxo de
retroação e as instituições políticas vigentes, não conseguindo mais dar respostas satisfatórias,
sofrem um processo de transformação que pode chegar à fase final da completa modificação.
Depois da emergência do fenômeno globalização, principal responsável pela criação
de novas estruturas para o Estado, o quadro político-institucional foi, significativamente,
alterado. A nova visão de sociedade, decorrente das mudanças, permitiu que as organizações
públicas não estatais passassem a exercer algumas atividades do Estado. Assim, o surgimento
e a proliferação de organizações desta natureza constituem o reflexo da evolução do próprio
Estado, representando a adaptação desta sociedade política ao ambiente institucional no qual
se encontra. Ou seja, a entrada deste tipo de atores sociais, representa um leque de reações às
mudanças, no campo político, derivadas do desenvolvimento tecnológico e da crescente
democratização das sociedades. Tal progresso técnico contribuiu para a retirada do monopólio
político ao Estado moderno e para o aperfeiçoamento, e reforço dos seus traços essenciais. A
causa principal da mutação estatal é o dinamismo ambiental, que reflete as diferentes
explicações sócio-culturais e ideológicas.

Mas, o repertório de arranjos institucionais, utilizado para a construção de uma nova


ordem política, depara-se com muitas limitações que fazem freqüentemente, com que os
atores sociais tomem como base as práticas e instituições tradicionais para configurar um

12
novo regime político, obedecendo à lógica imposta pelas características ambientais
(PREWORSKI, 1992).

A importância dos fatores ambientais é salientada pelos processos de mudança


institucional. Os fenômenos ambientais estão presentes na criação como no desenvolvimento
institucional que se processam através da adequação das práticas, procedimentos, sistema de
crenças e estruturas regulatórias. Através do processo multidimensional propiciado pelas
sucessivas revoluções tecnológicas o Estado encontra-se num processo de reconfiguração para
se adaptar aos processos ambientais globais. A evolução das instituições estatais mostra que a
história de cada país ou Estado é preponderante na dinâmica do processo de mudança. A
globalização deu origem a uma crescente interdependência entre os Estados, contribuindo
para a construção de uma nova institucionalidade internacional.

Essas mudanças na estrutura política e administrativa do Estado têm relação estreita


com a generalização de valores e idéias, além disso, tornaram o sistema democrático muito
preponderante para estabelecer o desenvolvimento social.

Enfim, nesta seção, procurou-se apresentar questões ligadas à origem do Estado e seu
desenvolvimento, foram trazidas interpretações do Estado moderno. Mostrou-se o quão esta
entidade política é suscetível a transformações, no contexto sócio-histórico. Entretanto, a
natureza do assunto que constitui foco da pesquisa pode gerar confusão devido à inter-relação
demonstrada pelo impacto do Estado sobre a administração pública e vice-versa. Esta intensa
relação entre os dois termos torna pertinente à conexão dos mesmos através da abordagem
que é feita a seguir.

1.2 – Estado e administração pública

As relações entre o Estado e a administração pública estão cada vez mais revigoradas,
por meio da intrínseca complementaridade entre seus órgãos, o que contribui para intensificar
a confusão entre os dois aparatos. No contexto do Estado racional moderno, a administração
pública e a burocracia racional-legal caminham juntas (PRATES, 2007), com o intuito de
responder às demandas emanadas do ambiente social, por meio de suas estruturas
institucionais. Por conseguinte, o exercício das funções básicas e, ou sociais do Estado, com
vista à efetivação de políticas públicas, é garantido através de órgãos de administração pública
que corporizam o aparelho burocrático.

A rigor, a administração pública constitui um fenômeno do Estado moderno no qual a


burocracia, com maior ou menor grau de racionalidade legal, passou a ser a estrutura
predominante de administração. Assim, pode-se afirmar que o marco definitivo do surgimento

13
da administração de natureza pública seja o advento do Estado burocrático moderno
(PRATES, 2007, p. 118).

No âmbito de seu funcionamento, a dimensão política da ação do Estado é


desempenhada pelo governo, enquanto que, a dimensão técnico-legal é competência da
administração pública, representada por um corpo de burocratas e ou tecnocratas.
De acordo com Heady (1970, p. 13), “a administração pública como um aspeto da
atividade governamental existe desde que os sistemas políticos funcionam e tentam alcançar
os objetivos programados e estabelecidos pelos que tomam decisões políticas”. A
administração pública é vista como o desempenho perene e sistemático, legal e técnico, dos
serviços próprios do Estado ou por ele assumidos em prol da coletividade (MEIRELLES,
1993).
Assim, a administração pública refere-se ao conjunto de órgãos e de servidores,
suportados através de recursos públicos, cujas atividades são realizadas com base em regras
impessoais e legais, responsáveis pela tomada de decisões e implementação das políticas,
assim como as normas e ações necessárias na gestão da coisa pública para o alcance do bem-
estar social.
A estrutura institucional, na qual funciona a administração, tem sofrido mudanças
derivadas dos procedimentos administrativos do Estado, adotados nos diferentes contextos
políticos que definem o sistema. Devido à predominância e a magnitude das mudanças, o
atual cenário mundial está envolvido num processo de reconfiguração de instituições estatais,
afetando significativamente o campo político, econômico e social. As transformações do
contexto econômico internacional exigem o fortalecimento da capacidade institucional para
enfrentar as tendências do amplo ambiente institucional, cujo processo de mudança estrutural
promove alterações na esfera social.
Entretanto, os processos evolutivos do Estado evidenciam a existência de modelos,
através dos quais a máquina estatal se estruturou para poder funcionar adequadamente e
garantir a realização de sua missão. Dentro do conceito mais amplo da reforma do aparato
estatal, os modelos patrimonial, burocrático e gerencial de administração pública são os que
mais se destacaram. Por ora, são apresentadas as particularidades de cada um deles e os
fatores que motivaram as tentativas de sucessão do patrimonialismo e da burocracia.

14
1.2.1 – Modelos de administração pública

O que tem sido denominado de administração pública sofreu, ao longo da evolução


das organizações sociais, profundas e importantes mudanças no que concerne ao modelo que
estabelece as diretrizes do seu funcionamento. Caiden (1991), revela que existe uma relação
intrínseca entre os momentos político paradigmáticos e os modelos de gestão pública. Neste
sentido, as reformas, operadas no seio do aparato estatal, pressupõem a reestruturação
administrativa com base num determinado paradigma estatal, visto que a administração
pública é responsável pelo funcionamento das instituições do Estado na sua globalidade.
Assim, em estreita ligação com a modernização das instituições estatais, a administração do
Estado evoluiu baseando-se em três modelos: administração pública patrimonial, burocrática e
gerencial. Todavia, durante o processo de sucessão destes modelos, nenhum deles foi
inteiramente abandonado. Aliás, mesmo com a emergência da administração burocrática, no
início do século XX, algumas práticas patrimonialistas mantiveram-se. A partir da segunda
metade do século XX, emerge a concepção gerencial da administração pública, mas certos
aspectos peculiares à administração do tipo patrimonialista e muitos referentes ao modelo
burocrático prevalecem.

Essas formas de organização social apresentam lógicas distintas e, muitas vezes,


contraditórias. Observou-se que, ao longo do percurso histórico das sociedades, esses três
tipos principais de administração manifestam-se de acordo com o posicionamento
predominante, ocupado por uma ou outra dessas três lógicas. Embora não tenha sido de forma
linear, o processo evolutivo da administração pública obedeceu à lógica que é sugerida na
figura 1.

gerencial

Burocrática

Patrimonialista

Figura 1. Dinâmica da lógica administrativa.


Fonte: Bresser-Pereira (2003)

15
A administração passou por um processo que acompanha a difusão da estrutura,
envolvendo o desenvolvimento de certo grau de consenso social, ao nível dos decisores da
organização, relativamente ao valor das estruturas e sua, crescente, adoção pelas organizações
de acordo com o consenso alcançado. A formação de instituições vinculadas à administração
pública e seu desenvolvimento obedecem a modelos “seqüenciais” que sugerem variabilidade
na forma de estruturação e funcionamento da administração pública, fazendo com que certos
padrões comportamentais da sociedade se sujeitem, com maior intensidade, a avaliação
crítica, a modificações e até a eliminação a favor de outro(s). Ou seja, os modelos variam em
termos de sua estabilidade e de seu poder de determinar comportamentos. As forças
ambientais são determinantes no estabelecimento das estruturas que advém desse processo.
Por isso, os modelos foram sendo modificados, gradualmente, de acordo com o contexto
social vivido.

Portanto, para administrar a coisa pública, as sociedades conheceram na sua trajetória


três grandes modelos. Na fase inicial, a gestão pública foi feita a partir de pressupostos
patrimonialistas que, no decorrer do tempo, foram suplantados pela burocracia. Nos dias que
correm, esta forma de administração está sendo questionada, daí a tentativa de sua
substituição pelo gerencialismo para responder às principais demandas da sociedade. Enfim, a
compreensão de cada uma das propostas teóricas sobre o processo administrativo poderá ser
facilitada com a descrição que se segue.

1.2.1.1 – Modelo patrimonial

Durante o período pré-capitalista, surgiu o primeiro estágio da administração pública,


baseado na concepção patrimonial de sociedade. O predomínio de relações de caráter feudal
conduziu à instauração de um quadro administrativo, por meio do qual o senhor feudal exercia
o poder patriarcal, de forma absoluta e arbitrária.

O modelo patrimonial é mais freqüente em sistemas de dominação tradicional, onde a


autoridade senhorial, constituída por via da tradição, é legitimada e amparada por um aparato
administrativo formado com base em critérios pessoais que são, freqüentemente, dúbios. No
âmbito da dominação tradicional, o patrimonialismo e o feudalismo são mantidos por meio de
normas provenientes da tradição e da crença na estabilidade de seus princípios. Entretanto, no
que tange à concentração do poder discricionário, o patrimonialismo supera o feudalismo.

16
Nas sociedades onde vigoravam estas formas de ordenamento social,

• os bens e serviços eram tratados como se fossem propriedade pessoal do


rei;

• atitudes que hoje são inseridas no âmbito da corrupção e no nepotismo


eram considerados procedimentos normais e aceitos pela comunidade;

• o quadro administrativo era composto por aliados e indivíduos protegidos


pelo rei e sua família;

• as pessoas que habitavam sob as terras do senhor feudal deviam uma


lealdade pessoal e obediência a toda estrutura familiar criada pelo monarca.

Para Bresser-Pereira (2003), uma administração pública patrimonialista aproxima-se


aos Estados totalitários 3 pois, trata-se de uma forma de administração que não apresenta uma
clara separação entre o patrimônio do ditador e o do povo. Devido a essa carência de
clarificação da linha divisória entre o bem público e a propriedade privada do governante, há
uma tendência para a prática de desmandos. O soberano estipula as regras da administração
pública de acordo com a própria vontade, ignorando o bem estar da sociedade, deixando o
Estado propenso ao clientelismo e ao nepotismo. Neste sentido, o patrimonialismo se
confunde com a privatização do setor público e, não se preocupa com a eficiência
organizacional para consecução de bens e serviços públicos.

Ao cargo patrimonial falta, sobretudo a distinção burocrática entre a esfera “privada” e a


“oficial”. Pois também a administração política é tratada como assunto puramente pessoal do
senhor, e a propriedade e o exercício do seu poder político, como parte integrante de seu
patrimônio pessoal, aproveitável em forma de tributos e emolumentos. A forma em que ele
exerce o poder é, portanto, objeto de seu livre – arbítrio, desde que a santidade da tradição, que
interfere por toda a parte, não lhe imponha limites mais ou menos firmes ou elásticos. Na
medida em que não se trata de funções tradicionalmente estereotipadas, isto é, sobretudo em
todos os assuntos propriamente políticos, decide seu parecer puramente pessoal, em cada caso,
também sobre a delimitação das “competências” de seus funcionários (WEBER, 2004, p.
253).
Essa abordagem institucional, cujas características são apresentadas no quadro 1,
entende os fenômenos sociais, políticos e econômicos com base em preferências individuais,
sustentadas por categorias básicas de pensamento que estabelecem sistemas culturais, de
crença e estruturas regulatórias, responsáveis pelas concepções patriarcalistas, paternalísticas
ou despóticas do poder soberano. O Estado é encarado, no âmbito deste modelo, como algo

3
O totalitarismo é um sistema de governação em que o Estado monopoliza todos os controles e recursos da
sociedade, através de um pequeno grupo de pessoas controla, regulamenta todos negócios e o sistema produtivo,
de comunicações e informações, assim como os diferentes segmentos da sociedade, inclusive nos assuntos
religiosos (LACOMBE, 2004).

17
privado, resulta de sistemas políticos tradicionais que incorporam valores e práticas que
prejudicam a coletividade.

Tipo de modelo Características predominantes

1) Falta de distinção entre bens públicos e privados;


2) Fragilidade das instituições públicas;
3) Baseia-se em relações de lealdade pessoal;
4) Dominação tradicional;
Patrimonial 5) As regras da administração são estipuladas de acordo
com a vontade do soberano (livre arbítrio);
6) Permite práticas como corrupção, clientelismo e
nepotismo;
7) O serviço público emprega e favorece os aliados do
chefe;
8) Predisposição subjetiva e difusa de lealdade e
obediência ao senhor burocrata

Quadro 1. Principais características do modelo patrimonial


Fonte: Bresser-Pereira (2003)

O modelo patrimonial tradicional evoluiu para o neo-patrimonialismo, aparecendo


como forma de dominação moderna, baseada em regras e no estatuto legal. As suas estruturas
cognitivas, normativas e regulativas propiciam estabilidade, e significado ao comportamento
social. As novas formas de patrimonialismo baseiam-se em aspetos culturais interligados com
estrutura e rotinas – operam em múltiplos níveis de jurisdição. A difusão passa de simples
imitação e adquire uma base mais normativa, salientando a teorização implícita ou explícita
das estruturas.

Nas sociedades contemporâneas, a continuidade do patrimonialismo foi confirmada


com o surgimento do neo-patrimonialismo ou patrimonialismo burocrático. Neste sistema,
apesar de organizado, o poder central absoluto é incontestável, representa a manifestação de
diferentes normas e valores, baseados na tradição e, que sustentam e legitimam o sistema
político (SCHWARTMAN, 1992). Parece que o surgimento de certas estruturas formais das
organizações constitui o reflexo de normas sócio-culturais firmadas. A arena institucional
incorpora práticas e procedimentos definidos como racionais pela sociedade, recursos
simbólicos que se manifestam através do reconhecimento social e legitimação. Essas

18
dimensões simbólicas são tidas como requisitos para a obtenção de recursos materiais,
remetendo à processos e mecanismos que se transformam em regras culturais, legitimadas
pelas estruturas formais (GOULART e VIEIRA, 2003).

O continente africano, por exemplo, apresenta um mosaico de instituições das quais


fazem parte certas formas de organização social, baseadas em princípios marcadamente
tradicionais. As relações políticas estabelecem-se dentro de um sistema altamente
patrimonialista, caracterizado por um elevado grau de ineficiência governamental e
administrativa, baixa institucionalização ou desconsideração pelas regras formais que regulam
os setores políticos e econômicos. Acrescenta-se a estas características o recurso constante à
soluções personalistas e verticais para os problemas sociais (CHABAL e DALOZ, 1999).
Em muitos países de África, o sistema político incorpora características peculiares,
como relações interpessoais estruturadas em moldes do neo-patrimonialismo, os atores
políticos buscam beneficiar-se das facilidades que o poder político oferece, para satisfazer à
interesses individuais ou de grupos específicos. A política é vista pela maioria dos
governantes africanos como única porta de acesso ao poder econômico e financeiro
(TOLLENAERE, 2002).

Para o alcance dessas formas de poder, muitas ações são levadas a efeito tendo como
base princípios patrimonialistas tais como o personalismo, o nepotismo, peculato e o
clientelismo. Essas práticas vão sendo consolidadas com o decorrer do tempo e arraigadas na
cultura organizacional. Neste processo, o favoritismo é a principal forma de ascensão social, o
poder pessoal e o particularismo são preponderantes e demonstram a evolução de dominações
patriarcais. Este tipo de administração faz parte de um modelo tradicional, sustentado por
família ou relações de parentela incorporadas na esfera pública, durante o processo de
formação e desenvolvimento institucional.

O conceito de patrimonialismo no contexto africano se assenta em três características: 1)


personalismo, ou seja, o poder administrativo e político não são exercidos em bases impessoais
de caráter racional-legal, mas reside no poder pessoal do líder; 2) ausência de uma separação
entre o público e o privado, de maneira que torna uma espécie de negócio pois são os recursos
públicos que dão acesso aos recursos econômicos; 3) clientelismo, ou seja, os “donos do
poder” abusam dos recursos públicos do Estado não apenas em benefício próprio mas também
em benefício dos seus apoiadores – o que “institucionaliza” o clientelismo como fonte de
legitimidade do poder político (VIEIRA, 2005, p. 88).
O ambiente institucional incorpora normas e valores utilizados para a satisfação de
interesses de classes e grupos sociais. A tradição e influência pessoal são determinantes para o
exercício do poder em sociedades onde existem traços patrimonialistas de administração.

19
Esses elementos conferem legitimidade e fortalecem a autoridade, através deles são
estabelecidos, mantidos e estipulados os parâmetros das relações pessoais e organizacionais.

A evolução do campo institucional foi notória dentro da dinâmica temporal. A


incorporação de novos valores no contexto organizacional, em resultado da concepção do
Estado moderno, favoreceu à emergência e sedimentação do sistema burocrático. Assim, para
proteger o patrimônio público contra a privatização do Estado, emergiram duas principais
instituições que são a democracia e a administração pública burocrática. O Estado moderno
possibilitou a separação nítida entre a esfera pública e privada. A estruturação do aparato
administrativo, em moldes atuais, desenvolveu-se paralelamente ao processo de formação
desse Estado, assentando-se no sistema burocrático.

1.2.1.2 - Modelo Burocrático

O surgimento da burocracia moderna, no século XIX, está ligado, também, à


necessidade que o poder estatal teve de se afirmar, em oposição a poderes feudais ou
regionais. Neste contexto, processou-se a substituição das formas patrimonialistas de
administrar o Estado, por meio de uma reorganização do Estado sob perspectiva burocrática
(BRESSER-PEREIRA, 2002).

Segundo Matias-Pereira (1999, p. 27), “foi em decorrência do crescimento das


instituições públicas e das organizações privadas, que atingiu dimensões gigantescas, que a
burocracia se tornou uma presença dominante nas sociedades modernas”.Passam a ser
destacados os aspetos regulativos institucionais que definem as bases do comportamento
considerado socialmente adequado, regulado por meio de processos formais. Tais elementos
regulativos são, majoritariamente, provenientes do Estado.

Este padrão organizacional e funcional, cujos alicerces são a hierarquia rígida e


normas impessoais, onde prevalece o controle dos procedimentos em detrimento dos
resultados, constitui o modelo burocrático, comumente designado de Administração
Burocrática. Com o advento da modernização, a configuração e as relações de poder passaram
a ser largamente influenciadas por princípios burocráticos. Na perspectiva de Motta e Bresser-
Pereira (1986, p. 9),

a organização burocrática é o tipo de sistema social dominante nas sociedades modernas; é uma
estratégia de administração e de dominação; é fruto e berço da burocracia, com a qual pode
inclusive ser identificada. A burocracia pode constituir-se em um grupo ou uma classe social, mas é
também uma forma de poder que se estrutura através das organizações burocráticas.

20
A burocracia capitalista moderna resulta da evolução da burocracia patrimonialista, a
clara distinção entre os patrimônios público e privado representa o ponto central do qual essas
vertentes administrativas se autodiferem (BRESSER-PEREIRA 2003). Weber é o principal
defensor da corporação burocrática moderna que surge como um modelo da eficiência
capitalista (MARSDEN e TOWNLEY, 2001). Por isso, Minogue (2000) considera o modelo
burocrático como um modelo de inspiração weberiana, que defende uma administração
pública consubstanciada pela organização racional burocrática.

A administração burocrática deriva do tipo ideal weberiano, sustentado por princípios


como regras contidas em documentos, impessoalidade, sistema hierárquico, meritocracia,
padronização e alta divisão de responsabilidade. É um sistema impessoal, formal e racional,
para além de ser um mecanismo utilizado para a satisfação dos objetivos governamentais,
necessita de conhecimento técnico e de princípios orientadores de suas ações. Essa
organização administrativa se destaca por possuir um sistema formal de regras e objetivos, é
reconhecida como um instrumento técnico que serve para mobilizar energias humanas com
vista a alcançar finalidades pré-estabelecidas (SELZNICK, 1972).

Numa administração pública burocrática, a maquina estatal é regulada por regras


rígidas, criadas para a prossecução dos fins superiores do Estado, para estancar os abusos
intrinsecamente ligados ao modelo patrimonialista. Por isso, o controle administrativo é
exacerbado para impedir a prática do nepotismo e da corrupção, dentre outras práticas ilícitas,
que são peculiares ao patrimonialismo. “É importante destacar que nenhum Estado moderno
prescinde de uma burocracia competente” (MATIAS-PEREIRA, 1999, p. 27).

A burocracia é uma forma de divisão do poder e do trabalho que os indivíduos


socialmente organizados se submetem. As componentes estruturais das formas de divisão
social do trabalho estão impregnadas de princípios burocráticos.

A administração burocrática é racional, nos termos da racionalidade instrumental, na medida


em que adota os meios adequados (eficientes) para atingir os fins visados. É, por outro lado,
legal, na medida em que define rigidamente os objetivos e os meios para atingi-las na lei. Ora,
em um mundo em plena transformação tecnológica e social, é impossível para a administração
ser racional sem poder adotar decisões, sem usar de seu julgamento discricionário, seguindo
cegamente os procedimentos previstos em lei (BRESSER-PEREIRA, 1997, p. 410).
O modelo weberiano de burocracia apresenta três tipos puros de dominação que são o
racional-legal, carismático e tradicional (COHN, 1982). A burocracia estatal pode ser vista
como poder administrativo e político, é por natureza uma dominação do tipo racional-legal
que é associada ao Estado moderno. Deste modo, o funcionamento institucional está
subjacente a um aparato burocrático poderoso, acoplado à estrutura estatal de qualquer

21
sociedade. Assim, a burocracia é um fenômeno que ocorre tanto nos países socialistas como
nos países capitalistas. No entanto, é intensa nos Estados socialistas porque a burocracia é
fortemente usada como instrumento de dominação e a lógica administrativa desses Estados é
eminentemente burocrática. Devido as suas características específicas, a organização
burocrática constitui um mecanismo adequado para a efetivação da dominação e imposição de
um grupo social sobre os restantes (WEBER, 2004) e, de acordo com Arendt (1999), o nível
máximo de burocracia observou-se em regimes totalitários. Após a revolução burguesa, a
formação de um corpo de funcionários, de corporações burocráticas esteve relacionada com a
necessidade de um Estado forte e centralizado, assim como da ampliação do poder estatal.

O sistema burocrático é o mais usado para o ordenamento social, em detrimento da


forma patrimonialista de exercício do poder estatal. Mas a “burocracia é um desafio que
precisa ser vencido em todos os níveis em que se manifesta. E, se os obstáculos são colocados
historicamente, também sua superação se dá historicamente” (MOTTA e BRESSER-
PEREIRA, 1986, p. 10). Conforme advertência de Weber, a burocracia é uma forma de
organização institucional bem sólida e, por este motivo, sua ruptura é difícil. “Uma
burocracia, uma vez plenamente realizada, pertence aos complexos sociais mais dificilmente
destrutíveis”. (WEBER, 2004, p. 222).

Apesar da sua solidez, incorpora mecanismos de funcionamento responsáveis pela


emergência de várias disfunções, ao nível do aparato burocrático. Constitui entrave para o
alcance de muitas aspirações sociais que acompanham o progresso das sociedades. Constatou-
se que, a burocracia é a principal responsável pela incapacidade institucionais em adaptar-se
ao ritmo das transformações sociais, políticas e econômicas, ela apresenta disfunções como
excesso de formalidade, autoritarismo, inflexibilidade, rigidez, lentidão, baixo desempenho e
ineficiência. Esse modelo foi posto em causa porque não consegue responder, cabalmente, as
necessidades que as transformações sociais propiciaram.

Os problemas da burocracia motivaram a proliferação de posicionamentos contra a


permanência desse sistema administrativo da forma como se apresenta. Entre, os anos 70 e 80,
o contexto internacional caracterizava-se pela difusão de teorias e reflexões críticas
desfavoráveis ao poder das tecnocracias estatais e que eram motivadas pela crise do
socialismo e pela conseqüente ascensão do neoliberalismo. Novas idéias surgiram na esfera da
ciência administrativa que despoletaram críticas às organizações tradicionais, tendo acirrado o
debate sobre os méritos e deméritos da burocracia.

22
As críticas ao modelo weberiano de burocracia foram, recentemente, reforçadas e
generalizadas pelo movimento de reestruturação da administração pública, cujas teorias
receberam a designação de Nova Administração Pública (NAP) ou Nova Gestão Pública. A
partir da visão trazida neste contexto, procura-se “desenvolver programas de estimulo e apoio
à reorganização dos aparatos burocráticos e à reconstrução dos Estados” (SOUZA, 2003,
p.207). Conseqüentemente, a discussão referente à gestão pública debruçou-se sobre os
arranjos institucionais alternativos ao modelo burocrático. Dentro dessa esfera, esforços têm
sido desencadeados com o intuito de substituir o modelo autoritário e burocrático, ainda
presente, por um outro alicerçado no novo conceito de gestão pública. Constatou-se que, “o já
desgastado modelo burocrático de administrar o Estado necessita ser substituído” (SOUZA,
2003, p.206).

Como alternativa, foi formulada e está sendo implementada, em vários lugares, a


chamada administração pública gerencial para tentar minimizar a incapacidade das
instituições públicas de se adaptarem às crescentes transformações sociais e econômicas.

No século XX, quando “o Estado ampliou seu papel social e econômico, a estratégia
básica adotada pela administração pública burocrática – o controle hierárquico e formalista
dos procedimentos – provou ser inadequada” (BRESSER-PEREIRA, 2003, p. 26). A atuação
administrativa do Estado tem sido lenta e insatisfatória para atender as demandas emergentes
das necessidades sociais, tal fato justifica a revisão e reformulação do aparato estatal e do seu
modelo administrativo (SOUZA, 2003). Por esta razão, a agenda atual procura transformar o
modelo burocrático de intervenção em um voltado para a performance, com mais liberdade de
ação por parte dos agentes públicos (REZENDE, 2004). A rigidez da burocracia afetou,
significativamente, o seu desempenho e trouxe problemas crônicos, ao setor administrativo,
tais como: “centralização, burocratização excessiva e a inexorável propensão dos governos e
de sua burocracia para expandir seu tamanho e aumentar gastos” (REZENDE, 2004, p. 22),

Para além desses problemas, foram apontados outros durante o diagnóstico que
conduziu às reformas institucionais. Já no decurso da década de 1980, boa parte dos
reformuladores considerava que a necessidade da eficiência governamental “implicava uma
modificação profunda do modelo weberiano, classificado como lento e excessivamente
apegado a normas” (ABRUCIO, 2003, p. 177). Depois de se consolidar no mundo ocidental
capitalista, o modelo burocrático experimenta crises que mostram a necessidade de mudar o
modelo do Estado e o modelo de administração pública. Nas palavras de Bresser-Pereira
(1998a, p. 23),

23
o grande drama dos governos modernos está no enorme obstáculo para um gerenciamento
eficiente que as leis e práticas burocráticas representam. A administração burocrática, ao
concentra-se no controle legalístico de processos administrativos para lhes dar uma
inalcançável segurança total contra a corrupção e o nepotismo inviabiliza decisões com
criatividade necessária para fazer frente às mudanças que estão sempre ocorrendo e torna
impossível cobrar trabalho e estimular bom desempenho dos funcionários.
A burocratização racional-legal surgiu com a concepção de um sistema jurídico-legal
para articular as relações entre os cidadãos baseando-se na igualdade conferida pela lei,
garantindo o exercício do sistema democrático liberal de governo. Ou Seja,

A burocracia racional-legal constituiu uma condição essencial do regime democrático das


sociedades liberais contemporâneas. Sua ênfase sobre critérios universalistas e meritocráticos
(critérios baseados no mérito pessoal) para o recrutamento e ascensão na carreira minou passo
a passo, a lógica do “velho” sistema clientelista da administração pública tradicional. Critérios
relacionados à origem ou “estamento” perdem legitimidade e efetividade no novo cenário da
administração pública. O Estado de Direito ganha terreno sobre a administração do Estado
patrimonial. Cada vez mais a ideologia liberal da igualdade formal perante a lei se expande
como crença legítima do Estado moderno. A democracia formal se institucionaliza a partir do
Estado burocrático-racional (PRATES, 2007, p. 123).
Esse conjunto de traços estruturais burocráticos, cujas características dominantes são
apresentadas a seguir (quadro 2), contribuem para a manutenção e fortalecimento da ordem
estabelecida para garantir o funcionamento do aparato estatal, mas precisa de ser reformulado.

Tipo de modelo Características predominantes

1) Hierarquia funcional - exercício de um cargo ou


função explicitamente definida;
2) Rotina inflexível
3) Morosidade no desempenho do serviço administrativo
4) Baixo desempenho devido a inflexibilidade e lentidão
5) Prioriza a hierarquia, a especialização, a obediência a
regras e procedimentos, a formalização, a
impessoalidade, neutralidade e competência técnica
Burocrático
6) Separação entre o público e o privado
7) Administração preocupada em cumprir com regras e
regulamentos concebidos para a máquina
administrativa
8) Hierarquia rígida, autoritarismo; dominação racional-
legal
9) Excesso de formalidade; regras rígidas
10) Padronização e alta divisão do trabalho
11) Especialização e meritocracia

Quadro 2. Características da Burocracia racional-legal


Fonte: Fonte: Bresser-Pereira (1998a); Lacombe (2004); Prates (2007).

24
Esse modelo ora em causa, com o decorrer do tempo, foi apresentando problemas
resultantes das suas próprias características:

• a ênfase na disciplina e no controle tornou a administração pública pesada, não


permitindo eficiência e eficácia no alcance dos resultados, uma vez que os
procedimentos operacionais eram privilegiados em detrimento de qualquer
outro aspeto;

• as atividades quando executadas eram feitas em prol do próprio Estado,


criando poucos benefícios para a sociedade;

• a sua estrutura hierárquica caracterizada pela rigidez, centralização e


verticalidade mostrou-se ser ineficiente;

• o conjunto de normas estabelecidas não permitiram a inserção de uma gestão


empreendedora, por parte dos servidores públicos, porque a administração
pública só pode efetuar o que está preceituado na lei ou normas previamente
instituídas.

• as estruturas hierarquizadas, pesadas e centralizadoras, incluindo os


procedimentos uniformizados de prestação de serviços, o excesso de
regulamentos levaram à crise do modelo burocrático, uma vez que este mostra
incapacidade de responder com agilidade às demandas sociais, demonstrada
pelo forte impacto das mudanças tecnológicas sobre as organizações
burocráticas, o que possibilitou a modernização dos procedimentos e formas de
funcionamento institucional.

Entretanto, as transformações no sistema capitalista mundial, que tem ocorrido desde o


último quartel do século XX, foram responsáveis pelo incremento de ações tendentes a
reestruturar o Estado. Segundo Evers apud Carvalho (1995), o Estado da periferia capitalista
caracteriza-se da seguinte forma:

• funcionamento deficiente do aparato estatal por hipertrofia do aparato


burocrático; por contradições e descontinuidade, falta de coordenação e de
sentido prático da ação estatal por ineficiência, corrupção, nepotismo e
demagogia dos funcionários públicos;

• concentração estatal de funções econômicas e políticas; por centralização


excessiva e hierarquizada de todas as decisões econômicas (estatização do

25
privado); pelo apoio estatal aos fins econômicos de grupos reduzidos,
chegando até a instrumentalização do Estado para satisfazer interesses
particulares (privatização do Estado);

• soberania restringida; forte ingerência das potências estrangeiras por meios


econômicos, militares, diplomáticos, religiosos, sindicais ou pela perda de
controle estatal sobre grandes corporações estrangeiras.

Devido aos dilemas ocasionados pela burocracia, hoje, as atenções estão voltadas para
a institucionalização de uma administração pública de caráter gerencial. A globalização tem
impulsionado mudanças, fazendo com que se procure novas formas de administração pública,
tendo em conta à sua complexidade e as necessidades sociais. Acredita-se que este novo
modelo de gestão, que será descrito a seguir, irá suplantar o modelo tradicional de
administração pública, conferindo uma nova dinâmica ao aparato estatal. Conseqüentemente,
nesse processo coube ao Estado a missão de implantar e tornar eficazes as relações que
mantêm com o cidadão num contexto do desenvolvimento da democracia. Com a mudança de
posturas burocráticas visa-se capacitar o Estado para atender o cidadão com qualidade e
eficiência.

1.2.1.3 - Modelo Gerencial

No século XX, os estudiosos da administração pública procuraram retomar e ampliar


as concepções liberais do Estado, de modo a enriquecer a teoria e, sobretudo, traçar
estratégias para resolver os inúmeros problemas advindos do sistema burocrático. Depois de
se constatar o desgaste do modelo burocrático weberiano, foram levadas a efeito várias
discussões que buscavam identificar novas formas de administração para substituí-lo. Neste
sentido, as soluções para a crise de governabilidade, resultantes da burocracia, e aos desafios
criados pela globalização, deixaram de se concentrar na esfera econômica e estenderam-se ao
modelo político e administrativo.

Nessas circunstâncias, chegou-se a conclusão de que para se dar resposta às pressões


ambientais, “o aparato governamental precisava ser mais ágil e mais flexível, tanto em sua
dinâmica interna como em sua capacidade de adaptação às mudanças externas. Propunha-se,
assim, a construção de uma nova burocracia” (ABRUCIO, 2003, p. 177). Por essa razão,
vários países procuram modernizar as instituições públicas, através de reformas políticas e
administrativas, originando o chamado modelo de administração pública gerencial que pode
ser encarado como uma forma empreendedora de administrar o Estado. Este é um modelo

26
inspirado no formato de gestão do setor privado, caracterizado pela separação entre estratégia
política e gestão operacional; pela preocupação em relação à resultados e meios como
processos e procedimentos; orienta-se para as necessidades do cidadão e não para os
interesses da organização ou da burocracia; cultura de gestão controlada e empreendedora
(MINOGUE, 2000).

Hood (1991) caracteriza o gerencialismo como sendo uma forma de gestão


profissional, referindo-se à profissionalização da gestão, que consiste na fragmentação das
grandes unidades administrativas, tem a particularidade de optar pela incorporação de estilos
de gestão de caráter empresarial e a tendência em procurar maior eficácia e eficiência.

A nova agenda reformista, contrariamente às anteriores, direcionou-se para questões


amplas, deixando tarefas que são exclusivamente atribuídas ao Estado para que este as
execute de acordo com a sua atual situação que se resume em mero regulador. Na atualidade
política, recomenda-se um Estado mínimo, normativo e administrador que só pode interferir
em condições extremas.

Duma forma geral, os governos têm se esforçado para modernizar e agilizar a


administração pública e são, abertamente, pressionados a reduzir o tamanho do Estado. A
grande maioria dos governantes comprometeu-se com essa idéia, de redução da amplitude do
Estado, modificando o caráter de Estado Providência que era defendido para ampliação das
prestações sociais. Na seqüência da reformulação das formas de relacionamento social, o
Estado passou a exercer menor intervenção em atividades socioeconômicas, conferindo um
novo sentido na sua missão, propiciando novas formas de articulação das relações entre o
Estado e a sociedade.

Para Abrúcio (1994), a introdução do modelo gerencial no setor público insere-se na


perca de consenso social relativamente ao papel do Estado contemporâneo que sofria uma
crise, sem precedentes, motivada pela crise de petróleo iniciada em 1973; a crise fiscal
também enfraqueceu os alicerces do antigo modelo de Estado; conduziu à situação de
“ingovernabilidade” a que o Estado se sujeitou, pois os governos estavam inaptos para
resolver os problemas sociais e adaptar-se à globalização e às transformações tecnológicas. O
gerencialismo emerge como resposta imediata à crise do modelo burocrático weberiano.
Portanto, a introdução deste modelo administrativo representa o resultado de uma luta para
superar a ineficiência e ineficácia, resultantes do aparato da administração tradicional. Por
isso,

27
as modernas teorias administrativas, e a prática das grandes empresas que passaram por profundos
processos de reestruturação nos últimos anos, abandonaram o principio da hierarquia formal, e cada
vez mais adotam os princípios da descentralização, da atribuição de responsabilidade a gestores que
se pressupõem competentes, e do controle por resultados (BRESSER-PEREIRA, 1998a, p. 11).
A passagem do modelo burocrático ao modelo gerencial constitui o ponto fulcral do
processo de reforma administrativa do Estado. A aparente superioridade da administração
pública gerencial em relação a burocrática estimulou governos de diferentes orientações
ideológicas a empreender reformas administrativas, com vista a reduzir gastos públicos a
curto prazo e aumentar a eficiência, a médio prazo, seguindo uma perspectiva gerencial (
BRESSER-PEREIRA 2003). A implementação de programas de reforma foi norteada por
duas estratégias: a primeira consistiu na atuação sobre objetivos considerados prioritários; a
segunda advoga mudanças graduais ou incrementais (CAIDEN, 1991).

Essa forma de administração pública, também conhecida como “nova administração


pública”, reconhece que os Estados contemporâneos não são simples instrumentos que servem
para garantir a propriedade e os contratos. Considera que tais Estados dedicam-se, também, à
formulação e implementação de políticas públicas estratégicas nas respectivas sociedades,
podendo ser na área social ou na área científica e tecnológica. Por isso, “torna-se necessário
que o Estado utilize práticas gerenciais modernas sem perder de vista a sua função
eminentemente política” (CARDOSO, 1998, p. 7).

O gerencialismo é apresentado por Abrúcio (1996) a partir de três variantes do


mesmo, nomeadamente:

(1) o modelo gerencial puro que enfatiza a economia do custo e o aumento da


produtividade;
(2) o consumerism que se preocupa mais com a qualidade dos serviços e com a
satisfação do consumidor;
(3) o Public Service Oriented que se debruça sobre a política e preocupa-se
com a construção da esfera pública, realçando conceitos como cidadão,
accountability, equidade e justiça social.
Dentre os princípios introduzidos pelo modelo gerencial consta a flexibilidade,
visando tornar menos rígida a administração pública; requer o exercício de criatividade para
responder aos desafios, impostos pelo ambiente social, através da inovação, maior interação
com o ambiente, permitindo os ajustamentos necessários aos programas governamentais. Com
vista a flexibilizar o setor público, foram introduzidos, na década de 1980, programas e
processos diferentes que tinham a particularidade de estarem inter-relacionados. Essas
iniciativas não se restringiam a mudanças estruturais, incluíam tentativas de mudança em
termos de processos e de papéis (FERLIE et al, 1999).

28
Trata-se, neste caso, de uma reforma gerencial que procura garantir respostas rápidas,
“tem como propósito assegurar os mecanismos necessários ao aumento da eficácia, eficiência
e efetividade da administração pública, além de criar novas condições que possibilitem tornar
mais democráticas as relações entre o Estado e a sociedade” (MATIAS – PEREIRA, 2002, p.
8).

Cabe destacar que os processos de democratização ocorrem em paralelo às reformas


econômicas. A relação entre o Estado e o mercado constitui um dos efeitos consideráveis da
globalização. Em quase todos os países o novo modelo administrativo gerou profundas
mudanças institucionais objetivando introduzir novas formas de gestão dos bens públicos
consonantes com as políticas neoliberais de desenvolvimento econômico. A reestruturação do
sistema e da organização administrativa resulta da tendência global em se criar e estabelecer
mecanismos de gestão de bens públicos, incluindo a relação entre o Estado, mercado e
sociedade.

Quando foi aplicado ao serviço público na Grã-Bretanha, o gerencialismo levou à uma


reforma administrativa profunda e bem sucedida. Houve transformações, no serviço público
tradicional, resultantes da infusão de novos procedimentos administrativos de características
gerenciais, perdendo assim os traços burocráticos. Essa experiência da Grã-Bretanha
representa a confirmação de que as modificações nas instituições podem propiciar alterações
comportamentais e na cultura organizacional, e que teorias de gestão empresarial podem ser
apropriados pelo setor publico. Reformas desta natureza ocorreram, também, na Nova
Zelândia, na Áustria e na Suécia (BRESSER-PEREIRA, 2003).

Esse novo modelo de gestão pública continua sendo formulado e implantado, no


âmbito da reforma do setor público, em muitos países em desenvolvimento. Nestes países,
foram estimulados vários programas de reforma estatal para acompanhar as necessidades
prementes de progresso socioeconômico.

Acredita-se que o modelo gerencial possui potencialidades para superar as


ineficiências do modelo burocrático. Em vários países, as expectativas em torno do
gerencialismo são acompanhadas por pressões, arranjos estruturais e alteração de
procedimentos. As preocupações incidem sobre a disposição e funcionamento das instituições
públicas. Por isso, o aparato administrativo da maioria desses países encontra-se em
reestruturação, baseando-se nesse formato gerencial emergente. As principais características
desta forma de gestão pública são apresentadas a seguir (no quadro 3)

29
Tipo de modelo Características predominantes

Menor preocupação com os processos administrativos; As ações


das instituições públicas é voltada aos cidadãos

Orientação da ação do Estado para o cidadão-usuário ou cidadão-


cliente

Aplicação de procedimentos do setor privado nas instituições


públicas

Terceirização das atividades auxiliares ou apoio, que passam a


ser licitados competitivamente no mercado;

Tendência à maior transparência, flexibilidade, qualidade dos


serviços, eficácia e eficiência;

Ênfase no controlo dos resultados através de contratos de gestão


Gerencial (ao invés de controle dos procedimentos)

Fortalecimento e aumento da autonomia da burocracia estatal,


organizada em carreiras ou “corpos” de Estado, e valorização do
seu trabalho técnico e político de participar juntamente com os
políticos e a sociedade da formulação e gestão das políticas
públicas;

Adoção cumulativa, para controlar as unidades descentralizadas,


dos mecanismos (1) de controle social direto, (2) do contrato de
gestão em que os indicadores de desempenho sejam claramente
definidos e os resultados medidos, (3) da formação de quase-
mercados em que ocorre a competição administrada
Transferência para o setor não-estatal dos serviços sociais e
científicos não competitivos; descentralização;

Separação entre as secretarias formuladoras de políticas públicas,


de caráter centralizado e as unidades descentralizadas, executoras
dessas mesmas políticas;

Distinção de dois tipos de unidades descentralizadas: as agências


executivas, que realizam atividades exclusivas do Estado, por
definição monopolistas, e os serviços sociais e científicos de
caráter competitivo, em que o poder do Estado não está
envolvido.

Quadro3. Principais características do modelo gerencial


Fonte: Fonte: Bresser-Pereira (1997; 1998; 2003)
O modelo gerencial revela uma crescente valorização do cidadão, destaca-se pela
heterogeneidade no desenho institucional, busca a transparência no domínio da administração

30
pública, abre a possibilidade de envolvimentos de outros atores sociais, pondo de lado o
monopólio estatal com a instauração de um novo desenho normativo e institucional. Tem a
particularidade de possuir características que salientam a defesa da modernização,
descentralização e avaliação dos serviços públicos pelos cidadãos. Além disso, busca a
prestação de serviços de qualidade, preconiza a separação entre a esfera pública e a privada, é
voltada ao cidadão (ABRÚCIO, 1996).
Apesar de se debruçarem sobre o fenômeno administração pública, os três modelos
apresentam perspectivas diferentes que constituem peculiaridade de cada um deles. Essas
abordagens sobre a administração pública, podem ser sintetizadas com base nas características
que se seguem (ver o quadro 4).
Patrimonialismo Burocracia Gerencialismo
Apadrinhamento Especialização Flexibilidade;
Individualismo Divisão do trabalho Transparência;
Cada caso considerado Padronização e Uso de práticas
pessoalmente rotinização do trabalho gerenciais do setor
Cada caso é uma exceção em Orientação legal privado no domínio
potencialismo Impessoalidade público;
Dominação tradicional sem Profissionalismo Maior transparência
base legal Excesso de formalidade na ação do Estado;
Livre arbítrio Baixo desempenho Efetividade e
Características Inexistência de uma distinção Preocupação com qualidade
clara entre o patrimônio procedimentos em As ações das
público e privado detrimento dos instituições púbicas
resultados são voltadas aos
cidadãos;
Equidade e justiça
Menor preocupação
com os processos
administrativos
Objetivos Emprego Racionalidade Busca resgatar a
gerais Bem-estar do empregado Economia cidadania
Tratamento preferencial Eficiência
Torna menos rígida
Baixa capacidade de atingir Bem-estar do a administração
Conseqüências objetivos empregado pública
Igualdade Ausência de
homogeneidade no
serviço público
Quadro 4. Síntese dos três principais modelos administrativos
Fonte: Bresser-Pereira (1998); Oliveira (2002)
Neste tópico, procurou-se fazer uma abordagem analítica sobre o conceito de Estado e
sobre os modelos da administração pública que definem a organização das instituições
públicas. No concernente ao Estado, constatou-se que se trata de uma entidade que evoluiu
com a própria sociedade. Mudanças no ambiente institucional implicaram em alterações no

31
modelo administrativo, nas estruturas políticas e no seu funcionamento. Assim, os modelos
aparecem como respostas aos problemas conjunturais enfrentados pelas sociedades. Todavia,
os fenômenos relacionados à mudanças na natureza das atividades e formas estatais serão
descritos a seguir. Portanto, na próxima seção são apresentados alguns argumentos que
explicam as causas e como ocorre o processo de transformação institucional do Estado.

1.3 – Reforma do Estado

Segundo Glade (2003), o Estado quase sempre foi envolvido por alterações
razoavelmente modestas, ao invés de revisões maiores que acontecem para inovar e renovar o
seu aparato governamental. E em contraposição dos processos permanentes e incrementais
que o aparelho de Estado tem sofrido, há momentos históricos derivados de conjunturas
específicas internacionais ou nacionais, ou ambos, através dos quais decorrem rupturas de
maior envergadura e que podem ser denominadas de “Reforma do Estado” (AZEVEDO,
2006). Essas adaptações revelam que “qualquer Estado e ambiente institucional, social e
político, é sensível às idéias, à pressão e ao ambiente interno e externo” (CASTEL-BRANCO,
1995, p.58). As reformas atingem todos os Estados, todavia diferenciam-se “pela tradição
histórica de cada país e pela forma de interdependência que cada um deles tem na sua
vinculação com os outros” (SOUZA, 2003, p. 204). A arena institucional contém um número
de pressões endógenas e exógenas que influenciam a estrutura e seu comportamento. Inclui
pressões que surgem, dum modo geral, das normas sócio-culturais firmadas e, também, de
pressões institucionais que operam em sintonia com outras forças, tais como competitividade
ou pressões do mercado (DACIN, 1997).

Ainda sobre esta questão referente à mudança institucional, Azevedo (2006) considera
que, é necessário procurar estabelecer uma diferenciação entre as reformas tópicas que são
comumente designadas de reforma administrativa daquelas que se poderia denominar de
reforma do Estado. Para este autor, a reforma do Estado é um processo permanente que
incorpora dimensões políticas, econômicas, institucionais, jurídicas e até culturais. Enquanto
que os casos mais corriqueiros resultam das chamadas “reformas administrativas” que são
implementadas para adequar a máquina pública às políticas governamentais.

Na visão de Bresser-Pereira (1998b, p. 9-10), podem ser identificadas três reformas de


Estado:

• a reforma fiscal do Estado que consiste no ajuste fiscal profundo, que, além
de assegurar a estabilização, viabilizando a substituição da âncora cambial

32
pela âncora monetária, restabelece a poupança pública e assim devolve ao
Estado a capacidade de promover o desenvolvimento econômico e social;

• a reforma da própria estratégia de desenvolvimento econômico e social do


Estado, privilegiando, no desenvolvimento econômico, o papel do mercado
e, no desenvolvimento social, o papel do próprio Estado em parceria com a
sociedade civil;

• e, fundamentalmente, a reforma do aparelho do Estado e da sua burocracia.

Essas dimensões da reforma, além de serem amplas e interconectadas, implicam em


arranjos institucionais entre o Estado, a sociedade e o mercado. A reforma da burocracia
estatal, focalizada no processo de descentralização administrativa, é uma condição necessária
para os esforços de estabilização econômica e para alavancar o progresso social (HAGGARD
e WEBB, 1993, p. 31). A reforma do Estado, na perspectiva de Coe (1997), consiste na
reformulação das instituições nacionais e do seu relacionamento com a sociedade. Trata-se de
uma reconfiguração do aparato estatal que visa “construir instituições que dêem poder ao
aparelho do Estado para fazer o que deve se fazer e o impeçam de fazer o que não deve se
fazer” (PRZEWORSKI, 2003, p. 39).

Reformar o Estado não significa desmantelá-lo. Pelo contrário, a reforma jamais poderia
significar uma desorganização do sistema administrativo e do sistema político de decisões e,
muito menos, é claro, levar à diminuição da capacidade regulatória do Estado, ou ainda, à
diminuição do seu poder de liderar o processo de mudanças, definindo o seu rumo
(CARDOSO, 2003, p. 15).
Quando o aparato estatal não consegue responder às necessidades derivadas do
desenvolvimento social, são tomadas medidas para alterar o cenário negativo, causado por
essa situação. A priori, as propostas de reforma apresentadas, na década de 1980, nos países
em desenvolvimento, incidiam sobre o ajustamento estrutural. Posteriormente, questões
políticas, o tipo de funcionamento e relacionamento do Estado com a sociedade, os processos
administrativos ligados a burocracia, o tipo de legislação e o ordenamento jurídico, tornaram-
se pontos centrais da nova agenda de reforma.

Nesse sentido, a reforma ou modernização administrativa pode ser considerada um conceito


típico de países em processo de desenvolvimento, à medida que, neste tipo de sociedade,
ocorre uma profunda defasagem entre os objetivos do Governo de desenvolvimento e o
instrumental administrativo necessário à sua consecução (MARCELINO, 1987, p. 42).
Nos países em desenvolvimento, a redefinição das instituições vinculadas ao Estado e
a reformulação dos procedimentos administrativos constituem desafio incontornável. Grande
parte destes países está implementando programas de reforma que lhes confere um novo tipo

33
de estrutura política, enquadrada na reforma do Estado e, particularmente, da reforma da
administração pública. Trata-se de um processo que é, simultaneamente, político-
administrativo e técnico organizacional que implica uma reorganização das estruturas
institucionais. Essas ações, de modernização do Estado, são predominantemente sustentadas
pelo principio de Estado mínimo, acarretando consigo grandes transformações na estrutura
administrativa.

No período anterior às reformas da década de 1980, o Estado caracterizava-se pelo


enfoque que dava às dimensões econômica, social e administrativa. No que tange a
componente econômica, o Estado exercia um forte intervencionismo na economia, buscava
garantir o emprego e atuava em setores considerados estratégicos para alcançar o
desenvolvimento. Na dimensão social, devido a tendência de promover políticas públicas
sociais, passou a designar-se de Welfare State. Por último, o funcionamento do Estado
baseava-se no modelo burocrático weberiano (ABRÚCIO, 1996). Na seqüência das
transformações fundamentadas pelas teorias neo-liberais, o Estado deixou de ter uma atuação
hegemônica na economia, preocupa-se em reduzir gastos na esfera social e, garantir o
funcionamento interno do Estado com base numa administração gerencial.

Com o propósito de retirar o monopólio estatal, em relação à economia, foram


estabelecidos novos mecanismos de intervenção do Estado sobre o mercado, conferindo maior
autonomia e autoridade às forças do mercado. Na nova estrutura político-administrativa, o
Estado aparece como regulador de questões extremas, merecedoras de sua intervenção. No
contexto de adaptação aos ditames da globalização, e “em decorrência da redefinição de seu
papel, o Estado deixa de ser responsável direto pelo desenvolvimento econômico e social pela
via da produção de bens e serviços para se adequar a uma nova função de Estado gerencial”
(MATIAS-PEREIRA, 2002, p. 5).

Na etapa final da década de 1980, devido às crises do modelo desenvolvimentista e do


socialismo, na esfera internacional, verificou-se o recrudescimento da ideologia neoliberal,
acompanhado por propostas de redução do papel do Estado. O monopólio da burocracia
estatal, na prestação de bens e serviços públicos, foi ameaçado quando se iniciou a
implementação dos programas de desestatização, inseridos na agenda de reformas econômicas
que ocorrem atualmente. Por este e outros motivos, assiste-se, na arena internacional à
crescente adaptação do aparato político-institucional ao novo contexto. A dinâmica ambiental
procura encontrar caminhos e possibilidades de superação das crises que caracterizam a
sociedade mundial.

34
Nas sociedades contemporâneas recomenda-se, como foi dito anteriormente, a redução
do Estado como mecanismo necessário à implementação do novo modelo de administração
pública. Assim, a lógica de administração burocrática passou, paulatinamente, a ser
considerada inadequada no contexto atual, em que a envolvente ambiental, no qual o Estado
atua é imprevisível. Além disso, as demandas se tornam cada vez maiores e diversificadas,
existem múltiplos canais de comunicação entre o Estado e a sociedade, representada por
diferentes atores sociais. As fortes estruturas hierárquicas e centralizadoras, dominadas pelo
excesso de regulamentos e procedimentos formalizados, demonstram ser incapazes para dar
respostas rápidas às demandas sociais, e para se adequarem às inovações, provenientes do
desenvolvimento tecnológico. O cerne das reformas é a passagem do modelo weberiano ao
gerencial visto que, a burocracia tem demonstrado sua incapacidade de se adaptar aos novos
ambientes políticos, sociais e econômicos.

A crença segundo a qual o Estado tinha se tornado demasiadamente, largo e


dispendioso, que o mercado oferecia mecanismos adequados para uma oferta eficiente de bens
e serviços, constitui uma significativa motivação para o início de reformas que foram
acompanhadas pela emergência de novos conceitos na arena do setor público, como
accountability, consumerism, emprendedorismo, etc (MINOGUE, 2000).

Por isso, as mudanças, na natureza das atividades governamentais, afetaram a


complexidade administrativa e a dimensão do sistema administrativo. O aparato estatal foi
sofrendo, paulatinamente, várias formas de pressões estruturais que o levaram a modificar-se
para se adaptar às mudanças ambientais. Rapidamente, a ocorrência dessas transformações
generalizou-se, atingindo diferentes sociedades.

De acordo com Diniz e Azevedo (1997), Abrúcio (2003), a administração pública


sempre envolveu-se em modificações que se repercutiram sobre as organizações públicas e
suas estruturas de funcionamento. Mas, as propostas atuais e as transformações, que incidem
sobre a administração pública, enquadram-se num contexto geral de reformas que visam
redefinir o papel do Estado, eliminar alguns constrangimentos de âmbito organizacional e
gerencial prevalecentes no setor público.

Numa outra abordagem, sustentada pela perspectiva dos marxistas ortodoxos, está-se
diante da reforma do Estado caso ocorram transformações estruturais no “modo de produção”,
implicando mudanças qualitativas no domínio político e ideológico, para se poder enquadrar
as demandas sociais que carecem de soluções estatais (AZEVEDO, 2006).

35
Na concepção de Weimer (2002, p.64-65),

(...) a reforma é a forma pacífica de mudanças institucionais. De facto, “reforma” pode ser
definida como mudanças das instituições do Estado e das relações entre elas (mudanças intra -
e inter-institucionais), com a finalidade de aumentar a sua legitimidade e capacidade de
atuação perante a população, ou seja, perante o cidadão – eleitor, - contribuinte, - utente.
A reforma não pode ser entendida como um processo isolado, mas como algo
relacionado aos objetivos da sociedade, está inserida na promoção do desenvolvimento
econômico e social. A reforma do Estado é um tema, cuja amplitude engloba aspetos políticos
relacionados com a promoção da governabilidade; econômicos e administrativos que visam
aumentar a governança (BRESSER-PEREIRA, 1998a). Por conta disso, “é necessário
redesenhar o Estado, para que se torne descentralizado, transparente, desburocratizado,
favorecendo as formas de co-gestão e a expressão da sociedade civil” (SOUZA, 2003, p. 205).

Essa estratégia administrativa descentralizadora visa dar autonomia às comunidades


locais, na execução dos serviços sociais fundamentais da sociedade, conferir credibilidade às
instituições públicas, estabelecer relações com bases democráticas, responder com celeridade
às necessidades sociais. A reforma do Estado tornou-se um tema essencial, não só por
constituir resposta a crise do Estado, mas porque é uma tarefa fundamental para a
consolidação da democracia em todo o mundo. A reforma das instituições pré-existentes,
baseadas na centralização e no burocratismo excessivo, é fundamental para reanimar o
funcionamento institucional, com vista a dar respostas rápidas aos problemas apresentados
pela sociedade. Assim, será possível liberar esses serviços da rigidez burocrática que emperra
o funcionamento do aparelho estatal. Possibilitará, também, uma parceria muito mais efetiva
entre a sociedade e o Estado, através de uma estrutura administrativa voltada para o cidadão,
no âmbito da democratização (BRESSER-PEREIRA, 1998a).

O processo de democratização, que ocorre em muitos países, implica uma maior


participação social e a forma burocrática de gestão tem se mostrado inadequada para
responder, eficazmente, as inquietações que tem sido apresentadas. Por essa razão, é
fundamental que o aparelho estatal procure se adequar aos mecanismos democráticos, de
administração da coisa pública. Ademais, “as políticas de reforma administrativas são
consideradas políticas que visam, em última instância, a melhoria (ou elevação) da
performance de um dado sistema burocrático” (REZENDE, 2004, p. 14). A administração
pública, entanto que agente operativo do Estado, deve ter a capacidade de materializar as
decisões políticas, “participar do planejamento das políticas para alcançar os fins propostos,

36
ocupar-se da gestão cotidiana dos assuntos públicos e obter e gerir recursos necessários ao
desenvolvimento das atividades” (SOUZA; 2003, p. 205).

Por conseguinte, a maioria dos governos tem empreendido esforços, desde o início da
década de 1980, com o intuito de modernizar e agilizar a administração pública, despoletando
uma crescente onda global de reforma do setor público (BRESSER-PEREIRA, 1998a).
Conseqüentemente, testemunhou-se a partir desse período a importação de várias técnicas de
gestão para o setor público devido ao nascimento de um rol de ideais e crenças importantes na
administração pública (FERLIE et al, 1996).

Sucessivamente, vão acontecendo mudanças, em todas as esferas da sociedade, em


consonância com o progresso social. Aliás, muitas transformações políticas e administrativas
buscam acompanhar a evolução da sociedade, por isso a realidade social vai sendo modificada
instituindo novas formas de organização política e administrativa do Estado. Mas, a
ocorrência dessas mudanças não significa que haja uma ruptura radical com todos os valores e
práticas de períodos anteriores, as próprias mudanças ocorrem dentro de um conjunto de
constrangimentos institucionais, que influem na escolha de alternativas de ordenamento
social.

O ambiente social, no qual se encontra a administração, exerce influência na definição


do seu papel e de suas estruturas. Assim, dentro do contexto sócio-político, a administração
pública aparece como a componente social intermediária entre o governo, responsável pelo
poder político e os restantes elementos do aparato estatal. Nesse sentido, a efetividade e a
eficiência são imprescindíveis para que os demais atores sociais vejam o Estado, dirigido
pelas pessoas que compõem o governo, como um parceiro previsível com o qual se possa
contar.

Cabe ao Estado interagir com os atores sociais por isso, todas instituições públicas
deverão reforçar-se para que sejam abrangentes, dinâmicas, flexíveis, providas de iniciativa,
próximas e voltadas aos cidadãos. A tarefa de reforma de Estado consiste em equipá-lo com
instrumentos para uma intervenção efetiva e propiciar condições para que os funcionários
possam atuar com eficiência e eficácia na satisfação do interesse público (PRZEWORSKI,
2003). Sugere-se, dessa forma, a adaptação da administração às principais transformações
econômicas e sociais. Essas exigências, de adequação de estruturas, impõem desafios de
transformação do Estado, a capacitação e aperfeiçoamento do sistema político e
administrativo, incluindo o sistema legal.

37
Com esse intuito, o ambiente político-institucional é obrigado a mudar de fisionomia,
relativamente ao padrão de governança da administração pública. A transformação e o reforço
das instituições tornou-se um lema global, constitui um dos catalisadores para a mudança
política, no âmbito das novas concepções de organização social, reconhecidas atualmente
como paradigmas dominantes no mundo.

No âmbito das mudanças institucionais, o continente africano foi alvo de dois tipos de
reforma que sucederam a chamada onda inicial de reformas do serviço público. Depois dessa
onda, seguiu-se um período de transição que se pressupunha a substituição dos técnicos que
trabalhavam para as ex-colônias pela súbita entrada de nacionais qualificados, despoletando
mudanças. Inicia-se, deste modo, um processo de adaptação aos desígnios do setor público, às
escalas salariais e estruturas de mudança de paradigma. Ocorre a transição de uma
administração de lei e ordem para um Estado desenvolvimentista, no qual o setor público
jogava um papel determinante para o alcance do almejado desenvolvimento.

Nos anos 90, surgiram as reformas de segunda geração que estão sendo
implementadas na maioria dos países africanos, incluindo Moçambique. Este tipo de reforma
tem a particularidade de ser mais profunda, relativamente a primeira, dá ênfase a reforma
salarial dentro do funcionalismo público; caracteriza-se por uma reestruturação do Estado no
que diz respeito às suas funções; por uma gestão voltada para resultados; pelo fortalecimento
de mecanismos de controle e também defende a capacitação dos servidores públicos
(STEVENS e TEGGEMANN, 2004).

Esses aspetos fazem parte da modernização administrativa, inserida no atual


paradigma de gestão da coisa pública, que veio substituir o processo de reforma e
modernização do Estado estruturado pelos países desenvolvidos no pós-guerra. Entretanto,
este modelo entrou em decadência no final dos anos 1970, devido a crise econômica, de
escala mundial, derivada das crises do petróleo em 1973 e 1979. A sua principal
característica é a presença estatal em todas as esferas da vida social – contribuindo para
modificar e desgastar significativamente suas relações com a sociedade civil e suas
instituições (MATIAS-PEREIRA, 2002).

A retomada do desenvolvimento econômico e social acarretou consigo questões


inerentes à governabilidade, à necessidade de reformas estruturais e à instauração de um
quadro político democrático.

38
Em meados da década de 1980, observou-se que um número significativo de países
estava engajado em reformas estatais, cujas implicações incidiam, amplamente, sobre a
economia e sociedade. A crise do Estado e o fenômeno globalização chamaram atenção para a
necessidade de reconstruí-lo ao invés de simplesmente reduzi-lo ao mínimo (BRESSER-
PEREIRA e SPINK, 1998). Com o advento da revolução tecnológica e a conseqüente
expansão do mercado, iniciaram-se as transformações políticas e ideológicas, baseadas na
revigorada concepção liberal de desenvolvimento, cujos princípios estimulavam críticas
incisivas sobre o Estado.

Essa busca de soluções para os diferentes problemas sociais representa uma


preocupação constante do Estado. Mas, apesar do esforço que tem sido empreendido, a
conjuntura atual mostra que é cada vez mais difícil responder as principais inquietações dos
homens em sociedade. Segundo a ilação tirada por Bazzo (1994) ao se debruçar sobre o
Estado e administração pública (passado, presente e legitimidade), tem-se constatado que:

trezentos anos após a entrada da noção de Estado na terminologia política, dois séculos depois
que a palavra “administração” passou a fazer parte dos planos governamentais e mais de
setenta anos após a teoria weberiana da burocracia, o Estado, que segundo Hegel, seria a
substância ética consciente dela mesma, só tem conseguido exercer a função de rapport social
de forma medíocre e precária, não conseguindo resolver satisfatoriamente grande parte das
dificuldades sociais e econômicas que historicamente foram surgindo e, pelo contrário, sendo
na maioria das vezes com sua violência, suas leis e sua economia de mercado, o principal
responsável por elas (BAZZO, 1994, p. 30-31).
Esta observação revela que, embora institucionalizado, o Estado não consegue
resolver a maioria dos problemas que a sociedade enfrenta, mesmo com a implementação de
várias medidas, buscando satisfazer os indivíduos que são alvos das suas ações. A
administração pública ainda está moldada pela tradicional e arraigada burocracia weberiana.
Por isso, a introdução de novos modelos requer uma alteração profunda com maior incidência
para sua missão e estrutura, incluindo os procedimentos administrativos. Apesar destas
constatações o “Estado ainda se apresenta como um agente indispensável para atender aos
anseios e aspirações da sociedade” (MATIAS-PEREIRA, 1999, p. 27). Daí que, não se cogita
a possibilidade de eliminá-lo, mas de transformá-lo profundamente.

Convêm lembrar que, muitos processos de mudanças não conseguem lograr os efeitos
desejados. A mudança não garante, a priori, o alcance dos objetivos pretendidos quando se
formulam estratégias nesse sentido. E, quando se trata de reformas administrativas Resende
(2004) alerta que “o conhecimento acumulado sobre reformas administrativas demonstra que
são freqüentemente interrompidas, sofrem descontinuidade ou, mesmo, terminam
reorganizadas” (RESENDE, 2004, p.14). Para a compreensão disso, Giddens (1996), destaca

39
a importância das instituições e das estruturas, a valorização das regras, procedimentos,
valores, normas, práticas e outras variáveis institucionais que se associam ao sistema político,
exercendo influências sobre as relações institucionais, aspetos comportamentais, condutas,
grau de estabilidade e, sobre a função de produção e reprodução.

Normalmente, as mudanças administrativas são difíceis quando os indivíduos já


tenham se habituado e se identificaram com os procedimentos estabelecidos há bastante
tempo (SELZNICK, 1972). Numa análise efetuada, por Caiden (1991), à diferentes contextos
aonde decorriam reformas administrativas, considerou-as de tentativas de
desinstitucionalização dentro de ambientes altamente institucionalizados e que por essa razão
elas falham. O desenvolvimento organizacional, e sua interação com o ambiente circundante,
proporciona um conjunto de rotinas e práticas que são institucionalizadas por meio de normas,
regulamentos e procedimentos. Essas normas estabelecem as regras de atuação, as sanções e
têm influência significativa sobre o rumo da mudança organizacional que se pretende
desencadear (OLSEN, 1991). Dai que,

introduzir mudanças na administração pública, propor novas diretrizes e mecanismos de


gestão, representa ir de encontro a interesses estabelecidos, ultrapassados pelas novas
exigências da sociedade e adequar-se a novos anseios e procedimentos, interferindo na cultura
organizacional do aparelho administrativo do Estado (TEIXEIRA e SANTANA, 1994, p. 7).
Apesar desses constrangimentos, a questão da reforma ou modernização do Estado
ocupa, atualmente, um papel de relevo na agenda política de vários países. Talvez seja por
isso que, a expressão reforma administrativa foi ampliada, nos anos 80, passando a ser usado
no contexto de reforma do Estado ou modernização do setor público (SPINK, 2003). Sem
querer entrar no debate sobre o termo apropriado para fazer referência às conseqüências
inerentes ao desenvolvimento do Estado e da administração pública, esse autor cita a
definição apresentada no relatório da Conferência das Nações Unidas que teve lugar em
Brighton, em 1971, ou seja, as reformas administrativas:

são freqüentemente essenciais programas de amplas reformas administrativas para que se criem as
capacidades administrativas necessárias ao desenvolvimento econômico e social e para que se
executem as funções governamentais em geral (...) Definem-se tais reformas administrativas como
os esforços que têm por fito induzir mudanças fundamentais nos sistemas de administração
pública, através de reformas de todo o sistema ou, pelo menos, de medidas que visem à melhoria
de um ou mais de seus elementos - chave, como estruturas administrativas, pessoal e processos
(AZEVEDO, 2006, p. 148).
A reforma do sistema de administrativo, no contexto atual, estimula o exercício da
cidadania através da inclusão dos cidadãos nos processos de controle social, sua participação
ativa na escolha dos dirigentes, na formulação de políticas públicas e na avaliação dos
serviços prestados pelas instituições públicas. Por esse motivo, as relações do Estado com os

40
cidadãos conheceram um significativo processo de transformação, cujo foco é o exercício da
cidadania ativa, muitas vezes materializada através de relações entre o Estado e a sociedade
civil.

O principio de gestão participativa implica o envolvimento dos cidadãos como co-


responsáveis pela efetividade dos bens públicos, transparência e accoutanbility. De acordo
com Touraine (1996, p. 51), “a democracia define-se não pela separação dos poderes, mas
pela natureza dos elos entre sociedade civil, sociedade política e o Estado”. Esta visão permite
afirmar que, a complexidade e diversidade das demandas sociais requerem uma abordagem
multifacetada para os problemas da sociedade. Com base neste pressuposto, a modernização
do Estado, em termos de aparato administrativo, considera fundamental o envolvimento dos
cidadãos na esfera política e administrativa. Existe uma relação entre a atual reforma estatal e
a expressão democrática, uma vez que se pretende melhorar e ampliar os mecanismos de
resposta aos dilemas sociais, por meio do envolvimento da sociedade como um todo na
identificação e solução dos problemas.

Essa tendência em dar realce a participação dos cidadãos, no processo político-


administrativo, visa envolvê-los na gestão dos bens públicos, ampliando a possibilidade do
progresso social, principal foco das transformações em curso. Tais mudanças englobam as
dimensões administrativas, econômicas e sociais.

No âmbito da reforma do Estado e da democratização que a acompanha, surge a


descentralização como principio estruturante do Estado, ela aparece como um processo de
inclusão da população na nova forma do Estado. Neste caso, a descentralização constitui o
reflexo do processo de democratização, busca encurtar o percurso administrativo entre a sede
das demandas e a sede de decisão. Assim, a política de descentralização pode contribuir para
estimular a democracia participativa e o desenvolvimento, torna rápida a consumação de
projetos na medida em que é dada aos gestores locais a possibilidade de tomarem decisões,
sem recorrer aos órgãos centrais (MASSALILA, 1996).

De acordo com Rondinelli apud Massalila (1996, p. 13), a descentralização

é a transferência ou delegação da autoridade judicial ou política para efeitos de planeamento,


tomada de decisão e gestão de actividades públicas do governo central e suas agências, a
organização no terreno de tais agências, unidades subordinadas do governo, empresas públicas
ou semi-autônomas ou autoridades de desenvolvimento regional, governos autônomos ou
organizações não governamentais” (ONG’s).
O processo de descentralização não depende somente dos esforços isolados de
delegação política e administrativa, é estimulado e intensificado por outros. Por isso, é

41
necessário que a análise institucional se preocupe com as influências sócio-culturais. É
necessário incluir considerações sobre efeitos das forças ambientais na determinação da
estrutura.

No entanto, a descentralização pode ser analisada em três dimensões ou seja, existem


três tipos de descentralização, designadamente:

(1) desconcentração ou descentralização administrativa;


(2) descentralização fiscal e
(3) devolução ou descentralização democrática.
A desconcentralização ou descentralização administrativa tem a ver com a dispersão
dos agentes de escalões superiores do governo nas áreas de escalões inferiores. A
descentralização fiscal significa transferências fiscais decrescentes através das quais escalões
mais altos de um sistema cedem influência a escalões inferiores, em termos de orçamento e
decisões financeiras. A devolução ou descentralização democrática busca levar o poder
central aos níveis mais baixos de representação da sociedade, possibilitando a participação das
comunidades locais, que compõem a esfera social, na resolução dos problemas que lhes
afligem (MANOR, 1998).

A partir da descrição feita, pode-se afirmar que a reforma do Estado, segundo os


princípios do gerencialismo, é um dos elementos essenciais para o resgate da cidadania. Tal
afirmação baseia-se no pressuposto de que, a descentralização implica participação dos
cidadãos em ações sociais, políticas e econômicas; que a consolidação de um regime
democrático é garantida pelo aparato administrativo, suas formas de funcionamento e pelo
tipo de relacionamento entre este e a sociedade. Neste caso, “o sistema político deve colocar
em evidência determinados princípios de unidade a partir da diversidade de atores sociais”
(TOURAINE, 1996, p. 64).

A nova agenda de desenvolvimento estipula ações resultantes das principais


propostas e reflexões que incidem sobre o Estado. Os problemas inerentes a esta instância
social conduziram a reconfiguração do Estado a partir de um amplo processo de
transformações iniciado na década de 1970, fundamentadas pelo keynesianismo. Na década
seguinte, as mudanças conheceram um novo enfoque, baseado em pressupostos da doutrina
liberal, sintentizados pela globalização.

Enfim, feita a revisão da literatura sobre questões atinentes à temática em análise e,


partindo do pressuposto de que qualquer pesquisa científica exige a escolha de métodos para a

42
sua consecução. E considerando que para o alcance dos objetivos propostos é necessário
seguir uma metodologia, foram adotados métodos que são descritos no próximo capítulo.

43
CAPÍTULO II

Metodologia

Neste capítulo, são descritos os procedimentos metodológicos adotados para o alcance


dos objetivos almejados neste estudo. São descritas a natureza da pesquisa, a estratégia
adotada para a sua consecução e a forma de coleta de dados.

2.1 – Natureza da pesquisa

Este estudo destaca-se pelo seu caráter descritivo e pela abordagem qualitativa dos
dados obtidos. Considerando os objetivos delineados, foi realizada uma pesquisa documental
descritiva do processo de transformações político-administrativas, ocorridas em Moçambique,
durante o período demarcado para a análise.

Durante a descrição do processo de mudanças institucionais, procurou-se fazer uma


análise dos fatos, com a finalidade de identificar relações entre tais fatos.

2.2 – Coleta de dados

Devido a limitações de tempo e a impossibilidade do pesquisador coletar dados no


país onde se focaliza a pesquisa (Moçambique), a análise documental foi priorizada neste
estudo. Paralelamente, foram coletados dados contidos em reflexões feitas por vários
estudiosos que se debruçam sobre questões relacionadas à problemática em análise. Os
documentos constituem fontes propícias para a análise de longos períodos de tempo, poderão
fornecer importantes elementos analíticos para os fins propostos.

2.3 – Estratégia metodológica de pesquisa

No processo de levantamento e análise documental, visando a consecução da pesquisa,


foram estabelecidas algumas categorias analíticas que representam as diferentes dimensões
teóricas do fenômeno estudado. As categorias analíticas selecionadas, não esgotam todos os
elementos de cada vertente administrativa, mas envolvem as principais características dos três
modelos de administração pública aqui considerados: patrimonial, burocrático e gerencial.

A coleta e análise dos dados, a partir da mediação desses pressupostos paradigmáticos,


trouxe alguns questionamentos que ajudaram a fundamentar o estudo, contribuindo para a sua
compreensão. A interpretação dos dados levou à extrapolação da preocupação com a mera
descrição.

44
O modelo analítico que norteou a pesquisa baseou-se em construções teóricas que
permitem visualizar o fenômeno estudado. Deste modo, para a presente pesquisa, foram
reunidas as categorias que são apresentadas (no quadro 5) como elementos centrais das
principais vertentes da administração pública.

Dimensões de análise Categoriais analíticas Indicadores


Relação entre a esfera Falta de separação entre o público e o privado;
pública e privada prevalência da posição social para o alcance de
objetivos pessoais; nepotismo; corrupção;
clientelismo; funcionamento da administração
Patrimonialismo pública de acordo com critérios pessoais
Tipo de dominação no Relações estabelecidas com bases pessoais;
exercício do poder autoridade patrimonial; autoridade constituída
através de relacionamento baseado na tradição;
legitimação do poder com base em traços
culturais
Eficiência Dinamismo, flexibilidade, cumprimento de
prazos
Eficácia Qualidade do trabalho;capacidade de produzir os
resultados esperados
Burocratismo Efetividade Impacto dos procedimentos em nível do
Resultado; capacidade de maximar os objetivos e
missão
Estrutura do modelo Hierarquia e divisão do trabalho; formalismo;
gerencial regulamentos; dominação racional-legal;
centralização do poder de decisão; estrutura
administrativa pesada; fluxo descendente de
decisões; preocupação com procedimentos em
detrimento dos resultados
Gerencialismo Funcionamento Uma filosofia de gestão orientada para
institucional resultados; foco da administração nos cidadãos;
incorporação tecnológica; fragmentação de
grandes unidades administrativas; fluxo
ascendente das decisões; menor preocupação com
processos; dinamismo e iniciativa; flexibilidade e
empreendedorismo;
Práticas gerenciais Administração do setor público em moldes
empresariais;
Mecanismo de controle Prestação de contas (accountability);
transparência
Quadro5. Modelo de análise da pesquisa
Fonte: elaboração do autor a partir da revisão da literatura
Os documentos utilizados, neste estudo, foram analisados tendo em conta as categorias
definidas a partir das teorias sobre funcionamento e organização administrativa, identificadas
como os principais elementos centrais do patrimonialismo, burocratismo e gerencialismo.

A análise documental buscou identificar a presença dos elementos analíticos


selecionados. Este exercício visou identificar os elementos que exercem maior influência em

45
cada momento histórico-político delimitado para o estudo. Com esta estratégia metodológica
procurou-se identificar os diferentes momentos históricos políticos do Estado moçambicano e
as principais transformações administrativas que incidiram sobre esse Estado no contexto
sócio-político das reformas estatais.

2.4 – Limitações

Este estudo não tem a pretensão de descrever exaustivamente o quadro político-


administrativo de Moçambique, tendo em vista as condições em que foi realizada a pesquisa,
fora do país em estudo. Procura-se apenas esboçar algumas características que permitem
compreender a lógica administrativa do Estado moçambicano ao longo do período analisado
(1975 -2006). Com isso, uma das limitações do trabalho foi ter sido realizado somente por
meio de documentos, fontes secundárias de dados. A compreensão de processos como os da
transformação do Estado requer tempo e coleta de dados não só secundários para que se possa
identificar a percepção dos diversos atores envolvidos no processo. No caso deste estudo que
está baseado em documentos oficiais em sua maioria, a análise realizada apresenta mais a
visão de certos atores que estão escrevendo a história no momento estudado.
Com o término da apresentação do enfoque metodológico, adotado para a presente
pesquisa e de suas limitações, seguem-se os capítulos atinentes às condições de
desenvolvimento sócio-histórico que levaram à formação e a transformação do Estado
moçambicano. Ou seja, os próximos capítulos são referentes a apresentação e análise dos
resultados da pesquisa realizada.

46
CAPÍTULO III

Evolução histórica das instituições políticas e administrativas de Moçambique


Este capítulo constituiu-se do levantamento histórico do processo dinâmico da
formação de Moçambique. São descritas as principais transformações que este país sofreu, no
que tange às instituições políticas, sociais e administrativas, identificando fatores e aspectos
conjunturais que determinaram e acompanharam a formação desse Estado.
3.1 – Processo de formação e desenvolvimento do Estado moçambicano

A análise da evolução do Estado moçambicano é fundamental para se poder


compreender o seu processo de reforma política e administrativa dentro do período em estudo
(1975 – 2006), identificando: as similitudes entre os ciclos de reforma e os principais modelos
de administração pública; as características que o setor público adquiriu em decorrência das
reformas estatais; a lógica administrativa do Estado através da análise do desenvolvimento
sócio histórico das instituições políticas; e algumas especificidades que contribuem para as
mudanças institucionais.

Nessa análise é fundamental que se considere a vigência portuguesa em Moçambique


e o contexto político da época. Nessa ordem de idéias, é necessário considerar os aspetos
sociais, históricos, políticos e ideológicos dominantes pois, o rumo tomado na fase inicial do
Estado novo foi fortemente marcado por todos esses elementos.

Assim, o Estado aqui analisado é considerado como resultado de um processo de


constituição e de desenvolvimento institucional. Nesse sentido, trata-se de uma instituição que
se configurou em consonância com o desenvolvimento sócio-histórico das suas estruturas.

3.1.2 - Período de vigência do Sistema Colonial (1884/5 – 1975)

Embora a presença portuguesa em Moçambique que era constituído, inicialmente, por


Estados clânicos e chefaturas 4 tenha sido iniciada no século XV 5 , altura em que se
desenvolviam algumas atividades comerciais na costa moçambicana (onde tinham sido
criadas feitorias e entrepostos comerciais), o processo de institucionalização do poder
político-administrativo colonial começou no século XIX. Segundo Hedges (1999), a
implantação do sistema administrativo colonial processou-se em diferentes fases, nas diversas

4
Termo usado para designar uma pequena unidade territorial centralizada num chefe oriundo da linhagem
dominante, coadjuvado por um Conselho de Anciãos que representava todas as linhagens do território. O acesso
à chefatura era feito por herditariedade ou eleição. Com a presença portuguesa, as chefaturas foram destruídas
total ou parcialmente, originando regulados da administração colonial.
5
Em 1498, com a chegada de Vasco da Gama e sua comitiva, dá-se início a penetração mercantil portuguesa que
acabou terminando com a instauração do sistema capitalista colonial.

47
partes do país, o que revela que foi um processo gradual que obedeceu a vários estágios.
Ainda no começo do século XIX, entre 1884 e 1885, teve lugar a Conferência de Berlim
(Alemanha) aonde se reuniram várias potências européias para se tomar à decisão sobre a
partilha de África. Como resultado desse evento, coube a Portugal as terras que constituem o
Estado moçambicano, dentre outras ao nível do continente africano (UEM, 1988).

Na seqüência, Portugal ocupou efetivamente tais territórios tendo delimitado o espaço


geográfico de Moçambique, em Maio de 1891, quando foi estabelecida a partilha de algumas
zonas africanas, através de um acordo entre a Inglaterra e Portugal, em virtude de várias
disputas territoriais entre esses países. A colônia de Moçambique, que ficara cercada dentro
de linhas de fronteira estabelecidas, entre 1890 e 1891, como resultado das negociações entre
ambos países, não apresentava praticamente nenhuma característica de um Estado moderno 6 ,
também carecia de um sistema administrativo ou de direito (NEWITT, 1997).

O processo de implantação colonial levou aproximadamente três décadas (1886 -


1918). Durante esse período, houve muita resistência nas diversas partes da unidade
territorial, mas, a conquista militar permitiu que o aparato colonial fosse estabelecido. Ou
seja, após a Conferência de Berlim processou-se a ocupação militar, administrativa e
econômica de Moçambique por Portugal, o que trouxe alterações na estrutura social e
econômica da colônia (HEDGES, 1999); (DIAS, 2002), desenvolvendo-se uma práxis que
procurava ser coerente com os interesses políticos e econômicos do sistema que o
fundamentava (MATSINHE, 2001). Isso era previsível visto que, “o traçado das fronteiras
coloniais tornou imperativo a criação de uma estrutura administrativa formal que cobrisse
toda a área dentro das fronteiras do novo Estado” (NEWITT, 1997, p. 337).

Ainda no decurso do período colonial, Portugal teve dificuldades em manter um


aparato político e administrativo capaz de garantir o controle direto sobre toda unidade
territorial moçambicana. Portugal não tinha capacidade de administrar integralmente o
território e se estabelecer em todo o país. “A coroa não estava em condições de criar uma
administração unificada continuando Moçambique a sofrer os tormentos ocasionados por uma
série de confusões graves no capítulo das jurisdições” (NEWITT, 1997, p.117). Só mais tarde,
em 1942, é que, António Enes planeou a administração colonial dividindo Moçambique em

6
Foi com o liberalismo que Moçambique passou a existir como unidade política e administrativa. Mas, até
praticamente o último quartel do século XIX, era inegável a ausência de uma comunidade territorial formada por
um conjunto de feitorias isoladas, entre as quais não existia ligação a não ser esporadicamente pelo mar. A
presença portuguesa era, assim, uma presença dispersa e essencialmente litorálica exceptuando-se os
estabelecimentos de Sena e Tete ao longo do rio Zambeze (ROCHA, 1996).

48
distritos, circunscrições e postos. Nesse regime, o administrador era a unidade básica
(FRELIMO, 1978).

Todavia, enquanto não existia mecanismos de administração territorial, o governo


português arrendou cerca de dois terços da superfície territorial da colônia.

Os fracos recursos económicos de Portugal e a inexistência de companhias e empresas


poderosas que pudessem empreender a exploração dos recursos de um vasto território,
foram factores que motivaram o aluguel de extensas áreas de Moçambique as sociedades
concessionárias não portuguesas (ROCHA, 1996, p. 37).
Na tentativa de contornar a situação de fragilidade em que se encontrava, Portugal
decide conceder grandes parcelas do território moçambicano à companhias privadas, cujos
capitais eram majoritariamente ingleses, que passaram a explorar partes da Colônia. Essas
organizações eram chamadas de Companhias Majestáticas, tendo direitos quase soberanos não
só sobre as parcelas territoriais que exploravam, com em seus habitantes, podendo inclusive
instituir e cobrar impostos. Assim, essas unidades territoriais sob administração indireta do
poder colonial detinham uma certa autonomia. Em relação a adoção desta medida, Newitt
(1997) afirma que, o governo português tomou o que se deverá considerar uma decisão
inevitável ao transferir à essas companhias privadas a administração, a pacificação e o
desenvolvimento de maior parte de Moçambique. Durante a vigência desses acordos de
concessão (1891-1942), o país esteve sob domínio de três grandes companhias majestáticas: a
Companhia do Niassa, a Companhia da Zambézia e a Companhia de Moçambique.

Sobre essa questão de cedência territorial, Hedges (1999) considera que a cedência das
atuais províncias de Niassa e Cabo Delgado à Companhia do Niassa, não tinha apenas função
econômica, mas também exercia poderes militares e administrativo, como forma de reduzir os
custos diretos da ocupação militar e administrativa de Portugal. Por seu turno, a Companhia
de Moçambique passou a administrar as províncias de Manica e de Sofala. Enquanto que as
províncias vizinhas, nomeadamente, a de Tete e da Zambézia foram submetidas a uma
administração conjunta do Estado português e de companhias que arrendaram os antigos
prazos 7 . A província de Nampula e todo o território ao sul do rio Save (Maputo, Gaza e
Inhambane) estava sob administração direta do Estado português. Sucessivamente, os
colonizadores portugueses dominaram a sociedade por meio de uma organização política,
econômica, ideológica, cultural, administrativa e jurídica que lhes era possível e favorável.

7
Terreno da coroa situado na Zambézia e alugado por um determinado período de tempo. Segundo PAPAGNO
(1972) a expressão “Prazos da Coroa” serve para designar um dado instituto jurídico que, nascido na região do
Zambeze, no principio do século XVII, sobreviveu com diversas vicissitudes até as primeiras décadas do século
XX.

49
A administração segundo esses moldes foi iniciada em 1991 e terminou em 1942. O
fim dessa forma de gestão resulta do cumprimento das disposições normativas estabelecidas
em 1930, quando foi publicado o Ato Colonial, cessando os privilégios da soberania
atribuídos às companhias.

Na etapa subseqüente à publicação desse documento, o Estado colonial encetou a


ocupação e a centralização administrativa, passando a monopolizar a cobrança de impostos.
Com o Ato colonial foram estabelecidas as bases da estrutura administrativa do império
colonial que vigorou até 1961, quando houve reformas políticas precipitadas pela
incorporação do Estado da Índia Portuguesa pela união indiana e pelos primeiros levantes
ocorridos no norte de Angola (UEM, 1988; THOMAZ, 2001). O Ato Colonial e a Carta
Orgânica do Império Colonial Português significaram o fim da autonomia formal das
Companhias majestáticas e arrendatárias em certas regiões de Moçambique. Assim, passou a
ter a designação de Colônia, sendo administrada diretamente por Portugal (HEDGES, 1999).
O Ato Colonial de 1930, “não concedia à qualquer empresa o exercício de prerrogativas de
administração pública, a faculdade de fixar e de cobrar impostos e o direito de possuir
terrenos” (UEM, 1988, 33), deixando clara a pretensão do governo português de mudar a sua
relação com a colônia, passando a ter o monopólio político administrativo do território
moçambicano.

Desde a promulgação do Acto Colonial de 1930 até meados dos anos 40, o esforço do Estado
português concentrou-se em incentivar entre o povo da metrópole uma consciência imperial,
procurando sustentação à sua presença em África. Neste período, o regime desenvolveu os
fundamentos econômicos, políticos, ideológicos, que norteariam a estratégia colonial na sua
fase derradeira (BUENDIA, 1999, p.43).
Durante a vigência do regime colonial português, vigorava no país um sistema estatal,
cujas características principais salientavam-se pela particularidade de ser fortemente
centralizador e autoritário, baseado em pressupostos típicos de regimes coloniais que
consubstanciam a dominação política, a exploração econômica e o controle administrativo.
Todas essas características refletiam-se nos procedimentos administrativos no que tange à
eficiência e eficácia do aparato administrativo em termos de prestação de serviços públicos
aos cidadãos. Os procedimentos administrativos tinham a particularidade de apresentar um
tratamento desigual aos que solicitavam serviços à administração pública privilegiando os
colonizadores. Havia “falta de experiência com a democracia e a administração pública
decorrente de muitos anos de exclusão política e social à que foi submetida a população
africana durante a longa noite colonial” (BUENDIA, 1999, p. 205) apresentava-se como uma
máquina de exploração da maioria pela minoria constituída pelos colonizadores.

50
O regime colonial implementou uma política de mudanças no funcionamento do
sistema, aproveitando os líderes tradicionais que com os administradores, chefes de posto,
sipaios 8 serviram para consolidar o poder político e administrativo, tornando-se auxiliares
administrativos, passando desta forma a fazer parte da administração colonial (HEDGES,
1997).

Deste modo, “as relações sociais feudais e capitalistas dominaram as vidas de uma
população de que 80% eram ainda rurais; tinham-se acentuado as divisões étnicas, instalado
os chefes tradicionais como agentes do governo colonial com poder sobre a vida das pessoas”
(NEWITT, 1997, p. 470). Entravam, desta forma, em cena as chefias tradicionais conhecidas
como régulos 9 dentro do ideário coletivo e que se tornou um título administrativo-colonial
que se consolidou no mundo rural e urbano (BAPTISTA-LUNDIN, 2002). Os régulos foram
colaboradores do poder colonial empreendendo ações que os tornavam pilares dos interesses
coloniais, por isso os portugueses criaram uma nova forma organizacional que ficou
conhecida por regulado. Assim, os régulos passaram a constituir o principal elo de ligação
entre a administração colonial e as comunidades (MONDLANE, 1969).

A política colonial indígena foi sempre definida em função dos interesses econômicos,
políticos e sociais do poder colonial. Para a defesa desses interesses, a administração colonial
desde sempre sentiu necessidade de utilizar as autoridades tradicionais. A compreensão desta
necessidade baseava-se, em parte, no conhecimento que tinham adquirido sobre o
funcionamento das sociedades tradicionais africanas e da coesão que se verificava à volta do
chefe. Por outro lado, a administração colonial desde cedo compreendeu a impossibilidade de
governar sem ter a seu lado colaboradores em que pudessem apoiar no cumprimento das suas
determinações e na imposição da sua soberania (SOUTO, 1996, p. 237).
Paulatinamente, o Estado colonial foi “sofisticando as suas malhas administrativas”,
estabeleceu “tribunais privativos dos indígenas”, cujos juízes eram administradores 10 ,
procurou conciliar o “direito consuetudinário” com o direito colonial. O sistema colonial
baseou-se, progressivamente, na recuperação e promoção de régulos que, na sua maioria,
passaram a ser auxiliares diretos da autoridade administrativa, utilizando a estrutura
tradicional, ideológica e sócio-cultural, para garantir a tranqüilidade, na medida do possível,
da população rural e salvaguardar os interesses da metrópole (HEDGES, 1999).

Assim, “o Estado colonial passou a dirigir toda a política laboral, especialmente


através da Direcção dos Serviços e Negócios Indígenas, de que os administradores eram
representantes ao nível das circunscrições (unidades administrativas concebidas para
8
Policiais africanos ao serviço da administração colonial.
9
Chefes tradicionais responsáveis por um território habitado por um ou vários grupos étnicos com vínculos ou
traços familiares com mesmo ancestral, pequenos Reis.
10
O administrador tinha poderes arbitrários muito amplos. Era o representante direto do governo colonial, era o
juiz nos conflitos entre as populações e entre os colonos e os colonizados (FRELIMO, 1978).

51
indígenas)”. A função do Estado colonial como servidor e árbitro das necessidades laborais da
capital, passou a ser atividade exclusiva desse Estado (UEM, 1988). Através da Reforma
Administrativa Ultramarina de 1933 11 , Lisboa passou a exercer um mandato efetivo sobre a
administração local, ampliando mais o seu poderio sobre as comunidades locais.

Entre 1928 e 1930, foram preparados “uma série de diplomas que definiam a posição
constitucional das colônias e davam a cada uma delas uma estrutura legal melhor definida na
qual se assentavam as administrações. Os diplomas mais importantes foram o Ato Colonial de
1930 12 e a Constituição portuguesa, a Carta Orgânica, publicada para cada colônia, e a lei da
Reforma Administrativa Ultramarina (RAU), todos eles publicados em 1933” (NEWITT,
1997, p. 393); (HEDGES, 1999). Todas essas prerrogativas legais puseram fim a quaisquer
direitos administrativos ou quase soberanos das companhias concessionárias que arrendavam
parcelas territoriais e transformou as colônias numa entidade legal única com a própria
metrópole, parte do Estado Português, e não territórios autônomos” (NEWITT, 1997, 393).
Mas, só em 1942 é que o Estado português teve condições de não renovar a concessão
atribuída a última companhia a perder os direitos sobre algumas superfícies territoriais e seus
habitantes, ou seja, a Companhia de Moçambique que era controlada por franceses e ingleses
(EGERÖ, 1992). Posteriormente, houve em 1951, uma reforma pouco significativa, uma vez
que “restringiu-se à substituição do termo Colônia por Província Ultramarina” (THOMAZ,
2001, p. 35), mas significou que Moçambique passava a ser considerado parte integrante de
Portugal no quadro da tutela política e administrativa.

Na década de 1960 13 , altura em que as antigas colônias africanas foram se tornando


independentes, Moçambique e outras colônias portuguesas sofreram um processo de
exacerbação colonial, Portugal de Salazar insistiu em mantê-las sob seu controle renomeando-
as de “Províncias Ultramarinas”, ignorando as pressões internacionais 14 (FRY, 2001). As

11
A Reforma Administrativa Ultramarina foi aprovada pelo decreto-lei nº 23225 de 15 de Novembro.
12
O Ato Colonial, a lei básica da administração colonial, definia, em 14 princípios gerais, a conduta a seguir nas
questões coloniais. Entre outras coisas, determinava a unificação administrativa das colônias nas mãos do Estado
e a nacionalização das suas economias, acabando, assim, com as companhias concessionárias, fundadas nos fins
do século XIX. Proibia a utilização de trabalho forçado pelas empresas privadas e reiterava a obrigação dos
patrões pagarem aos africanos pelos seus trabalhos. Finalmente, sublinhava a necessidade de os administradores
coloniais defenderem sempre a soberania de Portugal (BUENDIA,1999, p. 47).
13
1960 é considerado o ano de África porque a maioria dos países africanos obteve a partir desse ano a
independência política.
14
Em 1962, as Nações Unidas criticaram Portugal pela sua insistência em não reconhecer a autodeterminação
nas suas colônias, numa altura em que as outras potências européias já tinham atribuído a independência política
à grande parte das suas colônias. O regime colonial se opôs tenazmente ao diálogo e a mediação internacional
visando ao fim do sistema colonial, considerando essa questão como algo estritamente de sua soberania.

52
colônias portuguesas, em África, continuavam sendo vistas como a extensão de Portugal,
onde sua estrutura político administrativa refletia o modelo estabelecido pela metrópole 15 .

Essa situação estimulou a formação de movimentos independentistas em algumas


colônias portuguesas (Guiné-Bissau, Angola, Moçambique) com vista a pôr fim à dominação
colonial. Nesse período vários países africanos foram obtendo a liberdade política como
resultado das pressões que foram feitas aos regimes coloniais. Nesses três países, foi iniciada
a luta armada marcando a fase revolucionária em prol da liberdade.

A emergência de movimentos de libertação representou uma nova forma de luta anti-


colonial, agudizando o sentimento de autodeterminação dos povos, ampliando a consciência
política, significando a tentativa de concretização de certos ideais.

3.1.2.1– Processo de luta anti-colonial

A resistência histórica do povo moçambicano em relação à dominação estrangeira


inicia-se com as primeiras tentativas colonialistas de conquista e dominação 16 dos Estados
soberanos que existiam antes da ocupação efetiva determinada pela Conferência de Berlim.
Desde o momento em que os portugueses manifestaram as suas pretensões, os nativos
reagiram negativamente. Portanto, as relações entre os nativos e os portugueses desde o
processo de colonização não foram pacíficas, havendo conflitos.

Em 1962, objetivando pôr fim à opressão secular portuguesa, três movimentos (União
Democrática Nacional de Moçambique – UDENAMO; União Nacional Africana para
Moçambique Independente – UNAMI; Mozambique National African Union – MANU)
constituídos no exílio uniram-se, passando a designar-se de Frente de Libertação de
Moçambique (FRELIMO) sob a liderança de Eduardo Mondlane 17 . Assim, a FRELIMO
congregou todas as camadas patrióticas da sociedade moçambicana num mesmo ideal de
liberdade, unidade, justiça e progresso (MOÇAMBIQUE, 1990).

Dois anos depois, em 1964, a FRELIMO iniciou a luta de libertação nacional


mostrando claramente que buscava instaurar uma nova ordem social que devia ser contrária a
defendida pelos colonizadores (REIS, 1975). A independência não, apenas, equivalia à

15
A ditadura de Salazar estendia-se a todas as colônias mantendo-as sob o controlo direto do seu Ministério do
Ultramar. Toda a legislação era elaborada em Lisboa, todo o planejamento econômico e outras decisões que
afetassem a economia eram monopólios da metrópole (EGERÖ, 1992, p. 10).
16
A história revela que, durante a tentativa de ocupação e de domínio colonial foram desencadeadas inúmeras
lutas de resistência conduzidas por vários guerreiros podendo se destacar Ngungunhane, Komala, Molid-Volay,
Mataca Kuphula, Maueue.
17
Grande nacionalista, herói, antropólogo, principal arquiteto da unidade nacional.

53
soberania política, mas, também, deveria levar a uma nova sociedade, reestruturada e
planejada para servir necessidades das grandes massas, principalmente as massas camponesas
(BORGES, 2001). O processo de luta armada alvejava a liquidação do colonialismo e a
transformação revolucionária da sociedade (BUENDIA, 1999).

Cinco anos após o arranque dessa luta, Mondlane foi assassinado (a 3 de Fevereiro de
1969) representando uma contrariedade uma vez que em vida engajou-se na luta pela
libertação, incutindo a idéia de unidade entre os diversos grupos políticos, difundiu a linha
progressista que defendia a luta armada como uma forma de expulsar o colonialismo
português. Esse líder político foi sucedido por Samora Moisés Machel que liderou o
movimento de libertação com vista a consecução do objetivo traçado na reunião constitutiva
da FRELIMO. Observe-se que, na gênese desta organização ficou estabelecido como
prioridade o derrube do aparelho colonial e a conseqüente instauração de um novo regime,
conduzido por moçambicanos em prol dos moçambicanos. Para a FRELIMO, essa pretensão
seria possível com a conquista da independência total e completa de Moçambique, fato que
representaria a soberania do povo moçambicano.

A luta, levada a cabo pela FRELIMO, passou a ter muito apoio popular, alguns
portugueses, contrários à manutenção dos moldes de exploração capitalistas, chegaram a se
incorporar neste movimento de libertação nacional e engajaram-se pela conquista da
independência de Moçambique.

Nesse período, em Portugal, havia insurgentes que se manifestaram contra o sistema


político dominante, durante o período Salazar. O golpe ocorrido em Portugal, em Abril de
1974, significou o auge das inquietações populares que já tinham se generalizado na
sociedade portuguesa. Assim, com o fim do regime Salazar na metrópole, foi instaurado um
novo governo, cujo regime desenvolveu ações tendentes a estabelecer uma nova forma de
relacionamento com as colônias, permitindo que estas realizassem as suas aspirações. Por
isso, durante algum tempo a administração colonial participou da reflexão sistemática sobre
Moçambique como entidade territorial, política e cultural relativamente autônoma de Portugal
(THOMAZ, 2001). Terminava desta forma a relutância do regime colonial em não reconhecer
as aspirações da FRELIMO e do povo moçambicano.

O governo português, que se instaurou na seqüência do golpe de Estado - Revolução


dos Cravos, prontificou-se a negociar a passagem de poderes do regime colonial para a
FRELIMO, através da declaração da independência de Moçambique, pondo fim ao sistema
colonial que durou cerca de quinhentos anos. Essa negociação resultou da pressão que a
54
FRELIMO fazia no domínio político-militar, o que trouxe um cenário desfavorável aos
portugueses. Por isso, depois de dez anos de luta de libertação nacional, a estrutura do sistema
colonial português ficou corroída contribuindo para a sua derrocada (CABAÇO, 1995). Ao
celebrar o décimo aniversário do desencadeamento da luta armada, Samora Machel afirmou
que foram “dez anos durante os quais inúmeros militantes e o Povo aceitaram toda a espécie de
sacrifícios e todo o tipo de privações, dez anos a superar dificuldades e a provarmos que somos
capazes de alcançar a vitória” (MACHEL, 1979, p.9).

Em seguida, como corolário das ações protagonizadas pela FRELIMO, no contexto da


luta pelo alcance de uma nova ordem social 18 , o governo português contactou a FRELIMO
propondo uma solução política e não militar para os problemas coloniais, evitando a
continuação de batalhas sangrentas.

Na seqüência dessa solicitação, houve negociações entre a delegação portuguesa


liderada pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros, na altura, Mário Soares 19 e os
representantes da FRELIMO, chefiados pelo seu Presidente, Samora Machel. As negociações
ocorreram em Lusaka (Zâmbia), no período que vai de 5 de Junho a 7 de Setembro de 1974.
Através dos acordos firmados no decurso do processo negocial, o governo português
reconheceu o direito à independência do povo moçambicano que lhe seria conferido no ano
seguinte, precedido de um processo de transição política. Com efeito, as delegações da
FRELIMO e do Estado português estabeleceram, consensualmente, a data da independência e
a transferência progressiva dos poderes que Portugal exercia sobre o território moçambicano.

Os Acordos assinados, na prática, significaram que a independência nacional seria obtida nos
termos e exigências da FRELIMO (...) a antiga potência colonial se comprometia a não
interferir, nem condicionar o futuro governo independente. Nesse sentido, o sistema colonial
mais antigo da África e mais retrógrado acabou por aceitar uma independência política
incondicional (BUENDIA, 1999, p. 193).
Ainda no que diz respeito às negociações de Lusaka, Egerö (1992, p. 74) faz uma observação
afirmando que

os traços centrais do acordo são, na verdade, radicais: uma transferência progressiva de


poderes para a FRELIMO (mais ninguém é referido), com a responsabilidade conjunta de
“eliminar todos os vestígios do colonialismo e de criar uma verdadeira harmonia” sem
qualquer compromisso relativamente ao sistema político e social a ser criado pela

18
Esta pretensão de instaurar uma nova ordem foi defendida por Machel (1979, p. 10) nos seguintes termos: nós
dizemos freqüentemente que no curso da luta a nossa grande vitória foi saber transformar a luta de libertação
nacional em Revolução. Por outras palavras, o nosso objetivo final de luta não é içar uma bandeira diferente da
portuguesa, fazer eleições mais ou menos honestas em que pretos não os brancos são eleitos, ou ter no Palácio
da Ponta Vermelha, em Lourenço Marques [atual Maputo], um Presidente preto, em vez dum governador branco.
Nós dizemos que o nosso objetivo é conquistar a independência completa, instalar um poder popular, construir
uma sociedade Nova sem exploração. Para benefício de todos aqueles que se sentem moçambicanos (MACHEL,
1979, p. 13).
19
Entre a década de 1980 e 1990, tornou-se Presidente da República portuguesa.

55
independência; um governo de transição conjunto, onde a FRELIMO detinha o posto de
primeiro-ministro e a maioria dos postos; uma comissão militar conjunta com igual
representação e possibilidade do primeiro ministro controlar a força da FRELIMO.

Nos encontros realizados em Lusaka, a FRELIMO autoproclamou-se como o único


representante do povo moçambicano, passou a considerar-se como a única força legítima,
conferindo-se a si o direito exclusivo de decidir os destinos da sociedade quando se efetivasse
a desejada emancipação política. Mesmo assim, surgiram vários grupos pequenos arrogando-
se a legitimidade de compartilhar com a FRELIMO a primazia de disputar as rédeas do país
que seria edificado. Concluída a etapa negocial entre o governo português e a FRELIMO
passou-se a fase de implementação das diretrizes estabelecidas em Lusaka e aceitas por ambas
as partes (representantes do governo colonial e do movimento de libertação).
3.1.2.2 – Transição do regime colonial rumo á independência política: Governo de
Transição (1974 – 1975)
Os acordos de Lusaka 20 estabeleceram os passos que seriam seguidos até a obtenção
formal da independência política, cuja data 21 foi determinada no contexto das negociações
entre as partes envolvidas. A série de questões abordadas, entre a delegação portuguesa e da
FRELIMO, com vista a solucionar o conflito incluía a transição política de um regime
colonial à um novo que estivesse livre da dominação estrangeira. Essas negociações
resultaram na fixação de sete de Setembro de 1974 como data para término do conflito.
Entre a assinatura desses acordos e a declaração da independência “houve apenas nove
meses de administração provisória (NEWITT, 1995, p.466). Essa administração foi marcada
pela presença de membros seniores da FRELIMO num governo que ficou conhecido por
Governo de Transição, devido à sua missão histórica de transferência progressiva e completa
de poderes do sistema colonialista ao povo moçambicano (BUENDIA, 1999). Tratou-se de
um governo composto por elementos previamente indicados pelo movimento de libertação e
pelo governo português, para garantir que o processo de descolonização não fosse brusco. O
processo de passagem de poderes implicou a existência de um momento no qual os futuros
dirigentes de Moçambique se familiarizaram com a administração do Estado, conhecendo o
ponto de situação do aparato estatal e as formas de seu funcionamento.
Nesse governo, a FRELIMO iniciou o desmantelamento das estruturas colonial-
fascistas e feudais, empenhou-se em destruir as formas mais degradantes da dominação
estrangeira (FRELIMO, 1980). Segundo Reis e Muiauane (1975), uma vez que o poder estatal

20
Os dois acordos assinados em Lusaka (acordos de cessar fogo e para a entrega do poder) exprimem a vitória
político-militar da FRELIMO.
21
A FRELIMO escolheu, propositadamente, o dia 25 de Junho de 1975 como data para declaração da
independência para coincidir com o aniversário da sua criação.

56
estava infestado por métodos anti-democráticos e submetido à inércia da burocracia, tornou-se
prioridade do Governo de Transição, sob comando da FRELIMO, a extensão do poder
popular democrático as zonas sob domínio colonial. Para que isso ocorresse, a FRELIMO
procurou divulgar o seu poder, a forma como seria exercido, mostrando em que aspectos se
distinguia do poder colonial.
Durante a vigência desse governo provisório, os representantes da FRELIMO, na
condução do aparelho do Estado até a proclamação da independência nacional, faziam
discursos políticos que denotavam tendência de mudança com maior incidência para o
funcionamento da administração pública, enunciando alterações radicais na arena política.
Numa fase inicial, as alterações seriam acompanhadas pela descolonização 22 e pela edificação
de estruturas adequadas ao Poder Popular Democrático.
Já no fim da fase transitória e perante a eminência de assumir o poder, a FRELIMO
concentrou-se na explicitação do seu projeto político-social (BUENDIA, 1995). Foram
apontadas as linhas orientadoras do processo que se seguiria logo que se materializasse a
passagem, definitiva, de poderes aos revolucionários da FRELIMO.
É enfatizada a necessidade de os dirigentes viverem de acordo com a linha política da
FRELIMO, a exigência de no seu comportamento, representarem os sacrifícios consentidos
pelas massas. O poder, as facilidades que rodeiam os governantes podem corromper facilmente
o homem mais firme. Por isso, os dirigentes devem viver modestamente com o povo, não
fazendo da tarefa recebida um privilégio e um meio de acumular bens e distribuir favores. A
corrupção material, moral e ideológica, o suborno, a busca de conforto, o nepotismo fazem
parte do sistema de vida que a FRELIMO esteve empenhada em destruir (BUENDIA, 1999, p.
198).

Recorrendo a argumentos como este, a FRELIMO pretendia demonstrar a sua vontade


de eliminar os princípios patrimonialistas que caracterizam o sistema de dominação colonial;
garantir a eficiência institucional, através de uma forma de administração cuja organização e
funcionamento seria contrário à colonial, e que seria institucionalizada após a descolonização.
Até aqui a análise documental realizada permitiu descrever o processo de formação do
Estado moçambicano, mostrando como esta instituição se configurou a partir da chegada dos
portugueses e a conseqüente implantação do sistema colonial. Com o término da descrição do
período que antecedeu a independência política, passou-se então para a fase aonde se
concentra o foco desta pesquisa. Trata-se da fase posterior à queda do regime colonial, onde
foram criadas instituições consideradas capazes para garantir um bom funcionamento do
Estado, que se criou, imediatamente, a seguir ao fim do colonialismo.

22
Descolonizar o Estado significa, ainda, desmantelar o sistema político, administrativo, cultural, financeiro,
econômico, educacional, jurídico e outros, que como parte integrante do Estado colonial se destinavam
exclusivamente a impor as massa a dominação estrangeira e a vontade dos exploradores (Buendia, 1999, p.
199).

57
Assim, a seguir, em continuação a análise documental será apresentada a dinâmica do
processo de criação e desenvolvimento institucional, que se iniciou com a consumação da
independência política do Estado de Moçambique e as principais mudanças que incidiram
sobre a forma de organização e funcionamento do Estado moçambicano. Trata-se da parte na
qual se procura descrever o quadro institucional estabelecido, isto é, o sistema político, forma
de governação e o arcabouço institucional adotado pela sociedade moçambicana. São
identificados os contextos que determinaram a configuração do sistema institucional e o tipo
de relacionamento inter e intra-institucional.

58
Capítulo IV

A independência política e a trajetória do Estado moçambicano (1975 – 2006).


No período pós-independência, Moçambique sofreu abruptas transformações de modo
a dotar os sistemas político e administrativo do Estado de mecanismos capazes de lhe conferir
maior racionalidade. Procurou-se, sempre, criar um aparato para servir de catalisador do
progresso social. As mudanças nesse sentido iniciaram com a tentativa de implantação de um
Estado socialista, prosseguiram com o processo de liberalização política dentro do quadro da
democratização que é acompanhada por uma ampla reestruturação do setor público.
O fim do Sistema colonial em Moçambique, que se deu através da independência
política, constitui a primeira transição 23 política. Essa ruptura com a velha ordem significou a
construção de um novo Estado. A segunda geração de reforma política inicia com a adoção de
medidas inseridas no liberalismo econômico acelerado pela globalização. A terceira transição
política foi inaugurada com o advento do processo de democratização, que se deu com o
colapso do regime monopartidário e a conseqüente abertura política. Nesta geração de
reformas, tem se focalizada a reestruturação administrativa do Estado para impulsionar o
desenvolvimento sócio-econômico deste país.

O levantamento histórico das tentativas de reforma político-administrativa desse


Estado poderá ajudar a identificar as similitudes entre os ciclos de reformas e os modelos de
administração pública, adotados para dar uma certa lógica funcional ao sistema político e
administrativo. Desta feita, e na seqüência desta constatação, são identificadas as fases das
reformas do Aparelho do Estado, através de uma visão panorâmica sobre a administração
pública, baseando-se no contexto histórico e político no qual ela se desenvolveu.
Conseqüentemente, são arrolados os fatores que podem ter determinado a lógica e o ritmo do
desenvolvimento do Estado moçambicano, buscando identificar vários aspetos importantes
dentro do contexto no qual as reformas vão ocorrendo. Através de estudos efetuados por
vários pesquisadores, constatou-se que a trajetória política de Moçambique compreende
períodos históricos distintos que correspondem, em larga medida, à colonização, à luta anti-
colonial e ao período pós-independência. Mas, como adverte Macamo (2007), a sociologia
política deste país e outros estudos, feitos ao nível das diversas áreas do conhecimento, têm
concentrado suas análises sobre o último período, conferindo destaque ao processo
23
Entende-se, neste caso, por processo de transição, um período em que os vetores e variáveis internos da
sociedade vão, cada vez mais, agudizando o seu caráter conflitual e contraditório até que as transformações que
daí decorrem provoquem uma mutação, isto é, uma alteração profunda e brusca na sociedade, que afeta, num
espaço relativamente breve, em todos os seus aspectos (economia, social, político e cultural) (CASTEL-
BRANCO, 1995, p. 80).

59
revolucionário da FRELIMO e essas análises são, também, direcionadas às opções político-
econômicas e sociais tomadas após a independência. Indo de acordo com esse ponto de vista,
Egerö (1992) e Thomaz (2001), afirmam que pesquisadores interessaram-se no projeto
nacional do partido FRELIMO que ao conquistar o aparelho de Estado encontrou um apoio
notável por parte de intelectuais e políticos de esquerda internacional, assim como de milhares
de cooperantes provenientes de vários países com a finalidade de participar na construção da
nova sociedade.

Desde os primórdios da independência, tem ocorrido mudanças profundas no seio da


administração pública moçambicana. No decurso do processo de concepção do plano de
reformas para o período entre 2001 e 2011, a Comissão Interministerial da Reforma do Setor
Público (CIRESP), identificou três fases principais da evolução política e administrativa que
são caracterizadas por uma certa inflexão e que são, particularmente, relevantes para a própria
edificação do Estado moçambicano.

A primeira fase, decorrente da luta de libertação nacional, deu-se logo após o alcance
da independência política (25 de Junho de 1975). O governo moçambicano, sob a direção da
FRELIMO, adotou um conjunto de medidas visando o derrube do aparelho de Estado
colonial, sua substituição por um outro virado para as massas (de orientação popular),
caracterizado por um forte centralismo e por uma economia planificada. Ou seja, por um
modelo centralizado e centralizador apoiado num partido forte, único e hegemônico. Também
designa-se de fase de constituição do novo Estado. A segunda fase inicia-se em 1986, quando
o modelo administrativo, anteriormente implantado, conheceu profundas transformações ao
nível dos princípios que o norteavam devido as reformas econômicas operadas e que pareciam
responder a conjuntura internacional que tendia a adotar o modelo liberal. A terceira fase dá-
se com a consolidação do novo quadro político e econômico que verificou-se com a
aprovação de uma nova Constituição política, em 1990.

Mesmo concordando com a advertência da CIRESP, segundo a qual ao abordar a


questão da reforma do setor público em Moçambique, há que destacar essas três fases de
inflexão, a presente pesquisa estabelece quatro períodos, cuja delimitação baseou-se nos
principais marcos da evolução histórica das instituições políticas, sociais e administrativas de
Moçambique, durante o período subseqüente a independência.

Seguindo a periodização adotada, o próximo tópico debruçar-se-á sobre o processo de


institucionalização do socialismo, iniciado com a edificação de um aparato estatal concebido
nesse sentido.
60
4.1.- Edificação do Estado Socialista (1975-1986)
Nas vésperas da passagem definitiva do poder, por parte do governo português, ao
povo moçambicano, a cúpula da FRELIMO (Comitê Central) reuniu-se na sua VII Sessão,
noTofo, na Província de Inhambane, com o intuito de definir as orientações básicas do Estado,
sua natureza e fins do poder estatal, do poder da aliança operário-camponesa, para edificar a
nova sociedade. Nesse encontro, foi aprovada a Constituição da República Popular de
Moçambique 24 (CRPM) que estabeleceu as diretrizes básicas do Estado, onde são definidas as
estruturas do poder do Estado (FRELIMO, 1976). A seguir, foi proclamada a independência
política, no dia 25 de Junho de 1975, que representou não apenas um marco histórico, mas
também e, fundamentalmente, o cumprimento de uma etapa essencial do ideal de construir
uma nação sólida (FRELIMO, 1999). A partir desse ato, o novo Estado passou a designar-se
República Popular de Moçambique (RPM) deixando, por essa via, de ser considerado, pelos
portugueses, como província ultramarina portuguesa. A FRELIMO passou, a partir deste
momento, a exercer o poder político e a orientar politicamente a sociedade moçambicana. E
no âmbito dessa transferência definitiva de poderes efetuada através da declaração da
independência, Samora Machel, Presidente da FRELIMO, foi designado como Presidente da
nova República.
O aparelho de Estado herdado pela FRELIMO, nestas circunstâncias de afirmação
política, se configurava em moldes coloniais que o governo de transição não conseguiu
transformar (BUENDIA, 1999). Por isso, o novo regime recebeu como legado uma tradição
de controles burocráticos centralizados que tinham a colaboração dos líderes tradicionais.
Mas, logo que assumiu o poder, a FRELIMO considerou urgente o “escangalhamento”25 das
estruturas coloniais e a criação de novas estruturas que permitiriam ao Estado planificar,
coordenar e dirigir efetivamente os setores econômicos e sociais, e os meios humanos
(FRELIMO, 1978).
A priori, a legitimidade das autoridades tradicionais foi posta em causa pela
FRELIMO, que alegava que esses líderes colaboravam com a máquina administrativa
colonial. Por isso, tais autoridades não podiam fazer parte do processo político-administrativo

24
A Constituição da República Popular de Moçambique (RPM) estabeleceu uma ruptura com o passado colonial
e com o sistema capitalista. Ela define as bases de um Estado inteiramente novo, de Democracia Popular, e traça
os princípios fundamentais para a edificação da Sociedade Socialista.
A Constituição da República Popular de Moçambique, ao proclamar que o poder pertence a aliança operário-
camponesa dirigida pela FRELIMO, exprime a nova correlação de forças criada pela vitória da guerra popular de
libertação (FRELIM O, 1977).
25
Escangalhar o aparelho do estado colonial significa a destruição desse aparato estatal e sua substituição por
uma outra forma de organização e funcionamento das instituições do Estado.

61
do país. Os dirigentes da FRELIMO, para sustentarem o seu posicionamento, argumentavam
que havia uma contradição entre os preceitos tradicionais e os revolucionários que estavam
em curso. Concretamente, os frelimistas visavam impulsionar o processo de superação dos
estados clânicos e do Estado colonial português a favor da sua visão sobre a sociedade
(MAZULA, 1993). Foi com esse intento que, o governo revolucionário da FRELIMO
desmantelou a estrutura do aparelho colonial português, todos os lideres tradicionais foram
abrangidos por serem considerados agentes do colonialismo, representantes de uma sociedade
retrograda e subdesenvolvida, que devia ser substituída por um novo Estado (MONTEIRO,
1979).
Em decorrência dessa visão, sobre como instituir uma nova forma de ordenamento
social, surge a tentativa de destruir o aparato estatal colonial, que levou à substituição das
estruturas que vigoravam antes da independência e que eram reconhecidas pelo governo
colonial, “o ‘feudalismo´ 26 , ou seja, o sistema de governos das populações rurais através de
líderes escolhidos por seus parentes e antepassados e confirmados pela administração colonial
como régulos, foi substituída pelas estruturas do partido Frelimo: secretários e grupos
dinamizadores” (GD´s) 27 (FRY, 2001, p. 14). Neste contexto, e baseando-se em princípios
revolucionários da FRELIMO e do governo, tentou-se construir um Estado que inviabilizasse
as doutrinas do Estado colonial português (COLAÇO, 2001). Para Machel (1979, p. 24),
não se podia constituir “um Estado Popular com suas leis e sua máquina administrativa, a
partir dum Estado cujas leis, cuja máquina administrativa foi inteiramente concebida pelos
colonizadores para os servir”. Por essa razão, era preciso romper com todo o sistema anterior.
De acordo com Machel (1975) e Mazula (1995), o alcance do socialismo seria
realizado sem nenhuma etapa transitória. Para o efeito, era necessária a destruição de toda a
estrutura que estivesse relacionada com o sistema colonial. Neste sentido, devia-se destruir as
estruturas coloniais e feudais, e introduzir novas estruturas incompatíveis com as anteriores.
Esse ponto de vista foi inserido no artigo quarto da primeira Constituição da República,
adotada no âmbito da independência política, que preconizava para a construção de um

26
Na sociedade tradicional não é qualquer pessoa que pode ser régulo, para ser régulo deve-se pertencer à
camada feudal, ser da família do chefe, isto é, ser filho ou sobrinho. Quem designa o novo régulo é régulo
anterior ou um órgão composto por feudais (MACHEL, 1979, p. 22).
27
Os GD`s constituíram-se numa vasta rede de vigilância popular contra as tentativas de desestabilização
política e social. Desempenharam um papel decisivo na batalha econômica e na garantia do funcionamento
produtivo e estatal . Tiveram um papel histórico fundamental na mobilização do povo, na denúncia de vestígios
de comportamentos coloniais, na consolidação da independência; assumiram uma série de tarefas estatais à
medida em que se estruturava o Aparelho do Estado (FRELIMO, 1980).
Os GD`s foram, também, centros difusores das orientações político-administrativas da FRELIMO, num
momento em que ela não contava com a obediência do aparelho do Estado e estava, enquanto organização,
pouco enraizado nas massas trabalhadoras (BUENDIA, 1999).

62
Estado moderno (Novo) 28 a “eliminação das estruturas de opressão e exploração coloniais e
tradicionais e da mentalidade que lhes está subjacente” (MOÇAMBIQUE, 1978).
Baseando-se nesta perspectiva, o regime socialista intensificou ações com vista a criar
uma ruptura com o padrão da administração pública patrimonialista, que estava acoplado ao
sistema administrativo colonial, por isso, teve que combater energicamente os régulos que
eram os principais colaboradores do sistema governativo colonial. De acordo com Frelimo
(1983), os tradicionalistas e feudais que esperavam que a independência restabelecesse o
poder tribal 29 e dos homens foram subestimados pelas estruturas democráticas de base que
eram contrárias à práticas subjacentes a essa forma de ordenamento social. Assim, “o resto da
década de setenta apresentou-se, aparentemente, como um período de consolidação da nova
ordem política, econômica e social implantada com a independência” (CASTEL-BRANCO,
1995, p. 81).
O governo da Frelimo empenhou-se em combater o individualismo e o regionalismo.
Essa medida visava evitar a centralização do poder em certos indivíduos com base em núcleos
de poder regional. Evitava-se, assim, o personalismo na política, o apadrinhamento e a prática
de algumas arbitrariedades que se opunham às relações de autoridade burocrática de base
racional-legal.
Começou assim a fase embrionária do novo Estado moçambicano, caracterizada pelo
estabelecimento de novas instituições políticas. O novo regime desencadeou uma intensa
reorganização e formulação de políticas. Procurou-se responder aos problemas dos diferentes
setores estatais, com base em grandes linhas estratégicas de desenvolvimento concebidas
antes do alcance da independência política (EGERÖ, 1992)
A política revolucionária da FRELIMO “implicou uma total transformação da
sociedade, a abolição das instituições do Estado colonial e a transformação da divisão
administrativa do país”. Foi assim que surgiram as diversas unidades políticas-administrativas

28
Esse Estado, durante a sua criação, seguiu as etapas identificadas por SALDANHA & BONAVIDDES (1979
p. 65) quando argumentam sobre a formação do Estado socialista, ou seja, quando afirmam que “O Estado
socialista é, em verdade, a resultante histórica de duas fases bem distintas: uma de formulação e pregação
teórico, outro de tomada revolucionária de poder e instituição dos novas bases de organização. Baseada em
teorias revolucionárias sustentadas por ideais socialistas, a FRELIMO levou avante a luta de libertação nacional
que culminou com a tomada do poder e a instauração de uma nova forma de organizar a sociedade outrora
alicerçada por concepções patrimonialistas e capitalistas.
29
Sobre essa questão, Machel (1979, p. 15) argumentava que: no nosso país, antes da conquista colônia, os
régulos e chefes tribais que exerciam o poder afirmavam que o seu poder representava vontade dos antepassados.
Por exemplo, em certos reinos, o povo não podia ver cara do rei, noutros casos era proibido falar ao rei, só se
podia ouvir a sua voz. Ainda nos nossos dias em algumas regiões em que o poder dos régulos permaneceu
relativamente intacto, é, habitual encontrarmos atuações deste gênero que camuflam com os mitos e a
superstição a realidade cruel da opressão dos senhores feudais.

63
e territoriais que compõem Moçambique. Dentro do contexto de mudanças, o território
moçambicano foi dividido em dez Províncias 30 e estas por sua vez foram subdivididos em
distritos, cidades e localidades, formando uma nova divisão administrativa. Três níveis de
organização administrativa: nacional, provincial e local (“cidades” e “distritos”) são
instalados pelo quadro jurídico que substituiu as estruturas administrativas coloniais.
(ABRAHAMSSON e NILSSON, 1994). “Esta organização administrativa promovia a
centralização da tomada de decisões pelo governo central, cabendo aos órgãos provinciais e
distritais do Estado apenas a tarefa implementadora das decisões locais” (CISTAC, 2001, p.
11).
Desde o início do governo da FRELIMO, houve uma preocupação em promover uma
administração pública estruturada de forma completamente diferente da anterior. As novas
forças sociais advogavam novos métodos e estratégias diferentes das usadas nas sociedades
tradicionais, hierárquicas e estratificadas (BORGES, 2001). Pugnavam pela destruição de
todos os vestígios da presença colonial e do imperialismo, pela eliminação do sistema de
exploração do homem pelo homem, para a edificação da base política, material, ideológica,
cultural e social da sociedade (MOÇAMBIQUE, 1975). Foram apresentadas perspectivas de
mudanças através da propaganda governamental desfavorável ao sistema colonialista, onde se
apontavam os vícios do capitalismo e foram lançados os princípios do centralismo
democrático 31 . Observe-se que, nos primeiros anos da independência, as decisões tomadas
pela FRELIMO, demonstravam a sua pretensão de instaurar uma democracia social e política.
A implementação da política de nacionalizações surge como meio de transformação estrutural
da sociedade moçambicana, definindo o caráter de classe desse novo poder (BUENDIA, 1999).
Na perspectiva de Mazula (1995), e Colaço (2001), o projeto político apresentado pela
FRELIMO estava voltado para a transformação da realidade social. A criação de novas
relações sociais implicou profundas mudanças, tais como a estatização dos meios de
produção, a centralização das decisões no aparelho do Estado, a homogeneização dos

30
Entretanto, a atual divisão política e administrativa do Estado moçambicano é constituída por onze províncias,
nomeadamente: Cabo delgado, Niassa, Nampula, Sofala,Tete, Manica, Zambézia, Inhambane, Gaza, Maputo e
por fim a cidade de Maputo que tem o estatuto de província devido o seu peso político e econômico. Entretanto,
foi lançada recentemente, pelo Ministério de Administração Estatal, uma proposta de ajustamento da divisão
administrativa do país dentro do quadro de reajustamento territorial, devido a existência de extensas zonas rurais
em cidades e vilas.
31
O Centralismo democrático foi adotado como principio fundamental da organização e de trabalho no seio do
partido, devia combinar dois aspetos: centralismo e democracia. A essência do centralismo democrático reside,
antes de tudo, no fato de um centro único gozando da confiança dos militares e das massas em geral, dirigir o
conjunto das organizações do partido. O principio do Centralismo Democrático implica, ainda, saber combinar a
aplicação das orientações dos órgãos centrais do poder com as condições reais da Província, do Distrito e da
Localidade (FRELIMO, 1980).

64
indivíduos. Assim, começaram a ser implementadas várias medidas visando materializar as
mudanças preconizadas no âmbito da governação do país. Foi assim que, se estabeleceu um
Estado forte, apoiado no partido, no exército e no sindicato burocrático. O Comitê Central 32 ,
determinou a necessidade da destruição das estruturas do Estado colonial-fascista, acompanhada pela
edificação de um aparato estatal novo. A nova forma do Estado devia refletir, na sua composição,
organização e métodos, o poder da aliança operário-camponesa (FRELIMO, 1980).
No cumprimento dessa determinação e, dentro do contexto de pressões se propuseram
mudanças na estrutura do Estado. Sabe-se que, no período colonial que antecedeu a
independência, vigorava no país um sistema estatal colonial centralizado e autoritário, que
assentava em pressupostos típicos de regimes coloniais, tais como a dominação política, a
exploração econômica e o controle administrativo (MOÇAMBIQUE, 2002). Mas, “apesar da
alteração do poder de Estado ter significado, em Moçambique, um corte com o passado em
todos os aspetos sócio-políticos, a tendência básica da política econômica foi de continuidade
e reforço” (EGERÖ, 1992, p. 57). A opção ideológica tomada pelo país, na fase
imediatamente posterior a independência, ditou o papel preponderante do Estado na
economia. É de salientar que, o envolvimento do Estado na economia acarreta consigo dois
problemas potencialmente perigosos. O primeiro, característico da maioria dos novos países
socialistas, diz respeito a burocracia estatal, caracterizada pela incapacidade de assumir
muitas funções, anteriormente, desempenhadas por intermediários no processo de mercado. O
segundo deriva-se do primeiro e consiste na tendência para a centralização, que se processa
em simultâneo com o crescimento do Estado no que tange a planificação e controle (EGERÖ,
1992).

Em relação a questão administrativa, apesar de esforços para a ruptura com a estrutura


colonial, algumas práticas administrativas mantiveram-se, ou seja, o governo da FRELIMO
assumiu o poder tendo sob seu comando uma burocracia 33 sob bases autoritárias e forte
intervencionismo econômico e social das quais não abdicou. Ao longo da colonização, “a
burocracia do Estado colonial desenvolveu até à perfeição as medidas usuais de formalidade,
rigidez e hierarquia” (EGERÖ, 1992, p. 66), através da institucionalização de um conjunto de
regras de funcionamento do sistema administrativo que foram, também, usados no período
pós-independência. A FRELIMO manteve as características autoritárias e repressivas do

32
Na sua VIII Sessão realizada entre 11 a 27 de Fevereiro de 1976.
33
Como fator agravante, o centralismo burocrático provoca a exacerbação de uma “ótica excessivamente
central” que tende a aplicar soluções uniformes e padronizadas a um país imenso e heterogêneo, marcado por
diversidades e peculiaridades, a reclamar soluções diferentes a problemas diferentes (BELTRÃO, 2002, p. 20).

65
Estado colonial, embora a concretização da nova ordem exigisse a alteração da estrutura da
administração colonial (COLAÇO, 2001).

Depois da independência, essas características centralizadora e autoritária


permaneceram dentro do sistema administrativo por vários motivos, dentre eles pode-se fazer
referência à necessidade que o novo regime tinha de implantar estruturas de um Estado
independente, cujo modelo institucional era largamente influenciado pelo quadro político-
ideológico vigente na altura. Além disso, a perspectiva usada para a promoção de um rápido
desenvolvimento no país, implicou uma forte direção do processo para evitar qualquer desvio
do rumo a seguir (MOÇAMBIQUE, 2002). Será que havia condições internas e externas para
a efetivação de uma transformação rápida e radical de acordo com a perspectiva da
FRELIMO?
Na perspectiva política socialista, a mudança visava instituir, rapidamente, um novo
aparelho de Estado, capaz de materializar o Poder Popular democrático e de materializar a
aliança operário-camponesa (FRELIMO, 1976). Mas, a mudança estrutural ou criação de
novas estruturas e métodos de trabalho não era suficiente, era preciso contar com homens que
iam integrar essas estruturas. A maioria de estudos sobre a revolução moçambicana, mostra
que, a FRELIMO deparava-se com a falta de profissionais qualificados, preparados técnica e
politicamente, sendo essa a razão para a não materialização das suas orientações. O pessoal
que foi chamado a assumir a administração do aparato estatal, cumprir com tarefas grandiosas
e complexas tendentes à transformação revolucionária, precisava ter conhecimentos sobre o
próprio funcionamento da máquina administrativa (BUENDIA, 1999).
Os recursos humanos da FRELIMO estavam, nesta altura, longe de serem suficientes para
compensar a perda da mão de obra portuguesa. Calcula-se que as forças da FRELIMO
variassem entre 1200 e 1500 homens, mas ninguém contesta que apenas centenas de pessoas
seriam quadros de qualidade, com formação política sólida e vários anos de experiência. A sua
tarefa era gigantesca. No seio da população, só uma pequena fração era alfabetizada.(...) os
moçambicanos instruídos eram escassos, e aqueles que permaneceram ou regressaram ao país
sob o novo governo não passavam de uma gota de água no oceano das necessidades de todo o
país (...) inevitavelmente, os poucos portugueses que decidiram permanecer saltaram para
posições elevadas na administração e na produção. Abaixo deles estavam os moçambicanos
que tinham, pelo menos, uma instrução rudimentar em resultado da rápida alfabetização da
última década (EGERÖ, 1992, p. 76).
Portanto, antes de implementar o seu plano de ação, o governo revolucionário da
FRELIMO teve que enfrentar a problemática resultante do êxodo acentuado dos portugueses.
Na sua maioria, os funcionários que abandonaram o país eram qualificados e conhecedores do
aparato estatal que sustentava o sistema colonial. Com o fim do sistema colonialista e a
conseqüente tomada do poder pela FRELIMO, a esmagadora maioria da burguesia colonial,
instalada no aparato estatal fugiu em debandada. Em decorrência disso, ficou um número

66
insignificante de trabalhadores qualificados, porque durante o período colonial estavam
reservados aos moçambicanos, o lugar de servente, estivador, de operário não qualificado e
outras atividades para indivíduos de baixo escalão (FRELIMO, 1980; FRELIMO, 1983).

Prosseguindo com a sua reflexão em torno do funcionamento institucional, Egerö


(1992, p. 97) considera que, “o aparelho de Estado, apesar de ter quase o monopólio da mão de obra
qualificada, operou numa posição de fraqueza criada pelo burocratismo colonial, pela orientação anti-
empírica e pela ausência da mais elementar informação à cerca da sociedade”.
Para levar avante medidas com vista a transformar a sociedade, a FRELIMO teve que
enfrentar situações adversas. Herdou uma máquina burocratizada, cujos funcionários eram
estranhos ao seu projeto político, pouco favorável à democratização da sociedade e contrários
à anunciada destruição do aparelho do Estado colonial. Neste sentido, o processo de
transformação deparou-se com resistências e com carências de pessoal qualificado para
enfrentar mudanças (BUENDIA, 1999).
Esses constrangimentos foram reconhecidos por Samora Machel ao expressar-se da
seguinte forma: “a nossa responsabilidade é grande enquanto a nossa capacidade é ainda
pequena. Mas, temos uma grande vantagem que é decisiva, possuímos a linha de orientação
correcta, as massas estão conosco” (MACHEL, 1979, p. 22). Acreditava-se, tanto, que a
corrente marxista-leninista podia solucionar os graves problemas sobre os quais estava
submerso o sistema administrativo do Estado. Na ótica dos governantes da FRELIMO, era
preciso reformar o aparato estatal de acordo com essa linha filosófica e programática para que
na sociedade houvesse um progresso social baseado na homogeneidade entre os indivíduos.
Dentro dessa abordagem, foram conduzidas reformas sem um estudo prévio da sua
viabilidade, de modo a evitar impactos negativos sobre a sociedade. A falta de análise
profunda da realidade obrigou a busca de soluções que não tinham sido previstas
anteriormente. Devido a escassez de mão de obra qualificada e da fragilidade da economia, o
governo optou pela solicitação de assistência técnica e econômica no bloco socialista, liderado
pela então União Soviética. Com a ajuda fornecida, foi possível introduzir mudanças a fim de
reforçar a capacidade institucional no âmbito da modernização da administração estatal e
busca do desenvolvimento, com base em pressupostos socialistas. No entanto, o
funcionamento da administração pública foi garantido por nacionais sem qualificação e
experiência técnico-administrativa, aos quais foram incumbidas várias tarefas dentro da
burocracia estatal. Essa falta de experiência foi acompanhada pelo desprezo de procedimentos
administrativos, falta de rigor no cumprimento das leis ou normas. Portanto, imperou por

67
muitas vezes, a arbitrariedade por parte dos agentes públicos no exercício de funções
administrativas.
A construção do Novo Estado moçambicano foi iniciada num período em que já se
processavam mudanças profundas a nível mundial. Por isso, as tentativas de reestruturação
sofreram influências decorrentes dessas alterações conjunturais. Não tendo meios para manter
a sociedade a funcionar devidamente e contando com o apoio da comunidade internacional, o
espaço de manobra do governo era limitado. Dentre os vários fatores que constituíam entrave
ao projeto reformista, “a dependência internacional era um problema estratégico para o novo
governo, e a resposta foi a continuação da via da modernização, através do reforço do poder
do Estado” (EGERÖ, 1992, p.57). Ainda sobre a questão da dependência, MACUANE (2001,
p. 253) advoga que “a excessiva dependência do país em relação aos recursos externos e a boa
vontade dos doadores abalou a força do Estado em suas ações políticas e de criação de
alianças, a legitimidade do poder constituído e a soberania do povo”.
Era preciso tomar uma atitude “perante os graves problemas políticos e econômicos e
de sabotagem do funcionamento do aparelho de Estado desfalcado de pessoal” (MAZULA,
1993, 159). Esse cenário negativo fez com que o partido adotasse medidas para resolver esta
questão, fortalecer o Estado e propiciar condições para mudanças sociais, econômicas e
políticas efetivas. Para isso, os cargos relativos à funções políticas e administrativas foram
ocupados e exercidos em simultâneo por pessoas de confiança partidária. Assim, com
a queda da administração portuguesa e a fuga dos burocratas e gestores implicou que o partido
tivesse de preencher muitos desses cargos com o próprio pessoal. Como escreveu Sonia Kruks,
“cargos como administrador de localidade e secretário de partido da localidade encontram-se
com freqüência investidos na mesma pessoa. Os GD´s, criados após a independência com o
intuito de mobilizar a população para apoiar as práticas do novo governo, desempenharam sem
dúvida funções políticas e administrativas (NEWITT, 1997, p. 467).

O Estado passou a ter responsabilidades acrescidas perante a sociedade. Foi assim que,
várias propostas foram apresentadas pelo governo para reverter a situação deixada pelos
colonizadores. Dentro dessa perspectiva, constatou-se a necessidade de se estabelecer um
Estado poderoso, capaz de criar condições de mudança, através do controle e a direção
centralizada do mesmo. Essa medida foi considerada, pela FRELIMO, como o elemento-
chave para a defesa da via socialista, o exercício do poder foi fortificado daí que, não havia
separação entre os poderes legislativo, executivo e judiciário. Todas essas formas de poder
eram exercidas em simultâneo pela mesma pessoa (EGERÖ, 1992). Nestas circunstâncias,

os GD´s ganharam um grande espaço político devido, em grande parte, à falência das
instituições do Estado colonial. Assim, muito rapidamente, os GD’s acumularam para si a
resolução de problemas dos mais variados tipos: a falta de escolas, alfabetização, doenças,

68
conflitos familiares, roubos, denúncia de comportamentos racistas, limpeza das cidades,
desemprego, etc. Este acúmulo de funções nos GD’s, porém, criou muita confusão nas
instituições estatais, nas unidades de produção e nas escolas, pois não estava claro o que
competia ao GD e o que era de responsabilidade das direções daquelas instâncias (BUENDIA,
1999, p.207).

Nas regiões onde o poder do Estado não se fazia sentir, notou-se a manutenção do
sistema patrimonial, por meio dos seus traços característicos. As forças do movimento de
desestabilização (Renamo) contribuíram para a manutenção desse sistema, permitindo a
continuação de alguns padrões culturais responsáveis pela persistência desta forma de
representação social e de valores utilizados para fortalecer a ordem patrimonialista
estabelecida.
O Estado tentou ser paternalista, na sua atuação acabou por trazer diferentes formas
tradicionais de fazer política, tais como, nepotismo, arbitrariedade, patronagem e o
favoritismo. Nesse sentido, entrou em choque com as principais tarefas das organizações do
Partido no órgão do Estado que eram:
• educar politicamente os funcionários públicos de modo a engajá-los
conscientemente no processo revolucionário;
• combater o burocratismo, a arrogância, o abuso de poder, a indisciplina e a
corrupção;
• apoiar os órgãos do Estado nas suas tarefas (FRELIMO, 1980).
No processo de mudanças institucionais aconteceu algo interessante, que foi o
aproveitamento e reestruturação do aparato estatal. Sabendo-se que um dos princípios básicos
do socialismo é a destruição do aparelho do Estado, a FRELIMO não devia preocupar-se em
reconstituí-lo. Mas, “a FRELIMO tinha que se apoiar no Estado, a encarnação do seu inimigo
de classe, para criar as condições materiais do progresso” (EGERÖ, 1992, p. 40). Aliás, a
própria FRELIMO, mostrando sua consciência relativamente a isso, defendia que:
O aparelho de Estado é o principal lugar de uma pequena-burguesia burocrática criada pelo
colonial-capitalismo durante os seus últimos anos de existência, que hoje é a principal
depositária dos seus valores, concepções, hábitos, métodos de trabalho, da sua ideologia e,
portanto, da sua prática. Este mesmo aparelho é o instrumento central para a construção do
socialismo no nosso país (FRELIMO, 1980).

Para o funcionamento correto dos órgãos estatais do Poder Popular, a Frelimo exigia que estes
fossem integrados por indivíduos com capacitação e que assumissem, na prática, a qualidade, o
conteúdo e a natureza do novo Estado (FRELIMO, 1980). A interpretação dessa diretiva por parte dos
partidários da Frelimo criou situações oportunísticas que mancham os mecanismos de funcionamento
de uma burocracia, que se esperava ser diferente de um sistema patrimonialista.

A condição política, em vez de ser uma condição de serviço da sociedade, transforma-se em


condição de benefício e, portanto, de privilégio. A condição de emprego nas instâncias
políticas do Estado e Partido Único tende a reclamar facilmente para si a prioridade na
participação de bens. Os beneficiários, investidos de algum poder político, rapidamente se

69
cercam de familiares ou amigos, geralmente recrutados mais por afinidades étnicas ou raciais
do que por competência profissional, como forma de garantir a distribuição e controle de bens
e condições de privilégios. No seu limite, constitui-se um aparelho de Estado nas mãos de um
número reduzido de famílias ou grupos dominantes. A competência faz-se dentro de sistemas
de privilégios e de prestígio (MAZULA, 1993, p. 175).
Este tipo de procedimento não refletia o conteúdo dos discursos oficiais que
apregoavam uma sociedade justa para todos. Nos primeiros momentos a seguir a proclamação
da independência, a FRELIMO demonstrou uma forte simpatia pelos modelos políticos e
econômicos adotados nos países do bloco socialista e assumiu a luta pela eliminação do
patrimonialismo, a favor de uma burocracia racional (MACUANE, 2000). A FRELIMO
dispunha de uma série de políticas e uma análise da tarefa a realizar que refletiam as
ideologias revolucionárias da década de 1960, de Cuba e Vietname, bem como as de Cabral e
do PAIGC 34 . Essa tendência, socialista, foi confirmada durante a realização, entre 3 a 7 de
Fevereiro de 1977, do III Congresso da FRELIMO, constituindo-se um regime marxista-
leninista e foram, também, definidas estratégias de desenvolvimento econômico
fundamentadas na lógica socialista de ordenamento social (NEWITT, 1995, MACUANE,
2000). A primeira estratégia traçada pelo governo para eliminar o subdesenvolvimento
herdado do colonialismo português, em apenas dez anos, foi conhecida por Plano Prospectivo
Indicativo (PPI), tendo fracassado no início da sua implementação. Era composta por três
programas essenciais: coletivização do campo, industrialização e formação (CASTEL-
BRANCO, 1995).
Nesse congresso, a FRELIMO foi transformada em partido político, antes era, apenas,
um movimento de luta de libertação nacional. Mas como o fim para o qual foi criado já tinha
sido alcançado, teve que se adaptar para as funções que acabava de assumir nesse novo
contexto. Para além de ter sido criado o partido Frelimo, foi adotado o marxismo-leninismo
como ideologia a ser seguida por esta organização política (MAZULA, 1995). A busca de
instrumentos julgados capazes de, rapidamente, “superar e modernizar o país, ou seja,
reestruturar as relações sociais e gerar uma nova forma de Estado era uma das principais
preocupações apresentadas pelos congressistas (MAZULA, 1995). Assim, visando a
materialização das pretensões desta organização política, foram introduzidas profundas
transformações na política e na esfera sócio-econômica de Moçambique.
A opção do Congresso implicava, conseqüentemente, um rompimento dos laços políticos e
econômicos de dependência com a metrópole colonial e o capital internacional. O Partido
marxista-leninista tornava-se uma exigência inevitável para a destruição do sistema capitalista
e do imperialismo, para a edificação de uma sociedade sem exploração do homem pelo homem
e a criação de um Estado Democrático Popular (MAZULA, 1993, p.157).

34
Partido Africano para a Independência da Guiné Bissau e Cabo Verde, na altura liderado por Amílcar Cabral,
um dos grandes nacionalistas africanos.

70
Como resultado dessa visão, o país sofreu uma substancial transformação da sua
estrutura orgânica bem como no seu funcionamento 35 . A adoção do marxismo-leninismo teve
implicações dentro do aparato estatal, pois foi responsável por consideráveis modificações
que se operaram no âmbito social, econômico e político para acomodar aspetos ligados ao
caráter socialista do Estado que se almejava. O congresso definiu a estrutura do Estado
moçambicano. A FRELIMO tornou-se, assim, Partido-Estado 36 . Observe-se que, não havia
uma separação clara entre as duas instituições e nem se distinguiam com facilidade; todas as
ações partidárias eram vinculadas ao Estado e foi posta de lado a hipótese de existência de
outras formações políticas, foi assim que se instituiu o regime monopartidário 37 (NEWITT,
1995). Na sua abordagem sobre essa questão, EGERÖ (1993, p. 52) argumenta que
como conseqüência da revolução, o partido deixa de ser um poder subordinado, sujeito a
descriminação, tornando-se a fonte do poder dominante e superior na nova sociedade. Através
da conquista do Estado e da fusão com ele, o partido transforma-se no verdadeiro centro do
poder da sociedade. A questão do poder, originalmente discutida em termos do controlo e
liderança por parte da classe operária à partir de baixo, transformou-se na questão do poder
exercido a partir de cima para baixo.
Essa tendência geral dos Estados africanos em estabelecer partidos únicos no poder
pode ser explicada, na ótica de Mazula (1995, p. 154), através de “fundamentos de ordem
cultural e conjuntural aos quais a FRELIMO no III Congresso havia acrescentado, apenas,
justificativa de ordem teórico-ideológica.” O processo de centralização da gestão em África
gerou métodos e técnicas totalitárias 38 , nalgumas vezes autoritárias (dirigismo). Em
Moçambique este fenômeno foi designado de centralismo democrático (MACHILI, 1995), e a
tendência para a consolidação do poder decisório na direção do partido, tanto a nível local
como central, coincide com a falta de distinção entre o partido e o Estado. As posições
importantes em ambas organizações políticas, assim como do conteúdo do trabalho estavam
sob controle de um individuo (EGERÖ, 1992).

35
Entre o IV e o V Congresso foram operadas duas alterações na Constituição, em 1984 e 1986. Na primeira
tratou-se da alteração da disposição das cores da bandeira e emblema nacionais. A segunda constitui significativa
alteração da Constituição pois foram introduzidos os cargos de Presidente da Assembléia Popular e de Primeiro
Ministro. Foi ainda nessa revisão que se criou o escalão territorial de posto administrativo (FRELIMO, 1989, p.
70).
36
A Frelimo era o Estado e o Estado era a Frelimo. O Estado Popular que foi criado é o instrumento principal
para a materialização da política do partido. O partido dirigia e orientava todas as atividades do Estado
(FRELIMO, 1980).
37
A euforia popular pela independência, o grande prestígio da FRELIMO nos primeiros anos da independência, a
ênfase na afirmação nacional, o seu apelo a reconstrução nacional a todos os cidadãos e a participação política de
todas as camadas sociais nos GD´s, de certa forma relativizaram o caráter monopartidário do sistema político
(BUENDIA, 1995, p. 207).
38
Bastantes vezes, caiu-se na facilidade de apenas identificar as semelhanças do regime moçambicano com os
regimes totalitários da Europa do Leste e do Extremo Oriente e na superficialidade de tomar esses sinais
exteriores de identidade como essência da realidade moçambicana (CARRILHO, 1995, p. 137).

71
Cabe destacar que, a situação de subdesenvolvimento do país e os contextos históricos
mundial e ideológicos, levaram os legisladores constituintes da nova república a conceber um
Estado monopartidário, virado para o desenvolvimento e para a criação de condições
necessárias ao bem estar do povo (MOÇAMBIQUE, 2002). Portanto,
uma outra explicação seria de ordem conjuntural. Nas condições econômicas, sociais e
políticas em que a FRELIMO encontrou o país, era inevitável a opção por um partido único,
capaz de mobilizar e congregar, à volta de si, toda a sociedade, de coordenar as ações de
arrancada para a reconstrução nacional e garantir estabilidade do país” (MAZULA, 1993,
p.156).

Nessas circunstâncias, a Frelimo chamou à si a exclusividade de mobilizar, organizar,


dirigir a sociedade. Através da sua rígida organização partidária, levou a uma abordagem mais
administrativa à política (MAZULA, 1993, NEWITT, 1997). A Frelimo assumiu-se como a
única força dirigente do Estado 39 e da sociedade, reforçando a sua opção pelo
monopartidarismo (sistema característico dos países socialistas). “O Partido-Estado tinha
diante de si uma teia de inter-relações muito mais complexa, tanto internacionais como
internas, através das quais teria que desenvolver uma estratégia de transformação social e
econômica” (EGERÖ. 1992, p. 39). Dentro do país, “o Partido cria condições para que em
todas as estruturas do Estado se constituam organizações de base para a aplicação da sua linha
política” (FRELIMO, 1980, p. 114).
Assim, foi implantado, um sistema político monopartidário, tendo sido adotado, na
seqüência, um modelo de desenvolvimento econômico baseado num sistema de economia
planificada (MACUANE, 2000). Segundo (Egerö 1992, p. 89), as resoluções do III
Congresso, “puseram o Estado monopartidário na via da democracia, do socialismo e da
modernização econômica”.A democracia revolucionária que foi propalada implicou, de
imediato, a criação de organismos do Estado e organizações de operários e camponeses
capazes de garantir o controle efetivo do aparelho do Estado.
O caráter burocrático do Estado, criado nesse âmbito, expressou-se na forma de
intervencionismo estatal na economia 40 e na vertente social. Ou seja, o Estado
intervencionista exercia múltiplas atividades através da submissão de praticamente todos os

39
Na prática, o papel dirigente do partido relativamente ao Estado devia se materializar da seguinte maneira: O
Partido estabelece a estratégia e a táctica a seguir no desmantelamento do Estado colonial e na edificação do
Estado Popular Democrático; O Partido toma como medida para garantir que os postos de responsabilidade do
Estado sejam ocupados por quadros do Partido, dedicados à causa revolucionária; O Partido usa o Estado como
instrumento para realização da sua política revolucionária. Assim, o Partido traça as linhas fundamentais de
desenvolvimento em todas as esferas da vida da sociedade e controla a sua execução. Essas linhas de orientação
refletem-se nas leis do Estado, exprimem as diretrizes do Partido (FRELIMO, 1980, p. 148).
40
A intervenção do Estado na economia caracterizou-se pela alocação administrativa de recursos, pelo
estabelecimento de preços abaixo dos níveis exigidos pelo mercado, pela transformação do Estado como
principal agente econômico.

72
aspetos da vida social ao controle burocrático. O forte aparato estatal criado após a
independência nacional resulta da estrutura da economia nacional e das condições de
libertação (EGERÖ, 1992).
Depois do congresso, a revolução conheceu uma etapa diferente, processou-se a
reformulação de programas, estruturas políticas e administrativas, com vista a levar avante as
diretrizes emanadas desse congresso, adequadas à tentativa de constituição de uma sociedade
socialista e, conseqüentemente à destruição do capitalismo (BORGES, 2001). As primeiras
propostas políticas apresentadas pela FRELIMO tiveram um forte apoio popular, que
aumentou com a política das nacionalizações dos setores da saúde, educação, finanças,
seguros e do setor imobiliário. Os ideais e as políticas socialistas moldaram o Estado e o
sistema sócio-econômico, criando uma estrutura institucional e valores dentro dos quais toda a
gente devia se inserir. (MACUANE, 2000).
O caráter essencial do novo Estado socialista incluía grandes mudanças no plano
institucional e organizativo. Foram criadas novas estruturas político-administrativas que
estavam voltadas para responder ao projeto socialista de sociedade, mesmo havendo
conturbações. As mudanças ocorreram num clima de colapso, agitação social e êxodo
indivíduos qualificados (EGERÖ, 1992).
A administração pública moçambicana foi logo enformada dentro da visão socialista
da sociedade conheceu mudanças drásticas nos aspetos atinentes a sua missão e estrutura. A
reforma iniciada com o regime socialista foi inspirada por um modelo conceitual, com
características peculiares ao corpo burocrático. Pelo fato de estar baseado num modelo
organizacional eminentemente burocrático, o funcionamento do aparato estatal caracterizou-
se por uma grande concentração do poder do Estado e reduzida capacidade de articulação
social. Para a Frelimo,
a luta de classes e o desenvolvimento socialista exigem uma análise cuidada dos complexos
fatores políticos, econômicos, sociais e outros. A vitória na luta contra o imperialismo e a
reacção interna e pelo lançamento da base material do socialismo obriga à planificação dos
passos a dar em cada momento, com base numa direcção central. Esta é a razão príncipal por
que o Estado tem que centralizar o poder (FRELIMO, 1980, p. 153).

A estrutura de controle do aparato político e administrativo era extremamente forte e


reportava-se aos órgãos partidários que encaminhavam os diferentes assuntos ao Comitê
Central do partido. Este, por sua vez, tomava decisões importantes interferindo em assuntos
que pudessem ser abordados pelos diferentes órgãos do poder do Estado. As ordens eram
determinadas no topo (Comitê Central) – instância máxima do partido – e cumpridas, sem
questionamento, pela base (as massas populares). Essa forma de funcionamento institucional

73
levaria, de acordo com a visão da Frelimo, ao socialismo baseado no marxismo-leninismo; e
era uma forma de controle que visava evitar o desvio no rumo a ser seguido para o progresso
social.
A burocracia foi, largamente, aproveitada para garantir a consolidação do sistema
monopartidário, aliás, como argumenta Newitt (1997, p. 468), a Frelimo “estava plenamente
consciente dos perigos de um sistema unipartidário que se isolava da opinião popular e
compreendia a tirania que uma burocracia podia exercer, mesmo depois de terminado o
domínio colonial formal”. Ao longo do processo de reestruturação do Estado, o Partido
afastou-se das massas e enfeudou-se na burocracia, para garantir a consumação do seu plano
político. Nessa perspectiva, qualquer preocupação com questões administrativas serviria, em
primeiro lugar, aos interesses políticos do Governo e a imagem do regime, de acordo com a
sua ideologia e bases do regime político estabelecido em 1975.
No entanto, a orientação socialista seguida por Moçambique, deve ser vista como um
processo de continuidade histórica, influenciado pela própria colonização 41 , pela luta de
libertação nacional 42 e, também, pela influência da conjuntura internacional. Durante o
processo de luta pela independência, o mundo estava dividido de acordo com dois sistemas
ideológicos opostos (socialismo e capitalismo), representando uma bipolaridade designada de
Guerra Fria. No quadro desta separação, Portugal detinha apoio dos capitalistas e esta situação
levou que a FRELIMO procurasse apoio nos países socialistas que, para além de conferir
ajuda material, forneceram as bases do modelo conceitual assimilado no decurso do processo
que levou ao fim do aparato colonial e deu início à formação do novo Estado.

A criação do Estado socialista exigia o estabelecimento de regras e procedimentos


para tal sistema, e com base nesse pressuposto foi revista e aprovada a Constituição 43 , em

41
A colonização resulta do sistema capitalista e a FRELIMO pretendia afastar da sociedade qualquer
manifestação que pudesse lembrar a exploração a que estiveram sujeitos os moçambicanos devido a prática de
princípios enquadrados no capitalismo selvagem que era fomentado pelos portugueses.
42
A fase da luta de libertação nacional condicionou as opções realizadas após a independência do país. Com a
criação das zonas libertadas no território nacional houve uma alteração qualitativa na natureza da luta que, de
simples confrontação contra o colonialismo, passou a ter de afrontar a questão da organização da vida das
populações libertadas da administração portuguesa. Esta problemática fez surgir, no seio do movimento de
libertação, a primeira confrontação explícita que opôs os velhos tradicionalistas aos guerrilheiros politizados. Os
primeiros, propunham-se reestruturar a vida nas zonas libertadas seguindo o modelo econômico e social que
haviam aprendido com a ordem colonial; os segundos, buscavam instaurar formas de organização política e
social baseadas numa ampla participação popular e seguindo exemplos colhidos da experiência política ou
estatal das forças progressistas que apoiavam a luta pela independência (CABAÇO, 1995, p. 82).Com a derrota
da linha reacionária consolidaram-se as posições revolucionárias no seio da FRELIMO (FRELIMO, 1980).
43
Com a promulgação dessa Constituição, Moçambique estabeleceu-se como um Estado constitucional moderno
que na ótica de Weber resulta do “processo de racionalização universal”. Pode-se perceber, nela, a estratégia
governamental de fortalecimento da burocracia no plano institucional.

74
1978, que promulgou a República Popular de Moçambique e estabeleceu os principais
preceitos legais. Foram incluídos, nestes preceitos, os mecanismos que regulavam o
funcionamento do poder legislativo (Assembléia da República 44 ). Este órgão subordinou-se,
através desses preceitos, à burocracia do partido Frelimo, servia para ratificar as decisões
tomadas pela cúpula partidária e pelo governo (MACUANE, 2000). Para Newiit, (1997), o
Partido exercia influência direta sobre todos os órgãos do Estado, através do Comitê Central
do Partido eram nomeados os membros do parlamento legislador do país. Tais membros
tinham que seguir as instruções previamente dadas pelos órgãos partidários.

Embora houvesse uma boa coordenação entre a liderança partidária e os indivíduos


que integravam a estrutura político-administrativa, as ações tomadas com vista a
transformação e modernização do país enfrentaram contrariedades provenientes da estrutura
social e dos recursos com os quais se contava.

Entre 1976 e 1980, Moçambique sofreu agressões militares levadas a cabo pelos
regimes minoritários da Rodésia do Sul (atual Zimbábue) e do apartheid da África do Sul.
Paralelamente, se desenvolvia uma guerra que foi iniciada, em 1976, pelo Movimento
Nacional de Resistência (MNR) 45 , uma força de oposição ao regime e patrocinada pelos
regimes minoritários que governavam esses dois países. A guerra gerou rupturas e
desagregação das instituições, representou uma grande contrariedade sobre a dinâmica normal
da sociedade, do Estado e das instituições a ele relacionadas; provocou um clima de
insegurança e instabilidade social, foi responsável pela destruição de infra-estruturas e perda
de vidas humanas. Portanto, gerou uma grande instabilidade política, social e econômica, na
medida em que causou grandes danos às instituições políticas e sociais em Moçambique.
O líder desse movimento de guerrilha 46 justificou o recurso a via armada nos
seguintes termos:
depois de alcançado o grande advento da independência nacional e quando todos os
moçambicanos pensavam que iriam poder desfrutar de um futuro mais próspero, onde cada um
de nós pudesse trabalhar livremente no sentido de alcançar o bem-estar comum, eis então,
quando nos vimos submetidos a um regime totalitarista exímio no cometimento de todo o tipo
de abuso e arbitrariedade, fazendo opções político-ideológicos que em nada respeitavam as
verdadeiras essências, a cultura e a tradição do povo que dizia defender e querer desenvolver
(...) Lutamos sempre com o único objetivo de estabelecer o respeito pela cultura e tradição do
nosso povo, restabelecer o respeito pelos direitos humanos, restabelecer a liberdade religiosa,

44
A Assembléia Popular constituiu-se como órgão supremo do Estado e o mais alto órgão legislativo da
República Popular de Moçambique.
45
Movimento Nacional de Resistência, com o fim da guerra transformou-se em partido político designado
Renamo (Resistência nacional moçambicana).
46
Ver depoimentos apresentados no livro intitulado “ Moçambique: Dez anos de Paz” coordenado por Brazão
Mazula (2002, p. 313).

75
ajudar a que Moçambique se tornasse num Estado de direito, democrático, onde a justiça social
e o desenvolvimento fossem realidades visíveis aos olhos de todos.

A questão cultural tem muito a ver com práticas patrimonialistas questionadas pela
Frelimo e reivindicadas pela guerrilha para sustentar seu posicionamento contrário a ordem
estabelecida. Nos locais sob controle da Renamo, o poder de certos líderes tradicionais foi
restaurado, contrariando as imposições do regime da Frelimo. Com essa atitude, a Renamo
procurava, também, forçar a instauração de uma ordem assente no capitalismo que era a
principal doutrina defendida pelos seus apoiadores. Na fase que sucedeu à independência,
houve um esforço exacerbado de modernização da sociedade, levada a efeito através de uma
forte ofensiva contra os valores da sociedade tradicional e contra as instituições religiosas,
afetando a personalidade de base das populações, com maior incidência para os seus
mecanismos de inculturação e socialização. No entanto, a busca pela hegemonia da
modernidade não foi capaz de produzir conteúdos éticos profundos, que suplantassem os da
sociedade tradicional ou das grandes religiões (CASTEL-BRANCO, 1995).
Enquanto, se procurava modernizar o Estado e a sociedade, as barreiras tornaram-se
maiores. Sob ponto de vista institucional, de ambiente político e econômico, Moçambique
estava numa situação caótica.
No início dos anos 80, o país deparou-se com uma situação problemática motivada
pelo recrudescimento da guerra, pela crise econômica e social resultante do fracasso das
estratégias socialistas de desenvolvimento. Este cenário problemático foi agravado pela seca
que assolou a África sub-sahariana durante essa época (MACUANE, 2000). Houve um
período de insegurança alimentar, sobretudo nas zonas rurais motivada pela guerra e seca,
acarretando consigo gravíssimos problemas alimentares, aliado a isto estava o próprio aparato
estatal que precisava de uma atenção particular visto que, “criar um Estado a partir do caos
deixado pelos portugueses não era fácil (EGERÖ, 1992, p. 10). Portanto, vários
constrangimentos afetaram o projeto político da Frelimo pois, teve que enfrentar inúmeras
dificuldades para seguir a sua linha programática devido a vários tipos de contrariedade que
iam se manifestando. Desde 1975, e particularmente após o III Congresso, foram
empreendidas, pelo governo, tarefas colossais, visando a construção do Estado moçambicano
sobre ruínas políticas, econômicas, sociais e morais do colonialismo (FRELIMO, 1983).
Na sua abordagem sobre as crises vividas durante a vigência do regime marxista-
leninista, Dias (2002) argumenta que, foram provocadas por fatores endógenos tais como o
fraco desenvolvimento da economia no período colonial; a escassez de mão de obra
moçambicana qualificada; mudanças econômicas resultantes da política de nacionalizações da

76
terra, da indústria, do comércio, da saúde e da educação; calamidades naturais (seca, cheias) e
a guerra de desestabilização. No que concerne a fatores exógenos, que contribuíram para o
agravamento da crise, podem-se destacar, a sabotagem econômica, o aliciamento e divisão
ideológica, o fomento da guerra por parte de países capitalistas que discordavam com a via
socialista adotada pelo país. Os problemas existentes foram agravados, ainda mais, quando se
confirmou a derrocada do bloco soviético que era o principal suporte político e econômico do
regime socialista (MACUANE, 2001). O modelo socialista de administração pública foi
enfraquecido com as crises que o país atravessou e pela incapacidade da burocracia em
responder aos dilemas da população.
A matriz autoritária incendiou-se novamente. Só que desta vez, a solução administrativa das
questões já não foi acompanhada e atenuada pela capacidade de diálogo dos quadros, pelo
trabalho constante e ativo das estruturas partidárias. A gestão do aparelho estatal havia, por um
fenômeno de simbiose, burocratizado os métodos de trabalho do partido Frelimo (CABAÇO,
1995, p. 91).

Era preciso estabelecer as mínimas condições para o alcance, a manutenção,


aprofundamento e consolidação da harmonia social. As reações populares demonstravam uma
perturbação na ordem pública e a falta de tranqüilidade social. Perante este cenário, alguns
líderes da Frelimo julgaram pertinente a mudança do sistema econômico. Então, no IV
Congresso, em 1983, o Partido foi fortemente pressionado, a ser liberal, pela burguesia
nacional, formada a partir dos privilégios do poder político e do prestígio decorrente disso,
que tinham como aliados grupos econômicos internacionais interessados na liberalização
política (MAZULA, 1993). Contrariamente ao que acontecia em encontros dessa natureza, a
Frelimo mostrou-se, nesse Congresso, menos triunfalista e menos ambiciosa nos seus planos.
As circunstâncias determinadas pelas grandes pressões internas e externas forçaram a Frelimo
a reformular as suas estratégias de desenvolvimento e a estabelecer outras prioridades dentro
do seu projeto global de modernização. Prontamente, adotou um plano trienal liberal, em
detrimento dos tradicionais planos qüinqüenais (MAZULA, 1993).
E para solucionar a crise, que se verificava no país desde 1980, o governo endereçou
uma petição a alguns países influentes no sistema capitalista. A resposta ao pedido de auxílio
alimentar, encaminhado aos países do ocidente, e a negociação da dívida que o país tinha
foram condicionadas pela revisão das estratégias socialistas de âmbito econômico e político,
adotados pelo país até então. Entre as exigências, figuravam o pluralismo político e o
liberalismo econômico, o que implicava a mudança da política econômica planificada para a

77
de mercado, o estabelecimento de relações pacíficas com a África do Sul47 , a abertura política
e o abandono de posições políticas consoantes com o bloco socialista. O país aderiu, neste
contexto, as instituições de Bretton Woods, ou seja, ao Fundo Monetário Internacional (FMI)
e ao Banco Mundial (BM), em 1986. As negociações, nesse sentido, foram iniciadas em
1984, quando Moçambique candidatou-se a membro dessas instituições 48 (MACUANE,
2000; MACUANE, 2001; MACAMO, 2007). Deste modo, o governo deu início a reformas
políticas e econômicas. Essas mudanças, cujas repercussões se fizeram sentir no domínio
institucional, foram justificados por Egerö (1992) nos seguintes termos:
existem muitas razões por detrás desta transformação histórica. Entre os fatores mais
conpiscuos figuram a deteriorização econômica e social durante a década de 1980 e a enorme
destruição material e social de Moçambique através das atividades de terror do MNR. Os
estratos sociais pró-capitalistas aproveitaram-se da situação e aumentaram a pressão para uma
redistribuição do poder político em seu favor (EGERÖ, 1992, p. 14).
Segundo Cabaço (1995, p. 91), com o intuito de reverter a situação, o sistema tenta
uma reação a três níveis:

a) no plano internacional, lança uma vasta campanha diplomática, que culminaria com o
Acordo de N`komati, visando enfraquecer a componente externa que continuava a ser
determinante;
b) no plano interno, intensifica o autoritarismo do Estado e a repressão o que conduziu a um
agravamento do desrespeito pela legalidade, ao ressurgir do espectro dos campos de
reeducação, ao uso discricionário do poder de que a “Operação Produção” 49 e o
aldeamento forçado da população rural se tornaram emblemáticos;
c) no plano militar, propõe a participação de quadros civis qualificados e competentes como
assessores na reestruturação das forças armadas, com o duplo objetivo de acelerar a
eficiência da sua intervenção e de reafirmar, mesmo se as prioridades secundarizaram a
economia, a importância e a capacidade da nova geração que reforçara o Governo. O
plano previa que a introdução de critérios de organização e de métodos científicos na
direção e comando das forças armadas iria facilitar a ascensão dos novos quadros
qualificados, recentemente formados em academias estrangeiras, em especial,
na União Soviética.
As medidas tomadas revelam que, o governo moçambicano não ficou alheio diante da
progressiva desintegração da economia e do Estado. Com base nisto, “a normalização da vida
no país assume a dimensão de um projeto nacional que envolve todos os moçambicanos, que
envolve todas as instâncias do poder e que exige o máximo de participação” (FRELIMO,
1989, p.154).
Durante a segunda metade da década de 1980, reconheceu-se explicitamente a
necessidade de mudanças em aspetos referentes à governabilidade devido ao acentuado
desequilíbrio macroeconômico, instabilidade, financeira, política e social, falta de

47
Moçambique e África do Sul assinaram em Março de 1984 o acordo de Nkomati, conhecido como acordo de
boa vizinhança através do qual os governos dos dois países se comprometiam a não apoiar o Congresso Nacional
Africano (ANC) e a Renamo (Resistência Nacional Moçambicana), respectivamente.
48
Moçambique aderiu formalmente ao FMI e ao BM em Setembro de 1984.
49
Todos os indivíduos desempregados foram forçados a se deslocar para alguns campos criados para a produção
de bens.

78
infraestruturas básicas (na sua maioria, destruídas pela guerra), fracasso das estratégias
socialistas. Diante disto, várias medidas foram tomadas e implementadas sob direção da
Frelimo. Portanto, este foi o contexto dos esforços de eliminação da problemática que o país
atravessava, ocasionada por uma multiplicidade de fatores que impulsionaram pressões sobre
o governo. A revisão da linha marxista que seguia revela a sua preocupação em relação a esta
questão, por essa razão, houve uma necessidade de se modificar e revogar o conjunto de
normas legais postas em vigor antes do agravamento da situação. As instituições do Estado
socialista tiveram que mudar as suas formas de funcionamento, para se adaptarem às
mudanças introduzidas, como forma de permitir que as novas estratégias de desenvolvimento
econômico e social lograssem algum sucesso.
Mas, dentro do contexto de pressões e mudanças, o Presidente Samora Machel perdeu
a vida, em 1986, num trágico acidente aéreo. Em virtude deste acontecimento, o Comitê
Central da Frelimo reuniu-se para designar o seu substituto (Joaquim Chissano, tanto na
liderança do partido como na do Estado. Ao assumir a Presidência da República, Chissano,
jogou um papel decisivo na estruturação de uma nova ordem institucional. Tornou-se o
principal responsável pela continuação das transformações iniciadas pelo seu antecessor. E
pela introdução de várias reformas políticas que conduziram, definitivamente, à transição do
socialismo para o liberalismo.
A questão do progresso social voltou a ganhar impulso na agenda governamental. O
governo passou a dar prioridade à conjugação de esforços para alterar o quadro político-
social, visando melhorar o contexto sócio-econômico. Assim, a dinâmica das transformações
políticas e sociais apresentou uma nova face.
Com as medidas do período transitório, os fundamentos do projeto político do regime
marxista-leninista, foram reavaliados para permitir o alcance dos objetivos pretendidos pelo
Estado. Desta forma, inicia-se à implementação de uma nova visão social com a qual se
estabeleceu um outro projeto sustentado por teorias neoliberais.
Todavia, as mudanças podem ser vistas como o resultado da interação do sistema
político com seu ambiente, tanto interno como externo. O fato de esse sistema estar
mergulhado num ambiente institucional mutável, que o deixa sujeito a desafios aos quais deve
dar resposta, implica alteração de seus mecanismos de funcionamento.
Os argumentos apresentados incidiram sobre as principais mudanças ocorridas no
aparato estatal moçambicano, durante a fase de ruptura com o sistema colonial e implantação
do regime autoritário. Algumas considerações sobre a dinâmica do funcionamento
institucional são agregadas no quadro seguinte (quadro 6), contribuindo para elucidar as

79
características do sistema administrativo estabelecido durante o processo de
institucionalização do socialismo.
Período de edificação de um Estado Socialista 1975 – 1986
Modelo administrativo Características predominantes na estrutura política e
administrativa
1. Arbitrariedade na administração da esfera pública;
2. Ausência de limite entre a esfera pública e a privada em
decorrência do processo histórico cultural;
3. A condição política transforma-se em condição de benefício
(privilégio)
4. Aparato administrativo constituído por partidários leais –
Patrimonialismo nomeação baseada na confiança partidária;
5. Ocupação de cargos públicos por funcionários não concursados,
permitindo a nomeação de parentes para a estrutura político-
administrativa;
6. Presença de alguns marcos institucionais de corrupção,
prevaricação, peculato, clientelismo e favoritismo;
7. Presença de algumas estruturas, valores, costumes e regras
tradicionais advindas do Estado patrimonialista;
8. Estabelecimento de um Estado paternalista dentro de uma lógica
totalitária acarretando consigo algumas práticas patrimonialistas
1. Estrutura administrativa hierarquizada, pesada e centralizadora –
máquina administrativa complexa;
2. Apego às normas, formalidade, excesso de regulamentos,
uniformização de procedimentos na prestação de serviços públicos;
3. Prevalência da rigidez burocrática – excessiva burocracia
4. Comando de poder emanado por uma autoridade de forma
Burocratismo sucessiva – sistema de autoridade hierárquica, com processos
decisórios centralizados;
5. Aparato institucional enorme, lento, ineficiente a altamente
ritualista;
6. Procedimentos complexos derivados da obediência às normas e à
hierarquia;
7. Exercício de autoridade com base na hierarquia do cargo
burocrático;
8. Estrutura política e administrativa centralizada

Neste período, o Estado era fortemente burocratizado por isso não


Gerencialismo
havia qualquer traço do gerencialismo. Não só, o modelo gerencial
ainda tinha sido disseminado pelo mundo.
Quadro 6. Lógica administrativa nos primórdios da independência (1975-1986)
Fonte: FRELIMO (1980; 1983); Newitt (1995); Egerö (1992); Mazula (2002).
O mecanismo de funcionamento da máquina estatal impediu a aparição de qualquer
traço do gerencialismo, pondo de lado a existência do empreendedorismo na administração
pública. Os serviços públicos sujeitaram-se a procedimentos altamente burocratizados,
influenciando significativamente a capacidade de resposta do Estado às preocupações dos
cidadãos. Do contexto de transformação política e administrativa, surge um cenário
predominantemente burocrático, no qual o aparato estatal foi estabelecido e fortificado para
desestimular práticas patrimonialistas. Como se pôde perceber, após a independência
prevaleceu uma máquina administrativa estatal caracterizada por uma forte centralização,
80
revelando a manutenção da lógica anterior não obstante o exercício do chamado poder
popular.
A opção ideológica, adotada para definir as relações sociais, foi sustentada por uma
estrutura funcional e organizacional do Estado, cuja peculiaridade era o autoritarismo e a
centralização de todas ações estatais. O Estado e a sociedade organizaram-se dentro de uma
lógica eminentemente partidária, paternalista e totalitária. A ocupação de um cargo
importante na hierarquia do partido era determinante para o acesso e desempenho de funções
relevantes no aparato estatal. A estrutura funcional e organizacional do Estado refletia uma
governança burocrática, com uma preocupação na unidade e autoridade do Estado que era
organizado de forma piramidal e centralizada, com vários órgãos e departamentos
dependentes do poder central, sustentado por um sistema político-ideológico de caráter
marxista-leninista. O poder hegemônico da Frelimo sobre o Estado continuou mesmo com as
mudanças institucionais efetuadas.
Em termos gerais, o primeiro período do governo da Frelimo foi claramente caracterizado pela
herança da luta, traduzida para a estrutura institucional da nova sociedade tanto quanto
refletida na política do novo governo. À medida que o tempo passou, a influência de outras
perspectivas tornou-se mais evidente, na restauração do poder empresarial, na centralização
das decisões e na exigência da ordem hierárquica (EGERÖ, 1992, p. 79).

A experiência de desenvolvimento baseada no intervencionismo estatal fracassou,


permitindo que os discursos neoliberais ganhassem força. Uma vez que, progressivamente, as
teorias neoliberais tornaram-se hegemônicas, em diferentes países, deixando de estar
circunscritas à esfera acadêmica. O governo da Frelimo, diante da crise do modelo de Estado
socialista, optou pela adequação do sistema administrativo ao paradigma liberal para
promover o desenvolvimento do país. Foi assim que, a ordem política e ideológica conheceu
uma reversão, o que representou o abandono da concepção keynesiana de desenvolvimento
em prol do pensamento liberal.
Em geral, as pressões internas e externas ditaram o realinhamento ideológico e a nova
ordem institucional, marcada pela transformação democrática das instituições do Estado
moçambicano. Essa mudança significou a passagem para uma nova fase de reforma estatal
resultante da adoção de uma perspectiva liberal de administração.
4.2 - Reconstrução do Estado sob signo do liberalismo (1986 – 1994).

No que tange à periodização das reformas estatais em Moçambique, o ano de 1986 é


considerado como o momento que marca o início da segunda fase da reforma do Estado
(transição do sistema socialista ao sistema liberal). Nesse ano, dá-se início a um processo de
reformas econômicas, políticas e sociais, que se desencadearam, com a revisão profunda do

81
modelo político implantado após a proclamação da independência nacional. Foram revistos os
princípios básicos que serviam de diretrizes para o funcionamento do aparato estatal no
domínio político, econômico e social. Foi assim que o modelo administrativo implantado, no
contexto da construção do Estado socialista, conheceu profundas transformações no que tange
aos princípios que o norteavam com vista a adequar-se às exigências da conjuntura
internacional, que tendia a adotar e realçar a eficiência do modelo liberal para o progresso das
sociedades.
O contexto, porém, de liberalização política e econômica em que essa reconstrução começou a ser
efetuada implicou em condições particularmente difíceis: o Estado, ao mesmo tempo em que
precisava se reconstruir – repor e (re) legitimar perante a população, sua presença administrativa na
maior parte do território nacional - devia também se “retirar” da economia, se “democratizar” nas
suas relações com a sociedade e se “internacionalizar” – se integrar na economia e política regional
e internacional – em linha com as exigências de um ambiente globalizado (VIEIRA, 2005, p. 187).

Neste novo ambiente, dentro das funções do Estado, deixam de ser contempladas as de
provedor direto de bens e serviços sociais. Foi aberto o espaço para que outros atores sociais
passassem a desempenhar funções que eram exclusivas do Estado, sobretudo as de domínio
econômico.
Essas mudanças alteraram significativamente o papel do Estado e o processo de gestão
pública. A planificação central da economia, pelo Estado, foi substituída pela economia de
mercado que se assenta na iniciativa privada. Foram criadas novas formas regulativas por
meio de disposições legais e desregulamentadas outras. O Estado unitário e centralizado,
apregoado pelo modelo socialista, foi superado por um outro a favor de um Estado unitário
gradualmente descentralizado e, que advoga a separação tripartida do poder do Estado: poder
executivo, legislativo e judiciário.
Sob pressão da situação social e econômica que se agravava por ação da guerra, o regime
moçambicano retomou o espírito reformista de 1980 e, revendo o rigor ideológico de então em
face da nova realidade nacional e internacional, deu início a um profundo programa de
reformas aderindo às exigências e à metodologia, preconizadas pelo Banco Mundial e pelo
Fundo Monetário Internacional. Era inevitável que esta adesão comportasse a passagem a uma
economia de mercado e a respectiva adequação política com a instituição de um sistema de
democracia multipartidária (CABAÇO, 1995, p. 45).

As mudanças efetuadas, durante esse período no qual se inicia a reconstrução do


Estado, levaram à introdução do Programa de Reabilitação Estrutural – PRE 50 , em 1987,
através do qual o Estado moçambicano passava a ceder em absoluto às imposições do Banco
Mundial (BIRD) e do Fundo Monetário Internacional (FMI). O programa, em si, aparece
como uma alternativa para corrigir a crise econômica em que o país se encontrava antes da

50
Através da resolução nº 15/87, foi aprovado o relatório do governo sobre este programa, cujo lançamento
implicou o início, no país, de reformas econômicas, políticas e sociais.

82
adoção dessa política econômica (DIAS, 2002). O PRE/PRES 51 trata-se de um programa
clássico de ajustamento estrutural de orientação neoliberal financiado pelas instituições
financeiras internacionais acima referidas (CASTEL-BRANCO, 1995).
Dentre as receitas de cartilha neoliberal, consta a redução do papel do Estado na economia,
limitando-se este a prover os serviços que o mercado não pode fazê-lo de forma eficiente; tais
como a defesa e segurança, construção de infra-estruturas, garantia de direitos (principalmente
os de propriedade), regulamentação do mercado, etc. Isto implicou uma mudança do papel do
Estado na economia e no processo de governação (MOÇAMBIQUE, 2002).

Ao ser introduzido, o PRE visava travar a crise econômica através do ajuste estrutural.
Por essa razão, foram adotadas austeras políticas monetárias e fiscais, procedeu-se à
privatização do setor público, acompanhada pela desregulamentação e liberalização
econômica e pelo estimulo às exportações. A implantação dessa política econômica foi feita
dentro de um contexto repleto de adversidades (MACUANE, 2001).
Entretanto, a abertura iniciada nos meados da década de 1980, concedeu espaços
sociais na estrutura política e administrativa (LUNDIN-BAPTISTA, 2002). Gradualmente,
foram criadas disposições legais que serviram de fundamento para a concepção e
materialização de políticas que podiam ser levadas a cabo pelo Estado e outros atores sociais.
Nesta fase, vários programas foram implementados em paralelo com a reestruturação do
quadro político e administrativo.
Esse argumento é consubstanciado por Macuane (2000) quando afirma que, a reforma
política acompanhou a introdução do PRE, marcando o início do neoliberalismo econômico.
Nesta etapa, concluiu-se que, o intervencionismo estatal no âmbito da produção tornou-se
inviável e excessivo. As mudanças introduzidas significaram, praticamente, o abandono do
modelo político e econômico socialista (MACUANE, 2001).
Constatou-se que, a mudança política era inevitável, a conjuntura internacional era
desfavorável a regimes monistas e autoritários, o seu ambiente político-institucional era
propenso ao pluralismo político. Por isso, tornou-se imperiosa a alteração do sistema político

51
O Programa de Reabilitação Econômica (PRE) passou , mais tarde a ser designado de Programa de
Reabilitação Econômica e Social (PRES) devido a necessidade de focalizar mais a dimensão humana, uma vez
que com tal política o fosso entre os ricos e os pobres aumentava progressivamente, trazendo impactos
significativos na estrutura da sociedade. A inflação atingiu, em 1989, níveis insustentáveis para o poder de
compra do cidadão comum, o PRE contrariamente ao que motivou a sua adoção criou um impacto social
negativo. De acordo com Cabaço (1995, p. 122), a situação social está, todavia, agravando-se por efeitos da
política de reajustamento estrutural que o Governo aplica com rigor. A riqueza concentra-se nas mãos de uma
minoria, nacional e estrangeira, a custa da degradação galopante das condições de vida de uma maioria sempre
mais numerosa.

83
de modo a acompanhar as mudanças que se manifestavam no cenário internacional, e que
eram reclamadas internamente.
Em resultado disso, as reformas estruturais iniciadas na segunda metade da década de
1980 conduziram a instauração de um quadro institucional democrático em Moçambique. Nas
condições históricas desse período, o debate dominante concentrava-se sobre a transição para
um sistema político liberal multipartidário como alternativa para assegurar um aparato
administrativo eficaz e um desenvolvimento contínuo (CASTEL-BRANCO, 1995). No seio
da sociedade existia um certo descontentamento devido aos custos sociais do PRE, as
instituições políticas continuavam sendo postas em causa, não havia garantia de justiça social
devido a fragilidade das instituições implicando em tensões sociais.
Por essa razão, o período entre o final da década de 1980 e início da década de 1990,
foi caracterizado por fortes pressões ao modelo de Estado intervencionista e empresarial,
seguida de apelos à modernização da estrutura estatal para que se processasse a abertura do
mercado, assim como a criação de um clima propenso à nova ordem internacional. Em 1989,
durante a realização do V Congresso da Frelimo, este partido abandonou formalmente a
ideologia marxista-leninista, passando a ser um partido de frente ampla (MACUANE, 2001).
Entretanto, o processo de liberalização política e econômica foi precedido de um
amplo debate sobre a organização institucional do Estado. O partido Frelimo apresentou um
anteprojeto de alteração constitucional, visando adequar os princípios gerais dessa fase de
desenvolvimento das instituições políticas e sociais, na qual era exigida a clarificação das
funções e do papel do Estado na materialização dos direitos dos cidadãos, e das obrigações
destes para com o Estado.
De acordo com Pitcher (2002), em 1989, três grupos distinguiam-se, dentre a liderança
da Frelimo, quanto à questão de reformas em vista. O primeiro grupo concordava com a
necessidade de reformas, mas, encarava com suspeição os princípios da economia de
mercado, era contra o abandono do socialismo e do intervencionismo estatal. O segundo
grupo era constituído por reformistas moderados favoráveis a uma reforma estatal, bastando
para o efeito que o Estado controlasse as reformas. A única divergência, no seio deste grupo
que tinha como integrantes vários ministros, era relativa ao teor e ao ritmo que as reformas
deviam obedecer. E por fim, o terceiro grupo era composto por indivíduos defensores
acérrimos do liberalismo econômico, sendo por esta razão os que mais contribuíram para a
formulação de políticas econômicas da década de 1990. Nas suas ações, contavam com o
apoio de vários investidores estrangeiros oriundos de países com tradição em economia de
mercado.

84
Entretanto, nos princípios dos anos 1990 já se ensaiavam reformas no cenário político-
administrativo. Devido a necessidade acrescida de mudança institucional, a Constituição da
República Popular de Moçambique foi submetida a um processo de revisão e, desta feita,
foram introduzidas emendas profundas na organização administrativa de Moçambique, uma
das quais foi a instauração da democracia multipartidária (HANLON et al 2001). Na
seqüência destas mudanças constitucionais, Moçambique deixou de ser designado República
Popular de Moçambique, passou a ser chamado de República de Moçambique. Esta troca de
nomenclatura fez com que o então presidente dos Estados Unidos da América, George Bush
retirasse o país da lista negra reservada aos países marxistas (MACUANE, 2000). A
aprovação, em Novembro de 1990, e entrada em vigor desse dispositivo legal constitui o
marco jurídico institucional para o estabelecimento da democracia política em Moçambique.
Essa Constituição veio tornar constitucional uma série de atos de governação que
estavam sendo postos em prática desde 1985, anunciando ventos de abertura no domínio
econômico, assim como, a interiorização e exteriorização, e a valorização gradual da cultura
africana no domínio sócio-político (LUNDIN-BAPTISTA, 2002). A lógica autoritária e
centralizadora do Estado sofreu grandes e essenciais mudanças com o aparato institucional,
criado após a abertura política, formalmente institucionalizada em 1990.
Através da Carta Magna, aprovada neste contexto de mudança institucional, foi
enfatizada a participação popular na tomada de decisões e gestão dos assuntos públicos, a
importância da eleição de candidatos para assumirem cargos públicos e a descentralização
administrativa no âmbito da desconcentração dos órgãos centrais do Estado. O novo
panorama político abriu espaço para o exercício pleno da cidadania, através de mais direitos e
liberdades, permitindo que se fizesse uma profunda reflexão sobre a necessidade de mudanças
minuciosas no sistema governativo. É nesse âmbito que se exigiram mudanças em toda a
organização administrativa do Estado. Além disso, a Constituição.
introduziu o Estado do direito democrático alicerçado na separação e interdependência dos
poderes e no pluralismo, lançando os parâmetros estruturais da modernização, contribuindo de
forma decisiva para a instauração de um clima democrático que levou o país à realização das
primeiras eleições multipartidárias (MOÇAMBIQUE, 2004, p.3).

Todas essas transformações implicaram em importantes mudanças no papel do Estado


e no estabelecimento de novas relações entre os diferentes atores sociais. O Estado voltou a
ser submetido a um processo de reestruturação resultante da nova concepção política de cariz
liberal. A fragilidade estatal era evidente, havia uma necessidade de se arranjar formas de
revitalização e modernização das instituições do setor público. Segundo Vieira (2005),

85
a transformação política em Moçambique, durante a década de 1990 não foi apenas uma
transição de um regime autoritário para um democrático nem apenas a mudança de um regime
socialista para uma economia de mercado, mas a transição de uma situação de colapso ou
falência estatal para outra de reconstrução do Estado (VIEIRA, 2005, p. 187).

O Estado apresentava sinais de fraqueza institucional. De acordo com Lundin-Baptista


(2002, p. 102), “uma característica do Estado fraco, comum em África, é a não cobertura de
todo território nacional em termos de presença político-administrativa, prestação de serviços à
população nas áreas de saúde e educação”. Em Moçambique, a guerra ocasionou uma situação
dessas, onde o Estado tinha presença apenas nos centros urbanos em detrimento de muitas
zonas rurais. Mesmo nos lugares aonde se fazia sentir, os órgãos da administração pública
denotavam fraca capacidade de materializar as suas funções refletindo-se na qualidade dos
serviços prestados.
Durante a realização do V Congresso da Frelimo, em 1989, foi manifestado o
interesse por uma administração pública eficiente e próxima do cidadão. De acordo com o
relatório do Comitê Central (FRELIMO, 1989), era imperioso o aperfeiçoamento do aparelho
do Estado para se adaptar as circunstâncias atuais. Nos debates, notou-se a necessidade de se
delimitar melhor as funções e tarefas de cada órgão do Estado, assegurar maior coordenação
e complementaridade entre eles, promover a autonomia crescente dos órgãos locais,
atribuindo-lhes gradualmente competências e meios próprios. A melhoria dos métodos de
trabalho, o reforço do envolvimento do povo na realização das tarefas e, a intensificação da
formação e qualificação de funcionários, foram consideradas ações fundamentais para
conferir a administração pública o dinamismo que necessita (va).
Observe-se que, essas transformações de caráter ideológico e político, operadas em
Moçambique, nos finais da década de 1980, estão intrinsecamente relacionadas com as
transformações que aconteciam em diversas partes do mundo. Os regimes socialistas
desmoronavam-se no Bloco Leste, numa queda que significava o triunfo do capitalismo e a
instauração de um novo tipo de ordenamento social (DIAS, 2002). As principais distinções
entre o Leste e Oeste chegam ao fim, com a queda do Muro de Berlim em 1989 e com a
dissolução da União Soviética em 1991.
Deste modo, marcou-se o fim da bipolaridade entre o sistema socialista e o sistema
capitalista que caracterizaram o mundo durante um largo período que se seguiu após a
Segunda Guerra Mundial. No início da década de 1990, em Moçambique, surge um ideal
diferente, critica-se o totalitarismo marxista-leninista e discute-se o ideal de universalidade
defendido pelo regime socialista. Os opositores do governo da Frelimo defendiam com muita
ênfase um regime democrático em que fossem restituídas a liberdade individual e a

86
propriedade privada (DIAS, 2002). A ideologia marxista-leninista foi largamente questionada
por indivíduos favoráveis à institucionalização de um regime aberto. A emergência da
divergência ideológica fragilizou, ainda mais, o regime monopartidário. Conseqüentemente,
esse regime começou a dar sinais de fracasso efetivo.
Assim, no início dos anos de 1990, o crescimento das demandas internas por mudanças coincidem
com o colapso da União Soviética e com o crescimento da importância das doutrinas neoliberais ao
redor do globo. A conjugação desses processos ofereceu os incentivos que faltavam para o Estado
moçambicano embarcar definitivamente na transição ao capitalismo (VIEIRA, 2005, p. 115)

Nessa altura, o governo preocupava-se em acabar com a guerra e tornar o Estado mais
sólido, através de uma (re) construção que permitisse uma maior inclusão e participação na
gestão da coisa pública (BAPTISTA-LUNDIN, 2002). Assim, foram incorporados no sistema
político alguns princípios democráticos que permitem o respeito pela diversidade sócio-
cultural do país.
Dentro do novo quadro político, e após dois anos de intensas negociações, foi assinado
em 1992 o Acordo Geral de Paz (AGP) 52 . A assinatura deste armistício, entre o então
Presidente da República de Moçambique, Joaquim Chissano, e o líder da Renamo, Afonso
53
Dhlakama, pôs fim a dezesseis anos de conflito armado, marcado por várias ações
militares, protagonizadas pelas tropas governamentais e pelo movimento de oposição ao
regime político vigente na altura. O acontecimento, em si, tornou-se marcante para o início da
nova ordem nacional.
O processo de mudança institucional moçambicana tem como pilares a revisão
constitucional e o AGP. Esses são os principais eventos que marcam o restabelecimento da
normalidade, em termos políticos, reforçam a democracia e a unidade nacional. Argumenta-
se, constantemente, que a redação e promulgação da Constituição da República, em 1990, e
este acordo incrementaram as mudanças, com vista à transição do regime autoritário para o
democrático. O clima de estabilidade, propiciado com o fim da guerra, foi determinante para a
concepção de uma nova agenda para o país. “Depois do AGP em Outubro de 1992, a luta pela
estabilidade social, assim como pela estabilização e reconstrução econômica, política e
ideológica são uma prioridade fundamental do país” (ZIMBA, 2002, p.36). Depois da guerra,
várias ações têm sido desencadeadas para reforçar a governabilidade. Com essa finalidade, a
estrutura política tem sofrido vários ajustes, respondendo as novas exigências que o contexto
social pós-guerra apresenta.

52
Este acordo foi assinado em Roma (Itália) e aprovado pela nº 13/92 de 14 de Outubro de 1992
53
Essa guerra iniciada nos primórdios da independência (1976), para além de longa constituiu um passo atrás
para o desenvolvimento institucional do país.

87
Entretanto, Weimer (2002) faz uma observação, que deve ser considerada, quando
afirma que, as reformas sofridas por Moçambique, no período pós-guerra, podem ser
encaradas como formas pacíficas de dar continuidade às mudanças institucionais produzidas
pela guerra. A paz providenciou um ambiente propício para a elaboração de novas formas de
organização do Estado.
Por essa razão, o aparato administrativo do Estado moçambicano foi submetido a um
processo de reestruturação para tornar a gestão pública mais inclusiva. A partir desta
perspectiva, a inclusividade no processo administrativo do país foi feita através da aceitação e
valorização de idéias da tradição e da modernidade que estão dentro do universo nacional
pluralista e complexo, buscando integrar mais e melhor o território nacional (LUNDIN-
BAPTISTA, 2002).
A busca de mecanismos democráticos para a mediação entre o Estado e a sociedade
constitui o ponto nevrálgico da discussão sobre a reestruturação do Estado. Tornou-se
imperioso o alargamento de toda a estrutura político-administrativa, em todo o território
nacional, através da descentralização e desconcentração, para fortificar o Estado como um
todo. A presença do Estado, nesses moldes, pode contribuir para que este exerça um papel
mais efetivo na gestão dos bens públicos dentro de uma lógica democrática.
O processo de adoção de princípios democráticos apresenta-se, em larga medida,
como uma recuperação de instituições estatais, através da participação política, do
reconhecimento de uma pluralidade de interesses e, também, como uma maneira efetiva de se
controlar o Estado através de procedimentos democráticos. A conjugação de diferentes fatores
com a vontade do povo moçambicano foi determinante para a criação de condições
consideradas fulcrais para o arranque da fase conducente à realização das primeiras eleições
multipartidárias em Moçambique. E, conseqüentemente, para a conciliação entre a reforma do
Estado e o processo de democratização através da implantação, na sociedade, de modelos e
valores da nova concepção de sociedade democrática 54 .
Considerando a experiência histórica de Moçambique, a proliferação de partidos e
organizações da sociedade civil significou um passo importantíssimo para a expansão de
princípios democráticos, incorporados nas novas estruturas de relacionamento entre o Estado

54
Na altura em que vigorou o sistema monopartidário, a Frelimo considerava democrático o Estado
moçambicano através do que chamou de Centralismo Democrático. Existia uma democracia participativa que se
baseava na ação dos grupos dinamizadores, na existência de Assembléias a vários níveis do aparelho do Estado.
No contexto atual, a “Constituição reafirma, desenvolve e aprofunda os princípios fundamentais do Estado
moçambicano, consagra o caráter soberano do estado de Direito democrático, baseado no pluralismo de
expressão, organização partidária e no respeito e garantia dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos
(MOÇAMBIQUE, 2004, p. 3 - 4).

88
e a sociedade. A definição prévia de um quadro político, constitucional e legal de transição do
monopartidarismo ao multipartidarismo anunciou a entrada ao contexto democrático.
Assim, foram abertos diferentes caminhos e possibilidades de superação das crises
sócio-econômicas sofridas pelo país ao longo da sua curta, mas desastrosa história. A
realidade política modificou-se substancialmente com a adoção desse sistema político liberal,
com vista a alavancar o desenvolvimento de Moçambique. Essa alteração do sistema político
introduziu processos integrados para um desenvolvimento sustentável, baseado em princípios
marcadamente democráticos. Os rumos da política e da economia moçambicana estão sendo
determinados pelo liberalismo, exercendo uma larga influência sobre a vida social. O
paradigma liberal está subjacente no quadro administrativo do Estado. Com a reconfiguração
do Estado sob o signo do liberalismo, o panorama político-administrativo incorporou
características que são apresentadas adiante (quadro 7).
Período de reconstrução do Estado sob signo do liberalismo (1986 – 1994).
Modelo administrativo Características predominantes na estrutura política e
administrativa
1. Incremento de condutas ilícitas visando a satisfação de interesses
personalistas;
2. Desrespeito às regras no setor político e econômico – inversão de
valores, práticas, costumes e regras formais estabelecidas a favor
de práticas informais baseadas na cultura;
3. Comportamento desviante das regras formais e conduta no
Patrimonialismo exercício da autoridade pública privilegiando motivos privados
(pessoais, familiares ou de grupos sociais);
4. Fraqueza na aplicação das leis e regulamentos; submissão dos
problemas sociais à soluções personalísticas e verticais;
5. Chantagem, peculato, favorecimento, corrupção, prevaricação,
clientelismo, nepotismo, apadrinhamento dentro da função pública;
Concepção da função pública com base em valores da esfera familiar
1. Estrutura administrativa hierarquizada, pesada e centralizadora –
máquina administrativa complexa;
2. Apego às normas, formalidade, excesso de regulamentos,
uniformização de procedimentos na prestação de serviços públicos;
máquina administrativa complexa;
3. Comando de poder emanado por uma autoridade de forma
Burocratismo sucessiva – sistema de autoridade hierárquica;
4. Aparato institucional enorme, lento, ineficiente a altamente
ritualista;
5. Procedimentos complexos derivados da obediência às normas e à
hierarquia;
6. Morosidade decorrente da lentidão nos procedimentos
administrativos e da estrutura institucional;
7. Exercício de autoridade com base na hierarquia do cargo
burocrático, processos decisórios centralizados;
8. Fraqueza institucional, baixa capacidade de provisão dos serviços
públicos.

Continua

89
Período de reconstrução do Estado sob signo do liberalismo (1986 – 1994).

Modelo Administrativo Características predominantes na estrutura política e


administrativa
1. Delegação de algumas competências do Estado ás organizações
pública não estatais;
Gerencialismo 2. Criação de administração indireta do Estado – descentralização e
devolução da administração publica aos níveis mais próximos da
população;
3. Democratização das instituições públicas;
4. Surgimento do setor público – não estatal, transferência de
atividades estatais para organizações não governamentais;
5. Introdução de estruturas burocráticas descentralizadas,
desburocratizadas e simplificadas nos procedimentos;
6. Proteção dos direitos e liberdades dos cidadãos;

Quadro 7. Lógica administrativa durante a reconfiguração estatal (1986-1994)


Fonte: FRELIMO (1989); Lundin-Baptista (2002); Egerö (1992); Moçambique (1990; 2001; 2002; 2005).

Ao longo desta seção, procurou-se fazer a inter-relação entre a introdução do


liberalismo e a reconstrução do Estado, no contexto sócio-histórico moçambicano. Num
primeiro momento, foram apresentadas as principais motivações para as mudanças político-
institucionais. Em seguida, fez-se a descrição analítica deste processo, dando primazia a
alguns elementos característicos do quadro político-administrativo do período entre 1986 e
1994. Enfim, a partir do que foi descrito, anteriormente, busca-se apresentar a seguir o
processo de consolidação da democracia, instituída na seqüência das mudanças efetuadas no
quadro da transição democrática, o que implica vários fatores de ordem política.
4.3 – Transição democrática e consolidação de instituições democráticas (1994 -2001)
Conforme constatação feita na seção anterior, o sistema monolítico entrou em colapso,
nos finais da década de 1980, devido a uma série de fatores que possibilitaram a transição
para a democracia. O cenário político institucional sofreu alterações para que o país passasse a
funcionar de acordo com os princípios democráticos. Foi criada uma estrutura institucional,
cuja configuração se adeqüa ao sistema democrático que se encontra, ainda, em processo de
fortalecimento. Essas mudanças político-estruturais mobilizaram alterações de atitude
concernentes aos padrões político-culturais moçambicanos.
No âmbito da teoria democrática contemporânea, várias instituições democráticas se
desenvolveram, se consolidaram e se adaptaram às mudanças sociais e políticas para melhor
servirem ao Estado e ao povo moçambicano, dentro do clima de estabilidade que se vive em
Moçambique.
Elaborou-se um “paradigma de transição” para a democratização, em parte com base na
experiência, mas principalmente com base nas expectativas gerais. O paradigma indica
globalmente que a transição de uma forma autocrática de governação para a democracia
atravessa três fases: abertura, catalisação e consolidação. Em Moçambique as primeiras duas
fases coincidiram com o processo de paz. A aprovação de uma nova constituição (1990) e as
negociações de paz podem ser consideradas como a abertura. A implementação do Acordo

90
Geral de Paz e as primeiras eleições multipartidárias constituem, de acordo com a lógica de
transição, a fase da catalisação. O que restava era a consolidação da jovem democracia.
Novamente, a prática protótipo foi criar ou reforçar instituições: o sistema eleitoral, o
parlamento, uma administração pública capaz e uma justiça neutra e eficiente
(TOLLENAERE, 2002, p. 229).

Nesse país, foram iniciados, imediatamente após o término da guerra 55 , dois processos
aparentemente contraditórios e irreconciliáveis. O primeiro buscava a reconciliação e a
consolidação da paz. O segundo é o da implementação da transição democrática por meio de
um processo eleitoral (CARRILHO, 1995). A paz, resultante de processos que levaram ao
AGP, exigiu a transformação imediata das relações de poder do Estado 56 .
No tocante às políticas para a manutenção da paz, destacou-se a necessidade de mudanças por
meio de reformas capazes de trazer um (novo) modelo de Estado que abarcasse comodamente as
forças sociais que compõem a população de Moçambique (LUNDIN-BAPTISTA, 2002).
Em matéria político-administrativa, há que se notar que a introdução e o funcionamento da
democracia representou uma mudança imensa – tanto em relação à anterior situação de partido
único, quanto à situação de guerra civil – e que o Estado foi capaz de se reconstruir, aumentar
a provisão de serviços e melhorar o “desenho” de suas instituições, mas, igualmente, que esse
processo foi marcado por profundas contradições: foi muito significativo no que diz respeito a
introdução de instituições democráticas e de administração macro-econômica do que na
reforma do funcionamento do setor público propriamente dito, uma vez que, nessa esfera,
apesar dos progressos nos desenhos institucionais e na qualidade da formulação de políticas
não se logrou estabelecer instituições/procedimentos efetivos e impessoais e a corrupção
capturou os processos de mudança. Assim, a liberalização econômica e política foram mais
bem-sucedidas enquanto “retirada” das instituições centralizadas e autoritárias do período
anterior do que enquanto “entrada” no cenário moçambicano de uma nova cultura institucional
propriamente dita (VIEIRA, 2005, p. 207).

Em resposta à instauração do regime democrático e pluripartidário, iniciado com a


derrocada do regime autoritário, Moçambique teve que se reconfigurar, política e
administrativamente, pois o contexto atual exige que o acesso dos cidadãos aos serviços
públicos seja facilitado, sem burocratismo e com maior participação da sociedade civil na
busca de maior eficiência e eficácia do setor público, através da cobrança de transparência e
de resultados.

55
A passagem da guerra à paz traz para a instituição Estado desafios grandes de reabilitação e inovação que
obrigou a um esforço permanente de identificação de objetivos, seleção e implementação de atividades
fundamentais, afetação consistente e elevação da efetividade e eficiência no uso dos recursos. A consolidação da
paz e a promoção do desenvolvimento social e econômico tornaram-se objetivos gerais fundamentais. Para a sua
realização, ações de base devem ocorrer nos domínios prioritários de desenvolvimento humano, institucional e
de infraestruturas físicas. Neste processo o Estado enfrenta o desafio de se ter revelado eficaz na provisão de
serviços esperados pelos cidadãos e suas instituições, ao mesmo tempo em que opera reformas para o
fortalecimento das suas instituições (DIOGO, 2002, p. 209 - 210).
56
De acordo com Cabaço (1995, p. 99), “o preço da paz implicava uma dramática contração do poder do Estado,
já de si em crise, que limitou a sua capacidade de governar, isto é, de prever os acontecimentos, de ter iniciativas
e tomar medidas para a solução dos problemas do país, de garantir as condições para a vida dos cidadãos”.

91
Seguindo esse raciocínio, o aprofundamento da democracia exige certas condições
pelo fato de ser um processo complexo que enfrenta desafios permanentes, no âmbito da sua
consolidação. Isso mostra que, qualquer processo de consolidação implica a existência de uma
transição que o antecede. O processo de democratização de um regime transcende a transição,
todavia é comum se confundir a transição democrática com a consolidação democrática.
A transição de um modelo autoritário, seguido em Moçambique por 15 anos, para um
democrático, tornou-se um fato depois da revisão constitucional. Mas a consolidação da
democracia 57 coloca o Estado num tipo de crise da qual surge a necessidade de se
reconfigurar o Estado e criar condições legais para o pluralismo político, que seria
materializado através do pleito eleitoral 58 , envolvendo diversas formações políticas e a
sociedade civil 59 . Ao incidir sobre esse aspectos, a
democracia implica a criação e “manutenção” de certas instituições (eleições livres e justas; um
corpo legislativo que exija prestação de contas ao governo, proteção e um ambiente legal justo;
uma justiça independente e capaz, uma administração pública objetiva e competente). Mas a mera
reprodução desses edifícios não é suficiente. Para além do hardware institucional, a prática
democrática requer também um software de valores e normas. Requer a aceitação genuína que
todos os jogadores aderirão às mesmas regras (...) (TOLLENAERE, 2002, p. 230).

Nesse sentido, a democracia não se resume à realização de eleições, por mais que sejam livres
e justas, periódicas de acordo com os preceitos legais. A democracia é um processo que envolve a
crescente participação de diferentes atores sociais na determinação do destino da sociedade de forma
permanente. A democracia moçambicana não se limita à consagração dos direitos políticos,
mas, também, envolve aspetos sociais e econômicos. De acordo com Mazula (1995), as
eleições foram adotadas pelo AGP 60 como “procedimento de legitimação do poder e uma das
formas básicas de participação do povo no exercício democrático do mesmo poder (protocolo
II, 1a)”. Assim, a participação democrática dos cidadãos é materializada por via das
prerrogativas que estes têm de escolher os candidatos às esferas de decisão política. Por isso,
as eleições aparecem como o momento central do processo de democratização. Segundo Brito
(1995, p. 474), “na teoria democrática hoje dominante, o voto ocupa um lugar central e as
eleições constituem o fundamento essencial sobre o qual repousa todo o edifício político da

57
Przeworski (1994) considera fundamental a diferenciação entre a democratização do Estado e a do regime. A
primeira forma de manifesta-se quando se opera a nível do aparato institucional. Enquanto que o segundo tipo
de regime refere-se à democratização das relações entre instituições estatais e a sociedade civil.
58
O fundamento próprio da democracia é o direito dos cidadãos de escolher os seus governantes, o que induz á
criação de um conjunto complexo normativo que materializa os pressupostos jurídicos necessários à sua
consolidação e desenvolvimento. Por outras palavras, a organização de eleições livres e justas faz parte do
conjunto do sistema democrático (CISTAC, 2006, p. 273).
59
Os principais atores do processo de democratização, em Moçambique, são os partidos políticos e a sociedade
civil.
60
Segundo Zuppi (1995, p. 122), “os protocolos do AGP descrevem minuciosamente as etapas da
democratização, a partir da Lei dos Partidos à Lei eleitoral”.

92
democracia”. Nesse sentido, trata-se de um processo de institucionalização de um conjunto de
valores, procedimentos e outros mecanismos institucionais necessários para sustentar a
democracia e o sistema que o suporta.
Assim, foi estabelecida a Lei eleitoral para servir de suporte a um pacto de guerra e, de
plataforma de transição política, embora não pudesse ter um âmbito dilatado para além do
efeito útil que as circunstâncias históricas e o contexto internacional previamente lhe
determinavam (CARRILHO, 1995). O processo eleitoral constitui, assim, a base legal e
legitima para o alcance do poder, permitindo ao eleitor acompanhar o seu exercício pela via
democrática. De acordo com Macuane (2006, p. 127), “a literatura sobre a transição
democrática mostra que a realização freqüente de eleições livres, justas e não contestadas é
um dos elementos que informa a consolidação do sistema democrático”. Do ponto de vista da
democracia clássica formal, as eleições desempenham um papel relevante na consolidação da
democracia em Moçambique.
O estímulo da democracia participativa e dos espaços criados pelo desenvolvimento do Estado
de Direito levará a sociedade civil a começar a organizar-se, buscando mecanismos para poder
exprimir directamente os seus sentimentos e intervir sobre problemas específicos e concretos
da realidade política, sócio-económica e cultural. As associações e organizações não
governamentais despontaram em muitos sectores da vida da sociedade, algumas delas trazendo
contribuições relevantes para a solução dos problemas quotidianos dos cidadãos e da
comunidade (CABAÇO, 1995, p. 110).

A aplicação do método democrático no sistema institucional foi efetuada, em 1994,


com a participação dos cidadãos na escolha dos seus representantes (no legislativo e no
executivo), através de um processo que instaurou o primeiro governo democraticamente
eleito 61 . O processo eleitoral de 1994 constitui a concretização da igualdade dos cidadãos na
consolidação da democracia tal como foi preconizado pela Constituição de 1990 que
estabelece o direito ao sufrágio universal e de eleger ou ser eleito para os órgãos do poder do
Estado.
A realização dessas eleições livres e democráticas marca uma nova fase da história de
Moçambique. O sufrágio foi “ao mesmo tempo, o evento supremo de coroação do processo de
paz e a fundação formal do processo de democratização” (TOLLENAERE, 2002, p.227).
Segundo Mbilana (2006, p. 21), “foi a partir desse momento que se assumiu, no cenário
político nacional, a importância das instituições democráticas como reguladoras da expressão

61
No período anterior a 1994, a história de Moçambique não registra nenhuma experiência eleitoral envolvendo
vários partidos políticos, tanto no seu passado colonial, como no período pós-independência. Tem de se aceitar,
porém, que o monopartidarismo instalado no país depois de 1975, porque gerado num processo de libertação
nacional e desenvolvido noutro caracterizadamente populista, da afirmação da soberania, possibilitou exercícios
de escolha e de legitimação de notável adesão e participação política (CARRILHO, 1995, p. 156).

93
da liberdade e igualdade de cada cidadão, assim como das práticas democráticas reais”. De
acordo com a filosofia do AGP, a intenção destas instituições é “evitar a reinstalação de
regimes autoritários que tendam fazer esquecer a história e distorcer a sua análise para maior
dominação da sociedade (MAZULA, 1995, p. 193)”. Portanto, a democratização significou,
de acordo com esta visão, o fim do regime autoritário e sua substituição pelo pluralista.
Essa abertura política, em Moçambique, se insere no processo de transições
democráticas observadas em países da Europa do Leste, América Latina, Ásia e África.
Nesses locais, vários países saíram, recentemente, de regimes ditatoriais, autoritários ou
totalitários e embarcaram para a instauração da democracia. A maioria dos países localizados
nesses continentes, incluindo Moçambique, pôs em prática a liberalização política,
enquadrando-se no que Huntington (1994) designou de Terceira onda de democratização. Este
tipo de mudanças conduziu à realização das primeiras eleições multipartidárias, nalguns
desses países, e a instauração, pela primeira vez na história desses países, de governos eleitos
através do voto direto. Todavia, a democracia em Moçambique deve ser aferida, também,
tendo em conta “a contribuição que este modelo de organização política e social deu para o
fim da guerra, para a normalização da vida política e para o retorno à estabilidade social e
política no país (SITOE e HUNGUANA, 2005, p.8).
Com o fim do autoritarismo, parece haver esforços para a consolidação das
instituições democráticas, criadas no âmbito do AGP e das transformações sociais que
acompanham o mundo contemporâneo. Esta tendência em adotar regimes democráticos
generalizou-se em todo o mundo, mostrando o quão a democracia é importante para o
funcionamento das sociedades.
Nos últimos duzentos anos – apesar de eventuais e trágicos retrocessos – a democracia não
deixou de avançar, com o apoio tanto da esquerda quanto da direita. Enquanto a direita
defendia a liberdade e a democracia em nome da ordem, a esquerda fazia o mesmo em nome
da justiça social. Mas ambos os lados perceberam que, sem a democracia, nem a ordem nem a
justiça são mais possíveis (BRESSER-PEREIRA, 1998b, p, 21).

Diante da necessidade de responder aos inúmeros problemas sociais, vários governos


tiveram que implementar políticas de transição democrática, por meio da abertura política. O
sistema democrático está sendo em vários países estabelecido em paralelo com as
transformações econômicas que ocorrem a nível mundial. No entanto, a democracia carece
ainda de consolidação.
Para a consolidação da democracia, em Moçambique, foram realizadas três eleições
presidenciais e parlamentares (1994, 1999 e 2004) e, duas autárquicas/locais (1998 e 2003).
Embora haja muitos desafios para tornar sólida a democracia neste país, os processos

94
eleitorais representam uma reorientação política das estruturas institucionais, considerando
que servem para legitimar os governantes e criar condições para o respeito de compromissos
coletivos através de práticas democráticas. Mas, a história dos pleitos eleitorais,
multipartidários, revela uma trajetória caracterizada por uma participação política
progressivamente reduzida, trazendo implicações sobre a qualidade da democracia
moçambicana. O índice de abstenção é preocupante, pois, em democracia, as eleições
periódicas ganham peso e notoriedade quando existe uma participação ativa e significativa
dos cidadãos.
Para além de demonstrarem a participação decrescente dos eleitores, os dados
eleitorais (ver Tabelas 1) postulam a consolidação da posição hegemônica da Frelimo.
Através da sua estrutura política bastante sólida, a Frelimo foi se fortificando cada vez mais,
ampliando sua base de apoio, o que lhe conferiu vantagem competitiva diante desses
processos.
Tabela 1 – Eleições Gerais em Moçambique 1994 – 2004
1994 1999 2004
Eleições Assentos Eleições Assentos Eleições Assentos

Presidenciais Parlamento Presidenciais Parlamento Presidenciais Parlament

(% votos) (% votos) (% votos) o

Frelimo 53,30 129 52.2 133 63.74 160

Renamo 33,73 112 47.71 117 31,74 90


Outros 12.97 09 0 0 4,52 0
Comparecimen 87,9% 69,5% 36,34%
to
Fonte: Vieira (2005, p. 163)
Desde o inicio do processo democrático, é notório o esforço que está sendo
desenvolvido para que a participação seja maior. Mas, o processo de criação de atitudes
democráticas enfrenta barreiras como:
(1) o índice elevado de analfabetismo;
(2) fraqueza da cultura política, revelada pela maneira como as pessoas
enxergam e se relacionam com a política;
(3) persistência de mazelas sociais (miséria, fome, exclusão social na
distribuição da renda, assimetrias regionais) que desmoralizam diferentes
camadas sociais, principalmente as mais pobres.

95
Por causa destes problemas, a democracia deixou de fazer sentido para a maioria da
população, criando desânimo dos eleitores. De acordo com constatações de Lundin-Baptista,
(2006, p.52),
as promessas não cumpridas depois das eleições de 1994 e 1999 levaram eleitores a
concluírem que os políticos somente se beneficiam a si próprios: “agem com baixo grau de
transparência na coisa pública, criando e aumentando o espaço para o tráfico de influências,
corrupção, etc., contribuindo, conseqüentemente, pouco para criar o desejado
desenvolvimento.

Há uma necessidade de se estabelecer uma democracia efetiva e transparente, através


do equilíbrio entre a política e a economia, visando garantir o acesso facilitado aos bens
econômicos e serviços públicos. Para explicar essa participação decrescente dos cidadãos em
processos eleitorais, Sitoe (2006) afirma que, a ação política dos cidadãos, tanto a nível
individual como coletivo, é determinada por uma multiplicidade de fatores, onde se destacam:
(i) as virtudes da socialização política;
(ii) fatores de índole ideológica
(iii) a lógica da cultura política dominante
(iv) a dimensão da mobilização político-partidária
(v) a configuração de oportunidades político-institucionais
O desempenho negativo da Renamo, também, influi na apatia dos cidadãos em relação
ao processo eleitoral. Embora tenha alcançado uma votação elevada em 1999, a Renamo
tende a perder expressão eleitoral. Este partido não tem sido uma oposição responsável, falta
nele uma posição firme em relação a sua agenda política, devido a erros na liderança
partidária. A Frelimo e a Renamo constituem as duas forças políticas antagônicas que
polarizam o processo eleitoral moçambicano, levando o cidadão a distanciar-se do mesmo, o
que reduz a participação dos cidadãos em atos eleitorais (LUNDIN-BAPTISTA, 2006)
Em 1994, a Frelimo e o seu candidato (Joaquim Chissano) venceram as eleições
legislativas e presidenciais, respectivamente, por maioria absoluta. Assim, os destinos da
nação foram mais uma vez delineados por este partido. De acordo com a lógica estabelecida
pelo sistema eleitoral moçambicano, baseado na maioria absoluta, cabe ao vencedor assumir a
componente gerencial em toda sua plenitude. Com efeito, os resultados deste pleito
permitiram reforçar a teoria de que é comum, em África, nos períodos antes e depois da
adoção do multipartidarismo, a permanência no poder dos partidos históricos e a adoção da
democracia clássica “quem ganha toma tudo” no âmbito da gestão (MACHILI, 1995). Este
cenário significou a mudança de regime e a sua continuidade política, através de um regime
democrático dentro de um aparato que foi concebido e apropriado para regimes autoritários. É

96
por esse motivo que, ainda persistem dentro das relações sociais e políticas algumas
características autoritárias, cuja continuidade pode afetar a consolidação da democracia.
Nas eleições seguintes (1999), Chissano e a Frelimo voltaram a sagrarem-se
vencedores, garantindo a permanência desta formação política no exercício do poder e a
continuidade do processo de reforma institucional. Ao terminar o mandato, Chissano decidiu
não concorrer ao pleito eleitoral realizado em 2004, embora a Constituição permitisse a sua
reeleição. Na seqüência disso, a Frelimo indicou Armando Guebuza para candidato à
Presidente do país. Nessas eleições, o partido e o respectivo candidato, mais uma vez, tiveram
resultados favoráveis. A gestão de Guebuza, atual Presidente da República, é marcada por um
incentivo exacerbado a mudança da atitude dos moçambicanos para fazer face aos males que
constituem desafios da sociedade. Mas, talvez porque seu antecessor seja da Frelimo, nota-se
uma espécie de continuidade de certas políticas enquadradas no contexto de mudanças
institucionais.
Em todas as eleições presidenciais e legislativas, a Renamo contestou os resultados
divulgados pela Comissão Nacional de Eleições (CNE), apesar dessa dificuldade em aceitá-
los assumiu os assentos parlamentares obtidos em decorrência dos processos eleitorais. Esta
aparente aceitação dos resultados eleitorais contribui para o reforço da reconciliação nacional,
e para o avanço da convivência democrática, assente no pluralismo político que garante a
alternância governativa, abrindo espaço para a: consolidação da paz, reconstrução e
desenvolvimento sócio-econômico, propiciando condições para a estabilidade do país.
No âmbito do processo de descentralização política e administrativa, houve duas
eleições autárquicas em 1998 e 2003. Uma análise comparativa entre ambas eleições mostra
um cenário marcado por um elevado índice de abstenção no primeiro pleito em relação ao
segundo. Os dados revelam, também, a posição vantajosa da Frelimo, demonstrada pelo bom
desempenho eleitoral alcançado por esta organização política (ver tabela 2).
Tabela 2 - Eleições locais em Moçambique 1998 e 2003
1998 2003
Presidência do Assembléia Presidência do Assembléia
Município Municipal Município Municipal
(nº de Presidentes) (nº de assentos) (nº de presidentes) (nº de assentos)
Frelimo 33 730 28 558
Renamo 0 0 05 286
Outros 0 60 0 13
Comparecimento 14,58% 26, 16%
Fonte: Vieira (2005, p. 163)

97
A menor afluência de eleitores às urnas está relacionada com a decisão da Renamo
não fazer parte do processo eleitoral. Nas primeiras eleições locais, a Renamo retirou-se do
processo eleitoral, alegando fraude durante a preparação dessas eleições, concentrou-se em
apelar a população ao boicote à votação. Apesar disso, o governo decidiu realizar eleições
locais mesmo com ausência da Renamo. Os resultados dessas eleições conferiram vitória a
Frelimo, nos 33 municípios até então existentes. Nas eleições seguintes, a Renamo concorreu
e conseguiu vencer em cinco municípios e a Frelimo ficou com os restantes vinte e oito dos
trinta e três existentes na altura.
Com os resultados das eleições de 2003, pela primeira vez na história do país, coube a
um partido da oposição o exercício do poder político-administrativo a nível local,
representando uma virada na esfera administrativa.
Desde que iniciou o processo de democratização, as ações governamentais revelam
grande empenho no prosseguimento das mudanças necessárias para a consolidação da
democracia. Umas das manifestações dessa vontade é autarcização que decorre da instauração
de um novo regime político, estabelecido pelo sistema democrático.
No contexto de abertura política, entre 1992 a 1994, o governo focalizou suas políticas
na quantificação das necessidades de reabilitação das infraestruturas para o período pós-
guerra; adotou e prosseguiu com a implementação de medidas necessárias para a reintegração
social dos ex-beligerantes e de reassentamento da população. Com efeito, os aspetos
institucionais e o desenvolvimento de uma capacidade administrativa, voltada para o
fortalecimento do Estado num horizonte temporal longo, foram postos no segundo plano.
Entretanto, o primeiro governo democraticamente eleito, em 1994, atacou esses aspetos que
tinham sido preteridos durante os dois anos que antecederam as eleições. Imediatamente, o
processo de mudanças tomou outro ímpeto quando esse governo criou condições para a
consolidação do processo de democratização em curso no país. O novo regime prosseguiu
com a reforma política e administrativa, através da mudança institucional e da estrutura do
poder. Esta reestruturação administrativa implicou a necessidade de se repensar os processos
de prestação de serviços e de relacionamento inter-institucional. O governo procurou adequar
o funcionamento da administração pública, ao contexto atual, de modo a propiciar condições
para as comunidades tivessem acesso garantido aos serviços públicos.
Seqüencialmente, foram alterados alguns dispositivos e estruturas institucionais,
permitindo uma reconfiguração do Estado, acompanhada pela criação de novas entidades
políticas, administrativas e jurídicas. Segundo Lundin-Baptista (2002, p. 134), “a saída da

98
guerra para a paz está imersa, assim, no abandono do monolítismo político de idéias rumo ao
pluralismo e da centralização administrativa à descentralização”.
Amparado pelo sistema democrático multipartidário, o governo moçambicano
formulou um programa de reformas, preconizadas pela lei 3/94 que estabelece as primeiras
bases legais para o processo de descentralização administrativa. Essa lei preconiza a criação
gradual de municípios urbanos e rurais, dotados de autonomia administrativa, financeira e
patrimonial, e com órgãos executivos, representativos e legislativos, diretamente eleitos pela
população local (SITOE e HUNGUANA, 2005).
Nestas circunstâncias, foram concebidas políticas públicas direcionadas para o retorno
das instituições do Estado junto às localidades e, também, desenvolvidas outras adequadas ao
novo ambiente político, buscando a melhoria gerencial e a capacitação institucional.
Na seqüência, o governo de Moçambique descentralizou o poder político e
administrativo, através de uma emenda constitucional, introduzida pela Lei º 9/96 62 e outras
leis sobre autarquias locais, aprovadas posteriormente. Com a institucionalização desses
órgãos do poder local, inaugura-se um novo figurino na administração estatal 63 . A política de
descentralização administrativa, adotada pelo Estado moçambicano, consiste na valorização
das comunidades locais e no aperfeiçoamento dos mecanismos de sua participação na
administração pública, permitindo maior responsabilização dos governantes, eleitos, através
mecanismos de controle estabelecidos para o efeito. Segundo Vieira (2005), acredita-se que,
a Frelimo conduziu as reformas visando alcançar uma nova legitimidade nacional e
internacional com base em fatores políticos, econômicos, sociais, gerenciais e
organizacionais, e até para responder as pressões internacionais. Contudo,
num contexto de reforma do Estado, a descentralização administrativa em Moçambique foi
prioritariamente tida como parte do processo de pacificação e democratização do país, e uma
necessidade absoluta de se dar resposta a diversidade geográfica, socioeconômica e
multicultural (CHICHAVA e FARIA, 1999, p. 4).
Durante esse processo de devolução de poderes ao nível local, o governo reconheceu a
relevância dos aspetos culturais instituídos no decurso do desenvolvimento das instituições
sociais, como é o caso das autoridades tradicionais, sustentados por visões patrimonialistas de
sociedade. Ao se tentar encetar mudanças constatou-se que,
há uma evidente discrepância entre os ditames de construção de um Estado moderno e a
dinâmica social e política do país. Se por um lado a construção do Estado, que é um processo

62
De 22 de Novembro de 1996 – texto fundamental. .Boletim da República (BR), suplemento I, série n° 47.
Programa de Reforma dos Órgãos Locais.
63
Moçambique é um Estado unitário. Os distritos municipais constituem portanto estruturas administrativas e
infra-estaduais. Nestas condições, ele é consubstancial ao processo de descentralização que existe no controlo
do Estado sobre os distritos municipais, seria ainda preciso que ele seja organizado de maneira a respeitar o
principio de autonomia consagrada pelo artigo 1 da lei n.º 3/94 ( CISTAC, 1996, p. 23).

99
em curso em Moçambique, demanda um certo nível de centralismo, por outro lado a
necessidade de fazer o Estado presente a nível local implica não só a descentralização ou
desconcentração, mas também na consideração da importância de elementos culturais
desempenham na governação, entre os quais a autoridade tradicional (MOÇAMBIQUE, 2002,
p. 23).
Nesta nova etapa política, orientada para a descentralização do poder do Estado, através da
participação da sociedade civil na gestão da coisa pública, surgem as autarquias. O processo
de descentralização administrativa, do Estado moçambicano, apresenta duas vertentes comuns
a estes processos, ou seja, caracteriza-se pela criação de novas entidades jurídicas com
territórios e população – autarquias, e pela desconcentração 64 através da atribuição de maiores
competências a órgãos hierarquicamente subordinados e dela constituindo mera extensão,
visando aproximar a prestação de serviços administrativos aos seus beneficiários
(MOÇAMBIQUE, 2002).
O fundamento filosófico e teórico original, dentro da perspectiva recolhida Junto ao
Ministério da Administração Estatal (MAE)65 , que orientou o pensamento em redor do
processo de descentralização, decorre de pressupostos de que o mesmo deveria conduzir à
consolidação e legitimação do Estado, através da consolidação da cidadania a partir da base
(SITOE e HUNGUANA, 2005). Com a descentralização administrativa, que marca a
operacionalização da gestão participativa, chega ao fim o caráter centralizador estatal 66 que
vigorou nos anos subseqüentes à independência nacional.
Essa forma de organização da sociedade, para além de constituir uma manifestação
clara da prática democrática, também, assegura a representação do Estado a nível local. O
incremento progressivo da participação da sociedade civil na gestão pública revela uma
verdadeira transformação institucional efetuada, a partir da concepção e implementação da
política de descentralização.
No âmbito da liberalização política, a descentralização é concebida como um dos
mecanismos de reforço da democratização, permitindo que os cidadãos tenham meios de
controle e influência política a nível local, impulsionando a ação da sociedade civil,
representada por várias Organizações Não Governamentais (ONG’s). E, na seqüência da
implementação das mudanças institucionais, notou-se a necessidade de se aglutinar o

64
Através do Decreto nº 49/94, foram atribuídas aos Governadores Provinciais o poder de gestão corrente, por
meio da desconcentração de competências do Governo Central
65
De acordo com o Decreto Presidencial n.º 11/2000, de 28 de Junho, define as atribuições e competências do
Ministério da Administração Estatal, este é o órgão central do Aparelho do Estado responsável pela organização
e desenvolvimento institucional da Administração Pública, direção da Função Pública e da Administração Local.
66
Em Junho de 1998 realizaram-se as primeiras eleições autárquicas dentro de um universo de 33 municípios
inseridas no processo de descentralização administrativa e no fortalecimento da democracia moçambicana.

100
moderno e o tradicional. A redefinição do papel do Estado estimulou a componente
tradicional da sociedade.
Os elementos de modernidade que se inseriram na sociedade moçambicana provocaram a
activação e a reacção dos elementos tradicionalistas: o potenciar dos vectores de agregação
conducentes a formas de organização social dos factores centrífugos no seio das várias
comunidades (CABAÇO, 1995, p. 80).

Por serem um espaço de inclusão de vários atores sociais, as autarquias representam


uma das instâncias para o aprofundamento e consolidação da democracia. Com a
descentralização, as comunidades locais passaram a ser incluídas no processo de resolução
dos seus problemas, a autoridade que era exercida pelo Governo Central passou a ser exercida
localmente.
Na perspectiva de vários teóricos africanos, o modelo democrático ocidental que é
implantado em muitos países de África redunda num fracasso, por se tratar de uma réplica das
democracias ocidentais; por ser adotado e implantado sem que haja consideração pelas
múltiplas especificidades da realidade africana (MBILANA, 2006).
Considerando a componente sócio-cultural, o governo moçambicano introduziu as
autoridades tradicionais dentro de um sistema democrático, permitindo que estes líderes
exerçam seu papel na sociedade. Esses arranjos institucionais trouxeram as autoridades
tradicionais ao quadro político-administrativo, incorporando aspetos baseados em
componentes da tradição na gestão de políticas públicas. Tais mudanças resultaram em
inovações híbridas, visando tornar cada vez mais democráticas as relações entre o Estado e a
sociedade. A democracia, nesse sentido, surge como o melhor mecanismo para a satisfação
dos interesses coletivos pois, tenta conciliar posicionamentos de diferentes atores, ajudando a
evitar possíveis conflitos. Assim, procurou-se fazer uma co-habitação entre o moderno e o
tradicional, através de arranjos institucionais, permitindo que as instituições democráticas se
consolidem sem pôr em questão as duas visões da sociedade.
Apesar de se advogar esse ponto de vista, existem opiniões contrárias em relação a
pertinência dessa disposição institucional. Refletindo sobre tradição, socialismo e democracia
pluralista, Cabaço (1995, p. 105) afirma que “por ser um tema politizado, a presença ou não
de elementos democráticos nas sociedades de cultura tradicional é uma das questões mais
controversas de discussão teórica levada a cabo no período do processo de paz”. Este autor
considera ainda que,
se se pretender definir um sistema com analogia com os elementos de democracia contidos na
sociedade tradicional, ele surge muito mais próximo do sistema de partido único que vigorava
em Moçambique do que do actual sistema multipartidário, em especial no que diz respeito ao
processo de escolha dos dirigentes ao escalão mais elevado da ordem social

101
Segundo Lalá e Ostheimer (2003), durante a fase inicial da transição em Moçambique
(1990 - 1994), havia sinais de que o país estava no caminho para a democracia e consolidação
democrática, através de estruturas que garantissem a manutenção desse sistema político. Mas,
o período posterior a esses quatro anos iniciais da transição demonstrou, claramente, o
ressurgimento de estruturas patrimoniais no seio das instituições sociais. A Frelimo, desde o
inicio da abertura política até hoje, tem conseguido dominar e diluir o processo de transição,
apoiando-se no processo de liberalização econômica e política. As conexões existentes entre o
partido e o Estado, as redes patrimoniais da Frelimo e o comportamento corrupto da elite
política constituem graves obstáculos ao progresso democrático em Moçambique. As relações
políticas caracterizam-se pelo clientelismo e nepotismo, o Estado tem sido usado como meio
de favorecimento de grupos que controlam os recursos públicos.
A necessidade de ampliar a participação do s cidadãos na arena política e
administrativa, trouxe a tona o debate sobre o papel das autoridades tradicionais no quadro do
processo de democratização.
Nas zonas rurais ou semi-urbanas, a importância dos líderes tradicionais ou
comunitários, na administração estatal, tem se destacado, sobretudo a partir da altura em que
foi determinada a responsabilização do poder dessas autoridades sobre algumas áreas
territoriais, como resultado do texto de Lei nº 3/94 (artigos 8 e 9). Em decorrência do
reconhecimento do poder desses líderes, foi publicado o decreto 15/200067 , de 20 de Junho,
que para efeitos do mesmo consideram-se autoridades comunitárias: os chefes tradicionais, os
secretários de bairro ou aldeia e outros líderes legitimados como tais pelas respectivas
comunidades locais. O governo enquadrou, na nova forma administrativa do Estado, os
régulos que tinham sido marginalizados quando foram desenvolvidas ações para retirá-los do
quadro político-administrativo.
De acordo com esse decreto, uma vez legitimadas, as autoridades comunitárias são
reconhecidas pelo competente representante do Estado. No desempenho das suas funções
administrativas, os órgãos locais do Estado deverão articular com as autoridades comunitárias,
auscultando opiniões sobre a melhor maneira de mobilizar e organizar a participação das
comunidades locais, na concepção e implementação de programas e planos econômicos,
sociais e culturais, em prol do desenvolvimento local. A Constituição da República e demais
leis, são os instrumentos legais que devem ser estritamente observados na execução das

67
Esse dispositivo legal estabelece as formas de articulação entre os órgãos locais do Estado e as autoridades
comunitárias.

102
funções reservadas a esses líderes, no âmbito da articulação entre os órgãos locais do Estado
(OLE) 68 e as autoridades comunitárias.
No atual estágio do processo de democratização, o Estado moçambicano apresenta
como particularidade o aperfeiçoamento e o estabelecimento de novas instituições,
demonstrando uma permanente mudança visando à consolidação do sistema democrático,
consagrado pela Constituição multipartidária. Assim, poder-se-á garantir a base para o
progresso social que tanto se almeja. De acordo com o atual Presidente da República 69 ,
felizmente, hoje todos reconhecemos que não pode haver democracia, paz e estabilidade, que
se consolidem irreversivelmente, sem desenvolvimento. Por isso, o grande desafio que se
coloca aos moçambicanos agora é como transformar a democracia, a paz e a estabilidade em
sólida alavanca para o progresso e bem-estar para todos.
Desde que se iniciou a democratização, Moçambique conheceu progressos
assinaláveis na reconstrução do Estado, através da construção de instituições democráticas.
Saliente-se que, “o conteúdo da democracia em Moçambique se circunscreve aos valores da
reconciliação nacional, Paz social e estabilidade política, então é a estes valores que se deve
reconhecer primazia (SITOE, 2006, p. 155)”.
Uma vez que a atuação do Estado perdeu agilidade com a criação de um corpo
administrativo de características burocráticas, surge, no âmbito da reconfiguração do Estado,
a descentralização política e administrativa no país, onde coube a sociedade civil a
prerrogativa de tomar iniciativas de mudança. Pode-se afirmar que, o quadro político
institucional foi significativamente alterado. Há uma tentativa de se promover e garantir a
prevalência do Estado de direito que deve dar forma a democracia multipartidária.
A realidade moçambicana demonstra os quão frágeis e vulneráveis são as estruturas
democráticas instauradas. As características institucionais, que Moçambique apresenta, não
permitem afirmar que seja uma democracia consolidada, apesar do jogo democrático que se
observa no país. Mesmo assim, “a comunidade internacional não se cansa hoje de afirmar que
o processo de pacificação e democratização de Moçambique é um exemplo e uma esperança
para África” (CASTEL-BRANCO, 1995, p.108).
Assim, pode-se concluir que o Estado caminha para a consolidação de instituições
criadas no âmbito da Reforma estatal e que permitem maior interação entre a sociedade,
flexibilidade em termos de respostas às demandas sociais, valorização permanente de aspetos

68
Os órgãos locais do Estado representam o Estado a nível do distrito e postos administrativos e são
responsáveis pela realização de tarefas e programas econômicos, sociais e culturais de interesse local e nacional
na sua área de jurisdição, o seu funcionamento é supervisionado pelo governo provincial,. Esses órgãos surgem
como forma de descentralização da organização da administração pública.
69
Ver depoimentos apresentados no livro intitulado “ Moçambique: Dez anos de Paz” coordenado por Brazão
Mazula (2002, p. 331).

103
tradicionais dentro de um sistema moderno de gestão. Procura-se reintroduzir valores que
estavam em desagregação. As autoridades tradicionais que foram marginalizadas nos
primórdios da independência, hoje ocupam um espaço dentro da administração pública,
reforçando o caráter híbrido do modelo administrativo do Estado moçambicano.
No contexto de aceleração da globalização, o Estado não pode garantir o bem-estar
social através de medidas unilaterais. O sucesso da democracia em Moçambique depende da
capacidade das instituições estatais de absorverem valores democráticos e desenvolver uma
cultura política que se coaduna com o sistema democrático. “A experiência mostra que a
democracia efetiva não pode provir da pressão externa na forma de condicionalismos políticos
e econômicos ligados ao ajustamento estrutural” (CASTEL-BRANCO, 1995, p. 631).
Segundo Touraine (1996, p. 11), não se deve definir democracia “como um triunfo universal
sobre os particularismos, mas como o conjunto de garantias institucionais que permitem
combinar a unidade da razão instrumental com a diversidade de memórias, a permuta com a
liberdade”. Os novos desafios exigem a busca de esforços para que as transformações e
inovações possam alterar a dinâmica da burocracia, dando maior flexibilidade institucional a
partir da consolidação das instituições democráticas.
Em Moçambique, parece haver vontade política no sentido de responder aos desafios
do desenvolvimento e eliminar a fragilidade institucional do Estado. O país vem adotando
políticas para reforçar as instituições no contexto da reforma político-administrativa do
Estado, refletindo a crescente desilusão da sociedade com o modelo burocrático de
administração pública e do sistema monopartidário. Como conseqüência, surgiu uma nova
abordagem, inserida nas reformas de Estado e, que apresenta características de um modelo
gerencial.
As políticas que orientam o processo de modernização do Estado preconizam a
flexibilidade das instituições e a melhoria constante da prestação de serviços públicos,
aumentando a capacidade de resposta aos anseios da população. Com o intuito de responder
aos desafios impostos pelo novo paradigma gerencial, têm sido desenvolvidas várias ações, ao
nível dos órgãos centrais do Estado e ao nível da administração local, para o fortalecimento
das instituições e da democracia (LUNDIN-BAPTISTA, 2002).
Os dados obtidos pela pesquisa feita mostram, ainda, que há, pelo menos no governo e
na sociedade civil, uma visão de pertinência da mudança e fortalecimento institucional
voltado para a estabilidade e progresso social, através de um funcionamento cada vez melhor
do aparato estatal. Foi nesse sentido que, o governo instituído em 1999 mostrou preocupação

104
com a organização do Estado, como se pode observar no programa de governo para 1999 –
2004:
• Consciente da necessidade de modernização do Estado, o governo da FRELIMO
comprometeu-se a imprimir uma maior dinâmica nos processos que tinha iniciado antes,
desencadear outros que conduzam a uma maior eficiência e eficácia na satisfação das
necessidades dos cidadãos, reforçando seu papel nas diversas áreas de interesse público;
• O Estado promoverá a democracia, assegurando aos cidadãos o exercício dos seus direitos
cívicos e políticos, garantindo maior equidade social no atendimento das suas
necessidades e dinamizando o desenvolvimento econômico e social de toda a sociedade;
• A desconcentração da administração pública é um dos pilares do processo de
modernização do Estado. A transferência de atribuições e competências específicas aos
órgãos locais legitimando-os e concedendo-lhes instrumentos para a execução dos
serviços, constitui uma base importante para o processo de descentralização;
• A autarcização, sendo outro dos processos de descentralização constitui uma forma de os
cidadãos gerirem o bem público para a satisfação dos seus interesses, a gestão de conflitos
e a administração dos serviços (FRELIMO, 1999).

A democracia deve significar a interação plena entre o Estado, as instituições e o


cidadão. Na visão de Touraine (1996, p. 17), “um sistema aberto – político ou econômico – é
condição necessária, mas não suficiente da democracia ou do desenvolvimento econômico,
com efeito, não há democracia sem livre escolha dos governantes pelos governados, sem
pluralismo político”.
Com o pluralismo político enquadrado num sistema político aberto, de acordo com o
consignado na Constituição multipartidária, criam-se espaços para o exercício da Liberdade
de expressão, liberdade de imprensa, liberdade de associação, liberdade de reunião, liberdade
de criar partidos políticos. Enfim, do exercício da democracia que passou a ser um elemento
importante para a consecução dos objetivos das sociedades modernas.
A edificação do Estado democrático implicou a criação e desenvolvimento de

instituições. O aparato estatal sofreu alterações significativas no que tange a sua organização e
funcionamento. Durante as últimas duas décadas, o Estado moçambicano luta por uma
modernização, através de várias transformações políticas e econômicas que fizeram com que
ele traçasse novas formas de funcionamento do aparato administrativo, para responder aos
anseios da população.
A constituição de 1990 surge como instrumento formal da consolidação da
democracia, estimulando a reorganização política e administrativa do Estado. Segundo
Lundin-Baptista (2002), o processo de mudança na sociedade moçambicana já vinha
acontecendo desde altura do regime autoritário. Mas, com a instauração do regime
democrático as mudanças conheceram outro dinamismo, passando a ostentar as características
que se seguem (quadro. 6).

105
Período de transição e consolidação de instituições democráticas 1994 – 2001
Modelo administrativo Características predominantes na estrutura política e
administrativa
Reintrodução de valores e estruturas tradicionais que estavam em
desagregação;
Legitimação das autoridades tradicionais;
Favorecimento, nepotismo, clientelismo, tradicionalismo,
arbitrariedade e corrupção;
Patrimonialismo
Desrespeito às regras – inversão de valores, práticas, costumes e
regras formais estabelecidas a favor de práticas informais
baseadas na cultura;
Aplicação do sistema consuetudinário – introdução de categorias
normativas alicerçadas pela tradição;
Presença de líderes tradicionais na estrutura administrativa e
organizacional - simbiose entre a estrutura tradicional e a
moderna;
Execução de diversas tarefas político-administrativas por
autoridades tradicionais;
Autoridade baseada na tradição e influência pessoal;
Concepção da esfera pública com base em valores da esfera
familiar
Ineficiência e ineficácia administrativa, reduzida qualidade dos
serviços prestados;
Apego às normas, formalidade, excesso de regulamentos,
uniformização de procedimentos na prestação de serviços
públicos; máquina administrativa complexa;
Burocratismo
Prevalência de algumas características do Estado burocrático e
centralizado apesar do início do processo de descentralização
política e administrativa (descentralização e desconcentração);
Aparato institucional enorme, lento, ineficiente a altamente
ritualista;
Comando de poder emanado por uma autoridade de forma
sucessiva - sistema de autoridade hierárquica;
Procedimentos complexos derivados da obediência às normas e à
hierarquia;
Máquina administrativa complexa;
a organização do aparato institucional e seu funcionamento
demonstram várias limitações em responder aos constantes
desafios do desenvolvimento socioeconômico; baixa
capacidade de provisão dos serviços públicos;
morosidade decorrente da lentidão nos procedimentos
administrativos e da estrutura institucional
Delegação de algumas competências do Estado ás organizações
públicas não estatais;
Gerencialismo
Criação de administração indireta do Estado – descentralização e
devolução da administração pública aos níveis mais próximos
da população;Democratização das instituições públicas;
Surgimento do setor público – não estatal, transferência de
atividades estatais para organizações não governamentais;
Introdução de estruturas burocráticas descentralizadas,
desburocratizadas e simplificadas nos procedimentos;Proteção
dos direitos e liberdades dos cidadãos.
Quadro 8. Lógica administrativa no período entre (1994-2001)
Fonte: FRELIMO (1989); Lundin-Baptista (2002); Egerö (1992); Moçambique (1990; 2001; 2002; 2005).

A tendência do sistema administrativo de Moçambique é a implantação de um modelo


de gestão que incorpora práticas tradicionais Com esta disposição institucional é reforçada a

106
idéia segundo a qual, “as democracias contemporâneas seguem um único e rígido molde na
organização de seus governos, que, ao contrário, podem configurar-se em sistemas diversos,
mediante variações nos seus componentes e no modo como eles se combinam uns com os
outros” (CINTRA, 2007, p. 35).
As mudanças institucionais permitiram o reaparecimento formal de relações de
dominação tradicional, através da adaptação ao sistema democrático para incorporar valores
de âmbito tradicional. Com o inicio do processo de transição democrática, o quadro político-
administrativo foi se configuram a partir de conexões entre as formas de ordenamento social
provenientes de sociedades tradicionais, modernas e contemporâneas.
Nesta parte, foi analisado o processo mais amplo de democratização em Moçambique,
mas antes de se tomarem posições conclusivas será descrito, a seguir, o processo de
implantação do programa de reestruturação estatal e suas particularidades.
4.4– Democratização e modernização do Estado (2001-2006)
Nesta seção, procura-se descrever o processo de transformação institucional no
âmbito da reforma estatal e do exercício da democracia. Neste sentido, busca-se mostrar a
conexão entre o combate a empecilhos ao bom funcionamento do Estado e a defesa da
integridade do aparato estatal num processo assente no binômio “democracia-modernização.”
Com essa finalidade, serão apresentados alguns fatores responsáveis pelo início de uma ampla
política de reestruturação do setor público, orientada por pressupostos democráticos.
O processo de democratização trouxe várias reações, na esfera social, visando à
adaptação do Estado novo ao contexto. Com a abertura política, passou-se a discutir a
pertinência da institucionalização de um aparato estatal, capaz de responder com agilidade e
transparência às principais demandas sociais. Portanto, a entrada para uma nova realidade
político-institucional foi acompanhada por muitas preocupações relativas às ações do Estado.
Neste processo, as ansiedades sociais foram se tornando crescentes e generalizadas.
Foi constatado que, o aparato estatal não conseguia adequar-se ao ritmo e à natureza
das exigências da sociedade, revelando uma necessidade de rápidas mudanças. Com esse
intuito, o ambiente político-institucional foi obrigado a mudar de fisionomia, relativamente ao
padrão de gestão pública. Assim, mesmo sem concluir a etapa da consolidação das
instituições democráticas, as atenções passaram a ser o funcionamento do setor público 70 .

70
Setor Público é o conjunto de instituições e agências direta ou indiretamente financiadas pelo Estado, tendo
como objetivo final a provisão de bens e serviços públicos. Este objetivo é perseguido pelo Governo Central,
Ministérios, Governos e Direções Provinciais, Administrações e Direções Distritais, postos Administrativos,
autarquias, Empresas Públicas, Institutos e Agências do Estado (MOÇAMBIQUE, 2001). As mudanças nesse
setor são preponderantes para a consolidação do Estado de Direito e da Democracia.

107
Com o passar do tempo, as instituições públicas perderam credibilidade, por parte da
sociedade, seu funcionamento estava muito aquém do esperado, os bens e serviços
caracterizavam-se pela má qualidade, contribuindo para que os cidadãos reagissem
negativamente face ao governo. Houve um aumento significativo da pressão social interna
visando promover mudanças reais, foram apontadas as fraquezas do Estado, as elites
dominantes foram criticadas. Nessa altura, marcada por pressões, o líder da Renamo
pronunciou-se nos seguintes termos 71 :
estamos perante instituições obsoletas e desarticuladas em relação a realidade atual. Lidamos
com instituições extremamente pesadas do ponto de vista burocrático, desatualizadas no que
diz respeito da comunidade onde se inserem. As instituições do nosso Estado estão
financeiramente falidas, os seus funcionários trabalham em condições de extrema dificuldade e
têm ainda de suportar o descrédito e a desconfiança de quem, com eles, enfrenta o dia-a-dia de
forma penosa e desesperada. Um Estado forte e próspero depende da qualidade das suas
instituições e, por isso, o caminho que Moçambique deverá trilhar tem de passar
obrigatoriamente pela reforma e credibilização da coisa pública. Um dos problemas
fundamentais é a participação da Função Pública. Esta situação traz consigo um tipo de
comprometimento e compromisso que põem em perigo o sistema democrático e adulteram o
funcionamento normal das instituições.
As inúmeras disfunções, do aparato estatal, foram responsáveis pelo desencadeamento
de pressões advindas das várias esferas da sociedade e, fortificadas pelas transformações
sócio-econômicas e políticas propiciadas pelo fenômeno globalização. Dentro da
administração pública moçambicana, a questão do fraco desempenho ou incapacidade
institucional, para a consecução dos objetivos delineados pelo Estado, é um problema muito
antigo e acompanha a evolução do próprio Estado. Mas, o cenário que se vivia nas últimas
duas décadas, em torno do aparato administrativo moçambicano, mostrou uma vez mais o
quanto era imprescindível a modernização política e administrativa do Estado.

Conseqüentemente, a medida tomada nesse sentido, surgiu para dar resposta à


situação problemática que se verifica (va) no domínio da administração pública, marcada
pela:

• morosidade;
• ineficiência;
• excessiva burocracia;
• reduzida qualidade dos serviços prestados;
• excessiva centralização;
• baixa capacidade de provisão dos serviços públicos;

71
Ver depoimentos apresentados no livro intitulado “Moçambique: Dez anos de Paz” coordenado por Brazão
Mazula (2002, p. 316-317).

108
• baixa capacidade de administração efetiva do Estado de direito
democrático;
• lentidão nos procedimentos administrativos;
• falta de mecanismos sólidos de garantia de transparência e prestação de
contas;
• existência de corrupção dentre outras disfunções organizacionais e
institucionais que se tornaram peculiares ao Aparelho Estatal
(MOÇAMBIQUE, 2001).
Assim, respondendo as necessidades de mudanças, tanto do ambiente interno como
externo 72 , das organizações públicas que operam no país, o Governo moçambicano traçou
uma estratégia (EGRSP), para que elas possam cumprir com os objetivos adjacentes à sua
criação. Portanto, a Estratégia Global 73 , assim como as várias reformas no aparato estatal que
a antecederam, representa um esforço no sentido de adequar o país às transformações e
desafios que se colocam, tanto a nível nacional como internacional, que consistem
fundamentalmente em capacitar o Estado moçambicano para melhor implementar as suas
políticas e programas de desenvolvimento, satisfazendo as necessidades prementes dos
cidadãos (MOÇAMBIQUE, 2005).

A EGRSP pode ser encarada como o resultado de um conjunto de transformações que


se observam na esfera mundial. Tais transformações enquadram-se num modelo que visa
tornar as organizações públicas efetivas, com descentralização nos processos decisórios e na
prestação de serviços; com uma estrutura descentralizada e desburocratizada nos seus
procedimentos; com transparência administrativa, defensora de padrões éticos e de uma
legislação adequada à atual forma de organização e funcionamento do aparato estatal. O
processo de transição que Moçambique conheceu, a partir da última década do século XX,
caracteriza-se por rápidas transformações sociais, políticas e econômicas, particularmente, no
domínio do seu sistema administrativo, tanto a nível central como local. A redefinição do
papel do Estado é orientada à uma democracia participativa (MOÇAMBIQUE, 2001;
LUNDIN-BAPTISTA, 2002).

72
As maiores dessas pressões provinham de organismos internacionais interessados na reestruturação do Estado.
73
O escopo da Reforma do Sector Público é vasto, e inclui: O Governo Central (Ministérios), Governos
Provinciais, Órgãos Locais do Estado, Autarquias, Empresas Públicas, Administração Eleitoral e da Justiça,
Institutos, Agências Públicas, ou seja, em todas as organizações onde houver uma efetiva participação do Estado
(MOÇAMBIQUE, 2005).

109
74
No discurso do lançamento do programa de Reforma do Setor Público (RSP) , o
Presidente Chissano reconheceu que, o funcionamento da máquina burocrática estatal era
inadequado e ineficiente, conforme se pode observar nos trechos que se seguem:

durante os 26 anos de independência, foram feitas mudanças para se ajustar o sector público à
evolução e às alterações no modelo socioeconômico do país. Apesar destes esforços, o sector
público ainda tem operado, de modo geral, com níveis baixos de qualidade de serviços
prestados aos cidadãos. (...) falamos da reforma do sector público porque não estamos
completamente satisfeitos com qualquer coisa na organização e no funcionamento deste
universo de instituições do Estado. Significa, portanto, que vamos mudar dentro do sector
público alguma coisa que precisa ser mudada para ajustá-lo de forma permanente e contínua às
políticas globais do Governo para responder aos constantes desafios do desenvolvimento
econômico e social.
Na etapa subseqüente ao lançamento desse programa governamental de reformas
institucionais, a organização e funcionamento da administração pública são marcados por
mudanças. O arcabouço institucional é submetido a um processo de análise e reestruturação
para se enquadrar no novo cenário político, econômico e social. Essa reestruturação do
ambiente institucional trouxe uma nova estrutura de poder, possibilitando a ampliação da
representação e participação dos cidadãos. As mudanças institucionais, decorrentes dessa
situação, são justificadas por Castel-Branco (1995, p. 631) nos seguintes termos:

os estados e sociedades africanas, incluindo Moçambique, são muito sensíveis a novas idéias e
fontes de pressão, provavelmente por causa da sua fraqueza institucional e econômica.
Oferecer contributos para a abordagem alternativa da problemática do desenvolvimento, isto é,
idéias podem jogar um papel crucial na promoção de mudanças importantes, melhor será se
tais idéias e pressão provenham de dentro e, sobretudo, dos grupos sociais mais interessados
nas reformas (CASTEL-BRANCO, 1995, p. 631).
As novas modalidades da administração pública surgem dentro de um ambiente onde
vários intelectuais defendem diferentes teorias críticas em relação às burocracias estatais e ao
papel do Estado.
A transição tem lugar, assim, num ambiente em que a competição econômica e política torna-
se efetiva e ampla, que aumenta o nível de participação dos cidadãos tanto na seleção dos
líderes como na influência sobre as políticas públicas e, ainda, a se consolidar as liberdades
civis e políticas, onde o Estado acaba se tornando num elemento cujo papel consiste
fundamentalmente, em fornecer princípios fundamentais, as regras de jogo, com uma função
de parceiro facilitador do e no processo de desenvolvimento (LUNDIN – BAPTISTA, 2002, p.
106).

74
O lançamento oficial deu-se a 25 de Junho de 2001 e foi precedido de dois arcabouços legais, designadamente
o Decreto Presidencial n° 5/2000, de 28 de Março, que cria a Comissão Interministerial da Reforma do Setor
Público (CIRESP) e para apoiá-la foi criada a Unidade Técnica da Reforma do Setor Público (UTRESP), através
do Decreto Presidencial n° 6/2000 de 4 de Abril. O CIRESP é órgão do governo responsável pela direção e
coordenação política da Reforma e a UTRESP tem como responsabilidade a assistência técnica, planificação
integrada, coordenação e monitoria do processo de (MOÇAMBIQUE, 2001).

110
A reforma do Setor público foi inserida no Programa governamental como uma das
principais atividades a serem implementadas. Assim, o governo instituído, em 1999,
preconizou arranjos institucionais para coordenar a reforma, visando materializar as políticas
de mudanças institucionais desenhadas. Foram identificados os problemas do setor publico e,
posteriormente, agrupados de acordo com a seguinte lógica: papel do setor público; políticas
de descentralização e desconcentração; gestão dos processos de políticas públicas; política de
desenvolvimento de recursos humanos; gestão financeira e, boa governação e combate à
corrupção (MOÇAMBIQUE, 2005).

O conteúdo do programa de reforma ilustra uma série de preocupações com a


governabilidade democrática. A RSP é orientada por postulados neoliberais que preconizam a
contração do Estado e a delegação de algumas de sua atribuições à organizações públicas não
estatais estimulando o exercício da democracia. Essa nova abordagem político-administrativa
focaliza a relação entre o Estado e a sociedade civil. A reforma do Estado, no sentido lato,
envolve vários aspetos que tem a ver com a governabilidade. As ações do setor público são
legitimadas pela sociedade por via de um relacionamento retroativo, trazendo a noção de
governabilidade que acarreta consigo questões como participação política dos atores sociais,
transparência política e administrativa assente em valores éticos e morais. A componente
cidadania tornou-se extensa com a reforma estatal, onde o exercício do poder do Estado deve
manifestar-se ao cidadão, pela resposta que este obtém dos organismos públicos, em prol do
bem-estar.

A reforma visa transformar as organizações do setor público, através de um processo


abrangente e integrado, de forma a fazer face aos diversos desafios que o Estado enfrenta,
tornando-o mais moderno, eficiente e voltado ao cidadão. Essa reforma preconiza não só
mudanças estruturais e no fluxo de papéis, mas um conjunto de ações de natureza setorial e
transversal, acarretando consigo processos de mudança, com vista a proporcionar qualidade e
eficiência na prestação de serviços públicos. A mudança de atitude e comportamento dos
funcionários perante o seu trabalho constitui seu principal enfoque (MOCAMBIQUE, 2001).

No âmbito dos objetivos globais da reforma, pretende-se melhorar a prestação de


serviços ao cidadão e desenvolver um ambiente favorável ao crescimento do setor privado
através de:

• melhoria na formulação e execução de políticas públicas;


• descentralização e desburocratização nos processos de prestação dos serviços
públicos;

111
• utilização de processos simples, modernos e a consolidação de formas de
atuação mais transparentes;
• introdução de mecanismos efetivos de prevenção e combate à corrupção;
• estabelecimento de mecanismos de participação regular dos cidadãos no
processo de gestão (MOÇAMBIQUE, 2002).
No processo de elaboração da EGRSP, as suas componentes básicas foram definidas
com base num paradigma cuja característica é:

• ser ágil, descentralizada, desburocratizada, simplificada e voltada para o


cidadão e para a qualidade dos serviços públicos;
• ser modernizada, com alta incorporação de tecnologia;
• ser democratizada e com estreita observância da lei;
• ser transparente nos procedimentos e avaliação de bens e serviços públicos;
• ser dotada de servidores do público que sejam efetivos, qualificados e
profissionais (MOÇAMBIQUE, 2002).
O contexto democrático, que se vive em Moçambique, abriu canais apropriados para
que se faça cobrança intensa da ética e transparência na condução dos negócios públicos. A
busca de transparência, numa sociedade democrática, acarreta consigo a necessidade de se
criar ou melhorar mecanismos de controle institucional sobre as burocracias e os agentes que
nela trabalham. Os diagnósticos oficiais mostram a necessidade urgente de uma atuação,
decisiva capaz de modificar as estruturas administrativas, nesse sentido. Aliás, os relatórios
apresentados pelas instâncias que acompanham diretamente a corrupção revelam a existência
de um índice elevado desse mal e o conseqüente efeito sócio-econômico. Por isso, tornaram-
se pertinente o desencadeamento de ações e estratégias, constantes, conducentes a um cenário
capaz de minorar ou até eliminar os efeitos que a corrupção propicia.

Neste processo, a separação clara entre a esfera política (local da tomada de decisões e
concepção de diretrizes básicas para os gestores públicos) e a esfera administrativa, cuja
dinamização é feita através da concepção de uma ampla liberdade, é essencial para garantir a
cobrança de resultados e estabelecer transparência e condições de accountability.

Com essa visão, a questão da corrupção passou a ser vista como um mal a ser,
rapidamente, combatido, pois, trata-se de uma problemática que se tornou generalizada na
sociedade moçambicana, pondo em causa as instituições estatais. Esse fenômeno se enraizou
com o início da transição política. Durante o regime autoritário, “a corrupção não era tolerada
e a liderança política era vigorosa na punição dos que abusavam o bem público” (MOSSE,

112
2004). De acordo com a Estratégia Anti-Corrupção (EAC), inserida na ESRSP, as principais
causas da corrupção em Moçambique são a:

• fraqueza de aplicação de leis e regulamentos;


• falta de prestação de contas das instituições ;
• fraqueza dos mecanismos de controle e supervisão;
• fraqueza do cometimento dos gestores da administração no combate a
corrupção;
• prática do nepotismo e favoritismo e;
• fraqueza da sociedade civil no combate a corrupção.
Com a alteração do regime político, o Estado moçambicano passou a funcionar de forma
menos autoritária e a atuação da administração publica mudou, permitindo que certas práticas
não éticas fossem implantadas no aparato estatal, o que compromete o desempenho do setor
público. Dai que, passou a haver esforços no sentido de se melhorar a capacidade de resposta
do Estado. Os servidores públicos têm sido apelados para mudar o seu comportamento. Várias
medidas foram tomadas para que o aparelho do Estado possa revolucionar-se, equipar-se
melhor, fortalecer-se e democratizar mais as suas relações com os cidadãos. O Estado tornou-
se liberal e precisa de se apetrechar para responder aos problemas sociais e contribuir para o
progresso social.
No entanto, depois do início das reformas, houve mudanças 75 mas o que preocupa a maioria
da população é a persistência de males como o burocratismo excessivo, favoritismo, tráfico de
influências, nepotismo e o crescimento dos índices de corrupção. O mais grave é a
inexistência ou a ineficácia da responsabilização dentro da função publica. Considerando que
as mudanças, verificadas na esfera social, econômica política, jogam um papel preponderante
para a consolidação da democracia, deve haver maior preocupação por parte dos
administradores do Estado, incluindo outros funcionários em garantir transparência,
flexibilidade e ações voltadas ao cidadão.
O desempenho do setor público é largamente afetado por ações corruptas na medida
em que, causam problemas cujos efeitos comprometem a sua capacidade administrativa. A
corrupção constitui um sintoma da fraqueza do sistema administrativo desse setor, o que

75
Antes de mais, o realismo deve nos levar a reconhecer as mudanças substanciais que ocorreram desde o
acordo de paz: há uma separação formal dos três poderes; o parlamento assume cada vez mais o seu papel
fiscalizador do executivo e toma gradualmente mais iniciativas legislativas; foram formuladas múltiplas
iniciativas setoriais com vista a um desenvolvimento mais eficiente; foi iniciado um processo de
descentralização gradual; ganhou-se experiência na gestão de processos eleitorais; partes da sociedade civil
começaram a organizar-se numa pletora de organizações e associações (TOLLENAERE, 2002, p. 242).

113
mostra a reduzida capacidade institucional para a realização das funções fundamentais do
Estado. Alguns funcionários públicos passaram a usar suas posições para extraírem rendas e
subornos, além de outras formas de desvios usadas para satisfazer seus interesses individuais.
De acordo com Mosse (2006, p. 8), “nenhum setor ficou imune às práticas de suborno e
extorsão, de chantagem e peculato, de favorecimento e nepotismo”.

Para Stavage (2000), o aumento da corrupção em Moçambique resulta da redução


salarial na Função Pública e da disparidade entre os salários do setor público e do privado. No
que tange a fatores éticos e organizacionais do Estado, esse fenômeno é corolário de
mudanças de condições básicas para seu controle de acordo com o modelo principal-agente.
As estruturas de monitoria dos burocratas e os mecanismos de prestação de contas pelas suas
ações enfraqueceram no decurso da transição para a democracia. Por conseguinte, cenários
propícios para a prática da corrupção apareceram porque os oficiais das agências de controle
passaram a atuar de forma independente. Por este motivo, seus esquemas de suborno e
cobrança ilícitos deixaram de ser controlados por esquemas governamentais centralizados.

Entretanto, os principais aspetos que compõem a EGRSP sinalizam a intenção de se


estabelecer uma nova forma de organização e funcionamento das instituições públicas, dentro
do quadro da consolidação da democracia, transparência administrativa. Ao lançar a EAC, no
quadro da reforma e modernização administrativa em curso, o governo demonstrou que
pretende:

• democratizar o setor público conferindo-lhe elevado grau de


institucionalização de formas participativas, permitindo a identificação dos
anseios e necessidades dos cidadãos, e procurar espaços para a sociedade
participar na busca de soluções;
• garantir transparência no que tange a utilização de bens e recursos públicos,
assim como em aspetos atinentes a procedimentos e apresentação de
resultados, e
• que os setor público seja intransigente no combate às práticas corruptas ou
fraudulentas, mantendo um corpo de funcionários com forte moral e ética de
servir aos cidadãos e não aos seu próprios interesses.

O processo de implantação desse programa busca encontrar um mecanismo para


conferir maior flexibilidade institucional. Os ditames da reestruturação administrativa
estabelecem as premissas e os pressupostos básicos para que se estabeleça, em Moçambique,
uma administração do tipo gerencial, embora o sistema administrativo incorpore práticas
tradicionais oriundas da organização sócio-cultural do país, espelhando práticas
patrimonialistas acopladas ao sistema burocrático (ver quadro 9 ).

114
Período de democratização e modernização do Estado 2001– 2006
Modelo administrativo Características predominantes na estrutura política e
administrativa
1. persistência de práticas corruptas, discricionariedade,
favorecimento, nepotismo, clientelismo, tradicionalismo,
arbitrariedade, chantagem e peculato;
2. desrespeito às regras – inversão de valores, práticas, costumes e
regras formais estabelecidas a favor de práticas informais baseadas
na cultura;
Patrimonialismo 3. aplicação do sistema consuetudinário – introdução de categorias
normativas alicerçadas pela tradição;
4. presença de líderes tradicionais na estrutura administrativa e
organizacional do Estado - simbiose entre a estrutura tradicional e
a moderna;
5. execução de diversas tarefas político-administrativas por
autoridades tradicionais;
6. autoridade baseada na tradição e influência pessoal, uso de
posições sociais para a extração de rendas;
7. concepção da esfera pública com base em valores da esfera
familiar
1. ineficiência e ineficácia administrativa, reduzida qualidade dos
serviços prestados;
2. prevalência de algumas características do Estado burocrático e
centralizado apesar do processo de descentralização política e
administrativa em curso;
3. a organização do aparato institucional e seu funcionamento
Burocratismo demonstram várias limitações em responder aos constantes
desafios do desenvolvimento sócio-econômico; baixa capacidade
de provisão dos serviços públicos;
4. morosidade decorrente da lentidão nos procedimentos
administrativos e da estrutura institucional;
5. comando de poder emanado por uma autoridade de forma
sucessiva - sistema de autoridade hierárquica;

1. busca pela agilidade e transparência;


2. busca pela descentralização nos processos decisórios e na
prestação de serviços;
3. simplificação dos procedimentos administrativos;
4. horizontalização das estruturas organizacionais através da
Gerencialismo eliminação de instâncias decisórias excessivas;
5. ascensão de práticas empresariais no setor público;
6. publicização das ações do Estado;
7. participação da sociedade civil no processo decisório;
8. criação de mecanismos de responsabilização das burocracias
9. administração voltada ao cidadão;
10. estímulo ao empreendedorismo;
11. racionalização e contenção de gastos públicos;
12. busca pela transparência política e administrativa;
13. incorporação tecnológica
Quadro 9. Lógica administrativa no processo de modernização estatal (2001-2006)
Fonte: FRELIMO (1999); Lundin-Baptista (2002); Moçambique (2001; 2002; 2005).

De acordo com Vieira (2005), a reconstrução do Estado moçambicano deu-se a partir


de uma situação de colapso, mesmo assim permanece como uma entidade “hibrida” na qual
convivem, em disputa, lógicas sociais diferentes nomeadamente: liberalização,
democratização e patrimonialismo. A estrutura político-administrativa moçambicana continua
115
sendo influenciada por características instituídas na sua gênese tal como o clientelismo,
nepotismo e o patrimonialismo.
Por seu turno, Weimer (2002, p.56) ao se debruçar sobre os aspetos da reforma do
sistema de administrativo do Estado moçambicano, considera que o cenário atual prevalece a
cooptação. Argumenta que, “as classes políticas apesar dos esforços e tentativas de levar a
cabo reformas profundas em prol de um cenário real de convivência democrática ou cultura
democrática, acabam de perder um momento impar criado pelo AGP para democratizar e
descentralizar o sistema governativo”.
Segundo Lundin-Baptista (2002, p. 134), “as reformas foram pensadas e estruturadas
em forma de políticas e estão a ser implementadas dentro da realidade do país com algum
sucesso, avanço e recuos.” Nos dez anos que se seguiram ao AGP, observou-se uma
tendência que, em vez de recriar, com vontade, visão e sabedoria política um Estado
moçambicano fortemente alicerçado nas comunidades e distritos, ou seja, na base
social, cultural e econômica e política do país na sua diversidade, privilegiaram-se
tendências centralizadoras – apesar da retórica de descentralização (WEIMER, 2002,
p. 55).

Esta situação mostra que, a modernização política e administrativa, obedece a um


ritmo determinado pelas condições provenientes do país real. Nesta ordem de idéias, tais
elementos condicionantes proporcionam um efeito catalisador ao processo de mudanças no
sistema burocrático.
Depois da descrição feita, urge indagar como se comportou a economia no quadro das
mudanças institucionais operadas a partir de 1975. A resposta a esta preocupação será dada na
seção que se segue.
4.5 – Situação econômica no decurso das mudanças político-institucionais
As transformações político-institucionais, iniciadas com o advento da independência,
tiveram repercussões sobre a economia. Com o fim do período colonial, a economia
planificada e centralizada tornou-se a primeira opção econômica tomada pelo novo regime
político.
O funcionamento da economia espelhava a situação política e social, ocasionada por
razões históricas e, por várias vicissitudes. . Assim, o percurso da economia moçambicana
revelou situações adversas que comprometeram essa tentativa de criar uma base sócio-
econômica melhor, em relação à que foi herdada.
Durante o período em que se operavam mudanças de caráter político-administrativo, a
economia sofreu crises sucessivas.

116
De acordo com Castel-Branco (1995, p. 581), num período de duas décadas a
economia de Moçambique “sofreu tremendos choques: da crise estrutural do colonialismo à
do mercado “livre”, passando de uma fase de ortodoxia “socialista” centralizada”.
A economia do país sofreu um declínio acentuado devido à retirada súbita dos
colonos; à sabotagem da maquinaria e o abandono dos empreendimentos econômicos; ao
insucesso das políticas socialistas 76 , adotadas pelo regime marxista-leninista. “As explicações
mais tradicionais e fáceis para o fracasso das estratégias econômicas são a guerra,
calamidades naturais, a deterioração dos termos de troca internacionais e políticas
inadequadas do passado” (CASTEL-BRANCO, 1995, p. 582).
Na sua reflexão sobre a economia, Ratilal (2002, p. 254) considera que, “as empresas,
também enfrentaram, em anos sucessivos, as calamidades naturais, enfrentaram a crise
resultante das oscilações de preços no mercado mundial, principalmente o choque dos preços
internacionais, assim como os efeitos da deterioração dos termos de troca”.
Diante desses constrangimentos, a situação econômica piorou consideravelmente e,
essa debilidade afetou a componente social. Nessa altura, a instabilidade política, econômica e
institucional era a característica dominante do Estado.
Não obstante, as estratégias concebidas pela Frelimo, o país denotava sinais de
fragilidade econômica e uma pobreza alarmante, significando uma grave contrariedade ao
sonho de desenvolvimento rápido manifestado pelo governo quando assumiu o poder. “Esse
sonho de progresso, essa promessa de desenvolvimento social tinham animado o projeto da
independência e justificou opções mais duras, dramáticas e dolorosas do passado” (CABAÇO,
1995, p. 91).
A transição do regime autoritário ao liberal foi acompanhada por uma ampla reforma
econômica para tirar a economia da situação de colapso em que se encontrava. Foram
introduzidas alterações na esfera econômica, resultantes da adoção de medidas de ajuste
estrutural. O PRE começou a ser implementado, em 1987, como forma de criar uma
estabilização e ajustamento estrutural, cuja finalidade é restabelecer a produção e a melhoria
dos rendimentos individuais para lançar a economia, através da iniciativa privada e das forças
propulsoras provenientes do mercado (MOÇAMBIQUE, 2001b).

76
O insucesso do PPI constitui exemplo de um Programa governamental concebido com o intuito de elevar os
índices de desenvolvimento através da eliminação do subdesenvolvimento dentro de um período de dez anos.

117
Essa medida não conseguiu evitar que o crescimento econômico continuasse lento até
a primeira metade da década de 1990 77 . Paralelamente, em virtude da liberalização política,
foi concebida e implementada uma reforma no setor público para reduzir o intervencionismo
estatal na economia. Assim, o Estado contraiu o seu poder sobre o domínio econômico,
permitindo que outros atores participassem ativamente nas atividades econômicas.
O processo de transição, e sua complexidade caracterizada por re-arranjos, re-
configurações e re-combinações (VIEIRA, 2005), afeta, significativamente, a economia
através das transformações políticas e econômicas, pelas quais Moçambique vem passando.
As desigualdades, na distribuição de renda e entre regiões do país, aumentaram. Para justificar
tal situação, podem ser destacados alguns fatores, tais como os condicionantes históricos e
geográficos do país, as características básicas da economia 78 e a dependência externa.
O país teve que reiniciar o seu processo de desenvolvimento, atrelado numa nova
perspectiva política e econômica, mas tais condicionantes provocam certos entraves ao
progresso econômico e social.
Em paralelo ao processo de pacificação e transição do regime monopartidário ao
multipartidário, seriam criadas instituições democráticas que se estabeleceriam,
progressivamente, na sociedade. Este processo compreendia, também, ações
fundamentalmente relacionadas com a vertente econômica, visando à criação de um clima
favorável para o bom desempenho da economia moçambicana.
Até 1992/3, devido à situação problemática da economia, Moçambique figurava entre
os países com economias mais baixas do mundo, como se pode constatar através da análise
dos índices de valores de alguns indicadores econômicos do período entre 1974 e 1993,
apresentadas por Castel-Branco (1995). A tabela 3 ilustra os valores anuais destes
indicadores, ajuda a compreender como a economia reagiu a várias crises que enfrentou
durante os primeiros quinze anos do período pós-independência política, em Moçambique.
Tal período coincide com a vigência do regime socialista, onde a economia estava sob
responsabilidade direta do Estado.

77
A década anterior marca a chegada da democracia, mas é considerada década perdida porque muitas políticas
neoliberais lograram num fracasso, não conseguiram alcançar os índices que haviam sido propostos.
78
A economia de Moçambique é fortemente influenciada por uma série de fatores estruturas que determinam o
seu potencial, nível de rendimento e a sua distribuição, capacidade de ajustamento, flexibilidade,
complementaridade e grau de eficiência. Tais fatores são, nomeadamente, os seguintes: o padrão de acumulação
de capital que entrava o progresso, a debilidade das ligações inter e intra sectoriais, a diferenciação social e
regional profundas, a pequena dimensão e fragmentação dos mercados domésticos e a fraqueza da base
institucional, humana e tecnológica (CASTEL-BRANCO, 1995, p. 585).

118
Tabela 3: Índice de valores de alguns indicadores econômicos no período de 1974 a 1993 (ano base é 1974
=100; para exportações é 1981 = 100)
Anos Produção Interna Produção Industrial Produção Agrária Receitas de
Bruta Per Capita Exportação

1974 100 100 100 ___


1977 ___ 66 57 ___
1981 87 78 61 100
1986 ___ 33 48 50
1987 50 36 51 56
1989 53 41 56 63
1991 52 32 52 70
1992 49 27 47 60
1993 50 25 51 60

Fonte: Castel-Branco (1995, p. 58)

Entretanto, a partir da segunda metade da década de 1990, o desempenho da economia


moçambicana tornou-se notável pelos sucessos anunciados. O Banco Mundial desencadeou
uma série de estudos em 1992, e concluiu que Moçambique era um dos países mais pobres do
mundo. Porém, a partir da segunda metade da década de 90, Moçambique notabilizou-se por
ter atingido uma das mais altas taxas de crescimento econômico, passando a ser a economia
africana com o crescimento mais rápido. A taxa real média anual, entre 1994 e 2000, estava
acima dos 8%, e nos três anos seguintes ultrapassou os 10%. A agricultura cresceu em média
9% ao ano, entre 2000 e 2003. Nesse período o nível de pobreza decresceu,
consideravelmente, porém as desigualdades quanto ao rendimento e à riqueza continuam
evidentes, sendo possível que tenham até aumentado em algumas regiões (OCDE, 2005). Este
país, tem vindo a registrar passos significativos visando normalizar a vida socioeconômica
depois dos 16 anos do conflito armado que deixaram literalmente o país de rasto (SITOE e
HUNGUANA, 2005). No período entre 1994 a 1999, a taxa real de crescimento econômico
esteve acima de 8 por cento ao ano 79 . Em 2001, ao lançar o Plano de Ação para a Redução da
Pobreza Absoluta (PARPA) 80 , o governo moçambicano revelou que,

foram alcançados sucessos assinaláveis(...) Moçambique atingiu um crescimento econômico de


cerca de 8 por cento, em termos reais, num ambiente de estabilização económica e política. A
democracia e a paz foram fortalecidas e o povo moçambicano continua a sua luta na procura

79
Segundo dados apresentados por Vieira (2005, p. 96), entre 1995 e 1999, a média do crescimento econômico
em Moçambique, foi da ordem de 8,5 %; em 2001, 2002 e 2003 essas taxas foram de 13.7, 7.4, e 7.1%
respectivamente.
80
Trata-se do primeiro PRSP (Poverty Reduction Strategy Paper) de Moçambique.

119
do progresso. A estabilidade e as diferentes reformas prosseguidas permitiram que o PIB per
capita tenha alcançado 230 USD, em 2000, melhorando substancialmente os rendimentos
quando comparados com os de há 5 anos (MOÇAMBIQUE, 2001 b, p.2).
Embora tenha havido progressos, prevalecem alguns problemas sociais e econômicos
graves, que fazem com que Moçambique continue inserido na lista dos países mais pobres do
mundo. Os índices de pobreza ainda são elevados, embora os sucessivos governos considerem
o seu combate uma prioridade das ações governativas. A pobreza foi definida oficialmente
como sendo a “incapacidade dos indivíduos de assegurarem para si e para seus dependentes
um conjunto de condições básicas, voltados para subsistência e bem estar, segundo as normas
da sociedade ” (MOÇAMBIQUE, 2001b; p.10). A linha de pobreza absoluta foi estimada com
base no consumo de 2.150 kilocalorias por pessoa por dia, acrescida de uma porção
determinada de despesa não alimentar. Em termos monetários representa um dólar americano,
por dia por pessoa.

De acordo com dados do recenseamento geral de 1997 81 , Moçambique tem uma


população estimada em 16,5 milhões de habitantes, sendo 52% da mesma constituída por
mulheres. A média por família é de 4.1 pessoas, e a expectativa de vida é de 44 anos. A
pirâmide etária mostra uma estrutura na qual se percebe que a população é consideravelmente
jovem: 46% do total da população têm menos de 15 anos, enquanto que a população
economicamente ativa representa 36,7% (INE, 1997).

Levantamentos realizados, em 2000-2002 pelo Cruzeiro do Sul – Instituto de


Investigação para o Desenvolvimento (NEGRÃO, 2002), mostraram que, em média, os
rendimentos brutos per capita por dia estavam abaixo dos 0,50 dólares americanos, variando
entre 0,18 e 0,47 na parte mais pobre da população.

A análise dos dados do Inquérito aos Agregados Familiares (IAF) de 1996/97 permitiu
desenvolver um perfil detalhado da pobreza em Moçambique. A incidência da pobreza
absoluta atingia em média 70% da população, sendo notáveis os desequilíbrios entre as zonas
urbanas e rurais. O IAF possibilitou também a identificação dos determinantes principais da
pobreza no país: crescimento lento da economia até ao começo da década de noventa; fraco
nível educacional dos membros do agregado familiar em idade economicamente ativa, com
maior destaque para as mulheres; elevadas taxas de dependência nos agregados familiares;
baixa produtividade da agricultura familiar; falta de oportunidades de emprego dentro e fora
do setor agrícola; e fraco desenvolvimento de infra-estruturas, em particular nas zonas rurais.

81
Atualmente, a população moçambicana está acima de vinte milhões de habitantes.

120
Para todas as comparações a situação de Maputo Cidade é muito diferente, tendo
índices de pobreza consideravelmente menores que o resto do país em quase todas as
dimensões. As oportunidades de fontes de emprego e rendimento são maiores e, em muitos
casos, as melhores infra-estruturas sociais estão concentradas na capital. No entanto, a questão
da pobreza não deixa de ser central para a Cidade de Maputo, e apesar do seu caráter urbano e
de suas especificidades, muitas características relacionadas à pobreza manifestam-se também
aqui: altas taxas de dependência demográfica, baixa produtividade, disparidade de gênero na
educação, infra-estruturas precárias nas áreas peri-urbanas, etc.

Além de sofrer com uma pobreza material aguda, grande parte da população de
Moçambique também enfrenta um elevado nível de vulnerabilidade aos choques naturais e
econômicos. Essa dimensão da pobreza foi evidenciada pelos resultados trágicos das cheias
que atingiram o país em 2000, bem como pelas carências causadas nos últimos anos pelos
baixos preços no mercado internacional dos produtos agrícolas principais.

Em abril de 2001, o Conselho de Ministros do Governo de Moçambique aprovou um


Plano de Ação para Redução da Pobreza Absoluta (PARPA 2001-2005), o primeiro plano
estratégico de médio prazo do país destinado a combater a pobreza. O programa foi uma das
condições impostas, pelo FMI e BIRD, para o perdão da dívida externa. Seis áreas
fundamentais de atuação foram definidas: educação, saúde, agricultura, infra-estrutura básica,
boa gestão pública, e gestão macro-econômica e financeira (MOÇAMBIQUE, 2001b).

O PARPA está inserido no âmbito das metas prioritárias dos Objetivos de


Desenvolvimento do Milênio, estabelecidos pelas Nações Unidas, onde foram propostos
desafios a serem enfrentados num horizonte temporal de 25 anos (1990-2015). As linhas
estratégicas do PARPA derivam do diagnóstico apresentado na primeira avaliação da pobreza
em 1998, de acordo com dados do Inquérito Nacional aos Agregados Familiares (IAF), do
Instituto Nacional de Estatística (INE) de Moçambique (MOÇAMBIQUE, 2001b).

O programa teve como pressuposto básico o crescimento econômico, entendido como


um instrumento essencial para a redução da pobreza a médio e longo prazo. A estratégia foi
estimular os investimentos externos e o aumento da produtividade, fixando como meta o
alcance de uma taxa média anual de crescimento de 8%, durante os quatro anos de vigência
do programa (2001-2005), tal como aconteceu de 1997 a 2001.

Assim, mantido o crescimento estável da economia, como de fato ocorreu, segundo


informações do governo (MOÇAMBIQUE, 2004a), o objetivo principal do PARPA seria a

121
redução da incidência da pobreza absoluta do nível de 70% em 1997, para menos de 60% em
2005, e menos de 50% até 2010 (MOÇAMBIQUE, 2001).

Na primeira avaliação do programa, com base em uma segunda pesquisa nacional


realizada pelo INE em 2002-2003, a incidência da pobreza diminuiu 15 pontos percentuais, de
69,4 % para 54,1 %. Esse fato foi considerado pelo Banco Mundial como uma garantia de
sucesso do programa, classificado de altamente positivo (MOÇAMBIQUE, 2004a).

Nas diversas conferências, a saúde da economia é certificada pelos sucessos macroeconômicos


que, por sua vez, têm facilitado o incremento do investimento estrangeiro. Para validar o
modelo econômico, salientam-se os elogios dos doadores e investidores que destacam o nosso
país como sendo uma das economias de mais rápido crescimento e que facilita o investimento
privado (RATILAL, 2002, p. 254).
Entretanto, existem críticas quanto aos indicadores utilizados na medição da pobreza
em Moçambique, principalmente por não levarem em consideração o HIV/AIDS e seus
impactos.

Enfim, as sucessivas crises podem ser explicadas com base nas suas “principais
características socioeconômicas, institucionais e históricas da economia moçambicana, que
influenciam na escolha de opções e resultados obtidos” (CASTEL-BRANCO, 1995, p. 583).
Diante disso, a seguir são analisados alguns resultados do PARPA, em especial nas áreas de
educação e saúde, tendo em vista suas propostas, o contexto em que ele foi implementado, e
os indicadores utilizados na avaliação.

4.5.1- Visão estratégica do PARPA (teoria de programa)

Antes de mais nada é importante ressaltar que a estratégia de redução da pobreza em


Moçambique, desenvolvida pelo governo e por parceiros internacionais, através do PARPA
2001-2005, teve como pressuposto básico a manutenção da paz e da estabilidade sócio-
política, tendo em vista que o país atravessou uma guerra que durou 16 anos, de 1976 a 1992.

Os programas anteriores de combate a pobreza, no país, enfatizaram medidas de curto


prazo, diferente do PARPA 2001-2005, que alargou a visão estratégica ao reconhecer também
a importância de medidas longo prazo para o combate à pobreza, através de políticas que
focavam um crescimento econômico abrangente.

O governo de Moçambique teve como objetivo específico, ao implementar o PARPA,


a redução da incidência da pobreza absoluta, do nível de 70 por cento em 1997 para menos de
60 por cento em 2005, e menos de 50 por cento até 2010.

122
Para um país como Moçambique, considerado um dos mais pobres do mundo, de
acordo com estudos realizados pelo Banco Mundial (NEGRÃO, 2002), o crescimento
econômico rápido é entendido como um instrumento essencial para a redução da pobreza a
médio e longo prazo. Para o governo, sem crescimento, o objetivo de aumentar as capacidades
e expandir as oportunidades para os pobres continuaria limitado pela falta de recursos
públicos e privados. Assim, a estratégia do programa incorporou políticas comprometidas a
criarem um ambiente propício que estimulassem os investimentos e o aumento da
produtividade, fixando como meta prioritária o alcance de uma taxa média anual de
crescimento do PIB de 8% (MOÇAMBIQUE, 2001b).

A estratégia também inclui políticas e programas para assegurar que o crescimento


seja abrangente, de modo que os pobres se beneficiem, especialmente no que diz respeito ao
acesso de ativos (incluindo a elevação da capacidade humana) e a possibilidade de seu uso
eficiente pelos cidadãos, famílias e outras instituições, particularmente nas áreas rurais.
Adicionalmente, a implementação dos componentes do programa levava em consideração a
necessidade de um melhor equilíbrio regional, com especial atenção às regiões com maior
concentração de pobres.

Concretamente, a estratégia de redução da pobreza em Moçambique foi baseada em


seis prioridades para a promoção do desenvolvimento humano e a criação de um ambiente
favorável ao crescimento. As áreas de ação fundamentais são as seguintes: educação; saúde;
agricultura e desenvolvimento rural; infra-estrutura básica; boa gestão pública; e gestão
macro-econômica e financeira. Essas áreas de ação são consideradas fundamentais pelo
governo de Moçambique por serem compreendidas como essenciais para a redução da
pobreza e para o crescimento, tendo em vista seus prováveis efeitos (MOÇAMBIQUE,
2001b).

Educação

na perspectiva do Governo de Moçambique (2001b), o acesso a educação contribui


diretamente para o desenvolvimento humano, aumentando as capacidades e oportunidades
para os pobres, promovendo maior equidade social, regional e de gênero. A educação é
também essencial para o crescimento rápido, porque expande a quantidade e qualidade do
capital humano no processo de produção, assim como a capacidade da nação em absorver
novas tecnologias. Os principais objetivos na área da educação incluem o alcance de educação
primária universal, e a expansão da educação secundária, educação não-formal, e educação
técnica-profissional. O PARPA inclui um compromisso de combate ao HIV/AIDS através das
123
escolas. Tendo em vista as carências de capacidades técnicas e de gestão, que atuam como um
constrangimento ao crescimento econômico, o programa levanta a necessidade de expandir e
melhorar o sistema de ensino superior. Nesse sentido, um programa de educação foi proposto
para cada nível, embora a maior parte dos recursos tenham sido alocado ao ensino primário.

As principais ações propostas pelo PARPA na área da educação são as seguintes:

• revisão e reformulação do currículo do ensino primário;


• formação anual de 1680 professores primários, garantindo o aumento de
professores do sexo feminino em 2% ao ano (através de um programa de
bolsas de estudo para este fim);
• construção anual de 1500 salas de aula tendo em conta a necessidade de
redução das disparidades provinciais e regionais (rurais/urbanas);
• formar 5000 alfabetizadores voluntários por ano.
• construir e equipar escolas elementares agrícolas e de artes e ofícios;
• fazer a revisão curricular do ensino técnico;
• garantir nos currículos dos cursos de formação de professores a existência
de matérias adequadas de ética;
• implementar a criação e operação de um fundo de financiamento de
estudantes moçambicanos do ensino superior;
• incluir conteúdos sobre educação e prevenção do HIV/AIDS, nos
currículos escolares;

Saúde

O programa enfatiza que o setor de saúde representa um papel importante na melhoria


direta do bem-estar dos pobres, ao mesmo tempo em que imprime um crescimento econômico
rápido através de uma melhor qualidade do capital humano. Os principais objetivos na área da
saúde incluem a expansão e melhoria da cobertura dos cuidados primários através de
programas especiais para grupos alvo, tais como mulheres e crianças; uma campanha visando
reverter a tendência atual expansiva da epidemia HIV/AIDS; maiores esforços para combater
doenças endêmicas, com destaque para malária, diarréias, tuberculose, e lepra. A estratégia na
saúde inclui também iniciativas ligadas a outras categorias, tais como provisão de água (infra-
estrutura) e segurança alimentar (agricultura) (MOÇAMBIQUE, 2001b).

As principais ações propostas pelo PARPA na área da saúde são as seguintes:

• reduzir a taxa de mortalidade materna intra-hospitalar;


124
• aumentar a cobertura de primeiras consultas de criança entre 0-4 anos de
60% para 68%;
• assegurar que pelo menos 75% das crianças nascidas nos próximos 10 anos
tenham vacinação completa antes do primeiro ano especialmente nas zonas
rurais.
• realizar acções preventivas essenciais de boa qualidade para 2.310.000
pessoas reconhecendo ter tido relações sexuais com parceiros irregulares,
compreendendo: tratamento de DTS, aconselhamentos e testes voluntários,
controle de transfusão de sangue, testes para sífilis;
• realizar campanhas de educação, informação e comunicação sobre
HIV/AIDS, inclusive representações teatrais para 3.900.000 pessoas;
• garantir a distribuição de preservativos para 4.500.000 pessoas vivendo
com HIV.
• construir ao nível da rede primaria da saúde 65 novos centros de saúde,
reabilitar e ampliar pelo menos 16 centros de saúde;
• formação de 3000 técnicos de saúde de nível básico e elementar; formação
de 900 técnicos de nível médio; formação de 75 médicos especialistas em
áreas prioritárias
Agricultura e desenvolvimento rural

A agricultura contribui com quase um terço do PIB de Moçambique, com a parte


predominante da produção provindo do setor familiar, que abrange mais de 3 milhões de
famílias. Por isso, a agricultura e o desenvolvimento rural foram áreas prioritárias na
estratégia da redução da pobreza e crescimento abrangente. O objetivo principal do
desenvolvimento rural foi o incremento de oportunidades geradoras de rendimentos,
particularmente para o setor familiar. No entendimento do governo, a geração de rendimentos
depende de avanços agrários que estimulem o aumento da produtividade, mas também e,
fundamentalmente, de acesso a mercados. A expansão da produção da agricultura, de acordo
com o documento oficial do PARPA (MOÇAMBIQUE, 2001b), seria realizada com suporte
de programas de extensão rural com objetivos concretos de culturas e tecnologias específicas,
bem como melhorias do sistema financeiro. A estratégia de desenvolvimento rural e da
agricultura concentrou-se na aplicação da política de segurança alimentar, fundamental para a
redução da pobreza.

125
As principais ações propostas pelo PARPA na área da agricultura e desenvolvimento
rural são as seguintes:

• disseminar a informação sobre as opções tecnológicas para os diferentes


sistemas de produção e treinar produtores na aplicação das demonstrações,
através do alargamento da base de ação da extensão rural;
• estabelecer ligações entre fornecedores de insumos agrários e utilizadores
(produtores e associações);
• desenvolver variedades melhoradas de culturas prioritárias (testes e
multiplicação), com um aumento da colaboração efetiva com extensão,
universidades, organizações não governamentais, e o setor comercial;
• promoção de criação de animais de pequeno porte, especialmente pelas
mulheres para a diversificação de oportunidades de geração de renda;
• reabilitar infra-estruturas físicas pecuárias, laboratórios de análises e
diagnóstico e postos de fomento pecuário;
• organizar o cadastro nacional de terras, incluindo a inventariação e
delimitação de terras comunitárias;
• apoiar a consolidação e iniciativas de criação de 30 instituições rurais de
micro-finanças.

Desenvolvimento de infra-estruturas básicas

Um papel fundamental do Estado para dinamizar o desenvolvimento de uma economia


de mercado e expandir as oportunidades para os pobres, de acordo com o programa, é o
desenvolvimento de infra-estruturas básicas. Dessa forma, a melhoria da rede de estradas
representaria um melhor acesso a mercados, uma redução de custos, e melhorias na
comunicação e mobilidade, em especial para as populações que vivem nas zonas rurais e
dependem da agricultura. Em paralelo, a provisão de água e energia foram apontadas como
fundamentais para o desenvolvimento do capital humano e para o aumento da produção
nacional. A reabilitação e construção de infra-estruturas básicas tencionavam priorizar as
zonas do país com maior concentração populacional e níveis de pobreza (MOÇAMBIQUE,
2001b).

As principais ações propostas pelo PARPA na área do desenvolvimento de infra-


estruturas básicas são as seguintes:

126
• reduzir a menos de 5% as estradas intransitáveis; reduzir para 25% as
estradas de má qualidade (realizando manutenção com uso intensivo de
mão-de-obra);
• ligar os distritos (com maior potencial econômico) às capitais provinciais
(e/ou cidades portuárias) através de estradas transitáveis todo o ano;
• prosseguir com o programa de instalação de centrais térmicas em 42 sedes
distritais;
• prosseguir com a ampliação da rede nacional de transporte de energia
eléctrica com a construção de novas linhas;
• elevar a cobertura para 50% no abastecimento de água à população urbana
e peri-urbana, através da reabilitação dos sistemas de abastecimento e
redução de perdas;
• elevar a cobertura para 40% da população no abastecimento de água à
zonas rurais, abrangendo 6 milhões de pessoas em 2004.

Boa gestão pública

Boa gestão pública é uma das condições fundamentais para o sucesso da estratégia de
redução da pobreza e para a provisão de serviços públicos para os pobres. É também um fator
crítico para atingir o crescimento econômico rápido e sustentável. O programa incluiu em
suas ações, políticas para promover a boa gestão pública de várias formas, incluindo as
seguintes: descentralização e devolução da administração pública a níveis próximos da
população; reforma das instituições públicas para melhor responderem às necessidades do
povo, iniciando a simplificação de procedimentos burocráticos com vista a eliminar a
exclusão social; programas para reforçar a capacidade e eficiência do sistema legal e judicial;
melhorar a segurança pública; proteger os direitos e liberdades dos cidadãos; impor o
cumprimento dos contratos e facilitar a resolução de disputas; e o desenvolvimento de um
programa focalizado para reduzir e conter a corrupção em todos os níveis (MOÇAMBIQUE,
2001b)

As principais ações propostas pelo PARPA na área da boa gestão são as seguintes:

• adoção de legislação complementar sobre os Órgãos Locais do Estado


(garantindo os níveis de descentralização e desconcentração administrativa
e financeira que viabilizem o planejamento distrital participativo);

127
• elaboração e adoção do plano estratégico integrado do setor de justiça
(incluindo Ministério da Justiça, Tribunais e Procuradoria Geral da
República);
• consolidar e expandir os Tribunais Comunitários (deliberando sobre
pequenos conflitos de natureza civil e questões emergentes de relações
familiares);
• reforçar o IPAJ––Instituto de do Patrocínio e Assistência Judiciária;
• transformação e reforço de organismos de licenciamento e inspeção de
atividades econômicas ao nível central, provincial e local;
• criar, capacitar e consolidar, equipas técnicas competentes para a
negociação e imposição do respeito da legislação e requisitos de
manutenção do equilíbrio ambiental nos contratos de concessão /
licenciamento de mega-projetos;
• fortalecimento das instituições ligadas à Administração da Justiça;
• fortalecimento institucional do Tribunal Administrativo;
• promoção de campanhas anti-corrupção através dos Órgãos de
Comunicação Social;
• empreendimento de ações concertadas entre instituições para minimizar os
riscos de corrupção nas fronteiras, incluindo transações de negócios
internacionais.
Gestão macro-econômica e financeira

A última área de ação fundamental, e talvez a mais significativa é a gestão macro-


econômica e financeira. De acordo com o Banco Mundial (MOÇAMBIQUE, 2004a), a
experiência no mundo e em Moçambique mostram que a gestão macro-econômica e o
desenvolvimento financeiro são exigências primordiais para a criação de um ambiente que
estimule o crescimento econômico acelerado e a redução da pobreza. As principais
prioridades nessa área são: política fiscal, monetária e cambial para manter a inflação baixa e
aumentar a competitividade da economia; políticas para mobilizar recursos orçamentários
adicionais eqüitativamente; políticas para melhorar a gestão das despesas públicas; políticas
para proteger e expandir os mercados financeiros, incluindo uma análise cuidadosa sobre
oportunidades para expansão dos serviços financeiros às áreas rurais e às pequenas e médias
empresas; políticas para promover o comércio internacional; e políticas para reforçar a gestão
da dívida interna e externa.

128
As principais ações propostas pelo PARPA na área da gestão macro-econômica e
financeira são as seguintes:
• limitar a despesa orçamental à disponibilização de recursos identificada
através dos exercícios anuais de elaboração e ajustamento do Cenário
Fiscal de Médio Prazo (CFMP);
• estabelecer capacidades de programação financeira no Ministério do Plano
e Finanças (MPF) e no Banco de Moçambique (BM);
• alargar a base tributária através do reforço das capacidades de
administração, e da reforma do controle sobre as isenções e evasão fiscal, e
dos incentivos e benefícios fiscais concedidos ao investimento;
• garantir a maior articulação, fluxo e partilha de informação e de dados
entre os Impostos e as Alfândegas, com a institucionalização de sistemas
computadorizados de registro e controle dos diferentes impostos;
• proceder à análise do código fiscal, tendo em vista a identificação de
eventuais necessidades de sua revisão/alteração, face às reformas a
prosseguir na política tributária;
• iniciar a preparação e realização de processos anuais de revisão das
despesas em setores prioritários, incluindo a saúde, educação, estradas,
águas, justiça, tribunais e segurança pública;
• rever e definir as regras de gestão prudencial da atividade bancária, das
instituições financeiras não bancárias e do sector segurador e de pensões;
• preparar uma estratégia de médio e longo prazo que estabeleça os
parâmetros globais da política de endividamento e sustentabilidade da
dívida externa;
• preparar uma estratégia de médio e longo prazo para a capacidade de
endividamento e sustentabilidade da dívida interna.

A estratégia e o plano de ação do PARPA cobre, também, com menos detalhe,


atividades complementares às previstas nas áreas fundamentais de ação. Essas outras áreas de
ação incluem: programas sociais selecionados (programas de assistência social, habitação,
etc.); políticas e programas setoriais que contribuem para a geração de rendimentos e
oportunidades de emprego (desenvolvimento empresarial, pescas, minas, indústria, turismo);
programas específicos para a redução da vulnerabilidade aos desastres naturais; e políticas de

129
suporte para promoção de um crescimento sustentável (transportes e comunicações,
tecnologia, gestão ambiental).

Em uma estratégia de desenvolvimento baseada no mercado, como é o caso do


PARPA, o papel principal do governo na promoção do investimento e produtividade é coberto
pelas áreas prioritárias citadas acima, particularmente através do investimento em capital
humano, desenvolvimento de infra-estrutura, programas para melhorar a qualidade das
instituições públicas, e políticas para uma gestão macroeconômica financeira eficiente.

Figura 2: Modelo da teoria do PARPA


Fonte: MOÇAMBIQUE (2001b).
Para efeito de medir as condições de vida da população e avaliar a efetividade das
políticas de redução da pobreza, o Instituto Nacional de Estatística de Moçambique (INE)
realizou o primeiro Inquérito Nacional aos Agregados Familiares (IAF) em 1996/1997, no
qual constatou-se que a incidência da pobreza a nível nacional, era de 69,4 %, sendo maior
nas zonas rurais (71,3%) do que nas zonas urbanas (62 %).

No segundo IAF, realizado em 2002/2003, a incidência da pobreza tinha baixado para


54,1 %, uma diminuição de 15 pontos percentuais. Nas zonas rurais o índice de pobreza ainda
é superior ao das zonas urbanas, 55,3 % contra 51,5%. Os dados referem-se ao principal
índice de pobreza utilizado em Moçambique, Índice de Incidência da Pobreza (IIP) ou
Poverty Headcount Index (PHI). Um outro índice também utilizado é o Poverty Gap (PG),

130
que por sua vez indica que a proporção de pessoas cujo consumo per capita está abaixo da
linha de pobreza reduziu-se, a nível nacional, de 29,5 % em 1996/1997 para 25,8 % em
2002/2003, sendo que a maior variação ocorreu no meio rural (INE, 2003).

De acordo com dados do INE (2003):

• os maiores índices de pobreza encontram-se, por ordem decrescente, nas


províncias de Inhambane, Cabo Delgado e Tete;
• os menores índices de pobreza, por ordem decrecente, encontram-se em
Maputo Cidade, Sofala, Zambézia e Gaza;
• em oito das onze províncias do país houve redução dos índices de pobreza
em relação à 1996/1997;
• os maiores índices de redução da pobreza estão concentrados no centro do
país, alcançados por todas as províncias dessa zona;
• Sofala teve a maior redução da pobreza pelo fato de as cheias de 1996/1997
terem provocado redução dos rendimentos no setor agrícola e elevação dos
preços de produtos básicos nos mercados locais. Além disso, considera-se
que o padrão de vida dessa província era muito baixo, em grande parte
devido à guerra;
• Cabo Delgado, Maputo Província e Maputo Cidade tiveram aumento dos
índices de pobreza. No primeiro caso, acredita-se que se subestimou a
pobreza em 1996/1997 por causa da precária qualidade dos dados do IAF
daquele período, o que provocou a elevação do índice. Nos casos seguintes,
Maputo Província e Maputo Cidade, a elevação dos índices de pobreza
pode estar relacionada com o aumento dos preços dos produtos importados
da África do Sul.

No que refere-se à educação, a população analfabeta caiu de 60,5 % em 1996/1997


para 53,6 % em 2002/2003. No entanto, em termos de gênero, a redução é menos acentuada
para as mulheres. As maiores taxas de analfabetismo encontram-se nas idades mais
avançadas.

Em relação às taxas de escolarização, tem havido melhorias no âmbito dos esforços do


governo moçambicano de expandir a educação em todos os níveis, particularmente o primário
e o secundário.A taxa bruta de escolarização, estimada pelo censo de 1996/1997 era de 66,8
%. O IAF 2002/2003 constatou uma elevação deste número para 100,1 %. A proporção maior

131
que 100 %, de acordo com INE, significa que há alunos com idade igual ou superior à idade
oficial, que é de 6 a 10 anos (INE, 2003).

No escopo dos serviços de saúde prestados à população, conforme o INE (2003), o


volume global de atividades do Serviço Nacional de Saúde (SNS), expresso em termos de
atendimentos e cuidados médicos, cresceu de 61,1 % em 1999 para 70 % em 2003. A taxa de
mortalidade infantil caiu de 149 por 1000 nascimentos em 1995, para 101 por 1000 em 2003,
enquanto que a taxa de partos assistidos por profissionais qualificados na área de saúde
aumentos de 38 % em 1999 para 46 % em 2003.

Embora os resultados sejam positivos em quase todas as áreas de ação do programa,


importante ressaltar que o HIV/AIDS permanece como uma das maiores ameaças ao
desenvolvimento do país, tendo feito cair a esperança de vida de 47,1 anos em 1997 para 37,9
anos em 2004. A taxa de infectados em 2004 era de 15 %, e conforme dados da OCDE
(2005), está aumentando rapidamente.

A redução da pobreza em Moçambique, com base nos dados do IAF, encerra uma
aparente contradição. Sofala, a província que apresenta o maior índice de redução da pobreza
entre 1996/1997 e 2002/2003, localiza-se na zona central do país, onde se estimam as maiores
taxas de prevalência do HIV/AIDS. No entanto, a contradição é apenas aparente, na medida
em que as estimativas de pobreza efetuadas não levam em conta a incidência do HIV/AIDS,
cuja dimensão dos seus impactos no desenvolvimento é crucial.

Assim, o entendimento por parte do Banco Mundial (MOÇAMBIQUE, 2004) de que


os resultados apresentados pelo PARPA são altamente positivos, em grande parte pela
redução do índice de pobreza absoluta além do que havia sido fixado pelo programa, pode não
condizer com a realidade e conter uma dose excessiva de otimismo.

O problema se encontra justamente na metodologia utilizada para a medição da


pobreza absoluta, em que os índices são calculados em termos de valor monetário per capita
por dia e representa a soma da linha de pobreza alimentar (que contém o conjunto de bens que
satisfazem as necessidades fisiológicas) e da linha de pobreza não alimentar (que contém o
conjunto de bens não alimentares, como por exemplo, vestuário e alimentação). Nessa lógica,
os indivíduos que gastam menos do que essa linha, em termos per capita, são considerados
pobres.

Converte-se assim, linhas de pobreza específicas para cada região em unidades


comparáveis através do ajustamento espacial e sazonal das diferenças de preços. Para Oya

132
(2005), o resultado é uma linha de pobreza uniforme, com possíveis distorções em termos das
particularidades regionais.

Dois índices são utilizados pelo governo de Moçambique na avaliação dos resultados
alcançados pelo PARPA: a Incidência de Pobreza Absoluta (Poverty Headcount Index), que
mede a proporção de pessoas cujo consumo per capita está abaixo da linha de pobreza, e o
Índice de Pobreza Diferencial (Poverty Gap Index), que mede a profundidade da pobreza, ou
seja, o grau percentual de afastamento do consumo per capita da população pobre em relação
á linha de pobreza (INE, 2003).

Para um conhecimento mais detalhado e realista das condições da pobreza em


Moçambique, e o real impacto do PARPA nesse contexto, o governo poderia ter utilizado
outros índices. Dentre eles, um dos mais conhecidos e conceituados é o Índice de Pobreza
Humana, concebido pelo Programa das Nações Unidas pelo Desenvolvimento (PNUD) e
utilizado nos Relatórios de Desenvolvimento Humano. Este índice concentra-se em três
aspectos essenciais que caracterizam privações da vida humana: (i) longevidade, relacionada à
probabilidade de morte até os 40 anos de idade, possibilitando assim uma maior sensibilidade
no caso do HIV/AIDS; (ii) conhecimento, relacionado à exclusão do mundo da leitura e da
escrita, representado pela percentagem de pessoas analfabetas; (iii) um padrão de vida digno,
representado pela percentagem de pessoas sem acesso à água potável, aos serviços de saúde e
pela percentagem de crianças menores de cinco anos abaixo do peso ideal.

4.6 - Síntese das principais transformações do aparato estatal

Nas seções anteriores, foram descritos os processos de reforma de reformas do Estado,


ocorridas em diferentes momentos históricos de Moçambique. A narrativa analítica, efetuada,
incidiu sobre os modelos político-administrativo, adotados para o fortalecimento institucional
do Estado.
A partir dessa análise, baseados numa perspectiva histórica, foram identificados os
aspetos centrais das transformações do Estado. Foi possível constatar que a
institucionalização do aparato estatal tem a peculiaridade de ser um processo (contínuo),
podendo resultar em novas instituições ou ocorrer no seio das instituições existentes, fazendo
com que elas se transformem em outras.
Os processos de reformas estatais implicaram em alterações administrativas, tal
constatação é apresentada, resumidamente. Ou seja, são apresentados os processos de

133
alteração do cenário político-administrativo, através de um arcabouço institucional que dá
uma nova estrutura política, econômica e social ao país.
A conjugação do processo de descolonização e o de instauração do regime marxista-
leninista abriu espaço para a alteração do sistema político-administrativo que culminaria com
a consolidação do Estado moçambicano.
A experiência moçambicana de reformas pautou-se, num primeiro momento, pela
tentativa de edificação de um Estado socialista. Neste processo, buscava-se eliminar os
aspetos relacionados ao patrimonialismo enraizados na administração colonial, e introduzir
estruturas político-administrativas baseadas no modelo socialista, alicerçado pela perspectiva
de administração pública burocrática.
Com a derrocada do regime socialista, inicia-se o processo de abertura política
marcada pela introdução de uma economia de mercado (assente no neoliberalismo
econômico) e do regime democrático multipartidário. Neste tipo de regime, busca-se uma
adaptação contínua das instituições estatais ao contexto atual. Assim, a principal característica
do quadro político moçambicano é a luta pela adequação às sucessivas e profundas
transformações, muitas vezes contraditórias, que as sociedades enfrentam no seu processo
evolutivo.
Assim, as transformações pelas quais Moçambique vem passando desde o fim da guerra fria e,
mais concretamente, desde o início do regime democrático não são bem compreendidas nem
pelas visões liberais, nem pelas visões anti-liberais. Na realidade, temos em Moçambique a
convivência de várias lógicas concorrentes – liberalização, democratização e patrimonialização
– que, sob influência do ambiente externo globalizado e dos legados históricos do país, vão
moldando as características do Estado moçambicano (VIEIRA, 2005, p. 207).
Constatou-se que, as reformas estatais, em Moçambique, ocorrem há cerca de três
décadas, são implementadas com o intuito de melhorar e adequar o setor público aos
contextos sócio-políticos com os quais o país se deparou. A trajetória político-administrativa é
marcada por reformas institucionais caracterizadas por rupturas e continuidades. Por isso,
reina uma convivência de valores autoritários e democráticos. O país encontra-se num
processo de transição de uma situação na qual o sistema político-administrativo estava
altamente centralizado para uma descentralização através de uma transformação institucional.
Considerando esta lógica, a EGRSP resulta dum processo iniciado em 1975, quando se
iniciaram várias reformas políticas, econômicas e sociais inseridas no contexto de criação do
Estado moçambicano. Todavia, as reformas podem ser vistas como respostas à crise do
Estado e ao processo correlato da globalização - principal responsável pela alteração
significativa da lógica funcional das sociedades. “Mas, o que estes anos nos mostram é que a
sociedade – mesmo quando aparentou estabilidade do ponto de vista econômico, social,

134
político e cultural – esteve, na verdade, em gestação de processos de transição, os quais
conduziram sempre a mutações determinantes” (CASTEL-BRANCO, 1995, p.79).

135
Considerações finais e sugestões

Esta pesquisa foi realizada com o intuito de identificar diferentes momentos historico-
políticos do Estado moçambicano e as principais transformações administrativas que
incidiram sobre este Estado no contexto sócio-político das reformas estatais. O Estudo partiu
do pressuposto de que, a compreensão dos processos de mudanças políticas, em Moçambique,
requer uma análise do contexto em que se operaram tais mudanças, destacando o impacto da
colonização, da implantação do modelo socialista e da sua substituição pelo modelo liberal.
Apesar das limitações deste trabalho, foi possível identificar a dinâmica da lógica
administrativa seguida pelo Estado moçambicano durante o seu percurso histórico.
Entre 1975 e 2006, o Estado que é focalizado nesta análise sofreu abruptas
transformações no âmbito do seu sistema político-administrativo. Nas etapas centrais da
transformação e desenvolvimento institucional, destacam-se: 1) a tentativa de edificação de
um Estado socialista; 2) a reforma resultante da adoção do modelo liberal; 3) a consolidação
do novo quadro político e econômico; 4) a adequação do aparato estatal ao sistema de
democracia multipartidária.
O setor público moçambicano se (re) estruturou, ao longo da sua trajetória, dentro de
um contexto socioeconômico e político marcado por um conjunto de realidades e
especificidades que caracterizam o período delimitado para a pesquisa.
Portanto, a configuração do sistema administrativo resulta do relacionamento
dinâmico entre forças endógenas e exógenas. Ou seja, a determinação da lógica e do ritmo de
desenvolvimento do aparato estatal deriva de fatores internos tais como: aspetos de âmbito
histórico-ideológicos; crises estruturais; tensões sociais; pressão e oposição internas; busca de
respostas rápidas e adequadas para as principais demandas sociais; busca pelo reforço da
governabilidade; cumprimento das cláusulas do Acordo Geral de paz.
No que tange a determinantes externas podem ser destacadas as seguintes: mudanças na
conjuntura internacional; fim da bipolaridade ideológica; impacto da globalização; ascensão
do modelo liberal a nível mundial; exigências das instituições financeiras internacionais
(BIRD, FMI); conjuntura internacional desfavorável aos regimes monistas e autoritários;
aceleração do processo de democratização; triunfo do sistema capitalista.
Entretanto, as características institucionais revelam a existência de um cenário
político-institucional configurado a partir de três lógicas administrativas: administração
pública patrimonial, burocrática e gerencial. A analise do desenvolvimento sócio-histórico das
instituições políticas mostra que existem três linhas de interseção entre os principais modelos

136
de administração publica, através dos quais a máquina administrativa estatal se estruturou.
Neste sentido, o setor público moçambicano apresenta um cenário de hibridismo-institucional.
Desde a sua gênese, o Estado moçambicano se sujeita a práticas patrimonialistas
advindas de um berço cultural patrimonial estabelecido nas sociedades tradicionais e adotadas
pelo sistema administrativo colonial. As estruturas administrativas criadas pelos
colonizadores conciliam o patrimonialismo e a burocracia, estabelecendo um sistema onde
ambas formas de gestão se articulam.
A FRELIMO iniciou, em 1975, o processo de desinstitucionalização de práticas e
procedimentos patrimonialistas que estavam enraizados na máquina administrativa herdada
desse sistema. Procurou destruir a estrutura herdada do período colonial que se utilizou de
aspectos tradicionais da cultura moçambicana para hierarquizar a sociedade, garantindo a
continuidade do seu domínio. Assim, a legitimidade dos líderes tradicionais foi abalada.
Estes líderes foram deliberadamente excluídos do processo político-administrativo de
Moçambique, por meio de pressupostos que representam uma tentativa de ruptura com a
tradição na esfera pública, através de transformações estruturais nas relações de poder. Neste
processo, a resistência à mudança de valores e práticas culturais continuou porque as
estruturas patrimoniais que davam alicerce ao sistema administrativo colonial estavam
amplamente disseminadas e, sedimentados, com base em núcleos de poder tradicional.
O reaparecimento, com certa visibilidade, de práticas patrimonialistas verificou-se
com o incremento da corrupção, dos comportamentos desviantes das regras formais e conduta
no exercício da autoridade pública privilegiando motivos privados (pessoais, familiares e, ou
de grupos sociais), fraqueza na aplicação das leis e regulamentos, chantagem, peculato,
favoritismo e nepotismo.
As autoridades tradicionais foram resgatadas para exercerem funções na estrutura
política e administrativa do Estado.
A reintrodução de valores tradicionais, por meio de arcabouços legais, acompanhada
pela nomeação de autoridades tradicionais para o exercício de tarefas político-administrativas,
representa o reconhecimento do valor social destas instituições. As mudanças conduziram ao
cenário cujas características são apresentadas abaixo. Os lideres tradicionais deixaram de ser
vistos como representantes de interesses do sistema colonial, de uma sociedade retrograda
passaram a colaborar com o governo na materialização de vários projetos políticos. .

137
Resumo dos principais argumentos da dinâmica da administração do Estado moçambicano
(1975/2006)
Fases da Manifestações patrimonialistas na estrutura política e administrativa do Estado
transformação do moçambicano
Estado
Edificação do 1. Arbitrariedade na administração da esfera pública; ausência de limite entre a
Estado socialista esfera pública e a privada em decorrência do processo histórico cultural;
(1975 – 1986) 2. Aparato administrativo constituído por partidários leais – nomeação baseada
na confiança partidária; ocupação de cargos públicos por funcionários não
concursados, permitindo a nomeação de parentes para a estrutura político-
administrativa;
3. Presença de alguns marcos institucionais de corrupção, prevaricação,
peculato, clientelismo e favoritismo;
4. Presença de algumas estruturas, valores, costumes e regras tradicionais
advindas do Estado patrimonialista;
5. Estabelecimento de um Estado paternalista acarretando consigo algumas
práticas patrimonialistas
Reconstrução do 1. Incremento de condutas ilícitas visando a satisfação de interesses
Estado sob signo personalistas;
do liberalismo 2. Desrespeito às regras no setor político e econômico – inversão de valores,
(1986 – 1994) práticas, costumes e regras formais estabelecidas a favor de práticas informais
baseadas na cultura; comportamento desviante das regras formais e conduta
no exercício da autoridade pública privilegiando motivos privados (pessoais,
familiares ou de grupos sociais);
3. Fraqueza na aplicação das leis e regulamentos; submissão dos problemas
sociais à soluções personalísticas e verticais;
4. Chantagem, peculato, favorecimento, corrupção, prevaricação, clientelismo,
nepotismo, apadrinhamento dentro da função pública;
5. Concepção da função pública com base em valores da esfera familiar
Transição 1. Reimplantação de valores e estruturas tradicionais que estavam em
democrática e desagregação;
consolidação das 2. Legitimação das autoridades tradicionais; favorecimento, nepotismo,
instituições clientelismo, tradicionalismo, arbitrariedade e corrupção;
democráticas 3. Desrespeito às regras – inversão de valores, práticas, costumes e regras
(1994 – 2001) formais estabelecidas a favor de práticas informais baseadas na cultura;
4. Aplicação do sistema consuetudinário – introdução de categorias normativas
alicerçadas pela tradição;
5. Presença de líderes tradicionais na estrutura administrativa e organizacional -
simbiose entre a estrutura tradicional e a moderna;
6. Execução de diversas tarefas político-administrativas por autoridades
tradicionais; autoridade baseada na tradição e influência pessoal;
7. Concepção da esfera pública com base em valores da esfera familiar
Democracia e 1. Persistência de práticas corruptas, discricionariedade, favorecimento,
modernização do nepotismo, clientelismo, tradicionalismo, arbitrariedade, chantagem e
Estado peculato;
(2001 – 2006) 2. Desrespeito às regras – inversão de valores, práticas, costumes e regras
formais estabelecidas a favor de práticas informais baseadas na cultura;
3. Aplicação do sistema consuetudinário – introdução de categorias normativas
alicerçadas pela tradição;
4. Presença de líderes tradicionais na estrutura administrativa e organizacional
do Estado - simbiose entre a estrutura tradicional e a moderna;
5. Execução de diversas tarefas político-administrativas por autoridades
tradicionais;
6. Autoridade baseada na tradição e influência pessoal, uso de posições sociais
para a extração de rendas; concepção da esfera pública com base em valores
da esfera familiar.
Quadro 10 – Dinâmica da lógica administrativa do Estado moçambicano (1975-2006)
Fonte: Moçambique (2001; 2002; 2005) Lundin-Baptista (2002).

138
A burocracia do Estado se reafirmou com a confirmação da opção ideológica
assumida pela FRELIMO, depois da independência política. A estrutura funcional e
organizacional do Estado reflete as tendências centralizadoras e autoritárias propaladas este
partido. Assim, a progressiva burocracia marcou o período pós-independência. As instituições
foram erguidas a partir de um forte aparato burocrático em detrimento das estruturas
patrimoniais, que sofreram um processo de desinstitucionalização.
Embora seja importante não esquecer que o processo de racionalização burocrática é
empiricamente uma questão de grau, ou seja, em alguma medida, o clientelismo e o
particularismo estão sempre presentes no sistema administrativo, mesmo naquele mais
racional-burocrático, o que importa é a crença predominante que legitima o sistema PRATES,
2007, p. 123).

Nos primórdios da década de 1980, período em que o modelo burocrático estava em


contraposição com o patrimonial, não existia traço do modelo gerencial ou administração
empreendedora. Havia apenas uma concentração progressiva de poderes em nível do governo
central, que exercia uma autoridade exclusiva sobre todos os aspetos da vida social.
Mesmo depois que o cenário político absorveu a perspectiva liberal, o aparato
burocrático permaneceu altamente arraigado a práticas autoritárias devido a características
estruturadas com base em uma burocracia concebida para salvaguardar as diretrizes do regime
autoritário e centralizado. Enquanto vigorava o sistema monopartidário e autoritário, a lógica
burocrática foi enraizada através de uma gigantesca e completa burocracia.
Depois das primeiras eleições multipartidárias, ocorreram complexas transformações
derivadas do processo de democratização. Processou-se o restabelecimento, organização e
reforço das instituições estatais em locais que estavam sob controle da Renamo, inicia-se a
expansão da burocracia do Estado a todo o território nacional.
Nesse período, as leis aprovadas referentes à descentralização administrativas tiveram
profundas implicações para o desenvolvimento institucional e sua configuração. Dá-se inicio
a uma descentralização gradual, permitindo a manutenção de certos traços da forte burocracia
do aparato estatal, assim como a continuidade da fraqueza institucional.
Portanto, se algo mudou, certamente, foi à desconcentração, a ligeira descentralização
e a autonomização dos municípios. O combate da distorção criada pela própria força da
dimensão da burocracia exige um esforço para a desburocratização, requerida pelo processo
de democratização para revitalizar a sociedade moçambicana e dar encaminhamento
adequado às principais inquietações sociais, através de soluções favoráveis. Abaixo ( quadro
11), são trazidas algumas manifestações burocráticas que caracterizam a dinâmica estatal.

139
Resumo dos principais argumentos da dinâmica da administração do Estado moçambicano (1975 –
2006)
Fases da Traços do modelo burocrático na estrutura política e administrativa do Estado
transformação do moçambicano
Estado
Edificação do 1. Estrutura administrativa hierarquizada, pesada e centralizadora – máquina
Estado socialista administrativa complexa;
(1975 – 1986) 2. Apego às normas, formalidade, excesso de regulamentos, uniformização de
procedimentos na prestação de serviços públicos;
3. Prevalência da rigidez burocrática – excessiva burocracia
4. Comando de poder emanado por uma autoridade de forma sucessiva – sistema de
autoridade hierárquica, com processos decisórios centralizados;
5. Aparato institucional enorme, lento, ineficiente a altamente ritualista;
6. Procedimentos complexos derivados da obediência às normas e à hierarquia;
7. Exercício de autoridade com base na hierarquia do cargo burocrático;
Reconstrução do 1. Estrutura administrativa hierarquizada, pesada e centralizadora – máquina
Estado sob signo administrativa complexa;
do liberalismo 2. Apego às normas, formalidade, excesso de regulamentos, uniformização de
(1986 – 1994) procedimentos na prestação de serviços públicos; máquina administrativa
complexa;
3. Comando de poder emanado por uma autoridade de forma sucessiva – sistema de
autoridade hierárquica;
4. Aparato institucional enorme, lento, ineficiente a altamente ritualista;
5. Procedimentos complexos derivados da obediência às normas e à hierarquia;
6. Morosidade decorrente da lentidão nos procedimentos administrativos e da
estrutura institucional;
7. Exercício de autoridade com base na hierarquia do cargo burocrático, processos
decisórios centralizados;
8. Fraqueza institucional, baixa capacidade de provisão dos serviços públicos.
Transição 1. Ineficiência e ineficácia administrativa, reduzida qualidade dos serviços prestados;
democrática e 2. Apego às normas, formalidade, excesso de regulamentos, uniformização
consolidação das de procedimentos na prestação de serviços públicos; máquina administrativa
instituições complexa;
democráticas 3. Prevalência de algumas características do Estado burocrático e
(1994 – 2001) centralizado apesar do início do processo de descentralização política e
administrativa (descentralização e desconcentração);
4. Aparato institucional enorme, lento, ineficiente a altamente ritualista;
5. Comando de poder emanado por uma autoridade de forma sucessiva – sistema de
autoridade hierárquica;
6. Procedimentos complexos derivados da obediência às normas e à hierarquia;
7. Máquina administrativa complexa;
8. A organização do aparato institucional e seu funcionamento demonstram várias
limitações em responder aos constantes desafios do desenvolvimento
socioeconômico; baixa capacidade de provisão dos serviços públicos;
9. Morosidade decorrente da lentidão nos procedimentos administrativos e da
estrutura institucional
Democracia e 1. Ineficiência e ineficácia administrativa, reduzida qualidade dos serviços prestados;
modernização do 2. Prevalência de algumas características do Estado burocrático e centralizado apesar
Estado do processo de descentralização política e administrativa em curso;
(2001 – 2006) 3. A organização do aparato institucional e seu funcionamento demonstram várias
limitações em responder aos constantes desafios do desenvolvimento
socioeconômico; baixa capacidade de provisão dos serviços públicos;
4. Morosidade decorrente da lentidão nos procedimentos administrativos e da
estrutura institucional;
5. Comando de poder emanado por uma autoridade de forma sucessiva – sistema de
autoridade hierárquica.
Quadro 11– Dinâmica da lógica administrativa do Estado moçambicano (1975-2006)
Fonte: Weimer (2002); Moçambique (2001; 2002; 2005; 2006).

140
A nova agenda de desenvolvimento conduziu a reconfiguração do Estado a partir de
uma perspectiva gerencial.Com a mudança de paradigma de desenvolvimento, a partir da
segunda metade da década de 1980 e o crescente impacto do fenômeno globalização na
década seguinte, o processo de constituição e desenvolvimento institucional apresenta um
cenário político-institucional modernizante. Neste novo cenário, busca-se uma ampla
reestruturação administrativa, favorecendo uma nova forma de gestão pública voltada para o
cidadão. Procura-se a implantação do modelo gerencial para estancar os dilemas da
burocracia, por via da institucionalização da transparência, prestação de contas, maior
relacionamento com o cidadão (ver quadro 12).

Resumo dos principais argumentos da dinâmica da administração do Estado moçambicano (1975 –


2006)
Fases da transformação Traços do modelo gerencial na estrutura política e administrativa do
do Estado Estado moçambicano
Edificação do Estado Neste período, o Estado era fortemente burocratizado por isso não havia
socialista (1975 – 1986) qualquer traço do gerencialismo.
Reconstrução do Estado sob 1. Incorporação de estratégias empresariais no setor público;
signo do liberalismo 2. Contração ou redução do Estado através da reconstrução da
(1986 – 1994) burocracia tradicional;
3. Surgimento de princípios liberais na esfera econômica e política;
criação de sociedades de economia mista e empresas públicas –
parceria público privado;
4. Terceirização dos serviços públicos;
5. Criação de uma nova estrutura do Estado visando torná-lo pequeno,
flexível, dinâmico e eficiente;
Transição democrática e 1. Delegação de algumas competências do Estado ás organizações
consolidação das pública não estatais;
instituições democráticas 2. Criação de administração indireta do Estado – descentralização e
(1994 – 2001) devolução da administração publica aos níveis mais próximos da
população;
3. Democratização das instituições públicas; surgimento do setor
público – não estatal, transferência de atividades estatais para
organizações não governamentais;
4. Introdução de estruturas burocráticas descentralizadas,
desburocratizadas e simplificadas nos procedimentos;
5. Proteção dos direitos e liberdades dos cidadãos;
Democracia e 1. Busca pela agilidade e transparência; publicização das ações do
modernização do Estado Estado;
(2001 – 2006) 2. Busca pela descentralização nos processos decisórios e na prestação
de serviços; simplificação dos procedimentos administrativos;
3. Horizontalização das estruturas organizacionais através da
eliminação de instâncias decisórias excessivas;
4. Ascensão de práticas empresariais no setor público;
5. Participação da sociedade civil no processo decisório;
6. Criação de mecanismos de responsabilização das burocracias
7. Administração voltada ao cidadão;
8. Estímulo ao empreendedorismo;
9. Racionalização e contenção de gastos públicos;
10. Incorporação tecnológica
Quadro 12 – Dinâmica da lógica administrativa do Estado moçambicano (1975-2006)
Fonte: Moçambique (1990; 2001; 2004; 2005; 2006).

141
Moçambique pretende caminhar, de acordo com a EGRSP, para uma administração
pública gerencial. Com este programa, pretende-se alterar estruturalmente o sistema de
administração pública moçambicana, conferindo-lhe características criativas e inovadoras na
execução de tarefas estatais.
Portanto, as transformações organizacionais, no interior do aparelho do Estado, para
tornar mais eficiente e racional as atuações do próprio Estado, constituem a estratégia da
transição de uma administração pública burocrática à gerencial. Embora as características
burocráticas ainda estejam arraigadas no sistema administrativo, estão patentes algumas
preocupações objetivando a inovação ou mudanças tanto estruturais, como de processos
administrativos específicos, com impacto imediato e em longo prazo.
A transformação do Estado se deu através da adoção de rápidas e dramáticas medidas
políticas e econômicas, ignorando-se algumas especificidades que interferem na mudança
institucional. Ao longo de três décadas, o cenário político nacional esteve envolvido em várias
questões político-ideológicas, responsáveis pela incorporação, continuidade e descontinuidade
de procedimentos administrativos.
O Estado incorporou instituições desenvolvidas com base em manifestações culturais.
Ou melhor, o aparato estatal conserva na sua estrutura vários aspetos peculiares ao modelo
tradicional que se manifestam através do nepotismo, favoritismo, peculato, falta de distinção
entre o patrimônio público e privado.
Contudo, é preciso sublinhar que em todo o percurso do Estado moçambicano, a
burocracia exerce influencia significativa sobre o sistema administrativo. Condiciona o
funcionamento do aparato estatal e até o próprio processo de mudança institucional
contemplado pela EGRSP. Neste sentido, pode-se afirmar que o modelo burocrático ainda
ocupa uma posição dominante no aparato estatal. No plano administrativo, o formalismo, o
autoritarismo, o excesso de regulamentação governamental, centralização enraizada com o
tempo são alguns aspectos da burocracia que ainda prevalecem. O arcabouço institucional e
normativo, a cultura própria do Estado ditam o comportamento da administração pública.
Entretanto, importantes resultados foram alcançados pelo programa de modernização
administrativa em curso. O contexto institucional do Estado moçambicano incorporou novos
valores e procedimentos que emergem de um contexto institucional mais amplo, cujas
premissas e pressupostos básicos se inserem no modelo gerencial.
Neste processo de mudanças, é preciso dar ênfase à questão das transformações
tendentes à eliminação dão excessivo centralismo burocrático. Há uma necessidade de se
promover uma transformação cultural no seio dos servidores e usuários públicos para que os

142
benefícios resultantes da cidadania sejam salvaguardados pelo sistema democrático. A
implantação do gerencialismo implica a alteração da estrutura do poder. Neste sentido, deve-
se verificar se essa estrutura se coaduna com o modelo em perspectiva. Tal modelo encontra-
se em fase de pré-institucionalização.
As mudanças pretendidas para o cenário político-administrativo só poderão ser
alcançadas quando os cidadãos enxergarem a realidade de forma mais consciente, os níveis de
escolaridade forem altos, as informações tornarem-se claras e a sociedade ter uma visão
ampla sobre o processo em si.
Enfim, a situação política e administrativa em Moçambique apresenta problemas e
desafios que requerem uma reflexão mais profunda para se entender a sua lógica a partir da
coexistência entre formas tradicionais e modernas. Assim, sugere-se desde já um estudo
minucioso sobre a coexistência de formas tradicionais e modernas de organização da
sociedade dentro da dinâmica institucional que caracteriza o setor publico.

143
Referências

ABRAHAMSSON, H.; NILSSON, A. Moçambique em transição: um estudo da história


de desenvolvimento durante 1974 – 1992. Maputo: Gegraf, 1994.
ABRUCIO, F. L. Os avanços e os dilemas do modelo pós-democrático: a reforma da
administração pública à luz da experiência internacional recente. In BRESSER-PEREIRA,
Luís Carlos; SPINK, P. (Org) Reforma do Estado e administração pública gerencial. Rio
de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2003.
AGUIRRE, B.. A globalização e os limites do Estado. In MEDINA, C.; GRECO, M. (Org).
Agonia do Leviatã: a crise do Estado moderno. São Paulo: ECA/USP, 1996.
ALTUSSER, L. Aparelhos ideológicos de Estado: nota sobre os aparelhos ideológicos de
Estado, 9ª ed., 2003.
ARENDT, H. Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. São Paulo:
Companhia das Letras, 2004.
AZAMBUJA, D. Teoria geral do Estado; 26ª ed.; Rio de Janeiro: Globo; 1986.
AZEVEDO, S. Desigualidades sociais e reforma do Estado: os desafios da gestão
metropolitana no federalismo brasileiro. In FLEURY, S. (Org). Democracia,
descentralização e desenvolvimento: Brasil & Espanha. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio
Vargas, 2006.
BAPTISTA-LUNDIN, I. Uma leitura analítica sobre os espaços sociais que Moçambique
abriu para acolher e cultivar a paz. In MAZULA, B. (org). Moçambique 10 anos de paz.
Maputo: CEDE, Vol. I, 2002.
BAZZO, E. F. Estado e administração Pública (passado, presente e legitimidade). Paris,
1994.
BOBBIO, N. Estado governo sociedade: para uma teoria geral da política. Editora Paz e
terra 4ª ed. 1995.
____________ Dicionário de política. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1983.
BORGES, E. A política cultural em Moçambique após a independência (1975-1982). In
FRY, P. (org). Moçambique: ensaios. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de
Janeiro, 2001.
BOTTOMORE, T. (editor). Dicionário do pensamento marxista. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1997.
BOUDON, R.; BOURRICAUD, F. Dicionário Crítico de Sociologia. São Paulo: Ática,
2000.
BRESSER-PEREIRA, L. C. A Reforma Administrativa na Imprensa. Brasília: MARE,
1998 a
____________A Reforma do Estado nos anos 90: lógica e mecanismo de controle. In:
Cadernos MARE da reforma do Estado. Brasília: Ministério da administração federal e
reforma do Estado, 1997.
____________. Gestão do setor público: estratégia para um novo Estado. In BRESSER-
PEREIRA, L.C.; SPINK, P. (Org). Reforma do Estado e administração pública gerencial.
Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2ª ed. 1998

144
____________. Reforma do Estado para a Cidadania: a reforma gerencial brasileira na
perspectiva internacional. São Paulo: Ed. 34; Brasília: ENAP, 1998 b
BRITO, L. de. O comportamento eleitoral nas primeiras eleições multipartidárias. In
MAZULA, Brazão (org). Moçambique: Eleições, democracia e desenvolvimento. Maputo,
1995.
BUENDIA, M. Democracia, cidadania e a escola. In MAZULA, Brazão (org). Moçambique:
Eleições, democracia e desenvolvimento. Maputo, 1995.
____________ Democracia, cidadania e a escola. In MAZULA, Brazão (org). Moçambique:
eleições, democracia e desenvolvimento. Maputo, 1995

CABAÇO, J. L. A longa estrada da democracia moçambicana. In MAZULA, Brazão (org).


Moçambique: Eleições, democracia e desenvolvimento. Maputo, 1995.
CAETANO, M. Manual de direito administrativo, vol. 1 Coimbra: Livraria Almedina,
1997.
CAIDEN, G. E. Administrative reform cames of ages. New York: Walter de Gruyter, 1991
CARDOSO, F. H. Reforma do Estado. In BRESSER-PEREIRA, L.C.; SPINK, P. (Org).
Reforma do Estado e administração pública gerencial. 2 ed. 1998. p. 15-19.
CARRILHO, N. A legislação eleitoral em Moçambique. In MAZULA, Brazão (org).
Moçambique: Eleições, democracia e desenvolvimento. Maputo, 1995.
CARVALHO, A. M. Estado e políticas públicas de habitação social: um estudo
comparativo Brasil e Chile. Tese de Doutorado. FLACSO/UnB, 1995
CASTEL-BRANCO, N. Opções Econômicas de Moçambique, 1975-95: Problemas, lições e
idéias alternativas. In MAZULA, B. (org). Moçambique: Eleições, Democracia e
Desenvolvimento. Maputo, 1995.
CHABAL, P.; DALOZ, J. África Works – Disorder as Poltical Instrument. Oxford, James
Currey, 1999.
CISTAC, G. (Re) pensar a Observação Eleitoral. Moçambique: eleições gerais 2004: um
olhar do observatorio eleitoral. Maputo, 2006.
___________. Manual de direito das autarquias locais. 1ª ed, Maputo: Livraria
Universitária – UEM, 2001.
COE, B. A. How strutuctural conflits systems reinvention. Public Administration Review,
1997.
COHN, G. Max Weber: Sociologia, 2ª ed. São Paulo: Ática, 1982.
COLAÇO, J. C. Trabalho como política em Moçambique: do período colonial ao regime
socialista. In FRY, P. (org). Moçambique: ensaios. Rio de Janeiro: Universidade Federal do
Rio de Janeiro, 2001. p. 91- 108.
DACIN, M. T. Isomorphism in context: the power and prescription norms. Academy of
Management Journal, v.40, n. 1, 46 -81, 1997.
DAHL, Robert. On democracy, London: YUP, 1998.

DINIZ, E. e AZEVEDO, S. (org). Reforma do Estado e democracia no Brasil. Brasília:


Editora da Universidade de Brasília, 1997.

145
EGERÖ, Bertil. Moçambique: os primeiros dez anos de construção da democracia.
Maputo: Arquivo Histórico de Moçambique, 1992.

ÉTICA MOÇAMBIQUE. Estudo sobre Corrupção. Maputo, 2001


FERLIE, E.; ASBURNER, L.; FITZGERALD, L.; PETTIGREW, A.; A Nova administração
pública em ação. Brasília: UNB, 1996.
FRELIMO, Comité Central do Partido. Documentos da 8ª Sessao do Comité Central da
FRELIMO. Maputo, 1976.
______. Proposta do Programa do Governo 2000 – 2004. Maputo, 1999.
FRELIMO, Departamento de trabalho ideológico. Directivas Econômicas e Sociais. Maputo,
1977.
______ Documentos do 3° Congresso da FRELIMO: relatório do Comitê Central ao 3°
Congresso. Maputo, 1980.
______História de Moçambique. Coleção Conhecer, 1978.
______ Documentos do III Congresso da FRELIMO Directivas econômicas e sociais.
Maputo, 1980.
______Manifesto eleitoral. Maputo, 1999.
______, Programa do Governo, 2000 - 2004. Maputo, 1999.
______ Relatório do Comité Central ao IV Congresso. Coleção IV Congresso, 1ª edição
revista. Maputo: imprensa Nacional, 1980
FRY, P. Moçambique: ensaios. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro,
2001.
GIDDENS, A. La constituición de la sociedad. Buenos Aires: Armorrortu, 1996.
GLADE, W. A complementaridade entre a reestruturação econômica e a reconstrução do
Estado na América. In BRESSER-PEREIRA, L.C.; SPINK, P. (Org). Reforma do Estado e
administração pública gerencial. 5ª ed., 2003. p 123-140.
GOMEZ, M. B. Educação moçambicana. Historia de um processo 1962 -1984. Maputo,
Livraria Universitária, 1999
HAGGARD, S.; WEBB, A. Introdution in voting for reform. oxford: Oxford University
Press, 1993
HANLON, J. Sustainable Democracy and Human Rights, Ocassional paper series, nr 9.
HEADY, F. Administração pública: uma perspectiva comparada. Rio de Janeiro; Zahar
editores, 1970.
HEDGES, D. (org). História de Moçambique : no auge do colonialismo 1930 -1961 vol. 3.
Maputo: Imprensa da Universidade Eduardo Mondlane, 1999.
HOOD, C. A Public Administration for All Seasons? Public Administration, 69, 1, 1991.
HUNTIGTON, Samuel. A terceira onda: a democratização no final do século XX. São
Paulo: editora Ática, 1994.

146
INE. Inquérito aos Agregados Familiares: 1996-1997. Resultados do IAF em versão
eletrônica, Maputo, 1997.

______.Inquérito aos Agregados Familiares: 2002-2003. Resultados do IAF em versão


eletrônica, Maputo, 2003.

KETTL, Donald F. A revolução global: reforma do setor público. In BRESSER-PEREIRA,


L.C.; SPINK, P. (Org). Reforma do Estado e administração pública gerencial. 5ª ed.,
2003. p 75 - 121 .
LALÁ, A. Transição e consolidação democrática em África: como limpar nódoas do
processo democrático? Os desafios da transição e democratização em Moçambique
(1999 – 2003). South Africa: Tyrus Text and Design
______; OSTHEIMER, A. Como limpar as nódoas de um processo democrático? Os
desafios da transição e da democratização em Moçambique (1990 – 2003). Maputo,
Fundação Konrad Adenauer, 2003.
LÜDKE, M.; ANDRÉ, E.D.A. Pesquisa em Educação: Abordagens Qualitativas. São
Paulo: Editora Pedagógica e Universitária, 1986.
LUNDIN-BAPTISTA, I. Uma leitura analítica sobre os espaços sociais que Moçambique
abriu para acolher a paz. In MAZULA, Brazão (org). Moçambique: 10 anos de Paz.
Maputo: Centro de Estudos de Democracia e Desenvolvimento – CEDE, 2002.

MACAMO, E. A Transição Política em Moçambique. Occasional papers, Maputo: Centro


de Estudos Africanos.
MACHADO-DA-SILVA, C.L., GUARIDO FILHO, E. R.; NASCIMENTO, M. R. de;
OLIVEIRA, P. T. Institucionalização da mudança na sociedade brasileira: o papel do
formalismo. In VIEIRA, M. M. F.; CARVALHO, C. A. (Org). Organizações, instituições e
poder no Brasil. Rio de Janeiro: FGV, p. 179 – 202, 2003.
MACHEL, S. M. Revolução: transformação profunda das estruturas e transformação
profunda da vida. Maputo, Imprensa Nacional, 1975.
MACHILI, C. Unidade e diversidade: centralização e descentralização no processo eleitora 94
em Moçambique. In MAZULA, B. (org). Moçambique: Eleições, Democracia e
Desenvolvimento. Maputo, 1995.
MACUANE, J. J. Instituições e democratização no contexto africano: multipartidarismo
e organização legislativa em Moçambique (1994-1999). 2000.Tese (Doutorado em Ciência
Política). Instituto universitário de pesquisa do Rio de Janeiro.
______. Peter (org). Reformas econômicas em Moçambique: atores, estratégias e
coordenação. In FRY, Moçambique: ensaios. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio
de Janeiro, 2001. p. 251- 276.
______. Instituições e democratização no contexto africano: multipartidarismo e
organização legislativa em Moçambique (1994-1999). Tese de Doutorado em Ciência
Política. Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro, 2000.

147
MANOR, J. A promessa e as limitações da descentralização. In GUAMBE, J. E WEIMER, B.
(eds). Texto de discussão nº 6. Maputo: Ministério de Administração Estatal – Programa de
reforma dos órgãos locais, 1998.
MARCELINO, G. F. Evolução do Estado e Reforma Administrativa. Brasília, 1987.
MARDEN, R. ; TOWNLEY, B.; Introdução: A Coruja de Minerva: Reflexões Sobre A
Teoria na Prática. In Handbook de Estudos Organizacionais. Atlas 2001
MARK, M.M., HENRY, T.G. e JULNES, G. Evaluation: Na integrated framework for
understanding, guiding, and improving public and nonprofit policies and programs.
Califórnia: Jossey-Bass, 2000.

MASSALILA, B. Administração local no Botswana. In Descentralização e administração


municipal: descrição e desenvolvimento de idéias sobre alguns modelos africanos e
europeus. Maputo: Freidrich Ebert stinfung e Ministério da Administração Estatal, 1996.
MATIAS-PEREIRA, J. Finanças Públicas: a política orçamentária no Brasil. São Paulo:
Editora Atlas SA, 1999.
______. Reforma do Estado e Transparência: estratégias de controle da corrupção no Brasil.
In VII Congresso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la
Administração pública, Lisboa, Portugal, Out. 2002.
MATSINHE, C. Biografias e heróis no imaginário nacionalista moçambicano. In FRY, P.
(org). Moçambique: ensaios. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2001.
p. 181-223.
MAZULA, B. (org). Moçambique: 10 anos de Paz. Maputo: Centro de Estudos de
Democracia e Desenvolvimento, 2002.
______. Moçambique: eleições, democracia e desenvolvimento. Maputo, 1995.

______, As eleições moçambicanas: trajetória da paz e da democracia. In MAZULA, B. (org).


Moçambique: Eleições, Democracia e Desenvolvimento. Maputo, 1995 b.
______, Educação, cultura e ideologia em Moçambique: 1975 – 1985. Edições
Afrontamento e Fundo Bibliográfico de Língua Português, 1995 a.
MBILANA, G. Processos eleitorais em Moçambique: experiências e desafios. In BRAZÃO,
M. (org). Moçambique: eleições gerais 2004. Maputo, 2006.

MEIRELLES, H. L. Direito administrativo brasileiro. 18ª ed, São Paulo: Malheiros Editores,
1993
MENEZES, A. de. Teoria Geral do Estado. Rio de Janeiro, 2002.
MOÇAMBIQUE, Comissão Interministerial da Reforma do Sector Público. Estratégia
Global da Reforma do Sector Público, 2001-2011. Imprensa Nacional de Moçambique,
Maputo, 2001 a.
______, Conselho de Ministros. Relatório da primeira fase da reforma do sector público.
[a1] Comentário:
Maputo, 2005
______, Conselho de Ministros. Plano de acção para a redução da pobreza absoluta
(PARPA) – 2001- 2005. Maputo, 2001b.

148
______, Discurso de sua excelência, Joaquim Alberto Chissano, por ocasião do
Lançamento oficial da estratégia global da reforma do sector publico. Maputo, 25 de
Junho de 2001c.
______.Constituição de 1978 da República Popular de Moçambique. Maputo, 1978

______. Constituição da República. Maputo: Imprensa Nacional, 2004b.

______. Decreto Presidencial n° 6/2000, de 04 de Abril, Maputo, 2000.


______. Decreto Presidencial nº 5/2000, de 28 Março. Maputo, 2000.

______. Review of the Economic and Social Plan for 2003. World Bank, 2004a.

Disponível em:<http://siteresources.worldbank.org/INTPRS1/Resources/Mozambique_PRSP-
PR(May2004).pdf>. Acesso em: 30 jul.2006.

______. Visão e Estratégia da Nação 2025. Maputo, 2004.

MONDLANE, E. C. Lutar por Moçambique. Portugal: Pergunta Books, 1969.


MONTEIRO, J. O. A importância da questão estatal na revolução moçambicana, nimeo,
1997.
MOSSE, M. Breve Análise à Estratégia Anti-Corrupção: do dilema salarial, dos códigos
de conduta e de urg6encia dos planos de acção sectoriais. Maputo, 2006
MOTTA, F. C. P; BRESSER-PEREIRA, L.C. Introdução à organização burocrática. 5ª ed.
São Paulo: Editora Thomson, 1986.
MUKANDALA, R. (org). Africa Public Admnistration, A Reader, Harare: Print Source,
2000.
NEGRÃO, J. Para que o PARPA resulte! (reflexão epistemológica sobre um processo
candente). Maputo, 2002.

NEWITT, M. História de Moçambique. Portugal : Publicações Europa-América, 1995.


OECD. Perspectivas Econômicas na África 2004-2005. BAfd, 2005. Disponível em:
<http://oecd.org/dev/aeo>. Acesso em 30 jul.2006.

OLIVEIRA, C. M. R. De Burocrata ao gerente: estudo de um evento de Reforma


administrativa do Estado. Dissertação de Mestrado. Brasília; Universidade de Brasília,
2002.
OLSEN, J. P. Modernization Programs in Perspective: Institucional Analysis of
Organizational Change. In Governance, vol.4, n. 2, p. 125-149, 1991.
OYA, C. Desenvolvimento da metodologia para o PARPA II. Ministério do Plano e
Finanças: Maputo, 2005.

PAPAGNO, G. Colonialismo e feudalismo: a questão dos prazos na coroa em


Moçambique nos finais do século XIX. Lisboa 1972

149
PITCHER, A.Transforming Mozambique – the politcs of privatization. Cambridge: Cambrige
University Press, 2002.
POULANZAS, N. O Estado, o poder, o socialismo. Rio de Janeiro: Graal, 2000.
PRZERWORKI, A. Democracia e mercado no Leste europeu e na América Latina. Rio de
Janeiro: Relume-dumara. 1994.
______. Sobre o desenho do Estado: uma perspectiva agente x principal. In BRESSER-
PEREIRA, L.C.; SPINK, P. (Org). Reforma do Estado e administração pública gerencial.
Rio de Janeiro: FGV, 2 ed. 1998
RËGO, A. |C. P.; PEIXOTO, J. M.; A política das reformas econômicas no Brasil. Rio de
Janeiro: Expressão e Cultura, 1998
REZENDE, F.C. Por que falham as reformas administrativas? Rio de Janeiro:
Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2001.
ROCHA, A. Associativismo e nativismo em Moçambique: contribuição para o estudo do
nacionalismo moçambicano (1900-1940). Maputo: Editora Promedia, 2002
SALDANHA, N.; BONAVIDES P. O Estado formas de Estado e Governo. Brasília –
Imprensa Universitária, 1979.
SCHUMPETER, J. Capitalismo, socialismo e democracia. Rio de Janeiro: Fundo de cultura,
1984.

SELZNICK, P. Liderança em Administração. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas,


1972
SITOE, E. J.; HUNGUANA, C. A descentralização democrática é condição necessária
para manter vivo o milagre moçambicano. Maputo: Imprensa universitária, 2005.

SOUSA, de. J.P.G.; GARCIA, C.L.; CARVALHO, J. F.T. Dicionário de política. São Paulo:
Atlas, 1998
SOUZA, E. C. L. de. Escolas de governo: estratégia para a reforma do Estado. In VIEIRA, M.
F.; CARVALHO, C. A. (Org). Organizações, instituições e poder no Brasil. Rio de Janeiro:
FGV, p. 203 – 226, 2003.
STASAVAGE, D. Causes and Consequences of Corruption: Mozambique in transition.
In Doig Theobald eds, corruption and democratization. Frank Cass. London 2000
TEIXEIRA, H. J; SANTANA, S. (coord). Remodelando a gestão pública. São Paulo: E
Blucher, 1994.
THOMAZ, O. R. Contextos cosmopolitas: missões católicas, burocracia colonial e a formação
de Moçambique. (notas de uma pesquisa em andamento). In FRY, P. (org). Moçambique:
ensaios. Rio de Janeiro:Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2001.p. 135-157.
TOLLANAERE, M. Democracia e eleições em Moçambique. In MAZULA, B. (org).
Moçambique 10 anos de paz. Maputo, 2002.

TOURAINE, A. O que é a democracia? 2ª ed. Rio de Janeiro: Petrópolis, 1986.


UEM. Departamento de História. História de Moçambique, 2ª ed. Maputo: Universidade
Eduardo Mondlane, 1988

150
VIEIRA, L. G. Moçambique sob signo da globalização: transformações políticas e
econômicas (1994 – 2004). Dissertação de Mestrado. Brasília: UnB, 2005.
WEBER, M. Ciência e Política: duas vocações. 14ª ed., São Paulo: Cultrix, 2000 a.
______. Economia e sociedade. v. 2, Brasília: Editora UnB, 2004.
ZIMBA, B. Família, identidade feminina e construção da paz em Moçambique, 1992-2002. In
MAZULA, B. (org). Moçambique: 10 anos de Paz. Maputo: Centro de Estudos de
Democracia e Desenvolvimento, 2002.
ZUPPI, D. M. A comunidade internacional de Santo Egidio no Acordo Geral de Paz. In
MAZULA, B. (org). Moçambique: eleições, democracia e desenvolvimento. Maputo, 1995.

151

Você também pode gostar