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Joseph I. Omoregbe - Filosofia Africana. Ontem e Hoje PDF
Joseph I. Omoregbe - Filosofia Africana. Ontem e Hoje PDF
Joseph I. Omoregbe
Mas, como já foi dito, o filosofar também pode começar a partir da condição
humana. Daí, o homem consigo mesmo ser alvo de uma investigação filosófica tão rica
quanto a que se debruça sobre o universo físico. A brevidade da vida, suas vicissitudes,
a superioridade humana sobre o resto da natureza sob seu controle e domínio, seu poder
e sua fraqueza, sua alegria, seu pesar, sucessos e fracassos, sua finitude, sua experiência
de sofrimento, desventura, doença, morte e decadência, grandeza e miséria do ser
humano etc. teem conduzido para reflexão filosófica sobre toda a realidade. A filosofia
de Buda, por exemplo, surgiu de uma reflexão sobre o sofrimento humano. Reflexão
sobre este fenômeno da existência que levanta algumas questões básicas sobre a
natureza humana. Que tipo de ente é o ser humano tão poderoso e tão fraco, tão
grandioso e tão miserável? Hoje, ele pode ser forte e poderoso; amanhã, ele deixa de ser
forte e poderoso e isto é o seu fim. O ser humano tem um tempo natural de existência,
seu instinto mais forte é o instinto de auto-preservação – seu desejo de permanecer vivo.
Apesar de expectativa de vida ser breve e frequentemente se esgotar antes do “tempo” e
contra os seus desejos mais profundos, todos os seus esforços para resistir ao fim
imponderável são inúteis. O ser humano tem um forte desejo de saber, ele é curioso por
natureza; apesar do seu conhecimento ser tão limitado que ele sequer conheça a si
mesmo. Ele não sabe porque existe e não possui respostas sobre questões básicas a
respeito de si mesmo. Ele não escolheu vir para este mundo, simplesmente se descobriu
no mundo sem saber o porquê, e cedo ou tarde será forçado a deixar o mundo. Como
tudo que existe no universo o ser humano simplesmente aparece e finalmente
desaparece. “Que quimera é o homem!” exclama Pascal, um caos, um sujeito em
contradição. Portanto, o homem é um problema para si mesmo, um mistério. Qual é a
sua origem? Qual é o seu destino final? O que acontece quando ele é forçado a deixar a
existência? Ele é parte integrante da natureza ou ele transcende a natureza? Existe entre
ele e os outros animais diferença de grau ou de natureza? Para que ele vive? Qual é o
sentido último da vida? Existe uma força sobre-humana que controla tudo? Se esta força
existe, ela pode ser conhecida?
Agora, como nós encontramos os processos que fizeram com que esses filósofos
africanos sustentassem suas ideias? Como podemos descobrir as razões de suas ideias,
pontos de vista e doutrinas que nos foram transmitidas? Numa cultura em que a filosofia
é preservada nos livros, essa tarefa é mais fácil. Por exemplo, se você quer saber porque
Platão sustentou que a alma é imortal, tudo que você precisa fazer é ler o Fédon. Porém,
numa cultura em que a filosofia foi preservada na memória através de máximas de
sabedoria, provérbios, contos, mitos, religião, etc. passando geração após geração; as
pessoas mais velhas podem nos ajudar (desde que estejam próximas, são a fonte para
encontrarmos esses pensadores originais). Desde que a filosofia foi preservada, através
da memória ou dos livros; a memória dos anciões deve servir para descobrirmos as
razões que são as bases do que nos foi transmitido. Com efeito, a memória dos anciões
pode estar no lugar dos livros. Na cultura ocidental a pesquisa é normalmente feita na
biblioteca, na situação peculiar da tradição filosófica africana o trabalho de campo é
indispensável nas pesquisas. Este trabalho de campo tem como propósito reconstruir os
processos de raciocínio que foram responsáveis pelas ideias que chegaram até nós,
através de entrevista com os anciãos. Em outras partes do mundo, se você quer saber a
filosofia de um povo, diz o professos Wiredu: “você não deve se reportar aos velhos
camponeses, aos sacerdotes ou personalidades da corte; mas, aos pensadores em pessoa
ou textos” (Wiredu, 1980, p.47-48). No caso da tradição filosófica africana, a memória
dos anciãos ou personalidade da corte é de imensa ajuda.
Eu não posso subscrever essa teoria subjetiva da verdade que não distingue
verdade de opinião. “Verdade é a mesma coisa que opinião” (Idem, p.114). Verdade não
é idêntica à opinião. Verdade é objetiva, enquanto opinião é sempre subjetiva. Opinião é
sempre a opinião de alguém, uma perspectiva subjetiva de algo, mas não podemos dizer
que verdade é a verdade de alguém. Wiredu tenta desconstruir a diferença entre
subjetividade e objetividade ou reduzir objetividade à subjetividade de modo que a
objetividade desapareça. Porém, se objetividade desaparecer e for subsumida à
subjetividade. Nós não poderíamos debater acerca da subjetividade, porque não existiria
a distinção característica que torna a subjetividade possível, o contraste com a
objetividade. Isto se aplica à verdade (objetividade) e opinião (subjetividade). Se, tal
como Wiredu defende, a verdade não é nada além de opinião, nesse caso a poinião
perderia o seu significado, o qual só pode ser obtido em contraste com a verdade. A
assertiva de Wiredu de que existem muitas verdades assim como muitos pontos de vista,
afirmando que todo ponto de vista equivale uma verdade, é totalmente falsa. Wiredu
identifica implicitamente “ponto de vista” com “verdade”. Mas, de fato, eles não são
idênticos. Opinião é sempre subjetiva; mas, ponto de vista pode ser objetivo. Não faz
sentido falar em “opinião objetiva” desde que opinião é sempre subjetiva; mas,
podemos falar de um “ponto de vista objetivo” ou de “perspectiva da objetividade”.
Consequentemente, mesmo que o aspecto do ponto de vista seja intrínseco ao conceito
de verdade, ela não poderia ser descrita como nada além de opinião.
Outra tese de Wiredu é a de que “existir é ser conhecido”. Do mesmo modo que
o ponto de vista é um elemento intrínseco ao conceito de verdade, o conceito de
conhecimento também é intrínseco ao conceito de ser e existência. Dizer que um objeto
existe, argumenta Wiredu, é afirmar que o termo em questão se refere a um objeto.
“Existir significa que um dado termo “x” equivale a algum objeto” (Idem, p.127).
Portanto, dizer “x” existe é dizer que existe referência. Evidente que isto é sem
argumentar, diz Wiredu, que não podemos alegar que o termo “x” se refere a algum ente
enquanto não conhecemos nada sobre o ente em questão. De onde segue que alegar ou
dizer que um objeto existe implica em ter algum conhecimento sobre o objeto. Por fim,
existir é ser conhecido.
Novamente, não posso subscrever esta tese. A semelhança entre está tese
e a de Berkeley (que existir é ser percebido) é óbvia. Wiredu declara que a tese de
Berkeley é irrefutável (Idem, p.114), e que sua tese é tão somente outra forma da tese de
Berkeley. Afirmar que existir é ser conhecido, tal como Wiredu faz, implica em que a
existência de um objeto dependa do conhecimento do ser do objeto. Mas, está não pode
ser a razão, porque o conhecimento sempre pressupõe um objeto que seja anterior e
independente de seu conhecimento. O ato de conhecer é uma atividade voltada para um
objeto, o que pressupõe que o objeto de conhecimento exista antes e seja independente
da atividade de conhecimento que lhe é direcionada. Não é a atividade de conhecimento
que constitui o ser do objeto. Nada pode ser conhecido, a menos que exista a priori e
independentemente da ação de conhecimento. Objetos existem primeiro e antes da
atividade de conhecimento que é endereçada para eles, logo, o ponto de partida são os
objetos de conhecimento. Existir não pode significar ser conhecido. É verdade que não
podemos assegurar que um objeto existe sem conhecermos o objeto em questão, mas,
isto não faz que a existência do objeto dependa do nosso conhecimento sobre ele.
Conhecer um objeto é fazer com que o objeto seja alvo de nosso conhecimento,
implicando certamente que o objeto exista antes e independentemente de nosso
conhecimento sobre ele.
Referências Bibliográficas
i
African Philosophy : Yesterday and Today in African Philosophy: an Anthology