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MIGNOLO W Os Esplendores e Miserias Da Ciencia PDF
MIGNOLO W Os Esplendores e Miserias Da Ciencia PDF
Conhecimem*o Prudem&e
para uma W§dm §}ecem&e
'Um Discurso sobre revisitado
n;jê".tas,
"*-%_-
.iili@:ffi?&ã*is1:*,: -
§Talter D. Mignolo
0s esplendores e as misérias da 'tiência":
colonialidade,
geopolítica do conhecimento e pruri-versaridade
rpiueri*
Os Negros de África nào tém por natureza nenhum sentimento que se elevc aci-
ma do insignificante. O senhor Hume desafia qualquer um :r citar um único exern-
plo de um Negro que tenha mostrado talentos, e afirma que entre as centcnâs ou
milhares de negros que são transportados dos seus países para outros lugares,
ainda que muitos deles tenham sido libertados, ainda niro foi encontrado ne-
nhum que tenha apresentado algo de grandioso na âÍte ou ua ciência ou clualcluer
outra qualidade digna de apreço, apesar de entre os braucos ter sempre havido
alguns que sc elevaram da mais baixa ralé c que, atrar'és de dotes snpcriores,
ganharam o respeito do rnundo (Rant, 7763, secção IV).
qi-,
que a ,,revolução Científica" tenha sido, de facto, uma "revolução CâSeira", o
trão e o mesmo que negaÍ aS suas contribrriçoes parâ a etnancipação, a regrr-:
(mais do que a ruptura) qr:.
ção e a opressão. A continuidade paradigmática
áqui postulo pode náo ser aceite sem mais pelos historiadores da ciência' i''
Íilosofia e da epistemologia, na rnedida em que todos trabalham no âmbito o
Mesmo paradigma. Os filósofos seculares do século XMII celebrârâm o âll211r'
dono da Teologia e o âvânço para o mundo racional da ciência, onde a vertla-.
substituiria a crenÇai urn mundo em que Galileu não tivesse de retractar a-
suas afirmaçóes.
A continuidade entre a teologia e a ciência, por um lado, e a percepção d.
que a ciência é a teologia do momento secular do mundo rnoderno/colonial, por
outro, pode ser entendidâ se considerârmos o culto dos números. Na ciência, o:
números pâssarâm â ocupâr o lugar que as letras assumiam na teologia. É, por
isso, tanto mais curioso que âs civilizaçoes antigas das Américas, que âpresen-
tavam um elevado grau de sofisticação em matériâ de números sofisti-
caçáo tão grande, de facto, que era difícil a suâ compreensão para teólogos trel-
nados nas letÍas
-, iá por alturas do século XVIII tivessem sido declaradas
prinritivas e, consequentemente/ Íora de jogo na marcha triunfal da razáo oci'
dental que estava a substituir a teologia cristá ocidental'
Há uma diferença de cerca de 20 anos entle a publicação da Historia Na'
turaly Moral de las Indias (1590) do jesuíta espanhol )ose de Acosta (i539 -
1600) e a publicação do Norrum Organum de Francis Bacon, procurador-gera1
da Inglaterra'3. O Írontispício da Instauratio Magna de Bacon, em que está in-
cluído o seu À/ovum Organum, que ele pensava ser uÍl novo método para subs-
tituir o de Aristóteles/ retÍata um navio a passâÍ pelos pilares de Hércules, que
simbolizavam, para os antigos/ os limites das exploraçÕes possíveis pelos seres
humanos. A imagem Íepresentâ a analogia entle âs grandes viagens de desco-
brimento e âs explorâções clue levavam âo avanço do saber. Bacon, contrariando
essa representação, refutou Aristóteles e proculou um Novo Método, náo um
OrbíS NOi,,uS, mas um Novum Otganum. Bacon e Acosta tinham em Comum
â
.3. Para uma análise da obra de José Acosta, ver Mignolo, 2002b'
CONHECIMENTO PRUDENTE
PAM UMA VÍDÁ DECENTE
ó73
tradiçâo (isto
lsanros, ),OOI . ZTllJ: umâ ruptura cronológica dentro da mesma
é, uma ruptura subparzrdigmática) e uma rr-lptura cspacial. A segUndzr destas
rupturâs introduziu uma {ractura, a descontinuiclade cl:r difereuça epistémic:t
colonial: colonização de pessoas à margern da tttzáo cristã e ocidental, com
outras lógicas e histórias, não-europeias, do conhecimento' Tratou-se, :rc1ui, de
uma ruptura epistemológica propriaflrente dita, mas transÍortnadzl em diferen-
ça colonial através da rejeiçáo de outÍâs formas de conheciurento. Nesse perío-
do cle trinta ânos terá havido, entiro/ dclis processos crltciais: o primeiro foi o
processo da colonização do tempo e o outlo o cla colonizaçáo do espaço' A
colonização do tetlpo resultou nâ "illvenção da Idacie Méclia" e a ccllonizaçiro
do espaço nâ "invençáo dir América".
Na sua Hisil»ia lrlatural y Moral de ltt,s Íntlicrs, Acosta corrigiu, selll o
questiona! o conirecimento teológico elceÍc:l do;llaneta e clo cosmos clue niio se
baseava na experiência proporcionirda peia "descoberta", pelos espanhóis, do
qlte pálrâ eles erâ Lutlâ parte desconhecida do planeta. Copérnico, Galileu e
BrulO "OliraVarm pitra Citna", enCILrâ1ltO ACOst;r 'tllhaVir para tráS" e "OlhaVa pirra
o laclo". Ao olhar parâ tráS/ Acosta estava, de facto, .1 plotâgonizar duas reiei-
que lcspeitosa/ do saber "antigo" i1o
çÕes cclmplemetltares: z] Corlecção/ ainda
ântbito cla gene:rlogia do pensamento em qLre sc âpoiavâ, da Sagrada Escritura
aos filósofos glegos e aos teólogos cristãtls (São Tirrl/rs); e o esQuecimento "iu-
conscicnte" do pcusarnento rigoroso e clas coutribrLiçõtes do muudo árabe para ir
ÍilosoÍia, it ciêuciei c a teologiir (Al-|abri, 1994). Il;rcott e, depois de1e, Descartes
e Ka1t, clcixarirm cle "Olhar pârâ o lado" e corlcentr:lrálm-Se nâ cOlonização clo
telnpo e 1a proclução de um "novo" Collceito de conhecimeuto, baseado uir
"ÍLrzilo", na "fiiosoÍia" e na "ciênciâ", e não ;na"Íé", na "retórica" e na "teologia"'
,,subparadigrna" teológico parii os "subparadigrnas" filosóÍico e cieu-
O desvio ilo
tífico funciolou set11pre de maneira conjLrnta dentro do mesmo
,,mâcropâracligma" (i.e., o conceito ocidental de conhecimento): cliticando o
,,a[rtigo" dentro do rnesmo paradigma io conhecimento nâs línguas grega e lati-
na) e construindo, âo mesmo tempo, a ideia de "modernidade no tempo", por
um lado, e "negattdo" o "diÍerente" (o conhecinrento nas línguas árabe, nahuatl,
ayrnâra e quechua) e edificando a ideia de "modernidade no espaço/tempo"
(como na filosofia da história de Hegel), por outro. Estâ segunda operação, pe-
ralela à primeira, foi apresentada também como subsidrâria, no sentido de clue
//âtrasa-
a cristianização e â civilização íriam trazer os povos e conhecimentos
dOS nO espaÇO// pârâ o "presente nO tempo//, represeltado, de maneira ben-r
suceclida, pela teologitt, ir filosofia secular e ir ciênciil. Desta Íorma, ao "olharen-t
para citltâ'// Cctpérnico, Gahleu e Bnlno frrziatl-no a pârtir de uma plataÍorm:t
rnuito específica quc lão se zrpoiavâ nas contribr-tiçoes chinesas ou árabes para
o colhecirlento, [1:]s na afirrnzrção da generrlogia do peusitirento e clo conheci-
CONHECIMENTO PRUDENTE PAM UMA VIDA DECENTE
mento em gÍego e em latim. Basta olhar pârâ as biografias dos principais nomes
da construçáo das ciências ocidentais (Copérnico, Galileu, Kepler e Newton)
pâra identificar a configulação geo-política (incluindo, é clato, a linguística) do
seu pensamento. A incapacidade dos historiógrafos para perceber que a episte-
mologia ocidental era ao mesmo tempo a história das realizações modernas e
dos adiamentos e das negâQóes coloniais, pode paÍecer surpreendente se presu-
mirmos que essa historiografia se apoia ÍLa Íazâot e não nâ fé. AÍé sobre a qual
foi construída uma parte significativa da historiografia ocidental, incluindo a
//a epistemologia da cegueira"
da epistemologia, foi descrita poÍ Sântos como
{Santos, 2001; Santos, 1995 capítulo 2).
Resumindo, o totalitarismo teológico do século XVI foi traduzido, entre o
início do século XVII e o século XVIII, paÍâ um totalitarismo científico e, no
plano filosófico, secular. Esta tradução ocorreu paralelamente â umâ mudança
de hegemonia entre os países ocidentais imperiais: a Holanda (onde Descartes
escreveu o seu discurso do método) e a Inglaterra (onde Bacon escleveu o seu
Novum Organum ceÍca de 15 anos antes do liwo pioneiro de Descartes) esta-
vâm â substituir a Espanha (onde Sepulveda, Las Casas e Vitoria debatiam a
humanidade dos índios) e Portugal na liderança comercial e ideológica do oci-
dente (Arrighí, 1994, Arrighi and Silve4 19991. A mudança patadigmática não
foi, pois, universal mas regional; de facto, tÍatou-se de uma mudança subpara'
ügmática no âmbito da história da Europa e da constução da difetença
epistémica colonial em relação a outlas genealogias, histórias e práticas
epistémicas. Enquanto na história da Europa paradigmas anteliores elam "su-
perâdos,,, na história mundial os paradigmas diferenciais eram negâdos. Isto é,
a diÍerença epistémica colonial vftia a ser conhecida e âceite enquanto teologia,
nlosofia e ciência ocidental em contraposição à árabe-islâmica, à chinesâ ou à
ameíndia. No século XVIII, a transformação da filosofia e os fundamentos da
rr:ão científica, no sentido preciso em que Sântos a deÍine no parágrafo b)
:rudo, Íoi, em primeiro lugar e âcima de tudo, teológica. Por trás da ideologia
ja ciência modernâ e do conceito secular (e filosófico) de razão, a teologia ofe-
:=-ia, r,erdadeilamente, os fundamentos do totalitarismo epistémico através da
-:Jurâção da distinção entre "universais e particulares" (Beuchot, i 98 I ). Ora,
- : princípios |ógicos e epistémicos da modernidade podem ser situados nâ
. :rnlicidade eÍÍreÍazâo teológica eÍazão científica (e, é claro, na transfornra-
:.r iilosofia teológica em Íilosofia secula4 de S. Tomás â Kant, digamos), o
Nâo pode haver u,ra direcção, mesmo que seja boa, porque uma direcção, ape-
nas Llrla direcção, como Las Casas costumava dize4 leva tambérn ao totalitaris-
mo' Não basta abraçarrros a perspectivâ da modernidade-e sentirmo-nos culpa-
dos e fazermos uln esforço honesto para corrigir os erros. Os problernas irá6
estão no erro. o problema é tlue nao pode haver unt catninlto, upi-versal. Tent
de haver ntuitos caminhos, pluri-versai.s. E este é o
lutuxt que 1tod.e ser ttlcança-
do tt partir da perspectiva da colonialidade corn a utntriltuiçao clada pela mo-
dernidade, mtts nao de modo inverso. o prirneiro cenário conduz à pluri-versa-
lidade; o segundo, à uni-versalidade, a uma inclusão generosâ do diverso dentro
do nresrno do lado bom da modernidade. Em vez de olhar para a modernidade
nâ perspectiva da colonialidade (m:ris clo que o inverso/ que é a Íorma ,,normal,,
de olhar as coisas), consideremos aquilo que ur modemidade negou explicita-
firente ou repudiou e cofirecefiros â pellsar â pârtir daí, e não a partfu dos legados
grego e latino. A negação e o repútdio em norne da rrrodernidade (religiosa, filosó-
fica, económica, jurídica, ética, etc) eram totalitários no sentido em que negavâm
e repudiavam tudo o que não estivesse de acorcio com os princípios restritos e
limit;rdos de urna crença fundamentalista na universaliclade.
As mudanças históricas no conceito "moderno" de conhecimento (isto é,
no plano cronológico desde o Renascimento e no plano linguístico reduzido aos
ftindamentos gregos e latinos e às línguas vernácuias europeias) podem ser en-
tendrdas sernanricilmente atrâvés das mudanças de significado da scientia d,o
latinr para a science vernácula (em inglês corno em francês) ou wissenschaft
em alemão. A própria palavra"ciêrtcia" em si mesma é, simplesmente/ apara-
vra latina para conhecimento: scientia. Até à década de 1 g40, aquilo a que hoje
chamamos ciência era filosofia natural e tanto assim era que mesmo o grande
livro cle Isaac Newton sobre o rnovirnento e a gravidade, publicado em 16g2, se
chamava Os Princípios Matemáticos da Filosofia Natural (Principia Mathematica
Philosophiae Naturalis) . Para si próprio e para os seus contemporâneos, Newton
era um filósofo. Algo de novo estava â âcontecer na filosofia naturâl/ contudo,
que viria ser chamado de nova scientia, "noyo" conhecimento. Teve o seu início
com Mikolaj Kopernrk (1473 rs4}),
Nicolau copérnico. Talvez como - indicaçãocujo nome polaco Íoi latinizado parâ
de clue o conhecimento estâva a seí
racializado, os nomes e a língua polacos estâvâm fora do domínio e da autorida-
CO}.IHECIMEMO PRUDEIM PARA UMA VIDA DECENTE
No plano social, é esse também o horizonte cognitivo mais adequado aos interes-
ses da burguesia ascendente que via na sociedade em que começava a dominar o
estádio Íinal da evoluçáo da humanidade (o estado positivo de Comte; a socieda-
de industrial de Spencer; a solidariedade orgânica de Durkheim). Daí que o pres-
tígro de Newton e das leis simples a que reduzia toda a complexidades da ordem
cósmica tenham convertido a ciêucia moderna no modelo de racionalidade
hegemónica que a pouco e pouco transbordou do estudo danatureza pâra o estu-
do da sociedade (Santos, 1987: 17-18).
No meu estudo de actividades de mulheres não incluídas naquelas a que foi for-
malmente conferido o rótulo de ,,ciência,,, comecei a suspeitar que a ciência
ginocêntrica tem sido muitas vezes chama da ,, arte,, como a arte das parteiras,
, ou
a atte de cozinhar, o1t a arte dos afazeres domésticos. se estas ,,artes,,fossem
actividades androcêntricas, não tenho dúvidas de que teriam sido designadas,
respectivamente, como ciência obstétrica, ciência alimentar e ciências
sociais d,a
família (Ginzberg, 1989: 71).
mercacl'
selrs membros/ e náo o âumento da produtividade, dos obiectos, das
rias, à custa de vidas humanasa.
As formas de argumentação que têm sido avançadas a Íavor da "concepc:r
feminista de conhecimento" constituem r.rm grande passo nestâ direcção E::
primeiro lugar, porque a própria descrição das "concepçóes feministas de c'
'
nhecimento (ou epistemologia)" revela qte a ciência :náo é uma prática unir-c:
sal da qual derivariam práticas subordinadas, comcl a ciência feminista, tt''-
que/ entre outras coisas, a ciência tal como a conhecernos hoie, e como S:rutr ''
e à sua história, é uma "concepção m:rsculina do conhecimeflti) 1tr"
",lararara
episte[rologial,,.Éclaro clue homens como copérnico, Kepler, Galileu, Newtorl
Smith, Ricardo ou Marx, para nolTleâr âpenâs alglus, não se dedicaram a tull.:
Íorrna de conhecer (a "revolução cientíÍica") como uma actividade exclusiva-
metlte mascr.rlina. Acredito que o tenham Íeito pensando/ nâturAlmente/ nt
ârnbito universal clo conhecimento cieltíÍico, não do conhecimento mâscull-
no. Aconteceu, porém, que a forma universal de conhecer foi promovida, deien-
dida e ampliada pot Llm grupo de homens clue viviam nir Europa, estudavarn
nâs universidades prestigiadas do seu tempo, e aconteceu que eram tâmbém
homens brâttcos, embora algr-rns deles fossem iucleus'
Ginzberg apoia a visão avançada por Haunani-Kay Tiask, baseada na sua
a1álise do trabalho das escritoras Íeministas, em qlle "ecoâm dois temas: o
amor (criar, cuidaç necessidade, sensibilidade, relação) e o poder (liberdade
expressão, criatividade I getlçâOt transÍOrmação)". Estes telnâS/ âCrescenta
Ginzberg, "são o clue Tiask identiÍica como 'mâ11iÍestaçÓes geminadas da força
/Eros feminista"'. colclui Gilzberg que:
da vida, que desigla coffro
Estamos ágora em posiçáo de forrnular uma hipótese: a hipótese é que este 'Eros
ferninista' será um marco identificador na epistemologia da ciência ginocêntrica
(Fox) Keller de qlre uma concepçâo
[...]. seguindo â nossa hipótese, e â sugestáo de
ferrinista do erótico pode dar origem â umâ concepção da ciência fundamental-
melte diferente daquela clue Platáo nos legou, parece razoável suspeitar que a
ciência ginocêntrica no seLt habitat ncttLtral pode iri existir, aparecendo como algc'
do:
4. Discussites alargadas destes aspectos poderiam ser encontradas no desenvolvimento
propostos por Santos 320-410) acerca
conceitos de hermelêutica diatirpica e pluritópica {1995:
(1995), sobre âs mârgen:
das margels duplas ou plurais dos "direitos humangs", e em Miglolo
A "ciência"
duplas ou plurais dos conceitos de "escrever", "memória./história" e "espaço/mapas".
e uma política'
eniendida enquanto conhecinellto e prática cientíÍicas, náo irnplica r-rtna ética
(que adquiriu uma funçào
ernbora a "autoridade" da Ciência e a sacralizaçào do "perito científico"
similar à do "perito espiritual" na religláo) produz o efeito de a ciência, a ética e a poiítica apare-
Cereln como u1n pacote ih feito. Da petspectiva de "url outro paradigma", a "ciência" deve ser
concebida como subserviente a proiectos democráticos e à conduta ética, e não
o inverso'
CONHECIMENTO PRUDENTE PARA UMA VIDA DECENTI
diferente da natureza e
tljferente da ciência dntfuocêtttrica clevido à sua concepçào
daposiçâodoeróticocomlespeitoàepistenrologia(Ginzberg,1989:71),
5. A crítica do eurocentrismo e da ideologia moderna da ciência pode ser Íeita â pârtil de duas
perspectivas. Uma é exemplificada por Harding e Wallerstein. Eu descreveria este tipo, seguindo
Enrique Dussel (Mignolo,z}O2bl, como críticas eurocêntricas do eurocentrismo e das críticas
científicas da cientiÍicidade. Wallerstein e Harding sáo investigadores reconhecidos e com urn
estatuto sóIido na sociologia e na filosofia e história da ciência, respectivamente, {ormados em
universidades euro-amedcanas cujas raízes remontam à Renascença e à universidade kantiana-
humboldtiana (Mignolo, 2003b; Readings, 7996i Santos, 1998). A segunda crítícada modernida-
de provém do que Santos descreveu como o "paradigma de transiçáo", que Íaz Írente ao
eurocentrismo a paÍtíÍ da "diÍerença imperial intel.rra", isto é, do Sul da Europa (que é ainda
Europa, como nos diz Hegel), que Íoi construído pelos intelectuais do Norte da Europa ao mesmo
tempo que construíâm o orientalismo. E a terceira é aquilo que eu descrevi como "um outro
paradígma", introduzindo a perspectiva da coloniaiidade e da "diÍerença colonial". Os dois tipos
de crítica distinguem-se e dividem-se, ainda que sejam complementâres, pela diÍerença epistérnica
colonial (Mignolo, 2002a,2002b). Estas ideias existiram em esÍeras diÍerentes: a histórica {a
emergência da dilerença colonial, a sua rearticulaçâo, e a sua invasão da ideia e da prática da
ciência) e a lógica (o silenciamento, pela diÍerença colonial, de Íormas alternativas de racionalida-
de incompatíveis com a modernidade .europeia http://www.bu.edu/wcp/Papers/Scie/Scie/
-
ScieVisn.htm).
CONHECIMENIO PRUDEI'ITE PARA UMA VIDA DECENTE
E.treoséculoXVIeosécuroxvlll,aideiadosbárbaros,depoisdos
europeia e aiudou
âssombrou a iinaginação
selvagens, e a segr-rir dos primitivos
dos sistemas de pensarneÍrto modernos
a estabelece, o "n,,','Ê*'á tpistemlco"
(tanto o Liberaiismo Colno o Marxismo) e a
da teologia Cristã, à illo"sofia Seculâr
Einstein a Prigogine)' o privilégio
ciência modeÍna (incluindo a crírica desta, de
epistémicodecltretirorrpartidoodiscursodaciêrrciaéoseguinte:apesarde
telernsidoclassificadastodasasdiferentesClenças/Coresdepeleepráticas
culruraisnomundo,olugat'deenunciaçaottpafiirdoqual.sefi:eramerefl:e-
mesmo; homem' europeu e
ram toclas as classiÍicaçães foi uma vatiaçao do
não foi construído de propósito enquanto
branco. Mas este l.rga. á" enunciação
verdade é que a reivindicação de
tal. Foi construído c ot-rto universrl'l' mas a
por ulna série de homens que
universalidade foi assumida, cronologicamente,
privilégio epistémico do lugar
viviam na Europa e que eram brancos O impor'
mau de todo. Ergueram-se
eurocêntrico da enuncraçáo náo é, de resto,
--
ó89
Freud a Adorno' e de
cÍíticas iÍrteÍÍrâs' de Marx' Nietzsche e pors'
taÍrtes vozes enunciaçâo rláo se limitou'
a Levinas' õ"lrr.8ar *'o::lt'*o da sob a ban-
Horheimer esquerda
Íoi o*u1*ir* privilégio ,r"rrrrro*o ieia igual-
à direita, mas contudo' Íoi
ir."rlu"iã"i ao prãt".rráão]À ".qt'"'aa,
deira da revofrça"
mente par^" r;H'd;';no'à:?
cesa 1ãt"*'*
a Modernidade e o enÍocentrlsmo
:::::*YT;trJ:tfl
a ser
sobre a cumplicidad" ""tI" das ciências ('lnaturais" ou "sociâis") está
filosofia, da eplst"m-o;;; " at intelectuais (sociólo-
afiiculado, o'-"'á']po' ** "'i*"to 'ig"li"'i*o
""t'" Latina e das caraíbas'
§os, filósofo',
histor'l'a"iárãiu; América tem vindo a ex-
venezuelano Edgardo
Lander l2ooza;2002b.)
o sociólogo dos
hegemónicas
plorar o perfil 'Íí'i""" ;; ';;"* 'u"*"to*;;;;""";nçóes-
á;;"' ' "" conÍiguraçáo oculta"o
e filosóÍico
conhecimento' "'""t-'f'"o " ' e hegemónico do conhecimento Í1â m-
suieito ,nr'""t"t#" "'U'""' "*ersal bem como nos Estados-nação
e
ensino
vestigaçáo ,"' i"ttiãçóes
de T:uâi;';t J:t tecnoló -
nas empÍes a' t""""'t'"à'i'i' "t'p ^uí-d;;; etéreo como isso' Táo-pouco é ele
: :inhecimento
gico e ecoló u*, pÍovas suficien-
'iJi:"**t; '?:ú.":'tâo
dúvrda' seia hegemónico' Há
universal, embora, ãõd-"er ocidental: de Las
os fundamenos do conhecimento
tes parâ
"oni""""' 'oUre
casas ayitória";;;;rhr, de
Bacon a Descarres e de Locke aKantnaFrança,
a Freud em
Ing)aterrae AI"-'i', de Saint-Simon a Marx e de Nietzsche
no Sacro Império Romano' a
França e na Alemanha; de Kepleç -nascido
Copérnico,rrrr"iao"'polónia,eaGalileunaltália'Mesmoolhandoderelance
do pensamento/ da ciência e da
para estâ lista, verifica-se que os fundadores
filosofiamodernosforamhomens.Umsegundoolhar'"I.I,-no.todosprovêm
da Europa o"ia"r,t,i É certo que Copérni"o
t"t""" na Polónia e estudou em
e Pádua' E uma terceirâ r"rsta de
Carcówa,-r, ,,"'ieÀ tm Fe-r'ara' Éolonha
olhosrevelaquetodosesteshomenseulopeuselamtâmbémcristãos(católicos
se colocaram aci-
ou protestân,"r, *" ortodoxos) e b'i"cos' Porém' todos
"ao
j^ progressista' seria o segull nte: "Sim' eu se1 que
r- de
6. O argumento conservadoç disfarçado
KanteraÍâcista.LioartigodeEze,eelelevanta,mp.oblemarelevante|Eze,l99l\.Parece-me'
se reieria esrâ§âm
ao dtzer.que os factos
porém, que o aÍgumento áeÍ'ze éextremista' ':l^tY*
errados(porexemplo,aclassificaçaoracialdossereshumanos)Equeosprincípiosunir'ersaisda
porém, estão para além dos seus
a sua argumentaçáo,
Raztro apartir dos quais Kant desenvolve pnncipios
Esta argumentaçáo piessrrpoe que é possível estabelecer
erros de cáiculo empíricos,,. e que era
gerado por diÍerenças de sexo ou de raqa;
universais da nz-ao "paru alémdo interesse"
trrelevantequeKantfosseumhomembtanconaAlemaniadasegundametadedoséculoX\{II,
dadoqueosprincÍpiosuniversaisestãoaoalcancedetodosimulheres,}rancasoudecor;gays,
etc.). É isso que pretendo dizer
brancos no Terceiro Mundo,
brancos ou de cor; homens e mulheres
quandoafirmoque,sendoo,,conhecimentouniversal,,acessívelatodos,sóalgunstêmacessoàs
chaves desse conhecimento'
BOAVENTURA DE SOUSA SAN;-
.q
ó9r
CONHECIMENÍO PRUDENTE PARA UMA VIDA DECENTE
aqui este
shiva a esse respeito serem também problemáticas, náo discutirei
política do conhecimento
aspecto. Vou limitar-me à sua algumentaçáo sobre a
ou, se se preferir, sobre a geopolítica do conhecimento. Estou estri-
científico
-
tâmente interessado Íra sua crítíca darazáo científícae naquilo a clue ela chama
q
CONHEC]MÊNTO PRUDEI\M PARA UMA VIDA DECENTE
atrâvés da classificação dos seres humanos [ou seja, da cultura], mas dacluela
parte da vida de que os seres humanos foram separados fnaturezal).
A distância crescente entre "nâtuteza" e "cvltt)Ía", por um lado, e os
"recursos naturâis'/ necessários para alargar o "domínio da cultura", por ou-
tro, e com a ciência aparecendo como o principal mediador, culminaria na
destruição inconsciente da natureza err1. nome do progresso, da cultura e da
modernização. Chegou o momento de pormos termo à nossa paixão cegâ pe-
los esplendores da modernidade e compreender que o futuro, como já disse,
não reside no completar do prof ecto incompleto da modernidade, mas no pensar
e agir a partfu de uma premissa totalmente diferente. A oposição entre cultura
e naÍr)Íeza é Íatal e é necessário agir e pensar na base da complementaridade
da "vida no planeta" e da 'tida humâna", encarada como um sector da vida no
planeta que corre o risco de destruir essa vida, incluindo, é claro, a vida hu-
mânâ. A ciência, o conhecimento cientíÍico, tem sido um instrumento na
construção deste impasse.
A história da ciência propriamente dita, da perspectiva da colonialidade, é
muito recente. E é claro que isso não se explica pelo facto de as pessoas no
Terceiro Mundo, nos países em desenvolvimento ou nâs economias emergentes
estârem com o relógio da modernidade atrasado e por a única critica "vâlida"
ser a que éfeita no mesmo local (histórico, linguístico e económico, etc.) em
que a ciênciaee "desenvolveu", mas porque/ naturalmente, a ciência e a tecno-
logia são mais relevantes no Primeiro Mundo, nos países desenvolvidos e nâs
economias estabelecidas. Porém, enquanto ahistória da ciência a pârtir da pers-
pectiva da colonialidade é muito recente/ a perspectiva da colonialidade em si
mesma vem do início dos anos 60, com a descolonização de rtrica e a obra de
Wole Soyinka, Frantz Fanon, Aimé Césaire, Amílcar Cabral, bem como da
emergência da filosofia da libertaçáo e da teoria da dependência. A própria his-
tória do colonialismo no que veio a ser conhecido como América Latina
embora fosse conhecido por Índias Ocidentais entre o século XVI e o final do
-
século XVIII, e, ântes ainda, por Tàwantinsuyu e Anahuac
perspectiva emergente da colonialidade nos anos 70, contribuíram,-, bemsemcomo a
dúvi-
da, para os quâtro volumes magistrâis da Historia de la Ciê,ncia en México,
publicada pelo Fondo de Cultura Económica entre 1983 e 1985. E tal o poder
do eurocentrismo, que era difícil perceber na altura, e mesmo hof e essa percep-
ção está ainda a aÍlorar, que a História da Ciência que aí é contada não é apenas
a história da ciência no México, mâs que ela implica a história da ciência tout
court. Contudo, nos anos 80 e no México, era mais "natt)ral" enquadrar qual-
quer tipo de história no imaginário nacional do que no imaginário planetário.
Ao longo dos anos 80, foi também criada Quipu: Reuista Latinoamérica de
694
EOAVENTUM DE SOUSA SANTO5
deixadas à margem das narrativas da história mundial cristãs. Era esta a ,,dife-
rençâ no espâço//, peio menos até à segunda metade do século xvlll, quando a
diferença no tempo se aliou à diferença no espaço, tornando-se os que para os
espanhóis eram"bârbaros no espaço" em "primitiyos r1o tempo,, para os filóso-
{os seculares do Norte da Europa (Mignolo, zoo2bl. No mundo moderno/colo-
nial, a diferença colonial epistémica tenta lançar luz sobre a geopolítica do co-
nhecimento que conduziu à universalidade do espírito humano e da mente
humana. Esta universalidade, curiosamente, coincide com as conquistas cien-
tíficas europeias e com a democracia de clue prigogine tanto se orgulha. A geo-
política do conhecimento encara da a partir da perspectiva da colonialidade, em
vez da perspectiva interna da modernid ade, tal como esta foi inscrita principal-
mente por Kant e Hegel, é crucial paÍa tornaÍ visível o diferencial epistémico
colonial. De outra maneira, sem geopolítica do conhecimento, a história da
ciência será reproduzida como um movimento do Espírito de oriente para orien-
te e da Grécia para o Atlântico Norte, através do Norte do Mediterrâneo, isto é,
dertálía, Alemanha, França, Holanda e a Inglaterra, até aos Estados unidos da
América.
'fim
ó96
BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS
e irredutíveis
à universaridade do Feminino
ou do Terceiro M,ndo. A coroniari_
dade e as diferenças coloniais
,ao, pnr,
tas nastraseiras da modernidade; -inr, porém, as janelas que foram aber_
e srriva trouxe uma contribuição
compreensão de que nem todo
o conhecimento é "r*.
. d. q.,. o conheci_
à
mento científico não é necessariamente ,,melhor,,científico
,,preferíve1,,,
nha sido concebido e vendido ou embora te-
.o-o ,ri r.ra ideoiogia da modernidade.
se voitarmos a argumas páginas
atrás e,rermos em conjunto Eze,
sofo da Nigéria' Eduardo r'"0ü um so.iologo da veneÃela, e shiva, um firó_
cientista e activista da Índia, uma
encontraremos o esboço daquiro
gures como ,,um outro paradigma,, que descrevi ar-
(Mignolo, 2008c). ir," É,
capaz de suplantar um paradigm
"r, ummoderno
que ma.tém o,rorrlro
paradigma
"novidade" e que não provém a1 ,rpt*^ ^rrJ.rior, da
epistémica temporar rcarizad,adurante
o Renascimento, mas antes de
uma ruptura epistémica espacial. ,,(Jm
paradigma", porque reclarna oLrtro
o seu direito à existêncin ,ã oiaogo entre os
subparadigrnas iregeinónicos
da modernidade na ciência, "
to/ na economia, ,,IJm na filosoÍia, no direi_
etc.. outro paradigma,,n".,..á;r;-i robr" conheci-
que foram,.eg,das
ffiT"r,d§:'â,:f"",Ts " '"io,à-nãlr r",, *o,ogrr, p.1,
Defender
uma perspectiva do Terceiro
Mundo ou uma perspectiva femi_
nista é certamente desejável
,""*r.á.io, mas está longe de ser suficiente.
"
uma perspectiva do Terceiro Mundo
é simpresmente un]a rervindicaçao
direitos epistémicos e políticos dos
cre exstência que foram negados peras
çÕes do primeiro Mu,do, institui_
como o uno, * Instituto de Investigaçâo Genómica,
ou pelo conhecimer-rto institucio "
naTizad.ono ensino superior .À Frnr.çr, na
manha ou os Estados unidos, A_le_
mas está ronge de ser s*iciente.-Há
bilidades abertas a u,â visão várias possr_
feminista ou do Terceiro Mundo.
siste sempre em veÍ o que está o método con-
a ser feito sob a bandei* o"
perspectiva' o gue devemos ,-, ou de outra
reter de Haraway é que, de uma
nista/ a 'bbjectividade da,ciênci perspectir-a femi_
a" nãoroJ. ,", medida ntrnrrés de
examinam a "correspondência" entre a rei métodos que
mas sim a "perspectiva" através . n a...riçao cientítica,
científica
da qual a rei ou a descrição
científica esrá a ser
caso (o a, "ào.,",pondência,,),, ;;r.,*..,,r.a,,
il:Í,:1,Í:"X :lil:," foi neu-
agarantiaa"or,i..,il,lI::?ffi:,n,1ffi
ciência denuncia o facto de a
"perspectiva" mâscurina através
;';?ilH:,"Jl','::i:::',i,Xli,.,f
oblectividade científica procl:rmada
esconder a
*
a, ,irrt , .iencia corno prática ioi crrada.
taria de acrescentar que, historicamànte. Gos_
"perspectiva .,,.utta", que é a transferêncra
, ia"l, a. ob;e.tir:iàná.
,rpli.n .,-,
e a traduçâo do ,,oiho de Deus,,
a garantia úrtima para o "orho como
da Razão" num mundo secular,
cujos principais
BOAVENTURA DE 50u!-
Comojáfoidito,nemâsperspectivasÍeministasnemasperspectivasdo
TerceiroMundo,porsimesmas/gârantemseiaoqueÍor'Masasperspectivaso
necessárias para revelar
feministas e do Terceiro Mundo úo absolutamente
perspectivas masculinas e do Pri-
âmbito estreito e limitado da"clência" nas
simplesmen-
;il"*;;ào. É "trro que ninguém pode gritar vitória acenando,
Tem de ser demonstrado que
;".r, abandeira Íemiirista e ào Terceiro Mundo.
conceptuâl que flutua no espírito da
o conhecimento não Jrr"r^ um aparelho
Humanidade/masqueestáloca|wadonumâgeo-políticadoconhecimento
e na estrutura das divisões baseadas no
sexo no ocidente
imperial e epistémlco
cristáo e caPitalista.
'ASíntesegeopolíticadeHegelé,defacÍo,simultaneamenteesplêndidae
aterradora.Omundo,segundoU"S"l,estádivididoemVelhoeNovo'Explica
de Novo teve origem no facto de a
ele, com uma calma .rpr,tto", que 'b nome
por nós conhecidas,,
América e a AustráIia só tardiamente Se teÍem tornado
(Hegel,1991:80).oespantonáosedeveapenasaofactodeHegelto1.fiaÍ,,rtôl,,
o Íesto do mundo' mas
como o ponto de referãncia universal para descreveÍ
entre o velho e o Novo havia
também à sua confiante ignoÍância. A distinçáo
quando o intelectual italiano Pietro
sido estabelecida desde o final do século X[
das intrigantes notí-
Martir d,Aflghiera escÍeveu âos seus pares italianos aceÍca
cias provenientes de um certo Cristóváo Colombo'
daLigiria' O l*Iovo mundo
e o Velho mundo a Europa
.rn,-"!^ro, o que veio a ser conhecido por América
Hegel via nos
(oú *.uro, iind'^, o Cristianismo ocidental], a Asía e a rttica'
e desapaixon ada" e "uma propensáo
nativos americanos uma "disposiçáO suave
para submissáo servil perante o mais aínda'peÍante o Europeu" (Hegel'
e,
"'L"lo sob todos os
1gg1: s1). E sublinhava qute "a inferioridade destes indiúduos
manifesta" (Hegei'
pontos de ústa, mesmo no respeitante ao tamanho' é muito
fora do alcance dessa
1991: 81)' A Filosofia e as ciências estâvâm/ é claro,
gente'EofuturoqueHegelvianaAméricar,Lâoeranecessariamenteumfuturo
emql}eosnativosame,icanossuperariamoseuropeus/masumfuturoemque
umâ continuaçao da
os crioulos (brancos), de descenáência europeia, seriam
o mundo da história e' por
Europa no Novo -rndo. Assim, oVelho mundo era
de Hegel' Uma
;;;;tr;^, ^-Nri"u caiaÍorada geopolítica do espírito humanoque Hegel tinha claras
vez seguida a geopolítica do conhecimento (e é claro
de Filosofia da Históial, a
essas ideias antes da publicaçáo das suas Liçoes
marcha geo-históric, ào .rpír1to humano podia,
por sua vez, ser seguida' O
com um cordão atado
espírito t r-rrro flutuava, cãmo todos os espíritos' mas
Alemanh a, Inglaterta e França) e um destino
à Europa (o coraçáo da Europa
- crioulos de povos
projectado para aAmérica (ào Norte), onde os descendentes
longe os feitos his-
que habitav am o coraçâo da Europa iriam levar ainda mais
notáveis da tistôtia da
tóricos da Europa. e ciencia Íoi, de Íacto, um dos feitos
700
BOAVENIURA Dt SOUSA SAi\-::
deixar de corrd
"*",",0,*,Th:T*Í?;":,..,:i_l]:JTtÍi:.#iii::Íf.:x.,1;'=:
entre âs diferentes racionajidades
na clemocracrn,rro,r,, envolvidas nas ciências,
e na civilização (prigctsne,
1986; 494).
":ffiIi##,1u.,,,n"a.,,d,,
CONHECIMENTO PRUDENTE PARA UMA VIDA DECENTE
brilho dos conceitos e ideologias das "ciências" europeias (e, é claro, dos Esta-
dos Unidos da América).
Se a epistemologtafeminista desaÍiou os fundamentos patliârcais da ciên-
cia, o roteiro de Hegel tem estâdo, durante os últimos - digamos - 30
anos
(que inclur, claro está, a "ciência"), por
sOb o fogo da crítica do "eutocenttismo"
parte de autores como Sântos (um sociólogo) em Portugal, e Immanuel
Wallerstein (também sociólogo) e Sandra Harding (uma historiadora da ciên-
por
cia), nos Estados unidos. o quadro articulado por Prigogine, embora não
que está pala
culpa deste, gerâ â crença de que a sua articulação é tão óbvia
além de qualcluer crítica. Por outro lado, essa critica, se Íosse autorizada, sê-lo-la
entre pâres/ isto é, entre cientistas e cientistas sociais na esÍera cientíIica e
académica euro-americana. Para além dessa esfera, os universi'tários e cientis-
tas da Ásia, da rtricae da Améric aLatina teriam menos credibilidade e seriam
vistos como inveiosos a queixar-se dos feitos de outlos. lJma vez que oS povos
que viviam fora da Europa, primeiro, ei a partil de Íinais do século XVIII, para
além do Atlântico Norte foram considerados inferiores e expostos à teologia
nos séculos XVI e XVII, à fiiosofia secular no século XVIII e à ciência no século
XIX, não thes resta muito para dízer, iá que continuam atrasados em todas as
esferas dos grandes feitos da Europa: a ciência, a democraciae acivllização.
Mencionei Immanuel Wallterstein e Sandra Harding parâ câptar a âten-
ção dos leitores. O "eurocentrismo", enquanto coniunto de pressupostos e de
Crenças/ opela pol caminhos insuspeitos e está sempre a surpreendel-nos ao
virar da esquina. Se tiyesse começado por mencionar Enrique Dussel e Alíbal
Quijano, a teoriâ da dependência ou a filosofia da libertação, ou Aimé Césaire
ou Frantz Fanon, ou Silvia Rivera ou Frantz Hinkelammert em slrma, inte-
-
lectuais que escreveÍaÍn em espanhol ou ensâístas negros das Caraíbas france-
sâs os leitores poderiam interrogar-se sobre o que tudo isto tem a ver com a
-
ciência e o conhecimento universal; todos eles parecem pertencer ao domínio
da cultura e do conhecimento local. Isto ó, muitos leitores poderiam cair na
diierença colonial epistémica rratuÍahzada pelo colonialidade do poder. Estes
'butsiders" iniciaram um novo paradigma de investigação e de an;illse, uma
crítica do eurocentrismo a partir do seu exterior, isto é, da perspecrrr-a daqueies
que foram intelectualmente debilitados através da persrstêncra e da eircácia da
diÍerença colonial (Mignolo, 2002b1. O eurocentri:n]o R.nurcna colrln .c náo
houvesse nenhum lado de fora das mâcronarrâtir as canonrcas da cir-ili:açáo
ocidental ou da Modernidade europeia desde a Renascença. Pcrde-se .star con-
tra eles, mas tem de se pensar a partir dos mesrlos prrncÍpros e iógicas, como,
por exemplo, o Marxismo contra o Lrberahsmo A ideologia da Guerra Fria
implantou em muitos espíritos, pelo menos a Norte e a Ocidente do Mediterrâ-
702
BOAVENTUM
DE SOUSA SAIi:S
neo, a ideia de
crue o
pri-.iro ."o Mundo "nào
t'"á]i.",**eiro
, M,nd; ciêncja" {uomo
l;^ã,'iTrTrI a que dveram
o
5. OESERyAÇoES
F'NA'S
iu:xr**ry;r*i,*",i",.,l,,1'jtí*-:***i***-
rr"yrià'#:;".::"t'o aoponto de chegada;,";ü;::
Jiit^ru^aetica
do mundo e às
-o4",,, ãl óá;;;1"''zação
j::iii,t:..ffi
,,ilnãH"'#.i:i;u ,,rror,, *:ff ffna:i;ffi ,?1.,1*,:;;:H:"i:
história r, .,ã""*
um dos sj,êncios ii;r,;,i:^^enrar
v de Acosta
ã o,
bes originais,
0i,,,
0"n.,.1ll't'r'"""
'Moral írvfignoJo' 1ffi,]
"utlt
Em primeiro lugar, proponho uma história naturai que, mais do que encantaÍ
com a suâ diversidade ou $atificar pelo fruto imediato das experiências, propor-
cione luz para a descoberta das causas e oÍereça o primeiro leite materno à filoso-
fia na sua infância (Bacon, 1620).
I]
Porque o homem não é senão o servidor e intérprete da Natureza, e só ia: . com-
preende o que tiver observado, de facto ou em pensâmento, do curso da \ature-
2a... NenhumaÍorça, seja e1a qual for, pode desfazer ou quebrar a cadeia dils câu-
sas, e a Natureza só pode ser dominada se {or obedecida. E a:>im que e sse s dois
objectos da humanidade, o Conhecimento e o Poder, r-êm a ser de iacto a me sma
coisa; e o fracasso dos trabalhos decorre, principalmente, da ignorància das cau-
sas (Bacon, 1ó20).
O que não é dito neste passo de Bacon é que aqullo a que ele chaila
-onhecintento e Poder é apenas a perspectiya Moderntt, isto é, a per5pectl\-â
que Bacon ava[ça como umâ das figuras-chirve da nToderiltL]Llde. Fica esconclida
ffi yflil ;
""
n ão um a s
-
s u a s p ráti c a
da
ticulação e conceptualização" ".
s r p iri. n r oHH"
;
:...il::rffi
_ra"r"rr"l ;
nlrecer a pr ática "ii"rrtifi.r,,
rror*r, froà#Jiffit,ff:tril::rrX1:,1i;:,
como',culrurâs,,ou ,,civilizaçôes,t
.on,ritrri para r.iíiãar r
derna e europeia de ciência, -e, rrà0r,, noçào nru_
vez a"-, ti-it, e dissoivei
ampla e relevanre da capacidade na questão mair
dos ,.r", lrr_rr".
co,rpreensão' Harding propõe
uma história pós-colonrrr
o;;;;árrh."l,,"r.,o . ,
nheceria e daria conta
das nra,i"r" l"i"rrliri.rr,
a, .ràr.ia que reco_
Dizer que a questão fundamental
,r, ;;;;;drde-s nao-europeias
h'ma110s" pode ser interpretado
é o "co,rrecimento e a
compreensãcr
como umâ submissão a
pelo conceito cre "ciênci;". ,ràr-rrorrca irnposta
É o, d;-;"i,ã',,oao, mas
das' uma seria a aceitação há, pelo menos, duas saí_
de que refere a certos conhecimento.
e formas de compreensão,
arg,n. ^l'riáni^,,se
d.t""r.rr.iorrra* .o,. ,1.à"r"*rr. Se se-
será essencial desligar
ffi:rffi.rl:".#J::r", a,,ciência,, d.;-;*, prática de
o s écuro XVr, e .;il [:',:,ff ffi à:ff:T:j: ffi ,,lliTÍ,,êil,ffi
fli?f
CONHECIMENTO PRUDTNTE PARÂ UMA VIDA DECEMÊ
BIBLIOGRAFIA
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