Você está na página 1de 42

BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS [Org.

Conhecimem*o Prudem&e
para uma W§dm §}ecem&e
'Um Discurso sobre revisitado
n;jê".tas,

"*-%_-

.iili@:ffi?&ã*is1:*,: -

N. Cham.: Llz.l C749 2006


Título: Conhecimento prudente para
uma vida decente ; "um discursô

I ilil ililt lilt ilt


lililt ililt ililt ililt ililt ilIil illil ililt
146501511 Ac.423108
EEffiã

§Talter D. Mignolo
0s esplendores e as misérias da 'tiência":
colonialidade,
geopolítica do conhecimento e pruri-versaridade
rpiueri*

I. DO TOTATITANTMO CPISTÉI./IEO AO "PARADIGMA DE U'VI CONHECIMENTO


PRUDET{IE PARA
UMA VIDA DECEI.ITE"

No seu provocatório (Jm Discurso


sobre as ciê,ncias,Boaventura
santos Íaz duas considerações de sousa
cruciais que eu gostaria de usar
paÍa a minha como tramporim
argumentâÇão:
a) "a ciência Moderna, saída da revorução científica
do sécuro XVI peras
mãos de copérnico, Galileu e
Newton, começavâ a deixar os cálculos
esotéricos dos szus curtores para
se transformar no ferrnento
transformação técnica e sociar sem de uma
precedentes na história da
nidade,, (Santos, huma-
l9g7: 7);
b) "sendo um modelo grobal, â nova racionalidade
científica é também
um modelo totalitário, na medida
em que nega o caráctet. racio,al
todas as formas de conhecimento a
cípiosepistemológtcos"paorruorqr:;;:';:r:;:;:;:rlí::i:::t{;:,r;r,
10-11, ênÍase minha).

As duas citações anteriores pÕem


em causa a crença enraizadana ,,ciên_
cia" enquanto ponto de chegada
n, r*,oro a, hr*rr.iàrJ.;;; rema que
taria de desenvorve4 convidando gos-
aqui o reitor a imaginar o inodo
"ciência" da perspectiva daquelas de oihar
fo.-r, àe conhecirnento às quais foi negadaa
't racionalidade em nome da "ciência". No sécuro
cpistémica idêntica, invocando xvi ocorã uma recusa
a história e a alfabetização. Do
diante, uma certa conceptualização século XVi em
do conhecimento, que ia cra teorogia
cia, passando pera firosofia (secl,ar), à ciên_
,o.rror-.. o padrão utirizado tanto pela
- .5r

BO,AVENTURA DE 50U5A SANTOS

emâncipação como pela regulação, nesse movimento dual e complementar que


Santos tem vindo a articular em várias das suas obras. Acima de tudo, porém,
os padrões epistémicos estabelecidos em nome da teologia, da filosofia e da
ciência tornaram possível que fosse negada racionahdade a todas as outras for-
mas de conhecimento. Neste sentido preciso, a cumpiicidade entre a moderni-
dade e o conhecimento, atito-definida como um ponto de chega.da planetário,
foi ao mesmo tempo colonialidade enquanto negação epistémica planetária.
Hoje, a descolonização já não é um projecto de libertação das colónias, com
vista à formação de Estados-nação independentes, mas sim o processo de des-
colonização epistémica e de sociaiizaçáo do conhecimento. A "diversidade
epistémica" será o horizonte para o qual convergem o "paradigma de transição,,
(ou um paradigma de conhecimento prudente parâ uina vida decente), proposto
por Santos, e "ur1 outro paradigma" que está a surgir da perspectlva de conhe-
cimentos e racionalidades subalternos (Mignolo, 2000, 2003). A minha argr_r-
mentação, aqui, terá duas partes e várias secções. A primeira parte trâta a crise
da racionalidade no quadro da história "i7'tteÍna" da rnoderniclade europeia e da
civilização ocidental, incluindo a emergência da "epistemologia feminista,,en-
quanto crítica dos ftindarnentos patriârcais da racionalidade científica. Na se-
gunda parte, erploro a "diversidade epistémica" relativamente à racialização de
outrâs formas de conhecimento e vinculo o totalitarismo científico à coloniaii-
dade. Insisto em que/ se o "colonialisrno" pode ser tomâdo como unla relíquia
do passado, a "colonialidade" está bem viva. O totalitarismo científico é hoje,
de facto, um aspecto da "colonialidade global", isto é, das formas que o ,,colo-
nialismo antigo e territorial" está a assumir hoje, como argumentarei na última
parte deste capítulo.
O que está ern jogo aqui, portanto/ não é apenas a "ciência,, como conhe-
cimento e prática, mas toda a idera de ciência no mundo moderno/colonial; a
celebração da crência na perspectiva da modernidade e a revelaçáo, atéhápouco
silenciada, da opressão epistémica çiue, elrr nome da moderrudade, foi exercida
encllranto forma particular da colonialidade. No mundo secularizado da ciência
posterior ao século XVIII, a opressão epistémica era a norra face da opressão
religiosa no mundo sagrado do cristianismo durante os séculos XVI e XVII. As
aÍirmaçóes de Santos citadas acima apontam para dois momentos fundamen-
tais do imperralismo/colonialismo na Europa. Ou, melhor ainda, o momento
original da colonialidade do poder e do conhecimento e a sua rearticulaçáo em
meados do século xvIII. o que quero eu dizer quando falo de colonialidade do
poder e colonialidade do saber? As duas categorias foram introduzidas na lín-
gua casteihana da América Latina com vista a dar conta de diferentes âspectos
do diferenciai epistémico colonial c1ue, desde o século XVI, preside à crença na
superioridade da ciência e do saber ocidentais (ver os meus comentários a Ilya
CONHTCIMENTO PRUDTNTE PAM UMA VIDA DECENTE
669

Prigogine, adiante) e na duvidosa racionalidade


do conhecimento em línguas
que não sejam o gego e o latim ou as suas versóes vernáculas (itariano,
nhol, português, francês, alemão e ingrês), espa_
isto é, as línguas vernácuras colo-
niais da modernidade ocidentar. A ,,ci-ência,,
(conhecimJnto e sabedoria) não
pode ser separada da língua; as
rínguas não são meros fenómenos ,,culturâis,,
em que os povos encontrâm a sua
"identidade,,; são também o rugar em que o
conhecimento está inscrito. E, uma vez que
as línguas nao sao argo que os seÍes
humanos têm, mas argo que os seres h.-orro,
são, a coloniaridade do poder e
do saber vei o a geÍar a coronialidade
do serr. Abundam o, offio, de ,,colonia_
lidade do ser", embora este não seja
o lugar próprio para abordar em pormenoÍ
essa questão. será suficiente lembrar
a obra peau'Noire, iorqu", Blanches
(1952), de Frantz Fanon, para perceber
os limite, ao ocidentar
(Mar5 Freud, Nietzsche) ,o. olho, "orrr""lãento
d. r-, pessoa negra das caraíbas france_
sâs que pensa a partit das margens
de uma história áo p"r,.À.nto e numa
língua que- não são propriamente as suas. para
Fanon, a ontologia do ser é
menos credível e significativa do que para
Emmanuer Levina s; e , pzrâFanon, o
frente-a-frente ou o 'butro do seri de Levinas
estão também limitados a uma
genealogia do pensamento a que ele,
Fanon, não pertence2. será desnecessário
dizer que a "colonialidade do ser,, não
é-uma subjectividade que floresça sob
condiçóes sociais e económicâs para produzir ,,pensamento
ciãntífico, , e para
concentrar "descobertas científicas". Entre
p.rràor., p.rspicazes do
século xwII persistia uma crença ilusória
e um erro"rrop"r,
que não chegava a ser
surpreendente quando orhamos para
ahistória a partir d, p.rrp""tirra da coro_
nialidade do poder em vez do poàer da
modernidrd., i)'r^rr,seguindo
"o,,,o-

l um caso relevante acerca do totalitarismo das curturas ,,científicas,, ,,eruditas,,


estrutuÍas conceptuais e as teorias que e sáo as
Íoram produzidas e expressâs em esparúot
que teriam de ser apresentadas em ou português e
longos parágraÍos e notas de rodapé.
tantos poÍmenores se a minha estrutura Não seria preciso oferecer
conceptual fosse iá arpr"rr, .* ,r.-ao,
inglês Algumas referências seriam suÍicienr.a. francês ou
o l.i,o, poderia rapidamente encontrá-las numa
biblioteca ou na Internet. Não se pâssâ
o mesmo com o espanhor ou o ponuguês,
que estão fora do erenco das línguas duas rínguas
"reconhecíveis,, pela ciência. Não é Íá;il ,..,r..d.,
o sapo cocas' se necessitar de inÍormação como dizia
sobre modernidade/colonialidade e colonialidade
poder, deverá o leitor ver do
euijano, zooo, . 2000b e Landeq, 2000. Nenhura destes
podem ser entendidos no âmbito de dois conceitos
narrativas lineares e cronológicas cujos /ugares
de enuncia-
Çdo estão situados nas lÍnguas epistémicas dominantes
da segunda modernidade (o lluminismo),
isto é, o Írancês, o aremão e o inglês. A
hegemonia epistémica reraciona-se com
e' no mundo moderno ocidental, as rínguas a Iíngua do poder
do podei por sua vez, têm estado reracionadas,
o século XVI, com a expansão desde
imperial. Sobre as ligaçôes entre a colonialidade
conhecimento e a geopolítica do conhecimento, do poder e do
veja-se Mignolo (2000); cathenne walsh
orgs (2002); e Grosfoguel e Rodriguez (2002), - --- er ai,
especiarme.rà , irri.oarçáo.
2. Ver Maldonado-Torres (2OOZ1 ZOOB).
Êã*

BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS

os passos de Hume. Com a arrogância cega a que só a ignorância se pode dar ao


luxo, afirmava Kant:

Os Negros de África nào tém por natureza nenhum sentimento que se elevc aci-
ma do insignificante. O senhor Hume desafia qualquer um :r citar um único exern-
plo de um Negro que tenha mostrado talentos, e afirma que entre as centcnâs ou
milhares de negros que são transportados dos seus países para outros lugares,
ainda que muitos deles tenham sido libertados, ainda niro foi encontrado ne-
nhum que tenha apresentado algo de grandioso na âÍte ou ua ciência ou clualcluer
outra qualidade digna de apreço, apesar de entre os braucos ter sempre havido
alguns que sc elevaram da mais baixa ralé c que, atrar'és de dotes snpcriores,
ganharam o respeito do rnundo (Rant, 7763, secção IV).

Kant reproduziu este esquemâ nas suas liçóes sobre a antropologia de um


ponto de vista pragmático, publicadas no período final da sLIa vidâ/ em 1790.
Copérnico ou Galileu poderão não ter pensado como Kant; talvez não tenham
pensado de todo acerca da "capacidade" de outros seres humanos pâra a "ciên-
cia" . Fizerarn, digamos assim, o que lhes parecia nâtuÍâl. O que pareciâ nâtrual
para Copérnico, Galileu ou Kant na Europa não sttrgiâ, da mesma maneirrl/ a
alguérn em África ciu na Ásia. Mas o problemâ não está na prática daquilo a que
se tem chamado "ciênciâ". O problema, o enorfiIe problema, elnerge da forma
como a "revolução científica" foi concebida. Ela foi concebida colno um trrunfo
da modernidade na perspectiva da modernidade, uma autocclebração que cor-
reu eln paraleio com a crençâ emergente na slrprelnacia da "ritçâ btanca". O
problema estâvâ na falta de consciência de clue a celebraçi1o da revolução cien-
tífica enquanto triunfo da humaniilade negava ao resto da humanidade a capa-
cidade de pensar. Isto é, o poder da modernidade ocultava, âo rnesmo tempo, a
colonirrlidade (do poder, do saber, clo ser). A colonialidade do poder abre uma
porta analítica e crítica que revela o lado obscuro cla moderniclade e o facto de
nunca ter havido, neru poder haver, modernidade sem colonialidade. Da mes-
mâ form.r clue a "ciênciâ" e o "conhecimento cientiÍico" estào implicados na
equação, o conceito rnoderno de conhecimento e de ciência foi concebido e I,
usado para descartar conhecimentos e formas cle saber inscritas em 1ínguzts ir.
vernácul:rs não ocidentais e coloniais e nas suas origens clássiczts (grego e 1:r- âi.
tim). A colonialidacle (do poder, do conhecimento e clo ser) apol1tâ, por outras m
pâlar.râs, para a sempre oculta implicação de negação e repúdio em nome dos
rralores da modernidade ocidental {valores cristãos, entenda-sc de base católica tã
e pÍotestante: a fé, :r ciôucia, a liberdade, a democraciâ, a iustiça, os direitos çâ
humanos, etc.). A ruptrlra e a disjunção que a colclnialidade (do poder, do co- ot
nhecimento e do ser) introcluz no aviulÇo triunfal da "modernidacle" di
- substi-
tuindo ordens económices, sociars e epistémicas "antigâs e traclicionals// m
-
:ONHECIMENTO PRUDENTE PARA
UMA VIDA DECENTE
671

âpareccm como â Írnica realidade


existeute. o rnundo caminha
te em direcção aos objectivos ,,modernidade,,. i,exoravehnen-
restam àqueles que gostariam
c1a
,ril;;;;ossrbiricrades que
de ter outras arternativas .r,uo
,r, dissidê,cia
a,,.ioa..,,i d,d;
;fi:It;; :fi:fi:,1 obi ec tivo s
ô;;.i-", n,,.,, po s sibli _

Neste sentido preciso, o conceito


ocide,tar de modernirlade pocle
rotâlitário. A ciência, co,ro sa,to, ser e é
i6- I l0), tanto pode ser reg,latória
Jr.rro., acercâ cro crireito (S:rntos,
1995:
como emancipatória. Na sua
a ciência rern se.ido como frrce regrlaróri:r,
padrão parâ avariar ,àdr,
to que não se enquadre,r ,os li,rites, ,, f".;;;., de co,rrecirnen_
nos regulamellt.S, náls nornlas
pri,cípios clacluilo que foi criaclo e nos
e corcebidcl como Llma
E neste se,tid. também q.,. supremaciir episté,rica.
n o.ig"r, (a metáÍor, ã, ;r..rao
-\larx uson para clescrever â originar,, clue
"acunlr-riação origin ar,,) d,«.ttotrritarisrno
ioi estabelecida, no século XVI, epistémico
em a.r^ air.cçoes, ulna das quais
ira,sformaçzro de uma ge,earogiir capitalizo, a
cio conrrecim.rto ,rirra,
r'oes :irabes dos rextos gregos àrtrecra, cr:rs traclu_
e lati,os. o :irabe foi erirninaào
rcrlte erq,a,to lín.qua de co,heciinento. d. for,r, co,sis_
Assim, embora ,ru"rr"- trabahaclo
rilrrir da ge^earogia das fontes rle co,rrecinle,to a
gregas . ir,,,rrr, c()perrico
1+73-1543) e Galiler"r, (ts(t4-t(t42)
intrrduzira,, ,;;;;;;; ,, trabalh, cte
c.ilcr-rlo cla mecâ,ica cio u,iverr"
Grorclano Brtrno { 1 54u- r 600) - ;]; foi s,bstituícla pera raziro. clarile.
e
fora,r rrrriu, acusados de tra,sgressâo
ci'rento baseado cm pri,reirrs pri,cípios. d. co,rre _

Galireu Galilei ,..,-rlr.,o,,_r. c


a r-icla; B*r,o, por seri lac'lo, saivo,
crecidi, ,i-r*,.. a sllâ crerlca
p'al:rvras cle Karl e fbi quei,racro. Nas
faspcrs, Giorclano Bru,o era aincra um
Galilei era já um ,,conhececlor,,. cre.te, enq,anto Gaiire.lr
Nos séculos XVI e XVII, o totaritarismo
epistemico ,âo erit cie,tíüc.r,
171'tsteológico e a própria ciênci:r era corrc"bid,
r.otalitarismo - -r.rfr", teológico. Urr;;
epistómic«r
.orrro ,, r.r.lo securar de urn
Ja s con rribt,tç*,
nrr,', .ie;d
;i:r:::; j'::I::,?tffi
J-9: 5l-g0). potrernos irterpr.etilr
csta rntrdrrnça como pararrigrnriticir.
fl ffiHl:
ricar claro, contucro, que este Dercr.i
tipo cre "mudan-ça pr.rais'-;i.)
:irnbito do "Mesmo paradigma", ,.u. luga*o
oorro n,"," t.das âs outras fo'rras de corheci_
rllL''to à escala do praneta já rraviam sicro decraradas fora
qra,dios:r da rristóri:r da de iogo. Na r.ers:i.
ciência de sa,to lgostinho
tio grande que o Mesnro paradigmâ a Galireu, o precorccito e
serve como quacrro de anárise
das ,rr-rclan_
'-rrs "internirs" e para descartar (reco,hecendo
obviar,e",; ;;; co,trrblricãor
'r.rtrils formas de conhecimento e ig,orar o .1.r" .rt,i para
Jigma e algumas referências inevilarrerq além d" ;;.#;;:;
1',cnto árabe trouxe à cristandade
.o-o , contribuição que o conheci-
ocidentar rati,a. É comp.eensÍr
er, po, ,rro,
BOAVENTUM DE 5OU5A S]

qi-,
que a ,,revolução Científica" tenha sido, de facto, uma "revolução CâSeira", o
trão e o mesmo que negaÍ aS suas contribrriçoes parâ a etnancipação, a regrr-:
(mais do que a ruptura) qr:.
ção e a opressão. A continuidade paradigmática
áqui postulo pode náo ser aceite sem mais pelos historiadores da ciência' i''
Íilosofia e da epistemologia, na rnedida em que todos trabalham no âmbito o
Mesmo paradigma. Os filósofos seculares do século XMII celebrârâm o âll211r'
dono da Teologia e o âvânço para o mundo racional da ciência, onde a vertla-.
substituiria a crenÇai urn mundo em que Galileu não tivesse de retractar a-
suas afirmaçóes.
A continuidade entre a teologia e a ciência, por um lado, e a percepção d.
que a ciência é a teologia do momento secular do mundo rnoderno/colonial, por
outro, pode ser entendidâ se considerârmos o culto dos números. Na ciência, o:
números pâssarâm â ocupâr o lugar que as letras assumiam na teologia. É, por
isso, tanto mais curioso que âs civilizaçoes antigas das Américas, que âpresen-
tavam um elevado grau de sofisticação em matériâ de números sofisti-
caçáo tão grande, de facto, que era difícil a suâ compreensão para teólogos trel-
nados nas letÍas
-, iá por alturas do século XVIII tivessem sido declaradas
prinritivas e, consequentemente/ Íora de jogo na marcha triunfal da razáo oci'
dental que estava a substituir a teologia cristá ocidental'
Há uma diferença de cerca de 20 anos entle a publicação da Historia Na'
turaly Moral de las Indias (1590) do jesuíta espanhol )ose de Acosta (i539 -
1600) e a publicação do Norrum Organum de Francis Bacon, procurador-gera1
da Inglaterra'3. O Írontispício da Instauratio Magna de Bacon, em que está in-
cluído o seu À/ovum Organum, que ele pensava ser uÍl novo método para subs-
tituir o de Aristóteles/ retÍata um navio a passâÍ pelos pilares de Hércules, que
simbolizavam, para os antigos/ os limites das exploraçÕes possíveis pelos seres
humanos. A imagem Íepresentâ a analogia entle âs grandes viagens de desco-
brimento e âs explorâções clue levavam âo avanço do saber. Bacon, contrariando
essa representação, refutou Aristóteles e proculou um Novo Método, náo um
OrbíS NOi,,uS, mas um Novum Otganum. Bacon e Acosta tinham em Comum
â

crítica de Aristóteles e dos fundamentos do conhecimento nos livros mas


-
por diferentes razoes. Acosta Yalo1lzavâ a experiência directa ao reieitar o co-
nhecimento livresco, enquanto Bacon valorizaya aRazão na sua crítica à Íilologia,
ao Humanismo Renascentista e âo conhecimento livresco. Bacon pretendia o
"incremento do conhecimento'/ logo na primeira página de lnstauratio Magna,
em latim, citando o Livro de Daniel: "Muitos passarão e o conhecimento âu-
Ífre11taÍát, . Talvez ele tenha acreditado, de facto, que o âumento do conheci-

.3. Para uma análise da obra de José Acosta, ver Mignolo, 2002b'
CONHECIMENTO PRUDENTE
PAM UMA VÍDÁ DECENTE
ó73

mento numâ dada genearogia significavat


ao mesmo tempo/ a diminuição
conhecimento na mesma genealogia, do
Bacon e muitos outros não foram
iâ que, ro ,o.rrrr.á=a partepelo todo,
'dade epistémica do mundo,
J^/irrde compreena., ã ,r"rrr"e da diversi_
o"utrà-rl"ta cerebração excrusiva da Razão.
espaço de vinte
anos que sepârâ Acosta de Bacon j;&;;"nciar No
segundo a contagem padrão de geração,
dos teóricos das gerações, o quar
momento de mudança da hegemonia foi também um
imperiar g.prorrrl portugar
raà paÍa a
Holanda e a Inglaterra-) a tàologi"
-
pela Ciênciat e o conhecimen,o
ão "À.ço.,
a ser substituída pela Filosofia
e
Nà,ro Mundo * nuÍrca reconhecido
quânto fonte de conhecimento en_
o ,,jovem,, continente nos escritos
- tornou-se
dos cientistas nâturais e dos ÍirósoÍo,
írrr,""r",
e alemães da modernidade.
marcha triunfar da modernidade Na
e da Razao,Bacon não se rimitou
trás Acosta; deixou_o de fora, no a deixarpara
Sul Latino da Europa.
Acosta nasceu em 153g, uns ânos
antes dâ mofte de copérnic o,
Bacon era três 4nos mais novo em 1544.
do que Garireu. Mas por que razãose
um vazio na históri produziu
rugarexphl";;;,.j1fi1;::=H;T:,:TíIJi:;;HiT::,,:x.,ft
(Mignolo, zoozbr. A França, ,
rrrgLt"r* e a Alemanha não coron izaram
f *iX*í
nínsula rbérica, mas demonizataÃ-naatravés ape_
da Lenda Negra e pela conversáo
dos Latinos do sur como inferiores,
até porr,o, aos Angro-saxões do
A racialização foi, desde o início, epistàmica
""r,o Norte.
enquanto em rs90 o jesuíta espanhor
e não ,peir, rrrl. Assim,
fosé de Acosra ári;;; "rlt rrrfácio do seu
clássico Historia Naturar y Morar
ae us naias, que compreender
tural era compreender Deus, a sua o mundo na_
vontade e os seus desígnios, Bacon
tayâ uma estÍutuÍa do conhecimento âpreseÍl-
diferente no seu No vum organum (r62a).

A melhor divisão da aprendizagem


humana é a que deriya das três facurdades
alma racionar, que é. a necessidãde da
de aprender. aHistória r* ,.r"re."i"
ria' a Poesia à Imaginaçõo, e a Filosofi) à Memó-
à Razdo. [...] consequentemente,
úês fontes, Memória, Imasnação destas
e Razõo,flrr"m.st* oe,
Poesia e Filosofia (Mignolo, 1995: .ãrrrrço es, Históia,
200).

No plano histórico, tanto â fracturacomo


a continuidade entre fé e razÁo,
teologia e ciência podem s.er ústas, de facto,como
um .,desüo subparadignrático,,
dentro do "mesmo paradigma", ;
;;;;ção ocidentar do conÀecimenro que
"nega o carâcter racionar a iodas ,,
ror-r', ae conhecimento que náo se pâutâ_
rem pelos seus princípios epistemorógicos
e nells .,rr, ,"grããtodorógicas,,,
como santos afirma no parágraÍo
ft) ãcima citado. Nos finais do século xw e
inícios do sécuro xwl, ocorieu umâ
aupi rupt*o epistemorógica (usando a
expressão de santos num sentido
ligeiràmente diÍerente mas -àmplementar
BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS

tradiçâo (isto
lsanros, ),OOI . ZTllJ: umâ ruptura cronológica dentro da mesma
é, uma ruptura subparzrdigmática) e uma rr-lptura cspacial. A segUndzr destas
rupturâs introduziu uma {ractura, a descontinuiclade cl:r difereuça epistémic:t
colonial: colonização de pessoas à margern da tttzáo cristã e ocidental, com
outras lógicas e histórias, não-europeias, do conhecimento' Tratou-se, :rc1ui, de
uma ruptura epistemológica propriaflrente dita, mas transÍortnadzl em diferen-
ça colonial através da rejeiçáo de outÍâs formas de conheciurento. Nesse perío-
do cle trinta ânos terá havido, entiro/ dclis processos crltciais: o primeiro foi o
processo da colonização do tempo e o outlo o cla colonizaçáo do espaço' A
colonização do tetlpo resultou nâ "illvenção da Idacie Méclia" e a ccllonizaçiro
do espaço nâ "invençáo dir América".
Na sua Hisil»ia lrlatural y Moral de ltt,s Íntlicrs, Acosta corrigiu, selll o
questiona! o conirecimento teológico elceÍc:l do;llaneta e clo cosmos clue niio se
baseava na experiência proporcionirda peia "descoberta", pelos espanhóis, do
qlte pálrâ eles erâ Lutlâ parte desconhecida do planeta. Copérnico, Galileu e
BrulO "OliraVarm pitra Citna", enCILrâ1ltO ACOst;r 'tllhaVir para tráS" e "OlhaVa pirra
o laclo". Ao olhar parâ tráS/ Acosta estava, de facto, .1 plotâgonizar duas reiei-
que lcspeitosa/ do saber "antigo" i1o
çÕes cclmplemetltares: z] Corlecção/ ainda
ântbito cla gene:rlogia do pensamento em qLre sc âpoiavâ, da Sagrada Escritura
aos filósofos glegos e aos teólogos cristãtls (São Tirrl/rs); e o esQuecimento "iu-
conscicnte" do pcusarnento rigoroso e clas coutribrLiçõtes do muudo árabe para ir
ÍilosoÍia, it ciêuciei c a teologiir (Al-|abri, 1994). Il;rcott e, depois de1e, Descartes
e Ka1t, clcixarirm cle "Olhar pârâ o lado" e corlcentr:lrálm-Se nâ cOlonização clo
telnpo e 1a proclução de um "novo" Collceito de conhecimeuto, baseado uir
"ÍLrzilo", na "fiiosoÍia" e na "ciênciâ", e não ;na"Íé", na "retórica" e na "teologia"'
,,subparadigrna" teológico parii os "subparadigrnas" filosóÍico e cieu-
O desvio ilo
tífico funciolou set11pre de maneira conjLrnta dentro do mesmo
,,mâcropâracligma" (i.e., o conceito ocidental de conhecimento): cliticando o
,,a[rtigo" dentro do rnesmo paradigma io conhecimento nâs línguas grega e lati-
na) e construindo, âo mesmo tempo, a ideia de "modernidade no tempo", por
um lado, e "negattdo" o "diÍerente" (o conhecinrento nas línguas árabe, nahuatl,
ayrnâra e quechua) e edificando a ideia de "modernidade no espaço/tempo"
(como na filosofia da história de Hegel), por outro. Estâ segunda operação, pe-
ralela à primeira, foi apresentada também como subsidrâria, no sentido de clue
//âtrasa-
a cristianização e â civilização íriam trazer os povos e conhecimentos
dOS nO espaÇO// pârâ o "presente nO tempo//, represeltado, de maneira ben-r
suceclida, pela teologitt, ir filosofia secular e ir ciênciil. Desta Íorma, ao "olharen-t
para citltâ'// Cctpérnico, Gahleu e Bnlno frrziatl-no a pârtir de uma plataÍorm:t
rnuito específica quc lão se zrpoiavâ nas contribr-tiçoes chinesas ou árabes para
o colhecirlento, [1:]s na afirrnzrção da generrlogia do peusitirento e clo conheci-
CONHECIMENTO PRUDENTE PAM UMA VIDA DECENTE

mento em gÍego e em latim. Basta olhar pârâ as biografias dos principais nomes
da construçáo das ciências ocidentais (Copérnico, Galileu, Kepler e Newton)
pâra identificar a configulação geo-política (incluindo, é clato, a linguística) do
seu pensamento. A incapacidade dos historiógrafos para perceber que a episte-
mologia ocidental era ao mesmo tempo a história das realizações modernas e
dos adiamentos e das negâQóes coloniais, pode paÍecer surpreendente se presu-
mirmos que essa historiografia se apoia ÍLa Íazâot e não nâ fé. AÍé sobre a qual
foi construída uma parte significativa da historiografia ocidental, incluindo a
//a epistemologia da cegueira"
da epistemologia, foi descrita poÍ Sântos como
{Santos, 2001; Santos, 1995 capítulo 2).
Resumindo, o totalitarismo teológico do século XVI foi traduzido, entre o
início do século XVII e o século XVIII, paÍâ um totalitarismo científico e, no
plano filosófico, secular. Esta tradução ocorreu paralelamente â umâ mudança
de hegemonia entre os países ocidentais imperiais: a Holanda (onde Descartes
escreveu o seu discurso do método) e a Inglaterra (onde Bacon escleveu o seu
Novum Organum ceÍca de 15 anos antes do liwo pioneiro de Descartes) esta-
vâm â substituir a Espanha (onde Sepulveda, Las Casas e Vitoria debatiam a
humanidade dos índios) e Portugal na liderança comercial e ideológica do oci-
dente (Arrighí, 1994, Arrighi and Silve4 19991. A mudança patadigmática não
foi, pois, universal mas regional; de facto, tÍatou-se de uma mudança subpara'
ügmática no âmbito da história da Europa e da constução da difetença
epistémica colonial em relação a outlas genealogias, histórias e práticas
epistémicas. Enquanto na história da Europa paradigmas anteliores elam "su-
perâdos,,, na história mundial os paradigmas diferenciais eram negâdos. Isto é,
a diÍerença epistémica colonial vftia a ser conhecida e âceite enquanto teologia,
nlosofia e ciência ocidental em contraposição à árabe-islâmica, à chinesâ ou à
ameíndia. No século XVIII, a transformação da filosofia e os fundamentos da
rr:ão científica, no sentido preciso em que Sântos a deÍine no parágrafo b)
:rudo, Íoi, em primeiro lugar e âcima de tudo, teológica. Por trás da ideologia
ja ciência modernâ e do conceito secular (e filosófico) de razão, a teologia ofe-
:=-ia, r,erdadeilamente, os fundamentos do totalitarismo epistémico através da
-:Jurâção da distinção entre "universais e particulares" (Beuchot, i 98 I ). Ora,
- : princípios |ógicos e epistémicos da modernidade podem ser situados nâ
. :rnlicidade eÍÍreÍazâo teológica eÍazão científica (e, é claro, na transfornra-
:.r iilosofia teológica em Íilosofia secula4 de S. Tomás â Kant, digamos), o

-. p:1a força dos princípios em si mesmos/ o çlue, obviamente, corresponde a


. fa: explicaçóes avançadas pelos defensores do excepcionalismo europeu.
':-rcaçâo não reside no poder essencial dos princípios em si mesmos, mâs
' : : nâ cumplicidade, desta vezt eÍLtre uma determinada Íorma de conheci-
BOAVENTURA DE SOUSA SANi'

mento e um determinado momento na história: a criaçáo da economia capita-


lista, tal colrro a conhecemos hoje.

2, A DESCOBERTA DA "COLONIALIDADE" E A EII'IERGÊNCN DE "UM OUTRO PARADIG'I,IA"

As histórias que contei na secção arteÍior ilustram um duplo processo


histórico, de que só um lado era visível: a moclernidade. O outro lado, a colonil-
lidacle, perlnânecell invisível sob a ideia de que o "colouialisnto" setia um pzlssL,
necess/rrio em direcção à modernidade e à civilização; e continua a ser invisívei
hoie, sob a icleia de clue o colonialismo acabou e cle qtte a modernidade é tuclo o
qtre existe. lJm:r clas razóes para só se veÍ metade da história é que esta foi
sempre contirda do ponto de vista da rnodernidade. A colonialidade era o espaço
seln voz {sern ciênciar, sem pensâmento, sem filosofia) que a modernidade tr-
nha, e ainda tem, de conquistar, de supera4 de clominerr. Nos séculos XVI e
XVII, o cristianismo enquanto filosofia (a teologia) e enquânto prática (o colo-
nialismo nas Américas) estabeleceu os alicerces da modernidade/colonialidade
e o privilégio de um lugar de enunciação que a filosofia secular, dois séculos
rnais urrde, e a santificação da ciência, no século XIX, viriam a capitalizar da
perspectivâ do cristianismo, áls outras religioes, bem como os seres humanos e
os conhecirnentos humanos por todo o planeta, eram classiÍicados e hierarqui-
zados como "não tendo aincla lá chegado". Contudo, a única perspectivâ a pârtir
da qual essa classificação se efectuava era o cristianismo. As religioes e os sabe-
res islârnico-árabes ou confucionistas-chineses, as "idolatrias" (!) e os "conheci-
mentos" íncas/aztecas forarn, todos eles, descritos, classificados e hierarquiza-
dos. E a única perspectiva epistémica era o cristianismo que detinha o duplo
privilégio de ser um dos lugares da crença e do conhecimento humano e o único
lado de cuja perspectiva todas as outras crenÇas e conhecimentos podiam ser
descritos, classificados e hierarquizados. Não quer isto de modo algum dizer
que alguma das alternativas ao cristianismo teria sido "melhor" ou "preferível",
ou que náo teria havido espaço para a crítica. O que estou a afirmar não é uma
defesa ou uma celebração do náo-ocidental, mas uma crítica do critério
hegemónico de dois pesos e de duas medidas da filosofia ocidental do conhecr-
mento e a rejeição sumária do que os pensadores modernos inventaram como
sendo tradicional. A questão aqui não é que a "tÍadiçâo" seja inventada. Isso é
óbvio. O que não é óbvio é que a tradiçao tenha sido inventada na percpecfiva
da modernidade porque a "tradiçao" era a diferença colonial necessária paru
afirmar e defender a ideia de modernidade lMignolo, 2003a).
Este privilégto oculto, disfarçado de triunfo ceiebratório da espécie huma-
nâ, que se arÍoga o poder e o conhecimento que permitem classiÍicar e dominar
.:..IECIMENTO PRUDTNTE PARA UMA VIDA DECENTE

o resto da humanrdade, é a colonialidade do poder. ou rnelhor,


a cclloliaiiclacle
de poder enquânto a condição de possibilidade ernbutid,
,r, ,r,r,l".rricliide, lras
que não é possível sem a disfarçada vioiê,cia e justificação
de negaçÕcs qlle
constitllem a coloniirlidade. Assirn, a negaçào de totlas a ostras forrnas
de
racionalidade a partir da perspectiva ila raziro filosófica c científica
rcvela a
dupla face da modernidade/coloniirlidade. Interrogarno-nos hoje por qr.rc
razão
crença se cousegttit-t entraithar de rlaneira tâo iorte não apenas no pírblico
'sta
ctn geral, Inas elltre todos tts trpos cle cientistirs, filósofos analíticos
e estuclan-
les/ enl quenl estâs crençâs sÍo incutidas clir rnesma forma que
a Igreja ilcgte
'ls suâs próprias crellças uos seus segi.ridores. Não é facihrrente cntendiclo o
\ltnples facto de não poder iraver moclernidade sern coloniirlidade, cle
a celebrir-
ciio das razoes científicas se{ ao lresmo terrrpo, a negirçiro clc outras
forlr;rs cle
:tlnheciurento' A raciotralidade cieirtífica ociclcntal é, de facto, uma re:rlzaçâo
'ltle tem de ser reconhecicla. Desse reconhecirnento, porérn, náo se pocle dedu-
:ir clrte a "racionaliclade científicir ociclentirl", tal corno o cristianisnro 1os sécn-
ios XVI e XVII, seja a "Ír,icrl fornrir" a ser pregada, impostrr e aceite peki
resto
lo munclo. As conseqlrêucias práticas das realizacoes cicntí{icas e it icleologiir
qtle âs acompanha sâtl hoie visíveis por todo o laclo clcscle
o extermÍllio cl:]
naturezâ até à marginalização e extertnínio cle seres humanos. Esta
é a clupia
i.rcc e a dupla densidacie da nrodernicia«le/colonialiclacle. A moderniclade
ó um
ptojecto qtte niitl poderá ttunca ser conrpletado, porlue a rnodemicl:rcle
niro pode
'c-1o setn a colonialidacle. O futuro i:i n:to pocle ser imaginackr cr»ro um nllr.i-
1'l'lcl1to na direcção da cotnpletude do projecto incompleto
cl:r morler-nrclarle inas
'Lli1s versocs urarxista ou habermlisiana), rnas deve ser pelsrtdo, apres, e1-p tcr-
l'l.ios de "transnloderuicla.de" (Dusscl), de nm munclo para qr.ral
o tgtlas as lrrcirr-
:lalidades existentes possaltt coutribuir. A socializaçrio tlo colhcciurclrg
9rr
t:j;t, it superaçâo do totalitaristno epistérnico, in-rplica â \rlprrrL'i1() tlrr nroclcrnr-
-iadelcolonialiclade, o simples fact, cle llLrrca ter har-iclo tr.rJr.iLr .url ,rr)ricr.ri-
i.rde porque a modernidacle a inventou; de nlurca tcr'h.rvr.iL) .r.1ar.i ü
1r1to
r'rrrlue rr perspectiv:r cientÍfica necessita clit invcncrio tlii r.r-aLr ult!a.l
]..uJ:c
-l't1ficâr a si mesm:r cotno razão racional; ent síntese, o'nltto rlri 1IIrlcrnrtjrr-
:r alo tnito que ir.rstificou ttào itpenas o totalitiirisnro ciL.niltlr() 11.1r () r()t.rl1t 1-
.-'i-llo 10ur coLlÍtt Í-a7 co'Tlo 0 estalnos a testemunhrrr no inictLr.i, :.a,,1,,
' -ttr.,
--'.rla global. o totalitarismo cla ciência e cla razão cientítica \.ri nlLLrr, p.lr.l
:rll dil própria ciência. Resttmindo, este lneu artigo debrr.rca-\e :obr. ii nroLlcr-
-.lade na perspectiva da coloniirlidade, com vista a reconhece r quL. i1 moderni-
. .,-l-: tenr duas faces, uma libertadora e or_rtra despótica.

o reconhecimento dos limites da modernidade, conti-icro, niio pocle ser


- :::raclo a partir da perspectiva da mesma modernidade clue é
objecto de críti_
- E irecessária a perspectiva da colonialidade daqueles que soireram as conse-
EOAVENTUM DE SOU5A 5A\IT'

quênciâs do lado "ÍÍrau" da modernidade. Bartolomé de Las casas é necessário.


mas náo suficiente. Tàmbém necessitamos da perspectiva de waman puma clc
Ayala e de Alvarado Tezozomoc. Karl Marx é necessário, mas está longe de ser
suficiente. Precisamos de Frantz Fanon, w E. B. Dubois, Gloria Anzaldíra,
Mohammed Abed Al-|abri, vine Deloria |1, etc., para "corrigir" o ]ado ,,malr,, tl.r
modernidade e para "nos rrrovimentârmos numa direcção diferelte,, e não 1e-
cessariamente na direcção do que se sr,rpóe ser a do lado bom da rnodernidurcle .

Nâo pode haver u,ra direcção, mesmo que seja boa, porque uma direcção, ape-
nas Llrla direcção, como Las Casas costumava dize4 leva tambérn ao totalitaris-
mo' Não basta abraçarrros a perspectivâ da modernidade-e sentirmo-nos culpa-
dos e fazermos uln esforço honesto para corrigir os erros. Os problernas irá6
estão no erro. o problema é tlue nao pode haver unt catninlto, upi-versal. Tent
de haver ntuitos caminhos, pluri-versai.s. E este é o
lutuxt que 1tod.e ser ttlcança-
do tt partir da perspectiva da colonialidade corn a utntriltuiçao clada pela mo-
dernidade, mtts nao de modo inverso. o prirneiro cenário conduz à pluri-versa-
lidade; o segundo, à uni-versalidade, a uma inclusão generosâ do diverso dentro
do nresrno do lado bom da modernidade. Em vez de olhar para a modernidade
nâ perspectiva da colonialidade (m:ris clo que o inverso/ que é a Íorma ,,normal,,
de olhar as coisas), consideremos aquilo que ur modemidade negou explicita-
firente ou repudiou e cofirecefiros â pellsar â pârtir daí, e não a partfu dos legados
grego e latino. A negação e o repútdio em norne da rrrodernidade (religiosa, filosó-
fica, económica, jurídica, ética, etc) eram totalitários no sentido em que negavâm
e repudiavam tudo o que não estivesse de acorcio com os princípios restritos e
limit;rdos de urna crença fundamentalista na universaliclade.
As mudanças históricas no conceito "moderno" de conhecimento (isto é,
no plano cronológico desde o Renascimento e no plano linguístico reduzido aos
ftindamentos gregos e latinos e às línguas vernácuias europeias) podem ser en-
tendrdas sernanricilmente atrâvés das mudanças de significado da scientia d,o
latinr para a science vernácula (em inglês corno em francês) ou wissenschaft
em alemão. A própria palavra"ciêrtcia" em si mesma é, simplesmente/ apara-
vra latina para conhecimento: scientia. Até à década de 1 g40, aquilo a que hoje
chamamos ciência era filosofia natural e tanto assim era que mesmo o grande
livro cle Isaac Newton sobre o rnovirnento e a gravidade, publicado em 16g2, se
chamava Os Princípios Matemáticos da Filosofia Natural (Principia Mathematica
Philosophiae Naturalis) . Para si próprio e para os seus contemporâneos, Newton
era um filósofo. Algo de novo estava â âcontecer na filosofia naturâl/ contudo,
que viria ser chamado de nova scientia, "noyo" conhecimento. Teve o seu início
com Mikolaj Kopernrk (1473 rs4}),
Nicolau copérnico. Talvez como - indicaçãocujo nome polaco Íoi latinizado parâ
de clue o conhecimento estâva a seí
racializado, os nomes e a língua polacos estâvâm fora do domínio e da autorida-
CO}.IHECIMEMO PRUDEIM PARA UMA VIDA DECENTE

de do latim enquanto língua da scienüa. A mudança em questão é iâpetceptí'


vel na viragem do século XVI quando, poÍ exemplo, consideramos â Historia
Moral y Natwal de las Inüas de Acosta e o Novum Organum de Bacon. Todo o
paradigma filosófico clue Acosta herdara da Antiguidade (da Bíblia, de autores
gregos e latinos com o assinalável silêncio sobre a contribuição âtabe paru a
-
ciência e amatemâtica [Mignolo, 2002b]) que ele contrastou com, e mudou a
partir da, sua própria experiência nas "Índias" (i.e., o Novo Mundo) seria
substituído pelo Norrum Organum de Bacon, isto é, por um novo
-
método paÍa
a aquisição do conhecimento.
No início do século XIX, o sucesso danova scienüa eratal que ela pâssou
a afectat todos os "princípios universais do conhecimento". Imrnanuel Kant
teria gostado de ter uma organizaçao da sociedade que seguisse a lei do cosmos
(como foi descrita por Newton), por Kant concebida como //cosmo-polis". A
questáo taão era a de a nova scientia ser concebida como urna techné para
orgartzar inÍotrnaçáo estruturil argumentaç âo per se , mas a ideologia ediÍicada
e
sobre novas condições sociais e em cumplicidade com estas: a Glorious
Revolution na Inglaterra em 1688, a Revolução Americana em 1776, Revolu-
çáo Francesa ern 1789 e a Revolução Industrial que se desenvolveu a partir de
finais do século XVIII. Tüdo isto se combinou/ como refere Santos, num novo
coniunto de condiçÕes sociais:

No plano social, é esse também o horizonte cognitivo mais adequado aos interes-
ses da burguesia ascendente que via na sociedade em que começava a dominar o
estádio Íinal da evoluçáo da humanidade (o estado positivo de Comte; a socieda-
de industrial de Spencer; a solidariedade orgânica de Durkheim). Daí que o pres-
tígro de Newton e das leis simples a que reduzia toda a complexidades da ordem
cósmica tenham convertido a ciêucia moderna no modelo de racionalidade
hegemónica que a pouco e pouco transbordou do estudo danatureza pâra o estu-
do da sociedade (Santos, 1987: 17-18).

Em finais do século XIX, Wilhelm Dilthey estabeleceu uma distinçáo en-


tre as ciências naturais/ por um lado, e as ciências humanas 1i.e., as crências
sociais e as humanidades), por outro. Nos finais desse século, um dos maiores
temas da esfera das ciências sociais era o estudo das raças. Os prrncÍpios
objectivos dos discursos cientíÍicos foram usados para legtimâr uma constru-
ção ideológica instalada desde o século XVI na teologia e desde o seculo X\iIII
na filosofia.
A teologia, a filosofia secular e a ciência são transformaçoes internas da
epistemologia ocidental; mudanças paradigmáticas, se quisermos, dentro da
mesma cosmologia. É possível, certamente/ construir argumentos que realcem
BOAVENTI]RA DF SOI]SA S

â ruptluâ epistémica do iluminrsmo, e mesmo da "revolução científica". Cor.


tudo, e para a1én dzr estrutura das teorias científicas e do método científico ..
:r;ratriz ideológica da teologia cristã, da filosofia secular e da ciência é obviarl.-n,
te a mesma. Não há interferência da língua e do conhecimento mandârins o'.,
da língr-ra e dcl couhecimento árabes ou da língra e do conhecimento aym:uil-
Essas três configurações foram expulsas e construídas como o exterior da nt,,-
dernidade. Obviamente, o exterior sô é ontoki§co na perspectiva da mociem,
dacle. Na perspectiva da atlonialidade, o exterior é a necessária fronteira cL.
ruodernidrrde definida a partir da própria perspectiva da moderniciade. Isto ú
não há nenhum ponto de vista objectivo e1n que a motlertidade e a su,r exLeri\ ),
ridtrde seiuÍn observttdas. Aquele que 'b1ha" fá-lo a partir da perspectiva d:i
rnodernidade. A instauração e er auto-legitimação dest:r matriz ideológica sho
responsáveis pela negaçao do "carácter racional er todas :rs formas de conheci-
mento que se não pautarem pelos seus princípios epistemológicos e pelas suas
regrâs metodológicas", conlo refere Santos (1987: 11). Foi este o alicerce do
toterlitari.smo epistémico. Daí que o discurso clas ciências seiâ um discurso re-
gional o discurso cla história regional do pens:rmento europeu. Essa história
-
particular é, no entanto, dupla. Por um laclo, ela é a "história da modernidade
europeia" lnas/ por olrtro, ela é também a "história silenciada da colonialidade
europeia". Enquanto a pnrneira consiste numa história de auto-aÍirmaçáo e de
celebração dos sucessos intelectuais e científicos, a outra é urna história de
negaçoes e de repÍrdros cle todas âs outras formas de racionalidade. O duplo
discurso da auto-afirmação e dos adiamentos é a dupla história da modernida-
de/coloniaiidade, do renascimento europeu ao Atlântico Norte pós-moderno.

3. A GEOPOLÍnCA DA "REVOLUçAO OrmÍnCe", OS SEUS PRMLÉGIOS DE SEXO E DE RAçA

A fim de compreender o duplo discurso da modemidade, que propôe o


avanço da humaniclade ao mesmo tempo clue justifica a subjugação (primeiro
epistérnica e depois económica, política e legai) da humanidade para poder avan-
çar, é cruci.al perceber a dupla ruptura epistérnica: no tempo/ na história da
Europa, através do delinear das fronteiras da Iclade Média; no espaço, fora da
história da Europa, através da construção dos "bárbâros" ("primitivos" desde
o século XVIII, 'butros" no século XX, durante a Guerra Fria; "lrós", desde o
século XVI, sob o ponto de vista dos que foram rotulados de bárbaros, prirniti-
vos e outros). A dupla fronteira, temporal e espacial, pÍeparou o terreno paÍa a
naÍÍativa canónica da modernidade: as liçoes de Hegel sobre a filosofia da his-
tória e, sem qlre ele o anunciasse, do conhecimento. Existem hoje diferentes
versóes das macronarrativas que alargami sem as violar, as fronteiras da moder-
.-..-:C]MENTO PRUDINTT PARA UMA VIDA DECTNTE

ridade. l]rna dessas rnacro-narrativas começa há cerca de 30 mil anos


a
rnacronarrativa da ciência (Gould, 1987) que substituiu a narrativa da religiiro -
a criação do mundo por Deus). uma segunda rristória corneçaria
com os gre-
gos. A história da ciência e da filosofia, dos gregos
até aos nossos clas, faz pirte
Ja grande narrativa da civilização ocidental em que/ é claro, a revolução
cientí_
:ica figura cofiro um dos mais grandiosos sucessos. Uma terceira narrativa
co-
meça coln o Ilurninismo, a secularização do pensamento, o nascimento
dos
Estados-,açâo e o triunfo da burguesia sobre as formas monárquicas
de gover-
ilo e sobre a sociedade aristocrática, e a revolução científica.
A revolução científica Íoi, sellrrirmente, urrr:l grancle contribuição mas
.ste\re longe de chegar a umâ "totalidade universal,, e cle ser o ponto
de chegad:r
Jo que o conhecimento humauo pode conseguir. Para alérn disso, cle Lyna
corl-
quista técnicir náo se pode deduzir; automaticamerlre, uma ética
e urnzr políti-
ca. Se tal acontece, e acontece com frequência, é porque o raciocínio tem
urna
lógica sernelhante à que Kant aplicor: Kant, que era de facto racista, compreen-
deu os factos de rnaneira errada, mas a sua filosofia estabeleceu princípios
11i-
r-ersais; como se os princÍpios universais fossern separzrclos
da categorização do
nrundo a partir da qual eles são enunciadosl Numa apreciação retrospectiva,
a
rer-olução científica ellqtlânto conquista não foi nem universal nern
total, mas
)urÉiu uma forte crençâ de que assim teria sido. De facto, essir conquista
é mais
itmir itlvenção da história ocidental da ciência do clue Llrna collsequênciir ,,nâtu-
r.r1" d:rs práticas científicas e tecnológicas. E são-no também irs misé,riirs
clo
Itscurso sobre as ciênci:rs e a autocelebraçiio cle toclos aciueles que acreditirlr
.1ue a "rnodernidade" era também (apesar de ainda não ser perfeita,
e cle ser 1n
:roiecto ainda inacabado) urn rnodelo a ser segrido por toclcls aquelcs clue
:rharn "atrás" da "tra<)içã,o,,. 'i-
Faç:rmos :.tc1tti uma pâusa para cclnsiderar clois clesafios a cstc moclclo
,llle torrâram forrna por volta cle 1g70. um desses dcsafios teve oLigclr u.rr
:i.,istemologias ierninistas", o outro nas ,,epistemologiirs ctr.ro-raciai:, . E:te
-':tacterizirçho pressupoe que a epistemologia dominantc olr hcgenriir.rice [.
rrrasculina/btanca", embora o norrre clueusii nho seia cs,\ü, .r11re\ o tle ciurlciir
''tltl:1 e objcctiva e cle conhccimento desinteressaclo.
Sc o prinrrrro tic,scs
':'afrtls realçava a polítictt sexuttl tlct conltecitnento, o scq'1lilrl() ircü11r1àr\-a rr
-"!'tilítictr clo conltecirTiento. É claro qlre estas cpisrrrl.luqi.r. não s:ro rlcle-
-.iltlentes uma cla olltra. El1clr.l:1nto:r
printeira tern sirlo ü1rry-l.rdradrl por ult1
''r|ecliglla patriarcal domiuante, a se.çrnila teil
sido eirqr-ladr;1cla pelo racis-
::,r c pela lógica que lhe sr,rbiaz: a coionialidacle c1o poclcr. \rirn caso e no
-'tro, trata-se da recusa e o tepÍrclio de lógicas e r:rcionaliclacles estranhas ou
''1.1gosas/ de modo ár sustenrar
o projecto ascendente c1a modernidade, atra-
BOAVENTURA DE SOUS;

vés da colonialidade do poder e da classificação racial do planeta. Infelizlr.:-


te pârâ o mundo de língua inglesa, toda a bibliografia a que tem acesso sir-,.
a 'brigem" da palavra "Íaça" e/ consequentenrente/ de ,,racismo,, no início .l
século XVIII e todas as referências são em francês, inglês e alemão. É ce.to ,1,...
"raça" , enquanto palawa, existia nos séculos XVI e XVII, mâs tinha um signrrr-
cado diferente na língua vernácula hegemónica do século XVI (o espanhol
"Raza", ern espanhol, significavà,,casta o calidad del origen o linaje,,. Só pocle
riam aspirar ao ingresso nufira ordem religiosa, por exemplo/ os que provada-
mente fossem nascidos de famílias nobres, com linhagens de várias geraçoes.
Mais do que â cor da pele, era a "prteza de sangue" o critério de definição.
fá no
século XVI e na Espanha imperial, conhecirnento e câsta, raça e epistemologia
funcionavam em coniunto.
Mas voitemos às relaçoes entre a diferença sexuaVsexualidade, a ciência,
o conhecimento e a epistemologia, já que estou a alargar este termo às condi-
çoes de todos os tipos de conhecimento, e não apenâs do conhecimento cientí-
fico ou, colrro nâ filosofia grega, de um conhecimento que supere a doxa. Ao
explorar as políticas sexuais e raciais do conhecimento, junto-me à declaração
de santos a {avor clo reconhecimento de que um "novo paradigma,, é necessário
e está a apârecer no dornínio do conhecimento, da hermenêutica e da episte-
mologia. Este novo paradigma não pode continuar a ser teológico/filosófico/
científico, corrro tem acontecido desde o século xvl. o novo paradigma está a
surgir nas humanidades e nas ciências sociais:

Eu falarei, por agora, do paradigrna de um conhecimento prudente para urna vida


decente. Com esta designação quero slgniÍicâr que á natuÍezada revolução cientí-
fica que atravessamos é estruturalmente diferente da que ocoÍreu no século XVI.
Sendo uma revoluçâo científica que ocorre nurna sociedade ela própria revolucio-
nada pela ciência, o paradigma a emergir del;r não pode ser apenâs um paradigma
científico {o paradigma de um conhecimento prudente), terrr de ser também um
paradigma social (o paradigma de uma vida decente) (santos, 19g7: 36-37).

Gostaria de desenvolver estâ ideia a pârtfu do argumento de que o paradig-


ma emergente se está a aÍastar da "uni-versalidade do conhecimento,, imposta
pelo cristianismo, pela filosofia secular e pela ciência moderna, na direcção de
uma "pluri-versalidade do conhecimento e do comprcensão,,, subordinado ao
objectivo do "conhecimento prudente parâ umâ vida decente,,. voltarei a este
ponto mais adiante. Para além disso, ergue-se um grande desafio a todos os que
acreditamos no esgotâmento do projecto da modernidade (abrangendo todo o
espectro que vai do cristianismo ao Liberalismo e ao Marxismo) e, ao mesmo
tempo, estimamos como preciosâs âs suâs realizações. Essa estima pelas reali-
SI\HECIII'IENTO PRUDENTE PARA UMA VIDA DECENTE

z-aSes da modernidade deve manter-nos aleÍta paru a permanente


crítica só-
cio-histórica do lado obscuro da modernidade, isto é, da colonialidade. E é esre,
de facto, o maior desafio: re-imaginar o mundo, construir futuros justos
e de-
mocráticos, socialu,ar o poder em todos os níveis da sociedad e a partir da pers_
pectiva da colonialidade, isto é, da perspectiva do que tem sido, e continua
a
ser, negado em nome do conhecimento cientíÍico, do desenvolvimento
econó-
mico, do progresso histórico, da democracia (aplicada e administrada),
etc. A
política sexual do conhecimento é um entre muitos caminhos.
, o que entendo por política sextal do conhecimento pode ser ilustrado
através da argumentaçáo de Ruth Ginzberg sobre a,,ciência ginocêntrica,,.
Ginzberg observa que:

No meu estudo de actividades de mulheres não incluídas naquelas a que foi for-
malmente conferido o rótulo de ,,ciência,,, comecei a suspeitar que a ciência
ginocêntrica tem sido muitas vezes chama da ,, arte,, como a arte das parteiras,
, ou
a atte de cozinhar, o1t a arte dos afazeres domésticos. se estas ,,artes,,fossem
actividades androcêntricas, não tenho dúvidas de que teriam sido designadas,
respectivamente, como ciência obstétrica, ciência alimentar e ciências
sociais d,a
família (Ginzberg, 1989: 71).

o parágraÍo anterior sublinha, a partir da perspectiva da diÍerença


se-
xual e da sexuaiidade, o âmbito universal de conceitos regionais, como ciên-
cia, flosofia, democracia, história, dfueitos humanos, sendo isto bem conhe-
cido, não é, porém, ainda fácil (tanto para os pensadores de direita como para
os de esquerda) pensar a paftiÍ da perspectiva de que a ciência, a democracia,
etc., não sáo nem o ponto de chegada, nem o nome correcto parâ designar
uma prática cognitiva ou um ideal universal de organizaçáo social. No para-
digma emergente/ a ciê,ncia, a democracia.t etc.t tornâm-se conectores de dife-
rentes perspectivas, experiências e histórias do conhecimento, da compreen-
:ão e das organizações sociais. como conectorest esses termos perdern o efei-
ro mágico que tinhâm enquanto slgxos de denotaçao (de-notatlores); isto é,
o
:rome que designa atotalidade de uma dadaprâtica (ciência ou clemocracial,
rao deixando espaço de manobra. [Jm conceito totalitário de cránu u ou t]e-
::tocracia significa que quem quer que pense ou faça algo diferente sob o nome
i: ciência ou de democracia é não apenas estranho, subdesenvolvido, um
:elinquente ou um fora-da-lei que desrespeita ou mina o significado real do
)rgno de de-notação. um entendimento náo-totalitário e pluriversal de ciên-
---r, não enquanto ponto de chegada, mas enquanto palavra e enquanto
- ,it€CtoÍr admite diÍerentes princípios e práticas de conhecer ou de batalhar
: rr uma sociedade cujo objectivo final seja uma vida decenre pâra todos os
BOAVENÍURA DE SOUSA 5i

mercacl'
selrs membros/ e náo o âumento da produtividade, dos obiectos, das
rias, à custa de vidas humanasa.
As formas de argumentação que têm sido avançadas a Íavor da "concepc:r
feminista de conhecimento" constituem r.rm grande passo nestâ direcção E::
primeiro lugar, porque a própria descrição das "concepçóes feministas de c'
'

nhecimento (ou epistemologia)" revela qte a ciência :náo é uma prática unir-c:
sal da qual derivariam práticas subordinadas, comcl a ciência feminista, tt''-
que/ entre outras coisas, a ciência tal como a conhecernos hoie, e como S:rutr ''
e à sua história, é uma "concepção m:rsculina do conhecimeflti) 1tr"
",lararara
episte[rologial,,.Éclaro clue homens como copérnico, Kepler, Galileu, Newtorl
Smith, Ricardo ou Marx, para nolTleâr âpenâs alglus, não se dedicaram a tull.:
Íorrna de conhecer (a "revolução cientíÍica") como uma actividade exclusiva-
metlte mascr.rlina. Acredito que o tenham Íeito pensando/ nâturAlmente/ nt
ârnbito universal clo conhecimento cieltíÍico, não do conhecimento mâscull-
no. Aconteceu, porém, que a forma universal de conhecer foi promovida, deien-
dida e ampliada pot Llm grupo de homens clue viviam nir Europa, estudavarn
nâs universidades prestigiadas do seu tempo, e aconteceu que eram tâmbém
homens brâttcos, embora algr-rns deles fossem iucleus'
Ginzberg apoia a visão avançada por Haunani-Kay Tiask, baseada na sua
a1álise do trabalho das escritoras Íeministas, em qlle "ecoâm dois temas: o
amor (criar, cuidaç necessidade, sensibilidade, relação) e o poder (liberdade
expressão, criatividade I getlçâOt transÍOrmação)". Estes telnâS/ âCrescenta
Ginzberg, "são o clue Tiask identiÍica como 'mâ11iÍestaçÓes geminadas da força
/Eros feminista"'. colclui Gilzberg que:
da vida, que desigla coffro

Estamos ágora em posiçáo de forrnular uma hipótese: a hipótese é que este 'Eros
ferninista' será um marco identificador na epistemologia da ciência ginocêntrica
(Fox) Keller de qlre uma concepçâo
[...]. seguindo â nossa hipótese, e â sugestáo de
ferrinista do erótico pode dar origem â umâ concepção da ciência fundamental-
melte diferente daquela clue Platáo nos legou, parece razoável suspeitar que a
ciência ginocêntrica no seLt habitat ncttLtral pode iri existir, aparecendo como algc'

do:
4. Discussites alargadas destes aspectos poderiam ser encontradas no desenvolvimento
propostos por Santos 320-410) acerca
conceitos de hermelêutica diatirpica e pluritópica {1995:
(1995), sobre âs mârgen:
das margels duplas ou plurais dos "direitos humangs", e em Miglolo
A "ciência"
duplas ou plurais dos conceitos de "escrever", "memória./história" e "espaço/mapas".
e uma política'
eniendida enquanto conhecinellto e prática cientíÍicas, náo irnplica r-rtna ética
(que adquiriu uma funçào
ernbora a "autoridade" da Ciência e a sacralizaçào do "perito científico"
similar à do "perito espiritual" na religláo) produz o efeito de a ciência, a ética e a poiítica apare-

Cereln como u1n pacote ih feito. Da petspectiva de "url outro paradigma", a "ciência" deve ser
concebida como subserviente a proiectos democráticos e à conduta ética, e não
o inverso'
CONHECIMENTO PRUDENTE PARA UMA VIDA DECENTI

diferente da natureza e
tljferente da ciência dntfuocêtttrica clevido à sua concepçào
daposiçâodoeróticocomlespeitoàepistenrologia(Ginzberg,1989:71),

Se a ciência ândrocêntrica é orientâda para ;r experiência


rlzlsclllilla e a
feminiua, daí náo decorre
ciência ginocêntrica é orientada paráI â experiência
para mulheres
que a primeira seia (tpel1(ts para hotnens e a segundaapcllas -
tipos de couheci-
um erro colnufir que tem nrig.r, llas dificulclades etrr sepârâr
e aos quL- âS prilti-
nlentos e CârâCteríSticas "esseuciais" atri$uídas a ageutes
qlrândo/ por exernplo/ Lllrlâ pessoa
caln. Este erro ocorre tarnbéIr na política
pessoil braucir :rge
llegrâ age e fal:r cono ut1 republicittto brâttco, ellqtlânto
11111:1

e fala corno horne,s ou rnulheres cie cor. Não


há uma correlaçilo "uatttral" entle
se âctua cle acordo cotl opçÕes
o modo como se é percepcionado e o lnodo con1o
é s(l pirra ho-
éticas e proiectos políticos. Pensar clue a ciêncizr audrocêntrica
mens e a ginocêntrica para rnulheres e criticar o "des-cobrir"
clir ciê1Cia
(de fircto, do andro-
ginocêntrica e111 nome cla neutralidirde e da uni-versalidade
perrnanecer enreclirdo na teia do
centrisrno) do conhecimento/ collespontleria a
seus limites' As
m:rcroparadigma ocidental hegemónico e cego quâllto aos
de ter SuCesSo no
r-nrlheres são capazes de se adaptar aro lrodelo androcêntrico
e
ginocêntrica náo é
.eu ârnbito. o que distiugue ciência androcêntrica e ciência
â perspectiva de
serem as ciê'cias ,o pori horutetts ou sri pat-a ntulheres,lnas
feminina, apesâI do facto
que cacla uma delas é, respectivamente, masculina e
anclrocêntrlca
le eristirem e irem continuar ir existir mglhcres a pr:rticar a ciê1cia
cott-
: homens â prâticar a ciência ginocêntrica. As epistemologias feministas
memorizal o\ prcsslt-
:rib1íram de maleira itnpressiolirnte piua deScentrar e
da revoluçào científica c cias suils ctlrl-
iostos prrtriarcais da ciôncia ocidental e
h:i ul1l rrspccto do
:..]uências históricas, políticas, epistémicas e éticas. Mas
ciôtrciils llatlllais colllLr 11i1\
-ir.clrso da ciê1cia e cia prírtica científic:t tantg nils
l1il filos<lfia, tla rclrgilto' tla hts-
-:;r.rciirs sclciiris, nas clisciplinas l1rtlnatrísticâs,
: ,l.i.r tla ilrtc, na literatr,rra e nas artes cig espectricrtltl tlttc irri
elgir utlr ctitltÇo
'15 cttltttras
(lr'1c
..:t;.ressiortilntc dllrânte ils próxl1llels cléCirClils rr frtl-r tle S:1Iiil1tiI
srtcuurb;rtn rttts r':llorcs treolibe rait e rr ltttt.'ertttlrt-
.:,. ciclr-rciire da acaclemia
'iiil
. - :'lllprcs:lriAl.
l)riss0 rr dar uru cxemplo rlaquilo tltle tel1ho c11l lllÜfite -\: '
:igt'iitlc'tttvas
-.,.ribuiçocs surgiclirs cla perspectiva da "cpistetllologirt lÜllllllittrl '}c'11tLli1I'1111
itlt e lttll:t
-- rlintcnsoes crtrnplenle.ntâres cla ciência: :rl a crêt'tci.t nltltlcrll't "cpistcll1olo-
br 11
tt.rruçaro epistémica â pârtir cle ltr-ult pcrspectirrir m:rscltlitla,
- :ttrrsCulirl:r" tolrlott iuviSíveiS Otltros tipoS de Couireciuretrto C otltIAS pers-
sob o rtittllo de "cl]rsteurologirt
--:1\'i1s de cornpreensiro r,1ue cstzio rr etnergir
o l ito de
::nist:t"; e c) a episterrrulogin feuinist:r contribui prrra clesirloi:rt
sextlal
.- :t ciência estariapurificada e virciurrda colltra a iniecção da cliÍererlça
BOAVENTUM DE SOUSA SAI'_-

e da sexualidade. Apesar de crucial, a contribuiçáo do ponto de vista da "episte-


mologia feminista" foi ainda uma ctítica "irttetÍra" da ciência que permitiu Íor-
mular perguntâs semelhantes do ponto de vista da raça e da geopolítica dc
conhecimento. Isto é, permaneceu dentro das fronteiras temporais e espaciat.
autodefinidas pelo discurso da modernidade.
A referência feíta à ciência ocidental nâ peÍspectiva da "epistemologia
Íeminista" diz respeíto, principalmente, ao seu fundamento masculino, ac-
facto de acluilo que passâ por ciência sel, na verdade, baseado numa "(pers-
pectiva de) epistemologia masculina". O Íacto de a ciência ocidental não ser
apeÍlâs masculina mas também branca náo aparece como um tema dessa agen-
da. A epistemologia Íeminista é, assim, uma crítica ocidental e eurocêntrica
da ciência ocidental e do eurocentrismo masculino que deixa intacta a "cor da
epistemologi a" (Eze, 1997f . A importânte contribuição de |. K. Gibson-Graham
(1996]| para a crítíca da economia política poderia ser acrescentada às contri-
buiçóes anteriores, dirigidas principalmente às ciências naturais e âos âspec-
tos científicos das ciências políticas (Alcoff e Potter/ L993). Mais uma vezt a
ciência enquanto conhecimento e prática e o perito científico enquânto ageÍI-
te serão separados das preocupaçóes éticas e políticas incluindo, entre muitas
outras/ âs que dizem respeito ao "perito científico". E, mais lJrrraYez, a ciên-
cia deve seÍ posta ao serviço da "democraciapartícipativa" e não da "democrâ-
cia administtatla ou administtada" que serve a acumulação de capital, a
aplicação das leis, a destruiçáo do ecossistetlla e arnarginalização e o sacriÍí-
cio de vidas humanas. O que Santos designa como "conhecimento prudente

5. A crítica do eurocentrismo e da ideologia moderna da ciência pode ser Íeita â pârtil de duas
perspectivas. Uma é exemplificada por Harding e Wallerstein. Eu descreveria este tipo, seguindo
Enrique Dussel (Mignolo,z}O2bl, como críticas eurocêntricas do eurocentrismo e das críticas
científicas da cientiÍicidade. Wallerstein e Harding sáo investigadores reconhecidos e com urn
estatuto sóIido na sociologia e na filosofia e história da ciência, respectivamente, {ormados em
universidades euro-amedcanas cujas raízes remontam à Renascença e à universidade kantiana-
humboldtiana (Mignolo, 2003b; Readings, 7996i Santos, 1998). A segunda crítícada modernida-
de provém do que Santos descreveu como o "paradigma de transiçáo", que Íaz Írente ao
eurocentrismo a paÍtíÍ da "diÍerença imperial intel.rra", isto é, do Sul da Europa (que é ainda
Europa, como nos diz Hegel), que Íoi construído pelos intelectuais do Norte da Europa ao mesmo
tempo que construíâm o orientalismo. E a terceira é aquilo que eu descrevi como "um outro
paradígma", introduzindo a perspectiva da coloniaiidade e da "diÍerença colonial". Os dois tipos
de crítica distinguem-se e dividem-se, ainda que sejam complementâres, pela diÍerença epistérnica
colonial (Mignolo, 2002a,2002b). Estas ideias existiram em esÍeras diÍerentes: a histórica {a
emergência da dilerença colonial, a sua rearticulaçâo, e a sua invasão da ideia e da prática da
ciência) e a lógica (o silenciamento, pela diÍerença colonial, de Íormas alternativas de racionalida-
de incompatíveis com a modernidade .europeia http://www.bu.edu/wcp/Papers/Scie/Scie/
-
ScieVisn.htm).
CONHECIMENIO PRUDEI'ITE PARA UMA VIDA DECENTE

para uma vida decente" é precisamente um apelo ao despertat e ao "desf.azer"


da "naturalizaçáo" da"ciência" e do poder e da contribuiçáo actual da ciência
para a reproduçáo da colonialidade do poder ao complementaÍ as ideias
-
neoliberais veiculadas por novâs formas de acumulaçáo de capital e de contro-
lo militar.
No quadro da epistemologia feminista, a luta foi conduzida principalmen-
te enquanto crítica das ciências modernas e das suas principais âncoras: o mé-
todo, a metodologia, a epistemologia (Harding, 1986, L989), e teve origem,
maioritariamente, em mulheres brancas que trabalhavam em universidades
europeias e norte-americanas. As contribuiçóes para a "epistemologia feminis-
ta" Í7a perspectiva das mulheres do Terceiro Mundo foram escâssâs ou inexis-
tentes. As mulheres do Terceiro Mundo Íizeram ouür as suas vozes noutros
domínios do conhecimento/ mâs não na ciência e na filosofia. É claro que a
cntica do método e da epistemologia da ciência dificilmente poderia ter chega-
do a ser uma questão relevante no Terceiro Mundo, onde a ciência éurnaprâtí-
ca derivada também limitada pelas condições económicas. O que veio do Ter-
ceiro Mundo, em vez disso, foram duas outras críticas cruciais da ciência: os
seus fundamentos raciais e a sua mobilização para a destruição da natureza e a
apropriaçáo do conhecimento indígenâ em benefício do capitalismo e da di-
mensão cÍescente da economia de mercado.
Emmanuel Chukwudi Eze, um Íilósofo nigeriano, expôs o alicerce racial
do trabalho filosófico de Immanuel Kant e David Hume. O preconceito racial de
Kant e o seu pressuposto de que os europeus brancos (principalmente os ingle-
ses/ os franceses e os alemães) são uma raça superior e, claro, dotada para o belo
e para o sublime, tornam-se claros na secçáo IV das suas Observações sobre o
belo e o subkme (17641, uma secçáo do livro que poucos dos comentadores de
Kânt se dáo ao trabalho de mencionar ou analisar.Para esses comentadores, as
complexidades conceptuais do que são ou poderiam ser o belo e o sublime eram
mais importântes do que dar atençáo ao facto de apenas uma porção da huma-
nidade, aqueles que habitavam o coração da Europa/ serem dotados para tais
sentimentos. Eze mostrou também que o mesmo princípio se aplica à con-
cepção da razão de Kant. A argumentação de Eze foi desenvolvida num longo
artigo intitulado 'A cor da razáo", em que o autor sublinha tânto os pressupos-
tos androcêntricos como os pressupostos raciais da filosofia Kantiana. Eze ctta
Kant no início do capítulo 3 do seu liwo Achieving our Humanity:

Se há alguma ciência de que o homem realmente precise, é aquela que eu ensino,


a de como ocupar de maneira adequada a posição na criação que é destinada ao
homem e a partir da qual ele se torna capaz de aprender o que se deve set paru se
ser homem. (Kânt cit por Eze, 2002: 771
BOAVENTURA DT SOUSA 5Ài
Í :
ó88

diíerença sexuâl que este parágrâ-


A perspectivâ fortemente marcadâ pela
e no próprio conceito de razào petmi-
fo inscreve na filosofia, no conhecinento
aos fr-rndamentos raciais de Hume
e cle
Íe a Ezedesenvolver o seu comel}tário
Kant:
qur
Francis willial-[s :t unt "prtprtglio
Enquanto Hurne courpalâvâ o poeta t-regro
clizum:rsqrlantâspalavrasdernaneiracl:rra",Kant,apcsiirdetermauifestttti"
SLIIpIeSálperanteo"I..,,^dunívelcledestruiçãotraziclopeloseuropeuscivilizado:
ljscolóniasnáo-etrropeias,náopodiaconcedcrteolicamente-ailrdaL]Lrep()I
r-treraiortrraliclade-aigtraldadedairumarridacletatlttlparâoSeuropeusC()rlrL)
nao tinltti
pârâ os charuados Segundo Kont, a existêncitr r/o-s nariyos
.aLrrj"rr..
tlttaltlttel-va]r»]laraalétntltlcler»elhas,axp}ictultTclele,aptollósitcldosnegt1l,
enlTahiti,l'xlrexemp)o,qttes(l()cIlltLlctoC()111o.§el11-opeLlsllruncosospotleti,t
elet'ttt. ttrt nfi'el humarut (Eze' 2002: 79)' l" 'l
Norrrralrrrente/pensâKirnt,osactosdetIanSgIeSSáoprâticâdosporumâpesso:}
ouporumanaçáosobreotrtradevemsercondenadosComoilegais;eletarrrbérr-i
insistiu,dctnaneiraSellsâtâ/elnquees5l5Íegrasnol.maisseaplicariamâpenâs
rlrrdeexistisseutnreconhecirnerrtorecíprocoderltretoclasaspartesenvolviclâ:
são gr.r.".eÍLadr, ;;;L ;;s, flo c.rso drtqüeles cuio existência apelidttva de selt'a'
lei t"l.s,:::icdades' nem 11()
g,em. Kartt pensava que nao existia qualquer ""
jtlleriol-rJrls.seuspaíses,nenlnassuasre.laçõesC()117()Srntrustlseuropeus.Estti
se/vagens seria govetnada por captj-
presunçãet ,1" ,1rr) as vidas dr.ts chantarko.s
cltos,pektittsÍrritr'repelttviolência'enaopelalei'naodeLxt:aqualquerespaÇtt
1'lal,aKantillltt§narulllsistematlerelaçõesintel,t-ltlcitlnaisentÍeoseuÍopeuseO\
e tle reslleito, e govetnado pcll.
llrttil,t;s, estal.le]ecidrl sobre uma brtse de igttaltlatle
.s-isterrra.scled;reittlL]Lle.nà()ftlssetnimllostclst]emcltlouni]ateral15,g,2QQ2:78'

E.treoséculoXVIeosécuroxvlll,aideiadosbárbaros,depoisdos
europeia e aiudou
âssombrou a iinaginação
selvagens, e a segr-rir dos primitivos
dos sistemas de pensarneÍrto modernos
a estabelece, o "n,,','Ê*'á tpistemlco"
(tanto o Liberaiismo Colno o Marxismo) e a
da teologia Cristã, à illo"sofia Seculâr
Einstein a Prigogine)' o privilégio
ciência modeÍna (incluindo a crírica desta, de
epistémicodecltretirorrpartidoodiscursodaciêrrciaéoseguinte:apesarde
telernsidoclassificadastodasasdiferentesClenças/Coresdepeleepráticas
culruraisnomundo,olugat'deenunciaçaottpafiirdoqual.sefi:eramerefl:e-
mesmo; homem' europeu e
ram toclas as classiÍicaçães foi uma vatiaçao do
não foi construído de propósito enquanto
branco. Mas este l.rga. á" enunciação
verdade é que a reivindicação de
tal. Foi construído c ot-rto universrl'l' mas a
por ulna série de homens que
universalidade foi assumida, cronologicamente,
privilégio epistémico do lugar
viviam na Europa e que eram brancos O impor'
mau de todo. Ergueram-se
eurocêntrico da enuncraçáo náo é, de resto,
--

ó89

PARA UMA VIDA DECEME


CONHECIMENTO PRUDEME

Freud a Adorno' e de
cÍíticas iÍrteÍÍrâs' de Marx' Nietzsche e pors'
taÍrtes vozes enunciaçâo rláo se limitou'
a Levinas' õ"lrr.8ar *'o::lt'*o da sob a ban-
Horheimer esquerda
Íoi o*u1*ir* privilégio ,r"rrrrro*o ieia igual-
à direita, mas contudo' Íoi
ir."rlu"iã"i ao prãt".rráão]À ".qt'"'aa,
deira da revofrça"
mente par^" r;H'd;';no'à:?
cesa 1ãt"*'*
a Modernidade e o enÍocentrlsmo
:::::*YT;trJ:tfl
a ser
sobre a cumplicidad" ""tI" das ciências ('lnaturais" ou "sociâis") está
filosofia, da eplst"m-o;;; " at intelectuais (sociólo-
afiiculado, o'-"'á']po' ** "'i*"to 'ig"li"'i*o
""t'" Latina e das caraíbas'
§os, filósofo',
histor'l'a"iárãiu; América tem vindo a ex-
venezuelano Edgardo
Lander l2ooza;2002b.)
o sociólogo dos
hegemónicas
plorar o perfil 'Íí'i""" ;; ';;"* 'u"*"to*;;;;""";nçóes-
á;;"' ' "" conÍiguraçáo oculta"o
e filosóÍico
conhecimento' "'""t-'f'"o " ' e hegemónico do conhecimento Í1â m-
suieito ,nr'""t"t#" "'U'""' "*ersal bem como nos Estados-nação
e
ensino
vestigaçáo ,"' i"ttiãçóes
de T:uâi;';t J:t tecnoló -
nas empÍes a' t""""'t'"à'i'i' "t'p ^uí-d;;; etéreo como isso' Táo-pouco é ele
: :inhecimento
gico e ecoló u*, pÍovas suficien-
'iJi:"**t; '?:ú.":'tâo
dúvrda' seia hegemónico' Há
universal, embora, ãõd-"er ocidental: de Las
os fundamenos do conhecimento
tes parâ
"oni""""' 'oUre
casas ayitória";;;;rhr, de
Bacon a Descarres e de Locke aKantnaFrança,
a Freud em
Ing)aterrae AI"-'i', de Saint-Simon a Marx e de Nietzsche
no Sacro Império Romano' a
França e na Alemanha; de Kepleç -nascido
Copérnico,rrrr"iao"'polónia,eaGalileunaltália'Mesmoolhandoderelance
do pensamento/ da ciência e da
para estâ lista, verifica-se que os fundadores
filosofiamodernosforamhomens.Umsegundoolhar'"I.I,-no.todosprovêm
da Europa o"ia"r,t,i É certo que Copérni"o
t"t""" na Polónia e estudou em
e Pádua' E uma terceirâ r"rsta de
Carcówa,-r, ,,"'ieÀ tm Fe-r'ara' Éolonha
olhosrevelaquetodosesteshomenseulopeuselamtâmbémcristãos(católicos
se colocaram aci-
ou protestân,"r, *" ortodoxos) e b'i"cos' Porém' todos
"ao
j^ progressista' seria o segull nte: "Sim' eu se1 que
r- de
6. O argumento conservadoç disfarçado
KanteraÍâcista.LioartigodeEze,eelelevanta,mp.oblemarelevante|Eze,l99l\.Parece-me'
se reieria esrâ§âm
ao dtzer.que os factos
porém, que o aÍgumento áeÍ'ze éextremista' ':l^tY*
errados(porexemplo,aclassificaçaoracialdossereshumanos)Equeosprincípiosunir'ersaisda
porém, estão para além dos seus
a sua argumentaçáo,
Raztro apartir dos quais Kant desenvolve pnncipios
Esta argumentaçáo piessrrpoe que é possível estabelecer
erros de cáiculo empíricos,,. e que era
gerado por diÍerenças de sexo ou de raqa;
universais da nz-ao "paru alémdo interesse"
trrelevantequeKantfosseumhomembtanconaAlemaniadasegundametadedoséculoX\{II,
dadoqueosprincÍpiosuniversaisestãoaoalcancedetodosimulheres,}rancasoudecor;gays,
etc.). É isso que pretendo dizer
brancos no Terceiro Mundo,
brancos ou de cor; homens e mulheres
quandoafirmoque,sendoo,,conhecimentouniversal,,acessívelatodos,sóalgunstêmacessoàs
chaves desse conhecimento'
BOAVENTURA DE SOUSA SAN;-

mâ da sua masculinidade, da sua condição de europeus, do seu cristianismo e


da sua condição de brancos e prcssupuseram que existia apenas uma perspecrr-
va epistémicâ comum a todas as formas de conhecimento, independente da
localização geo-históricâ, do sexo, da sexualidade, da raça, da economia ou das
condições de trabalho. o filósofo colombiano santiago Castro-Gómez Íormali-
zou â tese de Landeç identificando o ponto zerc da epistemologia moderna que
ele apresentat tarrto no plano histórico como no plano lógico/ como o ponto
supremo tanto da observação como da desincorporação, livre do sexo, da sexla-
lidade, da linguagem das condiçoes económicas (não apenas a classe social mas
também a geopolítica da distribuição planetâria da ríqteza, da natureza e do
conhecimento) (CastÍo- Gómez, 2OO2a; 2OOZb).
Entre o século XVIII e o século XIX, a história, a filosofia e a ciência
encontravam-se já em posição de afirmação. As "pessoas estrangeiras,, (na volta
ao mundo em que Kant descreveu os "caracteres nacionais") estavam muito
distantes da Alemanha, Inglaterua e França. O trabalho de rastreio das diferen-
ças havia sido feito, principalmente, pelos católicos nos séculos xvl e XVII,
afirmando, sobretudo, a ideologia da Espanha imperial, e também de portugal.
As diferenças (i.e., a diferença imperial em relação ao Islão e ao Império otomano
e a diferença colonial assente na disputa aceÍca da humanidade dos índios no
Novo Mundo) haviam já sido desenhadas. os impérios espanhol e português
desempenharâm o importante papel de zonas-tamp ão para o isolamento dos
países do Norte da Europa onde iriam emergir Estados-nação acompanhando
novos desígnios imperiais, em conjunto com a secularização da filosofia e a
emergência da concepção e daprâtica ocidentais de "ciência". o Norte da Euro-
pâ estavâ/ por assim dizeq isolado. Haviam sido delineadas as Íronteiras, esta-
yaÍ;a a entrar em força os beneÍícios da exploração do ouro e
da ptata, as planta-
ções das caraibas estavam a pagar dividendos, âs guerras religiosas tinham
acabado e era possível avançar apartir da ideia da Europa com um ,coÍação,,,
um sul e um Norte. A Europa tornou-se o "presente" numâ história em que o
passado estava na Ásia, o futuro na América e o silêncio em ÁÍrica. Mas regres-
semos à bem conhecida geo-história de Hegel, já que ela foi construída como
uma geopolítica do conhecimento colonizadora/ clue é nossa tarefa descoloni-
zar, hoie e durante as décadas iniciais do século xxl. A tarcÍa já começou/ e este
debate em torno da relevante contribuição de Santos é disso um bom exemplo.
Em breve digressão, permitir-me-ei realçar â enoÍme contribuiçáo da cien-
tista política e âctivista indiana vandana Shiva, que se tem envolvido com a
política da ciência e as suas consequências no (ex) Terceiro Mundo. Estou cons-
ciente da natureza controversa de alguns dos seus trabalhos, especialmente o
seu tÍâtamento da diferença sexual. E apesar de algumas das críticas dirigidas a

.q
ó9r
CONHECIMENÍO PRUDENTE PARA UMA VIDA DECENTE

aqui este
shiva a esse respeito serem também problemáticas, náo discutirei
política do conhecimento
aspecto. Vou limitar-me à sua algumentaçáo sobre a
ou, se se preferir, sobre a geopolítica do conhecimento. Estou estri-
científico
-
tâmente interessado Íra sua crítíca darazáo científícae naquilo a clue ela chama

"âs monoculturas" do esPírito.


de shiva
Mas antes de realçar alguns âspectos básicos da contribuiçáo
noçáo de"cttItura". Desde o século
pârâ este debate, aigUmas palavras acetcada
modernidade de
XVI[, a cultura tem se.viào aqueles que construíam a ideia de
a palawa-chave paÍa
duas maneiras diÍerentes e complementares; foi a cultura
epara ocultar o facto de a coloniali-
reariicular a dupla ÍuptuÍa epistemológica
,,um lado da mãdernidad e" , e não'b outro foru da modernidade"'
dade ter sido
perspectiva da co-
Ora, compreender esta diferença signiÍica pensar a pafiir da
lonialidade, náo damodernidade. se a perspectiva do leitor Íot a da modernida-
dizet. se o leitor
de, ou mesmo da pós-modernidade, duvid.atá do que acabei de
náo tiver dúvidas, talvezisso se deva, provavelmente, a qte iâ se dirige' ou está
prestes a dirigir-se, no sentido da perspectiva da colonialidade/ que é a
pers-
quadro
pectiva do pensamento de fronteira. Porquê? Porque não pode aceítar o
conceptual e a ideologia da modernidade e também não consegue encontral um
quadro conceptual náo-ocidental que não tenha sido contaminado, ao longo
que
dos últimos 500 anos, pela teologia, filosofia e ciência ocidentais' Umavez
não se pode escapar à epistemologia moderna e uma vez que também não se
pode aceitar o seu monotopismo e imperialismo, não hâ o:ULÚa escolha senão: a)
peÍ]Sâr "efitte" cluadros conceptuais e ter consciência das geopolíticas do conhe-
cimento estluturadas pela diferença colonial epistémica, e b) imaginar futuros
possíveis em que o conhecimento não seia regUlado pelo transbordaç no tempo
pÍesente/ da filosofia regional da ciência regional para as ciências sociais e as
humanidades. Ou seja, e como propõe Santos, o caminho é o envolvimento
num paradigma de transição ('b paradigma de um conhecimento prudente para
uma vida decente") ou num 'butro paradignta", um paradigmâ que nomeia a
diversidade da descolonização epistémica em curso por todo o mundo, rncluin-
do a Europa do Sul. I)rnavez mais, as minhas referências geopolíticas náo têm
o objectivo de defender a autenticidade do espírito nacional ou da emanação da
terrâ, mas âpenas situar historicamente as âreas geográficas na acumulaçáo
material capitalista, na organização do sistema inter-Estados e das histórias e
línguas locais que aceitamos, hoje ainda, como a "história ÍIâtural" do mundo.
O argumento que tenho procurado defendet é o de que a moderrudade
incorpora o peÍlsamen to territoúal e a "monocultuta do espírito"; a colonialida-
de abre-se a "uÍÍra outralógica", a do pensâmento de Éronteira e da diversidade
de hermenêuticas pluritópicas em que se encontrâm dois modos territoriais de
BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS

pensâmento (o da modernidade europeia e o da diversidade de conhecimentos


"locais" para além da Europa), um "dependente" do outro {por ser considerado
inÍerior). Mas isso já nâo âcontece com base nos princípios do "reconhecimen-
to" e da "toleràrtcia" promovidos a partiÍ da perspectiva da modernidade, mas
com base na "participação comum" e em relaçóes "inter-epistémicas" exigidas
por epistemologias territoriais subalternas. As "epistemologias territoriais" su-
balternas não sáo o oposto diverso e múltipIo da "epistemologia territorial
hegemónica" (i.e., o pensâmento indiano e o pensamento ocidental; o pensa-
mento africano e o pensâmento ocidentâl; o pensamento islâmico e o pensa-
mento ocidental; o pensâmento andino e o pensamento ocidental, etc.). Ao
contrário, a "diversalidade do pensâmento de fronteira" emergiu em cada um e
em todos os diÍerentes lugares em que dois projectos globais da história local
europeia invadiram a diversidade das histórias locais do planeta.
Os esplendores da ciência nâo foram, pois, apenas âs suâs conquistas no
plano da busca e da descoberta da ordem corÍecÍa da universalidade e da tradu-
ção do conceÍto celestial para leis matemáticas/ mâs também da classiÍicação
rigorosa do reino natural, uma târefâ já começada pelos homens de ciência
espanhóis no século XVI, embora de modo rudimentar (Francisco Hernández,
circa 157 5, fosé de Acosta, 1 590 fMignolo, 2002b]). A mudança na filosofia, de
Acosta a Bacon, já referida, pode ser abordada dentro um período de tempo
mais longo, como explicluei anteriormente: de Hernândez e Acosta até Lineu.
I{ernândez e Acosta Íomperâm a continuidade da tradição clássica (uma ruptu-
ra epistémica clue não se pode encontrar em nenhum dos livros que li e na
informaçáo disponível na internet o que/ neste caso, é um exemplo da dife-
-
rença imperial estabelecida no século XVIII entre o Norte e o Sul da Europa).
Lineu introduziu outra ÍuptuÍa subparadigmâtica ao incluir o método lógico na
biologia e na zoologia. Muito do trabalho dos biólogos do século XVIII tinha a
ver com a arrumação de espécies em tâxonomias. A urgência deste projecto
advinha, em parte/ do próprio número de espécies descobertas: na Antiguidade,
Teofrasto conseguira identificar 500 espécies de plantasi no Renâscimento tar-
dio, Bauhin identificara mais de 6 mil; Lineu catalogou 18 mil; e Cuvier arro-
lou mais de 50 mil espécies separadas de plantas. Ainda clue muitos dos primei-
ros botânicos se tenham contentado com a mera descriçáo de espécies indivi-
duais, os filósofos naturais do final do século XVII e inícios do século XVIII
começârâm â compreender a necessidade de as organizar em categorias que
fizessem sentido. A classificação dos corpos celestes por Sir Isaac Newton/ nos
Principia Mathematica (1687) fomentaria o impulso taxonómico dos biólogos
de inícios do século XVIII. )\"nattxeza" ao nível daterrajuntou-se "rratttÍezà"
nos céus, e o discurso científico começou â tomâr conta da "yida" (não apenas

q
CONHEC]MÊNTO PRUDEI\M PARA UMA VIDA DECENTE

atrâvés da classificação dos seres humanos [ou seja, da cultura], mas dacluela
parte da vida de que os seres humanos foram separados fnaturezal).
A distância crescente entre "nâtuteza" e "cvltt)Ía", por um lado, e os
"recursos naturâis'/ necessários para alargar o "domínio da cultura", por ou-
tro, e com a ciência aparecendo como o principal mediador, culminaria na
destruição inconsciente da natureza err1. nome do progresso, da cultura e da
modernização. Chegou o momento de pormos termo à nossa paixão cegâ pe-
los esplendores da modernidade e compreender que o futuro, como já disse,
não reside no completar do prof ecto incompleto da modernidade, mas no pensar
e agir a partfu de uma premissa totalmente diferente. A oposição entre cultura
e naÍr)Íeza é Íatal e é necessário agir e pensar na base da complementaridade
da "vida no planeta" e da 'tida humâna", encarada como um sector da vida no
planeta que corre o risco de destruir essa vida, incluindo, é claro, a vida hu-
mânâ. A ciência, o conhecimento cientíÍico, tem sido um instrumento na
construção deste impasse.
A história da ciência propriamente dita, da perspectiva da colonialidade, é
muito recente. E é claro que isso não se explica pelo facto de as pessoas no
Terceiro Mundo, nos países em desenvolvimento ou nâs economias emergentes
estârem com o relógio da modernidade atrasado e por a única critica "vâlida"
ser a que éfeita no mesmo local (histórico, linguístico e económico, etc.) em
que a ciênciaee "desenvolveu", mas porque/ naturalmente, a ciência e a tecno-
logia são mais relevantes no Primeiro Mundo, nos países desenvolvidos e nâs
economias estabelecidas. Porém, enquanto ahistória da ciência a pârtir da pers-
pectiva da colonialidade é muito recente/ a perspectiva da colonialidade em si
mesma vem do início dos anos 60, com a descolonização de rtrica e a obra de
Wole Soyinka, Frantz Fanon, Aimé Césaire, Amílcar Cabral, bem como da
emergência da filosofia da libertaçáo e da teoria da dependência. A própria his-
tória do colonialismo no que veio a ser conhecido como América Latina
embora fosse conhecido por Índias Ocidentais entre o século XVI e o final do
-
século XVIII, e, ântes ainda, por Tàwantinsuyu e Anahuac
perspectiva emergente da colonialidade nos anos 70, contribuíram,-, bemsemcomo a
dúvi-
da, para os quâtro volumes magistrâis da Historia de la Ciê,ncia en México,
publicada pelo Fondo de Cultura Económica entre 1983 e 1985. E tal o poder
do eurocentrismo, que era difícil perceber na altura, e mesmo hof e essa percep-
ção está ainda a aÍlorar, que a História da Ciência que aí é contada não é apenas
a história da ciência no México, mâs que ela implica a história da ciência tout
court. Contudo, nos anos 80 e no México, era mais "natt)ral" enquadrar qual-
quer tipo de história no imaginário nacional do que no imaginário planetário.
Ao longo dos anos 80, foi também criada Quipu: Reuista Latinoamérica de
694
EOAVENTUM DE SOUSA SANTO5

Historia de ras cieTl1as y ra


Tecnoro§a', ,y^publicação
linha da frente a diferença que rrouxe pata a
conceptuarizada nesses termos."nir;;:;, .orort"i,""-rrirlJin'rro tivesse sido
conrudo, se hoje , ãrilrçu"
epistémica coroniar na fundamentaçao da diferença
histó úca d,a-oo.rrriarae/coronialidade
se tornou visíver para nós,
estes priteiros trabalho,
ram contribuições assinaláveiss.
,, t iriária da ciência fo_
a diÍerença coloniale aitda acriar um enquadramento
,*r, âiiTrTTo' da his-
d.,,t"à,ü;,;HJ.H,;H"#il?ffi::,::'f
para o Ocidente. Será
antes uma história
ru:::1:,*1;*j:.*t*fi i;
o,ffii:;Tff":il:rffiÍiffil:
r
dos um ro or*oo, uma estÍuru*
descreveu como "coloniaridade
da equação poder/conh""im.nto
ã;;;;,,
Há um à,"ràrrr"rro generarizado
Foucault' As explorações_das íri"i^rrr^aa pelo fllósofo francês Michel
,"lrço"rãpoder por Foucault permanecerâm
esfera da cosmologia ocidenrar,
historiador americano da ciência
d;;;;; myitg semerhanre àquela que revouna
paradigmáticas" ao âmbito
,rr""-, Kuhn a ti-rtn. ,. ,uas ,,revoluçõeso
estreito dãêLia ocidentar.
deverão ser considerados Isto é, Ioucaurt
como *io.*"i. ,*rorrrrri"."."rinrrrrnues e Kuhn
crítica eurocêntrica do eurocentrtrrr", parâ
tanto, outÍa poÍta, uma poÍta
o coronialidade do poder abriu, no en_â
aque bateram muitos intelec-tuais
cabral, Dussel, etc., entre outros). fcomo Fanon,
considerar a modernidade
colonialidade, emvez de anarisar da perspectiva da
o da perspectiva da modernida_
"ãi""Lrrr*o
ã,,ãol
li;iif ruiT::,TIi1;,â;' -,,, i-p oit,,,i" a"h., mudan ça d a
É sabido que os missionários
e homens de retras espanhóis
os povos indígenas através descreveram
da sua carência de
a carência de letras e de
his6ria. arri-, -rit* Li.íJ",
Iorr"rormentei
.rquânto na rtáliade inícios do século
xvl copérnico escrevia a primeira
*rrnu" a" qr. -ri, ,-r.r*Jo'rri.cido
sua teoria revorucionária como a
e os homens à. r"t r. a"
meçavam a colonizar o rcmpo *."rr"i-ãn"to rtatiano co_
através da invençâo d, Idr;;
"diÍerença no tempo", também Média como z,
o, .rrrrrr,ás começavam a lidar
problema: o gÍau de humanidrd" um novo
. ào, direitos das pessoas queÇomhaviam sido

7. Disponível em http :www.


ub. es/geocriu63 w _
2I 2.htm.
B Pessoaimente. fio.ei famiriarizado
lhar no liwo The Oark iiae.of
.o-
i.to ,ro. rinais dos anos g0, quando
the Renaissance (Mignolo, estâvâ a tÍaba-
7995).
9' Â diferença colonial é um
termo g.ra pr.; historicidade
geopoliticamente coroniais e diversidade
das diÍerenças
através das
tem sido continuamente articulada úi., ,r* hrstórias locais, a *odernidade/coroniaridade
. ,"r.ti"irJro ,orrro dos úrtimos 500
a,os.
CONHECIMENTO PRUDENTE PARA UMA VIDA DECENTE

deixadas à margem das narrativas da história mundial cristãs. Era esta a ,,dife-
rençâ no espâço//, peio menos até à segunda metade do século xvlll, quando a
diferença no tempo se aliou à diferença no espaço, tornando-se os que para os
espanhóis eram"bârbaros no espaço" em "primitiyos r1o tempo,, para os filóso-
{os seculares do Norte da Europa (Mignolo, zoo2bl. No mundo moderno/colo-
nial, a diferença colonial epistémica tenta lançar luz sobre a geopolítica do co-
nhecimento que conduziu à universalidade do espírito humano e da mente
humana. Esta universalidade, curiosamente, coincide com as conquistas cien-
tíficas europeias e com a democracia de clue prigogine tanto se orgulha. A geo-
política do conhecimento encara da a partir da perspectiva da colonialidade, em
vez da perspectiva interna da modernid ade, tal como esta foi inscrita principal-
mente por Kant e Hegel, é crucial paÍa tornaÍ visível o diferencial epistémico
colonial. De outra maneira, sem geopolítica do conhecimento, a história da
ciência será reproduzida como um movimento do Espírito de oriente para orien-
te e da Grécia para o Atlântico Norte, através do Norte do Mediterrâneo, isto é,
dertálía, Alemanha, França, Holanda e a Inglaterra, até aos Estados unidos da
América.

4. A RACIALIZAçaO OO'TERCEIRO MUNDO,,; RECURSOS NATRA$ CULTURA E


CONHECIMENTOS IND.IGENAS

vandana shiva (1993 ) 19941tem afirmado e repetido em vários lugares e


eventos uma série de pontos cruciais para questionar os esplendores da ciência
e mostrar âs suas misérias apartir, como ela diz, deumâ perspectiva
do Terceiro
Mundo, ou/ como eu prefiro, da perspectiva da coionialidade, a fim de evitar o
risco de relacionar de modo essenciaiista pessoas com áreas geográficas, sem
esquecer que a coioniaiidade do poder implica estaÍ atento à geopolítica
do
conhecimento e às sensibilidades geopolíticas. o colonialismo Moderno tun-
cionava na base da classificação das pessoâs pela cor, religiâo e línguas
ldistin-
tas das cores, religiões e línguas europeias), mas também através d,a racialtzacáo
de divisões continentais (isto é, a Europa, a Ásia e a Afuica.orrstitue-
rrrn
trilogia cristã que foi modificada pela "descoberta,,pelos cristáos do quarto con-
tinente, a América, e da conversão da trilogia no tetrágono geopolítico cristão).
A ciência nâsceu e floresceu num desses continentes. os outros continentes
adoptaram-na, rejeitararn-na ou sofreram as suâs consequências. shiva mos-
trou os perigosos resultados de uma série de desconÍianças conceptuais. veja-
mos um exemplo das consequências do casamento entÍe conhecimento
cientí-
fico, colonialismos e ideologia do mercado: produzir mais para vender mais,
reduzindo os custos através de mais vendas, beneÍiciando ,id,^ através
^gente

'fim
ó96
BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS

de mais vendas, ,,lesmo que a redução


de custos sig,ifique a eriminação de
empregos' Em nome da eficiência, o
"conhecimento á.rr,iri.o locar,, impôs_se
ao "conhecimento baseado na experiência,,.
Nas frorestas e nos câmpos, surgi_
ria urla nova catego ria: a ,,ewa daninha,,. ,,erva
A darrirrha,, (t1 como ,,Índios,,
e "Negros") foi uma crassificaçáo
"cientíÍtca,, que fez d";;;;r-.;., (ou usar quan_
do relevante) a classificação ''baseada
na experiência,, de pessoas q,e não ha_
viam aprendido nos iivros da ciência, mas
no seu viver na Íroresta, dia a dia e
ano após ano (ao ,o"io.,9. gerações). ,,Erva claninha,, segue
.luitas
lógica das categoriâs de "Índios" a *esmâ
e "iregros,,; a imposição de uma
daquilo que deve ser descarrado. Desãrtr. crassificação
o, Íriio.=""o.-il"*.os e as ervas
daninhas, porém, implica também o
conhecimento que os ,,Índios,, e os ,,Ne-
gros" tinham acerca da profusa
diversidade que viria tor,ar-se ,,erva
Desde a invenção da América (ou, para daninha,,.
aigurrs, a descoberta ã".tu1, as muitas
sociedades indígenas de AÍrica tra.sportadas
pârâ a América .o*o .r.rrro. .
as muitas e diversificadas sociedades
indíge,as seriam todas reduzidas a uma
categoria que servia os propósitos e os planos
coloniais; ,oào, .rr- Í,dios e
todos eram Negros.
Estamos, pois, perante duas (e que não
são as duas Írnicas) ,,epistemolo_
gias posicionadas" (standpoint epistemorctgies)(ou
lugares de enunciação). uma
é a crítica feminista que parte do interior
da história dos países do prirneiro
Mundo. A segunda é uma crítica do ',exterior,,
cra modernidade, cra história dos
países do Terceiro Mundo e/ consequentemente,
da racionari zaçao aque a ,,na-
tLtÍeza" e os "povos" do Terceiro Mundo foram
sujeitos. erúrrto shiva critica
o discurso da ciência a partir de uma perspectiva
abertamente feminista e ter-
ceiro rnundista, Donna Hataway (lggra; rggrbl critica-o de uma perspectiva
abertamente feminista e assumidamente primeiro
mundista, cujas impricaçoes
vão muito para aiém do feminisrno. É craro
que â peÍspectiva, por si só, não é
garantia de nada, mas pero menos alertâ-nos
para as contribuiçoes iguarmente
fundamenrais de shiva e de Haraw^y pn
quando cada um dos argumentos de "
u *
rur*lt-rlr=ç0., o. ambas,
uma delas é encarado da perspectiva da
olrtÍa
- isto é, quando praticamos uma interpretação diatópica ou piuritópica
e nos situamos a nós próp,os nesse processo.
chegacio n aa," porr,o, deveria ser
óbvio q,e estou a situar-rne a mi,r próprio (do
ponto a. rri.tn a" epistemoiogia
situada ou do lugar de enunciação) na perspectiva
aberta por shiva. A minha
própria "investigação" da experiência
vivida (rnfância, de países do
Terceiro Mundo toÍna-me mais se,síver "arr.nç-;
ao tipo de crítica avançadu por shiva
do que à que avançaHaraway. Não quer
isto dizer que aquela rqr,,_"lhor,, o.,
"pre{erível". significa, simplesmente, c1,e é uma opção (como
o é a de .,aruway);
e nenhurna das opçoes substitui â outrâ. fiata-se de opções distintas
e diversas
CONHECIMENTO PRUDENIE
PARA UMA VIDA DECENTE
697

e irredutíveis
à universaridade do Feminino
ou do Terceiro M,ndo. A coroniari_
dade e as diferenças coloniais
,ao, pnr,
tas nastraseiras da modernidade; -inr, porém, as janelas que foram aber_
e srriva trouxe uma contribuição
compreensão de que nem todo
o conhecimento é "r*.
. d. q.,. o conheci_
à
mento científico não é necessariamente ,,melhor,,científico
,,preferíve1,,,
nha sido concebido e vendido ou embora te-
.o-o ,ri r.ra ideoiogia da modernidade.
se voitarmos a argumas páginas
atrás e,rermos em conjunto Eze,
sofo da Nigéria' Eduardo r'"0ü um so.iologo da veneÃela, e shiva, um firó_
cientista e activista da Índia, uma
encontraremos o esboço daquiro
gures como ,,um outro paradigma,, que descrevi ar-
(Mignolo, 2008c). ir," É,
capaz de suplantar um paradigm
"r, ummoderno
que ma.tém o,rorrlro
paradigma
"novidade" e que não provém a1 ,rpt*^ ^rrJ.rior, da
epistémica temporar rcarizad,adurante
o Renascimento, mas antes de
uma ruptura epistémica espacial. ,,(Jm
paradigma", porque reclarna oLrtro
o seu direito à existêncin ,ã oiaogo entre os
subparadigrnas iregeinónicos
da modernidade na ciência, "
to/ na economia, ,,IJm na filosoÍia, no direi_
etc.. outro paradigma,,n".,..á;r;-i robr" conheci-
que foram,.eg,das
ffiT"r,d§:'â,:f"",Ts " '"io,à-nãlr r",, *o,ogrr, p.1,
Defender
uma perspectiva do Terceiro
Mundo ou uma perspectiva femi_
nista é certamente desejável
,""*r.á.io, mas está longe de ser suficiente.
"
uma perspectiva do Terceiro Mundo
é simpresmente un]a rervindicaçao
direitos epistémicos e políticos dos
cre exstência que foram negados peras
çÕes do primeiro Mu,do, institui_
como o uno, * Instituto de Investigaçâo Genómica,
ou pelo conhecimer-rto institucio "
naTizad.ono ensino superior .À Frnr.çr, na
manha ou os Estados unidos, A_le_
mas está ronge de ser s*iciente.-Há
bilidades abertas a u,â visão várias possr_
feminista ou do Terceiro Mundo.
siste sempre em veÍ o que está o método con-
a ser feito sob a bandei* o"
perspectiva' o gue devemos ,-, ou de outra
reter de Haraway é que, de uma
nista/ a 'bbjectividade da,ciênci perspectir-a femi_
a" nãoroJ. ,", medida ntrnrrés de
examinam a "correspondência" entre a rei métodos que
mas sim a "perspectiva" através . n a...riçao cientítica,
científica
da qual a rei ou a descrição
científica esrá a ser
caso (o a, "ào.,",pondência,,),, ;;r.,*..,,r.a,,
il:Í,:1,Í:"X :lil:," foi neu-
agarantiaa"or,i..,il,lI::?ffi:,n,1ffi
ciência denuncia o facto de a
"perspectiva" mâscurina através
;';?ilH:,"Jl','::i:::',i,Xli,.,f
oblectividade científica procl:rmada
esconder a
*
a, ,irrt , .iencia corno prática ioi crrada.
taria de acrescentar que, historicamànte. Gos_
"perspectiva .,,.utta", que é a transferêncra
, ia"l, a. ob;e.tir:iàná.
,rpli.n .,-,
e a traduçâo do ,,oiho de Deus,,
a garantia úrtima para o "orho como
da Razão" num mundo secular,
cujos principais
BOAVENTURA DE 50u!-

construtoÍes foram homens que tomaram a perspectiva do seu sexo


do a perspectiva universal.
como :: ,

Ao sublinhar a perspectrva do Terceiro Mundo em vez da perspectir


a -,.
minista, shiva revela o Íacto de que a ideia de ciência e
de discurso cientir :
não esconde apenâs os interesses rigados à diferença
sexual e à sexualid;.-:-
mas também o facto de a ciência ser geoporiticamente
marcada e, por iss
participar duma estrutura de diferenciais de poder
em que todos os conh.-.:
mentos que não se ajustem ao molde do que foi autodefinido
como ,,ciênc,.
são repudiados como tradicionais, não-sustentáveis,
folclóricos, etc. Isto é, da:.
que a ideia de Terceiro Mundo implicou uo.a
raciarização geopolítica do sisi..
ma interestados (iá implicada, por sua vez, nadivisão
Cristà dãs trc, continer--
tes atribuídos à hierarquia dos firhos de Noé,
fafé, sem e cam), no primeu,
Mundo, a "ciência" oferece o "conhecimento,, necessário para
tirar partido ,J. ,
"recursos naturais" do Terceiro Mundo, onde não há,,conÀecimento,,,
mas si::_
"cLtltlÍa" e"tlatttteza" (pietsch, i9g1; coronll, L99T;Escobar, 2000).
Na maic:
parte do mundo, os sistemas de conhecimento foram
construídos em torno ü:
sustentabilidade e dos prazeres davida, e não com o
objectivo principal de obtr:
benefícios económicos. Do sécuro XVI até hoje, a expansão
iàperiat câracrer-
zou-se/ entÍe outrâs coisas, pela substituição de
conhecimentos locais ,;.
colónias pelo conhecimento local da metrópole. No
século XVI, o conhecr-
mento imperial consistia na Teologia e no kiuium e
euadrivium da universi_
dade Renascentista. A partir de finais do século xvIII,
o conhecimento impr-
rial foi a filosofia secular e a ciência da universidade
moderna, a universidadt
kantiana-humboldtiana. E, desde a década de z0 do século
XX, o conheciment,-
imperral é, sobretudo, científico-tecnorógico. se o século
XVIII foi o e*o da
revolução industrial, a segunda metade do século XIX
foi eixo da revoluçác
tec,ológica. seja da perspectiva da religião ou das da filosofia
secular ou da
ciência, os conhecimentos locais imperiais regularam
e esmagaram os conheci_
mentos locais nas colónias. euânto mais o conhecimento ,,cãntífico,,abraçar-a
a "perspectiva" e as necessidades de "desenvolyimento,,
do capital (por exempl.
acumulação), mais ele repudiava formas "não científicas,,
de conhecimento:

No sistema 'científico' que sepâra a silvicuitura da agricultura


e reduz a siivicui- .ll
tllrâ ao abastecimento de madeira e de lenha, a alimentaçáo
deixa de ser unu
categoria relacionada com a sirvicurtura. o espaÇo
cognitivo que rcracionava ;
siluicuhura com a produção arimentar, directame.te
ou através de víncuros à
fertilidade, é, pois supimido aüavés dessa separaçao.
os sistemas cre conheci_
inento que emergfuam das capacidades de
fornecimento de alimentaçao própri,t:
da florestaçao assim apagadas e
finalmente destruídas. através tanto da negligêr-
cia conto da agressao (Shiva, t99B: 14).
CONHECIMENÍO PRUDENTE PARA UMA VIDA DECENTE

Comojáfoidito,nemâsperspectivasÍeministasnemasperspectivasdo
TerceiroMundo,porsimesmas/gârantemseiaoqueÍor'Masasperspectivaso
necessárias para revelar
feministas e do Terceiro Mundo úo absolutamente
perspectivas masculinas e do Pri-
âmbito estreito e limitado da"clência" nas
simplesmen-
;il"*;;ào. É "trro que ninguém pode gritar vitória acenando,
Tem de ser demonstrado que
;".r, abandeira Íemiirista e ào Terceiro Mundo.
conceptuâl que flutua no espírito da
o conhecimento não Jrr"r^ um aparelho
Humanidade/masqueestáloca|wadonumâgeo-políticadoconhecimento
e na estrutura das divisões baseadas no
sexo no ocidente
imperial e epistémlco
cristáo e caPitalista.
'ASíntesegeopolíticadeHegelé,defacÍo,simultaneamenteesplêndidae
aterradora.Omundo,segundoU"S"l,estádivididoemVelhoeNovo'Explica
de Novo teve origem no facto de a
ele, com uma calma .rpr,tto", que 'b nome
por nós conhecidas,,
América e a AustráIia só tardiamente Se teÍem tornado
(Hegel,1991:80).oespantonáosedeveapenasaofactodeHegelto1.fiaÍ,,rtôl,,
o Íesto do mundo' mas
como o ponto de referãncia universal para descreveÍ
entre o velho e o Novo havia
também à sua confiante ignoÍância. A distinçáo
quando o intelectual italiano Pietro
sido estabelecida desde o final do século X[
das intrigantes notí-
Martir d,Aflghiera escÍeveu âos seus pares italianos aceÍca
cias provenientes de um certo Cristóváo Colombo'
daLigiria' O l*Iovo mundo
e o Velho mundo a Europa
.rn,-"!^ro, o que veio a ser conhecido por América
Hegel via nos
(oú *.uro, iind'^, o Cristianismo ocidental], a Asía e a rttica'
e desapaixon ada" e "uma propensáo
nativos americanos uma "disposiçáO suave
para submissáo servil perante o mais aínda'peÍante o Europeu" (Hegel'
e,
"'L"lo sob todos os
1gg1: s1). E sublinhava qute "a inferioridade destes indiúduos
manifesta" (Hegei'
pontos de ústa, mesmo no respeitante ao tamanho' é muito
fora do alcance dessa
1991: 81)' A Filosofia e as ciências estâvâm/ é claro,
gente'EofuturoqueHegelvianaAméricar,Lâoeranecessariamenteumfuturo
emql}eosnativosame,icanossuperariamoseuropeus/masumfuturoemque
umâ continuaçao da
os crioulos (brancos), de descenáência europeia, seriam
o mundo da história e' por
Europa no Novo -rndo. Assim, oVelho mundo era
de Hegel' Uma
;;;;tr;^, ^-Nri"u caiaÍorada geopolítica do espírito humanoque Hegel tinha claras
vez seguida a geopolítica do conhecimento (e é claro
de Filosofia da Históial, a
essas ideias antes da publicaçáo das suas Liçoes
marcha geo-históric, ào .rpír1to humano podia,
por sua vez, ser seguida' O
com um cordão atado
espírito t r-rrro flutuava, cãmo todos os espíritos' mas
Alemanh a, Inglaterta e França) e um destino
à Europa (o coraçáo da Europa
- crioulos de povos
projectado para aAmérica (ào Norte), onde os descendentes
longe os feitos his-
que habitav am o coraçâo da Europa iriam levar ainda mais
notáveis da tistôtia da
tóricos da Europa. e ciencia Íoi, de Íacto, um dos feitos
700
BOAVENIURA Dt SOUSA SAi\-::

Humanidade que sllcedeu


acontecer na EuÍopal
Mesmo Irya prigogine/ um
pensador", po.__oà"r,.o.
fi:Í.?:r;iâos d. àr"r",r,.. sesuru cesa-
de ,,ciência,,. '""tPtionalismo ".irn.r,
europeu e o privilégio dos
co,ceiàs';;;;"-;

Corno europeu _- disse prigogine


cor soberba que nos lerabra
Hegei
-..,"" "."-,"*'^'jl:*]T :.t'uma.calma a de
po,sáve,.,":;.J,:::*T:TJ,,#Ixii:*I#T:H*;:n:*:,f#
do proiecto da ciê,cia
moderna xlrl
cracia os Eur.pslis vivem,a "o'.à.rro ea prom,lgação da icleia
de demo
intersecÇão de pel0 rr"rro, ãoi, .orrirr,os
racionalidade científica, por de va10_
um lado, e , ,r.iorrrriãri
to colectivo, por outÍo. Esta de co,rportamen-
polaridade .

deixar de corrd

"*",",0,*,Th:T*Í?;":,..,:i_l]:JTtÍi:.#iii::Íf.:x.,1;'=:
entre âs diferentes racionajidades
na clemocracrn,rro,r,, envolvidas nas ciências,
e na civilização (prigctsne,
1986; 494).

Se isto nos é dito pelo


Prémio Nobei prigogine,
ou ignorá_lo de maneira não será fácil contradizê_lo
.orrrrirr""r.t. o., ..ediv"l. pd"
mundo, haverá ur,,a corrida ;;;;rio, em todo o
or., ""*, ,s gentes que vivem em comunidades
;H'jtJH;:j:::: ;,:;T,,3j: J** .."r. d, .,ê;J; . t,,,,,,*niicações

Í:i#f i:Trx;f l'p_ectiva,.acr"b,h,:;*::#?i:?"":.:'iÍi:i::liil


;il-:'**'*,',k;'"'.'.:-?iffi :'JTffi ,l;;:":;nn;:"ü'?d*x#k
identificação entre o que ele entende por ciência,
democracia rrnlor.rrrrosta
"
;*:'xiiln#T**",'j"#t1?;*iigffi ;L,":;j;::ã":ffi r
mundo vasro e
cracia' a ciência "or.rrro
talvezru _rr**riff"ti; i".ffJ::ffi:::T"ffirr.li::
e os varores o.ia"rrtrrr]-l;1"3
mo, a tecnologia, as [inanças] i *"0 arização(isro é, o capitaris_
e tambem', jlourtlrçr"
;;;;;;s
ocidentais de
fi lll1, i,l,T ?i;ü :T J#:J'J,.1
;.1 ;T -",. -,
,- ffi : r,l. . qu e p ri go gi
ne
o mundo,.. os primeiros
ensaios d"
partir da Europa e de chamar, i;;;;[]tT:'fl1ff"1J",JI:?",r:
,,*;;;;;; o lado
-ri""rrr..ã ocurtado pelo

l0' veja-se' por exempio'


"science and conscience in
the Information Era,,, Faculdade
;l',",Tiíf ;;::^':;,:::::::** jil*#;i*",1ffi de

":ffiIi##,1u.,,,n"a.,,d,,
CONHECIMENTO PRUDENTE PARA UMA VIDA DECENTE

brilho dos conceitos e ideologias das "ciências" europeias (e, é claro, dos Esta-
dos Unidos da América).
Se a epistemologtafeminista desaÍiou os fundamentos patliârcais da ciên-
cia, o roteiro de Hegel tem estâdo, durante os últimos - digamos - 30
anos
(que inclur, claro está, a "ciência"), por
sOb o fogo da crítica do "eutocenttismo"
parte de autores como Sântos (um sociólogo) em Portugal, e Immanuel
Wallerstein (também sociólogo) e Sandra Harding (uma historiadora da ciên-
por
cia), nos Estados unidos. o quadro articulado por Prigogine, embora não
que está pala
culpa deste, gerâ â crença de que a sua articulação é tão óbvia
além de qualcluer crítica. Por outro lado, essa critica, se Íosse autorizada, sê-lo-la
entre pâres/ isto é, entre cientistas e cientistas sociais na esÍera cientíIica e
académica euro-americana. Para além dessa esfera, os universi'tários e cientis-
tas da Ásia, da rtricae da Améric aLatina teriam menos credibilidade e seriam
vistos como inveiosos a queixar-se dos feitos de outlos. lJma vez que oS povos
que viviam fora da Europa, primeiro, ei a partil de Íinais do século XVIII, para
além do Atlântico Norte foram considerados inferiores e expostos à teologia
nos séculos XVI e XVII, à fiiosofia secular no século XVIII e à ciência no século
XIX, não thes resta muito para dízer, iá que continuam atrasados em todas as
esferas dos grandes feitos da Europa: a ciência, a democraciae acivllização.
Mencionei Immanuel Wallterstein e Sandra Harding parâ câptar a âten-
ção dos leitores. O "eurocentrismo", enquanto coniunto de pressupostos e de
Crenças/ opela pol caminhos insuspeitos e está sempre a surpreendel-nos ao
virar da esquina. Se tiyesse começado por mencionar Enrique Dussel e Alíbal
Quijano, a teoriâ da dependência ou a filosofia da libertação, ou Aimé Césaire
ou Frantz Fanon, ou Silvia Rivera ou Frantz Hinkelammert em slrma, inte-
-
lectuais que escreveÍaÍn em espanhol ou ensâístas negros das Caraíbas france-
sâs os leitores poderiam interrogar-se sobre o que tudo isto tem a ver com a
-
ciência e o conhecimento universal; todos eles parecem pertencer ao domínio
da cultura e do conhecimento local. Isto ó, muitos leitores poderiam cair na
diierença colonial epistémica rratuÍahzada pelo colonialidade do poder. Estes
'butsiders" iniciaram um novo paradigma de investigação e de an;illse, uma
crítica do eurocentrismo a partir do seu exterior, isto é, da perspecrrr-a daqueies
que foram intelectualmente debilitados através da persrstêncra e da eircácia da
diÍerença colonial (Mignolo, 2002b1. O eurocentri:n]o R.nurcna colrln .c náo
houvesse nenhum lado de fora das mâcronarrâtir as canonrcas da cir-ili:açáo
ocidental ou da Modernidade europeia desde a Renascença. Pcrde-se .star con-
tra eles, mas tem de se pensar a partir dos mesrlos prrncÍpros e iógicas, como,
por exemplo, o Marxismo contra o Lrberahsmo A ideologia da Guerra Fria
implantou em muitos espíritos, pelo menos a Norte e a Ocidente do Mediterrâ-
702

BOAVENTUM
DE SOUSA SAIi:S
neo, a ideia de
crue o
pri-.iro ."o Mundo "nào
t'"á]i.",**eiro
, M,nd; ciêncja" {uomo
l;^ã,'iTrTrI a que dveram
o

5. OESERyAÇoES
F'NA'S

::::fI TJ;;'J.lfi ; il: :;j:::i"o :, i. Í,, H rd ng,o a i


como ponto de
conseguinte' uma
hisrória
d': ";;;;t';*'-
tribuições cient multicult,'Í1''' e' por
r:xulticultuÍaís"
ficanareraÇâo
"f1*' ""-u"ão"';::'^'i'o"'u"tt''o'"
berecer.,,á,a"1"',1-Y:";i;;;;,,r*-".fX**íHi1:'j,=XilÍl;"1;:-
0"",r, 6|"lirJusârlefte a pluratidaá" ," e de esra_
0"..,,,ã",.;,,.::iJ.,,i,iTf "rà, "r,,jl"r*re;r_rinfmos,
J:#lTÉiliFfl :,,?::#,ffii:il.,T.;
eurocentrismo. porquê 'v,tllluâ a ---
ser ql\td
uma çrítit LrtLTca eurocêntrica ao
" "o,,o,
" ""*..r*.l,nl"^::^T^'t
na tradição baseado na escriraar
Íabética,na Teoiogia
cristã fundada
,"roe,"il-J "i#t"'o
;;ü: n â as rronom,,
peus viaiava-'r"io
; ,,T :,;:,. :
"T,ffdesde
iã,,
uiri*orm p"rà""L?Xittfiu::';:.::
mundo os rrrl,n'f
outros tipos de
cr
.ia"*u1",;;"#I;ffiii,*:j;f
contribu ir s ign i
ficativa-
,4:i"',',',x,,".tr#'ff:ff
r. ização, nâo
dej
t*,:,f :tr;
.:"1"
nidade europeia "n,"'o"J.r';':ri
e r

iu:xr**ry;r*i,*",i",.,l,,1'jtí*-:***i***-
rr"yrià'#:;".::"t'o aoponto de chegada;,";ü;::
Jiit^ru^aetica
do mundo e às
-o4",,, ãl óá;;;1"''zação
j::iii,t:..ffi
,,ilnãH"'#.i:i;u ,,rror,, *:ff ffna:i;ffi ,?1.,1*,:;;:H:"i:
história r, .,ã""*
um dos sj,êncios ii;r,;,i:^^enrar
v de Acosta
ã o,
bes originais,
0i,,,

0"n.,.1ll't'r'"""
'Moral írvfignoJo' 1ffi,]
"utlt

F1'ffi *r:l":"d+***:"",",,l.;:.;t}§fl h"t*.:":,.{ffi


;lt#j:i?,1',:f T:ltêffi t"1;'#'1""''"r*i",i'a,i
pensamento para
Í;
Homem da Natureza
aa r,istoria
iffi;Jio "'ioo'"n'scença
;à;i#*i# [ ff :Tk1?iffix#:,?xJ
::T. 1,,:,, n*
os povos Indígenas f :-J;,",*T i
;";H J::
ri o-n" *'' ã"'# :
par t r J h ava m
organizadaú;;;"gra #
*a"r,üüT;1,::
cristã' A "grande
a" r" i::::rr:i
tatrayésa,a,,,l,nul,:#:13_Tí.H."T
T:';x"ü tl:
j::Íl,,JÍ*:i
.ONHECIMENTO PRUDENTE PARA UN\A VIDA DECENTE

rais, plântâs, animais e humanos. As formas indígenas de conhecer eram ba-


seadas em premissas diferentes. A ordem hierárquica ascendente
que permitira
aos homens de letras eulopeus imaginar que os seres humanos e/ em especial,
oS do Sexo masculino, eÍam oS reis deste mundo assumia uma configUraçáo
diferente entre os yatiri e os tlamatinimi, em Tàwantinsu)'u e Anahuac. O mundo
era concebido como "ylda" e a geração, preservação e reproduçáo da vida tinha
necessidade do Masculino (o sol) e do Feminino (a Lua). Dado que/ pala os
intelectuais índios {yatiri e tlamatinimí), anaturezaeravidat náo existia hierar-
quia nem distinção entre minerais, plantas e humanos. A distinção entre'/na-
Íureza" e " ctf\tt)Ía" deve ter tido um Surgimento diÍícil numa cosmologia distin-
ta (mas não contÍária) do Cristianismo, na quâl, se havia uma distinçáo a Íazer,
,,yida" e a"vrda humana". Contudo, as caÍâcterísticas co-
era apenâs entre a
muns dâ vida tinham mais peso do que a distinção entre vida humana e vida
natural. As histórias e as macronarrativas que avançavam âS perspectivâS e oS
obiectivos dos homens eulopegs modernos Conseguiâm ÍetrataÍ a Grécia como
o ponto de viragem da marcha triunfal da História universal, deixando para
trá, tod6 as outras histórias. A estratégia-chave da subalternizaçáo ocidental
dos conhecimentos foi precisamente a intersecçáo da História, da Filosofia e da
Natureza; a História apropriou o srgnificado da Natureza contando histórias
,descrevendo) minerais, plantas e animais, e a Filosofia interpretando e desco-
brindo as causâs dos fenómenos nâtulais; â Nâtureza foi transformada de "livro
de Deus" (cujos sinais eram lidos de maneira diferente por Acosta e por Galileu)
numa plétora de recursos "11atvÍais", ta marcha paÍa a revOlução industrial.
Como escreYeu Bacon:

Em primeiro lugar, proponho uma história naturai que, mais do que encantaÍ
com a suâ diversidade ou $atificar pelo fruto imediato das experiências, propor-
cione luz para a descoberta das causas e oÍereça o primeiro leite materno à filoso-
fia na sua infância (Bacon, 1620).
I]
Porque o homem não é senão o servidor e intérprete da Natureza, e só ia: . com-
preende o que tiver observado, de facto ou em pensâmento, do curso da \ature-
2a... NenhumaÍorça, seja e1a qual for, pode desfazer ou quebrar a cadeia dils câu-
sas, e a Natureza só pode ser dominada se {or obedecida. E a:>im que e sse s dois
objectos da humanidade, o Conhecimento e o Poder, r-êm a ser de iacto a me sma
coisa; e o fracasso dos trabalhos decorre, principalmente, da ignorància das cau-
sas (Bacon, 1ó20).

O que não é dito neste passo de Bacon é que aqullo a que ele chaila
-onhecintento e Poder é apenas a perspectiya Moderntt, isto é, a per5pectl\-â
que Bacon ava[ça como umâ das figuras-chirve da nToderiltL]Llde. Fica esconclida

,D" - -âF}4ts arj1


704
BOAVENIURA DE SOUSA SANTOS

do olhar a cok»uaridade do poder


e do conhecimento,isto
Modernidade do poder e é, tudo o que a
do conh)"1-"nr, desquarifica--rfirrr.rrr.lo_se
uma perspectiva q,e se torna ,,meltor,, ,,universal como
e ,,.'AÍinal,nada
errado nas cosmorogias havia
difere,r*-;; de Bacon,;;;; ;; de
outrâs cosirrologias terem do facto de essas
necessariame,te d. estr,
ri!?oí co"h""i*;;;;',r,,"..,," .rrràrr'nr* que a Modet_
f:{^Z:: !, A esrratégia como verdadeira
conhecimen;#:1ffi:::il:l,",:.Tr:,Hi;rf;r;:#i:Íáji,iíf
cristã ,os sécuros anteriores e, sobr.iuclo,
,o sécrilo xvl, quando teve cre dar
,í"::
conta de uma parte_desconhecida
ao ,r.ria" a".r,,, ài""rirara"
da de povos . A Moderniara"tõ"lr"iarlrde " desconheci-
com a co,strução da diferença apareceuneste quadro juntamente
epistémica cororuar.
As ligações i,extricáveis
e indissociáveis da
íacro de que o pacore a, mocler,idade/coronialidade,
,-,o.t"r,',iJra. üier.ir, democracia, o
de' capitarismo' erc'r rrio pode civirizaçào, iiberda_
{olclore' desporism-o, ig,árância,
*rl"ri"r,ao
. ,.orrrào ã, .à,.,-,irridade
lnriro,
de que um pressupôe rre-.ror,rtr";, J;d*e]ivorvirnento, etc.).
o ourro, a.r,"., no zunar,-,.nrai,
saber para as próximas o parco das
décaáas. a;;d, subsrancial;';;*brrrão culturas c10
Harding para questiona r de sandr;r
os r,-iàr or,narcais
e da epistemologia moderna, e .uro."u r.i.or.- da modernidad.
,;ril";;-ento do valor,,cienrífico,,
"
não-ocidentais de conhecimen,";;;;r,ale das forma.
que é necessário é voltar e gereroso, r-uas nào
arrás e pO, à.Li, chega. o
à frenk do carro.
A questáo fundarnental é o
conhec.

ffi yflil ;
""
n ão um a s
-
s u a s p ráti c a
da
ticulação e conceptualização" ".
s r p iri. n r oHH"
;
:...il::rffi
_ra"r"rr"l ;
nlrecer a pr ática "ii"rrtifi.r,,
rror*r, froà#Jiffit,ff:tril::rrX1:,1i;:,
como',culrurâs,,ou ,,civilizaçôes,t
.on,ritrri para r.iíiãar r
derna e europeia de ciência, -e, rrà0r,, noçào nru_
vez a"-, ti-it, e dissoivei
ampla e relevanre da capacidade na questão mair
dos ,.r", lrr_rr".
co,rpreensão' Harding propõe
uma história pós-colonrrr
o;;;;árrh."l,,"r.,o . ,
nheceria e daria conta
das nra,i"r" l"i"rrliri.rr,
a, .ràr.ia que reco_
Dizer que a questão fundamental
,r, ;;;;;drde-s nao-europeias
h'ma110s" pode ser interpretado
é o "co,rrecimento e a
compreensãcr
como umâ submissão a
pelo conceito cre "ciênci;". ,ràr-rrorrca irnposta
É o, d;-;"i,ã',,oao, mas
das' uma seria a aceitação há, pelo menos, duas saí_
de que refere a certos conhecimento.
e formas de compreensão,
arg,n. ^l'riáni^,,se
d.t""r.rr.iorrra* .o,. ,1.à"r"*rr. Se se-
será essencial desligar
ffi:rffi.rl:".#J::r", a,,ciência,, d.;-;*, prática de
o s écuro XVr, e .;il [:',:,ff ffi à:ff:T:j: ffi ,,lliTÍ,,êil,ffi
fli?f
CONHECIMENTO PRUDTNTE PARÂ UMA VIDA DECEMÊ

Newton, etc. o conhecimento e a compreensão não estão necessariamente re-


lacionados com um nome famoso e pessoâI. por exemplo, o conhecimento
cosmológico e matemático que pressupunha a construção das pirâmides egípcias
ou maias não thha, tanto quânto me é dado sabe! uma série de figuras masculi-
nâs que teriam delineado os princípios subjacentes ao conhecimento e à com-
preensão humanos. A segunda saída consistiria em trabalhar na terminologia
de cada história local e de cada língua específica (chinês, árabe, ayÍr,aÍa, hindi,
etc.l, a fim de descrever como veio â ser nomeado um certo tipo de prâtica,
semelhante ao que os europeus chamaram "ciência". Em ambos os câsos/ o
objectivo é eírtar partir da ideia de "ciêrrcia" na Europa moderna e encontrâ{,
depois, práticas similares em diÍerentes épocas e civilizações, pâra as reconhe-
cer como "ciêncía". fiatâ-se, certamente/ de um gesto geneÍoso/ mas que nâo
vai muito longe.
Qualquer que seja o caminho escolhido, o que está realmente em causa é
a "ciência modernâ" ser uma ptâtica e umâ ideologia que excluiu práticas de
conhecimento e de compreensão que se guiavam por diferentes lógicas e eram
impulsionadas por objectivos distintos, tanto do passado como suas contempo-
râneas. A "Ciência" tornou-se o padrão de aferição para ,,excluir,, qualquer for-
ma de conhecimento e de compreensão que não fosse considetada,,cientifica,,.
Trata-se, claro, de uma tautologia, mas uma tautologia que se conseguiu impor
enquanto estrutuÍa de poder (a ciência foi parte da expansão europeia e ameri-
cana à escala do planeta) e de dominação (descartando aquilo que não era con-
siderado "cientíÍíco"). É esrc, precisamente, o modo como funciona a coloniali-
dade dos poderes, escondida sob o discurso da modernidade do poder que se
auto-descreve como civtlizaçáo, progÍesso/ ciência e desenvolvimento, condu-
zindo à liberdade, democracia, justiça e direitos humanos. É claro, porém, que
a ideia de ciíilrizaçáo pressupõe abarbárie ou oprimitivismo, a ideia de progres-
so pressupõe a tradição, a ideia de ciência pressupõe a sabedoria, a ideia de
desenvolvimento a de subdesenvolvimento, a ideia de liberdade a de escravaru-
ra, a ideia de democracia a de despotismo ou ditadura, a ideia de justiça a de
injustiça, e a ideia de direitos humanos a de opressão e submissão de um ser
humano a outro. A ideologia da modernidade, da qual a ciência é um pila1, foi
construída sobre uma série de dualismos complementares, de que é geralmente
mais visível a coluna mais brilhante. Foi isto precisamente o que descrevi aci-
mâ como o "diferencial colonial", que pressupóe a colonialidade do poder. uma
das principais tarefas para o futuro é continuar a trabalhar no desfazer do diÍe-
rencial colonial e da colonialidade do poder; isto é, continuar a trabalhar na
descolonização do conhecimento em diÍerentes esferas. A descolonização do
conlrecimento é uma tarcÍa crucralpara aimaginação de um mundo diÍerente e
706
BOAVENIURA DE 5OU5A SÁii:

melhor do que o mundo de hoie --


o que foi construído sobre
epistémicos da Europa Renascentista os princípros
e da Europa Iiuminista.

BIBLIOGRAFIA

* res4). rntroduction à Ja critique tle ra raison Arabe.casablair


'Tll'rHii#I",
"ttti*l'.}:: PorrER' Elizabeth {orgs.) (tee3) . Femintst
Epistemorosies. Londres
ARRIGHI' G;:#'l::i,',,Tl;,i::rrwentieth centurv. Mctnev, power andttte
ongt;,.
ARRIGHI, Giovanni; sirver; Beverly
World System. Minneapolis:
l. (1999). chros and Governance in the Moder:
University of Minnesota press.
*t .,il;iff|l::i:'"?I' * m o rg a nu m D i sp onível em http :/Ár,m.w co ns ri tu ri o n o r i
BEUcHor Mauricio í1gg1), El prctbrema
tre ros,niversares. México:uNAM.
cASTRo-GOMEZ, sa,tiago (2002a),
"The sociaj sciences, Epistemic violence,
the problem of the 'Inventio, anc
of th. óth..,,, criticar conjunctions; Foun(lotio!:.
":"::;::[ri"irFormations of r''roderÃtv' special rrr.,. ni,rpo nt]a; views ú,,::
(2002b), "Nor Longer
Broad but stilr Arien is the
and the Transformation of worid: The End of Modernir,
Culture in the Times of Globalizati-oí,,
percpectives Latin Ametic:::
on Gktbarization: Ethics, poritics
Rowman and Littlefield pubiishers, "rra
ur"rrrr*) visions.Bourrl.r
2S-19.
..RONIL, Fernando (tgg_7), The
Magical state; Nature, Money
nezuela. Chicago: The University ancl Modernity in \.:
of Chicago press.
.ROMBIE' A' c' (lg7g), 'Augusrine
to Galireo", sciences in the
Century. Voi i. Cambridge: MJddJeAges, 5,t,to i:
Haivard ü or.r..
ESCOBAR, Arturo
Í2000), El final tlel salvaie. l,{aturaleza,
antroporogía conternpouinea. cultura y polÍtica e, :
Bogota: cEREC-Institrto
EZE' Emmanuel chukwud i (1997), d" arriroporogrr.
"The coror of Reason: the Idea ,Race,
Anthropology", Postcolonial A,rican phirosophy. of in Kanr -.
Londres: Blackwell, lz.-l7o
Humanitv: rhe ldea of the postraciat
.lX??31.i.#fá:'ur Future Nova rorque
FANory Frants (1952), Peau noire, masques blanches.paris:
GIBSON GRAHAM, K',-(rgg6), Editions du seuil.
l' The End of capitarum (A,s
we lhew it). A Feminis-
Critiqtte of polttical Econonty.
Londres: Blackweil.
GIN,BERG' R,th (19g9J,
"(Jncovering Gynocentric science,,,
Feminisnt and Science. Nancy Ti-rana {org.
Bloorningàn, ir.àrrr* University press,
69-g5.
CONHECIMENTO PRUDENTE PARA
UMA V]DA DECENTE
707

coulD, stephen Jay (t9g7), Time's Arrow,


cycre; Myrt and Metaphor in the
Discovery of Georogtcar Time . cambr .Time's
dge, Mass. : Hr*rra ünrversity press.
CROSFOGUEL, Ramon; CERVANTES_RODRIGUE
The Modern/coloniar/capitarist
Z, AnaMargarita (orgs.) {2002),
worrd-system in th, r*erri;"th centur,,;
Grobal
Mov em ents a nd th e G eop oJltic s o:i
xr, o*t, w"r,po.,,
#"ãs;r.r,r#ff ;i:i. agu.

FIARAWAY Donna | (199ra),


'A cyborgManifesro: science, Technoiogl,,
Fenrinism in the Late TWentieth and Socialist-
óentury,,, Simians, C1,borgs, dnd Wonten:
Reinvention o;f Nature. Nova Iorque: The
Routledge, 127_14g.
l199rb), "situated Knowledges: The science
Privilege of partial perspective';, euestion in Feminism and the
sirnians, cyborgs, and women. The
of Nature. Nova Iorclue: Routledge, gB_202. Reint,ention
i
HARDING' sandra (lg8g),Is science
Multi-cultural! postcolonialism, Ferúnisnts,
Epistemologies. Bloomington: Indiana and
University press.
(1986), The science
euestion in Feminism. Ithaca: cornen university press.
HEGEL, George \( E ( 1991 The Ph)Josophy
), oi History.Nova Iorque: prometheus
KANT Im,anuel lrrT6al 1960), observations Books.
on the Feering o;f the Beautifttr and su-
blime. Berkeley: University of CaliÍornia
Press.
LANDER, Edgardo l20oo), La colotialitlad
del saber; eurocentrismo y ciências
p ersp ectivas latinoant sociales,
e úcanas. Buenos
Aires: Clacso
(2002a), "Los derechos de propiedad
interectuar en 1a geopolítica dej saber
sociedad globai", Catherine Walsh, de ,a
Freya Schi*y. srrrtirgoã".iro_ co-.,
Indisciplinar ras ciencias sociares. Geoporíticas a"l {orgs. ).
del poder.
,orãri-ri"nto y coroniakcrad
euito: Universidad Andina i abya_Vaia , 7 B_IOZ.
12002b), "Eurocentrism, Modern K,owledges,
and the ,Naturar, order oI Grobal
câpitaI"' saurabh Dube, Ishita Baneriee
Conjunctions; Foundations of Colony
Dube e Edgardo rrra.,
(orgs.). Crltical
and Formatioà l,rrj"rrin,, Special issue
oÍ Nepantla; Views ftom South, "i
B(2i, 245_26g.
MALD.NAD.-T'RRES, Nelson (2002) , "postimperial Reflections
Kaowledge and Utopia. Ti'ansgresstopic .n Cri:rr
criticar úermeneutics and the Death
European Man", Review. A oi
rournar à7 rh" Frrrord Bruuder Centet -,:,:. _::: \::r_-,r
of Economies, Historical Systems
and Civilizations. Special IssLr: c,r
Thinking, Ramon Grosfoguel (org.). __,,:.-_:.-
XXVZ3 , 277_A17.
(2003), "Thinking from the
Limits of Being: Levinas, Falor :Ju:>;_
Iolque: Rou rledg,e. \,,r,.i
llIGNoLo, warterD (rggs),TheDarker
sideo;t'the r::: :t..;r,
Renaissaitct _--,.,:.-.,
and Cr:lonization. AnnArbor: The
University of Michi.qae ?r:s..
(2000), Local Histories/Global
Designs; Colotúalitt.5r,i....,,::.::
Border Thinking. New t.:-.r_ 1.is3r .;;r f
/ersey: princeàn unir.ersin. press.
l20O2a), "The Geopolitics oÍ Knoradedge and
4tlantit Quorterlt l0l t I ), 5,_96.
the Coiun ;l Diiier:ncr S,,,uth

nrm

Você também pode gostar