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EXEGESE DE

ROMANOS
(PARTE 2 – 1.1-32)

Prof. Marcos Alexandre dos Reis Guimarães Faria

FACULDADE TEOLÓGICA BATISTA DE BRASÍLIA


2004
EXEGESE DE ROMANOS

© Marcos Alexandre dos Reis Guimarães Faria – 2004


FTBB – Faculdade Teológica Batista de Brasília
Brasília-DF

Nota: Todos os textos do Prof. João Alves dos Santos, constantes nesta apostila, foram
gentilmente autorizados pelo autor.

Proibida a reprodução por qualquer meio e motivo. Este material foi preparado para o uso do alunos
da FTBB. Está também disponível a tantos quantos queiram estudar e aprender um pouco mais
sobre Romanos, pedimos apenas que a fonte seja citada quando da utilização desta apostila.

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FTBB - Exegese de Romanos, Introdução e Comentário - Prof. Marcos Alexandre R. G. Faria – 2º sem/2004 página 3

ÍNDICE ANALÍTICO

ÍNDICE ANALÍTICO ...........................................................................................3

ESBOÇO DO CONTEÚDO............................................................................................................... 4

COMENTÁRIO ...................................................................................................5

1.1 – 8.39 – A JUSTIFICAÇÃO PELA FÉ ...................................................................................... 5

1.1 – 15 [16-17] - Introdução – Prefácio - Tema ............................................................................... 5

1.1-7 - Endereço e Saudação (apresentação de Paulo) ................................................................... 5

1.8 - 16a - Paulo e a Igreja Romana (Introdução)........................................................................... 10

1.16,17 - O Tema: Justificação pela Fé........................................................................................ 13

1.18 – 3.20 - Pecado e Retribuição: Todo homem necessita de justificação........................... 21

1.18–32 - A Ira de Deus sobre os Gentios (estão sob Condenação)............................................. 22


FTBB - Exegese de Romanos, Introdução e Comentário - Prof. Marcos Alexandre R. G. Faria – 2º sem/2004 página 4

ESBOÇO DO CONTEÚDO
1:1-17 Prólogo1
1:1-7 Apresentação de Paulo
1:8-15 Ação de Graças e Ocasião
1:16, 17 O tema da carta
1:18—4:25 O evangelho e a justiça de Deus pela fé
1:18-32 A ira de Deus sobre os gentios
2:1—3:8 A ira de Deus sobre os judeus
3:9-20 A culpabilidade de toda a humanidade
3:21-26 A justiça de Deus
3:27—4:25 "Somente pela fé"
5:1—8:39 O evangelho e o poder de Deus para salvação
5:1-11 A esperança da glória
5:12-21 O reino da graça e da vida
6:1-23 Liberdade da escravidão do pecado
7:1-25 Liberdade da escravidão da lei
8:1-30 Segurança da vida eterna no Espírito
8:31-39 Celebração da segurança do crente
9:1—11:36 O evangelho e Israel
9:1-6a O tema: a angústia de Paulo por Israel
9:6b-29 O passado de Israel: a eleição soberana de Deus
9:30—10:21 O presente Israel: desobediência
11:1-10 O presente Israel: "um remanescente pela graça"
11:11-32 O futuro de Israel: salvação
11:33-36 O surpreendente propóstico e plano de Deus
12:1—15:13 O evangelho e a transformação da vida
12:1, 2 O coração do assunto: uma mente renovada
12:3-8 Humildade e dons
12:9-21 Amor
13:1-7 A responsabilidade do cristão frente às autoridades
13:8-10 O amor e a lei
13:11-14 Reconhecimento dos tempos
14:1—15:13 Apelo à unidade
15:14—16:27 Coclusão da carta
15:14-33 O ministério e os planos de Paulo
16:1-16 Agradecimentos e saudações
16:17-20 Advertência sobre os falsos mestres

16:21-27 Saudações finais e doxologia

1Esboço apresentado por Douglas J. Moo em Carson, D.A.; France, R.T.; Motyer, J.A.; Wenham, G.J. (Ed.), Nuevo Comentario
Biblico: Siglo Veintiuno, (El Paso, TX: Casa Bautista de Publicaciones) 2000, c1999.
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COMENTÁRIO

1.1 – 8.39 – A JUSTIFICAÇÃO PELA FÉ


(Como o Evangelho Salva o pecador)

1.1 – 15 [16-17] - Introdução – Prefácio - Tema

1.1-7 - Endereço e Saudação (apresentação de Paulo)

Para Wilhem Egger, os v.1-7, são ampliados nos vv.3-4, onde encontramos o Evangelho defendido
por Paulo.2
Douglas Moo3, acredita que o fato de Paulo dar tantos detalhes sobre sua vida, chamado e
ministério, está relacionado com a necessidade que Paulo sente de apresentar suas “credenciais” ante uma
igreja que ele nunca havia visitado e a autoridade destas credencias repousam especialmente em seu
chamado divino, conforme veremos em seguida.

(Os versos de 1 a 6, J. Stott4 situa-os dentro do tema: “Paulo e o Evangelho”.)

v.1 ARA - Paulo, servo de Jesus Cristo, chamado para ser apóstolo, separado para o evangelho de Deus,
v.1 Pau/loj dou/loj Cristou/ VIhsou/( klhto.j avpo,stoloj avfwrisme,noj eivj euvagge,lion qeou/(

v.1 – “Paulo” – Pau/loj


A primeira palavra da epístola aos romanos é o nome “Paulo”. “Mais admirável que a Epístola aos
Romanos é o fato de Paulo escreve-la.”5
Saulo e Paulo não implica em mudança de nome. Na realidade, os judeus da diáspora tinham
muitas vezes dois nomes, judaico e grego, assim foi com Saulo/Paulo.6 Provavelmente, Paulus foi
escolhido por ser o nome latino mais parecido com o nome hebraico de Saulo. Saulo/Saul(o) era o nome
mais conhecido dos membros da tribo de Benjamim (cfr. Rm 11.1).7

- Servo - dou/loj / Apóstolo - avpo,stoloj / chamado - klhto.j

(“Não surgira de Paulo a iniciativa de escrever esta carta; ele era apenas servo de Cristo.” John
Murray, Romanos).

Observemos que antes de Paulo dizer que é um apóstolo, seu primeiro título é servo (dou/loj =
escravo).
O servo, é muito mais que escravo. Ser servo (dou/loj), implica em humildade e servidão; nos
lembra o título dos profetas do AT, o ( hw"±hy>-db,[,
- ebed Yaweh)8. Este também era um título messiânico (Is
42.1; 53.11; Zc 3.8 e outros). O termo assume semelhanças ao de apóstolo. Em geral, o termo servo
refere-se a alguém que serve a, ou a favor de outro. O servo era nomeado por Deus como mediador para
representá-lo diante do povo.9 Todo crente também é servo de Cristo (1 Co 7.23; Ef 6.6).

2
Wilhelm Egger, Metodologia do Novo Testamento (São Paulo: Loyola, 1994), 176-7.
3
Douglas J. Moo em Carson, D.A.; France, R.T.; Motyer, J.A.; Wenham, G.J. (Ed.), Nuevo Comentario Biblico: Siglo Veintiuno, (El
Paso, TX: Casa Bautista de Publicaciones) 2000, c1999.
4
Stott, J., Romanos, p. 45ss.
5
D. M. Lloyd-Jones, Romanos: Exposição sobre Capítulo 1, O Evangelho de Deus (São Paulo: PES, 1998), 18.
6
Barbaglio, Giuseppe. São Paulo, o homem do evangelho. Petrópolis, Vozes, 1993, 41.
7
Murphy-O´Connor, Jerome. Paulo, biografia crítica. São Paulo: Loyola, 2000, 56-58. O autor faz uma detalhada análise sobre a
questão dos nomes na época do apóstolo Paulo.
8
Maiores explicações sobre este termo, consulteGerard Van Groningen, Revelação Messiânica no Velho Testamento (Campinas:
Luz para o Caminho, 1995), p. 189, 528-31.
9
G. Van Groningen, Revelação Messiânica, p. 189.
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O chamado para ser apóstolo.

Uma pessoa só pode ser apóstolo por vocação (chamado) e não por opção. Quem chama é Deus.
O apóstolo é fruto de um propósito divino. A preposição (eivj) com o acusativo (euvagge,lion) indica aqui o
propósito/finalidade. O chamado em si é divino e não humano, isto é novamente enfatizado no v. 5.

O apóstolo não é simplesmente um enviado

Muitas vezes ao se traduzir literalmente a palavra apóstolo (avpo,stoloj – vem de avposte,llw -


avpo = “de”, “procedência” + ste,llw = “enviado”) atribui-lhe o significado de “enviado de”, ou
simplesmente “um enviado”. Seu significado na realidade, traduz um sentido muito mais profundo. Temos
de levar em consideração que o apóstolo Paulo é um judeu, e está escrevendo a partir das estruturas de
pensamento do AT. Seu background, no que diz respeito às estruturas de pensamento teológico, é
judaico.10 Levando em consideração este background, o apóstolo no NT é o equivalente ao ( – shalach xl;v'
11
– 1 Re 14.6 na LXX) no AT . Neste sentido, um apóstolo é um representante comissionado que goza da
autoridade que o mandato lhe confere; representa-o juridicamente. Assim se designavam não apenas os
enviados que representavam a autoridade eclesiástica, mas ainda quantos receberam de Deus qualquer
missão importante (sacerdócio ou outro múnus; por exemplo, Moisés, Elias, etc.). O apostolado cristão, que
muito provavelmente remonta ao próprio Cristo, conservou essas características: o apóstolo representa
aquele que o envia.12
Notamos, portanto, que apóstolo não é um título hierárquico, mas uma vocação divina que implica
em uma missão a ser cumprida. M. Lutero13, ao comentar sobre o que é um apóstolo, nos diz que este
título não é um título que exalta, mas um título que indica humildade, isto é, expressa notável humildade. O
fato do apóstolo ser um enviado, expressa uma relação de dependência, servidão e obediência. Assim,
este não é um título honorífico no qual se possa depositar confiança e gloriar-se nele. Lutero criticando
aqueles que usam este título como sendo honorífico, nos diz: “quão distinta é a situação em nossos dias
que os nomes de ´apostolado´ e ´episcopado´ e outros chegaram a significar paulatinamente não um
serviço senão uma honra e autoridade.”
Paulo sempre se viu como um representante de Cristo, desde a sua conversão. Ele se auto-
intitulava “embaixador” (Ef 6.20), o que bem expressa idéia de apóstolo. Outros textos em Paulo, onde a
palavra “apóstolo” aparece com o sentido de “representante”, é Fp 2.25 e 2 Co 8.23, conforme observa C.
K. Barrett.14
Ao usar a palavra apóstolo, de uma forma mais específica, Paulo está descrevendo o seu serviço e
ministério.15 Com isto Paulo está dizendo que não devia sua autoridade como apóstolo a uma designação
ou capacidade humana alguma, senão ao chamado e aos dons do Senhor ressuscitado (cf. Gl 1.1).16

- “Separado para o evangelho de Deus” - avfwrisme,noj eivj euvagge,lion qeou/(

“Separado” – Como bem observa C. K. Barrett,17 novamente, para se entender aqui este termo,
temos de nos valer do background do AT. Lembra aqui o chamado dos profetas do AT, que eram
separados para o serviço de Deus. Vemos esta idéia em Gl 1.15 que lembra Jr 1.5. C. K. Barrett18, faz
ainda uma observação, de que talvez, o uso que Paulo faz aqui do termo “separado”, é o análogo ao

10
Veja esta discussão do backgraund de Paulo, em mais detalhes, em minha dissertação de mestrado: Marcos Alexandre R. G.
Faria, A influência da escola de alexandria por meio de Fílon, na questão partidária em 1 Co 1-4: uma análise sócio-retórica (São
Paulo: CPPGAJ – Universidade Mackenzie, 2003), Cap. 3.
11
Pensa assim também, J. Stott, Romanos, p. 47.
12
Franz J. Leenjhardt, Epístola aos Romanos (São Paulo: ASTE, 1969), 62.
13
Martín Lutero, Comentarios de Martín Lutero: carta del apóstol pablo a los gálatas (Terrassa-Barcelona: Editorial CLIE, 1998), 28.
14
Barrett, C. K., The Epistle to the romans (London: Adam & Charles Black, 1962), p. 16.
15
Martín Lutero, Comentarios de Martín Lutero: carta del apóstol pablo a los romanos (Terrassa-Barcelona: Editorial CLIE, 1998),
32.
16
Douglas Moo, op. cit.
17
C. K. Barrett, The epistle to the romans, p. 17.
18
Barrett, C. K., The epistle to the romans, p. 17.
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“fariseu”. Paulo era fariseu (Fp 3.5), separado por homens para a Lei, agora, cristão, é separado por Deus
para o evangelho.

“Evangelho de Deus”
O Evangelho para Paulo, não é meramente uma doutrina acerca da natureza de Deus, uma
elevada norma de ética, ou o caminho que conduz a uma vida espiritual rica e refinada, ou coisa parecida.
O Evangelho é a proclamação da ação realizada por Deus quando enviou Cristo ao mundo. É a mensagem
da intervenção dinâmica efetuada desta maneira por Deus em nossa existência. O evangelho é a
mensagem de como Deus tem introduzido algo totalmente novo em meio a esta era (Velha Era); de que por
meio de Cristo tem sido introduzido entre nós a nova era - uma era que começa em nosso meio, mas que
culminará na glória.19
Esta explicação coincide com o próprio centro (Mitte) da mensagem de Paulo como sendo a
proclamação e a explicação do tempo escatológico redentor inaugurado com a encarnação, a morte
e a ressurreição de Cristo.20
O “Evangelho de Deus” é o centro da mensagem de salvação que Paulo foi divinamente
comissionado para pregar. É o anúncio da manifestação da justiça de Deus (v.16). A fonte do evangelho é
teocêntrica. A manifestação do evangelho é cristocêntrica, pois repousa na obra de Cristo.21

Após se apresentar, Paulo passa a descrever a natureza deste Evangelho (v.2-4) para o qual foi
chamado.

v. 2 – o] proephggei,lato dia. tw/n profhtw/n auvtou/ evn grafai/j a`gi,aij


v. 2 – “o qual foi por Deus, outrora, prometido por intermédio dos seus profetas nas Sagradas Escrituras”

Primeiramente Paulo está mostrando que este evangelho tem suas raízes no AT (testemunho das
Escrituras: 1.17, 3.21; 4.3,6ss). Deixa com isso claro que existe uma continuidade entre o plano de Deus no
AT e sua culminação no NT.
Com isso Paulo está dizendo que o evangelho não era nenhuma novidade, o AT já falava dele.
Temos textos onde Jesus deixa isto bem claro: Lc 24.27,44; Jo 5.39,46.

- AS DUAS NATUREZAS DE CRISTO: (v.3 e 4)

v.3 - peri. tou/ ui`ou/ auvtou/ tou/ genome,nou evk spe,rmatoj Daui.d kata. sa,rka(
v.3 - com respeito a seu Filho, o qual, segundo a carne, veio da descendência de Davi

v.4 - tou/ o`risqe,ntoj ui`ou/ qeou/ evn duna,mei kata. pneu/ma a`giwsu,nhj evx avnasta,sewj nekrw/n( VIhsou/ Cristou/
tou/ kuri,ou h`mw/n(
v.4 - e foi designado Filho de Deus com poder, segundo o espírito de santidade pela ressurreição dos
mortos, a saber, Jesus Cristo, nosso Senhor,”

- “com respeito a seu filho”

“Filho” de Deus. Este título indica o Jesus eterno. Como afirma John Murray22, Paulo “considerava o
título Filho como aplicável a Cristo em sua existência eterna, como algo que definia seu eterno
relacionamento com o Pai (cf. 8.3, 32; Gl 4.4).”
Apresentando ainda o Evangelho, em segundo lugar, Paulo nos mostra que este Evangelho tem
como centro o “Filho de Deus” (v.3), “Jesus Cristo, nosso Senhor” (v.4). A essência do evangelho é Jesus.
O Deus encarnado.
Jesus como "descendente de Davi", o Messias-Rei, o que havia sido prometido pelos profetas (2 Sm
7.12-16; Is 11.1, 10; Ez 34.23,24) e como "Filho de Deus".
19
Anders Nygren, La Epistola a los romanos (Buenos Aires: La Aurora, 1969), 27.
20
Herman Ridderbos, El pensamiento del apóstol Pablo (Grand Rapids: Libros Desafío, 2000), 57.
21
Barrett, C. K., The epistle to the romans, p. 17-18.
22
Murray, John, Romanos (São José dos Campos-SP: Fiel, 2003), p. 33.
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Uma fórmula (profissão de fé antiga)23 - Cumprimento do AT - 2 Sm 7, Sl 2 e 110 - Para a


descendência terrena de Jesus veja Rm 9.5, 2Tm 2.8.

“segundo a carne” - kata. sa,rka

“Segundo a carne”(v.3) contrasta claramente com “segundo o espírito” (v.4), bem como “filho de
Davi (v.3), com filho de Deus (v.4).
Para alguns como Moo24, esta frase se entende melhor parafraseando-a “a partir de um ponto de
vista de uma simples perspectiva humana.” Esta frase deve então contrastar-se com o “segundo o espírito”
(kata. pneu/ma) no v.4. Desta forma, conforme Moo, o contraste entre os v. 3 e 4, não dizem respeito a
natureza humana e divina de Cristo, e sim entre sua condição terrena e sua condição celestial como o
exaltado e ressuscitado.
Porém, parece-nos, como outros afirmam25, que o contraste aqui, ressalta de fato as duas naturezas
de Cristo, a humana (v.3) e a divina (v.4).
Murray26 nos alerta que a expressão “segundo a carne, veio da descendência de Davi” não pode ser
entendido como simplesmente uma referência ao Jesus humano. Assim se expressa Murray: “neste
versículo 3, o Salvador não é visto meramente como um ser humano, embora seja refletida a suposição de
uma natureza humana, ao ser dito que Ele veio da descendência de Davi.”

v.4 “o espírito de santidade” - kata. pneu/ma a`giwsu,nhj

“É uma maneira hebraica normal de dizer ´o Espírito Santo´. E aqui Paulo reproduz em grego a
expressão idiomática hebraica.”27
A expressão contrasta-se com “segundo a carne” (v.3). Paulo está mostrando os dois estados da
vida de Jesus: o de humilhação e o de exaltação, conforme já vimos acima. Esta expressão não diz
respeito à natureza divina de Jesus. A divindade de Cristo fica clara no termo “Filho de Deus” (v.4) em
contraste com sua natureza humana, “Filho de Davi” (v.3).

“pela ressurreição dos mortos” - evx avnasta,sewj nekrw/n

Conforme F. F. Bruce28, a frase deveria melhor ser traduzida como “em conseqüência da
ressurreição dos mortos” (de ressuscitarem os mortos). A ressurreição de Cristo é a primeira etapa da
ressurreição dos mortos (conf. 8.11; 1 Co 15.20-23).
Para Moo29, o que sucedeu na ressurreição de Cristo foi, não simplesmente uma poderosa
declaração de Jesus é o Filho de Deus, senão a designação de Jesus a uma nova condição de “Filho de
Deus em poder”. Preexistindo desde a eternidade como o Filho de Deus, Jesus, por meio de sua
ressurreição dentre os mortos, obteve novo poder e glória, poder que agora exerce para “a salvação de
todo aquele que crê” (1.16; também Fp 2.9-11; Hb 7.25).

- A NECESSIDADE DAS DUAS NATUREZAS DE CRISTO

Calvino30 afirmou que “divindade e humanidade são os dois requisitos que devemos procurar em
Cristo, caso pretendamos encontrar nele salvação.”

23
Veja a discussão desta perspectiva em Wilhelm Egger, Metodologia do Novo Testamento (São Paulo: Loyola, 1994), 176-9.
24
Douglas J. Moo, op. cit.
25
Stott, J., Romanos, p. 50ss
26
Murray, J. Romanos, p. 36ss.
27
F. F. Bruce, Romanos, 60-1.
28
F. F. Bruce, Romanos, 61.
29
Douglas J. Moo, op. cit.
30
Calvino, J. Romanos (São Bernardo do Campo-SP: Edições Paracletos, 1997), p. 41.
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v.5 - diV ou- evla,bomen ca,rin kai. avpostolh.n eivj u`pakoh.n pi,stewj evn pa/sin toi/j e;qnesin u`pe.r tou/ ovno,matoj
auvtou/(
v.5 “por intermédio de quem viemos a receber graça e apostolado por amor do seu nome, para a
obediência por fé, entre todos os gentios,”

“graça e apostolado” - ca,rin kai. avpostolh.n

Trata-se de uma hendíadis31: “a graça (ou dom celeste) do apostolado.”32


O ministério de Paulo, ao contrário do que alguns possam pensar, “não é uma conquista, mas graça
de Deus.”33

“Os gentios” - toi/j e;qnesin (11.13; 14.2-6; 16.1-16)

A vocação de Paulo para pregar aos gentios (e;qnesin - e;qnoj = “gentios” ou “nações”). Tem o seu
equivalente hebraico ( yAG
goyim = “gentios” ou “nações” ou “pagãos”). A vocação de Paulo aos gentios é
notória (At 9.15, 22.21, 26.17, 18; Gl 1.16, 2.1-11; Ef 3.1, 6, 8; 1 Ts 2.16).

“para a obediência por fé” - eivj u`pakoh.n pi,stewj

ACF
para a obediência da fé
ARA
para a obediência por fé
TEB
a fim de conduzir à obediência da fé
NVI
para a obediência que vem pela fé

Para Moo34, com esta expressão, Paulo está defendendo seu propósito amplo de chamar os gentios
a aceitação inicial do evangelho e as exigências que o mesmo impõe. Crer e obedecer são duas atividades
diferentes, mas para Paulo eram sempre inseparáveis: uma pessoa não pode verdadeiramente obedecer a
Deus sem antes dobrar seus joelhos em fé ante o Senhor Jesus, e uma pessoa não pode verdadeiramente
crer nesse Senhor Jesus se não obedecer tudo o que ele tem nos mandado (Mt 28.20).
John Stott35, apresenta três alternativas para esta expressão:
1. “obediência à fé”, tomando a fé como corpo de crenças; (Para isso ser correto, o artigo
geralmente deveria vir antes de “fé”, onde teríamos “a fé”, o que não ocorre aqui.
2. “a obediência que consiste na fé”, expressa um compromisso total a Cristo e à verdade do
evangelho.
3. “a obediência que vem pela fé”. Isto nos faz lembrar o exemplo de Abraão, que “pela fé...
obedeceu”. Ao mesmo tempo, nota-se que isso é a obediência que vem pela fé, e não pela lei.
Para Stott, a segunda e terceira opção não se excluem, podem ser aceitáveis.
C. K. Barrett36 se enquadra na segunda posição: “os homens deveriam se tornar obedientes à Cristo
e colocar sua fé nele.”
Para Gottfried37, a obediência aqui, é aquela que é peculiar à fé. Neste verso a fé tem um caráter
passivo, ou seja, obedecer a Deus é aceitar o que Ele dá.

v.6 - evn oi-j evste kai. u`mei/j klhtoi. VIhsou/ Cristou/(


v.6 - “de cujo número sois também vós, chamados para serdes de Jesus Cristo.”

31
Verbete: hendíadis - Figura que consiste em exprimir por dois substantivos ligados por coordenação uma idéia que normalmente
se representaria subordinando um deles ao outro. (Dic. Aurélio)
32
F. F. Bruce, Romanos, 61.
33
Gottfried, p. 22.
34
Douglas J. Moo, op. cit.
35
Stott, J., Romanos, p. 54.
36
Barrett, C. K., Romans, p. 21.
37
Gottfried, p. 22-23.
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Indica não só o fato de que a igreja romana estava em um mundo gentílico, mas que também eram
em sua maioria gentios.

v.7 - pa/sin toi/j ou=sin evn ~Rw,mh| avgaphtoi/j qeou/( klhtoi/j a`gi,oij( ca,rij u`mi/n kai. eivrh,nh avpo. qeou/ patro.j
h`mw/n kai. kuri,ou VIhsou/ Cristou/Å

v.7 - “A todos os amados de Deus, que estais em Roma, chamados para serdes santos, graça a vós outros
e paz, da parte de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo.”

“chamados para serdes santos” - klhtoi/j a`gi,oij

Esta é uma expressão muito usada no AT (Ex 19.5-6) usada para descrever a Israel. Sendo assim,
Paulo lembra seus leitores que eles são também povo de Deus. Um novo Israel é formado em Cristo Jesus.
A vocação (eleição - klhto,j) é para a santidade e não para a frouxidão moral, como pensam alguns
que interpretam de forma equivocada a doutrina da eleição. Paulo enfrenta este problema logo mais
adiante em 6.1,2,15.
Alguns outros textos, inclusive paulinos, reforçam este chamado para uma vida de santificação (Rm
6.22; Ef 1.4, 2.10, 4.1; 1 Ts 4.7; 1 Jo 3.9, 5.18).
Ser santo, portanto, não diz respeito a algo que fazemos, e si a algo que Deus fez por nós. É Deus
quem nos santifica. Ser santo, portanto, é uma dádiva de Deus, não uma conquista moral, resultado de
esforços humanos, mas fruto do Seu “chamado”.

“em Roma” - evn ~Rw,mh| - paral. v.15

Este endereço “em Roma” não aparecia em todos os mss., indicando que esta foi uma carta enviada
a diferentes igrejas; ou auto-defesa de Paulo para sua iminente ida à Jerusalém.38
O Códice Grego-Latino G traz este versículo da seguinte forma: “a todos os que estais no amor de
Deus”. K. Barth39 não cita “em Roma” na sua tradução. Ele faz uma tradução própria dos originais junto
com a Bíblia de Lutero.
Observamos o fechamento natural da saudação neste v.7. Inicia-se agora, a partir do v.8 a
introdução da carta.

1.8 - 16a - Paulo e a Igreja Romana (Introdução)

(Notemos que os versículo 8 a 13 possuem declarações muito específicas, o que dificulta a


hipótese de uma carta originalmente mais curta e circular - (Veja ainda a nota em 14.23).

v.8 - Prw/ton me.n euvcaristw/ tw/| qew/| mou dia. VIhsou/ Cristou/ peri. pa,ntwn u`mw/n o[ti h` pi,stij u`mw/n
katagge,lletai evn o[lw| tw/| ko,smw|Å
v.8 “Primeiramente, dou graças a meu Deus, mediante Jesus Cristo, no tocante a todos vós, porque, em
todo o mundo, é proclamada a vossa fé.”

Nesta curta ação de graças, Paulo dá prioridade (Prw/ton), antes de tudo e de mais nada, ao
reconhecimento de que tudo o que somos ou fazemos é “graças a Deus”. E aqui, Paulo está dizendo que
até o belo testemunho da igreja de Roma é fruto desta graça maravilhosa.

v.9 - ma,rtuj ga,r mou, evstin o` qeo,j( w-| latreu,w evn tw/| pneu,mati, mou evn tw/| euvaggeli,w| tou/ ui`ou/ auvtou/( w`j
avdialei,ptwj mnei,an u`mw/n poiou/mai
v.9 - “Porque Deus, a quem sirvo em meu espírito, no evangelho de seu Filho, é minha testemunha de
como incessantemente faço menção de vós”
38
Veja a “Parte XIX – Por que Paulo escreve aos Romanos” (Parte 1 da apostila).
39
Barth, Karl. Romanos.
FTBB - Exegese de Romanos, Introdução e Comentário - Prof. Marcos Alexandre R. G. Faria – 2º sem/2004 página 11

O que chama atenção aqui, é o fato de Paulo orar, inclusive por uma igreja que ele não havia
organizado. Sua visão de Reino de Deus é bem ampla!
A palavra latreu,w (de latrei,a) usada aqui por Paulo lembra o serviço prestado pelo sacerdote
no AT. Paulo se entrega por completo ao serviço que Deus lhe confiou. Esta é uma entrega da própria vida
(12.1), o sacrifício é o de seu própria vida em favor dos santos.

“em meu espírito”

A expressão evn tw/| pneu,mati, mou (“em meu espírito”) não indica apenas uma parte do homem, mas
o homem integral visto a partir de um determinado aspecto40, o que combina com 12.1.

“Deus... é minha testemunha”

O envolvimento de Paulo com a obra de Deus é tão grande, que ele invoca Deus como sua
testemunha. Gottfried41 assim se expressa: “Paulo pode atrever-se a invocar Deus como testemunha por
saber-se profundamente comprometido com ele e por servir-lhe no seu íntimo na forma do serviço ao
evangelho.”

v.10 - pa,ntote evpi. tw/n proseucw/n mou deo,menoj ei; pwj h;dh pote. euvodwqh,somai evn tw/| qelh,mati tou/ qeou/
evlqei/n pro.j u`ma/jÅ
v.10 - “em todas as minhas orações, suplicando que, nalgum tempo, pela vontade de Deus, se me ofereça
boa ocasião de visitar-vos.”

em todas as minhas orações

Para Paulo, pregação e oração andam de mãos dadas.

pela vontade de Deus

Tudo Paulo submetia à vontade de Deus. Seu ministério, viagens e pregações, eram sempre
submetidas à vontade de Deus. Esta vontade era conhecida por meio das orações.

“...se me ofereça boa ocasião de visitar-vos.” - pote. euvodwqh,somai evn tw/| qelh,mati tou/ qeou/ evlqei/n pro.j
u`ma/jÅ

Três anos depois desta carta, Paulo vai para Roma de um modo que não esperava ao escrevê-la.
Chegou lá, aproximadamente, no princípio de 60 (veja 15.31).

v.11 - evpipoqw/ ga.r ivdei/n u`ma/j( i[na ti metadw/ ca,risma u`mi/n pneumatiko.n eivj to. sthricqh/nai u`ma/j(
v.11 - “Porque muito desejo ver-vos, a fim de repartir convosco algum dom espiritual, para que sejais
confirmados,”

Conforme Moo42, trata-se de um dom que Paulo tem (o de evangelizar). Ele quer ir a Roma para
utilizar seu dom de evangelização a fim de ganhar convertidos para igreja e desta forma fortalecê-la. Isto
está de acordo com o que Paulo expressa no v.14.

v.12 - tou/to de, evstin sumparaklhqh/nai evn u`mi/n dia. th/j evn avllh,loij pi,stewj u`mw/n te kai. evmou/Å
v.12 - “isto é, para que, em vossa companhia, reciprocamente nos confortemos por intermédio da fé
mútua, vossa e minha.”

40
Bultmann, Rudolf, Teologia del nuevo testamento, p. 206ss.
41
Gottfried, p. 27-28.
42
Douglas J. Moo, op. cit.
FTBB - Exegese de Romanos, Introdução e Comentário - Prof. Marcos Alexandre R. G. Faria – 2º sem/2004 página 12

isto é

A expressão “isto é” denuncia uma explicação, um esclarecimento sobre o que Paulo acabou de
falar.

“nos confortemos” (RA43) “eu seja consolado”(RC44) “encorajemos” (RSV, NVI45)

Gr. sumparaklhqh/nai verb inf aor pass acc [UBS] sumparakale,omai (aor. inf. sumparaklhqh/nai) “ser
encorajado junto”.
Talvez aqui Paulo tenha em mente sua ida a Jerusalém e o que ali enfrentaria. Assim Paulo não só
oferece ajuda como também espera ajuda dos irmãos.
O v.12 complemente e dissipa qualquer equívoco que possa surgir do v.11 quanto a uma atitude de
arrogância em Paulo ser o que pode “dar algo” aos Romanos. Á luz do v. 12 Paulo também tem o que
receber dos romanos. Stott46 comenta o episódio com as seguintes palavras: “Ele [Paulo] tem consciência
das bênçãos recíprocas que advêm da fraternidade cristã e, apesar de ser um apóstolo, não é orgulhoso
demais para reconhecer sua necessidade dela. Feliz é o missionário de hoje que vai a outro país e cultura
no mesmo espírito de receptividade, disposto tanto para receber quanto para dar, tão ansioso para
aprender tanto quanto para ensinar, para ser encorajado tanto quanto encorajar! E feliz é a congregação
cujo pastor tem essa mesma disposição de espírito!”

v.13 - ouv qe,lw de. u`ma/j avgnoei/n( avdelfoi,( o[ti polla,kij proeqe,mhn evlqei/n pro.j u`ma/j( kai. evkwlu,qhn a;cri
tou/ deu/ro( i[na tina. karpo.n scw/ kai. evn u`mi/n kaqw.j kai. evn toi/j loipoi/j e;qnesinÅ
v.13 - “Porque não quero, irmãos, que ignoreis que, muitas vezes, me propus ir ter convosco (no que
tenho sido, até agora, impedido), para conseguir igualmente entre vós algum fruto, como também entre os
outros gentios.”

“muitas vezes me propus ir ter convosco” - polla,kij proeqe,mhn evlqei/n pro.j u`ma/j

Podemos pensar também como Moo47, que de alguma forma, os cristão romanos, estão se sentido
subestimados pelo “grande apóstolos dos gentios” ainda não ter ido visitá-los. Desta forma Paulo esclarece
que sua ausência não tinha sido por falta de desejo (At 19.21) senão por falta de oportunidade: “tenho
sido impedido de visitá-los” (v.13), sendo provavelmente o impedimento ocasionado por suas obrigações
para com as igrejas no Mediterrâneo oriental (cf. 15.19-23).
Um dos objetivos de Paulo em ir a Roma: (15.25-27) “25 Mas, agora, vou a Jerusalém para
ministrar aos santos. 26 Porque pareceu bem à Macedônia e à Acaia fazerem uma coleta para os pobres
dentre os santos que estão em Jerusalém. 27 Isto lhes pareceu bem, como devedores que são para com
eles. Porque, se os gentios foram participantes dos seus bens espirituais, devem também ministrar-lhes os
temporais.”
As esperanças e anseios de Paulo são submetidos à vontade de Deus. Se Deus "quiser" e o
consentir, irá visitar os romanos entre os quais gostaria de produzir frutos também.

v.14 - {Ellhsi,n te kai. barba,roij( sofoi/j te kai. avnoh,toij ovfeile,thj eivmi,(


v.14 - "Pois sou devedor tanto a gregos como a bárbaros, tanto a sábios como a ignorantes;”

Pois sou devedor

O Evangelho é uma dívida que temos. O Evangelho fez de Paulo um eterno devedor diante do que
ele havia recebido (1 Co 4.1ss; Gl 2.7; 1 Ts 2.4; 1 Tm 1.11; Tt 1.3).
43
Revista e Atualizada
44
Revista e Corrigida
45
Revised Standard Bible e Nova Versão Internacional, respectivamente.
46
J. Stott, Romanos, p. 59.
47
Douglas J. Moo, op. cit.
FTBB - Exegese de Romanos, Introdução e Comentário - Prof. Marcos Alexandre R. G. Faria – 2º sem/2004 página 13

v.15 - ou[twj to. katV evme. pro,qumon kai. u`mi/n toi/j evn ~Rw,mh| euvaggeli,sasqaiÅ
v.15 - por isso, quanto está em mim, estou pronto a anunciar o evangelho também a vós outros,
em Roma.

“Em Roma” - ver nota do v.7

1.16,17 - O TEMA: JUSTIFICAÇÃO PELA FÉ


16 Pois não me envergonho do evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê,
GNT - Ouv ga.r evpaiscu,nomai to. euvagge,lion( du,namij ga.r qeou/ evstin eivj swthri,an panti. tw/| pisteu,onti(
primeiro do judeu e também do grego;
VIoudai,w| te prw/ton kai. {EllhniÅ
17 visto que a justiça de Deus se revela no evangelho, de fé em fé, como está escrito:
GNT - dikaiosu,nh ga.r qeou/ evn auvtw/| avpokalu,ptetai evk pi,stewj eivj pi,stin( kaqw.j ge,graptai(
O justo viverá por fé.
~O de. di,kaioj evk pi,stewj zh,setaiÅ

(Sobre 1.17 – Ver o livro “Viver pela fé: justificação e santificação, de Oswald Bayer, Sinodal, 1997.)

Os v. 16 e 17 expressam o tema central desta carta de Paulo e se constituem em sentença de


transição entre a introdução (v.1-15) e o corpo da mesma (1.18-15.13). Conforme vamos notar em seguida
a palavra central aqui é o “evangelho”.

v.16a - “Pois...” “...não me envergonho do Evangelho” - Ouv ga.r evpaiscu,nomai to. euvagge,lion

Evangelho - to. euvagge,lion - Ver considerações no v.1.

Notemos que o “Pois” (Gr. ga.r - “gar”) está fazendo uma ligação com o contexto anterior.
“Evangelho” aparece aqui pela 4ª vez (1.1,9,15). Ao todo temos 12 referências a palavra evangelho”
(Rom. 1:1,9,15,16; 2:16; 10:16; 11:28; 15:16,19,20,29; 16:25). E em Gálatas, a carta similar a Romanos
temos em 6 capítulos 11 referências (Gal. 1:6,7,8,9,11; 2:2,5,7,14; 3:8; 4:13).48
Em duas cartas, com ênfase doutrinária, encontramos uma forte ênfase na palavra “Evangelho”.
Proposta de Sturz para o tema de Rm: "O Evangelho de Deus". Só este tema englobaria tudo o que
Paulo trata na epístola.
Quando Paulo diz que não se envergonha do Evangelho, podemos, a partir daí, notar uma certa
situação da igreja de Roma em relação ao Evangelho.

“...não me envergonho do Evangelho” - Ouv ga.r evpaiscu,nomai to. euvagge,lion

Não tenho motivo para ficar envergonhado com o Evangelho que prego! Talvez aqui temos uma
resposta aos seus acusadores o caluniavam (cf. 3.8).
Paulo se gloria no Evangelho e considera alta honra proclamá-lo49 (cf. 1 Co 9.16).
Para Smith50 a expressão usada por Paulo sobre a vergonha, estaria relacionada à mensagem do
evangelho que se identifica com um conteúdo que tem como sujeito alguém executado como um criminoso.
A cruz era uma pedra de tropeço para os judeus e tolice para os gentios, mas para qualquer que tivesse fé
(cresse), era o poder de Deus.
Afinal, esta mensagem “escandalizava” (1 Co 1.18,23)

48
Nas 13 epístolas, encontramos Paulo fazendo referência a palavra Evangelho . (1 Ts 6x; 2 Ts 2x; 1 Co - 7x, 2 Co 9x, Gl 11x, Ef
5x, Fp 8x, Cl 2x, 1 Tm 6x, 2 Tm 2x, Tt 4x, Fm 1x).
49
Bruce, F. F. (1988). Romanos: Introdução e comentário, pg 65.
50
Smith, Ralph, Teologia do Antigo Testamento (São Paulo: Vida Nova, 2001), p. 348.
FTBB - Exegese de Romanos, Introdução e Comentário - Prof. Marcos Alexandre R. G. Faria – 2º sem/2004 página 14

1.16b-17 - Declaração do Tema da Epístola

v.16b O Evangelho “....é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê...” - du,namij ga.r qeou/
evstin eivj swthri,an panti. tw/| pisteu,onti

O Evangelho é poder de Deus para salvar , “primeiro o judeu e também o grego”.


Podemos inferir que o “grego” é uma referência aos gentios. Logo de início Paulo frisa a
universalidade do Evangelho e o alvo de sua missão (pregar aos gentios).
"O Evangelho não é uma apresentação de uma idéia, mas a operação de um poder. Quando o
evangelho é pregado... o poder de Deus está em operação para a salvação dos homens, tirando-os dos
poderes de destruição... e transferindo-os para a nova era de vida."51

"Evangelho... para salvação..." - eivj swthri,an

Conforme salienta Moo52, a palavra “salvação” é um termo que se utilizava no AT para descrever a
libertação final de Deus para seu povo (cf. Is 52.7) e anuncia a própria chegada do Reino de Deus entre
nós.
Paulo nos diz que o Evangelho é Salvador. A preposição eivj + acusativo swthri,na, indica a
finalidade/propóstio do evangelho. Não se pode dissociar o Evangelho da Pessoa de Jesus Cristo. O
Evangelho é Cristo! Em 1 Co 1.24, Cristo é chamado "o poder de Deus": "mas para os que foram
chamados, tanto judeus como gregos, pregamos a Cristo, poder de Deus e sabedoria de Deus."

“primeiro do judeu e também do grego;” - VIoudai,w| te prw/ton kai. {EllhniÅ

Esta expressão enfatiza uma atenção especial sobre os judeus (3.1, 2; 11.1, 2, 29), como os
primeiros receptores da palavra de Deus no AT, aqui também eles são os primeiros, mas não os únicos. A
prioridade dada aos judeus é uma questão teológica e histórica, visto que Deus os escolheu e estabeleceu
sua aliança com eles, portanto, era necessário anunciar primeiro a eles a palavra de Deus53 (At 13.46; Jo
1.11).

v.17 - dikaiosu,nh ga.r qeou/ evn auvtw/| avpokalu,ptetai evk pi,stewj eivj pi,stin( kaqw.j ge,graptai(
v.17 - “Porque nele se descobre a justiça de Deus de fé em fé, como está escrito: Mas o justo viverá da fé.”
(Ver Nygren, pg 19ss)

Portanto, temos aqui o tema do livro: 1. Evangelho, 2. Poder de Deus, 3. Salvação, 4. Todo
aquele, 5. Crer (fé) e 6. Justificação.
Todo o restante do livro de Romanos será um desdobramento desses temas apresentados aqui por
Paulo.

- “a justiça de Deus se revela” - dikaiosu,nh ga.r qeou/ evn auvtw/| avpokalu,ptetai

Novamente aqui temos uma estreita relação que Paulo estabelece entre o NT e o AT, ou entre o
Evangelho e o AT como continuidade e não descontinuidade. D. Moo54 nos mostra que a “justiça de Deus”
é um conceito do AT. Os “últimos dias”, quando Deus interviria para salvar seu povo, estavam
caracterizados por profetas como Isaías como um tempo no qual Ele revelaria sua “justiça” (Is 46.13, 51.5,
6, 8). Esta justiça de Deus é um tema central em Rm (3.5, 21, 22, 25, 26, 10.3) e fora de Rm, Paulo
emprega esta frase apenas em 2 Co 5.21.
51
Nygren - Nota de rodapé da Bíblia Shedd.
52
Douglas J. Moo, op. cit.
53
J. Stott, Romanos, p. 64.
54
Douglas J. Moo, op. cit.
FTBB - Exegese de Romanos, Introdução e Comentário - Prof. Marcos Alexandre R. G. Faria – 2º sem/2004 página 15

“a justiça” - dikaiosu,nh

Para o hebreu, justiça é uma questão de certo ou errado, e isto se resolve diante de um juiz,
portanto seu aspecto é forense. Trata-se portanto, de um estado legal e não de uma qualidade moral.55
Ex: Ex 9.27 – “justo” = no certo // “ímpio” = “no errado”.
Cfr. com o v. 18 - Desenvolvimento em 3.21-22; 5.15-17.
Nos dias de Jesus e Paulo, os judeus haviam dado um aspecto pessoal e ético para a questão da
justiça. Segundo Ladd56 “a justiça não é primariamente uma qualidade ética, mas uma relação correta, a
absolvição divina da culpa do pecado.” [...] No pensamento judaico, a justiça foi considerada como uma
atividade humana. Os rabinos ensinavam que a justiça era uma empreitada humana e consistia na
obediência à Lei e na prática de atos de misericórdia.”
M. Lloyd-Jones nos diz que aqui Deus está realizando algo e Ele o está realizando em Cristo. “O
que Deus está realizando em Cristo é que Ele está dando ao homem a justiça de Cristo, e não uma
salvação resultante de algum esforço do homem [...] Daqui por diante não vamos pensar mais na justiça em
termos do que o homem faz, e sim, numa justiça que Deus dá - justiça que vem de Deus em Jesus Cristo
mediante a fé.”57
Portanto podemos afirmar que a “justiça” é um atributo divino58 (Deus é juiz – Gn 18.25; Sl 82). Em
Romanos, a manifestação suprema da justiça pessoal de Deus se revela na cruz de Cristo (3.25,26). Deus
é justo (Sl 7.11), assim, a justiça tem a ver com o que Deus é, ou seja, é inerente à sua natureza.
Confirmando esta idéia, William Campbell, citado por Stott59, afirma: “a justiça de Deus é antes e acima de
tudo uma justiça que demonstra a fidelidade de Deus à sua própria natureza de justiça.”
A justiça de Deus é também uma ação divina, a saber, sua intervenção salvadora em favor de seu
povo.60 Na poesia hebraica, onde o paralelismo é muito utilizado, a justiça de Deus vem acompanhado de
sua salvação (Sl 98.2; 51.14; 65.5; 71.2,15; 143.11; Is 46.13; 45.8, 21; 51.5s; 63.1).
Em terceiro lugar, a justiça é uma conquista divina. Diz respeito ao status que Deus nos concede
de justos. É um estado de justiça que requer de nós se quisermos comparecer diante dele, que ele nos
propicia através do sacrifício expiatório na cruz, que ele revela no evangelho e que concede gratuitamente
a todos os que confiam em Jesus Cristo.61
A justiça é também uma dádiva, um presente que recebemos de Deus como fruto de sua graça
(3.22, 24; 5.17; 1 Co 1.30; 2 Co 5.21).

A JUSFICAÇÃO PELA FÉ - SOLA FIDES

- A justificação pela fé pressupõe a IRA de Deus. (Hoekma, SPG, 159ss) - Rm 5.8,9


- É uma declaração forense:
• realizado no tribunal de Deus em relação aos pecados dos homens. São declarados justos diante
da lei, isto é, é declarado no tribunal que eles não têm débito qualquer com a lei, em virtude do
pagamento dos débitos da transgressão da lei feito por Jesus Cristo.
• J. tem a ver com a LEI e a JUSTIÇA
Uma vez transgressores da lei, o homem se torna devedor da mesma. Portanto seu
resultado é a condenação.
CONDENAÇÃO é o reverso da justificação.
Paradoxo: Deus justificado o pecador (o condenado) - Cl 2.13-14.
Na justificação este escrito legal é cancelado.

• Com a morte de Cristo não há mais o débito para com Lei. A morte de Cristo passa a ser

55
F. F. Bruce, Romanos, 64.
56
G. E. Ladd, Teologia do Novo Testamento, p. 75.
57
D. M. Lloyd-Jones, Romanos: exposição sobre capítulo 1, o Evangelho de Deus (São Paulo: PES, 1998), 37.
58
J. Stott, Romanos, p. 65-68, relaciona três características da justiça de Deus.
59
J. Stott, Romanos, p. 66.
60
J. Stott, Romanos, p. 66.
61
J. Stott, Romanos, p. 67.
FTBB - Exegese de Romanos, Introdução e Comentário - Prof. Marcos Alexandre R. G. Faria – 2º sem/2004 página 16

considerada a nossa morte.

• JUSTIFICAÇÃO NÃO É O MESMO QUE PERDÃO:


Perdão é anistia, não exige pagamento
A lei de Deus exige pagto qdo a mesma é violada.Para que Deus não seja injusto com Ele próprio,
tem de punir a penalidade, para que possa perdoar o pecador.
Justificação é um ato judicial de Deus que procede sobre o fato de que todas as exigências da lei
devem cair sobre as pessoas, ou sobre alguém que toma o lugar delas.
O pagamento tem de ser feito pelo substituto.
• A base sobre a qual Deus nos declara justos não é uma prerrogativa soberana, mas a justiça
perfeita de Cristo que nos é imputada e recebida por meio da fé.
• A justificação implica na aplicação da justiça e da misericórdia.

ARMINIANOS:
• Base da justificação: Cristo
• O que nos justifica? - A fé. A fé é imputada como justiça!!!!!!!!!!
Como a fé pode ser imputada a nós se a fé é nossa??????????

CALVINISTAS:
• Somos justificado pela obra de Cristo (não por algo que fizemos ou deixamos de fazer)
• Nos é imputado a obediência e satisfação de Cristo.

- A justificação é fruto tão somente da graça. É obra de Deus. Rm 5.16: A jutificação é um DOM: dwphma.
Cfr. Com o v. 18, 20. Veja Tt 3.4-7.
- A justiça é ALIENA de outro: O que Jesus fez é judicialmente imputado a nós por Deus pai.

• Ninguém merece ser justificado. Só é justificado que é devedor e não pode pagar. Rm 4.5
- Ao que não trabalha. Aquele que não pode fazer nada por si mesmo.
- Exigência: fé naquele que justifica o ímpio.
- A fé é o órgão instrumental da justificação: Rm 5.1.
- Rm 3.23-5 - A justificação é um DOM. - Rm 3.20
• Essa teologia no AT - Sl 103.10 - Deus não nos trata segundo nossas iniquidades, pois fomos
justificados.

• Quem é justificado? Os eleitos - Rm 8.33,34 - A dívida foi quitada pelo fiador Hb 7.22
A morte de Cristo, que é substitutiva, tira qualquer possibilidade de que alguém por quem Ele veio
morrer, receba de novo a condenação de seus pecados.

• A FÉ PRECEDE OU VEM APÓS A JUSTIFICAÇÃO? (Veja abaixo o texto do Sproul, Regeneração


Precede a Fé)

- O pecador é pronunciado justo antes da fé ou após ela?


- A declaração judicial de Deus do pecador justificado é feita após a morte de Cristo ou após a fé do
pecador?
- A fé causa a justiça do crente ou é um meio para se aceitar a justiça de Cristo?

ARMINIANISMO
A fé é uma obra do homem que é aceitável diante de Deus.
A Bíblia não diz que somos justificados por conta de nossa fé, mas por meio.

CALVINISMO
Gn 15.6 - Rm 4. // Gl 2.21,5.4
- Justificação objetiva - Somente por Cristo e em Cristo.
- Justificação subjetiva - A fé é veículo ou meio pelo qual nos apossamos da salvação ( A fé é
FTBB - Exegese de Romanos, Introdução e Comentário - Prof. Marcos Alexandre R. G. Faria – 2º sem/2004 página 17

TEMPORÁRIA: I Co 13.13. A fé é só para este presente, alimenta nossa certeza de salvação


completa.
- Rm 3.25 Fp 3.9 - Fé INSTRUMENTAL/APROPRIATIVA: dia = mediante, por meio - instrumento pelo
qual o homem tem acesso a Cristo e a Sua justiça. Através da fé desfrutamos da salvação. Pela fé o
homem se apropria de uma justiça já formalmente conquistada em seu favor.

A REGENERAÇÃO PREDECE A FÉ
por

R.C. Sproul

Um dos momentos mais dramáticos em minha vida, na formação de minha teologia, ocorreu em
uma sala de aula de um seminário. Um de meus professores foi ao quadro negro e escreveu estas
palavras em letras garrafais:

A REGENERAÇÃO PRECEDE A FÉ

Aquelas palavras foram um choque para o meu sistema. Eu tinha entrado no seminário crendo
que a obra principal do homem para efetivar o novo nascimento era a fé. Eu pensava que nós
tínhamos que primeiro crer em Cristo, para então nascermos de novo. Eu uso as palavras "para
então" aqui por uma razão. Eu estava pensando em termos de passos que deviam ocorrer em
uma certa seqüência. Eu colocava a fé no princípio. A ordem parecia algo mais ou menos assim:

"Fé - novo nascimento -justificação."

Eu não tinha pensado sobre esse assunto com muito cuidado. Nem tinha atentado
cuidadosamente às palavras de Jesus a Nicodemus. Eu presumia que mesmo sendo um pecador,
uma pessoa nascida da carne e vivendo na carne, eu ainda tinha uma pequena ilha de justiça, um
pequeno depósito de poder espiritual remanescente em minha alma para me capacitar a
responder ao Evangelho sozinho. Possivelmente eu tinha sido confundido pelo ensino da Igreja
Católica Romana. Roma, e muitos outros ramos do Cristianismo, tem ensinado que a regeneração
é graciosa; ela não pode acontecer aparte da ajuda de Deus.

Nenhum homem tem o poder para ressuscitar a si mesmo da morte espiritual. A divina assistência
é necessária. Esta graça, de acordo com Roma, vem na forma do que é chamado graça
preveniente. "Preveniente" significa que ela vem antes de outra coisa. Roma adiciona a esta graça
preveniente o requerimento de que devemos "cooperar com ela e assentir diante dela", antes que
ela possa atuar em nossos corações.

Esta concepção de cooperação é na melhor das hipóteses uma meia verdade. Sim, a fé que
exercemos é nossa fé. Deus não crê por nós. Quando eu respondo a Cristo, é a minha resposta,
minha fé, minha confiança que está sendo exercida. O assunto, contudo, se aprofunda. A questão
ainda permanece: "Eu coopero com a graça de Deus antes de eu nascer de novo, ou a
cooperação ocorre depois?" Outro modo de fazer esta pergunta é questionar se a regeneração é
monergista ou sinergista. Ela é operativa ou cooperativa? É eficaz ou dependente? Algumas destas
FTBB - Exegese de Romanos, Introdução e Comentário - Prof. Marcos Alexandre R. G. Faria – 2º sem/2004 página 18

palavras são termos teológicos que requerer maior explanação.

MONERGISMO E SINERGISMO

Uma obra monergística é uma obra produzida por uma única pessoa. O prefixo mono significa um.
A palavra erg refere-se a uma unidade de trabalho. Palavras como energia são construídas com
base nessa raiz. Uma obra sinergística é uma que envolve cooperação entre duas ou mais pessoas
ou coisas. O prefixo sun significa "juntamente com".

Eu faço esta distinção por um razão. O debate entre Roma e Lutero foi travado sobre este simples
ponto. A questão era esta: A regeneração é uma obra monergística de Deus ou uma obra
sinergística que requer cooperação entre homem e Deus? Quando meu professor escreveu "A
regeneração precede a fé" no quadro negro, ele estava claramente tomando o lado da resposta
monergística. Depois de uma pessoa ser regenerada, esta pessoa coopera pelo exercício de sua fé
e confiança. Mas o primeiro passo é a obra de Deus e de Deus tão-somente.

A razão pela qual não cooperamos com a graça regeneradora antes dela agir sobre nós e em nós
é que nós não podemos. Não podemos porque estamos mortos espiritualmente. Não podemos
assistir o Espírito Santo na vivificação de nossas almas para a vida espiritual, da mesma forma que
Lázaro não podia ajudar Jesus a ressuscitá-lo dos mortos.

Quando comecei a lutar com o argumento do Professor, fiquei surpreso ao descobrir que o
estranho som de seu ensino não era novidade. Agostinho, Martinho Lutero, João Calvino,
Jonathan Edwards, George Whitefield - até o grande teólogo medieval Tomás de Aquino
ensinaram esta doutrina. Tomás de Aquino é o Doctor Angelicus da Igreja Católica Romana. Por
séculos seu ensino teológico era aceito como dogma oficial pela maioria dos Católicos. Então, ele
era a última pessoa que eu esperava sustentar tal visão da regeneração. Todavia Aquino insistiu
que a graça regeneradora é uma graça operante, e não uma graça cooperativa. Aquino falou da
graça preveniente, mas ele falou de uma graça que vem antes da fé, que é a regeneração.

Estes gigantes da história Cristã derivaram a visão deles das Sagradas Escrituras. A frase chave na
Carta de Paulo aos Efésios é esta: "estando nós ainda mortos em nossos delitos, nos vivificou
juntamente com Cristo (pela graça sois salvos)" (Efésios 2:5). Aqui Paulo localiza o tempo em que
a regeneração ocorre. Ela ocorreu "quando estávamos ainda mortos". Com um único raio de
revelação apostólica foram esmagadas, total e completamente, todas as tentativas e entregar a
iniciativa na regeneração aos homens. Novamente, homens mortos não cooperam com a graça. A
menos que a regeneração ocorra primeiro, não há possibilidade de fé.

Isso não diz nada de diferente do que Jesus disse a Nicodemus. A menos que um homem nasça
de novo primeiro, ele não pode ver ou entrar no reino de Deus. Se nós cremos que a fé precede a
regeneração, então nós colocamos nossos pensamentos, e, portanto, nós mesmos, em direta
oposição não só aos gigantes da história Cristã, mas também ao ensino de Paulo e do nosso
próprio Senhor Jesus Cristo.

(do livro, O Mistério do Espírito Santo, Tyndale House, 1990)

---------------------------------
Meu Comentário:
Outras passagens na Bíblia que claramente ensinam que a regeneração precede a fé:

1 João 5:1 - "Todo aquele que crê que Jesus é o Cristo, é o nascido de Deus; e todo aquele que
FTBB - Exegese de Romanos, Introdução e Comentário - Prof. Marcos Alexandre R. G. Faria – 2º sem/2004 página 19

ama ao que o gerou, ama também ao que dele é nascido.", João 1:13, Rom 9:16

João 6:63,65 "O espírito é o que vivifica, a carne para nada aproveita; as palavras que eu vos
tenho dito são espírito e são vida. E continuou: Por isso vos disse que ninguém pode vir a mim, se
pelo Pai lhe não for concedido".

http://www.monergism.com/thethreshold/articles/onsite/sproul01.html

Traduzido por: Felipe Sabino de Araújo Neto


18 de Março de 2003.
Cuiabá-MT

“se revela” - avpokalu,ptetai

A iniciativa é de Deus em revelar sua justiça a nós.

“no evangelho” - evn auvtw/| - lit. “nele”

Segundo Moo62, a expressão assinala que a justiça de Deus se revela quando o evangelho é
pregado e as pessoas respondem a mensagem pela fé, porque nesse momento Deus atua para levar o
pecador a uma nova relação “correta” com ele. Observe-se ainda que a frase se refere a uma nova
relação, e não a uma nova capacidade moral.

“de fé em fé” - evk pi,stewj eivj pi,stin – lit. “a partir da fé e para fé”

“Baseia-se na fé e se dirige para fé” (NEB, nota marginal)


“Um caminho que parte da fé e na fé termina” NEB
“que vem pela fé e conduz à fé” CNBB
“por meio da fé do início ao fim” GNB
“do princípio ao fim é pela fé” NVI
“da fé para a fé” BJ

John Stott63 nos apresenta quatro opções para entendermos esta expressão:

1. “Da fé de Deus, que faz a oferta, à fé do homem, que a recebe.” (K. Barth opta por esta)
2. Divulgação da fé por meio da evangelização: “de um crente a outro”.
3. Uma alusão ao crescimento da fé: “de um nível de fé a outro” (cf. 2 Co 3.28).
4. Uma expressão retórica que diz respeito a primazia da fé: “do princípio ao fim... pela fé”.

“O justo viverá por fé” - ~O de. di,kaioj evk pi,stewj zh,setaiÅ

62
Douglas J. Moo, op. cit.
63
Stott, John, Romanos, p. 68.
FTBB - Exegese de Romanos, Introdução e Comentário - Prof. Marcos Alexandre R. G. Faria – 2º sem/2004 página 20

ARA
O justo viverá por fé.
ACF
Mas o justo viverá da fé.
NJB
Qualquer que é reto, por meio da fé viverá (The New Jerusalem Bible).
MSG
A pessoa em posição correta diante de Deus, por confiar nele, realmente vive (The
Message)

Uma outra tradução seria: “Aquele que é justo pela fé, é que viverá.”
"Aquele que é justificado viverá pela sua fé" (Versão sinodal da Sociedade Bíblica Francesa)
"O justo viverá de sua fé." (Lutero)

“Vida” e “salvação” para os judeus, eram conceitos praticamente sinônimos.


Essa é uma citação de Habacuque 2.4 “Porque nele se descobre a justiça de Deus de fé em fé,
como está escrito: Mas o justo viverá da fé” (RC), ou “Eis o soberbo! Sua alma não é reta nele; mas o justo
viverá pela sua fé” (RA).
Neste texto de Habacuque, os orgulhosos babilônios cairiam, mas os justos israelitas viveriam pela
fé, isto é, no contexto, pela sua humilde e firme confiança em Deus.
John Stott, à luz de Gl 3.11, acredita que o sentido que Paulo está usando aqui seja “Aquele que é
justo pela fé, é que viverá.”

O livro de Romanos pode ser considerado uma explicação (interpretação) deste versículo.64

“Eis o soberbo.”

A questão da soberba. Fé é um dom. Não tem pelo que o homem se ensoberbecer. (Cfr. Rm 2.29;
11.20).
A fé toma o lugar das obras, sobre as quais se apóia a justiça judaica. A vida não vem do
cumprimento da Lei. A vida se relaciona com a justificação pela fé. A justiça tem origem na fé (3.22, 27-28;
4.5,11,22; 10.4,10). Fé e Evangelho se inter-relacionam, fazendo com que a vida seja possível tão somente
se for recebida pelo Evangelho.65 (V. 2 Ts 2.14)
Para Lutero, a "a fé é uma obra divina em nós; nos transforma e nos faz nascer de novo de
Deus."66
Paulo nos apresenta uma justiça que só é possível experimentar mediante a fé (e não por obras).
Poderíamos perguntar: e os judeus não tinham fé? Lutero cita Paulo de Burgos que diz: "Da fé da
sinagoga (como ponto de partida) a fé da igreja (como meta).67 Lutero então conclui dizendo que o
"Apóstolo Paulo começa a dizer que a justiça vem pela fé, mas os gentios não tiveram uma fé que fosse
capaz de conduzí-los a outra fé a fim de justifica-los."68
Nós temos aqui, como Barth assevera, a justificação que se estabelece a partir de dois princípios:
causa e efeito, sendo:
A CAUSA - a fidelidade de Deus, e
O EFEITO - a fé, gerada pela própria fidelidade divina.69

A questão da fidelidade divina fica bem patente quando olhamos para o texto de Habacuque 2.4.
Paulo de início já combate a vanglória humana no processo de justificação, pois ninguém pode se
gloriar da fé; visto que Deus é o seu autor e consumador, e ela vem de Deus e vive de Deus.
À luz de Habacuque, Paulo está confrontando a pessoa, cuja alma “se exalta” com base nas suas
boas ações, com a pessoa que vive “pela fé”. Em Romanos, Paulo está apontando para o mesmo
contraste. Não é somente o contraste entre tornar-se um cristão pela fé ou por meio de obras morais ou

64
F. F. Bruce, Romanos, 65.
65
Calvino, João (1997). Romanos, pg 62.
66
Lutero, Martin (1998). Comentários de Martin Lutero: carta do Apóstolo Paulo aos romanos, pg 15.
67
Lutero, Martin (1998). Comentários de Martin Lutero: carta do Apóstolo Paulo aos romanos, pg 44.
68
Idem, pg 44.
69
Barth, Karl (1999). Carta aos Romanos, pg 38-49.
FTBB - Exegese de Romanos, Introdução e Comentário - Prof. Marcos Alexandre R. G. Faria – 2º sem/2004 página 21

religiosas; este contraste também se aplica ao aspecto presente da salvação. A pessoa que espera ser
salva com base na sua própria retidão ficará eternamente a ver navios. Semelhantemente, se esperamos
crescer espiritualmente com base nos nossos próprios esforços cheios de orgulho, não haverá crescimento
espiritual algum.70
Vemos que o princípio pelo qual Deus coloca as pessoas na relação certa com Ele é o princípio da
fé.71
“Viver pela fé” têm conotações éticas e práticas. Uma vez justificados, somos constrangidos a
vivermos e acordo com esta fé72. Isto tem a ver com o aspecto da santificação, o que Paulo estará tratando
em 5.1 a 8.17.

Fica então a pergunta: onde encontrar a justiça? A resposta Paulo nos dá a partir do v.18.

1.18 – 3.20 - PECADO E RETRIBUIÇÃO: TODO HOMEM NECESSITA DE JUSTIFICAÇÃO


(Da Condenação Dos Homens À Salvação De Todos Que Têm Fé)

-Notemos: temos aqui um “parêntese”(1.18-3.20) ou não?

Paulo interrompe o seu discurso sobre o evangelho (v.1-17) e começa agora a falar sobre a IRA DE
DEUS, voltando a explicação da tese (o evangelho) apenas em 3.21.

Vamos tentar entender o relacionamento do tema (v.16-17) com esta seção (v.18 a 3.20).

- Paulo até aqui nos apresentou o evangelho, justiça de Deus.


- Alguém poderia questionar? Por que necessito do evangelho?
- Ser justificado, inocentado de que, se não pratiquei nenhum crime?
- Por que Deus estaria irado comigo se sou tão bonzinho?
- Ser salvo de que, se não me encontro perdido?

É justamente por causa desses questionamentos, que a partir do v. 18 Paulo começa a mostrar
porque Deus está irado e porque o homem precisa do evangelho e ser justificado. Paulo nos mostra em
que consiste a culpa e a falta de inocência do homem, por isso a expressão de que o homem é
indesculpável! Antes de apresentar a cura, Paulo dá o diagnóstico preciso da doença do homem e mostra
a necessidade que ele tem de ser salvo.

- ONDE ENCONTRAR A JUSTIÇA do v.17?

- Resp: No ENVAGELHO, (v.18) mas o que é, ou onde está o evangelho?


- Para QUEM é o evangelho?
Resp:
Para TODO homem:
• Para o GENTIO (pagão) (v.18-32) - que o despreza
• Para o BONZINHO - que pensa que já é santo (2.1-16)
• Para o JUDEU (2.1/17-3.8) - que é religioso
• Para TODA RAÇA HUMANA (3.9-20)

- A JUSTIÇA

1. A justiça não se encontra na religião natural 1.19-29


a) a justiça foi rebaixada a vil idolatria 1.21-27

70
Schaeffer, Francis, A obra consumada de Cristo (Cambuci-SP: Editora Cultura Cristã, 2003), p. 25.
71
Bruce, F. F. (1988). Romanos: Introdução e comentário, pg 65.
72
Schaeffer, Francis, A obra consumada de Cristo (Cambuci-SP: Editora Cultura Cristã, 2003), p. 25.
FTBB - Exegese de Romanos, Introdução e Comentário - Prof. Marcos Alexandre R. G. Faria – 2º sem/2004 página 22

b) a justiça foi pervertida pela hipocrisia 2.1-16

2. A justiça não se encontra na religião revelada 2.17-29


a) os judeus não guardam a lei de Deus 2.17-29
- não está no homem
b) os judeus são culpados sob a lei de Deus 3.1-20
- não está na Lei

- QUEM ESTÁ SOB CONDENAÇÃO?

a) Os GENTIOS sob condenação 1.18-32


b) Os JUDEUS sob condenação 2.1-3.8
c) TODOS os homens sob condenação 3.9-20

1.18–32 - A Ira de Deus sobre os Gentios (estão sob Condenação)

Pequeno esboço desta seção73:

v.18 – Uma afirmação de caráter geral fundamentada e explicada em dois passos:

1. v. 19-23: A CULPA do pecado dos gentios.


2. v. 24-32: O CASTIGO imposto aos gentios:
2.1 v.24-25: “por isso Deus os entregou”
2.2 v.26-27: “por isso Deus os entregou”
2.3 v.28-32: “por isso Deus os entregou”

v. 18 - A Ira De Deus Se Revela Contra A Injustiça

"A cólera de Deus, portanto, como se mostra em operação, consite em deixar a natureza humana
pecaminosa ´cozinhar no seu próprio caldo´"74.

v.18-32 - Notar o uso da 3ª pessoa do singular “ELES”.

- OS GENTIOS SOB CONDENAÇÃO

JUSTO: Estar no certo


ÍMPIO: Estar no errado Questão LEGAL e não MORAL
JUSTIFICAR: Absolver

- Qual o relacionamento entre esta seção (1.18-3.20) e a anterior (1.1-17)?


ARA
V.18 A ira de Deus se revela do céu contra toda impiedade e perversão dos homens que detêm
a verdade pela injustiça;
ACF
Porque do céu se manifesta a ira de Deus sobre toda a impiedade e injustiça dos homens, que
detêm a verdade em injustiça.
NVI
A ira de Deus é revelada do céu contra toda impiedade e injustiça dos homens que suprimem a verdade
pela injustiça,

73
Gottfried, p. 47.
74
C. H. Dodd, A mensagem de São Paulo para o homem hoje, 63.
FTBB - Exegese de Romanos, Introdução e Comentário - Prof. Marcos Alexandre R. G. Faria – 2º sem/2004 página 23

RVA
Pues la ira de Dios se manifiesta desde el cielo contra toda impiedad e injusticia de los
hombres que con injusticia detienen la verdad.
GNT
VApokalu,ptetai ga.r ovrgh. qeou/ avpV ouvranou/ evpi. pa/san avse,beian kai. avdiki,an avnqrw,pwn tw/n th.n
avlh,qeian evn avdiki,a| kateco,ntwn(
GNT
VApokalu,ptetai ga.r

A conjunção “pois” (ga.r) liga o tema da “ira de Deus” com o tema da epístola (O evangelho, ou a
“justiça de Deus que se revela no evangelho” (v.17).

v. 17 - “a justiça de Deus se revela” - dikaiosu,nh ga.r qeou/ evn auvtw/| avpokalu,ptetai


v.18 – “a ira de Deus se revela” - VApokalu,ptetai ga.r ovrgh. qeou/

O v. 18 é a antítese do v.17.
No v. 17 – a justiça de Deus
No v. 18 – a injustiça dos homens

Por que Paulo fala da ira antes de falar do evangelho?


Gottfried75 assim responde: “É porque ele deve justificar a necessidade da revelação da justiça
divina, melhor ainda, ele deve dizer, quem é o homem ao qual Deus oferece a sua salvação no evangelho.
É o homem sobre quem paira a terrível realidade da ira de Deus. O evangelho traz, por excelência,
salvação da ira (cf. 1 Ts 1.10).”

Os homens estão “NO ERRADO” para com Deus, e sua ira se revela contra eles.

A IRA DE DEUS - ovrgh. qeou/

(Veja sobre o assunto, o artigo de R. V. G. Tasker, A Ira de Deus, In: Shedd, Russell; Pieratt, Alan (eds.),
Imortalidade. São Paulo: Vida Nova, 1992, p. 65-100.)

Algumas dúvidas nos vêm à mente, quando ouvimos a expressão a ira de Deus. John Stott76 em
seu comentário ao livro de Romanos discorre sobre o tema conforme transcrevemos a seguir:

1. O que é a ira de Deus?

Se quisermos preservar o equilíbrio das Escrituras, ao definirmos “cólera de Deus”, precisamos


evitar extremismos. Temos, por um lado, aqueles que não vêem diferença alguma entre a “indignação”
divina e a pecaminosa raiva humana. No outro extremo encontram-se aqueles que sustentam que a
simples idéia de “raiva” como um atributo ou atitude pessoal de Deus deve ser abandonada.
Embora exista de fato uma indignação justa, a raiva humana é, na maioria das vezes, bastante
injusta. É uma emoção irracional e incontrolável, com uma boa dose de vaidade, hostilidade, malícia e
desejo de vingança. Já a ira de Deus, nem se precisaria dizer, é absolutamente livre de qualquer um
desses ingredientes venenosos.
A ira de Deus é, pois, quase que totalmente diferente da raiva humana. Não significa que Deus
perca a calma e se enfureça, tornando-se perverso, mau ou vingativo. No conflito moral, o contrário de “ira”
não é “amor”, mas “neutralidade”. E Deus não é neutro. Pelo contrário, a sua irá é uma hostilidade santa
contra o mal, é a manifestação da sua recusa em suportá-lo ou entrar em acordo com ele, é o seu justo
julgamento contra o mal.

2. Contra o que se revela a ira de Deus?


75
Gottfried, p. 48.
76
Romanos – “A Bíblia fala hoje” - John Stott – Abu Editora
FTBB - Exegese de Romanos, Introdução e Comentário - Prof. Marcos Alexandre R. G. Faria – 2º sem/2004 página 24

Em geral, a ira de Deus só se volta contra o mal. Nós nos zangamos quando nosso orgulho é ferido;
na ira de Deus, porém, não existe nenhum ressentimento pessoal. Nada a provoca, exceto o pecado – e
este sempre o faz.
Paulo é mais específico ao dizer que a ira de Deus se revela contra toda impiedade (asebeia) e
injustiça (adikia) dos homens que suprimem a verdade pela injustiça (18). De acordo com J.B. Lightfoot,
asebeia é “contra Deus” e adikia é “contra os homens”.
A Escritura ensina claramente que a essência do pecado é a impiedade, a ausência de Deus. É a
tentativa de livrar-se de Deus e, já que isso é impossível, a decisão de viver como se isso tivesse
acontecido. “Não há temor de Deus diante de seus olhos” (3.18).
E que “verdade” é essa que Paulo tem em mente? A resposta está nos versículos 19-20: trata-se
daquele conhecimento de Deus que nos é acessível através da ordem natural.
O Deus que em si mesmo é invisível e a quem não se pode conhecer fez-se visível, dando-se a
conhecer através de suas obras. A criação é uma manifestação visível do Deus invisível, uma manifestação
compreensível do Deus que, de outra forma, permaneceria eternamente desconhecido. Assim como o
artista se revela naquilo que ele desenha, pinta ou esculpe, assim o Divino Artista se revelou através da
sua criação.
A auto-revelação de Deus através “das coisas criadas” tem quatro características básicas. Primeiro,
ela é “universal” ou “geral” porque se destina a todo mundo e em todos os lugares. Nisso ela se opõe à
“especial”, que é dada a pessoas específicas em lugares específicos, através de Cristo e dos autores
bíblicos. Em segundo lugar, ela é “natural” porque se deu através da ordem natural. Nisso ela se opõe à
“sobrenatural”, que envolve a encarnação do Filho e a inspiração das Escrituras. Em terceiro lugar, ela é
“contínua”, pois vem desde a criação do mundo e continua dia após dia, noite após noite, ao contrário da
“final”, que é completa em Cristo e nas Escrituras. E, finalmente, ela é “criacional”, revelando a glória de
Deus através da criação, no que se opõe à revelação “salvadora”, que manifesta a graça de Deus em
Cristo.

Paulo termina a sua colocação com as palavras: de forma que tais homens são indesculpáveis (20).
Isso mostra que o que ele está defendendo é a “revelação natural”, e não a “teologia (ou religião) natural”.
Esta última expressa a crença de que é possível aos seres humanos conhecer a Deus através da natureza
e que, sendo a natureza um caminho para Deus, ela se constitui numa alternativa para Cristo.
Paulo alega aqui é que, através da revelação geral, as pessoas podem vir a conhecer o poder de
Deus, sua divindade e sua glória (não a sua graça salvadora através de Cristo). E que essa sabedoria é
suficiente, não para salvá-los, mas para condená-los, já que eles não vivem de acordo com ela.

3. Como se revela a ira de Deus?

Quando ouvimos falar da ira de Deus, nós geralmente pensamos em “relâmpagos caindo do céu,
cataclismos terrestres e majestade flamejante”. A sua ira, contudo, se manifesta “silenciosa e
invisivelmente”, entregando pecadores a si mesmos. Ela “opera, não pela intervenção de Deus, mas
justamente pela sua não-intervenção, deixando homens e mulheres seguirem o seu próprio caminho.” Deus
abandona pecadores obstinados ao seu egocentrismo propositadamente alimentado, e o processo
resultante da degeneração moral e espiritual deve ser entendido como um ato do juízo de Deus. Essa é a
revelação da ira de Deus vinda dos céus (18).
Vamos resumir a reflexão feita até aqui sobre a ira de Deus. Ela é o antagonismo estabelecido e
perfeitamente justo de Deus contra o mal. Dirige-se contra quem tem conhecimento da verdade de Deus
através da ordem criada, mas que deliberadamente a suprime para poder seguir o seu próprio caminho,
voltado para si mesmo. Ela já vem se revelando, de maneira preliminar, na corrupção moral e social que
Paulo viu em grande parte do mundo greco-romano dos seus dias e que nós podemos ver na sociedade
promíscua em que vivemos.

Leia ainda os dois textos que se encontram em nosso site:

“A ira de Deus” de A. W. Pink – Extraído do livro “Os atributos de Deus” – PES:


http://www.icegob.com.br/marcos/irapink.html
FTBB - Exegese de Romanos, Introdução e Comentário - Prof. Marcos Alexandre R. G. Faria – 2º sem/2004 página 25

“A ira de Deus e a pregação o evangelho” – Pr. Derek Thomas – I Simpósio “Os Puritanos” em Belém:
http://www.icegob.com.br/marcos/derek1.htm

IRA: A ira de Deus é a reação da santidade divina face à impiedade e rebelião.

IRA “se manifesta” αποκαλυπτεται − Ind. Pres. Passivo = AÇÃO CONTÍNUA. É o aborrecimento
CONSTANTE de Deus para com a impiedade.
Este verbo no presente, dá a idéia de agora, isto é, é agora, juntamente com a revelação da justiça
de Deus que também a ira de Deus é revelada.

IRA “se revela” NA EXPERIÊNCIA HUMANA.


A IRA de Deus se contrapõe a SALVAÇÃO = I Tss 5.9 – Rm 2.5.

JÁ E AINDA NÃO – Assim como a salvação, o juízo de Deus é presente e futuro também.

A ira possui um ASPECTO FUTURO: 1 Ts 1.10; Rm 2.5, 8; 3.5; 4.15; 5.9; 9.22
A ira possui um ASPECTO PRESENTE: 13.4; já se faz presente 1.18

- Fora do EVANGELHO só há lugar para ira de Deus.


- Assim, a “história do mundo seria o JUÍZO do mundo.”

- A IRA DE DEUS SE REVELA, CONTRA:


1. a injustiça - v.18
2. a idolatria e sensualidade - 1.21-32
3. o senso de superioridade hipócrita - 2.1-16
4. o pretexto e a ênfase no aspecto externo da religião - 2.17-29
5. o abuso perverso do privilégio espiritual - 3.1-19

- A IRA “SE REVELA” –

A ira de Deus, assim como sua justiça, é conteúdo de uma revelação!


Mas a ira não é conteúdo do evangelho, e sim do juízo de Deus. A justiça de Deus se manifesta no
evangelho enquanto que a ira vem do céu.

- A revelação: O evangelho nos faz ver a ira de Deus e a situação de perdição do homem:

O evangelho nos capacita para um diagnóstico radical da realidade do mundo, descobrindo as


verdadeiras dimensões da sua perdição e as causas da mesma. Assim como o homem antes do evangelho
não sabe realmente o que é pecado, embora viva nele, assim ele também desconhece a ira de Deus de
que se tornou vítima. Quer dizer, sem o evangelho o homem não está em condições de avaliar toda a sua
miséria toda a sua perdição.77

Só o evangelho pode revelar a verdadeira situação do mundo e do homem.

v.19-20 - A Justiça Não Se Encontra Na Religião Natural

77
Gottfried, p. 51.
FTBB - Exegese de Romanos, Introdução e Comentário - Prof. Marcos Alexandre R. G. Faria – 2º sem/2004 página 26

Notemos nestes versos que Paulo não defende uma TEOLOGIA NATURAL e sim uma
REVELAÇÃO NATURAL.
“TEOLOGIA NATURAL” é a expressão da crença de que é possível aos seres humanos conhecer
a Deus através da natureza e que, sendo a natureza um caminho para Deus, ela se constitui numa
alternativa para Cristo.78 Não precisamos provar o quanto isso vai contra a Revelação Escrita, bem como o
livro de Romanos em particular, onde vemos claramente que o único caminho para Deus é o próprio Jesus
Cristo.

- Não está no mundo.


- A revelação dada pela natureza condena os povos gentílicos. Não obedeciam a revelação que
tinham.
- Esta revelação era apenas suficiente para CONDENAR os gentios, mas não para SALVÁ-LOS.

- Deus é quem se revela

v.19: ARA Porquanto o que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles, porque Deus lhes
manifestou.
ACF
Porquanto o que de Deus se pode conhecer neles se manifesta, porque Deus lho manifestou.
GNT
Romans 1:19 dio,ti to. gnwsto.n tou/ qeou/ fanero,n evstin evn auvtoi/j\ o` qeo.j ga.r auvtoi/j evfane,rwsenÅ

Se o homem pode conhecer a natureza invisível de Deus, é porque Deus se revelou. Não foi obra
de sua capacidade apreensiva ou cognosciva. Deus não é um objeto passível de ser apreendido pela razão
humana ou qualquer outro meio. Se Deus não se der a conhecer, ninguém pode fazê-lo por si só.

- Os pagãos também conhecem a Deus


ARA
v. 20: Porque os atributos invisíveis de Deus, assim o seu eterno poder, como também a sua
própria divindade, claramente se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo percebidos por
meio das coisas que foram criadas. Tais homens são, por isso, indesculpáveis;
ACF
Porque as suas coisas invisíveis, desde a criação do mundo, tanto o seu eterno poder, como a
sua divindade, se entendem, e claramente se vêem pelas coisas que estão criadas, para que eles
fiquem inescusáveis;
NVI
Pois desde a criação do mundo os atributos invisíveis de Deus, seu eterno poder e sua natureza divina,
têm sido vistos claramente, sendo compreendidos por meio das coisas criadas, de forma que tais homens
são indesculpáveis;
GNT
ta. ga.r avo,rata auvtou/ avpo. kti,sewj ko,smou toi/j poih,masin noou,mena kaqora/tai( h[ te avi<dioj auvtou/
du,namij kai. qeio,thj( eivj to. ei=nai auvtou.j avnapologh,touj(

A revelação é RECONHECIDA (pela inteligência) – (noou,mena de nouj = razão)


e PERCEBIDA (pela visão física). (kaqora/tai de kaqora,w = ver, perceber)

Ilustr.: Major Adrian Mikolayev, soviético: “Não vi Deus lá em cima.”


Gordon Cooper, EUA, voou na FAITH 7 e GEMINI 5: “Eu também não vi Deus, mas vi
muitas das maravilhas que Ele criou.”
A “revelação natural” se encontra também no Sl 19.

v.21-32 - Contra A Idolatria E A Sensualidade

78
Stott, Romanos, p. 80.
FTBB - Exegese de Romanos, Introdução e Comentário - Prof. Marcos Alexandre R. G. Faria – 2º sem/2004 página 27

v.21 – “porquanto, tendo conhecimento de Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram
graças; antes, se tornaram nulos em seus próprios raciocínios, obscurecendo-se-lhes o coração
insensato.”

Ef 4.17-18

v. 22 - “Inculcando-se por sábios, tornaram-se loucos”

1 Co 1.21-25

- A sensualidade sempre andou junto com a idolatria, como sendo uma conseqüência desta.

eivdololatri,a – eivdolo + latri,a = imagem + adoração (serviço religioso)

A justiça foi rebaixada a vil idolatria.

v.23 – “e mudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem


corruptível, bem como de aves, quadrúpedes e répteis.”

Cfr. Sal 106.20.


“Mudaram” – esta expressão aparece três vezes (v.23,25,27). Paulo nos diz neste parágrafo que
os gentios fizeram uma mudança: se afastaram da verdade de Deus e de suas exigências morais para
dedicarem a seus próprios deuses e a seus caminhos pecaminosos. Também, por três vezes, Paulo indica
a reação de Deus a esta mudança com a frase “Deus os entregou” (v. 24, 26, 28).
A errônea maneira de viver é fruto de idéias errôneas acerca de Deus. E Stott79 acrescenta: “uma
falsa imagem de Deus leva a um falso conceito quanto ao sexo.”

Nos vv.21-23 Paulo nos mostra que o homem não se satisfaz com sua condição de criatura.
Assim, conforme Gottfried80, notamos que o problema “Deus” não é um problema intelectual ou
cognotivo, mas existencial. O homem não quer (!) ser criatura, ele quer ser mais – e nisto se resume toda a
sua desgraça.
E nesta tentativa, o homem que foi feito à imagem de Deus, acaba fazendo deus à sua própria
imagem.

vv.24-32 – O CASTIGO DOS GENTIOS

v.24 – “Por isso, Deus entregou tais homens à imundícia, pelas concupiscências de seu próprio
coração, para desonrarem o seu corpo entre si;”

“Deus entregou” - Palavras de condenação: v.24,26,28.


Punição/castigo pelo pecado (v.27)

Deus está declarando: o homem é culpado. O caos hodierno e a situação desgraçada do homem
não resultado de um equívoco ou acaso, “mas de uma genuína rebelião”81 contra Deus.

Deus entrega o homem às conseqüências daquilo que ele mesmo quis! Deus condena o que
o homem deseja por prazer.

79
J. Stott, Romanos, p. 83.
80
Gottfried, p. 57.
81
Schaeffer, Francis, p. 40
FTBB - Exegese de Romanos, Introdução e Comentário - Prof. Marcos Alexandre R. G. Faria – 2º sem/2004 página 28

“Entregues à imundície” (v.24,26,28) – Deus deixa tais homens entregues à sua natureza caída.
Deixa-os mostrar o que realmente são: corruptos desde o Éden. Deus não os segura. Deus assume a
atitude dos homens como Ele sendo a causa última da atitude deles.

v.25 – “pois eles mudaram a verdade de Deus em mentira, adorando e servindo a criatura em lugar
do Criador, o qual é bendito eternamente. Amém!”

Deus à imagem do homem - comp. Sl 106.20


Imagens: Egito: animais // Atenas: o homem

Idolatria.

A falta de um conhecimento correto de Deus leva o homem à idolatria.


Paulo não nega que este homem seja religioso, ele o é, e muito. Mas é justamente esta
religiosidade que é condenada por Paulo.
Analisando esta situação, Gottfried82 nos diz que na idolatria o homem se constitui em criador dos
seus próprios deuses e de sua religião. Religiosidade pode ser a tentativa de fugir do Deus verdadeiro e de
superar o status de criatura de Deus, religião pode ser produção humana e uma forma sutil de negação de
Deus. Religião pode ser a forma mediante a qual o homem cria Deus à sua imagem (ou até à imagem de
seres inferiores a ele) e conforme os seus desejos.

v.26 – “Por causa disso, os entregou Deus a paixões infames; porque até as mulheres mudaram o
modo natural de suas relações íntimas por outro, contrário à natureza;”

v. 27 - “recebendo em si mesmos a merecida punição do seu erro.” ARA


“o justo salário por tal perversão.” NEB

Agir “contra a natureza” (v.26,27) significa violar a ordem que Deus estabeleceu, enquanto agir “de
acordo com a natureza” significa comportar-se “em conformidade com a intenção do criador”.83

v. 28 – “E, por haverem desprezado o conhecimento de Deus, o próprio Deus os entregou a uma
disposição mental reprovável, para praticarem coisas inconvenientes,”

CAUSA: A verdade era-lhes acessível, mas preferiram abraçar a mentira. Portanto, DEUS OS
ENTREGOU às conseqüências da escolha que fizeram (v.27)

v. 29- “cheios de toda injustiça, malícia, avareza e maldade; possuídos de inveja, homicídio, contenda,
dolo e malignidade; sendo difamadores,”

v. 30 - “caluniadores, aborrecidos de Deus, insolentes, soberbos, presunçosos, inventores de males,


desobedientes aos pais,”

v. 31- “insensatos, pérfidos, sem afeição natural e sem misericórdia.”

v. 32 - “Ora, conhecendo eles a sentença de Deus, de que são passíveis de morte os que tais coisas
praticam, não somente as fazem, mas também aprovam os que assim procedem.”

Rm 6.23: “O salário do pecado é a morte.”

82
Gottfried, p. 58.
83
Cranfield, C. E. B., Carta aos romanos, p. 45.
FTBB - Exegese de Romanos, Introdução e Comentário - Prof. Marcos Alexandre R. G. Faria – 2º sem/2004 página 29

- Quem necessita do evangelho?


Resp. V.29-31

• “caluniadores”: fofoqueiros
• “dolo”: engano, falsidade
• “malignidade”: malícia, o que pensa sempre o pior sobre os
outros. A
• “difamadores”: murmuradores RELIGIÃO
• “aborrecidos de Deus”: odiados/odiando Deus é incapaz
• “insolentes”: o cruel que quer ver o outro sofrer de reverter
• “soberbo”: orgulhoso, arrogante, se põe acima de todos e de Deus este
• “presunçosos”: o que se vangloria, faz falsas promessas afim de quadro.
ter algum lucro.
• “insensatos”: desobedientes
• “pérfidos”: quebrador de pactos, infiel a um contrato
• “sem afeição”: não amoroso, frio, desumano
• “sem misericórdia”: sem piedade.

v. 32 - O resultado: Eles se afastaram tanto de Deus que não mais vêem e nem mais entendem as
conseqüências de seus atos.

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