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Imes

.revista

{Artigo)

Leitura semiológica
dos Quadrinhos

Roberto Elísio dos Santos


Doutor em Comunicação pela ECA-USP,
professor de graduação e mestrado do IMES

(Resumo)- .111_ --
A compreensão de um produto cultural tão To understand a complex cultural product as
complexo como a História em Quadrinhos exi- comics is necessary the identification of their
ge a identificação de seus elementos caracte- characteristic e/ements and the way their
rísticos e da maneira como sua narrativa é arti- narrative is articulated.
culada.
Key words: comics; semiology; narrative.
Palavras-chave: história em quadrinhos;
semiologia; narratica.

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(ilom unicação iA r t i gol

INTRODUÇÃO técnicas de reprodução gráficas p.11), "uma história narrada por


À primeira vista, ler Histó- a partir do século XVIII. Das meio de desenhos e textos in-
rias em Quadrinhos pode pa- charges políticas e ilustrações ter-relacionados que represen-
recer uma atividade muito sim- seqüenciadas editadas em jor- tam uma série progressiva de
ples, que qualquer criança pode nais, passando pelas histórias momentos significativos (n.).
fazer. Esta impressão deve-se, em estampas (muito populares Cada momento, expresso por
em parte, à concepção errônea no século XIX),até as tiras, su- meio de uma ilustração, rece-
de que os quadrinhos são in- plementos dominicais, revistas be o nome de vinheta". A mai-
gênuos, infantis, e, portanto, e álbuns de quadrinhos e as or parte das vinhetas - que con-
seu conteúdo tornar-se-ia fácil graphic-novels mais recentes, têm as ações apresentadas em
de ser apreendido. Alia-se a os quadrinhistas foram criando ângulos (câmera alta ou baixa)
esta idéia o fato de os leitores e incorporando novos códigos e planos (médio, close-up etc.),
já estarem acostumados com ao sistema de significação da como no cinema - é circundada
os elementos que compõem a História em Quadrinhos. O lei- por linhas, denominadas de re-
"semântica" - conforme denomi- tor, por sua vez, os assimilou e quadro, um elemento visual
nação feita por Umberto Eco passou a relacioná-Ios com a que também pode se revestir
(1979, p. 145) - deste produto narrativa: sua presença tornou- de uma significação, exercen-
industrial de massa. se tão natural quanto o texto do uma função metalingüística.
Mas, para o teórico arguto e dos diálogos ou o estilo do de- Dessa forma, Will Eisner
o pesquisador mais atento, esta senho adotado pelo artista. (1985, p. 44-46) considera que,
facilidade desaparece quando "além de sua função principal
se procede a uma análise mais de moldura dentro da qual se
detalhada da História em Qua- 1 CÓDIGOS DA HISTÓRIA colocam objetos e ações, o re-
drinhos. Para que esta análise EM QUADRINHOS quadro do quadrinho em si
seja viável, é preciso compre- Ao elaborar uma sintaxe dos pode ser usado como parte da
ender este meio de expressão quadrinhos, encontram-se al- linguagem 'não-verbal' da arte
através de sua iconografia ca- guns elementos que têm uma seqüencial" dos quadrinhos.
racterística e da articulação dos função expressiva na narrativa Assim, os requadros retangula-
elementos verbais e visuais uti- quadrinhográfica e que, por sua res com traçado reto sugerem
lizados para constituir a narra- utilização constante, converte- que as ações contidas no qua-
tiva seqüencial impressa. ram-se, aos olhos dos quadri- drinho estão no tempo presen-
Os elementos pertinentes à nhistas e leitores, em códigos te. Mas, se o formato do requa-
linguagem quadrinhográfica, na facilmente reconhecíveis e ne- dro for modificado, ele ganha
visão do teórico italiano (1979, cessários para a integração dos uma nova conotação: passa a
p. 144-145), "compõem-se signos gráficos (a imagem e a designar uma recordação ou
numa trama de convenções linguagem escrita) característi- sonho do personagem. Eisner
mais ampla, que passa a cons- cos da História em Quadrinhos, salienta que "o flashback (mu-
tituir um verdadeiro repertório e para o desenvolvimento da dança de tempo ou alteração
simbólico" facilmente percebi- narrativa. Esta gama de elemen- cronológica) é indicado por
do e decodificado pelo público, tos, entendidos universalmen- meio da alteração do traçado do
que foi se acostumando com te, é formada por requadro, requadro. O traçado sinuoso (...)
este repertório e as normas que balão, recordatório, onomato- ou ondulado (.n) é o indicador
regulam seu uso, ao longo da péia, metáforas visuais e linhas mais comum do passado". Tam-
evolução dos quadrinhos. Vale cinéticas. bém a ausência do requadro
lembrar que este produto cul- A História em Quadrinhos é, assume uma significação, dan-
tural massivo é fruto do desen- de acordo com o teórico espa- do idéia de espaço ilimitado.
volvimento da imprensa e das nhol Antonio Martín (1978, O formato do requadro pode,

li {j a n e i r o / j u n h o 2 OO2).
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{Artigo} Imes
portanto, transformar-se em Mas o balão não serve ape- baloon, mais do que elemento
um elemento significativo da nas para acolher a "fala" ou convencional, pertencente a um
história, integrando-se à nar- "pensamento" dos persona- repertório de signos, seria um
rativa. gens. Também indica o estado elemento de metalinguagem,
Convenção gráfica em que é emocional de seu emissor. Se- melhor ainda, uma espécie de
inserida a "fala" ou o "pensa- gundo Eisner (1985, p. 27): "À sinal preliminar, que impõe,
mento" dos personagens, o ba- medida que o uso dos balões para a decifração dos signos
lão tornou-se um dos elemen- foi se ampliando, seu contorno contidos no seu interior, a re-
tos mais conhecidos da lingua- passou a ter uma função maior ferência a um determinado có-
gem dos quadrinhos. O dese- do que de simples cercado para digo".
nhista inglês James Gillray já a fala. Logo lhe foi atribuída a Os balões indicam ao leitor
introduzia palavras em balões tarefa de acrescentar significa- qual personagem está falando
nas charges seqüenciadas que do e de comunicar a caracterís- (a procedência da voz) através
publicou em jornais britânicos tica do som à narrativa." Essa de um apêndice denominado
no final do século XVIII.Desde alteração na função dos balões rabicho (quando o balão pos-
então, este "ícone cinestésico", confere a eles um novo signifi- sui mais de um rabicho, repre-
como é chamado por Scott cado, que deve ser interpreta- senta a fala em uníssono de
McLoud (1995, p. 134), inte- do pelo leitor. Umberto Eco vários personagens), que se
grou-se ao "vocabulário" da His- (1979, p. 145), a esse respeito, projeta em direção à cabeça ou
tória em Quadrinhos, tornando- afirma que "do momento em à boca do personagem que fala.
se indissociável dela. Os itali- que aparecem encerrados no A ausência do rabicho, substi-
anos, por exemplo, denomi- baloon, os termos da lingua- tuído por bolinhas, revela ao
nam os quadrinhos de fumet- gem comum assumem signifi- leitor o pensamento, a voz in-
ti, em referência às "fumaci- cados que freqüentemente só terior do personagem (trata-se,
nhas" que saem das bocas ou são válidos no âmbito do códi- então, do balão pensamento).
cabeças dos personagens, os go da História em Quadrinhos. Já as linhas pontilhadas em tor-
balões. Nesse sentido, portanto, o no do balão e do rabicho são
usadas para mostrar que o diá-
Maurício de Sousa Produções logo está sendo travado em voz
baixa (este é o balão cochicho).
As alterações nas linhas dos
balões podem demonstrar es-
tados emocionais diferentes,
Por sua forma
ondulada, o requadro como o balão trêmulo, que in-
da primeira vinheta dica o medo que o personagem
indica tratar-se de está sentindo. Também o balão
uma imagem onírica
splash refere-se à raiva ou à
exaltação do personagem. Os
balões intercalados, por sua
vez, demonstram que a fala de
um mesmo personagem foi
emitida em intervalos de tem-
po, com uma pausa entre eles,
significando hesitação.
Além dos balões, o texto da
História em Quadrinhos pode
o requadro delimita a ação da vinheta, mas também pode ganhar novas signifi-
cações ser encontrado em painéis co-

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(ilomunicação iA rt i g 01
Dai/y Mirror Disney DC Comics
-------
"O SALÃO /NTêR~.PIOO É
AQVELê Qt/ê € COCHICHAOO..."

MSP

"-

Os balões também se tornam ícones: cochicho


(acima), splash (ã esquerda), de pensamento (acima,
ã direita) ou em of( (ã direita)

nhecidos como recordatórios, Ao longo do tempo, os re- abrigar a voz interior do per-
colocados no interior da vinhe- cordatórios foram ganhando sonagem, em primeira pessoa,
ta. Utilizado inicialmente nas ti- outras funções: esses painéis substituindo o balão pensa-
ras diárias publicadas em jornal também contêm textos que in- mento.
- nas histórias de aventuras seri- dicam a simultaneidade de No que concerne ao código
alizadas -, o recordatório sinte- acontecimentos em uma deter- verbal, a História em Quadinhos
tizava a ação mostrada na tira minada narrativa (enunciando possui uma forma de represen-
do dia anterior (lembrando ao "enquanto isso..." ou "entre- tar os ruídos (explosões, socos,
leitor o enredo e informando em mentes..."), a passagem de tem- tiros, vidros quebrados, coli-
que ponto se encontra a histó- po ou de espaço - na voz de sões etc.) por meio de palavras,
ria àqueles que porventura não um narrador impessoal, na ter- as onomatopéias. Quando em-
tenham lido a tira). ceira pessoa -, e ainda podem pregadas como efeitos visuais
DC Comics
O texto inserido no recordatório
(painel) indica mudança de tempo ou
NO I~TERIOR DO
5 ATE LITE...
espaço, ou relembra ao leitor o
enredo até o momento (vinheta
abaixo).

Western Publishing Co.

"Üaneiro/junho 2002).
.revista
~Artigo), IlneS
que indicam o som, as onoma- Diversos elementos icônicos alguém ete.) também ganharam
topéias tornam-se signos gráfi- ganham uma conotação diferen- uma expressão semiológica na
cos, que podem ser considera- te por estarem associados a uma linguagem quadrinhográfica:
dos, ao mesmo tempo, elemen- idéia que os quadrinhistas con- como a imagem que aparece
tos verbais e iconográficos. Um vencionaram e os leitores enten- em cada vinheta é um momen-
exemplo é a palavra CRACK!, deram e perpetuaram. Dessa to "congelado", um instante
cuja sonoridade lembra um ob- forma, uma imagem (uma lâm- emoldurado pelo requadro,
MSP
jeto sendo quebrado em peda- pada acesa, por exemplo) se
ços, que desenhada estilhaçada, afasta de seu significado origi- ,
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constitui um pleonasmo gráfico nal (objeto que, por causa da '~,ROC
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(visual e verbal) para reiterar ao eletricidade, ilumina um ambien- 'L o' o 0'00
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leitor a ação que está acontecen- te) e passa a ter um significado ,
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do. A esse respeito, Moacy Cir- específico relacionado ao voca- , .' ""\ .
ne (1977, p. 30) afirma: "O ruí- bulário da História em Quadri- .' 'r
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do, nos quadrinhos, mais do que nhos (uma lâmpada que se en- , "
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sonoro, é visual. Isto porque, contra sobre a cabeça de um , -.f :' ",- ': I 0__o-___
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diante de um papel em branco, personagem indica que ele está .j"~. 11'-.- _ ~ .
tendo uma idéia brilhante). Morris
os desenhistas estão sempre à
procura de novas expressões Quando a imagem se associa
gráficas, e o efeito de um buum a um conceito diferente de
ou de um crash - quando relaci- seu significado original ela se
onados de modo conflitante com transforma em uma metáfo-
a imagem -, é, antes de mais ra visual.
nada, plástico." Umberto Eco (1979, p.144),
Western Publishing Co,
no que tange ao processo de
"visualização da metáfora" na
História em Quadrinhos, obser-
va que "ver estrelas, ter o cora-
ção em festa, sentir a cabeça DC /Warner

rodar, roncar como uma serra,


são tantas as expressões que,
na História em Quadrinhos, se
realizam com o recurso cons-
tante a uma simbologia figura-
King Features Syndicate tiva elementar, imediatamente
compreendida pelo leitor. À
mesma categoria pertencem as
gotinhas de saliva que expri-
mem concupiscência, a lampa-
dazinha que signinifica 'tive
uma idéia' ete.".
As linhas que indicam o mo-
vimento dos personagens ou
de objetos em plena ação (au- Metáforas visuais são elementos
tomóveis e outros meios de icônicos que recebem nova
significação: serrar madeira (roncar/
Onomatopéias são as express()es transporte, balas de pistolas, dormir), falar cobras e lagartos (ter
gráficas de ruidos (explosão, tiros, raiva), ver corações (estar
espadas, pedras atiradas por apaixonado) ou estrelas (sentir dor)
socos, etc.)

{janeiro/junho 2002} li
~omunicação iA rt i g o}.

King Features Syndicate


toda ação e todo movimento
precisam ser expressos grafi-
camente, por meio de linhas
cinéticas (como na vinheta
abaixo).
DC Comics

EMBORACE1JTRAlC/TYFI- No mangá, as linhas cinéticas são


QUE.A MAIS lJ[ 1.600 OUI- usadas em profusão.
LõME.TI?OS OA FA'8!llcAOA Na vinheta à direita, as linhas
FEIl/l/5 .4JIl{RAFT, tLES .. cinéticas acompanhadas de nuvens -.. A
CHEGAM LA' 5E6U}.JOO$ de poeira (uma metáfora visual)

"
I .?E.PDI5 DE COMEÇARE.M demonstram que o personagem está
L~, A VIAGEM --
c--- ---'
em movimento, correndo.
:.<: '..-.
ginária) acompanhou a ação, o da pela maneira como cada vi-
,'Ç nheta estabelece a continuida-
~.~~' ..~ movimento. No quadrinho japo-
".,.'
.
. nês (denominado mangá), as li- de narrativa com a vinheta que
nhas cinéticas são utilizadas re- a sucede, constituindo o que
petida e fartamente, acentuan- Will Eisner (1985, p. 5) chama
do a ação dos personagens e de "Arte seqüencial": "uma for-
dando dinamismo à narrativa. ma artística e literária que lida
com a disposição de figuras ou
2 A NARRATIVADOS imagens e palavras para narrar
QUADRINHOS ou dramatizar uma idéia".
OS elementos verbais e vi- A seqüencialidade é, por-
_ ~ _ ~_ r _
suais que compõem a Histó- tanto, a característica mais mar-
ria em Quadrinhos estabele- cante da narrativa quadrinho-
Convenção visual, as linhas cem uma relação complemen- gráfica. Scott McLoud(1995, p.
cinéticas, nos primórdios da tar, fazendo parte, na visão de 9) considera esta construção
Histórias em Quadrinhos, eram, Antonio Cagnin (1975, p. 29- narrativa indispensável para a
de acordo com Scott McLoud 30), "de um sintagma superior, definição que faz da História em
(1995, p. 111-114), "tentativas que é, no caso, o narrativo". Quadrinhos ("imagens pictóri-
grotescas, quase desesperadas Esta relação entre imagem e cas e outras justapostas em
de representar a trajetória de texto, de acordo com Cagnin seqüência deliberada"). O me-
objetos em movimento no es- (1975, p. 120) pode variar da canismo empregado para ga-
paço. Com o passar dos anos, história ilustrada (em que a arte rantir a continuidade narrativa
essas linhas foram se tornan- apenas retrata o que é descrito por meio das unidades consti-
do mais refinadas e estilizadas, pelas palavras), passando pelas tuídas pelas vinhetas é descri-
até diagramáticas", chegando a histórias nas quais a função nar- to por Umberto Eco (1979, p.
ganhar dramaticidade dentro rativa é distribuída igualmente 147), que estabelece uma ana-
da narrativa. O objeto ou o per- entre os dois elementos, até as logia com a edição cinemato-
sonagem em movimento che- que têm predominância da ima- gráfica: "A montagem da histó-
ga a ser mostrado fora de foco, gem (cabendo ao texto apenas ria em quadrinhos não tende a
ou com o fundo desfocado complementá-Ia) e as histórias resolver uma série de enquadra-
(como se fosse uma fotografia "mudas" (com ausência total do mentos imóveis num fluxo con-
tirada com obturador em velo- registro verbal). tínuo, como no filme, mas reali-
cidade lenta), dando a impres- Além da relação entre texto za uma espécie de continuida-
são de que o olhar do leitor (ou e imagem, a História em Qua- de ideal através de uma fatual
uma máquina fotográfica ima- drinhos também é caracteriza- descontinuidade. A história em

Üaneiro/junho 2002).
.revlsta
(Artigo) Imes
quadrinhos quebra o continuum quadrinhos de humor). Basta narrativas, pois têm equivalen-
em poucos elementos essenci- apenas uma vinheta para que tes às unidades lingüísticas: as
ais. O leitor, a seguir, solda es- haja entendimento por parte do partes de uma imagem podem
ses momentos na imaginação leitor. A seqüencialidade, quan- significar um todo". Cagnin con-
e os vê como continuum". Esta do se trata de uma história que sidera que o quadrinho é "uma
é a grande mágica por meio da se completa em apenas um unidade do sintagma narrativo"
qual a História em Quadrinhos quadrinho, continua existindo. e que na relação entre dois ou
apela para a imaginação do pú- Na opinião de Antonio Cag- mais quadrinhos podem ser
blico e ele, prontamente, vai es- nin (1975, p. 156), embasada constituídos dois conjuntos
tabelecendo os elos, preen- no estudo de Vladimir Propp ("uma série, em que todos os
chendo os vazios, enxergando sobre a morfologia do conto quadrinhos permanecem inde-
os momentos descartados en- popular russo (que estabelece pendentes; ou uma seqüência,
tre uma vinheta e outra, com ser a narração de uma história ou um sintagma, como unida-
sua fantasia. formada por unidades narrati- de significativa de nível supe-
A História em Quadrinhos é vas - as quais Propp denomina rior"). Uma tira formada por
um termo que congrega formas funções - articuladas em se- apenas uma vinheta será, tam-
diferentes de apresentar as qüência, formando o código bém, um sintagma narrativo, o
narrativas iconográficas se- narrativo): "No âmbito das HQ único necessário para a com-
qüencializadas, como a tira de [Histórias em Quadrinhos], a preensão da história ou da gago
jornal e a revista ou álbum de substância destas unidades é Ainda segundo Cagnin
quadrinhos. Cada um desses visual e, isoladas ou unidas à (1975, p. 161-163), o quadri-
formatos possui características linguagem escrita, (...) se pres- nhista seleciona os momentos
próprias: a tira diária de humor tam a funcionar como unidades certos para mostrar ao leitor,
(conhecida nos Estados Unidos
como comic-strip) apresenta ao Klng Features Syndicate

leitor uma piada (gag) todo dia,


A narrativa da tira
ou, no caso de tratar-se de uma cômica, partindo da
narrativa mais longa (a exemplo análise feita por Violette
das histórias de aventura), con- Morin, pode ter sua
estrutura constituida por
templa o público com um trecho uma função de
da saga; a revista em quadri- normalização (primeira
nhos, por sua vez, pode conter vinheta), uma função
locutora de deflagração
uma ou mais histórias comple- (segunda vinheta) e uma
tas ou um capítulo de uma his- função inter-Iocutora de
tória serializada; já os álbuns de distinção (terceira
vinheta). Os elementos
quadrinhos (comuns no merca- disjuntores, que se
do europeu) e a maioria das gra- encontram na terceira
phic-novels contam com uma CUMÉ? LOCALIZOU
vinheta e que geram o
efeito cômico, pertencem
narrativa completa por edição. o INIMIGO?
ao código visual (a queda
No que se refere à tira diária do personagem, que se
publicada na imprensa, o artis- estatela no chão) e ao
código verbal (a pergunta
ta pode desenvolver o argu- do viking Hagar, que se
mento ou uma gag em três ou contrapõe ao estado do
quatro vinhetas, normalmente. segundo personagem, e,
ao mesmo tempo, liga-se
Mas é possível que a ação ocu- à estratégia de lançá-Io
pe apenas um quadrinho (espe- ao ar com a gangorra e a
cialmente em se tratando de marreta para determinar
a localização do inimigo)

~janeiro/junho 2002} .
~omunicação
que, como já foi frisado, se in- Também no que tange à tira co', e dá à seqüência sua exis-
cumbirá de complementar as humorística, ela possui uma es- tência disjunta, de historieta 'úl-
lacunas existentes entre um trutura narrativa descrita por tima'''. a elemento disjuntor
momento e outro (entre uma Violette Morin (in Barthes, s.d., age sobre a história deflagrada
vinheta e outra). Esse processo p. 174-175), que afirma serem (normalização e locução), fa-
de seleção pode se valer de al- as historietas cômicas "todas zendo com que a narrativa
guns modos, como a expansão redutíveis a uma seqüência úni- tome uma direção nova e ines-
(em que o movimento é frag- ca que coloca, argumenta e re- perada, gerando o efeito cômi-
mentado em vários quadrinhos, solve uma certa problemática". co.
dando impressão de tratar-se Para a teórica francesa, esta Ao elaborar o roteiro de uma
de um efeito de "câmera lenta"), seqüência é articulada por três História em Quadrinhos, o ro-
a elipse (na qual uma ação é funções, relacionadas da se- teirista precisa definir os per-
omitida e deve ser entendida guinte maneira: "uma função de sonagens que participam da
pelo leitor) e a redução ("onde normalização que situa os per- história e qual é o papel (a fun-
diversos momentos de uma sonagens; uma função locuto- ção narrativa) reservado para
ação formam um só quadrinho. ra de deflagração, com ou sem cada um deles, qual será o foco
(...) É um quadrinho-síntese, locutor que coloca o problema narrativo (o narrador pode ser
congelado, que possibilita as a resolver, ou questiona; enfim, o próprio autor, em terceira
historinhas humorísticas, as uma função inter-Iocutora de pessoa, um dos personagens
charges"). Este é o caso da tira distinção, com ou sem interlo- ou vários deles), a época em
que possui apenas uma vinhe- cutor, que responde 'comica- que se passa o enredo (Asterix
ta: a seqüencialidade se dá en- mente' à questão. Esta última vive suas aventuras 50 anos
tre os elementos visuais presen- função faz bifurcar-se a nar- antes da era cristã; a epopéia
tes no quadrinho-síntese. rativa do 'sério' para o 'cômi- de Príncipe Valente tem lugar
Kíng Fearures Syndicate Marvel Comícs na Idade Média, e as histórias
de Bucky Rogers, no futuro) e
VA LENTE. TRAN.5.!-'\lTE.
~uA MENSAG. E.M ... o tempo - a duração - da narra-
tiva (os personagens da tira "Ga-
soline Alley"envelhecem, assim
como os membros da família de
Belinda), que pode ser curto (o
enredo pode se passar em ape-
nas 24 horas, como na mini-
série "Death: the high cost of
living",escrita por Neil Gaiman)
ou longo (como a saga de Ore-
EC Comícs adstar, escrita e desenhada por
HENDERSON... QUANDO CHEGAR
AO PRIN16IRO E AO SEGUNDO Jim Starlin, que atravessa cen-
ANDARES, ACENE COM o lAM-
PIÃO... E FIQUE FRIO. ATÉ EU IR
BU5CA'-LO LA NO sarÁO: ISTO SE
tenas de anos). A história tam-
úÁNAo E6TIVER"eLADO COM
A época em que se passam as O ~ANHO DE SUOR. CLARO... bém pode ser narrada em or-
aventuras de Principe Valente dem cronológica ou em flash-
(acima, à esquerda) é a Idade Média:
o local em que o Homem-Aranha caça back, a partir das lembranças
criminosos é a cidade de Nova York: de um narrador.
árvores com galhos secos, casas
antigas e desabitadas, lugares
a espaço (lugar) em que a
ermos, noites escuras são algumas história ocorre é caracterizado
caracteristicas do ambiente tipico para obter verossimilhança (Mis-
das histórias de terror, por causa do
clima sombrio. ter No, por exemplo, habita a

li (j a ne ir o/ j u n ho 2 O O 2).
.revista
~Artigo1 Imes
Amazônia; já o Homem-Aranha GarraCinzenta - também po- do ao texto o que faz o persona-
combate o crime em NovaYork. dem estrelar suas histórias. O gem, Propp denominou as ações
Informações verbais e visuais antagonista, por sua vez, opõe- dos personagens de funções
servem para caracterizar o am- se ao protagonista, sendo res- narrativas e identificou nos con-
biente, estabelecendo o "clima" ponsável pelos conflitos que tos 31 funções que se repetiam.
típico de um determinado gê- desenvolvem o enredo e pelos O lingüista russo considera cada
nero (um lugar deserto e escu- obstáculos que o herói deve função como constituinte de um
ro, com árvores sem folhas e superar ao longo da narrativa sintagma narrativo. Assim,uma
com galhos retorcidos, próximo (Brutus, rival de Popeye, está História em Quadrinhos é forma-
a uma casa velha e abandona- sempre tentando conquistar a da por diversos sintagmas nar-
da, remete diretamente às con- namorada do marinheiro cao- rativos, cada um deles ligado à
venções típicas dos quadrinhos lho, Olívia Palito, usando de ação de um personagem (sua
de terror publicados pela edi- variados subterfúgios). Tão ne- função narrativa).
tora EC Comics na década de cessários como os protagonis- Nas histórias de Lucky Luke
1950). tas, os personagens adjuvantes (o caubói criado em 1946 pelo
Quanto ao personagem, ele dão apoio ou criticam o perso- roteirista francês René Goscinny
pode, a partir de sua importân- nagem principal, garantindo, às e pelo desenhista belga Morris
cia na história narrada, ser pro- vezes, momentos cômicos (Spi- - pseudônimo de Mauricede
tagonista, antagonista ou se- rit conta com o Comissário Bévere), por exemplo, há uma
cundário (adjuvante). Principal Dolan e o garoto Ébano). situação inicial seguida de uma
personagem, em torno do qual Em grande parte das históri- transgressão, que vai requerer
a trama vai ser desenvolvida, o as, cabe ao protagonista defla- a intervenção do protagonista.
protagonista não é, necessari- grar as ações, fazendo com que Solicitado a ajudar alguém, a
amente, o herói, uma vez que o enredo se desenvolva. Pode- solucionar um mistério ou a in-
os anti-heróis - como Lobo ou se, a partir deste raciocínio, es- terferir em alguma disputa, Lu-
Justiceiro - ou os vilões - a tabelecer uma analogia com a cky Luke assume a missão, diri-
exemplo do personagem italia- análise feita por Vladimir Propp ge-se ao local onde suas quali-
no Diabolik, um ladrão sofisti- na década de 1920 com os con- dades diferenciais de herói' (no
cado, ou do bandido brasileiro tos populares russos. Indagan- seu caso, a inteligência, a pon-
DC Comics
taria e a rapidez do saque) são
necessárias. Ele precisa superar
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MO ANHAS! BEM, ENQUANTO as dificuldades e as armadilhas
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colocadas em seu caminho para
51.DO: 6ENE- I ÇA... restabelecer a ordem, aplicar a
DITO ARNOLDO! justiça ou punir os culpados
(como os Irmãos Dalton). Cum-
prida a tarefa, realiza sua última
ação, o derradeiro sintagma nar-
rativo da história: o personagem
parte cantando, sobre seu cava-
lo, em direção ao sol poente (vi-
nheta ao lado),
de on-de deve-
rá regressar na
Coringa e Lex Lutltor (à esquerda) são os principais antagonistas dos heróis próxima aven-
Batmam e Super-Homem, respectivamente; na vinheta à direita, o Comissário tura.
Dolan, personagem adjuvante das histórias protagonizadas pelo detetive Spirit,
personagem criado em 1940 pelo quadrinista WiII Eisner.

(j a n e i r o / j u n h o 2 O O 2 }. li
(ilomunicação !Artigol
Abrili e Bernet
3 ANÁLISE SEMIOLÓGICA
DOS QUADRINHOS
Com base nos conceitos des-
critos anteriormente, uma aná-
lise de conteúdo de Histórias
em Quadrinhos já pode ser efe-
tuada - o procedimento será se-
melhante ao utilizado por Um-
berto Eco em sua "Leitura de
'Steve Canyon'" (Eco,1979, p.
129-179): tomando em separa-
do cada vinheta e submetendo
seu conteúdo (elementos visu-
ais e verbais, assim como os có-
digos quadrinhográficos) a uma
leitura semiológica. O exemplo
a ser tomado corresponde a
uma página da narrativa se-
qüencial impressa intitulada
"Dumbo", da série "Torpedo
1936", escrita pelo espanhol
Enrique Sanchez Abuli e com
arte de Jordi Bernet, publicada
na revista portuguesa "O Mos-
quito", Criado na década de
1980 por Abuli (com arte do de-
senhista norte-americano Alex
Toth), o anti-herói Luca Torpe-
do, gângster e assassino de alu-
guei (o nome de origem italia-
N,(o ""'R~t A ~ o A6fJ(/N,O R4M MA"'''
na remete a um arquétipo de
o MEI.J
,,"03"A~
"WAOALJ1O CLJN5/5TE.
'C}CJTRt:e~.P'UR:7~,NAO.
fJ>I .
LtM~R o 54.e4N1-
ACREOrn:::> EM
o ,E:M~ fVt AO CINEMA.lXFtN?MAç40 MOFt~610NAL: criminoso comum aos filmes e
(1 av~ É. l'IU:C~o É. MA7i<fRavA~ t:OI~. o FIL-
At:JOE/VT&!!t. NE1S6A NOITE.. E.XA/t1INEJ MEN7;4LMEN- ME ERA (/M~!JE:'J '~~.EM ""'"" A fIOLÍt:JA
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i'ENa: tJ€:MPt2E:.~PIVA A ~ 0& IÜtfJML, Ci'(/~
TINHA 100 eGl~C4~ o t:AJlRo... quadrinhos norte-americanos, o
do mafioso ou chefe de quadri-
lha, como AICapone), tem suas
histórias ambientadas -como o
título já diz - nos anos 1930, na
época do gangsterismo e da De-
pressão econômica nos Estados
Unidos. Sempre narrados na pri-
meira pessoa pelo próprio per-
Primeira página da história "Dumbo", da série "Torpedo 1936". A ação se sonagem principal (um anti-he-
desenvolve em cinco vinhetas, onde pode ser notado o uso de diferentes rói), os enredos abordam o sub-
enquadramentos, em uma analogia à decupagem cinematográfica, que também
é empregada na construção da narrativa quadrinhográfica: o plano geral é
mundo do crime nas grandes
empregado no primeiro quadrinho, para que o leitor tenha uma visão espacial cidades daquele período.
mais ampla do cenário em que se passa a história. Na seqüência, alteram-se A primeira vinheta já apre-
planos médios e de conjunto, primeiro plano e plano americano (na última
vinheta, cujo ângulo escolhido pode indicar uma "câmera subjetiva'') senta ação: um automóvel em

li {j a n e iro / j u n h o 2 O O 2).
Imes
.revista

[A r t i g o~

disparada quase atropela o per-


sonagem que atravessa a rua,
o próprio Luca Torpedo, narra-
dor da história, como pode ser
observado no texto colocado
no recordatório situado na par-
te superior do quadrinho (em
primeira pessoa, conta: "Foi na
Quinta Avenida. Eu atravessa-
va a rua, quando..."). A época
em que se passa a trama é evi-
denciada pelos modelos de car-
ros e pelas roupas dos perso-
nagens (no interior do carro
Po<w>ue:
parado ao lado no semáforo, no t>...LA'OMe:.
AVlbA5Tf,. <2
N~O ~o
canto esquerdo, há um casal MEU
6uAtZOA.
- c.o5TA~
vestindo trajes da época: os :7

chapéus do homem e da mu-


lher, o terno, o casaco de pe-
les). As linhas cinéticas são uti-
lizadas para indicar a trajetória
e a velocidade do carro (que
cruza rapidamente a rua) e do
personagem. Uma onomato-
péia possibilita visualizar o
som dos pneus derrapando no te a onomatopéia é emprega- Há um sintagma narrativo
asfalto. da), deixando marcas no asfal- restrito à quarta vinheta e que
Na segunda vinheta, apare- to, que funcionam como linhas pode ser considerado como
ce o capanga de Torpedo (um cinéticas. uma reflexão do personagem.
personagem adjuvante), vesti- O primeiro sintagma narra- Por ter um "trabalho" sujo (ele
do a caráter para que o leitor o tivo identificável (a situação ini- o considera, eufemisticamente,
identifique com um gângster cial, que pode ser compreendi- em seus pensamentos como
(chapéu, terno) e com um cigar- da como um atentado ao pro- uma forma de '''limpar o saram-
ro na boca. Pelo diálogo esta- tagonista) termina na terceira po' aos outros"), não se conven-
belecido entre o protagonista vinheta, na qual diversos tran- ceu tratar-se de um acidente.
e seu ajudante, percebe-se que seuntes tentam ajudar o gân- Põe-se, então, a rememorar a
o segundo tipo é pouco inteli- gster (como um rapaz de lista de seus inimigos (vivos ou
gente (por ser guarda-costas, boné, membro da Cruz Verme- mortos, "porque, nesta vida,
olhava apenas para trás). Tam- lha) - que está irado - ou nem nas almas do outro mun-
bém há, ao fundo, um elemen- censuram o motorista (uma se- do se pode confiar"). Suas pala-
to de ambientação (inexistente nhora de chapéu florido, fran- vras e seu semblante, marcado
no primeiro quadrinho): edifí- zindo a testa, reprova: "Selva- pelas sombras noturnas, ser-
cios e placas que situam a nar- gem! Que maneira de condu- vem para que o leitor conheça
rativa em espaço urbano. O zir!"), enquanto outros apenas melhor a personalidade de Tor-
automóvel que quase atingiu observam ou passam distraí- pedo, seus medos, suas contra-
Torpedo distancia-se, ainda dos pela cena, uma situação dições. Partindo dos elementos
"cantando" 'os pneus (novamen- típica de cidade grande. visuais presentes neste quadri-

{janeiro/junho 2002)
~omunicação [Artigol

nho, vê-se que o esconderijo do está à espreita) - e que se con- elementos iconográficos, por
personagem está localizado em firmará na seqüência. Do lado sua vez, reforçam a ambienta-
um prédio (a escada de incên- de fora de um cinema, ele acen- ção urbana e noturna da narra-
dio é um indício desse fato) de tranqüilamente o cigarro tiva - a placa do carro à frente
antigo (os tijolos da parede ex- enquanto seu capanga, agora do personagem tem a identifi-
terna apresentam as marcas do identificado como Rascal cação da cidade de Nova York
tempo). A iluminação, recorta- (nome que, em inglês, significa ("NY");as luzes acesas nos le-
da pela janela (como é tradição velhaco, patife), traz o carro. treiros e na marquise do pré-
do filme-noír) contrasta com a Seu pensamento, colocado dio indicam que a ação se pas-
escuridão do interior do aparta- no recordatório localizado na sa à noite.
mento, tornando, de maneira perte superior da vinheta, con-
expressionista, mais acentuado firma dois elementos da histó- CONCLUSÃO
o dilema do gângster. Outro ria: o caráter do personagem, Forma de comunicação
elemento visual que ressalta a um assassino (foi ao cinema visual impressa, a História em
preocupação do personagem é para "matar o tempo", pois as- Quadrinhos, como produto da
a fumaça do cigarro, que ganha sassinar faz parte de sua "de- Cultura Pop - comercial, produ-
mais significação, tornando-se formação pessoal", que o leva zida e reproduzida em grande
mais do que apenas um recur- a "matar qualquer coisa") e o quantidade -, foi desenvolven-
so gráfico. olvidamento em relação à ten- do sua linguagem própria ao
Na última vinheta da página tativa de atropelamento ("Não longo do tempo, com seu aper-
começa mais um sintagma nar- tardei a esquecer o assunto"). feiçoamento técnico-artístico e
rativo, que vai ter continuida- Há, ainda, alguns elementos a criação de elementos que fo-
de na próxima página (o últi- intertextuais presentes nesta ram inseridos em seu repertó-
mo quadrinho precisa desenca- vinheta, como o filme em car- rio sígnico e incorporados pe-
dear uma ação, ter um "gancho" taz, o policial "Inimigo Público" los leitores no ato da decodifi-
que dará continuidade à narra- (produzido em 1931, com dire- cação (embora o receptor nem
tiva, para criar suspense, com ção de WilliamWellman), prota- sempre os identifique ou co-
o objetivo de manter o interes- gonizado por James Cagney - um nheça sua denominação). Para
se do leitor na história), que ícone dos filmes de gângster da compreender a História em
pode ser chamado de "distra- época. Outra intertextualidade Quadrinhos, portanto, é preci-
ção", uma vez que Torpedo está ocorre se o leitor fizer uma so identificar estes elementos
desatento em relação ao peri- analogia com a vida real: o que formam um código especí-
go que corre (é observado pelo gângster Dillinger, fanático fico, saber com que propósito
inimigo sem perceber; o enqua- por filmes, teve sua carreira estão sendo empregados, de
dramento, como uma "câmera criminal terminada na saída de que maneira todos estão rela-
subjetiva", sugere que alguém uma sessão de cinema. Os cionados e como se colocam
a serviço da narrativa quadri-
o MEU TIlAI!JA~HO CDNS/5TE. EM "~/MPAR. o SAJ?ANI-
nhográfica. A leitura semioló-
_,"'OH n~~-oUTRr..:O:.~UI<1t76V, 'NAÔ- ACRE.OITt'J E.M
AOOENT~. NE.55A NOfT~, E.XAMINéJ At1EN1AI-MEN+
T,t;: A '-/~r;lf CJO.5 N1W!} INIMlú(").~. t/rvO'f> 0" MC\eT05)
gica dos quadrinhos, por este
Pr:JI<OUE.NE..5TA v/l7A NEM NA6 ALIY1A5 00 OUTRo
Mt/NOO :}E.. Pr::>OE..o::MIFIAJ2.. caminho, resulta mais rica e
completa. O

A quarta vinheta (à esquerda) possui


elementos expressionistas; o último
quadrinho apresenta
intertextualidade com o cinema.

(j a n e i r o / j u n h o 2 O O 2).
.revista
[Artigol Imes

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1978.
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estrutural da narrativa. 3. ed. Integrados. São Paulo: Perspectiva McLOUD, Scott. Desvendando os
Petrópolis: Vozes, s.d. (Debates, 19), 1979. quadrinhos. São Paulo: Makron
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cinematográfica à narrativa Cultrix, 1980.
quadrinhográfica. 2. ed.
Petrópolis: Vozes, 1975.

INPES
Instituto de Pesquisa
.ã~"..~..-
r -. . d ~

O INPES é um órgão do Centro Universitário Municipal


de São Caetano do Sul- IMES que opera no mercado
há 15 anos, em empresas e entidades do setor público
e privado, oferecendo serviços nas áreas de:

. pesquisas qualitativas e quantitativas;

· treinamento e desenvolvimento de recursos humanos;

. projeto de consultoria administrativa,


econômica, finan-
ceira, comércio internacional e sistema de informática.

--------- ---
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