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DANAH ZOHAR

ATRAVÉS DA BARREIRA DO
TEMPO
UM ESTUDO SOBRE A PRECOGNIÇÃO E
A FÍSICA MODERNA
Série publicada com base nas pesquisas realizadas pela
Society for Psychical Research", sob a orientação de BRIAN
INGLIS

Tradução
BEATRlZ SIDOU

EDITORA PENSAMENTO
São Paulo

1982

PARA IAN

"Se a previsão é realmente um fato, ela será um fato que


acabará por completo com as bases de todas as nossas
hipóteses anteriores sobre o universo."
J.W.DUNNE

"Para nós, os físicos de fé, esta separação entre passado,


presente e futuro tem o valor de simples ilusão, apesar de
bastante persistente..."
ALBERT EINSTEIN
SUMÁRIO
Lista das ilustrações
Prólogo
Introdução

Primeira Parte: A PRECOGNIÇÃO EXISTE?


1. A precognição no mito, na lenda e na história pré-moderna
2. Sonhos precognitivos
3. Experiências precognitivas em estado de Vigília
4. Estudos experimentais de precognição

Segunda Parte: QUEM TEM A PRECOGNIÇÃO?


5. A precognição nos animais
6. A psicologia da precognição
7. A teoria da sincronicidade de Jung

Terceira Parte: O QUE É A PRECOGNIÇÃO?


8. O tempo na teoria da relatividade
9. A física quântica: incerteza sem o sentido do tempo
10. A consciência e os fenômenos quânticos
11. Teorias físicas da precognição
12. A precognição e a questão do livre-arbítrio

Conclusão
PRÓLOGO
Por volta do ano de 1873, recordaria mais tarde Frederic
Myers, em seu Human Personality, um pequeno grupo de
amigos, em Cambridge, que chegara à conclusão de que nem
a religião nem o materialismo haviam proporcionado
respostas satisfatórias às questões que os intrigavam:
Nossas atitudes mentais, de certa maneira, eram
diferenciadas; pelo menos no meu modo de ver, ficou a
impressão de que jamais se fez alguma tentativa no sentido
de determinar que há algo a aprender em relação ao mundo
invisível. Se houvesse algo a ser conhecido sobre esse
mundo, de tal maneira que a Ciência pudesse adotar e
sustentar esse conhecimento, seria algo prestes a ser
descoberto não por uma análise tradicional ou pela
manipulação da metafísica, mas simplesmente pela
experimentação e observação, pela simples aplicação dos
mesmos métodos de investigação exata, deliberada e
desapaixonada, que ajudaram a construir todo o nosso
conhecimento atual do mundo que podemos ver e tocar, e
dos fenômenos que ocorrem dentro e em torno de nós.
Junto com seus companheiros - os principais dentre eles eram
Henry Sidgwick e Edmund Gurney -, Myers tornou-se um dos
membros-fundadores da Sociedade para a Pesquisa Psíquica,
formada em 1882 para colocar em prática essas idéias. O
presente volume é o primeiro de uma série de livros a ser
publicada visando assinalar o centenário da Sociedade.
Os fenômenos do "mundo invisível" a que Myers se referia
foram distribuídos de início em cinco categorias, por
conveniência, e organizou-se urna comissão a fim de
investigar cada uma dessas categorias: a telepatia, a hipnose,
os "sensitivos", as aparições e "os vários fenômenos físicos
normalmente chamados de espiritualistas". Através dos anos,
houve um recuo, sobretudo em relação à hipnose, que foi
descartada na época como uma ilusão ocultista, a ponto de
ser aceita corno realidade; desta maneira, ela deixava de
estar do lado psíquico da cerca. Mas, falando-se de maneira
geral, os fenômenos sob investigação permanecem os
mesmos, e as maneiras como têm sido investigados ainda
estão conforme os planos de Myers.
Mas a terminologia mudou, e com bastante freqüência, o que
deu lugar a uma certa confusão. O próprio Myers introduziu a
"telepatia", pois "leitura do pensamento" seria uma expressão
ambígua. Poderia referir-se às maneiras como Sherlock
Holmes apreendia o que estivesse na mente de Watson pela
observação de sua expressão facial. "Supra-normal", que
Myers havia considerado preferível a supernatural para
descrever a classe dos fenômenos com os quais a Sociedade
iria lidar, foi desde então substituída por "paranormal";
"parapsicologia" tem sido usada no lugar de "pesquisa
psíquica", embora alguns pesquisadores prefiram restringir
seu uso ao trabalho de laboratório, deixando "psíquica" como
adjetivo de pesquisa sobre fenômenos espontâneos. "Psi"
também tornou-se uma expressão que serve a qualquer
fInalidade a fim de descrever ou identificar as forças
envolvidas; por exemplo, para distinguir um acontecimento
normal de um paranormal.
Se faltasse alguma evidência para a "paraciência" (como
pode, ser descrita hoje, de modo mais abrangente, pois o
enfoque da pesquisa recentemente tem mudado da psicologia
para a física), ela poderia ser encontrada na composição da
Sociedade, desde seu início. Poucas organizações atraíram
tantos membros ilustres. Entre os físicos, estiveram Sir
William Crookes, Sir John Joseph Thomson, Sir Oliver Lodge,
Sir William Barrett e dois Lords Rayleigh - o terceiro e o quarto
barão. Entre os filósofos: o próprio Sidgwick, Henri Bergson,
Ferdinand Schiller, L. P. Jacks, Hans Driesch e C. D. Broad.
Entre os psicólogos: William James, William McDougall,
Sigmund Freud, Walter Franklin Prince, Carl Jung e Gardner
Murphy. Junto com estes, muitas personalidades eminentes
em diversos campos: Charles Richet, um Prêmio Nobel de
Fisiologia; o conde de Balfour, primeiro-ministro da Grã-
Bretanha de 1902 a 1906, e seu irmão, Gerald, primeiro-
secretário da Irlanda nos anos de 1895-1896; Andrew Lang,
polímata; Gilbert Murray, catedrático de Grego em Oxford e
autor do primeiro Projeto da Liga das Nações; seu sucessor
em Oxford, E. R. Dodds; a sra. Henry Sidgwick, reitora do
Newnham College em Cambridge; Marie Curie; a honorável
sra. Alfred Lyttleton, delegada à Assembléia da liga das
Nações; Camille Flammarion, o astrônomo; F. J. M. Stratton,
Presidente da Royal Astronomical Association (Sociedade
Astronômica Real); e Sir Alister Hardy, professor de zoologia
em Oxford.
Uma lista como esta, indicava Arthur Koestler em The Roots of
Coincidence, bastaria para demonstrar que a pesquisa PES
"não é diversão para excêntricos supersticiosos". Ao contrário,
os padrões de pesquisa em geral têm sido rigorosos - bem
mais rigorosos, como os psicólogos já tiveram a oportunidade
de admitir, do que os da psicologia. A razão pela qual os
resultados não vêm sendo aceitos é porque
fundamentalmente eles não são aceitáveis: a percepção
extra-sensorial e a psicocinese permanecem fora do campo
da ciência, apesar das evidências. E, embora o preconceito
contra a parapsicologia esteja começando a romper-se e ela
comece a ser admitida como disciplina acadêmica nas
universidades, ainda está muito distante de garantir para si
uma base sólida no mundo acadêmico.
Os céticos propagaram diligentemente a noção de que os
pesquisadores psíquicos acreditam em PES, PK, aparições e
por aí afora, porque eles querem acreditar ou porque
necessitam acreditar. Qualquer um que tenha estudado as
Revistas e as Atas da Sociedade, ou que tenha estado
presente, em seus encontros, poderá testemunhar que se
trata de um equívoco absurdo. Muitos dos mais assíduos e
capazes dentre os pesquisadores foram atraídos, a princípio;
exatamente por sua descrença - digamos, por um desejo de
expor um médium à fraude. E também deve-se lembrar que
muitos, e possivelmente a maioria dos membros tiveram e
ainda mantêm o desejo de sustentar que as manifestações
ditas paranormais são naturais e podem ser explicadas
cientificamente - embora se admita que não pelos estreitos
cânones da ciência materialista, que, de qualquer modo, já se
demonstraram falaciosos para os físicos nucleares.
Não; até onde se pode dizer que uma Sociedade com tão
diversificado conjunto de pessoas tem uma identidade
coletiva, digamos cética; mas, com toda certeza, racional,
como esta série de livros pretende demonstrar. Racional não,
embora, racionalista. Infelizmente os racionalistas, na
determinação de purgar a sociedade de suas inclusões
religiosas e ocultistas, deixaram muitas vezes de fazer uma
distinção entre superstições e fenômenos observados que a
elas deram origem - o que os levou a armadilhas como a
recusa em aceitar a existência de meteoritos, por causa da
associação aos raios de Júpiter. Até hoje eles têm uma
inclinação a deslizar em apoio a dogmas rígidos, mal-
fundamentados em suas bases, como quaisquer dos das
Igrejas. Se esta série de livros não conseguir nada mais, pelo
menos mostrará o quão racionalmente - usando esta
expressão em seu sentido mais adequado - os autores
examinaram e apresentaram as evidências.
Até um tempo relativamente recente a existência da
precognição, ou previsão, como costumava ser chamada, era
considerada verdade, mesmo sem razões objetivas para isso.
O Velho Testamento contém dezenas de profecias e sonhos
(como o do Faraó, interpretado por José) que prediziam o
futuro. Os gregos do período clássico tinham seus oráculos; os
romanos, seus adivinhos. Até o século XVIII era raro o
ceticismo sobre a possibilidade de visões do futuro. Mas com
a ascensão do racionalismo científico, colocou-se a previsão
pelo lado do supranatural das coisas, junto com outras
manifestações do miraculoso. Quando apareciam casos, eles
eram considerados como presciência, coincidência ou
imaginação.
Embora na primeira metade da existência da SPP tenham sido
recolhidas muitas provas que indicavam a realidade da
precognição, esta não foi levada a sério até a publicação, ao
final da década de 20, do livro An Experiment with Time, de J.
W. Dunne. O relato de seus sonhos precognitivos, apesar de
não ter a necessária independência de testemunho capaz de
impressionar os membros da Sociedade, mostrou-se um
sucesso junto ao público. Desde então, a precognição passou
a gozar de certo respeito mesmo por parte de pessoas
geralmente céticas quanto à realidade dos fenômenos
psíquicos.
Esses que fazem objeções, no entanto, continuaram a
argumentar que a percepção extra-sensorial desta ou daquela
espécie contraria tudo o que se conhece sobre as leis da
natureza. Os físicos de hoje já não são tão dogmáticos a
respeito dessas leis; na verdade, eles preferem usar uma
expressão menos desgastada como "modelos", o que implica
que sejam no máximo uma aproximação da realidade.
Danah Zohar, uma física, examinou os testemunhos históricos
e contemporâneos da precognição, pretendendo verificar se
poderiam ser reconciliados com os atuais modelos da física -
muito à maneira como Pauli e Jung haviam explorado a
possibilidade de uma reconciliação semelhante em relação à
Teoria da Sincronicidade de Jung. Como ela sublinha, ainda
não chegou o tempo em que se tenham respostas claras às
inúmeras questões que permanecem sobre a PES. Mas tenho
certeza de que muitos dos leitores que compartilham da
minha dificuldade em compreender quase tudo sobre a física
mais elementar ficarão gratos pela notável clareza de sua
exposição, que torna as coisas técnicas mais legíveis.
Brian Inglis
INTRODUÇÃO
Todos temos uma compulsão em falar sobre o Tempo. A
mesma necessidade profunda que induzia o homem primitivo
a consultar feiticeiros que diziam ler o futuro na configuração
do fluxo de sangue da ferida de um leitãozinho sangrado, ou a
que fazia os antigos gregos irem em dura peregrinação ao
Parnaso buscar aconselhamento do Oráculo em Delfos, hoje
ainda leva as pessoas à leitura das previsões da meteorologia
e das cartas de maré ou das pesquisas de opinião pública em
vésperas de eleições.
Com a sabedoria da compreensão trazida pelo tempo,
observamos que os antigos podem ter sido supersticiosos,
porém seus métodos arcaicos nem sempre estavam
inteiramente longe da verdade. Muito da visão outrora
atribuída aos mágicos poderes de "profetas" e "videntes"
deveu-se muitas vezes a primitivas, mas não menores,
capacidades de analisar acontecimentos passados e de
projetar seus padrões no futuro. Atualmente, é provável que
chamemos nossos profetas e videntes de cientistas e
psicólogos; seus métodos de previsões são muito sofisticados,
mas eles preenchem a mesma função necessária em nossas
vidas. De certa maneira, todos eles nos ajudam a olhar para o
futuro.
Só o mais obstinado empirista seria capaz de negar o valor e
a validade de predições baseadas em óbvias inferências de
acontecimentos passados ou de dados reunidos
cuidadosamente; mas seria necessário também um
pragmático muito resistente que não estivesse querendo
procurar mais nada. A maioria das pessoas, em algum
momento de suas vidas, gostaria de simplesmente poder
atravessar a barreira do tempo e dar uma espiada mais ampla
naquilo que o futuro lhes reserva. Por toda a história se
atribuiu a algumas pessoas esse poder, e o assunto do
presente , volume é a série de relatos de tais experiências.
Presciência, previsão, ou "precognição", a capacidade de ver
o futuro como se diz comumente hoje, é um assunto difícil,
tanto para o pesquisador psíquico com prática quanto para o
leigo. Conforme escreveu Gardner Murphy em The Challenge
of Psychical Research, "entrar em contato com aquilo que
ainda não existe é, para muitos, uma contradição de palavras,
um paradoxo filosófico, uma afronta ou, então, pode chegar a
ser colocado na categoria de 'impossibilidade'''. Assim, essa
mesma capacidade misteriosa que nos atormenta com sua
promessa de concessão de uma boa posição de partida na
corrida do destino, ao mesmo tempo nos ofende com suas
reivindicações afrontosas e "impossíveis" - e bem mais do que
qualquer outra capacidade psíquica.
Enquanto a telepatia e a psicocinese continuam
problemáticas pela ausência de qualquer prova firme e de
peso quanto à sua existência, o aparecimento de tal evidência
não iria trazer nenhum desafio mais devastador à nossa
maneira já aceita de encarar o mundo. A transferência de
pensamento de uma mente para outra ou a influência física
da mente sobre a matéria exige no máximo a descoberta de
alguma força física ou de alguma capacidade do cérebro
humano ainda não detectada. Poderia coexistir pacificamente
junto às forças e capacidades que já conhecemos. Mas não
acontece o mesmo em relação à precognição. A prova firme
de que algumas pessoas realmente tenham feito previsões de
acontecimentos futuros iria, desafiar os princípios mais
fundamentais do bom senso e da física clássica.
Todo o ritmo de nossas vidas diárias conscientes é vivido
contra o pano de fundo da "passagem do tempo", uma
sucessão de momentos subdividida em passado, presente e
futuro. Nessa estrutura familiar, o "agora" deve sempre
preceder o "então". Aliada a isso está a lei da causalidade,
uma das leis fundamentais da natureza, que diz que uma
causa sempre deve preceder um efeito. E um efeito "agora"
não poderia ser necessariamente o resultado de uma causa
"então" - e é justamente nisso que temos de acreditar se
aceitarmos que algumas pessoas podem ver agora
acontecimentos futuros, embora as causas que levem a eles
ainda não tenham ocorrido -, o cadáver de uma pessoa antes
que ela tenha sido assassinada, a manchete de um jornal
antes que este tenha ido ao prelo, uma cidade arrasada antes
que o terremoto que a destruiu tenha começado a dar sinais,
como os tremores de advertência. Nada disso é possível de
acordo com a ciência, como a entendemos.
"A previsão do futuro, do tipo minucioso como o indicado em
algumas das narrativas que chegaram até nós", escreveu
Frank Podmore, um dos membros fundadores da Sociedade
para a Pesquisa Psíquica, em 1908, "provocaria o abalo de
todo o edifício da ciência. Se as coisas relatadas em algumas
dessas narrativas realmente aconteceram, devemos nos
preparar para construir um novo céu e uma nova Terra." Mas,
embora uma reconstrução universal dessas talvez fosse uma
tarefa ambiciosa demais para um pesquisador psíquico
vitoriano, ela logo foi assumida pela nova espécie de
cientistas do século XX, cujo trabalho alterou de maneira
impressionante todo o quadro conceitual, para os termos em
que se pode encarar a precognição nos dias de hoje. A Teoria
da Relatividade de Einstein e a nova física quântica forjaram
mudanças radicais em nossas noções da ciência e do bom
senso da realidade, e, cada uma à sua maneira, manteve à
frente nossa noção convencional de Tempo.
No mundo da relatividade, não há uma seqüência absoluta de
momentos, e assim, não há maneira objetiva de ordenar os
acontecimentos no tempo. Realmente, se algumas das
interpretações da Relatividade Geral estão corretas, o tempo
poderá ser circular e os passeios no passado ou no futuro
poderão ser teoricamente possíveis. Com os avanços da física
quântica, que nos leva ao sombrio micromundo das partículas
elementares que compõem o átomo, a noção de qualquer
ordenação temporal dos acontecimentos se torna ainda
menos sustentável. O próprio Tempo torna-se um conceito
ilusório com um significado impreciso, como a causalidade.
De uma forma bastante curiosa, enquanto aqueles que
pesquisam sobre a precognição ainda se mostram
embaraçados por seu visível desafio às leis da causalidade, os
físicos quânticos já aprenderam a conviver com a não-
causalidade como uma conseqüência natural de suas teorias
físicas. As velhas categorias de causa e efeito deram lugar
amplamente, no nível quântico, a discussões sobre
relacionamentos não-causais que podem transcender a
distância e o tempo. Mesmo a outrora espectral noção de
"ação à distância", pela qual corpos físicos podem influenciar
uns aos outros apesar de não haver um evidente intercâmbio
de força ou energia entre si, foi recentemente demonstrada
em laboratório. As disseminadas implicações dessa ruptura
para a compreensão de questões como a telepatia, a
psicocinese e a precognição ainda estão para ser melhor
estudadas.
O século passado testemunhou um consistente esforço para
se trazer os benefícios da ciência em apoio a questões que
preocupam os pesquisadores psíquicos. A própria Sociedade
para a Pesquisa Psíquica foi fundada em 1882 por um grupo
de ilustres eruditos que via a disciplina da ciência como uma
ferramenta através da qual seria possível, de uma vez por
todas, sujeitar as águas do oculto, tão cheias de segredos, à
investigação rigorosa e objetiva. A nova "ciência" da
parapsicologia, que tenta proceder a um estudo dos
fenômenos psíquicos em condições de laboratório, é um
resultado de seus esforços; outro, são as inúmeras tentativas
de se compreender a física dos fenômenos psíquicos. Se, a
longo prazo, tais abordagens técnicas irão nos dizer mais
sobre os fenômenos psíquicos do que a paciente coleta
metódica de evidências de casos espontâneos que a
Sociedade para a Pesquisa Psíquica também continua a
reunir, é algo que ainda está por se verificar. Exemplos
desses casos encontram-se nas páginas a seguir, para ajudar
o leitor a julgar por si mesmo.
Aqueles que se sintam especialmente próximos dos aspectos
levantados no antigo debate que envolve o problema mente-
corpo poderão perturbar-se com a grande ênfase colocada na
física da precognição, no presente volume. Como observou J.
B. Rhine em muitas ocasiões, o fato de se acreditar que a
precognição ou qualquer outra forma de "percepção extra-
sensorial" seja realmente extra-sensorial (ou seja, não-física)
desempenha um papel-chave no fundo emocional de grande
parte da pesquisa psíquica, parecendo prometer alguma
evidência para a sobrevivência de alguns aspectos da
personalidade após a morte. Certas idéias da física moderna
algum dia poderão nos ajudar a compreender o mecanismo
pelo qual o cérebro humano é capaz de perceber um
acontecimento que ainda não ocorreu; no entanto, parece
haver uma insuficiência de provas nesta compreensão para
que se argumente que desta maneira o materialismo terá a
última palavra no dualismo. Nós entendemos exatamente
como o olho pode ver a maçã em cima da mesa, mas isso não
quer dizer que devamos entrar cegos no mundo seguinte; isso
apenas nos diz como utilizar um órgão de nosso corpo vivo
enquanto estamos neste mundo. Com tudo o que sabemos, a
física do pós-vida pode muito bem operar a partir de
princípios inteiramente diferentes.
Outro aspecto que preocupa muitos parapsicólogos
profissionais e aqueles que estudam cuidadosamente as
questões levantadas na pesquisa psíquica é a amplitude em
que a precognição pode se distinguir como faculdade isolada,
se é que ela possa ser de algum modo diferenciada de
faculdades como a telepatia (a comunicação direta entre duas
mentes), a clarividência (conhecimento direto de alguma
fonte física exterior) ou mesmo a psicocinese (a mente
afetando a matéria). Muitos sustentam que são diferentes
aspectos de um mesmo fenômeno desconhecido. Mesmo
assim, apesar dos sólidos argumentos de pesquisadores
experimentais como Louisa E. Rhine para nivelar a
precognição e a clarividência, nos últimos capítulos
demonstrar-se-á que uma equação destas gera dificuldades
para se explicar de que forma a precognição poderia
funcionar realmente. Essas dificuldades, no entanto, não
colocam obstáculos aos que possam querer nivelar a
precognição com a telepatia ou a psicocinese.
É bem possível acontecer que a visão aparentemente
precognitiva de algum acontecimento futuro seja realmente
apenas uma forma de comunicação telepática com alguém
que já tenha o conhecimento desse acontecimento. Ou então,
pode ser que aquilo que realmente ocorre na precognição é
que a mente "vê" algo (sonha, imagina, deseja isso) e então,
a seguir, age sobre os acontecimentos no mundo com a
psicocinese para realizar o fruto de suas próprias
expectativas. Cada uma das duas principais teorias físicas da
precognição discutidas no Capítulo 11 interpreta a faculdade
dessa maneira - uma, em termos de telepatia, a outra, em
termos de psicocinese.
Não há uma resposta segura para qualquer dessas sugestões
alternativas, e parece que não haverá até o dia em que se
tenha muito mais provas disponíveis sobre a precognição e
até que a física real desta faculdade tenha sido inteiramente
compreendida. Neste livro assumiu-se que pelo menos a
telepatia (e talvez a psicocinese) está muito proximamente
relacionada à precognição, e mencionam-se casos de
telepatia em que matérias relacionadas a eles possam ajudar
a lançar alguma luz sobre a natureza e o funcionamento da
própria precognição.
Dessa maneira, os estudos psicológicos destinados a
determinar se crianças são mais telepáticas que adultos
parecem indicar muito bem que o mesmo pode acontecer
com a precognição, e assim incluiu-se a evidência trazida por
tais estudos. E há, também, apesar de haver muito pouca
informação disponível sobre a capacidade precognitiva de
animais, numerosos testemunhos de que eles possuem essa
capacidade, e esses testemunhos foram incluídos por
acreditar-se que sejam relevantes para a compreensão da
precognição.
Enfim, é importante dizer algo sobre a qualificação dos
testemunhos citados para casos de visível ou alegada
precognição discutidos no presente volume. Variam do
extremamente sutil, na maior parte do Capítulo 1; onde
quaisquer fatos que possam ter realmente existido são de há
muito interpretados à luz de temas míticos ou literários, ao
rigorosamente profundo, como nos casos de estudos de
laboratório sobre a precognição, descritos no Capítulo 4. A
maior parte dos casos discutidos depende da corroboração de
testemunhas confiáveis cujos relatórios foram diligentemente
registrados por funcionários da Sociedade para a Pesquisa
Psíquica ou, algumas vezes, por psiquiatras. Como ainda é
verdade que, apesar dos demorados esforços na pesquisa de
muitos gêneros diferentes, ainda não existam sólidas e firmes
provas sobre a precognição que possam convencer um júri
independente de cientistas desinteressados, achei melhor
incluir uma ampla variedade de casos que tenham contribuído
para discussões sobre a precognição no decorrer desses anos
todos. Com exceção dos mitos e lendas do primeiro capítulo,
a cada um dos casos citados pelo livro segue-se alguma
argumentação sobre os testemunhos em que se baseia.
Gostaria de agradecer a meu marido por sua ajuda paciente e
incalculável durante a elaboração deste livro, e sobretudo por
suas numerosas idéias a respeito da possível física da
precognição. Inúmeras conversas com o professor David
Bohm ajudaram a aperfeiçoar minha compreensão como, por
exemplo, quanto às implicações da não-localidade quântica e
do Teorema de Bell. Além disso, ele foi muito gentil em ler o
manuscrito original, vetando algumas partes onde entrava a
física direta.
Finalmente estou grata à Sociedade para a Pesquisa Psíquica
por ter me permitido fazer uso de sua biblioteca e de seus
arquivos.
PRIMEIRA PARTE
A PRECOGNIÇÃO EXISTE?

1. A PRECOGNIÇÃO NO MITO, NA LENDA E NA


HISTÓRIA PRÉ-MODERNA
Se você consegue ver nas sementes do tempo
E dizer qual irá brotar e qual não irá,
Conte para mim...
Banquo, Macbeth

Este desejo de Banquo de ter alguma visão que pudesse


proporcionar-lhe informações sobre seu futuro incerto é pelo
menos tão antigo quanto a história que se conhece, e até
muito pouco tempo atrás havia uma crença generalizada de
que tais desejos pudessem ser satisfeitos. Os mitos e as
lendas de todas as culturas humanas estão cheios de histórias
de xamãs, feiticeiros, oráculos, profetas e homens santos a
quem se atribuía o dom de ver o futuro. Geralmente esses
visionários constituíam determinada parte da ordem social
estabelecida, e suas experiências míticas ou de êxtase foram
um fator importante para o desenvolvimento e a manutenção
das tradições míticas no mundo. Seus serviços contavam com
a confiança de líderes da sociedade, da mesma maneira que
os políticos de hoje buscam a inspiração divina em orações ou
em consultas a adivinhos remunerados. As feiticeiras a quem
Banquo fazia o seu apelo eram um exemplo óbvio dessa
afIrmação.
Embora as "estranhas irmãs" da peça shakespeariana tenham
sido até certo ponto coloridas por sua imaginação, havia duas
famosas feiticeiras escocesas que viviam junto ao barão de
Glamis, na fronteira entre os condados de Elgin e Forres, e
dizia-se que o verdadeiro Macbeth costumava ir consultá-Ias
sobre as muitas intrigas que caracterizaram seu problemático
reinado. Foi a conselho delas que construiu o castelo de
Dunsinane, dentro do qual elas previram que ele e sua família
estariam a salvo até que "a floresta de Birnham chegasse a
Dunsinane" - uma profecia que ele interpretou fatidicamente
com o significado de eternidade.
Por sua reputação confiável na previsão do futuro, as
feiticeiras desempenharam um papel muito importante no
cotidiano do reinado de Macbeth, como fizeram muitas de
suas iguais em outros tempos e outras culturas. Dois mil anos
antes, Saul, o primeiro rei de Israel, também recorreu às
previsões de uma feiticeira. Disfarçado como pastor, ele
viajou até uma aldeia da Palestina ocidental para consultar a
feiticeira de Endor, uma mulher conhecida por seus dotes
mediúnicos.
Naquela época, Israel estava sendo atacado pelos filisteus e
Saul fora abandonado por Deus e seus profetas, por sua
inimizade ao jovem guerreiro Davi e por não obedecer às
ordens de Deus. Ao ser indagada por Saul sobre o que
aconteceria naquela crise, a feiticeira de Endor invocou o
espírito do profeta Samuel e através dele previu que no dia
seguinte Israel iria cair sob os filisteus, que Saul seria morto e
que Davi o sucederia no trono:

... pois o Senhor tomou o reino de tuas mãos e o entregou a


teu vizinho Davi...
Além do mais, o Senhor também irá entregar Israel e a ti
mesmo às mãos dos filisteus; amanhã tu e os teus filhos
deverão estar comigo; o Senhor também entregará o povo de
Israel nas mãos dos filisteus.
(I Samuel 28:7)
Na batalha que se seguiu, os três filhos de Saul foram mortos
e "os homens de Israel degolados". O próprio Saul, atingido
por uma seta enquanto combatia no monte Gilboa, atirou-se
sobre sua espada, para não ser torturado pelos filisteus
triunfantes. Logo Davi foi sagrado rei da Judéia e mais tarde,
de Israel.
Toda a história de Israel, conforme a narrativa do Velho
Testamento, está tão ligada ao espírito das profecias que os
casos narrados são numerosos demais para serem
mencionados. Dezoito dos trinta e nove livros do Antigo
Testamento são conhecidos pelo subtítulo "O livro do Profeta";
na verdade, há pouquíssimos momentos na história de Israel
que não comecem com as palavras: "E o Senhor falou através
de seus servos, os profetas, dizendo..." e não terminem com:
"... e assim foi".
Em I Reis, ficamos sabendo que a rainha Jezebel mantinha
nada menos que 850 profetas à sua mesa, enquanto o rei
Davi escolheu, como profetas oficiais da corte, Gad e Natan.
No Êxodo, Moisés é servido por um profeta, seu irmão Aarão,
através do qual Deus advertiu o Faraó sobre as Sete Pragas
que Ele iria enviar ao Egito caso os filhos de Israel não fossem
libertados de sua escravidão.
É o Gênesis que proporciona talvez o exemplo mais claro dos
tempos bíblicos dos reis, e certamente um dos mais citados
hoje quando se fala da precognição: o de José e seus sonhos.
José, que atribuía seu dom à providência divina, como outros
profetas de Israel, interpretou com exatidão o simbolismo dos
sonhos do Faraó (as sete vacas gordas, devoradas por sete
vacas magras, as sete espigas de milho boas devoradas por
sete espigas de milho ruins) predizendo que sete anos de
fome se seguiriam a sete anos de abundância.
Com sua previsão, José salvou da ruína o reino do Faraó e
obteve, junto à família, uma posição de grande poder e
influência como havia previsto em dois sonhos tidos na
infância.

Ouvi, peço-vos, este sonho que tenho sonhado: eis que


estávamos juntando feixes no campo e meu feixe elevou-se e
manteve-se ereto, e vossos feixes se puseram em torno e
prestaram obediência ao meu.
(Gênesis 37:6, 7)

Foi para evitar que isso acontecesse que os irmãos de José,


enciumados, o venderam à escravidão do Egito, um gesto que
mais tarde os levou ao destino ao qual haviam pretendido
escapar.
O tema do Destino que deliberadamente se pretendeu evitar
e se torna realidade reaparece constantemente na lenda e na
literatura e, claro, encontra-se no âmago das discussões
sobre a precognição e o livre-arbítrio, conforme ilustra ainda
mais a lenda do rei Édipo.
Uma vez que um oráculo havia previsto sua morte pelas mãos
do filho que acabara de nascer, Laio, rei de Tebas, mandou
que abandonassem o pequeno Édipo à beira de um abismo
para que ele morresse. Mas a criança é salva. Levada para
Corinto e criada em segurança por pais adotivos, ela acredita
ser aquela sua família verdadeira. Em sua juventude, Édipo,
perturbado por rumores de que aqueles não são seus pais
verdadeiros, decide visitar o Oráculo de Delfos para obter
mais informações sobre o assunto. O Oráculo parece
desinteressado de seu problema, mas diz que Édipo matará
seu próprio pai e se casará com sua mãe. Horrorizado com a
perspectiva de tal profecia tornar-se realidade, Édipo foge de
Corinto, indo para a distante Tebas. No caminho, ele mata seu
pai verdadeiro, que toma por um estrangeiro mal-encarado;
depois de chegar a Tebas, casa-se com sua mãe, Jocasta.
Assim, as profecias do Oráculo para Laio e Édipo tornam-se
realidade, como na sombria previsão do vidente cego,
Tirésias, a quem o ainda desavisado rei Édipo convocou a
Tebas na esperança de retirar a maldição que pesava sobre a
cidade, descobrindo-se o nome do verdadeiro assassino de
seu pai.

Uma terrível maldição em dobro,


Vinda de seu pai e sua mãe, irá levá-Io
Para fora desta terra, com a escuridão em seus olhos...
E este dia irá mostrar seu nascimento e irá destruí-Io.
Sófocles, Édipo Rei

O Oráculo de Delfos foi o mais famoso local da profecia na


tradição grega. Situado na base do monte Parnaso, no lugar
que Zeus havia indicado ser o centro da Terra, o Oráculo
dominou a vida política e religiosa da Grécia desde os tempos
dos povos minoanos até o advento da cristandade.
Poucos gregos daquela época tomariam qualquer decisão
importante sem antes fazer uma peregrinação a Delfos em
busca da orientação do Oráculo. Os oráculos eram dados por
uma jovem sacerdotisa (Pítia) em estado de transe, durante o
qual Apolo, o Deus da Verdade, lhe concedia uma visão do
futuro do peregrino. Algumas pessoas que estudam o Oráculo
afirmam que a sacerdotisa entrava em estado de transe
graças à inalação de alguns vapores que saíam de uma fenda
na rocha sobre a qual ela se sentava; outros dizem tratar-se
de auto-sugestão. A maneira pela qual ela entrava neste
estado, não vem ao caso no momento, mas de acordo com os
dados modernos sobre percepções precognitivas - a maioria
das quais ocorre em sonhos ou semitranses - evidencia-se o
fato de que as visões em Delfos ocorriam num estado
alterado de consciência.
A controvérsia envolve a validade das profecias feitas em
Delfos, em parte, porque costumavam ser expressas em
linguagem cifrada, de maneira a estarem abertas a quaisquer
interpretações e, em parte, porque o Oráculo se havia tornado
o ponto central da religião vigente naquela época. Há boas
razões para se acreditar que muitas das "profecias" fossem,
na verdade, pequenos conselhos oferecidos por sacerdotes
que muitas vezes atuavam como intermediários na
interpretação das mensagens da sacerdotisa. Entretanto, nem
todos os oráculos de Delfos citados na história antiga e na
literatura poderiam ser rejeitados com tanta simplicidade. Um
exemplo registrado por Heródoto e que envolve Creso, o rei
da Lídia, é mencionado em geral como um desses casos.
Preocupado com a crescente militarização da Pérsia, Creso
planejou consultar um oráculo, mas, sendo um tanto cético,
resolveu "testar" diversos oráculos, a título de experiência.
(Provavelmente, como observou Whately Carrington, trata-,se
do primeiro exemplo concreto e documentado de pesquisa
psíquica.) Creso enviou sete mensageiros a sete oráculos
diferentes, instruindo cada um deles para que, no centésimo
dia a contar de sua partida, fosse perguntado ao oráculo: "O
que está fazendo agora o rei Creso, o filho de Alíates?" Os
mensageiros deveriam então trazer a resposta por escrito.
A resposta vinda de Delfos, e a única correta, dizia:

Posso contar os grãos de areia, posso medir os mares;


Escuto o silêncio e posso dizer o que o mudo falou;
Oh! Surpreendo-me com o cheiro de uma tartaruga coberta
com uma carapaça;
E cozinhando agora num fogo com a carne de um carneiro em
caldeirão
Há bronze na panela por baixo, e bronze na tampa em cima.
Na verdade, como "teste" Creso decidira fazer algo tão
absurdo, no dia determinado, que seria impossível alguém
conceber aquilo com a pura e simples imaginação ou através
de um raciocínio normal. Ele havia cortado uma tartaruga e
um carneiro, e deixou cozinharem juntas as carnes, num
caldeirão de bronze, que estava coberto com uma tampa de
bronze - um gesto que reproduziu as palavras do oráculo com
tamanha precisão que dispensou qualquer interpretação.
O Oráculo de Delfos era de longe o mais famoso e
institucionalizado canal através do qual Apolo expressava seu
espírito profético, mas os exemplos de videntes individuais
abençoados (ou amaldiçoados) com o dom da previsão são
tão numerosos na mitologia da Grécia antiga quanto no
Antigo Testamento hebraico. Dois desses exemplos
exerceram enorme fascínio na imaginação de escritores e
poetas no decorrer dos séculos. Por isso, é necessário
mencioná-Ios aqui: Cassandra, a infortunada filha de Príamo,
o rei de Tróia, e a terrível Sibila de Euboean Cumae presente
com tanto destaque no Livro VI da Eneida, de Virgílio.
Cassandra aparece pela primeira vez na llíada, mas Homero
nada fala a respeito de seus poderes proféticos, deixando
esse tema para ser desenvolvido alguns séculos mais tarde
por Píndaro e Ésquilo. Na Oresteia , vemos Cassandra receber
de ApoIo a "dor da cruel profecia verdadeira", destinada a
nunca ser ouvida e aceita porque ela desagradara ao deus
recusando-se a dar-lhe filhos. Cassandra previu a queda de
Tróia (incluindo a visão de soldados gregos escondidos dentro
do cavalo de madeira), e, mais tarde, previu a morte de
Agamenon e a sua própria pelas mãos da traiçoeira
Clitemnestra, que por sua vez cairia sob a cólera vingativa de
Orestes:
Devemos morrer os dois; mas não morreremos sem a
vingança dos deuses.
Pois virá alguém que nos vingará, alguém nascido para matar
sua mãe e para vingar a morte pelo sangue de seu pai.
Ésquilo, Agamenon

Depois da queda de sua cidade, o herói troiano Enéias


levantou velas com o remanescente de seu exército e aportou
nas praias da Itália. Após tocar a costa em Euboean Cumae
(uma colônia grega não muito distante da Nápoles de hoje),
foi logo para as montanhas.

Às alturas onde o grande Apolo tinha seu trono,


E à residência bem escondida da tenebrosa Sibila,
Uma enorme caverna; ali o profeta de Delos
Inspirou nelas o poder espiritual,
Com sua mão poderosa, revelando coisas que estavam por
vir.
Eneida VI

Enéias tem a esperança de saber através das enlouquecidas


falas da Sibila se ApoIo anularia a maldição que previra a
destruição de Tróia e se emprestaria seu dom divino aos seus
planos para a conquista da Itália. Na descrição de Virgílio do
que aconteceu a seguir, temos um dos retratos mais vívidos
do estado de demência que os antigos muitas vezes
acreditavam acompanhar as visões proféticas. Enquanto
falava, a Sibila espumava pela boca:

Os cabelos levantavam em sua cabeça, sua cor mudava,


Palpitavam-lhe os seios, ela caiu em transe.
Parecia crescer, falava numa voz não mortal...
De uma caverna saíram centenas de vozes
Que derramavam em torrentes as respostas proféticas da
Sibila.

Entre essas respostas, ela previu a conquista da Itália por


Enéias, suas guerras naquele país, seu refúgio temporário à
margem do Tibre (no lugar da futura Roma) com o arcádio
exilado, o rei Evandro, e a nova calamidade que iria cair sobre
os troianos por causa de "outra noiva estrangeira" (Lavínia).
Ela também explicou a Enéias como penetrar no submundo
utilizando um raminho da Árvore Dourada; pouco antes de
cair em silêncio, ainda previu a morte de Miseno. grande
amigo de Enéias:

Enquanto isso (oxalá não soubesses), sem vida,


O corpo de teu amigo não enterrado contamina
Toda a tua frota com o cheiro da morte, enquanto
Vens à minha porta em busca de oráculos.

Voltando à praia, Enéias descobre que Miseno se afogara e


jazia sobre areia, sendo lavado pelo mar.
Comparado à rica e sutil cultura grega, que contava com uma
grande quantidade de poetas e escritores de peças teatrais, o
mundo romano em geral é visto como sendo mais
pragmático, mais racional. Mas os romanos também tinham
seus profetas e videntes e levavam a sério quaisquer
presságios voltados a prever o futuro, o que está claro tendo
como base os inúmeros relatos de acontecimentos que
envolveram o assassinato de Júlio César.
Segundo Plutarco (Vidas Paralelas), "antes que isso
acontecesse, dizem que estranhos sinais foram mostrados e
que estranhas aparições foram vistas". Luzes e sons
desconhecidos enchiam o ar; viu-se uma multidão de homens
"todos em fogo" passando pelo local onde havia o mercado;
viu-se também a mão de um soldado escravo levantando
altas chamas, e quando estas se extinguiram a mão do
escravo não estava queimada; além disso, quando o próprio
César ia fazer o sacrifício de um animal, descobriu-se que o
animal a ser sacrificado não tinha coração. ("Um presságio
muito ruim, realmente", observou Plutarco, "pois, segundo a
lei natural, nenhum animal pode existir sem um coração.")
Suctonus (Os doze Césares) acrescenta entre os "inequívocos
sinais de advertência a César quanto a seu assassinato", o
seguinte: um grupo dos veteranos enviados pelo imperador
para colonizar Cápua violou o antigo túmulo do fundador da
cidade, Cápis, encontrando uma placa de bronze com uma
advertência escrita em grego:

Perturbai os ossos de Cápis e um homem


da raça de Tróia será morto por um de seu grupo,
e mais tarde vingado, a um alto preço para a Itália.

E, segundo Ovídio (Metamorfoses), pouco antes de os


conspiradores entrarem, foram ouvidos no céu trombetas e o
clamor de armas, o sol esteve sombrio e gotas de sangue
caíram com a chuva enquanto milhares de estátuas
choravam.
Mas as duas profecias mais conhecidas que predisseram o
iminente destino de César foram as da vidente Spurina (ela
alertou o imperador que estivesse em guarda contra um
perigo que o esperava não muito depois dos idos de março) e
a visão que apareceu a Calpúrnia na noite anterior ao
assassinato.
De acordo com Plutarco, enquanto César e sua mulher
dormiam, as portas e janelas do quarto "abriram-se
inteiramente, de repente". César acordou com o barulho, mas
Calpúrnia continuou dormindo, falando e resmungando algo.
"Na verdade, àquela hora, ela estava sonhando que segurava
em seus braços o corpo assassinado e chorava sobre ele."
A narrativa de Suetônio difere um pouco. Segundo ele, na
noite que antecedeu o assassinato, o próprio César sonhou
estar flutuando acima das nuvens, apertando as mãos de
Júpiter, enquanto Calpúrnia sonhava que o ornamento de um
beiral de telhado que parecia o de um templo - um cujas
honras (segundo Lívio) haviam sido votadas a César pelo
Senado - havia caído e que então César jazia inerte em seus
braços. Esta versão termina assim: "Ela despertou
subitamente e a porta do quarto abriu-se por si mesma".
Seja qual for o relato que preferirmos aceitar sobre os muito
estranhos presságios e visões que antecederam a morte de
César, não restam dúvidas de que, na mente dos romanos,
este foi um acontecimento inteiramente ligado às forças dos
presságios e das profecias.
Atribuía-se também a "segunda visão" aos antigos celtas.
Com relação a eles, a previsão muitas vezes era descrita
como mais uma peculiaridade racial, da mesma forma que o
cabelo vermelho e a cara em forma de lua cheia. Dizia-se que
os sacerdotes druidas transmitiam as profecias com tanta
facilidade e tão naturalmente que não precisavam recorrer ao
estado de êxtase ou a drogas, usados por alguns povos para
estimular essa faculdade. Dizia-se também que os druidas,
que passavam anos de aprendizado junto a mestres
aperfeiçoando a arte da adivinhação, podiam ler o futuro no
vôo de pássaros, na forma das nuvens ou das raízes das
árvores, com a ajuda de um osso adivinhatório (usando uma
omoplata direita de um animal, limpa) ou de varinhas de
sorva. O vidente druida mais conhecido de todos foi o mítico
mago Merlin.
Muito se escreveu sobre Merlin pelo importante papel que
desempenha na lenda do rei Artur, e as inúmeras profecias
atribuídas a ele na história são criativamente contadas e
recontadas por Geoffrey de Monmouth e Sir Thomas Malory
(e, com mais humor, na trilogia escolar de T. H. White, The
Once and Future King). Nunca houve nenhuma prova histórica
sobre a existência de Merlin, mas seus legendários poderes
de previsão são uma grande contribuição aos mitos que
envolvem a precognição.
Segundo Malory, Merlin foi responsável, antes de todos, pela
concepção do rei Artur. Quando o rei Uther Pendragon, o pai
de Artur, apaixonou-se por Lady Igrayne, esposa do duque de
Tintagel, Merlin fez com ele um trato. Em troca de um
encanto que permitiria a Uther ser tido como o duque de
Tintagel, ganhando assim o acesso ao quarto da senhora,
Merlin exigiu que o menino que eles iriam conceber naquela
noite (Artur) "deveria ser entregue a mim para ser
alimentado, então cuidarei dele..." (O rei Artur e seus
Cavaleiros, I). Doravante, Merlin está sempre ao lado do
futuro rei, como educador, conselheiro e profeta.
Entre suas profecias arturianas, Merlin prevê que Mordred, o
filho do encontro incestuoso de Artur com sua meia-irmã:
Morgause, "será a destruição de todo este reino", e, mais
tarde, adverte Artur de que será perigoso ele se casar com
Guinevere, porque um dia Lancelot se apaixonará por ela e
ela por ele.
De acordo com a História de Geoffrey de Monmouth, Merlin,
enquanto criança, previu através da alegoria de um combate
entre dois dragões a conquista da Inglaterra pelos saxões e
sua derrota pelas mãos do rei Artur. Se essa foi ou não uma
profecia de Merlin, como afirma Geoffrey, ou, se deveria ser
creditada, como mais parece, à imaginação do próprio
Geoffrey, os acontecimentos que ela descreve têm um certo
halo de exatidão histórica. No relato de Geoffrey sobre a
profecia, Merlin entrou em transe e disse:
Ai do Dragão Vermelho, pois seu fim se aproxima. Seu antro
cavernoso será ocupado pelo Dragão Branco que representa
os saxões que atraístes. O Dragão Vermelho representa o
povo da Bretanha, que será esmagado pelo Branco: as
montanhas e os vales da Britânia serão nivelados e correrá
sangue em seus rios.
O culto da religião será destruído completamente e o fim das
igrejas estará claro para todos.
A raça oprimida deverá prevalecer no final, pois ela irá resistir
à selvageria dos invasores.
O Javali da Cornualha acabará com esses invasores, pois ele
esmagará seus pescoços debaixo de seus pés.
História dos reis da Bretanha

As profecias de Merlin não se limitavam ao espaço de tempo


da própria vida do rei Artur e seu reinado. Segundo Malory,
pouco antes da despedida final de Merlin da corte de Artur,
com a donzela que se mostraria ser sua ruína, ele "... disse ao
rei muitas coisas que iriam acontecer". E muitas dessas
previsões são detalhadas por Geoffrey de Monmouth num
capítulo de sua História intitulado "As profecias de Merlin".
Intérpretes modernos dessas profecias (por exemplo, 26, pp.
45-8) dizem que Merlin previu a primeira invasão
dinamarquesa à Bretanha durante o reinado do rei Cadwallo
e, a segunda, durante o reinado de Ethelred - previu também
que Ethelred iria pagar em gelt aos dinamarqueses porque
seria covarde demais para lutar. Os dinamarqueses realmente
pediram - e receberam - 10.000 libras e, posteriormente, mais
40.000, de Ethelred.
Atribui-se também a Merlin a previsão da coroação de James I,
as Cruzadas e o rompimento de Henrique VIII com Roma; mas
talvez a mais fantasticamente exata predição dentre as
atribuídas a ele seja a relacionada a Ricardo I (Ricardo
Coração de Leão). Feita setecentos anos antes do reinado de
Ricardo, a profecia de Merlin dizia:

O Coração de Leão contra o sarraceno se levantará e, às


custas de muitos, um prêmio glorioso obterá...
Mas, enquanto essas grandes façanhas se realizam fora, tudo
em casa desordem será.
Preso e engaiolado o Leão estará, mas, depois de muito
sofrimento, a libertação ... e, por fim, com uma lança
envenenada, morrerá o Leão.

Ricardo I realmente lutou com os sarracenos e, durante uma


de suas últimas campanhas, foi capturado e libertado. Morreu
três dias depois, ferido por uma flecha envenenada, durante a
conquista do Castelo de Limoges.
Até este ponto, as histórias sobre predição e premonição
discutidas estiveram completamente envolvidas pelas muitas
camadas isoladas do tempo, da lenda e do mito. Sem dúvida,
cada uma delas é uma expressão irrefutável de alguma
corrente na cultura de onde se origina, mas não temos meios
de afirmar, de nossa perspectiva atual, se qualquer uma delas
tem realmente algum fundamento. Nem os visionários nem os
videntes ou as feiticeiras a que se atribuíram estas antigas
previsões nem, em muitos casos, os acontecimentos que eles
previram terão existido necessariamente - ou, se existiram ou
aconteceram, é bem provável que não o foram nas
circunstâncias coloridas que enriqueceram sua existência
legendária.
Nos dois casos a seguir, entretanto, há um pouco mais de
evidência para avaliação. Tanto a santa francesa Joana D' Arc
quanto o médico francês Nostradamus viveram em épocas
recentes o bastante para que haja registro de alguns fatos
incontestáveis sobre eles, e cada um deles fez previsões
sobre acontecimentos que a história confirma realmente
terem ocorrido.
Joana D'Arc
Diz-se que havia muitas profecias antecipando a carreira de
Joana D'Arc antes de seu nascimento em 1412; atribui-se uma
delas a Merlin. Entre suas predições sobre "coisas que viriam
a acontecer", Merlin incluía uma "donzela maravilhosa que
virá do Nemus Canutum para a salvação de nações". Nemus é
a palavra latina para "bosque" e Canutum é latim medieval,
significando "branco" ou, "encanecido" (muito antigo). Santa
Joana nasceu numa casa situada à beira do Bois Chesnu, em
Domrémy Bois, naturalmente significa "bosque", e Chesnu é
uma palavra, arcaica francesa que significa "branco" ou
"encanecido".
Embora seja lembrada na história como um dos grandes
libertadores da França, Joana D'Arc é legendariamente
mencionada em sua qualidade de profeta e visionária. Por
toda sua breve e brilhante carreira militar, escutou vozes e
teve visões através das quais percebia o que devia fazer e o
que o futuro reservava para ela e para seu país. As vozes e as
visões começaram depois de seus treze anos de idade.
Numa tarde em que corria por um campo para juntar-se a
outras crianças que brincavam, Joana escutou uma voz que
lhe falava de uma nuvem. Segundo uma carta escrita por
Percival de Boulan-Villiers ao duque de Milão, a voz dissera a
Joana que "... ela deveria realizar feitos maravilhosos. Ela fora
escolhida para ajudar ao rei da França, deveria usar roupas de
homem, pegar em armas... Ela deveria se tornar um
comandante na guerra". A carreira militar de Joana realmente
iniciou-se aos dezessete anos e também foi acompanhada por
uma visão. Na época, ela insistia em levar adiante sua missão
muito depressa, pois, tenho muito pouco tempo. Um ano ou
pouco mais, dizia. Daquele momento até sua captura
passaram-se exatamente treze meses.
Uma das primeiras profecias registradas de Joana refere-se à
de um estranho que ela encontrou pouco depois de se alistar.
Joana contou o incidente a seu professor, Pasquerel. Próximo
ao castelo de Chinon ela encontrou um homem a cavalo que a
insultou e praguejou contra ela. Retrucou-lhe, dizendo: "Em
nome de Deus, você pragueja tão perto de sua morte?" Uma
hora depois desse encontro o homem caiu no fosso do castelo
e afogou-se.
Durante o cerco de Tourelles, Joana previu seu próprio
ferimento por uma flecha. "Mantenham-se perto de mim",
disse a seus camaradas, "porque amanhã terei muito o que
fazer, mais do que jamais tive, e o sangue correrá de meu
corpo, acima de meu coração." E novamente Pasquerel
confirma que ela fez a predição um dia antes de ser atingida.
No auge de seu triunfo militar em 1430, logo depois de haver
liberado a passagem do Sena e aberto a campanha no Oise,
as vozes de Joana advertiram-na de que seu tempo terminara.
Logo depois ela foi capturada, e no espaço de tempo que
demorou seu julgamento, muitos meses mais tarde, fez
algumas profecias. Entre elas, uma predição de que os
ingleses brevemente perderiam sua mais crucial batalha
contra a França:

Sei que antes que sete anos se tenham passado os ingleses


terão perdido um combate maior que o de Orléans (em 1429,
quando as tropas lideradas por Joana os derrotaram) e
perderão o domínio sobre a França que hoje têm. Eles
sofrerão uma perda como jamais tiveram antes por causa de
uma grande vitória que Deus concederá aos franceses.

No ano de 1436, os ingleses perderam Paris, e, em 1439,


perderam a Normandia, na batalha de Formigny.
Nostradamus
Três quartos de século depois da execução de Joana, nasceu
em Saint Rémy, Provence, um outro francês que talvez seja o
mais associado a profecias e previsões que qualquer outro na
mente popular: Michael de Nostredame ou "Nostradamus".
Seu alegado dom extraordinário de predizer coisas que ainda
estão por acontecer permanece uma lenda viva (e um tanto
assombrosa) em nosso século. Entre suas profecias
perturbadoras estão algumas que parecem haver previsto a
Revolução Francesa, a ascensão de Napoleão e, talvez, o
domínio de Hitler.
Astrólogo, médico e profundamente enraizado na tradição
mística judaica (era um judeu convertido), o jovem
Nostradamus conquistou desde cedo uma grande reputação,
graças a seus brilhantes trabalhos médicos durante a eclosão
da praga no sul da França. O êxito no tratamento da praga
deveu-se amplamente à sua insistência sobre a importância
do ar fresco e do desinfetante no combate à doença, embora
nenhum dos dois (e nem mesmo a existência dos germes)
tenha sido reconhecido de maneira generalizada até o século
XIX.
As mais famosas profecias de Nostradamus relacionam-se a
fatos que ocorreram depois de sua morte, mas ainda em vida
ele teve uma grande reputação por ser dotado da capacidade
de antever acontecimentos: importantes personalidades
públicas e monarcas reinantes recorriam a ele para que
elaborasse seus horóscopos ou os de seus filhos. A maioria
das predições de Nostradamus chegou até nós com a
publicação de suas Centúrias, mas há uma história que se
refere a algo ocorrido em sua juventude. Durante uma viagem
à Itália, teve a oportunidade de encontrar um guardador de
porcos que se havia tornado monge, chamado Felix Peretti.
Nostradamus imediatamente caiu de joelhos e dirigiu-se a
Peretti como "Sua Santidade". Anos depois da morte de
Nostradamus, Peretti se tornou o Papa Sixto V.
As Centúrias, publicadas pela primeira vez em 1555, são
quadras agrupadas em centenas e perfazem um total de 966.
Atribui-se a cada uma destas quadras a visão de algum
acontecimento futuro. Estão escritas de maneira estranha,
muitas vezes cheias de um obscuro simbolismo enigmático.
Seu caráter extremamente vago deixa-as abertas a
interpretações mais amplas - e esta é a principal acusação
contra as predições de Nostradamus, vinda de pessoas que
supõem que um intérprete bastante hábil seria capaz de ler
qualquer coisa nelas. Por outro lado, Colin Wilson em The
Occult chama a atenção para o fato de que, considerando-se
as Centúrias como um todo, a grande quantidade de "acertos"
diretos confirmados em suas predições à luz de
acontecimentos históricos posteriores é impressionante.
Nostradamus era um francês de boa educação, versado nos
caprichos da política de seu país e bem-situado na sociedade
de seu tempo, e não é de surpreender que entre as mais
obviamente significativas e exatas de suas previsões estejam
muitas visões de acontecimentos ocorridos posteriormente na
história da França. Várias falam diretamente sobre a
Revolução - embora esta só tenha acontecido dois séculos
depois da morte de Nostradamus.
Duas quadras costumam ser citadas freqüentemente como
presságios da Revolução. Uma diz:

Os Iíderes da cidade em revolta,


Em nome da liberdade,
Trucidarão seus habitantes sem distinguir idade ou sexo
E haverá gritos, choros e tristes visões em Nantes.
Os estudiosos de Nostradamus são quase unânimes em
opinar que essa quadra é, com toda probabilidade, uma
previsão do sádico derramamento de sangue e dos
afogamentos que o louco Carrier ordenou em Nantes em
1793, sob os auspícios do Comitê Revolucionário de
Segurança Pública. Entre as Vítimas de Carrier estavam
muitas mulheres e crianças de colo e, quando os pescoços
dos bebês se mostraram muito pequenos para a guilhotina e
o instrumento revelou-se por demais lento para o massacre,
Carrier mandou que os infelizes condenados fossem
colocados às centenas em barcos que então eram
deliberadamente afundados.
A segunda "quadra Revolucionária", aceita em geral como a
previsão das mortes de Luís XVI e Maria Antonieta, é sinistra
em seu detalhamento.

Pela noite virão através da floresta de Reines


Duas pessoas casadas, por indireta via; Herne, a pedra
branca,
O monge negro em cinza entraram em Varennes,
Eleito capeto, causa tempestade, fogo, sangue e cortes.

Em junho de 1791, Luís XVI e Maria Antonieta tentaram fugir


de Paris disfarçando-se - ele, com uma roupa cinza, ela de
branco - e escapando pelos apartamentos da rainha.
Chegaram até Chalon, antes de serem reconhecidos pelo
chefe dos correios da aldeia. Foram levados presos a
Varennes, mantidos ali durante a noite e devolvidos a Paris
para serem decapitados. Luís XVI costumava ser descrito
como um homem de aparência "monacal", e foi o primeiro rei
francês a ser eleito pela Assembléia Constituinte em vez de
valer-se da lei do Direito Divino.
Nostradamus escreveu três quadras que são atribuídas à
profecia da ascensão de Hitler e todo o derramamento de
sangue que seu governo determinou. A mais citada talvez
seja esta:

Bestas famintas enlouquecidas farão as correntes tremer;


a maior parte da Terra estará sob Hister.
Numa gaiola de ferro o grande será arrastado.
quando o filho da Alemanha observa o nada.

Embora sujeitas a controvérsias, suas "quadras de Hister"


parecem próximas da verdade o suficiente para qualquer um
que aceite a validade dos poderes proféticos de Nostradamus.
Muitas das profecias de Nostradamus parecem referir-se a
acontecimentos que ainda estão por se realizar, em um tom
perturbador. Uma, à qual se costuma atribuir a previsão do
fim do mundo, é assim:

Como o grande rei de Angoulêrne,


no ano de 1999, no sétimo mês,
o Grande Rei do Terror irá descer do céu,
e, nessa época, Marte reinará pela boa causa.

Enquanto inúmeros estudiosos acreditam que o Grande Rei de


Angoulême deve referir-se a Gengis Khan, pois Nostradamus
aponta freqüentemente os mongóis como os "de Angoulême",
as opiniões se dividem entre os que consideram que a quadra
em seu todo seja a previsão de uma grande guerra com
bombas de hidrogênio, a tomada do mundo pelos orientais ou
uma invasão de Marte. Talvez ainda presenciemos isso.
Mas, forçada pela maioria dos estudiosos de Nostradamus,
que procuram demonstrar que suas profecias estão
relacionadas aos acontecimentos da Revolução Francesa ou à
Segunda Guerra Mundial (ou ainda até a um futuro distante),
há uma nova e importante tradução (para o inglês) crítica das
Centúrias, questionando toda esta abordagem ao trabalho de
Nostradamus.
Em seu The Prophecies and Enigmas of Nostradamus, o
historiador francês Liberté Le Vert sugere que, na verdade,
muitos dos acontecimentos a que se referem as quadras das
Centúrias sejam alusões a fatos que sucederam durante o
período de vida do próprio Nostradamus - a retirada do
imperador Carlos V (em vez do exílio de Napoleão em Elba),
as rebeliões políticas na Bretanha do século XVI (em vez dos
graves acontecimentos que envolveram a posterior execução
de Carlos I na Bretanha) ou acontecimentos ligados ao rio
Danúbio (o "Hister" a que se atribuem as "quadras de Hitler").
Le Vert argumenta que sempre que Nostradamus tentou
profetizar acontecimentos mais distantes "ele geralmente
esteve equivocado".
De acordo com a notável estudiosa, senhora Frances Yates, o
novo trabalho de Le Vert prestou um grande favor à história e
a Nostradamus, ao "proporcionar pela primeira vez um texto e
uma tradução confiáveis das poesias de Nostradamus,
varrendo as desprezíveis interpretações que séculos de
exploração de baixo nível haviam deixado encobertas". Ela
acredita que só Le Vert conseguiu desvendar o verdadeiro
Nostradamus.
O I Ching
O último dos exemplos sobre o qual faremos considerações
no sentido de exemplificar como a precognição é vista no
mito e na lenda vem do Oriente e realmente deve ser
encarado como um caso à parte. O Livro das mutações chinês
ou I Ching é uma das mais notáveis criações (ou
descobertas?) do espírito humano. Em geral, as pessoas
referem-se a ele como a um oráculo, e certamente ele
funciona como tal, mas essa maneira de encará-Io como
simples bola de cristal entre duas capas é uma extrema
simplificação do que o I Ching representa. É pelo misterioso
acesso ao futuro que ele proporciona que este livro deve ser
mencionado aqui.
O I Ching foi compilado há mais de quatro mil anos e desde
então tem sido utilizado por filósofos, políticos, homens de
negócios e simples camponeses que desejam uma
compreensão e uma orientação sobre ações futuras. O livro
contém toda a sabedoria do Taoísmo e do Confucionismo
reunida, bem como a de sábios anteriores, e não se limita a
satisfazer aos que o procuram com respostas simples a
perguntas sobre o presente ou o futuro. Mais do que isso, ele
situa as questões que lhe são colocadas num contexto mais
amplo do que o próprio indagador poderia imaginar que fosse
importante; apresenta nuanças de uma situação que não
estejam em sua mente consciente e oferece conselhos sobre
a melhor maneira de enfrentar a situação que antevê.
Devemos à meticulosa tradução de Richard Wilhelm e ao
profundo interesse de Jung o fato de essa obra ser agora tão
conhecida no Ocidente. A reação imediata de Jung, como a de
todos os ocidentais ao conhecerem o livro, foi de assombro,
ante a pertinência das respostas do I Ching às suas
perguntas. Sua perspicácia e discernimento eram tão precisos
que ele teve de confessar a si mesmo estar prestes a
acreditar no mito chinês de que havia uma inteligência viva,
com quem se podia conversar realmente, dentro de suas
páginas.
"Segundo a antiga tradição", explica ele no prefácio à
tradução de Wilhelm, "são 'agentes espirituais', atuando de
forma misteriosa, que fazem (o I Ching) proporcionar uma
resposta significativa. Esses poderes formam, por assim dizer,
a alma viva do livro. E como este último, desta maneira, se
torna um ser vivo, a tradição presume que se possam fazer
perguntas ao I Ching, e receber respostas inteligentes". Mais
tarde, Jung tentou explicar os misteriosos trabalhos do I Ching
em termos de sua Teoria da Sincronicidade, sobre o que farei
considerações no Capítulo 7. Mas seu sentimento de espanto
maravilhado nunca se abateu.
O I Ching consiste em sessenta e quatro hexagramas
numerados, que, no todo; incorporam as leis e a natureza do
universo e os ritmos da vida dentro dele. Cada hexagrama
descreve algum elemento quase-arquetípico da vida e vem
acompanhado por comentários que extraem o significado das
linhas individuais. Chega-se às linhas que compõem o
hexagrama jogando três moedas (ou deixando cair quarenta e
nove varinhas) por seis vezes. A cada vez deve-se anotar a
maneira como elas caem. Enquanto isso é preciso manter
uma profunda concentração sobre a questão para a qual se
busca uma resposta através do oráculo.
A maioria dos ocidentais que fazem uma consulta ao I Ching
em geral não consegue ultrapassar uma certa incredulidade
(que algumas vezes chega a uma profunda indignação
intelectual) quanto a seu funcionamento real. Jung teve muita
sensibilidade, quando indagou se iria colocar sua reputação
em risco ao escrever um prefácio para o livro.
Devo confessar que naturalmente não me senti muito bem ao
escrever este prefácio, pois, como alguém provido de algum
senso de responsabilidade em relação à ciência, não tenho o
costume de reafirmar algo que não possa provar ou pelo
menos apresentar como aceitável à razão. Foi uma tarefa
realmente duvidosa esta de tentar apresentar a um público
crítico moderno uma coleção de "encantamentos" arcaicos,
tendo em vista torná-los mais ou menos aceitáveis.

Parece impossível que uma pessoa jogando umas moedinhas


possa fazer sua pergunta atravessar os quatro mil anos da
experiência passada do I Ching e receber alguma resposta
significativa sobre algum fato que ainda esteja por acontecer.
Ainda assim, ele continua a responder, satisfatoriamente, por
vezes repetidas aos que o abordam com perguntas sinceras.
O fato de que o I Ching deve ser estudado e analisado e que a
maioria das suas respostas envolve quem o procura num
complexo diálogo sutil consigo mesmo me leva a citar dois
exemplos bastante simplistas dos poderes "precognitivos" do
livro e isso poderá parecer uma tentativa de torná-Io trivial,
mas eles servirão para ilustrar o ponto onde parece haver um
acesso misterioso ao conhecimento de acontecimentos
futuros; isso será o suficiente para o meu objetivo.
No outono de 1978, um casal londrino estava preocupado
com a compra de uma nova casa. Todo o processo de
discussão de preço, de determinação de uma data para a
saída do morador anterior e da aprovação do documento de
hipoteca estava entravado por complicações e atrasos. O
casal começou a pensar se, no mínimo, a compra iria afinal
acontecer e perguntou ao I Ching: "Nossa intenção de
comprar a casa em (dado o endereço) será bem-sucedida?"
A resposta do livro foi o hexagrama 28: A preponderância do
grande. Diz o seguinte:
A PREPONDERÂNCIA DO GRANDE
A viga-mestra verga no ponto de sustentação.
Infortúnio.

O comentário acrescentava: "O peso do grande é excessivo. A


carga é pesada demais para a força de seus suportes. A viga-
mestra, sobre a qual todo o teto repousa, verga no ponto de
sustentação, porque seus apoios são fracos demais para o
peso da carga que suporta".
Poucos dias depois o casal recebeu uma carta da companhia
construtora, dizendo que não poderiam aprovar sua aplicação
de hipoteca sobre aquele imóvel em particular pois ele sofrera
danos devido a um afundamento, e o supervisor da
companhia havia descoberto grandes rachaduras em suas
paredes de sustentação.
O segundo exemplo refere-se a um sentimento de grande
mau agouro que sobreveio a um membro da Sociedade para a
Pesquisa Psíquica na noite que antecedia um vôo que seu
irmão e sua cunhada deveriam fazer à Turquia. Essa mulher
ficou tão preocupada sobre a segurança dos parentes naquela
viagem aérea que levantou-se no meio da noite e perguntou
ao I Ching se seria seguro eles viajarem naquele vôo. A
resposta vinha em dois estágios, pois seu primeiro hexagrama
continha algumas "linhas mutantes" - linhas que indicam a
situação mostrada no primeiro hexagrama que darão lugar a
outra mostrada no segundo.
A primeira parte da resposta era o hexagrama 3: Dificuldade
no início. Dizia o seguinte:

DIFICULDADE NO INÍCIO traz sublime sucesso,


favorecendo através da perseverança.
Nada deverá ser empreendido.
É melhor indicar ajudantes.

A segunda parte da resposta estava no hexagrama 18: O


trabalho sobre aquilo que se deteriorou. Diz o seguinte:

O TRABALHO SOBRE AQUILO QUE SE DETERIOROU


Tem um supremo êxito.
É favorável atravessar a grande água.
Antes do ponto de partida, três dias,
depois do ponto de partida, três dias.

O comentário dizia: "Aquilo que se deteriorou por erro do


homem pode voltar a estar bom pelo trabalho do homem. Não
é um destino imutável...".
Uma semana depois, a mulher recebeu uma carta de Istambul
em que sua cunhada contava que a partida do aeroporto de
Londres fora retardada por muitas horas porque, enquanto o
avião taxiava na pista, para decolar, uma luz no painel havia
advertido sobre um defeito e o avião teve de retornar ao
terminal para reparos.
2. SONHOS PRECOGNITIVOS
Parecia haver um silêncio mortal à minha volta... e então ouvi
soluços contidos, como se muitas pessoas estivessem
chorando. Achei que tinha saído de minha cama e estava
andando no andar térreo. Ali o silêncio era rompido pelos
mesmos soluços ressentidos, mas as pessoas enlutadas não
podiam ser vistas. Fui a todos os cômodos; não havia
ninguém dentro de nenhum deles, mas o mesmo som
lastimoso de aflição chegava até mim enquanto eu ia
passando... Fiquei intrigado e alarmado. O que poderia
significar tudo isso? Cheguei à Sala Leste, onde entrei. A
surpresa pelo que havia ali me fez passar mal. Diante de mim
estava um catafalco sobre o qual repousava um corpo envolto
em roupas de funeral. Ao redor havia soldados postados, em
guarda; um grande número de pessoas encontrava-se na sala,
algumas olhavam enlutadas para o corpo, cujo rosto estava
coberto, outras choravam penalizadas. Perguntei: "Quem
morreu na Casa Branca?" "O Presidente... ele foi
assassinado..."

Essas foram as palavras de Abraham Lincoln a seu biógrafo


Ward Hill Laman em março de 1865, para descrever um
sonho que o havia perturbado muito. Ele disse: "Não consegui
mais dormir naquela noite e, desde então, fiquei
estranhamente incomodado". Algumas semanas mais tarde, o
Presidente foi assassinado por John Wilkes Booth.
Diferente do material das lendas antigas, bastante exótico
para nossos padrões atuais - envolvendo profetas, feiticeiras e
outros do gênero -, o sonho de Lincoln toca um acorde com o
qual estamos mais familiarizados. Muita gente pode lembrar-
se de sonhos muito reais e, a julgar pelo testemunho de
alguns dos grandes psicanalistas do século passado e pelos
volumosos arquivos da Sociedade para a Pesquisa Psíquica,
muitos desses sonhos parecem haver previsto
acontecimentos ainda por ocorrer. Tais sonhos -
cuidadosamente registrados e confirmados, sempre que
possível, pelos testemunhos de terceiros, a quem teriam sido
relatados antes que o acontecimento previsto realmente
ocorresse - constituem o maior conjunto de casos que podem
ser considerados uma evidência para a realidade da
precognição.
Milhares de sonhos visivelmente precognitivos foram narrados
à SPP desde sua fundação há cem anos, mas a maioria deles
teve de ser desconsiderada, por serem muito vagos ou
generalizados demais ou, então, pela ausência de um
testemunho de apoio adequado. Das muitas centenas que
permaneceram, de longe as maiores proporções referem-se a
sonhos que parecem antever algum episódio traumático -
uma morte, um acidente ou um desastre geral -, embora
alguns fossem apenas sonhos que descreviam, com detalhes
realistas, a clara previsão de algum acontecimento trivial do
dia-a-dia. Seria impossível contar aqui cada um desses sonhos
detalhadamente, mas uma seleção deles poderá mostrar o
que os pesquisadores psíquicos julgaram valer uma reflexão.
Incidentes "Triviais"
Segundo seu biógrafo (Forster, 1874), Charles Dickens certa
vez sonhou estar recebendo a visita de uma mulher que
usava um xale vermelho e que se apresentou como ''Miss
Napier".
"Por que Miss Napier?", ele se perguntou ao acordar. "Não
conheço Miss Napier alguma..." Mas, poucas horas depois,
dois amigos bateram à sua porta, acompanhados de uma
estranha a quem desejavam apresentar-lhe. Seu nome era
Napier. Era a Miss Napier, e estava usando um xale vermelho
(9, p. 179).
Resumindo material coletado pela SPP durante os primeiros
cinqüenta anos de sua atividade, o escritor H. F. Saltmarsh
cita muitos outros exemplos de sonhos precognitivos "triviais"
como os que apareceram nos primeiros números das Atas da
Sociedade. Num deles, uma certa sra. Mackenzie sonhou
estar sentada na sala de visitas com vários convidados,
incluindo um certo sr. J. Ela desculpou-se por um momento
para ir inspecionar o jantar e, ao voltar, notou muitas
manchas escuras em seu tapete novo. O sr. J. sugeriu que as
manchas provavelmente fossem tinta, mas a sra. Mackenzie
replicou: "Eu sei que foi queimado e contei cinco furos".
Na manhã seguinte, um domingo, a sra. Mackenzie contou o
sonho à família na hora do café; em seguida foram todos à
missa. Ao sair da igreja, o sr. J. reuniu-se à família Mackenzie
e voltou com eles para casa, para o almoço, algo que ele
nunca fizera antes. Enquanto a família conversava com o sr. J.
na sala de visitas, a sra. Mackenzie foi à cozinha para
inspecionar o almoço e, ao voltar à sala, notou uma mancha
no tapete. O sr. J. garantiu que possivelmente seria um pouco
de tinta e apontou para outras manchas iguais. Nesse
momento, a sra. Mackenzie exclamou: "Meu sonho! Meu
tapete novo está queimado!" O tapete realmente havia sido
queimado, como se verificou, em cinco lugares, por uma
empregada que descuidadamente deixara cair algumas
brasas ao acender a lareira da sala de visitas.
Em outro caso semelhante, a sra. Atlay, esposa do bispo de
Hereford, sonhou que enquanto seu marido estava fora, a
trabalho, ela incumbiu-se de ler as preces matinais na sala do
palácio episcopal. Depois disso, dirigiu-se para a sala de
jantar onde encontrou um enorme porco entre a mesa de
jantar e o aparador. Ela achou o sonho tão engraçado que o
contou a seus filhos e à governanta na manhã seguinte, antes
de começar a ler as preces. Depois, foi para a sala de jantar. E
ali, entre a mesa ela aparador, exatamente como em seu
sonho, estava um enorme porco, que havia escapado do
chiqueiro durante as orações e conseguira entrar na casa.
Embora o próprio Saltmarsh tenha tomado precauções, como
parte de seu exame para a evidência da precognição,
expondo todas as explicações alternativas razoáveis. em cada
sonho estudado, há uma possibilidade que ele pode ter
deixado passar. No caso da sra. Atlay, é possível que seu
sonho tenha se concretizado através de uma brincadeira por
parte de seus filhos. Eles poderiam ter deixado o porco solto,
na cozinha da casa, uma vez inspirados pelo relato de um
sonho tão engraçado. Trata-se, na verdade, de um tipo de
tentação à qual a maioria das crianças não resiste.
Sonhos Premonitórios de Morte
Quando estava com seus vinte e tantos anos, Samuel
Clemens (Mark Twain) teve a experiência de um sonho que o
marcou por toda a vida. Trinta anos depois, ele escreveu um
longo artigo sobre a "telegrafia mental", contando detalhes
das muitas experiências semelhantes que tivera durante a
vida. A partir de 1886 até 1903, seu interesse pelos
fenômenos psíquicos era tal que ele se tornou membro da
SPP. Contou a seu biógrafo oficial, Albert Bigelow Paine, o
seguinte sonho.
Clemens e seu irmão mais novo, Henry, estavam empregados
a bordo do vapor Pennsylvania, no rio Mississipi. Certa noite,
em que o vapor se encontrava atracado em Saint Louis,
Clemens dormiu na casa de sua irmã e sonhou que Henry
estava morto. Viu o corpo de Henry deitado num caixão,
apoiado em duas cadeiras, na sala de visitas. Sobre o peito de
Henry havia um buquê de flores brancas, com um único botão
vermelho no centro. O sonho pareceu tão real que, na manhã
seguinte, ao acordar, Clemens acreditou ser verdade e,
depois de se vestir, foi à sala de visitas para ver a urna de seu
irmão. Ficou tomado de alegria ao encontrar a sala vazia e ao
perceber que fora apenas um sonho mau. Contou o sonho à
irmã e, a partir disso, fez o que pôde para esquecer o assunto.
Poucas semanas mais tarde, devido a problemas com a
tripulação no Pennsylvania, os dois irmãos foram separados
numa das viagens pelo Mississipi abaixo. Henry, como
sempre, ia no Pennsylvania, e Samuel seguiu, dois dias
depois, no Lacey. Quando o Lacey atracou em Greenville, no
Estado de Mississipi, Clemens ouviu uma voz na praia
gritando as notícias: "O Pennsylvania explodiu logo abaixo de
Mênfis, na Ilha do Navio. Cento e cinqüenta mortos!"
De início, acreditou-se que Henry havia sobrevivido sem
ferimentos, quando quatro das oito caldeiras do Pennsylvania
explodiram; porém, soube-se depois que ele estava muito
queimado e que a sua morte era esperada. No momento em
que o barco do irmão chegava a Mênfis, Henry estava sendo
carregado para o necrotério.
Quando Samuel Clemens foi ver o irmão, encontrou-se numa
sala na qual haviam sido reunidos os caixões de todas as
vítimas. Mas, enquanto todos os dos outros eram de madeira
simples e sem pintura, Henry Clemens fora colocado num
caixão de metal que as mulheres de Mênfis haviam comprado
com um fundo de sessenta dólares especialmente levantado.
Fizeram isso porque o rosto admirável do rapaz havia
despertado especial interesse. Estava Clemens de pé, olhando
o corpo de seu irmão, pensando no quanto a cena era
semelhante ao sonho, exceto pela falta do buquê sobre o
peito de Henry, quando, nesse momento, uma senhora idosa
de Mênfis foi até o caixão e lá depositou um. Era um buquê de
flores brancas, com uma única rosa vermelha no centro.
Em 1812, um homem da Cornualha, chamado Williams,
sonhou estar sentado no saguão da Câmara dos Comuns
quando um sujeito vestindo um casaco marrom escuro e
decorado com "botões característicos" atirou no Ministro da
Fazenda. Clemens Carlyon testemunha o sonho de Williams
em suas memórias, dizendo que ele acordou, contou o sonho
à esposa e adormeceu outra vez. Mas, enquanto dormia, teve
o sonho novamente e acordou tão perturbado que se sentiu
no dever de advertir o Ministro. Entretanto, alguns amigos o
convenceram a não comunicar coisa alguma, e ele esqueceu
o assunto até oito dias mais tarde, quando soube que Spencer
Perceval, o Ministro da Fazenda, fora assassinado no saguão
da Câmara dos Comuns. Mais tarde, quando Williams viu o
desenho de um artista sobre o crime, percebeu que o
assassino fora retratado vestindo-se exatamente como em
seu sonho.
No dia 16 de dezembro de 1897, o ator britânico William
Terriss foi esfaqueado e morto na entrada do Teatro Adelphi,
em Londres, por um membro da companhia que fora
despedido e que contra ele nutria queixas. O substituto de
Terriss, Frederick Lane, teve o seguinte sonho na noite
anterior ao crime:

Sonhei que via o falecido William deitado num estado


delirante ou inconsciente nos degraus que levavam aos
camarins do Teatro Adelphi. Estava rodeado de pessoas que
trabalhavam no teatro, entre as quais a srta. Millward e um
dos funcionários que cuidavam da cortina; e vi os dois poucas
horas depois na cena da morte. O peito dele estava nu e, ao
lado, as roupas rasgadas. Todos à sua volta tentavam fazer
algo para socorrê-lo ... Meu sonho foi o mais realista que já
tive, parecia mesmo verdade e representava exatamente a
cena que vi à noite.

Frederick Lane contou o sonho a Frank Podmore, o principal


investigador da Sociedade para a Pesquisa Psíquica e
reconhecido cético a respeito de qualquer assunto
relacionado a alguma alegada precognição. Podmore tomou o
cuidado de interrogar dois colegas de teatro de Lane, e os
dois juraram que Lane lhes havia contado o sonho na hora do
almoço no mesmo dia do assassinato, muitas horas antes de
o fato acontecer. Podmore comentou em seu relatório:
"parece-me que o sonho-visão apresentou um quadro
bastante preciso e minucioso dos acontecimentos. Não era
um sonho comum e é difícil deixá-Io de lado como simples
coincidência". Mas, ao mesmo tempo que, estava convencido
de que o sonho de Lane era autêntico, Podmore não se
mostrava muito certo de que também fosse precognitivo.
"Parece-me possível", sugeriu ele, "que o ator principal na
tragédia se tenha comunicado inadvertidamente com alguma
outra mente, que por acaso tivesse sensibilidade para a
recepção, transmitindo o esboço do quadro em que ele
incorporava seu objetivo desesperado." Ou, para resumir,
Podmore achou que o sonho de Lane poderia ser explicado
por telepatia, entre Lane e o assassino de Terriss, em vez de
ser uma visão precognitiva por parte de Lane. Esse tipo de
comunicação telepática é uma hipótese alternativa comum a
casos de uma aparente precognição, embora seja difícil
verificar que papel ela poderia ter desempenhado no próximo
caso, muito mais recente.
No dia 9 de abril de 1975, a sra. Lickness, uma experiente
assistente social de Hull teve o seguinte sonho sobre um
homem (o sr. G.) a quem ela não via há dezesseis anos. Ela o
relatou da seguinte maneira a Brian Nisbet, um pesquisador
da Sociedade:

Havia muito pouco em meu sonho, estava muito claro. Eu


estava de pé num dos lados de uma sala não muito ampla;
havia uma parede lisa à minha frente. Era muito clara, clara
como uma cor de vidoeiro prateado. A cabeça do sr. G.
aparecia nitidamente como se ele estivesse dormindo. Não
notei nenhum detalhe em cima dela. Havia alguém à minha
esquerda, mas eu não podia ver quem era, no sonho. Falei,
dizendo: "Oh! Veja! Dennis G. está onde meu pai está agora".
E é só isso que posso lembrar.

Na manhã seguinte, a sra. Lickness acordou sentindo-se um


tanto perplexa com o sonho (ela não conhecera o sr. G.
diretamente, só o tinha visto a uma certa distância, uns
dezesseis anos antes, quando ele fora apanhar sua esposa,
uma das clientes da sra. Lickness) e o contou a seu marido.
Logo depois, ela saiu em seu carro para visitar uma amiga, a
sra. F. No trajeto, ela parou numa esquina para permitir que
um carro elegante entrasse na rua principal e ficou surpresa
ao ver o sr. G. ao volante. Logo que chegou à casa da sra. F.,
contou-lhe o sonho e falou sobre o inesperado encontro com o
sr. G. na estrada, naquela manhã. A sra. F. também conhecia
o sr. G. Uma amiga da sra F., diretora de uma escola, estava
presente e ouviu também a história da sra. Lickness. As três
acharam que o aparecimento do sr. G. naquela manhã, vivo e
bem de saúde, significava que o sonho não tinha importância
nenhuma.
Mas, infelizmente, como a sra. Lickness disse em seu relatório
a Brian Nisbet, não foi daquela forma que tudo acabou.

Despedindo-me (das amigas), continuei minhas visitas


daquele dia, e, ao chegar em casa, encontrei um recado
pedindo-me para entrar em contato com minhas amigas.
Liguei e fiquei sabendo que logo depois que eu deixei o carro
do sr. G. entrar na estrada, saindo de uma ruazinha lateral,
ele havia continuado até a cidade. Ao parar num sinal
vermelho, no centro da cidade, ele sofrera um ataque
cardíaco, morrendo instantaneamente.

Muitas pessoas testemunharam a respeito de diversas


particularidades deste caso e todas assinaram declarações
para a Sociedade para a Pesquisa Psíquica.
Sonhos Premonitórios de Doenças ou
Acidentes

O sonho que vem a seguir poderia parecer um bom candidato


para servir de apoio à hipótese de Podmore de que a
comunicação telepática pode ser uma explicação para
determinadas experiências aparentemente precognitivas.
Trata-se do sonho de um médico russo, registrado no
conceituado livro de Medard Boss, The Analysis of Dreams (9,
p. 182). Boss foi um importante psicanalista existencialista,
professor de Psicoterapia na Universidade de Zurique,
conhecido por suas cuidadosas investigações sobre a
fenomenologia do sonho.

Costumo tomar uma refeição às três da tarde e depois vou


dormir por uma hora, e meia. Em julho de 1888, fui me deitar,
como faço normalmente, e adormeci lá pelas três e meia.
Sonhei que a campainha tocava e que alguém vinha me
apanhar para levar-me a um paciente. Entrei numa sala
pequena forrada com papel de parede escuro. Ao lado direito
da porta havia um móvel com gavetas e um estranho
candelabro ou uma lâmpada em cima. Fiquei interessado,
muito interessado, por aquele objeto curioso. Jamais tinha
visto nada parecido antes. Do lado esquerdo da porta havia
uma cama onde uma mulher estava sangrando
abundantemente. Não sei como, mas eu sabia do que se
tratava...
Dez minutos depois de acordar (do meu sonho), a campainha
tocou e fui solicitado para visitar um paciente. Ao entrar na
casa, fiquei completamente perplexo. Era idêntica ao cômodo
do meu sonho. Havia uma esquisita lamparina de querosene
sobre o móvel com gavetas à direita da porta; a cama estava
à esquerda. Meio aturdido, me aproximei da paciente e
perguntei: "A senhora teve uma hemorragia violenta?" "Sim",
disse ela. "Como é que o senhor sabe?"

Neste caso, o próprio dr. Golinsky se perguntou se teria sido


um sonho premonitório ou se a paciente teria comunicado a
ele por algum meio telepático, durante a sesta, o seu estado.
Ele a interrogou a respeito e ficou sabendo que a hemorragia
havia começado à uma hora da tarde e que ela ficara
preocupada com a gravidade do fato lá pelas duas horas; às
quatro, resolvera mandar chamar o médico. Portanto, a cena
que o médico viu em sonho estava ocorrendo enquanto ele
dormia e, embora não necessariamente, a telepatia poderia
ser uma explicação alternativa em vez da precognição, no
caso do seu sonho.
O sonho de Golinsky lembra outro muito mais recente narrado
pelo escritor Andrew MacKenzie, à SPP (42, pp. 105 -06),
embora nesse caso a atenção da pessoa que sonhou
estivesse focalizada em algo que o sujeito do sonho
aparentemente desconhecia; e existe a interessante
possibilidade de que o sonho premonitório tenha feito o
sonhador agir de maneira a fazer com que no futuro
acontecesse o que ele havia previsto.
Ao entardecer de um sábado de 1964, um ilustre cirurgião, a
quem MacKenzie se refere como dr. Donald Wilson
(pseudônimo), sonhou que via um paciente em seu
consultório na manhã da segunda-feira seguinte. O primeiro
paciente a entrar na sala foi uma mulher com uma grande
mancha na nádega direita. O dr. Wilson não podia ver o rosto
da paciente, apenas suas nádegas, mas tinha certeza de que
era uma mulher que nunca vira antes. O sonho o
impressionou, porque o médico não se lembrava de haver
sonhado antes com nenhum paciente.
O dr. Wilson esperou ansioso para ver o que iria acontecer em
seu consultório na segunda-feira, mas ficou um tanto
desapontado quando a primeira paciente daquele dia foi uma
enfermeira do hospital. "Não tem nada a ver com meu
sonho", pensou ele. No entanto, a enfermeira não tinha
marcado hora para ver o dr. Wilson naquela manhã, apenas
aproveitara um intervalo justamente naquele momento. Sua
primeira paciente foi, na verdade, uma outra mulher que ele
jamais vira e, enquanto ela estava deitada sobre o lado
esquerdo para ser examinada, o médico percebeu uma
grande mancha de tumor em sua nádega direita.
"Ora, é um pouco abaixo do local onde eu havia pensado que
era!", exclamou em voz alta - embora sua exclamação soasse
de forma estranha à paciente, já que tinha marcado a
consulta devido a outro problema. Era muito raro um tumor
daquele tipo aparecer na nádega e isso, aliado ao sonho,
levou o dr. Wilson a concluir: "Trata-se de algo muito
significativo para não querer dizer nada". Dois dias depois, ele
removeu o tumor, que foi diagnosticado maligno.
"Se eu não o tivesse removido - comentou mais tarde -, a
mulher teria morrido."
Premonição e Prevenção
Há muitos sonhos premonitórios registrados que parecem ter
prevenido sobre alguma coisa terrível prestes a acontecer,
como o do dr. Wilson, agindo como um sinal de advertência.
Nos três sonhos que seguem, a própria pessoa que sonhou
salvou-se graças a seu sonho premonitório.
Por volta do final do século passado, a conhecida sufragista
americana, Susan B. Anthony, foi salva de um incêndio por
um sonho. O incidente está registrado no diário de sua amiga
Elizabeth Cady Stanton desta forma:

Esperávamos que a srta. Anthony viesse nos visitar dentro de


alguns dias. Ela tivera um sonho muito estranho. O médico
havia lhe recomendado que fosse da Filadélfia para Atlantic
City cuidar da saúde. Estando nessa última cidade, ela teve
um sonho muito realista certa noite. Sonhou que ia sendo
queimada viva num dos hotéis, e, quando levantou pela
manhã, disse à sobrinha o que havia sonhado. "Temos de
voltar à Filadélfia", disse. E assim fizeram. No dia seguinte, o
hotel em que haviam estado e mais outros dez hotéis e boa
parte de toda a área tinham sido destruídos pelo fogo.

Outro caso desse tipo foi narrado à SPP britânica no início


deste século:

O sr. Brighton, dormindo a bordo de um iate ancorado,


sonhou que uma voz o advertia quanto ao perigo de ser
abalroado por outro barco. Acordou e foi para o convés, mas
encontrando tudo em ordem, apesar da neblina que havia
surgido, voltou a deitar-se. O sonho se repetiu e ele acordou
outra vez e retornou ao convés. Havia ficado tão ansioso com
o sonho e com a neblina, que dessa vez resolveu subir à
ponte de comando; fez isso exatamente a tempo de ver,
acima da neblina, um outro barco que vinha em sua direção.
Gritou para o capitão daquele barco, que girou todo o leme,
evitando assim a colisão.

Trata-se de um sonho muito citado dentro da literatura sobre


a precognição. Mesmo havendo uma boa evidência para se
considerar este como um legítimo caso de premonição, um
escritor importante no campo, Saltmarsh, achou interessante
levantar uma hipótese possível. Brighton, sendo um homem
do mar experiente, tinha um aguçado sentido de audição
(muito desenvolvido em geral entre os navegantes) e poderia
ter percebido, inconscientemente, a quase imperceptível
alteração de som que ocorre quando a neblina baixa e, da
mesma forma, o som distante do barco que se aproximava; as
duas coisas poderiam ter-lhe sido comunicadas em sonho,
parecendo "uma voz de advertência".
Finalmente, temos o caso de uma inglesa visivelmente salva
da morte, quando da queda de um avião, graças a um sonho
que fez com que ela não embarcasse naquele vôo. O sonho
foi contado no jornal londrino Evening Standard e duplamente
checado por Andrew MacKenzie.
No dia 10 de abril de 1973, um avião Vanguard que fazia um
vôo charter caiu na encosta de uma montanha nas
proximidades de Basiléia, Suíça, durante uma tempestade de
neve. Essa queda marcou especialmente na Inglaterra porque
entre a maioria dos 107 passageiros mortos estavam donas
de casa de quatro aldeias da região de Somerset, em viagem
de um dia à Suíça. Três semanas antes do acidente, uma das
mulheres que deveria ter estado na viagem, Marian Warren,
esposa de um agricultor da aldeia de Churchill Green, teve um
sonho que mais tarde descreveu assim:
Estava tudo muito claro em meu sonho. Vi o avião passar por
cima de algumas árvores e cair na neve. Havia muitos corpos
de minhas amigas em volta. Era tudo muito real e horrível.
Senti frio o dia inteiro, apesar de estar sentada diante do fogo
na lareira.

Marian ficou tão perturbada pelo sonho que devolveu a


passagem para a viagem que se aproximava ao organizador,
apesar de receber como devolução apenas a metade do preço
que havia pago. Antes do desastre, ela contou o sonho
apenas para uma amiga íntima e a mais ninguém,
acrescentando: "pensei que ninguém acreditaria em mim".
É comum grande parte das pessoas, cujos sonhos sejam
possíveis previsões de desastres iminentes, não falarem a
respeito; quer pelo receio de que ninguém acredite no que
estão dizendo, quer, muitas vezes, pela relutância em
acreditarem em si mesmas. E, se alguma vez chegam a
contar alguma coisa, fazem-no de uma maneira superficial e,
em geral, com escrúpulos. Há o caso registrado (42, p.48) de
um homem, com passagem marcada no infortunado Titanic,
que sonhou duas noites seguidas com o afundamento do
navio. Ele via a si mesmo como uma das vítimas. Mesmo
assim, embora "sentindo-se muito deprimido e impotente",
não conseguia decidir-se a cancelar a passagem. Somente
quando sua companhia telegrafou de Nova Iorque pedindo,
por questões de negócios, para adiar a viagem, é que ele
conseguiu tomar a decisão. Só então se sentiu aliviado. Mas,
quantos sobreviventes como este existem, cujas vidas
possivelmente seriam salvas por sintomas premonitórios?
No início da década de 60, um parapsicólogo americano
chamado William Cox fez um interessante levantamento que
traz algumas respostas a essa pergunta. Durante anos, Cox
recolheu dados estatísticos para descobrir se as pessoas
tinham ou não uma tendência a evitar viagens em trens que
estivessem a ponto de sofrer algum tipo de acidente. As
estatísticas de Cox comparavam o número total de pessoas
que viajavam em determinado trem na hora do acidente e o
número total de pessoas que viajavam no mesmo trem nos
sete, quatorze, vinte e um e trinta e dois dias que precediam
o acidente. Os resultados obtidos mostraram que em todos os
casos havia menos passageiros nos vagões danificados ou
descarrilhados de um trem que estivesse destinado a sofrer
um acidente do que o número que seria de se esperar para
um outro trem naquela mesma hora. A diferença entre o
número real de passageiros e o número esperado nestes
casos era significativa, maior que a proporção de
probabilidade de que o acidente ocorresse - maior do que 1
para 100.
Infelizmente, o levantamento de Cox é o único no gênero já
publicado até agora. Toda a questão a respeito de se saber se
as pessoas realmente conseguem evitar a morte ou
ferimentos através de avisos premonitórios é de uma
importância crítica para sustentarmos posteriormente uma
discussão sobre a compatibilidade ou incompatibilidade da
precognição com a existência do livre-arbítrio, e uma
discussão dessas poderia resultar muito mais enriquecida se
atendida por um número maior de estatísticas sérias como a
realizada por Cox.
Sonhos Precognitivos de Desastres
Nos casos que acabamos de examinar, em cada exemplo o
sonho premonitório parecia antever algum infortúnio iminente
à pessoa que sonhava, dando-lhe assim uma oportunidade de
agir conforme desejasse, de acordo com o sonho. Há um
outro grande grupo de sonhos em que algum desastre mais
generalizado é previsto, algum desastre que não envolve a
pessoa que sonha e que, além disso, não lhe dá condições de
avaliar ou de agir antes que seja tarde demais - em geral,
toma conhecimento do fato através da leitura de um jornal ou
pela televisão.
Antes da II Guerra Mundial, um ilustre investigador da
Sociedade Americana para a Pesquisa Psíquica, o dr. Walter
Prince, mantinha um registro por escrito de todos os seus
sonhos. Entre eles, havia o seguinte:

Pela manhã, sonhei que olhava para um trem, cuja parte de


trás saía de um túnel ferroviário. E, de repente, para meu
horror, outro trem bateu nele. Vi os vagões se retorcendo e se
empilhando e, da massa de ferros, saíam gritos lancinantes
de agonia das pessoas feridas. Apareceram nuvens de fumaça
ou vapor muito densas, e ainda mais gritos agonizantes se
seguiram. Nesse ponto fui acordado por minha mulher, pois
eu fazia ruídos que indicavam enorme tensão...

Quatro horas depois de o dr. Prince contar este sonho à


esposa e voltar a dormir, o trem do Expresso Danbury, das 8h
15min para Nova Iorque, estava parado à entrada do túnel da
Park Avenue -, com a parte da frente meio para fora do túnel
e a traseira dentro - quando foi atingido por trás, pela
locomotiva de um trem local, com tamanha violência que o
impacto foi ouvido a mais de um quilômetro de distância.
Houve muitos mortos, e grande número de pessoas ficaram
presas nas ferragens, conforme a narrativa de um jornal: "E,
para aumentar ainda mais o horror, o vapor sibilante da
máquina destruída encurralava os infelizes e subia em nuvens
pela abertura do túnel".
Um sonho do mesmo gênero foi relatado ao físico inglês,
professor John Taylor, em meados da década de 70, na
manhã seguinte ao desastre de Moorgate, em Londres, um
dos piores acidentes já verificados na história daquela cidade,
envolvendo trens de metrô. Um metrô em alta velocidade
atravessou a plataforma de embarque, e as duas
composições da frente foram esmagadas, no impacto, contra
a parede do túnel. Muitas pessoas morreram, houve grande
número de feridos graves e centenas ficaram presas no túnel
escuro por muitas horas. A pessoa que contou o pesadelo ao
professor via a si mesma num túnel cheio de fumaça. O local
estava mal-iluminado mas ela conseguiu sair por entre pontas
retorcidas, e podia ouvir pessoas gritando e chorando. Antes
de conversar com o professor Taylor, a mulher narrou seu
pesadelo ao marido logo que acordou. Taylor observou que as
palavras que ela usou mais tarde para descrever o acidente
eram semelhantes às usadas pelos sobreviventes do
desastre.
Neste caso, porém, como não houve um registro do relato
antes do acidente, tais semelhanças podem ter surgido depois
do fato; na narração, as imagens do sonho podem ter sido
influenciadas pelas descrições muito realistas do acidente que
apareceram em toda a imprensa no dia seguinte.
Há uma documentação mais ampla à disposição para
consubstanciar o sonho de uma outra inglesa, no qual ela
aparentemente previu detalhes do pior acidente aéreo da
Inglaterra. No dia 18 de junho de 1972, um jato Trident da
British European Airways que se dirigia a Bruxelas caiu alguns
minutos depois de sua decolagem do aeroporto de Heathrow
em Londres, matando todas as 118 pessoas a bordo. Na noite
anterior, Monica Charke, de Letchworth, uma cidade no
distrito de Hertfordshire, teve o sonho narrado a seguir; ela o
contou a seu marido e a sua filha. Depois do acidente, a
família Clarke relatou o sonho a Andrew MacKenzie.

Sonhei que estava com uma amiga sentada no campo, mas,


não muito longe dali, havia edifícios altos. De repente, o céu
ficou escuro e opressivo. Sem mais nem menos, houve uma
espécie de relâmpago muito claro e um avião que saiu de
algum lugar pareceu cair num campo muito perto de onde
estávamos. Depois de alguns segundos, ele pareceu explodir
em chamas. Antes disso não houve nenhum som da máquina
de um avião. Neste ponto, acordei, muito perturbada e
apavorada...

Pode parecer uma coincidência, mas é significativo que no


sonho de Monica "não houve nenhum som da máquina de um
avião". O Trident, na realidade, caiu do céu como um pássaro
silencioso por causa de um problema em sua máquina: os
motores haviam deixado de funcionar durante a ascensão.
Por fim, o desastre de Aberfan. Às 9h15min da manhã do dia
21 de outubro de 1966, Gales sofreu o pior desastre de minas
em sua história, Um veio de carvão situado na encosta de
uma montanha fora da aldeia de Aberfan deslizou
subitamente, abatendo-se sobre a Pantglas Junior School
(uma escola primária). Morreram 144 pessoas, 128 das quais
alunos da escola, parcialmente destruída na avalanche.
O desastre de Aberfan comoveu a Inglaterra de um modo que
poucos desastres naturais já fizeram antes, talvez porque
tantas de suas vítimas tenham sido crianças. Pessoas de
todos os cantos do país relataram o horror sentido e muitas o
compararam aos bombardeios noturnos alemães; outras
disseram haver sentido como que uma curiosa espécie de
perda pessoal, ainda que nenhum conhecido seu estivesse
entre os mortos ou feridos. Tendo notado que muitas vezes os
sonhos associam-se a relatos registrados de visível
precognição, o dr. J. C. Barker, do Hospital Shelton em
Shrewsbury, perguntava-se se este também teria sido assim.
Resolveu tentar verificar isso e procedeu, então, a um dos
mais completos levantamentos jamais realizados sobre como
a precognição pode estar relacionada com acontecimentos
violentos de conhecimento público.
No dia seguinte à tragédia de Aberfan, que havia sido o
principal assunto de toda a imprensa inglesa, o dr. Barker fez
um apelo através do correspondente de ciências do jornal
Evening Standard de Londres, pedindo que as pessoas que
julgassem ter tido algum aviso premonitório sobre o desastre
lhe escrevessem. Das setenta e seis cartas recebidas,
sessenta lhe pareceram merecer uma investigação mais
aprofundada (entrevistas pessoais, pedidos de alguma prova
mais corroborativa) e trinta e seis dentre estas últimas, afinal,
foram julgadas satisfatórias para seus critérios, como sendo
casos de legítima precognição.
O dr. Barker registrou cuidadosamente as trinta e seis
experiências visivelmente precognitivas e classificou-as
segundo as quantidades de detalhes previstos e a idade dos
perceptivos, sexo, e se a premonição havia surgido em sonho,
acordado ou em transe. A grande maioria foi em sonhos,
alguns dos quais realmente bastante detalhados.
Um desses casos de Barker envolvia o sonho de uma aluna de
dez anos de idade da própria escola, Eryl Mai Jones, que
morreu no desastre. Duas semanas antes, a garota havia
falado à sua mãe sobre a morte, dizendo: "Mamãe, eu não
tenho medo de morrer". No dia anterior ao acidente, a garota
insistiu que sua mãe ouvisse um sonho que tivera durante a
noite. Quando a mãe protestou, dizendo que estava muito
ocupada, a menina continuou: "Não, mamãe, você tem de
escutar. Eu sonhei que tinha ido à escola e não tinha
nenhuma escola ali. Alguma coisa preta tinha caído por cima
dela!"
Deve-se dizer sobre esse sonho em particular que, embora
ninguém em Aberfan esperasse que o veio carbonífero
pudesse cair tão subitamente, ou pelo menos da maneira
como aconteceu, o perigo que o veio apresentava era uma
preocupação geral da cidade e havia sido discutido muitas
vezes. É possível que essa jovem vítima soubesse de tais
discussões e que elas tenham tomado conta de sua
imaginação, afetando seus sonhos. Se foi isso, o sonho da
menina pode ter sido apenas uma ansiedade geral ligada
apenas por coincidência ao desastre real.
No entanto, uma explicação alternativa como essa não pôde
ser encontrada em outros casos descobertos por Barker. Com
exceção da menina, que foi uma das vítimas, nenhum outro
dos exemplos citados no estudo de Barker envolvia pessoas
que tivessem algo a ver com o acidente ou que vivessem nas
proximidades. Isso era verdade no caso de Grace Eagleton, de
Kent. Ela testemunhou nada menos que o seguinte:

Nunca estive em Gales e nem possuo uma televisão. Na noite


de 14 de outubro, tive um sonho horrível e muito real com um
desastre numa aldeia de minas de carvão. Era um vale com
um grande edifício cheio de crianças pequenas. Montanhas de
carvão e água estavam caindo sobre o vale, enterrando a
escola. Os gritos das crianças eram tão reais que eu também
gritei. Tudo aconteceu muito rápido. E depois tudo ficou
negro.
Nem Grace Eagleton nem Mary Hennessy, de Barnstaple, em
North Devon, jamais tiveram alguma ligação com Aberfan ou
com aldeias de mineração. Mas o sonho de Mary Hennessy
continha detalhes ainda mais realistas que correspondiam ao
desastre propriamente dito:

Na noite anterior ao acidente, sonhei com uma porção de


crianças em duas salas. Depois de algum tempo, algumas das
crianças se juntaram a outras numa sala comprida e ficaram
em grupos diferentes. No final da sala havia peças muito
compridas de madeira, ou barras de madeira. As crianças
estavam tentando subir ou passar por entre as barras. Tentei
avisar alguém gritando, mas antes que eu pudesse fazer isso,
uma criança pequena simplesmente desapareceu de meu
campo de visão. Eu mesma não estava em nenhuma das
salas, mas observava do corredor. Em seguida, no meu
sonho, vi centenas de pessoas correndo para o mesmo lugar.
O olhar no rosto das pessoas era horrível. Algumas gritavam e
outras seguravam lenços contra seus rostos. Fiquei com tanto
medo que acordei em seguida.

Mary Hennessy ficou muito perturbada com o sonho, pois


tinha duas netinhas. Por isso, chamou seu filho para contar o
sonho. Ela conclui: "Disse a ele que não eram as nossas
meninas, pois me pareciam mais que fossem crianças de
escola". Mary ficou sabendo do desastre de Aberfan mais
tarde, às 17h15min.
Depois de analisar os resultados de seus levantamentos sobre
a premonição em Aberfan, o dr. Barker ficou bastante
impressionado com o número de casos que ele revelara,
perguntando a si mesmo se uma visível precognição de
desastres generalizados como esta não, poderia ser
classificada como um "sistema de aviso prévio". Barker foi o
responsável pela organização de um Escritório de
Premonições da Inglaterra em 1967 e, mais tarde, de um
Registro Central de Premonições em Nova Iorque. A idéia de
tais escritórios era a de registrar todos os casos (coletados
por telefone) de sonhos, visões etc. que parecessem
premonitórios e, então, compará-los com desastres reais que
ocorressem mais tarde.
Nos primeiros seis anos de operação, o Escritório de
Premonições da Inglaterra recebeu 1.206 chamados
aparentes de premonição, alguns dos quais pareceram
corresponder a fatos ocorridos posteriormente (o que
provocou a indignação do primeiro-ministro Harold Wilson: a
morte de quatorze crianças no incêndio de uma casa para
retardados mentais, a morte por sufocação de dois gêmeos
encontrados presos numa geladeira fora de uso), mas não
surgiu nenhum padrão muito claro a partir desses dados.
Jamais houve alguma repetição entre a torrente de
premonições associadas a um único acontecimento, como o
que caracterizou o estudo do caso de Aberfan.
Sonhando com Ganhadores
É comum todos os anos surgirem notícias na imprensa
popular a respeito de algum apostador de sorte que ganhou
dinheiro no Derby (famosas corridas de cavalo, muito
populares na Inglaterra ou no Grande Prêmio Nacional). Mais
comum ainda é o fato de o ganhador ou ganhadora afirmar
ter sonhado com o nome do cavalo vencedor na noite anterior
à corrida. Histórias assim fazem parte da mitologia da
precognição e dessas corridas clássicas que tanto excitam a
imaginação popular; no conjunto, entretanto, elas
desempenham um papel muito pequeno nas reflexões de
pesquisadores sérios que tentam examinar cuidadosamente o
caso da precognição. Frank Podmore comentava nos
primeiros tempos da SPP que não é difícil imaginar que as
grandes esperanças colocadas naquelas corridas possam
provocar tantos sonhos de maneira que de vez em quando
um vá coincidir com os fatos, enquanto muitos outros passam
desapercebidos. Mas há um certo grupo de sonhos
registrados, relacionados a corridas, que merecem nossa
atenção.
Em 1946, Lord Kilbracken, que ainda era o sr. John Godley,
estudante do Balliol College (uma das faculdades da
Universidade de Oxford), teve uma série de sonhos que
pareciam ser a previsão dos vencedores de diversas corridas.
Na época, ele compartilhou sua informação com um grupo de
colegas; todos ganharam dinheiro e testemunharam sobre o
assunto quando interrogados pelos pesquisadores da SPP. E
assim, os sonhos, que são excepcionais nos detalhes, estão
também bem fundamentados.
Em seu relatório para a SPP, Godley escreveu:
Na sexta-feira à noite do dia 8 de março de 1946, sonhei o
que muitos gostariam de sonhar: que eu estava vendo os
resultados das corridas do dia seguinte, com todos os
vencedores e cotações por completo. No sonho, notei que os
dois cavalos que haviam vencido eram os em que eu havia
apostado sem sucesso na sua última corrida, e lembro de ter
ficado aborrecido no sonho por haver perdido desta vez. Os
nomes dos cavalos eram Bindal e Juladin, e em meu sonho
eles estavam pagando 7 por 1.
Quando acordei, lembrava do sonho, mas de todos os
resultados que sonhara só pude recordar estes dois nomes:
Bindal e Juladin. Não pensei mais sobre isso até a tarde
daquele dia, quando por acaso dei uma olhada no jornal e,
para minha surpresa, descobri que os dois iriam correr
naquela mesma tarde. Contei para alguns amigos meus, e
todos me aconselharam a apostar neles, alguns apostaram
também...
Bindal foi o primeiro a correr. Comprei meu jornal à noite e a
primeira parte de meu sonho se realizara. Então, rapidamente
coloquei tudo o que ganhara em Juladin, que (como em meu
sonho) participava da última corrida. Passei uma ou duas
horas impaciente, esperando uma nova edição do jornal
Quando ele chegou, eu estava um tanto confiante de que iria
ganhar: claro, Juladin tinha sido o vencedor. Os dois cavalos
haviam começado em 5 por 4 e 5 por 2, de maneira que a
proporção para a dupla era 7/8 por 1, um número muito
próximo do 7 por 1 de meu sonho. Meus amigos e eu
ganhamos mais de trinta libras entre nós.

Godley afirmou que se sentiu tão animado com o resultado de


seu sonho, que durante a semana seguinte dormiu com lápis
e papel ao lado da cama, na esperança de que fosse
acontecer outra vez, mas sem sucesso. "Depois de algum
tempo", conta ele, "esqueci todo o incidente e desisti da
esperança de que fosse acontecer de novo." Mas, duas
semanas mais tarde, duas noites antes do Grande Prêmio
Nacional (3 de abril de 1946), ele sonhou:

Sonhei novamente estar vendo os resultados das corridas.


Mas, dessa vez, ao acordar, só podia me lembrar de um dos
vencedores: Tubermore. No dia seguinte, não havia um cavalo
com este nome correndo. Mas, dois dias depois, na primeira
corrida em Aintree, tinha um cavalo chamado Tuberose; os
dois nomes eram tão parecidos que resolvi tentar a sorte.
Com meu irmão e minha irmã, coloquei três libras em cada
tipo de aposta; Tuberose ganhou pagando: 100 por 6. Nós
três juntos ganhamos mais de 60 libras... e eu nunca ouvira
falar de Tuberose antes daquele dia. Tratava-se de um
estranho que nem era levado em consideração. Prestei
atenção em suas corridas depois, mas ele nunca mais ganhou
outra.

O último dos sonhos de Godley dessa série (que foi de dez


sonhos, em oito dos quais ele sonhou com os vencedores)
aconteceu no dia 28 de julho de 1946. Ele contou:

Dessa vez foi diferente. Eu estava em Oxford na época e, no


sonho, fui a determinado hotel para telefonar para meu
bookmaker. Tenho o costume invariável de ler os resultados
das corridas no jornal da noite quando estou interessado
neles, mas, em meu sonho, decidi comprá-Io ao entrar em
contato com meu bookmaker. Eu fumava um cigarro e o posto
telefônico estava abafado. Quando consegui entrar, disse ao
homem que me atendeu: "Aqui é Godley. Eu gostaria de saber
se você já tem o resultado da última corrida". Sua resposta
foi: "Claro: Monumentor, 5 por 4". E acordei...
Quando fui olhar o jornal durante o café da manhã, descobri
que o favorito para a última corrida daquele dia era um cavalo
chamado Mentores... O nome, embora quase igual, era
diferente do meu sonho. Resolvi que, já que no sonho eu
havia ligado para meu bookmaker, eu teria que fazer o
mesmo na realidade. E às cinco horas fui ao hotel, esperei até
a hora do resultado das corridas.
Às 5h10min acendi um cigarro. Fui então para a cabine e
liguei para Londres. Estava muito abafado na cabine. Mas
prossegui.
"Aqui é Godley", disse eu. "Você poderia me dizer o resultado
da última corrida?"
"Claro," respondeu ele. "Mentores, 6 por 4."

O caso Godley continua sendo o melhor fenômeno registrado


de uma pessoa que pareceu haver sonhado com vencedores,
mas talvez seja discutível afirmar que se tratasse de sonhos
premonitórios. Quando jovem, ele era profundamente
interessado por corridas e apostava sempre, com uma
freqüência suficiente para justificar o fato de ter uma conta
por telefone com um bookmaker. Quem poderia dizer que tipo
de informações ele teria inconscientemente retido ao ler os
retrospectos quando eles apareceram como "prognósticos"
em seus sonhos, ou então quantos sonhos ele poderia ter tido
e esquecido sobre cavalos vencedores? Houve pelo menos
mais um sonho de que se lembrava durante aquele período
prolífico, e que enviou para a SPP para possível investigação
posterior, mas ela nunca foi realizada.
Godley e seus amigos com certeza julgaram estar indo muito
bem em seus sonhos, mas, para azar deles, estes sofreram
uma brusca interrupção. Ele ainda teve mais uma experiência
dessas em 1947 e nenhuma outra durante anos. Em 1956,
recebeu uma carta inesperada de um astrólogo (antes
desconhecido para ele) que expunha com detalhes a razão,
por que e quando seus sonhos precognitivos haviam parado e
predizendo que iriam recomeçar outra vez no ano seguinte.
Na verdade, não houve mais sonhos até a primavera de 1958,
quando eles começaram a se manifestar novamente. Godley
sonhou com êxito o nome do vencedor do Grande Prêmio
Nacional daquele ano, Mr. What, e este foi seguido por outros
sonhos precisos de corridas. Mas pelo menos um sonho
deixado previamente com a SPP (predizendo que um cavalo
chamado Neat Turn venceria o Grande Prêmio Nacional em
1972) não se mostrou correto. Este cavalo nem chegou a
entrar na corrida. *

* O próprio Godley explicou mais tarde que o sonho na


verdade referia-se a um cavalo chamado Gyleburn, que se
pronuncia "Gill-burn".
3. EXPERIÊNCIAS PRECOGNITIVAS EM
ESTADO DE VIGÍLIA
Em 1956, O dr. John Peters (um pseudônimo) era um jovem
estudante do segundo ano, prestando seu exame de
bioquímica na Escola de Medicina de Charing Cross, em
Londres. Uma das questões feitas pelos examinadores era
uma descrição da síntese dos ácidos gordurosos incluindo
uma prova experimental das diferentes etapas dos processos
bioquímicos , intermediários envolvidos. Os ácidos gordurosos
são um dos produtos finais da digestão humana e um
processo de bloqueio básico da gordura do corpo.
Em sua resposta o dr. Peters descrevia muitas experiências,
cada uma das quais ilustrava algum estágio do processo da
síntese. Entre elas havia uma decisiva mostrando que o
primeiro passo na síntese era a reunião de unidades
separadas da molécula acetil-CoA (CH3COO-CoA). Essa
experiência, acrescentava ele, havia proporcionado a prova
conclusiva de que o acetil-CoA era realmente o material que
inicia todo o processo (a partir de certo número de candidatos
adequados) através do emprego de uma dupla técnica de
classificação: um dos átomos de carbono (C) no acetil-CoA,
que fora denominado carbono-14 radioativo, e um dos átomos
de hidrogênio (H), classificado com o deutério (hidrogênio
pesado). Sem a dupla classificação, resumia ele, teria sido
impossível determinar qual das muitas possíveis moléculas de
2-carbono que apareciam como um primeiro estágio na
digestão seria a que atuava como substância provocadora da
síntese dos ácidos gordurosos.
O dr. Peters ficou muito surpreso ao receber de volta seu
exame com a nota, verificando que, embora ele tivesse
recebido elogios por sua imaginação criativa, o professor
havia escrito em tinta vermelha ao lado de sua descrição da
experiência da dupla classificação: "Esta experiência pode ser
muito boa, mas nunca foi realizada. Ainda não há provas de
que o acetil-CoA seja a substância provocadora da mesma".
"Mas veja aqui", disse ele ao professor, apontando para suas
anotações de aula. "O senhor descreveu essa experiência em
suas aulas durante o semestre. Eu anotei no meu caderno!"
E realmente havia uma descrição detalhada da experiência da
dupla classificação e sua prova conclusiva sobre o papel do
acetil-CoA. Apesar disso, o professor garantiu ao dr. Peters
mais uma vez que ele não poderia ter dito uma coisa dessas
durante suas aulas porque essa experiência jamais fora
realizada. Havia, disse ele, uma experiência em que o átomo
de carbono fora classificado com um carbono-14 radioativo e
uma outra em que o hidrogênio fora classificado com o
deutério, mas nenhuma dessas experiências era conclusiva e
os bioquímicos ainda estavam no escuro a respeito de qual
das muitas possíveis moléculas de 2-carbono seria realmente
a substância que provocava a síntese dos ácidos gordurosos.
O dr. Peters ficou se sentindo muito esquisito na época.
"Eu não costumava ter alucinações", disse ele, "e, de
qualquer maneira, ali estava tudo escrito em meu caderno.
Mas acabei esquecendo o assunto."
Oito anos mais tarde, sua memória foi estimulada e ele se
sentiu ainda mais estranho.
"Eu estava lendo um artigo sobre a síntese dos ácidos
gordurosos e havia um relatório a respeito da experiência da
dupla classificação que eu descrevera enquanto estudante... -
e a conclusão de que isso demonstrava, além de qualquer
dúvida, que o acetil-CoA era a substância que provocava a
síntese. Mas tratava-se do relatório de uma experiência que
acabara de ser realizada pela primeira vez e reivindicava
proporcionar a primeira prova jamais obtida antes sobre o
papel essencial desempenhado pelo acetil.CoA!"
Atualmente o dr. Peters é um membro da Sociedade para a
Pesquisa Psíquica, mas nunca relatou sua experiência
estudantil aos encarregados das pesquisas da Sociedade.
"Eu não poderia satisfazer seus critérios de comprovação",
explica ele, "pois não guardei o caderno e nem me ocorreu na
época que eu poderia necessitar de algum testemunho a
respeito. Mas tenho absoluta certeza desses fatos, não é o
tipo de coisa que eu iria esquecer..."
O caso do dr. Peters seria de precognição? À primeira vista,
tudo indica que sim. Seus elementos básicos - um jovem
cientista "sonhando acordado" durante uma aula numa escola
de medicina anota em seu caderno como fatos os detalhes e
resultados de uma experiência que só seria feita oito 'anos
mais tarde - são coisas que lembram muitos casos de
psicografia ou previsão em transe, que vêm sendo registrados
e testemunhados há anos. Esses casos são apenas uma
pequena porcentagem do todo, se comparados com o total do
grande número de sonhos normalmente citados como
possível evidência para a realidade da precognição; mas, os
aparentes vislumbres do futuro que mostram são muitas
vezes mais precisos ou exatos, não contendo o simbolismo e
desvios de situações que freqüentemente caracterizam os
sonhos.
O Afundamento do "Titanic"
No dia 15 de abril de 1912, o Titanic afundou em sua viagem
inaugural a Nova Iorque. Cerca de 1.500 de seus 2.207
passageiros e tripulantes perderam a vida. O desastre foi um
choque, não apenas pelas muitas mortes mas por causa da
declarada insubmergibilidade do navio. Por suas numerosas e
modernas características de projeto e construção, dizia-se
que o navio não poderia afundar.
Não sendo uma surpresa, se visto à luz da pesquisa em torno
do desastre das minas de Aberfan, o incidente com o Titanic
também parece haver sido previsto através de diversas visões
precognitivas. Muitas eram sonhos, algumas eram visões em
transe ou simples "pressentimentos" de que algo sinistro iria
acontecer ao navio. Com certeza, o caso mais curioso é o de
um romance escrito, aparentemente sobre o desastre,
quatorze anos antes que ele ocorresse.
Em 1898, um escritor americano, Morgan Robertson, escreveu
uma novela chamada Futility, cuja história se passava em
torno do afundamento de um suposto gigante da navegação a
vapor chamado Titan. No romance de Robertson, o Titan
encontra seu destino no Atlântico Norte, durante o mês de
abril, numa colisão com um enorme iceberg. O Titan levava
3.000 passageiros e tripulação, grande parte dos quais se
perderam porque o navio trazia um número insuficiente de
salva-vidas a bordo: apenas 24 (o Titanic tinha vinte, o que
também foi considerado bastante inconveniente). Havia
outras semelhanças. O Titan viajava a 25 nós no momento da
colisão, o Titanic, a 23 nós; o deslocamento do Titan era de
75.000 toneladas, o do Titanic, de 66.000; o Titan tinha 800
pés de comprimento, o Titanic, 882,5; os dois navios tinham
três motores de propulsão.
Escritores especializados em assuntos psíquicos já fizeram
muitas especulações sobre a misteriosa. correlação de
detalhes que apareciam na novela de Robertson e nos fatos
envolvendo o afundamento real do Titanic. Um deles chega ao
ponto de afirmar que Robertson fora um marinheiro sem
nenhuma educação e que Futility fora "ditado" a ele enquanto
estava em estado de transe; um "companheiro astral escritor"
o teria ajudado a datilografar o romance. Outras declarações
são mais cautelosas.
O dr. Ian Stevenson, professor de Psiquiatria na Universidade
da Virginia e antigo presidente da Associação Parapsicológica,
fez um estudo completo das experiências aparentemente
paranormais (dezenove ao todo) associadas ao afundamento
do Titanic, entre as quais o caso do romance de Robertson. Ao
reconhecer que, à primeira vista, os muitos pontos de
correspondência entre detalhes do romance e do
acontecimento real sugerem com muito vigor uma certa
consciência precognitiva da parte de Robertson, Stevenson
argumenta que, como alternativa, muito disso poderia ser
atribuído a uma interferência inteligente. Depois de observar
que na década de 1890 se falava muito sobre a nova era dos
grandes navios de passageiros a vapor, ele diz:

Graças a uma perspicaz consciência da crescente e cada vez


mais exagerada confiança do homem na engenharia naval,
uma pessoa criativa poderia fazer deduções suplementares
sobre detalhes da tragédia por acontecer. Um grande navio
provavelmente teria grande potência e grande velocidade; o
nome Titan tinha uma conotação de força e segurança há
muitos séculos; uma confiança excessiva levaria a uma
negligência quanto à necessidade de botes salva-vidas; a
imprudência poderia conduzir o navio através de áreas do
Atlântico Norte cobertas de icebergs, que se movimentam
para o sul (partindo da região polar) durante a primavera do
hemisfério Norte, fazendo com que abril seja o mês ideal para
colisões... Chegando-se a esta conclusão geral sobre a
probabilidade de um desastre como este, deduções como as
que sugeri poderiam suprir o detalhamento para uma
correspondência que assim teria a aparência de uma
precognição, mas que deveríamos, a meu ver, considerar
apenas como deduções muito bem-sucedidas e nada mais...

G. W. Lambert, antigo presidente da Sociedade para a


Pesquisa Psíquica, concorda com esta avaliação de
Stevenson, oferecendo ainda a informação complementar de
que o autor de Futility estudara noções da ciência náutica e
tinha conhecimento suficiente a respeito de projeto naval que
lhe permitiriam especular sobre futuros progressos nesse
campo.
Outros dois exemplos do que parecem ser experiências
precognitivas, em estado desperto, associados ao desastre do
Titanic não podem ser rejeitados tão facilmente. Um, é uma
"visão" e o outro, um "pressentimento" .
Em 10 de abril de 1912, o dia em que o Titanic deixou as
docas do porto de Southampton para sua viagem à América
do Norte, a esposa do sr. Jack Marshall olhava do terraço de
sua casa a passagem do navio através do estreito canal que
separa a Inglaterra da ilha de Wight. De súbito, ela virou-se
para seus familiares, que estavam com ela, e disse, em
estado de grande agitação:

Esse navio vai afundar antes de chegar à América!... Não


fiquem aí parados olhando para mim! Façam alguma coisa!
Seus loucos. Eu estou vendo centenas de pessoas lutando nas
águas geladas! Vocês estão tão cegos que vão deixar todos
se afogar?
Embora todos da família lhe assegurassem que era impossível
o Titanic afundar, Mrs. Marshall não conseguiu acalmar-se e
permaneceu nesse estado de agitação até cinco dias depois,
quando se verificou que sua visão correspondia à realidade.
Um "pressentimento" associado ao afundamento do Titanic foi
o presságio forte o bastante para fazer com que um jovem
abandonasse a perspectiva de uma carreira melhor,
preferindo não seguir no navio em sua viagem inaugural, o
que salvou sua vida. Colin Macdonald, um engenheiro naval
de 33 anos, foi convidado para o posto de segundo
engenheiro no novo e portentoso navio, mas, apesar de o
convite representar uma considerável promoção, Colin
recusou-o. O oferecimento foi repetido três vezes, mas ele
recusou as três com firmeza. O homem que aceitou o posto
acabou perdendo a vida quando o navio afundou.
Previsão numa Sessão Espírita
Muitas das experiências paranormais associadas com o
Titanic estudadas pelo dr. Stevenson em seu levantamento
manifestaram-se em "sensitivos" ou clarividentes que "viram"
um navio afundando ou algum desastre no mar poucos dias
antes da tragédia. Pessoas com este dom costumam ser
citadas em relação a experiências de precognição, em estado
desperto, e muitas vezes também realizam suas previsões em
sessões preparadas com esse objetivo. Frank Podmore,
embora achando inconclusiva a credibilidade de muitas
sessões, relatou um caso que sentia estar particularmente
bem documentado.
Uma inglesa chegada há pouco tempo em Boston, identificada
como sra. P., foi levada para visitar uma médium clarividente
pelo famoso abolicionista, William Lloyd Garrison. Segundo a
sra. P., aconteceu o seguinte:

Embora eu houvesse chegado a Boston no dia anterior, os


guias do médium logo reconheceram que eu viera por mar e
desvendaram não apenas minha vida passada, mas boa parte
do futuro. Disseram que eu trazia comigo uma fotografia de
minha família, e quando a apresentei, a médium me disse
(em transe) que dois de meus filhos estavam no mundo dos
espíritos. Além disso, apontando para um de meus filhos no
grupo, disse mais: "Este logo estará lá também, ele morrerá
de repente... mas você não deverá chorar por ele: ele estará a
salvo de um mal que estaria por acontecer. Em geral não
devemos dizer essas coisas, mas estou vendo que é melhor
para você, que você pode ficar sabendo que não é por
acidente.“
Estive fora de casa por muitas semanas, e só quando voltei é
que soube que meu filho, um rapaz forte de dezessete anos,
morrera num jogo de futebol.

Casos modernos de previsões feitas durante sessões espíritas


surgem de tempos em tempos em livros e jornais
especializados em questões psíquicas, mas tantos médiuns já
foram apanhados em atos fraudulentos e tão poucos
consentiram numa rigorosa investigação de suas práticas, que
se deve ter alguma reserva antes de aceitar seus
prognósticos como prova de qualquer capacidade ou dom
precognitivo.
Previsões em Estado de Transe
Quando Goethe tinha 22 anos e acabara de se separar de
Fredericka Brion, por quem estava apaixonado, ele parece
haver entrado espontaneamente no tipo de transe
normalmente associado a médiuns; no tempo em que ficou
nesse estado, ele teve o que poderia ser considerada uma
visão precognitiva. Contou a experiência em Dichtung und
Wahrheit.

Eu agora estava a cavalo, pela trilha que leva a Drusenheim,


quando uma das mais estranhas experiências sucedeu
comigo. Não com os olhos do corpo, mas com os do espírito,
eu via li mim mesmo, montado a cavalo, e vindo em minha
direção por algum caminho, vestido com uma roupa de um
gênero que nunca usei, de uma cor cinza-pálido com alguma
coisa dourada. Quando saí do devaneio, a forma desapareceu.
Mas o estranho é que oito anos depois eu me encontrei de
volta àquela mesma trilha para visitar Fredericka mais uma
vez e estava usando a roupa que havia sonhado - e isso não
fora planejado, mas aconteceu por acaso... Seja como for, o
estranho fantasma teve uma influência tranqüilizadora em
meus sentimentos, nos momentos que se seguiram à
separação.

Naturalmente, nesse caso de Goethe, só existe sua palavra de


que ele tenha tido a visão narrada e não há meios de agora se
estabelecer que papel possa ter desempenhado qualquer
memória subconsciente na escolha de uma roupa para usar
nesse seu encontro com Fredericka Brion. Desde a fundação
da Sociedade para a Pesquisa Psíquica muitas visões
semelhantes foram relatadas, uma boa parte delas
corroboradas por testemunhos independentes e investigadas
minuciosamente.
Frank Podmore contou o caso de certa senhora de Glasgow, a
sra. McAlpine, que talvez tenha tido uma visão precognitiva
em aparente estado de transe. Esperando um trem em
Castleblaney, a sra. McAlpine sentou-se numa pedra, próximo
de águas correntes, entregando-se inteiramente à apreciação
do vigoroso pôr-do-sol e à da beleza da paisagem ao redor.
Mas seu estado idílico logo foi perturbado:

Não havia um som ou movimento algum, a não ser o suave


rumorejar da água na areia a meus pés. Senti um arrepio
gelado percorrendo meu corpo e uma estranha rigidez em
meus braços e pernas e eu não conseguia me mexer, embora
desejasse fazê-lo. Senti um temor, mas era como se estivesse
presa naquele ponto, e como se algo me compelisse a olhar
para as águas à minha frente. Aos poucos, uma nuvem negra
pareceu subir, e no meio dela vi um homem alto, vestido
numa roupa de tweed, pular na água e afundar.
Logo depois a escuridão se foi, e em seguida voltei a sentir o
calor e a luz do sol, mas estava assustada e sentia algo
"misterioso".

Poucos dias depois da visão da sra. McAlpine, um bancário


suicidou-se, pulando nas águas exatamente onde ela estivera
sentada, mas Podmore faz uma advertência sobre quais as
conclusões a serem extraídas dessa cadeia de fatos. Como no
sonho aparentemente precognitivo de Frederick Lane na noite
anterior ao assassinato de William Terriss, citado
anteriormente, Podmore acha que a visão supostamente
premonitória da sra. McAlpine poderia ter sido um caso de
telepatia, mais do que de precognição - levando-se em
consideração a grande possibilidade de o bancário suicida ter
estado pensando sobre seu próprio fim durante alguns dias
antes.
A possibilidade de que a telepatia possa servir para explicar
muitos fatos espontâneos que à primeira vista parecem
precognitivos costuma ser levantada pelos escritores sérios
especializados neste campo e deveria estar sempre em
mente (com a dedução subconsciente) como hipótese
alternativa para provar a existência da precognição. Mas
sempre existem casos em que, se tão bem fundamentados
quanto deixam parecer, não cabem em nenhum desses
modelos alternativos. Alguns dos que estão associados ao
desastre das minas de Aberfan ilustram isso.
No dia 21 de outubro de 1966, o dia anterior ao desastre,
Constance Milder, de Devon, disse ter visto o desastre numa
visão em estado desperto.

Primeiro, eu "vi" uma escola velha num vale e depois um


mineiro do País de Gales, e só então uma avalanche de
carvão deslizando por um lado da montanha. No sopé da
montanha onde caía a avalanche barulhenta havia um
garotinho com uma franja comprida, que parecia apavorado.
E depois, por um bom tempo, "vi" equipes de resgate
começando a agir. Tive a impressão de que o garotinho fora
deixado para trás e salvo. Ele parecia tomado pelo
sofrimento, nunca poderei esquecê-lo... Junto com ele estava
um dos homens encarregados do resgate, que usava um boné
com uma pala bastante incomum.

Constance Milder contou sua visão a seis testemunhas num


encontro do Círculo Privado de sua Igreja Espírita e também
falou sobre ela à vizinha, antes que qualquer uma dessas
pessoas tivesse visto as notícias que falavam do desastre na
televisão. Na verdade, certos detalhes daquele noticiário
trouxeram à luz uma característica interessante da visão de
Constance.
"E o que é ainda mais estranho", escreveu ela ao dr. Barker
ao contar-lhe a visão, "é que enquanto eu assistia 'A
montanha que deslizou' na televisão, domingo à noite, vi o
garotinho aterrorizado falando com um repórter e o homem
que fazia o resgate, os mesmos que estavam em minhas
'visões'". Barker notou que muitos dos casos confirmados de
visível precognição contados a ele permitiam que o
perceptivo fosse este um sonhador ou um visionário - pudesse
captar imagens de suas experiências precognitivas na
televisão ou em fotografias de jornais que mais tarde
narravam o desastre. Outros pesquisadores também
comentaram a respeito da correspondência que
freqüentemente havia entre as imagens precognitivas e as
publicamente difundidas por rádio, televisão ou jornais que
mais tarde apareceram. Essa correspondência entre tais
imagens poderá ser importante em tentativas posteriores
para a compreensão de como funciona a precognição.
Duas semanas antes do desastre de Aberfan, outra espírita,
uma senhora de Coventry, levantou-se durante uma reunião
de um Círculo de Desenvolvimento Espiritual no Lar,
resmungando, angustiada e. agitando as mãos, dizia:

... uma coisa vinda do chão... terra... corpinhos queridos...


estou escutando água... muito, muito frio... jamais aconteceu
antes... vocês vão ficar chocados... nunca mais deverá
acontecer... aqueles homens que ficam mexendo com a
natureza... eles não estão entendendo o mal que fazem... vai
abalar todo o país.

A mulher encontrava-se num estado de transe profundo


quando emitia essas palavras, mas outras que estavam
presentes as relataram ao dr. Barker e tinham a certeza de
que se relacionavam com os fatos de Aberfan.
Textos Premonitórios
Este último caso do estudo de Aberfan era menos articulado e
continha menos detalhes definidos do gênero que
normalmente distinguem os sonhos ou visões precognitivas.
Parece, a partir deste fato, ter havido uma previsão do
acontecimento em Aberfan, devido a certas frases
atormentadas ("corpinhos queridos", "mexendo com a
natureza"), mas o seu caráter vago e aberto para uma
interpretação lembra mais alguns dos oráculos de Delfos ou
as profecias de Nostradamus do que a maioria dos casos
modernos de visão precognitiva. Isso também é verdadeiro
quanto a determinados tipos de "psicografia" que neste
século foram entregues à SPP de tempos em tempos. Apesar
de vagos e de algumas vezes cheios de simbolismo, contêm
em geral imagens, palavras ou frases-chave, que os tornam
merecedores da mais séria consideração como possíveis
exemplos de precognição.
O caso da sra. Verrall é citado com freqüência na literatura da
pesquisa psíquica. Era uma professora de letras clássicas em
Cambridge e fazia parte de um grupo de pessoas ilustres que
no início do século esteve associado a um projeto conhecido
como "Correspondências cruzadas", que estudava a
possibilidade de comunicação com os mortos. (O dr. Alan
Gauld discute os resultados dessas pesquisas em outro livro
desta série, Mediumship and Survival: A Century of
Investigations.) Ela era notável pelo dom da psicografia:
transcrevia mensagens em estado de transe, que seriam
ditadas por alguma pessoa que tinha algum objetivo e já
havia morrido. No dia 11 de dezembro de 1901, a sra. VerralI
escreveu:
Nada significam também as ajudas menores, dá confiança.
Por isso, Frost e uma vela na luz imperceptível. Marmontel.
Ele estava lendo num sofá ou numa cama... e só havia a luz
da vela. Ela certamente lembrará disso. O livro foi
emprestado - ele falou sobre isso.

No dia 17 de dezembro, ela escreveu:

Marmontel está certo. Era um livro francês, acho que um livro


de memórias. Passy pode ajudar, lembranças de Passy ou
Fleury. Marmontel não estava na capa... o livro estava
encadernado e foi emprestado... dois volumes numa
encadernação e numa impressão antiquadas. Não está em
nenhum documento. .. é uma tentativa de fazer alguém
lembrar... um incidente.

Dois meses e meio depois, o sr. Marsh, um amigo da sra.


VerralI, veio para jantar. Ele mencionou casualmente durante
a conversa que recentemente (dias 20 e 21 de fevereiro)
havia estado lendo Marmontel's Memoirs durante uma viagem
a Paris. Disse haver tomado o livro, um dos três volumes,
emprestado da Biblioteca de Londres e que em Paris o havia
lido deitado (no dia 20 de fevereiro na cama, no dia 21, em
duas poltronas), à luz de uma vela. Não havia gelo em Paris,
mas contou que estava muito frio. Como a maioria das obras
da Biblioteca de Londres, o livro estava encadernado, e não
numa encadernação moderna, e o nome Marmontel aparecia
no verso. E quando a sra. Verrall perguntou ao sr. Marsh se
"Passy" ou "Fleury" tinham alguma coisa a ver com sua leitura
de Marmontel, ele pôde lembrar que certa passagem que
havia lido dia 21 de fevereiro continha uma descrição de uma
cena em Passy e que a cena estaria ligada a uma história em
que Fleury tinha importante participação.
Embora haja poucas discrepâncias entre os detalhes descritos
no texto da sra. VerralI e os realmente ligados à leitura do sr.
Marsh em Paris, seu texto parece conter alguma previsão
misteriosa da leitura. Ela havia enviado o texto para uma
pesquisadora independente, a sra. Sidgwick, da SPP, antes de
encontrar o sr. Marsh para jantar e ficar sabendo de sua
leitura. A escritora e autora teatral Dame Edith Lyttelton
também era membro da SPP e, escrevendo sob o pseudônimo
"sra. King", submeteu muitos textos de psicografia à
avaliação de um grupo de intérpretes que incluía o segundo
Conde de Balfour, o físico Sir Oliver Lodge e J. G. Piddington,
Secretário Adjunto da SPP. Atribuindo seus relatos a quem
estava em comunicação, Dame Edith escreveu textos que
pareciam prever coisas como o afundamento do Lusitania
(torpedeado por um submarino alemão em 1915, o que
causou a morte de 1.200 pessoas), o Tratado de Munique, que
abria a Tchecoslováquia à invasão alemã no início da II Guerra
Mundial e o início da própria guerra, com uma referência
indireta a Hitler.
Em fevereiro de 1914, Dame Edith escreveu: "O Lusitania faz
espuma e fogo... mistura a chaminé - em arcos dobrados..." E
em maio daquele ano, acrescentou: "... abram seus ouvidos
ao desconhecido: o medo é o arquiinimigo. Lusitania." O
Lusitania foi afundado em maio de 1915, por um único
torpedo a estibordo, logo abaixo da ponte. No impacto, o
torpedo detonou a carga de 4.200 caixas de munição para
rifles que o navio carregava, deixando-o em fogo e formando
uma grande nuvem de fumaça sobre a chaminé.
Andrew MacKenzie estudou detalhadamente esse caso,
buscando alguma correspondência entre o texto de Dame
Edith e o afundamento real do navio, embora não pudesse
encontrar nenhuma coincidência mais definida além da
menção de "fogo" e "chaminé". Ele observa que as palavras
"o medo é o arquiinimigo" costumam ser interpretadas como
referência à desnecessária perda de vidas pelo pânico a bordo
quando o torpedo bateu no navio, mas oferece uma outra
sugestão. Em geral, no meio deste tipo de psicografia,
mensagens que parecem vir de alguma pessoa morta são
inseridas a título de aguilhão ou reforço moral à pessoa que
transmite a mensagem: não tenha medo de ouvir esta
comunicação, não receie parecer maluco etc., e esse pode ser
o caso de "o medo é o arquiinimigo" a que o texto de Dame
Edith se refere, sendo esse medo da pessoa receptora o
arquiinimigo do "morto" que tenta comunicar-se.
Um dos "textos da Segunda Guerra" de Dame Edith, embora
um tanto suspeito pelo cifrado, contém frases
atormentadoras, uma das quais possivelmente uma
referência a Hitler:

Carnificina nos campos do Ocidente... marchas... a vinha nas


colinas... a época da vindima... vôo... agora anote isso... por
trás das cortinas da escuridão há uma luz, nunca ponha isso
em dúvida... esteja em boa disposição.
A mão estendida para ficar em Bechtesgaden - Markovitch.

O texto foi escrito em maio de 1915, em meio a toda a


carnificina da I Guerra Mundial, e assim as referências a
"carnificina", "campos" e "vôo" podem muito bem ser um
simples reflexo das preocupações de Dame Edith quanto aos
horrores da guerra de seu tempo, antes de uma guerra futura.
Da mesma forma, "por trás da escuridão há uma luz" poderia
ser uma antecipação da preocupação que a levou a tornar-se
uma voz ativa na Liga das Nações. Mas e o "Bechtesgaden"?
"Berchtesgaden" era o nome do refúgio de Adolf Hitler nas
montanhas, perto da fronteira austríaco-alemã e onde se
desenrolaram os fatos que levaram à II Guerra Mundial, mas
era também um recanto turístico popular na Alemanha, cuja
menção ocorria naturalmente de tempos em tempos na
imprensa. Estaria o texto de Dame Edith simplesmente
refletindo alguma leitura recente sobre Berchtesgaden ou sua
mão teria sido realmente guiada para anunciar o papel a ser
desempenhado pelo refúgio? Esta última possibilidade, tênue
como se possa considerar, é a razão pela qual o texto é citado
tantas vezes como um possível exemplo de precognição.
Durante o conflito russo-polonês logo depois da I Guerra
Mundial, uma médium auditiva polonesa, conhecida como
Madame Przybylska, ouviu mensagens que pareciam dar
detalhes sobre os futuros desenvolvimentos nos respectivos
destinos dos exércitos russo e polonês e na situação política
da Polônia. Suas mensagens foram gravadas durante uma
série de sessões espíritas particulares com amigos nos meses
de junho e julho de 1920 e aparentemente relacionavam-se a
acontecimentos de julho e agosto de 1920.
A primeira mensagem de Madame Przybylska foi ditada num
período em que o exército polonês tinha a supremacia em
todas as frentes e os bolcheviques estavam em desonrosa
retirada. Mas ela afirmou:

O Conselho dos Ministros ainda não foi constituído, mas, mais


cedo ou mais tarde, se ouvirá falar de Witos.
Que azares! Que infelicidade! Quantos mortos em seus
campos de batalha! Um desastre para suas tropas...
Durante este mês haverá uma grande mudança no Conselho.
Witos será o primeiro-ministro.
Um homem maior que seus ministros dará uma ajuda a vocês.
Em agosto tudo irá mudar. Um estrangeiro chega, a quem
Pildsudki irá pedir conselhos, ele será muito influente.
As greves sistemáticas chegarão ao fim. Em meados de
agosto vocês verão seus azares mudarem. [10 de junho de
1920]

Como aconteceu, os bolcheviques começaram uma ofensiva


geral inesperada na frente norte da guerra no dia 28 de junho
e o exército polonês viu-se obrigado a se retirar de Munique,
Vilna e Lida. A própria Varsóvia foi ameaçada, embora,
conforme previsão de Madame Przybylska, a cidade nunca
tenha sido invadida. No dia 12 de julho, ela dizia a seu
pequeno auditório particular das personalidades da sociedade
de Varsóvia:
O poder de Lênin cresce. Uma certa multidão de homens
invade o seu país, vocês abandonam os campos. Mas não
tenham medo, eu abençôo sua cidade, o desastre só
acontecerá na margem direita do Vístula e tudo mudará para
melhor... Varsóvia não está na margem direita. Eles não
entrarão em Varsóvia.
O interessante das mensagens de Madame Przybylska é que,
ao contrário dos textos cifrados de Dame Edith Lyttelton, elas
estão cheias de detalhes muito específicos e bastante
precisos. Não apenas aconteceu a inesperada inversão inicial
na sorte do exército polonês, mas também foi verdade que
essa mesma inversão iria inverter-se novamente em meados
de agosto: os poloneses foram capazes de proclamar a vitória
no dia 15 de agosto. Além do mais, esse eventual êxito da
Polônia deveu-se muito à intervenção de um estrangeiro, o
general Weygand, que chegou para aconselhar Pildsudki e
também foi verdade que Witos, um político antes
desconhecido, chegou ao posto de primeiro-ministro. Outras
"mensagens" faladas durante esses meses de verão eram da
mesma forma precisas, predizendo locais e resultados de
batalhas. Por exemplo, dia 12 de julho, ela disse: "Minsk,
Kowel e Vilna estão perdidas. Próximo a Kowel muitas pessoas
ricas serão fuziladas. Notícias terríveis vêm da província. Mas
dentro de um mês tudo mudará".
Nas semanas seguintes, Minsk, Kowel e Vilna foram perdidas,
embora tenham sido recapturadas na vitória de 15 de agosto.
Precognição Auditiva
Às 8h30min da manhã do dia 3 de junho de 1964, a falecida
Lady Juliet Rhys Williams, ativo membro do Partido liberal da
Inglaterra, vice-presidente do Conselho de Pesquisa
Econômica e uma ex-diretora da BBC, juntou-se a suas duas
filhas para o café da manhã em sua casa no bairro de
Belgravia, em Londres. Como por acaso, contou a elas a
notícia de que o senador Barry Goldwater havia acabado de
derrotar o governador Nelson Rockefeller nas eleições
primárias da campanha presidencial na Califórnia. Explicou ter
ouvido a notícia no rádio ao acordar, entre às 6h30min e às
7h30min daquela manhã.
Contando as notícias do rádio, Lady Rhys Williams lembrava
haver ouvido o locutor dizer que a votação se encerrara na
noite anterior e que o resultado pôde ser divulgado tão
rapidamente porque pela primeira vez numa eleição o
processo de contagem dos votos era inteiramente
computadorizado, o que jamais acontecera no mundo. O
governador Rockefeller havia admitido a derrota antes de ir
para casa. Ela ouviu os ruídos de muita gente numa sala
grande enquanto o comentarista dizia que "estavam indo para
a Califórnia" para uma reportagem; reconheceu típicas vozes
americanas na sala e escutou ainda o comentarista dizer que
o senador Goldwater não poderia chegar até o microfone
porque havia deixado o escritório de sua campanha para ir a
um barbeiro, fazer a barba e lavar o cabelo antes de ir para
casa.
Não há nada de anormal na irradiação das notícias que Lady
Rhys Williams ouviu, a não ser o fato de que a primeira
transmissão a irradiar a vitória de Goldwater foi da rede CBS
americana, que transmitiu a notícia às 10h39min da manhã,
no horário de Nova Iorque (15h39min em Londres), sete horas
depois que Lady Rhys Williams mencionou a notícia irradiada
a suas filhas durante o café da manhã. A primeira transmissão
da BBC sobre as eleições aconteceu às 17h30min do mesmo
dia e nela a BBC ainda dizia que Rockefeller não admitia á
derrota.
Este caso é interessante não só porque Lady Rhys Williams
parece ter tido algum legítimo conhecimento precognitivo do
resultado das eleições antes de ele ter sido anunciado, mas
também porque ela escutou sua "visão" precognitiva. A
grande maioria dos casos relatados de aparente precognição
gira em torno de alguma espécie de imaginário visual - em
sonhos ou visões acordadas. Casos auditivos como este são
bastante raros, embora aparentemente não na vida de Lady
Rhys Williams.
Seis meses depois de sua experiência de "escutar" a
irradiação da vitória de Goldwater, ela teve uma experiência
semelhante de "pré-audição" que contou em detalhes à SPP
inglesa. Dessa vez, ela estava em sua casa de campo em
Gales e resolveu ligar o rádio, às 4 horas da manhã do dia 17
de janeiro de 1964, para escutar uma transmissão da "Voz da
América" que anunciava sérias violências raciais em Atlanta,
na Geórgia, quando explodiu uma luta entre membros da Ku
Klux Klan e uma grande multidão de negros. Como tinha
muito interesse nessas questões, ela sintonizou a BBC mais
tarde naquele dia, procurando em vão também pela imprensa
inglesa para saber maiores noticias sobre as desordens em
Atlanta. Não havia nenhuma e ela comentou com as duas
filhas e uma vizinha, achando estranho que um caso tão
grave fosse mencionado apenas uma vez numa única
transmissão por rádio.
Quando Lady Rhys Williams voltou a Londres no dia 26 de
janeiro, ouviu uma notícia na BBC sobre gravíssimas
agitações raciais em Atlanta, mas dessa vez havia
reportagens que iam acompanhando o caso na imprensa
inglesa e na americana. Estando agora muito curiosa quanto
às agitações noticiadas na manhã de 17 de janeiro, Lady Rhys
Williams escreveu para a "Voz da América" em Washington a
fim de indagar a respeito de transmissões anteriores. Eles
confirmaram que houvera uma explosão anterior das
agitações no dia 20 de janeiro e que o primeiro prenúncio do
problema que viria fora uma perturbação em Atlanta ao
anoitecer do dia 18 de janeiro, quando a polícia teve de ser
chamada. A "Voz da América" havia irradiado essa agitação
anterior, só que a transmissão ocorrera cerca de 48 horas
depois que Lady Rhys Williams escutou pela primeira vez a
notícia.
Jogadores Precognitivos
O caso de John Godley, hoje Lord Kilbracken, discutido no
capítulo anterior, é o melhor caso registrado de alguém que
tenha sonhado com êxito os resultados de corridas de cavalos
antes de elas acontecerem. Há muitos outros exemplos
registrados de alguém que tenha feito apostas em
determinado cavalo ou em determinado número por ter tido
um "pressentimento" logo antes de fazer a aposta (e estando
inteiramente acordado), mas o caso que vem a seguir parece
ter outros aspectos mais definidos que o tornam interessante.
É ao mesmo tempo um caso de precognição em estado
desperto e particularmente a maneira pela qual aconteceu a
maioria dos "Iampejos" (como ela os chama) precognitivos da
jogadora é que o torna relevante a ponto de destacá-Io para
tentativas que faremos mais tarde (no Capítulo 12) de aplicar
modelos da mecânica quântica ao problema da precognição.
Este caso não foi registrado antes, e, embora a jogadora em
questão estivesse querendo cooperar nas tentativas de
corroborar suas experiências, a natureza destas tornaria isso
bem difícil na maioria dos casos. Se os ganhos foram obtidos
da maneira que ela descreve, depende de seu próprio
discernimento e honestidade. Ela agora é membro da SPP,
mas garante que não tinha nenhum interesse em fenômenos
psíquicos antes de começarem suas estranhas experiências
no jogo. Ela escreveu o relatório abaixo, assinando apenas
"srta. H. R.":

Tive meu primeiro "lampejo" em 1973, pouco antes do


Grande Prêmio Nacional Eu não sabia nada sobre corridas de
cavalos e jamais havia estado em nenhuma casa de apostas,
mas todo o rebuliço em torno desta corrida (a srta. H. R. é
canadense) me deu vontade de apostar. Olhei para a lista dos
cavalos, afixada na parede da loja de apostas, e Red Rum
simplesmente saltou na minha direção. Apostei a 15 por 1
nele e, claro, ganhei. Foi a primeira vitória de Red Rum no
Grande Prêmio Nacional, e naquele ano ele não era o favorito.
No ano seguinte, apostei em Red Rum no Grande Prêmio, mas
foi só um caso de uma decisão com base no retrospecto. Em
1975, 1976 e 1977, tive a mesma experiência com o nome de
um cavalo (e duas vezes o de um relativamente
desconhecido) "pulando" na minha direção enquanto eu
espiava a lista dos cavalos na loja de apostas. Nestes anos
ganhei com L'Escargot, Rag Trade e Red Rum. Até hoje não
sei nada sobre "retrospectos" e não me interessei mais por
corridas a não ser o Grande Prêmio.
A primeira vez que entrei num cassino, fui levada por um
amigo, há três anos. Eu nunca estivera em nenhum outro e
nada sabia sobre jogos de cassino mas fiquei encantada com
a roleta e resolvi tentar minha sorte ali. Eu só tinha três libras
comigo e apostando no vermelho ou no preto, fui conseguindo
chegar a 23 libras antes de parar. Coloquei toda essa minha
sorte na conta da "sorte do iniciante" e não pensei mais no
caso durante meses.
Foi então que perdi meu emprego. Estava desesperada com o
pouco dinheiro. Foi quando voltei ao cassino e notei pela
primeira vez que o fenômeno iria acontecer de novo toda vez
que eu precisasse de dinheiro por alguma razão muito
legítima, como pagar o aluguel, ou pagar alguma conta. Notei
que, de vez em quando, eu tinha um sentimento muito "forte"
sobre um determinado número, e que este número saía.
Jogava na roleta muitas vezes, desde que me dei conta desse
"palpite" que tinha com os números e pude notar um padrão
nos palpites. O que realmente acontece quando tenho o
"palpite" é que minha atenção é atraída de repente para um
número no pano da roleta e não na roda. Simplesmente noto
que meus olhos ficam presos nele. E quando isso acontece é
quase sempre bem em cima daquele segundo antes do crupiê
dizer "jogo feito", embora já tenha acontecido de minha
atenção ter sido atraída no instante em que a roda começava
a girar. Nunca tive um lampejo antes de a bolinha haver
deixado a mão do crupiê.
Esses lampejos precognitivos não acontecem todas as vezes
que a roda começa a girar, mas ocorrem com freqüência
suficiente para garantir que quase sempre eu saia bem numa
rodada do jogo. Uma vez ou outra o lampejo é um "quase" em
vez de um acerto direto - quer dizer, minha atenção é atraída
para um número na mesa, mas, na verdade, é o número ao
lado que sai.
Há dois outros aspectos de minhas experiências na roleta que
talvez tenham alguma importância. Quando tenho esses
lampejos minha concentração é tanta que fico numa espécie
de transe e quase esqueço de tudo ao meu redor. Fico mental
e fisicamente exausta depois de uma hora dessa
concentração e preciso de um dia inteiro para recuperar a
capacidade de concentração normal de meu cérebro. A outra
coisa é que se fico ávida, tentando ganhar mais dinheiro do
que realmente preciso, ou se vou para o cassino por simples
divertimento, não tenho os lampejos: tenho a mesma sorte de
qualquer outro jogador em volta da mesa.

Como veremos mais adiante, em discussões sobre a mecânica


da precognição, em sua possível relação ao fenômeno
quântico e em relação às tentativas para sua investigação sob
condições de laboratório, os aspectos mais interessantes das
experiências da srta. H. R. na roleta são as seguintes:
1. o fato de ela ter seus lampejos apenas uma fração de
segundo antes que a bolinha caia em alguma posição na
roleta;
2. que de vez em quando ela tenha um "quase" em seu
lampejo, em vez do número a que foi atraída; e
3. que isso exige uma concentração mais profunda que a
normal para os lampejos surgirem.
Sua incapacidade de ganhar dinheiro quando não precisa dele
realmente para uma necessidade urgente está dentro da
tradição do oculto, de que a capacidade psíquica é um dom
que não seria bem empregado se voltado para o simples
lucro. Essa mesma tradição aparece registrada em outro caso
de “jogo psíquico".
Em sua coleção de visões e premonições, Johann Jung-Stilling,
um físico e professor que acreditava no sobrenatural e era
amigo de Goethe, conta a história de um farmacêutico de
Berlim, o dr. Christopher Knape. Quando aprendiz, Knape
sonhava com exatidão o número vencedor na loteria federal e
ganhava uma pequena importância em dinheiro. Poucos anos
depois, ele sonhou com números de loteria mais uma vez,
mas só conseguiu lembrar dois dos cinco dígitos, e com
alguma incerteza; jogou muito cautelosamente e conseguiu
ganhar apenas o equivalente a vinte dólares. Mas, no ano
seguinte, ele sonhou com tal clareza que resolveu apostar
tudo o que tinha. Investiu pesadamente só para descobrir que
teria de receber o dinheiro de seu investimento de volta,
porque todos os bilhetes com aquele número já tinham sido
vendidos. O número ganhou a loteria daquela vez, mas o dr.
Knape não ganhou nada por seu sonho.
4. ESTUDOS EXPERIENTAIS DE PRECOGNIÇÃO
A maioria dos casos de previsão ou precognição discutidos
até agora, como a maioria dos casos de PES em geral, foram
espontâneos: simplesmente aconteciam. Sem nenhuma
provocação ou advertência, e muitas vezes com efeitos
inquietantes, pessoas muito comuns no dia-a-dia mais simples
de suas vidas têm, de vez em quando, previsões de
acontecimentos futuros, comunicações telepáticas, sons de
coisas que "surgem no meio da noite" e diversos outros tipos
de acontecimentos ainda mais estranhos que constituem o
conjunto dos chamados "fenômenos psíquicos".
As vantagens de se estudar casos espontâneos de PES é que
existem muitos deles, e muitas vezes os que estão
registrados "são uma boa leitura". A desvantagem é que os
casos espontâneos são imprevisíveis, incontroláveis (e assim,
abertos a muitas interpretações) e, com certa freqüência,
inacreditáveis - às vezes até para as próprias pessoas que
passaram pela experiência.
Por volta do final do século passado, tornou-se claro para
investigadores sérios que se esses fenômenos devessem ser
compreendidos - ou pelo menos verificados - teriam de ser
observados sob condições experimentais controladas. Para
isso, fundou-se, em 1822, a Sociedade para a Pesquisa
Psíquica. O objetivo dos membros fundadores era voltar a luz
desapaixonada do método científico rigoroso para as até
então obscuras águas dos, fenômenos psíquicos. Seus
sucessores foram bem sucedidos - a ponto de, hoje em dia, a
parapsicologia chegar a ser quase mais científica que a
própria ciência. Computadores, quadros estatísticos e
técnicos de laboratório que repetem, pacientemente, por
milhares de vezes, experiências monótonas já substituem o
mundo colorido dos médiuns e dos que lêem a sorte.
Enquanto seus colegas físicos no laboratório vizinho gozam
dos prazeres de uma Alice no país das maravilhas diante de
uma especulação desenfreada sobre a aparentemente infinita
proliferação de sempre novas partículas subatômicas, no
laboratório de parapsicologia é comum tentar invalidar uma
experiência interessante. De maneira obstinada, a coisa
maçante tornou-se a medida para o sucesso na parapsicologia
experimental.
Mas este lado experimental da parapsicologia - a tentativa de
induzir o fenômeno psíquico no laboratório, sob pressão e em
condições controladas - é apenas um ramo dos esforços de
pesquisa do século passado. Fora do laboratório, muitos
membros da SPP continuam em sua tarefa de anotar e
investigar cuidadosa e escrupulosamente fenômenos
espontâneos que ainda acontecem à sua maneira. E assim,
voluntários da Sociedade muitas vezes se prestam a
permanecer numa casa que dizem ser assombrada,
esperando pela aparição residente, ou entrevistam com toda
paciência quaisquer pessoas a quem um sonhador receptivo
tenha contado os detalhes de algum sonho aparentemente
precognitivo antes que suas previsões aconteçam.
Talvez por ironia, o primeiro estudo experimental e realmente
sistemático tenha sido empreendido por uma pessoa que não
era filiada à Sociedade para a Pesquisa Psíquica e que dizia-se
gozar de um relacionamento "frio e infrutífero" com a
Sociedade mesmo em seu melhor período. Trata-se de J. W.
Dunne. Com sua obra An Experiment with Time, hoje um
clássico, pode-se dizer com justiça que ele "colocou a
precognição no mapa."
O "Deslocamento no Tempo" de J. W. Dunne
Dunne, um engenheiro aeronáutico nascido em 1875, era um
homem quase em guerra com o Tempo - pelo menos com a
noção convencional que temos dele. Dedicou grande parte de
sua vida ao projeto de provar que a precognição é um fato a
ser levado em consideração. E não se pode dizer que ele
tenha sido tão malsucedido. "Se a previsão é um fato, é um
fato que destrói toda a base de nossas suposições anteriores
sobre o universo."
Embora o estudo experimental da precognição de Dunne
consistisse apenas num meticuloso registro de seus próprios
sonhos e depois numa comparação com fatos posteriores
para medição, An Experiment with Time, publicado em 1927,
foi na verdade o primeiro estudo que tratava a precognição
como assunto sério. Ele usou a precognição como prova
contra certa visão de tempo que ele sabia (consciente como
era pelo menos das mais amplas implicações dos trabalhos de
Einstein) desnecessariamente estreita e antiquada, e
escreveu a respeito de maneira a incitar a imaginação de
pessoas que não poderiam chegar a essa nova visão do
Tempo através das equações, na época quase
incompreensíveis, de Einstein.
Dunne expunha sua própria Teoria do Tempo Seriado que
tinha como ponto de partida a característica óbvia de uma
consciência de si mesmo bastante reflexiva. Por exemplo: se
X tem a consciência das palavras impressas na página de um
livro, existe também um aspecto de X que está consciente de
sua consciência sobre estas palavras, e assim por diante. Ele
sugeria o mesmo para a estrutura do Tempo.
Em sua Teoria do Tempo Seriado, Dunne sugere a existência
de muitas dimensões do Tempo, que têm um caráter idêntico
às numerosas camadas potenciais de consciência de si
mesmo, de maneira que algo que estivesse acontecendo na
dimensão A do Tempo por sua vez poderia ser visto a partir
da perspectiva da dimensão B do Tempo, que por sua vez
poderia ser visto a partir da perspectiva da dimensão C do
Tempo e assim por diante em infinito retrocesso a algum
Tempo Absoluto de onde todo o universo está exposto de um
ponto de vista de Deus. Além disso, Dunne também propõe a
idéia de que, enquanto nossa vida acontece na dimensão A do
Tempo, quando adormecemos e sonhamos temos acesso às
dimensões mais elevadas do Tempo. E assim, quando
estamos sonhando, seria perfeitamente natural que um fato
que parece ainda não haver acontecido na perspectiva da
dimensão A do Tempo seria visível ao nível da consciência
que o estivesse abordando da perspectiva da dimensão B do
Tempo. Ao acordar, pensaríamos haver sentido um
"acontecimento futuro", porque ele realmente está no
"futuro" em relação à limitada dimensão de Tempo em que
estamos acordados.
A Teoria do Tempo Seriado de Dunne é rejeitada
universalmente como especulação metafísica um tanto
confusa. Ela não tem base alguma em ciência e, como teoria
de como funciona a precognição, ainda tem o ponto fraco
suplementar de poder lidar apenas com os sonhos
precognitivos e não com todo o espectro de casos registrados.
Mas An Experiment with Time terá sempre um lugar na
prateleira dos pesquisadores psíquicos pelas questões que
levanta e pela aplicada catalogação feita por Dunne de
sonhos precognitivos - em grande parte bastante mundanos
(e talvez, até por isso mesmo, tanto mais acreditáveis).
O método que ele usou foi, a princípio, muito simples.
Levando a sério a preocupação de Frank Podmore sobre o uso
de material de sonhos como prova para qualquer tipo de
capacidade precognitiva, porque as ''impressões ilusórias" de
nossos sonhos são esquecidas prontamente ou então
parcialmente lembradas e depois enfeitadas conforme a
nossa , realidade quando despertos. Dunne recomendava a
seus leitores que, dormissem com um bloco de anotações e
um lápis debaixo do travesseiro. Então "imediatamente ao
acordar, até mesmo antes de conseguir abrir os olhos, ponha-
se a lembrar o sonho, que tende a desaparecer tão depressa".
Infelizmente para Dunne e seu trabalho, ele esqueceu de
tomar a precaução - também muito simples - de fazer com
que seu bloco de anotações de sonhos fosse testemunhado a
cada dia por alguma outra pessoa, o que fez com que
perdesse a confiança da Sociedade para a Pesquisa Psíquica,
que exige esse tipo de testemunho como padrão de prática.
Dunne, entretanto, descreveu na íntegra muitos dos sonhos
que registrava tão meticulosamente e depois colocava essas
descrições ao lado de suas continuações aparentemente
positivas. Por exemplo, em 1901, adoentado durante a Guerra
dos Boers e descansando num lugarejo próximo de Cartum,
sonhou com três homens vestidos com roupas cáquis
desbotadas que vinham chegando da África do Sul,
visivelmente a pé. Achando estranho que alguém viesse
caminhando de tão longe, foi interrogá-los e um deles disse:
"Viemos desde o Cabo (andando a pé)". No dia seguinte, na
hora do café da manhã, Dunne leu a seguinte manchete no
jornal: DO CABO PARA O CAIRO, A EXPEDIÇÃO DO DAILY
TELEGRAPH EM CARTUM. A matéria começava com as
palavras: A expedição do Daily Telegraph chega em Cartum
depois de magnífica viagem...
Em 1902, acampado com a 6ª. Infantaria Montada no Estado
livre de Orange, na África do Sul, Dunne sonhou com uma ilha
que corria o iminente perigo de uma erupção vulcânica. Ele
viu as pequenas fissuras abrindo-se nas encostas do vulcão,
os jatos de vapor jorrando. Dunne "sabia" tratar-se de uma
ilha sob domínio francês e tinha plena consciência de que se
as autoridades não agissem rapidamente, evacuando os
nativos, 4.000 pessoas poderiam perder a vida. Poucos dias
depois, quando o regimento recebeu a correspondência e os
jornais, ali estava: DESASTRE VULCÂNICO NA MARTINICA,
CIDADE VARRIDA DO MAPA, AVALANCHE DE CHAMAS, PERDA
PROVÁVEL DE MAIS DE 40.000 VIDAS. (Os 4.000 estavam
errados, faltava um zero; mas Dunne insistia ter lido errado a
reportagem do jornal e durante muito tempo achou que
teriam sido 4.000 e não 40.000 as vítimas.)
Outros sonhos de Dunne eram mais corriqueiros. Sonhou com
uma combinação de segredo, e, no dia seguinte, viu aquela
combinação num livro; sonhou com uma pilha de moedas em
cima de um livro, e, no dia seguinte, viu exatamente a mesma
pilha naquela mesma posição; sonhou com uma porção de
faíscas vindo em direção a seu rosto de uma ponta de cigarro
(como ele julgou), e, no dia seguinte, enquanto soprava um
fogo, uma porção de faíscas veio em direção a seu rosto. E
assim por diante...
Quando percebeu pela primeira vez que sonhava com
pedaços do futuro antes que acontecessem, Dunne ficou
perturbado. "Ninguém poderia sentir algum prazer especial
partindo do princípio de ser um maluco", escreveu. Começou
a alimentar a noção de que deveria ser portador de alguma
anormalidade mental:

Aparentemente eu estava sofrendo de algum defeito muito


extraordinário em minha relação com a realidade, alguma
coisa tão estranhamente errada que me compelia a perceber,
em períodos de tempo intermitentes, grandes blocos de
experiências pessoais que seriam perfeitamente normais se
não estivessem deslocadas de suas posições certas no
Tempo. Que coisas assim pudessem acontecer já era algo
muito interessante, mas, infelizmente, em circunstâncias tais
que elas só poderiam ser sabidas por uma única pessoa. Eu
mesmo.

No entanto, como veremos, encarar uma faculdade


semelhante à capacidade precognitiva como aberração
mental é uma explicação colocada de lado por alguns
psicólogos que já a encontraram alguma vez. O próprio Dunne
logo abandonou a idéia de ser anormal. J. B. Priestley
concorda com isso. Em seu Man and Time, descreve Dunne
como "tão distante da idéia do vidente, do sábio, do
excêntrico ou do maluco quanto se possa imaginar...
Pertencia à seção militar da velha classe aristocrática inglesa
e tinha sua maneira de falar aos saltos e não muito articulada.
Ele parecia e se comportava como um velho estereótipo de
oficial misturado com um matemático e um engenheiro."
Para seu grande alívio, Dunne logo descobriu que outras
pessoas falavam de sonhos precognitivos e já ia começando a
acreditar que todo mundo tivesse, consciente ou
inconscientemente, essa experiência. Todos os sonhos,
concluía, são uma mistura de imagens do passado e imagens
do futuro, e certo conhecimento do futuro é um aspecto de
nossa constituição mental.
Além do papel que seu livro desempenhou para tornar a
precognição aceitável a um público mais amplo do que de
outra forma aconteceria, o trabalho de Dunne é importante
em outro aspecto. Esse seu catálogo de sonhos proporcionou
material escrito bastante detalhado, o que tornou possível
analisar até certo ponto a natureza de seu conteúdo
precognitivo. Agindo assim, ele observou que muitas vezes
suas previsões focalizavam coisas como páginas de livros ou
manchetes de jornais. Isso levantava a suposição de que o
que quer que ele tivesse visto antes não seriam realmente
acontecimentos futuros, mas suas próprias percepções
futuras daqueles acontecimentos. Uma tal possibilidade tem
importância nas diversas tentativas para se levar adiante uma
teoria física de como funciona a precognição.
O lastimável sobre o excelente trabalho de Dunne (não fora
por isso) é essa ausência de testemunhos que o teria
colocado acima de qualquer suspeita. Em 1933, a Sociedade
para a Pesquisa Psíquica tentou repetir a experiência de
Dunne sob as condições necessárias de testemunhos. Um
total de 430 sonhos foram ouvidos e registrados, mas o
resultado de sua comparação com quaisquer acontecimentos
reais revelou-se bastante pobre - simplesmente não se
encontravam correspondências dignas de nota entre os
materiais de sonhos registrados e os fatos que aconteciam
em estado desperto.
As Experiências em Laboratório de Sargent &
Harley
Muito recentemente (em 1981), pesquisadores da
Universidade de Cambridge elaboraram uma variação das
experiências com sonhos de Dunne obtendo um aparente
êxito. Trabalhando no laboratório de psicologia, o dr. Carl
Sargent (o primeiro PhD em parapsicologia de Cambridge de
todos os tempos) e seu colega Trevor Hadey fizeram 44
experiências em laboratório para testar a precognição; vinte
foram experiências com pessoas sonhando e 24 com pessoas
que se submeteram a uma forma suave de privação sensorial
chamada "estado de Ganzfeld".
No estado de Ganzfeld, todos os canais sensoriais normais
associados ao pensamento comum ficam bloqueados. O
indivíduo a ser pesquisado relaxa numa cadeira reclinada
enquanto seus olhos são cobertos com meias bolas de
pingue-pongue que permitem que uma espécie de neblina
branca uniforme passe a afetar a retina; seus ouvidos são
cobertos com fones pelos quais um "ruído puro" é transmitido.
O ruído puro (uma combinação de todas as freqüências
auditivas) tem um som como o de um suave chiado de fritura
contínua e tende a dispersar pensamentos organizados.
No caso das experiências com sonhos, o método da equipe de
Cambridge era pedir a algumas das pessoas pesquisadas que
fizessem um registro por escrito de seus sonhos
imediatamente ao acordar. Os sonhos assim transcritos eram
então "comparados" por um pesquisador para observar
qualquer semelhança com uma de quatro possíveis fotos
impressas num conjunto de cartões. (Havia um total de
duzentos cartões, com cinqüenta de cada foto.) As
semelhanças entre os sonhos relatados e os cartões eram
assinaladas pela ordem de preferência, conforme a
correspondência de cada foto e o conteúdo dos sonhos, sendo
essa ordem anotada.
No dia seguinte, depois de feita a comparação e a anotação
pela ordem, outro cartão (usando tabelas de números
também aleatórios) era selecionado ao acaso de um pacote
de duzentos, por uma máquina, e então Sargent e Hadey
comparavam o cartão selecionado e as correlações do dia
anterior entre a imagem dos sonhos e a do cartão. A
expectativa de risco de que houvesse alguma correlação
entre a imagem do sonho e a do cartão que estivesse em
cima (pois havia quatro tipos diferentes) seria de 1 para 4, ou
25%. Mas, na verdade, Sargent e Harley acabaram
descobrindo haver urna correlação bem mais elevada: 40%
das pessoas que sonhavam viam em seus sonhos algo
parecido com a foto do cartão do dia seguinte (e 41,7% das
pessoas com privação sensorial também).
As Experiências de J. B. Rhine
Em termos de método e conteúdo, o trabalho de laboratório
de Cambridge, realizado na década de 80, tão diferente da
abordagem de "estudo doméstico" de Dunne, fora antecipado
em meio século pelo trabalho pioneiro de J. B. Rhine. Atuando
quase sozinho Rhine foi o responsável pela criação de toda a
nova ciência da parapsicologia. Somente depois de ele haver
oficialmente fundado a primeira unidade de pesquisa
acadêmica em 1932 - seu Laboratório Psicológico na Duke
University - é que a parapsicologia tornou-se uma significativa
pesquisa sistemática.
Embora ainda haja discussão sobre o valor desse
empreendimento e controvérsia a respeito do real significado
de seus resultados dentro e fora dos círculos de pesquisa
psíquica, muitas universidades pelo mundo inteiro incluem
hoje em seus currículos programas de PES; proliferam jornais
e revistas profissionais e semiprofissionais, e até mesmo os
governos entraram nesse campo. Estados Unidos e União
Soviética parecem estar preparados para incluir a
parapsicologia no arsenal de armas em potencial em seu
estoque para a grande corrida armamentista.
As pesquisas de J. B. Rhine, inicialmente na Duke University,
foram dirigidas para desenvolver testes de laboratório com o
objetivo de provar de uma vez por todas a existência da
telepatia; e nisso ele foi extraordinariamente bem-sucedido.
Desenvolveu um programa de experiências de
reconhecimento de um cartão em que uma pessoa deveria
adivinhar, de maneira telepática, qual de cinco possíveis
desenhos em cartão estaria sendo manipulado por um técnico
do laboratório. Os resultados atingidos estavam bem acima
de qualquer expectativa. Ironicamente, foi em resposta direta
a estas experiências telepáticas que surgiu o primeiro estudo
realmente metodizado sobre a precognição jamais levado a
efeito em condições de laboratório, o que aconteceu
acidentalmente.
As Experiências de Soal-Shackleton
Em 1934, S. G. Soal, um professor-adjunto de matemática no
Queen Mary College de Londres e membro do Conselho da
Sociedade para a Pesquisa Psíquica (mais tarde, seu
presidente), tinha a esperança de conseguir duplicar os
impressionantes resultados telepáticos na adivinhação dos
cartões obtidos por Rhine e seus colegas na Duke University.
Colocou um anúncio em vários jornais londrinos solicitando
pessoas que se dispusessem ao teste; oferecia uma
recompensa para qualquer uma que pudesse adivinhar
corretamente doze de cada 25 cartões.
Os cartões de Soal, como os usados por Rhine, eram cartões
de Zener com desenhos de círculos, quadrados, sinais de
somar, linhas onduladas e estrelas. Cada pacote de 25
cartões continha cinco cartões com cada um dos símbolos e,
segundo a expectativa do acaso, uma pessoa poderia ser
capaz de adivinhar corretamente 20% do total da experiência
ou seja, teria uma capacidade de adivinhar corretamente
cinco cartões. A proporção para a pessoa que preenchesse as
exigências de Soal, de adivinhar corretamente doze em cada
25, é de mil por um.
Na experiência, a pessoa sentava-se de um lado de um painel
opaco, e o dr. Soal sentava-se do outro lado, virando os
cartões um a um enquanto eles iam sendo selecionados por
um processo de embaralhamento automático. Da mesma
forma que Rhine, Soal anotava meticulosamente as respostas
da pessoa comparando-as com os resultados que deveriam
ter sido obtidos pelo acaso.
Mas, ao contrário de Rhine, Soal parece não ter tido nenhum
êxito na demonstração da existência da telepatia. Durante
quatro anos, 160 pessoas e 128.350 adivinhações em
separado não produziram mais que os resultados esperados
pelo acaso. Comunicou sua frustração a Rhine, cuja esposa,
Louisa, comentou:
"Ele estava a ponto de chegar à conclusão de que ou as
pesquisas americanas eram falsas ou os ingleses não têm
PES..."
Whately Carington, um amigo de Soal e seu colega na
pesquisa PES, expôs uma possível explicação diferente para o
fato. Em suas experiências com a telepatia, Carington notou
um "deslocamento no tempo" nas adivinhações das pessoas,
e supôs que o mesmo devia ter acontecido com os dados de
Soal. Sugeriu que Soal fizesse uma nova análise de seus
resultados, desta vez observando não as adivinhações diretas
mas as que se relacionassem diretamente com o próximo
cartão. Esta análise representa resultados completamente
diferentes. No caso de uma pessoa em particular, o fotógrafo
Basil Shackleton, essa nova maneira de analisar a experiência
produziu resultados tão impressionantes, que a possibilidade
de ter acontecido por acaso era de bilhões por um. Sem
pretender isso, Soal havia aparentemente obtido uma prova
experimental devastadora para a precognição: enquanto
Shackleton mostrara uma paupérrima incapacidade telepática
para a adivinhação do cartão que acabara de ser virado, ele
parecia demonstrar um notável talento para adivinhar
precognitivamente o cartão que estava por ser virado ainda.
Nem Soal nem seus ajudantes poderiam saber do cartão com
antecedência, pois o pacote era embaralhado
automaticamente por máquina e, assim, a ordem em que os
cartões sairiam só era "conhecida" por aquela máquina.
Soal ficou tão impressionado com a nova interpretação de
seus dados que preparou outra série de experiências
adivinhatórias com cartões, mais prolongada, para usar com
Shackleton; este sabia, dessa vez, que o cientista procurava
uma prova para a precognição em vez da telepatia. Soal era
assistido por sua colega, sra. K. M. Goldney, e por muitos
cientistas respeitados da Sociedade para a Pesquisa Psíquica
inglesa. Os resultados do novo teste foram semelhantes:
Shackleton demonstrou capacidades precognitivas muito
além de qualquer coisa que pudesse ser explicada pelo acaso.
Em conseqüência disso, percebeu-se, o "bicho-papão" da
pesquisa PES deveria ser investigado a sério, embora poucos
daqueles que conduziam essa pesquisa gostassem da idéia.
Como dizia Rhine: "A precognição simplesmente não pode ser
física em qualquer sentido que a palavra tenha hoje!
Realmente, o simples antagonismo que ela apresenta em
relação à seqüência causal em que normalmente vemos as
coisas acontecerem na natureza faz dela ao mesmo tempo
uma glória e um proscrito da ciência". Mas, fascinado por este
"proscrito da ciência", e ciente de suas implicações notáveis,
Rhine devia tratar de testar isso com a maior assiduidade e o
maior rigor científico de que sua equipe fosse capaz.
O método foi alterado, pois se haviam levantado objeções a
qualquer método conhecido de administração dos testes.
Embaralhadores humanos de cartões substituíram as
máquinas, e as tabelas de números casuais da matemática
foram utilizadas para gerar seqüências inteiramente ao acaso
para o posicionamento dos cartões no pacote. Mas, não
importando as sofisticações que tenham sido acrescentadas
no laboratório de Rhine e em muitos outros dos Estados
Unidos e da Inglaterra, as adivinhações precognitivas das
pessoas continuaram a ser registradas com êxito que ia muito
além do acaso. Em 1948, Rhine chegou à conclusão de que,
afinal de contas, se a telepatia fosse possível (no que ele
acreditava sem a menor sombra de dúvida), daí se seguia que
a possibilidade da precognição não era tão imprevista:
A evidência que obtivemos no outono de 1933, referente à
relação entre a percepção extra-sensorial e o mundo físico,
faz da PES de acontecimentos futuros um corolário razoável,
quando não, logicamente necessário. A concepção de que a
mente possa transcender as limitações do tempo aparece
como uma conseqüência natural de testes de distância com a
PES. Pois, se a PES é livre no espaço, ela também deve ser
livre no tempo dentro de nosso universo espaço-tempo da
física. O tempo é uma função de mutação espacial, ou seja, o
movimento físico no espaço exige tempo, portanto estar fora
do espaço também é estar fora do tempo. A percepção de
acontecimentos passados ou futuros estaria também alinhada
com a percepção de acontecimentos distantes.

Mas há uma estranha ironia na transposição de Rhine, que


surgiu como que através do trabalho realizado em resposta
aos resultados, visivelmente impressionantes das
experiências de Soal com Basil Shackleton. Ao final da década
de 70, veio à luz uma nova evidência que sugeria que os
últimos resultados de Soal-Shackleton podiam ter sido
falseados. Sem dúvida, essa nova evidência demonstrava que
no mínimo Soal havia manipulado seus dados experimentais
de maneira a deixar que o desempenho de Shackleton
parecesse mais definitivo do que teria sido na verdade.
A controvérsia envolvendo essa descoberta ainda continua e
talvez nunca se consiga determinar de uma vez por todas que
Shackleton não tinha nenhuma capacidade PES e assim toda
a experiência seria uma mentira, ou se Soal apenas "enfeitou"
seus dados, para apresentar um quadro regular e consistente
quando, na verdade, Shackleton - um homem de humores
imprevisíveis - teria sido irregular em seu rendimento na PES.
Qualquer interpretação que se adote, entretanto, deixará o
trabalho de Soal debaixo de uma permanente sombra de
dúvida; ainda assim, talvez tenha sido este mesmo esforço
fraudulento que inspirou o trabalho muito mais confiável
realizado a seguir por Rhine e outros.
Existem muitos outros projetos sobre a pesquisa da
precognição que poderiam ser mencionados, a maioria dos
quais utilizando alguma variação da adivinhação de cartões.
Este trabalho experimental multiplica-se por si mesmo, no
sentido de que, quanto mais provas são reunidas sobre a
precognição, mais cientistas e psicólogos se sentem impelidos
a submetê-las ao exame minucioso de laboratório. Mas
existem ainda três exemplos de pesquisa especialmente
interessantes, por serem diferentes do teste padrão de
adivinhação de cartões e porque talvez possam ajudar a
lançar alguma luz sobre como a precognição - se é que existe
funciona realmente.
As Experiências de Stanford
Afastando-se radicalmente do trabalho de adivinhação de
cartões, Russell Targ e Harold Puthoff, dois físicos do Instituto
de Pesquisas de Stanford, apresentaram alguns resultados
impressionantes de suas pesquisas sobre visão precognitiva
em situações da vida real.
Entre 1976 e 1977, Targ e Puthoff fizeram quatro experiências
envolvendo uma pessoa com capacidade precognitiva (Hella
Hammid), que permanecia dentro do laboratório enquanto
companheiros pesquisadores eram enviados a localidades por
eles anteriormente desconhecidas em veículos motorizados. A
finalidade da experiência era verificar se a pessoa no
laboratório poderia descrever, antecipadamente, detalhes
visuais do lugar a ser visitado pelos assistentes da pesquisa
em viagem.
Como parte dos "controles" internos das experiências Targ-
Puthoff, os assistentes viajantes não tinham a menor idéia
antecipada do destino para onde iriam. O objetivo de mantê-
los na ignorância desse detalhe era excluir qualquer
possibilidade de telepatia entre eles e a pessoa no
laboratório. Em vez disso, os assistentes saíam do laboratório
carregando dez envelopes selados, cada um contendo
instruções de viagens para algum lugar diferente. Os
envelopes haviam sido selecionados de um conjunto muito
maior de envelopes idênticos por meio de sorteio de números
aleatórios.
Quinze minutos antes que os pesquisadores viajantes
abrissem um de seus dez envelopes (cada um dos quais seria
escolhido também por um sorteio de números aleatórios),
pedia-se à pessoa no laboratório que descrevesse ou desse
algum detalhe visual que ela pudesse "pegar" dos lugares
para onde os pesquisadores estavam prestes a ir. Trinta
minutos depois de ela ter feito as adivinhações e apenas
quinze minutos depois de saber seus próprios destinos, os
pesquisadores chegariam a algum desses pontos pré-
selecionados.
Mais tarde, pedia-se a cientistas que não tivessem nenhuma
relação prévia com a experiência que comparassem detalhes
das descrições precognitivas da pessoa no laboratório e
detalhes fotográficos dos lugares realmente visitados. Uma
detalhada correspondência entre as descrições precognitivas
e os lugares reais (a marina de Palo Alto, o Stanford University
Hospital Garden, uma área de recreação para crianças, e a
Prefeitura de Palo Alto) estava muito acima de qualquer coisa
que pudesse ser explicada por sorte ou por alguma
"coincidência" e pareceu, satisfazer aos rigorosos critérios dos
envolvidos, demonstrando que houvera uma autêntica
precognição.
O mesmo tipo de pesquisa precognitiva, como a planejada por
Targ e Puthoff, foi desde então realizada no Mundelein
College em Chicago por uma equipe de psicólogos, com
resultados semelhantes visivelmente bem-sucedidos, embora
o prof. John Taylor tenha levantado alguma dúvida sobre o
significado destes testes a longa distância, baseado no fato
de que a comparação feita por uma terceira pessoa sobre um
dado local e a descrição que a pessoa fizera do mesmo por si
só envolveria um grau muito elevado de avaliação subjetiva.
Essa mesma crítica foi levantada por dois pesquisadores da
Nova Zelândia, D. Marks e R. Kammann, numa carta para a
revista Nature questionando alguns dos experimentos de
Stanford e mostrando que o que sentiam ser uma prova, em
pelo menos um caso, o pesquisador havia proporcionado
pistas exteriores que podem ter ajudado às terceiras pessoas
a comparar as descrições com os locais visados.
Respondendo a essa crítica, Targ, Puthoff e seu colega
Charles Tart prepararam as transcrições em questão, para
remover todas as pistas em potencial mencionadas por Marks
e Kammann em sua carta. Depois submeteram toda a série
preparada a um novo júri independente que ainda assim
conseguiu juntar sete em cada dez das descrições "a longa
distância" com os lugares reais. Isso levou a equipe de
Stanford a concluir o seguinte:

... Com base num teste empírico realizado de maneira


independente, consideramos sem valor as conjecturas de
Marks-Kammann de que o êxito do primeiro estudo publicado
sobre a visão a distância devesse ser atribuído a pistas em
vez de a verdadeiras correlações entre as descrições e os
locais.
Experiências de Nível Quântico no Texas
Na que é talvez a mais interessante e promissora variação da
técnica de adivinhação de cartões até hoje planejada para a
pesquisa da precognição, o físico dr. Helmut Schmidt - que foi
diretor do laboratório de Rhine na década de 70 e hoje
trabalha na Fundação para a Ciência da Mente, em San
Antonio, Texas - elaborou uma série de -experiências
envolvendo luzes disparadas por processos subatômicos.
Como essa técnica utiliza acontecimentos em nível quântico
gerados pelo processo de diminuição fortuita de radiação de
átomos, é de longe a pesquisa mais importante hoje
disponível para as tentativas de se explicar o funcionamento
da precognição.
O trabalho de Schmidt exigiu o projeto de um novo aparelho
eletrônico, uma caixa com quatro lâmpadas ligadas a botões
para ligar/desligar. Os botões estavam ligados a um gerador
de números ao acaso que poderia decidir arbitrariamente
ligar a lâmpada 1,2,3 ou 4, e o próprio gerador estava ligado,
por meio de um circuito complexo, a um tipo de diminuidor de
radiação ionizante ativado por estrôncio-90. Assim, o único
controle possível sobre qual das quatro lâmpadas na caixa de
Schmidt seria acesa a seguir era o processo de diminuição
radioativa inteiramente fortuito do estrôncio-90. Sua
experiência consistiu em pedir a um indivíduo pesquisado que
adivinhasse qual das lâmpadas iria acender da próxima vez, e
anotar sua resposta apertando o botão que estivesse ligado
àquela lâmpada.
Nas experiências de Helmut Schmidt, o imprevisível processo
de diminuição radioativa do estrôncio-90 é usado para gerar
um sinal casual que irá acender arbitrariamente uma das
quatro lâmpadas. Pede-se ao indivíduo que está sendo
pesquisado que diga qual das quatro lâmpadas será a
próxima a acender, apertando um dos quatro botões ligados
às lâmpadas e seu erro ou acerto é registrado no contador à
direita.

Os resultados da experiência de Schmidt parecem - e muitos


parapsicólogos assim consideram - uma prova conclusiva de
que algumas pessoas podem realmente ver um fato antes
que ele aconteça. Em 7.600 tentativas feitas com um único
indivíduo, um físico, ele acertou qual lâmpada seria a próxima
a acender 37,7% das vezes (e as proporções contra o acaso
de um tal resultado seriam de 10 bilhões para 1) quando a
expectativa do caso seria de que ele pudesse ter acertado
apenas 25% das vezes (porque havia quatro lâmpadas). Mas
quando a experiência foi ampliada, incluindo três indivíduos
que responderam 63.000 vezes, o nível de acerto caiu para
26,1 % - um pouco acima do acaso, mas não muito. Em outra
experiência, onde três indivíduos responderam um total de
20.000 vezes para quatro séries de tentativas, seu índice de
êxito foi de apenas 0,25%. Então, o que estaria acontecendo?
Chegaremos à conclusão de que os aparentemente
impressionantes resultados de Schmidt na verdade nada
representariam num exame mais minucioso? Verificar essas
questões poderá lançar alguma luz sobre o que fazer com o
conjunto global de resultados obtidos na parapsicologia
experimental e também esclarecerá uma razão pela qual todo
o campo ainda é tão controverso, apesar de todas as
armadilhas científicas.
Na última experiência discutida acima, em que Schmidt fazia
os indivíduos responderem que luz iria acender-se a seguir
num total de 20.000 vezes, na verdade a experiência falhou
em quatro tentativas separadas de 5.000 perguntas cada
uma. Em duas dessas experiências, as pessoas responderam
acertadamente numa significativa proporção acima da
expectativa do acaso; nas outras duas, as respostas
acertadas estavam significativamente abaixo do acaso.
Assim, em cada uma dessas tentativas consideradas em
separado, algo notável poderia ter parecido acontecer,
embora os fatos notáveis fossem um tanto irregulares e até
opostos em seus efeitos - e isso devido à natureza irregular
da maioria dos resultados obtidos em laboratórios de
parapsicologia, onde os pesquisadores confiam tanto em
quadros elaborados através de médias estatísticas. E assim,
enquanto as médias estatísticas individuais de cada uma das
quatro tentativas de Schmidt, se vistas em separado, podem
parecer impressionantes, quando os resultados das quatro
tentativas são somados essa aparência significativa tende a
desaparecer.
E tudo isso nos leva de volta à espinhosa questão do muito
importante instrumental das estatísticas, que estaria sendo
utilizado pelos parapsicólogos para apresentar a verdade
sobre grandes séries de experiências individuais irregulares
(como os adeptos da parapsicologia experimental poderiam
reivindicar), ou se, de fato, as médias estatísticas estão sendo
manipuladas (talvez não intencionalmente) de maneira a
fazer com que resultados insignificantes pareçam
importantes.
Um matemático de Oxford, G. Spencer Brown, manifestou-se
afinal sobre o assunto, argumentando que, de seu ponto de
vista, dados "estatisticamente significantes" de pesquisas
psíquicas não são mais significativos que um indicador geral
daquilo que os pesquisadores possam estar visando. Ele sente
que as experiências parapsicológicas que pretendem estudar
a comunicação extra-sensorial "degeneraram, na maioria dos
casos, em experiências da mais simples probabilidade", e
dedica uma boa parte de sua análise aos equívocos de
raciocínio que estão por trás de noções como as condições de
acaso e médias estatísticas.
Brown observa que, por trás do aparentemente importante
aspecto de "médias estatísticas significativas" como as
apresentadas por Schmidt, existem sempre e apenas os
constantes fluxos de novos fenômenos irregulares, e nunca
(com raras exceções) resultados autenticamente repetitivos,
que são um critério padrão para qualquer experiência
científica de boa qualidade.
Poder-se-ia argumentar, naturalmente, que todo o padrão de
repetitividade e boa parte de outros parâmetros
experimentais, tão importantes para a corrente predominante
da ciência, são inadequados para os fenômenos com os quais
o parapsicólogo deve lidar. Neste caso, seria melhor se mais
parapsicólogos experimentais admitissem isso (como muito
poucos já fizeram). Este reconhecimento aberto - embora
possa disseminar ainda mais controvérsias - pelo menos teria
a vantagem de liquidar com a bastante comum acusação de
céticos que argumentam que a parapsicologia experimental
finca pé deliberadamente numa "confusão pseudocientífica".
Levantamento do Fator Tempo na
Precognição
Numa pesquisa de um gênero muito diferente, mais para
estudar do que para demonstrar a precognição, um psicólogo
clínico inglês, J. E. Orme, do Serviço Psicológico da região de
Sheffield, tomou a iniciativa de compilar um levantamento de
148 casos isolados de precognição espontânea. Ele tinha a
esperança de poder observar algumas tendências ou direções
a partir de um número tão grande de casos.
A pesquisa de Orme enfatiza algumas tendências úteis para a
classificação de experiências precognitivas segundo o
conteúdo da experiência ou o estado (sonho, transe, visão em
estado desperto etc.) do sensitivo. Mas o impulso mais
importante de seu levantamento foi a medição do fator tempo
no fenômeno precognitivo - a quantidade de tempo que se
passava entre a visão precognitiva e o acontecimento real do
fato previsto. Seus resultados constituem uma das mais
sólidas contribuições no sentido de proporcionar uma base
para a compreensão da verdadeira mecânica da precognição.
Orme retirou seus exemplos de precognição de quatro fontes,
todas consideradas clássicas neste campo: tomou 48 das
experiências descritas por Dunne em seu An Experiment with
Time, 41 do estudo de Barker sobre o desastre de Aberfan, 30
de Some Cases of Prediction de E. Lyttelton e 29 de
Foreknowledge de H.F.Saltmarsh. Todas, menos as
experiências de Dunne, foram confrontadas com provas
corroborativas de testemunhas e as narrativas de Dunne em
geral são vistas como honestas - quando por nenhuma outra
razão, pelo simples fato de serem tão corriqueiras. (Se ele
fosse inventar experiências precognitivas, segundo a
argumentação, certamente teria inventado coisas mais
interessantes!)
Das 148 experiências estudadas por Orme, 57 (ou 38,5%)
aconteceram dentro de 24 horas a partir do momento da
previsão, 14 (9,5%) nas 24 horas seguintes e o resto ia
gradualmente caindo conforme aumentava a distância entre a
previsão e o fato. Apenas 42 aconteceram no espaço de uma
quinzena da previsão, e somente 7 mostravam um intervalo
de tempo de mais de um ano.

Orme fez um mapeamento do fator Tempo em 148 casos de


precognição espontânea e os resultados estão ilustrados de
maneira notável em forma condensada nesta tabela que
demonstra que o maior número de precognições ocorreu
dentro de um espaço de tempo muito pequeno antes do
previsto.
Em espaços de tempo mais longos entre a previsão e o fato
acontecido, cada vez menos precognições são registradas.
(Tabela do Journal of the Society of Psychical Research, vol.
47, no. 760.)
No estudo de Orme, experiências precognitivas em sonhos ou
em estado desperto dependiam do tempo, e estas últimas
eram obviamente mais numerosas. Isso corrobora relatos de
duas outras fontes. Em seu The Roots of Coincidente, Arthur
Koestler menciona que as experiências de adivinhação de
cartões de Soal com Basil Shackleton e as previsões feitas por
este último (se não fossem todas elas falsificadas) seriam
mais exatas se o intervalo entre os acertos e as respostas
fosse de 2,6 segundos. Se o índice de tempo para virar as
cartas fosse o dobro, proporcionando intervalo de tempo de
apenas 1,4 segundo, Shackleton mostraria então uma
tendência para acertar qual a carta que seria virada após
duas viradas. Esse resultado implica uma constância ou um
período mais favorável do espaço de tempo entre a previsão e
o fato, o que não necessariamente está de acordo com a tese
de que as precognições são mais freqüentes em intervalos
mais curtos; mas, dada a natureza suspeita dos dados de
Soal, não é possível saber se essa constância era real ou
inventada no caso de Shackleton.
Também é verdade que no exemplo das predições na roleta
da srta. H. R., ela contava que seus ''lampejos'' de previsão
sempre ocorriam no muito breve intervalo de tempo entre o
instante em que a bola deixava a mão do crupiê e sua parada
em determinada fresta, "geralmente naquele rasgo de
segundo que vem logo antes de o crupiê gritar jogo feito".
Assim, o caso dela, se válido, iria apoiar a conclusão de Orme
de que "a precognição se refere a acontecimentos próximos
no tempo em vez dos que estão distantes..."
Da mesma forma a reivindicação de Orme de que "a natureza
muito próxima entre a incidência e a distância no tempo
poderia muito bem sugerir que esta característica indica algo
fundamental sobre a natureza da precognição", é verdade
também que poderia ser melhor apreciada depois de se
observar suas possíveis ligações entre acontecimentos
precognitivos e acontecimentos subatômicos como os que a
física quântica descreve (ver Capítulo 12).
SEGUNDA PARTE
QUEM TEM A PRECOGNIÇÃO?

5. A PRECOGNIÇÃO NOS ANIMAIS

No início de seu clássico estudo sobre coincidências


significativas, Jung conta a expressiva história da morte de
um paciente, aparentemente prevista por um bando de aves.
Suspeitando que seu paciente apresentava leves sintomas
cardíacos, Jung recomendou-lhe consultar um especialista.
Pouco depois de o homem sair de casa para esse encontro,
sua esposa percebeu, alarmada, que um enorme bando de
aves pousara no telhado de sua residência. A chegada dos
pássaros parecia-lhe agourenta pois a morte de sua mãe e de
sua avó haviam sido anunciadas por semelhantes bandos de
pássaros, que permaneceram como que em vigília do lado de
fora da câmara da morte. Horas depois, apesar de o médico
ter emitido um atestado de saúde, o homem teve um colapso
na rua e foi levado morto para casa.
Histórias como essa não são incomuns. Um psicanalista
americano conta um incidente semelhante em relação a seu
jardineiro. Certa tarde, enquanto os dois conversavam no
jardim da mãe do jardineiro, um tordo despencou do céu,
bateu na capota de um automóvel e caiu morto a seus pés. O
jardineiro viu nisso um presságio e saiu correndo para casa,
apenas a tempo de ver sua mãe morrer.
Escrevendo logo depois da fundação da Sociedade para a
Pesquisa Psíquica, Frank Podmore conta a história da filha de
um médico que durante muitos dias antes de uma morte na
família viu um passarinho estranho, esguio e gracioso, com
uma cabecinha muito pequena, cinza-azulado. Durante essas
visitas, o passarinho batia na janela da casa e sujava o vidro
da janela com suas patas. Depois da morte, o passarinho
continuou suas visitas até o enterro e depois nunca mais
voltou.
Plutarco nos conta que um dia antes da morte de César
"espécies de pássaros solitários começaram a voar dentro do
fórum", e Suetônio nos pinta um quadro ainda mais vivo
narrando que ''um passarinho, chamado pássaro-rei voou
para dentro do palácio de Pompéia com um raminho de louro
em seu bico, seguido por um bando de pássaros diferentes
provenientes de um bosque vizinho, e o partiram em pedaços
ali mesmo". Ovídio também escreve a respeito: "Em mil
lugares a coruja-torre deu um aviso agourento e os cães
uivaram durante a noite".
Existe pelo menos uma história relacionada aos momentos
que precederam a morte de Abraham Lincoln: o cachorro do
presidente teria começado a correr por dentro da Casa
Branca, "como que em delírio e uivando continuamente de
modo fúnebre". Antropólogos que trabalharam entre os
aborígines australianos contam que eles acreditam que o
primeiro sinal da morte de um parente é a visão de um
pássaro ou um animal que seria o espírito-guia (totem) da
pessoa.
Na verdade, em toda a literatura, alguns dos mais vivos e
impressionantes relatos sobre capacidades precognitivas e
outras supostas faculdades de PES referem-se ao
comportamento de animais, pássaros e insetos; há mesmo
um ponto de vista amplamente difundido segundo o qual tais
criaturas muitas vezes são dotadas de uma "segunda visão".
Essa convicção é tão antiga quanto a história de nossa
espécie. Nos mitos e lendas do homem primitivo e nas
histórias de fadas de nossa infância, esse dom dos animais
costuma ser creditado como uma participação ou mesmo
inteiramente explicativo dos poderes proféticos de nossos
videntes humanos.
Segundo a lenda céltica de Conn-eda, o mítico herói rei da
Irlanda, ele deverá fazer uma viagem perigosa e
aparentemente impossível ao reino das fadas para capturar
três maçãs douradas, um corcel negro e um cão de caça que
pertencem ao rei das fadas. Conn-eda vai a um grande druida
para pedir conselho, mas o druida admite que nem mesmo
ele tem poderes suficientes para ajudar Conn-eda numa
tarefa como aquela. Mas, diz ele, "existe um pássaro com
cabeça humana escondido numa floresta. Essa criatura
estranha é conhecida por seu saber sobre o passado, o
presente e o futuro". Conn-eda procura o pássaro, que,
falando numa "crocitante voz humana", conta-lhe tudo o que
precisa saber e prevê seu êxito.
Segundo Heródoto, pássaros são muitas vezes associados aos
oráculos. Ele conta que uma das versões sobre a fundação
dos oráculos de Dodona na Grécia e Amon na Líbia é que duas
pombas negras voaram do templo de Tebas no Egito - uma foi
para Dodona, pousou num carvalho e falando com voz
humana disse ao povo que ali deveria ser construído um local
para o oráculo de Zeus; a outra voou para a Líbia e instruiu
aos líbios da mesma forma.
Entre as tribos paleolíticas e neolíticas da Ásia, Indonésia e
América do Norte (e ainda hoje sobrevivem alguns
remanescentes isolados dessas culturas primitivas), a crença
na previsão animal estava incorporada aos rituais e tradições
das religiões xamanísticas orientadas para a criatura. O xamã
- o médico da tribo - podia curar a doença, trazer a chuva,
guiar a caça ou profetizar acontecimentos futuros; muitas
vezes ele obtinha estes poderes mágicos em comunicação
com um espírito animal que o orientava.
Cada xamã deveria ter um animal-mãe ou uma origem animal
(alce, tigre, urso etc.) que incorporava seu dom profético, ou
então um pássaro ou animal "familiar" para lhe dar
assistência. Depois de ficar por si mesmo em transe estático
que lhe permitiria deixar o corpo, o espírito do xamã podia
vagar livremente por todo o universo entrando em contato
com outros espíritos, animais auxiliares cujos poderes
visionários o capacitavam a penetrar no passado e no futuro.
Um grupo de "xamãs" dos dias de hoje na China moderna - os
sismologistas - já não deixam mais seu corpo quando querem
espiar o futuro. Eles trocam seus instrumentos técnicos pelo
mais avançado meio de prever terremotos: a observação do
comportamento irregular de muitos pássaros, animais e
insetos, durante horas (e às vezes dias) antes que qualquer
tremor de terra seja registrado no mais sensível dos
aparelhos sismográficos.
Os chineses sofrem a mais elevada média anual de tremores
de terra sérios (acima de 6 na escala Richter) de todos os
países do mundo, e mesmo assim eles têm sido muito bem-
sucedidos em reduzir o número de vítimas de terremotos.
Ainda assim, seus cientistas continuam a desenvolver
sofisticadas técnicas artificiais de alarme prévio, medindo os
sons do interior da Terra e as flutuações no nível das águas e
do campo magnético. No entanto, o salvamento de tantas
vidas humanas e a transformação do sistema de previsão de
terremotos da China num modelo para sérios estudos de
equipes geofísicas internacionais, são atribuídos à sabedoria
acumulada de seus livros de história.
Há muitas gerações os chineses observaram que as criações e
os animais de estimação ficavam inquietos horas antes de um
terremoto. "Cavalos normalmente calmos empinavam e saíam
correndo, cães uivavam, peixes saltavam nas águas e animais
raramente vistos, como cobras e ratos, de repente surgiam de
seus esconderijos em grandes quantidades".
Outras pesquisas inspiradas no exemplo chinês para verificar
se este comportamento anormal dos animais seria observado
em outros países resultaram numa impressionante coleção de
dados. Antes do terremoto de 1963 em Montana, grandes
bandos de pássaros evacuaram a área horas antes do
primeiro tremor. E horas antes do terremoto de 1964 no Chile,
todas as gaivotas voaram muitos quilômetros na direção do
mar alto. Várias horas antes do terremoto de 1969 em
Tashkent (na União Soviética), leões e tigres no zoológico
local teimaram em dormir fora do abrigo e as cabras
montanhesas não foram para seu aprisco. Uma hora antes do
terremoto, as formigas abandonaram os formigueiros levando
as pupas com elas. Na noite anterior ao terremoto de 1971 na
Califórnia, observaram-se ratos correndo furiosamente pelos
meios-fios das ruas de San Fernando.
O mesmo tipo de comportamento anormal dos animais foi
observado antes de outros desastres naturais: erupções
vulcânicas, furacões, tornados, avalanches etc., e ninguém
compreendeu ainda perfeitamente as curiosas capacidades
de previsão das espécies em questão. É bem possível que
esses animais e pássaros tenham algum tipo de capacidade
de precognição psíquica, e estamos num terreno ainda não
delineado de alguns tipos de comportamento animal que J. B.
Rhine, escrevendo no início dos anos 50, achou mais
conveniente abordar com prudência.
Depois de apontar que ilustres zoólogos como Sir Alister
Hardy, Sir Julian Huxley e F. B. Sumner haviam todos chegado
à conclusão de que alguma espécie de percepção extra-
sensorial deveria ser considerada quando da tentativa de
explicar mistérios como o retorno migratório do salmão
muitos quilômetros rio acima, ou as migrações a longa
distância e outras capacidades notáveis para o retorno à casa
de pássaros, Rhine advertia que muito do que parece
estranho no comportamento dos animais poderia um dia ser
explicado normalmente quando se soubesse mais sobre seus
sentidos. A experiência já lhe deu razão inúmeras vezes.
A pesquisa biológica nos últimos vinte e cinco anos
apresentou uma grande quantidade de explicações científicas
simples para muitos comportamentos animais antes envoltos
em mistério.
Sabemos hoje que os morcegos voam tão bem no escuro por
serem sensíveis às vibrações supersônicas no ar; que os
peixes podem utilizar ecos sensores no fundo do mar; que as
abelhas e as formigas usam a luz polarizada para monitorar a
direção; que os pássaros e os peixes orientam-se usando o
ângulo do Sol (ou das estrelas). Recentemente cientistas
fizeram a importante descoberta de que os pássaros e até
mesmo o homem são sensíveis às linhas de força magnética
que a Terra emite, e que seguindo estas linhas de força eles
podem orientar-se em qualquer direção, mesmo em escuridão
total ou de olhos vendados.
Assim, como sugerem alguns escritores, as capacidades de
previsão de desastres de muitas espécies animais tendem
mais a ser um caso de percepção "supersensorial" do que
"extra-sensorial". Segundo o naturalista Ivan Sanderson, "este
aguçado conhecimento pode descobrir furacões em
aproximação por alterações no nível da água ou por quedas
na pressão barométrica. Sons muito leves ou uma elevação
da temperatura podem anunciar avalanches. Erupções
vulcânicas e terremotos são precedidas por grandes tensões
no campo magnético da Terra. Os animais captam os
tremores de terra menores e pequenos terremotos.
O parapsicólogo experimental John Randall admitiu que, na
verdade, as até agora desconhecidas faculdades sensoriais
"ultra-sensíveis" e aguçadas têm sido um campo de estudos
para os céticos que preferem rejeitar qualquer exemplo
aparente de PES como remanescente da mais simples
ignorância, de modo que muitos biólogos "encaram a
expressão 'percepção extra-sensorial' como simples
reconhecimento de nossa ignorância, argumentando que
quanto mais o conhecimento biológico se expande, mais
diminuirá o número de casos de PES". A mesma
argumentação é feita quanto às supostas capacidades PES no
homem - alega-se que um dia compreenderemos serem parte
de nossa estrutura biológica normal.
No entanto, como observa Randall, da mesma forma que
Rhine e outros antes dele, existem muitos exemplos de PES
registrados em animais , que fornecem bons fundamentos
para se supor que a tese dos "sentidos não descobertos" pode
ser deficiente, e estes se tornaram campos frutíferos de
estudo para os parapsicólogos experimentais na década
passada. A maioria tem a ver com casos de precognição
animal visível ou algum gênero de telepatia entre homem e
animal.
O mais antigo e bem documentado caso de alegada telepatia
entre um animal doméstico e seu treinador é o clássico
exemplo do século passado, de Clever Hans, o cavalo de circo
que, supostamente, sabia contar, resolver problemas
aritméticos e ler as letras de um alfabeto em blocos de
madeira. A possibilidade de que Clever Hans fosse na verdade
um animal superinteligente, capaz de raciocinar sobre
problemas de matemática ou de soletrar palavras quando
colocados à sua frente, foi posta de lado assim que se
descobriu que ele não conseguia dar uma resposta correta a
não ser que tivesse a seu lado um ser humano que também
soubesse a resposta. Então levantou-se a hipótese da
telepatia, logo descartada graças a uma descoberta que
provocou muitos trabalhos subseqüentes sobre a suposta
telepatia entre animais e homens. O segredo da habilidade de
Clever Hans, como o de Lady, "um cavalo que lia a mente",
investigado por Rhine e sua esposa, acabou sendo
descoberto. Tratava-se de uma destreza especial para captar
sutis pistas sensoriais nos seres humanos à sua volta.
Muito desse mesmo mecanismo de interpretação sensorial
seria verificado no caso de Lady. Lady, como Clever Hans,
parecia "apanhar" aqui e ali, telepaticamente, as respostas a
diversas questões matemáticas e alfabéticas colocadas por
Rhine e sua esposa - mas eles acabaram percebendo que na
verdade o animal interpretava sinais de movimentos sutis de
seus corpos.
Embora existam muitos outros casos registrados de animais
que demonstram capacidades telepáticas ou clarividentes, o
único que ainda proporciona talvez alguma base para
considerações é o de Chris, o cachorro maravilhoso -
submetido a testes rigorosos no laboratório de parapsicologia
da Duke University nas décadas de 50 e 60.
Depois de verificar que os primeiros resultados promissores
de Chris na solução de problemas ainda não eram explicáveis
através das pistas sensoriais, o pessoal do laboratório deu ao
cão a tarefa de adivinhar o cartão retirado de um pacote
embaralhado de cartões PES fazendo com que ele batesse a
pata uma vez para um círculo, duas vezes para um quadrado,
e assim por diante. Quando Chris acertava acima da
proporção do acaso nesse teste, ele tinha de resolver o
problema mais difícil de adivinhar quais cartões estavam
encerrados em envelopes opacos. De uma série de
quinhentas tentativas, o cão acertou numa proporção de 1000
por 1, contra o acaso, embora em testes posteriores seu
índice de acertos fosse bem menos espantoso.
J. G. Pratt, colega de Rhine, trabalhou com Chris durante
algum tempo e não conseguia refutar de nenhuma maneira
conclusiva o fato de o cão realmente não ser clarividente. Mas
Pratt manteve uma postura cautelosa e alertou que deveria
necessariamente haver alguma outra possível explicação.
Levantou a hipótese, por exemplo, de que, na verdade, as
pessoas que trabalhavam com Chris é que tinham a
capacidade PES, e, assim, a informação era passada ao
cachorro por meio de pistas sensoriais.
Reunindo todos os casos espontâneos e testes de laboratório
em relação a uma suposta telepatia do tipo leitura da mente
entre animais e seres humanos, o experimentalista Robert
Morris comenta: "O caso de Chris é o melhor do gênero. Os
outros são um tanto impressionantes em termos coletivos,
mas individualmente estarão sempre sujeitos à dúvida de que
as pistas sensoriais e a influência do experimentador teriam
sido eliminadas adequadamente".
Existe ainda uma espécie de telepatia entre o animal e o
homem para a qual parece não haver nenhuma explicação
alternativa. São os exemplos do que Rhine e sua fIlha, Sarah
Feather, apelidaram de "psi-rastreio", casos em que "um
animal, separado de alguém, uma pessoa ou o companheiro a
que tenha se apegado, segue o companheiro que partiu num
território inteiramente desconhecido e consegue fazer isso
numa época e em condições tais que não permitiriam o uso
de nenhuma pista sensorial". As distâncias que os exemplos
suspeitos de psi-rastreio envolviam iam de 50 km até viagens
de 5.000 km, e há registros de uma boa quantidade desse
tipo de casos.
O caso de Tony, um cão vira-lata que pertencia à família
Doolen nos Estados Unidos, é um dos mais documentados e
citados. Os Doolen viviam em Aurora, no Estado de lllinois, e
quando se mudaram para Lansing, no Michigan, a 500 km de
distância, resolveram deixar Tony para trás, com um vizinho.
Seis semanas depois, o cachorro estava na soleira de sua
casa em Lansing; ele percorrera todos aqueles quilômetros
sem nenhuma ajuda e localizara a família em lugar onde
jamais estivera antes. Tony ainda usava a licença de lllinois,
com seu nome, e a família com quem foi deixado confirmou
que ele não estava mais lá.
Smoky, um gato persa com um raríssimo tufo de pêlos
vermelhos debaixo do queixo, foi separado da família numa
parada de beira de estrada no Oklahoma a uns 30 km de
casa. Numa semana o gato encontrou o caminho do lar, mas
a família havia se mudado para o Tennessee. Depois de ficar
perambulando por sua antiga vizinhança durante muitas
semanas, Smoky desapareceu - e um ano mais tarde surgiu
na casa nova de sua família, no Tennessee, a 500 km de
distância.
Sugar era outro gato persa, com um calo ósseo característico
na anca. Quando a família saiu da Califórnia e se mudou para
o Oklahoma, deixou Sugar com os vizinhos. Duas semanas
depois ele desapareceu e voltou a aparecer na soleira da
porta de sua primeira família quatorze meses mais tarde,
tendo viajado 2.500 km. Mas até essa enorme distância
chegou a ser duplicada no caso mais bem-documentado de
psi-rastreio em gatos: um gato que pertencia a um veterinário
nova-iorquino. O gato foi deixado para trás quando seu dono,
promovido para um novo cargo, mudou-se para a Califórnia.
Muitos meses depois, o bichinho conseguiu chegar até a nova
casa do veterinário, a 5.000 km de distância. O gato pôde ser
identificado por um crescimento ósseo na quarta vértebra da
cauda que fora causado por um ferimento anterior.
Em seu rigoroso levantamento feito no ano de 1963 sobre
casos de psi-rastreio, Rhine e Sarah analisaram
cuidadosamente a enorme quantidade de relatos
colecionados na Duke University durante muitos anos, e
selecionaram por fim 25 casos que satisfaziam seus critérios
pelas provas de identificação, credibilidade dos menores
detalhes e dados de apoio com a corroboração de
testemunhas. Os 25 casos compreendiam dez cachorros, doze
gatos e três passarinhos. Todos eles haviam conseguido
chegar a seus donos em novas casas a distâncias de centenas
de quilômetros.
Até hoje, não se teve a oportunidade de fazer testes rigorosos
para estudar o psi-rastreio sob condições de laboratório. Já
nos anos 20, psicólogos e parapsicólogos experimentais
fizeram testes de campo para medir os índices de êxito de
vários animais - gatos, cães e camundongos - em encontrar o
caminho de casa percorrendo lugares desconhecidos. Tais
experiências têm sido repetidas há meio século e os animais
testados demonstraram grande facilidade em voltar para casa
a partir de distâncias entre 5 e 15 km; no entanto, tendo em
vista a mais profunda compreensão científica que temos
atualmente das faculdades sensoriais dos animais (ou seja,
sua sensibilidade ao magnetismo, a sensibilidade à luz
polarizada e as capacidades auditivas), estes feitos
provavelmente terão muito pouco a ver com a PES.
Em 1962, Rhine e Sarah fizeram um levantamento de
histórias que sugeriam a PES em animais, além dos dados
coletados relativos ao psi-rastreio que mereceram maior
atenção; todas envolviam alguma forma de precognição
animal - uma reação que evitou perigo para o animal ou seu
proprietário, o pressentimento da morte do dono ou a
excitação na expectativa de um retorno antecipado do dono.
Já se contaram muitas histórias com exemplos de animais que
parecem ter previsto a morte iminente ou tiveram outros
tipos de precognição. Existem casos de cachorros que latiam
ou se recusavam a deixar carros estacionados minutos antes
que alguma catástrofe natural, como a queda de uma árvore,
ocorresse no lugar onde seus donos iriam passar. Um gato
que normalmente dormia ao lado do aparelho de televisão,
certa noite deu um pulo, ficou olhando firme para o aparelho
e procurou sair da sala... minutos depois o tubo da televisão
explodiu, espalhando fragmentos de vidro por todo o
ambiente.
Durante a Segunda Guerra Mundial, muitos ingleses
confiavam em seus gatos para saber quando ir procurar
abrigo de um reide de bombardeiros alemães. Minutos antes
que os bombardeiros da Luftwaffe pudessem entrar nas telas
dos radares fazendo soar os alarmes, os gatos se arrepiavam
e conta-se que lideravam as corridas para os abrigos. Muitos
desses gatos salvadores de vida foram agraciados com a
Medalha Dickin que traz a gravação "Nós também servimos".
O mais bem-pesquisado destes muitos casos de vidas salvas
por animais com a aparente faculdade de previsão foi
constatado por Andrew MacKenzie e envolve uma cadela
cocker-spaniel chamada Merry, que pertencia à família
Baines, de Wimbledon, zona sul de Londres.
No início da guerra, a família havia procurado refúgio dos
bombardeios alemães num abrigo subterrâneo escavado no
quintal. Mas, de 1941 até meados de 1944, o abrigo do
quintal fora abandonado por sua umidade, em troca de outro,
reforçado com aço, dentro da casa, cujo acesso abria-se
embaixo da mesa da cozinha. Durante esses quatro anos, a
família e um vizinho que morava a duas casas dali haviam
dormido a salvo em seu abrigo interno e não viam razão para
mudar esse hábito até que um dia foram forçados a isso por
Merry.
Em 30 de junho de 1944, doze horas depois que uma bomba
alemã caíra sobre casas a um quarteirão de distância,
arrebentando as janelas da casa da família Baines, Merry
desapareceu. Depois de muita busca, ela foi encontrada no
abrigo abandonado do quintal. A filha dos Baines, Audrey,
pegou a cadela e arrumou de novo a pilha de tábuas que
impedia o acesso ao abrigo do quintal, mas Merry conseguiu
voltar ali mais três vezes naquele dia e parecia relutante em
sair. Afinal, por razões que eles mais tarde admitiram
impossíveis de justificar racionalmente, os Baines resolveram
seguir o aviso de Merry. Limparam o abrigo do quintal,
colocaram objetos limpos, arrumaram os beliches e, naquela
noite, acompanhados pelo vizinho dormiram ali, dentro de
suas paredes protetoras.
Às 2h50min da madrugada uma bomba caiu sobre a casa dos
Baines, destruiu e incendiou os canos de gás da rua, e
demoliu aquela e muitas outras da vizinhança. Se a família
houvesse dormido no abrigo interno, todos teriam morrido.
A partir das narrativas de muitas testemunhas visuais
recolhidas por MacKenzie do pessoal do sistema de alarme
aéreo local, junto a membros da própria família e de alguns
vizinhos, parece não haver dúvida de que o comportamento
de Merry tenha realmente salvo a vida de toda a família e do
vizinho. Mas, seria este um caso de precognição legítima por
parte de Merry? Resta a explicação alternativa opcional de
que o bombardeio da noite anterior, que arrebentou as
janelas da casa e rachou o teto de gesso, tenha sido demais
para a tranqüilidade de Merry, e que muito bom senso e a
memória de uma segurança anterior tenham levado a cadela
simplesmente a decidir mudar para o abrigo do quintal, que
seria melhor proteção contra bombas futuras.
Não há um meio definitivo de se responder â questão de PES
em todas essas numerosas histórias que envolveram, além de
seres humanos, também animais; daí a impaciência dos
parapsicólogos experimentais em testar essas faculdades em
condições laboratoriais. Enquanto muitos casos escapam a
qualquer espécie de verificação em laboratório, os que
envolvem a precognição de animais em perigo iminente se
prestam a uma resposta experimental controlada. O dr.
Robert Morris da Sociedade para a Pesquisa Psíquica planejou
os primeiros desses testes em 1967, com resultados
moderadamente bem-sucedidos.
Sabendo que ratos expostos ao perigo "gelam", Morris criou
um cenário experimental que poderia indicar o índice de
atividade dos ratos numa situação de "campo aberto" (uma
área não restrita) dez minutos antes que certa quantidade
deles fosse morrer. Morris liberava, um por um, dezenove
ratos na área de campo aberto e media quantos ladrilhos
quadrados cada um poderia cobrir durante um espaço de dois
minutos. Dez minutos depois, um assistente do laboratório
arbitrariamente matava os que haviam sido marcados por um
número qualquer, indicado por um gerador de números
aleatórios.
Ao verificar os índices de atividade de todos os ratos,
comparando os dados sobre aqueles que haviam sido
selecionados para morrer, Morris realmente encontrou uma
correlação acima do acaso entre os que "gelavam" e os que
morreram, demonstrando assim uma visível ligação
precognitiva entre a atividade reduzida dos ratos e sua morte
iminente. Mas ainda deve-se manter alguma prudência antes
de se chegar a conclusões definitivas com esses resultados.
Quando Helmut Schmidt pretendeu repetir os testes de Morris
em seu próprio laboratório no Texas, não conseguiu obter
nenhum resultado significativo. E quando os canadenses
James Craig e William Treurinet repetiram, por sua vez, os
mesmo testes, obtiveram uma correlação maior que o acaso
entre os ratos que "gelavam" e os que continuariam vivos, ou
seja, um resultado exatamente oposto ao de Morris.
Mais uma vez fizeram-se experiências precognitivas
visivelmente bem-sucedidas num laboratório na França, com
ratos que iriam receber um leve choque elétrico. O objetivo
era saber se os ratos evitariam ou não entrar em determinada
parte da gaiola onde poderiam receber um choque no futuro.
Só que qual viria a ser esta parte seria determinado
aleatoriamente por sorteio. Os franceses (que preferem
identificar-se pelos pseudônimos "Duval" e "Montredon")
obtiveram resultados positivos em proporção maior que 1.000
por 1 contra o acaso em seus testes. Acontece que o único
trabalho em que se repetiu este teste com sucesso foi o de
Walter Levy, nos laboratórios da Duke University. Algum
tempo depois, entretanto, J. B. Rhine e outros consideraram o
trabalho de precognição aparentemente bem feito em
camundongos, feito por Walter Levy, fraudulento. A fraude de
Levy é um dos piores casos de vigarice verificados na
psicologia experimental.
Assim, embora possa haver algo promissor em estudos de
laboratório sobre a precognição animal, ainda não existe uma
pesquisa realmente sólida, que tenha sido repetida de
maneira consistente, de forma a proporcionar alguma prova
experimental capaz de realmente chamar a atenção quanto à
existência do fenômeno. Restam histórias da vida diária que
sugerem que, às vezes, animais apresentam uma ou outra
faculdade PES, mas ainda não temos provas de que eles as
possuam com maior freqüência ou de maneira mais confiável
do que os seres humanos. Em 1974, John Beloff, psicólogo da
Universidade de Edimburgo e antigo presidente da SPP,
resumiu o estado atual do conhecimento experimental
dizendo, um tanto depreciativamente: "As provas sobre
animais que tenham faculdades PES são muito exíguas
mesmo se comparadas com a ocorrência dessas faculdades
nos seres humanos e parecem ocorrer de maneira
excepcional e tão marginal em seus efeitos, tanto em homens
quanto em animais".
6. A PSICOLOGIA DA PRECOGNIÇÃO
Enquanto alguns parapsicólogos têm estado ocupados
tentando definir a existência ou não de fenômenos como a
precognição, outros concentraram-se mais na psicologia do
assunto: quem tem a precognição? E sob quais circunstâncias
emocionais ou mentais?
Os dois gigantes da psicologia moderna, Freud e Jung,
envolveram-se em determinado momento na pesquisa
parapsicológica, publicando muitos documentos sobre o
assunto. Mas, enquanto esse interesse surgiu natural e quase
que apaixonadamente para Jung no início da carreira (sua
primeira dissertação para obtenção do diploma médico era
um estudo da "Psicologia e patologia do chamado fenômeno
oculto"), Freud entrou neste campo quase que
involuntariamente, como um recruta forçado que tivesse
tentado fugir por todos os meios possíveis.
Em sua autobiografia, Memórias, sonhos e reflexões, Jung
conta a história de um incidente ocorrido ao viajar a Viena em
1909 para saber a opinião de Freud sobre a precognição e
outras questões parapsicológicas. À simples menção do
assunto, Freud veio com um discurso contra "a maré negra da
porcaria do ocultismo" e não queria ouvir mais nada sobre tal
questão. Como Jung contou:

Enquanto Freud continuava a falar desse modo, tive uma


curiosa sensação. Era como se meu diafragma fosse de ferro
e estivesse ficando vermelho pelo calor. Uma caixa
incandescente. Naquele instante houve uma detonação muito
alta na estante que estava a nosso lado, de tal modo que nos
assustamos, achando que a coisa ia cair por cima de nós. Eu
disse a Freud:
- Eis aí: um exemplo do chamado fenômeno de exteriorização
catalítica.
- Ora, vamos! - exclamou ele. - Isto é pura besteira.
- Não é - repliquei. - O senhor está enganado, Herr professor.
E para provar o que lhe digo, posso predizer que dentro de
um instante vai haver outra detonação como aquela!
Mal eu acabara de proferir essas palavras, a mesma
detonação veio da estante.
Até hoje não sei o que pode ter me dado aquela certeza. Mas
eu tinha absoluta certeza de que a detonação iria acontecer
de novo. Freud apenas ficou olhando horrorizado para mim.
Não tenho a menor idéia do que se passava em sua cabeça
ou do que poderia significar seu olhar. De qualquer maneira, o
incidente levantou sua desconfiança em relação a mim.
Nunca mais discuti o incidente com ele.

Enquanto o impulso de Jung foi o de evitar prosseguir uma


discussão sobre o fenômeno psíquico com Freud depois do
incidente da estante, o próprio Freud referiu-se ao assunto
outra vez, e logo depois, numa carta paternalista para Jung.
Depois de explicar jovialmente os ruídos que haviam
emanado da estante durante aquele encontro, admoestou seu
jovem protegido sobre o interesse pelo "ocultismo",
aconselhando-o a "manter a cabeça fria, sendo preferível não
entender uma coisa que exige tão grande renúncia por amor
à compreensão".
Não ficou muito claro se a preocupação de Freud era a de que
Jung estaria sacrificando sua reputação ou sua sanidade
mental (ou ambas) ao dedicar-se ao oculto. Mas as próprias
experiências clínicas de Freud trabalharam contra essa sua
obstinada resistência em relação à parapsicologia.
Ocorrências telepáticas entre ele e seus pacientes eram
numerosas demais, e, por mais que quisesse, ele não
conseguia explicá-Ias. Ele ficou mais aberto à pesquisa que se
fazia nesse campo, e, ao tomar conhecimento das
experiências que o professor Gilbert Murray - que ele sabia
ser um ilustre professor em Oxford - vinha fazendo, Freud
teve de se entregar. Declarou numa carta entusiasmada a
Ernest Jones: "Confesso que a primeira impressão foi tão forte
que... estaria disposto a fornecer o apoio da psicanálise
quanto à questão da telepatia". Jones, mais conservador, ficou
preocupado com esta sugestão, pois estava certo de que isso
iria destruir a reputação da psicanálise; mas já não havia
como deter o mestre agora. Em 1911, ele tornou-se membro
da Sociedade para a Pesquisa Psíquica inglesa e da
americana, e publicou seu primeiro (de muitos outros) ensaio
sobre a telepatia no ano de 1922.
A preocupação maior de Freud eram as condições
psicodinâmicas que permitiam o surgimento das experiências
psíquicas, e o encontro de algum espaço para estas em sua
teoria geral da personalidade. Afinal, ele chegou à conclusão
de que havia faculdades arcaicas e regressivas originárias de
um período muito anterior ao desenvolvimento do ser
humano:

A telepatia deve ter sido o meio arcaico original pelo qual as


pessoas se entendiam, um meio que ficou para trás no
decorrer do desenvolvimento fIlogenético, por um método de
comunicação melhor que apareceu, ou seja, por sinais
percebidos pelos órgãos sensoriais. Entretanto esses antigos
meios de comunicação podem ter sobrevivido na obscuridade
e ainda se manifestam sob determinadas circunstâncias.

Em seu estudo sobre a precognição, H. F. Saltmarsh sugeria


quais poderiam ser essas condições: "Em minha opinião, as
precognições só acontecem quando o indivíduo está em
estado de dissociação, quer dizer, elas são coisas da mente
subliminar ou inconsciente". Com toda certeza, existem
muitas provas para essa opinião.
Os profetas xamãs do período neolítico guardavam os
lampejos de suas imagens previsionárias meditando sobre as
asas giratórias de uma suástica, símbolo que ao receber um
impulso de rotação na direção dos ponteiros do relógio
acreditava-se liberar as forças do inconsciente. Os dervixes
rodopiantes do Islã, as sacerdotisas de Delfos e todos os
primeiros profetas bíblicos se colocavam em estado de êxtase
ou de demência com a música ou vapores de drogas, de
maneira a realçar seus talentos proféticos através de um
contato maior com seus próprios egos não racionais. E Platão,
no Timaeus, refletia que era este o plano da Natureza. Os
autores de nossos corpos, concluía ele, haviam localizado o
dom profético no fígado, porque este órgão encontrava-se na
parte mais baixa do organismo e a adivinhação era um poder
corretamente atribuído às ordens mais inferiores de nossa
natureza:

Nenhum homem, em seu juízo, atinge a verdade e a


inspiração profética, mas quando recebe a palavra inspirada
sua inteligência estará adormecida ou ele estará
enlouquecido por algum desequilíbrio ou possessão... Por isso,
é costume determinar-se intérpretes que sejam juízes de
inspirações verdadeiras (que sejam) os comentadores de
visões e ditos sombrios.
Timaeus, 71c, 72b

Essa visão geral de que os poderes PES provenham de


retrocessos primitivos, subconscientes ou arcaicos está
refletida no trabalho de muitos psiquiatras que, referindo-se
às vozes e visões dos doentes mentais, em especial os
esquizofrênicos, argumentam que tais faculdades são sinais
de alguma aberração mental. "A menos que se tenha tido um
contato pessoal com gente que diz ter passado por
experiências psíquicas", observou o prof. D. J. West em seu
amplo levantamento de casos espontâneos de precognição,
"poderá ser difícil imaginar-se o que a insanidade possa ter a
ver com a questão". E "não é de maneira alguma
desconhecido para os funcionários da SPP ter de lidar com
pessoas que os chamam com os olhos revirados para dizer
estarem em constante relação telepática com algo ou com
alguém... Hoje existem milhares de pacientes (dentro e fora)
de asilos; na maioria dos casos a característica principal da
doença é uma obsessão por entidades psíquicas imaginárias".
West, no entanto, concorda que a insanidade em si, em que
as pessoas estejam sofrendo ilusões de experiências
psíquicas mais do que estarem abertas à legítima experiência
psíquica, é o lado menos interessante de como a faculdade
PES possa estar relacionada com a insanidade mental. A tese
de que uma faculdade autêntica possa, por si mesma, ser
sintomática de um colapso em certas faculdades protetoras
normais que a maioria das mentes possui é mais correta.
Esta noção de "faculdades protetoras" vem de um trabalho do
filósofo Henri Bergson; ele propunha a idéia de que nosso
sistema nervoso tenha sido planejado como um filtro
elaborado, que permite deixar passar essas energias e
"radiações" úteis para o desenvolvimento de nossas
faculdades intelectuais mais elevadas, afim de nos ajudar a
enfrentar as experiências. O "filtro" de Bergson é semelhante
às categorias da percepção e da compreensão de Kant. Os
dois filósofos sugerem que a realidade, além dessas
categorias (ou filtros), contém todos os gêneros de coisas a
nós inacessíveis, com a estrutura que temos.
A visão de "faculdades primitivas" de PES sugerida por Freud
e apoiada pelo trabalho clínico do psicanalista Jan Ehrenwald,
que demonstrou haver uma correlação muito elevada entre a
capacidade psíquica e os primeiros sinais de uma emergente
esquizofrenia ou outra forma de psicose - aceita a hipótese de
que faculdades como a telepatia e a precognição tenham sido
sacrificadas em nome da evolução. A consciência da realidade
gerada por tais faculdades ancestrais "é obscura e incerta",
como explica Ehrenwald, "e sujeita a equívocos de refração,
provocados pelas perambulações da camada inconsciente da
mente pela qual ela tem de passar". Para que nossas
capacidades lingüísticas e lógicas mais precisas pudessem
desenvolver-se (e talvez mesmo para que nossa
sobrevivência como espécie pudesse estar assegurada), essas
percepções difusas precisaram ser bloqueadas de nossa
consciência na vida diária. Sir Cyril Burt, professor de
Psicologia no University College de Londres, descrevia esta
posição num discurso para a Sociedade para a Pesquisa
Psíquica inglesa no ano de 1968 da seguinte maneira:

"Ó", disse o cocheiro para Tom Brown, "a melhor coisa para
gente simples assim que nem você e eu é usar antolhos, de
modo que a gente só possa enxergar o que está bem na
frente". A natureza parece haver funcionado muito dentro
desse mesmo princípio. Nossos sentidos e nosso cérebro
funcionam como uma espécie de filtro muito complexo que
limita e dirige os poderes clarividentes da mente, de modo
que em condições normais a atenção esteja concentrada nos
objetos e situações que tenham importância biológica para a
sobrevivência do organismo e da espécie... Como regra geral,
a mente rejeita idéias de outra mente, assim como o corpo
rejeita enxertos de outros corpos.
Ainda que afirmando a provável necessidade de uma tal
abordagem limitada à realidade, Burt acrescentou
rapidamente: "Acreditar que partindo de tal base possamos
construir um quadro completo que tudo inclua do universo é o
mesmo que supor que um mapa das ruas de Roma possa
dizer como parece exatamente a Cidade Eterna quando ali
estamos".
A opinião de que faculdades extra-sensoriais como a telepatia
e a precognição sejam um retrocesso primitivo é unânime.
Outros psicólogos discordam inteiramente, argumentando que
a PES é uma parte natural, embora negligenciada, de nossa
constituição psíquica normal, ou ainda, que é algum novo
"sexto sentido" cujo domínio estamos desenvolvendo.
Frederic Myers, um dos fundadores da SPP, escreveu no final
do século passado que essa nova faculdade poderia expandir
nossa consciência para muito além dos limites da experiência
humana normal. Cinqüenta anos depois, o controverso filósofo
C. E. M. Joad argumentava que ela era "uma primeira
intimação hesitante de um novo impulso para a frente de
parte de uma força de vida muito útil".
A Pesquisa na Psicologia da PES
Se a PES é realmente alguma faculdade regressiva que vai
até eras obscuras de nosso passado primitivo, algo antigo e
ultrapassado, embaraçoso e sinal de instabilidade mental, ou
se é um sintoma de um novo amanhã resplandecente, é uma
discussão que modelou grande parte da pesquisa
psicologicamente orientada na parapsicologia experimental
nesses últimos 25 anos. Os pesquisadores sustentam a
esperança de que, se pudessem chegar a acumular dados
suficientes sobre os tipos de pessoas (idade, estado mental,
grau de educação etc.) que costumam passar por
experiências PES e as condições físicas e psicológicas que
predispõem a estas experiências, a questão estaria resolvida
de uma vez por todas.
A tese de Freud de que a PES é um fenômeno atávico mais
apropriado à vida selvagem do que à das pessoas altamente
desenvolvidas (o homem civilizado) deu origem a três alvos
evidentes para a pesquisa experimental: os animais, aqueles
poucos "povos selvagens" que ainda existem dispersos em
áreas remotas da África e do sudeste da Ásia, e nossas
crianças, antes que alcancem a maturidade intelectual.
Se a PES é uma faculdade em desaparecimento que pertence
aos degraus inferiores da escala filogenética, raciocinaram
alguns psicólogos, certamente iríamos encontrá-Ia dominante
entre os animais inferiores; e, realmente, as histórias sobre
alegadas faculdades psíquicas de animais selvagens e
domésticos são abundantes. Mas, em todas as tentativas, os
experimentalistas na verdade obtiveram muito poucas e
frágeis provas de que os animais possuam a telepatia ou a
precognição. E assim, a evidência para a tese de Freud
deveria estar em outra parte, e a antropologia parecia um
campo promissor para que se tentasse verificar.
A Pesquisa Antropológica
Da mesma maneira como os mitos e lendas dos primeiros
estágios de nossa cultura eram dominados por histórias de
feiticeiras e videntes investidos de poderes extraordinários
para a leitura da mente das pessoas, a previsão, a levitação
etc., parte do conhecimento antropológico no início de nosso
século era bastante inspirado por narrativas sobre "médiuns
selvagens" que apareciam nas histórias de viagens dos
exploradores. Os antropólogos fizeram viagens para pesquisa
de campo a lugares como Bornéu, Haiti, Cidade do Cabo e
Congo, voltando carregados de histórias sobre sessões
mediúnicas, ritos extáticos de vudu em que a levitação
ocorria normalmente, e miraculosas narrativas sobre
importantes informações que viajavam através das selvas,
por entre as matas, quase instantaneamente.
Conta-se que um adivinho na África do Sul previu
corretamente que uma cabra negra grávida, com a qual um
antropólogo estava preocupado, iria dar à luz em breve a um
filhote branco e um cinza. O adivinho de Tembu (Cidade do
Cabo), Solomon Baba, teria acertado corretamente que, antes
de ir visitá-Io de uma distância de 100 km, o psiquiatra sul-
africano Laubscher havia enterrado uma bolsinha embrulhada
em papel pardo, que por sua vez fora coberta por uma pedra
cinza. Meia hora antes do terremoto de 1907 na Jamaica, uma
garota mulata teria explodido em soluços convulsivos e saíra
correndo pelas ruas gritando: "Uma coisa horrível está para
acontecer!" Durante o devastador furacão de 1951, também
na Jamaica, pessoas desprovidas de quaisquer meios normais
para a comunicação à distância teriam entrado em contato
umas com as outras através da ilha por algum meio "natural e
misterioso", enquanto certa mãe teria enviado com sucesso
uma mensagem a seus filhos em perigo a 16 km pelos bons
ofícios de um algodoeiro.
O denominador comum em todas essas histórias é que a
prova é o fato, e quem as contava eram os nativos, que
invariavelmente se descobria acreditarem na veracidade de
suas próprias faculdades psíquicas, ou nas de seus ancestrais.
Muitos dos primeiros antropólogos descaradamente
consideravam esses testemunhos bons o suficiente. Como
Robert Lowie dizia:

As narrativas de experiências ocultas feitas por pessoas que


de outra forma seriam inteligentes e confiáveis não poderão
ser simplesmente postas de lado. Elas têm a aparência de
verdade sejam quais forem suas interpretações de visões ou
audições. Como disse meu melhor intérprete, Crow: "Ao
escutar os velhos falando de suas experiências misteriosas,
devemos apenas acreditar neles".

A alta consideração que Lowie tinha por crença tão


disseminada era compartilhada por Ralph Linton, que
escreveu:

Fui tomado de surpresa em minha experiência com grupos


primitivos ao verificar a uniformidade de suas histórias sobre
o que chamaríamos de "fenômenos psíquicos". Crenças a
respeito desses fenômenos vindas de grupos que não teriam
qualquer possibilidade de contato são tão semelhantes que
sugerem uma grande limitação da imaginação humana ou a
presença de uma base comum para os fatos observados.

Os que estudam a moderna pesquisa psíquica poderiam


reconhecer esta linha de argumentação: "Se tantos
acreditam, é porque deve ser verdade"; mas também sabem
que os ativistas mais críticos no campo exigem modelos de
evidências mais objetivas. E assim tem sido entre os
antropólogos nos últimos trinta anos.
Um psicólogo holandês, o dr. M. Pobers, aproveitou um
simpósio internacional sobre a percepção extra-sensorial para
criticar (em termos talvez propositadamente tendenciosos) a
credulidade, muitas vezes ingênua, de antropólogos e
psicólogos que estudaram rituais e crenças de povos
primitivos, e apelou para a aplicação de técnicas de estudo
mais objetivas, e, se possível, mais experimentais. Ele não foi
o primeiro a notar que pesquisadores que participam de
encontros com nativos dentro da selva, onde seus sentidos
são submetidos ao incessante bater ritmado de tambores e à
inalação de pesadas fumaças intoxicantes, se tornam
emocionalmente envolvidos nos processos. Durante um
encontro desses a que ele esteve presente no Haiti, uma
mulher possuída por um espírito saltou dois metros do chão
no ar e depois suspendeu-se por muitos minutos num raio de
luz.
"O mesmo fenômeno visto de um ângulo ligeiramente
diferente", comenta Pobers, "poderia ser descrito como
levitação", e ele deixa implícito que essa era exatamente a
intenção. Mas isso significará, por exemplo, que os feiticeiros
haitianos possam manter vivo o mito do selvagem psíquico,
pelo menos em parte, por meio de todos aqueles tipos de
simulação e fraude que às vezes já acabaram com os
espetáculos psíquicos públicos em nossa cultura? A julgar
pelo testemunho de um desses feiticeiros, assim parece.
"Na terra de vocês", disse o haitiano a Pobers, "o dinheiro
leva ao poder. Aqui, é o poder que leva ao dinheiro. Um
adivinho não pode se permitir 'acertos e erros' em suas
práticas. Até mesmo se os poderes que tem forem autênticos,
ele terá de ser um mestre da simulação e da fraude. Esta é
sua garantia de emprego".
Para evitar o problema de ser passado para trás por esse tipo
de simulação ou pela mais inocente, mas igualmente
equívoca, fé cega que os grupos primitivos tendem a manter
sobre seus poderes psíquicos, Pobers apelou para o teste do
gênero laboratório de campo para o nível real das faculdades
psíquicas entre os povos primitivos. Foram feitos uns poucos
estudos desse tipo.
Em 1949, Ronald e Lyndon Rose viajaram até a colônia
aborígine de Woodenbong, Nova Gales do Sul (Austrália), para
fazer uma série de experiências-padrão sobre PES com a
adivinhação de cartões junto aos nativos. Os aborígines lhes
haviam dito que a comunicação telepática era uma
experiência confiável e bastante comum em situações de
crise, como a morte ou doença grave de um parente próximo.
Mas em seus testes de Rhine (um total de 296), em que se
pedia a 23 aborígines de todas as idades para adivinhar qual
dos cinco possíveis tipos de cartões estaria sendo selecionado
no pacote de 25, os resultados foram inconclusivos. Uma
senhora idosa de 77 anos, aborígine, acertou muito acima da
possibilidade do acaso, mas dezoito das pessoas não
passaram da expectativa da sorte e outras apresentaram
apenas uma variação um tanto quanto marginal. Os dois
pesquisadores pediram também ao mesmo grupo de
indivíduos que tentassem uma experiência de psicocinese,
em que teriam de usar suas mentes para procurar influenciar
a maneira como alguns dados iriam cair depois de agitados;
essa experiência também não obteve resultados além da
expectativa do acaso. Os aborígines disseram-lhes que não se
podia esperar outra coisa da experiência com os dados, pois
''somente homens muito sabidos podem fazer coisas desse
tipo".
Ronald e Lyndon Rose tentaram os testes de cartões PES com
nativos em Samoa, sem resultados acima do acaso, e
também um outro antropólogo, Jeffrey Mason, que
experimentou os testes em tribos da Libéria, não obteve
resultados significativos.
Em 1968 e 1974, Robert L. Van de Castle fez, com um total de
461 alunos adolescentes, índios cuna, da ilha de San Blas, ao
longo da costa do Panamá, uma série de testes para verificar
as faculdades PES, usando um conjunto de cartões
especialmente desenhados com símbolos como tubarões,
jaguares e canoas, pois esses objetos significavam mais para
aquelas pessoas que os símbolos-padrão dos cartões Zener.
As 96 garotas que fizeram o teste acertaram muito pouco
acima da expectativa do acaso e os 365 garotos, muito pouco
abaixo dessa expectativa. No caso dos dois sexos, garotos
mais jovens testados mais de uma vez tendiam a acertar
ainda mais próximo do acaso, embora olhando para sua série
de testes como um todo, Van de Castle tenha considerado
seus resultados significativos o bastante para merecer maior
investigação.
Dessa maneira, testes PES à ocidental, mesmo quando
praticados com indivíduos oriundos de grupos primitivos
diversos, embora potencialmente significativos, não foram
impressionantes o bastante para que se possa dizer que
''selvagens'' são mais psíquicos que o homem civilizado. É
possível tirar algumas poucas conclusões desses testes.
Considerando-se que os aborígines testados pelos Rose, por
exemplo, haviam dito que suas faculdades telepáticas seriam
mais bem demonstradas em situações de crise, pode muito
bem ser que eles tenham achado as experiências com os
cartões por demais aborrecidas ou diferentes da maneira de
fazer deles, para que pudessem ter um bom desempenho. O
"fator aborrecimento" com certeza desempenhou um papel
importante na diminuição dos resultados de pessoas
submetidas a experiências monótonas e repetitivas de séries
de cartões a adivinhar.
Pesquisa com Crianças
Na Inglaterra, Ernesto Spinelli, que fez uma ampla pesquisa
para sua tese de doutorado na Universidade de Surrey sobre
a questão de se as crianças em nossa cultura seriam mais
telepáticas do que os mais velhos, tentou contornar o
problema de o aborrecimento ou a alienação terem uma
influência negativa em resultados da PES procedendo a suas
experiências numa atmosfera de festa. Deixou que as
crianças usassem um "chapéu de pensar" com aspecto
engraçado enquanto rivalizavam umas com as outras para
vencer o jogo da adivinhação"; os mais sábios ganhavam a
recompensa de um punhado de balas. Quase cinqüenta anos
antes, Louisa Rhine havia pensado em algo semelhante ao
inventar um jogo de PES para crianças pequenas (obtendo
muito bons resultados).
A noção de que as crianças pequenas poderiam ser mais
vulneráveis à percepção extra-sensorial poderia ser um
resultado da tese de Freud de que a PES é um fenômeno
atávico, e isso parece ter sido confirmado pelo trabalho clínico
com crianças desde então. C. D. Broad achava que alguma
forma de telepatia, pelo menos, seria em parte responsável
pelas habilidades intuitivas especiais demonstradas pelos
pequenos durante aqueles primeiros anos em que têm tanto a
aprender de seus pais e professores. E Jan Ehrenwald, que
concordou com a opinião de que existe, no mínimo, uma
dessas faculdades como parte da comunicação normal entre
mãe e filho, percebeu que seu trabalho com crianças
pequenas com perturbações proporcionava uma prova mais
vigorosa ainda da vulnerabilidade aos fenômenos extra-
sensoriais. Ele notou, repetidas vezes, que as crianças de três
e quatro anos pareciam ter em funcionamento um
conhecimento de pensamentos e símbolos (sobretudo
sexuais) mais próprios de adultos, e que o tipo de coisa que
enchia a cabecinha dessas crianças em geral estava muito
proximamente relacionado com o que estivesse na base dos
problemas de suas mães perturbadas.

Rita, com três anos de idade, sofria de uma neurose obsessiva


que parecia duplicar a maioria dos sintomas de uma neurose
semelhante encontrada em sua mãe, que incluía implicações
sexuais (do gênero de adultos) ocultas... Peter, três anos de
idade, sofria também de uma neurose com toda a
parafernália de simbolismo sexual do adulto... A mãe de uma
garota retardada mental com dezesseis anos passou por um
tratamento psicológico, e, à medida que a análise da mãe
fazia progressos satisfatórios, a condição mental da filha
parecia melhorar.

"Entretanto, no decorrer do desenvolvimento gradual e da


consolidação da personalidade da criança em crescimento,
essa susceptibilidade à telepatia e influências relacionadas
com isso vão recuando cada vez mais para o fundo",
Ehrenwald observou.
E foi para testar essa espécie de idéia clínica que Spinelli
começou a avaliar as crianças através de seus métodos
experimentais.
Para proceder a seus testes, Spinelli selecionou crianças de
creches e escolas primárias locais com idades de três anos
para cima, e as testou em pares. Cada criança recebia uma
caixa com cinco botões, um para cada uma das cinco figuras
possíveis mostradas num cartão. Quando uma criança
escolhia e indicava sua escolha apertando um botão, a outra
(sentada em frente e sem poder ver o que seu parceiro fazia)
devia adivinhar qual a figura escolhida pelo parceiro e
registrar sua adivinhação também apertando um botão em
sua caixa. A cada adivinhação correta, soava uma campainha
para parabenizar e encorajar a criança.
Em cada sessão (Spinelli realizou 1.200 no total, durante
cinco anos), verificavam-se alterações de turno das crianças
que tinham de adivinhar qual dos cinco símbolos a outra teria
escolhido numa série de vinte. Os próprios cartões eram
arrumados numa ordem que seguia a referência de uma
tabela de números aleatórios e registrava-se eletronicamente
cada adivinhação num gráfico a fim de eliminar trapaças ou
erros do experimentador. Os resultados foram
impressionantes e parecem dar uma grande contribuição com
prova experimental sólida para a tese de Freud de que a
faculdade PES pertence a um estágio anterior do
desenvolvimento humano.
Dividindo as crianças em quatro grupos etários - 3 -3 e 1/2
anos, 4 e 1/2-5 anos, 5-7 anos e acima de 8 anos - e testando
a comunicação telepática entre as próprias crianças em cada
grupo, o que era medido pela margem de acertos nas figuras
dos cartões, Spinelli pôde estabelecer que à medida que as
crianças crescem e as faculdades conceituais de seus
cérebros amadurecem, a capacidade de se comunicar por
telepatia aparentemente vai sendo reduzida.
Assim, nos testes do grupo mais jovem, as crianças de 3-3 e
1/2 anos, o acerto foi 27% acima do acaso. No grupo de 4 e
1/2-5 anos de idade, essa margem caiu para 15%; entre os de
5- 7 anos, para 4%; e de 8 anos para cima, a margem de
acertos estava dentro das expectativas normais do acaso.
Tais resultados, semelhantes a um estudo anterior com
crianças holandesas em idade escolar mas um pouco mais
velhas, e de certa maneira também obtidos pelo dr. Michael
Winkleman da Universidade da Califórnia, poderão ajudar a
lançar mais luzes ao desenvolvimento mental humano e à
natureza da capacidade PES.
A pesquisa por EEG (eletroencefalograma) dos últimos vinte
anos demonstrou com clareza a existência de quatro padrões
de ondas elétricas isoladas e associadas ao cérebro humano:
as ondas alfa, beta, teta e delta. Cada uma está associada a
diferentes funções cerebrais. Na maioria dos cérebros adultos
normais, as ondas beta, associadas ao pensamento
conceitual, organizado, dominam o padrão do EEG nas horas
despertas. As ondas delta são encontradas quando o cérebro
está em estado de sono profundo e sem sonhos; as teta,
quando há sonhos, e as ondas alfa, em estado de profundo
relaxamento, quando o cérebro está plenamente desperto,
mas sem enfocar nenhuma idéia em particular.
Desde o último estágio fetal até por volta da idade de três
anos, o cérebro humano infantil mostra um padrão de EEG
dominado por ondas delta muito lentas. Entre os três e os
cinco anos, o cérebro de uma criança pequena emite
principalmente ondas teta, com proporções crescentes de
ondas alfa aparecendo na maturidade. Entre as idades de
cinco e oito anos, esse equilíbrio entre as ondas teta e alfa
recua para uma supremacia das ondas alfa, e, no final da
escala, as ondas beta, características do pensamento adulto,
começam a aparecer.
Dessa maneira, entre as idades de três e oito anos, quando as
crianças dos grupos pesquisados por Spinelli mostravam uma
acentuada faculdade de PES, suas ondas cerebrais estariam
dominadas por uma mistura de ritmos teta e alfa. E,
significativamente, esses mesmos ritmos cerebrais mais
lentos dominavam os EEG de estados cerebrais de adultos em
geral associados à capacidade de PES - o sonho (ondas teta),
estados de transe e estados meditativos, como os alcançados
através da MT (meditação transcendental). Quase todos os
casos de precognição espontânea citados anteriormente
aconteceram quando a pessoa em questão sonhava ou estava
em algum estado anormal de transe - e isso poderá ser uma
indicação de que a presença dd ondas alfa e teta seja, de
alguma forma, a pista para a natureza da capacidade de PES.
Pesquisa com Adultos
No laboratório psicológico da Universidade de Cambridge, o
dr. Cad Sargent andou investigando se a capacidade de PES
aumentaria nos adultos pelo bloqueio do gênero de
pensamento normalmente associado às ondas beta - o
pensamento conceitual e concentrado. No fundo, o trabalho
de Sargent é semelhante à pesquisa realizada por Charles
Honorton no laboratório de sonhos do Hospital Maimonides de
Nova Iorque sobre a PES e a hipnose, onde uma elevada
correlação entre os estados hipnóticos e o desempenho da
PES foi demonstrada com sucesso. Mas Sargent submeteu os
sujeitos adultos à Técnica de Ganzfeld. Como Spinelli, Sargent
também trabalhou com indivíduos em pares. Enquanto um
estava deitado na câmara de privação sensorial de Ganzfeld,
o outro encontrava-se sentado numa sala diferente do
laboratório olhando para alguma imagem visual selecionada
ao acaso. A experiência consistia em pedir ao parceiro em
relaxamento que descrevesse sua imagem e então verificar
se ela parecia, de alguma forma, com o símbolo ou a
fotografia que estava sendo vista pelo parceiro ativo. Em 302
sessões, utilizando cem assuntos diferentes, Sargent
encontrou uma correlação entre as descrições e os cartões
14,3% acima da expectativa do acaso.
Sargent descreve a técnica de privação sensorial de Ganzfeld
como o aumento do ''processo primário de pensamento" - as
imagens casuais e espontâneas encontradas com mais
freqüência na infância. Estudos com EEG do estado Ganzfeld
são até agora rudimentares, mas poderia se dizer que ele
aparentemente faz com que o cérebro emita números
maiores de ondas alfa. Sargent acha que estudos com EEG a
serem realizados ainda mostrarão a presença de ondas teta.
Relacionando os resultados com a privação sensorial de
Sargent a suas próprias descobertas com as crianças, Spinelli
diz: "Eu mesmo passei pela Técnica de Ganzfeld. Ela bloqueia
todos os caminhos normais por onde os adultos estruturam a
experiência com pensamentos, e induz a uma espécie de
consciência sonhadora. Acho que é assim que as crianças
pequenas se sentem a maior parte do tempo".
Finalmente, e no que poderia considerar uma extensão do
trabalho de Spinelli com as crianças e do de Sargent com a
câmara de privação sensorial, alguns parapsicólogos
experimentais tentaram demonstrar, através de testes, quais
- se é que existe algum - traços específicos da personalidade
são mais compatíveis com a capacidade de PES. Em seu
laboratório em Cambridge, Sargent observou que algumas
pessoas que se submetiam aos testes saíam-se muito bem ao
demonstrar a telepatia em seus experimentos de privação
sensorial, enquanto outras se saíam muito mal.
Ele se perguntava por que razão isso acontecia; se, de fato,
alguns. tipos de pessoas poderiam ser mais ou menos
capazes de ter experiências de coisas como a telepatia e a
precognição, devido a suas personalidades.
A partir de seu trabalho clínico com pacientes psiquiátricos,
Jan Ehrenwald havia firmado o ponto de vista de que pessoas
com tendência à psicose (esquizofrenia) estavam mais
abertas à informação extra-sensorial do que pessoas que
tinham um senso muito forte de sua própria identidade
pessoal ("força de ego elevada"). Mas, nestes últimos anos, os
psicólogos andaram questionando se poderia haver alguma
prova experimental repetitiva da observação de Ehrenwald,
ou se a mesma se aplicaria à neurose. Em outras palavras:
uma pessoa muito ansiosa ou uma pessoa obsessiva seria
mais ou menos aberta à PES? Teria alguma importância se a
pessoa fosse audaciosa (extrovertida) ou tímida (introvertida),
se ela acreditasse em PES ou se achasse que tudo isso é o
cúmulo do absurdo?
Para encontrar respostas a questões como essas,
pesquisadores como Gertrude SchmeidIer e John Palmer nos
Estados Unidos, K. R. Rao na Índia e Sargent na Inglaterra,
todos tentaram procurar elos experimentais conectados entre
esses e outros traços de personalidade e a capacidade de
uma pessoa passar de maneira estável em testes da PES. Em
cada caso, eles utilizaram o teste de Cattell, hoje um padrão
para medir os traços de personalidade, ou, no caso de
Sargent, uma variação levemente diferente do teste de
Cattell.
O teste de Cattell, usado em escolas ou em centros de testes
psicológicos para medir o QI e o tipo da personalidade, faz
uma série de perguntas às pessoas, perguntas elaboradas
para determinar se a pessoa é ansiosa ou calma, extrovertida
ou tímida, confiante ou desconfiada, e assim por diante. A
variação de Sargent acrescentava umas poucas perguntas
para determinar se as pessoas estavam inclinadas a acreditar
ou não na PES e se elas conseguiam ou não lembrar de
sonhos, ou ainda se eram capazes de guardar uma boa
descrição de coisas em suas cabeças.
Reunidos, os dados coletados pelos diversos pesquisadores
sugerem que uma pessoa capaz de lembrar seus sonhos, de
fazer uma descrição em sua cabeça, que é calma,
extrovertida, confiante e inclinada a acreditar em PES
aparentemente tem maior capacidade de passar por essas
experiências (PES) do que a pessoa que não se lembra com
freqüência de seus sonhos ou que não é capaz de fazer
descrições em sua cabeça, é ansiosa, tímida e desconfiada. O
problema com essas descobertas, entretanto, é que as
pessoas são naturalmente muito complicadas e muito pouca
gente, provavelmente, combina de forma adequada em suas
personalidades todos os traços PES positivos ou PES negativos
com os quais os pesquisadores concordaram.
Assim, enquanto uma pessoa ideal, cuja personalidade seja
uma combinação de todos os traços "certos" e "errados",
poderia ser considerada capaz de se sair muito bem ou muito
mal num teste de PES, na verdade esse teste para descobrir
sujeitos ideais com a PES acabou sendo bastante
inconcIusivo. E mais: o isolamento de certos traços de
personalidade que parecem compatíveis com a capacidade de
PES tende a ajudar a compreensão do que seja exatamente
esta capacidade. Assim, o uso desse tipo de testes de
personalidade para encontrar pessoas com boa PES, apesar
de não ser à prova de equívocos, parece eliminar certas dores
de cabeça em termos de imprevisibilidade na parapsicologia
experimental.

QUESTIONÁRIO
Por favor, responda a TODAS as perguntas; é muito
importante. Obrigado.

1. Eu me lembro dos meus sonhos:


(a) menos que uma vez por semana [0];
(b) uma ou duas vezes por semana [1];
(c) mais que duas vezes por semana [2].

2. Num feriado, eu preferiria ir para:


(a) uma cidade agitada de turismo [2];
(b) alguma coisa entre (a) e (c) [1];
(c) uma cabana em lugar sossegado [0].

3. Se eu fechar os olhos e tentar me concentrar na imagem


visual de alguém:
(a) não consigo [0];
(b) consigo com muita dificuldade [1];
(c) consigo facilmente [2].

4. Não sou muito dado a piadas e a contar histórias


engraçadas:
(a) verdade [0];
(b) mais ou menos [1];
(c) falso [2].

5. Tenho tendência a criticar o trabalho dos outros:


(a) sim [0];
(b) às vezes [1];
(c) não [2].

6. Mudanças de clima em geral não afetam minha eficiência


ou meu humor:
(a) sim [2];
(b) mais ou menos [1];
(c) não [0].

7. Eu aceito a possibilidade de que a percepção extra-


sensorial possa ocorrer:
(a) sim [2];
(b) não tenho certeza [1];
(c) não [0].

8. Muitas vezes sinto um grande cansaço ao levantar de


manhã:
(a) sim [0];
(b) mais ou menos [1];
(c) não [2].
9. Se sei que uma pessoa está raciocinando por linha errada,
inclino-me a:
(a) ficar quieto [0];
(b) mais ou menos [1];
(c) digo logo [2].

10. Aceito a possibilidade de que eu possa ser capaz de usar a


percepção extra-sensorial de alguma forma:
(a) sim [2];
(b) não tenho certeza [1];
(c) não [0].

11. Quando vou tomar um trem, sinto-me um pouco


apressado, tenso ou ansioso, embora haja tempo:
(a) sim [0];
(b) às vezes [1];
(c) não [2].

12. Geralmente lembro de pedaços de sonhos, em vez do


sonho inteiro:
(a) sim [0];
(b) mais ou menos [1];
(c) não [2].

13. Se eu tentar lembrar de parte de uma música, acharia


isso:
(a) fácil [2];
(b) mais ou menos [1];
(c) difícil ou impossível [0].

14. Gosto de conversar e acho fácil iniciar uma conversa com


um estranho:
(a) verdade [2];
(b) mais ou menos [1];
(c) falso [0].

Há uma ligeira variação entre as perguntas selecionadas por


Sargent e as do teste de personalidade de Cattell. As
perguntas 5, 6, 8 e 11 são teste para ansiedade; 2, 4, 9 e 14,
para a extroversão; 3, 12 e 13, para imagem visual; 7 e 10,
para crença na PES. Se a pessoa fez 0 pontos numa pergunta,
a resposta sugere capacidade de PES negativa; mas se fez 2
pontos, a resposta sugere capacidade de PES positiva.
Sargent então pedia às pessoas que respondiam a este teste
que fizessem outro teste de PES e descobriu que os que
haviam feito mais pontos no teste de personalidade também
obtinham mais no teste de PES.
7. A TEORIA DA SINCRONICIDADE DE JUNG
Muitos psiquiatras e psicólogos da primeira metade deste
século contentavam-se em colecionar provas da PES e em
deslindar sua psicodinâmica, na esperança de conseguir
colocar qualquer fenômeno observado em seu lugar certo,
enquanto Jung impunha-se uma tarefa bem mais difícil. Já
convicto desde seus tempos de principiante na carreira
médica de que coisas como a telepatia, a precognição e a
psicocinese existem, ele queria entender como elas
funcionam. O resultado desse trabalho, publicado quase no
final de sua vida, foi a Teoria da Sincronicidade.
Por "sincronicidade" Jung queria dizer aquilo que a maioria
das pessoas chama de "coincidência" - a tendência de coisas
semelhantes ocorrerem inesperadamente e ao mesmo tempo,
ou de coisas que acontecem em grupos. Mas logo de saída ele
faz uma distinção decisiva entre as "coincidências
simplesmente casuais", agrupamento arbitrário de coisas
superficialmente semelhantes, e as "coincidências
significativas", grupos de coisas ou acontecimentos não-
arbitrários, que, ao contrário, partilham um mesmo significado
comum.
Como exemplo de coincidência casual ele cita uma pessoa
que toma um ônibus para ir ao teatro, descobrindo que não
apenas a entrada do teatro tem o mesmo número da
passagem do ônibus, mas que as duas também têm a mesma
série de números que resultam no número de telefone de
uma pessoa que ela encontra pela primeira vez no saguão do
teatro naquela noite.
"(Tais) agrupamentos ou séries", diz Jung, "pelo menos para a
nossa maneira de pensar atual, não parecem ter significado
algum, e entram como regra geral dentro dos limites da
probabilidade. Mas existem incidentes cuja 'casualidade'
parece dar margem a dúvidas." Trata-se dos incidentes que
ilustram o que ele chama de coincidências significativas e
provavelmente existem poucas pessoas para quem coisas
assim não tenham acontecido de vez em quando.
Pensamos numa pessoa a quem não temos visto ou em quem
não pensamos há anos e, de repente, a pessoa aparece à
nossa frente. Um físico teórico está escrevendo um ensaio
sobre a unidade entre o observador e aquilo que ele observa
na física quântica; quando ele vai remexer em livros na
biblioteca pública com sua mulher e ela escolhe
arbitrariamente um livro de um guru indiano de quem
nenhum dos dois ouviu falar, o livro cai aberto numa página
que diz: "Não há diferença entre o observador e o observado".
Uma escritora envia os originais de seu livro a um editor
através de seu agente literário e vai a uma conferência em
outra cidade onde descobre que ela e o editor haviam sido
convidados para coquetéis por uma terceira pessoa que nada
sabia dos originais e a quem nenhuma das pessoas poderia
adivinhar que conhecesse a outra. Todas coincidências, mas
do tipo que Jung chama de "significativas".
Entre os médicos, Jung fala da "duplicação de casos", dizendo
que é um outro fenômeno familiar que ele acha que também
ilustra sua teoria. Ele dá o exemplo de um jovem médico que
faz o diagnóstico de uma doença tropical extremamente rara,
num paciente; o tipo da doença que os médicos só encontram
nos livros ou, no máximo, uma vez em toda a carreira.
Animado por sua descoberta, o jovem médico vai contá-Ia a
seu professor, que comenta:
"Humm, do jeito que essas coisas acontecem, não me
espantaria se aparecesse outro caso logo em seguida..."
E certamente o jovem médico, nos próximos quinze dias,
acaba encontrando um segundo caso da mesma doença rara.
Os dois pacientes não se conheciam e não havia a menor
chance de que pudessem ter contaminado um ao outro.
Em outro tipo de exemplo, desta vez ligado à estranha
maneira como objetos parecem "encontrar o caminho de
volta" para seus donos, Jung escreve sobre o caso muito
famoso de uma mãe alemã que havia tirado uma foto de seu
filho na Floresta Negra em 1914, pouco antes do início da I
Guerra Mundial. Ela deixou o filme com um fotógrafo para ser
revelado, mas o início da guerra tornou impossível ir buscá-Io.
Finalmente, ela teve a certeza de que nunca mais iria vê-Io.
Em 1916, a mesma mulher comprou um filme na loja de um
fotógrafo, dessa vez em Frankfurt; ela queria fotografar sua
filhinha, ainda bebê. Depois da mandar revelar esse segundo
filme, ele voltou com uma dupla exposição; as fotos de cima
eram as que ela havia tirado da filha, mas por baixo estavam
as fotos que ela tirara de seu filho em 1914. O filme antigo
havia voltado à circulação de alguma forma, fora embalado
novamente e, "por coincidência", fora comprado pela mesma
pessoa duas vezes.
Finalmente, num exemplo do tipo de coincidência que poderia
ser descrita como precognição, Jung conta a história de uma
jovem paciente sua que, na noite antes de ir consultá-Io,
sonhou que alguém lhe havia dado um escaravelho dourado.
Sentado em seu estúdio de costas para a janela enquanto
ouvia a jovem descrever seu sonho, Jung escutou um
barulhinho atrás de si. Quando olhou para trás, viu um
pequeno inseto batendo contra o painel da janela e, ao abri-
Ia, o inseto voou para dentro. Ele o apanhou na mão e
verificou tratar-se de um besouro do tipo escarabeídeo - o
equivalente mais próximo do escaravelho dourado que se
poderia encontrar na Suíça.
"Devo admitir", escreveu ele, "que nada parecido jamais me
aconteceu antes ou depois e que o sonho da minha paciente
permaneceu uma experiência única, mas continuei fazendo
ligações que eu simplesmente não poderia explicar como
agrupamentos casuais ou 'passagens'."
E assim, foi em sua própria vasta experiência clínica
(estimulada pelos impressionantes resultados sobre a
telepatia e a precognição obtidos por J. B. Rhine em suas
experiências de adivinhação de cartões PES) que Jung
encontrou seu principal impulso para desenvolver alguma
explicação em relação a um grupo de fenômenos para o qual
não apenas não existia conhecimento algum, mas
manifestamente também não havia explicação alguma. As
leis da natureza, ele sabia, repousavam firmemente sobre leis
da causalidade (segundo a qual cada efeito deve ter uma
causa e a causa deve preceder o efeito), mas ainda assim ele
se perguntava: num mundo supostamente dominado pela lei
da causalidade, poderia haver algum fenômeno que violasse
essa lei? Sua resposta foi duvidar, não da veracidade do
fenômeno, mas da validade universal da lei:
"Logo no início, algumas dúvidas surgiram em meu íntimo
sobre a ilimitada aplicabilidade do princípio causal na
psicologia... A causalidade é só um princípio e a psicologia
não pode ser fundamentalmente esgotada apenas por
métodos causais." Se a lei da causalidade não podia abrigar a
existência de determinados fatos associados ao trabalho da
mente, entre os quais a telepatia e a precognição, então,
argumentava Jung, essa lei deve estar distorcida ou, no
máximo, deve refletir parcialmente a realidade, e ela mesma
estaria necessitando ser repensada.
Em sua rebelião intuitiva contra a causalidade, Jung foi
encorajado pelo que havia vislumbrado dos novos avanços da
física no século XX. Ele sabia que a Teoria da Relatividade de
Einstein desafiara e perturbara todas as velhas noções de
espaço e tempo que eram parte do quadro da causalidade;
além disso, os fatos subatômicos, extremamente curiosos e
manifestamente anárquicos, descritos pela física quântica
pareciam-lhe ainda mais diretamente importantes para a
compreensão das mecânicas da psique. Sentiu que, se
alguma vez o universo tivesse de ser inteiramente
compreendido, isso seria uma tarefa para ser atingida pela
física e pela psicologia, transcendendo os grilhões de suas
próprias limitações disciplinares e caminhando juntas,
compartilhando as descobertas.

Depois de reunir experiências psicológicas de muitas pessoas


e de muitos países durante cinqüenta anos, duvido que uma
abordagem exclusivamente psicológica possa fazer justiça
aos fenômenos em questão. Não apenas as descobertas da
parapsicologia, mas minhas próprias reflexões teóricas...
levaram-me a certos postulados que tocam o reino da física
nuclear e o conceito do espaço-tempo contínuo. E isso abre
toda a questão da realidade transpsíquica imediatamente na
base da psique.

Com a esperança de desenvolver uma exposição mais


rigorosa de suas próprias intuições psicológicas, Jung tomou
corno professor de física moderna o prêmio Nobel Wolfgang
Pauli, um físico quântico. Jung via a parapsicologia como uma
ponte natural entre a física e a psicologia, e Pauli, que
concordava com esse ponto de vista, esperava que,
trabalhando com Jung, poderia encontrar um caminho para
expressar em maior escala, no nível da realidade cotidiana,
alguma extensão natural do fenômeno da mecânica quântica
que ajudara a descobrir.
Em 1952, Jung e Pauli publicaram o trabalho feito em
colaboração: A interpretação da natureza e da psique. O livro
continha um ensaio de Jung intitulado "Sincronicidade: um
princípio de associação acausal" e um outro de Pauli com o
título "A influência de idéias arquetípicas nas teorias
científicas de Kepler". Os dois ensaios expunham a idéia de
que existe um cosmos absolutamente sem espaço e sem
tempo em que se manifestam a alma (ou psique) e o universo
material. Pauli argumentava que esse cosmos tinha sua
própria ordem, independente da vontade humana, de
categorias humanas perceptivas ou de nossas supostas leis
da causalidade. Nele, todos os limites aceitos entre o
conhecedor e o conhecido são rompidos, e a mente e a
matéria são vistas como extensão uma da outra.
Jung chamou a esta um tanto mística e absoluta de "realidade
transpsíquica". E também argumentava que ali, num reino
além da nossa psique consciente, com suas divisões entre
mente e matéria e suas percepções causais manifestadas no
espaço e no tempo, há uma unidade sem tempo, onde o
passado, o presente e o futuro se fundem, e onde a matéria e
a psique não passam de manifestações de uma única
realidade. Sua Teoria da Sincronicidade provinha do que ele
via como um "inesperado paralelismo entre acontecimentos
psíquicos e físicos", uma espécie de paralelismo espelhado no
nível quântico pela tendência de partículas fundamentais
(elétrons, prótons etc.) comportarem-se, às vezes, como
ondas e, às vezes, como partículas.
Como já foi dito, a teoria de Jung baseia-se na existência de
coincidências significativas, e para ele "significado" era a
palavra-chave, que proporcionava a dinâmica do fenômeno
sincrônico. Ele sentia muito intensamente que os
pensamentos ou acontecimentos que tinham algum
significado comum (meu pensamento num amigo ausente há
muito tempo e a proximidade física desconhecida desse
amigo, o ardente interesse do físico sobre a questão do
conhecedor e do conhecido, e um livro que tem esse
problema como um de seus temas principais) eram atraídos
um para o outro quase como ímãs, embora não seja
necessário haver nenhum relacionamento ortodoxo causal
entre eles. Tais significados compartilhados, acreditava Jung,
poderiam ocasionalmente reunir-se no nível da realidade
consciente cotidiana (como coincidência, telepatia ou
precognição), porque "mais abaixo", no nível da realidade
transpsíquica, onde todas as mentes estão ''ligadas'' na
mesma fonte, todos os significados compartilhados se
encontram ligados sincronicamente. Toda a Teoria da
Sincronicidade está intrinsecamente relacionada à Teoria do
Inconsciente Coletivo e dos Arquétipos de Jung.
A noção básica em todo o trabalho de Jung é a de que, como
espécie, os seres humanos compartilham memórias e
experiências comuns, e que todos esses tesouros raciais
reunidos estão armazenados no inconsciente coletivo. Mas as
memórias e experiências que preenchem o inconsciente
coletivo são de um gênero especial: elas existem como
arquétipos, ou modelos formais da energia psíquica que
estrutura o sentido compartilhado do significado para a
humanidade como um todo. Os arquétipos de Jung no nível
psicológico são aproximadamente equivalentes às Formas de
Platão no nível conceitual e, como Platão em relação, ao
pensamento, Jung argumenta que tudo em nossa vida
inconsciente (sonhos, impulsos, mitologias, nossa criatividade
artística, e assim por diante) espelha o mundo dos puros
arquétipos, extraindo sua energia psíquica dele e difundindo
seus modelos através de nossas personalidades e de nosso
comportamento.
Os modelos de energia psíquica centrados nos arquétipos
estão na raiz da tentativa de Jung para explicar a dinâmica da
telepatia e da precognição. Nos momentos em que possuímos
tais faculdades, experimentamos, diz ele, não a percepção de
acontecimentos no mundo exterior dos objetos arranjados na
ficção do espaço e do tempo; mas, antes, nos vemos em
contato com algo profundamente arraigado dentro de nós
mesmos. A psique precognitiva relaciona-se com seu próprio
eu ampliado pelo inconsciente coletivo sem espaço e sem
tempo. Ali, atraído para algum padrão de energia arquetípica
- como átomos numa solução sendo atraídos para uma bolha
de cristal que irá reuni-los e dar-lhes uma forma - a psique
reúne alguns dos significados (imagens, pensamentos, cenas
de acontecimentos) relevantes para a emoção que primeiro a
colocou em contato com esse arquétipo em particular. Esses
significados podem vir de muito longe, de outros séculos ou
de outros continentes, mas a psique os encontra juntos no
turbilhão do arquétipo, e "em tempo" irá comunicá-los ao seu
eu inconsciente como acontecimentos "no futuro".
Uma descrição tão abstrata da dinâmica da sincronicidade
pode ser difícil de acompanhar, mas Jung a ilustra com muitos
exemplos. Um dos melhores é o do paciente cuja morte
manifestamente fora predita à sua mulher por um bando de
pássaros no telhado de sua casa (ver p. 99). "À primeira
vista", diz. Jung, "a morte e o bando de pássaros parecem
incompatíveis um com o outro. Entretanto, considerando-se
que no Hades babilônio as almas usavam uma 'roupa de
penas' e que no antigo Egito a ba, ou alma, era imaginada
como um pássaro, não será artificial demais supor que algum
simbolismo arquetípico esteja em funcionamento. Se esse
incidente tivesse ocorrido em sonho, a interpretação seria
justificada pelo material psicológico comparativo".
No caso da paciente que sonhou receber o escaravelho
dourado, Jung vê outra associação arquetípica. Essa mulher,
explicou ele, estava presa em sua terapia e não conseguia ir
além de um grave bloqueio emocional. O sonho do
escaravelho, junto com o aparecimento do animal no dia
seguinte, no consultório, tiveram o efeito de romper suas
defesas racionais e levaram a uma fase toda nova de
crescimento em seu tratamento. Relacionando isso com os
arquétipos, Jung diz: "Qualquer mudança essencial de atitude
significa uma renovação psíquica, geralmente acompanhada
por símbolos de renascimento nos sonhos e fantasias do
paciente. O escaravelho é o exemplo clássico de um símbolo
de renascimento. O Book of What Is in the Netherworld do
Egito antigo descreve como o deus-Sol, morto, transforma-se
numa décima hierarquia em Khepri, o escaravelho, e, então,
na décima segunda hierarquia, sobe à barca que leva o deus-
Sol rejuvenescido para o céu da manhã". Dessa maneira, foi a
grande necessidade emocional da paciente de irromper
("renascer") que a colocou em contato com um símbolo
arquetípico de renascimento, e então conduziu-a ao sonho
manifestamente precognitivo do escaravelho.
Jung também achava que a sincronicidade podia ajudar a
explicar o mistério do I Ching. Ele, e milhares de outras
pessoas que recorreram ao livro com sucesso, tinha um
profundo respeito, que beirava a inquietude, pelo "estranho
fato de uma reação que faz sentido resultar de uma técnica
que aparentemente exclui qualquer sentido logo de saída".
Como o simples ato de jogar arbitrariamente três moedas no
ar poderia extrair de uma inescrutável coleção de
hexagramas escritos há milhares de anos respostas
significativas a perguntas feitas hoje? A sugestão de Jung era
de que cada um dos sessenta e quatro hexagramas do I Ching
representa uma situação arquetípica de vida sincronicamente
relacionada pelo significado com o momento em que o
hexagrama foi moldado e o momento em que o consulente
mais tarde joga três moedas procurando um aconselhamento.
Em outras palavras, seja quem for que tenha inventado o I
Ching, estava convencido de que o hexagrama proporcionaria
determinado resultado em certo momento que coincidiria com
o momento anterior em qualidade e (não menos) em tempo.
Para ele, o hexagrama era o expoente do momento em que
foi modelado - até mais que as horas do relógio ou as divisões
do calendário considerando-se que o hexagrama era
compreendido. como um indicador da situação essencial que
prevalecia no momento da sua origem.

Dessa maneira, o significado na pergunta do consulente seria


irresistivelmente atraído para o significado que estivesse no
âmago do mais pertinente dos 64 hexagramas do I Ching:
Mas, como acentuou Jung, é importante que a pessoa só se
dirija ao I Ching em momentos de sinceridade, com uma
profunda concentração para melhor encorajar a comunicação
sincrônica da mente com o hexagrama adequado.
Jung sempre relaciona o fenômeno da sincronia com a
emoção, enfatizando seu parecer de que as pessoas estarão
mais predispostas a uma consciência precognitiva (ou
telepática) em estados altamente emocionais, porque essa
emoção rompe o limite da consciência normal, deixando a
psique mais aberta às "mensagens" do inconsciente coletivo.
"Todo estado emocional", escreve ele, ''produz uma alteração
na consciência... o que significa que há um certo
estreitamento da consciência, correspondente a um reforço
do inconsciente."
Jung achava que a maioria dos casos de precognição tinha
que ver com acontecimentos traumáticos acompanhados por
uma emoção violenta, tais como a morte, acidentes fatais,
crises, catástrofes ou doenças mentais iminentes. Certamente
isso ocorreu em muitos exemplos documentados de
precognição espontânea, o melhor dos quais é o estudo de
Barker sobre o acidente das minas de Aberfan. Parece
também ser este o caso dos estados de transe associados aos
oráculos ou aos dons proféticos dos médicos feiticeiros. Mas
será isso uma verdade generalizada?
Pelo contrário, muitos dos exemplos registrados de uma
precognição espontânea parecem prever acontecimentos
desconcertantemente triviais. Os sonhos de J. W. Dunne são
casos assim. J. E. Orme observou, em seu levantamento de
148 casos cuidadosamente pesquisados de precognição
espontânea: "Outro aspecto característico das experiências
precognitivas é que acontecimentos relativamente
desprovidos de importância, corriqueiros até, muitas vezes
são considerados avisos de morte ou de acidentes".
Existe, entretanto, um padrão geralmente aceito como ligação
do tipo de emoção violenta, capaz de romper as defesas
normais da mente e a experiência precognitiva. É verdade
que os sonhos precognitivos parecem uma mistura do
significativo e do corriqueiro, e que sonhos como estes
constituem a maioria dos casos de precognição registrados;
mas também é verdade que, nos casos em que a experiência
premonitória ocorre como visão desperta, geralmente ela é
associada a algum acontecimento carregado de significado
emocional. A idéia de Jung de haver uma correspondência
entre o torvelinho emocional e a consciência precognitiva
levou-o a unir forças ao campo da psicologia, que encara
esses fenômenos como "regressivos". Ele sentia que a
capacidade para a experiência psíquica prevalecia mais no
homem primitivo, com seu menor desenvolvimento lógico e
num limiar inferior de organização da consciênCia. Baseado
nisso, observou que as crianças costumam apresentar um
dom considerável para passar por experiências de fenômenos
de PES, que vão diminuindo (e desaparecem na maioria dos
casos) à medida que elas crescem.
A Teoria da Sincronicidade de Jung, principalmente intuitiva
em sua abordagem para explicar a dinâmica da PES, não
deixa de assinalar um momento crítico em toda nossa
abordagem ao assunto. Ele se aferrou à pertinência dos
últimos progressos da física do século XX e tinha razão ao
pensar que a parapsicologia era uma ponte natural entre a
física e a psicologia, desde que os fenômenos nela implícitos
pudessem ser verificados. A partir da década de 60, tornou-se
quase um axioma o fato de que alguém que pretenda fazer
um trabalho sério em parapsicologia deva travar
conhecimento com os princípios da física moderna; as mais
recentes teorias psicológicas sobre a precognição refletem
essa consciência de seus autores. Analisaremos essas teorias
mais tarde; antes é necessário dar uma espiada nos aspectos
da Teoria da Relatividade, da física quântica e da fisiologia do
cérebro que pesaram mais diretamente na formação das
novas tendências no pensamento e na pesquisa
parapsicológica.
TERCEIRA PARTE
O QUE É A PRECOGNIÇÃO?

8. O TEMPO NA TEORIA DA RELATIVIDADE


Albert Einstein disse certa vez brincando que deveria ter sido
fabricante de relógios. Essa parece uma estranha fantasia
profissional de um homem cujo trabalho teórico iria mudar
para sempre toda a nossa compreensão sobre a seriedade
com que devemos tratar as coisas que um relógio resolva nos
dizer. A publicação, em 1905, da sua Teoria Especial da
Relatividade assinalou um momento crítico radical no
pensamento humano, depois do que muitos de nossos
conceitos mais elementares jamais voltariam a ser os
mesmos - assim como a nossa compreensão de tempo.
Até o início deste século, a visão comumente aceita de que o
tempo fosse uma seqüência ordenada de momentos, um
seguindo-se ao outro, era exatamente a da descrição
científica proporcionada pelos físicos clássicos. Segundo
Newton, “o tempo absoluto, matemático e real, em si e por
sua própria natureza, flui da mesma maneira, sem relação
com qualquer fato externo". O mesmo ele dizia do espaço: ''O
espaço absoluto, por sua própria natureza, sem relação com
nenhum fator externo, permanece igual e imutável..."
Esses absolutos newtonianos dominaram o pensamento
científico e filosófico por mais de duzentos anos, e pareciam a
muitos literalmente escritos na trama do universo. Dentro de
um enquadramento em que os fatos em separado são vistos
como pedras lançadas para que se atravessassem as areias
do tempo, seria inconcebível sugerir-se que uma pessoa
dotada de faculdades perceptivas pudesse vislumbrar o
acontecimento C antes dos acontecimentos anteriores A e B.
Daí, a incompatibilidade conceitual entre a precognição, a
física clássica e o bom senso.
O revolucionário ponto de partida de Einstein iria indicar que
a ordem pontilhada de acontecimentos em manifesta
seqüência não é fixa e absoluta; ela é apenas a simples
maneira de se encarar as coisas. Dado o ponto de vista de
qualquer pessoa, poderia ser válido dizer-se, da mesma
forma, que C tenha ocorrido antes de A, ou B ocorrido depois
de C (cuidando-se que não sejam acontecimentos ligados por
acaso). Em outras palavras: o uso de expressões como antes
ou depois, mais cedo ou mais tarde, dizia ele, muitas vezes é
um questão relativa. Einstein chegou a essa conclusão depois
de pesar o espantoso resultado de uma experiência que tinha
finalidades completamente diferentes.
A hoje conhecida experiência da Michelson-Morley, que
constituiu o primeiro passo para a Teoria Especial da
Relatividade de Einstein, pretendia apenas ser uma
"reorganização" da física clássica. Desde os tempos da
primitiva ciência grega, os homens haviam acreditado que o
espaço era permeado por um éter "estacionário" e os
cientistas do século XIX achavam que esse éter poderia ser
utilizado como quadro de referência para medir o espaço
absoluto de Newton. Michelson e Morley haviam apenas
iniciado a medição da "curvatura do éter" enquanto a Terra se
movimentava através desse Absoluto estacionário.
Eles lançaram dois raios de luz em ângulos diretos - um, "para
dentro da curvatura" e outro, "através da curvatura" - na
expectativa de que houvesse um retardamento de tempo
entre a chegada dos dois raios de volta à fonte. Mas nenhuma
demora no tempo pôde ser medida: os raios de luz
necessitavam exatamente do mesmo tempo para voltarem a
ser refletidos de novo na plaqueta de captação,
independentemente da direção em que houvessem ido. Dessa
maneira, não poderia ter havido nenhum efeito visível
exercido pelo éter estacionário.
Em sua Teoria Especial da Relatividade, Einstein afirmava que
não poderia existir nada como um quadro absoluto de
referência.
Argumentava ele que qualquer quadro de referência, em si, é
tão válido como qualquer outro. E também não existe, dizia
ele, coisa alguma como o espaço absoluto ou o tempo
absoluto. Se um é impossível, o outro também é, porque
nenhum dos dois pode ser descrito separadamente. O
movimento é movimento através do espaço, e o movimento
através do espaço leva algum tempo. Dessa maneira, em vez
do espaço absoluto tridimensional de Newton e do espaço
absoluto de tempo numa dimensão, Einstein apresentou aos
aturdidos físicos clássicos um continuum espaço-tempo
quadridimensional relativo em que as coordenadas de espaço
e tempo deveriam ser reajustadas constantemente para levar
em consideração o ponto de vista de cada um.
O fator-chave na Teoria da Relatividade para a definição do
ponto de vista de um observador é a velocidade em que ele
viaja em relação ao ponto de vista de outro. Segundo
Einstein, do ponto de vista de um observador estático, um
corpo em movimento é submetido a uma singular tríade de
efeitos colaterais tais que, enquanto sua velocidade se
aproxima da constante e inacessível velocidade da luz, seus
processos de tempo se estendem (o tempo se retarda), o
espaço através do qual ele se movimenta encolhe e sua
massa (uma função inversa desse espaço que diminui)
aumenta até o infinito. Dada a natureza relativa de todo o
movimento, um observador que estivesse em cima, montado
nesse corpo em movimento, não perceberia as distorções que
outros (em repouso) veriam em torno dele. De seu próprio
ponto de vista, ele está apenas ali sentado enquanto o mundo
corre de maneira bastante característica.
Afora seu importante papel ao demonstrar a inadequação da
nossa percepção comum do tempo, a Teoria Especial da
Relatividade de Einstein tem pouca relação direta com a
precognição. Como em nenhum dos casos discutidos em
capítulos anteriores se falou de pessoas que estivessem
girando rapidamente pelo universo a velocidades próximas à
da luz, as estranhas distorções de tempo que se sabe
acompanharem tais velocidades não poderão servir para
explicar seu evidentemente precoce acesso ao futuro. Alguns
pensadores sérios que esperavam resolver o problema da
precognição, entretanto, encontraram algumas idéias mais
importantes para isso na Teoria Geral da Relatividade,
publicada onze anos depois, em 1916.
Onde a Teoria Especial da Relatividade se restringia a
descrever as propriedades de corpos (ou sistemas) viajando
em linha reta numa velocidade constante, a Teoria Geral da
Relatividade, muito mais abrangente, leva em conta que
todos os objetos estão sujeitos a acelerações e seguem
trajetórias curvas que se devem à presença de outras massas
e são geralmente descritas como efeito da gravidade. A teoria
geral descreve as causas e efeitos da força gravitacional do
universo e, assim, desafia nossas noções comuns de espaço e
tempo a um ponto quase inconcebível.
Para nossos objetivos, a única descoberta mais importante a
extrair da Teoria Geral é a percepção de que o espaço é
curvo. A influência de qualquer massa, demonstrou Einstein, é
tal que tende a "curvar" o espaço em sua proximidade, e a
proporção dessa curvatura equivale a um corpo gravitacional.
O espaço em torno da Terra é levemente curvo, mas essa
curvatura revela-se tão infinitesimalmente pequena a ponto
de ser quase impossível detectá-Ia. Entretanto, a massa do
Sol, consideravelmente maior que a da Terra, é grande o
suficiente para mostrar um efeito visível calculável, como se
pode ver pela deflexão dos raios de luz que chegam das
estrelas até nós.
Ao considerar o espaço ocupado pelo universo como um todo,
as opiniões divergem quanto à extensão da curvatura. As
equações da relatividade nos permitem muitas soluções
diferentes, cada uma das quais levando a um diferente
modelo cosmológico do universo. Um desses modelos, o mais
apropriado quando se considera a precognição, foi proposto
pelo matemático Kurt Gödel em 1949, sugerindo haver no
universo massa suficiente para curvar o espaço
imediatamente em torno de si - de maneira que o universo
como um todo pode ser visto como uma esfera em rotação
sobre si mesmo. Na Teoria Especial, demonstrava-se que as
antigas categorias de espaço e tempo eram inadequadas, e,
em lugar do espaço tridimensional e do tempo
unidimensional, Einstein colocou o continuum espaço-tempo
quadridimensional em que espaço e tempo eram funções
integrais um do outro. Esse continuum é transportado para a
Teoria Geral da Relatividade e, assim, compreende-se que
qualquer curvatura no espaço exija que o tempo também seja
curvo. Um modelo cosmológico como o de Gödel, que postula
que o universo seja uma esfera em rotação sobre si mesmo,
também nos diz que o tempo se curva ao redor de si mesmo;
em outras palavras, o tempo é circular. Essa formulação,
naturalmente, levanta muitos problemas para o bom senso e
não poucos para os físicos.
Por exemplo, se o tempo se movimenta em círculo, como
poderemos. falar de "antes" e "depois"? Como chegaremos a
dizer qual ponto num círculo precede o outro? Na Teoria Geral
da Relatividade, esses "antes" e "depois" não têm nenhum
significado. É como o eminente físico francês Olivier Costa de
Beauregard resumia a transformação provocada pela Teoria
da Relatividade:

Na [física] newtoniana, a separação entre passado e futuro é


objetiva, no sentido de que era determinada por um único
instante do tempo universal - o presente. Isto já não é
verdadeiro para a [física] relativista... Já não pode haver mais
qualquer divisão objetiva e essencial (ou seja, não arbitrária)
de espaço-tempo entre "acontecimentos que já tenham
acontecido" e "acontecimentos que estejam por acontecer".

Einstein disse: "Para nós, os físicos crentes, essa separação


entre passado, presente e futuro tem o valor de uma simples
ilusão, por mais firme que seja". E Olivier de Beauregard
acrescentava (quase como que numa resposta tardia!): "Nisso
tudo existe, inerente, uma pequena revolução filosófica".
Se todos os eventos forem observados dentro do contexto da
Teoria Geral da Relatividade, tornam-se fenômenos
atemporais no espaço-tempo quadridimensional, estendidos
ao longo do contorno curvado de nossa existência esférica
como um todo estático, imutável. Esse quadro implica que
tudo o que "será" agora "é", ou seja, que o futuro já está
escrito e que é tão fixo quanto o passado. Num modelo como
esse, toda a história de um acontecimento qualquer pode ser
graficamente representada como uma curva estacionária
(uma "linha do universo"), cada "momento no tempo" sendo
um ponto naquela curva, e a sucessão conhecida de
acontecimentos, que é parte de nossa percepção temporal
diária normal, é levada em conta pelo movimento ordenado
de consciência ao longo dessa curva. Assim, como
passageiros numa nave espacial olhando para um universo
cheio de acontecimentos (e todo o seu conteúdo), nos
tornamos cientes de uma sucessão de acontecimentos, um a
um, enquanto transitamos pelos pontos em separado ao
longo dessa curva.
Para que a precognição seja conceitualmente sustentável
num quadro como esse, apenas se deve imaginar que
algumas pessoas tenham a capacidade de "saltar à frente"
em sua percepção, podendo assim dar uma espiada no tempo
mais adiante na curva estacionária (de acontecimentos), mais
do que a maioria de nós poderia normalmente chegar perto
no curso ordinário do progresso consciente ao longo da curva.
A implicação de que isto seria possível num universo
relativista em que o tempo está esquematizado num círculo
sem início ou fim real foi sugerida a Einstein por diversos
colegas.
Por que, perguntou-se, alguém não poderia dar um salto à
frente no tempo e voltar para nos comunicar o que viu ali?
Ou, de maneira alternativa, por que alguém não poderia fazer
uma viagem recuando ao longo da curva de acontecimentos e
assim revisitar seu próprio passado armado com seu
conhecimento sobre o futuro? De acordo com o que Gödel
afirmou, seria perfeitamente possível conceber "determinado
passado, presente e futuro cosmológico, e recuar de novo,
exatamente como é possível em outros mundos viajar a
distantes porções do espaço".
Gödel sugeria que para viajar ao futuro temos apenas de voar
na direção da rotação do universo, e para viajar para o
passado, temos de voar no sentido contrário. E, talvez, com
uma divertida olhadela para The Time Machine, de H. G.
Wells, ele chegou a calcular a quantidade de combustível
necessária e a velocidade que nossa nave espacial precisaria
desenvolver para realizar esta viagem: ela deveria viajar a
pelo menos 70% da velocidade da luz.
O próprio Einstein sempre se sentiu filosoficamente pouco à
vontade em relação a essas noções de hipotética viagem no
tempo efetuada em sibilantes idas e vindas pelas linhas
curvas de espaço-tempo do mundo, e durante muito tempo
insistiu sobre sua impossibilidade. "Não podemos enviar
mensagens telegráficas ao passado", declarou com firmeza
em 1928, argumentando que uma linha do mundo jamais
poderia ter uma intersecção consigo própria, ou seja, que
jamais seria possível circunavegar o universo ao longo da
curva estacionária que descreve a vida de cada um, de
maneira a poder coincidir com sua própria história ou atingir
seu próprio futuro. A possibilidade de fazer isso, dizia ele,
violaria um princípio essencial da Teoria da Relatividade - a
idéia de que qualquer acontecimento pode ser
verdadeiramente simultâneo apenas com ele mesmo.
Mas, quando Gödel publicou sua controvertida solução às
equações da relatividade em 1949, que demonstravam que a
matemática da Teoria da Relatividade realmente permitia a
possibilidade de linhas de universo que se interceptassem e,
assim, que um momento "agora" pudesse ter simultaneidade
em relação a um outro momento no "futuro" ou a algum no
"passado", Einstein fez uma crítica surpreendentemente
simpática ao ensaio. Talvez, admitia ele, a irreversibilidade do
tempo já não fosse tão inviolável como supusera antes.
Modificando a visão sustentada anteriormente sobre a
comunicação entre passado e futuro, disse:

É impossível enviar mensagens telegráficas ao passado (no


nível da realidade diária), mas isso não será necessariamente
verdadeiro para os fenômenos subatômicos que parecem
reversíveis... Se admitimos como Gödel a possibilidade de
linhas de mundo entrecruzadas na imensa escala cósmica...
então a relação de sucessão torna-se relativizada - pois, numa
linha circular de mundo, dizer que A precede B, em vez de
vice-versa,é apenas uma questão convencional.
A possibilidade da reversibilidade do tempo no nível
subatômico foi algo que Einstein teve de aceitar mesmo de
má vontade, em conseqüência das descobertas na física
quântica. Daremos uma olhada nestas descobertas e em suas
implicações no próximo capítulo. Em resposta à sugestão de
Gödel de que o tempo pudesse voltar atrás no nível cósmico,
ele mantinha a esperança de que isso ainda viesse a ser
provado como um lamentável equívoco.
"Seria interessante", dizia, "examinar cuidadosamente a
possibilidade de que esses (modelos cósmicos) não devam ser
excluídos em bases físicas.“
Os acontecimentos mostraram que ele estava errado.
Mais tarde, a suposição de que os buracos negros (micro-
universos em rotação dentro do nosso universo nos quais a
força da gravidade em tomo de uma certa massa aumentou
até o ponto de atrair o espaço-tempo em volta de si mesmo)
proporcionassem a base física definitiva para esses modelos
cosmológicos, veio confirmar a validade da solução de Gödel
para as equações da relatividade. A noção da natureza dos
buracos negros que se tem hoje realmente permite
especulações sobre viagens para trás ou para a frente no
tempo - mesmo que possa nos parecer uma coisa de ficção
científica.
Os buracos negros são chamados assim porque a força da
gravidade que há em torno deles é tão poderosa, que uma
vez que alguma coisa tenha sido sugada dentro de um deles
jamais poderá sair de novo; e isso inclui os raios de luz. Por
essa razão, nunca podemos ver os buracos negros, apenas
sua força de atração indireta sobre outros corpos.
A gravidade na superfície de um buraco negro, que é o que se
considera seu "horizonte de acontecimentos" , é tão forte que
ali o próprio tempo permanece parado - ou pelo menos é isso
que pareceria a uma pessoa que estivesse do lado de fora
olhando para dentro (ou a alguém que estivesse dentro,
olhando para fora). Se alguém caísse dentro de um buraco
negro, nós que estamos do lado de fora teríamos a impressão
de que a pessoa levaria uma infinidade de tempo para isso,
embora para ela o tempo parecesse passar normalmente -
mais ou menos o mesmo efeito que a Teoria da Relatividade
previa acontecer para os viajantes do espaço que se
aproximassem da velocidade da luz.
A pessoa que caísse no buraco negro estaria então caindo em
direção ao nosso futuro. Se pudesse comunicar-se conosco,
ela realmente estaria nos enviando "mensagens ao passado".
O astrofísico John Gribbin, ao discutir a possibilidade um tanto
fantasiosa de uma viagem através do tempo por uma
passagem pelo horizonte dos acontecimentos de buracos
negros, conta como seria uma história dessas:

Dentro de um buraco negro, o tempo como o conhecemos (e


também o espaço, como o conhecemos) deixa de existir... E
assim, um objeto extremamente compacto e maciço, como o
buraco negro, com forte campo gravitacional em torno de si,
iria permitir ao intrépido viajante do espaço dar um salto ao
futuro - e não apenas uma só vez, mas repetidas vezes...
Simplesmente mergulhando uma nave espacial na região de
forte gravidade e saindo dela pelo outro lado, o astronauta
iria ver o tempo no universo lá fora correndo, com milênios
(ou intervalos maiores até) passando em torno dele nas
poucas semanas que ele passasse manobrando sua nave em
torno do buraco até sair outra vez.

Naturalmente, é impossível qualquer comunicação de uma


pessoa dentro de um buraco negro, pois a própria definição
de um buraco negro diz que nada pode escapar dele - e nisso
estaria incluída qualquer espécie de radiação eletromagnética
que pudesse conduzir alguma mensagem. Mas existem ainda
outras objeções para que se possa ser carregado por estas
fantasias especulativas de viagens no tempo quando se
considera a possível física da precognição.
Mesmo que fosse possível comunicar-se com pessoas que
houvessem caído nesses buracos negros, ou que se pudesse
viajar em cruzeiros em torno do universo em velocidades
próximas à da luz, isso tem muito pouco que ver com nossa
experiência terrena e nada que ver com os casos conhecidos
de suposta precognição. Para quaisquer finalidades práticas,
tais possibilidades poderão ser vistas no máximo como
cogitações malucas de um escritor de ficção científica muito
criativo, embora elas tenham algum valor conceitual para o
teórico da precognição.
Antes da Teoria da Relatividade e das fantásticas distorções
de tempo nela latentes, a irreversibilidade do tempo era
sagrada e considerava-se qualquer sugestão de acesso ao
futuro um absurdo. O clima intelectual da época posterior a
Einstein repudia muito menos a simples possibilidade da
precognição do que o período da física clássica ou o bom
senso. Ainda está por se saber se os avanços na física
quântica poderão trazer mais luz sobre como realmente
funciona a precognição.
9. A FÍSICA QUÂNTICA: INCERTEZA SEM O
SENTIDO DO TEMPO
Nestes últimos vinte anos, os parapsicólogos passaram a
examinar cada vez mais as idéias e as descobertas da física
quântica tanto para apoio intelectual, como na esperança de
descobrir alguns dos verdadeiros mecanismos pelos quais
possam funcionar os fenômenos psíquicos. Mas ainda que
uma pessoa tivesse a esperança de tirar uma faculdade como
a precognição do reino das bolas de cristal e fosse olhar para
ela em meio às nuvens de vapor de uma câmara de neblina
de Wilson, não seria menos misteriosa e a pessoa ficaria
bastante desapontada. A física moderna, em especial a física
quântica, parece melhor equipada para exacerbar nosso
sentimento de incredulidade, em vez de diminuí-Io.
A maioria dos escritores e físicos acha impossível discutir os
processos subatômicos esboçados pela teoria dos quanta sem
cair em adjetivos como estranho, esquisito, excêntrico e
mágico para descrever as fantasmagóricas partículas que
estão logo abaixo da superfície de nosso mundo cotidiano.
Poucos, portanto, se surpreendem com o fato de
parapsicólogos que tentam explicar processos de pensamento
separados do corpo e objetos que se movem durante a noite
terem uma afinidade natural por um ramo da ciência que
poderia muito bem ter sido o sonho de Lewis Carroll. Na
verdade, essa afinidade vai muito mais a fundo que o simples
compartilhar de uma excentricidade.
Dois princípios muito importantes da física sempre foram a
objeção principal à precognição tanto por parte de físicos
como de filósofos, mas esses dois princípios acabaram sendo
derrubados pelas descobertas da física quântica. O primeiro é
o da unidirecionalidade do tempo, em que o "agora" deve
necessariamente preceder o "depois". O segundo é o da
causalidade, que diz que um efeito não pode preceder sua
causa. No entanto, dentro do minúsculo microcosmo do
átomo, nem o tempo nem a causalidade têm qualquer
significação no sentido aceitável.
No capítulo anterior vimos como, numa escala cósmica, a
Teoria da Relatividade permite a possibilidade do tempo
circular e da reversibilidade do tempo, o que destrói as leis da
causalidade, mas a precognição que se registra na vida
cotidiana não ocorre num sentido cósmico de pessoas
viajando a velocidades próximas à da luz. Os críticos de
qualquer tentativa de se explicar a precognição em termos da
teoria quântica argumentam que o comportamento irregular
dos processos subatômicos tem muito pouco que ver com os
acontecimentos que ocorrem no nível da vida cotidiana;
porém tais objeções estão no mínimo cheias de controvérsia.
Veremos em capítulos posteriores que existe alguma prova de
que o cérebro humano é sensível no nível dos fenômenos
quânticos e os teóricos da precognição encaram esta
sensibilidade como um elo possível entre alguns processos
quânticos e a consciência humana. Nesse contexto, três
aspectos da teoria quântica merecem ser examinados com
algum detalhamento: o Princípio da Incerteza de Heisenberg,
os estados práticos dos quanta e a não-localização quântica
(ou "ação à distância").
O Princípio da Incerteza
Nenhum trabalho humano poderia nos ter levado mais
diretamente a encarar a destruição que a teoria quântica
trouxe ao reino da causalidade do que o do físico alemão
Werner Heisenberg. Ele provou que todas as bases de nosso
universo apóiam-se apenas em imprevisíveis acontecimentos
subatômicos inteiramente fortuitos, e ganhou, por isso, o
prêmio Nobel de 1931. A seus colegas da física quântica
coube a tarefa de redefinir completamente a realidade física,
embora tenha provocado o protesto de Einstein de que esta
visão era. "tão contrária ao meu instinto científico que não
posso prosseguir a busca por uma concepção mais completa".
Respondendo diretamente às implicações das idéias de
Heisenberg, resumidas no Princípio da Incerteza, Einstein fez
sua famosa declaração de que "Deus não joga dados com o
universo". Foi, sem duvida alguma, uma reação
apaixonadamente religiosa, muito mais que uma fria
declaração científica, embora Einstein tenha passado os
últimos 25 anos de sua vida científica envolvido numa
tentativa (infrutífera) de desenvolver uma teoria que levaria a
física muito além das regras do cassino.
Paradoxalmente, é do próprio Einstein a formulação de que a
luz, e todas as outras formas de energia, provém de pré-
pacotes de energia quanta, o que levou à evolução do
princípio de Heisenberg. A teoria atômica dizia que os átomos
consistem principalmente de espaço, com um centro maciço
(o núcleo) rodeado de camadas de elétrons em órbita - algo
que pode ser imaginado como o sistema solar: o núcleo sendo
o próprio Sol e os elétrons, os planetas. Foi um importante
avanço da teoria quântica demonstrar que cada uma das
órbitas que um elétron pode ocupar enquanto circular em
torno do núcleo atômico representa um determinado estado
de energia, e que os elétrons podem se movimentar de uma
órbita para outra.
No entanto, a teoria quântica dizia que se um elétron fosse
deixar uma órbita (estado de energia) e mudar para outra, ele
antes deveria absorver ou liberar alguma energia, precisando
fazer isso em unidades de quanta descontínuos. E, como a
energia a ser absorvida ou liberada só existe em unidades
descontínuas, acontece que os movimentos dos elétrons de
órbita para órbita seriam representados como uma série de
saltos descontínuos em vez do que se poderia supor em
qualquer modelo que a física clássica pudesse oferecer (que
sustentava que todo movimento se dava ao longo de curvas
contínuas).
Essa nova descrição de movimento como uma série de saltos
descontínuos foi uma das mudanças conceituais mais
fundamentais trazidas pela teoria quântica. Era algo mais ou
menos como substituir-se o movimento na vida real pelos
bruscos estágios de cada quadro em separado de um filme de
cinema. A teoria quântica realmente mostrava que todo
movimento é estruturado como nos sucessivos quadros de
um filme - com a complicação adicional de que, exatamente
como um filme poderia ocasionalmente dar um salto,
passando por cima de alguns quadros, as partículas
subatômicas também poderiam saltar para "vários quadros à
frente", deixando de fora os passos intermediários, que
tenderiam a parecer mais naturais.

* Um quantum é a unidade mais elementar e indivisível (de


energia x tempo) necessária para que qualquer processo
subatômico aconteça. Qualquer determinado processo poderá
exigir um único quantum ou muitos quanta, daí o nome
"teoria quântica".
O Princípio da Incerteza de Heisenberg surgiu da questão de
se tentar acompanhar e descrever o movimento real de uma
partícula subatômica em seu caminho descontínuo. Durante
essa tentativa os físicos se defrontaram com uma dificuldade
fundamental: a teoria quântica previa que quanto mais se
tentasse analisar os movimentos de uma partícula
subatômica, mais ilusório este movimento se tornaria. Pela
mecânica do movimento quântico, o simples ato de dar um
enfoque à partícula seria o suficiente para perturbá-Ia.
Se, por exemplo, um físico desejasse observar o movimento
de um elétron em torno de um núcleo atômico, ele poderia
tentar localizá-lo com um microscópio muito poderoso. Mas a
visão depende da emissão de luz de um objeto para o olho, de
maneira que, para produzir essa emissão de luz, ele deveria
dirigir pelo menos um fóton de "luz" no elétron. Mas acontece
que um fóton de luz é um quantum de energia, e quando ele
atinge o elétron, irá perturbá-lo, fazendo com que mude sua
direção e velocidade - seu impulso.
Na esperança de contornar esse problema da perturbação do
impulso do elétron, o físico poderia tentar dirigir uma luz de
freqüência mais baixa para o elétron. E como Einstein havia
demonstrado, a freqüência de qualquer radiação é
diretamente proporcional à quantidade de energia que ela
carrega, de maneira que uma luz de freqüência mais baixa
iria carregar menos energia e assim não deveria perturbar o
elétron. Mas tão logo tenta isso, o físico se depara com um
problema diferente. Descobre que sua luz de freqüência mais
baixa não provoca uma imagem diferente. Uma onda de luz
de baixa freqüência teria um comprimento de onda muito
longo e isso iria produzir um quadro impreciso e aproximado
que não permitiria localizar onde está o elétron.
Assim o físico que esperava medir o movimento de um elétron
ver-se-ia na situação de ter de escolher entre conhecer o
impulso e não saber exatamente a posição do elétron, ou
conhecer sua posição e não saber muito bem qual o impulso;
ele jamais poderia saber as duas coisas, embora precisasse
conhecer impulso e posição para poder dizer algo de
significativo sobre o movimento do elétron. Essa é a essência
do Princípio da Incerteza: em determinado nível de realidade
chegamos a uma barreira além da qual é impossível tomar
qualquer conjunto de medições exatas, e por isso torna-se
impossível saber exatamente como se comportam os
elementos que constituem a matéria.
Segundo Heisenberg,essa incerteza é uma configuração
característica do universo e não uma decorrência do uso de
instrumentos ou meios inadequados. Ao descrever os
movimentos das partículas, explicava ele, teríamos sempre de
nos contentar com aproximações. Dada uma "série" de
medições longa o bastante, as aproximações iriam formar
uma espécie de quadro (conforme as leis da probabilidade),
mas esse quadro seria mais o resultado de uma tendência
estatística do que a descrição objetiva e exata de qualquer
movimento de elétron.
Max Bom, colega de Heisenberg, expressou-se assim: "A física
está na natureza do caso indeterminado e, portanto, é um
caso para a estatística". Isso não é o pior. Tirando as
implicações dessa indeterminação, Max Bom continua
dizendo:

... se jamais se pode determinar a não ser uma das duas


propriedades (de uma partícula) [ter uma posição definida e
um impulso definido], e se, quando uma é determinada, não
se pode estabelecer nada sobre a outra propriedade naquele
mesmo instante, até onde chegou nossa experiência, não
temos justificativa para concluir que a "coisa" em exame
possa realmente ser descrita como sendo uma partícula no
sentido comum da expressão.

Mas, e se o elétron não for uma partícula "no sentido


comum", o que será ele? A questão nos leva a outra
descoberta revolucionária da física quântica: que a matéria
em si não é necessariamente material no sentido normal
desta expressão. Ou antes, pelo menos no nível subatômico, a
matéria tem uma tal natureza dualista que as partículas
elementares podem ser descritas com a mesma validade,
comportando-se como ondas ou como partículas.
Se um elétron colide com outro elétron, por exemplo, ele se
comporta como uma partícula, e a colisão dessas duas
partículas deixaria pistas conhecidas numa câmara de neblina
de Wilson. Mas acontece que se um elétron é atingido
estando contra uma tela que tenha duas fendas, em vez de
escolher passar através de uma ou da outra, como uma
partícula o faria, ele pode assumir de repente as propriedades
de uma onda, passar pelas duas fendas, e interferir em si
mesmo!
"As partículas elementares", disse Sir William Bragg,
"parecem ser ondas às segundas, quartas e sextas, e
partículas às terças, quintas e sábados".
Resumindo, nunca se pode ter realmente a certeza de quando
ou sob quais circunstâncias um elétron (ou qualquer outra
"partícula" subatômica) irá comportar-se como uma onda ou
como partícula, e assim os físicos quânticos desistiram das
descrições muito simplistas de partícula ou onda e, em vez
disso, falam de "ondas de matéria".
As ondas de matéria são entidades matemáticas complexas
que expressam as possíveis manifestações da natureza
dualista do elétron (e, na verdade, todas as suas outras
possíveis propriedades, como posição ou estado de energia) e
representam a solução intermediária da teoria quântica para
o problema de como descrever uma realidade que sai de foco
a cada vez que se tenta olhar para ela.
Com o "Princípio da Complementaridade", a teoria quântica
estabelece que, enquanto não se puder ter a certeza de se
estar lidando com um elétron em sua forma de onda ou de
partícula, as duas possibilidades são complementares entre
si, de maneira que se pode pelo menos descrever os
movimentos e interações do "pacote" (a onda de matéria),
obtendo assim um quadro aproximado da realidade. Mas esse
quadro aproximado - e este é ponto da teoria quântica que
feriu a sensibilidade de Einstein - nunca é mais que uma
distribuição das probabilidades que, sob quaisquer conjuntos
de circunstâncias, iriam fazer a onda de matéria se expressar
de um modo ou de outro e, até que ela resolva fazer isso,
deve-se dizer que a própria realidade (a realidade daquele
elétron) consiste de probabilidades. Ondas de matéria
geralmente são descritas como "ondas de probabilidade".
Tirando-se todas as implicações do Princípio da Incerteza de
Heisenberg, pode-se dizer que, segundo a teoria quântica, a
realidade em seu nível mais elementar consiste não de
quaisquer realidades fixas que possamos conhecer, mas de
todas as probabilidades das várias realidades fixas que
poderíamos conhecer. Evidentemente, alguma proporção
dessas probabilidades em algum estágio se torna realidade, a
que o mundo de nossa experiência cotidiana presta
testemunho. Mas, de que maneira? Em que estágio, e por
que, uma ou outra das inúmeras possibilidades da natureza
se fixa no mundo das "coisas reais" e que papel
desempenham todas as "probabilidades perdidas" ao atingir
seu estado de coisas final?
Os Estados Práticos
Na verdade, o fato de a teoria quântica demonstrar que não
existe e jamais poderá existir qualquer espécie de resposta
satisfatória para a maioria dessas últimas perguntas
representou um efetivo ataque às leis da causalidade, há
tempos tão respeitadas.
Quando se substituiu a clássica noção de movimento contínuo
por um caminho preestabelecido pela visão quântica de
bruscas transições de um estado de energia para outro
através de saltos quânticos descontínuos, a brecha estava
aberta. Logo tornou-se evidente que se um sistema atômico é
perturbado (interna ou externamente), as conseqüentes
transições do elétron ocorrerão de maneira inteiramente
casual.
Por exemplo, poderá acontecer uma transição a qualquer
hora e sem qualquer causa atribuível. E, subitamente, sem
qualquer aviso prévio, sem nenhuma razão aparente, um
átomo que estava antes "calmo" pode passar por um caos em
seus elétrons, e jamais se pode prever quando isso irá
acontecer com qualquer dos átomos. É só uma questão de
oportunidade. Além disso, e esta é a razão pela qual se diz
que há reversibilidade do tempo no nível quântico - um
elétron pode, e com a mesma probabilidade, sofrer uma
transição de um estado de energia elevado para um inferior,
ou de um estado de baixa energia para um de alta energia.
Assim, não é possível falar de uma "sucessão de
acontecimentos" em nenhum sentido conhecido, como se
alguma coisa tivesse necessariamente levado a outra. Seria
mais exato dizer que um acontecimento estaria relacionado
com outro, mas seria muito errado descrever um como causa
e outro como efeito. Simplesmente eles "acontecem da forma
que acontecem". E o pior, o que nos traz de volta à questão
das "probabilidades perdidas", durante os estágios anteriores
de sua perturbação, as transições do elétron que se verificam
dentro de um sistema atômico excitado ocorrem
simultaneamente em todas as direções de uma só vez. Quer
dizer, um elétron excitado comporta-se como se "estivesse
cobrindo todo um amplo espaço".
Se um elétron é atingido por um fóton, ele terá adquirido
energia do fóton e assim já não poderá mais continuar
normalmente circulando em volta do núcleo na órbita que
havia ocupado antes de maneira tão estável. Deverá sair
procurando uma outra órbita mais adequada a seu novo
estado de excitação. Mas, uma vez que nada é determinado
na física quântica, existem muitas outras órbitas em que ele
pode se instalar. Embora apenas uma certa proporção dessas
novas órbitas ofereça ao elétron um lar estável e permanente,
como poderia ele saber qual, a menos que experimentasse
todas? Pois é exatamente isso que ele faz.
Um elétron excitado, disfarçado de onda de probabilidade,
aplica todos os seus "sensores" temporariamente, enquanto
vai procurando seu lugar, em todas as possíveis
acomodações. Até ele decidir se estabelecer em alguma
localização permanente, ele realmente estará vivendo em
todas as possibilidades temporárias.
Na teoria quântica, esses "endereços temporários" são
chamados de "transições virtuais", e o endereço final, o
''permanente'', chama-se "transição real". Mas, como adverte
o físico quântico David Bohm, não devemos nos deixar
enganar com o uso destas expressões "real" e "virtual":

Às vezes as transições permanentes (ou seja, as que


conservam energia) são chamadas de transições reais, para
distingui-Ias das chamadas transições virtuais, que não
conservam a energia e que devem portanto reverter ao
estado anterior antes que tenham ido longe demais. Trata-se
de uma terminologia infeliz, pois implica que as transições
virtuais não tenham efeitos reais. Ao contrário, muitas vezes
elas são da maior importância, pois muitos processos físicos
são resultado destas chamadas transições virtuais.

A situação se parece um pouco com a de uma pessoa muito


modesta que acaba de ganhar na loteria. A nova riqueza faz
com que ela ache inconveniente continuar morando num
apartamentinho de dois quartos na mesma rua de sempre.
Todo um mundo de novas possibilidades se abriu para essa
pessoa e ela pretende realizar seu maior desejo: possuir a
casa de seus sonhos. No "mundo real" (o mundo da realidade
diária), naturalmente, ela teria que explorar todas essas
possibilidades uma por uma, talvez tendo que se mudar umas
oito ou dez vezes até ter a certeza de haver encontrado
exatamente a casa certa.
Mas no mundo da quântica, o ganhador simplesmente mora
em todas as suas possíveis casa novas, e em todas ao mesmo
tempo. Se o corretor quisesse obrigá-lo a assinar o contrato
de compra, essa seria uma tarefa impossível (pois ele estará
morando em todas as casas) e seria preciso enviar duplicatas
para cada um dos endereços. Se estas casas fossem o
bastante perto umas das outras, o ganhador até poderia estar
em cada uma das varandas acenando para si mesmo.
Afinal, tendo explorado inteiramente todas as suas
possibilidades, o ganhador iria se estabelecer de modo
permanente apenas numa casa, mas não sem haver deixado
"traços" de sua presença nas diversas vizinhanças onde
estavam suas casas temporárias. Os vizinhos poderiam
lembrar-se de tê-Io visto, imaginando algo como: "O que será
que aconteceu com aquela pessoa que desapareceu tão de
repente?" Alguns desses vizinhos podem até ter mudado seus
próprios hábitos em conseqüência do vencedor estar
residindo em suas proximidades temporariamente. ("... pois
muitos processos físicos são resultado destas transições
virtuais".)
Conquanto o caso do ganhador da loteria do mundo quântico
possa parecer um tanto forçado, não precisamos ir mais longe
que a evolução biológica para observar resultados na vida
real de coisas muito parecidas com as transições quânticas
virtuais. Como sugere Bohm, entre outros: "De muitas
maneiras o conceito de uma transição virtual se parece com a
idéia da evolução biológica, que afirma poderem surgir todos
os gêneros de espécies em mutações, mas apenas algumas
espécies sobreviverão indefinidamente; e serão aquelas
capazes de satisfazer determinadas exigências para a
sobrevivência no meio ambiente específico que rodeia a
espécie".
* Na verdade, para a física quântica não faria muita diferença
a distância em que estejam as casas, porque as transições
virtuais de uma partícula podem interferir umas nas outras a
qualquer distância.
As inúmeras espécies que surgem de repente por meio de
mutações podem ser vistas como as diversas possibilidades
(estados virtuais) sendo exploradas pela natureza como novas
maneiras pelas quais ela poderia expressar seu potencial. As
possibilidades menos viáveis, como diz Bohm, acabam sendo
postas de lado mas, em geral, não sem antes deixar algum
traço de si mesmas que irá se tornar parte do sistema da
vida. Duas mutações condenadas, por exemplo, poderiam,
antes de desaparecer, fazer um cruzamento que formaria
uma terceira mutação bastante capaz de sobreviver
indefinidamente (uma transição real). Foi mais ou menos
assim que a espécie humana surgiu - uma bem-sucedida
mutação secundária de alguma forma de vida obscura que se
conhece apenas como "o elo perdido".
A Não-localização ou "Ação à Distância"
É em conseqüência direta do significado dos estados virtuais,
pelo qual a função de onda de uma partícula elementar é
"espalhada por uma enorme região no espaço", que a teoria
quântica faz sua predição mais forte e mais revolucionária:
pode haver ligações e correlações entre acontecimentos ,
muito distantes na ausência de qualquer força ou sinal
intermediário, e essa "ação à distância" será instantânea.
Esse "Princípio da Não-localização" (segundo o qual alguma
coisa pode ser afetada na ausência de qualquer causa local)
está bem claro no Teorema de Bell - e parte necessariamente
da natureza essencialmente indeterminada da realidade,
como é sugerido pelas equações de onda da teoria quântica.
A teoria quântica indica que não existem coisas como partes
isoladas da realidade, mas, antes, apenas fenômenos muito
intimamente relacionados e tão ligados entre si como se
fossem inseparáveis. Essa visão sustenta que nosso mundo
físico "... não é uma estrutura feita de entidades não
analisáveis de existência independente, mas uma rede de
relacionamentos entre elementos cujos significados se
elevam totalmente de seus relacionamentos ao todo".
Essa visão, com suas nuances evidentemente místicas, vai
diretamente contra não apenas o bom senso e a física
clássica, mas também contra a Teoria da Relatividade - todas
baseadas no princípio intuitivo de que os fragmentos de que
esta realidade se compõe são inerentemente separados e de
que não há nenhum efeito testemunhado num pedacinho
específico que tenha uma causa detectável proveniente de
algum outro fragmento, atuando como intermediário por meio
de alguma força ou sinal detectável localmente.
Einstein acrescentou mais um elemento a essa doutrina de
"causas locais", afirmando que nenhum sinal poderia ir de um
fragmento da realidade (uma causa) para outro (um efeito)
mais depressa que a luz, e assim não haveria empecilhos em
relação ao que diz a teoria quântica, de que uma influência
pode ser instantânea. Foi por causa de sua defesa de uma
"ação à distância" instantânea que Einstein insistia em que a
teoria quântica tinha de ser uma descrição incompleta da
realidade e se dispôs a ilustrar isso no famoso Paradoxo de
Einstein, Podolsky e Rosen - o Paradoxo EPR, publicado em
1935.
A essência do Paradoxo EPR pode ser compreendida
imaginando-se o destino de um hipotético par de gêmeos,
que nasceu em Londres. Os dois foram separados desde o dia
em que nasceram: um deles continuou morando em Londres
e o outro foi para Nova Iorque. Os gêmeos jamais se
encontraram, nenhum dos dois sabe que tem um irmão
gêmeo e nunca houve nenhuma forma de comunicação entre
eles. Portanto, em condições normais, eles viveram vidas
inteiramente separadas. Mas, apesar do desconhecimento e
da falta de comunicação entre ambos, um psicólogo que
estuda os gêmeos percebe uma estranha semelhança em
seus comportamentos e suas circunstâncias. Cada um dos
dois adotou o apelido de "Scotty"; os dois escolheram entrar
para a força policial e ambos chegaram ao posto de Detetive-
Inspetor; os dois se vestem quase exclusivamente de azul; os
dois casaram no mesmo ano com uma morena chamada
Mary, e assim por diante. Como se explica tudo isso?
O teórico da quântica não teria problema com essas
aparentemente inexplicáveis correlações entre as vidas dos
dois gêmeos, pois suas equações sempre o deixaram
esperando por algo assim - e desde que suas previsões
matemáticas se tenham tornado realidade, ele não está muito
preocupado com o porque. Mas Einstein não ia deixar a coisa
dessa maneira e achava que o fato de os teóricos da física
quântica não se importarem com esse tipo de coisa era uma
prova de que a teoria quântica estava incompleta.
Em primeiro lugar, Einstein não podia abandonar sua fé (já
abalada pelo Princípio da Incerteza) de que uma teoria física
completa deveria ser capaz de explicar o "porquê" das coisas
e dizer algo definido sobre a natureza da realidade. Em
segundo lugar, ele não podia aceitar que não houvesse
alguma explicação "respeitadora da lei" por trás de quaisquer
uma das correlações entre as vidas obviamente separadas
dos gêmeos.

Pode-se fugir desta conclusão (de que a teoria quântica está


incompleta) somente se assumirmos que ou a medida de S1
(um dos gêmeos) muda telepaticamente a situação real de S2
(o outro gêmeo), ou se negarmos situações reais (vidas)
independentes como coisas que estão separadas em termos
espaciais uma da outra. Essas duas alternativas me parecem
completamente inaceitáveis.

De maneira que, para evitar cair de volta na telepatia ou na


possibilidade de alguma ligação misteriosa entre situações
distantes, Einstein propunha uma terceira saída: a de que
haveria algum fator em comum na própria natureza das
situações que poderia ser levado em conta nesse
comportamento correlacionado.
Em nosso exemplo dos gêmeos, esse fator comum poderia ser
ilustrado dizendo-se que eles devem ser gêmeos idênticos,
compartilhando material genético. Einstein diria então que, se
as vidas dos gêmeos transcorreram por linhas semelhantes,
conforme previa a teoria quântica, era simplesmente porque
eles haviam sido programados para isso desde o início, por
aquele fator genético comum, profundo em sua natureza. E
assim não existe nenhuma, telepatia e nenhuma "ação à
distância" em seus estilos de vida semelhantes, e sim um
fator comum que a teoria quântica deve deixar de levar em
conta por sua recusa em estabelecer qualquer coisa sobre a
natureza da realidade subjacente.
Durante muitos anos, a prova sugerida por Einstein de que a
teoria quântica está incompleta foi deixada de lado, num
estado quase de esquecimento junto com as previsões de
não-localização. Os poucos físicos que pensaram sobre o
Paradoxo EPR não pensaram de maneira alguma que pelo
menos essa solução do "fator comum" (as variáveis ocultas)
fosse compatível com quaisquer previsões da teoria quântica,
e assim parecia de certa forma um tanto abstrato que
Einstein estivesse certo ao dizer que tais previsões poderiam
ser explicadas em relação a uma realidade subjacente. Mas
tudo isso mudou com a publicação do Teorema de Bell em
1964.
Bell, um físico dos laboratórios CERN em Genebra, provou
matematicamente que ou Einstein estava certo, e existe uma
realidade fundamental no mundo físico por baixo da
indeterminância da física quântica e assim a teoria quântica
está equivocada, ou o próprio Einstein estava inteiramente
errado ao supor que haja uma realidade subjacente e a teoria
quântica está correta ao prever uma autêntica ação à
distância. Bell estabeleceu este ou-ou baseado numa prova
de que a idéia de Einstein e a teoria quântica levariam não às
mesmas previsões em determinadas situações experimentais,
como se havia pensado, mas a outras completamente
diferentes. Embora o Teorema de Bell por si mesmo seja
extremamente matemático, pode ser expresso através do
exemplo dos gêmeos.
Suponhamos que o psicólogo que observou os gêmeos tenha
notado que ambos têm inclinação a acidentes. Cada um dos
dois feriu-se jogando futebol com a idade de 16 anos, cada
um bateu com o carro aos 25 anos, e assim por diante. Numa
situação como essa, Einstein diria que essa tendência a
acidentes deveria ser um traço herdado e que essas
respectivas pinceladas do azar dos gêmeos estavam
programadas para acontecer. O teórico da quântica diria que
nada sabe sobre genética, mas que suas equações
demonstram que se um acidente sobrevém a um gêmeo, um
acidente semelhante deve sobrevir ao outro. O que Bell fez foi
provar que existe uma espécie de acidente capaz de
demonstrar de uma vez por todas que a tendência a
acidentes dos gêmeos seria realmente um traço herdado.
Bell sugeriria que o gêmeo que morava em Nova Iorque fora
empurrado num lance de escadas de maneira a quebrar a
perna. E agora, já que ninguém iria argumentar que alguém
poderia herdar a tendência a ser empurrado escada abaixo
por algum estranho hostil, se acontecesse um acidente
semelhante ao gêmeo de Londres Einstein possivelmente não
poderia argumentar que isso acontecera por causa de algum
fundo genético em comum. Se os dois gêmeos caíram em um
lance de escadas (e só o de Nova Iorque foi empurrado por
alguém) e cada um dos dois acabou com uma perna
quebrada, deveria então haver alguma espécie de telepatia
funcionando entre os dois. A teoria quântica estaria vingada.
Mas se, por outro lado, o gêmeo de Londres continuasse a
caminhar são e salvo em cima de suas duas pernas e o
gêmeo de Nova Iorque estivesse com sua perna quebrada
engessada, então Einstein estaria certo. Ele poderia dizer que
todas as semelhanças observadas baseavam-se em
características herdadas (as variáveis ocultas) e que, em
situações que as características herdadas não abrangessem,
não se poderia esperar semelhanças (ou, correlações).
As alternativas esboçadas pelo Teorema de Bell foram
testadas em laboratório no ano de 1974, quando dois físicos
de Berkeley, Stuart Freedman e John Clauser, conseguiram
realizar uma experiência de correlação bem-sucedida em
fótons polarizados. Freedman e Clauser determinaram, acima
de qualquer suspeita, que as misteriosas correlações ocorrem
conforme prevê a teoria quântica, e sua capacidade para
fazer isso registrando efeitos macroscópios (ou seja, efeitos
visíveis no nível da realidade do cotidiano) na aparelhagem de
seu laboratório ainda vai mais longe, até mostrar que o
Teorema de Bell e a "ação à distância" têm implicações muito
além do nível subatômico da realidade. Segundo colocação de
um físico quântico:

O importante no Teorema de Bell é que ele coloca o dilema


imposto pelos fenômenos quânticos muito claramente no
reino dos fenômenos macroscópicos (nível do cotidiano)... (e)
mostra que nossas idéias comuns sobre o mundo são
profundamente deficientes mesmo no nível macroscópico.

Em seu estudo sobre a Teoria Especial da Relatividade, David


Bohm assume o mesmo ponto de vista dos físicos relativistas
a respeito desses desafios conceituais sugerindo que onde os
conceitos relativistas de tempo e espaço colidem com nossa
percepção normal do mundo, pode ser que essa colisão se
deva ao fato de nossas percepções do cotidiano estarem
baseadas em "nossa limitada e inadequada compreensão do
campo da experiência comum, em vez de ocorrer por
qualquer inevitabilidade inerente em nosso modo habitual de
apreender este campo".
Poderia parecer que uma objeção muito freqüente dos que se
opõem ao fato de a parapsicologia ficar extraindo paralelos
entre os estranhos acontecimentos da física quântica e as
também estranhas ocorrências da pesquisa psíquica - de que
o que acontece no nível subatômico nada tem a ver com a
maneira como as coisas acontecem no mundo cotidiano
(macroscópico) - não seja necessariamente válida. Com o
Teorema de BeIl, sabemos agora que pelo menos é
teoricamente possível dar uma espiada em fenômenos
quânticos de relevância quando se tenta explicar qualquer
fenômeno psíquico comprovado que pesquisadores possam
realizar.
Muito interessante é o hipotético exemplo dos gêmeos aqui
utilizado para ilustrar os efeitos de correlação no nível
quântico, e o Teorema de Bell poderia estar muito próximo de
algum exemplo real de "ação à distância" ou telepatia no
nível macroscópico. Nestes últimos anos, os psicólogos que
estudam grupos de gêmeos que foram separados desde o
nascimento notaram o tipo de correlações misteriosas do
exemplo hipotético - adotar o mesmo estilo de penteados,
preferências por roupas semelhantes e semelhantes
ocupações, casamentos quase simultâneos e com mulheres
parecidas, e assim por diante. Isso naturalmente levou à
especulação de quantas dessas similitudes poderiam ser
explicadas pelos laços genéticos e quantas deveriam ser
postas na conta de alguma espécie de telepatia. Apenas um
desses estudos introduzia um fator semelhante ao desafio do
Teorema de Bell - um terrível acidente que aconteceu a um
gêmeo, e seu efeito ou a ausência desse efeito no outro.
Quatro psicólogos japoneses fizeram um estudo profundo em
três pares de gêmeos idênticos. Em cada um desses pares,
um dos gêmeos fora exposto à bomba atômica e outro não.
Estudos sociais e psicológicos realizados sobre esses gêmeos,
anos depois da guerra mostravam notável semelhança em
estilo de vida, rendimentos, personalidade básica e
relacionamentos familiares, embora em cada um dos pares o
gêmeo exposto à bomba mostrasse um nível mais elevado de
ansiedade em resposta a certos testes de cores de Rorschach,
e os não expostos à bomba apresentassem muito pouca
sensibilidade a isso. Essa mistura de semelhanças e
dessemelhanças é, de certa forma, inconclusiva e a
amostragem do teste resulta muito pequena, mas indica o
caminho para outras pesquisas que poderiam estabelecer a
existência ou não de ligações telepáticas entre gêmeos. Os
resultados japoneses em si devem ser considerados como
indicação levemente negativa.
"Ação a uma Distância Temporal"
Embora o Teorema de BeIl e as experiências da não-
localização de Freedman e Clauser tendam a ter muito
grandes implicações para a telepatia, poder-se-ia argumentar
que têm muito pouca relação direta com o problema da
precognição. As experiências de Freedman e Clauser referem-
se a dois fatos que acontecem simultaneamente mas em
lugares diferentes, quando o principal fator na precognição é
o de que dois fatos que aconteçam em tempos diferentes (um
ainda no futuro) pareçam ter um efeito sobre o outro.
Mas existe - e, estranhamente, pouco se fala nisso - um grupo
de experiências realizadas pelos físicos da Universidade de
Rochester, R. L. Pfleegor e L. MandeI em 1967, que
demonstram exatamente esse efeito: uma correlação não-
local entre dois fatos que aconteceram no mesmo lugar, mas
em, tempos diferentes.
A experiência Pfleegor e Mandel, como a de Freedman e
Clauser, trabalha com fótons e apresenta suas implicações
em linguagem matemática extremamente complexa, mas a
essência da experiência também pode ser resumida numa
analogia.
Suponhamos que existem dois funcionários trabalhando num
mesmo escritório; no entanto, um deles (A) entra no turno da
manhã e o outro (B) entra no da tarde. Do lado de fora da
porta do escritório há dois cabides reservados para o uso de A
e B.
Até pouco tempo atrás, A e B sempre haviam trabalhado no
mesmo turno e, nessa época, notou-se que era inteiramente
casual quem usava qual cabide. Nenhum dos dois havia
determinado nada a respeito do uso de um ou outro cabide.
Mas agora que eles estavam trabalhando em turnos
diferentes, esse acaso na escolha de qual dos cabides usar
continuava, só que com uma diferença bem grande. Quando A
chegava para seu turno matinal, ele escolheria por acaso
qualquer um dos dois cabides, e quando B chegava para seu
turno ã tarde também escolheria qualquer um dos dois
cabides que A não tivesse usado. Dessa maneira, embora A e
B estivessem trabalhando em horas diferentes, eles
continuavam a pendurar seus casacos de maneira que dava a
impressão de que ambos estivessem presentes. O
comportamento de ambos mostrava-se misteriosamente
ligado, através de alguma lacuna no tempo que havia entre
os dois, de maneira a estar sempre correlacionado.
As correlações demonstradas na experiência de Pfleegor e
MandeI eram sempre tão exatamente simétricas que não faria
sentido dizer que A escolheu um determinado cabide
prevendo que B iria usar o outro, ou que B tenha escolhido o
seu por alguma consciência telepática sobre qual cabide A
teria escolhido antes. Tudo o que se pode dizer é que eles
mostraram como dois acontecimentos podem estar um tanto
relacionados através do tempo de uma forma que garante
que eles estarão sempre correlacionados, e qualquer
tentativa de se colocar uma relação de causa e efeito entre os
dois não teria significado algum.
No gênero de relacionamentos não-locais de "ação à
distância" que ocorrem na física quântica, não existem nem o
tempo nem o espaço no sentido comum que se dá de uma
"distância entre lugares" ou "distância entre momentos". Na
experiência de Freedman e Clauser que testava as
alternativas do Teorema de Bell, os fótons se comportavam
como se estivessem "cobrindo uma grande região no espaço".
Na experiência de Pfleegor e Mandel, era como se estivessem
cobrindo uma grande porção de tempo. Em qualquer dos
casos, a distância é substituída pelo relacionamento.
Disso pode -se concluir que se a precognição fosse vista como
manifestação macroscópica do tipo de efeitos de tempo não-
locais demonstrado por Pfleegor e MandeI, já não haveria
mais fundamento para dizer que há um paradoxo filosófico
sobre a causalidade. Onde a distância espacial e temporal é
substituída pelo relacionamento, a causa e o efeito já não têm
mais qualquer significado. Também se pode concluir que a
partir de um tal modelo quaisquer objeções ao fato de a
precognição implicar a impossibilidade do livre-arbítrio
também teriam de ser vistas sob uma nova luz - mas esses
casos serão discutidos no Capítulo 12.
10. A CONSCIÊNCIA E OS FENÔMENOS
QUÂNTICOS
Para alguém que esteja procurando seriamente uma
explicação física para os fenômenos psíquicos, a teoria
quântica oferece muitas possibilidades espantosas. Pelo
menos em termos conceituais mais amplos, a maioria das
objeções filosóficas e materiais aparentemente insuperáveis à
mais singela possibilidade da existência de coisas como a
psicocinese, a telepatia e a precognição já foram derrubadas
pela nova física.
O Princípio da Complementaridade estabeleceu que a matéria
e a energia são dois lados de uma mesma moeda e se, como
também parece, a própria consciência é alguma espécie de
energia mental, então já não pareceria mais tão artificial
considerar-se que a mente possa exercer alguma influência
sobre a matéria (psicocinese). Esse ponto de vista é ainda
mais reforçado pela maneira com que a teoria quântica
retirou quaisquer distinções mais estáveis entre o observador
e o observado ao demonstrar que aparentemente a
consciência tem um papel ativo na determinação dos
resultados de experiências realizadas para estudar o
fenômeno quântico. As experiências sobre o Teorema de Bell
estabeleceram que as estranhas influências acausais que
transcendem as limitações de tempo e espaço ligam
partículas elementares no nível quântico da, realidade de uma
maneira muito sugestiva à suposta capacidade da mente em
transcender a distância (telepatia) ou tempo (precognição) no
nível macroscópico.
Mas, se qualquer um desses efeitos quânticos muito
promissores pode ser considerado como tendo uma
importância direta para explicar a mecânica real de coisas
como a precognição, não bastará mostrar que eles ocorrem
entre partículas elementares reagindo no vácuo em condições
de laboratório. Deve-se encontrar alguma prova de que existe
uma ponte natural entre os fenômenos quânticos e a
consciência humana, de maneira que nossos pensamentos e
percepções na vida diária possam ser influenciados pelo
estranho comportamento das partículas elementares. E a
questão mais importante no momento é saber se há algum
mecanismo conhecido no cérebro que permita que nossa
consciência dos fatos que ocorrem no mundo possa formar-se
pelo menos parcialmente em resposta aos fenômenos do
nível quântico - e especialmente em resposta à
indeterminância quântica.
A Indeterminância Quântica no Cérebro
O cérebro humano consiste essencialmente de 10 mil milhões
(10 elevado a 10) de células nervosas chamadas "neurônios"
e esses neurônios, como também células nervosas em outras
partes do organismo, são sensíveis ao estímulo de influências
externas. O cérebro é muitas vezes comparado a um
computador por haver alguma semelhança entre a
complexidade da maneira pela qual seus feixes de neurônios
estão organizados e o emaranhado de fios que compõem o
circuito elétrico de um computador.
Como as "células nervosas" de um computador, os neurônios
do cérebro também são uma espécie de fiação elétrica que
deixa fluir impulsos eletroquímicos passando mensagens
diversas para dentro e para fora. Exatamente como a fiação
elétrica de qualquer máquina, que terá maior ou menor
eficiência dependendo da condutibilidade dos fios e da força
dos impulsos elétricos transmitidos, os neurônios do cérebro
transmitirão mais ou menos informações dependendo de sua
própria condutibilidade e da força dos estímulos que atinjam o
neurônio.
No tecido vivo, as concentrações químicas (de hormônios,
metabolitos, drogas, sais etc.) que circundam as junções
(sinapses) entre os neurônios determinam a eficácia com que
eles conduzirão os impulsos elétricos, e, por conseguinte, a
informação. Se um neurônio está rodeado por uma
concentração química de algumas substâncias importantes
que seja fraca, será preciso uma entrada elétrica muito
grande para estimulá-Ia à ação; se a concentração química
em volta é forte, o neurônio irá disparar sob a influência de
um impulso elétrico muito mais fraco. A quantidade de
estímulo elétrico necessária para fazer um neurônio disparar
(ou seja, responder ao estímulo e passar adiante qualquer
informação) é chamada de "limiar de estímulo".
No caminho normal da percepção, os neurônios são
continuamente excitados, além ou dentro da faixa do limiar
de estímulos, pelos impulsos elétricos muito fortes gerados
pelo ambiente circundante. Nós enxergamos porque os raios
de luz estimulam os neurônios ópticos, ouvimos porque ondas
de som estimulam os neurônios auditivos, e assim por diante.
Mas a questão de a capacidade do cérebro reagir ao nível dos
fenômenos quânticos é saber se um processo quântico
poderia gerar um impulso elétrico com força suficiente para
disparar neurônios, excitando-os no nível mínimo de seus
limiares de estímulo.
Já se sabe há algumas décadas que o córtex visual do cérebro
humano é sensível o bastante para registrar um único fóton
de luz, o que equivale dizer que ele registra um único
processo quântico - a passagem de um elétron de um estado
mais elevado de energia. dentro de um átomo para um
estado de energia inferior. Esses processos quânticos
singulares naturalmente estão sujeitos ao Princípio da
Incerteza e são a localização para o tipo de efeitos não-locais
discutidos no capítulo anterior. Antes de se estabelecer
finalmente em seu estado mais estável (e assim emitir um
fóton), o elétron se espalha pelo espaço e tempo em milhares
de transições virtuais, interferindo consigo mesmo e com
outros elétrons em flagrante menosprezo à causalidade ou
temporalidade.
A questão de o cérebro poder adaptar-se à indefinição das
transições virtuais continua sendo a mais séria dos teóricos
da precognição, mas experiências realizadas já na década de
40 haviam determinado que neurônios corticais (do cérebro)
singulares estão sujeitos a um Princípio de Incerteza próprio e
que a indeterminância quântica está funcionando no próprio
cérebro, através de variações casuais nas concentrações
químicas que envolvem as sinapses dos neurônios.
Como é indicado pelo fato de que um único fóton (um
quantum de luz) irá excitar o nervo óptico, as sinapses dos
neurônios são tão finas e tão sensíveis que a semelhança de
seus disparos (seu limiar de estímulo) varia segundo as
flutuações quânticas no fluido iônico circundante. Como essas
flutuações são inteiramente casuais, não é possível dizer
exatamente quando algum neurônio irá disparar mais do que
será possível predizer quando qualquer elétron irá se excitar.
Testes de laboratório em neurônios isolados provam que seus
limiares de estímulo variam segundo uma lei estatística
definida, como qualquer outro processo quântico.
Nem todos os neurônios corticais estão sujeitos à
indeterminância quântica. Apenas aqueles que já estão
estimulados ou muito próximos de seus limiares de estímulo
terão uma sensibilidade no nível quântico de excitação dos
fluidos circundantes. Se o estímulo chega em nível mais alto,
como acontece na percepção normal, ele irá abafar os
estímulos no nível quântico, muito mais delicados. Mas, dos
10 (elevado a 10) neurônios que se supõe existirem no
cérebro, os dados experimentais sugerem que cerca de 10
(elevado a 7) estão sendo estimulados ou se encontram muito
próximos do limite marginal da sensibilidade quântica a
qualquer momento. Em contrapartida, existem
aproximadamente 10 (elevado a 6) neurônios no nervo óptico,
de maneira que a entrada do nível quântico no cérebro é pelo
menos dez vezes maior que a entrada visual.
Em estados de atividade cerebral reduzida, como durante o
sono ou em estado de meditação ou de transe, a proporção
de neurônios sujeitos ao estímulo marginal limite aumenta,
aumentando assim a suscetibilidade ao estímulo por
fenômenos quânticos indeterminados nesses estados. O
interessante é que em estados de relaxamento há uma
predominância de ondas alfa registradas em padrões EEG, e,
como já foi discutido antes, as ondas alfa podem muito bem
estar associadas a uma capacidade mais elevada de PES.
A Indeterminância Quântica e o Pensamento
Consciente
Até agora estivemos discutindo a sensibilidade de neurônios
corticais em relação à indeterminância quântica microscópica,
e tudo o que já dissemos é fato científico estabelecido. Não há
dúvida de que no nível mais básico os elementos que
constituem o cérebro sejam afetados por processos quânticos.
Mas, embora possa ser encorajador encontrar-se no cérebro
qualquer elemento em funcionamento que esteja voltado para
os fenômenos quânticos, o comportamento isolado de
neurônios singulares ainda está a uma grande distância dos
modelos conexos (sincrônicos) de disparos de milhões de
neurônios que constituem nossa consciência desperta normal.
Se essa coerência macroscópica (manifestada como
consciência desperta) tem qualquer fundamento quântico
mecânico ainda é uma simples questão especulativa - embora
quase todas as teorias físicas da precognição possam afirmar
que ela existe.
Ondas cerebrais conexas certamente existem, como já foi
bastante demonstrado em padrões de EEG, e quanto mais
elevado o grau de consciência que estiver sendo
acompanhado, maior a disseminação dessa conexão. Um
cérebro profundamente adormecido registra muito poucas
ondas cerebrais conexas; um cérebro em atividade normal
desperta, um pouco mais; um cérebro muito concentrado em
algum trabalho criativo, mais ainda; e um cérebro envolvido
em algo como a meditação transcendental apresenta o mais
elevado nível de conexão. Estudos por EEG do cérebro de
Einstein mostraram um padrão consistente de ondas alfas
conexas a maior parte do tempo!
As ondas cerebrais conexas, por todas as suas perturbadoras
ligações com a consciência mais elevada, são produzidas no
nível dos neurônios, por milhares de neurônios reagindo em
fase, e não existe nenhuma ligação comprovada entre esse
tipo de conexão (macroscópica) e o tipo de conexão
(microscópica) de funções de onda quântica encontrado
nesses fenômenos, como a superfluidez ou a
supercondutividade. Ainda assim, alguns físicos quânticos
interessados em determinar a física da consciência fazem
especulações de que alguma coisa como a
supercondutividade esteja por baixo da base do processo
consciente e muitos acreditam que numerosas semelhanças
entre os processos conscientes e os processos da mecânica
quântica sejam misteriosas demais para se tratar de uma
simples coincidência. David Bohm coloca a questão nos
seguintes termos:

Podemos muito bem nos perguntar agora se a analogia muito


aproximada entre os processos quânticos e nossas
experiências interiores e processos de pensamento é simples
coincidência... a notável analogia ponto por ponto entre os
processos de pensamento e os processos quânticos poderia
sugerir que uma hipótese relativa a ambos tenha
possibilidade de mostrar-se frutífera. Se uma hipótese como
essa pudesse ser verificada, ela iria explicar de maneira
natural, muitos aspectos de nosso pensamento.

A analogia entre os processos do pensamento e os processos


quânticos que Bohm tinha em mente era tríplice e traçava um
paralelo entre o Princípio da Incerteza e determinados
aspectos da consciência. O dogma central do Princípio da
Incerteza fala na impossibilidade de se fixar um
acontecimento quântico com muita exatidão, pois o simples
fato de se olhar para ele (tentando medir sua posição e seu
impulso) muda o que se esperaria ver. Bohm observa que o
mesmo é verdadeiro para o pensamento. "Se alguém tenta
observar o que estiver pensando no momento exato em que
estiver refletindo sobre um assunto qualquer, de maneira
geral aceita-se a idéia de que a pessoa estará introduzindo
mudanças imprevisíveis e sem controle na maneira como
seus pensamentos estavam indo antes disso".
Em segundo lugar, os relacionamentos não-locais que partem
do Princípio da Incerteza implicam que diferentes aspectos de
um processo quântico não podem ser repartidos em
fragmentos separados, um afetando ao outro pelas leis
causais, mas antes o sistema todo deve ser encarado em
termos de sua indivisibilidade, sua conexão, cada parte só
fazendo sentido em termos do todo. E assim é com o
pensamento: "... o significado de um processo de pensamento
parece ter uma espécie de indivisibilidade. Se uma pessoa
tenta aplicar a seu pensamento elementos cada vez mais
definidos, ela tentará chegar a um ponto em que qualquer
análise ulterior não poderá ter sequer algum significado. Parte
do significado de cada elemento de um processo de
pensamento parece, portanto, ter origem em suas ligações in
divisíveis e completamente sem controle em relação a outros
elementos".
Por fim, Bohm traça um paralelo entre o papel dos conceitos
clássicos, que tornam possível descrever o mundo cotidiano
de objetos em separado e as relações causais que revestem e
são o limite dos processos quânticos, e o papel dos conceitos
lógicos na estruturação da natureza fluente e "indeterminada"
dos processos de pensamento. "Sem o desenvolvimento do
pensamento lógico, não teríamos qualquer maneira definida
de expressar os resultados de nossos pensamentos e de
verificar sua validade. Assim, da mesma forma que a vida que
conhecemos seria impossível se a teoria quântica não tivesse
seu limite clássico atual, o pensamento pomo o conhecemos
seria impossível a menos que pudéssemos expressar seus
resulta dos em termos lógicos". Além dessas analogias entre
o processo de pensamento e a indeterminância quântica
mencionada por Bohm, existe pelo menos mais uma,
particularmente importante para o tema da precognição: um
paralelo entre o papel da fantasia no desenvolvimento
psicológico e o papel das transições virtuais na evolução dos
processos quânticos.
O mecanismo da fantasia parece ter sido projetado para
lançar os ''sensitivos'' em direção ao futuro.
Temporariamente, em nossas mentes, vivemos uma possível
situação futura para ver se ela nos serve ou não. Algumas
fantasias parecem tão artificiais, chegando à improbabilidade
("Imagine se eu ganhasse na loteria, na semana que vem!?''),
sendo assim, postas de lado. Outras são bastante possíveis, e
assim, mais prováveis ("Sábado que vem vou nadar, talvez vá
jogar tênis, talvez visitar um amigo...") e podem condensar-se
num comportamento futuro real.
Essas fantasias a respeito do futuro são particularmente
importantes para as crianças, um meio de experimentarem
suas perspectivas para a vida adulta. A criança imagina que é
um vaqueiro, um bombeiro, um médico etc. e é muito comum
que mantenha conversas entre seus vários egos fantasiosos -
um correlato dos padrões de interferência que podem ser
observados quando as ondas de probabilidades da mesma
partícula elementar se intersectam.
Resumindo, não faltam boas analogias entre a mecânica do
pensamento e a mecânica do processo quântico, e estas
estão entre as muito perturbadoras razões para se supor que
a própria consciência seja um fenômeno quântico. Mas ainda
se pode achar que esteja faltando o elo mais importante
capaz de demonstrar como acontecimentos quânticos
microscópicos isolados (que resultam no disparo de neurônios
individuais) poderiam ser ampliados para produzir uma
conexão quântica macroscópica. Na ausência de um tal
mecanismo, o elo entre a teoria quântica e a consciência deve
permanecer hipotético. Mas, como diz Bohm: "Se fosse
verdade que os processos do pensamento dependem
principalmente de elementos da mecânica quântica, então
poderia se dizer que os processos de pensamento
proporcionam o mesmo tipo de experiência direta dos efeitos
da teoria quântica que as forças musculares proporcionam
para a teoria clássica". A maioria das teorias que vêm a seguir
funcionam baseadas nessa hipótese.
11. TEORIAS FÍSICAS DA PRECOGNIÇÃO
Depois de observar a Teoria da Sincronicidade de Jung, no
Capítulo 7, deixamos de tentar compreender de que forma a
precognição pode realmente funcionar. O próprio Jung chegou
a perceber que os progressos na Teoria da Relatividade e na
física quântica teriam de ser levados em consideração em
qualquer tentativa de se explicar a precognição, embora seu
esforço para fazer isso tenha sido principalmente intuitivo.
Contudo, Jung foi o primeiro a dar ênfase a essa importante
questão que era saber se as leis da nova física não poderiam
ser aplicadas à consciência humana de maneira a explicar o
fenômeno físico. E a própria questão em si representava uma
grande inovação nas maneiras tradicionais de pensar sobre o
assunto. A maioria das teorias físicas da precognição que
apareceram depois partiram de onde Jung havia parado.
Tentar compreender a mecânica real da precognição coloca
realmente duas perguntas distintas a serem respondidas e o
êxito de qualquer teoria física será julgado pela capacidade
em propiciar respostas satisfatórias às duas perguntas.
Em primeiro lugar, de que modo, em termos das teorias
físicas atuais, podemos compreender o futuro já presente,
uma vez que existe até a possibilidade de se ter acesso a ele?
Em segundo lugar, uma vez compreendido o que pode
significar o fato de o futuro, de alguma forma, existir
realmente agora, por quais meios poderíamos ter acesso a
ele, ou seja, a qual mecanismo físico em nossos cérebros
poderíamos atribuir a consciência precognitiva?
A Natureza do Acontecimento Precógnito
Ao tentar responder à primeira pergunta, é importante deixar
claro que a precognição é uma precognição de. O dom da
previsão, se autêntico, implica que, em algum sentido, certos
aspectos do futuro devem existir "agora". Se existem pessoas
que realmente vêem fatos se revelando antes que
aconteçam, então depreende-se que deve haver alguma coisa
que elas possam estar vendo. A natureza dessa coisa abre-se
a duas interpretações diferentes, cada uma com sua própria
noção de tempo e cada uma sugerindo suas próprias teorias
de como a precognição deve funcionar realmente.
Na primeira interpretação, o acontecimento visto na
experiência precognitiva deve ser um acontecimento real que
se verificou ou que, definitivamente, irá se verificar, embora
no que diz respeito à consciência humana ainda "esteja por
acontecer". Isso sugere uma visão de tempo em que o futuro
está totalmente revelado ou, pelo menos, descrito. O elenco,
o cenário e todas as ações que abrangem o futuro já estão ali
agora (ou pelo menos estão esperando nos bastidores), se
apenas tivermos olhos para vê-Ios.
Essa é a tradicional visão do acontecimento precógnito, e a
noção de tempo nela implícita não é um problema para a
física moderna. Como já foi discutido antes (ver o Capítulo 8),
é perfeitamente compatível com a Teoria Geral da
Relatividade e com a noção de Einstein de um continuum de
espaço-tempo quadridimensional.
Na segunda interpretação do conteúdo real de uma visão
precognitiva, o precógnito não é um acontecimento futuro
real, mas antes a percepção futura, que alguém tem de um
possível acontecimento futuro. Esse conceito um tanto
tortuoso sugere à primeira vista que uma pessoa
manifestamente envolvida com uma previsão está, na
verdade, prevendo o futuro estado de sua própria mente, ou
seja, ela, de alguma forma, conseguiu ter um contato
telepático com uma futura manifestação de si mesma e assim
está vendo "agora" aquilo que seu futuro eu estará
percebendo "então". A ênfase não está naquilo que será, mas
antes naquilo que pode ser visto. Isso não implica que o
futuro já esteja determinado, mas sugere haver uma série de
possíveis futuros e que, de alguma forma, sejamos capazes
de perceber essas possibilidades.
Tal interpretação inclui uma noção de tempo compatível com
a física quântica e está no âmago daquelas teorias físicas da
precognição que acabarão recorrendo de uma ou outra
maneira às implicações do Princípio da Incerteza. Se
verdadeira, essa é a interpretação preferida pela maioria dos
modernos teóricos da precognição porque contorna os
problemas levantados sobre a existência do livre-arbítrio na
precognição (que será discutido no Capítulo 12) e porque está
muito mais de acordo com os detalhes conhecidos dos casos
mais evidentes de precognição espontânea. Certamente ela
está de acordo com os casos citados anteriormente neste
livro, em que as pessoas que tiveram a experiência
precognitiva pareciam estar vendo alguma coisa que iriam ver
mais tarde na "vida real". Não existem casos registrados na
história mais recente (com exceção de alguns de psicografia)
em que a pessoa que teve a visão precognitiva não tenha
participado mais tarde do acontecimento previsto ou tido
algum registro visual dele.
J. W. Dunne, por exemplo, em seu An Experiment with Time,
observou que o material precognitivo na maioria de seus
sonhos parecia ser de coisas impressas numa página de um
livro ou em manchetes de um jornal que ele estivesse
destinado a ler alguns dias mais tarde. Em seu estudo dos 35
casos de precognição ligados ao desastre de Aberfan, John
Barker observava que "muitas das pessoas que sonharam
alegavam ser capazes de localizar exatamente as cenas de
seus sonhos nas fotos do desastre de Aberfan que
apareceram nos jornais ou na televisão". E no caso do jogo de
roleta da srta. H. R., ela dizia que seus olhos eram sempre
atraídos para um número no pano da roleta (ou seja, no lugar
onde ela estaria vendo o crupiê colocar o taco quando o
número saía), e não em algum número na própria roda da
roleta em si (onde aconteceria o fato real no futuro).
Encarar a precognição como a previsão de um possível
acontecimento futuro em vez de um acontecimento real
também está de acordo com casos registrados e ajuda a
explicar certos casos difíceis onde uma suposta precognição
"dá errado", quando o acontecimento previsto se materializa,
mas com alguns aspectos importantes alterados.
Por exemplo, havia uma série de casos citados no Capítulo 2,
em que um possível acontecimento futuro foi sonhado e
evitado por causa de um sonho: o caso de Susan B. Anthony
que sonhou com o incêndio de um hotel em que poderia ter
morrido; o sonho da sra. Warren sobre a queda do Vanguard
que a fez cancelar a passagem no vôo condenado; o
passageiro que se recusou a viajar no Titanic e assim por
diante.
As estatísticas de batidas de trem feitas por William Cox, que
mostraram que menos pessoas viajaram em trens em risco do
que nos que não tiveram problemas, sugerem que essas
experiências precognitivas (ou premonitórias) podem ser bem
comuns e trata-se, obviamente, de experiências que se
referem não a um futuro real que acontece depois, mas antes
a possíveis futuros que poderiam ter acontecido.
A Precognição e as Transições Virtuais
A primeira teoria física realmente detalhada da precognição a
ser proposta tentava desenvolver a noção de uma percepção
futura de um possível acontecimento futuro (a telepatia
precognitiva) reunindo o que se sabia sobre o indeterminismo
quântico no cérebro com análises das transições virtuais da
teoria quântica que então fazia a ligação de um mecanismo
perceptivo conhecido com um nível de realidade onde
"possíveis futuros" existem como coisas naturais. A teoria foi
apresentada em 1960 pelo dr. Ninian Marshall, um jovem
psiquiatra que havia sugerido antes uma base mecânica
quântica para a telepatia.
A teoria de Ninian Marshall lembra que um sistema
subatômico, em qualquer espaço de tempo determinado, é
sempre a mistura de possibilidade e atualidade, uma
tendendo a dar lugar à outra numa amplitude de
probabilidades. Uma partícula elementar dentro do sistema,
como um elétron, ao ser perturbada tende a lançar "sensores"
em direção a seu próprio futuro quando está diante do
problema de ajustar-se a algum novo grau de energia. Esses
"sensores em direção ao futuro" (suas transições virtuais)
cobrem simultaneamente todos os possíveis estados de
energia que a partícula possa realmente decidir ocupar, ou
seja, eles atuam de maneira simultânea todos os possíveis
futuros da partícula.
Cada transição virtual é exatamente um mergulho no futuro,
um futuro de onde a partícula então "retorna" para ir em
qualquer um dos estados reais que ela tenha escolhido para
instalar-se. A premissa em que Marshall baseou sua teoria e a
de que a precognição poderia ser explicada se houvesse
maneira pela qual o cérebro pudesse "sintonizar" um desses
mergulhos virtuais no futuro, e ele via o provado
indeterminismo quântico erigido sobre os disparos de
neurônios singulares como uma possível chave para esse
processo.
A essência da teoria de Marshall era fazer a transição da
comprovada capacidade de neurônios singulares para
responder a processos quânticos singulares elaborando
hipóteses que eram:
1. um meio pelo qual acontecimentos singulares no nível
quântico (transições virtuais) podem associar-se para
construir um padrão, e mais;
2. um meio pelo qual o cérebro pudesse ampliar esses
padrões quânticos microscópicos em percepções
macroscópicas. Ele chamou esses processos de ampliação e
de formação de modelos de "fenômenos de ressonância" e os
comparou ao tipo de efeitos de ressonância que existem entre
objetos em oscilação, como diapasões musicais ou vidraças
de janela vibrando em "harmonia" com linhas de uma via
férrea chacoalhando. Expressando sua teoria como uma Lei
da Ressonância, ele afirmava: "Quaisquer duas estruturas
exercem influência uma sobre a outra, o que tende a torná-Ias
mais parecidas. A força dessa influência aumenta com o
produto de sua complexidade e diminui com a diferença entre
seus padrões".
E assim, se houver alguma semelhança entre formações de
padrões no cérebro e os padrões construídos nas transições
virtuais dos fenômenos quânticos, a tendência crescente a um
determinado padrão entre as transições virtuais (diz a teoria)
estará criando uma crescente semelhança nos padrões em
construção nos circuitos em reverberação do cérebro. Esse
conceito de ressonância é semelhante, de muitas maneiras, à
noção de sincronicidade de Jung, em que "o igual atrai o
igual". Um acontecimento (subatômico neste caso) deverá
agir como um ímã, atraindo outros para suas próprias
"vibrações" e assim construindo um padrão que reflete a si
mesmo como um espelho.
Como um processo quântico sobrevive a si mesmo, seus
estados virtuais se deslocam do possível para o mais provável
e depois para o real, uma transição verdadeira, que é o
produto final. Se, conforme sugere Marshall, o cérebro é
sensível a estímulos do nível quântico, isso quer dizer que
num determinado ponto crítico o processo quântico se
aproxima de uma probabilidade bastante elevada de
estabelecer a formação de um padrão; dessa forma ele irá
provocar um padrão de ressonância semelhante nos circuitos
em reverberação dos neurônios do cérebro marginalmente
estimulados, criando assim a imagem precognitiva que reflete
a crescente probabilidade de algum padrão de acontecimento
quântico. Então, a proporção dessas imagens precognitivas
em relação aos acontecimentos reais que ocorrem será a
mesma proporção entre a probabilidade de um padrão de
transição virtual e a formação final de uma transição real no
nível quântico.
Marshall propõe assim uma teoria física da precognição
baseada na suposta capacidade do cérebro de se adaptar a
estados de probabilidade de transições virtuais quânticas e de
experimentar, através da ressonância, a formação de um
padrão que possa espelhar, num nível acessível à consciência,
quaisquer tipos de formações de padrão entre os prováveis
acontecimentos quânticos, se é que estes existem.
Entretanto, os críticos podem argumentar muito
simplesmente que se trata de um "se" muito amplo, que em si
mesmo quase pressupõe a existência dos fenômenos
precognitivos; ainda assim, a abordagem de Marshall tem
inúmeras vantagens.
Ela se presta a uma simples explicação da mecânica quântica
de como uma futura "qualquer coisa" pode ser vista agora,
mesmo não tendo ainda acontecido; ela se adapta ao que se
conhece sobre o funcionamento do cérebro, e também pode
oferecer uma explicação convincente para a característica
casual e a imprecisão que acompanha tantos dos casos de
manifesta precognição.
Os conteúdos das visões precognitivas tendem em seu todo a
ser vagos, sendo uma ilusória mistura de detalhes muito
precisos em alguns aspectos combinados com sugestões
indistintas de uma realidade futura e partes que não têm
relação alguma com o verdadeiro acontecimento final. Um
quadro tão confuso como este é o que se deve esperar com
base na teoria das transições virtuais, pois, se é possível a
percepção futura que está sendo prevista na precognição,
deveríamos esperar que houvesse muita indeterminância
envolvida. Uma vez que uma transição virtual só pode ser
descrita como uma onda de probabilidade, qualquer
precognição que saia de um acontecimento no nível quântico
tão indeterminado assim estaria inclinado a refletir essa
indeterminância.
Além do mais, existem muitos casos registrados de
precognição do tipo "quase erro" em que a visão precognitiva
(espontânea ou produzida em condições de laboratório) expõe
uma imprevisÍvel tendência a "mudar" algumas das
características do acontecimento real final. Nas experiências
Soal-Shackleton com os cartões de adivinhação, por exemplo,
muitas vezes os dados indicavam que Shackleton não havia
adivinhado o próximo cartão, mas antes um que vinha depois
deste, ou, em certos casos, o cartão que havia precedido
aquele.
Da mesma forma, nas experiência de visão à distância de
Targ e Puthoff na Universidade de Stanford, os indivíduos
muitas vezes descreviam as localidades que os assistentes
teriam ido visitar se tivessem aberto o envelope seguinte ao
que seria fornecido pelo gerador de números aleatórios. Targ
e Puthoff descreveram esses interessantes casos de erros
como "efeitos de deslocamento". No caso do jogo de roleta da
srta. H. R. ficou evidente que ela, muitas vezes, sentia seu
olhar ser atraído por um número adjacente ao número que
realmente saía, como se ela se ''sintonizasse" com os
números mais prováveis de serem selecionados, mais do que
se ela estivesse sabendo quais seriam.
Todos esses efeitos de "quase erro" são o que se poderia
esperar se a precognição viesse de uma percepção de uma
série de futuros possíveis pelo contato com as transições
virtuais quânticas, e assim não chegam a ocasionar nenhum
embaraço para os pesquisadores psíquicos. Nessa teoria, os
fenômenos do quase erro são no mínimo (se não, no máximo)
tão válidos quanto os fenômenos do "acerto direto" para a
compreensão da base física da precognição.
As Teorias de Observação
O físico americano Evan Harris Walker publicou em 1974 a
primeira do que veio a ser toda uma série de teorias físicas da
precognição, que passaram a ser conhecidas como "as teorias
de observação". A primeira teoria de observação de Walker foi
comentada, alterada e acrescentada por outros físicos, entre
os quais Helmut Schmidt. O próprio Walker publicou inúmeras
edições revisadas da teoria. Como a teoria das transições
virtuais de Marshall, às teorias de observação têm seu ponto
de partida na física quântica e, reunidas, elas dominaram a
discussão sobre o funcionamento da precognição da década
passada.
O principal para as teorias de observação vem daquilo que os
teóricos da quântica chamam de "problema de mensuração",
ou seja, a questão de como, de alguma forma, é possível que
todas as diversas possibilidades descritas na função de onda
de um fenômeno quântico "caiam" num único acontecimento
mensurável. Como será que essa possibilidade se torna
realidade? Por que é que existe um mundo cheio de objetos
concretos em vez de um simples oceano amorfo de
possibilidades infinitas?
A própria teoria quântica não tem respostas para o problema
da mensuração, contentando-se em afirmar que a equação da
onda de Schrödinger descreve todas as possibilidades
associadas a um fenômeno quântico, e que todas essas
possibilidades continuam viáveis (o fenômeno está
disseminado no espaço e no tempo) até o instante em que
olhamos para o fenômeno com nossos instrumentos de
medição. O próprio ato de medição em si, por alguma razão
desconhecida, determina casualmente aquilo que é medido.
Gary Zukav escreveu o seguinte em seu The Dancing Wu Li
Masters:
Sem a percepção (a medida), o universo continua, pela
equação de Schrödinger, a gerar uma infinita profusão de
possibilidades. Mas o efeito da percepção é imediato e
dramático. Todas as funções de onda representando o
sistema observado desmoronam, com exceção de uma parte,
que se materializa em realidade. Ninguém sabe o que faz com
que uma determinada possibilidade se realize e o resto
desapareça. A única lei que governa esse fenômeno é
estatística. Em outras palavras: é um caso de oportunidade.

Mas, apesar do frio contentamento com o formalismo da


estatística e da matemática por parte dos teóricos da
quântica da linha dura (a escola de Copenhagen), o problema
da medição continua a importunar os filósofos da física e
aqueles físicos quânticos que esperam um dia compreender a
natureza da realidade subjacente. Uma das hipóteses que
tem dominado a questão foi sugerida pelo físico Eugene
Wigner, do Instituto de Tecnologia de Michigan: segundo ele,
a consciência desmantela a função de onda, ou seja, a
consciência é responsável pelo mundo como o conhecemos,
em virtude de seu papel na transmutação da possibilidade em
realidade.
Segundo Wigner, é o próprio observador consciente, mais que
seus instrumentos de medição, que desempenha o papel mais
importante em provocar aquilo que ele observa. As teorias de
observação da precognição se originam essencialmente da
hipótese de Wigner, embora elas acrescentem sua própria
característica vinculada a uma espécie de causalidade
retroativa.
A teoria da precognição de Walker sugere que o ato
consciente de antever um "acontecimento futuro" tem o
efeito de criar de maneira retroativa o próprio acontecimento
previsto. A consciência, diz ele, tem o poder de, através de
uma causação retrógrada, desmoronar a função de onda
proporcionando assim a comprovação da existência de sua
"previsão". O que é previsto acabará sendo aquilo que foi
dessa forma criado.
Infelizmente, como as teorias de observação sempre são
apresentadas de uma forma muito complexa e técnica, seus
pontos mais apurados não são facilmente acessíveis a outros
que não os físicos profissionais.
Mas é possível compreender seu modelo básico, traçando um
relacionamento entre elas e as experiências de precognição
no nível quântico com o estrôncio-90 radioativo realizadas por
Helmut Schmidt (ver Capítulo 4).
Os indivíduos testados por Schmidt deviam apertar um de
quatro botões que havia na aparelhagem experimental;
qualquer dos botões que apertassem representaria a
adivinhação de qual de quatro luzes iria acender-se pelo
estrôncio-90 enfraquecido. Se adivinhassem corretamente em
mais de 25% das vezes, Schmidt considerava que eles
possuíam alguma capacidade precognitiva.
Segundo as teorias de observação, a mecânica real de uma
adivinhação precognitiva correta no conjunto experimental de
Schmidt baseava-se na influência que o indivíduo tivesse tido
no próprio processo de enfraquecimento do estrôncio-90 (ou
no gerador de números aleatórios a ele associado) depois de
ver qual luz havia acendido por esse processo. Em outras
palavras: primeiro o indivíduo via a resposta de sua
adivinhação (a luz que acendia) e depois "determinava" o
processo de enfraquecimento de maneira retroativa para
produzir o resultado por ele previsto (ver o diagrama). Esse
mecanismo sugere que o processo que chamamos de
precognição é, na verdade, uma psicocinese retroativa, a
mente trabalhando para trás no tempo para influenciar forças
materiais de modo a poderem produzir o resultado já
observado.

Walker amplia o seu trabalho teórico sobre as teorias de


observação chegando a especular como deveria ser a
natureza da consciência humana para ser compatível com
essas teorias. No fundo, ele descreve a consciência como um
estado mecânico quântico, semelhante ao que existe dentro
dos supercondutores, e diz, então, que o cérebro do
observador se liga ao mundo exterior através de seus
sentidos para formar um sistema mecânico quântico. Afora o
fato de ser muito hipotética, essa formulação nos leva ao
problema de que, segundo a principal corrente da teoria
quântica, um sistema quântico não pode desmoronar a função
de onda de um outro nem a sua própria. Para contornar isso,
Walker parece sugerir que a "vontade" funciona como um
deus ex machina, permitindo que o observador destrua a
função de onda de um acontecimento observado segundo seu
humor ou sua intenção.
Embora as diversas teorias de observação tenham dominado
as discussões teóricas sobre a precognição entre os
pesquisadores psíquicos que tendiam à física durante a última
década, certamente elas não agradaram a todos. A literatura
já publicada dos críticos ultrapassa bastante em número a dos
que a apóiam. Segundo o filósofo americano Stephen Braude,
"as bases conceituais das teorias de observação são no
melhor dos casos fracas demais e as teorias em si parecem
muito desprovidas de sentido e sem nenhuma força
explicativa". John Beloff, de Edimburgo, depois de salientar
que a causa e o efeito nas teorias de observação "dão caça
um ao outro em círculo temporal, como um cão tentando
morder seu próprio rabo", continua dizendo que a
necessidade de haver um apelo à "vontade" para explicar a
queda da função de onda (que é redução de muitas
possibilidades futuras para uma no presente real) significa
que elas na verdade não são teorias físicas de maneira
alguma.
Lembrando o Futuro
No Congresso Internacional de Física Quântica e
Parapsicologia que houve em Genebra em 1974, o físico
americano Gerald Feinberg apresentou um documento-ensaio
sob o título "A lembrança das coisas futuras". Ele partia de
uma simetria nas equações de eletromagnetismo de Maxwell
que sugere que - pelo menos em teoria - seria possível
receber informações tanto do futuro quanto do passado; sua
finalidade era comparar as propriedades comuns da
precognição, como estava registrada, e a memória recente,
na esperança de que uma pudesse lançar alguma luz sobre a
outra.
Essas comparações entre a precognição e a memória recente
estão se tornando cada vez mais comuns entre os
pesquisadores cujo trabalho faz uma ponte sobre as lacunas
existentes entre a parapsicologia e a física, e a parapsicologia
e a psicologia. Encarar a precognição como uma espécie de
"memória ao contrário" pode não ser de muita valia para
arranjar algumas das questões mais espinhosas na física da
precognição, mas poderá ajudar a esclarecer o mecanismo
fisiológico real pelo qual essa capacidade funciona.
A memória é algo que todos utilizam. como parte da vida
cotidiana, embora nem a mais recente pesquisa sobre a
fisiologia do cérebro tenha conseguido fornecer uma
explicação completa do modo pelo qual ela realmente
funciona. Mas, apesar de todas as divergências, os teóricos da
memória concordam num ponto essencial: existe uma clara e
importante distinção entre a memória recente, ou memória de
curto prazo e a memória de longo prazo. Felizmente, para
nossas finalidades, a memória recente é a mais bem
compreendida dessas duas.
A memória de longo prazo é a capacidade de reunir dados
durante um longo período de tempo. Memórias da infância,
memórias do ano passado, da semana passada e até de uma
hora atrás seriam classificadas como sendo memórias de
longo prazo. Não há nada de conclusivo que já tenha sido
compreendido sobre como o cérebro retém e recompõe estes
trechos de informação distantes.
Por outro lado, a memória recente refere-se aos trechos de
informação disponíveis para relembrar por não mais que
alguns minutos, e sabe-se que essa função atua mais como
um mecanismo de processamento do que como um banco de
dados. Esses trechos de informação que o cérebro capta e é
capaz de reter por alguns minutos ou são permanentemente
arquivados no banco de memória de longo prazo ou são
perdidos para sempre.
A distinção entre a memória de longo prazo e a memória
recente tornou-se clara depois de se observar pessoas cujos
cérebros haviam sofrido danos temporários do tipo que
interrompia o funcionamento normal. Pessoas que haviam
sofrido concussão cerebral, ataques epiléticos ou tratamento
de choque. Em cada um desses tipos de casos descobriu-se
que a pessoa em questão já não tinha nenhuma memória dos
minutos que haviam imediatamente precedido o choque em
seu cérebro; no entanto a memória de acontecimentos de um
passado mais distante (a memória de longo prazo) não fora
afetada.
No caso que estabeleceu mais claramente a distinção entre as
memórias de curto e de longo prazo, parte do cérebro de um
epilético foi removida numa tentativa de interromper os
curtos-circuitos elétricos que provocavam os ataques. O
inesperado resultado foi que depois disso o paciente nunca
mais conseguia ir além de "ontem".
Tal fato tornou evidente que a memória de longo prazo do
paciente fora deixada intacta, assim como a memória
recente, mas ele era incapaz de transferir qualquer
informação vinda de alguma experiência nova para seu banco
de memória de longo prazo. Qualquer nova informação
recebida era simplesmente esquecida no dia seguinte - como
foi ilustrado por um exemplo em que lhe mostraram
repetidamente o mesmo jornal, dia após dia, e a cada dia ele
o lia e relia com um interesse ávido, sempre achando que o
conteúdo era novo.
Vendo-se como funciona o mecanismo real dos canais de
processamento da memória recente, voltamos às mesmas
questões levantadas no Capítulo 10, quando se perguntava
como o cérebro poderia processar as percepções
precognitivas. Por exemplo, como é que o cérebro capta
trechos de informação do mundo exterior e os transforma em
padrões que possam ser retidos como imagens ou
pensamentos? A vantagem evidente de se encarar a questão
em termos de memória é que, desde que a memória recente
e a precognição podem muito bem trabalhar de maneiras
semelhantes, muito mais pesquisas já foram realizadas sobre
a memória. Por razões que logo serão discutidas, a memória
também seria um candidato mais confiável para estudos do
que a precognição, mesmo que se pudesse produzir uma
consciência precognitiva para instruí-la.
Como já se discutiu antes, o cérebro é um mecanismo
complexo de bilhões de circuitos elétricos. A informação é
levada ao cérebro quando algum estímulo externo provoca
um impulso elétrico que dispara esses circuitos, compostos de
neurônios. A informação que entra é passada para o cérebro
enquanto o impulso elétrico viaja de neurônio a neurônio
pelas pequenas cargas elétricas que viro sendo disparadas
entre as sinapses (os terminais dos nervos) dos neurônios em
separado.
A chave para a compreensão de que esses impulsos elétricos
que vão passando pelos circuitos dos neurônios estão na raiz
da maneira como opera a memória recente seria encontrada
na natureza desses incidentes que apagam a memória
recente - concussões, ataques epiléticos, tratamento de
choque elétrico etc. Todos são fenômenos que interrompem o
funcionamento normal do circuito elétrico do cérebro. Se
esses "curtos-circuitos" elétricos podiam destruir o conteúdo
da memória recente, depreende-se que os impulsos elétricos
que passavam pelos neurônios deviam ser os blocos que
constroem essa memória.
Uma vez que tais impulsos eram a chave para o
funcionamento da memória recente, restava ainda a questão
de como se formariam os modelos de imagem ou pensamento
a partir de tais dados. Cada impulso elétrico proveniente de
um estímulo externo não dura mais que dois milionésimos de
segundo, mas os pensamentos e imagens que constituem o
conteúdo da memória recente duram pelo menos alguns
segundos ou talvez muitos minutos. Assim, o cérebro deve
necessariamente ter algum meio para formar padrões a partir
desses impulsos de milionésimos de segundos.
O mesmo problema da constituição de padrão surgiu ao se
discutir a forma pela qual os estímulos precognitivos no nível
quântico em separado poderiam reunir-se para formar uma
imagem precognitiva. E agora é geralmente aceito o fato de
que padrões de memória recente na verdade operam por
linhas de um mecanismo bastante semelhante ao que foi
discutido quando analisamos a teoria dos padrões de
ressonância do cérebro de Ninian Marshall em termos da
precognição, ou seja, que esses padrões se formam por
reverberação (vibrações padronizadas) ao longo dos circuitos
do cérebro ressonante.
Como a pequena ondulação num lago cujos círculos partem
do ponto em que a água foi perturbada num conjunto de
ondas padronizadas, os pensamentos e imagens se formam
no mecanismo de memória recente do cérebro através de
padrões de ressonância postos em ação pelo estímulo elétrico
original, refletindo e ampliando sua mensagem enquanto um
número cada vez maior de circuitos elétricos do cérebro
vibram em "sintoma" com ela. Se também existem estímulos
do futuro à disposição, esses efeitos de ressonância sugerem
um modelo do cérebro inundado por todos os lados pelas
ondas padronizadas da memória e da precognição.
Se a precognição é realmente uma espécie de "memória do
futuro", podemos imaginar o cérebro sendo inundado por
informações recebidas do passado e do futuro. Aqui, o
indivíduo precognitivo pode lembrar-se do Titanic navegando
a salvo "ontem" e prever seu afundamento "amanhã", e essas
duas imagens encontram-se presentes em seu cérebro "hoje".
Vale a pena fazer algumas considerações sobre certas
semelhanças e distinções entre a memória recente e a
precognição. A vasta pesquisa realizada sobre a memória
recente já mostrou, por exemplo, que a capacidade de
relembrar diminui rapidamente com o tempo; na verdade, ela
diminui no mesmo índice logarítmico que foi descoberto pelo
psicólogo de Sheffield, J. E. Orme, em seu estudo do fator
tempo em experiências precognitivas. No levantamento
realizado por Orme sobre este fator em 148 casos de
precognição espontânea, os exemplos registrados
apresentavam um evidente relacionamento inverso entre o
número de precognições registradas e o tempo que havia
separado a visão precognitiva do acontecimento real.
Mas, enquanto a memória recente se torna cada vez mais
difusa com a passagem do tempo, até que, em determinado
ponto crítico, os dados desaparecem inteiramente a menos
que tenham sido registrados de modo permanente, a
memória não apresenta a mesma flagrante imprecisão e
imprevisibilidade que aflige a consciência precognitiva. Se os
mecanismos são basicamente os mesmos, sendo a
precognição simplesmente a memória invertida, por que essa
diferença?
Uma resposta óbvia apresenta-se por si mesma se
lembrarmos a natureza probabilística dos dados com que a
percepção precognitiva tem de lidar: Enquanto a memória é
uma compilação de acontecimentos ou impressões reais, a
precognição é mais provavelmente uma "pré-compilação" de
possíveis acontecimentos ou impressões.
O cérebro, como já vimos, está sujeito às indeterminâncias de
nível quântico, e, assim, aberto à estimulação dos estados
virtuais quânticos de todos os acontecimentos possíveis.
Desse modo, se as abordagens da mecânica quântica ao
assunto estão corretas, a precognição (nossa memória do
futuro) iria conter necessariamente uma incerta mistura de
"memórias" de acontecimentos reais e "memórias" de
possibilidades perdidas. Essa abertura aos estados virtuais
quânticos que, através de ressonâncias dos neurônios podem
constituir um padrão semelhante ao elaborado pelos circuitos
reverberadores na memória recente através de ressonâncias
nos neurônios, estaria inclinada a deixar a "memória do
futuro" (a precognição) menos exata que a memória do
passado. E em muitos aspectos, os dois mecanismos parecem
muito semelhantes.
12. A PRECOGNIÇÃO E A QUESTÃO DO LIVRE-
ARBÍTRIO
Outros sentavam-se afastados numa colina, recolhidos em
pensamentos mais elevados; muito discutiram sobre a
Providência, a presciência, o livre-arbítrio e o destino.
Determinavam de forma absoluta o destino, o livre-arbítrio, a
paciência, sem acharem nenhum fim, vagueando perdidos em
labirintos.
Milton

A questão do livre-arbítrio sempre aparece nas discussões


sobre a precognição, atuando como uma das principais
objeções filosóficas para que se aceite que possa existir uma
tal faculdade. Essa mesma possibilidade de se ver o futuro
antes que ele aconteça não implicaria a impossibilidade de
atuar como um agente livre com relação a este futuro? Eis a
pergunta habitual. Por outro lado, como é possível conceber a
existência de um futuro já determinado, se acreditamos na
possibilidade de o homem agir , como senhor de seu destino?
E, se o futuro não está ali para ser visto, o que pode significar
"presciência" ou "previsão"?
Até muito recentemente essas perguntas levaram os que
pensavam nelas a "se perderem em labirintos de devaneios",
sem escapatória visível para se poder fazer uma escolha
decidida entre a liberdade e a previsão. Nenhum argumento
lógico ou físico parecia oferecer quaisquer alternativas.
Depois de tanta discussão durante as últimas duas décadas
sobre os mecanismos verdadeiros da precognição, agora
talvez seja possível ir além desse impasse, encontrando-se
um espaço para a precognição e o livre-arbítrio.
Antes que os estudos da precognição se tenham ligado tanto
às complexidades da física moderna como em nossos dias,
em geral achava-se que, se a previsão fosse possível, sua
própria existência deveria emprestar um peso esmagador ao
argumento do determinismo. Esse ponto de vista parecia tão
axiomático que os advogados do livre-arbítrio rejeitavam
completamente qualquer testemunho da precognição, a
menos que estivessem dispostos a aceitar o que parecia ser a
prova definitiva para os partidários do determinismo. O prof. J.
B. Rhine resumiu o que muitos julgavam um abismo
inevitável:

Se a precognição fosse ou pudesse ser 100% precisa, o


conhecimento desse fato iria afetar tão profundamente nossa
filosofia de vida que as implicações seriam de arrepiar. Isso é
verdade em especial se, ainda por cima, todos os tipos de
acontecimentos num certo ponto no tempo fossem
previsíveis, pois, se o fossem, obviamente seriam todos
determinados e inevitáveis. Eles deveriam estar determinados
para poderem ser previsíveis. Não haveria realmente uma
liberdade de escolha. Mesmo que uma pessoa soubesse que
ia estar num desastre de trem, ela não poderia evitá-lo. Num
caso desses, de que valeria a precognição para o homem? O
testemunho de uma precognição, sem a menor dúvida,
implicaria um fatalismo a partir do qual nenhuma decisão
estaria totalmente livre. Assim, a liberdade volitiva e a
previsibilidade perfeita são irreconciliáveis.

Naturalmente, aquele "se" no início das observações de


Rhine, como ele mesmo indica, é uma condição muito
abrangente. Pois, se a precognição realmente deve selar a
vontade humana de uma vez por todas, ela deveria ter no
mínimo um potencial teórico de 100% de exatidão. Mas, até
agora, nenhum testemunho de casos espontâneos já
registrado, nem tampouco qualquer dado recolhido em
experiências de laboratório nos estudos da precognição
sugeriram esse grau de precisão perfeita. Ao contrário, pelo
que se sabe, a precognição é uma faculdade tão imprecisa e
tão imprevisível que dá aos céticos boas razões para
questionar sua existência.
No entanto, quando se avalia a extensão em que a
precognição pode ser uma ameaça ao livre-arbítrio, a questão
não é a conhecida falta de unidade das experiências
precognitivas mas, antes, se algum dia essa faculdade
precognitiva poderia ser desenvolvida e controlada para
resultar em previsões que atingissem 100% de exatidão. E
não há uma resposta certa para isso. Grande parte da
pesquisa experimental hoje realizada sobre a precognição,
testemunhada em condições de laboratório, tem em mente
essa questão do potencial de exatidão, mas, até que a
verdadeira física dessa faculdade venha a ser inteiramente
compreendida, é muito improvável que se possa chegar a
alguma conclusão definitiva. Ainda é preciso encarar essas
conseqüências do livre-arbítrio nos termos de duas únicas
possibilidades: uma, que há um potencial de que a
precognição é precisa em qualquer caso - bastando apenas
sabermos como ver; outra de que a precognição jamais
poderá ser 100% exata e que geralmente estará sujeita a
erros.
Sugeriu-se antes que existem dois caminhos muito diferentes
para se interpretar a natureza dos fenômenos precognitivos.
Por um lado, o que está sendo previsto poderá muito bem ser
um futuro acontecimento real. Por outro lado, a precognição
seria antes uma previsão das possíveis futuras percepções do
próprio perceptivo. Cada uma dessas interpretações presta-se
a uma diferente explicação física sobre o funcionamento da
precognição e também a uma conclusão diferente sobre a
relação entre precognição e livre-arbítrio.
Se alguém que tem uma visão precognitiva prevê um futuro
acontecimento real, sua previsão deveria mais provavelmente
ser melhor explicada em termos da interpretação estática do
tempo que a Teoria da Relatividade propõe. No continuum
espaço-tempo quadridimensional de Einstein, toda a história
do acontecimento já existe e cada estágio dessa história em
separado está representado por um ponto numa curva
estacionária. É como explica o físico Costa de Beauregard:

... a relatividade é uma teoria onde tudo já está "escrito" e


onde a mudança só é relativa ao modo de perceber dos seres
vivos. Os seres humanos e as outras criaturas... são levados a
explorar aos poucos o conteúdo das quatro dimensões
(tempo), enquanto cada um vai atravessando, sem parar ou
voltar para trás, uma trajetória de tempo no espaço-tempo.

Se se devesse interpretar a precognição em termos de uma


teoria de tempo assim como essa, evidentemente sobraria
muito pouco espaço para se extraírem conclusões de alguma
importância com relação ao livre-arbítrio. Deste ponto de
vista, a previsão e o destino estão ligados pelo mesmo
determinismo inflexível que existe por trás do fatalismo dos
antigos gregos. Como acontecia com eles, o indivíduo não
teria liberdade para dar forma a seu próprio futuro, não
poderia se intrometer nos "arquivos do destino, maciças
placas de bronze e ferro sólido", tão inalteráveis que "você
poderá ver o destino de seus descendentes gravado em
eterno diamante" (Ovídio, As metamorfoses).
Naturalmente, como já vimos no último capítulo, o tempo
estático da Teoria da Relatividade não é a única explicação
disponível sobre o funcionamento da precognição. Chega-se a
um quadro bem mais dinâmico unindo aquela faculdade com
a física quântica, e, sobretudo, com as oportunidades
inerentes da realidade fundamental que estão no Princípio da
Incerteza de Heisenberg. Um modelo de precognição que
esteja baseado na teoria quântica (por exemplo, na teoria das
transições virtuais de Marshall ou nas teorias de observação),
em que a precognição em si é interpretada como uma
previsão das possíveis percepções futuras da própria pessoa,
não deixaria muito campo para o determinismo, e o
panorama do livre-arbítrio seria então completamente
diferente. O filósofo J. R. Lucas comentou a respeito:

A mecânica quântica lança dúvidas sobre todas as velhas


hipóteses... (O Princípio da Incerteza de Heisenberg) chamou
muita atenção. Alguns acham que ele demonstra que até os
elétrons têm o livre-arbítrio; falando-se mais seriamente, se
ele foi interpretado de forma correta, abala toda a base da
física em relação ao determinismo.

A razão fundamental pela qual a mecânica quântica abala a


base física em relação ao determinismo. vai direto ao âmago
da preocupação de Rhine, de que se a precognição fosse
100% exata, ela necessariamente entraria em conflito com as
exigências do livre-arbítrio e afastaria qualquer preocupação
a respeito disso. Isso porque um modelo de precognição
baseado no princípio da incerteza de Heisenberg jamais
poderia ser algo 100% preciso em suas predições de futuros
acontecimentos, simplesmente porque os próprios
acontecimentos futuros estão totalmente indeterminados até
que sejam fixados na realidade do presente.
Segundo a teoria quântica, o único futuro ao qual uma
faculdade como a precognição poderia ter acesso seria um
futuro indeterminado e provável, consistindo de todos os
"poderia ser" reunidos nas equações de onda de Schrödinger.
E assim, a imprecisão observada nos casos registrados de
precognição estaria apenas refletindo o fato de que, na
própria realidade, existe uma ampla liberdade para qualquer
quantidade de alternativas na direção que os acontecimentos
futuros poderiam tomar.
Existe, por exemplo, o caso muito conhecido registrado por
Rhine do homem que planejava viajar de trem em certo dia;
na noite anterior à viagem, ele teve um sonho em que via seu
trem sofrendo um acidente e via a si mesmo gravemente
ferido. O sonho fez com que mudasse seus planos de viagem
e ele não se feriu; mais tarde, leu no jornal que o trem que
pretendia tomar havia realmente se acidentado. O caso é
muito citado para ilustrar um dos principais paradoxos que se
levantam das imprecisões da precognição imaginária: uma
vez que o sonho não chegou a realizar-se pelo desdobrar dos
acontecimentos posteriores, como se poderia dizer que se
tratou de alguma forma de precognição?
Um modelo de precognição na mecânica quântica poderia
contornar esse paradoxo indicando que, em primeiro lugar,
existem milhares de possibilidades inerentes à situação
descrita: o homem poderia ter simplesmente ignorado o
sonho, ter tomado o trem e se ferido no acidente, o trem
poderia não ter batido ou, o que realmente aconteceu, o
homem ficou tão assustado com o sonho que retardou sua
viagem. Qualquer uma dessas possibilidades, segundo a
teoria quântica, seria válida da mesma forma, até que algo
real ocorresse.
Esse âmbito de possibilidades, que não apenas é compatível
mas necessário para um modelo da mecânica quântica da
precognição, revela-se perfeitamente compatível com o livre-
arbítrio. Na verdade, o testemunho de inúmeros casos
registrados de precognição espontânea "imprecisa" chega a
sugerir que a precognição poderia estar desempenhando um
papel ativo num aumento de nossa capacidade para exercer o
livre-arbítrio, acrescentando ao nosso conhecimento mais
opções de alternativas para o futuro. No caso citado por Rhine
daquele possível viajante, tendo em vista seu sonho
precognitivo, ele era livre para decidir se arriscaria o aparente
perigo da viagem ou se desistiria de seus planos de viagem
para aquele dia. Sem o sonho, é mais provável que ele
apenas fosse uma vítima do seu "destino".
Existe ainda outra questão mais sutil associada ao modelo de
precognição da mecânica quântica, que sugere uma ação
recíproca entre a visão precognitiva e a livre administração do
próprio destino de uma pessoa, uma questão que tem tanto a
ver com a natureza da personalidade humana quanto a
natureza dos acontecimentos físicos. Isto, em relação ao que
é "provável" em oposição ao que é "possível".
Na física quântica, quando um elétron em movimento ao
redor do núcleo atômico num estado de energia estável é
perturbado, ele tem, por assim dizer, "todo um futuro diante
de si". Há uma ilimitada quantidade de novos estados de
energia possíveis e disponíveis para ele, e o elétron poderá
instalar-se em qualquer um deles. Desse modo, se
estivéssemos preocupados com o livre-arbítrio dos elétrons,
poderíamos dizer que, na determinação de seu próprio
destino (um futuro estado de energia), um elétron tem um
ilimitado livre-arbítrio. Mas o interessante é: até que ponto o
elétron pode realmente exercer toda toda liberdade de
escolha?
A resposta: até um ponto bastante restrito.
Ligada a toda a concepção das ondas de probabilidade como
expressões de acontecimentos quânticos, está implícito que,
enquanto continuam os processos no nível quântico, os
modelos de comportamento tendem a desenvolver
possibilidades tiro amplas que rapidamente dão lugar à
probabilidade. Um elétron totalmente livre para escolher
entre infinitas opções de estados de energia na verdade irá
escolher a opção mais confortável, ou seja, o estado de
energia em que precise usar o menor esforço para continuar
suas voltas em torno da órbita do núcleo. E só muito poucos
de seus possíveis estados de energia poderiam prometer uma
"vida tão fácil", e apenas esses poucos estarão entre seus
novos destinos prováveis. Assim, a teórica liberdade de
escolha ilimitada do elétron ver-se-á restrita por uma
inclinação à preguiça!
Essa mesma distinção entre o provável em oposição ao
possível poderá ser vista em termos de um exemplo tirado do
nível da realidade cotidiana. O princípio da incerteza poderia
sugerir que é perfeitamente possível a xícara de café de um
escritor de repente levantar vôo da escrivaninha, sair voando
pela sala e ir se colocar em cima da lareira, mas é muito
improvável que ela algum dia vá fazer isso (por causa da
enorme quantidade de energia que um tal feito exigiria). E
realmente a coisa é tão improvável, que o escritor não precisa
sequer se preocupar em levar em conta essa possibilidade.
Se pensarmos a respeito, parece muito provável que o
comportamento também seja governado por alguma coisa
semelhante às funções da probabilidade. Exatamente como
os movimentos dos elétrons perturbados revelam uma
tendência padronizada a procurar estados de energia
repousantes que possam atender sua preferência por uma
vida de baixo dispêndio de energia, limitando a que seria de
outra forma uma liberdade irrestrita de opções, a
personalidade humana também é constituída por, uma série
de padrões de comportamento baseados em atitudes,
neuroses, hábitos etc., em geral planejados para facilitar
nosso caminho pela vida com o menor gasto possível de
energia. Trilhar caminhos já conhecidos, apegar-nos a velhos
hábitos é muito mais confortável do que ficar realizando
descobertas inéditas, e é preciso levar em conta a influência
dessa disparidade para que se possa estabelecer o
relacionamento real entre a visão precognitiva e o
desenvolvimento do livre-arbítrio.
Embora continue sendo inteiramente possível que um ser
humano que tenha tido uma advertência precognitiva possa
alterar a direção de algum acontecimento futuro por um ato
de sua vontade, é importante que nos perguntemos se isso é
provável. Para tomarmos um exemplo óbvio, é possível que
um alcoólatra possa desistir de repente do conforto de sua
garrafa depois de ter tido um sonho em que via sua mulher
morta num acidente provocado por estar ele dirigindo
embriagado. Mas é provável que ele faça isso? Infelizmente
nossos hábitos perceptivos e cognitivos só permitem que
muito pouca gente leve a sério um sonho desse tipo, podendo
usar a energia necessária para mudar, a tempo, hábitos numa
ação preventiva. .
Dada a existência destes padrões de probabilidade no
comportamento humano, o famoso lembrete de Cassius a
Brutus - "o problema, meu caro Brutus, não está em nossas
estrelas, mas em nós" -, menos parece uma expressão de fé
na existência do livre-arbítrio e mais uma descrição dos
limites de liberdade pela tendência do homem a comportar-se
de maneira muito padronizada, e, portanto, previsível. Com
muito raras exceções, os seres humanos - e os elétrons -
dificilmente exercem o direito de escolher com liberdade
entre a imensa gama de possibilidades abertas para eles por
Deus ou pelo princípio da incerteza.
CONCLUSÃO
Nas primeiras páginas deste livro dizíamos que não existe
nenhuma prova definitiva para a existência da precognição,
nenhum testemunho que pudesse convencer um grupo de
cientistas independentes e desinteressados. Uma negação
dessas poderá parecer curiosa agora, quando colocada ao
lado da apresentação de tantas páginas do que poderia ter
sido tomado como um testemunho bastante volumoso do
gênero muito convincente, mas isso é o menos necessário.
Cada sonho ou caso espontâneo desperto, ou as experiências
relatadas nos capítulos que vieram a seguir, certamente teria
seus defensores, mas um cético poderia argumentar, até com
certa razão, que nenhum desses casos, não todos em
conjunto, preenche os critérios bastante rigorosos exigidos
para uma sólida prova científica de que algumas pessoas
realmente são privilegiadas de tempos em tempos com
informações antecipadas sobre o futuro.
Deve-se admitir também que a questão da precognição não
está muito reforçada cientificamente pelas analogias com
certos efeitos apresentados, na física quântica ou na Teoria
da Relatividade - por mais interessantes que eles possam
parecer. Com toda certeza é uma verdade que a revolução
intelectual produzida no século XX reduziu a prevenção contra
a precognição e pode até ser possível utilizar-se determinados
aspectos dessa física para postular o funcionamento da
precognição - mas a prova de que alguma coisa seja possível
não é uma prova de que ela exista. O único critério científico
aceitável para isso seria a produção controlada de dados
sobre a precognição sob repetidas condições experimentais -
e até agora não se conseguiu reunir tais dados.
Mesmo que sejamos forçados a admitir que ainda não existe
uma prova científica convincente sobre a precognição,
estaríamos nós condenando por isso, automaticamente, todo
o material das páginas anteriores ao reino da fraude ou do
faz-de-conta? Seria realmente verdade que em cada um dos
inúmeros exemplos diversificados de uma alegada
precognição o perceptivo em questão é culpado - num conluio
com sua testemunha - de mentir ou delirar? A maioria dos
parapsicólogos iria responder com um não a uma sugestão
dessas, pelo menos por duas razões.
Primeiro, pode-se argumentar que a ausência de qualquer
prova científica para a existência da precognição não garante,
por si só, que nunca haverá uma prova dessas. Se existe, a
precognição não seria a única de nossas faculdades que ainda
desafia o rigor científico. Com todos os seus progressos
conceituais, os cientistas ainda sabem muito pouco sobre a
consciência ou o cérebro humano. O mecanismo completo da
percepção comum, o funcionamento da memória de longo
prazo e a relação entre "mente" e "corpo" ainda estão muito
além do âmbito da explicação científica.
Muito mais importante é que inúmeros parapsicólogos se
perguntem se critérios estritamente científicos, como o
controle e a repetitividade, serão realmente padrões
adequados pelos quais se possa fazer julgamentos sobre a
existência ou não de faculdades psíquicas como a
precognição. Os que têm uma convicção dualista iriam
responder negativamente, baseados no fato de esses critérios
serem físicos e as faculdades psíquicas, por definição,
extrafísicas. Outros, mesmo estando numa posição
materialista, diriam que essas faculdades estão, sem a menor
dúvida, ligadas a um estado de espírito ou estado psicológico
de uma pessoa, e que até agora muito pouco se compreende
sobre esses parâmetros psicológicos em mutação constante
para se planejar experiências científicas adequadas que
possam ser levadas em consideração: Num pequeno ensaio
sobre o problema de se estabelecer um parâmetro para os
dados precognitivos, Jung ainda propõe uma outra razão pela
qual a ciência não é o instrumento adequado para se lidar
com estes assuntos:

Qualquer pessoa que mantenha uma expectativa de obter


respostas sobre a questão da verdade parapsicológica irá
desapontar-se. O psicólogo aqui está muito pouco preocupado
com o gênero de fatos que possam ser estabelecidos num
sentido convencional... Naturalmente, nossa era científica
quer saber muito se esse tipo de coisas (como as
premonições, a precognição, a segunda visão, assombrações,
fantasmas, retorno dos mortos, feitiços, magia,
encantamentos etc.) são "verdadeiras", sem levar em
consideração qual seria a natureza de uma prova para isso ou
como se poderia obtê-la. Para tanto, deve-se encarar muito
honesta e sobriamente os acontecimentos em questão - e
geralmente acontece que as histórias mais interessantes se
volatilizam no ar... Ninguém pensa em fazer a pergunta
essencial: qual é a verdadeira razão pela qual essas mesmas
velhas histórias se repetem indefinidamente sem perder nada
de seu prestígio inicial?

A resposta de Jung é que essas histórias estão


necessariamente muito além dos limites desinteressados da
ciência porque representam "fatos psíquicos", mas como tal,
para ele, elas não são menos "verdadeiras" num sentido
psicologicamente mais importante do que seriam quaisquer
outros fatos objetivos da ciência convencional. Assim para
Jung, a questão de a precognição deixar de ser algum dia
cientificamente provada ou chegar a ser completamente
explicada em termos científicos não tem a menor importância
para que se estabeleça sua verdade e sua importância
psicológica. Essa importância não vem de dados repetidos
mas antes de uma constante repetição, no decorrer "dos
séculos", de relatos individuais onde houve uma experiência
precognitiva. Toda essa repetição, argumenta ele, propicia
uma existência independente à precognição na psicologia do
inconsciente - seja lá o que a ciência possa dizer.
Tendo em vista seu menosprezo por dados científicos frios,
em favor da experiência pessoal espontânea, não é de
admirar muito que Jung acreditasse que "a mais grandiosa e a
mais importante parte da pesquisa parapsicológica estará na
minuciosa exploração e numa descrição qualitativa" dos
acontecimentos espontâneos". Muitos dos pesquisadores
psíquicos do velho estilo, afastados pela abordagem muitas
vezes técnica demais da parapsicologia experimental, sem
dúvida estariam inclinados a concordar com ele. Ao mesmo
tempo, seria bom que eles lembrassem que, em sua Teoria da
Sincronicidade, Jung achava a física quântica muito próxima
do que ele via como a poesia da alma. Tanto a física quanto o
paciente de experiências espontâneas provavelmente irão
desempenhar um papel muito importante nos futuros estudos
sobre a precognição.

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