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A Imagem no Cristianismo

Profa. Dra Wilma Steagall De Tommaso

Este artigo vai tratar mais especificamente da imagem do ícone; eikon, palavra
de origem grega que significa “imagem”, “retrato”. Desde cristianismo primitivo,
quando a imagem cristã estava em formação em Bizâncio, a palavra ícone já designava
toda representação que se fazia de Cristo, da Virgem Maria, de um santo, de um anjo ou
de algum evento da história sagrada.1

A arte do ícone tem suscitado desde o início do século XX um interesse cada


vez maior. A começar pelo interesse comercial de marchands e de galerias de arte,
estudos sobre a teologia, a espiritualidade e a técnica da pintura dos ícones não param
de sair.

O fato de ter acontecido uma guerra civil por causa das imagens, justifica a sua
relevância. Reação face a face de um certo uso ou desuso dos primeiros ícones e o
conflito começou para que as imagens fossem retiradas das igrejas. Não era pelas
imagens, mas por sua veneração que as imagens deveriam ser destruídas. O ícone não
pode ser considerado como um simples gênero particular de pintura. Sua forma traduz
uma exigência que, não sendo imediatamente acessível ao espectador de hoje, deve ser
analisado.

O processo que levou à formação do ícone, entre o século V até o início do


século VIII, corresponde ao desenvolvimento de um culto cristão da imagem, que
retoma práticas da Antiguidade e da teologia se inspirando de doutrinas neoplatônicas
da imagem para se justificar.2

Não foi sem dificuldades que isso aconteceu. O cristianismo primitivo rejeitava
pura e simplesmente a imagem religiosa. O culto não era centrado sobre uma imagem,
mas sobre a mensa, a mesa do sacrifício. O templo cristão não se limitava à mesa onde
seria encontrada uma estátua de um deus, mas reunia uma comunidade em torno da
cerimônia do banquete sagrado. Uma imagem era considerada pelos cristãos como
expressão do culto pagão aos ídolos, ao qual se opunham, por isso a imagem cultual era
reprovada, assim como a imagem imperial a qual se recusavam e que lhes foi causa de

1
Léonide OUSPENSKY. La théologie de l´icône. p. 11
2
Hans BELTING. Image et culte: une histoire de l´art avant l´époque de l´art. p. 193
2

perseguição. Enfim, as imagens também contrariavam a Lei mosaica da proibição das


imagens, constituindo assim um tabu da religião monoteísta que opunha o Deus
invisível e único aos deuses visíveis.

Embora houvesse todos esses pressupostos contra a imagem religiosa, mais


particularmente o aspecto cultual, o incredível aconteceu quando a Igreja, após as
resistências, aceitou a imagem no espaço cultual, não na forma de estátuas, mas de
pinturas. Isso se deu em seguida às discussões teológicas sobre a natureza do Cristo,
quando aparece uma doutrina das imagens justificando retrospectivamente seu uso
cultual. Autores atuais retomam esse argumento com o mesmo respeito profundo que
eles dispensam ao ícone. É assim que persiste o erro de acreditar que se tratava de uma
interpretação originalmente cristã e originalmente intelectual da imagem, como se os
cristãos tivessem tido uma relação clara, face a face das imagens cultuais de seus
ancestrais pagãos. Mas não se deve deixar induzir por esse erro de uma doutrina
apologética que sublima práticas existentes buscando uma justificativa teórica a
posteriori. A doutrina dos ícones não pode então ser tomada tal qual, pois ela não deixa
de ser um produto da controvérsia histórica em torno da imagem religiosa.

As primeiras declarações sobre a imagem datam do século IV, época em que o


cristianismo se torna religião do Estado do Império romano. Essa declaração se encontra
em uma carta de Eusébio de Cesarea (morto em torno de 339) teólogo da época de
Constantino Iº (306-337) cuja irmã, Constancia, pede a Eusébio para que lhe traga um
retrato de Cristo de Jerusalém.3

4
A Igreja Ortodoxa conservou intacta uma riqueza imensa no domínio da
liturgia e do pensamento da patrística, mas também no que se refere à arte sacra. Um
ícone não é simplesmente uma imagem, nem uma decoração, nem mesmo uma
ilustração dos textos bíblicos. O ícone é algo maior para os ortodoxos: equivale à
mensagem evangélica, um objeto cultual que faz parte integrante da liturgia 5.

As imagens — ícones: eikon em grego significa imagem — apareceram muito


cedo no mundo cristão na arte das catacumbas, arte funerária plena da alegria da

3
Hans BELTING. Image et culte; une histoire de l´art avant l´époque de lárt. p.193-194.
4
A Igreja oriental ficou conhecida como Ortodoxa (aquela que oferece ao Senhor o verdadeiro louvor)
depois do cisma com a Igreja do ocidente (a Católica Romana) no ano de 1054.
5
L. Ouspensky, Léonide. La théologie de l ;icône:dans l’Église Orthodoxe. p.9
3

ressurreição. Por ter se originado e se propagado no Império Romano do Oriente —


(Bizâncio, mais tarde Constantinopla e hoje Istambul) — tem uma característica
diáfana, isto é, uma arte do Mistério a serviço da liturgia católica 6.

Representando Cristo na glória, rodeado pela Igreja e pelo mundo, quer dizer a
presença de Deus no seio da realidade cósmica orientada para a sua realização, os
ícones que figuram sobre a iconostase — fundo que separa a mesa da comunhão da
nave — exprimem de forma visual a peregrinação vivida no decorrer da liturgia.

O ícone transmite o conteúdo da Sagrada Escritura não sob a forma de um


ensino teórico, mas de uma maneira litúrgica, isto é, de um modo vivo, dirigindo-se a
todas as faculdades do homem. Transmite a verdade contida na Escritura à luz de toda a
experiência espiritual da Igreja, da sua tradição. Por outras palavras corresponde à
Escritura, da mesma maneira que lhe correspondem os textos litúrgicos. Com efeito,
esses textos não se limitam a reproduzir a Escritura tal qual: são como que tecidos dela:
o ícone, representando visivelmente diversos momentos da história sagrada, transmite
de forma visível o seu sentido e o seu significado vital; eis porque a unidade da imagem
litúrgica e da palavra litúrgica tem uma importância capital, porque estes dois modos de
expressão constituem uma espécie de controle de um sobre o outro; vivem a mesma
vida e têm no culto uma ação construtiva comum7.

O Ícone é uma escola do olhar que por meio de cores, símbolos e de perspectiva
inversa 8, se abre à transcendência, introduz o fiel que o contempla ao invisível, ao
essencial denominado hipóstase, (o que está sob a substância), à Presença divina.

Caso contrário é o da imagem piedosa, a pintura religiosa e profana que coloca


o olhar e impõe uma visão das coisas ligadas à dimensão histórica ou contextual, uma
visão desenvolvida por uma estética naturalista: luz e sombra; proporções corporais
anatômicas; expressões faciais; perspectiva linear ou perspectiva perceptivo-subjetiva,
onde o artista coloca a sua dimensão psíquica e cultural, ou seja, o seu gosto, modos,
emoções, afetividade e suas preferências. Sob esse aspecto, uma obra de arte é para se

6
C. Pastro,. Arte Sacra : o espaço sagrado hoje. p 151
7
L.Ouspensky...Essai sur la Théologie de l’Icône dans l’Eglise orthodoxe. p. 164-165.
8
A perspectiva normal, tal qual como a conhecemos hoje, onde o ponto de fuga converge no horizonte,
foi descoberta pelo arquiteto fiorentino Brunelleschi na época do Renascimento. A perspectiva inversa,
modo particular de representação resulta de desenhar o objeto em um espaço fazendo convergir as linhas
de fuga na direção do observador. R. Leaustic. Écrire une ícone: initiation aux techniques.p .29-30.
4

olhar, ela encanta a alma, emocionante e admirável ao máximo, ela não tem função
litúrgica. Ora, a arte sacra do ícone transcende o plano emotivo que é agitado pela
sensibilidade. Uma certa aridez hierática desejada e o despojamento ascético da alma
da obra se opõem a tudo isso que é suave e envolvente, a todo enfeite e gozo
propriamente artísticos. Pode-se concluir que o ícone não é uma arte decorativa, sua
finalidade não é decorar a sala de uma casa, nem simplesmente embelezar um templo. É
para o fiel ortodoxo, a revelação e a proclamação da Palavra de Deus, sua verdade
divina: ser meio de comunicação entre o crente e Deus.

1- Origens da imagem cristã.

A arte dos primeiros cristãos, assim como o cristianismo, é o resultado de uma


evolução que começa ao contato da cultura de quatro regiões do mundo antigo: a
Palestina, o judaísmo; a Grécia e países do Oriente Próximo, o helenismo; na Itália, o
espírito romano e sua concepção de imagem e também da antiga arte egípcia.

1.1 A imagem no judaísmo.

No Pentateuco se encontra uma atitude negativa diante da imagem: Não farás


para ti imagem esculpida de nada que se assemelhe ao que existe lá em cima, nos céus,
ou embaixo, na terra, ou nas águas que estão debaixo da terra. Não te prostrarás
diante desses deuses e não os servirás. (Ex. 20,4-5).Em (Dt 4, 15-18), a proibição da
imagem se baseia na representação idólatra de um homem ou de animais de todas as
espécies. No entanto, nem todas as imagens eram proibidas, no livro do Êxodo também
se lê que o Senhor mandou colocar dois querubins de ouro sobre o propiciatório da arca,
era pelo propiciatório assim configurado que Iahweh falava ao seu povo, por isso
costuma-se dizer que “Iahweh está sentado sobre os querubins” (Ex.25,17-22) 9.

Sob esse aspecto, o interdito não se reporta às imagens, mas sobre o ídolo e, se a
proibição das imagens visava proteger o povo de Israel da idolatria, essa interdição
guarda em si um sentido teológico.

Com efeito, pelo pecado a imagem de Deus foi mutilada no homem que por não
ter mais uma relação direta com o Criador, uma imagem de Deus só poderia ser falsa.

9
Referencias bíblicas: A Bíblia de Jerusalém, 9º ed. São Paulo, Paulus, 1993.
5

Os querubins não foram tocados por essa separação advinda do pecado, assim puderam
figurar como protetores da Arca da Aliança. Embora no tempo dos Macabeus o
judaísmo tenha rejeitado todo o tipo de imagens por sentir-se ameaçado pela influência
helenística.

Nem todos os judeus interpretaram a proibição do Êxodo e do Deuteronômio


como absoluta, porque também introduziram o uso de imagens em sinagogas, como
mostram os numerosos afrescos e mosaicos nas sinagogas de Bet-Alfa, Gérasa, Naara e
a famosa sinagoga de Doura-Europos, na Babilônia, na qual Moisés foi representado
frente à sarça ardente; o sacrifício de Abraão, etc. e túmulos judaicos em Roma, ornados
10
com representações de animais e homens . Sob esse aspecto, houve uma certa
tolerância que se encontra sobretudo nos judeus da diáspora que viveram em um meio
cultural muito marcado pela imagem, como a já citada sinagoga Doura Europos na
Mesopotâmia onde, após a I Guerra Mundial foram encontradas nas escavações
arqueológicas, representações da história de Moisés, de Daniel e de outros personagens
da Bíblia. Hoje os afrescos podem ser vistos no Museu Damasco na Síria.

1.2 A imagem na Grécia

A imagem para os gregos possuía um caráter misterioso, até mesmo mágico.


Certas representações de deuses pareciam ter o mesmo poder dos deuses: tornavam
loucos ou cegos àqueles que ousavam encará-los

Estátuas como as de Átena e de Artêmis de Éfesos eram ditas não feitas por
mãos humanas, eram veneradas com todos os tipos de ritos: abluções, unções, oferendas
de flores e de alimentos. Filósofos como Heráclito, Xenofonte, Empédocles foram
contrários aos excessos desses ritos, pelo caráter espiritual do divino. Platão, entretanto,
estimava que os homens cultos devessem participar dos rituais a fim de obter favores
dos deuses e também para agradar ao povo que tinha necessidade de representações
sensíveis do divino.

Se bem que esses aspectos misteriosos e mágicos estejam distantes do espírito


cristão, não torna menos evidente que os diversos “Renascimentos” que Bizâncio

10
Disponível em :http://www.ecclesia.com.br/biblioteca/iconografia/a_iconoclastia.html ZILLES,
Urbano. A iconoclastia. Revista Telecomunicações. Vol. 27 Dez/1997. Porto Alegre, Brasil. Acessado em
26 de outubro de 2009..
6

conheceu, tiveram influência na elaboração da arte cristã, cada retorno à arte antiga
marcou uma civilização transportando sobre o registro cristão as inspirações artísticas
pagãs.

1.3 O papel da imagem no Império Romano.

Desde as suas origens, a Igreja primitiva esteve em contato com a cultura de


Roma, onde a imagem desempenhava uma função particular, graças à cultura grega que
influenciou a arte religiosa romana.

O culto dos imperadores romanos encontrou também sua origem no culto de


adoração que faziam de objeto o retrato dos soberanos do Oriente helenístico.

Mais do que uma função religiosa, a imagem podia preencher uma função
jurídica, em algumas circunstâncias, a imagem do imperador tomava o lugar da própria
pessoa do imperador, segundo as regras do direito romano.

Após a conversão ao cristianismo, é fácil compreender que esta presença eficaz


de ordem jurídica, junto à tradição religiosa do culto imperial tenha sido transformada
para adquirir uma nova sacralização, que vai levar em seguida às imagens cristãs. Dessa
forma o imperador é o Cristo, o Apóstolo ou o Profeta; as cenas de apoteose se
transformam nas representações da Ascensão; a figura do Bom Pastor toma sua origem
no imaginário pastoral; ao imperador e à imperatriz sobre o trono correspondem ao
Cristo e à Virgem Maria entre os anjos ou santos.

1.4 A arte funerária do Egito.

Também vale considerar que essa primeira fase da história dos ícones está ligada
a um antigo costume praticado pelos egípcios que preparavam retratos dos mortos, os
quais eram colocados sobre a face do defunto que sustentavam o tecido que era usado
para embalsamar o rosto da múmia. Nos primeiros séculos, a escola de Alexandria já
havia atingido um nível de perfeição suficiente para permitir a existência de vários
ateliês de artistas a produzir rapidamente e a baixo custo, retratos de realismo
impressionante. No período anterior ao cristianismo, havia o hábito de colocar na tumba
um retrato exato, idêntico ao defunto, uma imagem mística por possuir poderes
vivificantes, à qual era atribuída o poder de manter a ligação entre a alma desaparecida e
7

o corpo abandonado para preservar sob a forma de múmia11. Cemitérios que atestam
esse gênero de conservação de corpos foram descobertos em Fayoum12. É inegável que
a iconografia herdou traços da arte funerária de Fayoum, as primeiras representações de
Cristo Pantocrator foram feitas em encáustica (pintura com cera de abelha) sobre
madeira, da mesma forma que os retratos funerários egípcios.

Desta forma o imaginário pagão serve de matriz ao imaginário cristão.

1.5 Os Primeiros cristãos e a imagem

Compreende-se que os primeiros cristãos se opusessem ao mundo pagão em


razão da sua função idólatra. A idéia de representar Deus já bastava para ser
considerada um retorno ao paganismo.

A arte religiosa não tinha nenhuma importância na Igreja primitiva, constituída


de pequenas comunidades de fiéis, na sua maioria pobres que não possuíam recursos
para grandes edifícios e muito menos podiam pagar os artistas que eram bem
remunerados pelos pagãos. Esses artistas, de qualquer maneira precisariam romper com
o mundo pagão para se engajar no movimento cristão, o que significaria a perda de seu
meio de subsistência. A concepção de imagem pagã e sua função eram muito diferentes
do espírito do cristianismo para ser a expressão da fé.

As primeiras imagens cristãs que se tem conhecimento apareceram nas


catacumbas, essa arte funerária se revestia de alegria, pois, se a morte é inexorável, para
os cristãos havia a certeza da ressurreição.

Nas casas ou nas catacumbas, os cristãos adotaram símbolos pagãos e lhes


deram um significado mais profundo: o navio, símbolo da prosperidade e de uma
travessia feliz pela vida, tornou-se o símbolo da Igreja; a entrada do navio em um porto
não significa mais a morte, mas a paz eterna; os símbolos eróticos (Eros e Psique)
tornaram-se a sede da alma pelo amor de Deus. Esses símbolos são o reflexo do

11
N.P. Kondakov. Ícones. p 17.
12
Região a 137 km do Cairo à margem esquerda do rio Nilo.
8

ensinamento das verdades da fé. Por eles, os fiéis são conduzidos para um
conhecimento mais profundo do cristianismo. 13

A imagem-mãe do Bom Pastor, inspirada no mito de Orfeu foi associada: ao


salmo 23 (22) Iahweh é meu pastor, nada me falta; à imagem salvífica do pastor que
reconduz as ovelhas ao aprisco; ao pastor que socorre as ovelhas e ao pastor que protege
as ovelhas contra o lobo devorador 14.

Houve também símbolos que foram inspirados no Antigo Testamento e outros


novos foram criados desde o II século que são símbolos tipicamente cristãos: a
multiplicação dos pães, representando o Banquete Eucarístico; a adoração dos magos,
símbolo da admissão dos pagãos à fé cristã; a ressurreição de Lázaro e, sobretudo os
símbolos secretos, incompreensíveis aos pagãos: a vinha, mistério da vida em Deus nos
batizados e o peixe, ichthus, que se refere ao Cristo: Jesus Cristo Filho de Deus
Salvador 15.

As pinturas das catacumbas mostram uma unidade de estilo e de temas: foram


encontrados os mesmos símbolos na Ásia Menor, na Espanha, na África do Norte e na
Itália, sem que a Igreja tenha dado uma indicação de um programa oficial. A fé
manteve-se única, graças ao contato entre as igrejas locais.

Até Constantino, século IV, as pinturas cristãs apresentavam as mesmas


características: alguns traços em uma gama restrita de cores e algumas luzes que
exprimiam o essencial. É uma busca consciente do mundo espiritual que faz com que se
afaste de todo naturalismo. No entanto, há um fato capital, as imagens das catacumbas
não são imagens de culto, elas permanecem na esfera do símbolo. A Igreja não havia
elaborado ainda a dimensão do mistério da Encarnação, o que aconteceu após os
primeiros concílios. É o mistério da Encarnação (Deus que se fez Homem) que oferece
o fundamento para a veneração dos ícones. Aos olhos dos ortodoxos, a veneração dos
ícones está fundada sobre a certeza da Encarnação de Deus no homem Jesus de Nazaré.
Na medida em que Deus se revela através do humano, é possível representa-Lo
visivelmente.

13
A. Besançon. L’image interdite : une histoire intellectuelle de l’iconoclasme. p. 206-207.
14
A. Trevisan. O rosto de Cristo: a formação do imaginário e da arte cristã. p. .30-31
15
A.Besançon. L’image interdite : une histoire intellectuelle de l’iconoclasme. p. 206-207.
9

1.6 A Arte da Igreja na época de Constantino

As imagens, ícones, eikôn em grego, apareceram muito cedo no mundo cristão


na arte das catacumbas, arte funerária que queria trazer a glória da Ressurreição. Esta
arte se utilizou das técnicas das artes grega e romana e limitou-se a cristianizá-la,
operando com signos e símbolos.

Adotando as formas da arte imperial do início do século IV, a arte cristã inverte
o movimento ao fim desse século. Constantinopla, favorecida por sua posição entre o
Ocidente e o Oriente, se tornou o lugar de uma nova arte, a arte bizantina: cristã por
essência, helenística em suas raízes. Ao final de um processo que durará cerca de dois
séculos, até Justiniano, a imagem sacra vai encontrar sua forma definitiva: do mundo
helenístico ela traz a harmonia, a medida, o ritmo e a graça; do mundo oriental, a vista
frontal, os traços realistas, porém sem naturalismo.

A arte sacra no decorrer dos séculos é a expressão perfeita das verdades da fé e


reflexo das preces da Igreja. Até esse momento a arte bizantina não se diferenciava
essencialmente da arte do Ocidente.

Um elemento histórico significativo permite compreender a característica


específica da imagem sacra: na Vida de Constantino que data de quinze ou vinte anos
mais tarde, refere-se Lactâncio, que escrevia por volta de 318 d.C. ”Uma noite, pouco
antes da batalha da Ponte de Mílvia contra o exército de seu rival Maxêncio, (que
aconteceu a 28 de outubro de 312)16, Constantino teve um êxtase, durante o qual
recebeu de Cristo ordem de colocar sobre o escudo das suas tropas um sinal formado
pelas letras gregas CH e R ligadas. É este, com efeito, o monograma que se encontra nas
moedas e inscrições constantinianas. Quanto a Eusébio, informado — segundo ele
mesmo diz — pelo seu imperial modelo que no fim de sua vida,(Constantino) lhe teria
contado todos os pormenores do episódio, eis a versão: Constantino, no momento de
entrar em luta com Maxêncio, apelou para o Deus dos cristãos e então, em pleno dia viu
no céu, para o lado poente uma cruz luminosa com as palavras Com este sinal vencerás.
Na noite seguinte apareceu-lhe Cristo mostrando a sua cruz e convidando o imperador a
mandar executar uma insígnia que a representasse. Esta insígnia é o Labarum,

16
Data acrescentada pela autora.
10

estandarte em forma de cruz que, dali por diante, acompanhou os exércitos de


Constantino”17.

No ano 313, com o edito de Milão, publicado pelo imperador Constantino e pelo
qual os cristãos do Império tiveram em igualdade os seus direitos com os representantes
de outras religiões, uma nova fase teve início na Igreja. Para Constantino, foi antes de
tudo uma escolha política: parece que ele discerniu e entendeu a força moral e espiritual
capaz de reunir as diversas populações do Império Romano. Graças a Constantino, o
cristianismo se tornou, nos dois decênios que seguiram o edito de Milão, uma religião
privilegiada. Constantino só recebeu o batismo em 337 no leito de morte. Até o final de
seus dias Constantino conservou o título tradicional em um império pagão, de grande
pontífice, pontifex maximus. Os cristãos se encarregaram de dar a esse título um novo
sentido, que faz referência à eleição divina do imperador e a seu papel de defensor e
protetor da Igreja cristã. 18

2. Histórias da Tradição cristã.

Uma antiga tradição atribui os primeiros ícones ao Evangelista São Lucas, que
sendo muito amigo da Virgem Maria, teria pintado vários ícones da Virgem, que gostou
muito, abençoou e agradeceu.

Outra tradição diz que irei Abgar da cidade de Edessa, estava doente de lepra,
teve um sonho no qual ele via Jesus sendo perseguido, aprisionado e martirizado. Então
ele envia um emissário em busca deste que ele considerava um grande profeta visto em
seu sonho. Quando o emissário do rei, depois de muito procurar, afinal encontra-se com
Jesus, lhe diz: “o meu rei pede que o Senhor venha comigo em nosso país, lá o Senhor
estará protegido, o meu rei não deixará que nada de mal lhe aconteça” Jesus responde
que agradecia, porém não poderia aceitar afinal Ele veio para os seus e, além disso, era
preciso que Ele cumprisse a Vontade do Pai. O emissário replica que o seu rei era muito
rigoroso e, portanto não poderia voltar de mãos vazias. Então Jesus lhe pede um lenço
que o emissário trazia e com esse lenço enxuga o rosto, dobra-o e devolve-lhe pedindo
que entregasse ao rei, o emissário assim o fez. Quando o rei recebeu o lenço desdobrou-

17
D. Rops, Daniel. A Igreja dos Apóstolos e dos Mártires. p. 478-488. In: TREVISAN, Armindo. O rosto
de Cristo: a formação do imaginário e da arte cristã. Porto Alegre: Editora AGE, 2003, p. 36-37.
18
H.alfeyev. L’Ortodoxie: histoire et structures canoniques de l’Église ortodoxe. p.40
11

o e viu que a face de Jesus, a Santa Face, estava impressa no Mandilion (lenço em
grego), e ao ver a imagem, o rei ficou curado de sua doença.

Esta imagem, o Mandilion, é considerada pelos ortodoxos de Achiropita (não


pintado por mãos humanas). O Mandilion ou a Santa Face ficou na cidade de Edessa até
o ano 944, quando o imperador de Bizâncio manda busca-la, para com ela fazer uma
procissão em volta das muralhas da cidade, a fim de protegê-la do ataque dos turcos e
este expediente realmente teve sucesso. Até hoje no dia 16 de agosto celebra-se a festa
da transladação de Edessa para Constantinopla do ícone Achiropita.

O ano de 1204 representa uma data infausta para a cidade de Constantinopla e


para o Mandilion. As tropas latinas da quarta Cruzada, sob o pretexto de instalar em
Constantinopla o pretendente Aleixo sobre o trono do tio Aleixo III, tinham desviado a
Cruzada para aquela cidade. Esta foi ocupada pela primeira vez no verão de 1203;
depois, definitivamente, a 12 de abril de 1204, e submetida a um saque sistemático de
todos os seus tesouros, inclusive o Mandilion 19.

Nos primeiros séculos do cristianismo, foram muitas as imagens simbólicas que


evocavam a figura e a função da pessoa de Cristo. O símbolo mais recorrente foi o do
Bom Pastor, ao qual se prende à figura mítica de Cristo Orfeu; vem depois o de Cristo
Pescador, de Cristo Mestre Taumaturgo, Imperador ou Filósofo, de Cristo Benfeitor,
Doador da lei dos homens. No centro da iconografia paleocristã, Cristo aparece sob
diversas angulações: com o rosto barbado, como um filósofo ou mestre; ou imberbe,
com o rosto apolíneo; com o pálio ou a túnica; com o semblante do deus Sol ou de
humilde pastor, ele é o Logos, a Lei, o termo da salvação, o alfa e o ômega do cristão 20

Com o passar dos séculos a imagem de Cristo, que ocupará lugares bem precisos
nas diversas partes do templo, será refletida em três principais tipos iconográficos: o
primeiro é o Cristo Menino, ou Emanuel, o Cristo imberbe; o segundo é o da “Sagrada
Face” ou do Mandilion de Edessa; o terceiro tipo é o Cristo adulto ou barbado, ao qual
se dará o nome genérico de Pantocrator, (Onipotente ou Aquele que tudo rege) tipo mais
significativo da iconografia oriental e também o mais difundido, a ponto de se tornar
quase o único tipo de Cristo que se encontra não só nas cúpulas e nas absides das

19
A. Trevisan. O rosto de Cristo: a formação do imaginário e da arte cristã. p.55.
20
G. Gharib. Os icones de Cristo: história e culto. p. 12
12

igrejas, mas também sobre selos, moedas e outros objetos litúrgicos. Quer esteja
presente em mosaico, em afresco ou em ícones grandes ou pequenos, o Pantocrator
transmite, ao menos do século VI em diante, a mesma e idêntica figura de Cristo 21.

Uma outra Tradição diz que o Evangelista São Lucas teve uma visão na qual a
Santíssima Virgem Maria lhe aparece pedindo que ele pintasse uma imagem em sua
memória. Nesta visão ela mostra a ele, claramente, como realizar todas as etapas do
trabalho, ele então seguindo as instruções, pinta o Ícone que mais tarde recebeu o nome
de Odighítria (aquela que indica o caminho), também pintou um segundo que será
chamado de Eleosa (ternura) e ainda um terceiro ícone, onde a Virgem apresenta-se sem
o menino Jesus22. A Santíssima Virgem os viu, aprovou-os e abençoou-os, conferindo a
tais pinturas sua graça e poder espiritual. Os ortodoxos acreditam que ao se escrever um
ícone, se todas as regras forem obedecidas, este poder espiritual derramado pela Mãe de
Deus será retransmitido para o novo trabalho.

Se o ícone de Cristo fundamenta a iconografia cristã, reproduziu os traços de


Deus que se tornou Homem, o ícone da Mãe de Deus, entretanto representa o primeiro
ser humano que realizou a finalidade da Encarnação — a deificação do homem. A
Igreja ortodoxa afirma a ligação da Virgem com a humanidade caída que traz as
conseqüências do pecado original e não a exclui da descendência de Adão. Ao mesmo
tempo, sua dignidade excepcional de Mãe de Deus, sua perfeição pessoal, o último grau
de santidade adquirido por ela explicam a veneração excepcional: a Virgem é a primeira
de todo gênero humano que alcançou, pela transfiguração total de seu ser, ao final
destinado a toda criatura. Ela passou o limite do tempo e da eternidade e se encontra no
Reino onde a Igreja espera com a segunda vinda de Cristo. Ela verdadeiramente Mãe de
Deus (Theotokos), segundo a proclamação do IV Concílio Ecumênico, preside com
Cristo aos destinados do mundo. Sua imagem ocupa assim o primeiro lugar depois da
imagem de Cristo na ortodoxia; ela se distingue dos ícones dos outros santos e dos anjos
tanto pela variedade dos tipos iconográficos quanto pela quantidade e intensidade de sua
veneração. 23

21
Ibid. p. 25-26 e 91.
22
L. Ouspensky. La Théologie de l’icône: dans l’Église ortodoxe. p 36
23
L. Ouspensky. La Théologie de l’icône: dans l’Église ortodoxe. p35.
13

3. As crises iconoclastas

Durante os primeiros séculos, a veneração dos Santos Ícones foi estabelecida


pela Igreja, mas no VII século, sobretudo pela influência do Islã — que não admite
nenhuma representação de Deus — e das conquistas árabes, começou uma luta aberta
contra os Santos Ícones. Por algum tempo, mais da metade da Igreja foi tomada por
iconoclastas. A guerra contra as imagens sacras (é esse o significado do termo
iconoclasmo) que ensangüentou por longo período o império bizantino e a Igreja
Ortodoxa, foi inaugurada com o decreto do imperador Leão III Isáurico (717-741), o
qual inspirado muito provavelmente pela política do mundo árabe-muçulmano,
iconoclasta por princípio, e não poucos desvios que se tinham introduzidos no culto
popular das imagens sob a égide da classe sempre mais rica e poderosa dos monges,
emanou um edito (726) que proibia o culto das imagens e sua produção 24. A vitória dos
iconódulos (os defensores das imagens) aconteceu no VII Concílio Ecumênico em 787.

Entretanto, a vitória dos iconódulos não durou muito, com a ascensão ao trono
de Leão V, o Armeno (813-820) as proibições e restrições continuaram com implacável
dureza até chegar o tempo de Teófilo (829-842), imperador apaixonado pela teologia.
Após sua morte, ocorrida no ano de 842, a imperatriz Teodora, feita regente do filho
Miguel III — muito jovem para governar, — reuniu um sínodo em 843 e com um
decreto restabeleceu definitivamente o culto dos ícones. O acontecimento é ainda
celebrado na Igreja Bizantina nos nossos dias, no primeiro domingo da Quaresma,
chamado “Domingo da Ortodoxia”. 25

Durante o período iconoclasta a tradição da pintura dos ícones foi muito


prejudicada. Pode-se supor que os ícones criados durante esse período tinham um ar
mais austero, talvez mesmo um tanto severo na aparência, considerando que nessa
época quase todos os ícones eram produzidos nos mosteiros pelos monges. 26

24
G. Gharib. Os ícones de Cristo: história e culto. p. 21
25
G. Gharib. Os ícones de Cristo: história e culto. p. 22.
26
Disponível em:
http://www.ecclesia.com.br/biblioteca/iconografia/arte_sacra_bizantina_significado_e_poder.html
acessado em 26 de agosto de 2009.
14

4. A Rússia Ortodoxa Católica

Quando a Ortodoxia floresceu em Bizâncio depois do III século e na Rússia,


após o Século X, as igrejas ficaram repletas de ícones, também eram colocados nas ruas,
nas casas e em lugares públicos.

Ficou conhecida como “escolha a fé” a história que conta como a Rússia se
tornou católica Ortodoxa. O príncipe Vladimir I de Kiev, em 986 d.C. enviou alguns
emissários para terem contato com muçulmanos, cristãos, judeus e gregos para verem de
perto o que na verdade era a realidade sensível de cada religião. Segundo o relatório dos
emissários, a decisão foi pela religião professada em Constantinopla: o cristianismo sob
a forma bizantina27. Eles disseram ao soberano, após terem visto uma celebração
litúrgica na Santa Sophia: Nós não sabíamos se estávamos no céu ou na terra, pois não
há sobre a terra nada com tal majestade e beleza, e nem saberíamos como descrevê-la :
só sabemos que ali Deus está presente entre os homens, e que suas cerimônias são
melhores do que as de qualquer outro país. Não esqueceremos de tal beleza 28.

Essa lenda indica bem a natureza das missões bizantinas: o cristianismo não era
só transmitido por preocupações de “evangelização” no sentido contemporâneo do
termo, mas também por razões políticas e estéticas. A influência política de Bizâncio,
aliada ao caráter místico, muito cativante de seus cultos: eis a causa humana da
expansão missionária desta época. O verdadeiro milagre será o enraizamento durável,
na alma eslava, do Evangelho e assim aceito.

5. A mística dos ícones29

Um local sem ícone para o ortodoxo é um lugar vazio. Em viagens para lugares
desconhecidos um ortodoxo leva um ícone diante do qual ele faz suas orações e muitas
vezes traz uma cruz no pescoço a qual ele recebeu no batismo.

O ícone dá ao ortodoxo o sentimento real da presença de Deus. A existência dos


ícones supõe que Deus pode ser representado como homem, pois desde a criação o

27
P. Evdokimov. L’art de l’icône: théologie de la beauté. Paris. p. 17.
28
Disponível em:
http://www.ecclesia.com.br/biblioteca/iconografia/arte_sacra_bizantina_significado_e_poder.html
Acessado em 26 de outubro de 2009.
29
S. Boulgakoff. L’Ortodoxie. p.194-202.
15

homem é imagem de Deus (Gn.1-26) obscurecida pelo pecado original. Deus não pode
ser representado como Ser eterno, mas ao se revelar ao homem, há uma figura que pode
ser descrita caso contrário, a revelação divina não poderia existir.

O ortodoxo ora diante do ícone de Cristo como se estivesse diante d’Ele mesmo,
mas o ícone, lugar dessa presença, não se torna um ídolo ou um fetiche. A necessidade
de se ter diante de si um ícone decorre do caráter concreto do sentimento religioso que
muitas vezes não se satisfaz apenas da contemplação espiritual e que busca se
aproximar do Divino imediatamente. Isso se explica pelo homem ter um corpo e uma
alma. A veneração dos santos ícones se baseia não apenas na natureza dos sujeitos
representados, mas também sobre a fé nessa Presença plenificada pela Graça, que a
Igreja chama para a força da santificação do ícone.

Conhecer e conservar o sentido simbólico do ícone: essa é a tradição da pintura


iconográfica, que data de tempos distantes talvez da antiguidade pré-cristã, grega ou
egípcia, herdada pela Bizâncio cristã. Formou-se assim um “cânon” iconográfico;
conservado em toda sua pureza nos ícones mais antigos.

Entretanto, os resultados e a revelações das pinturas dos ícones ultrapassam em


força a teologia especulativa e a arte profana. A pintura dos ícones é um testemunho
além dos seus aspectos: ela não demonstra, ela mostra. Ela não coage a aceitar suas
provas: ela convence e vence pela própria evidência.

A pintura de ícones não admite sensualidade nas imagens que são formais,
abstratas, esquemáticas, não são mais que cores e formas. Um ícone não conhece as três
dimensões, ele não tem profundidade, mas se contenta como a pintura egípcia, com uma
representação plana e de uma perspectiva inversa, o que exclui a sensualidade e leva à
predominância das formas e das cores e de seu simbolismo. Eis a razão porque os meios
artísticos da pintura dos ícones têm um caráter ascético, pois não pode conter
sensualidade nem deleite carnal, é uma pintura severa e séria.
16

6. A arte dos ícones na atualidade.

Aconteceu na Europa desde o final da primeira guerra, no início do século


passado, um redescobrimento do ícone na cultura ocidental. Michel Quenot 30 atribuiu o
fenômeno ao mercado das artes — pelo número de exposições e pela freqüência com
que elas têm ocorrido — e também pelo fato de que colecionadores particulares têm se
31
multiplicado. No entanto, Segundo Olivier Clément o homem de hoje pressente o
mistério, e, na sua fria solidão e na tristeza do seu desespero, ainda há um amor em seu
olhar.
A maioria dos cristãos ocidentais admira-se diante da beleza de um ícone, porém
ignora a profundidade teológica que o acompanha na liturgia ortodoxa. O que se
constata é que o ícone permaneceu na Tradição da Igreja do Oriente, enquanto a arte
religiosa no Ocidente se modernizou e segundo a visão dos ortodoxos, se dessacralizou,
deixou de ser arte sacra para ser arte com tema religioso.
Há muitas obras recentemente publicadas sobre os ícones e, da demanda por
ícones como objeto de decoração surgiram pintores de ícones que não se preocupam
com o aspecto místico e litúrgico, pode-se comprar na Grécia, na Rússia ou em qualquer
outro país cristão, ícones não pintados por um iconógrafo. No entanto, ainda há monges
iconógrafos que “escrevem” seus ícones segundo a Tradição milenar da confecção dos
ícones sagrados destinados à veneração dos fiéis.
Há autores que consideram que se há alguma possibilidade de uma “re-união”
das Igrejas chamadas irmãs — a Ortodoxa e a Católica Romana, separadas desde o
cisma de 1054, — ela pode se dar pelo ícone.
João Paulo II, em 4 de dezembro de 1987, na Carta Apostólica Duodecimum
saeculum, celebrou por ocasião do XII Centenário do II Concílio de Nicéia, a veneração
das imagens. Nesse documento o Sumo Pontífice disserta sobre os ícones como a
verdadeira e autêntica arte-sacra cristã.
Desde há alguns decênios para cá nota-se um surto de interesse pela
teologia e pela espiritualidade dos ícones orientais; isso é sinal de ritual
da arte autenticamente cristã. A este propósito, não posso deixar de
exortar os meus Irmãos no Episcopado a "manterem o uso de expor
imagens nas Igrejas à veneração dos fiéis" e a empenharem-se para que
surjam cada vez mais obras de qualidade verdadeiramente eclesial. O
crente de hoje, como o de ontem, há de ser ajudado na oração e na vida
30
M. Quenot L’Icône: Fenêtre sur le Royaume p.11-12
31
Disponível em http://www.orthodoxa.org/FR/orthodoxie/iconographie/theologieIcone.htm . Olivier
CLÉMENT Pour une théologie de l’icône. Acessado em 25 de outubro de 2009.
17

espiritual mediante a visão de obras que procurem exprimir o mistério


sem nunca o ocultar. É esta a razão pela qual, hoje como no passado, a
fé é a indispensável inspiradora da arte da Igreja 32.

Mais recente, no ano de 2007, Bento XVI ao fazer sua exegese sobre o Batismo
em seu livro Jesus de Nazaré escreve:

“A Igreja oriental desenvolveu e aprofundou na sua liturgia e na sua


teologia icônica, esta compreensão do batismo de Jesus. Ela vê uma
relação bastante profunda e rica de conteúdo da festa da Epifania
(proclamação da filiação divina pela voz celeste; a Epifania é o dia do
batismo no Oriente) e a Páscoa. [...] A iconografia acolhe estas
correspondências. O ícone do batismo de Jesus mostra a água como um
túmulo de água que corre, que tem a forma de uma caverna, que por
sua vez é o sinal iconográfico do Hades, [...]”33
Bento XVI recorreu à liturgia bizantina como referência simbólica para explicar
o mistério do batismo de Jesus, o autor encontrou na arte oriental dos ícones a melhor
forma de expressar a mistagogia34 para o Batismo de Jesus.

O ícone de uma forma delicada, porém constante, indica estar permeando o


ocidente dessacralizado.

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32
JOÃO PAULO II, item 11 da Carta Apostólica DUODECIMUM SAECULUM 1987 www.vatican.it .
Acessado em 25 de maio de 2007.
33
BENTO XVI. Jesus de Nazaré. p.34.
34
Do grego mystagogêin , significa orientar nos mistérios, gênero literário comum no cristianismo
primitivo. Atualmente a expressão pode significar catequese.
18

CAVALIERI O. Arlete. Arte e cultura na Rússia Antiga: Beleza e Santidade. In:Revista


de Estudos Orientais. São Paulo, n. 3, dez.1999. Departamento de Letras Orientais da
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CV: http://lattes.cnpq.br/8209900139809763  
 

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