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INVESTIGAÇÃO DE

PATERNIDADE

ATUALIZAÇÃO CIENTÍFICA

DR. JOÃO LÉLIO P. DE MATTOS F o


MÉDICO E PERITO JUDICIAL

SÃO PAULO
1997

Durante mais de 10 anos, atuando como Perito

Judicial, tive oportunidade de publicar uma série de


trabalhos, na mídia impressa especializada, tanto

Jurídica, quanto Médica.

Este documento contém uma coletânea atualizada,


abordando temas complexos e atuais, como formulação de

quesitos, investigação de paternidade com suposto pai


falecido (em anexo), entre outros.
Nossos Laudos Periciais Judiciais são estruturados

segundo padrão internacional, contendo, inclusive,

identificação fotográfica das partes, além de sólida


citação de referências bibliográficas.
Caso deseje alguma informação adicional, os dados

para contato são:

Dr. João Lélio P. de Mattos Filho


Diretor do Laboratório DiaGenix
End.: Rua Dr. Cândido Espinheira, n°. 155

CEP 05402-000 - São Paulo

Fone: (011) 548 4306; FAX (011) 524 6518

2
ÍNDICE

INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE - Considerações


sobre o uso das sondas de DNA ...................... 4

OS QUESITOS NA INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. ......... 8

ESTUDO SOBRE PATERNIDADE . ......................... 14

O IMPACTO DA INTRODUÇÃO DO EXAME DO DNA NO CONJUNTO


DE PROVAS NA INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. .......... 17

DNA REVOLUCIONA INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE ....... 23

A IMPRESSÃO DIGITAL DO DNA COMO MÉTODO DE


IDENTIFICAÇÃO MÉDICO-LEGAL. ........................ 26

DNA POSSIBILITA INVESTIGAR PATERNIDADE COM


SEGURANÇA ......................................... 31

INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE COM SUPOSTO PAI


FALECIDO ATUALIZAÇÃO MÉDICO-PERICIAL -
DESCRIÇÃO DOS PRIMEIROS CASOS BRASILEIROS
EMPREGANDO O EXAME DO DNA POSSIBILIDADES E
LIMITAÇÕES ......................................... 34

ATUALIZAÇÃO MÉDICO-JURÍDICA - INVESTIGAÇÃO DE


PATERNIDADE INTRA-ÚTERO ............................ 42

3
INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
CONSIDERAÇõES SOBRE O USO DAS SONDAS DE DNA

Novamente nos mais importantes para a


manifestamos para trazer, à execução técnica dos testes.
V. Exa., subsídios São as sondas que detectam as
importantes para o melhor variações nas seqüências da
entendimento das provas que molécula de DNA, para que
estabelecem vínculo genético, seja possível a comparação
tão importantes atualmente. entre indivíduos.

Temos assistido, Devido à importância das


recentemente, a proliferação sondas de DNA e sua
de entidades que alardeiam a aplicabilidade, houve uma
realização de exames de DNA, crescente preocupação na sua
entidades estas suportadas escolha e padronização, como
por esquemas publicitários e reflexo de suas carac-
de "marketing", cujo efeito terísticas técnicas.
persuasivo, mesmo nas pessoas
versadas na matéria, é eficaz São conhecidos,
e contundente. Ao contrário atualmente, dois tipos de
do verdadeiro comportamento sondas de DNA: as sondas
científico, estas entidades "multi-locus" e as "single-
têm-se utilizado da veicu- locus". Há consenso, de todas
lação através da mídia não as entidades e associações
ética (jornais, revistas não científicas, das vantagens e
especializadas), criando con- propriedades das sondas
fusões e disseminação de "single-locus", de tal
informações contraditórias e, maneira que as sondas "multi-
até mesmo, errôneas e locus" tiveram seu uso banido
enganosas. em Medicina Legal. As sondas
"multi-locus" produzem um
Para esclarecermos estes padrão composto por número
pontos que consideramos excessivo de bandas, cuja
importantes e vitais, na leitura e comparação são
compreensão do exame do DNA, difíceis e podem induzir a
abordaremos aspectos técnicos erro. Como não existe a
das sondas de DNA e sua possibilidade do cálculo de
relevância na método e inter- freqüências alélicas, não se
pretação da prova pericial. pode obter o cálculo de
probabilidade de paternidade,
As sondas de DNA são, em hoje unanimemente exigido
última análise, os elementos

4
pela Justiça de vários países Paternidade expressa em
do mundo. porcentagem".

Preocupados em Somente as sondas


desenvolver critérios que "single-locus" podem atender
possibilitassem a às exigências e requisitos
padronização na técnica do feitos pela AABB.
exame do DNA, a Associação
Americana de Bancos de Sangue No documento ‘‘A
(American Association of Testemunha Genética - Uso
Blood Banks - AABB), editou Forense do Teste do DNA’’
várias versões de um conjunto (Genetic Witness - Forensic
de normas técnicas, sendo, a Uses of DNA Tests), elaborado
última, em 1994, denominadas pelo Congresso dos Estados
"Padrões para Testes Unidos da América (Office of
Laboratoriais de Paternidade" Technology Assessment),
(Standards for Parentage existem numerosas citações a
Testing Laboratories). Estas respeito da preferência pelas
normas têm sido adotadas em sondas "single-locus" ,
centros desenvolvidos e, estando entre as principais:
atualmente, somente são
aceitos como juridicamente "Condições de detectar
válidos, nos EUA, aqueles somente um "locus" por
testes de DNA que sigam cromossomo, com razoável
estritamente estas condição de
padronizações. Na parte hibridização."
relativa ao exame do DNA, o
"Padrões para Testes "Produzir bandas bem
Laboratoriais de Paternidade" caracterizadas (tais como
menciona textualmente: tamanho definido, número
"Freqüências gênicas e de bandas, intensidade
haplotípicas devem ser relativa das bandas) de
obtidas, através do exame tal forma que bandas não
das populações de tamanho usuais possam ser detec-
adequado". Também tadas."
mencionam o seguinte:
"Nos casos de não- "Detectar apenas um
exclusão o laudo deve fragmento por alelo, de
incluir o Índice de Pa- forma que as pessoas
ternidade para cada testadas exibam um ou
sistema genético dois alelos, na
empregado, o Índice dependência se são
Combinado de Paternidade homozigotas ou
e a Probabilidade de heterozigotas."

5
"Utilizar uma série de Somente as sondas
sondas para cromossomos "single-locus" podem atender
diversos, ou regiões às exigências feitas pela
razoavelmente distante em Associação Internacional de
um mesmo cromossomo, para Hemogenética Forense.
haver segurança de que as
regiões pesquisadas são Em publicação recente,
herdadas de forma ‘‘A Impressão Digital do DNA
independente." - Uma Introdução’’ (DNA
Fingerprinting - An
Somente as sondas Introduction) o renomado
"single-locus" podem atender cientista Prof. Dr. L. Kirby
às recomendações do governo faz as seguintes menções:
dos EUA, para aplicação em
Medicina Legal. "Com as sondas "multi-
locus" tem sido regra a
A Associação incompatibilidade entre
Internacional de Hemogenética os alelos e as sondas. Em
Forense (International muitos laboratórios este
Society for Forensic fato resultou em
Haemogenetics) em seu dificuldades na execução
‘‘Recomendações Para Teste do do teste, em termos de
DNA’’, menciona o seguinte: detecção de bandas e
reprodutibilidade."
"A freqüência de
mutações das sondas "A principal desvantagem
"multi-locus" é maior do das sondas "multi-locus"
que 0,01 e valores é a resolução das bandas
maiores devem ser e o perfil de
esperados. Desde que interpretação resultante,
cálculos, tendo como base além da ausência da pos-
elementos estatísticos sibilidade da obtenção de
para determinação da freqüências alélicas."
paternidade não podem ser
obtidos, somente a "A principal vantagem das
opinião verbal a respeito sondas "single-locus"
da exclusão ou não- reside em sua grande
exclusão pode ser capacidade de determinar
fornecida. O uso das freqüências alélicas em
sondas "multi-locus" sem várias populações."
comprovação estatística
não possui aceitabilidade Somente as sondas
corrente nos testes de "single-locus" podem atender
paternidade rotineiros". aos critérios colocados pelo
Dr. Kirby.

6
O que foi aqui colocado,
No livro ‘‘DNA na Ciência tem por finalidade orientar
Forense’’ (DNA in Forensic os elementos pertencentes à
Science), no capítulo Comunidade Jurídica (Juízes,
intitulado o Exame do DNA na Curadores, Advogados, etc.)
Investigação de Paternidade, quando da análise e
o autor, Dr. D. Dykes refere, interpretação de provas para
textualmente: investigação de vínculo
genético. Devem ser re-
"As principais categorias quisitados, de todos os
de polimorfismos podem laudos que utilizam exame do
ser classificadas em DNA, de maneira mínima, o
"single-locus", "multi- seguinte:
locus" ..., dependendo do
tipo de sonda ou enzima − Menção clara e expressa do
de restrição utilizada. tipo de sonda utilizada (se
Em termos práticos a "multi-locus" ou "single-
sonda mais fácil de se locus").
trabalhar e a mais
reprodutível é a "single- − Menção clara e expressa dos
locus"." Índices de Paternidade (ou
Freqüências Fenotípicas)
"As sondas "multi-loci", para cada sonda e para o
tais como as sondas 33.15 conjunto de sondas.
e 33.6 de Jeffreys, no
entanto, detectam muitos − Menção da Probabilidade de
fragmentos de diferentes Paternidade e base
"loci" podendo criar estatística a sua obtenção.
dificuldade entre as
repetidas seqüências − Menção de razoável
originadas. A reprodu- quantidade de referências
tibilidade da obtenção bibliográficas, para
das bandas requer uma consultas e posterior
elevada padronização, o análise comparativa entre
que pode levar estas metódos diversos.
sondas a serem pouco
aceitáveis para − É desejável que o Perito
comparações inter Judicial, encarregado da
laboratoriais." produção da prova, tenha
potencial acesso a, pelo
Somente as sondas menos, mais de um sistema
"single-locus" podem atender (HLA ou outro de igual
as especificações colocadas polimorfismo), pois a
pelo Dr. Dykes. análise de um conjunto de
provas é mais defensável e

7
provida de maior bom-senso, prova e de sua fidedignidade
quando investigamos vínculo científica.
genético.
A discussão de um tema
Desta maneira, procuramos tão polêmico, atual e
estender os padrões complexo, obviamente não se
preconizados e aceitos pela esgota neste breve apanhado.
comunidade científica mundial Nos colocamos à disposição
para o nosso meio, evitando para consultas de qualquer
opiniões e imposições de natureza, não somente sobre
caráter pessoal. testes do DNA, mas também a
respeito do exame do HLA ou
O uso de sondas "multi- qualquer outra prova que se
locus" resultou inaceitável e produza para investigação de
obsoleto em países onde a vínculo genético.
tecnologia do exame do DNA
tem seus adeptos. Não se pode Sempre pautamos nossa
prescindir desta tecnologia, conduta em elevados padrões
que deve ser exercida de éticos e de excelência
forma coerente e adequada, do científica e temos sido
ponto de vista metodológico. merecedores da confiabilidade
de vários Magistrados, o que
Deve estar sempre em procuramos honrar através do
mente a altíssima nosso trabalho honesto e
probabilidade de que, caso a transparente.
prova tenha sido produzida em
condições não ideais, pode
haver um comprometimento em Dr João Lélio P. de
sua validade, com a Mattos Filho
conseqüente repercussão Médico, Perito Judicial e
legal. É imperiosa a Membro
observância a estes preceitos da Associação dos Peritos
técnicos essenciais, que Judiciais do Estado de São
caracterizam a produção da Paulo

8
OS QUESITOS NA INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
Artigo publicado no Repertório IOB de Jurisprudência, 2ª. quinzena de junho
de 1993, n°. 12/93, pg. 234

A elaboração de quesitos conhecimento e interesse de


em casos de investigação de quem os executa.
paternidade (ou qualquer
investigação de vínculo A intenção desta
genético) apresenta uma série publicação é tornar a
de dificuldades. Os métodos formulação de quesitos uma
progrediram de tal maneira tarefa racional e produtiva.
que as consultas à literatura Não pretende ser um guia e
especializada freqüentemente nem esgotar o assunto. O
causam frustração. É comum avanço da ciência exige uma
deparar-se com quesitos constante atualização e novos
absolutamente inadequados, aspectos futuros podem
cuja formulação confunde e demandar quesitos e
obscurece. Na era da posicionamentos fora da
biotecnologia ainda surgem rotina. As sugestões aqui
quesitos sobre exames colocadas podem, e devem, ser
antropométricos, modificadas na medida em que
prosopográficos (comparação as situações individuais
entre fotografias), de arcada assim os requeiram.
dentária, das impressões
digitais e outros, que não Para um melhor
possuem a menor validade entendimento, este artigo
científica. Muitas vezes o será dividido nos seguintes
formulados dos quesitos o faz tópicos:
somente para mostrar serviço
ou desencargo de consciência. I - Definições (semântica e
Puro engano. Quesitos bem jurídica)
formulados demonstram II - Classificação geral
conhecimento ao Perito III - Fundamentação
Judicial e orientam a exe- IV - Finalidades e objetivos
cução do laudo. Na verdade, V - Cuidados na formulação de
um Laudo Pericial bem quesitos
constituído responde a 90% de VI - Exemplos práticos
qualquer rol de quesitos
apresentado. I - DEFINIÇõES

A formulação de quesitos I.A - Semântica


é, portanto, uma arte,
manifestação que deve ‘‘Quesito’’, segundo
refletir ao alto nível de Aurélio Buarque de Holanda, é
a palavra que designa ‘‘ponto
9
ou questão sobre que se pede classificados, conforme se
resposta (opinião, juízo ou segue:
esclarecimento); termo
denominado do latim ‘‘qua e A - Quanto ao tempo em que
situm’’ que significa são apresentados
pergunta ou interrogação’’.
1) Próprios ou
Deve-se entender, de originários
maneira óbvia, que há um 2) Suplementares
formulador do quesito, o que- 3) Elucidativos
sito em si, encerrando um
conteúdo que gera uma B - Quanto à matéria
expectativa e a resposta ou
manifestação, proveniente da 1) Pertinentes
pessoa indagada. A frase que 2) Impertinentes
encerra o quesito deve estar
na forma interrogativa. C - Quanto à origem

I.B - Jurídica 1) Voluntários ou legais


2) Oficiais
Pode-se entender, do 3) Inoportunos
ponto de vista jurídico, os
quesitos como indagações A1 - Quesitos próprios ou
formuladas ao Perito originários
Judicial, a fim de se obter
esclarecimentos sobre o fato São assim denominados, se
ou objeto em causa. Para formulados no qüinqüídio
alguns autores, os quesitos respectivo.
têm a função de delimitar o
campo de perícia. Como a A2 - Quesitos suplementares
investigação de paternidade
versa sobre assuntos eminen- Podem ser apresentados
temente técnicos, é durante a realização da
problemática que seja diligência. Entende-se, para
exercida a ação delimitadora. perícias de investigação de
Os quesitos são formulados vínculo genético, início das
pelas partes, pelo Juiz e diligências como sendo a
pelos membros do Ministério coleta do material e final,
Público. quando o respectivo laudo é
entregue.
II. CLASSIFICAÇÃO
Freqüentemente, tantos os
Do ponto de vista quesitos próprios como os
jurídico, os quesitos são suplementares, já se en-
contram detalhados e

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respondidos no respectivo (suplementares e
laudo. Desta maneira, o elucidativos).
Perito responderá indicando o
local do laudo onde se B1 - Quesitos pertinentes
encontram estas respostas.
São considerados
A3 - Quesitos elucidativos pertinentes aqueles quesitos
que se circunscrevem aos
São destinados a fatos e objetos da perícia.
esclarecer pontos do laudo Amiúde, nos deparamos com a
que não tenham ficado claros seguinte situação:
ou que demandem encontramos quesitos que
esclarecimentos ‘‘a poste- fogem totalmente do mérito
riori’’. metodológico da perícia (ex.:
Foi pedido exame de arcada
Deve ser observado e dentária? Foi feito exame
considerado que, para que os antropométrico? Foi feito
quesitos sejam respondidos, exame prosopográfico?).
estes têm que chegar até o Queremos crer que, antes de
conhecimento do Perito pensarmos que este é um
Judicial. Para comarcas que artifício para iludir ou
estão geograficamente confundir a autoridade
acessíveis, o Perito assina o requisitante, é fruto da
devido compromisso e, após desinformação. Deve o Perito
decorrido o qüinqüídio para Oficial, nestes casos, em
apresentação dos quesitos suas respostas, fundamentar a
próprios, vai até o cartório, impertinência destes
onde retira o processo para quesitos, para que as dúvidas
estudos ou compila dados sejam adequadamente sanadas.
significativos ou pode,
também, requerer fotocópias. B2 - Quesitos impertinentes
Assim sendo, fica o Perito
Judicial informado dos Devem ser assim
quesitos que deve responder. considerados, todos os
Os quesitos suplementares e quesitos que não se vinculem
os elucidativos, com aos fatos e objetos da
freqüência, têm dificuldades perícia. A identificação dos
de acesso ao Perito, pois, quesitos impertinentes deve
nesta época, o Perito ser do magistrado, mas esta
Judicial já extraiu dos autos pode caber, também, ao Perito
o necessário para seu Oficial, nos casos de matéria
trabalho. É mister, então, essencialmente técnica.
que, através de notificação Pensamos que a impugnação
adequada, o Perito tome destes quesitos pode ser
ciência destes quesitos solicitada pelo Perito

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Judicial, mas optamos por - Os representantes do
respondê-los, justificando e Ministério Público
fundamentando a - Os advogados das partes
impertinência. envolvidas na lide

C1 - Quesitos voluntários ou III - FUNDAMENTAÇÃO


legais
Os métodos para
São quesitos voluntários investigação de vínculo
aqueles formulados por uma genético (ou investigação de
das partes, de modo e paternidade, como querem
arbítrio próprios. alguns) tiveram um progresso
extraordinário, nos últimos
Quesitos legais são anos.
aqueles que emanam do texto
legal. Para investigação de A velocidade destas
vínculo genético, por se alterações foram, de tal
tratar de matéria técnica, forma, que não houve uma re-
são pouco freqüentes. ação correspondente, nos
veículos éticos de divulgação
C2 - Quesitos oficiais (livros, apostilas etc.),
criando-se, assim, um vácuo
Os quesitos oficiais são de informação. Decepcionar-
assim denoiminados, porque se-á aquele que recorrer à
são formulados pelos Juízes, pesquisa bibliográfica, com a
quando entenderem necessário. literatura existente, mesmo
com as mais novas e recentes,
C3 - Quesitos inoportunos que, com toda certeza, não
satisfará a curiosidade e
Considerados como premência de dados. Serão
inoportunos, são os quesitos abordados os dois exames que
formulados fora dos prazos consideramos mais modernos e
legais ou não autorizados adequados na investigação de
pelo Juiz. Podem ser, também, paternidade: HLA e DNA.
inoportunos em relação à Fundamenta-se a confecção dos
matéria e aí, se confundem quesitos em conhecimentos
com os impertinentes. mínimos dos testes em
Apresentação dos Quesitos questão, que se seguem.

De maneira geral, podem Esclarecemos,


apresentar quesitos: complementarmente, que,
atualmente, somente as provas
- O Magistrado, que preside e mendelianas sangüíneas têm
dirige o processo valor na comprovação
biológica do vínculo

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genético, cujos caracteres A finalidade da execução
estudados são herdados de de quesitos, na perícia de
acordo com as leis de investigação de vínculo
Mendell, frade geneticista genético, é o esclarecimento
alemão, que possibilitou total e completo de dúvidas
identificar, com clareza, que possam, porventura,
quais são os elementos pairar sobre todas as etapas
provenientes do pai e da mãe. da produção da prova. Estas
Comprova-se a afirmação de etapas são resumidas, a
Afrânio Peixoto, que seguir:
destacava a ‘‘voz do sangue’’
nas investigações de 1. Identificação das partes
paternidade. Qualquer outro 2. Coleta do material
método, que não leve em conta 3. Conservação e transporte
a análise de provas 4. Execução dos exames
mendelianas sangüíneas, é 5. Interpretação dos
destituído de qualquer resultados
validade científica, para 6. Confecção do laudo
investigação de vínculo 7. Entrega do referido laudo
genético. É freqüente nos em cartório (término das
depararmos, em processos de diligências)
comarcas distantes dos
centros científicos, com os É importante frisar, mais
mais esdrúxulos laudos, uma vez, que, muitas vezes,
utilizando métodos que não os quesitos não são
são aplicáveis para fins da respondidos porque,
investigação de vínculo simplesmente, não chegam ao
genético. Para citar exemplos conhecimento do Perito. Por
temos: laudos analisandos esta razão, é importante que
impressões digitais, laudos providências sejam tomadas
com análises de neste sentido, evitando um
características físicas e desgaste desnecessário, pois,
fisionômicas, etc. faz parte do procedimento
Imprestáveis do ponto de ético e de boa técnica res-
vista científico, estes ponder a todos os quesitos,
laudos, muitas vezes, são ex- com referência à matéria da
tensos e prolixos, utilizando perícia.
uma abundância de termos
‘‘científicos’’, que chegam a V - CUIDADOS NA FORMULAÇÃO
impressionar e confundir a DOS QUESITOS
autoridade requisitante.
Não são suficientes,
IV - FINALIDADES E OBJETIVOS apenas, o emprego dos
pronemes interrogativos QUE,
QUEM, QUAL, QUANTO e QUANDO.

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Os quesitos devem ser utilizou o método em
formulados de maneira clara e questão?
objetiva. • Quais foram os cuidados
tomados na identificação
Recomendamos que, das pessoas periciadas?
anteriormente à formulação,
haja um estudo prévio da • Como foi conservado o
matéria, para evitar quesitos material coletado?
inoportunos, impertinentes ou • Quais foram os cuidados
que fujam aos princípios tomados no transporte do
metodológicos empregados. material?
VI - EXEMPLOS PRÁTICOS DE • Quais foram as providências
QUESITOS tomadas para garantir a
inviolabilidade do material
Podemos dividir os durante o eventual
quesitos em gerais e transporte?
específicos. Os quesitos • Quais foram as providências
gerais dizem respeito à tomadas para evitar a troca
qualificação do perito e sua de material?
experiência no tema, bem como
abordam cuidados tomados na • Quais foram as pessoas, e
identificação, conservação e suas respectivas
eventual transporte do qualificações, que
material. Os quesitos presenciaram a coleta?
específicos são relativos aos Estas presenças foram docu-
métodos científicos mentadas?
empregados na investigação. • Houve identificação mútua
entre as partes?
Quesitos Gerais Justifique.
• As partes foram informadas
• Discorrer a respeito de sua
de que a coleta poderia ser
experiência como Perito
mutuamente presenciada,
Judicial na área
caso desejasse?
• Possui o Perito Judicial
• Houve, durante a coleta,
alguma publicação a
algum fato incomum ou
respeito de investigação de
inesperado, que pudesse, de
paternidade? Caso
qualquer forma, despertar
afirmativo, anexar cópia da
suspeita ou prejudicar o
publicação.
resultado final?
• Quantos casos foram, até o
momento, conduzidos pelo Quesitos Específicos
Perito Judicial, em que
Exame do HLA

14
• Julga Perito necessários
• Há compatibilidade entre os outros exames, por outros
haplótipos do filho e de métodos, para confirmar ou
sua mãe? Está confirmada a reforçar a exclusão
maternidade? verificada?
• A exclusão da paternidade • Julga o Perito necessários
foi verificada? outros exames, por outros
métodos, para confirmar ou
• A não-exclusão da
reforçar a não-exclusão
paternidade foi verificada?
verificada?
• Foi possível identificar
• Anexar a documentação
claramene os haplótipos das
bibliográfica que
pessoas investigadas?
fundamenta a metodologia e
• Quais são os haplótipos as conclusões do laudo.
prováveis da mãe, filho e
suposto pai? Exame do DNA
• Há necessidade de examinar
outros ascendentes e • Há compatibilidade genética
descendentes, para deter- entre os alelos do filho e
minar com clareza os de sua mãe? Está confirmada
haplótipos dos indivíduos a maternidade?
examinados?
• A paternidade foi excluída?
• É possível o cálculo da
• A paternidade foi
probabilidade da
confirmada?
paternidade (Pp)? Caso
afirmativo, comentar sobre
a origem das freqüências • Especificar a procedência e
fenotípicas e tecer atividade das enzimas da
considerações sobre a restrição, utilizadas no
magnitude estatística da teste.
dita probabilidade.
• Especificar a procedência e
• Mencionar o responsável atividade das sondas
técnico pela realização do utilizadas. São sondas
exame, bem como sua ‘‘multi-locus” ou
qualificação científica. ‘‘single-locus” ?
• Mencionar a entidade • Quantas sondas foram
(nacional e/ou utilizadas? Julgou o Perito
internacional) que controla suficiente este número?
e valida os métodos
utilizados e os resultados • É possível o cálculo da
obtidos. probabilidade de
paternidade (Pp)? Caso
afirmativo, comentar sobre

15
a origem das freqüências • Anexar a documentação
dos alelos encontrados e bibliográfica que
tecer considerações sobre a fundamenta a metodologia e
magnitude estatística da as conclusões do laudo.
dita probabilidade.
Como já colocado, este
• Mencionar o responsável
artigo não esgota a matéria e
técnico pela execução do
nem procura ser absoluto.
exame e sua qualificação
Apenas esperamos que sirva de
científica.
um guia prático nas ações de
• Mencionar a entidade investigações de paternidade,
(nacional e/ou onde é consenso a importância
internacional) que controla da prova pericial e saibamos
e valida os métodos como entendê-la e interpretá-
utilizados e os resultados la.
obtidos.

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ESTUDO SOBRE PATERNIDADE
Artigo publicado na ‘‘Tribuna da Magistratura’’, ano V, no 40, out/nov de
1992

A prova pericial na investigação de paternidade - abordagem


comparativa - impacto da introdução do DNA no arsenal de provas

I - INTRODUÇÃO (leucócitos) no sangue


humano. Recentemente, a
A investigação de vínculo descoberta de métodos para o
genético (termo preferível à estudo de regiões específicas
investigação de paternidade) do DNA (Jeffreys, 1985),
sempre mereceu especial fechou o conjunto de provas
atenção da Justiça. Vários destinadas a determinar o
métodos foram empregados para vínculo genético. O DNA
obtenção de dados que (ácido desoxirribonucleico) é
sugerissem ou reforçassem a a sede de todas as
hipótese da paternidade, mas informações genéticas que
foi somente neste século que herdamos de nossos pais e
foi possível o estudo transmitimos aos nossos
científico desta matéria, filhos. É uma molécula muito
através do descobrimento dos longa, composta de elementos
primeiros marcadores denominados bases, que se
genéticos. A descoberta do arrumam e compõem os genes e
sistema ABO (Landsteiner, que, por sua vez, formam os
1901) foi, sem dúvida, o cromossomos. Os cromossomos
marco inicial, neste sentido. estão localizados no interior
O sistema ABO, juntamente com do núcleo das células
outros sistemas (Rh, Mn, Ss, humanas. Os genes são os
Kell, Duffy, Kidd) compõem os elementos responsáveis pela
marcadores eritrocitários e determinação de certo caráter
recebem esta denominação genético. Como exemplo, há
devido ao fato de serem genes para determinar a cor
estudados nos glóbulos verme- dos olhos, a cor dos cabelos,
lhos (eritrócitos) do sangue e assim por diante.
humano. Outro marco
importante foi a descoberta Outras provas, que não as
do sistema HLA (Dausset, mendelianas sangüíneas, são
1952). A sigla HLA significa desprovidas de qualquer
‘‘Human Leucocyte Antigen’’ significado científico (ex.:
(antígeno dos leucócitos comparação entre fotografias,
humanos), pois são estudados análise da semelhança física,
nos glóbulos brancos exames de arcada dentária,

17
dactiloscopia comparada, investigação de vínculo
entre outros) e assim devem genético.
ser consideradas no conjunto
de provas destinadas a provar A fundamentação de todos
a vinculação genética. os exames para verificação de
vínculo genético, incluindo o
Para análise da HLA e DNA, é relativamente
vinculação genética há uma simples, apesar de todo
sistematização básica de aparato tecnológico utilizado
estudo. na execução dos exames. O que
se procura é a comparação
Nos casos de investigação entre marcadores genéticos
de paternidade, envolvendo das pessoas envolvidas no
mãe, filho e suposto pai, é estudo. Uma vez identificados
feita uma coleta de material os marcadores genéticos
(geralmente sangue) de todos comuns entre a mãe e o filho,
os participantes e procede-se os marcadores remanescentes
aos exames. Nos casos onde a são comparados com os
investigação de vínculo gené- marcadores genéticos do
tico envolve suposto pai suposto pais. Na
falecido, são estudados os eventualidade da discordância
descendentes legítimos e a entre marcadores genéticos
viúva (em alguns casos entre o filho e o suposto pai
ascendentes e colaterais), de ocorre a exclusão da
maneira a tornar possível a paternidade, caracterizada
reconstrução da estrutura pela impossibilidade
genética do falecido, biológica da vinculação ge-
formando uma verdadeira nética. Quando ocorre uma
árvore genealógica. Uma vez correspondência entre
isto feito compara-se com a marcadores genéticos entre o
estrutura genética do filho e o suposto pai, é
reclamante da paternidade. Os possível, através de cálculos
exames mais utilizados nestes estatísticos baseados nas
casos são o HLA e o DNA. Não freqüências de aparecimento
está indicada a exumação de destes marcadores na
cadáveres, pois a conservação população, a determinação da
do material obtido pode não probabilidade de paternidade.
ser satisfatória o suficiente Desta maneira chegamos a
para que se obtenha um bom valores que são
resultado (Diamond, 1987). A significativamente
exumação é possível e útil em expressivos, no cálculo da
casos de identificação probabilidade de paternidade,
médico-legal e consiste em que são indicativos da
procedimento de exceção na paternidade biológica.

18
II - ANÁLISE DE RESULTADOS genéticas, inicialmente em-
pregadas pelo descobridor do
O exame dos marcadores método (Jeffreys, 1985).
eritrocitários possibilita a Estas sondas têm a capacidade
exclusão da paternidade, de localizar as regiões
embora sejam pouco precisos específicas do DNA dos
na não exclusão, sendo indivíduos, de maneira a
necessário lançar-se mão de torná-las comparáveis umas
outros exames mais poderosos com as outras (filhos com
(HLA e DNA). supostos pais). As sondas
utilizadas pelo Prof.
O exame do HLA é muito Jeffreys (sondas ‘‘multi-
útil e compõem, juntamente locus’’) davam resultados de
com os marcadores difícil interpretação e
eritrocitários, em grande podiam induzir a erro de
número de ocasiões, os exames leitura (Dykes, 1990). Para
para estudo da vinculação que fosse possível o
genética. O exame do HLA tem estabelecimento de regras
um poder de exclusão de uma claras e precisas na
falsa alegação de metodologia de execução do
paternidade, que pode ser exame do DNA, a Associação
considerado comparável ao Americana de Bancos de Sangue
exame do DNA. Nos casos de publicou, em 1990, os Padrões
não exclusão, no entanto, é Laboratoriais para
menos sensível e pode ser Investigação de Paternidade
necessária a complementação (‘‘Standards for Parentage
de provas para certificação Testing Laboratories’’).
da vinculação biológica. III - DOCUMENTAÇÃO DOS RESUL-
TADOS
O exame do DNA é
considerado como A documentação das provas
biologicamente decisivo. Tem é feita no Laudo Médico
poder de exclusão definitiva, Pericial Judicial. Este deve
mesmo quando os supostos pais ser completo, sem ser
são consangüíneos (parentes). prolixo, com um número
A não exclusão, pelo exame do satisfatório de informações,
DNA, deve ser interpretada em linguagem que possibilite
como indicador de paternidade seu entendimento. Deve conter
biológica. Embora descrito há suporte científico, traduzido
pouco tempo (1985), a metodo- por quantidade adequada de
logia do exame do DNA mudou referências bibliográficas.
substancialmente. A razão Os resultados e as conclusões
primordial para a alteração e devem ser claros, não dei-
evolução deveu-se às xando margens para o
características das sondas surgimento de interpretações

19
não pertinentes. Eventuais onde se investiga o vínculo
quesitos, que não foram genético. Nestes casos, o
abordados no Laudo Médico valor da prova, pelo exame do
Pericial Judicial, devem DNA, está definitivamente
merecer especial atenção do estabelecido, desde que sua
perito, pois o esclarecimento execução tenha sido segundo
destes pontos é essencial na padronização técnica
manutenção da credibilidade internacionalmente aceita.
da autoridade requisitante no Pelo que foi discutido, o
perito designado. Na verdade, exame do HLA continua a ser
a função pericial não se considerado de grande valia,
esgota com a entrega do e, juntamente com o exame do
laudo, mas perdura, até que DNA constituem-se nos mais
todas as dúvidas sejam modernos e precisos
sanadas. instrumentos de investigação
que a Ciência jamais colocou
Não há estrutura pré- nas mãos da Justiça, para que
determinada para a execução esta seja exercida em toda
do Laudo Médico Pericial sua plenitude.
Judicial, mas espera-se uma
seqüência lógica na colocação As referências
dos tópicos, com ênfase para bibliográficas mencionadas ou
os pontos mais críticos qualquer outro dado de inte-
(identificação, resse podem ser obtidas
fundamentação, apresentação através de comunicação com o
dos resultados, conclusões e autor.
respostas aos quesitos).
NR - O autor é médico, perito
IV - CONSIDERAÇõES FINAIS em investigação de
paternidade.
É consenso o valor da
prova pericial, nos processos

20
O IMPACTO DA INTRODUÇÃO DO EXAME DO DNA NO
CONJUNTO DE PROVAS NA INVESTIGAÇÃO DE
PATERNIDADE
Artigo publicado no Repertório IOB de Jurisprudência, 2ª. quinzena de junho
de 1992, n°. 12/92, pg. 276

I - INTRODUÇÃO Destacamos, entre os exames


ainda hoje utilizados, os
A introdução de novas grupos sangüíneos (ABO, Rh,
tecnologias tende a modificar Kell, Duffy, etc.), as
hábitos, complementar enzimas eritrocitárias e o
conceitos, ampliar HLA ("Human Leucocyte
conhecimentos e, em alguns Antigen" ou antígeno de
casos, pode lançar luz sobre leucócitos humanos). Deste
problemas e indefinições, até grupo, o exame do HLA merece
então sem soluções. um comentário à parte.
Descoberto por um cientista
Com o recente francês, prof. J. Dausset
desenvolvimento da engenharia (que, posteriormente, ganhou
genética e da biotecnologia, um prêmio Nobel de Medicina),
tornou-se possível a o exame do HLA tem sua
investigação do DNA (ácido aplicabilidade prática, em
desoxirribonucleico) humano. Medicina, na área dos
O DNA, que compõe os transplantes, sendo o teste
cromossomos humanos, é, na que se aplica para a
essência, a sede de todas as verificação da
informações genéticas, que compatibilidade de órgãos
herdamos dos nossos pais, que entre o doador e o receptor
transferimos aos nossos de rins, coração, etc. Há
filhos, responsável pela mais de duas décadas o HLA
organização e funcionamento vem sendo utilizado, além do
de todas as nossas células e campo médico, para inves-
órgãos. tigação de paternidade,
devido a algumas de suas
A investigação de vínculo características genéticas.
genético (termo preferível à
investigação de paternidade) Como já colocado, até o
no que tange à produção de advento do DNA, com os exames
prova hematológica, sofreu existente era possível a
considerável avanço com a exclusão de uma referida
introdução do exame do DNA. paternidade. Na verdade, em
Com os exames convencionais algumas eventualidades, a
utilizados era possível a execução de uma longa bateria
exclusão da paternidade. de testes (algumas com mais

21
de 10 testes), cujo resultado sondas originalmente
se configurasse em não ex- concebidas pelo Prof.
clusão, poderia reforçar a Jeffreys (denominadas de
hipótese da paternidade sondas "multi-locus", pelo
biológica. Estas longas fato de localizarem vários
baterias de provas resultavam fragmentos de um filamento
em laudos de difícil cromossômico), ao passarem
compreensão, feitos com pelo crivo da Justiça,
padronização técnica evidenciaram algumas
questionável e cujo custo não deficiências: produziam um
era desprezível. número excessivo de
fragmentos, com ausência de
O cientista inglês, prof. distribuição populacional
Allec Jeffreys, na definida, o que dificultava a
Universidade de Leicester, em leitura do teste e,
1985, descobriu que certas potencialmente, poderia
regiões do DNA humanos podiam induzir a erros de
ser vasculhadas e examinadas interpretações. Além destes
através de ferramentas de en- fatos, a reprodutibilidade
genharia genética denominadas dos exames do DNA, feitos com
sondas. As sondas são as sondas do Prof. Jeffreys,
pequenos pedaços sintéticos deixava a desejar, pois
de DNA que contém um código alguns laboratórios não
genético complementar e que, conseguiam resultados
portanto, pode-se ligar à comparáveis entre si.
certas regiões do DNA humano. Evidentemente, embora o exame
Esta simples e extraordinária do DNA já tivesse debutado em
propriedade revolucionou a Medicina Forense e
Medicina Forense, pois certas despontasse como definitiva-
sondas são seletivas para mente útil nas mais variadas
regiões do DNA, que são áreas, faltvam normas
extremamente variáveis de aceitáveis de padronização.
pessoa para pessoa, embora Esta padronização surgiu em
obedeçam às leis da genética 1991, através da Associação
que tornam possível a sua Americana de Bancos de
utilização como método de Sangue. É, portanto,
identificação de grande poder recentíssima, e regulamenta
de definição. aspectos significativos da
metodologia do teste. O
Ao considerarmos o pouco fulcro desta padronização
tempo de utilização do exame reside no uso das denominadas
do DNA (sua descoberta deu-se sondas "single-locus".
em 1985 e sua implantação Diferente das sondas pri-
efetiva deu-se por volta de meiramente utilizadas, as
1989), veremos que a técnica sondas "single-locus"
para sua execução já sofreu localizam regiões precisas do
alterações substanciais. As DNA, originam padrões que
22
podem ser reproduzidos, toda sua eficiência. Nestas
localizam alelos de fácil ações, invariavelmente, o
identificação, tendo suposto pai está morto. O que
freqüências de distribuição fazemos, então, é a
populacional definida reconstrução da estrutura
(levando-se em consideração o genética do falecido,
grupo étnico das pessoas utilizando-se de material
analisadas). Os países que (sangue) dos descendentes
aderiram às normas da biológicos legítimos e da
Associação Americana de viúva. Em alguns casos,
Bancos de Sangue (entre os podemos utilizar colaterais
principais estão Inglaterra e (irmãos e/ou irmãs) ou
Austrália) somente aceitam ascendentes (pai ou mãe)
exames do DNA feitos com as biológicos, quando outros não
sondas "single-locus". Esta estão disponíveis. De posse
padronização, devido à sua dos parentes biológicos
rigidez, pois visa reconstruímos, na forma de
aperfeiçoar o aspecto uma árvore genealógica, a
técnico, tende a ser seguida estrutura genética do fale-
pelos países que praticam o cido. Uma vez isto feito,
exame do DNA, entre eles, o comparamos esta estrutura com
Brasil. É até desejável e ne- aquela (ou aquelas) prove-
cessário que seja desta nientes das pessoas que estão
maneira, pois coloca o Brasil reivindicando a paternidade.
em pé de igualdade com países Enfatizamos que não é
que possuem tecnologia de necessária a exumação de
ponta, obtendo resultados cadáveres para obtenção de
comparáveis e críveis em material para exame. Para se
qualquer nível. ter uma idéia clara da
precisão do teste do DNA
II - ASPECTOS PRÁTICOS NA IN- nestas circunstâncias, vamos
VESTIGAÇÃO DE VÍNCULO nos lembrar de um fato
GENÉTICO recente, ocorrido na
Argentina, no final da década
O potencial de de 70 e início da década de
aplicabilidade do exame do 80. Por razões políticas,
DNA é extenso em Direito de inúmeras pessoas foram
Família. Pode ser utilizado detidas e desapareceram.
para investigação de vínculo Muitas eram mulheres
genético, nas ações de in- grávidas, que vieram a dar à
vestigação de paternidade, luz na prisão. Estas crianças
investigação de maternidade, foram retiradas das mães
sendo decisivo nas negatórias biológicas e criadas por
de paternidade. Mas é nas outras famílias, como sendo
ações de investigação de filhos legítimos. Como
paternidade contra sucessores proceder à investigação de
que o exame do DNA mostra vínculo genético nesta si-
23
tuação aparentemente realidade. Cerca de cinqüenta
insolúvel? Se não, vejamos: a crinças tiveram seus parentes
mãe biológica (e, com grande biológicos detectados, pelo
freqüência, também o pai exame do DNA, executado
biológico) está desparecida e conforme a estratégia aqui
temos um casal que se diz pai descrita.
e mãe de uma criança. Em um
primeiro tempo, executamos a Para procedermos ao exame
investigação de vínculo do DNA, nos casos usuais de
genético com as pessoas de investigação de vínculo
que dispomos. No caso da genético (ações de Alimentos
criança não ser filha cumulado com Investigação de
biológica do casal, haverá Paternidade ou ações
uma dupla exclusão: a Negatórias de Paternidade) a
exclusão de paternidade e da conduta é mais simples. O
maternidade (semelhante ao princípio básico reside na
que ocorre quando comparação de alelos (que são
investigamos crianças os genes que compõem os
trocadas na maternidade). Uma cromossomos) maternos,
vez excluído o vínculo paternos e filiais. Desta
genético primário, temos que maneira, todos os alelos
localizar parentes vivos, comuns entre a mãe biológica
para que seja possível o es- e seu filho são identificados
tudo. Nesta hora é que as e separados. De acordo com as
mães da Praça de Maio, em leis de Mendel (frade
Buenos Aires (que na verdade austríaco que no século XIX
são avós destas crianças) estabeleceu as primeiras leis
tiveram decisiva fundamentais da genética) os
participação, para que o caso alelos restantes têm de ser
pudesse ser esclarecido. Na provenientes do pai
eventualidade de pai e mãe biológico. Quando ocorre
não disponíveis, foram discordância entre os alelos
utilizados os avós maternos e filiais e do suposto pai,
paternos. Algumas vezes tios diz-se que há uma exclusão de
paternos e maternos paternidade. No caso de uma
disponíveis também puderam correspondência entre os
colaborar e fazerem parte da alelos filiais e do suposto
investigação. Dessa maneira, pai, a nível de significância
as estruturas genéticas do estatística, considera-se o
pai e mãe biológicos foram suposto pai como pais
determinadas, mesmo nas suas biológico. Atualmente, para a
ausências, através de seus investigação de paternidade
ascendentes e colaterais), e pelo exame do DNA, somente
o vínculo genético com a são aceitas as sondas
criança pôde ser estudado. O ‘‘single-locus” .
que era uma tarefa impossível
tornou-se uma palpável
24
Informações técnicas embora não haja recomendação
adicionais podem ser obtidas para o abandono de outros
através de publicações exames (notadamente o HLA),
disponíveis em veículos sempre que possível. Como
éticos de divulgação (Mattos Perito Judicial das Varas de
Filho JLP. ‘‘DNA possibilita Família e das Sucessões do
investigar paternidade com Foro Central da Comarca de
segurança’’. Jornal da São Paulo (Foro Dr. João
Associação Paulista de Medi- Mendes Jr.) tenho assistido a
cina, 371:7, 1988; Mattos uma tendência de extremo bom
Filho JLP. ‘‘O DNA e a busca senso, entre os Magistrados:
da verdade’’. Jornal do a valorização do conjunto de
Advogado, 164:8-9, 1989; provas periciais. Sob o
Mattos Filho JLP. ‘‘A prisma estritamente pericial
impressão digital do DNA como não há dúvida que,
método de identificação isoladamente, não é possível
médico-legal” . Arquivos discordar da precisão do
Brasileiros de Medicina, resultado de um exame do DNA,
63(2):137-140, 1989; Mattos a não ser que haja ausência
Filho JLP. ‘‘DNA revoluciona de padronização ou erro
investigação de pater- técnico comprometedor do
nidade’’. Jornal do Advogado, resultado ou outra prova
168:6, 1990). A padronização pericial evidentemente
internacional é muito recente conflitante. Mas, do ponto de
e deve contribuir para me- vista jurídico, a conversa é
lhorar sensivelmente a outra. Usualmente, a parte
qualidade e comparabilidade que não concorda com o
dos dados obtidos. resultado do exame do DNA
Considerável esforço está (devemos lembrar que, em
sendo feito para fazer chegar casos de investigações de
às mãos dos Magistrados paternidade não há empate),
brasileiros este grau de munida ou não de Peritos
excelência técnica Assistentes, manifesta-se em
internacional, tão necessário contrário. Por melhor e mais
e desejável quando se quer elaborada, uma prova,
produzir uma prova técnico- somente, é sempre
pericial confiável e questionável, mormente em
universalmente aceita. processos como os de
investigação de paternidade,
III - O EXAME DO DNA E O CON- onde todos concordam na
JUNTO DAS PROVAS PERI- necessidade e valor da prova
CIAIS pericial hematológica. Como
se trata de matéria eminente-
O crescimento da mente técnica e, nem sempre,
realização de exames do DNA os Peritos Judiciais são
para investigação de pa- atenciosos em sanar as dúvi-
ternidade tem sido notável, das e quesitos existentes, a
25
autoridade requisitante lança admitindo a nova prova,
mão de outras provas para que decorrente de princípios
se tenha convicção nos cientificamente reconhecidos
resultados obtidos. Por este e produzidos por peritos
conjunto de aspectos, há idôneos e qualificados. O
clara e plena tendência para objeto desta discussão
a produção do conjunto de necessita de estar
provas periciais hematológi- suficientemente estabelecido
cas. Temos recomendado, para que, então, ganhe
visando a modernidade a aceitação geral, relativa ao
racionalização de custos, a seu campo de utilização."
execução do exame do HLA e do
DNA, pois, como já colocado, IV - ALGUNS DADOS ESTATÍSTI-
caracterizam conjunto de COS IMPORTANTES
provas periciais de grande
solidez e credibilidade. A jurisprudência
internacional, a respeito do
A aceitabilidade do exame uso do exame do DNA, é ex-
do DNA é um fato consumado, tensa , com destaque para a
respeitando as normatizações cooperação e colaboração de
aqui já colocadas. Para que cientistas de vários países,
se possa entender, de maneira que buscam soluções para
global, como uma evidência casos locais. Em termos de
científica passa do jurisprudência nacional,
laboratório de testes para a ainda dispomos de poucos
sala de audiência dos foros, elementos (vide ementa
lançamos mão de jusris- publicada no ‘‘Repertório IOB
prudência internacional de Jurisprudência’’, sob no
(Justiça dos Estados Unidos 3/6725 (da 2a C Civ Isolada
da América), conhecida por do TJ PA), e acórdão sob no
enunciado de Frye (Frye 3/6224 (da 1a C Civ do TJ
versus Estados Unidos da SC).)
América - proc. no 293, fls.
1.013 e 1.014, 1923, Corte de Pode se ter uma noção
Apelações do Distrito de nítida do impacto da
Columbia; tradução livre): introdução do DNA, nas
‘‘Não é possível definir com investigações de vínculo
clareza a linha divisória que genético, através da análise
separa o praticamente de alguns dados, provenientes
aplicável e o experimental, do relatório anual da
na produção de provas com Associação Americana de
novas tecnologias. Em algum Bancos de Sangue, que coleta
lugar desta zona nebulosa, a dados de mais de 200
força de um novo princípio laboratórios credenciados,
científico tem que ser espalhados pelo EUA. Na
reconhecida, enquanto os tabela a seguir, podemos
tribunais prosseguem verificar o crescimento
26
absoluto do número de vários introdução do exame do DNA
testes para investigação de não agiu em detrimento dos
vínculo genético. outros testes. Pelo
contrário, estes (HLA e grupo
Tabela I - Testes de sangüíneo) também cresceram.
investigação de paternidade Uma observação de impacto é
presentes no relatório da feita quando analisamos a
Associação Americana de curva de crescimento do exame
Bancos de Sangue (1988, 1989 do DNA. Em três anos, a
e 1990); número de testes por partir de 1988, seu número
tipo de exame e número total absoluto foi multiplicado por
de testes (por ano). vinte. Ao somarmos os testes,
feitos nos três anos, com os
ANO
resultados preliminares de
TESTE REALIZADO 1988 1989 1990
Grupo Sangüíneo 64.64 80.65 110.69
1991, chegamos a mais de
(antígenos 2 9 1 50.000 exames de DNA. Em
eritrocitários) 1990, o DNA esteve presente
HLA 68.72 79.85 103.92 em um terço das investigações
9 4 5 de paternidade e em dez por
DNA 1.908 10.20 36.676 cento delas foi utilizado
3
como único exame.
Número Total de 75.71 85.23 117.95
casos (em muitos 6 1 2
casos foram A abordagem dos testes
feitos mais de um disponíveis para investigação
teste) de vínculo genético, no
Brasil, deve ser realista. O
Quando da análise da exame do DNA continuará a ser
tabela acima, pode-se chegar empregado em ritmo crescente,
a algumas conclusões rele- mas fatores como custo e
vantes. Há um crescimento confiabilidade dos
absoluto de testes para laboratórios serão decisivos
investigação de paternidade, na sua trajetória. Dados não
traduzido pelo aumento do oficiais revelam que cerca de
número de casos. Este aumento mais de 200 testes mensais,
pode ser explicado, entre relativos à ações de investi-
outras razões, pela gação de paternidade,
introdução do DNA como utilizando, principalmente, o
elemento esclarecedor, exame do HLA e grupos san-
gerando maior interesse nas güíneos, são feitos no Estado
pessoas com este tipo de de São Paulo. A maioria
problema. O aumento do número destas ações envolve pessoas
de testes, ao considerarmos com posses limitadas, muitas
os exames de HLA e DNA teve delas beneficiárias da
crescimento proporcional. Justiça Gratuita ou atendidas
Fica evidente que a pela Procuradoria de Justiça

27
do Estado, que não podem V - CONSIDERAÇÕES FINAIS
arcar com os custos do exame É imprescindível
do DNA e, na verdade, de ressaltar que, em
qualquer exame. Raras são as investigação de vínculo
instituições públicas que genético, cada caso é um
realizam, gratuitamente, tes- caso. Não existem dois casos
tes de paternidade mas, até o iguais. Não existem fórmulas
momento, não foi possível preestabelecidas e rígidas.
estender a toda a população o Os Peritos Judiciais da área
exame do DNA e, deve-se devem, juntamente com os
escrever com todas as letras, Magistrados e Peritos
não se cogita transformar o Assistentes Técnicos das
exame do DNA em panacéia. No partes, estudar
recente 8o Congresso detalhadamente cada processo,
Internacional de Genética para que seja possível,
Humana (Setembro-Outubro de racionalmente, chegar-se ao
1991, Washington DC) houve exame ou teste específico
consenso, em todas as sessões para aquele processo.
científicas, que os testes
tradicionais (HLA, grupos Em nenhuma outra
sangüíneos etc.) devem oportunidade houve
continuar a serem feitos e, colaboração da Medicina
até mesmo, aperfeiçoados. Forense de tal magnitude,
Este Perito Judicial tem como a colocação, à
defendido ardorosamente o disposição da Justiça, de
conjunto de provas na arma de grande utilidade e
investigação de vínculo precisão, o exame do DNA.
genético. Tenho a firme
convicção de que o Perito
deve ter domínio sobre todos
os exames necessários e não
ser um mero executor de
provas de laboratório. O tra-
balho de equipe, em larga
escala, é fundamental, pois,
cada vez mais, a complexidade
tecnológica, que é fonte da
precisão nos resultados, é
conseguida com esforço em
pesquisa e grandes
investimentos.

28
DNA REVOLUCIONA INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
Entrevista publicada no Jornal do Advogado, n°. 168, jan./fev. 1990, pg. 6

Nesta entrevista ao Jornal do Advogado, o perito judicial em


exame de vínculo genético, João Lélio Peake de Mattos Filho,
fala sobre o DNA, um método revolucionário de identificação
médico-legal, usado na identificação de paternidade.

Por REINALDO MESTRINEL

O que é DNA? inglês Alec Jeffreys, através


de princípios da Engenharia
É uma sigla que significa
Genética. Um dos primeiros
ácido desoxirribonucleico. É
usos que se tem notícia em
a própria essência do mate-
relação à justiça foi na
rial genético que se recebe
identificação criminal de um
metade do pai, metade da mãe,
estuprador, por meio da
e que passamos para frente
comparação de seu DNA com o
quando temos filhos,
DNA otido de uma mancha de
descendentes. Desta forma, é
sêmen na roupa da vítima. O
possível identificar-se cer-
caso ocorreu na Inglaterra,
tas regiões específicas do
em 1985. Desde então, a
DNA em pessoas e compará-lo
imprensa digital do DNA vem
com outro, para verificar se
sendo utilizada, também e
há vínculo genético entre
principalmente, para
eles. Esta é uma técnica
investigação de vínculo
nova, descrita em meados dos
genético. O termo ‘‘impressão
anos 80 e que vem penetrando
digital’’ é empregado porque
cada vez mais em numerosos
não se tem dois DNAs
centros científicos de vários
rigorosamente semelhantes (a
países
não ser em gêmeos idênticos),
à maneira da impressão
Como é feito este exame e digital clássica - mas o
qual é a origem do DNA? termo nada tem a ver com o
Para fazer o exame é recurso datiloscópico
preciso obter, por exemplo, tradicional. Para que se
sangue das partes, e o pro- possa aferir seu grau de
cedimento laboratorial precisão, basta dizer que a
empresa material importado e chance estimada de se obter a
tecnologia avançada. A im- mesma impressão digital do
pressão digital do DNA foi DNA em indivíduos diferentes
descoberta pelo cientista é de uma em 30 milhões - o

29
que pode ser considerado identificação de crianças
desprezível em termos de trocadas ou seqüestradas.
estatística.
O material empregado é
Que tipo de método é importado, sob rigoroso
empregado na controle das autoridade,
identificação do DNA? qual a razão desse rigor?
O DNA é extraído das O principal reagente
células (utilizando, por utilizado neste exame são as
exemplo, o sangue, como denominadas sondas do DNA,
disse), e fragmentado em que são elementos que
várias partes, por enzimas de detectam as regiões do DNA a
restrição, separadas de serem analisadas, como acabo
acordo com asua cargas de explicar. Estas sondas são
elétricas por eletroforese em produzidas por poucos
gel de agarose. O material laboratórios e sua co-
obtido é transferido para uma mercialização é protegida por
membrana de nylon, através da uma série de mecanismos. O
técnica de ‘‘Southeren
laboratório que as utiliza
Blotting’’. O passo seguinte
tem obrigatoriamente que
e decisico é a colocação das
possuir não só as vias de
sondas radioativas do DNA que
ligam-se às regiões importação, mas mostrá-las
preferenciais, posteriormente quando exigido. A importação
reveladas através de filmes é feita dos Estados Unidos e
de Raio-X. O aspecto final é da Inglaterra. Este rigor é
uma seqüência de faixas justificado pelas implicações
(bandas), que compõem para éticas que seriam
cada pessoa. Com o método, provenientes do uso
pode-se selecionar regiões inadequado deste
preferenciais da molécula de procedimento. Poderia ser
DNA e verificar qual é a obtido e usado, por exemplo,
origem dos seus componentes - numa forma não-ética,
(tração) se materna ou investigando paternidade de
paterna. Para a verificação pessoas que nada têm a ver
de paternidade são analisados com isso. Aqui cabe um apelo
os materiais da mãe, do filho às autoridades brasileiras
e do suposto pai. O resultado para que a importação de
é inquestionável. É possível material necessário para a
a identificação da impressão execução desse exame fosse
digital do DNA de natimortos, facilitada, pois da maneira
abortos e gestações como se encontra atualmente,
interrompidas. O método é devemos esperar um atraso
utilizado também na tecnológico que nào seria

30
desejável, já que temos no Para se ter uma idéia da
País pessoas gabaritadas para exatidaão e da utilidade em
trabalhar a nível de medicina do HLA, o seu uso é
laboratório, a fim de concernente aos transplantes:
executar exames altamente através deste sistema
confiáveis. procura-se o doador mais ade-
quado.
A Justiça brasileira
utiliza em larga escala o Qual é, então, a
sistema HLA (Human diferença entre HLA e
Leucocyte Antigen - antí- DNA?
genos dos glóbulos Duas situações básicas
brancos humanos), são decorrentes de um estudo
desenvolvido em 1952 e de esclarecimento de vínculo
disponível no Brasil há gnético nos processos desta
cerca de dez anos. Com a natureza. A primeira delas é
descrição do DNA, o HLA a exclusão da paternidade
fica obsoleto? onde, com certeza absoluta,
Não. O sistema HLA é dizemos que o suposto pais A
outro recurso ainda não é pais do filho B. Para
insubstituível na este procedimento, o sistema
investigação de vínculo HLA possui um poder de
genético. Tecnologicamente é exclusão que é
mais simples em sua execução discretíssimamente inferior
do que a impressão digital do ao DNA. Isto é, para exclusão
DNA e vem prestando um da paternidade, o HLA é
valiosíssimo serviço à equivalente à impressão
Justiça brasileira. Não há digital do DNA. Outra
motivos para se acreditar que situação é a não-exclusão.
o HLA será substituído pela Pelo HLA, quando ocorre uma
impressão digital do DNA. não-exclusão, pode-se falar
Acredito que para a em probabilidade de
investigação do vínculo paternidade com erros
genético, em nível periciais que podem chegar a
populacional, o sistema HLA 0,1%. Nesta eventualidade,
ainda é importante e, como utilizando-se do DNA, tem-se
disse, insubstituível, por a certeza estatítica da
razões técnicas e de custo. paternidade. Percebe-se uma
Mesmo em países desenvolvidos pequena superioridade,
prefere-se o HLA. É certo que portanto, do DNA. A vantagem
o DNA representa um avanço. do DNA reside no seu enorme
Mas as pessoas que defendem o polimorfismo, pelo qual é
abandono do HLA desconhecem virtualmente impossível
verdades científicas básicas. encontrarmos ao acaso duas

31
pessoas com a mesma estrutura em casos de herança, onde o
de impressão digital do DNA. indivíduo já é falecido. Pode
utilizar primeiramente o HLA
e, se necessário, a impressão
Como os advogados podem
digital do DNA. A maioria das
lançar mão do sistema
dúvidas versa sobre assuntos
DNA?
técnicos. Normalmente o
Atualmente, o acesso ao perito é contratado pelo
exame de impressão digital do advogado e pode atuar como
DNA é feito unicamente pela assistente técnico ou como
iniciativa privada. parecerista. Em ambas as
Entretanto, não devemos nos situações, o perito faz uma
esquecer que existem apreciação técnica do laudo
instituições públicas já emitido e dá, por sua vez,
altamente capacitadas que seu parecer próprio. Seria
executam a investigação de ideal que o perito atuasse
paternidade com o HLA. Em sempre como assistente
termos de perícia oficial, em técnico, pois desta forma
nível de fórum central, temos acompanharia todos os
usado a impressão digital do procedimentos periciais
DNA em limitados casos em que feitos pelo oficial e poderia
houve dúvida quando se até repeti-los, caso julgasse
utilizou o HLA. Outra necessário. De certa forma, o
possibilidade em relação à número de peritos em
investigação de vínculo investigação de paternidade é
genético é a construção de reduzido.„
árvores genealógicas comuns

32
A IMPRESSÃO DIGITAL DO DNA COMO MÉTODO DE
IDENTIFICAÇÃO MÉDICO-LEGAL
Artigo publicado nos Arquivos Brasileiros de Medicina, vol. 63, n° 2,
mar./abr. 1989, pg. 137

Resumo: O autor apresenta uma atualização a respeito de


recente avanço tecnológico, denominado de ‘‘Impressão
Digital do DNA’’. Este método possibilita a identificação
médico-legal a partir de materiais biológicos das mais
diversas naturezas, praticamente sem margem de erro. Sua
introdução no meio jurídico deu-se há aproximadamente
três anos, sendo que a disseminação do método, que
utiliza princípios de engenharia genética, está se
fazendo com certa rapidez, devido à sua potencial
exatidão.
De certa forma, a ‘‘Impressão Digital do DNA’’ vem
complementar valiosamente os outros métodos já existentes
(por exemplo: HLA, antígenos eritrocitários, etc.), com
inegável colaboração à Justiça para esclarecimento da
identidade de indivíduos em casos de paternidade e também
de certos crimes.

Unitermos: impressão digital do DNA; paternidade;


identificação médico-legal; criminologia.

A Ciência Médica vem, alto polimorfismo, e permitir


através de sua história, o cálculo de probabilidades,
decisivamente contribuindo no caso de identificação
para o desenvolvimento da positiva(2).
Ciência Jurídica.
Do ponto de vista médico,
Especificamente, na área este exame é utilizado,
de verificação de vínculo primariamente, no campo da
genético e identificação de transplantação e estudo de
tecidos, os primeiros doenças genéticas.
progressos deram-se no início
do século, com a descoberta Utilizado pela Justiça
(12)
dos grupos sangüíneos , Brasileira, o sistema HLA é
prosseguindo com o considera, até o momento,
importantíssimo advento (3)do como o mais adequado no
sistema HLA, no pós-guerra . sentido da verificação de
peaternidade e casos correla-
Este sistema está muito tos(6).
perto do ideal, pois preenche
algumas características Notoriamente referendado
essenciais para utilização na por peritos e (6,14,17)
pela literatura
identificação de indivíduos, internacionais , o
tais como: padrão de herança sistema HLA foi,
bem definida, estarem recentemente, objeto da única
presentes nos indivíduos publicação atualizada,
durante toda a vida, serem disponível no meio jurídico,
identificáveis por métodos, tendo como autor o signatário
cujos resultados possam ser deste artigo(15).
rperoduzidos, apresentarem

33
Como já colocado, embora Esse elemento, o DNA
os métodos usuais para (ácido desoxirribonucleico),
verificação de vínculo ge- é na essência o componente
nético continuem adequados(5), mais íntimo da bagagem
a Ciência Médica, através do genética que recebemos de
seu mais novo ramo, a nossos pais, passamos aos
Engenharia Genética, coloca nossos filhos, conservamos
nas mãos da Justiça a sua durante toda a vida, sendo o
mais recente e revolucionária responsável pelo governo das
descoberta denominada de DNA funções biológicas dos
Fingerprints(9,12,16), que pode diferentes órgãos e sistemas,
ser traduzida por Impressão pois está presente em todas
Digital do DNA. as células do organismo.
Esclarece-se que o termo O conjunto de moléculas
‘‘Impressão Digital’’, aqui de DNA compõe os cromossomos,
empregado, nada tem a ver com que estão localizados nos
o tradicional recurso núcleos das células e
dactiloscópico, referindo-se arranjados aos pares.
apenas ao fato que, à seme- A espécie humana possui
lhança deste, não há duas 46 cromossomos, sendo uma
estruturas de DNA iguais, metade de origem materna (23
quando avaliadas por este
método. cromossomos) e a outra metade
de origem paterna. Como já
Pelos dados da colocado, cada cromossomo é
literatura, trata-se do composto por moléculas de DNA
primeiro teste conclusivo colocadas em cada seqüência,
para o estabelecimento da única para cada indivíduo.
paternidade, pois a Impressão
Digital do DNA possibilita
virtualmente visualizar o É possível, através deste
material genético e comparaá- método, selecionar regiões
lo com o de pessoas preferenciais da molécula de
diferentes. DNA do indivíduo e verificar
qual é a origem dos seus
Esta tecnologia avançada,
também, pode ser aplicada em componentes, se materna ou
Criminologia, para paterna(11).
identificar a proveniência,
não só de sangue, mas de O DNA do indivíduo é
outros materiais biológicos extraído da suas células
como provas (esperma, etc.). (utilizando, por exemplo, cé-
lulas do sangue), fragmentado
Princípios técnicos
em várias partes por enzimas
A metodologia empregada, de restrição, separadas de
descrita recentemente(10), visa acordo com suas cargas
a identificação do DNA do elétricas por eletroforese em
indivíduo. gel de agarose, transferindo-
se o material obtido para uma
membrana de nylon (através da

34
técnica de Southern O tempo necessário para
Blotting). obtenção dos resultados é de
cerca de três semanas.
O passo seguinte, e
decisivo, é a colocação das A metodologia de obtenção
sondas radioativas de DNA que da Impressão Digital do DNA
ligam-se às regiões foi utilizada primeiramente
preferenciais, posteriormente na Inglaterra, em 1985, em
reveladas através de filmes uma questão sobre migração(9).
de raio-x. O caso envolveu um garoto
nascido na Inglaterra, filho
O aspecto final é o de de pais nascidos no
uma seqüência vertical de estrangeiro (Gana, na
faixas (bandas), que compõe a África). A mãe, um irmão e
Impressão Digital do DNA (DNA duas irmãs residiam na
Fingerprint), para cada Inglaterra, enquanto que o
indivíduo. pai residia em Gana. Em certa
ocasião o garoto foi em
visita a seu pai,
Aplicações e permanecendo certo tempo em
possibilidades sua companhia.
Posteriormente, tentando re-
O exame para verificação tornar à Inglaterra, foi
da Impressão Digital do DNA é impedido pelas autoridades de
feito utilizando-se uma migração, pois supeitou-se
quantidade pequena de sangue que o garoto tivesse sido
(5 ml), colhida de qualquer substituído por outra pessoa.
veia periférica, podendo, Neste caso, não só a pater-
portanto, ser aplicado a nidade, mas, também, a
crianças da mais tenra idade. maternidade teve que ser
provada, o que foi feito de
O sangue pode ser forma decisiva, obtendo-se
conservado à temperatura resultado positivo, e a
ambiental () 22ºC) por al- reintegração do garoto, à sua
gumas horas, até o início do família na Inglaterra, foi
teste. permitida.

Outros fluidos biológicos Outro caso pioneiro, no


(sêmen) e também tecidos terreno da criminologia,
podem ser analisados, sendo envolveu a identificação de
necessárias algumas um suspeito de estupro(4),
adaptações na técnica. onde o criminoso deixou uma
mancha de esperma na roupa da
vítima. A análise deste
material pôde, sem sombra de

35
dúvidas, demonstrar sua entre as bandas do filho e
proveniência, o que foi do suposto pai (Fig. 1).
aceito pela autoridade local,
resultando em vários anos de Desde que se obtenha
prisão para o culpado. material adequado (sangue,
por exemplo), é possível a
Nos Estados Unidos da identificação de
América a metodologia está à natimortos, abortos e de
disposição da Justiça desde gestações interrompidas.
outubro de 1987, com vários
casos em análise. Devido à extrema
variabilidade da estrutura
Um resumo das aplicações do DNA, a probabilidade de
da metodologia da Impressão se encontrar ao acaso duas
Digital do DNA é colocada a pessoas com a mesma
seguir(1,7,8,12,16). Impressão Digital do DNA é
de um em cada 30
• Verificação de paternidade (16)
bilhões . Como a
população da terra é
Para esta averiguação, os estimada em 5 bilhões de
materiais genéticos da pessoas (com 2,5 bilhões
mãe, filho e suposto pai de homens) é virtualmente
são analisados. impossível que haja
coincidência.
Primeiramente, todas as
faixas (bandas) da mãe, • Crianças trocadas na
com correspondência no maternidade (ou
filho, são identificadas e seqüestradas)
marcadas. As faixas
(bandas) restantes, Nestes casos temos as
necessariamente, têm de bandas resultantes do
ter correspondência com as material genético da
de origem paterna. criança (filho) em
discordância com as bandas
No caso de haver a dos falsos pais. Quando
presença, na criança, das comparadas com a Impressão
bandas resultantes do Digital do DNA dos
material genético do verdadeiros pais haverá
suposto pai, considera-se coincidência de bandas.
este como verdadeiro pai
biológico (Fig. 1). Como o material genético
permanece inalterado,
A exclusão ocorrerá quando mesmo em casos em que a
não houver correspondência troca (ou seqüestro) já
tenha ocorrido há muito

36
tempo, é possível o criança? A mancha de sangue
esclarecimento. achada na cena do crime
pertence ao suspeito? A
• Execução de árvores pessoa que reivindica a he-
genealógicas para o rança, realmente tem este
estabelecimento do direito direito?
de herança
Alguns instrumentos são
Também é uma aplicação disponíveis para que a
viável, utilizando-se do finalidade da identificação
mesmo princípio do exemplo seja possível, com destaque
anterior desde que seja para o mais recente e
possível ter acesso a específico deles, o sistema
material para análise de HLA, ainda insubstituível
um mínimo de pessoas, para certos eventos.
embora, em ocasiões
especiais, teoricamente Todavia, o progresso da
seja possível a execução Medicina, associado com
deste exame, mesmo com a tecnologia de ponta, coloca
falta do pai ou da mãe. nas mãos da Justiça a
Impressão Digital do DNA,
• Esclarecimento de crimes cujo lugar de destaque nas
perícias judiciais está já
Em vários casos, não é reservado.
possível a verificação da
origem de certos materiais Como duas ciências irmãs,
biológicos deixados no a Medicina e o Direito podem,
local do delito. como nunca, caminhar juntas,
para que a promoção da
Em relação à Impressão Justiça, em um mundo
Digital do DNA podemos conturbado como o nosso, se
comparar a amostra re- torne cada vez mais acessível
cuperada do local do ao componente básico da
crime, com aquela sociedade: o ser humano.
proveniente do suspeito,
mesmo se tratando de Summary
amostras diferentes (sêmen DNA fingerprint as method of
versus sangue). medicolegal identification
Conclusões The author presents an up-to-dating
referring to a recent technologic
A cada ano, em centenas advance, called ‘‘DNA Finger-
de processos, necessitamos de print’’. This method makes possible
um método adequado para the medical-legal identification of
identificação correta dos biological materials from different
indivíduos. Quem é o pai da individuals, almost without margin

37
of error. It was introduced in the 6. FORREST MF - The Legal
juridical environment about 3 years
Implications of HLA Testing
for Paternity. J Family Law,
ago. 16:537-541, 1977-78.
The diffusion of the method, that
7. GILL P, JEFFREYS AJ, WERRET
applies genetic engineering D - Forensic Application of
principles, is being done quickly, DNA Fingerprint. Nature,
due to its potential precision. In 318:577-578, 1985.
such away, the ‘‘DNA Fingerprint’’ 8. GILL P, JEFFREYS AJ, WERRET
comes to complement the methods D - An Evaluation of the
Forensic Use of Genetic
already existent (for example: HLA Fingerprint. Electrophoresis,
matching, erythrocytic antigens, 8:191-194, 1986.
etc.) with irrefutable colla- 9. JEFRREYS AJ, BROOKFIELD FY,
boration of Justice for the SEMEONOFF R - Positive
establishment of person identity in Identification on an
cases of paternity and also in Immigration Test Case. Using
Human DNA Fingerprint.
certain crimes. Nature, 317:818-819, 1985.
10. JEFFREYS AJ, WILSON V,
Uniterms: DNA fingerprint; THIEN SL - Hypervariable
paternity; medical-legal Minisatellite Regions in
identification; criminology Human DNA. Nature, 314:63-
73, 1985.
Referências 11. JEFFREYS AJ, WILSON V,
THIEN SL - Individual
1. The Bureau of National Specific Fingerprint of
Affairs Inc - Legitimacy and Human DNA. Nature, 316:76-
Paternity Identification - 79, 1985.
‘‘DNA Fingerprints’’./ The
Family Law Reporter, 13:1567, 12. KELLY KF, RANKIN JJ, WINK
1987 RC - Method and Applications
of DNA Fingerprint: A Guide
2. Council Report - Guidelines for Non-Scientist. The
for Reporting Estimates of Criminal Law Review,
Probability of Paternity. J fevereiro:105-110, 1987.
Am Med Ass, 253:3298, 1985.
13. MARCELLI A, PREVOST P - HLA
3. DAUSSET J, NENNA A - et Médecine Légale. In: HLA
Présence d’une 1984 Complexe Majeur
Leucoaglutinine Dans Le Serun d’Histocompatibilité
d’un Case d’Agranulocytose del’Homme. J. Dausset et M
Chronique. Comptes Rendues Pla eds. Flammarion
des Séances de la Société de Médecine-Sciences, Paris, p.
Biologie e des Filiales, 305, 1983.
146:1539, 1952.
14. LANDSTEINER K - Uber
4. DODD BE - DNA Fingerprint in Agglutina-tionreischeinungem
Matters of Family and Crime. Normalen Menslichen Blutes.
Nature, 318:516, 1985. Wien Klin Wochenschr,
5. DODD BE, LINCOLN PJ - 14:1132, 1901.
Testing Paternity: 15. MATTOS FILHO JLP -
Traditional Methods Usually Investigação de Paternidade:
Adequate. Brit Med J, Considerações Sobre
195:1435, 1987 Aplicação da Metodologia

38
HLA. Rev. Tribunais, 17. TERESAKI PI - Resolution by
607:252-259, 1986. HLA Testing of 1000 Cases
Not Excluded by ABO Testing.
16. MERZ B - Medical News and J Family Law, 16:543-556,
Pers-pectives. DNA 1977-78.
Fingerprint Come to the
Court. J Am Med Ass,
259:2193-2194, 1988

39
DNA POSSIBILITA INVESTIGAR PATERNIDADE COM
SEGURANÇA
Artigo publicado no Jornal da APM - Associação Paulista de Medicina, set.
1988, n°. 371, pg. 1

Os processos de pelo governo das funções


investigação de paternidade, biológicas dos diferentes
que congestionam tribunais de órgãos e sistemas. Esta
Justiça em todo o mundo, metodologia foi denominada de
acabam de obter, através dos ‘‘Impressão Digital do DNA’’.
avanços da Medicina, um
aliado poderoso para a O termo ‘‘impressão
realização de perícias digital’’ nada tem a ver com
rigorosamente seguras. Trata- o recurso datiloscópico
se de um método tradicional. Mas foi adotado
revolucionário para a porque, à semelhança deste,
identificação de tecidos, a não há duas estruturas de DNA
partir do qual é possível iguais, quando avaliadas por
estabelecer com precisão este método. Para que se
absoluta vínculos genéticos possa aferir seu grau de
para efeito de investigações precisão, basta dizer que a
de paternidade e criminal, e chance estimada de se obter a
construção de árvores mesma impressão digital do
genealógicas. Desenvolvido DNA em indivíduos diferentes
pelo cientista inglês Alec é de uma em 30 bilhões.
Jeffreys, através de
princípios da Engenharia Enquanto os demais
Genética, um dos ramos mais métodos de investigação de
desenvolvidos da ciência vínculo de paternidade utili-
médica, o novo método zam apenas o sangue para suas
possibilita virtualmente ver análises, o DNA trabalha com
o material genético das outros tipos de material
pessoas, isto é, o DNA. Este biológico, além deste, como
elemento, o DNA (ácido esperma e raiz de cabelo, por
desoxirribonucleico), é o exemplo.
componente mais íntimo da
bagagem genética. Está As primeiras publicações
presente em todas as células sobre o método descrito por
do organismo e é responsável Alec Jeffreys datam de 1985,

40
e foram difundidas graduado na disciplina de
inicialmente na Inglaterra. A ‘‘Imunologia’’ pela mesma
partir de outubro de 1987, a instituição. Lélio de Mattos
mesma metodologia passou a é também perito médico para
ser utilizada nos Estados casos de esclarecimento de
Unidos. Os dois países são os vínculo genético. Em 1987,
únicos centros em condição de ele conheceu Jeffreys na
realizar os exames para Inglaterra e, ‘‘a partir
obtenção da Impressão Digital desse contato, ficou aberto
do DNA. Mas o Brasil pode ter um canal para envio de ma-
acesso ao método, através do terial a uma sucursal norte-
médico João Lélio P. de americana dos laboratórios do
Mattos Filho, professor cientista’’, informa João
colaborador da Escola Lélio.
Paulista de Medicina e pós-

41
Teste conclusivo ‘‘Primeiramente, todas as
faixas (bandas) da mãe, com
A metodologia empregada correspondência no filho, são
visa a identificação do DNA. identificadas e marcadas. As
O conjunto de moléculas de faixas restantes necessaria-
DNA compõe os cromossomos, mente têm de ter
que estão localizados nos correspondência com as de
núcleos das células e origem paterna. No caso de
arranjados aos pares. A haver a presença, na criança,
espécie humana possui 46 das bandas resultantes do
cromossomos, sendo uma metade material genético do suposto
deles de origem materna, e a pai, considera-se este como
outra, de origem paterna. verdadeiro pai biológico. A
Cada cromossomo é composto exclusão ocorrerá quando não
por moléculas de DNA houver correspondência entre
dispostas em seqüência única as bandas do filho e as do
para cada indivíduo. suposto pai. E o resultado é
inquestionável’’, assegura
Lélio de Mattos explica o João Lélio de Mattos.
método: ‘‘O DNA é extraído
das células (utilizando-se o O exame para verificação
sangue, por exemplo), e da impressão digital do DNA é
fragmentado em várias partes, feito utilizando-se uma
por enzimas de restrição, pequena quantidade de sangue
separadas de acordo com suas (5 ml) colhida de qualquer
cargas elétricas por veia periférica. O material
eletroforese em gel de pode ser conservado à
agarose. O material obtido é temperatura ambiente (em
transferido para uma membrana torno de 22ºC), por algumas
de nylon, através da técnica horas, até o início dos
de ‘‘Shouthern Blotting’’. O testes, e os resultados são
passo seguinte, e decisivo, é obtidos em cerca de três
a colocação das sondas semanas. Outros fluidos
radioativas de DNA que ligam- biológicos (sêmen) e também
se às regiões preferenciais, tecidos podem ser analisados,
posteriormente reveladas sendo necessárias algumas
através de filmes de Raio X. adaptações à técnica. Por
O aspecto final é o de uma suas características, o teste
seqüência de faixas (bandas), pode ser aplicado até em
que compõem uma impressão crianças recém-nascidas,
digital do DNA para cada desde que seja possível a
pessoa. Através do método, obtenção de material
pode-se selecionar regiões adequado, é possível a
preferenciais da molécula de identificação da impressão
DNA e verificar qual é a digital do DNA de natimortos,
origem dos seus componentes - abortos e gestações
se materna ou paterna’’. interrompidas.

Para a verificação de Outras utilizações


paternidade, são analisados
os materiais da mãe, do filho O teste é útil também na
e do suposto pai. identificação de crianças

42
trocadas ou seqüestradas. biológicos deixados no local
‘‘Nestes casos, o método dos fatos, com amostras
revela ou exclui a provenientes do próprio
concordância entre as bandas suspeito, mesmo em se
genéticas do filho, em tratando de substâncias
correspondência com as bandas diferentes, como sangue ver-
dos pais. Como o material sus sêmen.
genético permanece inalterado
durante toda a vida, mesmo os Em virtude de ser muito
casos em que a troca ou novo e de custo bastante
seqüestro ocorreram há muito elevado, o teste ainda não
tempo podem ser resolvidos’’, está sendo utilizado
esclarece João Lélio. rotineiramente. ‘‘Por ora, o
sistema HLA (Human Leucocyte
A execução de árvores Antigen), descrito em 1952 e
genealógicas para o disponível no Brasil a cerca
estabelecimento do direito de de dez anos, atende satis-
herança também é beneficiada fatoriamente às exigências da
por essa técnica. grande maioria dos casos em
Teoricamente, em alguns casos curso na Justiça, oferecendo
é possível a execução do índices de certeza da ordem
exame mesmo com a falta do de 90% sobre a probabilidade
pai ou da mãe. ‘‘Basta ter de paternidade. No entanto,
acesso a material de análise devido ao poder de
de um número mínimo de identificação incontestável
pessoas’’, garante João da técnica de impressão
Lélio. Com relação a perícias digital do DNA, futuramente
para esclarecimento de esse teste ocupará lugar de
crimes, o médico brasileiro destaque nas perícias ju-
informa ser possível comparar diciais’’, garante João Lélio
a amostra de materiais de Mattos.

43
INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE COM
SUPOSTO PAI FALECIDO
ATUALIZAÇÃO MÉDICO-PERICIAL - DESCRIÇÃO DOS
PRIMEIROS CASOS BRASILEIROS EMPREGANDO O EXAME
DO DNA POSSIBILIDADES E LIMITAÇÕES
Obra publicada na Revista dos Tribunais, vol. 722, pg. 359-64, dez. 1995

I. INTRODUÇÃO denominados de série


As ações de investigação vermelha, estão entre os
de paternidade são, de certa principais e mais conhecidos)
forma, freqüentes nas Varas e do exame do HLA (Human
Cíveis e da Família e das Leukocyte Antigen).
Sucessões. O que se observa, Aplicando, simultaneamente,
na maioria dos casos, é um os dois tipos de exames -
menor, representado pela sua avaliação de antígenos
genitora, movendo uma Ação de eritrocitários e o exame do
Investigação de Paternidade HLA - é possível a exclusão
cumulada com Alimentos, de cerca de 90% dos falsos
contra um indivíduo apontado pais biológicos, nos casos em
como suposto pai. Para que o suposto pai está vivo e
solucionar estes casos, do disponível (Salaru 1993 e
ponto de vista biológico 1993a). Quando ocorre a não
pericial, o Magistrado, em exclusão, o cálculo da
certa etapa do processo, probabilidade de paternidade
nomeia um Perito de sua vai ser variável conforme a
confiança que vai realizar os constelação genética do
exames que forem convenientes indivíduo testado (Borowsky
para a elucidação do vínculo 1988).
genético em questão. Até o O advento do exame do
final da década de oitenta a DNA, no início da década de
Ciência Médica dispunha dos noventa, proporcionou um
clássicos testes, envolvendo avanço significativo em
os antígenos eritrocitários certas eventualidades,
(ABO, Rh, Kell, Duffy, MNSs, principalmente quando as
entre outros, também probabilidades de

44
paternidade, calculadas De posse desta
através de testes ferramenta de alta tecnologia
convencionais, eram baixas ou e poder de resolução sem
de magnitude insuficiente precedentes foi, então,
para que a paternidade possível a elucidação de
biológica fosse claramente casos complexos de
estabelecida. Deve-se ter em investigação de paternidade,
mente que o exame do DNA inclusive aqueles em que o
exclui, praticamente, 100% suposto pai encontra-se
dos falsos pais biológicos, e falecido (ou não se encontra
possibilita o cálculo da disponível para o teste).
probabilidade de paternidade
sempre em valores acima de II. FUNDAMENTAÇÃO TÉCNICA
99,9% (Morris 1991). Na investigação de
O exame do DNA já se paternidade com suposto pai
encontra padronizado em seus falecido os testes
procedimentos técnicos convencionais (antígenos
(American Association of eritrocitários e exame do
Blood Banks 1990, Baird 1993) HLA) exibem certas
e se encontra validado pela deficiências, inerentes às
Justiça e plenamente aceito suas características
em vários países (Bureau of técnicas, tornando-os de
National Affairs 1987, Hicks relativo valor nestes casos.
1988, Marx 1988, U.S. O exame do DNA, devido ao
Congress - Office of insuperável polimorfismo de
Technology Assessment 1990), seus marcadores, tem se
contando, inclusive, com mostrado de grande utilidade,
manifestações expressivas da mesmo quando não dispomos do
Magistratura brasileira suposto pai. O polimorfismo é
(Silva Filho 1990), com traduzido pela variabilidade
Jurisprudência estabelecida da distribuição de marcadores
(Fonseca 1994) e literatura genéticos na população;
nacional extensa (Mattos quanto mais variado o
Filho 1988, 1989, 1989a, polimorfismo, maior é a
1990, 1992 1992a). precisão do sistema na

45
definição de um determinado (alelos filiais de origem
vínculo genético materna). Os alelos restantes
Uma breve noção de (alelos filiais de origem
genética forense é necessária paterna) têm,
para um entendimento obrigatoriamente, de ser
satisfatório do tema. O DNA originados do pai biológico.
(ácido desoxirribonucleico), Caso haja coincidências entre
é o âmago do material os alelos paternos presentes
genético do indivíduo e está na criança e aqueles alelos
localizado no núcleo de todas verificados no indivíduo
as células do organismo, testado, a paternidade é
estruturando os cromossomos. atribuída com certeza
A espécie humana possui 46 biológica e estatística. Caso
cromossomos, arranjados aos contrário, quando ocorre uma
pares, sendo uma metade de discordância entre os alelos
origem materna e a outra de origem paterna da criança
metade de origem paterna. Os e aqueles verificados no
genes são os elementos que indivíduo testado, estaremos
compões os cromossomos e são diante de uma exclusão da
os responsáveis pela paternidade biológica.
definição dos caracteres Nas investigações de
genéticos de cada indivíduo, paternidade com suposto pai
sendo que concorrem, para falecido os princípios são os
esta definição, sempre dois mesmos, com algumas
genes, um de origem materna e variantes. Temos dois
outro de origem paterna, que caminhos a seguir. O
recebem a denominação de primeiro, e preferencial, é
genes alelos. Desta maneira, estudarmos a prole do suposto
quando a investigação de pai falecido, juntamente com
paternidade é feita com o a viúva (a quem denominamos
suposto pai vivo, procede-se de família original). É
da seguinte forma: são plenamente possível, através
identificados os alelos da do estudo dos descendentes,
criança e da mãe e são chegarmos à reconstituição
separados os alelos em comum dos alelos paternos

46
(denominada de reconstrução cálculo da probabilidade
reversa da árvore destes alelos de origem
genealógica) e , desta forma, paterna serem provenientes da
compará-los com os alelos de mesma pessoa. Devido ao alto
origem paterna do reclamante poder de definição do exame
da paternidade. O respaldo do DNA, temos, usualmente,
deste procedimento, em termos encontrado valores acima de
de suporte bibliográfico é 99% de probabilidade de
bastante sólido (Di Leonardo paternidade, nos casos em que
1984, Darlu 1985, Lenhart analisamos. Idealmente,
1988, Odeberg 1988, quanto maior o número de
Boonlayangoor 1989,Smith descendentes vivos que compõe
1989, Yokoi 1990, Helminen a família original, maior é a
1991, Bockel 1992, Brenner probabilidade de êxito na
1993, Yassourides 1993). definição da vinculação
Usualmente, em se tratando de genética. Como partimos
indivíduo vivo, a melhor sempre da premissa de que os
fonte de DNA é o sangue, descendentes da família
mesmo em pequena quantidade original são, realmente,
(2,5ml, não mais). Uma filhos biológicos do pai
simples coleta de sangue, falecido, é conveniente
então, é adequada para incluir no estudo algum
fornecer material para o ascendente do pai falecido (a
teste. Outros materiais mãe ou o pai ou ambos, se
(cabelo, unhas) são disponíveis e de acordo com a
imprestáveis pois tratam-se permissão da autoridade
de tecidos desvitalizados, requisitante, pois nem sempre
desprovidos de DNA para este estas pessoas fazem parte da
tipo de análise, lide). Investigações tendo
Embora a constituição somente os avós vivos (mãe e
genética seja individual para pai falecidos) resultaram em
cada pessoa, meio-irmãos por conclusões biológicas
parte de pai terão, surpreendentes (Diamond 1987,
certamente, alelos paternos Penchaszadeh 1992). Para a
em comum, o que viabiliza o execução do exame do DNA, nos

47
casos em que é possível a procedimento. Cabelos, unhas
análise da família original, e outros materiais
é utilizado um conjunto de desvitalizados não contém DNA
sondas unilocais. Esta sondas e, portanto, são imprestáveis
são os elementos que para análise. Destarte,
localizam , nos cromossomos, consideramos este
os alelos dos participantes procedimento como exceção,
da análise. reservando-o para
A outra forma de eventualidades onde não
abordagem é pela exumação do existam quaisquer parentes
suposto pai e posterior vivos do suposto pai
tentativa de encontrar DNA falecido. Desde que a
viável para o estudo. Vários exumação seja o único meio de
fatores colaboram para a tentar elucidar o caso
dificuldade do isolamento do aconselhamos que sejam
DNA, nestas condições obtidos ossos longos (ex:
(decomposição do material fêmur, tíbia, ulna, etc.),
biológico "post-mortem", pois o DNA a ser isolado
fatores físicos - encontra-se no interior
temperatura, umidade, destes ossos (mais
condições de luminosidade - e precisamente na medula
contaminação por bactérias óssea). Lembremo-nos de que
saprófitas), embora existam os ossos não são maciços como
alguns relatos de sucesso um cabo de vassoura, mas
(Jeffreys 1992). A possuem um canal longitudinal
esqueletização de um corpo onde se aloja a medula óssea,
está plenamente estabelecida rica em células que podem
decorridos cerca de dez a servir de fonte de DNA; da
quatorze meses após o culinária tiramos o exemplo
sepultamento, com todas as do "ossobuco" ou tutano que
conseqüências sobre a matéria nada mais é do que a medula
biológica e sua viabilidade óssea, bovina, por suposto,
para testes de qualquer servida em nossas mesas. As
natureza, o que nos dá uma peças exumadas devem ser
noção da dificuldade deste acondicionadas em sacos

48
plásticos a serem lacrados, da polimerase) é o mais
indo no interior de um adequado, possibilitando que
recipiente de conservação sejam detectados fragmentos
térmica (ex: caixa de isopor de DNA em restos teciduais já
de dimensões apropriadas) que degradados. O PCR nada mais é
será colocada sob do que um amplificador de
refrigeração (não congelar!). DNA, de tamanho poder
Para o transporte é discriminatório que torna
conveniente a colocação de viável a análise do DNA de um
gelo reciclável dentro do único espermatozóide. Nos
recipiente térmico, em casos em que não há
quantidade suficiente para necessidade de exumação a
manter a refrigeração até que utilização do PCR é
o transporte esteja desnecessária, pois a
concluído. A utilização do quantidade de DNA presente
gelo reciclável justifica-se, nas amostras de sangue é
pois este material não tem o suficiente para que os perfis
inconveniente do gelo comum, genéticos sejam
que pode derreter e umedecer estabelecidos. Deve ser
o material exumado, considerado que a aplicação
comprometendo sua deste conjunto de recursos de
viabilidade. Feito isto, biologia molecular de última
procede-se à lacração do geração tem sua repercussão
recipiente térmico e está nos custos do teste.
pronto para o transporte, com
durabilidade garantida pelo III. CASUÍSTICA BRASILEIRA
tempo suficiente para que Entre julho de 1992 e
chegue em boas condições ao julho de 1994 atuamos em
laboratório. Na análise do dezesseis casos de
DNA de material exumado são investigação de paternidade.
aplicadas ferramentas Na Tabela I são colocadas as
biológicas de altíssimo poder principais características
de resolução. O recurso do dos casos, com a óbvia
PCR (Polymerase Chain omissão das identificações
Reaction ou reação em cadeia pessoais e detalhes do

49
processo, pois se tratam de para a compreensão dos
ações protegidas por Segredo aspectos técnicos e periciais
de Justiça, o que não relativos a cada caso.
incorrerá em nenhum prejuízo

AUTORES REQUERIDOS Pp

menor com mãe dois maiores com mãe 99,95%


menor com mãe mãe e pai do suposto pai 99,92%
falecido
menor com mãe três menores com mãe 0,0%
menor com mãe irmã do suposto pai falecido 91,09%
menor com mãe quatro maiores com mãe 99,99%
maior com mãe três menores com mãe 0,0%
maior maior com mãe 85,7%
dois menores com mãe um maior 99,1% p/ambos
dois maiores com mãe três maiores com mãe 93,99% e 98,83%
dois maiores com mãe dois menores com mãe 99,99% p/ambos
três maiores com mãe menor com mãe 99,69%
três maiores com mãe maior com mãe 99,71%
menor com mãe dois maiores com mãe 99,82%
maior com mãe material exumado 99,71%
menor com mãe três maiores com mãe 0,0%
maior com mãe sete maiores com mãe 99,99%
Tabela I. Nesta tabela pode ser apreciada, na coluna da esquerda, os autores
dos processos, juntamente com os respectivos representantes; na
coluna central estão colocados os requeridos e na coluna da direita
as probabilidades de paternidade (Pp) encontradas.

50
IV. RESULTADOS paternidade foi determinada e
Dos dezesseis casos o(s) reclamante(s) da pater-
analisados, em doze a atuação nidade tinha(m) a mãe viva,
foi como Perito Judicial e em envolvendo dezessete
quatro foi como Perito reclamantes (autores), a
Assistente. A exumação foi Probabilidade de Paternidade
necessária em apenas um caso foi maior do que 99% para
(6,25%), confirmando os dados quinze reclamantes (88,23%).
de literatura que a colocam Nos dois casos restantes a
como procedimento de exceção Probabilidade de Paternidade
(Mattos Filho 1992a). Neste foi de 93,99% em um e 98,83%
caso a probabilidade e em outro (coincidentemente
paternidade foi de 99,71%. De dois irmãos reclamantes da
todos os dezesseis casos, foi mesma paternidade).
verificada a exclusão de V.CONCLUSÕES
paternidade em três (18,75%). A utilização do exame do
Nos quinze casos restantes, DNA para o esclarecimento de
que foram analisados sem casos de investigação de
paternidade envolvendo
necessidade de exumação, em
suposto pai falecido trouxe
um deles foi analisada a irmã
elementos periciais de-
do suposto pai, obtendo-se cisivos, resultando em grande
91,09% de Probabilidade de precisão na definição da
Paternidade, em outro havia paternidade biológica. Na
apenas o reclamante sem a maioria dos casos, incluindo-
mãe, testado contra seu se aquele em que foi
provável meio-irmão por parte necessária a exumação, foi
possível a obtenção de
de pai, cuja mãe estava viva
probabilidades de paternidade
e que resultou em 85,7% de
com valores que não seriam
Probabilidade de Paternidade possíveis com a utilização
(caso de grande dificuldade dos testes convencionais.
técnica). Nos casos restantes A introdução de
(dez ações, sendo que em tecnologias de ponta em
cinco havia mais de um certos setores de atividade
reclamante da paternidade), proporcionou avanços
consideráveis. Em se tratando
onde a inclusão da

51
de casos complexos de Baird M. Quality control in DNA
profiling tests. Molecular
investigação de vínculo Biology and Pathology. 102:215,
genético, com suposto pai 1993.
falecido, praticamente
Bockel B et al. Likelihoods of
insolúveis antes do advento multilocus DNA fingerprints in
do exame do DNA, atualmente extended families. Am J Hum
Genet 51(3):554-61,1992.
são plenamente exequíveis. Os
valores aqui encontrados não Boonlayangoor PW. True
deixam qualquer margem de paternity or exclusion:
dúvida com relação a estas analisys in the case of decased
party. Journal of Forensic
possibilidades. Science 34(3):703-7, 1989.
Desta forma, a união de
objetivos e esforços da área Borowsky R. HLA and the
probability of paternity. Am J
Médico-Científica convergiu Hum Genet 42(1):132-4, 1988.
para benefício da nobre
Ciência do Direito, ambas Brenner CH. A note on paternity
computation in cases lacking a
irmanadas no mesmo sentido de mother. Transfusion 33(1):51-
buscar a verdade biológica, 4,1993.
que traduzida para a área
jurídica significa a Bureau of National Affairs.
Clinical Practice Manual 1(19),
ampliação dos horizontes em 1987.
busca de sua finalidade
última e máxima: a Justiça. Darlu P and Cavalli-Sforza LL.
The probability of exclusions
of ancestries based on genetic
Autor: Dr. João Lélio Peake de Mattos observations. Am J Hum Genet
Filho, é médico graduado e pós-graduado 37(3):581-90,1985.
pela Escola Paulista de Medicina e Perito
Judicial para casos de Investigação de
Paternidade há dez anos, atuante no Foro Di Leonardo AM et al. Human
Central de São Paulo, bem como em Foros genetics and human rights.
Regionais, Distritais, outras Comarcas e, Identifying the families of
também, outros Estados da Federação; é kidnapped children. Am J
membro atuante da Associação dos Peritos Forensic Med Pathol 5(4):339-
Judiciais do Estado de São Paulo, sendo o 47,1984.
autor que mais tem publicado trabalhos a
respeito, presentes nas referências
bibliográficas deste ensaio. Diamond JM. Abducted orphans
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testing. Nature 327:552-3,
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Esplanada/ ADCOAS, 1994:170-174
and 183-186.

52
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deceased father. Hum Genet Symposium of Human
87(6):657-60, 1991. Identification; 1991, Promega
Corporation, Madison (WI), pp.
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tool of law enforcement. FBI
Law Enforcement Bulletin Odelberg SJ et al. Establishing
August, 1988. paternity using DNA probes when
the putative father is
Jeffreys AJ et al. unavailable for testing.
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remains of Josef Mengele by DNA 33(4):921-8,1988.
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of paternity: deceased accused role of human genetics in their
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53
Smith RA et al. Genetic marker Yassouridis A and Epplen JT.
analysis in cases of disputed Calculating paternity
paternity when the alleged probabilities from DNA
father is deceased. Ann Clin multilocus fingerprinting in
Lab Sci 19(5):332-6, 1989. some cases of
deficiency.Electrophoresis
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Technology Assessment. Genetic
Witness: Forensic uses of DNA. Yokoi T et al. Investigation of
Washington, D.C., U.S. paternity establishing without
Government Printing Office, the putative father using
July 1990. hypervariable DNA probes.
Jinrui Idengaku Zasshi
35(3):235-44,1990.

54
ATUALIZAÇÃO MÉDICO-JURÍDICA
INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE INTRA-ÚTERO
Obra a ser publicada pelo Instituto dos Advogados de São Paulo

1- INTRODUÇÃO

A) ASPECTOS JURÍDICOS
Os direitos do nascituro têm sido objeto, através dos tempos, de grande discussão,
embora as suas bases jurídicas tenham sido estabelecidas com toda a sua clareza há,
relativamente, pouco tempo. Cito, preliminarmente, o que estabelece a Dra. Silmara J. A.
Chinelato e Almeida em seus trabalhos: "O Nascituro no Código Civil e no Direito
Constituendo no Brasil (Projeto do Código Civil e Projeto de Constituição Federal)", in
"Revista de Direito Civil", n. 44 (abril/junho 1988, pág. 181) e em "O Direito de Família e a
Constituição de 1988", Editora Saraiva, 1989, Coordenador Carlos Alberto Bittar, pág. 41, do
qual transcrevo: "Do ponto de vista biológico, não há dúvida de que a vida se inicia com a
fecundação do óvulo pelo espermatozóide, resultando um ôvo ou zigoto. Assim o demostram
os argumentos colhidos na Biologia. A vida viável começa, porém, com a nidação, quando se
inicia a gravidez; o embrião ou feto representa um ser individualizado, com uma carga
genética própria, que não se confunde nem com a do pai, nem com a da mãe."
A mesma douta autora, em seu "Direito do Nascituro a Alimentos - Uma Contribuição
do Direito Romano", na "Revista de Direito Civil", n. 54/52-60, estabelece com clareza a
paridade entre nascituro e nascido quanto a alimentos (pág. 55): "No nosso modo de ver, ao
nascituro são devidos alimentos em sentido lato - alimentos civis - para que possa nutrir-se e
desenvolver com normalidade, objetivando o nascimento com vida."
Ainda com manifestação brilhante sobre o mesmo tema, surge o trabalho de Professor
Mário Aguiar Moura, "Legitimidade do nascituro para investigar a paternidade" publicado na
"IOB, Repertório de Jurisprudência", quinzena de fevereiro de 1991, n. 3/ 91, pág. 63: "Nada
conspira contra a possibilidade de a mãe que traz o filho concebido, ou o curador nomeado,
caso aquela não possa exercer o direito, promova a ação de representação do nascituro. A
objeção que se tem manifestado de que não é possível a ação, porque está ausente a
personalidade não procede. Nessa linha de raciocínio estaria igualmente o reconhecimento
voluntário, através de um ato jurídico, de que o nascituro é parte na relação que se constitui."
Como derradeiro e ilustrativo exemplo, cito o Acórdão proferido pela Primeira Câmara
Civil de Férias do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (Apelação Cível n. 193.648.1)

55
cujo relator foi o D.D. Desembargador Dr. Renam Lotufo (Investigação de Paternidade - Ação
proposta em nome de nascituro pela mãe gestante. Recurso contra sentença que extinguiu o
processo por ilegitimidade ativa. - Provimento. Superveniente nascimento com vida). Neste
Acórdão, por votação unânime, foi dado provimento ao referido recurso.
Ora, com todos este elementos citados, de nada adianta o embasamento e ordenamento
jurídico sobre o tema, se não há uma forma diagnóstica da paternidade intra-útero que possa
ser empregada o mais precoce possível durante a gestação. O que se busca, então, é a
determinação da paternidade biológica ainda antes do nascimento (na verdade o quanto mais
precoce melhor) para garantir os direitos do nascituro, que seja segura para o binômio
gestante/feto e que seja inequivocamente precisa na determinação de seus resultados. Neste
contexto, o exame do DNA, feito através da obtenção da amostra de vilo corial, vem de
encontro a todas as expectativas da Justiça. No tópico a seguir são detalhadas as bases e
fundamentação do exame do DNA, bem como seus princípios na aplicação intra-uterina deste
teste.

56
B) ASPECTOS MÉDICO-PERICIAIS
A investigação de paternidade, também denominada investigação de vínculo genético,
vem sofrendo considerável progresso, nos últimos tempos. Embora os primórdios teóricos da
genética tenham sido enunciados no século passado, através dos estudos clássicos do frade
austríaco Gregor Mendel (1822-1884), na verdade, sua bases científicas remontam ao início
do século, com a descoberta dos grupos sangüíneos ABO por Landsteiner (1901), seguidos
pela descoberta, mais tarde, do fator Rh por Wiener e colaboradores (1940).
Um grande impulso foi dado com a descoberta do sistema do HLA (HLA-human
leucocyte antigen) pelo grupo do professor francês, Dr. Jean Dausset (1952). Esta última
descoberta possui sua aplicação no campo médico relacionada aos transplantes, pois trata-se
do exame empregado para se avaliar a compatibilidade que existe entre um doador e um
receptor de órgãos. Devido a seu grande polimorfismo (variabilidade de tipos e distribuição de
marcadores em uma população) o exame do HLA, durante vários anos, prestou inestimável
serviço para a Justiça, auxiliando nas investigações de vínculo genético, proporcionando um
bom índice de exclusões da paternidade, embora, algumas vezes, quando das não exclusões, o
cálculo das probabilidades de paternidade fossem pouco precisas.
Com a recente introdução da tecnologia para o estudo da molécula de DNA, para fins
de estudo de vinculação genética (Jeffreys e colaboradores, 1985) foi dado o mais importante
passo na direção de termos um exame biologicamente decisivo, tanto para os casos de
exclusão, quanto para os casos de não exclusão (que passaram a ser denominados de inclusão
de paternidade, tamanha a sua precisão na determinação da vinculação genética). O elemento
decisivo para a aplicação desta revolucionária tecnologia reside nas denominadas "sondas",
que são os elementos que detectam, como mísseis teleguiados, as regiões cromossômicas entre
as pessoas estudadas e comparam suas seqüências de determinantes genéticos.
Inicialmente, nos estudos de Jeffreys foram utilizadas sondas multilocais, que,
posteriormente, revelaram certas deficiências e foram substituídas pelas sondas unilocais, que
são as preferencialmente aceitas pela Justiça de países do primeiro mundo (caso dos EUA). Os
fundamentos para compreensão da interpretação do exame do DNA são razoavelmente
simples. O DNA (ácido desoxirribonucleico) é o componente mais íntimo do nosso material
genético e que forma os cromossomos, localizados no núcleo das células do organismo. A
espécie humana possui 46 cromossomos, arranjados aos pares, sendo uma metade (23 cromos-
somos) de origem materna e a outra metade (23 cromossomos) de origem paterna, que são
resultantes da fecundação, representada pela união do gameta feminino (óvulo) com o gameta
masculino (espermatozóide). Os genes, por sua vez, são segmentos cromossômicos de
tamanho variável. Para que seja possível a expressão de certos caracteres específicos é ne-
cessária a cooperação dos genes paternos e maternos, que passam a ser denominados de genes
57
alelos ou, simplesmente, alelos. Nestes caracteres, por suposto, é possível separar os
componentes maternos dos paternos. Desta maneira, estudando um trio (mãe, criança e
suposto pai), são comparados e separados os alelos maternos com os alelos filiais de origem
materna. Os alelos restante têm, obrigatoriamente que ser provenientes do pai biológico. Caso
haja correspondência entre os alelos filiais de origem paterna e aqueles presentes no suposto
pai, a paternidade é comprovada com certeza biológica e estatística. Caso contrário, se ocorre
discordância entre os alelos filiais de origem paterna e os verificados no suposto pai, a
paternidade está excluída. A principal propriedade que torna o exame do DNA um
instrumento de inigualável precisão para a investigação vínculo genético é o seu polimorfismo
de altíssima amplitude, impedindo que haja indivíduos com a mesma construção alélica e que
possam ser confundidos com o pai biológico verdadeiro.
A aceitação de evidência desta magnitude foi rapidamente avaliada e aceita por vários
países (Dodd 1985, Lomax 1986, Hicks 1988, Kobilinsky et al. 1988, Freckelton 1990,
Gottschall 1991, Americam Association of Blood Banks, 1990) incluindo o Brasil (Mattos
Filho, 1988, 1989, 1989a, 1990, 1990, 1992a). Destaca-se a manifestação da comunidade
jurídica, através do brilhante artigo de Silva Filho, publicado na "RT", n. 655/54-65, 1990.
Com relação à literatura científica internacional, no que concerne à investigação intra-útero,
são encontradas escassas referências, embora a validação da técnica esteja bem estabelecida
(Ishiyama 1988, Jiang 1989, Kovacs 1990, Mosinger 1990, Sprecher 1990, Lobiani 1991).
Assim sendo, de posse desta ferramenta de alta tecnologia, outros setores da Medicina Legal
também experimentaram um avanço significativo. Na área criminal, a identificação de pessoas
através de diminutas manchas de sangue ou esperma, até então impossível de ser feita, tornou-
se rotina. Mas foi, na verdade, na investigação de paternidade que os reflexos foram os mais
espetaculares. Usualmente, quando abordamos este assunto, o cenário mais comum que nos
vem à mente é o de uma criança que, representada pela mãe, move uma ação de investigação
de paternidade contra certo indivíduo. Porém outras situações bem mais complexas e pouco
usuais podem ocorrer, tais como investigação de paternidade com pai falecido (tema este que
será desenvolvido em outro artigo, pois estas investigações estão se tornado cada vez mais
freqüentes) e, por que não dizer, a investigação de paternidade intra-útero.

2 - CARACTERIZAÇÃO TÉCNICA
O escopo principal é a preservação da integridade física do binômio gestante-feto. A
coleta de material do feto é feita obtendo-se uma amostra de vilo corial, que consiste no
componente fetal da placenta. A placenta é composta de duas faces: a materna, que possui
células idênticas às da mãe e a fetal, cuja estrutura celular é a mesma da do feto. Destarte, para
obtermos células fetais (e, portanto DNA, que se encontra no núcleo das células) não é
58
necessário importunarmos o feto. O que procedemos é a coleta do vilo corial, hoje considerada
rotineira para o diagnóstico, não só de anomalias genéticas mas de outras situações
patológicas, tais como infecções, anormalidades metabólicas, etc., onde seja imprescindível o
obtenção de tecido fetal. A biópsia de vilo corial é, portanto, uma intervenção usual e segura,
com risco mínimo para o feto e a gestante. Basicamente, a amostra de vilo corial é obtida, com
o auxílio do ultra-som (que possibilita localizar com precisão a placenta), podendo ser
procedida através da via baixa (utilizando o colo do útero para o acesso) ou pela parede
abdominal. Este procedimento foi descrito pela primeira vez por Ward (1982). As vantagens
da técnica de obtenção de amostra de vilo corial e da utilização de tecnologia do exame do
DNA são complementares. É possível conseguir amostras de vilo corial viáveis, a partir da
nona semana de gestação e a quantidade de vilo corial requerida para o exame do DNA é
mínima. Uma vez coletado o vilo corial, procede-se a coleta de material (uma pequena
quantidade de sangue) da mãe e do suposto pai, de onde se extrai o DNA dos núcleos dos
respectivos glóbulos brancos, pois os glóbulos vermelhos são células desprovidas de núcleo.
As células do vilo corial (ou do, líquido amniótico) são colhidas em pequena
quantidade, mas são mantidas algumas horas em cultura em meio apropriado para que se
multipliquem e possibilite a extração do DNA de seus núcleos. Desta etapa em diante a
metodologia é a mesma empregada nos casos de filhos de qualquer idade, cuja fonte de
material é uma pequena amostra de sangue. O resultado é obtido em duas a três semanas. Em
resumo, antes da décima terceira ou décima quarta semana de gestação (muito antes da metade
da gestação e antes, até, do aumento visível do volume abdominal), o diagnóstico da
paternidade já está concluído. O exame do DNA é procedido de acordo com os padrões mais
avançados (Baird 1993, AABB 1990) e os resultados alcançam mais de 99,9% de
probabilidade de paternidade (quando da não exclusão), levando-se em conta que o exame
exclui cem por cento dos falsos pais biológicos.
3-CASUÍSTICA BRASILEIRA
Mesmo levando-se em conta a casuística internacional, a investigação de paternidade
intra-útero é pouco freqüente. Em levantamento na literatura foram encontradas apenas
escassas referências (Nata 1993, Tsuda 1993, Mingjun 1993, Saji 1993, Ludes 1991, Wiegand
1992), todas muito recentes.
Considerações científicas à parte, as investigações de paternidade intra-útero carregam
sempre aspectos emocionais e sociais dramáticos. Talvez seja a ocasião onde nós tenhamos
que exercer nossas mais profundas habilidades em termos de relacionamento humano. A
ansiedade em se conhecer o resultado se contrapõe com a necessidade que temos em proceder
ao exame com a mais elevada técnica. A habilidade em declinar o resultado e explicar os
aspectos técnicos, muitas vezes com resultado esperado adverso, servem como exemplo de
59
que exercer esta atividade não é uma função exclusivamente técnica e reveste-se de situações
inauditas e emoções permanentes.
Entre março de1994 e março de1996 fomos procurados para solucionar seis casos de
investigação de paternidade intra-útero, cujos resumos colocamos a seguir, obviamente
preservando as identidades e detalhes pessoais que não são relevantes para a elucidação e
compreensão científica do caso. A coleta do vilo corial foi da responsabilidade do Dr. Antonio
Fernandes Moron (CRM-SP 37.904), médico obstetra, Diretor Clínico do Centro Paulista de
Medicina Fetal e Professor de Obstetrícia da Escola Paulista de Medicina. No caso número 7,
houve a colaboração da Dra. Paula Arruda (CRM-PE 10.992), médica responsável pelo setor
de Medicina fetal e Reprodução Humana da Clínica Lucilo Ávila Jr., Recife (PE). Este caso
foi o único realizado utilizando, como fonte de DNA fetal, o líquido amniótico. Autorizações
da gestante e do suposto pai foram obtidas por escrito, após explicações detalhadas de todos os
procedimentos, bem como sua finalidade. Para a realização destas análises foram utilizadas
quatro sondas unilocais (que rastrearam os pares cromossômicos da mãe, do feto e do suposto
pai) com a técnica de acordo com o que preconiza a Associação Americana de Bancos de
Sangue, que é a entidade que possui os padrões mais rígidos para este tipo de procedimento
laboratorial
Caso nº. 1: FPMA, 28 anos, caucasóide, gestante de 11 semanas, feto do sexo
feminino, procedeu a coleta de vilo corial. Foi obtida uma amostra sangue da gestante. O
suposto pai, LBA, de 63 anos, caucasóide, forneceu amostra de sangue. A comparação entre as
regiões cromossômicas fetais, de origem paterna, e aquelas presentes no suposto pai, não
foram coincidentes e, portanto, foi excluída a paternidade biológica pelo exame do DNA.
Caso nº. 2: LS, 23 anos, caucasóide, gestante de 13 semanas, feto do sexo masculino,
procedeu a coleta de vilo corial. Foi obtida uma amostra de sangue da gestante. O suposto pai,
JLVRC, de 25 anos, caucasóide, forneceu amostra de sangue. A comparação entre as regiões
cromossômicas fetais, de origem paterna, e aquelas presentes no suposto pai, foram
absolutamente coincidentes, obtendo-se a probabilidade de paternidade maior do que 99,99%,
o que caracteriza a paternidade do ponto de vista estatístico e biológico pelo exame do DNA.
Caso nº. 3: LNM, 30 anos, caucasóide, gestante de 11 semanas, feto do sexo feminino,
procedeu a coleta de vilo corial. Foi obtida uma amostra de sangue da gestante. O suposto pai,
TM, caucasóide, de 31 anos, forneceu amostra de sangue. A comparação entre as regiões
cromossômicas fetais, de origem paterna, e aquelas presentes no suposto pai, não foram
coincidentes e, portanto, foi excluída a paternidade biológica pelo exame do DNA.
Caso nº. 4: SMV, 35 anos, caucasóide, gestante de 14 semanas, feto do sexo feminino,
procedeu a coleta de vilo corial. Foi obtida uma amostra de sangue da gestante. Este caso é de

60
relevante importância, pois dois supostos pais se habilitaram para a investigação. O primeiro,
LCA, caucasóide, 41 anos, forneceu amostra de sangue. A comparação entre as regiões
cromossômicas fetais, de origem paterna, e aquelas presentes no suposto pai, não foram
coincidentes e, portanto, foi excluída a paternidade para este indivíduo, pelo exame do DNA.
Posteriormente, foi testado AAC, caucasóide, 32 anos, que forneceu amostra de sangue. A
comparação entre as regiões cromossômicas fetais, de origem paterna, e aquelas presentes no
suposto pai, não foram coincidentes e, portanto, foi excluída a paternidade biológica para este
indivíduo, pelo exame do DNA.l
Caso n°. 5: SSNJ, , 29 anos, caucasóide, idade gestacional de 20 semanas, feto do sexo
masculino, procedeu a coleta de vilo corial. Foi obtida uma amostra de sangue da gestante. O
suposto pai, ARBJ, caucasóide, de 29 anos, forneceu amostra de sangue. A comparação entre
as regiões cromossômicas fetais, de origem paterna, e aquelas presentes no suposto pai, não
foram coincidentes e, portanto, foi excluída a paternidade biológica pelo exame do DNA.
Caso n°. 6: YGYA, 23 anos, caucasóide, idade gestacional de 24 semanas, feto do sexo
masculino, procedeu a coleta de vilo corial. Foi obtida uma amostra de sangue da gestante. O
suposto pai, ASJF, caucasóide, de 21 anos, forneceu amostra de sangue. A comparação entre
as regiões cromossômicas fetais de origem paterna aquelas presentes no suposto pai, não
foram coincidentes e, portanto, foi excluída a paternidade biológica pelo exame do DNA.
Caso n°. 7: SCAI, 26 anos caucasóide, idade gestacional de 14 semanas, feto do sexo
masculino, procedeu a coleta de líquido amniótico. Foi obtida uma amostra de sangue da
gestante. O suposto pai, FAJ, caucasóide, 36 anos, forneceu amostra de sangue. a comparação
entre regiões cromossômicas fetais, de origem paterna, e aquelas presentes no suposto pai, não
foram coincidentes, portanto, foi excluída a paternidade biológica pelo exame do DNA a
paternidade biológica
Em média, o tempo para obtenção dos resultados foi de três semanas.

4-RESUMO
O artigo em questão procura colocar a importância da investigação de paternidade
envolvendo o nascituro, discorrendo sobre todo o seu respaldo do ponto de vista jurídico,
evidenciado pela jurisprudência citada.
A amostra consistiu de setes gestantes, sendo uma com mais de dois supostos pais, o
que pode ser considerado como a maior casuística descrita por um autor brasileiro.
Adicionalmente, foram colocados os princípios básicos de genética forense e da
técnica do exame do DNA e sua aplicação na investigação de paternidade intra-útero, com a

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descrição dos primeiros casos brasileiros, constando de seis exclusões e uma inclusão da
paternidade biológica (um caso teve dois supostos pais excluídos), cujas idades gestacionais
estavam entre 11 a 24 semanas, onde fica evidente a possibilidade de investigar a paternidade
em período de extrema precocidade da gravidez.
Queremos crer que trata-se de uma estudo de valor científico considerável, pois em
poucos momentos da história do Direito houve uma integração tão íntima com a Ciência
Médica, no sentido de oferecer suporte técnico para que a Justiça seja exercida em toda a sua
plenitude.
Como Perito Judicial, com quinze anos de atuação em investigação de vínculo
genético, assistimos a um avanço substancial nos métodos de biologia molecular que visam o
esclarecimento de situações desta natureza. Os membros da comunidade jurídica devem
sentir-se privilegiados por pertencerem a uma época em que estas ferramentas estão
disponíveis.

O autor é o Dr. João Lélio Peake de Mattos Filho, médico graduado e pós-graduado pela Escola Paulista de
Medicina e Perito Judicial para casos de investigação de paternidade, atuante no Foro Central de São Paulo, bem
como Foros Regionais, Distritais, outras Comarcas e, também, outros Estados da Federação; é membro da
Associação dos Peritos Judiciais do Estado de São Paulo, sendo que seus artigos encontram-se listados nas
referências bibliográficas deste estudo.

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Texto gentilmente cedido por Palmiro Sartorelli Neto (palmiro@aguianet.com.br)

www.sti.com.br

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