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Catecismo de Perseveranca - Tomo 01
Catecismo de Perseveranca - Tomo 01
DE
PERSEVERANÇA.
1.
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EDITOR
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CATECISMO
I º. Sç BwViiDl
P A~R; ' = · L, · U
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DE
0
NCA
ou
EXPOSIÇÃO DISTO RICA, DOGMATICA, MORAL, LITURGJCA, APOLOGET~CA, PBILOSOPBICA E SOCIAL
• 1
DA RELIGIÃO,
DESDE A ORIGEM DO MUNDO ATÉ NOSSOS DIAS
f~fo g:>a~te J. gauiue,
VIQARIO GERAL DA DIOCESE DE NEVllR8' CATALLEIRO DA OBDEH DB Ili• 81l.'VEl!llTRB'
MElllBRO DA ACADllHl.t. DA RELIGIÃO CATBOLIC& DE BOM&, IBTC.
POR SEU
Mui reverente e humilde subdito
KENR~QUJE QA, SU~VA EllA.l.U~Q~~.,
Jesus Christus heri hodié, ips'
et in saecula. llebr. XIII, 8·
Jesus Christ.o era hontem, e é
hoje : o rn esmo tambem será por'
todos os seculos.
Deus Charítas sst.t.Joan..IV."8.
TOMO 1. Deus é a carídade.
PORTO:
NA TYP. DE MANOEL JOSÉ PEREIHA,
Rua de s~nta Thereza, 4 o 6.
t86~.
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Ea:m.e e lfevm.) Snr.
De V. Exc.ª
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O Author do Catecismo de Perseverança teve a honra de
offerecer ao Santo Padre um exemplar d' esta obra e de seus ou-
tros escriptos. Estando em Roma, foi adrnittido frequentes vezes
á audiencia particular do Soberano Pontifice, do qual recebeu
os mais lisongeiros obsequias e parabens. Poucos dias depois
da ultima audiencia, Sua Santidade se dignou enviar-lhe o se-
guinte Breve com a cruz da ordem de S. Silvestre.
GREGORIUS PP. XVI. GREGORIO XVI, PAPA
DILECTO FILIO PRESBYTERO A NOSSO CARO FILHO,
J. GAUUE. J. GAUHE.
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que huic Petri Cathedrre firmiter ticos que, distinctos em talento e
adhrerentes, de Catholica religione virtudes, professam uma inabalavel
optime mereri summopere glorian- dedicação a esta Cadeira de Pedro,
tur. Itaque quum notum perspectum e fazem timbre de bém merecer .
sit Nobis, te. egregiis animi dotibus da Religião Catholica. E' por isso
ornatum et ad omnem virtutem ins- que, sabendo como sois ornado das
titutum, pietatis laude, ac vitre inte- mais bellas qualidades de espirito
gritate, morunque gravitate cuique e do coração, e recommendavel por
probatum, omni cura, studio, con- piedade, integridade da vida e gra-
tentione in rei catholicre bonum pro- vidade de costumes a todos noto-
curandriin incumbere, tuisque editis ria, nem cuidado, nem trabalho,
operibus non levem operam illi ju- nem esforço poupaes a pró da Re~
vandre prrestitisse, ac singulari Nos, Ugião Catholica, á qual as obras
et bane Apostolicam sedem, olJse- que haYeis publicado não tem sido
quio et veneratione prosequi : idcir- mediocre serviço ; e que a Nós e
co aliquam Nostrre in te voluntatis a esta Apostolica Sé consagraes sin-
significationem exhibendam censui- guiar dedicação e veneração: por
mus. Peculiari ergo te honore affi- todos estes motivos, hoU\'emos por
cere voJentes, leque a quibusvis ex- bem dar-vos uma prova da Nossa
communi'cationis, suspensionis et in- benevolencia a vosso respeito. Que-
terdicti, aliisque ecclesiasticis cen- rendo pois fazer-vos uma honra par-
suris, sententiis et prenis quovis ticular, depois de vos absolver,
morto et quacumque de causa la- para este fim sómente, e declaran-
tis, si quas forte incurristi, hujus do-vos absolYido de toda a excom-
tantum rei gratia absolventes et munhão, suspensão, interdicto, e
absolutnm fore censentes,Auctoritate outras censuras ecclesiasticas, sen-
Nostra ApostoUca bisce Litteris te tenças e penas latas' de qualquer
Equitem Ordinis Auratre Militire, a maneira e por qualquer causa que
Nobis nuper .instaurati et majori seja, se por ventura em alguma
splendore aucti, dicimus et renun- houvesseis incorrido, em virtude
tiamus, et Equitnm aliorum militire de Nossa Authoridade Apostolica
ejusmodi cretui ac numero inferi- Nós vos creamos e nomeamos pe-
mus. Quare ut ejusdem Ordinis Cru- las presentes Letras Cavalleiro da
cem gestare possis, utque utaris, Ordem da Milícia Dourada.. ultima-
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fruaris omnibus et singulis privile- mente restaurada por Nós e elevada
giis, prrerogativis, indultis, quibus a um novo esplendor ; Nós vos as-
alii Equites commemoratre Militire sociamos a esta Ordem, e vos col-
utuntur, fruuntur, vel uti, frui pos- locamos nas fileiras e em o numero
snnt ac poterunt, citra tamen facul- dos CaYalleiros que a compoem.
tates sublatas a concilio Tridentino Pelo que vos concedemos e permit-
huj us Apostolicre Sedis Auctoritate timos trazer a Cruz da Ordem, usar
confirmato, tibi concedimus et in- e fruir de todos e quaesquer privi-
dn lgemus: non obstantibu~ Consti- legios, prerogativas, e favores de
tutionibus et Sanctionibus Apostoli- que usam e gozam os outros Caval-
cis creterisque contrariis quibuscum- leiros da mesma Ordem, ou de que
que. Volumus autem ut dictun in- podem e poderão vir a usar e des-
signe, nempe Auream octangulam fructar, salvas as faculdades sup-
alba superficie imaginem S. Sylves- primidas pelo Concilio de Trento,
tri PP. in medio rererenterri, ad approvado pela authoridade d'esta
pectus trenia serica rubro nigroque Sé Apostolica : não obstante as cons-
distincta colore, extremis oris ru- tituições e decretos apostolicos e
bra, appensam ex comrr.uni Equi- outra3 disposições contrarias quaes-
tum more in parte vestis sinistra, quer que sejam. Ora, Nós quere-
juxta formam in Nostris similibus mos que useis a insignia da Or-
Apostolicis Litteris, die XXXI octo- dem, isto é, a Cruz d'ouro octan:
bris, anno MDCCCXLI, de eodem guiar, tendo no centro, sobre cam-
Ordine editis prrescriptam, gestare po esmaltado de prata, a imagem
omnino debeas, alioquin ab hujus do Soberano Pontífice S. Silvestre,
indulti juribus excidas. Ut autem suspensa do peito por fita verme-
magis magisque Nostram in te be- lha e preta bordada de vermelho,
nevolentiam perspic~re possis, Cru- sobre a parte esquerda do habito,
cem ipsam tibi tradi mandamus. segundo 10 uso ordinario dos Caval-
Jeiros, e a fórma prescripta por
Nossas Letras Apostolicas, em data
de 31 d'Out ubro do anno de 184.f,
a respeito da mesma Ordem ; aliás
perdcrieis os privilegios d'este in-
dulto. A fim pois que conheçais
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mais e mais a nossa benevolen-
cia para comvosco, mandamos que a
mesma Cruz vos seja enviaua da
Nossa parte.
Datum Romre, apud Sanctnm Pe · Dada em R·oma, em S. Pedro,
trum, sub Annulo Pisc.atoris, die sub o annel do Pescador, a 29 de
XXIX martii MDCCCXLII, Pon lifi- Março do anno de 1842, e decimo
catus nostri anno duodocimo. segundo do nosso Pontificado.
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APPROVAÇÕES.
APPROVAÇÃO DE SuA ExcELLENCIA o ARCEBISPO DE BonnEos.
Tendo visto e examinado por nós mesmo o livro que tem por titu-
lo : Catecismo de Perseverança, ou Exposição historica, dogmatica, mo-
ral e liturgica da Religião, desde o principio do mundo até os nossos dias.
pelo Padre J. Gaume, Conegu de Nevers :
Temos approvado e approvamos esta obra para a nossa diocese. Util a
todas as idades bem como aos fieis de todas as classes, a leitura deste
li-vro o será sempre aos mancebos e ás pessoas encarregadas da sua
educação.
O . Catecismo de Perseverança só de per si resume muitas obras
sobre a religião e. lhes dispensa a leitura; a sua dcutrina é bebida nas
melhores fontes; é claro o estilo, ameno, vivo e penetrante: o plano é
vasto e abrange ao mesmo tempo a historia do Christianismo e das or-
dens religiosas, a exposição dos dogmas, a explicação da moral, dos sa-
cramentos e das cerembnias da Igreja; o methodo que o aut!wr empre-
ga é o mesmo que seguem com tam feliz result:id0 os Padres gregos e
latinos, e que Fenelon e outros grandes bispos aconselllavam e queriam
que se fizesse reviver entre nós.
Dada em Bordeos, em nosso palacio archiep!scopal, sob o sêllo de
nossas armas, ruurir.ada por nós e referendada pelo secretario geral do
nosso Arcebispado a 26 de Dezembro de t839.
t FERNANDO,
Arcebispo de Bordeos.
Por ordem de sua Ex.ª o Arcebispo
H. de Langalerie,
Conego hon. secretario geral.
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ÁPPROVAÇÃO DE SUA Ex. a o BISPO DE GAP, ARCEBISPO ELEITO n'AucH.
Nicoláo Augusto da Cruz d' Agolette, Bispo de Gap, Arcebispo
eleito d'Auch:
Lemos e examinamos a otra intitulada: Catecismo de Perseverança,
do Padre Gaume. Conego de Nevers, e reconhecemos que este estimavel
author tractou d'uma maneira erudita e agradavel a historia da creação,
da qnéda do homem, da redempção, do estabelecimento, propagação e
conservação do christianismo; em summa, que esta obra, ornada de tam
modesto ,titulo, todavia contém solidas instrucções sobre o dogma, a mo-
ral e a liturgia da Igreja catholica, e constitue só de per si uma biblio-
tbeca religiosa que desejaramos andasse nas mãos de todos os fieis e dos
padres da nossa diocesse.
Paris, 25 de Janeiro de t 8~0.
t N. =A., BISPO DE GAP.
Eleito para o Arcebispado d'Auch.
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APPROVAÇÃO DE SUA Ex.ª O BISPO DE SAINT-FLOUR.
Bispo de Saint·Flour .
•
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APPROVAÇÃO DE snA Ex.ª o ARCEBISPO DE REIMS.
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APt>ROVAçAo. DE 8UA Ex.ª o B1sPo n'AGEN.
Deyche
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zero desejar ardentemente vêl-a nas mã0s não só do clero, mas de to·
das as familias christãs da nossa diocese. O Catecismo de Perseverança
basta só de per si para esclarecer amplamente os simplices fieis de nos-
sas provincias, e para fornecer aos padres encarregados das funcções
pastoraes assumptos de instrucção solida tanto na moral como no dogma
da Religião, e até na liturgia da Igreja.
t ÁN'f.
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instrucções que tanto importa dar aos meninos depois da primeira com-
munhão, afim d'assegurar a sua perseverança.
Dada em Nevers, sub ·o nosso signal e sello de nossas armas, refe-
rendada pelo secretario do nosso bispado, a t 5 de Fevereiro de t 8,5.
Do&nNGOS AGOSTINHO,
füspo de Nevers,
Por mandado
Delacroix
Conego secretario.
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PROLOGO.
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li PROLOGO.
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PROLOGO. III
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IV PROLOGO.
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PROLOGO. V
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VI PROLOGO.
Este mesmo titulo, por muito vulgar que vos pareça, não deixa 4e
ser poetico. Elle recorda-vos o começo das duas grandes epochas da
humanidade : a era dos Patriarchas e a era dos primeiros christãos, a
tenda mobil de Sennaar e as catacumbas de Roma: se no mundo ha me-
morias poeticas estas o são mais que todas; saudosas epocbas em que
a verdade não tinha outro interprete que a voz respeitavel do ancião ..
ou a voz mais respeitavel ainda do Pontifice consagrado pelos estigmas
do martyrio.
Ainda ba outras pessoas a quem ouzamos dedicar esta obra.
Nas idades mais avançadas da vida, muitos homens ha que não
tem ouvido fallar do christianismo senão vagamente. Sobre tam impor-
tante objecto apenas teem idêas confusas, noções incompletas. Outros
mais desgraçados ainda não conhecem a Filha do Ceo senão por calum-
nias e prejuizos, funesta herança do passado seculo, e da primeira edu-
cação que tiveram. Todavia sentem n'alma a imperiosa necessidade de
crér e amar.
Semelhantes aos romanos do segundo seculo, ·(1) na prosperidade
oontentam-se com levantar os olhos para .o Capitolio ; a adversidade po-
rém vem assentar-se-lhes no liminar da porta; então, alevantados os olhos
para o ceo, são christãos um momento. Infelizmente, como o seu chris-
tianismo não repousa nas bases firmes d'uma convicção profunda, que só
póde ser o fructo ·d'uma instrucção solida, os seus bellos sentimentos
desvanecem-se com os seus receios e sofirimentos.
De todos estes homens, que formam o nosso seculo, qual é pois
a grande necessidade, senão uma vasta e completa exposição da fé"
Intentamos dar-lh'a. Aqui, nem ha polemicas, nem expressões amargas;
mas tam sómente a historia do christianismo.
A vós pois esta obra, homens quem quer que sejaes, que erraes sem
estrellas nem bussola no mar tormentoso da vida, sem saber d'onde vin-
des, o que sois, e para onde ides; vós todos, cujo coração, theatro per-
manente de lactas inexplicaveis, é a cada instante victima de crueis
desenganos, ah ! e talvez d'inconsolaveis dôres.
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PROLOGO. VII
Philosopho inspirado, este livro será para vós uma revelação do inti-
mo ao intimo: terno consolador, derramará em vossas feridas um bal-
samo salotifero : piloto experiente, difigir-rns-ha, qual baixel no oceano,
a essas praias onde já não ba suspiros nem lagrirnas.
Silencio por um instante ! podereis acaso recusar-vos a ouvir-nos 1
nós vamos fallar de Deus e de vós.
Ei&-aqui o plano que havemos seguido.
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Interrogado S. Agostinho por um Diacono de Carthago: qual era a
melhor maneira d'ensínar a religião ? respondeu escrevendo o seu admi-
ravel lractado: De catechizandic rudibus. (1)
« A. ''erdadeira maneira d'ensinar a religião, disse o grande bispo
d'Hippona, é remontar-nos a estas .palavras: No principio creou Deus o
ceo e a terra, e desenvolver toda a historia do Christianismo até os nossos
dias. Não digo que seja preciso reproduzir d'uma extremidade a outra
tudo o que está escripto no antigo e novo testamento: seria isso taro im-
possível como desnecessario. Fazei um resumo : insisti no que vos parece
mais essencial, passai de leve por tudo o mais. D'est'arte, nem sobrecar".'
regareis a memoria do discípulo ; nem, com um estudo prolixo, esfriareis
o ardor que deveis inspirar-lhe.
« Ora, para levar atado todo o fio da historia, cumpre·nos advertir
que o antigo testamento é a figura do novo: que toda a religião mosa\ca,
os Patriarchas, suas vidas~ suas allianças, seus sacrificios são outras tantas
figuras do que vêmas hoje; que todo o povo judaico e o seu governo
não é mais que um grande propheta de J. C. e da Igreja. » (2)
(1) Maneira de ensinar a religião aos ignorantes. ·
(2) Narratio plena est cum quisque primo catechizatur ab eo quod scdptum
est, ln principio fecit Deus crelum et terram, usque ad prresentia tempora Ecclesire·
Non tamen debemus totum Pentateuchum totosque J udicum et Regnorum et Esdrro
libros ... narrando evolvere et explicare: · quod nec tem pus capit, nec uila necessitas
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X INTRODUCÇÂO.
postulat; sed cuncta summatim, generatimque complecti, etc etc. Cap. III~ N.• 5
et aeqq.
Quapropter in veteri Testamento est occultatio novi, in novo Testamento ést
manifestatio veteris. - ld. n. 8.
Denique universa ipsa. gene totumque regnum prophetia Cbristi, Cbristianique
regni. =Contra Faust. lib. 22 et pasaim.
(1) Hac ergo dilectione tibi tanquam fine proposito quo referas omnia q.ure di-
cis, quidquid narras ita narra, ut ille cui loqueris aadiendo credat, credendo speret,
sperando amet -Aug. de Catechiz. ruà.
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INTRODUCÇÃO. XI
1.
PRIMEIRO ANNO.
res de ·fogo na fronte de cada uma de snas creaturas. Tudo nos revela
a unidade, o poder, a sab0doria, a bondade, a providencia paternal
d'este grande Ser que vela com igual cuidado os. globos immensos com-
(1) Ubi eras quando ponebam fundamenta terrm, cum me Jaudarent eimul as-
tr& matutina, et jubilarent omnes filii Dei? Job. XXXVIII.
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XII INTRODUCÇÃO.
(1) Interroga jumenta, et docebunt te; vo1atilia creli, et indicabunt tibi. Lo-
quere terrae, et narrabunt pisces maris. Quis ignorat quod omnia haec manus Do-
mini fecerit ? Job. XII.
(2) Vide os ~eus hexaemeron e seus sermõ~ sobre o Genesis.
(3) Serm. 1 iu Gen.
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INTRODUCÇÃO. X.III
-
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XIV INTRODUCÇÃO.
• ..J
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JNTRODUCÇÂO. XV
bem e do mal. (1) Tal a homenagem que o Senhor exige de seu nobre
vassallo. E' ella excessiva? Da fidelidade de nossos primeiros pais está
pendente, em toda a extensão da palavra, a felicidade sua e de seus
descendentes.
Aqui fallamos desta felicidade que houvera de ser a nossa herança,
isto, é, do estado do homem antes da sua quéda.
t. º Esr ADO PRil\IITIVO - Creado pois em um estado de graça e
de justira sobrenatural, conhecia o homem claramente a Deus, a si mes-
mo, e a natureza toda; isto no que toca a intelligencia. Nascida para
conhecer, como os olhos para vêr, estava pois satisfeita a intelligencia
do primeiro homem. Logo a este respeito, era feliz.
Por lado do coração, amava elle a Deus com um amor vivo,
terno, puro e tranquillo, e em Deus e por Deus amava-se a si e a to-
das as creaturas. Nascido para amar, 'como o fogo para arder, estava
tambem satisfeito o coração do homem. Logo, a este segundo respeito
era feliz.
Isento de enfermidades e -doenças, jámais devia experimentar
a morte ; por consequencia era feliz no que respeita ao corpo. Em
summa, unido ao Ser que é de si mesmo a origem da felicidade e
immortalidade, o homem participava da felicidade e immortalidade na "
plenitude da sua natureza.
D'aqui no estado primitivo, resultava para Deus, sem resistencia,
o exercicio do seu imperio sohre o homem. e sobre todas as creaturas
por meio do homem : omnia in omnibus. D'a1ui, para o homem, a ver-
dade, a charidade, a immortalidade; d'aqui, entre Deus e o homem uma
união intima ; d'aqui emfim para Deus a gloria, para o homem a paz,
para a creação toda a harmonia e a ordem. (2)
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XVI INTl\OOUCÇÁO.
E' então que -retumbava por todo o universo aquelle delicioso cantico
que os Anjos,. quarenta seculos depois deveriam outra vez ensinar-nos,
quando o Desejado das nações viesse a reparar a sua obra: Gloria seja
a Deus nas alturas, e na terra pàz aos homens de boa vontade. (1)
2. 0 QUEDA E REDEMPÇÃO --- Tal era o homem, tal o estado do
mundo, nos dias da innocencia. Pouco tempo se nos vai a estudar esta
pagina da noss·a historia; pagina sim, que é de mais para escrever a
felicidade do hometn sobre a teITa, eis que chegamos á terrível catas-
trophe, cuja recordação é ao mesmo tempo tam profunda, tam universal
que a ileparamos no primeiro capítulo das tbeologias de todos os povos.
O homem cahiu 11
A esta queda fatal, escapa-se-nos dos labios um dilatado gemido, ai
e
de nós 1 ai de nós t mil vezes desgraçados de nós t é o que podemos
dizer meio suffocados de dôr. Todavia, eis qne lá se ouve um brado no
devolver dos seculos ·: Ditosa transgressão t e breve o Omnipotente nos
fornece a justificação de tam estranho grito.
Com effeito, longe d'exterminar para logo a raça humana como bem
o merooêra, longe de tratar ao homem como fizera aos Aujos, concede-
lhe Deus a prova do t'OOlpo para se rehabilitar. Ainda mais, prodigaliza-
lbe superabundantes meios de rec0perar os bens que perdêra por sua
culpa, e lucrar muito maiores ainda. A quem deve o homem um favor
tam mal merecido ? Eis ahi começa o Brande mysterio da miseri-
cordia.
Do mesmo modo que a Trindade Santíssima se cónsultára para crear
o homem, assim para o salvar se aconselllam entre si as tres Divinas
Pessoas. O Verbo eterno otferece-se ao Pai e se faz a.victima do bomem
tur. Unde homo primus non impediebatur per res exteriores a clara et firma con-
templatione intelligibilium effectuum quos irradiatione primae veritatis percipie-
bat sive naturali cognitione, sive gratuita. Unde dicit Aug. in 1I Gen. a.d litt.
33, quod forta.'Ssis Deus 'p timis hominibas antes loquebatur, sicut ~um a.ngelis lo-
quitur; ipsa ineommn.tabili veritate illustraMI me:ates eorum, etsi non tanta pál'ti-
cipa.tione divinae · eseenti·ae quantum capiu'lit &ngen. D. Th. q. 94, art. 1.
O Anjo da escóla desereve depois mui largamente se pretogatiivas do homem
innoeente : o que dizemos aqui e n'outr~ pMtes 11ão ,é tnais que o resumo.
(1) Luc; II. 14.
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INTRODUCÇÃO. XVII
culpado : sua medeaçã_~ é acceite. Para logo teve seu effeito o sacrificio :
a graça concede-se com novos priviJegios. Ata-se de novo o laço que an-
tes do peccado unia o homem a Deus. Esta reunião ou antes esta se-
gunda união, da qual Jesu-Christo é o Medeador, chama-se Religião. (t)
Por aqui se vê que a Religião em· todas as suas partes não é mais
que uma grande graça diversificada de tnil maneiras; os seus dogmas,
preceitos, sacramentos, as ceremonias todas do seu culto tam variadas
e tam beJlas, são como outros tantos canaes por onde correm as aguas
do manancial perenne da graça para o nosso espírito, o nosso coração,
os nossos sentidos. Nem é sem razão que assim expomos a religião (les-
de o seu comêço, encarando-a por iesta face tam justa e capaz de mover
o coração. E' que muitas vezes, a ignorancia, e mais as inclinações más
do homem, querem-lhe persuadir que a religião é um jugo, uma dadiva
penosa e funesta feita ao homem : muitos, n'esta deploravel persuasão,
não se sujeitam senão por força e por mêdo ás salutares préscripções da
fé ; outros, por máior desgraça, as abandonam escancaradamente ou se
ficam para com ellas n'mna criminosa indifferença.
Por aqui se vê tambem que a Religião de Jesu-Cbristo, ou o Chris-
tianismo, é tam antigo como a que~a do homem. (2) D'est'arte se faz
(1) E' esta a explicação de S. Agostinho nas suas Retractações.
(2) Segundo graves theologosi, o Christianismo remonta-se ainda. mais alto.
Ensinam elles que o homem não fôra creado n'um estado sobre-natural senão por
causa do meri,to do Verbo, cuja incarnação devêra effeituar-se inda na suppo ição
que o homem nao houvesse peccado. Bento XIV auctorisa formalmente esta opi-
nião; eis as suas palavras; "Merito Sixtus papa. IV animadvertit in nomrnllos theo-
logos qui censura afficiebant opinionem in bis versiculis contentam : Peceatores non
abhorres sine quibus nunquam fores digna, tanto filio; teste Diago. lib. 1 Annal. e.
33, ubi sensum dicti PontHicis exponit bis verbis: Cum duplex sit opinio catholi-
corum doctorum circa causas proocisas incarnationis ; altera quod si Adam non
peccasset. Dei Filias carnem non sumpsisset, a:ltera, quod etiam si humana n~tura
in Adam non fuisset lapsa, adhuc divinum Verbum factum fuisset homo, et utraque
opinio pietati, fidei, auctoritatibus et rationibus subsistat, atque prio1·i opinioni
versus innitantur : dicimus quidquid contra ipsos attentatum fuerit, temerarium,
proosumptuosum et prena dignum fuisse.• De Canonizat. et Beatif. Sanct. lib. 2.
e. 28, n. 10. - Todos sabem que Bento XIV é um dos papas mais sabios que tem
subido á cadeira de S. Pedro, e que elle mesmo approvou o seu tratado da canoni-
sação dos santos, composto quando era ainda arcebispo de Bolonha.
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xvm INTRODUCÇÃO.
paJpavel esta verdade que tanto releva apregoar nos nossos dias, que o
Christianismo é a religião de todos os seculm~; que nunca houve, nem
haverá no futuro outra; porque no estado da natureza decahida, não ha
religião possivel sem Medeador, e não ha outro Medeador. senão Jesu-
Christo, porque não ha outro Homem-Deus senão elle. (t)
E' por isso que nos occupamos aqui a escrever algumas paginas
sobre a ~ertesa da Revelação, a verdade e necessidade da Religião, e
a obrigação iwposta a todos os homens ricos ou pobres, em corpo de
nação ou como particulares, de guardarem esta grande lei ; e a louca,
criminosa, desgraçada indifferença que conduz acceleradamente o mun-
do moderno a esta inevitavel ·alternativa : ou de se abysmar nas san-
guinolentas saturnaes da anarchia, ou cahir debaixo do jugo do mais es-
pantoso despotismo que jamais opprimiu o genero humano.
Restabelecer e aperfeiçoar a união primith a do homem com Deus,
tal é pois a missão do l\fedeador. Para o conseguir, deve elle apagar
o peccado do mundo, o peccado que bastou a desconcertar o plano
divino. A fim de satisfazer a eterna justiça, será expiador; para repa-
rar em toda a natureza do homem os funestos estragos do peccado,
será doutor, modélo, medico. O genero humano triumphará plenamente
em soa pessoa do peccado e suas consequencias, como na pessoa do
primeiro Adam tinha desgraçadamente triumphado o peccado do homem
no espirito, no coração e no corpo.
Ora, como é evidente que a nossa união com o primeiro Adam nos
torna desgraçados e culpados; (2) assim a nossa união com o segundo
Adam evidentemente nos salva. O fim. da nossa vida n'este mundo, o nos-
so trabalho todo reduz-se pois a unirmo-nos com Jesu-Christo por uma
união completa e permanente ; começada na terra, consummar-se-ha ella
(l) Nec enim aliud nomen est sub crelo datum hominibus, in quo oporteat nos
salvos fieri. Âct. IV, 12. Unus enim Deus, unas et mediator Dei et hominum
homó Christus Jesus./. Tim. II, 5.
(2) Sicut revera homines, nisi ex semine Adre propagati nascerentur, non nas-
cerentur injusti; cum ea propagatione, per .ipsum dum concipiuntur, propriam in-
justitiam contrahunt: ita, nh!i in Christo renascerentur, nunquam justifica.rentur.
Concil. Trident . sesa. V. cap. 8.
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,.. -· - ·· - .
INTRODUCÇÃO XIX
no ceo, onde sómente, como nos tempos primitivos, Deus será ~udo em
todas as coisas.
Tal é, em poucas palavras, o plano divino da redempção humana.
Este admiravel designio, não o patenteou Deus todo a um tempo ;
quiz pouco a pouco desenvolver as consequencias e preparar-lhe a exe-
cução. Cumpria álem d'isso que o homem aprendesse por uma longa
experiencia, a necessidade que tinha d'um Redemptor. Todavia, a sabedo-
ria e a bondade divina assaz lhe dizem, segundo os tempos e as circums-
tancias, para o consolar em sua desventura, alimentar sua confiaHça, e
fazer sobrenaturaes as suas obras, sem comtudo lhe tirar o merito da fé,
nem deslumbrai-o pelo excessivõ fulgor .da sua luz. Proporciona-se Deus
ás necessidades e ás forças do homem ; faz resplandecer o sol da reve-
lação como o sol que illumina o mundo phisico, insensivel e gradualmen-
te. O esvaido crepusculo d'alva prepara-nos os olhos para os raios
mais vivos da aurora ; estes dispoem-nos para supportar os fulgurosos ar-
dores do meio dia. O mesmo se observa no mundo dos espJritos ; e não
sejamos nós que intentemos apartar-nos em nossas explicações d'esta or-"
dem provdencial, cujo author é Deus. ,
Portanto, começando da origem dos tempos, seguimos pelo de-
curso dos seculos a manifestação progressiva do grande mysterio da
nossa Redempção. Como elle se funda todo em Jesu-Christo por vir ou
em Jesu-Christo vindo, assim tambem é Jesu-Chrjsto a quem buscamos,·
seguimos, e mostramos -por toda a parte, desde a primeira até á ul-
tima de nossas lições. Os factos historicos não são senão a intimà-Únião
entre as promessas~ as figuras e as prophecias. O que sobresabe, avul-
ta, e vredomina em cada uma de nossas instrucções é a augusta ima-
gem do Messias.
D'esta sorte cumprimos nós o voto de S. Agostinhoj o qual pre-
tende que em todo o Antig<!> Testamento não se veja mais que Jesu-
Christo. (t) Cordeiro immolado desde o principio, Herdeiro de todo o
mundo antigo, e Pai do seculo futuro ; Pedra angular que une o novo
tl) Omnis Scriptura Chiistum narrat et charitatem docet ... Tota Lex gravi-
da erat Christo. Aug. Contr. Faust.
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XX INTRODUCÇÃO.
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INTBODUC~ÃO. l,Xl
· Esta primeira promessa foi por doos mil annos a uaica esperança
do genero humano ; e supposto que mui generica bastou a alimentar
por então a coragem dos justos, e tornar meritorias as suas obras. A
segunda promessa determina a primeira. Feita como. foi a Abraham, fi-
xa-nos exclusivamente na posteridade do Santo Patriarcha. A' proporção
q3e os seculos se adiantam e o homem se torna apto para mais claros
conhecimentos, as promessas soccedem,.se cada vez mais formaes e de-
terminadas. E' maravilhosa esta longa serie de divinas promessas que,
desenvolvendo-se mutuam~nte, assim nos conduzem como pela mão da
generalidade das nações a um povo particular, d' este .povo a uma de
suas tribus, d'esta tribu a uma só familia. Chegado aqui, Deus pa-
rou; acabam-se :ls soas promessas, mas nem por isso as nossas incer-
tezas.
Verdade é que o homem tem já a wrteza d'um Redemptor, e que
este Redemptor sahirá da familia de David; mas n:'esta familia de David
que havia de existir sem confundir-se oom nenhuma outra até á
ruína de Jerusalem e da nação judaica, isto é, pelo espaço de mais
de mil annos, havia muitos ramos. Logo se não viessem esclarecer-nos
novas luzes, impossivel nos seria reconhecer entre tantos outros este
filho de David que ha-de salv~r o mundo ; e eis o genero humano
exposto ou a repellir o seu Redemptor quando venha a estender-lhe •
mão para o levantar da sua queda, ou a seguir o primeiro impostor
da casa de David que se attribuir o nome de Messias : a difficuldade
é gravissima, mas soceguemos que Deus a previu; elle nos dará o
signal por onde reconheçamos este filho de David ao qual o mundo de-
verá a sua salvação.
4.º O MESSIAS ASSIGNALADo.-Aqui, bem como nas promessas,
mostramos qµe Deus se ~ccom.moda á fraqueza do homem, dando-lhe
a ~onhecer a ver.d.ade gradualmente e por uma g,raduação insensivel.
Assim lhe desenvolve a intelligencia como os membros do corpo.
A principio os signaes do Libertador são debuxados em figuras.
Desde Adam até Jonas, espaço de mil annos, apparece uma longa se-
rie de personagens que representam todas o Messias em algumas cir-
cumstancias de seu nascimento, morte, resurreição e triumpho. · Deus
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XXII INTRODUCÇÃO.
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INTRODUCÇÃO. XXIII
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XXIV INTRODUCf.ÃO .
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INTl:\ODUCÇÃo. xxv
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XXVI INTRODUCÇÃO.
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l~TRODUCÇÃO. XX VII
Deus vivo ?» Por onde claramente se mostra, que os Judeos não separa-
vam a idêa de filho de Deus da idêa de Christo. Outra vez, admira-
dos que Jesus lhes fallasse da sua morte, exclamam : «Pois o Christo
não deve vi \'er eternamente? t)
1) (
(1) João. 12. 34. A Sinagoga considerava o Messias esperado como uma das
tres pessoas divinas de Jehova, hypostáticamente unido á natureza humana, forma-
do milagrosamente no seio puro e immaculado d'uma Virgem, da Virgem annuncia-
da seis centos annos antes pelo Propheta !saias. Ta.as são as palavras de M. Dra-
cb, antigo rabino convertido, bibliotecario da propaganda, na sua obra impressa
em Roma, no anno de 1840, por ordem do N. S. P. Gregorio. XVI, do divorcio em
ii Synagoga, pag. 15. Vejam-se tambem as provas da divindade do Messia8, tiradas
das tradições antigas, pag. 385 e seguintes, pelo mesmo author.
(2) Act : X, 14,
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:X.XVIII INTRODUCÇÃO.
sorte, o Verbo eterno, o Rei immortal dos Seculos, o Desejado das Na-
ções, estando prestes a fazer sua entrada no mundo, seu Eterno Pai,
aplana-lhe todos os caminhos, abre-lhe todas as portas, prepara-lhe
os animos para o receber, e faz convergir todos os snccessos ao estabe-
Jecimento do seu reino eterno. Admiravel preparação, grande e mages-
tosa, que começa a fazer-se sentir desde a vocação d'Abraham; mas
que se torna evidente quinhentos anoos antes da chegada do grande
Rei 1
Aqui desenvolvemos o plano divino mostrando, com a authori-
dade dos Prophetas, que todos os successos politicos anteriores ao
Messias, e mórmente os quatros grandes imperios que, segundo Da-
niel, deviam preceder a sua vinda, concorrem, cada um por seu mo.:.
do, a preparar o reino d'este Desejado das Nações, por quem e para
quem tudo foi feito.
Ora, se considerarmos que estas quatro grandes monarchias não
se levantaram senão pelo decurso dos seculos ; que foram preparadas
por uma aHuvião rle successos, guerras, victorias e allianças, de que o
Oriente e o Occidente foram theatro desde a mais alta antiguidade; e
que estas monarcbias se desenvol.veram absorvendo todos os ·outros im-
perios ; claramente vêmos que ellas conduziram o mundo inteiro aos
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lNTRODUCÇÂO. XXIX
(1) Hebr. : 1, 2. .
(2) Tota. lex gravida erat Christo. - O mesmo diz S. Jeronimo por estas pa-
lavras: aToda a economia do mundo visivel ou invisível, antes e· depois da crea-
ção, referia-se ao advento de Jesu-Christo á terra. A cruz de Jesu-Christo é o api-
ce para onde tudo converge, o summario de toda a hi~toria do mundo,,, Comment.
sobre as Epistolas de S. Paulo.
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xxx INTRODUCÇÃO.
II.
SEGUNDO ANNO.
(1) Sinite parvulos venire ad me: Mar: 10. E' assim que Jesu-Christo cha-
ma a si os pequeninos, e nos diz que a verdade é um bem que deve pertencer a
todos. Certo que seria, e de que serviria a verdade, se houvera de ser a herança
exclusiva d'alguns homens privilegiados pela fortuna ou pelo genio ? A verdade
que não pertence ao genero humano é uma nullidade e~ si mesma. Nota do Tra-
ductor.
(1) Quapropter in Veteri Testamento est occultatio Novi, in Novo Testa-
mento est manifestatio Veteris. De Catech. rud.
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INTRODUCÇÃO. XXXl
(1) Ilia. nobis cxpectanda sunt, in quibus perfectio, in quibus veritas est.
Hic umbra., hic imag<t, illic veritas. Umbra in lege, imago in Evangelio, veritas
in coelestihus. Ambr. de Offic. lib: 1, e. 48.- Status novae Legis medius est in-
ter statum veteris Legis .... et inter statum gloriae.- Lex vetus est via ad Le-
gem novam, sicut Lex nova ad coo]estem Ecclesiam, seu ad crelestem biera1·cbiam.
D. Th. passim.
(2) Et eá qure ad mysteria Christi pertinent, tanto distinctius cognoverunt,
quanto Cbristo propinquiores foerunt. D . Th. 2, q. 2, art. 7.
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XXXII INTRODUCÇÃO.
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INTRODUCÇÃO. xxxm
preparações litteralmente cumpridas em Nosso Senhor Jesu-Cbristo, são
as magnificas premissas, e do qual a divindade do Salvador é a neces-
saria consequencia.
Demais, pelo exame dos factos exteriores, mostramos que r_fosso
Senhor é veracissimamente o Messias promettido ao genero humano, e
esperado por todos os povos.
O primeiro facto é que desde o dia do seu nascimento, a expecta-
tiva do Messias reparador do homem, universalmente. vulgar.isada como
confessam os mesmos incrédulos, tambem acabou em todas as nações,
excepto tam sómente na Judaica. Mas admiravel cousa l esta mesma ex-
cepção redunda toda em nosso favor. Estava formalmente predicto que
(IS Judeos não reconheceriam o Messias quando elle apparecesse (l), de
sorte que se por tal o houvessem reconhecido, Nosso Senhor Jesu-
Christo não seria o Messias. Assim é que tudo conspira para dar uma
inabalarel certeza á sua divindade.
O segundo facto é, que Nosso Senhor cumpriu realmente, em toda
a sua extensão, a missão do Messias prom.etlido, Desejado das nações.
Por quanto, que de\·ia fazer o :Messias? uma cousa sómente, mas que
abrange tudo : apagar o peccado do mundo, (2) ou segundo a palavra de
Deus á primeira mulher: esmagar a cabeça da serpente. (3)
Ora, mostramos que Nosso Senhor apagou o peccado. Em relação
a Deus ; clle prestou uma homenagem infinita a sua magestade, e uma
satisfação infinita a sua justiça.
O presepio e a cruz são d'isto evidentes provas. Em relação ao ho-
mem ; foi elle obediente até á morte, e morte de cruz, afim d'apagar uma
desobediencia infinita. Em relação a Deus e ao homem, foi homem e Deus
a fim de reunir da maneira mais intima aquelles mesmos a quem o pec-
cado tinha separado.
Elle reparou todas as consequencias do peccado; a ignorancia, a concu-
piscencia, a morte : na sua pessoa, o homem conheceu a Deus p01·feita-
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XX XIV INTRODlJ CÇÃO.
(1) Galat. V, 2.
(2) a Toda a sciéncia da Religião, diz S. Agostinho, toda a fé christà consiste
propriamente em o conhecimento do primeiro e do seguodo Adam; o que herdamos
d'aquelle, o que recebemos gratuitameute d'e te· a natu reza cabida em Adam, a
natureza reparad a em J. C. ; eis ahi toda a Reli iao. » Do peccado ori g . p . 265.
(3) Rom. V. I. Cor. XV. Ephes. IV - Veja-se tambem o concilio de Trento
já citado.
(4) Omnes erant unus Adam. Aug.
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IN'fRODUCÇÃO. xxxv
(1) II Petr I, 4. I Cor. XV. 49. Hrbr. Ir, 14; Id. III, 14.
(2.) 8icut fuit vetus Adam effusus per totum hominem ot totum occupavit ; ita
modo totum obtineat Cbristus qui totum creavit, totum redemit, totum et glorifica-
bit. Bern. Serm. IV, de Aveut. n. 2 e 3
(3) Per virtutem perficitur homo ad actus quibus in beatitndinem ordinatur.
Est autem duplex hominis beatitudo, sive felicitas. Una quidem proporcionata hu-
mn.nre naturre, ad quam scilicet homo pervcnire potest per principia suae naturae.
Alia autem est beatituuo naturam horninis excedem'I, ad quam humo sola. divina vir·
teute pervei:i.i·e pote3t, secundum quamdam dh·iuitatis participationem, secundam
quod dicitur II Petr. 1, qnod per CJhristum factí sumus consortes divinae naturae.
Et quia hujusmod i beatitudo proportionem humana.e naturae excedit, principia
naturalia homini , ex quibu procedit ad bene agendum, secuudum uam propor-
tionem, non sufficiuot ad ordiua11dum hominem in beatitudinem praedictam; unde
oportet quod superaddantur hornioi divinitus aliqua principia, per quae ita ordinetur
ad beatitudinem supernaturalern, sicut per principia naturalia ordinatur ad fidem
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lXXVl INTRODUCÇÃO.
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INTRODUCÇÃO XXXVII
(1) Entre outros, Clemente VIII, 15 de Julho de 1595; Bento XIII, 17 d'Agosto
1728.
(2) Quidquid narras it11 narra ut ille cui Ioqueris audiendo credat, credendo
speret, sperando amet .•. divinam coelestemque rempublicam, cui nos cives adsciscit
fides, spes, charitas. - Quando omnis terra canüt canticum novum, domus Dei est.
Cantando aedificatur, credendo fundatur, sperando erigitur, diligendo perficitur, modo
ergo aedificatur: sed in fine seculi dedicatur. De Catechis. rud. Epist., class. III, t.
II, p. 622; Serm. XXVII, t. V, p. 206, cap. 1.
Bellarmino apoia o seu plano sobre o ultimo texto de S. Agostinho; mas modi-
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XXXVIh lN'fRODUCÇÃO.
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l~Tl\ODUCÇÃO. XX.XIX
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INTl\ODUCÇÃU.
de todos estes ráios diversos produz o sol da verdade, ante a qual desap-
parecem touas as trevas, como as sombras da noite diante do astro do
dia;
Examinem o Symbolo catholico com imparcialidade, e digam-nos de~
pois se é possível achar ahi cousa mais completa, veneravel, utii, e conso-
ladora 'l
Povos modernos 1 que tam ufanos andaes com os vossos conhecimen-
tos, reparai bem que é ao Symbolo catholico que deveis a vossa superio-
ridade intellectu:il sobre as nações pagãs d'ontr'ora e d'hoje; a elle é que
deveis o estardes liues dos erros grosseiros, e superstições infames que
aviltavam o Senado e o Areopago. E' elle que, ao dogma desesperado do
cego destino e da inexorJvel fatalidade, substitniu a consoladora crença
d'uma providencia universal, que rege o mundo e vela o homem, como
o homem mesmo a pupilla de seus olhos. Digam-nos agora que os dogmas
christãos são inuteis ou contrarias á razão l
Este Symbolo sendo como é a verdade, a intelligencia que o aceita.
recebe por tanto alguma cousa de Deus. ('1) Os pensamentos divinos do
novo Adam substituem-se ã triste herança do primeiro, aos nossos huma·
nos; falsos, incompletos pensamentos. E' assim que se opera a nossa união
ou antes a nossa transformação intellectual em o Redemptor. N'este pri-
meiro ponto de vista, cada crente póde dizer : Já não sou eu, filho do
velho Adan, que vivo, é Jesu-Christo que vive em mim.
5.º UNIÃO no HOl\IEM col\I o 1\'0Yo ADAM PELA EsPEilANÇA. - Aca-
bamos de vêr quanto são magnificas as operações da fé na intelligencia.
Antecipando o futuro, a me;1sageira da eternidade annuncia ao peregri-
no do tempo a substancia das realidades futuras ; (2) ella lhe patentêa
(1) Lex tua verite.s. Psalm. 142. Non minus est verbum Dei quam corpus
Christi. Ag. in Gen.
(2) Est autem fides speranãarum substantia rerum, argumentum n on
appareutium. Ad. Heb. XI, I. S. Tbomaz explica assim estas palavras: Ues
sperandae sunt sicut arbor in semine virtute latens, ac per fidem quodammodo
jalil existunt in nobis. - Vide tambem Cor. a La.pid. in Epist. ad Hebrae.,
e. XI; 1.
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INTRODUCÇÃO. XLI
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- -- --- · -
XLll l!\TRODUCÇÃO.
(1) Gratia nihil aliud est quam quaedam inchoatio gloriae in nobis. S. Th. p.
2, q. IV, art. III ad 2.
(2) Diceudum qnod homo post peccatum ad plura indiget gratia, quam ant~
peccatum, sed non magis; quia homo etiam ante peceatnm, iu<ligebat gratia ad vi-
tam reternam consequendam, qn:e est pri11cipalis necessitas grat.ire. 8ed homo post
peccatum super hoc indiget grat.ia, etiam ad peccati r~rnissionem, et infümitatis
sustentationem. D. Th. Summ. p . 1, q. 95, art. 4, ad I.- Quia et divina gratia
Dei sit et largitio quodammodo ipsius diviuitatis. Cassian. de lncarn. Chr. l. u, C-
6 - Sic igitur per hoc, quod dicitur ho1J10 gratiam Dei haliere, significatur quid-
dam superna.turale in homine a Deo proveniens. D. Th. Summ. p. 1. q. 110
a.rt. 1.
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l~TRODUCÇÃO. XLlll
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XLIV INTRODUCÇÃO.
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INTRODUCÇÃO. XLV
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XLVl INTRODUCÇÃO.
refere a elle e ã nossa união com elle; desde o instante da quéda ori..
ginal do homem, não houve jámais salvação para elle senão em a sua
união com Jesu-Christo, debaixo dos tres pontos de vista possíveis, que
são a fé a esperança e a charid2de; o que tudo se reduz á Commanhão.
·o Judeo podia e devia crêr em Jesu-Christo wnturo, podia e devia es-
perar n'elle, podia e devia alílar, emfim podia e devia communicqr com
elle, participando das victimas que o representavam. ('1) Esta Communhão
figurativa, como todo o cul~o ant:go, não era mais que a sombra de uma
Communhão real, reservada á lei da graça. D'aqui n .m esta bella expres-
1
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INTRODUCÇÃO. XLVII
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XLVIII INTRODUCÇÃO.
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INTRODUCÇÃO. XLIX
fazer? Sem contradicção, este Deus que elle recebe de passagem e oc-
culto em véos; estes novos Ceos ; esta nova terra da eternidade, todos
estes bens sobrenaturaes, que a fé lhe mostra ao longe, e que a espe-
rança lhe promette; attrahem o homem, com uma força invencível, a se
unir a elles de uma maneira completa e permanente; a se identificar com
elles, para vir a ser rico em todas as suas riquezas; ditoso em todas as
suas felicidades ; perfeito em todas as suas perfeições ; e tudo isto com
uma permanencia eterna, onde o receio da separação não possa jámais
destruir a sua completa bemaventurança. Crêr não lhe ijasta, esperar não
lhe basta ainda, nem tam pouco possuir imperfeita e transitoriamente :
elle quer gozar completamente, goz;ir eternamente ; porque o gozo é a
união, a união é o amor, e o amor é a mais nobre, a mais imperiosa, a
primeira e ultima necessidade do homem, o primeiro e ultimo preceito
do novo Adam, o fim da Lei e dos Prophetas, o termo da fé e da espe-
rança, o vinculo supremo da perfeição na terra, a essencia da bemaven-
turança no Cco. D'aqui, a bella expressão de S. Bernardo : « Com razão
o Apastolo definia a fé : a substancia das cousas esperadas. Com effeito,
é tam impossivel esperar o que se não crê, como pintar em o vacuo. A
fé diz pois : Deus tem preparados bens ineffaveis aos seus fieis. A espe-
rança diz: elles me estam reservados. A charidade diz: eu corro a apo-
derar-me d'elles.» (J)
D'aqui se vê que a fé e a esperança não são mais que meios d'al-
cançar a charidade ; logo é evidente que o homem não póde nem deve
parar n'estas duas virtudes: o novo Adam chama-o a uma união mais
perfeita. Quanto á Communhão, ella é tambem um meio mas não um
fim ; é um alimento destinado a reparar as forças do homem que de-
ve trabalhar.
O homem n'este mundo é um jornaleiro que ainda não acabou
o dia. Quando está cançado na lucta do bem, no trabalho da virtude,
vem refazer as forças pela Communhão; depois, ao levantar-se da di-
vina Mesa abrasado em ardor, torna para o trabalho, e este trabalho é
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L INTRODUCÇÃO.
(1) Hac est enim charita!! Dei ut mandata ejus custodiamus: et mandata ejus
gravia non sunt. 1.ª João. V, 3.
(2) Expre!são dos livros Zends.
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INTRODUCÇÃO LI
amor dá-se-nos por meio do Decalogo. Este sagrado Codigo é a lei or-
ganica da caridade ; regular a sua manifestação, nutrir e proteger o amor
de Deus contra tudo que o poderia diminuir ou extinguir, tal é a sua
intenção e o seu fim.
D'aqui vem a5 duas especies de preceitos do Decalogo: os pre-
ceitos atfirrnativos e os preceitos negativos. Pelos primeiros ensina-nos
o novo Adam o que devemos amar e de que modo, isto é, que deve-
mos amar a Deus e ao homem por amor de Deus. O primeiro Adam
tomou-se desgraçado a si e .á sua posteridade por violar esta lei primor-
dial; o segundo Adam faz a nossa felicidade encaminhando-nos de novo
a esta dôce lei do amor.
E' assim que ao regular os nossos affectos, Jesu-Christo se mos·
tra verdadeiramente assim o Salvador do nosso coração, como o foi do
nosso espirita, ensinando-nos o que devia mos crêr.
Em uma palavra, o Decalogo livra o coração humano do jugo ver-
gonhoso da concupiscencia, como o symbolo livra o entendimento dD ju-
go do erro.
Pelos preceitos negativos, o novo Adam protege o nosso coração
contra todo o amor inimigo, estraDbo e usurpador. Tudo o que póde
ser objecto d'um amor legitimo, a vida do corpo· e da alma, a paz das
fami1ias, a santidade do laço conjugal, as nossas propriedades e até a
nossa reputação é protegida por esta egide muito mais sagrada que to-
das as leis humanas.
Eis-ahi uma verdade infelizmente muito ignorada; cada um dos
mandamentos de Deus é por isso mesmo uma benção, uma garantia
de felicidade na terra. (t) Tal é, tornamos a dizer, o ponto de vista
soberanamente justo pelo qual encaramos o Codigo divino. Que coisa
mais importante? Ah t não é por ventura pelo habito de o considerar
como um pesado jugo que tantos infelizes o calcam aos pés? Homens
illudidos f O Decalogo não opprime a vossa liberdade, antes a aperfei-
(1) Tollite jugum meum super vos... jugum enim meum suave est, et .onus
meum leve ... et invenietis requiem animabus vestris. Matth. XI.
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i.11 INTRODUCÇÃO.
çôa ; não põe obstaculos no vosso caminho, antes o dirige ; não vos em-
barga os passos, antes os assegura e illumina. (1)
Um viajante caminha para uma magnifica cidade, aonde, em com-
panhia <le sua bem amada familia, espera alcançar brilhante fortuna. En-
tre elle e a desejada cidade ha um abysmo insondavel. Espêssas trevas
obscurecem o caminho. Elle mesmo vai sem Juz nem guia. Sobre este
abysmo está lançada uma prancha, estreita, vacillante; cumpre necessa- .
riamente atravessar por ella. O infeliz é demais a mais sugeito a trope-
çar o que bem o provam as muitas quédas que tem dado. Ora dizei-me:
se um caridoso guia viesse levai-o pela mão ; se levantasse dous fortes
parapeitos de cada lado d'esta ponte fatal; se accendesse abi brilhantes
luzeiros, de tal sorte que fosse impossível ao viajante cahir no sorve-
douro ; a menos que não saltasse voluntariamente por cima dos ante-
paros; chamaríeis por ventura estorvos a estas defensas do perigo? to-
maríeis por injuria estes fachos accêsos? alcunharíeis todas estas percau-
ções de tropêços e máos serviços prestados ao viajante? mereceria o
epitheto de tyranno este caridoso guia que lhe deu a mão, que o livrou
das ~iuédas, que lhe assegurou o bom exito da viagem?
E' facil applicar o exemplo: este \'iajante, sujeito a tropeçar, é o
homem na terra. Esta.ditosa cidade, aonde espera fortuna, gloria e uma
familia querida, é o Ceo. Este negro abysmo, é o inferno. A estreita
prancha, fragil e vacillante, é a vida. O caridoso guia é Deus. Os pa-
rapeitos levantados de cada lado da fatal ponte, e os fachos que a illu-
minam, são os mandamentos da sua lei.
Agora diga o homem cégo que o Decalogo é um obstaculo para a
liberdade ; quanto a nós, ó meu Deus 1 diremos sempre que elle é o
guia e o sustentaculo da liberdade, e por consequencia um dos maiores
beneficias que recebemos do Ceo ; e para não cahirmos no insondavel
sorvedouro teremos todo o cuidado de não ultrapassar estas salutares
defensas.
Assim como o nosso espirito crendo no Symbolo se une ao novo
Adam, da mesma sorte, recebendo o Decalogo, o nosso coração se
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INTRODUCÇÃO. Lili
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LIV INTRODUCÇÃO.
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INTRODUCÇÃO. LV
geral não se mostra o Salvador como modêlo dos homens senão durante
a sua vida mortal : todavia isto não é exacto.
Temendo que as gerações futuras esquecessem seus exemplos ou
cressem erradamente que· só a certos seculos, ou a certos lugares di-
ziam respeito; o novo Adam estabeleceu-se e perpetuou-se na Eucharis-
tia. Habitador das cidades e das aldeas, nativo e coevo de todos os cli-
mas e de todos os seculos, elle ensina desde o Tabernaculo, e ensina-
rá perpetuamente, a todas as gerações que surgem no mundo, as lições
que deu na Judea; offerece os mesmos exemplos que offerece ha desoL
to seculos, repete as mesmas palavras que echoaram nas margens do
Jordão : Olhai e fazei segundo o modêlo que vos é dado. (t)
O' homens t quem quer que sejaes, meditae bem n'esta verdade.
Ella vos illuminará para entenderdes as admiraveis lições que sabem
do Tabernaculo. D'esta cadeira de verdade, o grande Mestre, vindo do
Ceo, vai publicando, com mysterioso silencio, as grandes maximas da
perfeição christã. Attentai bem; '5e é verdade que por sua Incarnação o
novo Adam tem o titulo de Mestre, e qualidade de Doutor de justiça ;
se desempenhou este encargo e estas funcções tam dignamente durante
sua vida mortal, não é menos certo que ainda tem aberta esta academia
de todas as virtudes no Sacramento da Eucharistia.
Se o não podemos contemplar vivendo entre os homens no exer-
cício de charidade ardente, humildade profundissima, extrema pobreza,
liberalidade infinita, paciencia infatigavel, sem se accender em nós o de-
sejo de o seguir e imitar; com quanta mais razão nos devem enamorar
os mesmos affectos, quando o consideramos já todo glorioso e impassi.
vel, ainda comtudo assiduo na prática d'estas divinas virtudes, de que
nos está dando illustres exemplos em seus Santos Tabernaculos. (2)
Safltidade no tempo, bemaventurança na eternidade, tal é o fim da
nossa união com o novo Adam: união deliciosa e sublime que, transfor-
mando o homem em Deus, restitue ao genero humano a sua perfeição
primitiva; mas união que, durante a nossa prova terrestre, póde comtu-
(1) Exod. XXV, 40.
(2) Diversões sobre a vida occulta de J, C. na Eucharistia; pelo Padre Lal-
lemant, p, 6 e 7
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LVI INTRODUCÇÃJ.
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INTnODUCÇÃO. LVII
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LVIII INTRODUCÇÃO.
TERCEIRO ANNO.
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INTRODUCÇÃO. LIX
(1) Narratio plena est cum quisque primo catechizatur ab eo quod scriptum
est, in principio creavit Deus coelum et terram, usque ad praesentia tempora Ec-
clesiae. De Chatech. rw:l. n. 1
(2) A Domino factum est istud, et est mirabile in oculis nostris.· Psalm.
CXVII.
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LX I~TRODUCÇÁO.
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INTRODUCÇÁO. LXl
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LXll INTRODUCÇÃO.
(1) Oportet et haereses esse. 1. Cor. XI, 19. necesse est ut veniant scanda-
la. Matt. XVIII, 7 - Per multas tribulationes oportet nos intrare in regnum Dei.
Act. XIV, 21.
(2) Militia est vita hominis super terram, Job. VII, 1.
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INTRODUCÇÃO. LXIII
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LXIV INTRODUCÇÃO.
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INTRODUCÇÃO. LXV
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LXVI I~TRODUCÇÃO.
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INTRODUCÇÃO. LXVII
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LXVIII INTRODUCÇÃO.
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INTRODUCÇÃO. LXIX
ria dizer qoe as portas do inferno iam prevalecer contra ella. Desen-
cadeiam-se os ventos com desconhecida violencia. Furiosas tempes-
tades desfecham contra a barca de Pedro, ameaçam engulir com ella
a obra da Redempção, e submergir o mundo todo na abjecção do
paganismo. A heresia, o escandalo, a injustà oppressão, accommettem
juntas por todos os lados o homem regenerado. Ser.á grande a lac-
ta, geral, encarniçada : nunca jãmais se vio o mundo em tam gran-
de perigo.
Mas eis que Deus, que vê o conflicto, tira do thesouro do seu
amor novos auxiliares da Redempção; são os institutos religiosos; reu-
nidos em torno do mesmo estandarte, manobrando com a mesma alma
e o mesmo espirito, no dia preciso em que sua presença era mais ne-
cessaria, durando tanto tempo, quanto o exigia o bom exilo da lucta, e
o cumprimento da missão para que nasceram. Jã notamos que são
tres os pontos do ataque infernal contra o Christian ismo ; o homem intel-
lectual, o homem moral, e o homem physico : admiremos agora, como
já antes a outros respeitos admiramos, que tambem são sómente tres as
especies de ordens religiosas.
i. º As ordens apologeticas ou sabias : as quaes attendem à conser-
vação, defesa e ensino da verdade ; para impedir que o erro não des-
trua a obra da Redempção no homem intellectoal.
2. 0 As ordens contemplativas : que tem por fim a defesa da Re-
dempção no homem moral ; ou por outras palavras, que pretendem
levantar o amor humano para os bens sobrenaturaes, inspirando-lhe
o desprêzo das cousas sensiveis; contrabalançar o escandalo, e obstar ã
concupiscencia que não reasuma o seu imperio. Victimas paras, sem-
pre immoladas e vivas s~mpre, anjos da oração, velando noute dia en-
tre o vestibulo e o altar, mais fazem ellas para a tranquillidade do
mundo e a pureza dos costumes, que os reis· com sua politica, os
magistrados com suas leis à os philosophos com suas maximas.
Um pobre convento evjta mais desordens que todos os carceres e ca-
labouços.
3. 0 As ordens hospitdleiras : consagram-se estas ao allivio de todas
as miserias humanas ; encontram-se velando junto ao berço do recem-
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LXX INTRODUCÇÃO.
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INTRODUCÇÃO. LXXI
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LXXII INRTODUCÇÃO.
IV.
QUARTO ANNO.
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INTRODUCÇÃO. LXXIII
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LXIIV INTRODUCÇÃO
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INTRODUCÇÃO. LXXV
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LXXVI INTRODUCÇÃO.
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INTRODUCÇÃO. LXXVIr
(1) 'Aqui não ha lacuna. Outro tempo o Advento duravá seis semanas e co-
meçava em dia de S. Martinho, logo depois da oitava do todos os Santos. A Igreja
de Milão, fiél a seus antigos usos, conserva ainda as seis semanas do Advento pri-
mitivo. O mesmo euecede no Oriente, entre os Gregos unidos. Annaes da Prop. da
Fé, Q. 0 47, p. 537.
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LXXVlll INTRODUCÇÃO.
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INTRODUCÇÃO. LXXIX
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1.xxx lNTRODUCÇÃO.
Ii~ões, toda esta magnifica exposição do Christianismo, não tem outro fim
mais que fazer palpavel esta grande e unica verdade : DEus É AMANTE
nos HOMENS, ('1) sempre amante, não tendo desde o principio do mun-
do senão um só desígnio, o de fazer o homem feliz, reparando o mal
que elle fez a si mesmo, e fazendo concorrer á realisação d'este mise-
ricordioso pensamento o Ceo e a terra, os povos e os reinos, o mundo
antigo e o mundo moderno.
Como pois será possivel ter um coração capaz d'amar, um es-
pirita capaz de ligar duas idêas, em uma palavra, como será possí-
vel ser homem, e livrar-se d'esta conseqqencia: logo é um dever tam
suave, corno sagrado, amar a este Deus tam infinitamente bom; e, por
amor d'elle, ao proximo, imagem sua e nosso irmão?
D'este modo, amar a Deus so~re todas as cousas, e, por amor de
Deus, amar ao proximo como a si mesmo : eis o resumo, a conclusão, o
fim moral de cada uma de nossas lições ; este o grande sentimento que
predomina no Catecismo. E que outra consequencia poderíamos nós tirar
que não fosse esta ?
De facto, não é a Redempção do mundo o centro commum a que
tudo tende ? Não expõe cada uma de nossas instrucções, algum meio
estabelecido por Deus para a preparar, realisar, manter, e dilatar? Ora,
não é a Redempção o grande mysterio da charidade de Deus para com.o
homem ? (2) Como pois terminar cada uma de nossas lições por outro
modo que não seja por um acto de gratidão e amor?
Se nos censurassem esta repetição constante, buscaríamos a nossa
justificação no proceder do Discipulo amado. Attenuado dos annos, o
Apostolo predilecto fazia-se conduzir á Igreja ; todas as suas· instrucções
consistiam n'estas poucas palavras, que repetia continuamente : Meus fi-
lhinhos, amai-vos uns aos outros. Seus discipulos, admirados de lhe ouvir
sempre a mesma cousa; perguntaram-lhe a razão ? deu-lhes esta resposta
bem digna d'aquelle, que tinha tido o privilegio ineffavel de reclinar a
cabeça no seio do divino Mestre: é porque se o fizerdes, isso basta.
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INTRODUCÇÃO. LXXXI
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LXXXll INTRODUCÇÃO.
,
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INTRODUCÇÃO. LXXXIII
V.
RAZÕES E VANTAGENS D'ESTE ENSINO. - A exposição da Religião em
a letra, e espirito, a historia, o dogma, a moral, o culto, a natureza, e
finalmente em seus meios e fins, no tempo e na Eternidade, desde o
principio do mundo até os nossos dias ; tal é, como já dissemos, o ob-
jecto d'este Catecismo.
Podemos fallar de sua superioridade sem amor proprio ou vai-
dade da nossa parte. A sua idéa fundamental, já o dissemos e agora
o repetimos, é de S. Agostinho. A forma em si mesma pertence, na
maior parte, aos Padres da Igreja, e aos authores celebres que have-
mos consultado. Longe de nós attribuir-nos o que não é nosso ; glo-
riamo-nos antes, em tam sagrado objecto, de nada ter dito de nós
mesmos.
Portanto, t. º se o considerarmos em si, o plano do Catecismo é o
mais completo de todos que tem apparecido até hoje.
A maior parte dos Catecismos, ainda os mais copiosos, não di-
zem nem palavra á cerca do antigo Testamento e historia da Igreja.
Alguns sim, faliam dos tempos anteriores ao Messias, mas deixam
em silencio o que respeita a obra dos seis dias ; e da mesma sorte,
pelo que respeita a Religião, depois da Ascenção do Redemptor. Mui-
tos omittem as festas da Igreja ; e nenhum emfim coordena, em re-
lação ao Christianismo, os successos todos do mundo, quer anterio-
res, quer posteriores a Jesu-Christo. Nenhum dá razão das cousas
pelo pensamento christão. Sobre tudo, não ha um só, ao que nos
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LXXXIV l~TRODUCÇÃO.
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INTRODUCÇÃO. LXXXV
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LXXXVI INTRODUCÇÃO.
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INTRODUCÇÃO. LXXXVIl
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LXXXVIII INTRODUCÇÃO
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INTBODUCÇÃO. LXXXIX
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xc INTRODUCÇÃO.
Cbristo. Talvez vos pareça qae esta parte da creação que se de·
prava, quero dizer, que se revolta contra Jesu-Christo, subtrahe-se ao
seu imperio, e deixa de contribuir para a sua gloria ? estaes enganados.
Creador de todas as cousas, Deos diz a cada rei, a cada povo, quando
o tira do nada, como ao menino recemnascido : Tu és creado e pos-
to no mundo para conhecer, amar e servir a Jesu-Christo meu Filho,
Rei dos reis, Senhor dos senhores, a quem eu dei todas as nações em
herança : Eis-abi a tua lei. Quanto a ti, se a observares, terás felicidade
e glorià; se a violares, vergonha e miseria: mas, como quer que faças,
quer observes ou não esta lei immudavel, nem por isso contribuirás
menos para a gloria de meu Filho, nem deixarás por isso de estar su-
jeito ao seu poder e debaixo da sua mão.
Agora pois, com a historia nas mãos, mostraremos como isto se
cumpre com rigorosa precisão. Desde o povo Judaico até ao · imperio
Francez, vêmos, em um ponto dado, as nações felizes em tanto que re-
conhecem a Je.su-Christo por seu Rei, e desgraçadas desde o momento
que se revoltam contra elle.
Terminamos este quadro magnifico pela historia contemporanea
d'um homem poderoso, que fez ha pouco tremer o mundo com o ter-
ror do seu nome. Chamado por Deus para inspirar um sôpro de vida
no agonizante povo francez, reune este homem em sua mão de ferro os
elementos dispersos da antiga monarchia, reedifica o Sanctuario, trium-
pha, engrandece-se tanto quanto se mostra servidor do grande Amo
que o chamou. Mas apenas tropeça na Pedra; emp_alidece a sua estrella,
foge-lhe o poder, murcham-se-lhe os louros por mil desa~tres. Espoliado
de tudo, tornando-se menos que um homem, eil-o vai expiar, no ·meio
do oceano, o crime da sua rebellião contra o Cordeiro dominador ; e
do alto do rochedo solitario aonde expira, chama aos reis e aos povos
dizendo-lhes : Sirva-vos de lição o meu exemplo, que ninguem é -forte
- senão Deus; sêde, instrumentos dqceis do Senhor e do seu Christo, ou
sereis como eu quebrados em pedaços.
E' assim que se mostra em todos os seculos o poder . real de
Jesu-Christo, é assim que os imperios e seus monarchas, ou queiram
ou não queiram, são tributarios da sua corôa. Se são doceis ás suas
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INTRODUCÇÃO. XCI
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xcu INTRODUCÇÃO.
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INTRODUCÇÃO. XCIII
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XCIV INTRODUCÇÃO.
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lNTBOOUCÇÃO. X.CV
este grande mal, o nosso ensino faz apreciar, e para assim dizer,
palpar com as mãos, os beneficios de Deus ou da Religião a res-
peito de cada um de nós, e de cada parte do nosso ser, em ~odas
as situações e idades ; de sorte que fica demonstrado, que atacar o
Christianismo, desprezar ou abandonar esta Religião, permanecer iadif-
ferente ás suas prescripções salutares, não é sómente uma ingratidão,
mas um suicídio.
E' assim que o methodo de S. Agostinho, fazendo-nos conhecer o
verdadeiro espirito da Religião, qne é o amor, desenvolve na alma do
menino não tanto o temor, como o amor de Deus. Já não somos
os escravos do Sinai, mas os filhos do Calvario. Como bem amados
do Verbo incarnado e feito nosso irmão, -yêmos em Deus - não tanto
um Juiz irritado, um Senhor severo, mas um Pai terno e amigo. Cui-
damos pois em apresentar a Religião, como ella é na verdade, um im-
menso beneficio. Nada mais importante do que fazer considerar por
esta face os mandamentos de Deus e da Igreja. Por ventura . não é por
estarem habituados, desde a infancia, a considerai-os como um jugo .pe-
noso,. que tam grande numero de homens os atropellam? Por isso te-
mos tambem muito cuidado em deduzir de cada explicação, esta grande
verdade : Deus é amante dos homens.
Desde Adam até os nossos dias tomamos todos os tempos por tes-
temunhas; perguntando a cada seculo, ou antes aos homens que n'elle
viveram ; Não fostes vós amados de Deus ? E cada seculo responde-nos
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XCVI INTRODUCÇÃO.
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/
,'
INTRODUCÇÃO. XCVll
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PRIMEI~RA PARTE.
fiQ ª lLJl~q,lÃ(J)~
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CATECISMO
outras, uma enorme serpente, que f~z horriveis estragos : poucos são
os dias que nãó achamos esqueletos, e restos ensanguentados, de de-
safortu~ados viajantes de qaem faz preza. O cumulo da desgraça , é.
que necessariamente compre ·atravessar esta floresta, para chegar ao
lugar a que vos dirigis. Movido de compaixão, vim eu collocar-me
á entrada d'esta perigosa passagem, a fim d'aYisar e proteger aos
viajantes : de distancia em distancia estão meus filhos, que, partí-
cipando dos mesmos sentimentos, cumprem a mesma missão; eu vos
offereço meus serviços e os seus; se quereis, eu vos irei acompa-
nhar.
O ar de candura do velho, o tom de verdade que respira em
suas palavras, convencem o viajante a aceitar com confiança seus bons
serviços. Toma o pastor uma luz, resguardada por uma forte lan-
terna; com a outra mão trava do braço ao viajante, e eil-os a ca-
minho. Tinham andado algum tempo quando o viajante sente que as
, . /orcas lhe faltam. Firmai-vos em mim, lhe disse o seu fiel conductor.
O viajante reclinou-se sobre elle e continuaram. Começou a luz a
enfraquecer-se e apenas bruxoleava já. Falta o azeite, disse elle ao
pastor, a luz apaga-se, que será de nós? Socegai, lhe tornou o
velho, está perto um de meus filhos, que deitará mais· azeite em nossa
lampada : e não o enganou. A alguma distancia descobrem um fa-
cho accêso que illuminava uma pequena cabana, feita de pedra e cal á
beira do ~aminbo. A' voz do pastor, abre-se a porta, e offerecem ao
viajante fatigado um lugar onde repoúsa ; dão-lhe uma refeição sim-
ples, mas substancial, que lbe repara as forças; e depois de des-
eançar, perto de uma hora, põe-se outra vez a caminho o viajante con-
duzido pelo filho do pastor.
De longe a longe, encontral}l novas cabanas, e· em cada uma ·re-
cebe o ,hospede novos obsequios e novos guias, e assim durante to-
da a noote. O primeiro crepusculo d'a1va clareava já o horisonte,
quando chegaram sem desastre ã extremidade da perigosa floresta.
Foi então que elle conheceu toda a importancia do serviço que lhe
haviam feito o pastor e seus filhos. Apparece-lhe diante dos olhos
um medonho abysmo ; no fundo do qual se ouvia o ruido surdo e
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DE PERSEVERANÇA. 3
longínquo de fervida torrente: Eis ahi, lhe diz o seu guia, o abysmo
<le que meu Pai vos fallou ; não se lhe "ê a fundura ; está sempre co- '
berto de nevoeiros espêssos, que a não deixam descobrir.
A() dizer e s palavras soltou um profundo suspiro, e com as
costas da mão, limpou as lagrimas que lhe correram pelas faces.
Que vos afflige? Jbe diz o viajante. Ah 1 Como não hei-de aflligir-me?
Posrn eu vêr este abysmo sem me lembrar de tantos desgraçados, que
todos os dias se ce penbam n'elle ? Por mais que eu e meu Pai os
avisemos e lhes offereçamos nossos serviços, poucos são aquelles q e
os aceitam. A maior parte, depois de terem andado algumas horas
debaixo de nossa direcçã0, começam a accusar-nos que lhes quere-
mos incutir mêdos pueris ; desprezam nossos conselhos e abandonam-
nos, mas brevemente perdem o tino, e perecem miseravelmente,
ou devorados pela grande serpente, ou assassinados pelos ladrões,
ou engulidos por este abysmo ; porque para o atravessar, apenas ha
1
esta pequena ponte que ahi vêdes, e só nós conhecemos o caminho
que conduz a ella. Passai-a com confiança, diz elle voltando-se para
o viajante e abraçando-o com ternura ; do outro lado já não ha tre-
va~, é lá a vos a patria. O viajante, penetrado de reconhecimento,
agradece ao seu caridoso guia, promette-lhe de nunca mais se es-
quec .r d'elle, e atravessa com passo firme, a pequena P,onte: algumas
horas depois, repousava elle deliciosamente no seio de sua bem amada
familia.
Jovens Cbistãos, esta historia torna-vos palpavel a necessidade das
Catechesis de perseverança, rle que vos vou falJar. Não sois vós tam-
bem viajantes, que vindes de longes terras? Esta floresta é o mundo, e
a vida que tendes d'atravessar ; os ladrões são os inimigos da vossa
saJvação ; aquella enorme serpente, que faz tantos estragos, é o demo-
nio ; o abysmo tenebroso e insondavel, é o Inferno ; todos aqnelles
caminhos, que atravessam a floresta, são as estradas, ah, e f!Uam nu-
merosas ! que conduzem ~ condemnação eterna ; a unica vereda, que
conduz á pequena ponte, é o estreito caminho do Ceo. Quanto a este -
caridoso pastor, que está á entrada da floresta, e offerece o braço e a
luz ao viajante, bem vêdes que representa o divino Pastor, descido do
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r ATECIS,rO
Ceo para soccorrer e esclarerer f ()(/o o homem que vem a este mundo ;
(i) os filhos, que cooperam com o generoso velho em seu caridoso
ministerio, são os rpinistros do Senhc1r, dedicados como elle a guar~
dar e conduzir o homem viajante; esta luz, accêsa Ilj mão do pastor
e de seus filhos, é o facho da fé; que segundo a expressão de S.
Pedro, brilha como uma lampada nas trevas. (2) Não careço de vos
exp1icar o que representam o homem docil aos conselhos do prudente
velho, e os temerarios que recusam seus serviços e sua luz. No de-
curso da viagem, a lampada ameaça apagar-se, o azeite falta ; ora,
esta àllegoria é que mais nos importa explicar-vos.
O facho da Religião foi accêso e entregue em vossas mãos pe-
las instrucções anteriores á primeira communhão; mas, não ieveis
a mal que vol-o diga, brevemente faltará o azeite na vossa Jampa-
da. Que são de facto as lições de vossa primeira infancia? Apenas
vos deram um conhecimento, mui superficial e incompleto, . da scien-
cia que mais vos releva estudar. Não quero dizer que a leviandade
propria da vossa idade, ou ainda mesmo a vossa dissipação, muitas
vezes vos impeceram de comprehender e reter na memoria aquellas
instrucções elementares ; não, não vos quero fallar n'isso, a · vossa
consciencia vol-o dirá. Sim, ella vol-o dirá ; e desde já vos está dizen-
do, que ha na Religião uma immensidade de cousas que não conhe-
ceis bem, ou talvez ign8raes inteiramente; que é a maior das teme-
ridades querer' atraYessar o deserto da vida, e entrar no mundo com
tam pequeno provimento de conhecimentos religiosos; que repareis
como por toda a parte, grande numero de meninos e meninas foram
victimas d'esta imprudencia ; que o conhecimento da Religião é mais
necessario hoje que nunca :
Lº Porque hoje existe maior numero de pessoas que não estu-
dam, nem conhecem, nem amam, nem praticam a Religião: que
vivem como se não houvesse Deus, nem Paraíso, nem Inferno, nem
(1) João. 1, 9.
(2) 2.• Pedr: 1, l<J.
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DE PERSEVERANÇA.
Eternidade; como se niío tivessem alma para salvar, nem deveres para
cumprir ; que atacam as mesmas verdades da Religião, e como furiosos
zombam d'aquelles que a praticam :
2.º Porque em o numero d'esta desgraçada gente alguns ha, a
quem talvez quereis muito. E quem sabe? talvez a Pro,·idencia vos
destine para os esclarecer e converter. Quanto vos não devereis
arrepender se não ob€decerdes a tam nobre vocação r E como po-
derieis preenchei-a se não soubesseis os motivos da vossa fé, a
fim de os esclarecer ? Ora, bem vêdes que esta tarefa, só com os·
conhecimentos que tendes actualmente, seria muito superior ás vossas
forças :
3.º Porque nos .desgraçado·s dias em que o Ceo vos collocou
no mundo, muitas miserias, muitas dôres, e quiçá grandes infortu-
nios vos aguardam no caminho da vida. Para vos consolardes; não
conteis com os homens, a Religião só poderá dem1mar em vos-
sas feridas um balsamo salutar ; só ella vos será fiel, quando to-
dos vos tiverem abandonado ; só ella adoçará o pão, que misturar-
des com as lagrimas; só ella remect!erá, com sua mão maternal, as
tristes palhas de vossa dolorosa enxerga ; só ella emfim sustentará vossa
coragem, até os ultimo$ momentos. Mas se a Religião vos fôr es-
tranha, se lhe não entenderdes a lingua, se lhe não conhecerdes o
coração materno, que haveis que esperar d'ella? Ora, torno a.. di-
zer, vós não a conheceis ainda, e se a não estuJardes, em poucos an·
nos a esquecereis de todo; isto que eu digo é o que a experieneia nos
estâ mostrando : ·
4. º Porque as falsas maximas, que todos os dias vos repetem com
palavras pomposas; o desleixo, a corrupção, a geral indifferença,
os escandalos de toda a especie que topaes a cada passo, tentando-·vos
por todas as fórmas imaginaveis ; a voz seductora de vossas proprias
paixões. os terriveis combates que se hão de travar em vosso debil co-
ração ; em uma palavra, o mundo, o (1emonio, as vossas proprias in-
clinações, tudo se ha de conspirar para vos perder, com uma força e
tactica, hoje mais terrivel do que nunca. ·
No meio de taes tempestades, como resistireis não sendo mais
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6 CATECISMO
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DE PERSEVERANÇA. 7
que os infestam: reunidos porém, porico tem que recear; porque
nem lhes faltam provisões, nem guias experientes ; os Arabes e as
serpentes não ousam atacai-os, e se o tentam, logo s~o repellidos
com escarmento. E' preciso que vos lembreis sempre, meus ami-
guinhos, que tendes d'atravessar um deserto, mil vezes mais peri-
goso que os d' Africa. Indo sós, provavelmente perecereis ; reunidos
porém, já quasi não ha perigo. Ora nas Catechesis de Perseverança
tereis esta companhia de jovens viajantes, que fazem a mesma jor-
nada; se qoizerdes, ireis com elles. Mas talvez que· este nome de
Catechesis vos cause desgosto, trazendo-vos á memoria não sei que
idéa pouco lisongeira ; talvez direis : Não terão estas Catechesis
estas perguntas e respostas, rudes, sêccas, aridas ! pois a consumi-
ção de as entender. a difficuldade de as reter, a -repetição sempre,
sempre, de cousas que já sabemos de cór e argumentadas ; emfim,
ainda vir á doutrina, depois da primeira communbão ! Abi nos que-
rem fazer andar para traz. Pois todos esses juízos, por lhe não cha-
mar prejuízos, ainda ha pouco foram respondidos ; e por pouco que
queiraes reflectir, logo se dissiparão as vossas objecções. Ora attendei-
me por mais um instante.
Em outras partes, o nome de Catechests terá a significação de-
sagradavel que lhe attribuis ; mas o nosso caso é muito differente ;
este nome vulgar inculca a mais linda historia, que jámais ouvistes; a
mais variada e completa instrucção, que poderíeis desejar; dirigin-
do-se, uma e outra, ao vosso espírito, á vossa imaginação, ao vosso
coração emfim, por um modo que vos ha de interessar e agradar
muito. Este mesmo nome de Catechesis recorda-vos memorias mui
patheticas.
Catechesis quer dizer ensino vocal. (l) Entende-se particularmente
do ensino elementar da Religião: Ora, a Religião foi ensinada vocal-
mente desde o principio do mundo até Moys~s, e desde o começo da
era Christã até depois das perseguições. Este nome pois recorda:nos,
;
..
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8 CATECISMO
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DE~ PERSEVERANÇA. g
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•
to CATECISMO
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DE PERSEVERANÇA. H
rio ã regeneração dos adultos. Ahi lhes explicava abertamente o Bispo,
antes que os lavasse com a infusão da agua baptismal, a: necessidade
e os effeitos d'este primeiro s~cramento. ·Ao sahir do baptismo con-
duziam-nos, revestidos de uma ·veste branca, aos · fieis reunidos, ·dos
quaes agora iam augmentar o numero. Então subia o Bispo ao ·. pUlpi-
to, e, correndo o véo que .até alli !hés velava os divinos mysterios,
claramente os expunha diante dos Neophytos ; e as instrucções sobre
a instituição, a natureza e e.ffeitos da Eucharistia, os sentimentos de
fé viva, de piedade e amor que d'elles requeria a participação d'estes
augustos mysterios, eram objecto do ensino de todos os pri~eiros
dias da semana. Tal foi a prática ger<1l da Igreja até o quinto secu-
lo. (t)
Tal é igualmente a significação e origem da palavra Catecismo ;
taes as preciosas recordações que nos traz á memoria ; oxalá esta pala-
vra, quando nos ferir o ouvido, desperte igualmente em nossos corações
a lembrança dos primeiros tempos dct mundo ; e nos recorde os
puros e simplices costumes dos Patriarchas, bem como dos primeiros
christãos; seu respeito para com os sagrados mysterios, suas persegui-
ções e virtudes ; porque esta palavra encerra estas duas historias. Pos-
sa ella, sobre tudo, persuadir-nos a imitar os bons exemplos que uns e
outros nos deixaram ! ..
O' meu Deus! que sois todo amor, ·eu vos dou graças por terdes
estabelecido as Catechesis de Perseverança. Dignastes-vos, Senhor, es-
clarecer o meu espirito pelo conhecimento profundo da Religião, a fim
de que o 'meu coração perseverasse na prática das virtudes que ella
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CATECISMO
.'
.... '
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li.ª LICÇÃO
Ensino escriplo.
. '
.&n1i50 Te•tamento.- Seu ftm.- Parte• de que consta.- In-
tenção de Deu• com o seu povo e com todas os naçõe11,
f'azendo escre-wer o Anti~o Testamento.- Traducção. -
No-wo Testamento.- Partes de que se compõe.-Tradl-
~ão. -ln11piraçáo, autb.enticidade e integridade do ".&n-
•iso e Novo Teatamento.
,
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CATECISMO
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DE PERSEVERANÇA.
·' Talvez perguntareis· porque fez Deus escrever a historia dó seu po-
vo? Além da ne'cessidade de conserva11 intactas as verdades da Religião;
quiz por este ·modo :
· i. º Mostrar aos Israelitas a fidelidade com que observava a sua
alliança. Pela sua ·parte, não falta jámais ao que promette; abun-
dantes beneficios, um:r ,'profunda · paz, são o patrimonio do seu povo,
em tanto que observa· as condições do contracto; pelo contrario,
cabem sobre ·elle castigos de todo o genero, quando se torna preva-
ricador·. ·
Quer mostrar a todos os povos que é a sua Providencia quem
governa o mundo; e que, tendo nas mãos as redeas dos imperios, os
faz servir todos ao cumprimento de seu immutavel desígnio, que é a Re-
dempção do homem por Jesu-Christo. Eis-aqui, geralmente fallando, o
'que nos ensinam os livros historicos do Antigo Testamento. Foi para per-
petuar, até. ao fim dos tempos, tam · importantes verdades; que Deus
quiz que fossem escriptas.
3. º O Antigo Testamento compõe-se tambem de livros d'instfnc-
ção e oração ; taes como : os Psalmos de David, em numero · de cento
e dncoenta ; os Proverbios, o Ecclesiastes, o Cantico dos· Canticos
de Salomão, o livro da Sabedoria e o Ecclesiastico. Não bastava ha-
ver estabelecido as condições de sua alliança com o povo d'Israel;
Deus quiz obter o effeito d'esta alliança, que · era formar os costumes
pela virtude ; razão porque' estes livros estam cheios de maximas as
mais sabias, esclarecidos conselhos e. seguras regras de co'mporta-
mento. Se os ligisladores antigos são como méninos ao pé de Moysés,
todos os sabios e philosopbos profanos são nada, se os comparardes
aos sabios inspirados, qtie escreveram• este admiravel codigo de mo-
ral.
4;º Os livros propheticos, que 'são: os dos quatro grandes ·pro-
phetas Isaías, Jeremias, Ezechiel, Daniel ; aos quaes devemos ajun-
tar David com9 primeiro de todos ; (t) e os doze chamados Propbe-
(1) Os J udeos não tem David em conta. de Propheta propriamente dito ; por-
que ~ra rei, vivia no meio do mundo, e sua vida não era à que soem ter os Pro-
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pbetas: mas nem por isso deixam de ter como propheticos os seus livros.- ;Veja-
se a Biblia de Vence, Pref. aobre os PsaJ,mos.
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DE PERSEVERANÇA. 23
os nossos livros santos chegaram até nós taes como eram quando sahi-
ram das mãos de seus authores ; sem augmento, nem diminuição, nem
mudança alguma ; em quanto que ninguem, como sabeis, deu jámais a.
vida por attestar que as obras de Virgilio . e de Platão estão. hoje· taes
quaes foram escriptas por seus authores. Porém s·enhor, eu quero ir
mais adiante, e mostrar-vos que os nossos li\ ros santos não só não fo-
1
ram alterados mas nem o podiam ser de fórma alguma. Vejamos esse
vosso esforço ; estou pr.ompto a vos offerecer a palma. Eu a acceitarei de
vossas mão~ segui-me pois no combate. Aqui redobrou a attenção do
auditorio~ : ·
Fallemos primeiro dos livros do Anti·go Testamento. .
1. º Era impossivel aos Judeos alt.erar os livros antes <lo Scisma
das dez Tribus..____Por quanto, dizei-me, como. poderia hoje em França
alterar-se o Codigo civil? Se algum falsificador o tentasse não seria
logo ·confundido ? Da mesma sorte, r,0100 poderiam os Judeos alterar
um livro, que respeitavam incomparavelmente mais do que nós res·
peitamos o nosso. codigo? livro que andava nas mãos de todas as
f~milias, meditado todos os dias : e cnjÓ original, guardado religiosa·
mente no Tabernaculo, em certas festas, os Sacerdotes liam a todo
o povo reunido? Supponde que houvesse uma tentativa de alteração,
• milhares de vozes reclamariam immediatamente. Todavia não ha ves-
tígio de taes reclamações. Demais, as alterações, a serem passiveis,
sem duvida que se dirigiriam a eliminar -o que fosse homiliante para o
orgulho nacional; ou mortificante para as paixões. Pois naqa lhe tiraram
d' estas cousas.
2. º Era impossível aos Judeos alterar os livros depois do Scisma
das dez _Tribus. Se. as duas Tribos, qae se conservaram fieis aos descen-
dentes de David, tivessem querido alterar os livros da lei, como pode-
riam as outras Tribus, que eram agora seus inimigos mortaes, con-
sentir· em taes .alterações ? E comtuclo o Pentateuco dos Sc1maritanos,
ou das dez Tribus separadas, é absolutamente o mesmo que o dos Ju-
deos.
3. 0 Era impossivel alterar os livros depois da vinda do Messias.
Desde esta epocha. os livros do antigo Testamento são versados dos
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ORAÇÃO. -
O' meu Deus ! que sois todo amor, efl vos dou graças por nos
, terdes dado a vossa Santa Lei, e pela terdes escripto ; para que as pai-
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CATEGISMO la
':! r
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Conhecimento de Deus.- Deus considerado em si mesmo.
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28 CATECISMO
vel para todos os homens; porque vós é que dotastes com a palavra a
todos os homens,
C[ Sois incomprehensivel, porque é de vós que 'dimanam todas as
intelligencias. Tudo celebra os voss,os louvores: aquillo que falia vos louva
por suas acclamações; o que é mudo, por seu silencio. Tudo reverencêa
a vossa magestade: a natureza viva e a natureza morta. A vós se dirigem
todos os desejos, todas as dôres; para vós se elevam todas as orações.
Sois a vida de todas as vidas, o centro de todos os movimentos, o fim
de tudo ; porque tudo sois, e· sois unicamente. O' vaidade de humanas
expressões! Todos estes nomes vos convém, e todavia nenhum consegue
designar-vos. Se na immensidade do universo não tendes nome, como
penetrar além de todos os Ceos em vosso sanctuario impenetravel? Ser
superior a todos os seres, este nome é o unico que não s~ja indigno de
vós.» (i) Eis-ahi Deus! Qual foi o homem que duvidou jámais da sua
existencia ? Bem póde o impio dizer em seu depravado coração : Não
ha Deus ! mas affirmal-o com sincera convicção, isso nunca : ainda está .
por apparecer o primeiro atheo de boa fé. E de facto, a menos que se
não tenha perdido a razão, como é possível negar um Ser, cuja existencia
se revela com maior brilho que a presença do sol, quando o astro do
dia despede todos os seus raios, em Ceo sereno e limpo de nuvens? Por
isso nos contentaremos, meus filhos, com produzir tres provas sómente
da existencia de Deus. Lº A necessidade d'um Ser criador. Não ba ef-
feito sem causa. Um pala.cio suppõe o architecto ; urrf painel, o pintôr ;
uma estatua, o esculptor; a terra com suas montanhas gigantescas, seus
campos ferteis, seus lagos e rios ; o mar e sua. immensidade, seu movi-
mento regular~ suas encapelladas ondas, seus monstruosos: habitantes; o
Ceo com seus globos luminosos, immensós, innumeraveis; ·suppõem iam-
.bem urna causa· omnipotente, creadora de tantas 'maravilhas.· · ·;
Quem é esta causa? .Acaso tantas obras maravilhosas são a causa de
si uiesmas? .Mas todas VOS respondem em sua eloquente lingua;: ip.;e fecit
nos, et non ipsi nos. Deus é quem nos croou, não fomos nós.mesmos que
nos fizemos. Não, não se fizeram a si, .porque não são Deus; a terra não
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DE PERSEVERANÇA. 29
ê Deus, o inar não é Deus, o Ceo não é Deus, o universo não é Deus :
n'estas creaturas, não ha as propriedades e caracteres incommunicaveis
do Ser por excellencia, a eternidade, a independencia, a immensidade, a
liberdade, a espiritualidade.
Qual é pois a causa que produzio tantas maravilhas? O acaso? Mas
o acaso é nada, é uma palavra vasia de sentido, de que o homem se serve
para occultar a sua ignorancia, como um mendigo d'um farrapo para
cubrir a sua nudez. Com effeito, dizemos que uma cousa se faz por acaso,
para significar que lhe não conhecemos a causa ; a qual nem por isso
deixa d'existir. O acaso portanto é nada; logo não fez o mundo. Qual é
pois a causa creadora do universo? Os homens? Certamente que se não
póde desculpar á historia o descuido de não registrar o nome do astro-
nomo, que fabricou o sol, e engastou as estrellas no firmamento ; o do
geologo, que edificou os Alpes e os Piriqeos ; o do chimico, que fez o
Oceano. Ah! Todos os homens juntos não poderiam fazer um mosquito,
um grão d'area, quanto mais o unirnrso !
Assim, d'uma parte, nem foi o acaso nem o homem que fizeram as
maravilhas que temos diante de nós; d'outra parte, estas admiraveis
obras não existiram sempre, nem se fizeram a si mesmas; porque não
tem as propriedades do Ente necessario ; que nos resta ? senão que são
obra d'aquelle Ser eterno, infinito, todo poderoso, a quem as linguas de
todos os povos chamam Deus ?
2. 0 O testemunho dos homens. Sim, todos os povos lhe deram este
nome, porque todos o povos creram e crêem na existencia de Deus, prin-
cipio de todos os seres. (1) Poderam enganar-se á cerca das suas perfei-
ções e attributos, mas sempre reconheceram a sua existencia. Tornai o
genero humano desde o seu berço, segui-o a todos os climas successiva-
mente; não vos escape nenhum paiz, nação ou familia; passai dos povos
civilisados ás nações barbaras, penetrai nas tribus degeneradas, que plan-
taram suas tendas no meio das arêas da adusta Africa ; ou nas hordas
selvagens, que divagam pelas vastas florestas do novo mundo; por toda
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30 CATECISMO
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DE PERSEVEl\ANÇA. 3t
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32 CATECIS~IO
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DE PERSEVERANÇA. 33
idêas, a inspiração, o re1ance d' olhos, que só a elle é proprio? Respon-
dei t D'onde vem isso? Indicai-me a causa! Vós a ignoraes, Gão é as-
sim? pois bem, nem eu nem ninguern a sabe; e comtudo, esta singula-
ridade, que caracteriza alguns individuos, não é um facto tam evidente,
tam positivo como qualquer outro facto? Mas, se ha uma tal ditferença nos
espiritos. ha uma causa apparente ; alguem produz esta difierença : não
sois vós, nem en, e o genio não é mais que uma palavra que nada signifi-
ca a respeito de causa. Que me venha alguem dizer: isso é o efieito dos
orgãos : esta parvoice poderá contentar um carabineiro, mas não a
mim, entendeis? ...
Os effeitos provam a causa, e os effeitos divinos fazem crêr na
causa divina. Sem duvida, existe uma causa divina, uma razão sobera-
na, um ser infinito; esta causa é a causa das causas, esta razão é a ra-
zão creadora das intelligencias. Existe um Ser infinito, ao pé do qual
tu, general B... , não és mais que um atomo; ao pe do qual, eu, Napo-
leão, com todo o meu genio, sou um ''erdaueiro nada, um puro nada,
entendeis-me? Este Deus eu o sinto ... vejo-o... careço d'elle ... creio
n'elle... se vós o não sentis; senão crêdes n'elle, oh, tanto peior para
VÓS.» (t)
A' eloquente demongtração d'este grande homem, jantaremos O·
simples mas peremptorio raciocínio d'uma criança. Ha algnns annos
que um rapaz de provincia veio a Pariz, para acabar os seus estudos;
teve a desgraça, como tantos outros, de cahir em más companbias.
Suas paixões, d'accôrdo com os impios discursos de seus companhei-
ros, fizeram-lhe esquecer as lições de sua piedosa mãi, e desprezar a
Religião. Chegou a ponto de desejar, e emfim dizer, como o insensato
de que falia o propheta : Não existe Deus ; Deus não é mais que um
nome. Diga:nol-o de passagem, é sempre assim que a incredulidade co-
meça; esta pl<rnta não lanç:i raízes senão na immundicia. Passados
annos voltou este joven da Capital para o ~eio da sua familia. Um dia
foi convidado para uma casa hone~ta, onde havia urna numerosa com-
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DE PERSEVERANÇA. 35
Seja, logo ha uma gallinha que não veio d'um ovo; agora dizei-me :
quem creou esta primeira gallinha, da qual depois vieram todas as
gallinhas e todos os ovos? Com as vossas gallinhas e os vossos ovos,
parece que me quereis tomar por uma saloia. Perdoai, senhor: eu
só vos peço que me digaes d'onde veio a mãe de todas as gallinhas,
e de todos os ovos. Mas emfim... Pois já que não sabeis, d;Ji-me
licença que vol-o ensine. Aquelle que creou a primeira gallinha,
ou o primeiro ovo, como quizerdes) é o mesmo que creou o mundo; e
este Ser, é o que chamamos Deus. Pois que, senhor, vós não podeis, sem
Deus, explicar a existencia d'um º''º ou d'uma gallinha, e pretenderieis,
sem Deus, explicar a existencia do universo !
O joven ímpio não quiz saber de mais nada; agarrou furtivamente
no chapeu, e escoou-se, corrido como o leão que sahiu sendeiro ; ou
como aquelle que vai buscar lã e vem tosquiado. (t)
Da existencia de Deus passemos a suas adoraveis perfeições.
Deus é um espírito infinito, eterno: incomprehensivel, que está
em toda a parte, que vê tudo, que póde tudo, que creou tudo por
sua Omnipotencia, e tudo governa por sua sabedoria. Quem diz Deus,
diz o Ser por excellencia, o Ser propriamente dito, o Ser infini-
tamente perfeito. D'esta noção incontestavel deduzem-se, por uma
serie de consequencias evidentes, todos os attributos essenciaes da di-
vindade.
Lº A eternidade. Pois que Deus é infinitamente perfeito, resulta
que não ha principio anterior á sua existencia, que elle é de per si
mesmo, e pela necessidade do seu ser. Se Deus não se deu a si mes-
(1) A este caso ainda podemos ajuntar outro. Ha muito pouco tempo, que um
dos nossos pretendidos atheos fazia jornada n'uma diligencia publica. Por todo o
caminho, que foi longo, não cessou elle de aturdiar os viajantes com a sua algaravia
impia. Chegando a uma estaç.ão espreita. pela portinhola e vê as raparigas que sa~
hiam do collegio das irmãs de 8. Vicente de Paula. Endereçando-se à que vinha
mais proxima: ó pequerrucha ! lhe diz com ar de zombaria, se me dizes o qu~ é
Deus dou-te cinco reis. A menina conhecendo que elle a queria metter a bulha,
adianta-se, approxima-se da carruagem e diz-lhe: Deus é um puro espírito, e V. S.
não é mais que uma besta. A isto fez-lhe uma grande mesura e se foi rindo ajun-
tar-se ás suas companheiras. Como ficou o impio é facil imaginar-se.
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36 CATECISMO
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DE PERSEVERANÇA. 37
de, cbaridade e prática das virtudes : ai d'aquelle cujo coração é incons-
tante!
6. 0 A liberdade. Pois que Deus é infinito, nenhuma causa ex-
terna póde impecer as suas operações. Deus pois creou livremente
o mundo em o tempo_, sem que isso fosse para elle uma acção ou
um designio adventicio; assim o qniz desde toda a eternidade, e o
effeito seguiu-se no tempo : tam livremente como creou, assim lam-
bem governa o mundo. Imagens suas, jámais as vergonhosas cadeias
do peccado não venham r0trnar-nos as mãos ou intorpecer-nos os
pés: como poderemos ser filhos de Deus e curvar a cerviz ao jugo
de Satanaz?
7. 0 A espiritualidade. Pois que Deus é infinito, segue-se que não
tem corpo; porque todo o corpo é limitado, imperfeito, sujeito a mu-
danças e dissoluções. Logo Deus é um puro espírito. Ente simples,
invisivel, bem qne presente em toda a parte, sem mistura e sem fór~
ma, nem póde ser visto pelos nossos olhos, nem palpado pelas mãos,
nem percebido por alguns dos nossos sentidos. Por isso, quando ouvir-
des fallar das. mãos, braços, pés, ouvidos_, e olhos de Deus ; quando ou-
virdes attribuir-lhe sentimentos de cólera ou odio não se ,-.,s metta em
cabeça que estas expressões se tomam ao pé da letra, na accepção ma-
terial ou humana; taes locuções são metaphoricas; a magestade divina
digna-se abater-se por este modo á esphera de nossa fraca intelligencia ;
o mesmo succede todos os dias entre nós. Quando nos encontramos com
homens pouco civilisados, de proposito empregamos a sua mesma lin-
guagem a fim que nos entendam. Por isso quando se falta das mãos. bra-
ços, ouvidos, ou olhos de Deus, quer-se dizer por suas mãos, que elle
faz tudo; pelos braços, que póde tudo; pelos cuvidos, que ouve tudo;
pelos olhos, que vê tudo; pelo odio ou cólera, que não póde soffrer o
peccado, que o pune tanto como merece. Imagens como somos de Deus,
sejamos corno anjos em nossos corpos mortaes, seja sempre dominada
em nós a vida dos sentidos pela vida do espírito; até ao ditoso dia, em
que uma e outra serão absorvidas pela vida de Deus, ao qual nos tere-
mos feito similhantes.
8. 0 A intelligenC'ia. Pois que Deus é infinito, segue".se que sabe e
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38 CATECISMO
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DE PERSEVERANÇA. 39
a sua divisa, o seu brado de guerra, a sua expressão familiar. David t:ião
se contentava com o louvar sete vezes por dia : Eu tinha, diz elle, o
Senhor sempre presente a meus olhos, porque sei que elle está sempre á
minha direita, para impedir que nada me perturbe. (t)
Porque não imitaremos estes grandes homens, mestres e modêlos
nossos 'l Que cousa mais propria que esta lembranç.a da presença de Deus
para nos incitar ao bem, consolar nos trabalhos, firmar e sustentar no
dever? Quem ousaria fazer diante de Deus o que se envergonharia de
praticar diante d'um criado? A todas as perfeições de que acabamos de
fallar, · accrescentaeo poder, a santidade, a bondade, a misericordia, a
verdade, a justiça, e tudo isto no gráo mais elevado ; e tereis o Ente a
quem a Jingua de todos os povos chama Deus. (2)
Quanto é grande! Mas ao mesmo tempo quanto é bomr Porque todas
estas adoraveis perfeições as faz Deus servir a bem do homem e das
creatoras. Não abandonou elle o mundo ao acaso depois de o haver tirado
do nada ; mas como um rei governa os seus Estados, ou um pai sua fa-
milia, assim governa Deus o mundo. Este pensamento natural nos conduz
á sua Providencia.
Comecemos pois por definir claramente esta bella palavra, que tantos
pronunciam sem lhe conhecerem a significação. A Providencia é o gouerno
de Deus em o mundo, ou ~a acção de Deus sobre as creaturas, para as
conservar e conduzir ao seu fim. Suppõe ella o exercício de todas as
perfeições divinas. Maiormente o poder, sabedoria e bondade, estendem-se
a todas as creaturas, assim as maiores como as menores; por outras pa-
lavras, Deus vela igualmente o mooarcha e o escravo, o velho e o menino;
os corpos immensos que rolam pnr sobre nossas cabeças e o insecto que
roja a nossos pés. Conserva igualmente uns e outros, a todos igualmente
dirige ao seu fim.
Ora, ha duas especies de creaturas, materiaes, e espirituaes. Por
onde, a Providencia ou se dirige á ordem physica ou moral.
A Providencia na ordem pbysica é acção pela qual Deus conserva e
(1) Psal. XV, 8.
(2) Veja-se Fenelon, da Exi stencia de Detts j Bergif~r, al't. Deus j S. Thomaz
p.1,q.2.
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40 CATECISMO
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DE PERSEVERANÇA.
bem a gloria de Dens. Foi elle creado como um bello espelho onde se
reflectissem todas as perfeições do celestial artifice. Basta vêl-o para ado-
rar em silenciosa admir~wão o supremo Ente que o fez apparecer na exis-
tencia.
Além d'este fim ultimo que é a gloria do seu author, todos os seres
teem um fim particular; este, nas creaturas inanimadas é o bem do ho-
mem, por isso todas se referem a elle e o servem em seus usos. Quanto
ao homem, este fim particular é a sua salvação, isto é, a sua bemaventu-
rança eterna : se elle glorificar a Deus na terra, Deus promette-lhe em
recompensa glorificai-o na eternidade. Mas quer o homem opere ou não
a sua salvação, nem por isso deixará Deus de conseguir o ultimo fim
para que o creou ; por quanto, se elle recusar ser um monumento da sua
bondade, será um padrão ela sua justiça; e Deus ficará igualmente glo-
rioso; porque de qualquer maneira, se m3nifesta a saa bondade, justiça,
sabedoria e omnipotencia. ('1) Assim como o sol, que não é menos lumi-
noso e beneficente, quando fechamos os olhos para não vêr o resplendor
de seus raios, ou buscamos a sombra para fugir a seu abrazado ardor.
Todavia, Deus que é a bondade mesma, quer com toda a efficacia do seu
amor que o homem livre consiga a bemaventurança eterna, e proporcio-
na-lhe para este fim todos os meios. Tal é a idêa que 'devemos ter da
Providencia; agora mostremos que ella existe.
Existe uma Providencia na ordem physica ; isto é, Deus conserva e
dirige todas as creaturas materiaes ao fim para qne as creou, que é a sua
gloria e o bem do hoi.nem. Esta Providencia não se exerce sómente no
todo do universo, mas estende-se tambem a cada uma das partes que o
compõem, ainda as mais pequenas; a cigarra, a formiga, o oução, a her-
vinha ; vejamos as provas.
t. 0 Quem melhor que o mesmo Creador poderá revelar-nos a exis-
tencia da Providencia? Ora, eis-aqui os seus oraculos; e~cutemos com
(1) Nec ideo credant iniqui. Deum non esse omnipotentem quia multa contra
ejus faciunt voluntatem; quia et cnm faciunt quod non vult, hoc de eis facit quod
ipse vult. Nullo modo igitur Omnipotentis vel mutant vel superant voluntatem:
sive homo juste damnetur, sive miseric01·diter liberetur, voluntas Omoipotentis im-
pletur. Aug. serm. 214.
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42 CATECISMO
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DE PERSEVERANÇA.
das a quem tiver olhos para vêr. Com effeito, a successão constante dos
mesmos phenomenos suppõe necessariamente uma causa constante que
os produz: Ora, esta causa constante chama-se lei; porque a lei conhe-
ce-se pela permanencia dos effeitos.
Se vêmos pois, no universo, effeitos que se produzem sem-
pre os mesmos; se, por exemplo, o sol quotidianamente se levanta,
para percorrer o mesmo giro; se constantemente illumina e fecunda
a natureza; d'isto sem duvida concluimos que ha uma causa con-
stante d'este facto, e logo dizemos : ha uma lei em virtude da qual o
sol nasce todos os dias. Da mesma sorte, se percorrermos todas as
partes do universo, a terra e os animaes que o habitam, e o re\!es-
tem ; o mar e o movimento que o agita, e os peixes que o povoam ;
e por toda a parte descobrirmos effeitos constantes e mil vezes repeti-
dos, d'ahi conclnirnos que ha causas constantes, princípios de todos estes
factos, e logo dizemos : ha leis que produzem todos estes phenome-
nos.
Ora, o universo, estudado que seja na infinidade das creaturas que
o compoem, offerece-nos sempre o mesmo espectaculo: logo devemos
concluir que ha Jeis concernentes á conservação e governo geral _do
/ mundo physico e de todas as creaturas em particular.
Resta-nos saber quem estabeleceu estas leis; porque não ha 1eis
sem legislador. O legislador tam poderoso e sabio do universo ou é Deus,
ou o homem, ou o acaso : aqui não ha meio termo. Ora, o acaso não
póde ser, porque o acaso é nada; o homem tambem não, isto sabemos
nós bem: logo é Deus; logo existe uma Providencia divina que governa
o mundo phys.ico.
Será bom fazer sobre isto dous reparos : f. º Assim como Deus
foi livre em estabelecer as leis do mundo physico, assim tambem será
em as derogar, e elle o faz quando lh'o pedimos. Por isso, quando as
calamidades, a peste, a fome, as inundações, a sêcca e outros flagellos
nos ameaçam ou affiigem, pedimos a Deus que os faça desapparecer e
apar:tar de nós ; e em identicas circumstancias. todos os povos usaram .
a oração. 2.º A constante repetição dos mesmos effeitos deve-se tam
pouco .ao acaso, que os impios, apostolos decididos d'esta divindade cé-
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CATECISMO
ga: jámais lb'os attribuem, ainda nas mais pequenas cousas; sirva-nos de
prova a seguinte anedocta.
Os philosophos do seculo passado reuniram-se certo dia todos em
casa d'um d'elles. Depois d'uma ceia adubada d'atheismo, propoz
Diderot que se nomeasse um advogado de Deus ; e com effeito no-
mearam para isto o celebre padre Galiani. Sentou-se elle, e começou
assim: «Um dia, em Napoles, um certo homem botou seis dados n'um
copo, e apostou levar rifa de seis; levou a primeira. Ora este lance era
possivel. Tornou a deitar os dados no copo tres, quatro, cinco vezes,
e sempre rifa de seis : Bacch.o, gritei eu, os dados estam furados, e
com effeito o estavam. Mêns philosophos, quando considero a ordem
sempre renascente da natureza, as suas revoluções sempre constantes
em uma variedade infinita, este lance unico e conservador d'um mundo
tal como o que vêmos, que se reproduz incessantemente a pezar de mil
e mil outros lances de perturbação e destruição, não posso deixar de lhe
dizer : a natureza está furada.» Este chiste original e sublime fez emmu-
decer os adversarias da Providencia.
Não daremos aqui maiores desenvolvimentos ás provas da Provi-
dencia no mundo physico: reservamo-nos para quando tratarmos da obra
dos seis dias. Passemos agora á Providencia na ordem moral.
Ha uma Providencia na ordem moral; por outras palavras, Deus
conserva e dirige as creaturas racionaes, os homens e os anjos, ao 6m
para que os creou, a salvação d'elles e a gloria de Deus. Vamos tratar do
homem em particular.
Notamos primeiro que, assim na ordem moral como na physica,
ha uma Providencia geral e uma Providencia particular. A priméira é
a acção pela qual Deus dirige o genero humano ; isto é, os imperios,
os grandes successos, as grandes revoluções do mundo, á sua gloria, e
salvação do genero humano. O Catecismo de Perseverança, começando
da creação do priµieiro homem até cs nossos dias, será a magnifica his-
toria d'esta Providencia que, antes de Jesu-Christo, encaminha todos
os successos para o cumprimento do grande mysterio da Redempção;
e que, depois da vinda do l\Iessias dirige ainda todos os suceessos á
conservação e propagação da obra reparadora. Estamos por tanto
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(1) Justitia elevat gentem, miseros populos facit peccatum. Prov. XIV, 34.
(2) Quando escrevêmos isto, em Nevers, a 19 de dezembro de 1840, condu-
ziam ao cadafalso uma mulher que envenenou seu marido.
H
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46 CATECISl\IO
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48 CATECISMO
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DE PERSEVERANÇA.
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üO CATECIS~IO
Mas para responder, por uma vez, a todas as objecções dos Deístas,
e indifferentistas; basta expôr o seu systema : é a melhor prova da Pro·
videnc1a.
4.º A ab imlidade do Deismo prova a Providencia. Chamamos
deistas áquelles que, admittindo a exi tencia de Deu , negam a Provi-
dencia, seja na ordem phy ica, ou na ordem moral ; e, por consequencia,
são indifferente'"' em materia de Religião. Ei -aqui o seu Symbolo : CreiQ
em Deus que creou tudo, mas não quer saber de nada ; que deixa suas
obras correr fortuna, similbante á mãi desnaturada que, depois de ter
dado á luz um filho, atira com o fracto das suas entranhas ao meio d~
rua.
Creio em um Deus que me di "se quando me creou: Eq doq-te a
existencia para me adorares ou ultrajares, como te parecer; para me
teres amor ou odio, como quizeres. A' verdade, o erro, o bem, o m31,
tudo em ti me é indifferentc; a tua existencia, separada de tudo, não se
pne a cousa alg~ma no meus con elbo . Producção vil das fllinhas mãos,
tu n~o mereces que eu olbe para ti; foge da fui_oba vi ta apague-se em
mim a tua memoria; as tuas idêas, e não as minha , sejam a tua lei, ~
tua regra e o teu Deus.
Se o Symbolo do Dei ta é absurdo, não o é meno o seu Decalogo;
eil-o aqui reduzido á expre são mai simp1e·. Todas a Religiões admitti-
rás e rejeitará ao me mo tempo. Catholico em Roma, Protestante eµi
Genebra, Mahometano em Con tantinopla, Idolatra em Pekin; tudo isso
é indifferente; em materia de Religião, noute e dia, branco e preto, sim
e não, é a mesma cou a. Bem beber, bem comer, dormir, e digerir;
_entregar-se a todas as suas inclinações; esta é a Religião unica e verda-
deira. E' a Religião dos Deístas. Ora, e ta pretendida R ligião, mil veze&
mais injuriosa á divindade que o atbei mo, livela o homem com o bruto,
dá entrada a todos os crimes, não offerece ã sociedade outra prol.ecção
que a da forca ; não deixa e perança ao fraco, consolação ao desgraçado,
coragem ao justo, freio ao malvado; estabelece uma moral digna, quando
muito, dos porcos e lobos. Logo é falsa: porque, diz um certo impio,
a verdade não é jámais nociva; e essa é a melhor prova de que q dou-
trina dos Deistas não é verdadeira.
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DE PERSEVERANÇA. 5t
Finalmente, n'este Catecismo verêmos que ha uma Religião verda-
deira; que não ha mais que uma só, assim como não ba mais que um só
Deus; que ella vem d'este mesmo Deus; que é necessaria ; e que uma
eternidade de bemaventurança será a recompensa d'aquelles que a obser-
vam, e uma eternidade de supplicios, o justo castigo d'aquelles, que tive-
rem desprezado esta Religião santa, lei suprema do Ente, que creou o
homem dotado de razão e liberdade.
ORAÇÃO.
O' meu Deus! Que sois todo amor, eu vos dou graças porque vos
déstes a conhecer ao homem; esclarecei aquelles que todavia vos não
conhecem. Eu vos adoro e amo de todo o coração; eu vos consagro tudo
o que tenho e tudo que sou.
Eu protesto amar a Deus sobre todas as cousas, e ao proximo como
a mim mesmo, por amor de Deus; e, em testemunho d' este amor, direi
muitas vezes comigo mesmo: Deus v~ tudo o que eie faço.
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•
...·i
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IV.ª LICÇÃO
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CATECIS~lO
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DE PERSEVERAJ\'ÇA. 5õ
que importa saber é, que Deus não quiz fazer 9 mundú em um instante,
e de uma só vez; mas successivarnente; a fim de nos mostrar que é livre
em obrar como lhe apraz. Eis-aqui a ordem porque tirou do nada todas
as creaturas.
No principio CREOU DEUS o CEO E A TERRA. No prüzcipio, isto é,
sciencias, nas fi.lPiras da incredulidade, para fazer guerra á Bíblia. CreS(!eu ella, e
crescendo esclareceu-se. Hoje rende homenagem á Biblia; pede-lhe, p~ra suster-se,
o auxilio de sua mão poderosa; assim como menina, se pendura do braço de sua ama,
para firmar seus debeis passos. • E' aprasivel, diz a este respeito o Doutor Wise-
man, vêr uma sciencia clasi;ificada a principio, e talvez com j_nstiçl,l, entre as mais
perniciosas para a fé, tornar-se um de seus apoios; vêl·a agora, apoz de tantos annos
empregados a divagar de theoria em theoria, ou antes de visão eQl visão, tornar ao
ponto em que nascêra, e ao altar onde havia offerecido suas primeiras e simplices
offerendas ; já não é. como no tempo que se ausentou, entregue á sua vontade, um
prodigo joven, sonhando Yenturas; mas sim o adulto, com a dignidade viril e aspecto
sacerdotal, voltando a depositar, nos sagradQs lares, os bem ~dquiridos dons que
lhe adornam o peito. 11 Di:5c. etc. t. I, p. 336.
A' cerca dos dias da creaçào ha entre os gE>ologos duas opiniões. A pri~eira pre-
tende que estes dias são epochas ele duração indeterminada, e julgSi necessaria esta
interpretação para explicar os phenomenos geologicos; a segunqa quer que aio sejam
'°ais que revoluções de vinte e quatro horas, e nega a necessid~de c!'oq.tra expli-
cação.
O primeiro parecer basea-se nas rnzoens 'seguintes, de que vamos ela.- o 11esuQ10:
1" A palavra dia, no hebraico como no latim, na lingua francesa eomo eoa
toqa.s as m~is, frequentemente se toma por qualquer período ou epocba. Ainda mesmo
no Genesis, Moysés a emprega n'este sentido. Com effeito, apoz de ter desc1·ipt.o
8 uccessivamente as obras da creaçào, faz de tudo uma especie de recapitulação,
dizendo: Taes foram as gerações dos setes, no dia que Deus creou o ceo e a terra.
N'esta passagem a palavra dia evidentemente significa não o espaço de vinte e qua-
tro horas, mas os seis dias, ou epocba& na creaçào, e corresponde á palavra tempos
ou epocbas indeterminadas. O mesmo sentido tem em muitas outras passagens da
Escri ptura.
2. 0 Os nossos dias de vinte e quatro horas são regulados pelo movimento da
terra em presença do sol. OrR, pergunta M. Deluc, como é que Moysés, fallando da
primeira epocba, poderia a.ssimilhal·a aos nossos dias de vinte e quatro horas, pois
que estes se medem pelas revoluçõas da terra sobre o seu eixo em presença do sol,
quando este não teve a propriedade de luzir e derramar a luz pela terra senão na
quarta epocba ou quarto dia? Logo Moysés não entendeu fallar do dia de vinte e
quatro horas, mas sim d'um periodo de indeterminada duração.
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CATECISMO
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DE PERSEVERANÇA. 57
Passa depois aos pormenores, narrando o que se fez em cada dia d'esta
grande semana. (t) Quantas duvidas se não esclarecem por estas poucas
palavras: CREOU Drms o CEo E A TERRA! Quantos erros se dissipam! Quantas
verdades salutares se revelam! A não ser esta -luz que faria a nossa razão,
senão procurar sempre e talvez errar sempre.
Trabalhareis durante seis dias, diz Moysés aos Israelitas, e descançareis no
setimo; porque o Senhor fez o ceo e a terra em seis dias, e descançou no setimo.
Exod. XX, 10. Moysés emprega aqui o mesmo termo para explicar os dias da crea-
ção e os dias ordinarios; uma linguagem tam constantemente equivoca não teria
induzido os homens n'um erro inevitavel, quando prevenil-o era tam facil a Moy-
sés?
2.0 Os geologos, partidarios dos periodos indeterminados, pretendem que a
manhã, mane, signifique o começo, a aurora d'um periodo ou de uma creação, e a
ta1·de, vespere, uma revolução, catastrophe ou destruição d'essa creação mesma ; e
por este modo explicam a origem dos fosseis das diversas formações geologicas. Mas
primeiramente, é isto inverter a linguagem, dando-lhe uma interpretação audaciosa.
mente arbitraria. Em segundo logar 1 no primeiro dia fez Deus a luz, no segundo
dia fez o firmamento ; para designar o fim d'estea dias, serve-se Moysés da palavra
vespere, a tarde: se esta palavra significa uma catastNphe, uma ruina, de que
destruição se trata no fim d'estes dous pretendidos periodos? Será acaso a aniqui-
lação da luz, ou dv firmamento? Quem ousaria dizêl-o? Demais, para que teria Deus
destruido no fim de cada dia a obra que havia creado no principio e achado boa? e
se destruiu por este modo, successivamente e no fim de eada periodo, os productos
de cada um dos períodos prncedentes, logo os creou de novo na manhã de cada um
dos periodos seguintes. Moysés conta bem a obra especial de cada dia; mas onde
nos falla elle das restaurações d'uma obra anteriormente destruida? Pelo contrario,
em sua narração tudo concorre a fazer-nos crêr que a obra de cada dia continuava
a subsistir inteira e perfeitamente boa, tal como tinha sabido das mãos d'um Creador
omnipotente e omnisciente.
3. 0 Os partidarios dos dias periodos são forçados a admittir, para serem conse-
quentes, que os terrenos mais antigos, ou de transição, não contém mais que restos
vegetaes e não animaes, pois que estes não foram creados senão no quarto dia; e
comtudo as camadas transitorias mais inferiores, taes como o grupo de carvão,
encerram misturadas as plantas fosseis e a.s reliquias d'animaes marinhos e terres-
tres, e insectos de muitas familias que vivem no ar. O systema por tanto está aqui
em manifesta contradicção com os factos geologicos. A mesmu impossibilidade existe
em conciliar a acção convulsiva d'estas catastrophes que teriam destruído cada
(1) Greg. de Nyssa, lib. in Hex.-Cyril. d'Alexand. contra Juliano. lib. II.
-E Agost. Gen. ad litt. lib. I, c. 3.
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CATECISMO
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DE PERSEVEllANÇA. 59
passado rec2hiu n'este cabos, por ter rejeitado esta base do edificio. A
sciencia actual sahe das trevas e engrandece-se á proporção que se torna
Biblica.
Vêdes ainda que magestadc e simplicidade n'estas poucas palavras:
No principio CKEOU DEUS o CEO E A TERA 1 Sente-se que é o mes-
mo Deus que nos instrue d'uma maratilba a quo é mui superior.
e destinos da nobre creatura que Deus vae formará s_ua imagem.• Novo tratado dai
sciencias geologicas, p. 313 e seg.
O celebre doutor Wisema.n, outr1ora professor da universidade de Roma, e hoje
bispo em Inglaterra., admitte .a tnestná opinião ê diz que, a theoria das epochas inde-
terminadas, supposto que louvavel no seu objecto, não é por certo satisfüto1·ia nos
seus resultados; depois accrescenta : « E que repugnância ha em suppôr que, desde
a creaçào do informe embrião d'este mundo tam bello, até chegar a ser revestido de
todos os seus ornamentos, e appropriado ás necessidades e habitos do homem, qui-
zesse a Providencia conservar uma gradação, pela qual a vida avançasse progres-
sivamente para a perfeição, tantó no seu poder interior como em seus instrumentos
exteriores? 8e os phenomenos descobertos pela geologia manifestassem a existencia
d'um tal plano, quem ousá.da. dizer que elle não concorda, na mais stricta analogia,
com as intenções de beus na lei pbysica e moral d'este mundo? ou quem affirma.ria
que este plano contradiz o sagrado texto, só porque nos deixa. em completa ignoran-
cia ácérca d'este periodo indefinido em que se colloca a obra do desenvolvimento
grádual? 11 Discurso sobre as relações entre a sciencia e a Relig. revel. t. 1.0
p. 309.
O Cuvier d'Inglaterra, Buckland, sustenta a mesma opinião d'aquelles que pre-
tendem, que os primeiros Padres da IgrPja não eotavam longe d' este parecer; pois
que suppõem igualmente um periodo indefinido entre a creaçào e a primeira combi-
nação regular de todas as cousas. Citam S. Greg. de Naz., oraç. II, t. 1. 0 , p. 51;
S. Basílio, hex. homl. II p. 23; S. Cesario, dialg. V, Orig. Periarch. lib. IV, C.
16, etc.
De tudo o que fica dito resulta, 1.0 que os geologos não estão perfeitamente
d'accôrdo em um dos pontos fundamentaes da sua sciencia; 2.0 que os geologos mais
acreditados da. nossa epocha por nenhum modo estão em opposição com o Geuesis;
3. 0 que qualquer dos dous confirma plenamente a narração mosaica, reconhecendo
que todas as creaturas sepultadas hoje nas entranhas da terra apparecem exacta-
mente na. mesma ordem em que estão collocadas no quadro magnifico da creação,
tratado por Moysés. Ora, como conhecia elle o interior do nosso globo, com uma per-
feição tal que todas as nossas sciencias, apoz dos mais laboriosos esforços, nenhuma
vantagem lhe levam em tudo que elle nos havia dito? Moysés era inspirado: tal a
resposta peremptori& da Religião, da historia e da scieucia.
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60 CATECISMO
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DE VEHS'EVERANÇA.
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62 CATBCISMO
o espirito vivificador dava á luz, por assim dizer, o mundo futuro, aní-
. mava-o com seu sopro~ e inspirava-lhe o calor e a vida.·
Ahi se encontra uma bella figura para narrar outro nascimento
mu.ito mais miraculoso aos olhos esclarecidos da fé. Nosso Senhor
fallando a Nicodemos, diz assim : Em verdade, em verdade vos digo,
que se o homem não renascer pela agua e pelo espírito, não póde entrar
no reino dos ceos. O que nasce da carne, é carne o que nasce do
espírito é espírito. Não vos admire o que vos digo, que vos é preciso
nascer de novo. (1)
Nosso Senhor compara o Espirito de Deus imprimindo nas aguas
uma virtude occulta para o primeiro naséimento, com o mesmo Es-
pirito que torna fecundas para um segundo nascimento as aguas do Bap-
tismo. Assim nos mostra na creação do homem o modêlo da sua repa-
ração. Adverte-nos que o homem não reteve, <la sua primeira origem,
mais que um nascimento carnal, desde que foi privado do Espirito, cuja
vida e calor o tinham animado ; e que será sempre excluido do ceo, se
não receber outro nascimento, do qual o Espírito de Deus e as aguas
sejam como outr'ora o principio. (2) Não é esta a unica vez que teremos
occasião de notar que Deus, na regeneração do homem, seguiu as mes-
mas leis que na sua creação.
E o Senhor disse : Faça-se a luz, e a luz foi feita: e Deus viu que
a luz era boa ; isto é, conforme em tudo ás regras e designios da sua
divina sabedoria. Elle separou a luz das trevas, e chamou á luz dia e
ás trevàs noute. (3)
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DE PERSEVERANÇA. 63
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6~ CATECISMO
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66 CATECISMO
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DE PERSEVERANÇA. 67
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GS CATECISMO
senão por meio da luz que não é material. (t) Que contradicção ! A luz
increada, que possue em gráo superior todas as propriedades da luz creada,
derrama-se por meio da palavra com uma rapidez prodigiosa; illumina
todas as intelligencias em qualquer paiz ou seculos que as encontre, sem
nada perder da · sua efficacia ~ ensina-nos a distinguir tudo, o verdadeiro
do falso, o bem do mal, o perfeito do imperfeito; ella dá a côr, a belleza,
o caracter a todos os objectos do nosso conhecimento e do nosso amor.
O mesmo succede com a luz creada. Estas poucas palavras sobre as ana-
Jogias das duas luzes, que illuminam as nossas duas naturezas, bastarão
para nos ensinar em que sentido cumpre que estudemos as obras de Deus,
e verifiquemos a profunda palavra .do Apostolo S. Paulo, que o mundo
visível não é mais que a expressão do mundo invisivel.
Depois de ter creado a luz, Deus a separou das trevas, isto quer
. dizer, que Deus estabeleceu uma ordem e successão entre as trevas e a
luz. Desde este momento o dia e a noute substituem-se sem se obstarem.
Diríeis que são dous filhos que partilharam entre si a herança paterna,
de que antes gozavam em commum, sem desavenças, nem usurpações_.
nem litígios, restringindo-se e contentando-se cada um, desde tantos ·se-
culos, com o que é seu, e por justiça lhe pertence.
ORAÇÃO.
O' meu Deus ! que sois todo amor, eu vos dou graças por terdes
e.reado a luz, que me procura tantos gozos e prazeres diversos. Não per-
mittaes pois que eu abuse d'ella para fazer mal. Esclarecei tambem minha
alma com a luz de vossa eterna verdade; da qual a que illumina os meus
olhos corporeos não é mais que a imperfeita imagem.
Eu protesto amar a Deus sobre todas as cousas, e ao proximo co·mo
a mim mesmo por amor de Deus; e, em testemunho d'este amor, lev<W-
tarei muitas vezes os olhos para o Ceo.
(1) Parece que a luz não é um fluido particular e distincto, mas antes qne,
similhante ao som, é o resultado de vibrações do ether ou do ar atmospherico posto
em movimento pelo sol, etc. Marcel de Se;Tes, p. 111.
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V.ª LIÇÃO.
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70 CATECISMO
precisos mais de seiscentos mil annos. (i) 3. 0 Que as estrellas fixas são
outros tantos soes que Deus semeou no immensura\·el espaço, e que nos
enviam, não uma luz albeia, mas a luz que lhes é propria. Façamo id "a
do poder d'aquelle que, com uma só palavra, fez taro grandes coa a . E ·
este mesmo Deus que, por amor de nós, se fez menino ; e occultando-se
sub as apparencias do pão, se nos dá em a sagrada Eucharistia !
Se as estrellas fixas, na immensa distancia a que estão de nós, po-
dem comtudo vêr-se, isto é uma prova de que são tam grandes como o
sol; a sua diminuição apparente não é mais que o effeito de sua prodigio a
distancia. São pois outro tantos soes que se afastaram para nos não
incommodarem com a sua luz, sem comtudo nos privarem de a gozarmo .
Demais, se aquella brancura que se chama via lactea cão é, como nol-o
diz o telescopia, senão um vasto montão de estrellas, ou de soes ainda
mais distantes, logo a mão de Deus lançou mundos ao longo d'aquella es-
trada com tanta profusão como arêas á befra mar. Todas estas enormes
espberas, que rolam taro diversamente por cima de nossas cabeças, são
machinas terríveis; das quaes o menor embate bastaria a fazer pedaços o
nosso globo. Mas a poderosa mão que as st;ispendeu no e paço é a mesma
que lhes traçou a orbita ; e que, por um calculo infallivel, regulou to-dos
os degraus de seu pêso e rapidez. Nenhum imprevisto obstaculo, orr es-
tranha força, lhes desconcertará o curso.
E no meio d'esta immensidade, que é e--te punhado de terra que ha-
bitamos? que são, em comparação d'estes mundos, as provincias e os rei-
nos? São ãtomos, que brincam nos ares, e que se percebem aos raios do
sol. E que sou eu, no meio de tudo isto? Ah ! como me perco no meu
(1) De (J_ua.Iquer instrum nto que façamos uso, as estrellas, e sobretudo a es-
trellas fixas, parecem-nos sempre tam pequenas como d'antes; isto mostra a prodi-
giosa distancia a que estão de nós. Se um habitante do nosso globo podésse, elevan-
do-se ao ar, chegar á altura de setenta e oit9 milhões de leguas, estas massas de fogo
ainda lhe não pareceriam mais que pontos radio o . Po1· incrivel que isto pareça, é
todavia um facto, que presenceamos todos os anno . A dez de Dezembro e tamos nós
acima de setenta e oito milhões de 1 guas mais proximos ás estrellas que adornam a
parte septentrional do ceo, do que estamos a dez de Junho; e, apezar d'isso, não
percebemos nas estrellas nenhum augmento de grandeza. Desdouits, Livro da Nat·u-
'reza, t. IV, 215.
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DE PERSEVERANÇA.
proprio nada f Todavia, ó abysmo de bondades f é para nós que Deus fez
estas magnificas obras. (1) A excellencia dos seres que Deus creou não
se mede a palmos. O homem recebeu uma intelligencia, uma vontade,
uma alma. A este pequeno ser communicou Deus o conhecimento de suas
obras, ao passo que a recusou ao mesmo sol. E' para o homem que elle
destina o uso e o proveito do rico portico dos ceos. E' elle a unica de todas
as creaturas visiveis que Deus convida a que o louve. Que dignidade, que
grandeza! ter um Pai qoe enche a terra por amor de nós de toda a sorte
de bens, e que se digna empregar o mesmo ceo em nosso serviço !
Que reconhecimento e gratidão não devemos ter para com um Deus que
nos trata com tauta distincção r
Se havemos de julgar sómente em relação aos sentidos podería-
mos crêr que ha por cima de nós uma grande abobada pintada d'azul, e
tomar as estrellas por brilhantes engastados n'ella. Acabamos de vêr que
esta apparente pequenez das estrellas é devida á sua prodigiosa distancia.
Quanto á côr azul do firmamento, procede t. 0 de que a atmosphera, ou
esta massa d'ar que nos rodêa, não é perfeitamente transparente; 2. 0 a
atmosphera está sempre carregada d'uma camada d'aguas subtis que
reflectem conjuntamente com o ar os raios do sol. A côr azulada é pro-
pria da agua, seja espêssa, ou rarefeita, sobretudo quando o seu volume
é consideravel. A atmosphera pois deve ser de côr azul, e este azul é
mais ou menos claro, segundo a quantidade dos raios que o traspassam.
Da combinação d'este ar com as aguas subtis é que Deus formou a côr
d'esta abobada brilhante que regozija por toda a parte a vista do homem,
e é como o engraçado tecto de seu palacio. Uma tal maravilha demanda
(1) cc A unica razão, dizia o celebre Huyghens, que nos ob1iga a crêr que..ha
nos planetas um animal racional, é que a nao se · i o, a nossa terra teria muito
grandes vantagens; e ficaria muito superior em dignidade a todos os mais planetas.•
Acaso não é uma bella razão esta unica razão! cc A opiniao de que o universo foi
feito para o homem, diz o visconde de Bouald, nada tem que espante a alta philoso-
phia, que nos ensina que o universo material é o menor dos dons que o Creador fez
ao homem.11 Quando nos lembramos que o Creador de todos os mundos se deu a si
mesmo ao homem, como não admittir que lhe désse tambem as suas creaturas? Por
ventura val mais a obra que o aut.hor ?
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72 CATECISMO
mais que admiração ; porque prova completamente que nós somos o ob-
.iecto das mais ternas complacencias do Creador.
De feito, Deus poderia sombrear ou escurecer esta abobada celeste ;
mas a côr negra é lugubre e entristeceria toda a natureza. O vermelbo e
o branco não lhe convinham mais. O amarello é reservado para a aurora.
Demais, se a abobada fosse toda d'esta côr, não seria assaz distincta dos
astros que deviam apparecer á nossa vista. O verde sem duvida produzi-
ria o relevo necessario, mas esta é a côr admiravel com que Deus alcati-
fou a nossa habitação 1 E' o tapete que nos estendeu por baixo dos pés.
O azul, não sendo triste, 'nem vivo, tem de mais a vantagem de fazer
sobresahir a côr dos outro~ objectos, e de os avultar á nossa vista. E' por
isso que o divino pintor a preferiu a todas.
Quanto é medonho o aspecto do Ceo quando se nos mostra coberto
de tempestuosas nuvens. 1\Ias como é bello, magestoso, simples, na sua
côr serena 1 As casas dos reis, decoradas pelo pincel de babeis pintores,
nada são quando se comparam com a magestosa simplicidade da abobada
celeste. E quem revestiu o Ceo d'esta côr? quem o adornou tam rica-
mente?
Por uma attenção verdadeiramente paternal, o Ceo não conserva sem-
pre uma tinta uniforme. Pelo contrario, a sua côr modifica-se muitas vezes
cada dia. De manhã. · tenues claridades a pouco e pouco embranquecem o
horisonte, empallidece o azul dos Ceos, a fim de preparar os olhos a
supportar o fulgor da luz do dia; e quando chega a tarde, o sol não nos
priva repentinamente da sua claridade ; reflexos tam tenues como os da
manhã dispõem-nos para as tr&vas da noute. Passar repentinamente d'uma
luz forte para uma obscuridade profunda, seria muito íncommodo e pre-
judicaria os orgãos da vista, talvez a ponto de a destruir. Muitos viajan-
tes, salteados pela noute, perderiam o caminho, e a maior parte dos pas-
saros correriam risco de perecer. Louvores vos sejam dados, ó Pai celes-
te f que prevenistes e remediastes todos estes inconvenientes.
Depois de ter estendido o Ceo como um magnifico pavilhão, quiz
Deus que este Ceo ou este Firmamento ficasse no meio das aguas, de
sorte que ha aguas superiores ao Firmamento, e outras inferiores. Fez
Deus evaporar a maior parte das immensas aguas que envolviam a terra,
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DE PERSEVERANÇA. 73
e as reduziu a atamos tam imperceptíveis que, não compondo já uma
massa, mas adquirindo um movimento mui rapido, elevaram-se tam alto,
que ficou um grande intervallo entre ellas e as que permaneceram co-
brindo a. terra. Como este intervallo fazia parte do Ceo, ou do Firma-
mento, e merecia ser assim chamado, o Firmamento serviu então a sepa-
rar as aguas, ficando no meio das que foram elevadas e das que o não
foram. D'est'arte, temos por cima de nossas cabeças, e além do Firma-
mento uma immensa quantidade de aguas ; oceano formidavel, sustentado
sómente pela mão do Todo Poderoso. (1) Sendo estas aguas inuteis ou
nocivas na terra, são todavia salutares em outra parte. Seriam ellas de
grande proveito quando para nada mais servissem que para recordar-nos
perpetuamente que cederam o seu lugar a homens, que devem ser justos
e innocentes. Demais, recordavam aos ·primeiros habitantes da terra que
eslaYam promptas a reassumir o seu antigo lugar para punir a ingratidão
e a impiedade.
Sem duvida, co!ll estes dous desígnios nos instruiu Deus da sepa-
ração das aguas; das quaes umas estão suspensas sobre as nossas cabeças,
e as outras estão apenas detidas pelos limites que sua mão lhes pres-
creveu. Quando a impenitencia dos homens o levou a arrepender-se de
lhes ter dado a vida, tornou a pôr as cousas em seu primeiro estado.
Rompeu os diques que tinha opposto á faria do mar; e, não contente
com derramar torrentes de chuva, abriu os diques que represavam e sepa-
ravam as aguas superiores; a terra ficou mergulhada e envolvida outra
vez nas aguas como no dia do seu nascimento. Assim foi o diluvio. Todos
os mananciaes do grande abysmo das aguas soltaram-se, diz a· Escriptura,
e abriram-se as cataractas do Ceo. (2) Uma parte d'esta immensa quanti-
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74 CATECISMO
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DE PERSEVERANÇÃ. 75
Esta horrivel tendencia é contrabalançada pelo ar que nos rodêa. A
só igualdade d' estas temerosas forças faz toda ~ nossa segurança;
rompa-se o equilibrio, e instantaneamente pereceremos. Mas não: aquel-
le que creou estas prodigiosas forças, para pôr em acção a natureza to-
da, neutralizou-as com precaução, e moderou a cada instante a fuga
d'uma com a resistencia da outra.
Perguntareis talvez como é que o ar, sendo tam nosso visinho, e
obrando sobre nós com ta.nta força, não se deixa perceber '! Responden_
do a esta pergunta damos mais uma prova d'aquella providencia que
está vigilante e attenta ás nossas precisões. Se o ar fosse visível, a vis-
ta dos objectos não seria distincta. C~da partícula d'ar, sendo d'exten-
são bastante para reflectir a luz, faria com que não vissemas o que nos
rodêa senão como atravez d'aquelles raios do sol que passam por um
quarto escuro, e se reflectem na poeira que por elle anda voando. Fa-
zendo o ar totalmente invisível, não se contentou Deus com mostrar
melhor o exterior das suas abras ; senão que tambem quiz encobrir-nos
o que nos interessava que não víssemos.
Com effeito, sendo o ar visível, os vapores ainda o seriam mais.
O menor fumo bastava para desfigurar o rico painel do universo.
A ·nossa vida se tornaria desagradavel e cheia d' inquietações. Perce_
beriamos por toda a parte o que a perpetua transpiração dos corpos
animaes exhala, o que se evapora das cozinhas, das ruas e de todos os
lugares habitados: a sociedade ser-nos-hia insupportavel. Todavia, co-
mo as exhalações que deixam de .ser nocivas quando se dispersam, po-
deriam, não sendo vistas soffocar-nos e fazer-nos muito damno ; Deus
nos adverte do perigo por meiO dos cheiros máos, e nos livra d'elles pe-
lo soprar dos ventos.
Mas por mui subtis que fizesse as partículas do ar o nosso Pai
celeste, a fim de as tornar invisíveis, lambem lhes deu bastante solidez,
para que podéssem modificar ou refranger os raios de luz quando en-
tram n'elle de travez; a esta circumstancia devemos os crepusculos que
tam proveitosos são ao genero humano.
Quando o sol baixa no horisonte, deveriamos ficar totalmente pri-
vados da luz, e de repente submersos na mais escura noute. Todavia
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76 CATECISMO
não saccede assim. Ainda vêmos o dia durante uma hora e mais, de-
pois que o sol se põe : chama-se a isto o crepusculo da tarde .. Um
crepusculo de duração igual precede a · chegada do sol ao horisonte.
Devemos este augmento tam util do dia ao modo como Deus construiu
o corpo do ar. Estabeleceu elle uma tal proporção entre q ar e a luz,
que quando esta o atravessa a prumo, nada lhe destróe a direcção ;
mas quando um raio de luz entra obliquamente ou de lado em o ar, em
vez de o atravessar directamente, este raio curva-se e desce um pouco.
D'est'arle, quando o sol se approxima ao nosso borisonte, muitos
d'estes raios que passam por cima de nós, e que se não dirigem a nós,
encontrando a massa d'ar que· nos rodeia, curvam-se, dobrám-se pa-
ra a terra ; e chegam a nossos olhos de gcito, que vemos o dia muito
antes que se descubra o astro que o produz; e á tarde, gozamos da
mesma sorte uma parte da sua luz, ainda muito depois que elle desap-
parece. Em fim, tendo sol descido a uma certa profundidade abaixo
do nosso horisonte, já então o ar deixa de qu~brar e abaixar para
nós os raios do sol. E' então que as espêssas trevas avisam o homem a
que ponha termo ao seu trabalho. Se a lua e as estrellas ainda velam,
para ministrar o clarão de sua loz, é elle tam suave que de nenhum mo-
do perturba o seu repouso.
O ar produz ainda outros effeitos mais maravilhosos. E' um men-
sagei_ro que nos traz de toda a parte, e de muito longe, avisos, tam
certos como promptos, de tudo aquillo que nos póde interessar, seja
em bem, seja em mal. E' o portador dos cheiros com que nos adverte,
entre outras muitas cousas, da boa ou má qualidade das comidas; assim
como nos annuncia, por delicadas e lisqngeiras sensações, o que é de
natureza profi.cua para nossos usos. Não é tambem menos fiel em nos
despertar e affiigir a tempo, quando nos importa fugir a um veneno, a
um lugar pantanoso, ou habitação infecta e doentia. Se o ar é para nós
um fiel conselheiro, pela diversidade dos cheiros que nos transmitte, não
desempenha menos as suas funcções pelos differentes sons ~om que nos
toca. Podemos considerar estes sons como outros tantos correios, que
nos envia a cada instante, para nos dizer o que passa, muitas vezes
a distancias consideraveis: está da nossa parte aproveitar-nos do aviso.
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DE f'ERSEVEBANÇA. i7
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78 CATECISMO
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DE PERSEVERANÇA.
ORAÇÃO.
O' meu Deus! que sois todo amor, eu vos dou graças por terdes
posto todas as creaturas ao meu serviço. O Ceo onde appareceis tam
grande, o ar onde vos mostraes taro admiraveJ, são beneficias de vossa
mão paternal; permitti pois, Senhor, que eu use sempre d'elles para
vossa gloria e minha salvação.
Eu protesto amor a Deus sobre todas cousas, e ao proximo como a
mim mesmo por amor de Deus; e, em testemunho d'este amor, obede-
cerei promptamente a todos os meus superiores.
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Vl.3 LICÇÃO. ,
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82 CATECISMO
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DE PERSEVERANÇA. 83
aguas, do centro para as extremidades, e todos os dias tambem as re-
trahe, das extremidades para o centro, igualmente durante seis horas.
Ha seis mil annos não faltou a isto uma só vez. Este movimento chama-
se fluxo e refluxo, e é commum a todos os mares. Faz-se mais sensivel
no Oceano, onde é mais necessario; pois tem muito maior quantidade d'agua.
D'est'arte o fim d'este milagroso movimento é impedir que as aguas
do mar se não corrompam e apodreçam por um longo repouso. Mas ainda
nos serve para outros fins ; porque é para nós que o mar existe, e é tam-
bem para nós que se agita perpetuamente. Em primeiro lugar o fluxo,
ou as marés, repellem a agua dos rios, e as fazem remontar e internar,
fazendo seu leito assás prof1.mdo para poderem trazer ás portas das gran-
des cidades as enormes cargas de mercadorias estrangeiras, cujo trans-
porte seria, sem este soccorro, impraticavel aos navios. Esperam e3tes
algum tempo a enchente da maré para chegarem á enseada sem tocar no
fundo, ou entrar sem perigo no leito dos rios. Depois d'este importante
serviço, baixa a maré, e deixando que o rio torne aos seus limites ordi-
narios, facilita aos habitantes de suas margens o gozo das commodidades
que a ordinaria corrente lhes offerece.
Outra vantagem, que este movimento perpetuo do mar procura ao
Christão, é mostrar-lhe uma imagem instructiva de sua vida; a qual não
é senão um fluxo e refluxo; cresce e diminue, tudo n'ella é inconstante;
alegria, formosura, felicidade. Nadamos n'uma agua rapida e caprichosa.
Não nos deixemos arrastar ao abysmo ; mas procuremos chegar felizmente
ao porto, cujas margens são risonhas e flóridas.
O fluxo e refluxo é por tanto o primeiro meio por onde Deus impe-
de que as aguas do mar se não corrompam ; o segundo, é o sal de que
estão impregnadas.
Para se conservar effi.cazmente o mar em sua pureza, com o fluxo e
refluxo vascoleja todos os dias, d'uma extremidade a outra, o sal de que
está cheio. Se não fosse este movimento nunca interrompido, o sal se
precipitaria promptamente no fllndo. Se isto acontecesse, o mar nos in-
fectaria por um fétido insupportavel; e não poderia já nutrir os peixes,
dos quaes admiramos igualmente o numero e a delicadeza; mas a sabe-
doria creatlora previu tudo. e ludo fez por conta. pêso e medida.
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CATECISMO
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DE PERSEVERANÇA. 8ts
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86 CATECISMO
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DE PERSEVERANÇA. 87
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88 CATECISMO
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DE PEHSEVERANÇA. 89
que sobe é a haste, o que desce é a raiz da planta. Quem disse a estes
dous germens que se dividissem e tomassem cada um seu caminho diffe-
rente? Mas vamos seguindo n' elles.
L º A raiz: tem por fim t. 0 fixar a planta para não cahir na terra,
da qual a demasiada humidade a faria aprodrecer, e para que não seja
arrebatada pelos ventos. 2. 0 Procurar e transmittir á haste uma parte de
seu alimento; por isso, a raiz é ôca pelo meio. Por este pequeno canal
sobem, attrahidos do calor, os suecos que eJla exlrahe da terra. Mas que
perigo ha n'esta operação 1 Nem todos os suecos de que a terra está
cheia, convém a qualquer planta; e sabemos que ha milhares d'espe-
cies (t).
Não temaes que a raiz se engane: sabe muito bem escolher os que
lhe servem. Mas quem lhe ensinou a distinguil-os? Qual foi a escola,
qual o mestre com quem frequentou o curso de cbimica ? Eis-aqui outra
élifficuldade. Algumas vezes os suecos convenientes á planta não se acham
se não a alguma distancia. Que ha de fazer a raiz ? Não vos assusteis.
Conduzida pela mão da Providencia, a raiz alonga-se; envia, para a di-
reita e para a esquerda, pequenos filamentos a sondar o terreno, provar
os suecos, e tirar informações das suas qualidades. Mas offerece-se novo
embaraço. A raiz está separada dos suecos convenientes por uma pedra
ou um pequeno fosso : que partido tomará ? Esta ama fiel não se atemo-
risa, rodeia habilmente a pedra, ou salta corajosamente o fosso.
Passando pela raiz, os suecos preparam-se e purificam-se como as
substancias que se distillam no alambique, ou os alimentos que a mãe
tritura, adoça, impregna de saliva digestiva, antes de os metter na bôca
do seu filhinho. Entre a raiz e a haste interpõe-se um fermento que,
misturado com os suecos, communica-lhes as qualidades proprias da
planta; por onde, nos fructos, a diversidade dos gostos.
2. 0 A haste, á proporção que a raiz se mergulha na terra, a haste
eleva-se para o ceo. A haste é repassada d'uma multidão de pequenos
canaes, por onde sobem e descem os suecos nutrientes, transmittidos
(1) Alguns phisicos pretendem que todos os suecos da terra são homogeneos, e
q1ie as plantas os modificam assimilando-os.
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DO CATECISMO
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DE PERSEVERANÇA. !H
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92 CATECISMO
ORAÇÃO.
O' meu Deus ! que sois todo amor, eu vos dou graças por terdes
creado o mar, para nos dar a chuva e o orvalho, e a terra, para nos
servir d'habitação : pela terdes enfeitado com tantas belJezas ; e tratado
com tam grande ternura a mais humilde flôr, a mais tenra bervinha.
Pois que por amor de mim, Senhor, fizestes tudo isto; concedei-me a
graça de tirar proveito de tantos beneficios.
Eu protesto amar a Deus sobre todas as cousas, e ao proximo como
a mim mesmo por amor de Deus; e, em testemunho d'este amor, todas
as manhãs elevare·i a Deus meu espir·ito.
..
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VII.ª LICÇÃO.
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CATECISMO
ctiferas, aigumas ha que não dão fructo senão em uma só estação: outras,
em duas estações clifferentes; outras emfim, abrangem as estações e até
os annos. As larangeiras, por exemplo~ produzem ao mesmo tempo flôres
e fructos verdes e maduros. Deus o quiz assim por muitas razões, que
todas redundam em nosso proveito. Primeiramente ensina-nos a soberana
liberdade, com que póde diversificar as leis da natureza ; e em todos os
tempos, e de todas as cousas, fazer egualmente o que lhe apraz. Em
segundo lugar, endereça-se-nos ao coração. Esta arvore, cujos ramos estão
curvados para a terra com o peso d'excellentes fructos, dos quaes o cheiro
e a côr annunciam o gosto, e cuja abundancia maravilha a imaginação,
não :parece que está dizendo, com sua pompa e riqueza : aprendei em
mim qual a bondade e munificencia do Deus que para vós me creou ?
Não é para elle nem para mim mesma que eu sou tam rica. Elle, de nada
carece; eu, não posso fazer uso do que me deu. Bemdizei-o, e descar-
regai-me : dai-lhe gra~as; e, pois que me fez ministra de vossas delicias,
sede-o vós tambem da minha gratidão.
Não vos pârece ouvir, por toda a parte os mesmos convites? A cada
passo uma especie nova, um novo motivo de agradecimento. Vêde pois,
ó homens l como a divina sabedoria se divertiu na formação das crea-
turas ! Aqui, esconde-se o fructo, como a noz; alli, a amendoa estã no
interior, como no pecego, em quanto uma carne delicada brilha exterior-
mente com as mais vivas côres. Todas as creaturas, que nos estão pe-
dindo o nosso reconhecimento, tambem nos lançam em rosto a nossa
ingratidão. Os santos entendiam estas duas linguagens, e vós tambem as
entendereis. Conta-se d'um venerando solitario que, ao vêr as hervas, as
flôres e arbustos, que encontrava no caminho, tocava-os brandamente com
seu bordão, e dizia: calai-vos, calai-vos; eu vos entendo; criminaes a
minha ingratidão; socegai, socegai; já agora bemdigo e amo aquelle que
vos creou por amor de mim.
2. º Em suas relações com os climas e estações. Todas estas ar-
vores que, ri palavra do Creador, appareceram em um só dia e no mes-
mo paiz, para instruir e deleitar Adam, que breve devia, como ellas.
entrar na existencia, são destinadas para dous climas differentes. Os
fructos acidos serão mais ordinarios nos paizes quentes, onde mais se
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1JE PER~EVEHANÇA. 95
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96 CATJ.:ClSl\10
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DE PEBSEVEHANÇA.
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98 CATECISJ\10
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DE PERSEVERANÇA.
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100 CATECISMO
ferro a fórma que tomou para nos servir. Por isto podemos fazer um
juizo exacto do valor do ferro relativamente aos outros metaes. Todos
nos são de grande proveito; mas só o ferro nos é de exacta necessi-
dade.
Lendo a historia da descoberta da Amerioa, talve·z julguemos muito
nescios os selvagens que davam a seus conquistadores uma grande quan-
tidade d'ouro por uma fouce, uma pá, ou qualquer outro instrumento
de ferro. Agora podemos conhacer que bem acertado era o seu juizo;
pois que o ferro lhes ministrava serviços que nunca poderiam tirar do
ouro.
Logo é verdade, ó meu Deus! que não pócle o homem ievantar os
olhos para o Ceo, nem dar um passo na terra, nem cavar debaixo dos
pés, sem que descubra riquezas, que ahi foram, só para elle, deposita-
das. Por toda a parte reconhece como é objecto d'aquella divina e terna
complacencia, que pro'l!eu a todas suas necessidades, e lhe déu cousas
em que pudésse trabaJhar. exercer sua industria, e reconhecer sua bon-
. dade. Será possível que ao vêr tantos cuidados, tantos beneficios, seja
o homem ingrato?
Mas esta complac~ncia, que é tão manifesta nas exce1lentes quali-
dades dos metaes, collocados por amor de nós nas entranhas da terra'
ainda mais evidentemente se conhece na justa proporção que estabeleceu
entre a quantidade d'elles, e a medida de nossas nec~ssidades. Se um ho-
mem houvera sido encarregado de crear os metaes, e fazer pro"isão d'el-
les para o genero humano, não deixaria d'espalhar mais prodigamente o
ouro qne o ferro. Julgaria mostrar-se mais liberal , diminuindo ao mais
despresivel, e augrnentando aos que merecessem mais as nossas admira-
ções. Deus porém fez ao contrario. Como o valor e grande commodi-
dade do ouro provém da sua raridade, a~sim nol-o deu com economia .
.Esta parcimonia, de que os ingratos se queixam, é de si um grande bem.
Pelo contrario, o ferro é geralmente preciso em todas as necessidades
da vida : é para satisfazêl-as sem custo, que por toda a parte deixou Deus
o ferro ao nosso alcance. Não ha ostentação vaidosa em nosso amoroso
Pae. O caracter de sua liberalidade é dar-nos, não o que póde ser van-
gloria para quem dá; mas o que ·é solidamente vantajoso a quem recebe.
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DE PERSEVERANÇA. rnt
Preciosa lição é esta; e novo motivo de gr3tidão ! Passemos ao quarto
dia da semana; eis ahi outras maravilltas.
No quarto dia Deus disse: Façam-se os corpos luminosos no Fir-
mamento do Ceo, a fim que separem o dia da noute, e sirvam de si-
gnal para marcar os tempos e as Pstações, os dias e os an nos. ~
Brilhem no Firmamento do Ceo, e illuminem a terra. E isto se fez
assim.
Fez Deus pois dous grandes luminares; um maior para presidir ao
dia ; e outro menor, para presidir á noute ; e fez lambem as es-
trellas. (t)
E collocou-as etn o Firmamento do Ceo, para allumiarem a terra.
Para presidirem ao dia e á noute, e separarem a luz das tre-
vas.
E da tarde e da manhã se fez o quarto dia. E Deus viu que isto
era bom (2).
A esta quarta palavra apparece um nO\'O espectaculo; attendamos,
contemplemos em silencio e admiração assim as maravilhas que se vão
mostrar a nossos olhos, como a sabedoria profunda do Creador, de quem
ellas são os monumentos sempre antigos e sempre novos.
t.º Creação do sol. A luz já existia; a successão dos dias e das
noutes estava regulada; a terra era fertil, tudo o que devia produzir era
( l) Por estas palavras se vê que Deus desde este momento sujeitou o sol cons-
tantemente a alumiar a terra. As obras do terceiro e quinto dia dào-nus a conhecer
o motivo porque o nosso planeta, que por effeito da irradiação, tinha perdido uma
grande parte da luz primitiva, produzida em o principio dos tempos, tinha precisão
d'um novo recurso. Este recurso, tão necessario aos vegetaes que o embelleciam já,
como aos animaes que ia receber, devia sn constante como as necessidades que o
reclamavam. - Vê-se que Moysés falla dos grandes corpos luminosos celestes uni-
camente pela sua importancia relativa á terra, e ao homem que brevemente a viria
habitar, e não em relação á sua importancia real no systema geral do universo. O
que o prova, é que apenas menciona as estrellas. Nomeia-as em poucas palavras,
como de passagem e d'algum modo para annunciar que foram dispostas em os Ceos
pela mesma potencia que ahi pozera a lua e o sol, corpos luminosos muito mais im _
portantes e necessarios para nós que o exercito innumeravel de corpos celestes, cuja
grandeza excede talvez mui,to a do 11osso ;;ol. Cosrnog. p. 116, 117.
(2) Gen. 1, 14, Hl .
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-102 CATECISMO
(1) Analyse do Hexam. ele S. Ambr. liv. IH, Cap. VI; n.º 27; liv. II, Cap I'
n.º 2, 3, 4, etc.
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DE PERSEVERANÇA. 103
que a terra, é lançado ao espaço. Ma os raios de fogo que partem de
um globo de chammas, um milhão de vezes maior que a terra, devem
ter uma actividade inconcebível, em quanto estiverem unidos uns com os
outros, e obrarem juntamente. Era preciso poi dividil-os.• para que, che-
gando á terra, já não tivessem mais que a luz e o calor conveniente .
Ora, os raios d'um corpo luminoso dividem-se á proporção que e alcm-
gam do centro d' onde p~rtem. A que distancia vois deverá ser a terra
collocada para que estes raios, quando ahi chegarem, venham sufficiente-
rnente divididos, a fim de esclarecer sem deslumbrar, aquecer sem quei-
mar? Que vos parece? Se propozessem este problema aos nossos astro-
nomos não estaria ainda por se resolver? Mas Deus, infallivel em todas as
suas operações, disse : e o sol foi collocar-se a trinta e oito milhões de
leguas'da terra. E seis mil annos de experiencia provam a justeza infini-
ta do seu calculo.
4..º Seu movimento. Sendo a terra redonda, se o sol estivesse im-
movel no meio do Ceo, n~o aqueceria nem alumiaria senão metade do
nosso globo. Seria preciso pois que caminhasse continuamente ao redor
da terra; ou que a mesma terra, revolvendo-se, apresentasse a seus
raios todas as partes do seu globo. O divino Ordenador do mundo não
· se esqueceu d'isto. Disse ao sol que se levantasse todos os dias no hori-
sonte, e alumiasse por vinte e quatro horas successivas a todas as partes
da terra. (i) E ha sessenta seculos que o sol, submisso e obediente, nasce
todos os dias e percorre o seu caminho sem se desviar uma 1inl1a da es-
trada que lhe foi traçada. Vêde com que pompa e profusão de luz começa
elle o seu curso. Com que côr embelleza a natureza, e com que magnifi-
cencia elle mesmo se reveste t Qual o joven noivo, que sahe de sua ca-
mara para apparecer no dia mais solemne de sua vida, o sol levanta-se
no horisonte como o esposo que o Ceo e a terra esperam, e de quem elle
faz as delicias. N'este primeiro momento, o seu aspecto é cheio de doçura.
Tudo applaude á sua chegada ; todas as vistas se volvem para elle ; e
para receber as primeiras saudações, torna-se accessivel a todos os olbos.
(1) Bem se vê que não dirimimos aqui a grande questão astronomica do movi-
mento ou repouso do sol; fallamos em relação aos sentido s.
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CATECISMO
Mas elle tem ordem de lerar por toda a parte o calor, a luz e a vida.
Por isso, vêde como vai, com a magestade e graça d'esposo, e os passos
rap idos de gigante. Alvoroça-se, apressa -se, menos cuidadoso d' agradar
que de levar a toda a parte as novas do principe, que o envia ; cuidar.do
muito menos em seus enfeites que em seus deveres. Percorrendo oito mi-
lhões de legoas por hora, dardeja mais fogo á proporção que sobe. Vivi-
fica tudo o que allumia ; mda póde escapar á sua luz nem passar sem o
seu calor; attinge, com suas penetrantes chammas, aquelles mesmos lu-
gares onde não podem chegar seus raios.
Imagem bem natural d'aquelle -que veio esctarecer o universo, e que
tam dignamente desempenhou as duas qualidades d'esposo e enviado.
Sahindo cheio d'ardor do seio de seu Pai. assim percorreu como um gi-
gante a sua carreira; e como o sol volveu ao ponto d'onde partira, depois
de ter como elle passado a fazer o bem.
i.º Seu nascimento. Se o sol fizesse cada dia a mesma derrota, a
maior parte da terra seria inhabitavel; já por causa das trevas continua-
das, já pelo ca'or ardente, já pelo frio excessivo; de mais, esta marcha
uniforme do sol não nos descobriria senão imperfeitamente a sabedoria
de Deus, e a sua attenção em reger o universo; mas não succede assim.
Nenhum dia, fallando exactamente, é igual ao precedente ou ao seguinte.
E' preciso pois necessariamente que todos os dias nasça e se ponha o sol
em differentes pontos. E' por i~so que, segundo a expressão do Prophota,
um dia marca urna nova orde:n ao dia seguinte ; e a nou~e aponta á noute
immediata o instante preciso em que deve começar e acabar; e a natu-
reza, como incerta, aprende a cada momento, d'aquelle que a conduz, já
o que deve fazer, já o ponto até-onde cumpre que o faça.
Que maraviihas. Quem disse ao sol: Nãq comeces ámanhã o dia onde
o co neçaste boje; e não o acabes hoje onde o acabaste hontem? Quem
lhe mediu o espaço entre dous nascimentos, a fim que não ultrapasse esta
medida ? Quem ibe ordenou que voltasse para traz logo que chegasse a
certos limites? E quem lhe vedou quando tocasse no ponto opposto,
que o não transpozesse? E' assim que os Ceos narram, todos os dias, e
a torlos os instantes, a gloria tle seu Author. Sua linguagem nem é bar-
bara nem estranha: a voz dos Ceos é-nos familiar e intelligivel; é forte,
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DE PERSEVERANÇA. f05
ORAÇÃO.
O' meu Deus ! que sois todo amor, eu vos don graças por nos ter-
des prodigalizado todas as riquezas da terra e do Ceo : como posso eu
testemunhar a minha admiração e reconhecimento? Por tantos beneficias
só me pedis o coração : eu vol-o dou pois todo, e para sempre.
Eu protesto amar a Deus sobre todas as cousas, e ao proximo como a
mim mesmo por amor de Deus; e, em testemunho d'este amor, não deixa-
rei jámais de rezar antes e depois da rnesa.
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Vlll. ª LlCÇÃO.
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f08 CATECISMO
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DE PERSEVERANÇA. 109
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HO CATECISMO
em uma phrase o que apenas lhe custou uma palavra; mas quem ·póde
medir o poder d'esta palavra?
'1. º Numero das eslrellas. Pelo sereno d'uma bella noute de verão,
saiamos de casa, como Deus fez sahir Abrahão da sua tenda, para consi-
derar o Ceo; depois de o ter feito sahir fóra, disse-lhe: Levanta o~ olhos
para o Ceo, e conta as estrellas se pódes. ('l) E Abrahão levantou os olhos,
e contentou-se com admirar; porque não pôde contar as estrellas, e nenhum
homem o poderá jámais: as estrellas são innumeraveis. Depois da invenção
dos telescopios, teem-se descoberto milhares d'ellas, e quanto mais se
aperfeiçoam os instrumentos astronomicos, mais ainda se descobrem. E'
com muita razão que se suppõe que o numero d'aquellas que nos fogem
da vista, por sua immensa distancia, é muito superior ás nossas suppo-
sições. Temos visto que a grandeza do sol, como a de muitos planetas
que giram em torno d'elle, é muito superior á da terra que habitamos.
E qqem sabe entre as outras estrellas, quantas ha que em nada lhe ce_
dem; e das quaes o volume será maior ainda·? .A sua prodigiosa distancia
as faz parecer pequeninas luzes scintiqando no Firmamento; mas em rea_
lidade são outros tantos sóes, cuja immensa circumferencia não se póde
medir. E' verdade pois, que milhares de sóes e de mundos volvem no
espaço; e o que d'elles vêmos é apenas a menor parte d' este grande exer-
cito, que está acima de nós, collocado em tam boa ordem.
Quereis ainda vêr cousa mais admiravel? Escutai : aquelle que se-
meou milhões de globos luminosos pelas vastas planicies do Firmamen-
to, bem como os lavradores semeam o trigo nos campos, sustenta tod.as
estas prodigiosas massas no meio d'um ar subtil. Não ha sustentaculo
nem columna sobre que repouse esta abobada immensa ; nem os enor-
mes pêsos que d'ella pendem: e tod:;ivia mantem-se sempre a mesma,
ha ·milhares d'annos; e manter.se-ha sempre, a fim de narrar a todas as
gerações a gloria do seu Author.
2. 0 Seu movimento. As estrellas offerecem a um espirita attento
outra maravilha: estam em contíµuo movimento estes corpos immensos.
Volvem todos sobre seu eixo; e a maior parte ainda fazem circulas im-
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DE PERSEVEBANÇA. nt
mensos em derredor d'outros globos. Cada uma segue sua derrota,
sem divagar jámais; comtudo correm com inconcebivel rapidez. Uma
força continua as quer apartar do centro, outra força igual as retem na
sua orbita ; e supposto que milhares de corpos se movem assim no es-
paço, jámais se encontram ou embaracam. As estrellas, que vêmos se-
meadas confusamente no Firmamento, estam ahi dispostas na melhor or-
dem e na perfeita harmonia. Ha milhares d'annos que estes sóes nas-
cem e se põem regularmente. Estes milhões de soldados do celestial
exercito, marchando sempre, volvem constantemente a seus primeiros
acampamentos; os astronomos podem determinar, com exactidão, sua
posição e curso, mil annos antes. O' Deus 1 quanto sois grande 1 Quem
é o homem, que ousa revoltar-se contra vós?
3. 0 Sua utilidade. Qual póde ser a utilidade de tantas maravi-
lhas ? Que tem comnosco ? é combater contra a nossa ingratidão, con-
tra o nosso orgulho e indífferença ; o que tem comnosco, é assegurar o
triumpho d'estes grandes dogmas: a existencia de Deus, seu poder, ma-
gestade, bondade. Para tornar todos os homens inexcusaveis, não é pre-
ciso mais que este eloquente exercito dos Ceos, este livro do Firmamen-
to, escripto em caracteres de fogo. Esta é sua primeira utilidade.
Ainda tem muitas outras. Primeiramente, estes globos prodigio-
sos estão collocados a urna distancia tam justa da habitação do homem;
que d'esta só posiç.ão resulta uma ordem de que elle goza, uma belleza
que encanta seus olho~, e uma regularidade que faz a felir,idade de; seus
dias. São como mil milhares de lustres, suspensos no rico fastígio que
cobre o seu palacio. Por ioda a parte as vê brilhantes sobre o azul
escuro, que lhe serve de fundo, e lhes realça o esplendor. l\fas seus
raios são amorosos; dissipam-se em espaços tam vastos que chegam á
nossa habitação attenuados e frios. Graças ás precauções do Creador,
desfrutamos a vista d'uma multidão de globos incendiados, sem risco,
nem prejuízo, assim no que respeita a frescura da noute, como a tran-
quillidade do soamo.
l\las não é só para embellecer o paJacio do homem com tam ricas
m!>lduras e agradaveis variedzides, que Deus fez rolar todos os dias, em
torno do nós, este dourado fostigio. Tambem nos resultam d'aqui van-
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H2 CATECISMO
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DE PERSEVERANÇA. H3
demora n'ellas ; e tambem conhece precisamente o tempo favoravel ás
operações, que precisa fazer na terra ou na agua.
O sol e a lua foram creados para separar o dia e a noute; marcar
os tempos, as estações e os annos. Reguladores do homem e de seus
trabalhos, jámais se adiantaram, ou atrazaram um minuto estes admiraveis
relogios. Sabeis acaso o nome, conheceis a morada do relojoeiro que os
fabricou? Mas de que serve esta successão perpetua de dia e noute, de
luz e trevas. Aqui temos novas provas da sabedoria e bondade de nosso
Pai celeste. Senão duvidamos das vantagens do dia, vejamos quaes são
as da noute.
Lº Seus beneficios, e instrucção. A noute não é mais que a inter-
rupção do movimento da luz para os nossos olhos; a noute pois é nada,
mas o mesmo nada é fecundo nas mãos de Deus. Assim como deriva a
sua gloria àe ter tirado d'elle todos os seres, assim tira quotidianamente
d'elle outro grande favor para o homem, que não consiste em novos se-
res, mas em beneficias e instrucções salutares.
A noute, privando-nos da vista e uso da natureza, recorda-nos do
nada d'onde sahirnos, ou nos torna ao estado de trevas e imperfeição que
precedeu a creação da luz. E' por isto que melhor nos faz estimar o pre-
ço inestima\'el do dia. Mas não é só seu destino realçar com suas som-
bras as bellezas do grande painel do mundo, e fazer-nos, ou mais lmmil-
des pela vista· das trevas que nos são naturaes, ou mais gratos, pelo re-
gresso d'uma luz, que nos não é devida. Por mais uteis que sejam os
conselhos que a noute nos dá, triste cousa seria que para nos instruir
nos empobrecesse. A vida que parece pois tirar-nos, privando-nos todos
os dias, e por muitas horas, do uso da luz e da vista do universo, por
outra parte nol-a restitue abundantemente no repouso que nos procura.
2. 0 O repouso. O homem nasceu para o trabalho: esta a sua voca-
ção e o seu estado. Para supprir a este trabalho, o sangue lhe fornece
incessantemente uma materia infinitamente subtil e agil, que lhe move,
para assim dizer, as molas do cerebro, e os differentes musculos do cor-
po. Mas a dissipação e dispendio perpetuo d'esta materia, que tam proni-
pta executa as suas vontades, alfim o deixariam em desfalecimento e pros-
tração, se não reparasse a perda com alimentos novos. Ora, estes ali-
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· CATECISl\10
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DE PERSEVERANÇA.
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H6 CATECISMO
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DE PERSEVERANÇA. H7
mocidade, similbarn;a da resurreição geral, a primavera enche-nos o co-
ração de esperanças, e da mesma sorte nos espairece os passados cuida-
dos. Quanto tempo durarão tão bellos dias, tão frescas e delicadas flôres ?!
O' homem !- quanto tempo durarão teus annos ? Até quando durará a flor
da tua belleza e da tua mocidade ? Consola-te. A primavera não passa se-
não ·para volver ; e tu, da mesma sorte, para renasceres, e não morre-
res mais.
2. 0 O verão. O sol continúa a sua marcha, muda d'aspecto·a natureza,
começa o verão. Mostram-se ã vista e desafiam o paladar muitos e.differen-
tes fructos; douram as searas; sabem de seus ninhos nuvens ~e recem-
nasci~os passaros ; e, publicando noute e dia os louvores do Creador:,
regosijam o homem que, no calor do estio, estã quasi sempre no cam-
po. Quem póde dizer os beneficios que n'esta estação nosso ·Pae nos
prodigalisa? E' n'este tempo que mais abundantes bençãos derr;ama so-
bre as creaturas. A natureza que na primavera nos reanimou com seus
brandos afagos, agora trabalha, sem descanço-, a nos procurar tudo que
póde satisfazer os sentidos, facilitar a vida, e despertar no coração senti-
mentos de gratidão e amor.
Assim como as outras estações, é o estio um prégador de salutares
verdades. Vêde, nos diz elle, o sega dor que se dispõe a segar as s~ras·
Sua fouce derriba o dourado trigo, e deixa após de si desertos os caf:U..
pos. Eis-ahi os campos. Eis-ahi, mortaes, o vosso destino ! A carne. é
como a herva, e toda a sua gloria como a tlôr do campo. Vêde as dili-
gentes abelhas, como se afervoram a recolher o mel t Elias vos ensinam
a enthesourar a tempo a sabedoria e a virtude ; unico thesouro de conso-
lação no inverno da velhice.
3. 0 O outomno. Já recebeu a terra o calor de que havia mister. O
Senhor ordenou ao sol que parasse e tornasse atraz : não de subito, mas
insensivelmente; a fim de concluir com seu ardor temperado a sasão dos
fructos, e maigrmente para dar toda a perfeição ao precioso licor que
alegra o coração do homem. Que actividade nos trabalhos r Enchem-se
os celleiros, circulam com abundancia as mercadorias ; por toda a parte
se abastece o homem ; mas não pensa elle nas precisões sómente do pro-
ximo inverno. Não encelleira tudo, porque o fogo poderia consumir sua
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HS CATECISMO
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DE PERSEVERANÇA. HU
ORAÇÃO.
O' meu Deus r que sois todo amor, eu vos dou graças por terdes
creado o dia, e a noute, e as estações; estejam sempre em meus labios
os vossos louvores, e em meu coração o vosso amor.
Eu protesto amar a Deus sobre todas as cousas, e ao proximo como
a mim mesmo por amor de Deus; e, em testemunho d'este amor quero~
me conformar em tudo com a vontade de Deus.
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IX.ª LICÇÃO.
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122 CATECIS!\10
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DE PERSEVERANÇA. 123
tudo é commum. Mas alli, como em toda a parte vem o Senhor em soc-
corro aos pequeninos e· fracos. Fez os peixes miados mais velozes na cor-
rida que os grandes. Acoutam-se nas paragens, onde o baixio não per-
mitte aos grandes que se approximem: dotou-os de providencia propor-
cionada ás suas fraquezas e perigos. Mas não parece agora, que para
salvar O;, pequenos, condemnou os grandes. a morrer de fome? Não se
deverá temer, que os cetaceos enormes, taes como as baleas, não te-
nham de que se nutram ? pois que o mar largo é pouco povoado, e estes
vastos colossos não podem, sem risco de naufr2gio, approximar-se ás
costas? Todavia são esfaimados, e tem estomago, ou antes sorvedouro,
para engJ.lir tudo. Que é pois o que sustenta a estes monstros? Para
elles está o mar povoado de myriades de animaesinhos, cuja conservação
é outra maravilha. A providencia de Deus abrange a tudo. A balea, este
enorme dragão, que é o rei do mar e que o possue, espera do Creador,
como os mais pequenos peixes, e ainda mais que os pequenissimos, o
sustento que ha de mister. ·
2.º Sua conservação. Todos os animaes .que povoam os ares, os
que andam e se rajam pela terra, .bem como os que habitam em suas
entranhas, todos tem a necessidade commum de respirar o ar: immedia-
tamente morrem se lh'o tiram. :Mergulhados na agua em pouco tempo se
afogam. Todavia as aguas teem habitantes; que vivem em seu seio, e
perecem apenas os tirem d'este elemento que lhes foi assignado. O' ho-
mens ! Não reconhecereis em fim o admiravel poder do Creador, que
esteve bri~cando com todas as difficuldades ? Mas como é que o sangue
dos · peixes (porque elles teem s:mgue), póde circular? Como se não re-
gela ou coalha com o grande frio das aguas? Como podem viver debaixo
de montanhas de gêlo? Os animaes terrestres teem suas plumas e deli-
cada pennugem, ou boas pelles que os defendem do frio; mas 'os peixe3
nada teem que se pareça mm ist9. Como podem logo resistir a urn 'ele-
mento muito mais frio que o ar? Lembrai-vcs de uma cousa que tereis
visto sem fazer reparo. Quando pegaes n'um peixe, não sentis qne tem
uma especie de grude por todo o corpo ? E depois tem uma cobertura
composta de fortes escamas, muito unidas e sobrepostas; da mesma ma-
neira, mas com muito mais artificio, que as ardósias que cobrem nossos
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DE l'EHSEVEílANÇA. 125
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f 26 CATECISMO
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DE PERSEVEBANÇA. 127
vezes de leme, como as azas de remos. Este Jeme não serve só para
manter o equilibrio do Yôo, mas tambem para levantar, abaixar, ou voltar
para onde o passaro quer ; porque a cauda, em se voltando para um lado,
logo se inclina a cabeç.a para a parte opposta.
Os ossos dos passaros, com quanto solidos para sustentar a fabrica
de seus membros, são todavia tam ôcos e delgados, que pouco mais
pesam que a carne. Todas as plumas são construidas e dispostas de geito,
que não só fazem voar o passaro, como tambem o defendem das injurias
do ar. Tem os pés construidos por tal arte, que em soffrendo pressão,
logo se curvam. D'aqui resulta que as garras do passaro ajustam-se mais
ou menos á fórma do objecto sobre que pousa, em razão dos movimentos
mais ou menos rapidos d'esse objecto.
« Por este modo, quando ''êmos ao cahir da noute, em tempo d'in-
verno, empoleirados os corvos nos despidos ramos d'algum carvalho, pa-
rece-nos que, sempre vigilantes e attentos, não se sustentam senão com
inauditas fadigas, no meio dos redemoinhos e das nuvens. Todavia, des-
cuidados do perigo, e chamando a tempestade, todos os ventos ijies trazem
o somno. O mesmo aquilão firma~os no lngar d'onde se nos antolha que
os vai precipitar; e, quaes os velhos marinheiros, cuja mãca, onde se
deitam, prende dos agitados mastros, tanto mais balouçados são das tem-
pestades, mais gostosa e profundamente dormem >>. ( i)
2. 0 Por 8ua conservação. Aque1le que creou multidões de passaras
de toda a especie vela em cada um d'elles com tanto cuidado como em
o universo todo ; nada esqueceu para lhes assegurar a conservação e o
bem-estar. Sirva isto a nos instruir e animar. Se o vosso Pai celeste tanto
cuidado tem com um passaro que apenas custa cinco reis, que será com-
vosco, que lhe custastes todo o seu sangue? Para lbes dar os meios de
fazer longas viagens, nas quaes nem sempre ha hospedarias e provisões,
e pois que lhes será preciso passar sem comer as longas noutés d'inverno,
põz-lhes Deus abaixo do pescoço uma bolsa que se chama o papo. onde
o passaro põe seu alimento de reserva; o licor em que este alimento nada
no papo serve a fazer a primeira digestão. A moéla onde depois entra
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f 28 CATECISMO
pouco a pouco a~aba de. o digerir ; e isto qnasi sempre com o auxilio de
pedrinhas esquinadas, que o passaro engole para melhor· triturar a co-
mida.
Está o viajante provido das necessarias provisões ; agora trata-se de
o defender da agua e do frio; para isto cumpre dar-lhe vestidos impe-
netraveis á chuva e ao ar. Vêde pois como junto ao corJ.JO todas as plu-
mas são guarnecidas d'uma pennugem macia e querite : do lado de fóra
guarnece-as por ambas as partes uma ordem de barbas mais longas de
um lado que do outro. Formam ellas uma especie de pente fino e leve,
cnjos estrepes estão chegados, e unidos, e alinhados na extremidade co-
mo se os tivessem aparado á tesoura. Cada um d'estes estrepes é de si
mesmo um tubo, que sustenta outras duas ordens de barbas ou pennu-
gens tão pequenas, que mal se percebem.. e tapam exactamente todos os
jntervallos por Ônde o ar pudésse introduzir-se.
Tão solícitos cuidados, que certamente nos t:iriam esqueci-00, .ainda
não bastaram á Providencia. Como esta economia, tão nceessaria, pode-
ria desconcertar-se com a chuva, o Creador proveu os passaros com um
meio de tÓrnar suas plumas impenetraveis á agua, assim como já o são
ao ar pela sua estructura. Além cl'um pequeno reservatorío cheio d'oleo,
c0llocado na base de cada pluma, teem todos os passaras outro mais
abundante situado na extremidade posterior do corpo. Est'outro reserva-
torio tem pequeninas aberturas; e quando o passara sente as plumas sêc-
cas, estragadas ou entre-abertas, aperta ou sacode este reservatorio com o
bico. Expreme d'elle uma especie d'oleü ou banha, que tem de reserva
em glandulas; e depois, passando pelo bico as pennas, as vai untando,
lustrando, e concertando com esta materia viscosa. Depois d'esta opera-
ção, a agua já não faz mais que escorregar pelo passaro, ~chando as pen-
nas perfeitamente fechadas e empregnadas d'oleo. As aves domesticas,
que vivem menos expostas, tambem s~o menos fornecidas d'est~ licor;
pelo que succede que uma gallinha molhada offerece um espectaculo ir-
risorio. Pelo contrario, os cysnes, os patos, e todos as passaros aq,uati-
cos, tem as plumas embebidas em oleo desde que nascem, e trazem no
reservatorio uma provisão proporcionada á contínua necessidade que teem
d'elle. A mesma carne resente-se d'este gosto; e é facil notar que o cuida-
do d'untar suas plumas é seu ordinario exercício.
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DE PERSEVERANÇA. 129
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t :JO CATECISMO
achar debaixo da casca das arvores que se cortam os lHH'élcos crestes vr-r-
mes, que furam a madeira, talvez até grande profundidade. O picanço
carece das unhas aduncas para se agarrar aos ramos da arvore. As per-
nas longas ser-lhe-iam inuteis para alcançar o que pretende ; mas o lJico
agudo e duro é de grande necessidade para tocar e martellar ao longo
dos ramos ; a fim de conhecer pelo som os lugares cariados e ôcos ; to-
pando os quaes pára, e a fortes picadas quebra a casca , depois iotro-
duz o bico no buraco que fez, e dá um guincho, que se repercute pelas
tocas da arvore, e acorrla, e faz correr atordoados, os insectos que ahi
dormem. Então dardeja com a língua pelo buraco; e, com os estrepes
de que está eriçada, e a colla que d'ella espreme, apanha os bichinhos
que encontra, e com elles se regala.
Discorrei do mesmo modo por todas as outras especies, e não acha-
reis um só passaro cujo modo de vida não esteja d'accôrdo com a sua
fórma e os instrumentos de que está provido. E' uma harmonia tanto
mais admiravel, por isso que ao parecer se dirige a objectos pouco im·
portantes, e que prova tanto mais como tudo é obra d'uma sabedoria in-
finita.
3. 0 Por seus ninhos. Esta sabedoria infinita mais sensivel se torna
na industria com que os passaros fazem seus ninhos. Quem poderá vêr,
sem enternecer-se, esta bondade divina, que dá habilidade ao fraco, e
previdencia ao desvalido ? Que mestre lhes ensinou, primeiramente, que
lhes eram precisos ninhos? Quem lhes disse -o modo como era preciso
construil-os, para que os ovos aquecessem e não cahissem. Quem lhes
advertiu que o calor não se concentraria em torno dos ovos, se o ninho
fosse demasiadamente grande; que os filhinhos não caberiam se fosse
demasiadamente estreito? Como conhecem elles a justa proporção do ta-
manho do ninho, com o numero dos filhinhos que devem nascer? Que ·
astronomo lhes regulou o reportorio, para se não enganarem no tempo,
nem deixarem as cousas para tarde ? Que matbematico lhes traçou a fi-
gura de seus ninhos? Que architecto lhes ensinou a escolher um lugar
firme, e edificar em fundamento solido? Que terna mãe lhes aconselhou
a almofadar a cama, com malerias macias e delicadas, taes como a pen-
nugem e o algodão ? E quando faltam estes materiaes, quem lhes inspi-
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DE PERSEVERANÇA.
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132 CATECISMO
queno volume d'uma andorinha, não lhe deixeis braços, nem utensílios,
nem materiaes: deixai-lhe só a sua scieucia e o bico; a andorinha não
tem senão o bico, e não aveza sciencia ; ponde-os a trabalhar um e ou-
tro, e vêde qual se sahirá melhor.
4. 0 Por seu instincto. E' n'esta parte que se não póde deixar d'admi-
rar a poderosa impre são d'uma razão superior. Feito o ninho e postos
os ovos, mudam inteiramente o babitos dos obreiros. Os passaros não
sabem, de certo, nem o que contém os ovos. nem a necessidade de os
incubar para os tirar, nem como tudo isto se executa. Todavia, este ani-
rnalsinho tão .agil, tão inquieto, tão voador, esquece n'este momento o seu
genio natural, para fixar-se sobre os ovos todo o tempo preciso. Sabem
por fim os filhjnhos, e é muito para vêr que novos cuidados tem o pae e
a mãe, em quanto que sua prole precisa de seus carinhos. Então sentem
o que são encargos de familia : é preciso ganhar pão para sete ou oito,
que não para dous sómente. O toutinegro e o rouxinol trabalham então
como os outros. Adeus, musica: já não ha tempo de cantar, se não é
em hora d'ocío; é preciso levantar antes do nascer do sol; distribuir a
comida com muita igualdade, dando sua parte a cada um alternadamente,
e nunca ao mesmo duas vezes successivas. Que digo? A ternura dos
paes e das mães para com seus filhos, chega a ponto de lhes trocar a
natureza~ dar-lhes novas inclinações. Não se trata só de nutrir, cumpre
velar, defender, prevêr, arrostar com o inimigo, e pagar com o corpo
qualquer recontro. Para melhor nos explicarmos tiremos exemplos de
passaras que vêmos todos os dias.
Reparai em uma gallinha mãe de familia; bem vêdes que já não é a
mesma. D'antes era golosa e insaciavel; agora nada quer para si. Se
topa com um grão de trigo, migalha de pão, ou ainda cousa mais abun-
dante e que se poderia repartir, não lhe toca; entra a chamar os pintai-
nhos, com um requebro que elles entendem ; accorrem lestes, que para
elles sós é o achado; a mãe limita-se ao seu jantar. Outr'ora sim, éra tí-
mida, não sabia mai se não fugir; á frente d'uma manada de pintainhos,
é uma heroína que já não conhece perigos, que salta aos olhós do mais
fero mastim: com a coragem, que a sua nova dignidade lhe inspira, ar-
rostaria com um leão.
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DE PERSEVERANÇA. {33
ORAÇÃO.
O' meu Deus! que sois todo amor, eu vos dou graças por terdes
creado para nossa utilidade os peixes e os passaros; bemdita seja a vossa
Providencia que rnla com tanto cuidado as creaturas, e que me prodiga-
liza. tantos beneficias. Augmentai a minha confiança e o meu amor para
comvosco.
Eu protesto amar a Deus sobre todas as cousas, e ao proximo como
a mim mesmo por amor de Deus; e, em testemunho d'este amor, farei
com muita devoção a minha oração da manhã.
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f (
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X.ª LICÇÃO.
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13() CATECISMO
esta a causa do susto e alvoroto. Um dia vimos uma p6rúa n'esta agita-
ção, e seus filhos cosidos com a terra por quatro horas a fio, em quanto o
passara pairava, subia e descia por cima d'elles.
Em fim desapparece o corsario, a mãe muda de linguagem, dá outro
grito com que seus filhos como que resuscitam ; e correndo todos para
ella, batem as azas, fazem-lhe festa, e como que lhe dizem muitas cousas.
Ao que parece contam uns aOs outros o perigo em que estiveram, e mal-
dizem o infesto pirata. Co~o tudo isto é admiravel ! Quem deu a conhe-
cer a esta mãe um inimigo que nunca lhe fez mal? Como o descobre a.
tão grande distancia ? Qual é o sen ocuJo de vêr ao longe? Por outra
parte, que lições deu ella á sua familia, para distinguir, como é preciso, o
differente significar de seus gritos, e obrar de accôrdo com esta lin-
guagem?
Estas admiraveis harmonias, entre os orgãos d'esta ave e o uso que
faz d'elles, para se conservar a si e á sua familia; todas estas maravilha:;
d'estructura e instincto, todos os dias as estamos vendo. Mas quem repara
n'ellas, e quem agradece portanto á Providencia? Oh f quanto a maternal
solici~ude d'esta ave justifica plenamente a comparação, de que Nosso Se-
nhor se dignou usar em o Evangelho. Nada nos mostra tão patheticamente
a saa providente bondade !
Jerusalem ! Jerusalem ! Quantas vezes quiz eu ajuntar teus fi-
lhos, como a·gallinha ajunta seus pintainhos debaixo das azas ! e ti' não
o quizeste? .... (1 ).
2. 0 Suas emigrações. A vida dos passaros está cheia d'instrucções,
que nos ensinam ; cada pagina de sua historia mostra-nos a sabedoria,
bondade, omnipotencia do Creador, e convida-nos a repousar n'elle oco-
ração, pela çonfiança e pelo amor. Vejamos est'outro capitulo de sua his-
toria não menos interessante que os precedentes ; oxalá produza em nós as
salutares impressões que nos quer fazer o celeste escriptor d'este gran-
de livro da natureza !
Os mesmos passaras nem sempre habitam os mesmos lagares ; se-
não que mudam de terra com as estnções. Na primavera aportam aos
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DE PERSEVEHANÇA. f 37
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138 CATECISMO
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))E PERSEVEHANÇA. !39
Que prodigios, que maravilhas! Qoe o rigor do frio e falta d'alimen·
to advirtam os passaras para mudar seu domicilio, ainda se concebe; mas
que o façam apezar da temperatura e abundancia lhes permittir demorar-
se, é cousa pasmosa ! Que raz3o tem ellas para não deixar de partir no
tempo marcado? Que historiador ou viajante lhes ensinou que em outros
climas acharão o conveniente sustento e agazalho? Que magistrado é o
incumbido de convocar a conselho, para fixar o dia da partida ? Em que
lingua disseram as mães a seus filhinhos, apenas nascidos d'alguns mezes,
que era de miste1· abandonar o paiz natal, e peregrinar por terras estra-
nhas? Qual o motivo porque se agitam no tempo da partida. e parecem
aftlictas de não poderem fazer perna aquellas que se veem prêsas em uma
gaiola? Como se chama aquelle que tange a trombeta,. para nnnunciar
ao povo a resolução tomada, a fim que todos estejam proaiptos ? Pos-
suem as andorinhas algum Calendario por onde saibam a estação, e o dia
em que devem pôr-se a caminho? Tem ella officiaes para manter a dis-
ciplina, que observam tam rigorosa? Porque motivo antes da ordem, nin·
guem se mexe; e ao outro dia da partida não ha vêr d ertor nem sol-
dado ronceiro? Acaso levarão bussola para e dirigirem á costa do mar,
aonde pretendem ir? sem jámais de~concertarem seo vôo, nem que a chu-
va pese, assobie o vento, ou cegue a vista a espessura da noute? Ou
dar-se-ha caso, que estejam sub a influencia d'uma razão infallivel, supe-
rior á do homem, que não ousa aventurar-se a passar o oceano sem pre·
caução de machinas e provisões ? Vó3 que fingis não crêr em Deus, res·
pondei.
Em fim partiram-se: adeus amavel companhia, adeus harmoniosa
musica; só nos ficaram o solitario pardal ou a innocente carriça. Pobre-
sinhos ! Que será d'elles no frio inverno. Quem os aquentara? Quem
lhes dará sustento? Acaso vos esquecestes d'elles, ó Pai de tudo o que
respira! Não, que elles são vos os. Ainda haverá tepidos raios do sol
que os aqueçam, o frondoso abeto, o colmo da houpana que os abrigue;
ífoar-lhes-ha o zimbro coberto de fructo ; a geada lbes amollecerá a va-
ga da roseira brava; e os pobres olítario terão ainda mesa e abrigo.
Assim é, ó maternal Providencia 1 que nada escapa á vossa providente
solicitude.
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HO CATECISMO
E' pois verdade, que Deus é tudo para com os passaros. Aquelles
que emigram não tem por certo cartas, nem bussolas, nem hospedarias
llpparelhadas na estrada, nem guias, nem razão ; e todavia chegam todos
sem lhes faltar nada. Os que ficam são igualmente alojados, aquecidos,
nutridos por sua bondade. Mas se elle tem tanto cuidado com passari-
nhos, dos quaes um par, como já dissemos, custa um obolo, segundo a
linguagem de Nosso Senhor, quanto mais o terá de nós para quem não
só os passaros, mas o mundo inteiro foi creado !
Sem duvida, é para nós que Deus creou os passaras: nutre-nos sua
carne, fazemos mil usos de suas plumas, festeja-nos seu canto. São mu-
sicas que nosso Pai celeste nos enviou para junto de nossas casas, maior-
mente as dos pobres, para embalar nossas dôres e celebrar seus benefi-
cios. Tanto é isto verdade, que os passaros que cantam, não se encontram
senão em os lugares habitados ; e quando o homem dorme, calam-se, e
não reasumem o seu canto senão para o saudar quando desperta; e em·
fim folgam até de lhe sahir ao encontro, para lhe cantar sua cantiga. Vê-
de a innocente calhandra : sim, ella come algum trigo~ faz pouso em nos-
sos campos ; mas paga-nos o sustento e a pousada com seus melodiosos
concertos. Quando o homem atravessa pelo campo, no meio do calor do
dia, surge a cantora ao om-ir-lhe os passos; eleva-se cantando, canta ca-
da vez mais, em quanto lhe dura a cantiga, e o seu senhor a póde ou-
vir; quan~o acaba de passar, desce ella, e descança para tornar a princi-
piar. Descancemos lambem um instante; eis vai principiar um novo dia;
um dia cuja luz alumiará maravilhas maiores ainda, que todas as que te-
mos presenciado até aqui.
No sexto dia Deus disse: Produza a terra animaes viventes, cada
um segundo a sua especie, (1) animaes domesticas, reptis, e bestas da ter-
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DE PEHSEVERANÇA. Hl
ra, segundo a sua especie ·; e isto se fez assim. Deus creou pois as bes-
tas da terra, segundo a sua especie, os animaes domesticas e todos os re-
ptü da terra, cada um segundo a sua especie ; e Deus viu que isto era
bom. (1)
Certamente, ó meu Deus! Ap"taz-vos confundir a minha razão, crean-
do incessantemente novas difficuldades, para diante de mim brincardes
com ellas. Hontem dizieis ao mar que produzisse peixes e passaros, el-
le vos obedece ; ainda não estou em mim de maravilhado, e eis que já
boje vos endereç.ais á terra, e lhe ordenaes que dê á luz novas creatu-
ras. Mas por ventura não está ella já coberta de milhares d'arvores e
plantas? Não está ainda esgotada sua fecundidade ? Onde quereis que
ella accommode estes novos hospedes, se tudo está occupado ?
Cala-te ó _razão humana : respeita e adora ; ó coração, arde em gra-
tidão e amor.
A esta sexta palavra, tres novas especies d'animaes sahiram do na-
da : entre aquelles que já conhecemos, uns nadam na agua, outros no
ar. Eis-aqui um terceiro genero que andam pela terra e se parecem mais
comnosco. Dividem ..se em tres classes: animaes domesticas, reptis e in-
sectos, e bestas ou feras. Aqui se manifesta ainda a providente bonda-
de do Creador.
1. º Pela docilidade dos animaes domesticos. Por animaes domesti-
cas entendemos todas as bestas de carga destinadas a obedecer ao ho-
mem, ajudal-o em seus trabalhos, supprir o que não podem suas forças,
fornecer-lhe vestidos e alimento. Deus a quem todos os futuros successos
da sua obra eram conhecidos desde o principio, tinha d'est'arte prepara-
do ao homem, tornado peccador e condemnado á penitencia, domest.icos
obedientes, qne partilhassem o seu trabalho, e até o dispensas3em do
que n'clle havia mais penoso. Ordenou a possantes animae3, que não
usassem de sua força senão a bem do homem ; que se não lembrassem
de sua agilidade, senão para o servir; que aceitassem seu jugo, sem re-
sistencia; amassem sua casa, mai& que a liberdade propria; e respeitas-
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142 CATECISMO
sem a voz do menino, incumbido por seu pae de os conduzir. A que ha-
vemos d'altribuir as mansas inclinações e perfeita docilidade de todos os
animaes domesticas? Unicamente ao preceito de obedecerem ao homem
como a seu senhor. Se du\'iclaes, tentai domesticar os leões, os tigres,
os ursos e os lobos ; emprehendei reunil-os em um rebanho e confiai-os
a um pastor; procurai fazêl-os lavrar os campos, levar carg~s, pizar o
trigo: eis-ahi o que não podereis conseguir jámais.
2. 0 Por sua sobriedade. Não contente com ter dado ao homem es-
ta multidão de domesticas tam fortes como obedientes, quiz Ocos incum-
bir-se tambem de os manter : além d'isso deu-lbe inclinações de sobrie-
dade, que todas redundam em vantagem nossa. Em tanto qne as feras
bravas são vorazes, e arruinariam breve seu amo, a maior parte dos ani-
maes domesticas comem pouco, e trabalham muito ; um feixe d'herva,
ainda mesmo sêcca, ou um pouco de grão, é quanto lhes basta. Esta a
recompensa de todos seus serviços. Ainda levou Deus mais longe a sua
providencia: quiz que por toda a parte tivessem o alimento. Os campos,
as montanhas .~ão outras tantas mesas sempre postas, que fornecem com
abundancia o sustento dos domesticas do homem.
3. 0 Por seus serviços. Por este pouco que lhe damos, vêde que de
serviços nos prestam 1 Carecemos ir rapidamente d'um lugar a outro'
O cavallo honra·se em levar-nos. Estuda elle a vontade de seu amo; ao
menor signal parte, muda de passo, está sempre prompto para o retar-
dar, apressar, precipitar, desde que conhece o desejo do cavalleiro. Nem
a extensão da viagem e os máos caminhos, os fossos, os mais rapidos
rios, nada o desanima : vence tudo, é um passara que não suspende o
vôo. E' preciso inda mais? trata-se de defender seu amo, ou com elle
atacar o inimigo? O cavallo toma a dianteira aos soldados ; ri-se, e zom-
ba do mêdo. O som da trombeta, e o signal do combate, despertam-lhe
a coragem, não é elle que recua ao luzir da espada. (1)
Vejamos agora o boi que se approxima a passo lento: menos flexível,
menos agradavel em suas fórmas que o cavallo, este novo domestico não
nos é menos util. Careceis semear os campos? Submettei-lhe a cerviz ao ju-
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llE PERSEVERANÇA. H-.3
go, prendei-o á charrua, elle abrirá paciente os profundos regos. Chega-
do o dia da colheita, ainda vos ajudara a transportar para os celleiros as
ricas searas; depois conduzirá ao mercado o superabundante pão; trará
para casa a lenha de que haveis mister no inverno : não tendes mais que
abrir a bôca, o boi está sempre prompto a obedecer.
Tem seu merecimento estes dous servos; mas ba outro d'utilidade
mais universal, e cuja existencia é um novo rasgo d'aquella Providencia
maternal que de si nos dá tam exuberantes provas.
O cavallo e o boi são de subido preço ; mas sua manutenção não
deixa de ser custosa. Só o rico, ou pelo menos o abastado, podem têl-os
e mantêl-os; mas não o pobre. Todavia é o pobre que mais precisa d'au-
xilio ; o pobre, que aguenta com o pêso do calor e do frio, ficará só em
seus arduos trabalhos ? Quem virá em sua ajuda? Na ordem da nature-
za, como na ordem da graça, não se desmente o Deus dos pequenos e
dos pobres. Para seus filhos de predilecção creou elle mui de proposito
um novo servo: é o jumento; a nobre presença do cavallo substitue-se
n'elle por um recolhimento composto e modesto; e a força do boi, por
uma paciencía provada e inexgotavel. Não caminha ligeiro, mas muito
e sem parar. Serve seu amo com perseverança; e, o que é grande pren-
da em um domestico, não faz alarde de seus serviços. Nada de cuidados
com seu sustento ; o primeiro cardo é quanto basta. Não se julga credor
de nada ; não ha vêl-o desgostbso ou mal contente : cala-se com o que lhe
dão. E' o companheiro fiel dos trabalhadores, os quaes de si mesmos são
na verdade os nervos do Estado, e o sustentaculo de nossa vida. Que se-
ria dos vinhateiros, jardineiros, pedreiros, e em geral da gente do
campo, isto é, das duas terças partes dos homens, se carecessem d'ou-
tros homens, ou de cavallos ou bois, para transportar suas fazendas, e
materiaes de que precisam? O jumento é quem vem sempre em seu au-
xilio; elle quem leva os fructos, as couves, as pelles, o carvão, a lenha,
a telha, o lijolo, o saibro, a cal, a palha, e o- estrume. Tudo que ha de
mais abjecto ordinariamente lhe cahe por sorte. Que vantagem para a
multidão de trabalhadores, e por consequencia, para nós, ter um animal
tam manso, vigoroso e infatigavel, que, sem custo e sem orgulho, enche
nossas villas e cidades de toda a sorte de provisões !
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CATECISMO
Agora, que diremos do cão, d'este fiel amigo que Deus collocou
junto ao homem, para lhe ser companhia, auxilio e defesa? Os serviços
que nos prestam os cães são tantos e tam variados wmo as suas espe-
cies. O cão de fila guarda-nos a casa de noute; o mastim sabe igualmen-
te guerrear os lobos e disciplinar o rebanho ; o erro de caça reune á for-
ça a astucia e agilidade necessaria, para dar variedade a nossos prazeres ;
o cão d'agua incumbe-se alternadamente de buscar o qàe perdemos e di-
vertir os filhos do seu amo. Se este por acJso empobrece ou cahe en-
fermo, o cão partilha sua miseria e parece chorar com elle. Se chega a
perder a vista, o cão é quem o conduz de porta em porta; e não sei
qual enternece mais, se a enfermidade do amo, se o ar triste e suppli-
cante de seu fiel servidor. Morre o cégo: esquece-o todo o mundo, por-
que é pobre; e os pobres não tem amigos: ninguem lhe irá carpir na
campa ; ninguem, menos seu cão : entre elle e seu amo o amor é na vi-
d~ e na morte. O homem tem no cavallo, no boi, e no burro, meios
commodos de transporte; no cão, guarda segura e fiel amigo; ha cousas
porém que lhe são mais precisas; o sustento e o vestido : estas é nos re-
banhos que as vai encontrar. E' evidente que a vacca, a cabra, a ovelha,
não foram postas ao pé de nós senão para enriquecer-nos. Apenas lhe da-
mos um punhado d'herva, ou a liberdade de a ir pastar ao campo, d'aquel-
la que nos é mais inutil; e ellas todas as tardes vem pagar-nos este s.er~
viço com abundante creme e arroios de leite. Ainda bem não amanhece,
já nos tem ganho o alimento do dia com segundo pagamento ..
Só a vacca fornece o que basta a uma familia inteira, não fallantlo
no pão; ella leva á mesa dos ricos a mais deliciosa diversidade. A cabra
é a vacca do pobre, como o jumento é seu cavallo. Providencia mater-
nal ! estás em tudo. N'isto mesmo que maravilha ! Como é que uma her-
va murcha, que não tem sueco, da qual se não poderia extrahir nada
solido e nutriente, vem a ser um manancial de leite? Eis-ahi uma benção
cujo segredo ignoramos, mas cujos effeitos todos os dias vemos ; estamos
tam acostumados, que talvez nos não lembramos nunca de dar graças a
seu àuthor. Desde hoje, ó meu Deus, nós vol-o promettemos, não ha-de:
ser assim : a gratidão e os louvores virão substituir a indifferen~:a e o es-·
quecimenlo.
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14G CATECISl\10
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casas de madeira, para o que tem suas fouces com que fazem fachina; taes
que são cerieiros, e tem sua officina de raspadouras, tubos e colheres.
Muitos são carpinteiros e marceneiros que além da serra e tenazes que
teem na cabeça, levam na extremidade opposta um berbequim, que alon-
gam e viram e reviram como querem ; fazendo com elle habitações com-
. modas, para se alojarem e manterem suas familias, no amago dos fructos,
debaixo da casca das arvores, e até mesmo no coração da mais dura ma-
deira. A maior parte são excellentes distilladores, teem uma tromba mais
delicada que a do elephante ; a qual serve, a uns, d'alambique, para dis-
tillar um xarope que o homem nunca póde imitar; a outros, de língua,
para provar; e a quasi todos, de canudilbo para sugar. Em fim, tl!ldos
são architectos, e edificam palacios que, na commodidade, elegancia e pri-
mor d'arte, excedem muito os palacios dos reis.
Se são excellentes nas artes, não são menos habeis nas sciencias.
Todos são botanicos, chimicos, astronomos, mathematicos; nunca Jbes
succede enganarem-se na qualidade da flôr ou planta de que se nutrem
nem com a estação, em que devem executar seus trabalhos; nem com as
proporções, que estes devem ter. E todavia onde se formam estas nuvens
d'artistas e de sabios? Sabeis o nome dos professores que formaram os
bichos da sêda '! Poder-me-heis dizer onde se imprimem os compendios
por onde lêem as formigas ? Em que cidade estará aberta a eschola po-
lytechnic a das abelhas? ·
4-.º Seus orgãos. Que diremos agora de seus orgãos? Poucos ha
que tendo excellentes olhos, não os tragam resguardados com duas an-
tenas ou corninhos, que os defendem e protegem quando andam, ~obre
tudo no escuro. Com estes bastões vão palpando o terreno, e sentem
d'um modo vivo e delicado tudo u que os poderia manchar, afogar ou
damnificar. Se estes bastões se molham em algum licor nocivo, ou do-
bram pela resistencia d'algum corpo duro, logo o animal conhece o peri-
go e toma por outro éaminho. D'estas antenas, umas são compostas de
nósinhos, para lhes dar solidez, como as dos caranguejos ; outras são co-
bertas de plumas ou galões avelluclados, para as resguardar da humidade.
Além d'estes e muitos outros auxílios, que diversificam segundo as
especies, a maior parte dos insectos teem ainda o dom de \'oar. Alguns
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H8 CATECISMO
teem quatro azas ; e ha taes, qae as teem tam mimosa que um toqu
as despedaça ; por isso teem duas fortes conchas, q!le levantam e des-
cem, como se fo sem azas, mas que realmente servem de estojo á verda-
deiras. Podeis vêr estes estojos nas moscas cantbarida , por exemplo, e
nos besouros. Se o que vêmos nos insectos nos causa tanta admiração,
que seria se \'issemos o que está occulto e vedado ao nossos olhos, e á
nossa razão 1 Ao menos o que nos é conhecido ba ta ao coração bem for-
mado, para adorar e amar ao Creador de tantas maravilhas.
ORAÇÃO.
O' meu Deus 1 que sois todo amor, eu vos dou graças por terdes pos-
to ás nossas ordens tantas creaturas, que nos ajudam, guardam e alimen-
tam; fazei, Senhor, que isto nos sirva para cada vez mais vos amarmos.
Eu protesto amar a Deus sobre todas as cousas, e ao proximo como
a mim mesmo, por amor de Deus; e, em testemunho d'este amor, sere·i
fiel ás boas resoluções que a vossa graça me inspirar.
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de qne se faz o fio. rm só bicho produz quasi dous mil pés de fio de sêda.
D'est'arte, um insecto, a quem apenas nos dignamos honrar com um
emprego d'olhos, torna-se uma benção para provincias inteiras, que cl'este
consideravel commercio tiram avultadas riquezas. E!le só faz viver milhões
de homens. Quando o bicho da sêda conclue sua tarefa, depois de ter
fiado muito tempo para o publico, e sua vida ephemera declina já para
a morte, começa entTio a trabalhar para si. Envolve todo o corpo em fios
de sêda, que passa em redor do corpo; faz sua mortalha e seu tumulo;
aonde se encerra e desapparece. Por ventura morreu? Não; transforma-
se em uma linda borboleta. São dous animaes totalmente differentes:
O primeiro era em tudo terrestre, rojava-se pesadamente; o segun-
do é todo agilidade, nem se prende á terra, nem se digna d'algum modo
pouzar-lhe. O primeiro era d'aspecto repulsivo, este é todo enfeitado de
lindas côres; aquelle limitava-se estupidamente a um alimento grosseiro;
este vôa de flôr em flôr; vive de mel e rocio; e a cada instante varia
seus prazeres: goza livre da natureza toda, e de si mesmo a embelleza.
Graciosa imagem da nossa propria resurreição ! Assim é, ó meu Deus f
que por toda a parte, disseminastes, em a natureza, clarões de luz, que
nos elevam a conceber as cousas celestes, e as verdades mais sublimes.
3. 0 Os reptis e anirnaes bravos. Na primeira parte do sexto dia,
creou Deus tambem os reptis e as feras bravas. Pelo que lhes respeita,
limitar-nos-hemos a a1gumas reflexões geraes. Applicaveis a tudo aquillo
que se antolha á nossa ignorancia desordenado em a natureza, não jus-
tificarão ellas a Providencia, que disso não carece, mas farão brilhar com
noro lustre o poder e sabedoria do Creador.
O mundo é obra d'um poder, e sabedoria. e amor infinito. Tem im-
presso em caracteres de fogo o sinete da sua origem ; e Deus, depois de
cada creação, dizia: isto é bom ; quer dizer, isto corresponde perfeita-
mente á minha idéa e ao fim a que o destinei. O mundo é bom, pois que
elle narra a minha gloria ; é bom, por isso que ensina ao homem inno-
cen te a minha existencia, poder, sabedoria, e amor que lhe tenhÕ; o
mundo é bom, por quanto corrige o homem peccador, e o faz cuidar de
si e do seu proprio bem, obrigando-o a occupat-se de mim.
D'est'arte, a ultima palavra do mundo visivel, bem como a ultima do
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CATECISMO
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157
D'este modo tudo tem seu fim e utilidade; porque tudo o que Deus
fez é bom a seu tempo. (t) Quando a nossa fraca razão não penetrasse
os motivos de suas obras, temos nós algum direito de lhe tirar ou ajun-
tar alguma cousa? Contaremos um caso que resume tudo o que deixa-
mos dito, e que se póde applicar a todas as pretendidas desordens da
natureza.
No seculo passado, Frederico, rei da Prussia, teve noticia de que os
pardaes comiam cada anno, em seus Estados, pelo menos dous milhões
d'alqueires de trigo. Que estrago f f Que desordem 1f ponha-se cobro a
isto quanto antes. Em consequencia, publicá-se um edital em que o rei
promette tanto em dinheiro por cada cabeça de pardal que lhe trouxerem.
Todos os prussianos se transformam em caçadores : os desgraçados par-
daes desapparecem a olhos \'istos. Fizeram-lhe guerra tam cruel, que em
menos de um anno nada era tam raro como \'êr um pardal' no reino da
Prussiã. Esperava o povo uma colheita magnifica, e o rei philosopho es-
fregava as mãos por ter dado uma pequena lição á Providencia. Mas que
aconteceu? No anno seguinte, nuvens de gafanhotos e lagartas, livres de
seus inimigos, devoraram os prados, e as searas. Foi tal a desolação que
Frederico, humilhado e corrido, viu-se forçado a revogar a sua lei a toda
a pressa ; e prohibir com graves penas, que se não matasse mais um só
pardal em todo o reino. (2)
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Hi8 CATECISMO
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160 CATECISMO
.
Todas as creaturas suppoem, reclamam, e se referem umas ás ou-
tras; entre a suprema e a inftma creatura, entre o anjo e o goza no. ha
• um numero quasi infinito d'intermediarios. Esta succcessão constitue a
cadeia do universo. Cadeia magnifica, que une todos os seres, prende to-
dos os mundos, abraça todas as espheras; um só ente existe fóra d'esta
cadeia, é aquelle que a fez.
Uma espêssa nuvem nos intercepta a vista das mais bellas partes d'este
todo immenso; nossos olhos apenas podem entrevêr alguns mal ligados elos,
interrompidos e sem duvida em ordem differente da natural. Vêmol-a ser·
pear pela superficie do nosso globo, calar em suas entranhas, penetrar nos
abysmos do mar, lançar-se na ,atmosphera, e sumir-se nos espaços ethe-
reos, onde já não a descobrimos senão por alguns sulcos luminosos que
vae deixando aqui e alli. O que brilha a nossos olhos inflamrna-nos o cora-
ção; o que foge á nossa vista humilha-nos a intelligencia; visivel e invi-
sível, serve a instruir-nos e humilhar-nos. E' para isto que Deus a fez.
5. 0 O mundo é um livro. D'est'arte o mundo é a expressão de um
pensamento divino. Deus não exprimiu o seu pensamento senão para se
dar a conhecer, e por consequencia fazer-se amar e servir; pois que a
expressão do seu pensamento revela um poder inficito. O mundo visivel
é portanto o véo transparente d'um mundo iQ.visivel. Cada creatura é,
para assim dizer, uma lettra ou uma palavra d'este grande livro de Deus,
Ora, um livro, com os signaes e caracteres que o compoern, não faz vêr.
o pensamento do author ; senão que apenas o representa por signaes;
de sorte que se o não entenderdes, como se este Jivro fosse escripto em
lingua estranha, não sabereis o que o author quiz dizer: assim tambem,
se nos contentarmos com olhar para o grande livro do universo, como o
fazem os brutos; se pararmos nos signaes e caracteres, sem tratar de. os
comprehender; não correspondemos ás intenções de Deus, e somos por
isso culpados perante elle.
Os pagãos não lêram a Bíblia, e todavia, diz o Apostolo S. Paulo,
são inexcusaveis, e serão ,condemnados, por terem tido a verdade capti-
va; fechando os olhos á luz (1).
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CATECISl\IO
votos. Nutre, aquenta, veste, protege tudo o que respira; é meu Pae -
como se esquecerá de mim?!
" Assim o homem dominado pelo pensamento da omni-presença· de
Deus será justo e bom: seu coração será puro, sua mão liberal, sua vida
santa, sua paz constante, seu rosto sereno, sua morte tranquilla, sua eter-
nidade gloriosa. Feliz aquelle que sabe e quer lêr o grande livro do uni-
verso! -
ORAÇÃOº
O' meu Deus 1 que sois todo amor, eu vos dou graças por terdes
creado para mim este magnifico universo; eu vos adoro igualmente no que
posso comprehender e no que me é incomprehensivel; porque em tudo
sois igualmente sabio, poderoso e bom. Dai-me a graça de que preciso,
para lêr com os olhos da fé este grande livro do mundo.
Eu protesto amar a Deus sobre todas as cousas, e ao proximo como
a mim mesmo por amor de Deus; e, em testemunho d'este amor, direi
muitas vezes: Deus está em toda a parte.
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XIP LICÇÃO.
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CA TECIS:\ífl
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DE PERSEVERANÇA. 165
tndo estava bem, Deus recolhe-se em si mesmo ... delibera ... consulta ... de-
pois, sahindo subitamente de seu mysterioso conselho~ disse: FAÇAMOS!!!
Que nova expressão l Quem é pois o ser extraordinario que \'ai ap-
parecer, pois que é preciso que o Creador se consulte d'antemão e delibe-
re em si me3mo ?
Não é assim que elle fez o Ceo e a terra : uma só palavra os tirou do
nada. Façam-se, e foram feitos. O mandado convinha aos escravos; mas
quando se trata do amo, Deus muda de linguagem. Para tornar o rei do
mundo recommendavel a ~eus subditos, o mesmo Deus começa pelo hon-
rar, tratando-o quasi como d'ignal a igual.
Façamos Ili E que vai Deus fazer? Um seraphim? Não; vai fazer
o espectador do rmgnifico painel que acaba de pintar ; o leitor do grande
livro, que acaba d'escrever; o annel sagrado, que deve unir as duas extremi-
dades da cadêa dos seres; vai fazer o pontífice e rei do universo ! Que-
reis saber como se chama? ·chama-se O HOMEM ll!
Sim. esta obra prima do Todo Poderoso, este ser que toda a natu-
reza reclama com ardor,. e espera com respeito, é o homem, sois vós, so-
mos, nós, sou eu : Façamos o homem á nossa imagem e similhança !f ! (1)
(1) Ainda segundo a chronologia dos setenta, que é a mais larga de nossas
chronologias sagradas, a creação do homem não se remonta á mais de sete mil an-
nos; esta data, como todos os mais ensinos do Genesis, foi atar ada, com cego e fre-
netico furo:tt, pelos philosophos do seculo passado; as chronologias dos Egyp~ios, dos
Chinas, dos Indios, foram citadas, assim como os factos geologicos, para depôr contra
a narração de l\foysés. N'esta. parte, como em todas as mais, a impiedade momenta-
neamente triumphante, tem sido batida e rlerrotada completamente. A sciencia mo-
derna, esclarecendo-se, tem feito justiça á pretendida antiguidade dos sobreditos po-
vos. Quanto aos Egypcios, por exemplo, reduziram-se a seu justo valor os monumen-
tos com que levantaram tanta poeira: ccTodos os esforços do talento e da sciencia
que se fizeram, diz o celebi·e Cuvier, para demonstrar a alta antiguidade dos Zodia-
cos de Denclerah e d'E~meh, ficaram burlados no momento em que, acabando por on-
de natnralmente se devia começar, se o preconceito não houvera cegado os primeiros
, observadores, se deram ao trabalho de copiar e restituir as inscripções gregas escul-
pidas n'estes monumentos .... Hoje sabe-se que os templos egypcios em os quaes se
gravaram Zodiacos forám construidos sob o dominio dos Romanos.» Disc. sobre as
revol. cte., p. 269.
•A chronologia chine.za r~duz-se tambem em tudo á de Moysés, sr se prescindir
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t68 CATECISMO
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DE PERSEVERANÇA. {69
não sahiriamos do extasi senão para nos lastimar de não podermos assaz
admirar tantas maravilhas.
Os ossos, por sua solidez e reunião, formam o esqueleto, cujas pe-
ças estão unidas por solidas cartilagens; os musculos, como outras tan-
tas môlas, dão-lhes o movimento ; os nervos espalhando-se por todas as
partes, estabelecem entre ellas uma íntima communicação; as arterias e
veias, similhantes a regatos, conduzem a toda a parte a frescura e a vi-
da. O coração, collocado no centro, é destinado a imprimir a principal
força no sangue, e entreter seu movimento ; os pulmões são outra causa
activa, que tem por fim absorver o ar, elemento da vida, e purificai-o
das partes nocivas ; o estomago e as visceras de differente genero são os
receptaculos e laboratorios, onde se preparam as materias primas, que
serv,em para os reparos do edificio; o cerebro, que é como a pousada
da alma, é a este titulo espaçoso e mobilado com profusão e riqueza, di-
gna c!o principe que o habita; os sentidos domesticos, fieis e diligentes,
o advertem de tudo o que lhe convém saber, e igualmente o servem em
suas precisões e prazeres.
A' vista de tantas maravilhas, como não exclamaremos com um ce-
lebre medico da antiguidade : « O' tu que nos formaste ! descrevendo o
corpo humano, creio haver cantado um hymno á tua gloria. Honro-te
mais assoalhando a belleza de tuas obrtls, que fazendo subir ao fastígio
dos templos as ondeantes nuvens do mais precioso incenso. A verdadeira
piedade consiste em me conhecer a mim mesmo, e depois ensinar aos ou-
tros qual é a grandeza da tua bondade, do teu poder e sabedoria. A tua
bondade manifesta-se na igual distribuição de teus dons, pois repartiste
a cada homem os orgãos de que ha\'ia mister. A tua sabedoria patentea-
se na· excellencia de tuas dadivas; o teu poder, na execução de teus de-
. . >> (J·1 'i •
s1gmos. 1
Quanto é pois nobre o nosso corpo aos olhos da razão f quanto é
santo e respeitavel aos olhos da fé! Purificado nas aguas do baptismo,
consagrado tantas vezes pela uncção santa, pela carne e sangue de Jesus
Christo, templo vivo do Espírito Santo, membro do Homem Deus, desti-
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170 CATECISMO
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JlE PERSEVEHANÇA. 17.f
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DE PEHSEVERANÇA. 173
semos livres em obrar d'este ou d'aquelle modo; nem tam pouco mere-
ceriamos punição ou recompensa.
Que diríeis d'um homem que se pozesse a castigar o seu relogio por
elle se adiantar ou atrazar? Uírieis que este homem era absurdo e tôlo.
Todavia ninguem diz que. um pae é absurdo e tôlo quando castiga seu
filho por elle fazer mal. Não obstante, deveriamos dizer isto, se não fos-
semos livres; porque~ n'esta hypothese, tudo seria igual. Logo seria in-
justo e absurdo punjr o vicio ou recompensar a virtude ; ou para melhor
dizer, não haveria bem nem mal, vicio nem virtude; seriamos como re-
logios ou como alguma outra maquina.
Assim, Deus seria injusto em premiar uns, e punir outros: mas se
Deus fosse injusto, já não seria Deus, nem seria nada, e o mundo ficaria
um effeito sem causa ; tal é o abysmo em que nos precipitamos, no mo-
mento em que negarmos a liberdade da alma.
3. º A nossa alma é immortal. Isto quer dizer, que a nossa alma não
morrerá nunca; que é até impossível morrer. O corpo morre quando se se-
param as partes que o compõem; quando a cabeça, os pés, os braços, o
coração, vão cada um para seu lado. Mas a nossa alma não consta de par-
tes; porque não tem cabeça, nem pés, nem braços, nem coração; logo estas
partes não se podem separar, nem desunir: logo a alma não póde morrer.
Uma só cousa a poderia aniquilar, que é, a omnipotente vontade d'a-
quelle, que a tirou do nada. Mas longe de querer Deus aniquilar a nossa
alma, pelo contrario, declara, em termos expressos, que ella ha-de viver
sempre, tanto como elle, por toda a eternidade; eis-aqui o que nos diz :
Os máos serão punidos no inferno por toda a eternidade; ao contrario,
os bons serão recompensados no Ceo por toda a eternidade. (t)
A esta palavra de Deus, ajunta-se a de todas as nações da terra, para
proclamar o dogma, ao mesmo tempo consolador e terrível, da immorta-
lidade da alma : «E' o que a natureza nos proclama, diz S. Agostinho, o
que temos impresso, pelo dêdo do Creador, no fundo do coração; o que
todos os homens conhecem, desde a eschola de meninos até ao sabio
throno de Salomão; o que os pastores cantam pelos campos, o que os
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f 74 CATEClSl\IO
(1) Ha quem leve mais longe esta divina similhança. Nosso corpo tambem,
dizem elles, foi creado á imagem de Deus; porque no momento em que formára o
corpo do primeiro homem, Deus, a quem tudo era presente, via seu divino Filho
revestido d'um corpo hmnano; e por este modêlo do adoravel corpo do segundo Adão
é que se formou o corpo do primeiro. E' n'este sentido que o corpo de Adão, e de
todos os homens, foi feito á imagem e similhança. de Deus. Deus não diz: Façamos
a alma do homem á nossa imagem e similbança; mas: Façamos o homem á nossa
imagem e similhança. Ora, o homem não é só alma, mas tambem corpo. Para que o
homem se possa dizer a imagem de Deus, é necessario que tenha em todo o seu ser
a similhança e as feições de Deus. Tal é o raciocínio d'alguns philosophos. Veja-se
a Obra elos seis dias, e Tertullimw. De 1·cswT. wmis. A mesma doutrina de.paramos
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Dll: PERSEVEllANÇA. !7ã
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!76 CAT&CISMO
· ORAÇAO.
O' meu Deus f que sois todo amor, eu vos dou graças por me terdes
creado á vossa imagem e similhança; não permittais que eu jámais des-
figure a vossa imagem pelo peccado.
Eu protesto amar a Deus sotre todas as cousas, e ao proximo como
a mim mesmo por amor de Deus; e, em testemunho d' este amor, farei
com muito respeito o sig~al da Cruz.
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Xiita . LICÇÃO.
O homem foi creado para ser rei. Os seus títulos de realeza constam
das mesmas palavras da creação. Deus disse: Façamos o homem á nossa
imagem e similhança, a fim que presida aos peixes do mar, ás aves do
ceo, ás bestas e reptis qde vivem na terra; e domine em toda a terra.
Jámais houve tam dÍlatado imperio; sceptro, tam legitimamente empu-
nhado.
Antes da sua revolta exercia Adão pacificamente este seu imperio
em toda a natureza. Nem havia que temer das feras, nem estas viam
n'elle cousa que as amedrontasse. Todas familiarmente misturadas, como
os servos na casa de seu amo, eslavam promptas sempre a executar suas
ordens ; seja testemunha a prática entre a serpente e Eva. (1) O peccado,
desconcertando esta bella ordem, alterou o imperio do homem. Todavia
o homem não decahiu tanto de sua primitiva nobreza, que não conser·
vasse ainda honrosos pergaminhos.
E primeiramente, punindo sua infidelidade, condemnando-o a comer
o pão com o suor do rosto, quiz Deus não obstante alliviar e suavisar
seus pesados e duros trabalhos. Deixou-lhe o pleno exercicio do seu poder
sobre os animaes domesticas. O homem falia, e logo seus numerosos
servos se dão pressa a obedecer. A ovelha cede-lhe seu vello; o bicho
da sêda, sua preciosa trama; a abelha fornece-lhe o delicioso mel, o cão
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ii8 CATECISMO
faz sentinella á sua porta; o boi lhe cultiva as terras; o cavallo leva suas
cargas, e assim mesmo o transporta, a toda a parte que deseja. Quanto
ás bestas ferozes, tem na sua mão o domal-as e reconquistar sobre ellas
seu antigo imperio; e, de facto, elle as doma, submette, sujeita, amansa,
acostuma a seus usos e prazeres; apanha-as em rêdes, mata-as; dá-lhes
caça por meio de seus animaes domesticas. Se precisa de via nelas para
sua mesa, manda a seu cão; e sem se dar a muito trabalho trazem-lhe
o que deseja. Os mais monstruosos, e ainda os mais ferozes, o elephante
e a baleia, o tigre e o leão, estão sujeitos a suas leis, e d'elle se fazem
tributarias. ·
Não sómente domina em os animaes, como até nas creaturas insen-
siveis; a todas manda e nenhuma o manda a elle ; serve-se de todas, e
nenhuma o sujeita a seu ser-viço. Emprega os outros, para regular seus
trabalhos, e dirigir sua derrota pelas planicies do oceano, ou pelo meio
dos desertos. A' sua voz, descem os carvalhos do alto das mont:tnhas; a
pedra, o ferro, a ardosia, o ouro e a prata, sahem do seio da terra, para
o virem alojar ou embellecer sua mcrada; o canamo e o linho despem-se
para lhe fornecer vestido ; o metal é docil em suas mãos ; o marmore
perde sua dureza ao tocar-lhe com os dêdos ; os rochedos voam pelos
ares e abrem·lhe passagem; os rios mudam o !t~i to. para regar seus prados
e animar suas fabricas.
Se o atacam, toda a natureza vôa em seu auxilio: o páo e a pedra
fazem barreira a seus inimigos. O sal, o enxofre, o fogo, o ferro, reupem-
se para o resguardar d'rnsultos. Se acontece uma força superior preva-
lecer a seus desejos e precauções ; se um exercito de moscas, por exem-
plo, é talvez mais forte que elle, é porque ha um Senhor, do qual cumpre
que se recorde.
Se lhe apraz mudar de clima, passar além mar e conduzir a outros
paizes o que lhe é superfluo, ou trazer d'ell es o que lhe falta, a agua e
os ventos lhe prestam azas, e o transportam ao redor do globo. Seus
navios trazem-lhe producções das quatro partes do mundo. Seus desejos
cumprem-se d'uma a outra extremidade do universo. Elle approxima as ·-
distancias, e corresponde-se com o mundo todü, quando lhe apraz e sem
ainda sahir de casa. Um passaro dá-lhe a pluma, uma planta a casca, um
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DE PERSEVERANÇA. 179
mineral a côr, com que pinta o seu pensamento no papel ; depois esta es-
cripta parte, e sem lhe dar mais cuidados, atravessa por entra milhares
e milhares de homens, transpõe as montanhas, ultrapassa os mares, e vai
manifestar-s~ não só a toda a terra, mas até, depois da morte, á posteri-
dade mais remota.
Parece brincar com o mundo, como a sabedoria omnipotente que o
creou. Ora com o sinzel ou buril na mão, dá vida ao marmore e faz res-
pirar o bronze; agora, com o auxilio do microscopio, que elle mesmo in-
ventára, descobre novos mundos em átomos invisiveis; agora fazendo d'es-
te microscopia um telescopio, remonta-se aos ceos, e vai contemplar a lua
co:n seu brilhante exercito. Tornando-se para casa, prescreve leis aos cor-
pos celestes, marca su::is orbitas, mede a terra, e pêsa o sol.
E' pois verdade qne a natureza inteira está nas mãos do homem, co-
rno um brinco n~s mãos do menino. Assim conserva elle, não obstante
sua quéda, uma grande parte do poder que lhe conferiram estas sublimes
palavras: presida aos peixes, aos animaes, e a toda a terra.
O homem não é um rei constitucioµal. Sua realeza em o mundo não
é um nome vão : mas é real e etlicaz. El:e manda e goza. Manda como
temos visto ; goza como vamos vêr. Collocada em um corpo como em
seu palacio, tem sua alma ás suas ordens cinco fieis ministros, que lbe
trazem altern~damente, e talvez todos juntos, as homenagens ~o uni-
verso. Estes ministros chamam-se a vista, o ouvido, o olphato, o gosto
e o tacto: Por meio d'elles, goza o homem sem excepção de todas as crea_'
· turas. 1
Desde o firmamento, onde estão as mais remotas estrellas, até ã sn-
verficie da terra, tudo que é visível, é do dominio dos olhos: por seu mi-
nisterio, nenhuma belleza escapa ao gozo da alma. Todos os sons, por
tantos modos diversificados, são do domínio do ouvido; por seu ministe-
rio, nenhuma melodia escap!l ao gozo da alma. Todos os cheiros são
do do~ninio do olphato; por seu ministerio, nenhum perfume escapa ao
gozo da alma. Todos os sabores são do domínio do gosto ; por seu mi-
nisterio, nenhuma delicia escapa ao gozo da alma. Todos os corpos que
nos circundam são do dominio do tacto; por seu ministerio, nenhuma im-
pressão escapa ao gozo da alma.
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t~O CATECISMO
E' assim que se reduz ao uso do homem o mundo inteiro, e por este
uso vem a utilidade ; toda a creação material cabe na extensão das sensa-
ções, cujos orgãos estão no corpo do ~ornem, e cujo termo é sua alma.
Talvez julgueis que, para gozar de seu immenso domínio, é o homem obri-
gado a fazer penosos esforços ; pois enganais-vos, este gozo nada lhe cas-
ta, elle o tem constantemente. Nem esta é a menos admiravel maravilha da
sabedoria divina; a qual quiz que todas as tousas, que o homem tem
continuamente em suas mãos, como são os animaes e as plantas, tivessem
uma ligaçãe geral e necessaria com todas as partes do universo. Assim
lhe aprouve que a menor hervinha carecesse da terra, do ar, da agua,,
dos ventos, das chuvas, do sol, do calor do dia, da frescura da noute,
da influencia differente das quatro estações; em summa, de todas as cousas.
Todas as hervas se referem aos animaes. Os animaes de toda a espe-
cie, tanto os que vivem n'agua, como os do ar, e da terra, reunem a si
uma infinidade d'outras cousas, que parecem escapar ao homem, e não
estarem sujeitas a seu -aso immediato. Elias mesmas, após de todas estas
reuniões particulares, vindo offerecer-se ao homem como a seu amo, fa-
zem-lhe communicar admiravelmente todas as partes do universo. Assim
goza d'elle quando lhe apraz e sem trabalho nem esforço.
Um exemplo familiar fará evidente esta verdade, e conhecereis como
o homem ainda o mais indigente, é um rei que desfruta e goza a cada
momento do universo inteiro.
, Vêde aquelle pobre menino, comendo o bocado de pão que acabais
de lhe dar; é um joven rei que, sem o saber, põe a contribuição todas
as creaturas, todas as condições da sociedade, e até o mesmo Deus. Com
effeito, um bocado de pão suppõe :
t.º A farinha. Esta suppõe um padeiro que a amaçou, agua que a
uniu, um forno que a cozeu, lenha que aqueceu este forno, o moinho que
moeu o trigo; o moinho, para se construir, suppõe a pedra, o ferro; para
o fazer moer, agua, vento, animaes, homens que o construiram, e que
, precisaram para isso saber as mathematicas e a rnechanica; outros ho-
mens para o dirigir e conservar. Esta farinha suppõe ainda saccos para
a receber; os saccos, panno para se fazerem; 'b panno, tecedeiras, fio; o
fio, fiandeiras; as fiandeiras, estôpa; a estôpa Jinho ou cánamo.
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DE PERSEVERANÇA. t8t
2. 0 Este bocado de pão suppõe o trigo ; o trigo, o lavrador que o
semêa ; a charrua, os bois, ou os cavallos que lavraram com ella; a terra,
que recebe a semente ; o sol, que a aquece ; a· chuva, que a fettiliza ; a
chuva suppõe as nuvens; as nuvens, os mares e os rios; os rios, as mon-
tanhas onde nascem. as planicies por onde correm, os ventos que trans-
portam as nuvens. Ainda o trigo suppõe as quatro estações: o outono, du-
rante o qual o semeam; o inverno, de que a terra careceu para repousar
e refazer-se; a primavera, que o fez crescer; o verão, que o amadureceu.
3. 0 Este bocado de pão suppõe o segador que cortou o trigo, que
o malhou, que o peneirou ; e tuqo isto suppõe fouces, malhos, e crivos.
As fouc~s suppoem mineiros ')Ue tiram o mineral das entranhas da terra;
forjadores, que o fundem ; cutileiros, que o obram. Os malhos suppõem
o páo; o páo, os mateiros, que o cortam; obreiros, que o põem em
obra. Os crivos suppõem arbustos ; por exemplo o vimeiro, e os homens
que fazem os crivos. Ora, o padeiro que coze o pão, o lavrador que o
semêa, o segador que o corta, o moleiro que o moe, e est'outros obreiros
que preparam todos os instrumentos necessarios á agricultura, carecem
de vestidos, de chapéo, e de çapatos. Estas differentes cousas suppõem
pela sua parte sombreireiros, alfaiates e çapateiros; estofos, lã, rebanhos
e pastores; estes officios ainda suppõem outros, e depois ainda outros,
até chegar ás profissões assim as mais elevadas como as mais humildes
da sociedade. Um imperante, que faça leis para proteger a propriedade;
magi3trados, que as façam executar; agentes da justiça, guardas e prizões.
As leis supvõem sciencia; a sciencia, estudo; o estudo, livros, collegios,
e professores. Ainda isto não é o mais ; este bocado de pão não suppõe
sómente o lavrador protegido contra os inimigos internos, mas tambem
externos. Isto snppõe cidades fortificadas, exercitas, peças d'artilberia, e
toda a multidão d'artes e profissões que a guerra emprega e traz em seu
sequito.
4. º Este bocado de pão suppõe não só o trigo de que é feito,, mas
ainda o grão de que eUe nasceu; este, suppõe outro ; e assim successi-
vamente até o primeiro grão de trigo ; o qual suppõe um Deus infinita-
mente poderoso, que o creou ; infinitamente sabio, que o faz crescer ;
infinitamente bom, que nol-o dá.
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t82 CATECISMO
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DE PERSEVERA~ÇA.
a seu rei; todas se referem a elle como ao seu fim ; elle goza de todas,
e nenhuma goza d'elle; por qualquer lado que olheis, aonde qner que
dirigirdes o pensamento, verei~ que estes milbares de milhares de seres
se dirigem ao homem, como ao CP.ntro os raios d'um circu~o.
Mas por ventura deverão parar no homem as creaturas todas'! E•
elle o sen ultimo fim? Não; se assim fosse, o homem seria Deus. Que
demandam pois do homem as creaturas que a elle se dão, e n'elle se per-
dem? Qne deve o homem fazer de todas. e de si mesm0? Referir tudo áquel-
le grande Deus, que l~o é superior: porque tudo vem de Deos e todo deve
volver para Deus. E' para mim, diz o Senhor, que eu fiz todas as cou_
sas ; logo é para Deus que todas devem dirigir-se, como todos os rios pa-
ra o oceano.
Ora, as creaturas, de per si mesmas, não podem volver para Deus,
isto é, honrai-o a·uma maneira agradavel e digna d'elle; porque não .teem
espirito para o conhecer, nem coração para o amar, nem bôca para o lou-
var, nem liberdade para o adorar; nem a si mesmas se conhecem., nem
as perfeições que em si possuem. O diamante não sabe qual é seu preço,
nem de quem recebeu o fogo; como por tanto bemdirá a Deus? A ov~
lha não conhece quem a veste e a sustenta; como dar-lhe graças? As ar-
vores e os passaros, o sol e a terra, ignoram d'onde lhes vem, a uns as
flôres e os fructos ; a outros, as brilhantes plumas e harmoniosas vozes;
a este o calor e a luz, áquelle o movimento e iucançàvel fecundidade; logo,
como póde Deus esperar que lh'o agradeçam 1
Todavia cumpre que todas as creatnras bemdigam seu Creador, que
o amem e glorifiquem d'OOl a maneira digna d'elle. Mas só o homem o pó-
de fazer; pois elle só é livre; elle só tem um espirito, capaz de o co-
nhecer; um coração,. proprio para o amar; uma bôca, para bemdizer o
Creador de todas as cousas; logo elle só é obrigado a o faz~r, porque só
elle póde gozar e a cada in_stante goza de todas as creaturas, sem que ne-
nhuma pelo contrario gnze d'elle.
Assim pois, a não ser o homem, to~a a natureza é muda; mas por
elle toda entoa ao Creador um psalmo eterno. Pelo espirito do l1omem
conheceo-o; pelo coração, ama-o ; pela bôca, abençoa-o; pela liberdade,
adora-o. Que é pois o homem no meio do universo? E' um pontífice no
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CATECISMO
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DE PERSEVERANÇA.
sáe do crisol com o polido brilho de refulgente ouro, o homem nada tinha
em todo seu ser que não estivesse perfeito e acabado. Elle era bello, ad-
miravelmente bello :- porque era a imagem viva de Deus, e esta imagem
viva de Deus, e esta imagem em nenhuma cousa se havia alterado ain-
da (t ). Bem como o sol resplandece ao meio dia em ceo limpo de nu-
vens, assim no homem innocente apparecia a graça e magestade do mes-
mo Deus.
Brevemente a este espectaculo succedeu outro : Adão estava coroa-
do d'bonra e gloria. Que mais restava que investil-o no magnifico im-
perio de que seu Creador o havia feito rei? Eis-ahi pois que o Senhor
Deus fez comparecer todos os animaes perante Adão, a fim que lhes im-
pozesse um nome, como a subditos seus. A todos nomeou Adão, e cada
nome exprimia perfeitamente o caracter e qualidades que possuíam; es-
tes nomes ainda os conservavam no tempo que Moysés escrevia. Se re-
:flectirmos n'isto, verêmos que os nomes que Adão impôz aos animaes,
não só indicam o seu dominio absoluto, como tambem o profundo conhe-
cimento que tinha da natureza.
Desde logo reconheceram os animaes o imperio do homem, e se lhe
sujeitaram sem reluctancia; e isto continuou tanto que Adão pei:maneceu
fiel, e como não seria assim? Adão no estado d'innocencia governava o
mundo com justiça e equidade; isto é, fazia que todas as creaturas ser-
vissem ao fim para que Deus as creára e sujeitár:l a seu imperio. ·Todas
serviam ao homem como a um degrau pelo qual se elevavam a seu Crea-
dor; todas eram como o espelho onde se reflectiam aos olhos do homem
a sabedoria, o poder, a bondade do Creador. Cada serviço que lhe pres-
tavám produzia n'elle um acto de gratidão e amor de Deus; e d'est'art0
toda a creação, descendo de Deus, a elle incessantemente se remontava
pela mediação do homeµi.
Depois da sua quéda tudo mudou. Em vez de elevar o homem a
Deus, como as pinturas que trazem á memoria a pessoa que represen7
tam, já agora as creaturas não servem as mais das vezes senão para des-
lembrar ao homem a idéa do Creador. Não é d'ellas a culpa, mas sim do
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t86 CATll:ClS~IO
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DE PERSEVERANÇA. 187
,, ORAÇÃO.
O' meu Deus! que sois toJo amor, eu vos dou graças por me ter-
des cumnlado de tanta glorh e poder; que vos darei sobre tudo .pelo
vosso sangue que derramaste por mim?
Eu protesto amar a De1Js sobre t0das as cousas, e ao proximo como
a mim mesmo por amor de Deus; e, em testemunho d'este amor, cada
dia mortificarei algum de meus sentidos.
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•
.,
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XIV.ª LIGÃO.
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mo CATECU5MO
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DE PERSEVERANÇA. HH
amava seu coraç1o com amor \'ivo, puro e tranquillo tudo o que devia
amar, e só o que devia amar; seu corpo gozava d'uma saude e mocida-
de eterna. E tudo isto era ainda apenas o começo d'uma felicidade maior
no Ceo; isto é, d'um conhecimento e amor mais claro e perfeito.
Tal era o homem ao sahir de vossas mãos, ó meu Deus! tal se co-
nheceu elle; e póde ju Jgar-se quaes foramos transportes de sua grati-
dão, e a vivacidade de seu amor, ao vêr o que tinheis feito para elle, fó·
ra e dentro d'elle, no presente e no porvir.
Tantos beneficio~ não bastavam ainda a satisfazer a inexgotavel bon-
dade de Deus. Quiz redobrar a Yentura do homem, dando-lhe uma com-
panheira que a partilhasse com elle. Isentos de ciume e de paixões, for-
mamlo um só coração, uma só alma, deviam estas duas innocentes crea-
turas, communicando suas idéas, sentimentos e deliciosas impressões de
gratidão, augmentar mutuamente sua felicidade, e ajudar-se no quotidia-
no progresso da perfeição.
Quando pois todos os animaes haviam comparecido perante Adão e
recebido o noine que a cada um impôz, enviou-lhe Deus um mysterioso
soµrno. Este momento escolheu o Senhor para crear ao homem uma es-
posa. O Todo Poderoso Creador tirou sem violencia uma costella do ho-
mem adcrmecido, e preencheu o lugar vasio com nova carne. Assim c0-
mo d'um pouco ele barro tinha formado o corpo d'Adão, formou da cos-
tella d'este um corpo a que uniu uma alma raciona], e assim creou a mu-
lher, dotada das mesmas prerogativas, e elevada á mesma condição sobre-
natural do primeiro homem.
Foi ella o primeiro objecto que Deus apresentou ao pai do genero
humano quando este despertou do somno, instruindo-o da maneira como
os tinha formado, e de como era uma parte d'elle mesmo. Ao Yêl-a, ao
ouvir tal narração, Adão, que nI10 tinha achado um ser similhante a elle
em todos os que acabavam de passar por diante de seus olhos, excla-
mou: ((Eis-aqui o osso do meu osso, e a carne da minha carne; é por is-
so que o homem deixará seu pae e mãe, e se unirá ~ sua esposa; e não
serão ambos mais que uma só carne.>) (f)
( 1) Gen. n. :23.
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~
192 CATECIS~IO
(1) Id. XXII, 28. - A unidade da especie humana é um facto que as scien-
cias modernas revindicaram dos ataques da má fé ou ignorancia <la impiedade En-
cyclopedista. 1.0 As tradições dos differentes povos são unanimes sobre este ponto.
Veja-se Cosnwg. de 1Woysé8; Tardes de J.1fontlhery, etc. etc. 2. 0 Demonstra-se por cal-
culos mui simples que um só par bastou á propagaç.ão do genero humano. Tal'cles
de Montlhery pag. 204. 3. 0 As variedades de côres, e conformação, sendo meramen-
te accessorias, explicam-se perfeitamente pelas differenças dos climas e costumes.
Cosmog. pag. 332 e seguintes. 4. 0 A sciencia mais adiantada, pondo de parte a nar-
ração de Moysés, julga-se com direito a concluir de suas investigações: Que o ho-
mem não foi collocado simultaneamente sobre a terra em muitos pontos particulares,
mas sim em um só, do qual se diffundiu successivamente pelo globo inteiro; que a
Asia parece ter sido esta parte primitiva, este berço do genero humano. De facto,
este paiz, um dos principaes do antigo continente, offerece ao mesmo tempo planuras
e picos os mais elevados que bana superficie da terra. Cosmog. pag. 336 e seguintes:
Livro da Natureza, t. 3. 0 , 105.
(2) Veja-se Do divorcio em a Synagoga, }JOr :\I. Drach.
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DE PERSEVERANÇA. i93
bem êS dou a todos os animaes da terra, e aves do Ceo; a fim que tenham
de que sustentar-se.» (1)
Estas palavras dão ao homem direito a todas as plantas e fructos da
terra; mas elie se faz indigno d'estes dons se d'elles abusa ou se torna
ingrato para com Dem. Tambem asseguram estas palavras seu alimento
aos animaes. E eis que a terra, desde o instante que foram pronunciadas,
não cessa de produzir o que é necessario á subsistencia dos milhares de
viventes, que a povoam. A omnipotente virtude da palavra divina estabe-
leceu para sempre uma admiravel proporção entre o alimento de cada
animal e o seu estomago. Ao trigo deu força para nutrir o homem; ao
feno, para alimentar o cavallo e o elephante. De tal sorte que u~ feixe d'her-
va, do qual jámais poderia tirar-se o necessario sueco, para sustentar a
vida de um menino, basta para conservar a existencia dos maiores e mais
robustos aoimaes da terra.
Tudo o que respira tem os olhos em vós, Senhor! diz o Propheta rei,
e todas as creaturas esperam lhes deis o alimento em seu tempo proprio.
Abris as mãoa, e os encheis dos effeitos da vossa bondade. (2) Os cuida-
dos de vossa providencia estendem-se aos mais pequeninos passaros ; e
nós que somos creados á vossa imagem e similhança, teriamas taro pou-
ca fé que desconfiassemos d'esta providencia?
No meio do paraíso terrestre, aonde Deus estabeleceu nossos primei-
ros paes_, havia, entre as demais, duas arvores notaveis. Era a primeira a
arvore da vida; a· segunda, tam funestamente celebre, a arvore da scien-
cia do bem e do mal.
Chamava-se a primeira assim, porque seus fructos continham uma
virtude vivificadora, propria a conservar e restabelecer as forças do ho-
mem, pois que o homem, destinado a não morrer, por um privilegio
gratuito, nem por isso deixaria de enfraquecer-se, alterar-se, e mesmo
definhar-se, a não ter um preservativo tJl contra a enfermidade e caduci-
dade inseparavel de sua natureza. Diz admiravelmente S. Agostinho que
a arvore da vida era a figura do Verbo incarnado, cuja carne vivificadora
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CATECTS:\IO
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DE PERSEVERANÇA.
(1) Quia ergo contcmptus est Deus jubens, qui creaverat, qni ad suam imagi-
nem fecerat, q ui cteteris animalibus prreposuerat, qui in paradiso constitu erat, qui
rcrum omnium copiam salutisque prmstiterat, qu i prfficeptis nec pluribns, nec gran·
dibns, nec difficilibus ornmwei·at, secl nno brel.'issiino atque levíssimo ad obedientire
salubritatem adminiculavcrat, quo c:un creaturam, cui libera servitus expediret, se
esse Dominum comrnonebat: jnsfa damnatio snbsecnta est. Id. e. 15.
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prova da sua virlude, e, póde ser, julgcm desde logo ter alcançado á sua
posteridade as vantagens que pendiam de tão facil abstioencia. Ah! não
sabia elle porque tentação estava prestes a passar a sua fidelidade.
Deus, cujo poder é infinito, e cuja sabedoria brincou em a creaçã@
c1o universo, tinha tirado do nada muitas especies de creaturas. Umas vi-
siveis e puramente materiaes, como são a terra, a agua, os mineraes e
as plantas; outras, ao mesmo tempo visíveis e invisiYeis, materiaes e es-
pirituaes, taes são os homens; outras em fim invisíveis e puramente es-
pirituaes, que são os Anjos. .
D'est'arte não ha saltos em a natureza, não ha quebra na cadeia ma-
gnifica dos seres. Encadeiam-se seus anneis uns nos outros pelas mais
perfeitas relações, de geito que, chegando ao homem, deslumbra este di-
vino collar, com seus raios de gloria, a no'ssa fraca e debil razão. Porém
esta cadeia não termina no homem ; nem é elle o seu annel mais brilhan-
te ; se se ·vêem abaixo de si myriades de creaturas menos perfeitas, acima
de sua eabeça apparecem milhões d'outras mJis perfeitas do que elle;
entre estas ultimas ha diversos graus tanto mais pérfeitos. quanto mais
se approximam da perfeição infinita. N'cste universo superior ao nnsso,
e cuja extensão comparada com o mando visível é talvez como o sol ao
pé d'um grão d'areia, brilham como astros resplandecentes as jerarchias
celestes.
Alli fulguram por toda a parte os córos angelicos; no centro d'estas
augustas espheras rutila o sol da justiça, o oriente do excelso, do qual
todos os outros derivam a luz e o esplendor. Celestes jerarchias 1 Vós vos
aniquilaes em presenç.a do Eterno, do quai a vossa existencia pende.
Elle só é de si mesmo; elle só o que é, a plenitude do ser, da qual pos-
suis apenas a sombra e o reflexo. Vossas perfeições são ribeirinhos; o
ser infinitamente perfeito é um oceano, no qual o ch1m1bim não ousa fitar
os olhos.
Tal é o mundo angelico, o qual nos toca de tão perto, tem sobre o
nosso tanta influencia, que nada nos interessa tanto como estudar e co-
nhecer a seus habitantes e maravilhas; até o conhecimento da sua histo-
ria é necessario para explicar a nossa. Além cl'isso, antes de nos estabe-
lecermos em uma cidade 011 entrarmos em qualquer sociedade, bom é co-
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DE PERSEVERANÇA. !97
nhecer as pessoas com quem temos de tratar e conviver. Ora nós have-
mos de habit;ff eternamente com os anjos no Ceo, havemos de vir a ser
seus similhantes; comecemos pois, como disse um grande Papa, por tra-
var conhecimento com elles (1 ).
Lº Sua natur~za. Os anjos são creaturas intelligentes, invisíveis,
puramente espirituaes e superiores ao homem. E' de fé que ha bons e
maáo anjos. Quasi qne não ha pagina na Escriptura que não atteste a
sua existencia (2). Os anjos foram creados (3), ao mesmo tempo que o
Ceo e a terra: tal é a doutrina formal da Igreja (4,).
Mas em que dia foram creados os anjos? Pouco importa saber isto.
Santo Agostinho e S. Gregorio ão de parecer que os anjos foram creados
ao mesmo tempo que o Ceo. De re to se . ioysés não se explica mais
miudamente obre a creação dos anjo , a razão é porque, segundo S. Tho-
maz, c'accôrdo com os dous Santos doutores que acabamos de citar, ha-
via motivo para temer que o povo Jndaico, cuja inclinação para a idola-
tria lhe era conhecida, não tirasse d'ahi occasião para cahir em algum
culto supersticioso (ã). Tambem se póde dizer que Deus não quiz que
soubessemas mais do que sabemos ácerca dos anjos, e isto porque o nos-
so estado actual nos tornaria perigoso esse conhecimento. Em fim, póde-
se accrescentar, com a generalidade dos interpretes, que o objecto prin-
(l) In resurrectione erunt sicut Angeli Dei. Math. XXII. - Ineamus amici-
tiam cum Angelis. Leo.
Damos aqui na sua integra os textos dos Concílios e Padres. E' facil conhecer
pelo que sahimos assim do no2so costume.
(2) Angelos pene omnes sacri eloquii paginae testantur. Greg. homil. XXXIV
in Evang.
(3) lllud evidenter divinus serro.o d clar at, n que post sidera productos ange·
los, ncque ante Crelum terramque con titutos. Est enim certa ilia et immutabilis
sententi a, ante Crelum et t rram, nihil omnino conditarum rerum extitisse, quo-
niam in principio creavit Deus relum et t rram ut illud sit ereandi principium1
ante qnod creatis ex rebus omnino nulla fuerat. Epiph. Hrerea, 65.
(4) Veja-se o III. ° Concilio de Latrão.
(5) Ne populo rudi cui lex proponebatur idolatrire daretur occasio, si plures
spirituales snbstantias super omnes corporeas introduceret sermo divinus. Thom.
Opusc111,
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rns CATECIS:\IO
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DE PERSEVERA~ÇA. 199
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200 CATECISMO
ORAÇÃO.
O' meu Deus t que sois todo amor, eu vos dou graç.as por terdes
cumulado nossos primeiros paes de tanta gloria e felicidade. Eu vos dou
graças de nos terdes feito tão grandes que, pela Religião, nos estabele-
ceis em communicação éomvo3co.; concedei-nos a graça de levar fielmen-
te o vosso amavel jugo.
Eu protesto amar a Deus sobre tod::is as cousas, e ao proximo como
a mim mesmo por amor de Deus; e, em testemunho d' este amor, farei
cada dia um acto de lmmüdade.
(3) Aliqui dixerunt ad diem judicii differri poone.m sensibilem taro dremonum
quam animarum; et similiter beatitudinem sanctorum quod est erroneum. Tb. 1, q ·
64: art. IY, ad 3.
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XV.ª LIÇÃO.
(1) Diabolus ubicumque sit, sive sub aerc, sive sub terra, secum tert tormenta
suarum flammarum. Glos. in cap. III Jacobi. S. Thomaz diz a mesma cousa: " Dffi-
monibus duplex locus prenalis debet~r: unu s quidem rntione sum cul pre, et hic est
inferus; alius autem ratione exercitationi1:; humanre, et hic est caliginosus aer. "
P. 1, q. 64, art. IV.
(2) Hrec omnium doctorum opinio est quod aer iste qui crelum et terram me-
dius dividit et ínane appellatur, plenus est contrariis fortitudioibns. Hie1·. in e. VI
ad Ephes.
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/
202 CATECISMO
doutrina· é apostolic·a (1). E' com muita razão que o diz, pois é constan-
te das Epistolas de S. Pedro, de S. Paulo, da de S. Thiago, e do Apoca-
Jypse. S. Paulo declara-nos expressamente que temos de lactar, não con-
tra a carne e o sangue, mas contra os principados e potestades, espiritos
de malicia espalhados pelo élr.
Por isso: a continua occupação dos demonios é tentar-nos. O demo-
nio, diz o apostolo S. João, é aquelle grande dragão, aquella antiga ser -
pente, que se chama Satanaz, e que seduz o universo inteiro. O odio que
estes espiritos reprobos teem ao homem é tão grande, que o que querem
é chegar-nos, ainda que lhes custe caro. « Atacam, diz S. Chrysostomo,
aquelles mesmos que nenhuma esperança teem de vencer; mas só pelo
motivo de fatigar, inquietar, perturbar, fazer todo o mal que po-
dem» (2).
Supposto que a intenção principal do demonio seja sempre perder
nossa alma pelo peccado, e privar-nos dos dons da graça, nem por isso
perde occasião do prejudicar-nos ainda no temporal.
Os excessos a que chegou contra Job ; as vexações corporeas com
que atormentava os possessos (3), e que são descriptas em varias partes
do Evangelho; os sacrificios cruentos e deshumanos, que de seus adora-
dores exige, como se prova da historia de quasi todas as nações ; suas
apparições a tantos santos solitarios, sob as mais horrendas fórmas; as
ameaças, que sempre realiza, se Deus lhe não suspende a furia; são ou-
tras tantas provas d'aquelle imeterado rancor, que, desde o principio do
mundo, se nos predisse e annunciou que sempre nos teria (4.).
Assim os demonios são cansa, em grande parte, dos males tempo-
raes que nos affiigem. Em todos os tempos, tem a Igreja estado vi\'amen-
te persuadida do poder, que permittiu Deus tivessem os demonios sobre
as creaturas, e do uso que d'este poder fazem, para clamnificar aos ho-
mens.
(1) ~ih. li, de Gen. ad litt.
(2) Homil. de Lazaro.
(3) Sobre os possessos, veja-se a Historia do povo Deus, 2."ª parte, t. l, pag.
199, edição de B(;sançon.
(4.) Gen. II.
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DE PEHSEYEHANÇA. 203
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20i CATECISMO
(1) Bonorum longe major numerus, in ca:lestibus suae naturre ordinem ju-
vans. De Civ. Dei lib· II, e. 23.
(2) Non quod tanta solum csset multitudo, sed quia majorem dicere non po-
terat. - Cyril. Hieros. Catech. 15.
(3) Prima hierarchia, scilicet Seraphim ct Cherubim et Throni, inspicit ra-
tiones rerum h1 ipso peo; secunda vero, id est, Dominatfones et Virtute s et Potes·
tates, in causis universalibus; tertia vero, scilicet Principatus, Angeli et Archange-
li, secundum determinationem ad speciales eftectus. Et quia Deus est finis non so-
lum Angelicorum ministerforum, sed etiam totius creaturae, ad primam hierarchiam
pertinet consideratio finis; ad mediam vero dispositio tmi"versalis de agendis; ad ul-
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DE PERSEVERANÇA. .20~
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CATECIS~IO
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DE PERSEVEGANÇA. 207
a José que fuja para o Egyto; (1) e d'alli o mandam voltar para a terra
d'lsrael. (2) Approxímam-se de Jesu-Christo para o servir no deserto. (3)
Fortificam-no em sua agonia. (4) Publicam sua resurreição; acompa-
nham-no em fim em sua Ascenção, e cumprem o que elle havia predito,
que se veriam os Anjos subir e descer sobre o Filho do Homem. (5)
Igualmente velam sobre os Apostolos da Igreja nascente. Quando es-
tes são encarcerados, um Anjo lhes abre as portas e os manda sahir. (6)
O diacono Philippe é enviado por um Anjo ao caminho, que conduz de Je-
rusalem a Gaza, a fim d'instruir e baptizar o enviado da Rainha de Canda-
ce, cuja conversão brevemente daria causa a tantas outras na Ethiopia.
(7) Um Anjo apparece ao Centurião Cornelio, e lhe ordena que chame o
Apostolo S. Pedro, de quem ha-de receber a instrucção e o baptismo. (8)
Seria inutil amontoar passagens <la Escriptora ; a cada pagina do Novo
Testamento se encontram factos, de que todos teem noticia.
4.º Velam na guarda do genero humano. Os differentes ministerios
dos Anjos, a respeito das creaturas, teem referencia, como as creaturas
mesmas, á salvação do homem ; por isso é da gnarda e cuidado do gene-
ro humano, que as intelligencias celestes estão principalmente encarrega-
das. Segundo Lactancio, Deus enviou seus Anjos para guardar e como que
cultivar o genero humano; (9) elles são nossos guias e tutores. (to)
5.º Entendem na gu:mla dos imperios. No capitulo X do Propheta
\ 1).Math. I, 3.
(2) Luc. IV.
(3) nfath. XX VII l.
(4) João. l.
(5) Act. V. '
(6) Ibid.
(7) Id VIII.
(8) Icl. X.
(~l) l\füsit Deus Angclos suos ad tntclain culttlllHfUC gcneris hmnani. Lib. II, d~
Insl. d1:1.J. e. 14.
(10) A11;·elis fanqnam proyidis tntoribns hmnani generis curam dcrnan(lavitDens
atl custodiam salutemquc humanam. Basil in cap. YIII Isai. - Ad tutelam nostram
constituit cxercitns A11geloram. Chvs.- Salus in rninisterio Angelornm qni ad pro~
tcctionem hominum à eputantur A 111b;·. i ll z1sal. XLIII.
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208 CATECISMO
(1) Angeli Oinnes, ut appellationem unam, ita etiam eamdom omnino inter se
babent naturam ; sed ex iia quidam prrefecti sunt gentibus, alii vero unicuique fi-
delium adjuncti sunt comites. Basil. lib. III, lueres. 51. - Angeli singulis pracsunt
gentibus. Hier. lib. XI, in cap. XV. Isai. ·
(2) Quin etiam cuique gcnti proprium Angelum pracsse affirmat Scriptura.
Theodoret. q. 3, in Gen.
(3) Homil. 12-13, in Ezech. in Lnc. XXV.
(4) V ult Deus Angelos singulos ccclesiarum sibi commissarum custodes esse.
ln psal. XL VIL
(5) Angelis hujus urbis cura commissa est. Ncc enim mihi clubium est qnin
f!lii aliarum ccclesiarum pracsides et patroni sint, riuemaclmodum in Apocalypsi
.Joannes me do<'C't . Orat. 32.
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DE PERSEVERANÇA. 209
com estabelecer um Bispo para cada rebanho, senão que tambem encar-
regou a um Anjo de o proteger e guardar. (t)
7.º Guardam a Igreja universal. Sa cada Igreja particular tem seu
Anjo da guarda, não devemos duvidar que com muita mais razão haja um
grande numero d'elles, que incessantemente velam no bem da Igreja uni-
versal. As Potestades celestes, diz Eusebio, guardam a Igreja de Deus.
(2) S. Hilario os representa cercando por toda a parte o aprisco tle Jesu-
Christo, e fazendo d'algum modo a seu respeito as funcções de soldados
destinados a guardar um2 cidade. (3) .
S. Gregorio de Nyssa compara-os áquella torre de que se falla no
Cantico dos Canticos, d'onde pendia grande numero d'escudos, pafa nos
dar a entender-que estes bemaventurados espiritos protegem e defendem
a Igreja na continua guerra que peleja contra as potencias das trevas. (4)
8. 0 Guardam a cada um de nós. Cada homem tem seu Anjo da
guarda destinado a o esclarec&, defender, conduzir por todo o decurso d' es-
ta vida. Esta tam consoladora verdade, apoz dos dogmas expressamente
definidos, é uma das mais bem fundadas na Escriptura e tradição; de sor-
te que, supposto não seja inteiramente expressa nos livros santos, nem
absolutamente .definida pela Igreja, segundo os the~logos, estã como re-
cebida pelo consenso unanime da Igreja universal. Demais, tem funda-
mento tam solido nos textos da Escriptura, entendidos segundo a inter-
pretação dos Santos Padres, que não é possivel negai-a sem grande te-
meridade e quasi sem err~. (5)
(1) Non solum a<l eumdem gregem Dominus Episcopos ordinavit, sed etiam
Angelos Lib. II, in Luc. et lib. I, de Pcenit. e. 21.
(2) Divinis potestatibus quae Ecclesiam Dei ejusque religiosum institutum
custodiunt. ln psal. XL VII.
(3) Acne leve -pracsidium in Angclis, qui Ecclesiam quadam custodia circum-
scpiunt, esse putarcmus. ln psal. XXIV.
(4) Existimo autem eam turrim multitudinc clypeorum sigificare angelicum
praesidiw11 quo circumsepti sumu .
(5) Assertio catholica st · quamvis enim uon sit expressa in Scripturis, vel
ab Ecclesia definjta, tanto comen u Ecclesiae universalis recepta ~st in Scriptura,
prout a pahibus int 11 cta cst, tam m gnum babet fundamentum, ut sine ingenti te-
meritate ac fere errore ucgari non pm:sit.
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210 . CATECISMO
Eis-aqui as palavras de Suares, que nota além d'isso como foi Cal-
Yino o primeiro que ousou pôr em duvida, e depois· rejeitar esta ver-
dade. (t)
((O Senhor, diz o Propheta-Rei, ordenou a seus Anjos que vos guar-
dem em todos os vossos caminhos.» Todos os Santos Padres entendem
esta passagem, não sómente de No3so Senhor, como tambem de todos
os homens, e mais particularmente dos ju~tos. Demais. o mesmo Jesu-
Christo diz estas palavras concludentes: ccOs Anjos dos meninos veem
sempre a face do Pai celeste.»
«Os Anjos, diz Origenes, cuidam de nossas almas, que lhes são con-
fiadas, como os tutores de seus pupillos. (2)» Sabemos da Escriptura,
diz Eusebio de Cesarea, que cada um de nós tem seu Anjo, qae Deus
lhe dá para o conduzir.» (3) «A dignidade de nossas almas é tam gran-
de, diz S. Jeronymo, que, desde nosso nascimento, tem cada um sua
guarda commettida a um Anjo.» (4.) «Cada alma. diz S. Anselmo, é con-
fiada a um Anjo no mesmo ponto que é unida a um corpo.)) (5) N'esta
parte, não é possível ser mais successiva, constante e unifonne a tradição.
~-º Beneficios dos Anjos da guarda. Supposto que a salvação de
nossas almas seja o principal objecto a que attendem os nossos Anjos tu-
telares, todavia estendem seus cuidados a nos procurar os bens da vida.
presente ; preservam-nos dos accidentes, a que todos estamos expostos,
e livram-nos dos males quando temos cabido n'elles. «Levar-vos-hão nas
mãos, diz a Escriptwra, por mêdo que não tropeceis na pedra. O Senhor
enviará seus Anjos para o redor d'aquelles que o temem, e os livrará de
suas tribulações.))
(1) O Catecismo dirá pois absoluta e simplesmente: Cada um de nós tem seu
Anjo da guarda.
(2) Angcli tenent curam animarum nostrarum, et eis ah infautia tanquam
tutoribus et curatoribus committuntur. Homil. VIII, in Gen.
(3) Angelum unicuique ad cústodiam divinitus datum ex Scriptura didicimus.
Euseb. 13, Prcepar. Euang. e. 7.
(4) Magna dignitas animarum ut unaquaeque ab ortu nativitatis habeat in
custodiam sui Angelum delegatum ln J.llatth. XVIII.
(5) Unaqua.eqne anima., dum in corpu;; mittitur, Ang~lo committitur. l1t eltc.-
cid.
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DE PERSEVERANÇA. 21 ·I
E' maiormente no tempo da infancia e durante as viagens, que mais
expostos andamos a perigos : é por isso que lambem os Anjos da guar-
da redobram então sua solicitude, como se exprime S. Agostinho. (1)
Os Santos Anjos ainda nos procuram bens temporaes, impedindo aos de-
monios de nos não tolher. «0 Senhor, diz Origenes, deu-nos Anjos por
caridosos tutores, a fim que os Anjos máos, e mais seu príncipe, que
tambem se chama principe d'este mundo, nada possam contra nós. (2)
(<Nossa fraqueza, diz S. Hilario, não poderia resistir á malicia dos
mãos Anjos, a não ser o soccorro dos Anjos da guarda.» (3) Com o au-
xilio de Deus, diz S. Cyrillo, nada temos que temer das potencias das
trevas; porque está escripto: o Anjo do Senhor campêa ao redor d'aquel
les que o temem, e elle os livrará.» (4) Os Anjos da guarda não se conten-
tam com nos fazer evitar os laços do demonio e desviar-nos do vicio, mas
lambem nos ajudam na prática de todas as virtudes. (5)
Offerecem a Deus nossas orações, e accrescentam as suas. «Apresen-
tei a vossa oração ao Senhor,» dizia o Anjo Raphael a Tobias. (6) Tam-
bem lemos no Apocalypse que deram ao Anjo que estava em pé diante do
altar um thuribulo d'ouro, com uma grande quantidade de perfumes, pa-
ra acompanhar com elle as orações de todos os Santos, offerecendo-as no
altar d' ouro, que está diante do throno; e o fumo dos perfumes, junto ás
orações dos Santos, e1evando-se da mão da Anjo, sobe diante de Deus. (7)
«Os Anjos da guarda, di(Origenes, offerecem nossas orações a Deus
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212 CATECJS:\10
por .lcsu-Christo, e lambem oram por aquelJc, que lhes é confiado.» ('l)
E' uma verdade constante, diz Santo Hilario, que os Anjos presidem ãs
orações dos fieis.» (2) «Os Anjos, accrescenta S. Agostinho, não só nos
anmmciam os beneficios de Deus mas até lhe offerecem ~s nossas ora-
iJões; » e em outra parte diz, «não porque Deus o ignore; mas para ob-
ter mais facilmente os dons da sua misericordia, e alcançar-nos os be-
neficias da sua _graça.>) (3)
Muitos Santos Padres, cujo testemunho temos citado, esten1em ge-
ralmente a todos os homens a assistencia dos Anjos; de sorte que cada
um em particular e sem excepção tem o seu Anjo da guarda, que nunca
o abandona. Outros porém parece que restringem a assistencia dos An·
jos da guarda aos Justos, e sómente em quanto perseveram na justiça.
Esta contrariedade apparente facilmente se concilia. De facto os Anjos
são muito mais solicitos com os Justos, e isto em proporção de seu fer-
vor e virtudes; de sorte que o peccado parece afugental-os; por isso que
interrompe ou diminue mais ou menos o effeito de sua vigilancia. E' as-
sim que se explicam estes Santos Padres. <cÜ5 Anjos, diz S. Basílio, estão
sempre ao pé de cada familia, a menos que os não afugentem por más
acções.» (4) Quer elle dizer per ventura que abandonam ititeirarríente os
peccadores? Não ; isto só diz que não cuidam d'elles tanto como dos Jus-
tos. «Os Anjos da guarda, continúa o santo doutor, agsistem mais espe-
cialmente áquelles que se dão ao jejum.» (5) S. Thomaz ensina expres:-
samente que os Anjos da guarda não abandonam jámais inteiramente os
(1) Angelus christiani prepetuo faciem crelestis Patris aspiciens semper pre-
ces ejus in Crelum offert per unicum Pontificem summo Deo, ipse quoque pro sibi
commisso deprecans. Lib. VIII contra Cels.
(2) Fidelium orationibus praeesse Angelos absoluta auctoritas est. ln l.fat-
th. XVIII.
(3) Aununtiant Angeli non solum beneficia Dei, sed ctiam ipsi preces 'nostras.
Ep. l 20, ele Grafia no vi. Testamenti'.. - Gemitus nostros atque suspiria referentes
ad te, non quidem quod Deus illa ignoret, sed ut impetrent nobis facilem tuae be-
nignitatis pro:pitiationem, et referunt ad nçis tuae gratiae benedictionem. Soliloq. e. 7.
(4) Assidet Angelus cuilibet in Domino credenti, nisi operibus pravis abiga-
tur. ln psal. XXXIII.
(5) Vitae nostrae custodes Angcli diligentius adsnnt iis qni jejunio purga-
i ~ t,in habent. animam. Tlomi1. II, de J(i11nio.
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DE PERSEVERANÇA. 213
(1) Cum custodia angelorum sit quaedam exsecutio diviae providentiae quae
nunquam hominem ex toto derelinquit, nec Angelus custos nunquam ex toto bomi-
uem deserit, licet permittat quandoque secundum ordination m divinorum ju icio-
rum, ycl pcenae, ycl culpae defecturn pati. D. Th. 1 V· q. 108) art. VI.
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CATECIS~IO
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DE PERSEVERANÇA. 2Hi
será capaz ue nos agradar o que foi para Deus objecto de complacencia e
alegria?
Apoz de ter concluido a sua obra descançou Deus no dia setimo.
Esta expre ssão descançoie Deus, não quer dizer que Deus cessou de
obrar, pois que todos os dias cria novos espiritos, que são as almas hu-
manas; e desde o principio do mundo não tem cessado de governar e
conservar por sua omnipotencia e sabedoria aquillo mesmo que creou .
.Meu pae, diz o Filho de Deus, não cessrJ. d'obrar até o presente dia, e eu
obro tambem incessantemente (1). O universo não é em relação a Deus,
como um palacio a respeito do architeeto que o edificou. Este, acabado
que seja, subsiste sem o soccorro do architecto, e lhe sobl'evive por es·
paços de seculos. Mas as obras de Deus não podem continuar a ser, se
a mesma vontade que ~ produziu não as conservar; creando-as, para
assim dizer, de novo a cada instante.
O descanço de Deus não é pois a cessação d'obrar, e muito menos
ainda um repouso similhante ao do obreiro depois da fadiga do trabalho.
Uma omnipotencia infinita não cansa nem se fatiga. Por jsso a expres-
são da Escriptura significa simplesmente que depois das obras do sexto
dia, cessou Deus de produzir novas especies de creaturas. Tinha elle de
alguma sorte sabido de si mesmo e do seu repouso eterno, para crear o
universo : tornou em si e no teu estado habitual; isto é, depois dos seis
dias, o seu poder cessou de tornar-se visivel pela creação de novas
obras.
E' por jsso que abençoou e santificou o setimo dia ; em memoria
d' este mysterioso repouso, em que Deus se ficou. Destinou elle parti -
colarmente para o seu culto o setimo dia da semana ; e quiz qoe fosse
para o homem um dia de descanço e acção de graças, no qual, livre dos
trabalhos mechanicos, que dissipam suas forças durante a semana, e ape-
nas lhe deixam curtos momentos para pensar em Deus, po_désse, por
occasião d'este .santo ocio, elevar a elle o espírito e o coração, meditar
em suas maravilhas, render-lhe graças por seus beneficias, expôr-lhe suas
precisões, estudar sua lei, e occupar~se, sobre tudo, do eterno repouso
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216 CATECISMO
ORAÇÃO.
O' meu Deus l que sois todo amor, eu vos dou graças por terdes
creado para mim o mundo e os mesmos Anjos, a quem encarregaes o
defender-me; não permittaes que eu faç~ cousa que seja indigna de
mim.
Eu protesto amar a Deus sobre todas as cousas, e ao proximo como
a mim mesmo por amor de Deus; e. . em testemunho d' este amor, reza-
rei todos os dias ao Anjo da minha guarda.
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XVI.ª LIÇÃO.
Quéda do homem.
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218 CATECISMO
(1) Cum homo in primo statu secundum intellcctum sic a Deo fuerit institu·
tus, quod nullum malnm in ipso incrat, et 01nuia inferiora superioribus subdebautur
nnllo modo decipi potuiL, ncc quoacl ca quac scivit, ncc r1noml ca quac ncseivit.
S. Tb. p. 1, <I· 94, aat. IV.
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DE PERSEVERANÇA.
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CATECIS~IO
te! Dirieis que eram estes <lomesticos insolentes, que para fugirem da
Yista de seu amo irritado, vão esconder, por todos os cantos e. recantos
da casa, a sua- perturbação e mêdo. Assim Adão e Eva, não achando
asylo, correm a esconder-se na casa do mesmo amo que ultrajaram, en·
tre o arvoredo e a folhagem do jardim.
Apezar d' esta precaução, bem depressa os alcançou a soberana Jus-
tiça. Eil-os descobertos e em presença do Juiz. Attendamos, e ouçamos
com silencio e dôr o interrogatorio dos culpados : são nossos paes que
vão ser julgados; escutemos o que respondem os réos e a sentença pro-
nunciada, assim contra elles como contra o p~rfido instigador do crime.
Lembremo-nos primeiramente d'esta ameaça que Deus fizera a nossos
primeiros paes: «No ·dia qt::e comerdes do fructo da arvore do conheci-
mento do bem e do mal, morrereis.» (1) A morte do corpo e da alma,
tal devia ser a punição dos deliquentes. O que Deus fizera com os An-
jos rebeldes estabelecia um precedente terrivel: o genero humano mere-
cia desde !ogo ser precipitado na morte eterna, e :i justiça de Deus pare-
cia interessada em a rigorosa execução da sentença. Que fará este Deus
que é ao mesmo tempo Juiz e Pae? Como conciliará as reclamações da
sua ternura e os direitos da sua Justiça? Presenciemos este grande
processo.
O Senhor Deus chamou Adão, e lhe disse: «Adão, onde estás tu?»
Chamava-lhe pelo nome, a fim de o animar. Adão responde: «Eu ouvi a
vossa voz no jardim, ·e tive mêdo; porque estava nú, e escondi-me.» Tor-
. nou o Senhor: «Como sabes que estavas nú, senão porque comeste do
fructo prohibido ?»
Estas primeiras perguntas mostram-nos em toda a luz a inexhaurivel
clemencia do juiz. Elle podia n~o endereçar ao culpado uma só palavra;
mas pronunciar logo a sentença de morte, com que o tinha ameaçado.
Não o fez porém; antes comprime a sua justa indignação; interroga-o.
permitte-lbe que se defenda.
Que responderá o accusado? «A mulher que me déstes por compa-
nheira, respondeu Adão. offereceu-me do fructo d'esta arvore, e comi.»
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DE PERSE\'ERANÇA. 22i
Não pôde o réo negar o crime ; mas em vez de se humilhar e recorrer
á clemencia do juiz, attribue o seu crime á mulher, que Deos lhe dera.
Parece accusar ao mesmô Deos de ser a primeira causa da sua ruina.
Similhante desculpa não era admissível. Por isso, nem o Senhor se dignou
attender-lhe. Convencido Adão de desobediencia, passa a interrogar o
outro culpado. Porque fizeste tu isto ? pergunta elle á mulher ; como se
1he dissera: tu ouves a queixa que teu marido faz contra ti, porque foste
o instrumento da tua e sua desgraça?
Eva respondeu : « A serpente me enganou, e comi do fructo. "
D'est'arte se não defende melhor que seu marido. Adão desculpa-
va-se com a mulher, esta com a serpente. Não insiste o Senhor no inter-
rogatorio ; pois o não faz para se instruir a si, que nada lhe é occulto ;
mas para dar uma prova de sua clemencia para com os culpados, e propor'-
cionar-lhe occasião de justificar-se, se lhes é possível.
Depois d'interrogados nossos primeiros paes, dirige-se ao provocador,
não para ouvir sua defesa, nem ainda interro 5al-o, mas para lhe pro-
nunciar a sentença. Sem lhe perguntar porque 'I como fez com Adão e
Eva, assim lhe diz logo : « Pois que fizeste isto, tu és maldita entre todos
os animaes e bestas dos campos; andarás de rajo sobre o ventre, e co-
merás terra todos os dias da tua vida. Porei inimizades entre ti e a mu-
lher, entre a tua descendencia e a sua. Esta descendencia te esmagará a
cabeça; e tu estenderás laços a seus pés. » (1)
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222 CATECISMO
possivel saLer <1ual é a especie de que se serviu o dcmonio, e sobre a qual a maldição
cahiu : 2.° Comerás lerm todos os dias da tuci vida; para negar esta segunda parte
da maldição, r~leva ainda provar que antes dv peccado todas as especiea de serpen_
tes já comiam terra, ou que ao depois, não á especie alguma de serpentes que se nu-
tram habitualmente de terra. Eetas duas }Jretenções estão desmentidas pela scien-
cia. A expressão comer terra póde tambem Pntender-se na linguagem da Escriptura'
como notaram Bullet e Bergier, no sentido de que a serpente, rojando-se para nu-
trir-~e, seus alimentos d'ordinario se misturam com a poeira e a terra. Demais, pó-
de-se dizer com os comment:ldorcs que antes do pecoodo a serpente anastava-se e
comia a terra; mas que estes habites que lhe eram naturaes converteram-se-lhe em
punição, desde que foi instrumento do clemonio ; que este modo de vh·er a faz odiosa
e despresinl, de sorte que nos causa horror; sendo que ao homem sobre tudo quiz
Dcos instruir puHinclo a serpente. Assim tambem, levar agua e lenha ao Templo do
Senhor, para o sacrificio é cousa honrosa, e não obstante era uma punição infligida
aos Gabaonitas, que recordava incessantemente sua criminosa astucia e os tornava
mais ou menos despresiveis: 3. 0 Porei inimizades entre ti e a mulher, e entre a tua
descendencia e a sua; para negar esta terceira parte ela maldição, cumpre demons-
trar 1.0 que não existe entre todos os povos um sentimento d'honor á serpente ; que
não é como a um ente malfazejo e inimigo do homem que certas nações lhe rende-
ram, e ainda rendem culto: ora o contrario é desmentido pelos factos: 2. 0 que o Filho
pol' excellencia da mulher não esmagou a cabeça da serpente ; isto é, que nosso Se-
nhor Jesu-Christo não destruiu o imperio do demonio derribando os templos e alta-
res erigido.s cm sua honra, e os não continúa a destruir todos os dias : 3. 0 que a ser-
pente nào m·ma la.r;os a seus pés; isto é, que o demonio não desencadeou contra a
humanidade santa de Nosso Senhor, no dia de sua Paixão, todas as potencias das
trevas ; que não usou todas as manhas ; nem armou quantas ciladas pôde para o fa-
zer morrer; e em fim, que o não ataca ainda todos os dias em seus ministros, etc.
Orn, esta victoria do :Filho da mulher sobre a serpente, e esta guerra da serpente
contra o Filho da mulher, são factos tam evidentes como a luz do sol ; e pois que
esta ultima parte da maldição se cumpriu, concluamos qne as outras tambem tiveram
(' continuam a ter seu cumprimento.
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DE l'EC\SEVEP.ANÇA. 223
do-lhe uma pena perpetua; para nos dar a entender, com esta imagem
sensi vel, quanto o demonio lhe é odioso; e pois que se infureceu com
tanto rigor, contra o que. foi um instrumenta, julgai que tratamento re-
cebe o mesmo author do crime. Ora, como a maldição pronunciada eon-
tra o demonio, encarcerado longe de nós, em os infernos,- não se mos-
trava a nossos olhos por aJgum effeito visível, quiz Deos por este modo
fazer-no-lo sentir pela punição da serpente, condemnada a rojar-se, e
comer o pó da terra em todos os dias da sua vida.
Pronunciada a sentença do demonio, voltou-se o juiz para nossos
primeiros paes. Mas, ó infinita misericordia 1 ainda antes de lhes inti-
mar a sentença, na mesma condemnação do tentador, fazia brilhar a seus
olhos raios de viva esperança.
A principio, dizendo que poria inimizades entre a descendencia da
mulher e a descenclencia da serpente, dava-lhes a entender que não sof-
freriam a morte no mesmo dia do peccado, como elles deviam e8perar.
Se são condemnados, terão ainda tempo para se preparar e tornar a mor-
te meritoria. Depois accrescentanclo que a descendencia da mulher esma-
garia a cabeça da serpente, significava-lhes que os males -de que eram
victimas seriam reparados.
Com estas duas asserções, deviam esperar no~sos primeiros paes,
sem inquietação, a sentença d'um juiz que se mostrava tam clemente.
Sua misericordia, em 't'erdade, tinha vencido; mas era preciso dar algu~
ma cousa á sua justiça.
O Senhor se voltou pois para a mulher ; menos culpada sim que o
demonio, mas d'alguma sorte mais culpada que o homem, (1) e füe dis-
se: Multiplicarei as tribulações, e os teus partos; (2) clar~ís ao mundo
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22.í CATECISMO
teus filhos com ' agudas dôres. Serás sujeita ao homem, que exercera so-
bre ti o seu dominio. » Notai a clemencia divina mesmo no rigor do cas-
tigo. Os trabalhos do parto serão compensados bem depressa por conso- ,
lações que os farão esqnecer ; e a mulher, por sua terna ·e paciente re-
signação, recuperará uma parte da sua dignidade, e suavisará a domina-
ção do homem. Restava ainda o pae do generó humano, rei do mundo
visi\'el e bem amado do seu Deos. O Senhor lhe endereça a palavra e
lhe diz: «Pois que preferiste ãs minhas ordens os conselhos de tua mu-
lher, e assim comeste do fructo prohibido, a terra, que até aqui produzia
de si mesma tudo o que precisavas, d'ora em diante será ingrata e mal-
dita. Todos os dias de tua vida exigirá de ti uma trabalhosa cultura, pa-
ra te produzir parcamente o pão que lhe tiveres confiado com o suor do
rosto; cobrir-se-ha d'espinbos e abrolhos, e por entre seus pungentes es-
nhosamente que se desenvolvam pela arte e o trabalho, não estão em proporção com
o augmento da população, abandonada qu~ seja aos seus instinctos. A Escriptura
nos diz que uma das maldições de Deos sobre a especie humana, depois do pecca-
do, foi esta: Eu multiplicarei os teus partos; e a realidade nos prova que existe de
facto Úm desequilibrio que precisa de correcçào. Corrigia este mal a escravidão e as
guerras d'exterminio da antiguidade; preveniu-o, na civilsaçào moderna, a doutrina
catholica, inspil'Rndo nas familias a reverencia, o respeito e a castidade. Que a Igre_
ja conseguia o seu fim, provam-no os economistas do seculo passado; pois a crimina-
ram de manter a popula~ão em um nivel destruidor do seu verdadeiro desenvolvi-
mento; e d'isto fizeram uma. arma para solapar a existencia das numerosas commu-
nidades votadas ao celibato. Hoje esta arma se voltou contra seus authores. As on-
das da população, cada 'Vez mais elevadas, a escacez de meios, a concorrencia e a
miseria, a.ssá.z advertem aos homens serios d'uma grande di:fficuldade social, diffi-
culdade que os mesmos bene:ficios da civilisação augmentam. D Ve}a-se as suas duas
excellentes Conferencias, 22.ª, e 23.•, sobre a Castidade.
Eis-ahi um facto para prnvar á evidencia-a quéda da natureza humana; por
quanto que será uma natureza que está em desequilíbrio comsigo mesma? Como re-
solver o problema da superabundancia de população? Será pela oppressão? pelo
morticinio·~ pela immoralidade? Nós sabemos como a superabundancia de certas es-
pecies, teudo um fim necessario, é equilibrada pela absorpçào d'outras. Mas tal su-
perabundancia na humanidade, é uma evidente desordem e uma maldição; porque
deixando de parte soluções vergonhosas, não tem correcção possível seuão pela con-
tinencia, isto é, por uma viulericia feita á natureza mesma.
(Nota do Traductor).
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DE PEUSEV~HANÇA.
trepes haverás de colher as her\'as, que serão parte do teu sustento. Tal
será tua condição até o momento em que Ci:lnçado de trabalhos e sujeito
á morte, tornarás á terra d'onde sahiste; pois que tu és pó, e volverás
ao pó'. »
Esta terrivel sentença fere o culpado em todo o seu ser; seu enten-
dimento ob~curecido, sua vontade inclinada ao mal; seu corpo flagellado
de dôres, eis d'ora'vante o que attestará assim a grandeza de seu crime,
como a severidade de Deus que o pune. Adão porém devia dar-se por
muito fel iz em ficar quite por tam pouco. Em meio d'estes males fica-lhe
o maior do bens, a esperança; isto é, o tempo e a possibilidade de re-
parar ua desgraça. N i ~to foi tratado bem melhor que os Anjos rebeldes ;
com quanto ameaçado do mesmo castigo, póde ainda reconquistar o Ceo,
o que niio poderão jámais aquelles. Ora, que são as perdas todas, uma
vez conservada a possibilidade d'alcançar o Ceo?
O Senhor Deos, que soffre no coração paternal os mesmos golpes
que sua insubornavel ju:stiça descarrega nos réos, se deu pressa em pa-
tentear a nossos primeiros paes um precioso signal de sua bondade ; pois
nas mais pequenas cou"as se mo tra a ternura mais tocante. Para lhes
poupar a vergonha de ua nudez, procurou-lhes elle mesmo pelles de fe-
ras de que lhes fez ' estidos.
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22G CATECISMO
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DF. PERSEVERANÇA. 227
ORAÇÃO.
O' meu Deus l que sois todo amor, eu vos dou graças por.não ter-
des abandonado o homem depois do peccado ; que digo, ó meu Deos,
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228 CATECISMO
por nos terdes promettido um Redemptor que nos restitue com supera-
bundancia os bens que perderamos.
Eu protesto amar a Deus sobre todas as cousas e ao proximo como
a mim mesmo por amor de Deus, e, em testemunho d'este amor, repul-
sarei a tentação logo que me perceber accommettido .
•
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- . /
XVII.ª LIÇÃO.
(1) A não ser o peccado original (reparemos bem n'isto,) nasceriamos todos no
mesmo estado em que foi creado o nosso primeiro pae ; mas não em êstado melhor
que o d'elle. Pelo que, tambem seriamos postos á prova; tambem poderiamos perder
a graça e cahir no estado de peccado e morte. S. Thomaz, examinando ex professo
a questão : se os meninos nascidos em estado de innocencia teriam sido confirmados
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2~0 CATECIS~IO
em justiça, responde formalmente que não. Além d'um texto de S. Agostinho que
assim o inculca, dá elle esta razão : E' evidente que os meninos cm seu nascimento
não teriam mais perfeição que seus peas em o estado da geração. Ora, seus paes em
todo o tempo da geração, não teriam sido cQnfinnados em justiça ; e a prova é, que o
homem não é confirmado n'ella senão pela clara vista de Deus, o que não póde ser
na vida animal, em que só tem lugar a geração. Não podeis 'l:êr a miuha face, diz o
Senhor a Moysés: po1·que nenhum homem rne poderá vêr e vfrer. Exod. XXXIII, 20.
Logo tambem os meninos não nasceriam com esta confirmação. « Confirmatur homo
in justitia pei· apertam Dei visionem, quam cum pa1·entes, quamdiu generassent, non
habuissent, nec etiam in statu innocentiae nati, in jufltitia confirmati fuissent. • Sumrn.
p. 1. q. 100, art, II. Cumpre lembrar-nos d'isto; porque muitas vezes imaginamos
que, se nosso primeiro pae houvera sido fiel, nada teriamas que temer nem que fazer.
Mas a verdade é que, se este commum avoengo se conservasse fiel, nossos particu_
lares avôs póde ser o não fizessem ; e por conse quencia gerar-nos-hiam em peccado
original. Em fim, se todos nossos paes houveram sido fieis, poderiamos nós não o ser
e cahir em estado de peccado e morte. E n'este caso poderiamos contar com a mise-
riCordia que houve com nosso primeiro pae?
Pensemos bem n'isto ; e em lugar de murmurar, teremos que bem dizer. Si ali-
quis ex posteris Adam peccasset eo non peccante, morcretur quidem proptcr suum
peccatum a.ctuale, sicut Adam mortuus fnit, sed posteri ejus morerentur proter pec-
catum originale. •D. Th. q. 5. de ·Malo, art.-IV, ad 8. Tom. 8 ele suas obras, p. 28:).
Veja- se M. Rorhbacher. Da _qraçrl e da nafw'P'.W .
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DE PERSE\"ERANÇA. 231
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232 CATECISMO:
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DE PERSEVERANÇA.
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23'1 CATECISMO
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DE PEHSEVEBANÇA.
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236 CATECISMO
succede o mesmo a nosso respeito. Póde-se dizer que Deos não condem-
na ao inferno as almas que não são culpadas senão d'este só peccado. E'
permittido crêr, com S. Thomaz, que Deos os priva sómente da Bema-
venturança sobrenatural, a que não teem nenhum direito. A Faculdade
de theologia de Paris, na censura de Emitia, declarou que este senti-
mento não se póde condemnar. » (t) Accrescenlaremos que, supposto não
possamos resolver com certeza esta grave questão, nem por isso é me-
nos certo que Deus não fará injustiça a ninguem, e suas acções nunca já-
mais poderão ser objecto d'alguma accnsação razoavel.
Qualquer que seja a explicação que o theologo catholico dê n'esta
materia, é sem duvida um mysterio a condemnação de todos em a pes-
soa e pela culpa d'um só ; mas este mystedo é tam certo, como inaba-
lavel.
Sim é desgraçadamente certo que o homem nasce decahido. Ora,
elle não está decahido senão porque cahiu, e não cahiu senão porque é
culpado. Todos os generos de provas se reunem para confundir os ím-
pios de nossos dias, que ousam negar a transmissão do peccado original.
A Biblia, este livro por excellencia, a cuja veracidade as sciencias
modernas rendem á porfia notorias homenagens, proclama incessante-
mente este terrivel mysterio. Quem está isento de nodoa? Exclama, do
seio da gentilidade, o Patriarcha do soffrimento. Ninguem, nem mesmo
o infante d'um dia. (2) E o Rei Propheta : Eu fui concebido na iniquida-
de e formado em peccado no ventre materno. (3) E -o mais sublime inter-
prete dos conselhos de Deos, o grande Apostolo diz : Assim como por um
homem entrou o peccado no mundo, e a morte pelo peccado, assim a mor-
te passou a todos os homens por aquelle em quem todas peccaram ... E da
mesma sorte que a condemnação é para todos pelo peccado d'um só, assim
a justificação e vida são para todos pela justiça d_'um só que é Jesu-
Christo. ( ii)
(1) Tratado da Rel1'gião liv. III, 104. Veja-se tambem - Piedosas recordações
das almas do Purgatorio, por l\Igr. Devie, Bispo de Belley, p. 14·
(2) Job. XIV, 4, segundo os Setenta.
(3) Psal. 1, 7.
(4) Rom. V, 12, e 18.
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DE PEl\SE\'ERANÇ.-\. 237
A esta voz tam magestosa ajuntam-se as de todos os grandes ho-
mens, glcria dos seculos christãos, Athanazio, Agostinho, Chrysostomo,
Thomaz d' Aquino. Podemos endereçar aos nossos ímpios modernos esta
interpellação de Cl8mente d' Alexandria aos hereges do seu tempo: «Se-
gundo a Escriptura, ninguem é isento de macula, ainda mesmo não vi-
vendo mais que um dia; que n0s digam pois onde peccou um menino re-
cemnascido, ou como cahiu na maldição d' Adão quem não praticou ainda
acção alguma.>> ('l) 1.tBaptizam-se os meninos, accrescenta o ceiebre Ori-
genes, para lhes perdoar os peccados. Que peccados? Em que tempo os
commetteram ~1 Que razão póde ha\'er para baptizar os meninos, a não
ser o sentido cl' esta passagem : Ninguem está isento da macula, ainda
quando não vivesse mais que um dia! Porque o baptismo apaga a
macula do nascimento, por iss.o é que os meninos se baptizam. » (2)
Resumindo esta importante tradição, a Igreja catbolica fere de ana-
thema todo aqnelle que ousar negar a transmissão do peccado n toda a pos-
teridade d'Adão. (3) Será preciso evocar dos tumulos as gerações pagãs,
ou chamar em testemunho os povos ainda jacentes nas sombras da mor-
te? · Do fundo dos sepulchros e do meb das selvas duas vozes se levan-
tam e gritam: Sim, nós nascemos culpados. «Ü vrimeiro homem, e a
primeira mnllter, dizem os Persas, a prindpio eram puros e submissos
a Ormuzd, seu author. Ahriman os viu e teve inveja de sua felicidade.
Chegou-se a elles na fórma d'uma cobra, offereceu-lhes fructos, e lhes
persuadiu que era ellc o author do homem, dgs animaes, das plantas e
d'este formoso universo que habitam. Crêram nelle; e para logo Ahri-
man se assenhoreou d'elles. Sua natureza corrompeu-se, e esta corrupção
infectou a toda a sua posteridade.» (~,)
Nada h2 mais celebre nas tradições Mexicanas que a mãe de nossa
carne, a mulher da serpente, decahida de seu primeiro estado de foli-
cidade e innocencia. (5)
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238 CATEC1Sl\IO
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. 239
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CATL\CISMO
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DE PERSEVERANÇA.
males occasionados pela culpa original, os bens que por ella hrto de vir ao
genero humano, que a Igreja não receia exclamar fallando do peccado
d'Adão: Ditosa falta ! O' peccado verdadeiramrmte necessario ! pois que
nos mereceu receber um tal Redemptor. ('1)
4. º Depois do momento de sua quéda, Deus não terá outro pensa-
mento que o de reparai-a; salvar o homem será seu unico desígnio, o cen-
tro a que tenderão tod~s as suas tenções, o fim de todas as suas obras.
Cansa pasmo e assombro a-inconcebivel facilidade e prodigiosa mi-
sericordia com que Deus perdôa ao pae do genero humano. Procuremos
lançar alguma luz em este abysmo de sabedoria e bondade : o emprego
mais nobre da razão é conduzir o homem á fé.
«O homem tornou-se pelo peccado inimigo de Deus, e é preciso que
o odio reciproco de Deus e do homem se converta em mutuo amor, a
fim que Deus e o homem possam unir-se de DO\'O em verdadeira socieda-
de. Mas o homem não póde reconciliar-se com Deus sem ser perdoado;
nem Deus com o homem, sem ser satisfeito. São estas duas relações ne-
cessarias, que derivam do Ente infinitamente justo e bom.
«Mas Deus sempre infinitamente justo, não póde ceder dos direitos
da justiç.a; logo punirá o homem com um rigor infinito. Por outra parte,
sendo Deus infinitamente bom, e querendo salvar o homem, ha de perdoar-
lhe com uma bondade infinita. Como conciliar estas duas cousas? Punir
o homem com um rigor infinito, é fazêl-o morrer em meio d"horriveis tor-
mentos; e perdoar-lhe com uma bondade infinita, é conserval-o incolume
com todos os seus privilegias. Como poderá o mesmo Deus, por mais po-
deroso que seja, destruir e conservar o homem ao mesmo tempo?
«Pois elle o póde; sim, pócle destruir um homem em lugar de todos
os homens; conservar a todos os homens em consideração d'um homem
destruído. Como a culpa d'um só fez todos os homens peccadores, da mes-
1na sorte a justiça d'um só justifica a todos. (2) A ju5t iça humana dá-nos
a idéa e o exemplo d'uma compensação similhante. >> (3)
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242 CATF.CISMO
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IJF. PERSEVERANÇA. 2~3
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CATECIS:\IO
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DE PERSEYEIU~ÇA.
(1) Non est aliud nomen sob coelo datum hominibus in quo oporteat nos salvos
ficri, et ideo mysterium Incarnationis Christi aliqualiter oportuit omni tempore esse
creditam apnd omncs: diversimodo tamen secundum diversitatem temporum ct per
sonarum. N am ante statum peccati, homo habuit Pxplicitam fide m de Christi Incar-
natione secundum quod ordinabatur ad consummationem gloriae; non :mtem secun-
dum quod ordinabatur ad Iiberationem a peccato per Passionem et Resurrectio-
nem ...... Post peccatum aute:rp., fuit explicite creditum mysterium Incarnationis
Christi, non solum quantum ad Incarnationem, sed etiam quantum ad Passionem et
Resurrectioncrn quibus humanum genus n peccato et morte liberatur; aliter enim
non pra~figurassent Christi Passionem quibusdam sacrificiis et aute legem et sub
lege. Quorum quidem sacrificiorum siguificationem explici~ majores cognoscebant,
minores antem sub velamine illorum sacrificiorum, credentes ea divinitus esse dis-
posita, de Christo venturo quodammodo habebant velatam cognition em : et sicut su- '
pra dictum est, ea qurn ad mysteria Christi pertinent, tanto disti nctius cognoverunt
quanto Christo propinqniores fuerunt. D. Th. 2, q. 2, art. VII Aug. lib. de Corrept.
et Gratfo. ·
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CATECJS'\10
ORAÇÃO·
O' meu Deus! que sois todo amor, eu adoro a justiça e bemdigo a mi-
sericordia de que usastes na punição do peccado original; e vos dou gra-
ças por nos terdes promettido o Salvador. Fazei pois, Senhor, que nos
aproveitemos de seus merilos.
· Eu protesto amar a Deus sobre todas as cousas, e ao proximo como
a mim mesmo por amor de Deus; e, em testemuho d'este amor, renova-
rei todos os mezes as promessas do Baptismo.
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XVIIP LIÇÃO.
Historia de Job.
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248 CATECIS~IO
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DE PEfi~EH.:UANÇA. 2rn
bomen pelos meios ql!o lhe convie ~em e conforme o eu Espiri to o ti-
nha revelado áquelles que conheciam a ' erdade.» (i ) •
Assi: que, nem os Pagãos nem os Judeus poderam jámais alvar-se
sem a fé, ao menos impli ita, segundo a explicação de S. Tbornaz, em o
mysterio da Redempção. c< Demais, diz um grande theologo, tendo os-
so Senbor morrido por todos os homens que tem existido e que hão de
exi tir, deYemos concluir que Deus sempre deu e dá ainda a todos o bo ·
roens, mesmo aos infieis, as graças de salvação que, por consequencia,
tendem, directa ou indirectamente, a conduzir estas infleis ao conhecimen-
to de Jesu-Christo. Se com docilidade correspondessem a estas graças,
certamente Deus lhes concederia mais abundantes; e por consequencia,
nenhum infiel é reprovado por falta de fé em Jesu-Christo; mas por ter
resistido á graça.>> (2)
O mais celebre de todos os prophetas uo Messias, em a Gentilidade,
é sem contradição o Santo Job. Sna vida, cheia de grandes instrucções
e uteis exemplos, tem aqui naturalmente eu lugar. l\fod ~ lo acabado de
paciencia, Yer adeiro heroe de adYersiuad , parece o escolheu Deus para
offerecer em ~ªª pessoa, a todos o~ seculo , o tocante cspectaculo do ho~
mem virtuo o, lactando com o infortnnio, mostrando-se firm~ no pen a-
(1) Dicendum quod multis Gentilium facta focrit revelatio de Christo ut pa-
tet per a qure pracdixerunt; nam Job 19 dic itur : Seio quod Reclemptor meus vi-
vit. Sybilla etiam prrenuntiavit de Chri to, ut Aug . dicit lib. 13 contra Fau t. e. 15.
Invenitur tiam in hi torii Romanorum quod temp re Constantini A ugusti et Ire·
nre roah'i ejus (•) fuit quoddam s pulcrum, in quo ja ebat homo auream lami1lfllll
h ben in pectore in q ua criptum erat : Chris u nascetur ex Virgine, et ego credo
in eum. O sol! sub 1 ene et Constantini temporib1 iterum me videbis. Si qui tamen
salrnti fuernnt quibu rev latio non fnit facta, non fueruot salvati absquc fide
Mediatori ; quia etsi non habuerun fidcm expli itam, habuerunt tamen fidem impli-
citam in divina Providentia; credentes Deum e se liberatorem hominum secundum
modos sibi placitos, et ecundum quod aliquibus ve ritatem cognosceutibus piritas
re,'elasset. D. Th. 2, q. 2, a.rt. VII.
(") Este não é Constantino o grande, mas o quinto ou sexto imperador d'este
nome, cuja mãe se chamara Irene. V cja-se Baronius, t. IX, ad annum 780, n.º 12,
que refere o mesmo facto.
(2) Dcrg-icr, art. Infidelidade. Veja-se tambem a excellente dissertação de S.
Ligorio, sobre o Jansenismo, em sua Refutaçàodas herc:;ia, :Jis.3ert. XIV.
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250 CATECISMO
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DE PERSEVERANÇA.
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CATECISMO
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DE PERSEVERANÇA. 253
brada para tirar a matcria que lhe escorre das ulceras. Tantos sofirimen-
tos porém não poderam causar nenhum abalo na alma do justo, nem sua
língua murmurou, nem profériu sua bôca palavra indiscreta. Então é que
o demonio empregou o derradeiro meio e o mais infallivel, a juizo seu,
para..fazer perder a paciencia ao infeliz mais resignado.
Tinha Job uma mulher, que devêra ter sido sua consolação. De fa-
cto, os cuidados, assiduidades e serviços d'uma esposa, penetrada de sen-
timentos de Religião, são os mais capazes de mitigar as penas d'um ho-
mem virtuoso e desgraçado. Mas esta vira-se rica, poderosa, honrada,
mãe de muitos filhos; e agora tinha perdido tudo. Por desgraça não se
contentou com as esperanças que lhe ficavam no Ceo. Job, bem ao con-
trario de sua mulher, continuava a bemdizer a Deus. Picada da cons-
tancia mais que talvez das graças de seu marido, disse-lhe com amarga
ironia: «continúa a louvar a Deus; bem merece elle a tua gratidão pelo
bem que te trata; dá-lhe ainda maffi algumas graças a este bemfazejo amo.
V!imos, bemdize-o pela derradeira vez e morre.» Job lhe respondeu
com uma tranquillidade capaz de converter, ou desesperar sua esposa :
«Eis-ahi o que tu dizes ; como uma mulher insensata a quem a dôr priva
do uso da razão. Se temos recebido bens da mão do Senhor, porque não
receberemos os males que nos affiigem ?»
Em meio de toda a sorte de soffrimentos, não proferiu este santo
homem uma só queixa, uma d'aquelJas palavras d'impaciencia, que tiram
ás affiicções passageiras do tempo todo o merito que ellas teem para a eterni-
dade. Foi então que a fé em o verdadeiro Deus deu ao mundo um es-
pectaculo digno de admiração dos Anjos e dos homens, isto é, um justo
luctando com a adversidade e superior a todos os seus golpes.
A fama das desventuras ele Job divulgou-se rapidamente pelas ter-
ras v'isinhas. Tres senhores ou regulos, seus particulares amigos, con-
cordaram em vir vêr e consolar seu commum amigo. Estes príncipes cha-
mavam-se Eliphaz de Theman, Baldad de Suhá e Sophar de Naamath.
Logo que o avistaram pozeram n'elle os olhos, mas não o reconhe-
ciam. Approximando-se, romperam em altos gritos; cabiam-lhe as lagri-
mas dos olhos; rasgavam seus vestidos; e cobriam a ~abeça tle cjnza. As-
sentados cm terra, por sete dias~ e sete noutes, guardaram um triste si~
. 2~
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CATECISl\10
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DE PERSEVERANÇA. 255
. Não obstante todas estas protestações d'innocencia, os amigos de
Job persistem em sustentar que elle está culpado, e que seus peccados
são causa dos males que o afilig.em. Deus que via estes corokltes e pre-
parava a Job a victoria, não tardou mais em declarar..se por elle e- con-
fundir a ealumnia.. Mas tinham escapado a Job algilmas pala~ras indis-
cretas ; paeiente em suas dôres, havia levado mui longe a viya,idade do
seu zêlo contra a cegueira de seus amigos, e a iniquidade de ·seus jw-
zes. p Senhor deu-lhe uma r eprehensão caridosa, que,: ~e bem diri•
gida ao santo ho.mem, tambem era uma lição para os prineipes seus
amigos~ .
Começa o Senhor por enumerar as maravilhas da natureza. Todas
as perguntas que endereça a J ob, e que, á primeira vista; parecem es-
tranha~ ao assumpto, ligam-se com eüe maravilhosamente. Eis-aqui o
raciocinio do Senhor : vós nâél: podeis romprehender a ordem da nature-
za, e .quereis sondar a da graça. Não conheceis as leis pelas: quaes a ~mi..
nba Pro.videncia dirige as e.reataras, que vos são inferiores, e quereis ex-
plicar e julgar d'aquella~ pefas quaes dirijo o mundo superio~. Racioci-
nio, realmente divino, que, humilhando a curiosiàade e orgulho· dff oo~
mem:, abre seu coração ás virtudes proprias da sua fuaqueza, que. são a
humildade e a fé.!
O Senhor, endereçando-se po~ ·a Job, do meio d' uma nuvem tene~
brosa, disse-lhe: cinge teus rins como um ·guerreiro; eu vou interragar_
te, responde-me. Onde estavas tu quando eu lançava· os fundamentos da
terra? Quem lhe: determinou o tamanho, por ventura o sabes ft: : ~em
estenden o cordel sobre ella? Em. que assentam as suas bases 't 'Quem
encerrou o mar em seu leito, quando elle rompia seus diques como: oin-
fante que sahe do· ·ventre de sua mãe, e eu o inrnlvia em nuvem. como em
seu vestido, e o cercava de trevas, como das mantilhas da infaocia? · És
tu que envias a estrella da manhã? e mostras á aurora o lugar onde deve
nascer'! Qual é a vereda da luz, e a habitação das trevas? Sabias tu se
devias nascer? Conhecias o numero de teus dias ? Por onde é que se
derrama o dia? Qual é o caminho por onde o aquilão desce sobre a ter-
ra?' Quem traçou os sulcos ao raio ? Serás ta que o envias, e elle, indo
e tornando, te dírá : eis-me-aqui? És tu que preparas ao corvo seu sus-
•
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!õ6 CATECISMO
tento, quando seus filhos divagam aqui e alli, e apertados da fome gri·
tam chamando ao Senhor?
As chuvas, a neve, a geada, o calor e o frio, os trovões, os tempos
todos, as propriedades e instinctos dos animaes ; as causas, os recursos
e harmonias ·da Providencia, no gov.erno do mundo pbysico, são as ma-
terias em que aprouve ao Senhor entreter a curiosidade de Job, e redu-
zir a extremos os seus conhecimentos. Job, humilhado, confessou inge-
nuamente que não sabia que responder ao seu Creador.
Tal é a confissão a que são reduzidos, como Job, todos os homens
rectos e sensatos, apezar das descobertas que os nossos sabios quotidia-
namente fazem dos segredos da natureza.
Deus, contente com seu servo, reprebendeu aos tres príncipes a
temeridade de seu juiio, e a amargura de suas palavras. Exigiu que lhe
offerecessem um sacrificio d'expiação. Job, accrescentou o Senhor, or.a-
rá por vós ; e por seu respeito vos perdoarei. Com effeito, o sacrificio
offereceu-se; Job o acompanhou com suas orações. O Senhor as atten-
deu -; e os tres reis, devedores a seu amigo da su~ reconciliação .com
Deus, voltaram para suas terras. ·
E' n'este momento que se operam os prodigios do restabelecimento:e
cura de Job. O Senhor lhe tornou a sande, deu-lhe o mesmo numero de
filhos, redobrou as grandes riquezas que o demonio lhe arrebatárá. Cu-
mulado de bens, cercado dos respeitos de todo o Oriente, Job viveu ain-
da cento e quarenta annos; viu ~eus filhos e os filhos de seus filhos até
a quarta geração, e morreu mui ancião e cheio de dias .
• Assim terminou a vida d'este santo homem, para edificação de todos
os justos provados, e poderoso motivo de consolação a todos. os affiictos,
submissos e pacientes.
ORAÇÃO.
O' meu Deus 1 que sois todo amor, eu vos dou graças por haverdes
concedido a- todos os homens a graça necessaria para conhecer o l\e-
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DE PERSEVERANÇA. 257
dcmptor; permitti que d'ella todos nos aproveitemos, e a exemplo de Job
snpportemos corajosamente os trabalhos da vida, na esperança de nossa
resurreição, e recompensa futura.
Eu protesto amar a Deus sobre todas as cousas, e ao proximo como
a mim mesmo por amor de Deus; e, em testemunho d'este amor, quero
associar-me á empreza da propagação dá Fé.
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---
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INDEX
DAS
Pag.
INTRODUCÇÃO . . . • . . . • . • • . • • • . . • • • • . • • • . • • • • • . • • • • • • • • • IX
I.ª LIÇÃO.
II.ª LIÇÃO.
ENSINO ESCRIPTO.
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260 INDEX
IIP LIÇÃO.
CONHECIMENTO DE DEUS. - DEUS CONSIDERADO EM SI MES.MO.
IV.ª LIÇÃO.
CONHECIMENTO DE DEUS. - DEUS CONSIDF.RADO EM SUAS OBRAS.
OBRA DOS SRIS DIAS.
V.ª LIÇÃO.
OBRA DOS SEIS DIAS.
VP LIÇÃO.
OBRA DOS SEIS DIAS.
priedades dos fructos. - Arvores que não dão fructo. - Sua utilidade. -
Utilidade e magni:ficencia das florestas. - Riquezas encerradas no interior
da terra. - Os metaes. - O ouro. - O ferro. - Quarto dia - Creação
do sol. - Sua distancia da terra. - Seu movimento. - O nascer do sol. -
Sua luz............................................................ ~3
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DAS MATERIAS. 26t
VIII.ª LIÇÃO.
OBRA DOS SEIS DIAS
• /
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l\'DF.X
XIV.ª LIÇÃO.
OBRA DOS SEIS DIAS.
XV.ª LIÇÃO.
OBRA DOS SEIS DIAS.
Fim do sexto dia. - Malicia e poder dos Anjos máos. - Anjos bons, seu nume-
ro. - Suas jerarchias. - Funcções dos Anjos bons. - Louvam a Deus. -
Presidem ao governo do mundo visivel e invisivel; velam na guarda e defe-
sa do genero humano. - Dos imperios. - De cada Igreja ......... Oa Igreja
Universal.~ De caooum de nós. - Grandeza do homem •............... 201
XVP LIÇÃÕ.
QUÉDA DO HOMEM.
Astucia do demonio. - Imprudeneia d'Eva. - Fraqueza d'Adão. - Bondade de
Deus. -- Interrogação dos culpados. - Sentença contra o demonio~ -- Mise-
ricordia, e justiça para com nossos primeiros paes. - Penitencia d'Adào. -
Sua sepultura no monte Calvario. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 217
XVIP LIÇÃO.
CONCORDANCIA DA JUSTIÇA E l\IISERICORDIA DIVINA, El\I A PUNIÇÃO E
TRANSl\USSÃO :bO PECCADO ORIGINAL.,
O rei das Indias. - Peccado original dos nossos primeiros paes, e em nós. -
Seus effeitos e transmissão. - Justiça e Misêricordia para com nossos pri-
meiros paes. - Concordancia da Justiça e Misericordia no mysterio da In-
carnação e Paixão. - Doutrina de S. Leão e S. Thomaz. - Necessidade da
fé em o Redemptor .................................................• 229
XVIIP LIÇÃO.
HISTORIA DE JOB.
Consequencia da doutrina de S. Leão e S. Thomaz. -- Os homens tiveram sem-
p1·e a graça necessaria para crêr no Redemptor. -- P1·ovas da razão. -- Tes-
temunhos historicos. -- Job, testemunha e Propheta do Redemptor. - Sua
historia. - Suas riquezas, gloria, adversidade e paciencia. -- Visita de seus
amigos. -- Job justificado e recompensado ............................. 247
•
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OBRAS
publicadas pelo mesmo editor
E QUE SE ACHAM Á VENDA :
No Porto, na Travessa da Picaria n. º 32 e na rua de Bellomonte em
casa de D. Ignacio Corrêa n.º 2 e 4.
Em Braga em casa do snr. Manoel José Vieira da Rocha, rua do
Souto, e Germano Joaquim Barreto.
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II
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