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Os Namoros e o casamento de João Wesley ** (Rev. W. H.

Fitchett)

Todos os namoros de Wesley eram desastres, mas o seu casamento era uma tragédia - uma
tragédia ainda mais completa devida ao seu triste aspecto. Entretanto, por causa da luz que este
casamento faz sobre o seu caráter, e como fator na sua vida, deve se narrar a história.

Sobre o assunto de casamento em geral os irmãos Carlos e João Wesley tinham ideais que
eram, pelo menos, semi-monásticas. Em 1743 João Wesley publicou um tratado intitulado
“Pensamentos sobre o casamento e a Vida Celibatária”, que poderia quase ter sido escrito por
um Católico Romano asceta e convicto. O celibato, ele ensinou, ainda que não fosse de
obrigação imperativa e universal; entretanto para ele era estado mais elevado do que o
casamento. O casamento constituía uma concessão à fraqueza humana, e devia ser adiado em
todos os casos por tanto tempo quanto fosse possível, e absolutamente rejeitado onde havia
graça suficiente para que isto pudesse se fazer. Quando Carlos e João Wesley voltaram da
Geórgia, na América, fizeram um pacto, cada qual se penhorando a não se casar sem o
consentimento do outro.

Mas a natureza é mais forte do que as mais austeras teorias sacerdotais. E ela, se fez sentir
primeiro em Carlos Wesley. Em 1748, quando já contava quarenta anos, ele propõe a seu irmão
uma espécie de enigma: “Como sei eu que é melhor que eu me case? Certamente seria melhor
agora do que mais tarde; e se não agora, que certeza terei então? Deve ser agora ou então
nunca”. Ele com o modo característico dos Wesley prosseguiu em colecionar as opiniões de
todos os seus amigos sobre o assunto. O tratado (pacto com) do seu irmão estava-lhe pela frente.
Não podia rebatê-lo publicamente; mas esta dificuldade foi, entretanto, removida pela
Conferência Anual de 1748 que tomou em consideração os “Pensamentos sobre o Casamento
e a vida celibatária”, e convenceu o autor “que talvez labutasse em erro”; pelo menos, havia algo
que se poderia dizer em contrário sobre o assunto. João Wesley registra:
“Em Junho de 1748 celebramos a Conferência em Londres. Diversos irmãos então fizeram
objeções aos “Pensamentos sobre o Casamento e a vida celibatária” e em pleno e amigável
debate, me convenceram que um crente poderia casar-se sem sofrer dano na sua alma.”

Não era decisão muito satisfatória, mas CarIos Wesley estava disposto a correr o risco. Fixou a
sua escolha em Miss Sally Gwynne. Era moça de seus vinte e três anos, filha de boa família, e
pessoalmente possuía qualidades lindas e atrativas. A história deste namoro nos faz uma luz
curiosa sobre os costumes sociais desse tempo. CarIos Wesley primeiro entendeu-se com o seu
irmão João para que este lhe desse a sua aprovação, e fez a agradável descoberta que João já
contemplava o matrimonio para ele, Carlos. Já havia, inclusive, escolhido mentalmente a três
moças entres as quais Carlos poderia eleger uma, e Miss Gwyne era uma das três. Então se
falou com Mrs. Gwyne, a mãe da jovem Sally. Ela era o espírito dirigente da família; e ao passo
que aprovava a escolha de Carlos, ela discute toda a transação de um ponto de vista
essencialmente prático.

Os detalhes são divertidos. Por exemplo, foi solenemente concedido que o noivo estaria com
liberdade de “continuar com uma dieta vegetariana”, e de viajar como evangelista, mas não havia
de ir à Irlanda – condição esta que, foi mais tarde retirada. Carlos Wesley, por sua parte, tinha
de ter vencimentos de 100 libras por ano. Depois de certa relutância, João Wesley concordou
em dar fiança a seu irmão de 100 libras por ano sobre os lucros de seus livros; mas Mrs. Gwynne
recusou isto como não sendo uma segurança suficientemente sólida. Ela possuía as dúvidas de
uma mulher prática acerca do valor mercantil de literatura.

As negociações assim se estacionaram, até que um dos amigos de Carlos Wesley, Perronet,
entrou no assunto, escrevendo uma carta para a mãe da noiva. Ele disse: “Se vós e o mui digno
Mr. Gwynne sois da opinião que o casamento proposto pelo Rev. Carlos Wesley é de Deus, não
haveis de permitir que uma objeção tirada do mundo lhe desmanche!” Este argumento foi efetivo.
A Carlos Wesley foi concedido um breve intervalo para o namoro, interrompido com viagens de
pregação, e durante o qual escreveu nada menos de dezessete hinos – dirigidos principalmente
ao objeto terreno de seus afetos. Aos 8 de Abril de 1749, celebrou-se o casamento.

Um crítico menos bondoso escreveu que o negócio mais parecia funeral do que casamento; mas
modos bem sérios eram em voga entre os bons Metodistas desse tempo. E realmente o
casamento foi de notável felicidade. A sua mulher, não obstante possuir um espírito mui terno e
amável, tinha também uma força e equilíbrio de juízo quase varonil. Tornou-se a mãe de oito
filhos, encheu a vida de seu marido com a felicidade mais serena, sobrevivendo-o por muitos
anos, morrendo com a idade avançada de oitenta e seis anos. Pelo menos o casamento de um
Wesley tornou-se experiência muito feliz. Entretanto um de seus resultados foi a mudança no
caráter do trabalho de Carlos Wesley. Ele se achava agora, após o casamento, ancorado a um
lar feliz e os filhos logo lhe rodeavam. Não podia mais fazer como antes um largo voar como
evangelista itinerante, e as suas viagens de pregação eram praticamente limitadas aos caminhos
entre Londres e Bristol.

Entretanto, João Wesley foi muito menos feliz nas suas excursões para os domínios da
sentimentalidade. Todos os seus namoros foram desastrosos. E ele finalmente escolheu aquela
que foi talvez a mulher mais absolutamente imprópria para ser a sua esposa que havia nos três
reinos (Inglaterra, Irlanda e Escócia). Vultos tais como os de Betty Kirkham, de Mrs. Pendarvis –
a “Aspácia” como era chamada em suas correspondências – e Miss Susie Hopkey, da colônia
americana na Geórgia, atravessam ligeiramente a paisagem da vida de Wesley; mas a história
do embaraço ainda mais sério resta para se contar.

Em Agosto de 1748, Wesley, enquanto estava em Newcastle, teve um de seus raros ataques de
doença. Duraram apenas poucos dias e não interrompeu inteiramente as suas pregações; mas
durante esta breve doença ele foi cuidado por Graça Murray, uma das enfermeiras no orfanato
de Newcastle. A doença era sempre para João Wesley um período daquilo que se pode chamar
“perigo matrimonial”. Em saúde ele se achava demais ocupado e atarefado demais intento em
seu trabalho, para achar tempo de pensar em casamento. E também se pode dizer que
raramente parava suficiente tempo num lugar qualquer para formar relações que pudessem
conduzir a um casamento. Mas quando se achava doente então sentia a precisão das suaves
ministrações da mulher. Ele possuía uma fé simples, mas quixotesca na bondade de todas as
mulheres, e parecia sempre inclinado a propor casamento a qualquer mulher que lhe ministrasse
durante uma doença. Três vezes esteve bem doente: na Geórgia, em 1737, onde Miss Hopkey
lhe servia de enfermeira; em Newcastle, em 1748, onde recebia as ministrações de Graça
Murray; e em Londres, em 1751, onde Mrs. Vaseille lhe cuidou. E é fato que Wesley desejou
casar-se com cada uma destas mulheres por sua vez.

Graça Murray era viúva de seus vinte oito anos. Era de origem escocesa. Dificuldades políticas
tinham trazido a sua família à pobreza; e ela mesma em certa ocasião tinha servido de criada.
Mas muitos dos fatos demonstram que era uma mulher de encantos curiosos e perigosos:
“Ela era notavelmente nítida; belamente frugal, sem ser sórdida; dotada de grande soma de bom
senso, de uma paciência infatigável, e de uma ternura indizível; ligeira e bem jeitosa; de um trato
encantador, de um temperamento ameno, franco e alegre, se bem que sério; ao passo que os
seus dotes pela atitude eram tais como João Wesley ainda não via igualados.”

O dote de “ternura indizível” possuía para o espírito e corpo cansados de João Wesley, prostrado
pela doença, um encanto perigoso; e quando terminaram as ministrações de Graça Murray como
enfermeira ele lhe ofereceu o casamento. Ela parecia surpreendida, e disse: “É uma benção
grande, demais para mim; não posso dizer como hei de crer! É tudo que eu poderia ter desejado
neste mundo!”. Casar-se com Wesley, sem dúvida, teria sido para ela uma grande promoção;
mas, era realmente fato – embora ela não o tivesse declarado a Wesley – que ela estava nesse
momento praticamente com trato de casamento com um dos auxiliares do Wesley, João Bennet,
que ela tinha servido de enfermeira no ano anterior.
A história que segue, se fosse contada em novela como ilustração da simplicidade masculina, e
do capricho feminino, pareceria desmedida. Tyerman no seu “Wesley” narra com franqueza
corajosa, que não pode haver dúvida alguma sobre os fatos principais. A história é tirada de
documentos autênticos, e pelo menos um deles foi revisado pelo próprio Wesley. É um drama
curioso, com um evangelista preocupado, com namoro; uma mulher altamente impressionável a
quem o seu próprio sexo (as próprias mulheres) pelo menos consideraria um flirt incurável, como
objeto de seus afetos; um rival paciente e determinado e um irmão intrometido com os outros
atores. Graça Murray continuou a dirigir com igualmente “indizível ternura”, os seus dois
namorados e as datas da história mostram com que facilidade ela transferia, alternadamente as
suas emoções de um para outro.

Uma semana depois de ter-lhe proposto casamento Wesley tinha de começar uma viagem de
pregação; antes de fazer isto, ele disse a Graça Murray que estava convencido que Deus
tencionava que ela fosse sua esposa. Ela então protestou que “não podia suportar ser deixada
atrás desta maneira” e Wesley a levou como auxiliadora em seus serviços. Quando ele chegou
ao circuito de Bennet deixou Graça Murray ali inteiramente inconsciente das relações entre os
dois. Dentro de uma semana Bennet, escreveu a Wesley, pedindo-lhe licença para casar-se com
Graça Murray, e com a carta dele veio outra da Graça Murray dizendo que acreditava ser da
vontade de Deus que ela se casasse – não com o Wesley – mas com Bennet!

Wesley respondeu em termos de admiração; mas estava agora absorto de novo em seu trabalho,
e aceitou a situação com uma magnanimidade que bem poucos homens teriam manifestado, e
que poucas mulheres teriam apreciado. A demasiadamente impressionável, Graça Murray,
deveras, não estava disposta a deixar que o seu romance terminasse tão cedo ou tão
abruptamente. Durante seis meses ela manteve correspondência, com ambos, e persuadia cada
qual por sua vez, que ela lhe amava unicamente. Parece, que ela realmente acreditava que
pertencia àquele cuja carta ela lia por último.

Deve-se lembrar a que ela foi uma das auxiliadoras empregadas no trabalho de Wesley, e em
Fevereiro de 1749, Wesley, então prestes a visitar a Irlanda tencionava levá-la consigo para
ajudar-lhe nos serviços ali. Ela mandou dizer a Bennet, acrescentando, que “se ele a amava”
viesse logo.

Bennet não pôde vir; e Graça Murray disse Wesley, com a única faísca de franqueza que
mostrara na transação toda, como se achavam os negócios entre ela e Bennet. Depois de muita
discussão, concordou-se que o contrato com Bennet não era válido; ela pertencia a Wesley.
Portanto acompanhou a Wesley e tomou parte nos serviços por toda a Irlanda.

Em Agosto desse 1749, Bennet e Wesley se encontraram em Epworth; e Bennet disse a Wesley
que Graça Murray mandara para ele todas as cartas que Wesley enviara para ela. A consciência
feminina, em cousas relacionadas com o dever expresso e claro, é geralmente ainda mais
sensitiva do que aquela do homem; mas aquela substância vaga e indefinida que se chama
“sentimento de honra”, é, pelo menos em algumas mulheres, não somente cousa que não
possuem, mas nem a compreendem. Dar as cartas que foram escritas por um pretendente, em
toda confiança de afeto, para um rival, constituía um ato de traição feminina que poucos homens
poderiam perdoar. Para o rígido senso de honra possuído por Wesley, o ato parecia nada menos
do que uma baixeza. Visivelmente esfriou-se o ardor dos afetos por aquela que praticou tal ato.
Depois desta fase, a senhora Grace, ficou claramente mais "desejosa" - de diferentes maneiras,
sem dúvida, segundo seu jeito característico – do que o cavaleiro (Wesley).

Mas este ato, ao passo que demonstrou que esquisito senso de honra foi aquele possuído por
Graça Murray, mostrou também uma cousa mais – ela amava a Bennet! E Wesley decidiu que
Grace e Bennett deviam se casar de uma vez, e escreveu uma breve carta a Graça Murray
dizendo isso mesmo.

Recebendo-a, ela correu a Wesley banhada de lágrimas e pediu-lhe "que não falasse assim a
não ser que a quisesse matar”. Wesley hesitou; lágrimas correndo pelas faces de quem ele tanto
amava eram quase irresistíveis. Mas perseverou na sua decisão de deixá-la. Ela ficou doente e
mandou chamá-lo, e lhe disse: “Como podeis imaginar que eu ame a qualquer outro melhor do
que vos amo a vós. Eu vos amo mil vezes mais do que jamais amei a João Bennet”. Naquela
mesma tarde, quando João Bennet por sua vez veio, ela prometeu que havia de ser esposa dele!
Será que já houve uma transferência tão rápida de afetos de um pretendente para outro?

Aos 6 de Setembro de 1749 Wesley laconicamente perguntou-lhe: “Qual haveis de escolher?”


Ela respondeu: “Estou resolvida pela consciência bem como pela inclinação a viver e morrer
convosco". Tanto Wesley como a Sra. escreveram a Bennet nestes termos. Aqui afinal, o negócio
aparentemente está resolvido. Graça Murray insistiu que Wesley casasse consigo de uma vez;
ela conhecia a si mesma bem demais para não reconhecer o perigo de uma demora! Mas
Wesley, sempre o mais descansado dos namorados, desejava agora dar satisfação a João
Bennet; receber o consentimento do seu irmão Carlos; explicar a todos os pregadores e
Sociedades as suas razões por este passo, e pedir as suas orações; e isto, ele calculava, levaria
mais ou menos um ano.

Eis aqui um catálogo de demoras e incertezas! A Senhora concordou em esperar, mas protestou
que não esperaria mais do que um ano, e é claro que uma aproximação ao casamento por
caminho tão tedioso e indireto outra vez desequilibrou os seus afetos tão facilmente transferíveis.

O esforço para satisfazer a João Bennet ficou bastante demorado e durante este tempo Carlos
Wesley apareceu em cena. O seu orgulho familiar ficou abalado com a idéia de seu irmão querer
casar-se com uma mulher que, diziam, tinha sido uma criada; e se Graça Murray possuía a arte
de fascinar a todos os homens, este dom estava acompanhado, como é geralmente o caso, com
a faculdade de ofender a maioria de seu próprio sexo. A sua indizível ternura era debalde com
elas! Elas a contemplavam com olhos de crítica frigorífica; e Carlos Wesley recebia aos ouvidos,
muitas contas proferidas por lábios femininos que eram prejudicais à pretendida noiva de seu
irmão. Ele disse laconicamente a seu irmão que todos os seus pregadores Ihes deixariam, e
todas as suas Sociedades se dispersariam, se ele se casasse com Graça Murray.

Wesley argumentou o caso com seu irmão, com uma filosofia que é mais consoante com o seu
domínio próprio como homem do que com o seu ardor de namorado. Ele era lógico mesmo em
cousas de namoros; os seus afetos corriam em silogismos, e depois de dar os detalhes a seu
irmão, dos méritos do objeto de suas afeições, ele fez um sumário de suas conclusões em duas
parcelas: “1) Tenho razões escriturística em casar-me; 2) Não conheço outra pessoa tão própria
como ela”.

Carlos partiu, depois de ter dado um beijo na pretendida noiva, dizendo: "Graça Murray, tendes
me quebrantado o coração". Mas aconteceu que Graça Murray tinha o ensejo de ir agora para
Newcastle, e Carlos acompanhou-a àquele lugar. João Bennet estava ali a sua espera. A
impressionável Graça Murray caiu aos pés do namorado nº 2 e confessou que havia-lhe tratado
mal, pediu-lhe o perdão, e dentro de sete dias se casaram!

Repetimos que ela era Senhora de afeições bastante volúveis. As datas a condenam. Aos 6 de
Setembro de 1749 ela estava pedindo que Wesley casasse com ela imediatamente, e protestava
que amava a ele somente. Aos 28 de Setembro ela se prostrava aos pés de João Bennet,
pedindo-lhe o perdão, e declarando que ele era o único objeto de seus afetos demais ativos.

Poucos dias depois do casamento de Grace e Bennett, Carlos Wesley, com o casal recém-
casado, vão até João Wesley, e uma cena curiosa se seguiu. Whitefiled, que havia chegado no
dia anterior, e havia chorado e orado em favor de Wesley, estava presente. Segundo registros
feitos posteriormente por Tyerman,
“Carlos Wesley, com a sua impetuosidade característica, falou com seu irmão (sobre o triângulo
amoroso nutrido por João Wesley), dizendo: "eu deixo de ter quaisquer relações convosco, senão
as que tenho com um gentio ou publicano”. Whitefield e João Nelson, que estavam próximos,
percebendo o clima ruim, oraram, choraram e intercederam, até passar o temporal (o conflito).
Finalmente os dois irmãos, incapazes de falarem, se lançaram um sobre o outro, e abraçavam-
se. João Bennet, o agora marido de Grace, foi chamado e apresentado ao encontro; mas em vez
de João Wesley repreendê-lo, lhe beijou. Wesley e seu irmão, em seguida, tiveram uma conversa
particular, e, depois de ouvir as explicações de João, Carlos ficou completamente admirado, e
lhe exonerou (absolveu) de toda a culpa, e declarou que toda a culpabilidade era de
Grace”. (Tyerman, lI. pág. 53).

É indubitável que João Wesley fora mal tratado no negócio todo; mal tratado pelo irmão, por seu
pregar auxiliar Bennet, e por esta Sra. Murray de afeições (sentimentos) tão mutáveis. Mas é
mais fácil perdoar àquele que tem nos ofendido do que àquele que nós temos ofendido; e Bennet,
dentro de nove meses depois do casamento, separou-se de Wesley e levou consigo tantos
membros das Sociedades quantos poderia influir.

Quatro dias depois do casamento, João Wesley escreveu a um amigo, citando de novo o
versículo que citara uns doze anos antes, quando Miss Hopkey fora lhe tirada: “Filho do homem,
eis que tirarei de ti o desejo dos teus olhos de um golpe; todavia não lamentarás, nem chorarás,
nem te correrão lágrimas”. Ele acrescenta: ”Ontem vi a minha querida que era, e aquele a quem
ela foi sacrificada... Mas por que se deve queixar o homem mortal pelo castigo de seus pecados?”

Mas Wesley não era homem para nutrir sentimentos ruins; e não tinha tempo para gastar em
prevenções. Ele perdoou a mulher que lhe enganara e o amigo que lhe sobrepujara, e o dia
seguinte à entrevista descrita acima saiu numa viagem de pregação. Passou quase quarenta
anos antes de Graça Murray e João Wesley se encontrarem de novo. Ele estava pregando em
Moorfields, e ela lhe enviou uma mensagem pedindo que a visitasse. Ele foi, passou uns breves
momentos com ela, e nunca mais mencionou o seu nome.

A natureza humana é composta de muitos elementos; e a história que temos contado dá somente
um lado do caráter de Graça Murray. Uma breve biografia, com citações de seu diário, publicada
por seu filho, depois de sua morte, mostra que ela era mulher de profundos sentimentos
religiosos, e com desusado (incomum) poder de expressão literária. Há evidência, também, que
ela tinha um lugar na estima de ambos os Wesley depois de seu casamento com Bennet, e da
história curiosa que o precedeu. Dois meses depois do casamento, numa carta a Bennet,
assinada "por vosso irmão sincero”, datada de Londres, aos 7 de Dezembro de 1749, e nunca
antes publicada, João Wesley diz:
“Eu escrevi a minha última carta na plenitude do meu coração, não tencionando a tornar
escrever-vos jamais. Não quero escrever qualquer cousa mais sobre aquele assunto. Talvez
chegue o dia quando eu puder vos mostrar a carta que eu havia escrito para vos enviar em
tempos passados. Não vejo as causas através do mesmo prisma que vós as contemplais; mas
não me queixo. Sou pecador; portanto é justo que eu me porte com discrição todos os meus
dias. Sim, e creio que é melhor que eu faça assim.”

Ele acrescenta um post-scriptum significativo:


“Pobre Graça! Já fostes o instrumento de muitas bênçãos para mim. Que Deus vos prepare para
receberdes todas as suas bênçãos aqui e na eternidade”.

Muitos meses mais tarde numa carta a Bennet, sob a data de 10 de Agosto de 1750, Carlos
Wesley diz: “O meu coração está convosco e com os vossos queridos”. Ele também envia uma
mensagem à Graça: "Querida Graça! Não temais! Em seis apertos Deus tem vos salvo”. E
acrescenta: “A minha esposa, vos saúda no amor que nunca desfalece”.

Talvez a melhor defesa de Graça Murray foi oferecida pelo próprio João Wesley na “Narrativa
das Notáveis Transações na Vida de João Wesley”, de um manuscrito original em sua própria
letra, publicado em 1862. Embora a evidência da genuinidade (qualidade de genuíno,
veracidade) da narrativa não seja absoluta, entretanto é bastante forte, e a história assim contada
mostra muito claramente a profunda e solícita ternura de Graça Murray que constituía ao mesmo
tempo o seu encanto e a sua fraqueza. A análise que Wesley faz do caráter e trabalho dela como
sua auxiliadora está escrita em tom de apreciação. Ele declara que nunca ouviu nem se
encontrou com outra mulher tão reconhecida por Deus. O seu amor por Graça Murray, como se
vê na narrativa, era um fogo que se acendeu vagarosamente, mas tornou-se intenso, ainda que
Wesley sempre era algo de pedante, mesmo quando de namoro.

A chave da fogosa oposição que Carlos Wesley fazia ao casamento se acha numa carta
encabeçada “À Minha querida Irmã e Amiga”, que Carlos Wesley escreveu à Graça depois da
entrevista na vista na qual ele disse:
“Graça Murray, tendes me quebrantado o coração”. Nesta carta ele escreve: “O caso me parece
assim: Prometestes a João Bennett que casaríeis com ele; e depois contratastes com outro.
Como foi possível isto, e quem é esse outro? Alguém de tal importância, que por fazer uma ação
tão desonesta (casar-se com uma mulher comprometida com outro) ele destruiria a si mesmo e
a mim, e a todo o trabalho de Deus. Que escândalo teríeis trazido para o evangelho! Teríeis
vivido para ouvir o vosso nome vituperado pelo povo de Deus”.

Segundo esta idéia, João Wesley estava tirando de um de seus pregadores a mulher que lhe
prometera ser sua esposa. É um escândalo que explica as palavras abruptas que Carlos Wesley
dirigiu a seu irmão.
“Deixo de ter convosco qualquer outra comunicação senão a que tenho com um pagão (gentio)
ou publicano”.

João Wesley ao contar a história diz:


“Senti pouca emoção, pois era simplesmente o acréscimo de uma gota de água para um homem
que estava a afogar-se, enquanto eu aceitava a sua renúncia e concordava nela ".

Para Graça Murray o casamento com João Wesley foi representado como um crime, que
destruiria o seu trabalho, e disseram-lhe que o próprio Wesley havia reconhecido isto depois que
ela o deixara. Então a pobre alma atormentada e desesperada declarou: "Aceitarei a João
Bennet, se ele me quiser".

É certo que João Wesley acreditava que seu contrato de casamento com Graça Murray era de
data anterior e de maior autoridade do que aquele que ela fizera com Bennet. Por esta estranha
confusão de datas e contratos Graça Murray, com a sua ternura, foi indubitavelmente
responsável; mas, como diz o próprio Wesley: “Os que conhecem a natureza humana hão de ter
compaixão dela, pelo menos, tanto como em censurá-la”.

A narrativa de João Wesley acrescenta um incidente interessante. Depois que Carlos Wesley
levara consigo a Graça Murray e a persuadira que o casamento com seu irmão seria um crime,
ainda restava a tarefa de conseguir que Bennet casasse com ela, pois chegara notícia que “ele
não queria saber mais dela”. CarIos Wesley então deixou a pobre Graça com pessoas amigas,
duas milhas de New Castle, e foi adiante para ter uma entrevista com Bennet.
“O modo pelo qual lhe aplacou a ira, diz João Wesley, foi em atribuir-me toda a culpa, como
tendo empregado toda minha arte e autoridade para seduzir a mulher de um outro... Então Graça
Murray foi levada a João Bennett, e ela lhe caiu aos pés e pediu lhe que a perdoasse. Para
satisfazê-la inteiramente a respeito de qualquer escrúpulo que ainda restasse, introduziu-se
alguém para assegurar-lhe que eu a tinha abandonado e nada, teria para dizer-lhe, mais.”

Wesley conta a história da entrevista com Bennet e sua esposa Graça naquele 6 de Outubro.
Diz ele:
“Que entrevista! Sentávamos juntos para chorar. Eu perguntei: “Que dissestes a meu irmão
Carlos para induzi-lo a falar-me da maneira que fez?” Ela caiu-me aos pés e disse que não podia
falar contra mim, em muitas palavras mais, do mesmo sentido, ela prosseguiu, entre lágrimas e
suspiros profundos. Antes dela levantar-se Bennet também caiu de joelhos por causa daquilo
que havia dito de mim. Entre os dois eu não sabia o que dizer ou fazer. Posso perdoar, mas
quem poderá corrigir a injustiça?”

Wesley termina a narrativa com as palavras: “Dificilmente se acharia outro caso igual desde o
começo do mundo”.

Dezoito meses depois dessa data, João Wesley encontrara sua sorte infeliz e se casara.

Foi Carlos Wesley quem primeiro encontrou a Senhora Vazielle na casa, de seu colega, Perronet,
e a descreveu como “mulher de espírito triste”; qualidade que, mais tarde, seu infeliz marido
descobriu ser simplesmente um gênio para fazer-se a si mesma e a todos a seu redor infelizes.
Era viúva, com poucos anos menos do que João Wesley, tinha três filhos, e vencimentos
suficientes para a sua criação (sustento da família). Ela era, a seu modo desconsolado – nesse
tempo pelo menos – mulher religiosa, com alguma capacidade para fazer-se agradável quando
queria. Mas era ignorante, de hábitos egoístas, com uma capacidade semi-Iunática pelo ciúme.

João Wesley possuía uma simplicidade infantil em todas as matérias em relação a mulheres.
Nunca soube fazer desconto pelo sexo. Ele contemplava a toda a mulher com apreço simples, e
as tomava ao valor declarado. Qualquer entre suas irmãs poderia lhe ter ensinado melhor. Elas
logo teriam visto que o vestido “tipo D. Suzana Wesley” usado por Miss Hopkey, e a suas dúvidas
piedosas, e o seu zelo como enfermeira na Geórgia (onde Wesley fora missionário), não
passavam de artes de seu sexo (artimanhas, estratégias femininas), visando cativar o jovem e
sincero lente (professor) de São João, que por uma coincidência estranha havia se apraiado na
Geórgia. Semelhantemente ”a indizível ternura” de Graça Murray, e o “espírito triste” da viúva
Vazielle, teriam sido analisados, descontados e avaliados.

Entretanto, para João Wesley cada mulher era retrato de sua mãe. É fácil rir-se de sua
simplicidade, mas ela tem uma raiz nobre e generosa.

Logo Wesley foi apresentado à viúva Vazielle por seu irmão CarIos. Os eventos se desdobravam
com ligeireza. Era caso de uma viúva e de um homem de meia idade que julgava ser o seu dever
casar, mas que estava demais ocupado para procurar uma esposa. Aos 2 de Fevereiro Carlos
escreve: “Meu irmão me disse que está resolvido a casar-se”. Que João seguisse o seu exemplo
parecia a este nada menos do que um desastre. Ele diz. “Fiquei surpreendido”.

“Veio então o fiel Ed Perronet dizendo-me que a pessoa era a Viúva VazielIe! Uma que nunca
suspeitei. Eu recusei acompanhá-lo à capela, e retirei-me para chorar com a minha fiel Sally.
Suspirei durante o dia inteiro e por alguns dias depois pela infelicidade do povo e da minha. Não
pude comer, nem pregar, nem descansar, quer de dia quer de noite” (Tyerman, lI. pág. 104).

Wesley, desta vez, não estava com a mínima disposição de consultar os seus amigos, ou de
pedir a opinião e orações de suas Sociedades. E ainda menos disposição tinha de consultar com
seu irmão Carlos. A sua interferência havia-lhe desmanchado um casamento; João não havia de
dar-lhe o ensejo de desmanchar outro. Mas seguiu um incidente curioso. Ele diz:
“Encontrei-me com os solteiros da Sociedade de Londres, e lhes mostrei por quantas razões
seria bem para aqueles (os solteiros), tendo recebido este dom de Deus, continuar solteiros por
amor do reino dos céus, a não ser onde um caso excepcional constituísse uma isenção da regra".

O espetáculo de João Wesley uns dez dias antes de seu próprio casamento explicando a
superioridade do celibato em uma de suas Sociedades é um enigma. Pela expressão – um caso
excepcional – o próprio Wesley estava nesse momento preparando escapar do celibato que ele
recomendava a outros.

Wesley já estivera tão perto de casamento antes, sem, todavia ter alcançado o alvo, e não há
certeza alguma que a viúva Vazielle teria se tornado em Mrs. João Wesley senão fosse um
acidente trivial. Wesley estava em vésperas de sair em outra viagem ao norte, na qual é provável
que ele ter-se-ia esquecido da viúva VazieIle; mas nesta ocasião lhe sobreveio um acidente que
precipitou o negócio. Houve uma grande geada, e Wesley, ao atravessar a ponte de Londres,
resvalou sobre o gelo e feriu o pé seriamente. Tentou com coragem invencível a pregar, mas não
pôde, e foi levado para a rua Threadneedle, onde residia a viúva Vazielle, e esta senhora lhe
servia de enfermeira. Era fatal! Passaram-se sete dias, em parte na tarefa de preparar uma
gramática hebraica, e em preparar umas lições para as crianças, e em parte em “conversas com
a viúva Vazielle” e em ser cuidado por ela.

O acidente se deu aos 10 de Fevereiro de 1851. Aos 17 de Fevereiro ele foi levado para a
Foundry, e pregou de joelhos, não podendo ficar de pé. No dia seguinte, dia 18 de fevereiro de
1851, ainda manco, casou-se com a Viúva Vazielle. Pregou outra vez – homem invencível! –
ainda de joelhos, à noite de terça-feira, e quarta feira de manhã; e quinze dias depois do seu
casamento, podendo montar a cavalo, prosseguiu numa viagem de pregação.
A mulher de Wesley viveu até o ano 1781, e durante aqueles trinta anos era para o marido a
encarnação de uma tormenta constante. A princípio ela lhe acompanhava em suas viagens de
pregação, mas o seu gênio de ficar descontente, e de contrariar a todos ao seu redor, acabou
com isso. Dentro de um mês depois do casamento o tópico predileto desta notável mulher foi
conversar sobre as faltas do seu grande marido. Durante um ano houve um rompimento confesso
e incurável.

Wesley, sem dúvida, era marido um pouco difícil! O seu caráter e hábitos já eram fixos: ele viajava
incessantemente; a sua vida não tinha cousa alguma privada. A mulher casada com Wesley bem
poderia se sentir como se estivesse atada à cauda de um cometa. Entretanto Wesley era homem
de paciência invencível, de bondade ilimitada e possuía as profundezas de sentimento que uma
verdadeira mulher poderia ter ganhado com facilidade. Mas a sua esposa não era cousa melhor
do que um mosquito humano. A sua ocupação era dar ferroada.

Carlos Wesley com traços de humor inconsciente dá uma idéia da capacidade desta infeliz em
brigar. EIe diz: “Dois minutos antes da pregação eu visitei a Mrs. Wesley na Foundry e em todo
este tempo não tivemos uma única briga”. Deveras, Carlos tomava as fúrias da mulher de seu
irmão em sentido humorístico. Costumava chamá-la de sua “melhor amiga”, porque ela lhe
contava as faltas com mais diligencia e ênfase do que qualquer outro ser humano. Entretanto,
Carlos foi urna vez, por um momento, tocado fora dos limites de sua filosofia. Esta mulher estava
costumada a acusá-lo de preguiça; mas um dia em espírito mais malévolo do que de costume,
ela declarou-lhe que durante anos a sua querida Sally fora amante de seu irmão! Carlos sapateou
de raiva com esta difamação de sua esposa, a qual, por sua vez, com o seu bom senso sereno
e invencível, simplesmente sorriu e disse: “Quem há de acreditar na minha irmã agora?”

O ciúme é talvez, a mais malévola e atormentadora de todas as paixões humanas. Quando é


aceso é simplesmente uma forma de demência. E Mrs. Wesley era furiosamente enciumada de
seu marido. O trabalho dele o colocou na condição de amigo e conselheiro de muitas pessoas,
inclusive, muitas mulheres. Entre seus auxiliares, também, e nas instituições que surgiam sob os
seus cuidados, foram empregadas mulheres; e cada qual era, para sua esposa meio insana,
objeto de suspeitas mortais. Wesley, por sua vez, estava inclinado à toleração (tolerância), de
uma maneira masculina (viril, forte) e generosa, aos fatos em relação a tais mulheres que outras
mulheres – mesmo as melhores – dificilmente perdoariam. Por exemplo, Sara Ryan, a diretora
interna de um de seus orfanatos, era mulher com uma “história”. Nesse tempo era mulher de
apenas trinta e três anos, mas tinha três maridos ainda vivos, e vivia separada de todos eles!
Wesley escrevia a ela constantemente, fato este que incitava a sua esposa à fúria. Ela furtou a
correspondência de Wesley para satisfazer as suas dúvidas; ela viajava uma centena de milhas
para ver quem eram os companheiros de Wesley em certas fases de suas viagens
evangelísticas. A sua inquietação às vezes lhe lançava num paroxismo (auge, apogeu,
intensidade) de violência insana, e às vezes a atos de traição quase incríveis. Não somente
furtava as cartas do marido; ela interpolava-as a fim de dar um sentido mal, e as colocou nas
mãos dos inimigos de Wesley para serem publicadas.

Wesley não mostrou muito jeito em tratar com a sua esposa. Ele discutia com ela solene e
longamente; como se uma mulher, que, à semelhança da “vida” de Alfred Tennyson (poeta
inglês), era “uma fúria vomitando chamas”, pudesse se curar com silogismos (argumentos,
explicações). A Rainha Vitória uma vez queixou-se que o Sr. GIadstone costumava se dirigir a
ela como se ele se dirigisse a uma reunião pública. Pois João Wesley às vezes escrevia à sua
mulher como se ela fosse uma multidão em Moorfields ou Kingswood. Eis um exemplo:
“Em suma, conhecei-vos a vós, e conhecei-me a mim. Não posso vos ser inimigo; deixe-me vos
ser por amigo. Não tenhais mais suspeitas de mim, não me vitupereis mais, nem mais me
provoqueis. Não vos esforceis mais para alcançar o domínio, nem poder, nem dinheiro, nem
louvor. Sede contente em ser pessoa insignificante e particular, conhecida e amada somente por
Deus e por mim. Não vos esforceis mais para cortar a minha liberdade, que eu pretendo segundo
as leis de Deus e dos homens. Deixai-me para que eu seja governado por Deus e minha
consciência. Então vos governarei com direção suave, e mostrarei que deveras vos amo mesmo
como Cristo ama a sua Igreja”.
Eis outra admoestação de Wesley como marido:
“Talvez seja uma benção indizível que tendes por marido, um que vos conhece o gênio e pode
aturá-lo; o qual, depois de lhe terdes cansado por modos enumeráveis acusando-o de causas
que ele não sabia, roubando-o, traindo¬-lhe a confiança, revelando os seus segredos, dando-lhe
mil feridas traiçoeiras, propositalmente manchando-lhe o caráter e vituperando-o, fazendo disso
o vosso emprego, sob a pretensão de vindicar o vosso próprio caráter o qual, digo eu, depois de
todas essas provocações, está ainda pronto a perdoar-vos tudo, a esquecer-se do passado como
se nunca houvesse, e receber-vos de braços abertos; exceto enquanto tiverdes a espada na
mão".

Aos 23 de Junho de 1771, aparece a famosa nota no Diário de Wesley: “Qual a causa, não sei,
a minha esposa partiu para Newcastle, com o propósito de nunca mais voltar. “Nom eam reliqui:
non dimiti: non revocabo” (eu não a deixei, não a mandei embora e não irei busca-la de volta).

Supõe-se geralmente que esta “non revocabo” (não irei buscá-la) era final, e daquela data
terminaram as relações de Wesley com a sua mulher; mas tal não é o caso. No ano seguinte a
sua esposa, por breve tempo, pelo menos, estava consigo outra vez, e mais uma vez
desapareceu além do horizonte num redemoinho de paixão. Wesley não a chamou, ela voltou
sem ser convidada. Numa carta com data de 31 de Maio de 1774, carta que é uma longa
repreensão, ela se subscreve “a vossa afetuosa esposa”. Entretanto, estiveram finalmente
separados durante a última parte da vida dela. Uma das últimas palavras que Wesley escreveu
à sua esposa foi em 1778: “Se ainda vivêsseis mil anos, nunca poderíeis desfazer o mal que
cometestes; e até que tenhais feito o que puderdes com este intuito, eu vos digo adeus”. Wesley
registra no seu Diário: “Aos 12 de Outubro de 1781, vim a Londres e me disseram que a minha
esposa faleceu na segunda-feira”.

A estranha experiência de João Wesley no seu casamento é a tragédia de sua vida. A mulher
que ele escolheu, segundo Southey, “merece ser classificada numa tríade com Xantipa e a
mulher de Jó como sendo uma das três esposas más deste mundo”. Como seria que um homem
tão nobre e sábio fizesse uma escolha tão infeliz? Mas se houver necessidade de qualquer prova
da fibra heróica do caráter de Wesley, ela se achará no fato que, enquanto ele estava castigado
com esta peste humana em saias; ele nunca se desviou, a grossura de um cabelo (um milímetro
sequer!), do trabalho da sua vida. Nem se obscureceu a sua alegria habitual! O marido desta
virago (feminino de varão, esposa, esposa “machão”, irascível) ainda era capaz de declarar que
nunca tinha sofrido de desânimo por um quarto de hora (quinze minutos). Outro homem qualquer,
sob tal aflição teria sabido (experimentado) pouca cousa mais do que desânimo. Talvez a
invencível serenidade de Wesley fosse uma irritação inconsciente para a mulher. Constituía um
desafio a seu dom em fazer todos infelizes.

Mas é quase divertido notar como a alquimia (a química) da sua fé serena transformou a mulher
irascível de Wesley em força benéfica. Ele contou algum tempo depois a Moore, um de seus
auxiliares que se Mrs. Wesley fosse melhor esposa, ele poderia ter-se tornado infiel no grande
trabalho ao qual Deus lhe chamara, e talvez procurasse agradá-la demais, cumprindo-lhe todos
os desejos”. Esta mesma opinião é externada com clareza humorística por João Hampson: “O
casamento seriamente aleijou (limitou o trabalho missionário) a Carlos Wesley”, escreveu ele a
Berridge de Everton, “e teria feito o mesmo com João Wesley e George Whithefield se Deus não
tivesse Ihes deparado (trazido inesperadamente, mas o melhor seria: “permitido fazer
soberanamente a escolha por) duas doninhas (animais predadores de pequeno porte)!”

Deve-se notar que Whitefield tinha uma experiência marital não muito mais feliz do que aquela
do seu grande camarada; e ele mereceu a sorte infeliz que teve. Na carta aos pais da moça que
ele desejava por esposa, comunicando a proposta de casamento, explica que desejava “uma
diretora para o seu orfanato”. E acrescenta: “Não tenhais receio de mandar-me uma recusa,
porque, graças a Deus, se conheço algo do meu próprio coração, sou livre daquela paixão tola
que o mundo chama amor”. Um pretendente tão frio merece uma virago (feminino de varão,
esposa, esposa “machão”, irascível) por esposa.
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** (Esse texto corresponde ao capítulo XV, "Os namoros de Wesley", do livro "Wesley e seu
século – um estudo de forças espirituais, Volume II", respectivamente nas páginas 181 a 200,
edição de 1916 publicada pela Typographia de Carlos Echenique, Porto Alegre, RJ).

OBS: As notas explicativas dentro de parênteses são da edição on line do site da Igreja Metodista
de Vila Isabel.

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