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Introdução

No mundo atual, escrever é sempre importante,


necessário e freqüente. Mostrar que
você sabe comunicar-se (bem), usando a escrita, Índice
é um dos fundamentos da capacidade de
ser e realizar, da cidadania e da competência.
A tão propalada era do computador que, muitos
afirmavam, iria diminuir drasticamente a
LITERATURA PORTUGUESA
necessidade
de papel e de escrever, fez o inverso:
nunca tanta informação e conhecimento Introdução 1
circularam entre tantas pessoas e de modo tão Panorama da Literatura
rápido, nunca as pessoas se comunicaram Portuguesa 2
tanto (via e-mails, chats, impressos etc), fazendo O que é Literatura? 3
com que todos escrevamos mais e mais. Onde se iniciou a Literatura? 6
Apesar de tantas inovações trazidas pela Antigüidade Clássica 6
era da modernidade, algo certamente permanece
A Ilíada e a Odisséia 6
incólume nos dias atuais: a relevância da
tradição literária em língua portuguesa. A partir Principais autores 8
de dois paises, Portugal e Brasil, unificados Idade Média 10
pela expansão marítima e econômica iniciada As cantigas 10
no século XV, edificou-se uma gama forte e Novelas de cavalaria 14
admirável de obras que revelaram, literariamente, Resumo do Trovadorismo 18
os costumes, as angústias, as conquistas Humanismo 19
e derrotas de conjuntos sociais que A poesia palaciana 21
igualmente ascenderam e decaíram ao longo O teatro popular 21
da história. Resumo do Humanismo 26
É certo que não apenas esse descompromissado
Renascimento 27
caráter documental torna relevante o
estudo das obras literárias, mas também Resumo do Renascimento .... 34
compreender Barroco 35
e avaliar a evolução da nossa própria A estética barroca 35
língua e as diferentes estéticas que dela se Resumo do Barroco 42
apossaram para, ou permitir a manutenção das Arcadismo 43
normas sociais vigentes, ou sutilmente relatar Resumo do Arcadismo 50
suas agruras ou, mais freqüentemente rebater Romantismo 51
e revolucionar essas normas a partir da escrita. Primeira Geração 52
Houve e há diferentes "estratégias" de expressão Segunda Geração 60
da língua, que enriqueceram e inseriram
Terceira Geração 63
essa cultura literária no contexto mundial,
desde os primórdios da literatura portuguesa Resumo do Romantismo 65
até finalmente chegarmos a uma literatura de Realismo 66
caráter efetivamente brasileiro. Resumo do Realismo-
Foi pensando em levar ao seu conhecimento Naturalismo 84
toda a trajetória de nossos principais Simbolismo 85
autores e obras de língua portuguesa que Resumo do Simbolismo 94
elaboramos Modernismo 95
esse prático e indispensável Manual Primeira Geração
de Literatura, para auxiliá-lo na análise e (1915-1927) 96
compreensão
Segunda Geração
do contexto em que se manifestaram
os principais movimentos e escolas literárias, (1927-1940) 109
no Brasil e em Portugal, e quais suas Terceira Geração
contribuições (1940 até os dias atuais) 111
e influências na literatura do século XX. Resumo do Modernismo 115
Através de uma visão concisa, mas sólida e A Narrativa do Pós-Guerra 116
bem fundamentada, este guia vai ajudá-lo a A Poesia do Pós-Guerra 122
enfrentar as questões de vestibulares das Questões de vestibulares 123
principais Respostas 158
faculdades e universidades do país.
Aproveite o estudo e boa sorte!
Respostas 344
Bibliografia 345
LITERATURA BRASILEIRA LITERATURA PORTUGUESA
Introdução 160
Quinhentismo 161 Introdução
Literatura Informativa 161 A pesquisa realizada sobre Literatura
A literatura jesuítica 165 Portuguesa tem como primordial
Influências posteriores da objetivo retratar as estéticas que existiram
literatura informativa 167 durante um longo período de grandes
Resumo do Quinhentismo ... 168 transformações por todo o mundo e,
Barroco 169 em especial, em Portugal.
Por todo o livro, poderão ser constatados
Poesia 170
os principais fatos históricos sofridos
Prosa 174 pelos estilos literários e suas determinadas
As Academias 177 conseqüências para a elaboração
Resumo do Barroco 178 das mais belas obras portuguesas.
Arcadismo 179 Esta viagem por todo o universo literário
Resumo do Arcadismo ........ 192 português poderá ser abarcada
Romantismo 193 por alunos do ensino médio, vestibulandos
Poesia 194 e por estudantes de nível superior.
Primeira Fase: Preocupei-me, em primeiro plano,
Nacionalista ou em explicitar o que é Literatura, e citar
os primeiros registros encontrados no
Indianista 195
mundo a respeito do que viria posteriormente
Segunda Fase: a se tornar essencial à vida de
O Mal-do-Século ou estudantes e literatos.
Geração Byroniana 199 Segundo Van Loon, a Literatura "é
Terceira Fase: universal, mas não está ligada em particular
Condoreira 211 a este ou àquele país ou período
Prosa 214 histórico. É de fato tão antiga quanto a
Teatro 225 raça humana e é inerente ao homem,
Resumo do Romantismo 225 como são parte dele os olhos ou os
Realismo-Naturalismo 226 ouvidos, a fome e a sede".
Como marco inicial à Literatura Portuguesa,
Resumo do Realismo-
tomei como ponto de partida
Naturalismo 239 as obras épicas de Homero - a Ilíada e
Parnasianismo 241 a Odisséia, de origem grega, que serviram
Resumo do Parnasianismo.. 248 de incentivo a autores portugueses
Simbolismo 249 importantíssimos como é o caso de Camões,
Resumo do Simbolismo 253 com sua obra Os Lusíadas, e
Pré-Modernismo 254 Fernando Pessoa, com Mensagem. Ambas
Resumo do Pré- as obras possuem traços idênticos
Modernismo 253 às duas obras citadas de Homero.
Modernismo 259 Outros autores sofreram influências
de obras francesas e americanas;
Antecedentes e a Semana de
nossos saudosos artistas portugueses,
Arte Moderna 259 no entanto, enriqueceram obras que vieram
Conseqüências da Semana de a surgir depois destes - refirome
Arte Moderna 260 à Literatura Brasileira.
Primeira Geração do Modernismo É claro que muitos estudiosos e
(1922-1930) 261 professores acreditarão que trabalhar
Segunda Geração do Modernismo somente com esta obra será incompleto
(1930-1945) 267 devido à complexidade do tema, mas
Terceira Geração do Modernismo poderá servir de base a estudos mais
(1945 até a atualidade) 279 aprofundados.
Para moldar este livro, dispus-me a
Resumo do Modernismo 291
pesquisar literatos importantes de nossa
Tendências Contemporâneas história: baseei-me em Salvatore
(1960 até a atualidade) 292 D'Onofrio, Massaud Moisés e José Antônio
Poesia 292 Saraiva.
Prosa 294 Por fim, agrupei certas questões
Leituras Obrigatórias 295 apresentadas por faculdades e universidades
Questões de Vestibulares 314 em seus vestibulares e processos
seletivos para fixar os estudos e do mundo, seu talento e sua sensibilidade.
preparar estudantes para uma nova etapa É pelo contentamento (ou não) com
de suas vidas - o ensino superior. realidade que o autor procura descrever
a vida através de uma linguagem
pessoal, porém se preocupando com a
compreensão do leitor.
Então, o autor cria ficção, ao fugir
da realidade, mas não da contextualidade.
Em sua obra literária, são encontrados
os elementos essenciais - conteúdo,
que é a mensagem da obra, as
idéias que o autor quer transmitir; e forma
que é como o autor empregou a palavra
para elaborar seu texto.
Diante destas colocações, é necessário
ressaltar que a Literatura se constitui
de três gêneros literários, neste capítulo
brevemente definidos, mas sempre
retomados ao longo deste trabalho.
• Gênero lírico - trata-se de uma revelação
subjetiva de uma exposição
dos sentimentos humanos, como a
alegria, a tristeza, o amor, a inquietação,
a fatalidade etc. Este gênero
apresenta-se em versos.
Exemplo de um texto lírico:
Motivo
Eu canto porque o instante existe
E a minha vida está completa
Não sou alegre nem sou triste:
Sou poeta.
Irmão das coisas fugidias.
Não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
No vento.
Se desmorono ou se edifico,
O que é literatura? Se permaneço ou me desfaço,
A Literatura teve sua origem mais
ou menos paralela ao surgimento da - não sei, não sei. Não sei se fico
escrita, há milhares de anos atrás, criada ou passo.
pelo homem com o objetivo de conservar Sei que canto. E a canção é tudo.
a sua história através de epopéias Tem sangue eterno e asa ritmada.
e lendas, e controlar a natureza, criando- E um dia sei que estarei mudo:
se os mitos e religiões. - mais nada.
Em recentes pesquisas de estudiosos MEIRELES, Cecília. Antologia Poética. 3ª. ed. Rio de
e historiadores, descobriu-se que a Janeiro: Ed. Do Autor, 1963, p. 7.
Literatura é anterior à escrita. Certas lendas • Gênero épico - trata do mundo exterior
e canções eram feitas oralmente e, e das relações do homem com
neste caso, não existia um autor específico este mundo. Este gênero é mais objetivo
- a literatura era oral, anônima e e há a predominância de um
coletiva. Somente com o surgimento da narrador que conta um fato, num ambiente
escrita é que a Literatura tomou forma e dotado de elementos como:
ganhou a figura do autor. tempo, espaço, personagem e ação.
Literatura nada mais é do que uma O personagem, na sua totalidade, é
combinação de palavras com uma intenção um herói que exemplifica todo o heroísmo
estética, cujos gêneros podem ser e qualidades de um povo.
classificados em epopéia, poema e teatro. Exemplo de um texto épico:
Ao combinarem-se as palavras, alcança-
se novos significados (metáforas), Grande sertão: veredas
sobre os quais o escritor acaba (fragmento)
criando sua própria realidade através Esbandalhados nós estávamos,
da imaginação. Portanto, dizemos que escatimados naquela esfrega. Esmorecidos
a Literatura é invenção, e o autor cultiva é que não. Nenhum se lastimava,
essa realidade imaginária através filhos do dia, acho mesmo que ninguém
de situações básicas da vida, sua visão se dizia dar por assim. Jagunço é
isso. Jagunço não se escabreia como Como se em comunhão se entendessem
perda nem derrota - quase que tudo as rosas,
para ele é o igual. Nunca vi. Para ele a Como se todo o amor fosse um amor
vida já está assentada: comer, beber, somente...
apreciar mulher, brigar, e o fim final. E Ai, como é diferente! Ai, como é diferente!
todo mundo não presume assim? Fazendeiro, Cardeal Rufo
também? Querem é trovão em Também Vossa Eminência amou?
outubro e a tulha cheia de arroz. Tudo Cardeal Gonzaga
que eu mesmo, do que mal houve, me Também! Também!
esquecia. Tornava a ter fé na clareza Pode-se lá viver sem ter amado
de Medeiro Vaz, não desfazia mais nele, alguém!
digo. Confiança - o senhor sabe - não Sem sentir dentro d'alma — ah, podê-
se tira das coisas feitas ou perfeitas: la sentir! —
ela rodeia é o quente da pessoa. E Uma saudade em flor, a chorar e
despaireci meu espírito de ir procurar a rir!
Otalícia, pedirem casamento, mandado Se amei! Se amei — Eu tinha uns
de virtude. Fui logo, depois de ser cinza. quinze anos, apenas.
Ah, a algum, isto é que é, a gente Ela, treze. Um amor de crianças pequenas,
tem de vassalar. Olhe: Deus como escondido, Pombas brancas revoando ao abrir
e o diabo sai por toda parte da manhã...
lambendo o prato... Mas eu gostava de Era minha priminha. Era quase uma
Diadorim para poder saber que estes irmã.
gerais são formosos. Bonita não seria... Ah, não... Talvez
ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. 8ª não fosse.
ed. Mas que profundo olhar e que expressão
Rio de Janeiro: J. Olímpio, 1972, p. 45. tão doce!
• Gênero dramático - trata-se do gênero Chamava-lhe eu, a rir, a minha mulherzinha...
em que os personagens falam diretamente, Nós brincávamos tanto! Eu senti-a
expondo seus dramas e conflitos. tão minha!
O texto dramático é feito para a Toda a gente dizia em pleno povoado:
encenação teatral, ou seja, é representado "Não há noiva melhor para o senhor
por atores, que encarnam os personagens. morgado,
Exemplo de um texto dramático: Nem em capela antiga há santa
mais santinha..."
A Ceia dos Cardeais E eu rezava, baixinho: "É minha! É
(fragmento) minha! É minha!"
Cardeal Rufo, acercando-se também Quanta vez, quanta vez, cansados
do Cardeal Gonzaga de brincar,
Em que pensa, cardeal? Ficávamos a olhar um para o outro,
Cardeal Gonzaga, como quem a olhar,
acorda, os olhos cheios de brilho, a Todos cheios de Sol, ofegantes
expressão transfigurada ainda...
Em como é diferente o amor de Portugal! Numa grande expressão de dor:
Nem a frase sutil, nem o duelo sangrento... Era feia, talvez, mas Deus achou-a
É o amor coração, é o amor sentimento. linda...
E, uma noite, a minha alma, a minha
Uma lágrima... Um beijo... Uns sinos luz, morreu!
a tocar... BRANDÃO, Raul. A Ceia dos Cardeais, 40ªed. Lisboa:
Um parzinho que ajoelha e que se üv. Clássica Editora, 1950, pp.41-45.
vai casar.
Tão simples tudo! Amor, que de rosas Onde se iniciou a Literatura?
se inflora: A Literatura Portuguesa teve seu
Em sendo triste canta, em sendo início durante a Idade Média, porém, é
alegre chora! primordial salientar a importância das literaturas
O amor simplicidade, o amor delicadeza... grega e latina, pois foi através
Ai, como sabe amar, a gente portuguesa! delas que muitos autores portugueses
Tecer de Sol um beijo, e, desde tenra se engajaram no caminho literário e se
idade, fixaram na história das artes.
Ir nesse beijo unindo o amor com a Em Os Lusíadas, de Luís de Camões,
amizade, observamos a grandiosidade dos feitos
Numa ternura casta e numa estima e a exaltação do herói, que desbrava
sã, aventuras mágicas e percorre caminhos
Sem saber distinguir entre a noiva de vida ou de morte. Tal como o astucioso
e a irmã... Ulisses e o bravo Aquiles enaltecidos por
Fazer vibrar o amor em cordas misteriosas Homero, ou do nobre Enéas de Virgílio,
Vasco da Gama ora enfrentará a fúria de É o mais antigo poema grego, entre
deuses e outros seres fantásticos, ora os que sobreviveram. Foi escrito por
por outros será protegido e mantido alerta Homero por volta do séc. VIII a.c. e descreve
sobre os perigos que estão por vir. acontecimentos do último ano da
Todos são, por fim, figuras imaginárias guerra de Tróia, que durou cerca de dez
que servem de modelo ao homem, seja anos.
ele antigo ou medieval. Inicia-se a guerra devido ao rapto
Interessante conhecermos algumas de Helena, de Esparta, por Páris, herdeiro
manisfestações literárias da Grécia Antiga do trono troiano. Em busca da
e, em seguida, entraremos no percurso filha de seu irmão Menelau, Agamênon
da Literatura Portuguesa. chefia o exército de heróis gregos, dentre
eles, o orgulhoso guerreiro Aquile.
A história cobre 54 dias, e a ação
Antiguidade Clássica ocorre, em sua maior parte, em campo
No princípio, a literatura narrava os grego, mas também dentro dos muros
feitos de personagens heróicos - suas de Tróia e nas áreas próximas.
derrotas e vitórias. Este gênero ficou conhecido Uma disputa ocorre entre Agamêmnon
como gênero épico. Posteriormente, e Aquiles, o mais forte dos jovens
deu-se lugar aos deuses para heróis gregos: Aquiles reclama por maior
protagonizarem histórias de amor e ciúme; recompensa devido aos seus serviços
ganharam aspecto humano e passaram a aos gregos; Agamêmnon, por sua
sentir e agir como mortais; e configurouse vez, acha que Aquiles não demonstra
o gênero lírico. E, por fim, surgiu o teatro respeito bastante a sua posição como
com o objetivo fundamental de emocionar comandante do exército. O conflito faz
o público através dos aspectos cômicos e Aquiles abandonar a guerra e, sem seu
trágicos - o gênero dramático. auxílio, os gregos são expulsos pelas
forças troianas lideradas por Heitor, irmão
A Ilíada e a Odisséia de Paris e filho do rei Príamo. Pátroclo,
Teve seu inicio no século IX a.C, o mais próximo amigo de Aquiles,
com o surgimento, na Grécia, das primeiras vai lutar no exército para ajudar os gregos,
manifestações da arte literária, mas é morto por Heitor, Aquiles
através das obras Ilíada e Odisséia, de retorna à guerra em busca de vingança,
Homero, e estendeu-se até o final do e concretiza seu intento fora de Tróia:
século V d.C. Heitor é morto, e seu funeral finaliza o
Estas duas obras representam os poema.
dois maiores modelos de epopéia e têm
como principais características a narrativa A Odisséia
em grandes dimensões, que retrata A Odisséia é formada por 24 capítulos
o tema de modo heróico, na maioria das e tem lugar em um período de dez
vezes, sobrecarregando-o de elementos anos, no séc. XII a.c. O poema começa
fantásticos e sobrenaturais. quando grande parte de sua ação já
A presença do mito tem papel fundamental, havia ocorrido.
pois, este irá mostrar outra É a obra mais influente e popular da
forma de ver o mundo e estreitar a distância antiga literatura grega. Figura entre as
entre o humano e o divino. maiores histórias de aventuras da literatura
Suas narrativas focalizam episódios de todos os tempos, servindo de
ocorridos durante a guerra de gregos modelo para obras posteriores do mesmo
e troianos e têm, como personagens gênero.
principais, os heróis lendários Aquiles A Odisséia foi composta pelo poeta
e Ulisses, cruéis e sanguinários, porém grego Homero e tem como personagem
justos e generosos. principal Ulisses, rei de ítaca. A
obra descreve as aventuras de Ulisses
Ilíada e Odisséia ao tentar regressar a sua terra natal,
Os acontecimentos da Ilíada e da depois da vitória da Grécia na guerra de
Odisséia se passam durante e depois Tróia.
da Guerra de Tróia, guerra esta ocorrida A história começa na ilha de Igígia,
entre a Grécia e a cidade de Tróia, onde Ulisses cai prisioneiro da ninfa
aproximadamente Calipso durante sete anos. Durante um
no século XII a.C. Muitos conselho de deuses no Olimpo, Zeus
acreditam que os poemas foram escritos decide que é chegada a hora de Ulisses
entre 800 e 700 a.C. Baseia-se a data em voltar para sua esposa Penélope, em
referências, encontradas nos poemas, ítaca, onde seu palácio encontrava-se
às condições sociais da época. ocupado por um grupo de jovens nobres
e desregrados. Os nobres pressionam
A Ilíada Penélope a admitir a morte de seu
marido e a casar-se com um deles, escolhendo mata os nobres e é reconhecido por
assim um novo rei para ítaca. Penélope.

O filho de Ulisses, Telêmaco, alertado


pela deusa Atena, viaja em busca de
notícias de seu pai, e suas viagens tornam-
se parte da história.
PRINCIPAIS AUTORES
Enquanto isso, o deus Hermes faz
Calipso libertar Ulisses, que mais tarde Encontramos, na Antigüidade Clássica,
naufraga em alto mar devido à ira de diversos autores que fizeram história
Poseidon. Ao fim da tempestade causada na arte literária, tais como:
pelo deus dos mares, o herói é encontrado • Homero - viveu entre os séculos IX
por Nausícaa, filha do rei dos e VIII a C, na cidade de Esmirna e
Feacos. recolheu a poesia que, até então, era
Ulisses descreve aos Feacos suas oral. Escreveu as duas maiores poesias
aventuras desde a guerra de Tróia, conta épicas: Ilíada e Odisséia.
sua visita à terra dos comedores de • Hesíodo - descreveu a origem do
lótus, flor cujos poderes mágicos fazem mundo e dos deuses, reunindo-os
as pessoas esquecerem a sua terra em sua obra Teogonia. Preocupava-
natal. Vencendo a resistência de se com as emoções do homem e
seus homens, que não desejavam continuar desprezava a guerra. Foi ele o responsável
a viagem, Ulisses e sua frota acabam pelo surgimento da poesia
capturados em uma ilha por Polifemo, lírica.
um dos Ciclopes, gigantes de um • Píndaro - poeta dos Jogos Olímpicos,
olho só. Conseguem escapar, mas o barco foi o símbolo do amor dos gregos
em que estavam é desviado de seu pelo esporte e pela beleza do corpo
curso pelo vento. Chegam à ilha da feiticeira masculino.
Circe, que transforma em porcos • Esopo - autor quase lendário, viveu
os homens de Ulisses e o torna seu em Atenas no século V; escreveu
amante. fábulas que ensinavam sobre o bem
Advertido de que, para regressar e o mal, através de figuras de animais
a seu país, precisava descer aos infernos que assumiam as virtudes e os
para consultar o profeta Tirésias, defeitos do ser humano.
ele faz o que lhe é aconselhado, e nos • Ésquilo - precursor da dramaturgia.
infernos, Ulisses vê a alma de sua mãe Escreveu mais de 80 obras e foi o
e dos heróis da guerra de Tróia, além de primeiro grande autor trágico.
testemunhar a punição dos pecadores. • Sófocles - deu continuidade à obra
Tirésias indica-lhe o caminho de volta e de Ésquilo e escreveu Édipo Rei,
Circe lhe ensina a evitar os monstros considerado o "drama de todos nós"
marinhos Cila e Carible. Adverte-o, ainda, (segundo Sigmund Freud, pai da psicanálise).
com relação às sereias, ninfas do • Eurípedes - revolucionou a técnica
mar que utilizam seu belo canto para teatral. Preocupava-se com a reflexão
atrair os viajantes para a morte numa sobre controvérsias intelectuais,
ilha mágica. políticas e éticas. Escreveu
O barco de Ulisses passa por muitos Medeia.
perigos e parece pronto para atingir
ítaca sem mais problemas. Porém, alguns Idade Média
de seus homens haviam roubado Inicia-se no final do século V, com
e comido o gado sagrado do sol na ilha o avanço do Cristianismo, estendendose
de Trinácria, e, como punição, um raio até o século XV. Neste período há
destrói a embarcação e se afogam. uma preocupação com os ideais gregos
Ulisses consegue se salvar, mas é preso e judaicos em relação ao Novo Testamento.
na ilha de Calipso, onde a história Surgem a literatura cortesã e as
começou. novelas de cavalaria. Este período da
Quando Ulisses termina de narrar literatura fica conhecido como Trovadorismo
sua história, os Feacos o conduzem a (1198 - 1434).
uma praia deserta de ítaca. Lá, Atena O Trovadorismo foi o primeiro movimento
conta-lhe sobre os nobres em seu palácio literário no mundo ocidental e apresentou
e o aconselha a retomar disfarçado, a realidade da época. Suas poesias
para sua própria segurança. Vestido eram acompanhadas por instrumentos
como mendigo, Ulísses chega a seu musicais como a lira, a harpa, a rabeca,
palácio, onde os nobres participam de o alaúde, a flauta, o tamborete, o
um concurso: desposaria Penélope címbalo e outros.
quem conseguisse usar o arco do rei O primeiro documento literário de que
desaparecido. Ulisses ganha o concurso, se tem notícia em Portugal é a Cantiga da
Ribeirinha, escrita por Paio Soares de
Taveirós em 1198. Tal obra é dotada de Cantiga de amigo
lirismo e sátira, porém, é classificada como Ondas do mar de Vigo,
cantiga de amor. Esta cantiga é oferecidaa se vistes meu amigo!
Maria Pais Ribeiro (Ribeirinha), amante e ai Deus, se verá cedo!
de D. Sancho I, então rei de Portugal. Ondas do mar levado,
A literatura cortesã se desenvolveu se vistes meu amado!
no sul da França, na Provença, enquanto e ai Deus, se verá cedo!
que as novelas de cavalaria se Se vistes meu amigo,
desenvolveram no norte da França. Surgiu o por que eu suspiro!
com Guilherme de Aquitânia, que e ai Deus, se verá cedo!
criou o amor idealizado, ou seja, seu Se vistes meu amado
objetivo era centrado no amor impossível por que hei gran cuidado!
entre a mulher amada e o poeta (trovador). e ai Deus, se verá cedo!
Entre os autores de cantigas (adaptação)
destacam-se D. Dinis, Paio Soares de Ondas do mar de Vigo,
Taveirós, Martim Codax, D. Afonso Mendes se vistes meu amigo!
de Besteiros, Fernando Esguio, João e ai Deus, voltará cedo?
Garcia de Guilhade, João Zorro, Airas Ondas do mar levantado,
Nunes de Santiago e Nunes Fernandes se vistes meu amado!
Torneol. e ai Deus, voltará cedo?
A novela de cavalaria teve como precursor Se vistes meu amigo,
o francês Chréstien de Troyes, aquele por quem suspiro,
autor de Lancelot. Em oposição à primeira, e ai Deus, voltará cedo?
as novelas de cavalaria desenvolveram- Se vistes meu amado
se sob a forma de narrativas e que me pôs neste cuidado,
retratavam o amor concreto e mais realista. e ai Deus, voltará cedo?
As relações amorosas se davam CODAX, Martim. Cantares dos trovadores
entre nobres. De caráter pagão, os poetas galegoportugueses.
exaltavam a valentia, a aventura e a Seleção, introdução, notas e adaptação de
capacidade de conquista. Surgiram, então, Natália Correia. Lisboa: Editorial Estampa, 1970, p. 76.
as narrativas centradas no rei Artur No poema acima, o poeta assume a
e seus cavaleiros da Távola Redonda. fala da mulher enamorada.

Cantiga de amigo
As cantigas (Aires Nunes)
Criadas por trovadores, poetas das Bailemos nós já todas três, ai
cortes feudais, retratavam sentimentos [amigas,
amorosos entre cavalheiros e damas da so aquestas avelaneiras frolidas,
nobreza (cantigas de amor) ou entre uma e quen for velida, como nós, velidas,
jovem compesiva e seu amante distante [se amig'amar,
(cantigas de amigo). so aquestas avelaneiras frolidas
• Cantigas de amigo - de origem galaico- [verrá bailar.
portuguesa, são marcadas por Bailemos nós já todas três, ai
um eu-lírico feminino, uma donzela [irmanas,
que fala sobre seu problema amoroso, so aqueste ramo destas avelanas,
seja através de um monólogo íntimo, e quen bem parecer, como nós
seja através de um confidente, [parecemos, se amig'amar,
simbolizada pela figura da mãe, irmã, so aqueste ramos destas avelanas
amiga ou até mesmo algum elemento [verrá bailar.
da natureza (flores, árvores...). Por Deus, ai amigas, mentr'al non
A cantiga de amigo possui um aspecto [fazemos,
folclórico, pois retrata um determinado so aqueste ramo frolido bailemos
ambiente ou costume repleto de e quen ben parecer, como nós
sentimento amoroso burguês. Desse modo, [parecemos, se amig'amar,
pode ser uma bailada, romaria, barcarola, so aqueste ramo so lo que nós
pastoreia ou alba. De caráter narrativo [verrá bailar.
e descritivo, retrata as relações • Cantigas de amor - originária de
afetivas entre pessoas de níveis sociais Provença, sul da França, a cantiga
inferiores. O amor é singelo e espontâneo. de amor chegou a Portugal através
Normalmente, estas cantigas narram de casamentos, peregrinações, cruzadas
a partida do namorado para combater os entre os reinos, dando início
mouros, surgindo, assim, aspectos como às primeiras manifestações do lirismo
a solidão, a tristeza e a saudade. Os versos subjetivo, reunidas na coletânea
apresentam musicalidade e ritmo, Cancioneiro da Ajuda.
com repetição total ou parcial do refrão. Sua característica principal revela
sempre a fala de um homem a uma senhora amostrade-mh-a Deus, se vos en
da nobreza - é o chamado amor [prazer fôr,
cortês. Os ambientes desta poesia são se non dade-mh-a morte.
os arredores do palácio, campo ou vilas A que tenh'eu por lume dêstes olhos
em construção. Mostra uma diferença [meus
de classe social, e neste caso, o homem e por que choran sempre
está sempre abaixo da camada [amostrade-me-a Deus,
social da amada. O amor baseia-se na se non dade-mh-a morte.
relação vassalo/senhor, refletindo o sistema Essa que Vós fezestes melhor
feudal e a divisão de classe social: [parecer
nobreza - clero - povo. De quantas sei, ai Deus,
A cantiga de amor é marcada pelo [fazede-me-a ver,
eu-lírico masculino e sofredor, sua amada Se non dade-mh-a morte.
é chamada por ele de "mia senhor", Ai Deus, que me-a fizestes mais ca
de novo um reflexo da relação vassalo/ [mim amar,
senhor feudal. Mostrade-me-a u possa com ela
Não se revela o nome da dama, [falar,
cultivando seu amor em segredo. Dessa Se non dade-me-a morte.
forma, a mulher é idealizada, inatingível Neste período também surgiram cantigas
e sempre colocada num plano elevado. satíricas, nas quais os trovadores
Essa relação é conhecida por "coita portugueses criticavam ou ridicularizavam
d'amor"(amor-sofredor). situações do cotidiano. Esse tipo de cantiga
divide-se em cantigas de maldizer, na
Cantiga de amor qual se falava mal de pessoas conhecidas,
Quer'eu a Deus rogar de coraçon, através de um vocabulário de baixo
com'ome que é cuitado d'amor, calão; e cantigas de escárnio, onde se
que el me leixe veer mia senhor fazia crítica às pessoas, de maneira irônica,
mui ced'; e se m'el non quiser' oír, porém, sem citação de nomes.
logo lh'eu querrei outra ren pedir:
que me Ion leixe mais eno mundo Cantiga de maldizer
[viver! Ai dona fea! foste-vos queixar
E se m'el á de fazer algum bem, porque vos nunca louv' en meu trobar,
oír-mi-á questo que lh'eu rogarei, mais ora quero fazer un cantar
e mostrar-mi-á quanto bem en que vos loarei tôda via;
[no mundo'ei, e vêdes como vos quero loar:
E se mi-o el non quiser "amostrar, dona fea, velha e sandia!
logo lh'eu outra ren querrei rogar: Ai dona fea! se Deus me perdon!
que me non leixe mais eno e pois havedes tan gran coraçon
[mundo viver! que vos eu loe en esta razon,
E se m'el amostrar'a mia senhor, vos quero já loar tôda via;
que am'eu mais ca o meu coraçon, e vêdes qual será a loaçon:
vedes, o que lhe rogarei enton; dona fea, velha e sandia!
que me dê seu Ben que m'é Dona fea, nunca vos eu loei
[mui mester; en meu trobar; pero muito trobei;
e roga-lh'ei que, se non fezer', mais ora já um bon cantar farei
que me non leixe mais eno mundo en que vos loarei tôda via;
[viver! e direi-vos como vos loarei:
E roga'-lh'ei, se me Ben á fazer, dona fea, velha e sandia!
que el me leixe viver en logar GUILHADE, J. Garcia de Apud Amora, A S. Etalli.
u a veja e lhe possa falar, Presença da Literatura Portuguesa. São Paulo: Difusão
por quanta coita me por ela deu; Européia do Livro, 1961, p. 52.
se non, vedes que lhe rogarei eu; No poema acima, a linguagem é simples,
que me non leixe mais eno direta, agressiva; predomina a zombaria
[mundo viver! aberta.
TORNEOL, Nuno Fernandes. MENDES dos
Remédios. História da Literatura portuguesa. Coimbra: Cantiga de Maldizer
Atlântida Livraria Editora, 1930, p. 64. (Duarte da Gama)
No poema acima, o trovador dirigese Nam sey que possa viuer
à dama, que, quase sempre é indiferente Neste rreyno já contente,
às suas súplicas. Poys a desorden na gente
Nã quer layxar de creçer.
Cantiga de amor A qual vay tam sem medida,
(Bernardo Bonaval) Q se não pode soffrer
A dona que eu am'e tenho por Nam há hy quem possa ter
[senhor Boa vida.
(...) (fragmentos)
outros vão trazer atados Véspera de Pinticoste foi grande
hus lençinhos no pescoço gente assüada em Camaalot, assi que
q cõ gram pedra nu poço poderá homem i veer mui gram gente,
deuiam de ser lançados. muitos cavaleiros e muitas donas mui
Outros, sem ser mãçypados, bem guisadas. El-rei, que era ende mui
Sendo menores dydade, ledo, honrou-os muito e feze-os mui bem
Andam já cõ vaydade servir; e toda rem que entendeo per que
Agrauados. aquela corte seeria mais viçosa e mais
(...) leda, todo o fez fazer.
em qual quer aldeazinha Aquel dia que vos eu digo, direitamente
achareys tal corruçam, quando queriam poer as mesas -
ca molher do escriuam esto era ora de noa - aveeo que üa
ccuyda q he hua rraynha. donzela chegou i, mui fremosa e mui bem
E tam bem os lauradores vestida. E entrou no paaço a pee, como
Com suas maas nouydades mandadeira. Ela começou a catar de üa
Querem ter as vaydades parte e da outra, pelo paaço; e perguntavam-
Dos senhores. na que demandava.
(...) - Eu demando - disse ela - por Dom
Lançarot do Lago. É aqui?
- Si, donzela - disse üu cavaleiro.
Novelas de cavalaria Veede-lo: stá aaquela freesta, falando
Posteriormente, a Igreja passa a aceitar com Dom Gualvam.
tais obras em sua doutrina e, com isso, Ela foi logo pera el e salvô-o. Ele,
surgem as primeiras novelas de cavalaria, tanto que a vio, recebeo-a rnui bem e
nas quais encontramos aspectos místicos, abraçou-a, ca aquela era üa das donzelas
ou seja, as aventuras dos cavaleiros que moravam na Insoa da Lediça,
têm significado religioso. Podemos que a filha Amida del-rei Peles amava
destacar, como exemplo A Demanda do mais que donzela da sua companha i.
Santo Graal, uma lenda baseada na busca - Ai, donzela! - disse Lançalot -
incessante do cálice sagrado pelos que ventura vos adusse aqui, que bem
cavaleiros da Távola Redonda, onde José sei que sem razom nom veestes vós?
de Arimatéia recolheu o sangue de Jesus - Senhor, verdade é; mais rogovos,
quando este ainda estava na cruz. Este se vos aprouguer, que vaades comigo
cálice, conforme diz a lenda, teria sido aaquela foresta de Camaalot; e
levado à um castelo na Inglaterra. sabede que manhãa, ora de comer,
Simbolicamente seeredes aqui.
falando, esta busca nada mais - Certas, donzela - disse el - muito
é do que a luta do homem em busca de me praz; ca teúdo e soom de vos
uma verdade metafísica. fazer serviço em tôdalas cousas que
eu poder.
A Demanda do Santo Graal Entam pedio suas armas. E quando
A novela A Demanda do Santo Graal el-rei vio que se fazia armar a tam gram
inicia-se em Camaalot, reino do rei Artur. É coita, foi a el com a raia e disse-lhe:
dia de Pentecostes, e os cavaleiros estão - Como leixar-nos queredes a atai
reunidos à volta da 'Távola Redonda". festa, u cavaleiros de todo o mundo
Galaaz chega, ocupa o assento reservado veem aa corte, e mui mais ainda por vos
para o "cavaleiro escolhido" e tira a veerem ca por al - deles por vos veerem
espada fincada no "padrom" (pedra de e deles por averem vossa companha?
mármore) que boiava na água. Durante a - Senhor, - disse el - nom vou
refeição, o Graal (cálice com que José de senam a esta foresta com esta donzela
Arimatéia colhera o sangue derramado por que me rogou; mais eras, ora de terça,
Cristo na cruz) perpassa o ar, nutre os seerei aqui.
presentes com o seu manjar celestial e Entom se saio Lançarot do Lago e
desaparece. No dia seguinte, após ouvir a sobio em seu cavalo, e a donzela em
missa, os cavaleiros saem na "demanda" seu palafrem; e forom com a donzela
(procura) do Santo Vaso. Daí por diante, dous cavaleiros e duas donzelas. E quando
vão-se entrelaçando várias aventuras, que ela tornou a eles, disse-lhes:
culminam quando Galaaz é beneficiado - Sabede que adubei o por que viim:
com a aparição do Graal enquanto celebra Dom Lançarot do Lago se irá comnosco.
o ofício religioso. O episódio a seguir Entam se filharom andar e entraram
transcrito corresponde ao capitulo XXV. na foresta; e nom andaram muito per ela
Adaptação do texto transcrito in Moisés, Massaud. 4 que chegaram a casa do ermitam que
Literatura Portuguesa através dos textos. 3. ed., Sâo
Paulo: Cultrix, 1970, pp. 36 e 37.
soía a falar com Gualaz. E quando el vio
Lançarot ir é a donzela, logo soube que
ia pera fazer Gualaaz cavaleiro, e leixou tam bõo cavaleiro como sodes fremoso
sua irmida por ir ao mosteiro das donas, E o irmitam respondeo a esto:
ca nom queria que se fosse Gualaaz - Dom Lançalot, nom ajades dulds
ante que o el visse, ca bem sabia que, de Galaaz, ca eu vos digo que de bondade
pois se el partia dali, que nom tornaria i, de cavalaria os milhores cavaleiros
ca lhe convenria e, tanto que fosse cavaleiro, do mundo passará.
entrar aas venturas do reino de E Lançalot respondeo:
Logres. E por esto lhe semelhava que o - Deos o faça assi como eu queria.
avia perdudo e que o nom veeria a Entam começarom todos a chorar
meude, e temia, ca avia em ele mui grande com prazer quantos no lugar stavam.
sabor, porque era santa cousa e santa (...)
creatura.
Quando eles cheguarom aa abadia, Como os da Mesa Redonda
levaram Lançarot pera üa câmara, houveram da graça do Santo
e desarmarom-no. E vèo a ele a abadessa Graal
com quatro donas, e adusse consigo (trecho adaptado ao português moderno)
Gualaaz: tam fremosa cousa era, Grande foi a alegria e o prazer que
que maravilha era; e andava tam bem os cavaleiros da Távola Redonda tiveram
vesàdo, que nom podia milhor. E a abadessa naquele dia, quando se encontravam todos
chorava muito com prazer. Tanto reunidos. Nunca, nem antes nem depois
que vio Lançarot, disse-lhe: do início da Távola Redonda todos os
- Senhor, por Deos, fazede vós cavaleiros assim se reuniram.
nosso novel cavaleiro, ca nom queríamos Ao cair da noite, quando se sentavam
que seja cavaleiro por mão doutro; às mesas, ouviram um trovão tão grande e
ca milhor cavaleiro ca vós nom no assustador, que lhes pareceu que todo o
pode fazer cavaleiro; ca bem crcemos palácio tremia. E, logo após, uma imensa
que ainda seja tam bõo que vos acharedes claridade o iluminou inteiramente. Então,
ende bem, e que será vossa honra todos os cavaleiros foram tomados da graça
de o fazerdes; e se vos el ende nom do Espírito Santo e começaram a contemplar
rogasse, vó-lo devíades de fazer, ca uns aos outros e viram que estavam muito mais
bem sabedes que é vosso filho. formosos. De tão maravilhados
- Gualaaz - disse Lançalot - queredes que estavam não conseguiam falar.
vós seer cavaleiro? Apenas se olharam. E nesse momento entrou
El respondeo baldosamente: no palácio o Santo Graal, envolto por
- Senhor, se prouvesse a vós, bem um veludo branco, sem que ninguém conseguisse
no queria seer, ca nom há cousa no ver quem o trazia. Tão logo o
mundo que tanto deseje como honra de Santo Graal penetrou no palácio, este se
cavalaria, e seer da vossa mão, ca doutra cobriu de um odor tão agradável como se
nom. no: queria seer, que tanto vos os mais finos perfumes aí tivessem sido
auço louvar e preçar de cavalaria, que derramados. E ele percorreu o palácio de
nenhüu, a meu cuidar, nom podia seer ponta a ponta, detendo-se ao redor de
covardo nem mao que vós fezéssedes cada uma das mesas. E estas, à sua passagem,
cavaleiro. E esto é üa das cousas do cobríam-se dos mais deliciosos
mundo que me dá maior esperança de manjares, despertando o apetite e o prazer
seer homem bõo e bõo cavaleiro. de todos. Depois que cada um se serviu,
- Filho Gualaaz - disse Lançalot - o Santo Graal desapareceu da mesma
stranhamente vos fez Deos fremosa forma como entrara: sem que ninguém
creatura. Par Deos, se vós nom cuidades percebesse quem o conduzia nem por
seer bõo homem ou bõo cavaleiro, assi qual porta saíra. Então os cavaleiros retomaram
Deos me conselhe, sobejo seria gram a voz e começaram a dar Graças a
dapno e gram malaventura de nom seerdes Nosso Senhor, que tão grande e honra lhes
bõo cavaleiro, ca sobejo sedes fremoso. dera, confortando-os com a graça do Santo
E ele disse: Vaso. Mas, mais alegre que todos estava
- Se me Deos fez assi fremoso, o rei Artur, porque maior graça lhe proporcionara
dar-mi-á bondade, se lhe prouver; ca, Nosso Senhor que a qualquer
em outra guisa, valeria pouco. E ele outro rei que anteriormente houvesse reinado
querrá que serei bõo e cousa que semelhe sobre Logres. E disse aos que com
minha linhagem e aaqueles onde ele estavam:
eu venho; e metuda ei minha speranç — Amigos, devemos nos considerar
em Nosso Senhor. E por esto vos roç imensamente felizes, pois Deus nos
que me façades cavaleiro. mostrou tão grande sinal de amor, alimentando-
E Lançalot respondeo: nos, nesta festa de Pentecostes,
- Filho, pois vos praz, eu vos tara de seu santo celeiro.
cavaleiro. E Nosso Senhor, assi como,
el aprouver e o poderá fazer, vos façi Resumo do Trovadorismo
Momento socio-cultural afunilado, situado no centro da Terra,
• Idade Média onde os condenados sofrem enormes tormentos.
• Feudalismo: sistema de poder baseado Acompanhado de Virgílio, o poeta
na posse da terra visita depois o Purgatório, uma montanha
• Supremacia do clero (teocentrismo) de nove estágios, ao final dos quais
e da nobreza (senhores feudais, patríarcalismo) desaparece Virgílio e aparece Beatriz (a
Características literárias Teologia). Junto desta, Dante avança entre
• Predomínio da literatura oral, associada os coros dos anjos, ao-tongo das nove
à música e à dança, as cantigas esferas do Paraíso, até que São Bernardo
• Tipos de cantiga: (a Mística) lhe permite desfrutar da presença
De amor (eu-lírico masculino, prestando de Deus".
"vassalagem amorosa" Resumo elaborado por Help! Sistema de Consulta
à mulher, à senhora: o Interativa - Técnicas de Redação e Literatura. São
Paulo: O Estado de S. Paulo, 1996. p. 99.
amor cortês)
• Francisco Petrarca - é o criador do
De amigo (eu-lírico feminino, sensual
Humanismo. Escreveu Canzoniere,
e popular, o lamento pela ausencia
obra que contém canções, badaladas,
do amigo/amante)
sextinas, estâncias e sonetos que,
De escárnio (crítica pessoal e/ou social
posteriormente, vieram a ser imitados
indireta, irônica)
por toda a lírica européia.
De maldizer (crítica pessoal e/ou social
• Giovanni Boccaccio - escreveu
direta)
Decameron, obra repleta de linguagem
• Prosa medieval: novelas de cavalaria
expressiva e rica inventividade.
(o heroísmo de influência religiosa
• Fernão Lopes - foi o primeiro cronista-
e feudal).
mor de Portugal, responsável
pela tarefa de registrar a História de
Autores e obras seu país. Lopes foi o iniciador da historiografia
• Trovadores (poetas-cantores) portuguesa. Utilizava-se
Paio Soares de Taveirós, autor de um estilo elegante e coloquial nas
da Cantiga da Ribeirinha, cantiga de suas narrativas e descrições e acreditava
amor homenageando uma dama da corte que o povo era o agente das
(D. Maria Paes Ribeiro) transformações sociais.
D. Dinis: rei-trovador e mecenas
(protetor das artes).
Crônica de D. Pedro I
Novelas de cavalaria (criações populares):
Como foi trelladada Dona Ines
O rei Artur e os cavaleiros da
pera o moesteiro Dalcobaça, e da
Távola Redonda, Carlos Magno e os
morte dei Rei Dom Pedro
doze pares da França.
Por que semelhante amor, qual el-
Rei Dom Pedro ouve a Dona Enes, raramente
Humanismo he achado em alguuma pessoa,
Período de transição entre a Idade porem disseram os antiigos que nenhuum
Média e o Renascimento, marcado por he tam verdadeiramente achado, como
diversas transformações, nas quais podemos aquel cuja morte nom tira da memoria o
citar a expansão marítima, as invenções gramde espaço do tempo. E se alguum
como a bússola e a pólvora, o disser que muitos forom ja que tanto e
aperfeiçoamento da imprensa, o desenvolvimento mais que el amaram, assi como Adriana
do comércio, o mercantilismo, e Dido, e outras que nom nomeamos,
além do desaparecimento do misticismo segumdo se lee em suas epistolas,
medieval, compreendendo-se o homem respomdesse que nom falíamos em amores
com mais naturalidade. compostos, os quaaes alguuns autores
Foi um movimento que tinha por objetivo abastados de eloquemcia, e
principal a contestação do teocentrismo, floreçentes em bem ditar, hordenarom
dando espaço ao antropocentrismo. segumdo lhes prougue, dizemdo em
Num cenário como este, surgiram nome de taaes pessoas, razoões que
vários autores como Dante Alighieri numca nenhuuma delias cuidou; mas
(1265 - 1375), Petrarca (1304 - 1373) e falíamos daquelles amores que se contam
Boccaccio (1313 - 1375). e lêem nas estórias, que seu
• Dante Alighieri - nascido em Florença, fumdamento teem sobre verdade. Este
estudou clássicos latinos e dedicou- verdadeiro amor ouve eIRei Dom Pedro
se à filosofia. Sua obra principal a Dona Enes como se delia namorou,
foi A Divina Comédia, que se dividia seemdo casado e aimda Iffamte, de guisa
em "Inferno", "Purgatório" e "Paraíso". que pero dela no começo perdesse
A Obra: "Perdido numa selva (o vista e falia, seemdo alomgado, como
Pecado), Dante é auxiliado pelo poeta ouvistes, que he o principal aazo de se
latino Virgílio (a Razão), que o guia através perder o amor, numca cessava de lhe
doHnferno: para ele, um grande local emviar recados, como em seu logar
teemdes ouvido. Quanto depois trabalhou e senhorio que em el avia. E leixou
polia aver, e o que fez por sua morte, eIRei Dom Pedro em seu testamento
e quaaes justiças naquelles que em certos legados, a saber, aa Iffamte Dona
ella forom culpados, himdo contra seu Beatriz sua filha pera casamento cem
juramento, bem he testimunho do que mil livras; e ao Iffamte Dom Joham seu
nos dizemos. E seemdo nembrado de filho viimte mil livras; e ao Iffamte Dom
homrrar seus ossos, pois lhe ja mais Denis outras viinte mil; e assi a outras
fazer nom podia, mandou fazer huum pessoas. E morreo eIRei Dom Pedro
muimento dalva pedra, todo mui sotillmente huuma segumda feira de madurgada,
obrado, poemdo emlevada sobre a dezoito dias de janeiro da era de mil e
campãa de cima a imagem delia com quatro cemtos e cimquo anos, avemdo
coroa na cabeça, como se fora Rainha; dez annos e sete meses e viimte dias
e este muimento mandou poer no que reinara, e quaremta e sete anos e
moesteiro Dalcobaça, nom aa emtrada nove meses e oito dias de sua hidade, e
hu jazem os Reis, mas demtro na egreja mandousse levar aaquel moesteiro que
ha maão dereita, acerca da capella moor. dissemos, e lamçar em seu muimento,
E fez trazer o seu corpo do mosteiro de que esta jumto com o de Dona Enes. E
Samta Clara de Coimbra, hu jazia, ho por quamto o Iffamte Dom Fernamdo seu
mais homrradamente que se fazer pode, primogênito filho nom era estomçe hi, foi
ca ella viinha em huumas andas, muito eIRei deteudo e nom levado logo, ataa
bem corregidas pera tal tempo, as que o Iffamte veo, e aa quarta feira foi
quaaes tragiam gramdes cavalleiros, posto no muimento. E diziam as gentes,
acompanhadas de gramdes fidalgos, e que taaes dez annos numca ouve em
muita outra gente, e donas, e domzellas, Portugal, como estes que reinara eIRei
e muita creelezia. Pelo caminho estavom Dom Pedro.
muitos homeens com çirios nas maãos,
de tal guisa hordenados, que sempre o
seu corpo foi per todo o caminho per
A poesia palaciana
antre çirios acesos; e assi chegarom Refere-se à poesia que surgiu no
ataa o dito moesteiro, que eram dalli século XV nos palácios, ou seja, na vida
dezassete legoas, omde com muitas missas aristocrática. Garcia de Resende, poeta
e gram solenidade foi posto em aquel que costumava freqüentar a Corte, reuniu
muimento: e foi esta a mais homrrada toda a sua produção poética palaciana
trelladaçom, que ataa aquel tempo em no Cancioneiro Geral. Este tipo
Portugal fora vista. Semelhavelmente de poesia possui uma linguagem mais
mandou eIRei fazer outro tal muimento e rica do que a poesia trovadoresca.
tam bem obrado pera si, e fezeo poer
acerca do seu delia, pera quamdo se Cantiga sua partindo-se
aqueeçesse de morrer o deitarem em (João Ruiz Castelo Branco)
elle. E estamdo el em Estremoz, adoeçeo Senhora, partem tão tristes
de sua postumeira door, e jazemdo meus olhos por vós, meu bem,
doemte, nembrousse como depois da que nunca tão tristes vistes,
morte Dalvoro Gomçallvez e Pero Coelho, outros nenhuns por ninguém.
el fora certo, que Diego Lopes Tão tristes, tão saudosos,
Pachequo nom fora em culpa da morte tão doentes da partida,
de Dona Enes, e perdohou-lhe todo queixume tão cansados, tão chorosos,
que dei avia, e mandou que lhe da morte mais desejosos
emtregassem todos seus beens; e assi cem mil vezes que da vida.
o fez depois eIRei Dom Fernamdo seu Partem tão tristes os tristes,
filho, que lhos mandou emtregar todos, tão fora d'esperar bem,
e lhe alçou a semtemça que eIRei seu que nunca tão tristes vistes
padre comtra elle passara, quamto com outros nenhuns por ninguém.
dereito pode. E mandou eIRei em seu
testamento, que lhe tevessem em cada O teatro popular
huum ano pera sempre no dito mosteiro Em 1502, o teatro praticamente não
seis capellaaens, que cantassem por el existia em Portugal. Apenas haviam
e lhe dissessem cada dia huuma missa representações
oficiada, e sahirem sobrei com cruz e religiosas nas festas da
augua beemta; e eIRei Dom Fernamdo Igreja, onde encenavam-se a vida de
seu filho, por se esto melhor comprir e Cristo com o intuito de educar os fiéis.
— 21 — Somente mais tarde é que surgiu o teatro
se cantarem as ditas missas, deu depois de Gil Vicente com a sua encenação
ao dito moesteiro em doaçom por mais popular; Monólogo do Vaqueiro.
sempre o logar que chamam as Paredes, Seu teatro era chamado profano, por
termo de Leirea, com todallas rendas ser representado nas praças públicas.
O autor português mais importante do Dinato
período é Gil Vicente (1460 - 1536), que Que tens sabido?
viveu a maior parte de sua vida em Lisboa, Belzebu
centro comercial e cultural de Portugal, autor Que quer em extremo grado
de Monólogo do Vaqueiro, primeira Todo o Mundo ser louvado,
peça dentre os mais de 44 títulos que escreveu, e Ninguém ser repreendido.
retratou a sociedade da época e VICENTE, Gil. Auto da Lusitânia. In Saraiva, Antonio
sua sátira atingia todas as classes sociais Jose. Teatro de Gil Vicente. 4. ed. Lisboa: Portuga),
como frades, bispos, fidalgos, plebeus, ciganos, 1968, p. 303.
etc, criticando sua postura moral. O poeta critica o comportamento humano
com finalidade moralizadora, embora
Trecho de Auto da Lusitana, de maneira cômica, com o uso de
prosopopéias (Todo Mundo e Ninguém),
de Gil Vicente
satirizando o comportamento humano.
Entra Todo o Mundo, homem como
rico mercador, e faz que anda buscando
alguma cousa que se lhe perdeu; e Auto da Barca do Inferno
logo após êle um homem, vestido como Publicado em 1517, foi encenada
pobre. Éste se chama Ninguém, e diz: pela primeira vez na câmara da rainha D.
Ninguém Maria de Castela, na presença do rei D.
Que andas tu aí buscando? Manuel I e de sua irmã D. Leonor, a Rainha
Todo o Mundo Velha. O Auto da Barca do Inferno tem
Mil cousas ando a buscar: como cenário fixo duas embarcações, num
delas não posso achar, porto imaginário para onde vão as almas
porém ando perfiando, no instante em que morrem. Uma barca é
por quão bom é perfiar. representada por um Anjo, simbolizando
Ninguém o Paraíso e a outra é representada pelo
Como hás nome, cavaleiro? diabo, simbolizando o Inferno. A ação se
Todo o Mundo desenrola a partir da chegada dos personagens
Eu hei nome Todo o Mundo, no porto, procurando encontrar a
e meu tempo todo inteiro passagem para a vida eterna. Na peça,
sempre é buscar dinheiro os personagens serão julgados segundo
e sempre nisto me fundo. as obras que realizaram em vida.
Ninguém A obra apresenta-se com versos
E eu hei nome Ninguém, redondilhos, rimas, símbolos e metáforas.
e busco a consciência. Os personagens são considerados
(Belzebu para Dinato) tipos sociais - a nobreza, o clero e o
Esta é boa experiência! povo. Além da oposição do Bem X Mal,
Dinato, escreve isto bem. Céu X Inferno, o Anjo e o Diabo assumem
Dinato posturas também opostas, fazendo
Que escreverei, companheiro? com que a simpatia e a ironia do Diabo
Belzebu domine toda a peça.
Que Ninguém busca consciência, (resumo)
E Todo o Mundo dinheiro. Num braço de mar, onde estão ancoradas
(Ninguém para Todo o Mundo) duas barcas, chegam as almas
E agora que buscas lá? de representantes de várias classes sociais
Todo o Mundo e profissionais. Uma das barcas dirige-
Busco honra multo grande. se ao Purgatório ou ao Inferno; a
Ninguém outra, ao Paraíso. A primeira será tripulada
E eu virtude, que Deus mande pelo Diabo e seu Companheiro; a outra,
que tope co ela já. por um Anjo.
(Belzebu para Dinato) Eis que chega a primeira alma para
Outra adição nos açude: a viagem. É Dom Henrique, o Fidalgo,
escreve logo aí, a fundo, acompanhado por um criado que transporta
que busca honra Todo o Mundo, uma cadeira e carrega um manto
e Ninguém busca virtude. para seu Senhor. Assim como outros
Ninguém personagens, o Fidalgo argumenta contra
Buscas outro mor bem qu'êsse? sua ida para o Inferno, considera
Todo o Mundo que a barca não é digna de sua nobre
Busco mais quem me louvasse pessoa. O Diabo procura ironizar os
Tudo quanto eu fizesse. diversos argumentos do nobre, dizendo
Ninguém que uma vida cheia de prazeres e pecados
E eu quem me repreendesse só podia resultar em punição.
Em cada cousa que errasse. O Fidalgo reporta-se à barca do
(Belzebu para Dinato) Anjo. Alega direito de embarcar por pertencer
Escreve mais a uma boa linhagem, mas era
muito tirano e vaidoso. Seu esforço foi uma resposta do Anjo. Volta à barca do
em vão e, retornando à barca do Inferno, Diabo ridicularizado pelo Parvo, que lhe
quer demonstrar força moral ao reconhecer pergunta se furtara o facão.
que vivera erroneamente. Assim que o Frade e sua amante
Chega o Onzeneiro, carregando são embarcados, chega uma alcoviteira,
seus bolsões de dinheiro. Recusa-se a Brísida Vaz, que se recusa a entrar
embarcar quando toma conhecimento do na barca. Representa a mais terrível das
destino da barca, mas o Diabo, sarcástico, almas penadas, passara a vida aliciando
se faz de espantado e ironiza o meninas para padres.
fato de o dinheiro do Onzeneiro não ter A Alcoviteira dirige-se à barca do
servido para salvá-lo da morte. Procura Anjo, que se nega ouvi-la, alegando que
então a barca do Anjo, pedindo-lhe que é uma pessoa inoportuna. Brísida, então,
o deixasse entrar, pois queria mesmo volta à barca do Diabo, pedindo-lhe
era o Paraíso. Seu pedido é recusado a prancha e embarcando nela.
quando o Anjo vê seus bolsões, afirmando Depois da Alcoviteira, chega o Judeu
que estavam tão cheios de dinheiro com um bode às costas. O Diabo
que tomariam todo o espaço do nega-se a embarcar o animal, mas o
navio. Desconsolado, o Onzeneiro entra Judeu tenta suborná-lo com alguns tostões,
na barca infernal, cumprimentando sem muita discussão, é rebocado
com respeito o Fidalgo, que lá já estava, pela barca do Inferno.
aguardando a triste partida. Então chega a vez do Corregedor;
Joane, personagem caracterizado carregado de processos, aproxima-se
como o Parvo, conversa com o Diabo e da barca do Inferno. Recusa-se a rumar
começa a praguejá-lo quando descobre para destino tão cruel, tentando defender-
o destino de sua barca; entra em território se, mas é desmascarado pelo Diabo,
do Anjo porque - assim lhe haviam que expõe o recebimento de propinas
dito - o reino do Céu seria dos pobres. através de sua mulher. Para se defender,
Para o Anjo, os atos do bobo eram fruto o Corregedor culpa sua própria
de uma doença, sendo provas de inocência esposa, mas o esforço é em vão.
e não sua sagacidade. Irá ao Enquanto o Corregedor conversa
Paraíso, portanto, o Parvo, passageiro com o Diabo, chega um Procurador cheio
do barco que vai à Glória! Mas antes de de livros; ambos se recusam a entrar no
entrar, mantém-se ao lado do Anjo, para barco do Diabo, chamando pelo Anjo e
ajudar na avaliação dos próximos passageiros. dirigindo-se até ele. O Anjo roga praga
Chega ao barco do Inferno um Sapateiro, aos documentos jurídicos que carregam
com suas ferramentas de ofício. e os manda de volta.
Aparentemente, um bom trabalhador. Nova alma vai se aproximando: o
Quando é convidado pelo Diabo a Enforcado, que se julga merecedor do
embarcar, tenta repeli-lo com o argumento perdão por ter tido uma morte cruel. É o
de que morrera comungado e confessado. próximo personagem a entrar na barca
Que bom cristão parece ser! do Diabo, que não se comove com o
Mas o Diabo responde que foi excomungado sofrimento de um homem que tantos furtos
por omissão de seus pecados, pois cometera em vida. O Enforcado simboliza
roubava seus fregueses ao cobrar pelos o ladrão que rouba sem vantagens,
serviços prestados. Não contente, sendo manipulado por outros de
dirige-se à barca do Anjo e é barrado; posições mais privilegiadas.
explicação: o lugar de quem rouba na Dirigem-se agora à barca do céu
praça é no barco que vai ao Demo. De os Quatro Cavaleiros, empunhando a
nada adiantava ter ido à missa se ao cruz de Cristo. Lutaram pela expansão
mesmo tempo havia roubado, cobrado da Fé Católica e ganham a vida eterna
preços extorsivos. Assim, o Sapateiro como recompensa por terem sido mortos
se dirige a outra barca, aceitando seu pelos mouros. Prosseguiram na barca
destino. do Anjo, cantando e sentindo-se aliviados
Chega então um Frade, trazendo por terem cumprido corretamente
uma moça pela mão: sua amante, Florença. suas missões.
Com ela, traz um broquel, uma
espada e um capacete, representando Farsa de Inês Pereira
sua paixão pelo esporte. Esta peça foi representada em 1523
O Frade tenta convencer o Diabo e é considerada a mais famosa de Gil
de sua inocência, ensinando-lhe a arte Vicente. Trata-se de uma moça sonhadora,
da esgrima, mas seu esforço é em vão. cansada do trabalho doméstico e
Não contente, busca a barca do Anjo que resolve fugir de toda essa monotonia.
para tentar defender seus direitos enquanto Casa-se com um escudeiro, considerado
representante da Santa Madre malandro, porém, este morre durante
Igreja, mas nada consegue, nem sequer a guerra. Viúva, casa-se novamente,
com um homem que faz todas as suas (poesias de amor, sátira e religiosa).
vontades. • Teatro popular, de influência medieval,
(fragmento da obra) mas crítico, satírico, polêmico -
Entra logo Inês Pereira, e finge que Gil Vicente.
está lavrando só em casa, e canta esta • Crônicas e histórias dos reis e do
cantiga: povo português (desenvolvimento da
Canta Inês: prosa) - Fernão Lopes.
Quien com veros pena y muere Autores e obras
Que hará cuando no os viere? • Fernão Lopes, criador da historiografia
Falado: portuguesa: Crônica d'EI Rei
Inês - Renego deste lavrar D. Pedro, Crônica d'EI Rei D. Fernando
E do primeiro que o usou! e Crônica d'el Rei D. João I.
Ó diabo que o eu dou, • Gil Vicente, criador do teatro português:
Que tão mao é d'aturar! Auto da visitação ou Monólogo
Ó Jesu! Que enfadamento, do vaqueiro; Farsa de Inês Pereira;
E que raiva, e que tormento, Auto da Barca do Inferno, Auto
Que cegueira, e que da Barca do Céu; Auto da Barca do
[canseira! Purgatório.
Eu hei-de buscar maneira
D'algum outro aviamento.
Coitada, assi hei-de estar Renascimento
Encerrada nesta casa Teve seu início no século XV e estendeu-
Como panela sem asa se até meados do século XVI e
Que sempre está num lugar? é marcado pela supervalorização do homem
E assi hão-de ser logrados e pelo antropocentrismo, em oposição
Dous dias amargurados, ao teocentrismo e misticismo.
Que eu posso durar viva? Há uma retomada das idéias grecoromanas;
E assi hei-de estar cativa o artista não se contenta em
Em poder de desfiados? apenas observar a natureza, mas procura
Antes o darei ao diabo estudá-la e imitá-la; valoriza-se a
Que lavrar mais nem individualidade do artista, em contraposição
[pontada. à coletividade das obras clássicas.
Já tenho a vida cansada O Renascimento em Portugal deuse
De jazer sempre dum cabo. no período de 1527 a 1580, com o
Todas folgam e eu não retorno do poeta Sá de Miranda após seus
Todas vêm e todas vão estudos na Itália, trazendo inovações de
Onde querem, senão eu. poetas italianos. Porém, foi com Luís de
Hui! E que pecado é o meu, Camões que ocorreu o aprimoramento
Ou que dor de coração? dessas novas técnicas poéticas.
Esta vida é mais que morta. Este período ficou conhecido como
São eu coruja ou corujo, Classicismo e os escritores introduziram
Ou são algum caramujo em suas obras temas pagãos, além do
Que não sai senão à porta? ideal do amor platônico, a exaltação do
E quando me dão algum dia antropocentrismo, a imitação de autores
Licença, como a bugia, clássicos, a predominância da ciência e
Que possa estar à janela da razão, o uso da mitologia, clareza e
É já mais que a Madalena objetividade, uso de linguagem simples e
Quando achou a aleluia. precisa, o culto da beleza e da perfeição.

Resumo do Humanismo Luís Vaz de Camões


Momento socio-cultural
• Transição do feudalismo para o mercantilismo. (1524-1580)
• Desenvolvimento de práticas comerciais Publicou em 1572 Os Lusíadas, poema
por uma nova classe social: a épico organizado em: Proposição,
burguesia. Invocação, Dedicação, Narração e Epílogo.
• Crise do teocentrismo e ascensão Além do poema épico, Camões ficou
do racionalismo humanista, com a conhecido por seus poemas líricos,
laicização da cultura. em que buscava o amor espiritual e expunha
as contradições do coração. Sua
Características literárias poesia lírica toma dois sentidos: popular
• Divulgação doa clássicos da antiguidade (redondilhas) e erudita (sonetos).
greco-latina.
• Poesia palaciana recolhida por Garcia A poesia lírica de Camões
de Resende no Cancioneiro Geral Soneto
Transforma-se o amador na Alguns exemplos, provavelmente
[cousa amada, desnecessários: o amor, como o
Por virtude do muito imaginar; fogo, queima. É intenso. Ilumina. Deixa
Não tenho logo mais que desejar, marcas. Consome. Não se pode mexer
Pois em mim tenho a parte desejada. nas suas cinzas, que renasce... e muitas
Se nela está minha alma outras significações. Linguagem criadora:
[transformada, signos que geram signos. Símbolos
Que mais deseja o corpo de que geram símbolos."
[alcançar? (Cursos Práticos Nova Cultural para Vestibular •
Em si somente pode descansar, j SP. 1998.)
Pois consigo tal alma está liada.
Mas esta linda e pura semidéia, Tanto de meu estado me acho
Que, como o acidente em seu sujeito, incerto
Assim com a minha alma se conforma, Tanto de meu estado me acho
Está no pensamento como idéia; [incerto
E o vivo e puro amor de que sou feito, Que em vivo ardor tremendo estou
Como a matéria simples busca [de frio
[a forma. Sem causa, justamente choro e rio;
In MOISÉS, Massaud. A Literatura Portuguesa através O mundo todo abarco e nada a
dos textos. 9. ed. São Paulo: Cultrix, 1980, p. 76. [perto.
É tudo quanto sinto um
Nesse soneto, podemos perceber [desconcerto;
que o autor retrata explicitamente a questão Da alma um fogo me sai, da vista
platônica do amor, pois este passa a [um rio;
idealizar tanto a amada que acredita tê-la Agora espero, agora desconfio,
em si mesmo, no seu próprio corpo. Portanto, Agora desvario, agora acerto.
como já diz o poema: aquele que ama se Estando em terra, chego ao céu
transforma na amada; logo não tem mais o [voando;
que desejar, pois já tem em si mesmo o ser Numa hora acho mil anos, e é de
que deseja (versos 1 a 8). [jeito
Podemos ressaltar também neste Que em mil anos não posso achar
soneto o valor da mulher ante a figura [uma hora.
masculina. Esta é idealizada, inacessível, Se me pergunta alguém porque
vista como uma semidéia (metade mulher, [assim ando,
metade deusa), ou seja, é colocada num Respondo que não sei; porém
plano superior ao do poeta. De caráter [suspeito
discursivo, Camões pretende argumentar Que só porque vos vi, minha
a questão acerca do Amor e da Mulher. [Senhora.

Soneto Sete anos de pastor Jacó servia


Amor é fogo que arde sem se ver; Sete anos de pastor Jacó servia
É ferida que dói e não se sente; Labão, pai de Raquel, serrana bela;
É um contentamento descontente; Mas não servia ao pai, servia a ela,
É dor que desatina sem doer. E a ela só por prêmio pretendia.
É um não querer mais que bem querer; Os dias, na esperança de um só dia,
É solitário andar por entre gente; Passava, contentando-se com vê-la;
É nunca contentar-se de contente; Porém o pai, usando de cautela,
É cuidar que se ganha em se perder. Em lugar de Raquel lhe dava Lia.
É querer estar preso por vontade; Vendo o triste pastor que com
É servir a quem vence, o vencedor; [enganos
É ter com quem nos mata lealdade. Lhe fora negada a sua pastora,
Mas como causar pode seu favor Como se a não tivera merecida,
Nos corações humanos amizade, Começa de servir outros sete anos,
Se tão contrário a si é o mesmo amor? Dizendo: - mais servira, se não fôra
In MOISÉS, Massaud. A literatura Portuguesa através Para tão longo amor tão curta a
dos textos. 9ª ed. São Pauto: Cultrix, 1980, p. 76 [vida!
No soneto anterior, Camões conceitua
o significado do amor através de
paradoxos, que se encadeiam no decorrer Os Lusíadas
dos versos até chegar ao ponto Constitui-se de dez cantos em 1102
máximo do soneto, onde o poeta questiona oitavas de versos decassílabos heróicos,
o próprio caráter contraditório do com esquema rimático ABABABCC
amor. em denominado 8ª rima, num total de
"Quantos sentidos diferentes podem 8816 versos.
emergir da semelhança sugerida O poeta, no início da sua obra, preocupa-
entre amor e fogo nesta conhecida metáfora? se em explicar suas intenções em relação
aos feitos heróicos. Em seguida, • Proposição - é a apresentação do
pede às musas do Tejo para que o ajudem assunto. Transparecem alguns elementos
nesta árdua tarefa. Depois, o autor oferece fundamentais, como a sobrevivência
seus poemas ao rei D. Sebastião e, então, do ideal das cruzadas, a supervalorização
inicia-se todo o percurso da narrativa. do homem, a exaltação da
(resumo) aventura, a busca de novos horizontes
A ação da narrativa tem o seu início e a presença da mitologia.
quando a frota do herói Vasco da "As armas e os barões assinalados
Gama ainda se encontra em pleno Oceano que da ocidental praia lusitana,
Índico. No Olimpo, morada dos deuses, por mares nunca dantes navegados
acontece uma reunião, na qual estes passaram ainda além da Taprobana.
discutem a situação dos portugueses. E em perigos e guerras esforçados,
Fica Baco na oposição, enquanto Mais do que prometia a forca humana,
os demais resolvem auxiliar o herói. Entre gente remota edificaram
A essa altura, a frota portuguesa, Novo reino, que tanto sublimaram;
já em plena viagem, chega a Moçambique, E também as memórias gloriosas
na costa ocidental da África. O Daqueles Reis que foram dilatando
deus Baco, que não quer a vitória de A fé, o Império, e as terras viciosas
maneira alguma, arma uma cilada para De África e de Ásia andaram
Vasco da Gama; porém, o comandante [devastando
português supera o problema. É armada E aqueles que por obras valerosas
outra cilada quando a frota se aproxima Se vão da lei da morte libertando:
de Mombaça, mas a deusa Vénus salva Cantando espalharei por toda
novamente os portugueses. [parte,
Ao atracar em Melinde, a frota é Se a tanto me ajudar o engenho e
recebida pelo rei da cidade, que vem a [arte".
bordo e solicita a Vasco da Gama lhe Cessem do sábio Grego e do
narre toda a história de Portugal. O herói [Troiano
começa descrevendo a Europa, para As navegações grandes que
então chegar à fundação da Lusitânia; [fizeram;
fala sobre D. Henrique de Borgonha, pai Cale-se de Alexandra e de Trajano
do fundador de Portugal; menciona alguns A fama das vitórias que tiveram;
episódios da história de Portugal, Que eu canto o peito ilustre
como o de Egas Moniz, a batalha de [Lusitano,
Aljubarrota, a tomada da cidade de Ceuta A quem Neptuno e Marte
no norte da África e outros. [obedeceram;
Relembra os fatos que antecederam Cesse tudo o que a Musa antígua
sua partida de Lisboa, os preparativos [canta,
da viagem; a conversa com o velho Que outro valor mais alto se
do Restelo; por último as primeiras aventuras [alevanta.
à beira-mar: o fogo de Santelmo, a • Invocação - invocando a presença
tromba marinha, a aventura de Veloso, o das musas para a construção da obra,
Gigante Adamastor e, finalmente, a chegada o poeta espera que seus cantos sejam
a Melinde. inspirados e se imortalizem.
Terminado o relato, Vasco da Gama E vós, Tágides minhas, pois criado
prossegue em sua viagem marítima. Baco Tendes em mim um novo engenho
resolve falar com Éolo, deus dos ventos, [ardente,
para prejudicar a frota com uma forte Se sempre em verso humilde
ventania, no entanto, Vénus novamente [celebrado
protege os navegadores enviando ninfas Foi de mim vosso rio alegremente,
amorosas para levar a calmaria. Dai-me agora um som alto e
Fim da tormenta. A frota portuguesa [sublimado,
chega à salvo a Calicute, na índia, e Um estilo grandíloquo e corrente,
são recebidos por Samoriam. A bordo, Porque de vossas águas, Febo
Paulo da Gama recebe o Catual e decifra- [ordene
lhe o significado dos desenhos nas Que não tenham inveja às de
bandeiras. [Hipoerene.
Começa a viagem de volta a Portugal. Dai-me uma fúria grande e
Em caminho, fazem parada na Ilha [sonorosa,
dos Amores e são recebidos amorosamente E não de agreste avena ou frauta
pelas ninfas locais. A deusa [ruda,
Tethys mostra a Vasco da Gama a máquina Mas de tuba canora e belicosa,
do mundo e o futuro glorioso do Que o peito acende e a cor ao
povo português. [gesto muda;
A obra é dividida em: Dai-me igual canto aos feitos da
[famosa "Estavas linda Inês, posta em
Gente vossa, que a Marte tanto [sossego,
[ajuda; De teus anos colhendo doce fruito,
Que se espalhe e se cante no Naquele engano da alma, ledo e
[universo, [cego,
Se tão sublime preço cabe em Que a fortuna não deixa durar muito,
[verso. Nos saudosos campos do Mondego,
• Dedicatória - oferecimento do poema De teus fermosos olhos nunca
ao rei de Portugal, D. Sebastião. [enxuito,
E vós, ó bem nascida segurança Aos montes ensinando e às ervinhas
Da Lusitana antígua liberdade, O nome que no peito escrito tinhas.
E não menos certíssima esperança (...)
De aumento da pequena Tirar Inês ao mundo determina
[Cristandade; Por lhe tirar o filho que tem preso,
Vós, ó novo temor da Maura lança, Crendo com o sangue só de morte
Maravilha fatal da nossa idade, [indigna
Dada ao mundo por Deus, que todo Matar o firme amor o fogo aceso.
[o mande, Que furor consentem que a
Para do mundo a Deus dar parte [espada fina
[grande; Que pôde sustentar o grande peso
Vós, tenro e novo ramo Do furor mouro, fosse alevantada
[florescente Contra uma fraca dama delicada?
De uma árvore de Cristo mais Traziam-na os horríficos algozes
[amada Ante o rei já movido à piedade;
Que nenhuma nascida no Mas o povo, com as falsas e
[Ocidente, [ferozes
Cesárea ou Cristianíssima Razões, à morte crua o persuade.
[chamada; Ela, com tristes e piedosas vozes,
(Vede-o no vosso escudo, que Saídas só da mágoa e da saudade
[presente Do seu príncipe e filhos, que
Vos amostra a vitória já passada, [deixava,
Na qual vos deu por armas, e Que mais que a própria morte a
[deixou [magoava.
As que Ele para si na Cruz tomou) (...)
• Narração - é o desenrolar dos fatos. Do teu Príncipe ali te respondiam
Está dividido em dois planos: mítico As lembranças que na alma lhe
(em que agem os deuses) e o histórico [moravam.
(em que agem os homens). Que sempre ante seus olhos te
"Oh, que famintos beijos na floresta! [traziam,
E que mimoso choro que soava! Quando dos teus fermosos se
Que afagos tão suaves! [apartavam;
[Que ira honesta, De noite, em doces sonhos que
Que em risinhos alegre se tornava! [mentiam,
O que mais passam na manhã e De dia, em pensamentos que
[na sesta, [voavam,
Que Vénus com prazeres inflamava, E quanto, em fim, cuidava e
Melhor é experimentá-lo que julgá-lo, [quanto via
Mas julgue-o quem não pode Eram tudo memórias de alegria".
[experimentá-lo." Caracterizado por duas estrofes em
Epílogo - são as considerações finais oitavas, os versos compõem o famoso
do poeta. decassílabo heróico e sáfico, feitos de
"Não mais musa, não mais, acordo com as convenções literárias do
[que a lira tenho século XVI. Personagem central do episódio,
Destemperada e a voz, enrouquecida, Inês de Castro, que teve um romance
E não do canto, mas de ver que venho com D. Pedro I, amor proibido, pois este
Cantar a gente surda e endurecida. era casado e a família de Inês era ligada
O favor com que se acende o engenho aos inimigos dos portugueses. O pai, D.
Não nos dá pátria, não, Afonso IV, manda matá-la. D. Pedro, ao
[que está metida saber disso, resolve desenterrá-la e coroá-
No gosto da cobiça e da rudeza la rainha.
De uma austera, apagada e
[vil tristeza." Trechos do episódio de
O Gigante Adamastor
Trechos do episódio de Porém já cinco Sóis eram passados
Inês de Castro Que dali nos partíramos, cortando
Os mares nunca de outrem • Poesia lírica e poesia épica.
[navegados,
Prosperamente os ventos Autores e obras
[assoprando, • Luis Vaz de Camões, poeta-filósofo:
Quando uma noite, estando Poesia lírica de influência medieval
[descuidados e clássica, de temática variada e
Na cortadora proa vigiando, abrangente (os mistérios da condição
Uma nuvem, que os ares escurece, humana, a presença do homem no
Sobre nossas cabeças aparece. mundo, os conceitos e contradições
(-.) amorosas etc).
"Eu sou aquêle oculto e grande Cabo Poesia épica: Os Lusíadas, narração
a quem jamais vós outros Tormentório, da heróica viagem de Vasco
que nunca a Ptolomeu, Pompônio, da Gama às índias e a eternização de
[Estrabo, um dos momentos mais gloriosos de
Plínio, e quantos passaram fui Portugal, a época das grandes navegações.
[notório,
Aqui toda a Africana costa acabo
Neste meu nunca visto Promontório, Barroco
Que para o Pólo Antártico se "É um estilo voltado para a alusão (e
[estende, não a cópia) e para a ilusão enquanto
A quem vossa ousadia tanto fuga da realidade convencional. Se partirmos
[ofende!" da exegese (interpretação) do
"O Gigante Adamastor" é um dos estilo barroco em termos de crise defensiva
episódios mais intensos e importantes da Europa pré-industrial, aristocrática
dos Lusíadas. Baseado em uma lenda e jesuítica (Espanha e Portugal), perante
de origem desconhecida, devido sua antigüidade, o avanço do racionalismo burguês
narra a história de um gigante, (Inglaterra, Holanda, França), então
Adamastor, transformado pelos deuses entenderemos
no Cabo das Tormentas, localizado o quanto de angústia, de
no extremo sul da África, como castigo desejo de fuga e de ilimitado subjetivismo
por ter se apaixonado por Tétis, esposa havia nestas formas. E entenderemos
do rei grego Peleu, e ter visto-a nua. também a imagem barroca da vida como
Adamastor revela aos heróis portugueses um sonho, como uma comédia, como um
as desventuras que os aguardam, labirinto, um jogo de espelhos, uma festa:
num clima solene e trágico. A importância o triunfo da ilusão".
desse episódio para a narrativa (Alfredo Bosi)
reside no fato de possuir vários sentidos, Surgiu no final do século XVII e inicio
que condensam a idéia central dos do século XVIII na Espanha e se expandiu
Lusíadas. O episódio situa-se exatamente por toda a Europa. O movimento barroco
no meio do texto, o que reforça inicia-se, em Portugal, em 1580, com a
sua importância e força trágica. morte de Camões e termina com a fundação
da Arcádia Lusitana. Está relacionado
à Contra-Reforma.
Resumo do Renascimento O século XVII é um período de grandes
Momento sócio-cultural conflitos e contradições. A situação
• Renascimento: revalorização dos de instabilidade política e a decadência
modelos culturais da Antiguidade econômica nos países europeus foram
clássica pela burguesia mercantilista fatores importantes para o surgimento
• Grandes navegações e desenvolvimento deste movimento artístico.
do antropocentrismo (humanismo) O Barroco é fruto de um período em
• Reforma protestante: crise da Igreja que o conservadorismo da Igreja se intensifica,
católica. reagindo contra a inovação da época
• Nascimento da ciência moderna. e os valores burgueses, como o amor,
o luxo, o dinheiro etc. Procura-se, então,
Características literárias restaurar um clima de religiosidade, contrário
• Humanismo, antropocentrismo, racionalismo às idéias da antigüidade clássica.
(decadência dos valores religiosos). Estes fatores fizeram com que o
• A arte como mímese: imitação de homem conciliasse os valores medievais
modelos da Antiguidade - harmonia, (teocentrismo) com os valores renascentistas
equilíbrio, proporção de formas. (antropocentrismo).
• Substituição da medida velha medieval Essa situação contraditória provocou
(versos de 5 e 7 silabas métricas o aparecimento de atitudes igualmente
- redondilha menor e redondi- contraditórias do artista face ao
Iha maior) pela medida nova, proveniente mundo, à vida e a si mesmo.
da Itália (versos decassílabos
- soneto).
na mão dos ministros e seus oficiais,
A estética barroca que não há remédio a fazê-la correr.
O Barroco opõe-se à estética clássica: Se beberia o leite da preguiça do Brasil
superfície X profundidade, forma (a quem os Castelhanos chamaram
fechada X forma aberta, multiplicidade por ironia perrillo ligero), que gasta dois
X unidade. dias em subir a uma árvore e outros dois
O homem barroco foge das coisas em descer?
e sentimentos contraditórios que envolvem Mas não é adequado o símil. Porque
a natureza humana, exaltando os a preguiça do Brasil anda devagar, mas
valores cristãos - o homem volta-se anda; e a preguiça do Reino e seus ministros,
para Deus. a cada passo pára e dorme. Dois meses
Podemos encontrar dois tipos de estética para entrar um papel, e parou; outros
barroca: a gongórica e a conceptista. dois, para subir a consulta, e tornou a parar;
A estética gongórica está preocupada outros dois, para descer abaixo, e
com a descrição das coisas. É freqüente temo-la outra vez parada. Mais tantos meses
o uso de figuras de linguagem para se verem os autos, mais outros
como a antítese, a metonimia, o paradoxo, tantos para se formar a tensão, mais tantos
o assíndeto, a metáfora, o simbolismo, anos para embargos, apelações, visitas,
a sinestesia, a hipérbole e a catacrese, revistas, réplicas e tréplicas... Oh
além do uso de neologismos. Preocupase preguiça do Brasil, já eu digo, não por ironia,
com uma linguagem bem trabalhada. senão por boa verdade, que tu em
A estética conceptista, no entanto, comparação da preguiça do Reino és
está preocupada em conhecer a essência perrillo ligero.
das coisas, ao invés de descrevê- In REBELO, Marques, org. Antologia escolar
las (teocentrismo). Utiliza-se mais da portuguesa.
razão do que da emoção. Há o uso de Rio de Janeiro: FENAME/MEC, 1970, p.261.
antíteses e paradoxos, tornando o raciocinio
mais ambíguo em busca da satisfação
da inteligencia. Francisco Rodrigues Lobo
A linguagem barroca é exagerada
de imagens e figuras de linguagem, (1580-1622)
preocupa-se com a aparência e expõe Poeta bucólico e de influência camoniana,
assuntos que envolvem a religião problemática escreveu obras como Romanceiro,
da época, através de contraste Éclogas, Pastor Peregrino e outros.
de temas, assuntos, motivos e Fermoso Tejo meu, quão diferente
elementos expressivos como vida eterna Te vejo e vi, me vês agora e viste:
X vida terrena, espiritualidade X Turvo te vejo a ti, tu a mim triste,
materialidade, corpo X alma, eu X mundo, Claro te vi eu já, tu a mim contente.
cristianismo X Reforma, Deus X A ti foi-te trocando a
homem, vida X morte, religioso X profano [grossa enchente
(erotismo), real X ideal, espírito X A quem teu largo campo não resiste;
carne, sensualismo X misticismo, realismo A mim trocou-me a vista
X idealismo, céu X terra - tensão [em que consiste
provocada pela Fé e pela Razão. O meu viver contente ou descontente.
Além da religiosidade, o artista barroco Já que somos no mal participantes,
retrata também a sensualidade, Sejamo-lo no bem. Oh, quem me dera
tanto em relação à natureza como ao Que fôramos em tudo semelhantes!
corpo humano. Mas lá virá a fresca primavera;
Principais artistas barrocos: Tu tornarás a ser quem eras de
[antes,
Eu não sei se serei quem de antes
Podre Manuel Bernardes [era.
(1644 - 1710)
Produziu obras de cunho místico e
moralista (didático) com uma linguagem Sóror Violante do Céu
simples e espontânea. Sua principal obra
foi Nova Floresta.
(1601-1693)
Produziu poemas marcados pelo
sentido passional, pelas imagens sutis
A Lentidão burocrática e a e pela veemência. Depois de entrar para
"preguiça" do Brasil o convento, impregna suas poesias de
Dizem que Hábis, filha d'el-rei Górgon, cunho religioso. Sua principal obra foi
por haver sido criada nos bosques
com leite de uma cerva, saiu ligeiríssima Rimas Várias.
no correr. Estou considerando que leite Amor, se uma mudança imaginada
mamaria uma destas causas ou requerimentos É já com tal rigor minha homicida,
Que será de passar de ser temida, e moralizante. Sua principal obra foi
A ser, como temida, averiguada? Carta de Guia aos Casados, que retrata
Se só por ser de mim tão receada, as relações conjugais de forma irônica
Com dura execução me tira a vida e humorística.
Que fará se chegar a ser sabida?
Que fará se passar de suspeitada?
Porém se já me mata, sendo incerta,
Somente imaginá-la e presumi-la,
Claro está (pois da vida o fio corta)
Frei Luís de Sousa
O que fará depois quando for certa: (1555 - 1632)
- ou tornar a viver, para senti-la, Historiador rigoroso, escreveu História
ou senti-la também depois de morta. de São Domingos e Anais de D. João III.
/
Se apartada do corpo a doce vida,
Domina em seu lugar a dura morte, Sóror Mariana Alcoforado
De que nasce tardar-me tanto a (1640 - 1723)
[morte Escreveu Cartas Portuguesas em
Se ausente da alma estou, que me 1669, atribuídas a um amor proibido, uma
[dá vida? paixão violenta, incontrolada e não correspondida
Não quero sem Silvano já ter vida, por um militar, o capitão Chamilly.
Pois tudo sem Silvano é viva morte, Nestas cinco cartas, a consciência
Já que se foi Silvano, venha a moral é suplantada pelo sentimento
[morte, amoroso e pela ânsia de esquecer uma
Perca-se por Silvano a minha vida. relação pecaminosa, mas que ainda assim
Ah! suspirado ausente, se esta era ardentemente desejada.
[morte
Não te obriga querer vir dar-me vida,
Transcrição da primeira carta:
Como não ma vem dar a mesma
Vê lá tu, meu amor, como foste te
[morte?
iludir!
Mas se na alma consiste a própria
Ah! Coitado de ti enganaste-te e
[vida,
enganaste-me com esperanças mentirosas.
Bem sei que se me tarda tanto a
Tantas esperanças de gosto nos
[morte,
dava o nosso amor, e causa-nos agora
Que é porque sinta a morte de tal
o mortal desespero que só pode comparar-
[vida.
se à crueldade desta separação.
// Pois que! A tua ausência, para que
Se era brando o rigor, firme a a minha dor não acha nome bastante
[mudança, triste, há de privar-me para sempre de
Humilde a presunção, vária a me mirar nos teus olhos, onde eu via
[firmeza, tanto amor, que me enchiam de alegria,
Fraco o valor, cobarde a fortaleza, que eram tudo para mim?
Triste o prazer, discreta a Ai de mim! Os meus olhos perderam
[confiança. a luz que os alumiava e não fazem
Terá a ingratidão firme lembrança, senão chorar.
Será rude o saber, sábia a rudeza, (...)
Lhana a ficção, sofística a Mil vezes em cada dia lá te mando
[lhaneza, os meus suspiros; e não me trazem para
Áspero o amor, benigna a alívio de tantos males senão este ajuizado
[esquivança; aviso à minha desventura, que
Será merecimento a indignidade, estou sempre a ouvir:
Defeito a perfeição, culpa a — Deixa, pobre Mariana, deixa de
[defensa, querer àquele que atravessou o mar para
Intrépido o temor, dura a piedade, te fugir, que está em França no meio dos
Delicto a obrigação, favor a ofensa, prazeres, que não pensa um instante
Verdadeira a traição, falsa a no que sofres, nem te agradece, e que
[verdade, te dispensa de o amares tanto...
— Antes que vosso amor meu
[peito vença.
(...)
Padre Antônio Vieira
Francisco Manuel de Melo (1608-1697)
Nasceu em Lisboa no ano de 1608.
(1608 - 1667) Ainda menino, vem para o Brasil e estuda
Era voltado para a poesia lírica, a no Colégio dos Jesuítas. Ordena-se
historiografia, o teatro e a prosa filosófica em 1634. Com a restauração portuguesa,
depois do domínio espanhol, mudase há de dividi-la para que se
para Portugal, porém, não consegue distingüa, há de prová-lo com a Escritura,
se adaptar à realidade portuguesa, devido há de declará-la com a razão, há de
à decadência do país e à Inquisição. confirmá-la com o exemplo, há de amplificá-
Volta para o Brasil e passa a morar no la com as causas, com os efeitos,
Maranhão. Morre em 1697, aos 89 anos. com as circunstâncias, com as conveniências
Dividido entre dois mundos - europeu que se hão de seguir, com os
e brasileiro - e de estilo predominantemente inconvenientes que se devam evitar, há
conceptista, o autor estabelece de responder às dúvidas e há de satisfazer
analogias e comparações da época e as dificuldades, há de impugnar e
passagens bíblicas, apresentando uma refutar com toda a força da eloqüência
grande profundidade de raciocínio. Considerado os argumentos contrários, e depois disso,
o maior orador sacro da história há de colher, há de apertar, há de
portuguesa, critica os pregadores cultistas, concluir, há de persuadir, há de acabar...
por possuírem discursos ocos. Neste sermão, há uma enumeração,
Suas principais obras são: Sermão ou seja, uma lista de elementos que caracterizam
da Sexagésima (fala da arte de pregar) o ato de pregar, através de
e Sermão de Santo Antônio ou Sermão um tom de oratória, de pregação. Através
aos Peixes (fala a respeito da escravidão do conceptismo, Vieira se utiliza de
indígena) e são divididas em: introdução, três recursos para a elaboração do sermão:
argumentação e peroração. a escritura, a razão e o exemplo.
Vieira também utiliza-se de textos
Sermão da quarta feira de cinzas bíblicos como referencial - fazendo analogias
(fragmento) com o cotidiano.
Ora suposto que já somos pó, e não
pode deixar de ser, pois Deus o disse: perguntar- Sermão do Mandato
me-eis, e com muita razão, em que (fragmento)
nos distinguimos logo os vivos dos mortos? O primeiro remédio que dizíamos, é
Os mortos são pó, nós também somos o tempo. Tudo cura o tempo, tudo faz
pó; em que nos distinguimos uns dos outros? esquecer, tudo gasta, tudo digere, tudo
Distinguimo-nos os vivos dos mortos, acaba. Atreve-se o tempo a colunas de
assim como se distingue o pó do pó. Os vivos mármore, quanto mais a corações de
são pó levantado, os mortos são pó cera? São as afeições como as vidas,
caído; os vivos são pó que anda, os mortos que não há mais certo sinal de haverem
são pó que jaz: Hic jacet. Estão essas de durar pouco, que terem durado muito.
praças no verão cobertas de pó: dá um péde- São as linhas, que partem do centro
vento, levanta-se o pó no ar e que se para a circunferência, que quanto mais
faz? Os que fazem os vivos, e muitos vivos. continuadas, tanto menos unidas. Por
Não aquieta o pó, nem pode estar isso os Antigos sabiamente pintaram o
quedo; anda, corre, voa; entra por esta rua, amor menino; porque não há amor tão
sai por aquela, já vai adiante, já toma atrás; robusto que chegue a ser velho. De todos
tudo enche, tudo cobre, tudo envolve, tudo os instrumentos com que o armou a
perturba, tudo toma, tudo cega, tudo penetra: natureza, o desarma o tempo. Afrouxalhe
em tudo e portudo se mete, sem aquietar o arco, com que já não atira; embotalhe
e sossegar um momento, enquanto o as setas, com que já não fere; abrelhes
vento dura. Acalmou o vento; cai o pó, e os olhos, com que vê o que não via;
onde o vento parou, ali fica; ou dentro de e faz-lhe crescer as asas, com que voa
casa, ou na rua, ou em cima de um telhado, e foge. A razão natural de toda esta diferença,
ou no mar, ou no rio, ou no monte, ou na é porque o tempo tira a novidade
campanha. Não é assim? Assim é. E que às cousas, descobre-lhe os defeitos, enfastia-
pó, e que vento é este? O pó somos nós: lhe o gosto, e basta que sejam usadas
Quia pulvis est: o vento é a nossa vida. para não serem as mesmas. Gastase
Quia ventus est vita mea. Deu o vento, levantou- o ferro com o uso, quanto mais o amor?
se o pó; parou o vento, caiu. Deu o O mesmo amar é causa de não amar, e o
vento, eis o pó levantado; estes são os vivos. ter amado muito, de amar menos.
Parou o vento, eis o pó caído; estes O sermão acima mencionado não
são os mortos. Os vivos pó, os mortos pó; se enquadra, em princípio, como sendo
os vivos pó levantado, os mortos pó caído; um texto literário, por não se tratar de
os vivos pó com vento, e por isso vão; os uma poesia, romance, conto, ou novela.
mortos pó sem vento, e por isso sem vaidade. Entretanto há uma literalidade por se referir
Esta é a distinção e não há outra. ao tema Amor.

Sermões Carta
Há de tomar o pregador uma só (fragmento)
matéria,- há de defini-la para que se conheça, Senhor, os reis são vassalos de
Deus e, se os reis não castigam os seus texto literário, por não se tratar de um
vassalos, castiga Deus os seus. A causa romance, poesia, conto ou novela. No entanto,
principal de se não perpetuarem as há, também, literalidade nesta, pois
coroas nas mesmas nações e famílias é está dirigida ao Rei de Portugal e começa
a injustiça, ou são as injustiças, como com uma afirmação religiosa. Depois
diz a Escritura Sagrada; e entre todas Vieira refere-se à causa do tema que vai
as injustiças nenhuma clama tanto ao desenvolver, recorrendo citações das
céu como as que tiram a liberdade aos escrituras sagradas. O autor compara as
que nasceram livres, e as que não pagam tiranias na África com as tiranias e as
o suor aos que trabalham; e estes injustiças da colônia: a morte de milhares
são e foram sempre os dois pecados de índios, a desobediência pela coroa de
deste Estado, que ainda tem tantos defensores. suas próprias leis, a impunidade etc. Concluindo:
A perda do Senhor rei D. Sebastião o conceptismo amarra as idéias
em África, e o cativeiro de sessenta relacionadas com uma ética religiosa e
anos que se seguiu a todo o reino, política, cuja atualidade não se perdeu.
notaram os autores daquele tempo
que foi castigo dos cativeiros, que na
costa da mesma África começaram a
Resumo do Barroco
fazer os nossos primeiros conquistadores, Momento sócio-cultural
com tão pouca justiça como a • Contra-reforma: reação da Igreja
que se lê nas mesmas histórias. católica.
As injustiças e tiranias, que se tem • Os novos valores humanistas, defendidos
executado nos naturais destas terras, excedem pela burguesia, chocamse
muito às que se fizeram na África. com os valores teocêntricos, representados
Em espaço de quarenta anos se mataram pelo clero.
e se destruíram por esta costa e sertões • Começa em Portugal o domínio espanhol,
mais de dois milhões de índios, e mais de que dura de 1580 a 1640.
quinhentas povoações como grandes cidades,
e disto nunca se viu castigo. Proximamente, Características literarias
no ano de 1655, se cativaram no • Antítese, dualidade, contradição: o sagrado
rio das Amazonas dois mil índios, entre os e o profano, a razão e a emoção,
quais muitos eram amigos e aliados dos o espiritual e o carnal, vida e morte,
portugueses, e vassalos de Vossa Majestade, medievalismo e Renascimento.
tudo contra a disposição da lei que • Literatura baseada em antíteses, paradoxos,
veio naquele ano a este Estado, e tudo inversões sintáticas (hipérbatos)
mandado obrar pelos mesmos que tinham e exageros (hipérboles)
maior obrigação de fazer observar a mesma que expressam a angústia existencial
lei; e também não houve castigo: e não barroca.
só se requer diante de Vossa Majestade a • Predominância de duas tendências,
impunidade destes delitos, senão licença que se interpenetram: cultismo (rebuscamento
para os continuar! (...) Dirão porventura formal, jogo sensorial
(como dizem) que destes cativeiros, na de palavras) e conceptismo (sofisticação
forma em que se faziam, depende a conservação no plano das idéias e argumentações
e aumento do Estado do Maranhão; paradoxais).
isto, Senhor, é heresia. Se por não
fazer um pecado venial, se houver de perder Autores e Obras
Portugal, perca-o Vossa Majestade e • Padre Antônio Vieira: maior orador
dê por bem empregada tão cristã e tão gloriosa sacro da língua, escreveu Sermões
perda; mas digo que é heresia, ainda (15 volumes, entre 1679-1718),
politicamente falando, porque sobre os História do Futuro (1718) e outras.
fundamentos da injustiça nenhuma cousa • Francisco Manuel de Melo: estudou
é segura nem permanente; e a experiência com os jesuítas e seguiu a carreira
o tem mostrado neste mesmo Estado do militar. Escreveu Carta de Guia
Maranhão, em que muitos governadores de Casados (1651), Cartas Familiares
adquiriram grandes riquezas e nenhum (1664), Obras Métricas (1665).
deles as logrou nem elas se lograram; nem • Padre Manuel Bernardes: escreveu
há cousa adquirida nesta terra que permaneça, Nova Floresta (5 volumes, 1706-
como os mesmos moradores dela 1728), Luz e Calor (1696).
confessam, nem ainda que vá por diante,
nem negocio que aproveite, nem navio que
aqui se faça que tenha bom fim; porque Arcadismo
tudo vai misturado com sangue dos pobres, O inicio do século XVIII é marcado
que está sempre clamando ao céu. pela decadência do pensamento barroco,
Este trecho pertence a uma carta e, cujos (atores básicos são: o exagero
também não pode se enquadrar como um da expressão barroca, que havia
cansado o público; a ascensão da burguesia
supera o domínio religioso; o surgimento dos centros urbanos. A natureza passa
das primeiras arcádias, enfatizando a ser, então, um refúgio ao homem
a pureza e a simplicidade. civilizado.
A palavra Arcadismo tem sua origem Sua preocupação prioritária era a
em Arcádia, uma antiga região da Grécia, de formular uma sociedade mais igualitária.
de relevo montanhoso, habitada por pastores Teve sua fundação no culto das
que conciliavam os seus trabalhos ciências, da razão e do progresso.
com a poesia, cantando o paraíso rústico De espírito reformista, o Arcadismo
em que viviam e simbolizando-o como pretende, reformular o ensino, os hábitos
uma terra de inocência e felicidade. e as atitudes sociais. Propunha a
O Arcadismo desenvolveu-se ao longo restauração da simplicidade na linguagem,
do século XVIII, influenciado pela Revolução abandonando as figuras de linguagem
Francesa, movimento revolucionário - antíteses, metáforas, paradoxos
de ideologia liberal burguesa, responsável - dando mais ênfase a uma linguagem
pela queda do absolutismo e da economia direta.
mercantilista e pela extinção do antigo sistema Em oposição aos artistas barrocos,
feudal. O Arcadismo ficou também conhecido que preferiam a fuga da realidade, o Arcadismo
por setecentismo (os anos 1700) valoriza o tempo presente.
e neoclassicismo e refletiu uma época que O artista árcade, além de tomar a
ficou conhecida como o Século das Luzes vida campestre e suas paisagens como
ou Iluminismo, movimento filosófico cujo modelos, incorpora, em suas obras, a
objetivo era o de defender a liberdade de mitologia, usando-se de deuses e heróis
pensamento e usar a razão como instrumento da história grega.
de análise e domínio da realidade.
Lutaram contra os excessos do Barroco e Resumidamente falando, podemos
defenderam uma arte racional e didática. citar diversas características da arte literária
Dentre os diversos pensadores iluministas, arcadista:
destacam-se: 1. volta aos modelos greco-romanos;
• Voltaire - possuidor de idéias filosóficas 2. predominam a razão e a ciência, em
e políticas, mostrou em suas primeiras oposição à fé e a religião;
obras seu estilo satírico e anticlerical, 3. há o retorno ao equilíbrio, reagindo
criticando ferozmente a Igreja de contra os preceitos barrocos quanto
sua época. Proclamou ódio pelas monarquias ao desequilíbrio;
absolutas e sua admiração 4. buscam a perfeição da forma;
pela monarquia liberal inglesa. Suas 5. procuram um estilo simples de linguagem,
principais obras foram: Édipo, A Henríada, despojando-o das metáforas
Cartas Filosóficas, Cândido ou e hipérboles deixadas pela estética
o Otimismo e o Dicionário Filosófico. anterior;
• Montesquieu - preocupado com a 6. utiiizam-se da natureza em suas poesias,
renovação, contribuiu com a idéia da tornando-as de aspecto bucólico
divisão de poderes como recurso e ingênuo;
para se evitar o autoritarismo. Em sua 7. dão ênfase à linguagem simples, porém,
obra Do Espírito das Leis, Montesquieu sem perder a sua nobreza;
defendeu a idéia de que cada 8. possuem uma tendência introspectiva;
um dos três poderes (Legislativo, 9. há o culto excessivo à natureza;
Executivo e Judiciário), deve estar 10. a linguagem torna-se melodiosa;
em mãos distintas. Em Cartas Persas 11. usam pseudônimos pastoris. Ex: Elmano
critica os costumes da sociedade. Sadino (Bocage).
• Rousseau - com sua teoria do bom
selvagem, defendeu a natureza virgem Este movimento chega a Portugal
e foi admirador do homem selvagem. em 1756 com a fundação da Arcádia
Desprezou o otimismo um tanto Lusitana e teve seu término em 1825,
ingênuo dos enciclopedistas. Afirmou com a publicação do poema Camões,
que as artes e as ciências tinham de Almeida Garret.
contribuído para o progresso Com o lema da Arcádia Lusitana de
da humanidade, mas também a corromperam. cortar as coisas inúteis, os árcades
Escreveu Discurso sobre passam a buscar, então, a simplicidade,
as Ciências e as Artes e Do Contrato a linguagem mais clara, a metrificação
Social. Posteriormente, deu ênfase simples e o uso de versos brancos (sem
à importância da Educação, com rima).
sua obra Emílio. Permanece a presença da mitologia
Inspirados nestes pensadores e greco-romana e há uma restauração
suas teorias, os árcades voltam-se para de alguns escritores como Virgílio,
a natureza em busca de uma vida simples, Horácio, Teócrito, Camões e Sá de Miranda.
bucólica e pastoril, fugindo, assim, Com o governo de Marquês de Pombal,
há em Portugal uma preocupação em traços estilísticos imitam os de Camões.
modernizar a sociedade portuguesa e expulsar Nesta obra, o herói é Diogo Álvares
os jesuítas do sistema educacional Correia e a obra retrata a subordinação
português. Daí o Marquês de Pombal ser do índio ao colonialismo europeu.
conhecido como déspota esclarecido.

Canto VI
Resumidamente falando, podemos (...)
citar diversas características da arte literária Copiosa multidão da nau francesa
arcaica: Corre a ver o espetáculo
1. Volta aos modelos greco-romanos [assombrada;
e à arte camoniana. E ignorando a ocasião da estranha
2. Predominam a razão e a ciência, em [empresa,
oposição à fé e a religião. Pasma da turba feminil, que nada:
3. Há o retorno ao equilíbrio, reagindo Uma, que às mais precede em
contra os preceitos barrocos quanto [gentileza,
ao desequilíbrio. Não vinha menos bela, do que
4. Buscam a perfeição da forma. [irada:
5. Procuram um estilo simples de linguagem, Era Moema, que de inveja geme,
despojando-se das metáforas E já vizinha à nau se apega ao leme
e hipérboles deixadas pela estética (...)
anterior. Perde o lume dos olhos, pasma e
6. Utilizam-se da natureza em suas poesias, [treme,
tornando-as de aspecto bucólico Pálida a cor, o aspecto moribundo,
e ingênuo. Com mão já sem vigor, soltando o
7. Dão ênfase à linguagem simples, porém, [leme,
sem perder a sua nobreza. Entre as salsas escumas desce ao
8. Possuem uma tendência introspectiva. [fundo:
9. Há o culto excessivo à natureza (rococó). Mas na onda do mar, que irado
10. A linguagem torna-se melodiosa. [freme,
11. Usam pseudônimos pastoris. Ex: Bocage Tornando a aparecer desde o
(Elmano Sadino). [profundo:
"Ah! Diogo cruel!" disse com mágoa,
Podemos destacar, como principais e sem vista ser, sorveu-se n'água.
autores:

Correia Garção Manuel Maria Barbosa


(1724 - 1772) du Bocage
Escreveu sátiras, epístolas, sonetos (1765-1805)
e duas comédias: Teatro Novo e Assembléia Integrou-se em 1790 ao Arcadismo
ou Partida. com a publicação de Pavorosa Ilusão
da Eternidade. Foi considerado o poeta
Padre Francisco Manuel mais importante do século XVIII em Portugal.
Escreveu poesia lírica e satírica,
do Nascimento em idílios, odes, epigramas, canções,
(1734-1819) elegias e, principalmente, em sonetos.
Sua maior obra foram As Rimas.
Destacou-se nos sonetos. Ficou conhecido
Por sua sensibilidade e lirismo subjetivo,
por seus pseudônimos Niceno
foi considerado um pré-romântico.
e Filinto Elísio.
Bocage ficou conhecido por seu pseudônimo
Elmano Sadino:
Luis Antonio Verney ELMANO - anagrama de Manoel.
SADINO - homenagem ao rio Sado,
(1713 -1792) que passa por Setúbal, sua terra natal.
Pseudônimo de Frade Barbadinho, Boêmio, conheceu a vida devassa
publicou O Verdadeiro Método de Ensinar. em Lisboa, depois de se decepcionar
amorosamente.
Frei José de Santa
A poesia lírica de Bocage
Rita Durão Bocage, ou Elmano Sadino, cultivou
(1722 - 1784) a lírica bucólica e amorosa, através
É o autor de Caramuru, poema cujos de suas odes, elegias, canções, epístolas
e sonetos. Influenciado por Camões,
podemos encontrar em seus sonetos Cantados pela voz da Dependência.
traços do artista clássico, além Lusos heróis, cadáveres cediços,
de traços pessoais do próprio Bocage, Erguei-vos dentre o pó, sombras
através de uma linguagem mais prosaica [honradas,
e até mesmo coloquial. Surgi, vinde exercer as mãos
[mirradas
Soneto Nestes vis, nestes cães, nestes
Camões, grande Camões, quão [mestiços.
[semelhante Vinde salvar destes pardais
Acho teu fado ao meu, quando [castiços
[os cotejo As searas de arroz, por vós
Igual causa nos fez, perdendo o Tejo, [ganhadas;
Arrostar co'o sacrílego gigante; Mas ah! Poupai-lhe as filhas
Como tu, junto ao Ganges [delicadas,
[sussurrante, Que elas culpa não têm, têm mil
Da penúria cruel no horror me vejo; [feitiços.
Como tu, gostos vãos, que em De pavor ante vós no chão se deite
[vão desejo, Tanto fusco rajá, tanto nababo,
Também carpindo estou, E as vossas ordens, trémulo,
[saudoso amante. [respeite.
Ludíbrio, como tu, da Sorte dura Vão para as várzeas, leve-os o
Meu fim demando ao Céu, [Diabo;
[pela certeza Andem como os avós, sem mais
De que só terei paz na sepultura. [enfeite
Modelo meu tu és... Mas, oh tristeza!... Que o langotim, diâmetro do rabo.
Se te imito nos transes da Ventura, M. M.B. Sonetos in Moisés, Massaud. A Literatura
Não te imito nos dons da Natureza. Portuguesa através dos textos. 9. ed. São Paulo:
Cultrix,
BOCAGE. M M. Barbosa. Sonetos. Lisboa: Bertland,
1980, p. 226.
sd.p.207.
Neste soneto o poeta faz um paralelo
de sua vida com a do poeta Camões. • Lírica Pré-Romântica ou da 2a Fase
- em seus poemas, encontramos
A poesia lírica de Bocage é dividida um reflexo de si mesmo. Destaca-se o
em: lado psicológico, através do sentimento
• Lírica Arcádica ou da 1ª F a s e - e n contramos e da personalidade do autor, gerando
a presença de regras e um gosto pelo noturno, por formas macabras
convenções trazidas pelo Arcadismo. e tendo a morte como única solução
O poeta adota uma atitude de artificialismo para os seus problemas:
poético, dotando sua poesia de "Ó retrato da Morte, ó Morte amiga
imagens mitológicas e clássicas. Procura Por cuja escuridão suspiro há tanto!"
utilizar o racionalismo, porém, a sua O artista se opõe totalmente à dependência
sensibilidade o levou a uma expressão e ao despotismo, em nome
mais emotiva, pessoal e sincera. da Razão.
O artista demonstra o seu "eu" turbulento Em seus poemas, encontramos o
em reação à impessoalidade e o cultivo a uma vida fúnebre e noturna,
fingimento da poesia árcade. exprimindo sentimentos negativos como
o ciúme, a blasfêmia e a contrição, gerados
pelo abandono, além de uma linguagem
Sonetos pessimista e fatalista:
Incultas produções da mocidade
Exponho a vossos olhos, ó leitores:
Vêde-as com mágoa, vêde-as Sonetos
[com piedade, Meu ser evaporei na lida insana
Que elas buscam piedade, Do tropel de paixões, que me
[e não louvores: [arrastava:
Ponderai da Fortuna a variedade Ah! Cego eu cria, ah! mísero
Nos meus suspiros, lágrimas e [eu sonhava
[amores; Em mim quase imortal a
Notai dos males seus a imensidade, [essência humana:
A curta duração dos seus favores: De que inúmeros sóis a mente ufana
E se entre versos mil de sentimento Existência falaz me não dourava!
Encontrardes alguns, cuja aparência Mas eis sucumbe Natureza escrava
Indique festival contentamento, Ao mal, que a vida em sua
Crêde, ó mortais, que foram com [origem dana.
[violência Prazeres, sócios meus, e
Escritos pela mão do Fingimento, [meus tiranos!
Esta alma, que sedenta em si
[não coube, [te assevero.
No abismo vos sumiu dos Que ferve esta alma em
[desenganos; [cândidos amores;
Deus, oh Deus!... Quando a morte Longe o prazer de ilícitos favores!
[à luz me roube Quero o teu coração, mais nada quero.
Ganhe um momento o que Ah! Não sejas também qual comigo
[perderam anos, A cega divindade, a Sorte dura,
Saiba morrer o que viver A vária Deusa, que me nega abrigo!
[não soube. Tudo perdi: mais valha-me a ternura
BOCAGE, M. M. Barbosa. Sonetos. Lisboa, Bertíand, Amor me valha, e pague-me contigo
s d . p , 67. Os roubos que me fez a má ventura.
BOCAGE, M.M.B. Sonetos. Lisboa: Beròand, s. d., p.
Este soneto foi composto momentos 67
antes da morte de Bocage. Gertrúria = pseudônimo de Gertrudes,
Ó retrato da morte! Ó Noite amiga, o verdadeiro amor do poeta, que se
Por cuja escuridão suspiro há casou com seu próprio irmão, Gil Francisco
[tanto! Barbosa du Bocage.
Calada testemunha de meu pranto,
De meus desgostos secretária A poesia satírica de Bocage
[antiga! Bocage, em suas sátiras, critica o poder
Pois manda Amor que a ti somente e ironiza o clero e a nobreza decadente.
[os diga Sua linguagem é obscena e erótica:
Dá-lhes pio agasalho no teu manto; "Ah! Faze-me ditoso, e sê ditosa.
Ouve-os, como costumas, ouve, Amar é um dever, além de um gosto,
[enquanto Uma necessidade, não um crime,
Dorme a cruel que a delirar me Qual a impostura horríssona apregoa.
[obriga. Céus não existem, não existe inferno,
E vós, ó cortesãos da escuridade, O prêmio da virtude é a virtude,
Fantasmas vagos, mochos É castigo do vício o próprio vício."
[piadores, Neste poema, Bocage renega aos
Inimigos, como eu, da claridade! "céus", associados à visão sensual do
Em bandos acudi aos meus amor, que é a prisão do poeta.
[clamores;
Quero a vossa medonha
[sociedade, Resumo do Arcadismo
Quero fartar meu coração de Momento sócio-cultural * Didatismo na literatura:
[horrores. o texto como forma de ilustração, de "iluminação"
Bocage procura fazer uma auto-análise • Iluminismo, enciclopedismo, despo- intelectual
e disso encontramos traços vivos em (neoclassicismo),
sua poesia: confissões, arrependimentos, tismo esclarecido: aliança entre os
tensão dramática, sofrimento, luta reis e a burguesia, formação da ide- . Lemas
entre a Razão e o Sentimento, a cabeça e arcádicos: carpe diem (viver
o coração: ologia burguesa. 0 momento), fugere urbem (fugir
"Razão, de que me serve da cidade), inutilia truncat (cortar o que
[o teu socorro? Características literárias é inútil).
Mandas-me amar, eu ardo, eu amo; • O texto como momento de lazer, de
Dizes-me que sossegue, eu penso, experiência amena com o belo, de
[eu morro." distração, de idealização de um
Observando-se estes dois períodos mundo pastoril e bucólico (arcadismo).
da poesia lírica de Bocage, podemos dizer • Uso de pseudônimos pastoris, que
que a1ª fase do artista é mais voltada remontam à Antiguidade.
ao seu lado emotivo, refletindo uma • Fundação de Arcádias, academias
fase romântica de sua vida, quando conheceu literárias.
seu grande amor, Gertrudes. • Revigoramento do racionalismo classicista
A 2ª fase, no entanto, por sua linguagem (neoclassicismo) em oposição
e expressão mais negativa, reflete a ao Barroco.
sua nova vida, quando descobriu que sua
amada casou-se com o seu irmão; e a partir
daí, passou a levar uma vida errante e Autores e obras
boêmia: • Correia Garção: um dos principais
Eu deliro, Gertrúria, eu desespero teóricos do Arcadismo. Escreveu
No inferno de suspeitas e temores. Teatro Novo (1766) e Assembléia
Eu da morte as angústias e ou Partida (1770), Obras Poéticas
[os horrores (1778).
Por mil vezes sem morrer tolero. • Manuel Maria Barbosa du Bocage:
Pelo Céu, por teus olhos o maior poeta português do século
XVIII, e um dos maiores da língua. • o sentimento passa a predominar sobre
Autor de Rimas (1791), posteriormente a razão;
acrescida de novos textos. • a natureza passa a ser o tema poético
para o romântico;
• a criação é um ato de liberdade;
• fuga à realidade para um mundo imaginário,
criado a partir de sonhos e
Romantismo emoções;
Movimento artístico que teve seu • busca-se um mundo perfeito e ideal;
início em meados do século XVIII, estendendo- • valorização da linguagem popular;
se até metade do século XIX. O • os versos são livres, sem métrica e
tema central desta estética foi a "liberdade sem estrofação; há a existência, também,
do indivíduo em relação ao poder de versos brancos (sem rima).
dominante da aristocracia". Com isto, externa- O Romantismo português é dividido
se a emoção e o sentimentalismo. em três gerações:
Os românticos buscam uma arte individualista, Primeira geração - permanecem
em que o "eu" torna-se o centro alguns valores neoclássicos.
de tudo. Segunda geração - é o chamado
O nacionalismo, o sentimentalismo, ultra-romantismo, onde as características
o subjetivismo e o irracionalismo são românticas são levadas ao exagero.
características marcantes no Romantismo Terceira geração - é a transição
inicial. para o Realismo.
O Romantismo busca explicar o
nacionalismo e a valorização do passado,
voltando-se ao amor medieval, que Primeira Geração
passa a ser o tema de grandes romances
e poemas.
Em Portugal, Almeida Garret inaugurou João Batista da Silva
o movimento com o poema Camões,
em 1825. Os primeiros anos do
Leitão de Almeida Garret
Romantismo em Portugal coincidem com (1799 - 1854)
as lutas civis entre liberais e conservadores, Foi o iniciador do Romantismo e responsável
acirradas por uma guerra que pela evolução do teatro português.
durou dois anos. Nascido de família enriquecida no
Segundo Alfredo Bosi, em História Brasil, foi educado para padre, mas acabou
Concisa da Literatura Brasileira, "o Romantismo formando-se em Direito na faculdade
expressa o sentimento dos de Coimbra. Ainda estudante dedicou-se
descontentes com as novas estruturas: também ao teatro de inspiração democrática
a nobreza que já caiu, e a pequena burguesia e de estilo neoclássico. Depois de
que ainda não subiu: de onde as formado, exerceu funções burocráticas
atitudes saudosistas ou reivindicatórias em Lisboa. Suas primeiras poesias apresentam
que pontuam todo o movimento". características árcades, como em
Camões. A estrutura romântica só será
Principais Características encontrada em Flores sem Fruto e Folhas
• volta ao passado para fugir dos conflitos Caídas, uma obra mais voltada para
do mundo atual; o amor, refletindo as experiências pessoais,
• o romântico opõe-se ao modelo clássico; dores e angústias de seu relacionamento
• opõe-se à arte de caráter erudito e com a Viscondessa da Luz. Retrato
nobre, tornando-se uma arte de caráter de Vénus e Dona Branca também
popular, que valoriza o nacional; são obras importantes do artista. Garret
• o indivíduo passa a ser o centro das destaca-se também no teatro com Um
atenções, carregado de imaginação e Auto de Gil Vicente e Frei Luís de Sousa.
sentimentos;
• os românticos cultivavam o nacionalismo, Frei Luís de Sousa
que se manifestava na exaltação Adotando a forma da tragédia grega,
da natureza pátria, no retorno Garret constrói o enredo em torno
ao passado histórico e na criação do de um triângulo amoroso: D. Madalena
herói nacional (o belo e valente cavaleiro de Vilhena, Manuel (Frei Luís) de Sousa
medieval); e Romeiro (D. João de Portugal).
• cultuam-se os ideais da Idade Média; Madalena vive num constante conflito
• promove uma volta ao catolicismo medieval; interior, pois, apesar de ter se casado
• supervalorização das emoções pessoais com Manuel de Sousa Coutinho, nunca
- subjetivismo; teve certeza da morte de seu primeiro
• excessiva valorização do eu, gerando marido, D. João de Portugal. Sua presença
o egocentrismo; permanece viva, graças a presença
de um romeiro que regressava Romeiro
da peregrinação a Jerusalém e que, As suas palavras, trago-as escritas
posteriormente no coração com as lágrimas de sangue
vem a revelar sua identidade que lhe vi chorar, que muitas vezes
- era o próprio D. João. A este fato, o me caíram nestas mãos, que me correram
casal resolve se separar, a fim de dedicar por estas faces. Ninguém o consolava
o resto de seus dias à Igreja. senão eu... e Deus! Vede se me
O título da peça põe em destaque esqueceriam as suas palavras.
a figura de Frei Luís de Sousa, nome Jorge
que Manuel tomará ao abraçar a vida Homem, acabai!
religiosa. Este personagem simboliza o Romeiro
patriota que arrisca a própria vida para Agora acabo; sofrei que êle também
se manter fiel aos ideais nacionalistas. sofreu muito. Aqui estão as suas
Seguindo a forma da tragédia, a palavras: "Ide a D. Madalena de Vilhena,
ação se desenvolve em clímax, agnórise e dizei-lhe que um homem que muito bem
e desafio ao destino, presente desde lhe quis... aqui está vivo... por seu mal...
o início do conflito. e daqui não pode sair nem mandar-lhe
Maria de Noronha, filha de Manuel novas suas de há vinte anos que o trouxeram
com Madalena, apesar de pouca idade, cativo".
age como uma mulher madura. É fervorosa Madalena (na maior ansiedade)
e está intimamente ligada à figura Deus tenha misericórdia de mim! E
de D. João de Portugal. esse homem... Jesus! Esse homem era...
esse homem tinha sido... levaram-no aí
Fragmentos da Peça de donde?... de África?
Frei Luís de Souza Romeiro
Madalena Levaram.
Deixai, deixai, não importa, eu folgo Madalena
de vos ouvir: dir-me-eis vosso recado Cativo?...
quando quiserdes... logo, amanhã... Romeiro
Romeiro Sim.
Hoje há de ser. Há três dias que Madalena
não durmo nem descanso, nem pousei Português?... cativo da batalha de?...
esta cabeça, nem pararam estes pés Romeiro
dia nem noite, para chegar aqui hoje, Alcáler-Quibir
para vos dar meu recado... e morrer Madalena (espavorida)
depois... ainda que morresse depois; Meu Deus, meu Deus! Que se não
porque jurei... faz hoje um ano... quando abre a terra debaixo dos meus pés?...
me libertaram, dei juramento sobre a que não caem estas paredes, que me
pedra santa do Sepulcro de Cristo... não sepultam já aqui?...
Madalena Jorge
Pois éreis cativo em Jerusalém? Calai-vos, D. Madalena! A misericórdia
Romeiro de Deus é infinita, esperai. Eu
Era: não vos disse que vivi lá vinte duvido, eu não creio... estas não são
anos? coisas para se crerem de leve (reflete,
Madalena e logo como por uma idéia que lhe acudiu
Sim, mas... de repente). Oh! Inspiração divina...
Romeiro (chagando ao romeiro)
Mas o juramento que dei foi que, Conheceis bem esse homem, romeiro:
antes de um ano cumprido, estaria diante não é assim?
de vós e vos diria da parte de quem Romeiro
me mandou... Como a mim mesmo.
Madalena (aterrada) Jorge
E quem vos mandou, homem? Se o víreis... ainda que fosse noutros
Romeiro trajos... com menos anos, pintado,
Um homem foi, e um honrado homem... digamos, conhecê-lo-eis?
a quem unicamente devi a liberdade... Romeiro
a ninguém mais. Jurei fazer-ihe Como se me visse a mim mesmo
a vontade, e vim. num espelho.
Madalena Jorge
Como se chama? Procurai nestes retratos, e dizeime
Romeiro se algum deles pode ser.
O seu nome, nem o da sua gente Romeiro
nunca o disse a ninguém no cativeiro. É aquele, (sem preocupar, e apontando
Madalena logo para o retrato de D. João)
Mas, enfim, dizei vós... Madalena
Minha filha, minha filha, minha filha!... chão.
Estou... estás... perdidas, desonradas... Para mais realçar a beleza do quadro,
infames! Oh! Minha filha, minha filha!... vê-se por entre um claro das árvores
a janela meia aberta de uma habitação
Este Inferno de Amar antiga mas não dilapidada - com
Este inferno de amar-como eu amo! - certo ar de conforto grosseiro, e carregada
Quem mo pôs aqui n'aima... na côr pelo tempo e pelos vendavais
[quem foi? do sul a que está exposta. A janela
Esta chama que alenta e consome, é larga e baixa; parece mais ornada e
Que é a vida - e que a vida destrói - também mais antiga que o resto do edifício
Como é que se veio a atear, que todavia mal se vê...
Quando - ai quando se há de Interessou-me aquela janela.
[apagar? Quem terá o bom gosto e a fortuna
Eu não sei, não me lembra: de morar ali?
[o passado, Parei e pus-me a namorar a janela.
A outra vida que dantes vivi Encantava-me, tinha-me ali como
Era um sonho talvez... -foi um sonho - um feitiço.
Em que paz tão serena a dormi! Pareceu-me entrever uma cortina
Oh! que doce era aquele sonhar... branca... e um vulto por detrás... Imaginação
Quem me veio, ai de mim! despertar? decerto! Se o vulto fosse feminino!...
Só me lembra que um dia formoso era completo o romance.
Eu passei... dava o Sol tanta luz! Como há de ser belo ver pôr o Sol
E os meus olhos, que vagos giravam, daquela janela!...
Em seus olhos ardentes os pus. E ouvir cantar os rouxinóis!...
Que fêz ela? eu que fiz? - Não no sei; E ver raiar uma alvorada de Maio!...
Mas nessa hora a viver comecei... Se haverá ali quem a aproveite, a
GARRET, Almeida. Lírica incompleta. Lisboa: Arcádia, deliciosa janela?... quem aprecie e saiba
1971, p. 368-9. gozar todo o prazer tranqüilo, todos
Poema escrito em primeira pessoa, os santos gozos de alma que parece
retrata uma confissão de forma sincer que lhe andam esvoaçando em tomo?
a . Há o u s o d e oposições p a r a e x p o r Se fôr homem é poeta; se é mulher
sua contradição (amar é um inferno). está namorada.
Podemos notar neste poema o egocentrismo São os dois entes mais parecidos
do autor, pois tudo gira em torno da natureza, o poeta e a mulher namorada:
do "eu". vêem, sentem, pensam, falam
como a outra gente não vê, não sente,
Viagens na minha Terra não pensa nem fala.
O Vale de Santarém é um destes Na maior paixão, no mais acrisolado
lugares privilegiados pela natureza, sítios afeto do homem que não é poeta,
amenos e deleitosos em que as entra sempre o seu tanto da vil prosa
plantas, o ar, a situação, tudo está numa humana: é liga sem que se não lavra o
harmonia suavíssima e perfeita: não há mais fino de seu ouro. A mulher não; a
ali nada grandioso nem sublime, mas mulher apaixonada deveras sublima-se,
tia uma como simetria de cores, de idealiza-se logo, toda ela é poesia; e não
sons, de disposição em tudo quanto se há dor física, interesse material, nem
vê e se sente, que não parece senão deleites sensuais que a façam descer
que a paz, a saúde, o sossego do espírito ao positivo da existência prosaica.
e o repouso do coração devem viver
ali, reinar ali um reinado de amor e Barca bela
benevolência. As paixões más, os pensamentos Pescador da barca bela
mesquinhos, os pesares e Onde vás pescar com ela,
as vilezas da vida não podem senão Que é tão bela,
fugir para longe. Imagina-se por aqui o Ó pescador?
Éden que o primeiro homem habitou com Não vês que a última estrela
a sua inocência e com a Virgindade do No céu nublado se vela?
seu coração. Colhe a vela,
À esquerda do vale, e abrigado do Ó pescador!
norte pela montanha que ali se corta Deita o lanço com cautela,
quase a pique, está um maciço de verdura Que a sereia canta bela...
do mais belo viço e variedade. A Mas cautela,
faia, o freixo, o álamo entrelaçam os ramos Ó pescador!
amigos; a madressilva, a musqueta Não se enrede a rede nela,
penduram de um a outro suas grinaldas Que perdido é remo e vela,
e festões: a congossa, os fetos, o malvarosa Só de vê-la,
do valado vestem e alcatifam o Ó pescador!
Pescador da barca bela, Eurico é um padre que se refugia
Inda é tempo, foge dela, na vida religiosa para tentar esquecer,
Foge dela, seu grande amor, cuja mão lhe foi negada
Ó pescador! pelo pai, o duque de Cantábria,
devido às condições financeiras de
Eurico.
Antonio Feliciano No momento em que ocorre a invasão
de Castilho árabe, Eurico torna-se o temido
"cavaleiro negro", que aterroriza os
(1800 - 1875) árabes com sua ousadia e valentia. Entretanto,
Foi tradutor de autores clássicos e os árabes acabam vencendo
escreveu A noite do Castelo, Escavações a guerra e, com isso, invadem cidades,
Políticas e O Outono. casas, igrejas e conventos. Hermengarda
é raptada pelos árabes e
Alexandre Herculano de Eurico enfrenta todos os perigos para
salvá-la.
Carvalho e Araújo Em meio às lutas, Eurico e Hermengarda
se reencontram e ela, em sonho,
(1810 - 1877) revela seu amor a ele. Mas a união entre
Foi o introdutor do romance histórico os dois se toma ainda mais impossível,
em Portugal. Devido a sua educação já que ele havia se tornado padre.
literária. Para Herculano, a literatura deveria Após ter participado de uma bem
ser popular e nacional (voltada para sucedida emboscada contra os árabes,
o povo), demonstrando a vida social. Eurico permite que seus inimigos o matem,
Escreveu Eurico, o presbítero - obra pondo fim aos seus sentimentos
de cunho histórico, que vai se opor ao amorosos e ao conflito religioso. Hermengarda,
celibato clerical, enfatizando o amor romântico ao saber de sua morte, enlouquece.
entre os jovens Eurico e Hermengarda A religião é o agente complicador
- O monge de Cister, O Bobo do conflito sentimental de Eurico. A época
e Lendas e Narrativas. Os temas tratados histórica é a do domínio árabe. O
pelo artista são: a religião, a pátria e narrador é onisciente. O autor ocupa
a natureza. Sua poesia é rica em símbolos sempre o primeiro plano, mesmo no diálogo,
e em hipérbatos, não existindo o lirismo onde exprime as suas idéias, comentários
amoroso em suas obras, apenas misturados com uma certa
a afirmação da fé e uma condenação ao ironia quase agressiva. A obra apresenta
desprezo e ingratidão dos homens. Seus três partes distintas: a primeira apresenta
versos eram soltos e o poeta utiliza-se o caos da época; a segunda introduz
de várias estruturas estróficas. Já nos e caracteriza as personagens na
romances, em que introduziu a História ação que, na terceira parte, surge clara
de Portugal, pretendia realizar uma história e em seu pleno desenvolvimento, até
política e social da Idade Média portuguesa, a conclusão. A linguagem ritmada, rica
ressaltando o papel da burguesia. de lirismo e de comparações sugestivas,
Herculano nasceu de uma família permitiria a classificação como poema
da pequena burguesia, e por falta de em prosa. Trata-se de um romance
recursos não pode seguir carreira universitária. grandioso, com lances violentos e a unidade
Aos 21 anos de idade empregou- de ação e o desenrolar dos acontecimentos
se como bibliotecário da Biblioteca fazem de Eurico, o presbítero,
Pública do Porto. Demitiu-se de um texto aparentado da tragédia.
seu cargo público como forma de protesto MOISÉS, Massaud. A Literatura Portuguesa. Roteiro
e lançou-se a oposição com o folheto das Grandes Literaturas. São Paulo: Cultrix, 1960.
A Voz do Profeta, que o consagrou
como escritor. Dedicou-se ao jornalismo Trecho da Obra: Prefácio
e dirigiu O Panorama. Em 1840, Eu, por minha parte, fraco argumentador,
foi eleito deputado e defendeu um projeto só tenho pensado à luz do
de reforma geral e popularização sentimento e sob a influência da impressão
do ensino. Participou do golpe de Estado singular que desde verdes
da Regeneração em 1850. em 1867, anos fez a mim a idéia da irremediável
decidiu dedicar-se à lavoura, abrandando solidão da alma a que a igreja condenou
suas atividades de escritor e homem os seus ministros, especie de amputação
público. espiritual, em que para o sacerdote
morre a esperança de completar
Eurico, o Presbítero a sua existência na terra. Supondo
O romance relata a invasão árabe todos os contentamentos, todas as consolações
na península Ibérica no século VIII e a que as imagens celestiais e a
história de um amor impossível entre crença viva podem gerar, e achareis
Eurico e Hermengarda.
que estas não suprem o triste vácuo [ores,
da soledade do coração. Daí às paixões És digno incenso ao Criador
todo o ardor que puderdes, aos [erguido;
prazeres mil vezes mais intensidade, Livres aves, filhas da espessura,
aos sentimentos a máxima energia e Que só teceis da natureza as
convertei o mundo em paraíso, mas tirai [hinos,
dele a mulher, e o mundo será um ermo O que crê, o cantor, que foi
melancólico, os deleites serão apenas [lançado,
o prelúdio do tédio. Estranho no mundo, no bulício dele,
HERCULANO, Alexandre. Eurico, o presbítero. São Vem saudar-vos, sentir um gozo
Paulo: Difel, 1963, p.39. [puro,
Dus homens esquecer paixões e
A Arrábida [opróbio,
I E ver, sem ver-lhe a luz prestar a
Salve, ó vale do sul, saudoso e belo! [crimes,
Salve, ó pátria da paz, deserto O Sol, e uma só vez puro
[santo, [saudar-lha.
Onde não ruge a grande voz das Convosco eu sou maior; mais
[turbas! [longe a mente dos céus se
Solo sagrado a Deus, pudesse [imerge livre,
[ao mundo E se desprende de mortais
O poeta fugir, cingir-se ao ermo, [memórias
Qual ao freixo robusto a frágil hera, Na solidão solene, onde,
E a romagem do túmulo cumprindo, [incessante,
Só conhecer, ao despertar na Em cada pedra, em cada flor se
[morte, [escuta
Essa vida sem mal, sem dor, Do Sempiterno a voz, e vê-se
[sem termo, [impressa
Que íntima voz continuo nos A dextra sua em multiforme
[promete [quadro.
No trânsito chamado o viver do E lá campeiam no alto das
[homem [montanhas
// Os escalvados píncaros, severos,
Suspira o vento no álamo frondoso; Quais guardadores de um lugar
As aves soltam matutino canto; [que é santo;
Late o lebréu na encosta, e o mar Atalaias que ao longe o mundo
[sussurra [observam,
Dos alcantis na base carcomida; Cerrando até o mar o último abrigo
Eis o ruído de ermo! Ao tonge g Da crença viva, da oração
[negro, [piedosa,
Insondado oceano, e o céu cerúleo Que se ergue a Deus de lábios
Se abraçam no horizonte. Imensa [inocentes.
[imagem Sobre esta cena o sol verte em
Da eternidade e do infinito, salve! [torrentes
Ill Da manhã o fulgor; a brisa
Oh, como surge majestosa e bela. [esvai-se
Com viço da criação, a natureza Pelos rosmaninhais, e inclina os
No solitário vale! E o leve insecto [topos
E a relva e os matos e a fragrância Do zimbro e alecrineiro, ao rés
[pura [sentados
Das boninas da encosta estão Desses tronos de fragas
[contando [sobrepostas,
Mil saudades de Deus, que os há Que alpestres matas de medronhos
[lançado, [vestem;
Com mão profusa, no regaço O rocio da noite à branca rosa
[ameno No seio derramou frescor suave,
Da solidão, onde se esconde o E inda existência lhe dará um dia.
(justo. Formoso ermo do sul, outra vez,
— 59 — [salve!
Ricas d'encantos, coa estação IV
[propícia; Negro, estéril rochedo, que
Suavíssimo aroma, que, manando [contrastas,
Das variegadas flores, derramadas Na mudez tua, o plácido sussurro
Na sinuosa encosta da montanha, Das árvores do vale, que vicejam
Do altar da solidão subindo aos
se com um tiro no ouvido.
Segunda Geração Sua vida foi um emaranhado de amores
aventureiros, sendo até processado
por adultério. Foi precursor da novela:
narrativa linear, rápida, objetiva, de poucas
Antônio Augusto Soares descrições, com maior intervenção
de Passos do narrador e pouca profundidade psico—
61 —
(1826 - 1860) lógica. A partir da publicação de Amor de
Publicou Poesias, em 1855. Perdição e Amor de Salvação, Camilo
O Noivado no Sepulcro mostra o contraste entre a mulher fatal e
Vai alta a lua! na mansão da morte a mulher anjo, os obstáculos ao amor e
Já meia-noite com vagar soou. os personagens voltando à religião.
Que paz tranqüila; dos vaivéns Camilo retratou, em suas obras, as
[da sorte cidades e a região do norte de Portugal.
Só tem descanso quem ali baixou. Escreveu também Nostalgias, Nas Trevas,
Que paz tranqüila!... mais eis longe, Agostinho de Ceuta, Memórias do
[ao longe Cárcere, O Judeu e Eusébio Macário.
Funérea campa com fragor rangeu;
Branco fantasma semelhante Amor de Perdição
[a um monge, A família dos namorados Simão Botelho
Dentre os sepulcros a cabeça e Teresa de Albuquerque estão, há
[ergueu. muito tempo, brigadas, e fazem de tudo
Porém mais tarde, quando foi volvido para separá-los. Simão é mandado para
Das sepulturas o gelado pó, Coimbra. Teresa, para não aceitar a alternativa
Dois esqueletos, um ao outro unido, odiosa de casar-se com o primo
Foram achados num sepulcro só. Baltazar Coutinho, ingressa num convento.
In Poesias. Porto: Cuartiron, 1925, pp. 12-15 A parte trágica deste romance começa
ApuoMassaud Moisés. A Literatura Portuguesa através
dos textos. 9* ed. São Paulo: Cultríx. 1980,
quando Simão vai procurar a amada
pp.280 e 2 8 1 . no convento e fere mortalmente a seu rival.
Condenado, Simão tem de rumar para
o exílio. Quando o navio começa a largar,
Camilo Ferreira Botelho Simão ainda avista a amada de longe, e a
cena em que Teresa lhe acena com o
Castelo Branco lencinho, do convento de Monchique, é
uma das mais permanentes em toda a
(1825-1890) história da novela amorosa.
Há uma relação entre sua vida e a Trata-se de um romance de explosão
vida que ele projeta em suas obras. Filho passional, em que a razão se mostra
bastardo, nasceu em Lisboa. Sua mãe, frágil e incapaz de relativizar os eventos
Jacinta Rosa do Espírito Santo morreu ou amenizá-los. Esse caráter passional
quando tinha apenas dois anos de idade. da intriga camiliana não deixa de
Ela era criada de seu pai, Manuel Joaquim lado nem mesmo aquela Mariana que
Botelho Castelo Branco, que faleceu depositara em Simão um terno e resignado
após oito anos da morte de sua mãe. amor. Pois na hora em que o corpo
Órfão, é educado pela tia Rita Emília e do herói é jogado ao mar, Mariana opta
vivência ao seu lado o terror de ter o seu por morrer junto do amado, agarrándose
avó assassinado e a morte de su tio Simão. ao cadáver de Simão.
Casou-se pela primeira vez aos 16 A ação da obra gira em torno da
anos de idade com Joaquina Pereira, porém invencibilidade da paixão de Simão e
ela o abandonou. Mais tarde tornouse Tereza. O tempo da narrativa é cronológico,
estudante de Medicina, quando teve ou seja, há uma sucessão cronológica
envolvimentos com sua prima Patrícia de eventos. A forma é linear,
Emília, com quem fugiu acusado de adultério. pois o autor escrevia em 1861 um drama
Com a morte de sua primeira esposa, vivido em 1801. A narrativa situase
Patrícia passou a ser sua verdadeira no início do século XIX, quando houve
esposa até vir a engravidar. Com isso, o inicio da consolidação da sociedade
Camilo a abandona e, em 1850, conhece romántico-liberal. O tempo passado
o seu grande amor - Ana Plácido, que se lhe dá maior liberdade no discurso. O
casou com outro. Deprimido pelo acontecimento, espaço é caracterizado pelo ambiente
Camilo vai para o seminário, onde social (sociedade provinciana que viveu
passa a ter um caso amoroso com uma na região da beira-alta) e age na
freira. Anos mais tarde, retorna seu romance narrativa intensificando os obstáculos
com Ana Plácido e são presos que se levantam contra o amor de Simão
por adultério. Em 1890, cego, Camilo suicida- e Tereza. Referindo-se aos personagens,
podemos dividi-los em: Fidalgos (fragmentos)
jovens (nobreza de caráter), Fidalgos Esta escrivã não é má rapariga. Só
adultos e religiosos (arrogantes, tem o defeito de se tomar da pingoleta;
soberbos) e Plebeus jovens ou adultos depois, não há quem a ature. Tem uma
(nobreza de caráter, bondade). O boa tença, mas gasta tudo em vinho, e
aprofundamento psicológico é ausente tem ocasiões de entrar no coro a fazer
nos personagens, pois o objetivo principal ss, que é mesmo uma desgraça. Não tem
do autor é colocar em evidencia outro defeito; é uma alma lavada, e amiga
apenas o comportamento humano. Dentre da sua amiga. É verdade que, às vezes...
os personagens, destacam-se: Simão (aqui a prelada ergueu-se a escutar nos
Antônio Botelho, herói romântico e dormitórios, e fechou por dentro a porta)
de extremismos emocionais (tentativa é verdade que às vezes quando anda
de rapto, que gera mortes e, conseqüentemente, azoratada, dá por paus e por pedras, e
seu fim trágico); Teresa, descobre os defeitos das suas amigas. A
a heroína romântica; Mariana, a amante mim já ela me assacou um aleive, dizendo
silenciosa (ideal romântico); João da que eu, quando saía a ares, não ia só a
Cruz, o camponês rústico, protetor de ares, e andava a fazer o que fazem as
Simão; Baltasar Coutinho, o burguês interesseiro, outras. Forte pouca vergonha! Lá que
sem moral; Tadeu de Albuquerque, outra falasse, vá; mas ela, que tem sempre
o pai autoritário que, por uma uns namorados pandilhas que bebem
rivalidade particular, impede a felicidade com ela na grade, isso lá me custa; mas,
da filha com Simão. enfim, não há ninguém perfeito!... Boa rapariga
MOISÉS, Massaud. A Literatura Portuguesa em é ela... se não fosse aquele maldito
perspectiva. V.3. São Paulo: Atlas, 1994. vício...
Ao romper da manhã apagara-se a
Amor de Perdição - A ironia lâmpada. Mariana saíra a pedir luz e ouvira
A ironia romântica é uma das características um gemido estertoroso. Voltando às escuras,
marcantes da obra de Camilo com os braços estendidos para
Castelo Branco, traduzida na sua maneira tatear a face do agonizante, encontrou a
particular de expor a vida da sociedade mão convulsa, que lhe apertou uma das
portuguesa do século XVIII (entendase suas, e relaxou de súbito a pressão dos
por sociedade, a corte e o povo), captando dedos.
suas particularidades e criticando Entrou o comandante com uma lâmpada,
seus hábitos e costumes arraigados. e aproximou-lha da respiração,
Tal ironia se desenvolve em três aspectos: que não embaciou levemente o vidro.
o autor sendo crítico da sua própria — Está morto! - disse ele.
obra, ou seja, a autoironia; a ironia Mariana curvou-se sobre o cadáver,
com o mundo; e a ironia com os próprios e beijou-lhe a face. Era o primeiro
personagens. beijo. Ajoelhou depois ao pé do beliche
Logo no início do romance percebemos com as mãos erguidas, e não orava
a ironia nos nomes dos personagens, nem chorava.
tão grandes que podiam constituir (...)
uma frase: Domingos José Correia Botelho Dois homens ergueram o morto ao
de Mesquita e Meneses, e D. Rita Teresa alto sobre a amurada. Deram-lhe o balanço
Margarida Preciosa da Veiga Caldeirão para o arremessarem longe. E, antes
Castelo Branco. que o baque do cadáver se fizesse ouvir
Manuel Botelho e o lojista são diferentes na água, todos viram, e ninguém já pôde
de Simão Botelho, para quem a segurar Mariana, que se atirara ao mar.
mulher amada, Teresa de Albuquerque, (...)
é tudo. É capaz de mudar o curso da sua Viram-na num momento, bracejar,
vida, até então promissora. Há também não para resistir à morte, mas para abraçar-
ironia crítica em relação ao herói do romance, se ao cadáver de Simão, que uma
Simão Botelho, pois é um herói onda lhe atirou aos braços. O comandante
romântico que passa necessidades financeiras: olhou para o sítio donde Mariana
Não é bonito deixar a gente vulgarizar se atirara, e viu, enleado no cordame, o
o seu herói a ponto de pensar na avental, e à flor da água, um rolo de papéis,
falta de dinheiro, um momento depois que que os marujos recolheram na lancha.
escreveu à mulher estremecida uma carta Eram, como sabem, a correspondência
como aquela de Simão Botelho. de Teresa e Simão.
Percebemos também o tom irônico, BRANCO, Camilo Castelo. Amor de Perdição. 8' ed.
até sarcástico, no episódio do convento, São Paulo: Ática, 1983, p. 117-8.
reduto de senhoras puras à beira da Após leitura e análise do romance,
santidade, que é descrito como o abrigo podemos observar que a sociedade foi a
de freiras especuladoras da vida alheia, causadora da própria perdição, pois se
que se embriagam de vinho e até possuem não fossem inimigas as famílias, a história
namorados: transcorreria sem tumultos. Ressaltamos
que esta perdição referida é tanto do corpo um dos precursores do Realismo.
quanto da alma, já que antes do herói Escreveu: As Pupilas do Senhor
do romance suicidar-se, acarreta a morte Reitor, Uma Família Inglesa, Os Fidalgos
de: dois empregados de Baltasar Coutinho, da Casa Mourisca e A Morgadinha
do próprio Baltasar Coutinho, do ferrador dos Canaviais.
João da Cruz (que é morto por vingança),
da sua amada Teresa de Albuquerque, de As Pupilas do Senhor Reitor
Mariana, que se mata junto a ele, e ainda (resumo)
provoca a destruição das três famílias, A história ocorre num cenário povoado
indo contra os princípios religiosos. de tipos humanos cuja bondade
só ó maculada pelo moralismo quase
Terceira Geração ingênuo de comadres fofoqueiras.
Daniel, ainda menino, prepara-se para
ingressar no seminário, mas o reitor
descobre seu inocente namoro com a
João de Deus Ramos pastorinha Margarida (Guida). O pai,
José das Dornas, decide então enviálo
(1830 - 1896) ao Porto para estudar medicina. Dez
Escreveu Campo de Flores. anos depois, Daniel volta para a aldeia,
Encanto como médico homeopata e, Margarida,
Passavas como rainha, agora professora de crianças, conserva
E eu, que andava como morto, ainda seu amor pelo rapaz. Ele, no
Parece que me sustinha entanto, contaminado pelos costumes
No ar em êxtase, absorto... da cidade, torna-se um namorador impulsivo
É ela, dizia eu, e inconstante, e já nem se lembra
A minha estrela do céu! da pequena pastora. Nesse tempo,
Passavas lançando em torno, Pedro, irmão de Daniel, está noivo de
Como a lua em noite amena, Clara, irmã de Margarida. O jovem médico
Aquele olhar doce e morno encanta-se da futura cunhada, iniciando
Que me dava gosto e pena... uma tentativa de conquista que
Pena não ser só meu poria em risco a harmonia familiar. Clara,
Esse reflexo do céu! inicialmente, incentiva os arroubos
Mal sabes como em nossa alma, do rapaz, mas recua ao perceber a gravidade
À luz de uns olhos que atraem, das consequências. Ansiosa por
A tempestade se acalma acabar com impertinente assédio, concede-
E as nuvens negras se esvaem! lhe uma entrevista no jardim de
Com a luz de um olhar teu sua casa. Esse encontro é o ponto culminante
É uma bênção do céu! da narrativa: surpreendidos por
De tal maneira me encanta, Pedro, são salvos por Margarida, que
Que até andei, por exemplo, toma o lugar da irmã. Rapidamente, esses
Contigo a Semana Santa, acontecimentos tornam-se um
Sem saber, de templo em templo grande escândalo, o que compromete
Depois é que me ocorreu a reputação de Margarida. Daniel, impressionado
Que esse olhar era do céu! com a abnegação da moça,
Nesse traje austero e grave, recorda-se, finalmente, do amor da infância
Toda de preto, era um gosto e, agora novamente apaixonado
Ver não sei que luz suave por ela, procura conquistá-la. No último
A banhar-te as mãos e o rosto... capítulo, após muito sofrimento e sem
Era a luz, suponho eu, mais resistir, Margarida aceita o amor
Que banha os anjos do céu. de Daniel.
Se um dia, estrela dos magos,
Me abandonares na vida,
Deixa-me uns reflexos vagos
Resumo do Romantismo
Como de estrela caída...
Ao menos verei no céu Momento sócio-cultural
Rastro da estrela que ardeu! • Revolução Industrial
MOISÉS, Massaud. A Literatura Portuguesa através • Revolução Francesa (1789)
dos textos. 9. ed. São Paulo: Cultrix, 1980, p. 313. • Ascensão da burguesia ao poder,
liberalismo, individualismo, nacionalismo.
• Consolidação do sistema capitalista.
Júlio Dinis
Características literárias
(1839 - 1871) • A literatura procura a libertação das
Pseudônimo de Joaquim Guilherme formas clássicas e a explosão da
Gomes Coelho (1839 - 1871), é considerado subjetividade: predomínio da emoção
sobre a razão, ênfase na imaginação no campo e péssimas condições
criadora, espírito libertário, nacionalismo, de vida.
religiosidade etc. É nesse ambiente que os artistas
• O artista como criador, um "gênio inspirado" passam a observar e a externar a verdade
(valorização da imaginação). possível da realidade, colocando-se
• O fim da proteção oficial às artes contra o tradicionalismo romântico e procurando
(mecenato) e a transformação da arte incorporar os descobrimentos
em mercadoria: necessidade de formar científicos de seu tempo. As principais
e conquistar um público-leitor: teorias realistas são:
surgimento do romance (folhetim). • Teoria determinista: Hipolite Taine
(1825-1893), doutrina filosófica que
Autores e obras afirma que todo evento, mental ou físico,
• Almeida Garret, associa elementos tem uma causa, e que, a causa
românticos e neoclássicos: que é determinada, o evento invariavelmente
Camões (poesia), Frei Luís de a segue. Conseqüência de
Sousa (teatro), Viagens na minha terra uma herança, de um meio ou de uma
(romance). circunstância (momento)
• Alexandre Herculano (romances • Filosofia positivista: Auguste Comte
históricos): (1798-1857), sistema de filosofia baseada
Eurico, o presbítero; Lendas e narrativas. em experiência e conhecimento
• Camilo Castelo Branco (técnica de empírico dos fenômenos naturais no
folhetim, transição para o Realismo) qual metafísica e teologia são consideradas
Amor de Perdição; Coração, cabeça como sistemas de conhecimento
e estômago (obra satírica). Inadequados e defeituosos.
• Julio Diniz (afasta-se do ultra-romantismo, • Socialismo utópico: Pierre-Joseph
transição para o Realismo) Proudhon (1809-1865), sociedade na
As pupilas do Senhor Reitor. qual as pessoas seriam de natureza
ética e senso de responsabilidade
moral tão altamente desenvolvidas,
Realismo que um governo seria desnecessário
para regular e proteger essa sociedade.
Seu idealizador rejeitou o
"É de todos os tempos o realismo uso de força para impor qualquer sistema
como o é a arte. Ele existiu sempre, a um povo. Num estado ideal de
porque a imaginação tem necessariamente sociedade, o que ele chamou de "ordem
por base a observação e a em anarquia", pessoas agiriam
experiência, e porque a arte tem de uma maneira responsável, ética,
sempre por objeto as realidades da de livre arbítrio.
vida. Na observação da vida, com o • Evolucionismo: Charles Robert
propósito de fazer arte, há duas atitudes Darwin (1809-1882), doutrina fundada
extremas: a da franca subjetividade na idéia de evolução e, mais particularmente,
e a dum ardente desejo de conjunto das teorias
impassível objetividade. Estas duas explicativas do mecanismo da evolução
atitudes de espírito do artista coexistem, dos seres vivos.
mas como que se doseiam, tendo • Fisiologismo: Claude Bernard (1809-
o predomínio ora uma ora outra. 1882), descoberta de que as doenças
O artista, que observa, altera, corrige nada mais são que anomalias ou distúrbios
a realidade, porque não só reproduz dos órgãos do corpo humano
um fragmento da vida, escolhido e não do espírito.
já de acordo com as suas inclinações • Monismo: tipo de pensamento filosófico
pessoais, mas também o reproduz no qual foi feita a tentativa de
tal como o viu, isto é, desfigurado. eliminar a dicotomia, princípio que afirma
E assim, através da concepção artística, a existência única, no ser humano,
a verdade real deforma-se para de corpo e alma.
se tornar em verdade artística". Dessa forma, o subjetivismo romântico
FIGUEIREDO, Fidelino de. História da Literatura foi substituído pela descrição da
Realista. 3. ed. Sâo Paulo: Anchieta, 1946, p. 13. realidade externa, na qual o escritor pretende
Movimento que se inicia na segunda retratar a realidade como realmente
metade do século XIX com a retomada é, criticando e revoltando-se contra a
do racionalismo e se estende até o injustiça e a opressão.
início do século XX. Sua principal característica A ideologia do Realismo é: a crítica
é a tentativa de traduzir a realidade. ao tradicionalismo da sociedade burguesa,
O Realismo, portanto, é o reflexo provida da educação romântica (distante
da desilusão do homem frente à sociedade: da realidade); crítica ao conservadorismo
miséria das cidades, crise da produção da Igreja (voltada para o passado)
que impedia o desenvolvimento natural Considerado o precursor do Realismo
da sociedade; visão objetiva e natural português. Revelou em suas obras
da realidade; preocupação com a reforma a hipocrisia e a moral decadente da sociedade
da sociedade com o objetivo de democratizar do século XIX por meio de uma
o poder político; e a representação análise psicológica. Eça se preocupou
da vida contemporânea, procurando em criar uma literatura de caráter ideológico,
mostrar todos os seus detalhes logo, sua descrição torna-se precisa
significativos. e atenta aos detalhes.
O Realismo português iniciou-se em O que mais chama a atenção nas
1865 e estendeu-se até 1890, com a publicação obras de Eça de Queirós é a variedade
de Oarístos, de Eugênio de Castro. de sua construção lingüística, na qual
As idéias realistas foram introduzidas as frases são diversificadas e dá-se
por um grupo de jovens estudantes de ênfase à linguagem popular, aos estrangeirismos
Coimbra, atentos à nova estética vinda e neologismos.
da Europa, e influenciados pela poesia Suas obras são divididas em três
social de Victor Hugo e pelas ideologias fases;
de Hegel, Marx e Engels. O líder do grupo 1a fase (1865 - 1871): são os primeiros
era Antero de Quental e lutava para divulgar textos do autor, publicados em
suas novas idéias através de suas forma de folhetins reunidos com o título
poesias revolucionárias. Esta atitude gerou Prosas Bárbaras. Influenciadas por Victor
uma resposta por parte dos artistas Hugo e Charles Baudelaire, mostram
românticos, através da publicação de em suas obras ricas imagens, metáforas
obras criticando a nova estética. De caráter e comparações, dando preferência
anticlerical e antimonárquico, tal polêmica a temas históricos e anticlericais.
ficou conhecida como Questão 2a fase (1871 - 1888): é a fase realista.
Coimbrã e só teve o seu término em 1871, O Crime do Padre Amaro, O Primo
quando o governo interferiu e deu vitória Basílio e Os Maias formam a trilogia
aos realistas. que ficou conhecida como Cenas da Vida
A base do Realismo foi a relação Portuguesa. O autor se preocupa em
indivíduo X sociedade. mostrar a sociedade portuguesa: cidade
A poesia é voltada ao cotidiano, opunha- provinciana, influência do clero, pequena
se ao lirismo romântico, pois revelava e média burguesia de Lisboa, intelectuais,
as injustiças e desníveis sociais. aristocracia e alta burguesia.
Desse movimento deriva o Naturalismo, O Crime do Padre Amaro reflete uma
que tem por objetivo central o de cidadezinha influenciada pelo clero, O romance
comprovar as teses cientificas do Positivismo analisa a corrupção e a depravação
e defender o Racionalismo. dos costumes, narrando o relacionamento
entre um padre e uma moça solteira.
Principais características
• o objetivismo aparece como negação O Crime do Padre Amaro
ao subjetivismo romântico, mostrando (resumo)
o homem voltado ao exterior; "Amaro, filho de criados, nascera em
• o Realismo reflete a postura do Positivismo, Lisboa na casa da senhora Marquesa de
do Socialismo e do Evolucionismo; Alegras. Esta educou o menino após a
• o materialismo se opõe ao sentimentalismo morte dos seus pais; desejava que o garoto
e à metafísica; fosse para o seminário aos quinze
• o nacionalismo e a volta ao passado anos e se ordenasse padre mais tarde.
são abolidos, pois o Realismo só se O rapazinho vivia cercado de criadas
preocupa com o presente; na casa da Marquesa, que o bajulavam;
• há indiferença e insensibilidade quanto porém, ele não encontrou na residência de
à moral e aos aspectos da realidade seus tios, onde ficava antes de se lançar,
que possam ofender o leitor; definitivamente, na vida eclesiástica, o elemento
• a língua é comum, sem grande observância feminino que costumava ter na
gramatical; casa de sua mãe adotiva. Amaro, enfim,
• os temas são sociais. depois de alguns anos ordenou-se e foi
nomeado pároco de Feirão, na Gralheira,
serra da Beira Alta. Como achava a vida
na serra monótona, o pároco foi até o Conde
Principais autores realistas Ribamar (genro da mãe adotiva de
portugueses Amaro) que era um homem influente e solicitou
a ele que o transferisse de paróquia;
o conde deferiu o seu pedido, enviando-o
José Mario Eça de Queirós para a paróquia de Leiria, sede do bispado.
Quando chegou em Leiria, Amaro
(1845 - 1900 ) foi recepcionado pelo cónego Dias, seu
mestre de moral no seminário, e algumas ensinar catecismo a uma paralítica e
beatas; o novo pároco hospedou-se na muda, filha do sineiro. Os freqüentes encontros
casa da São-Joaneira por intermédio do entre os amantes resultaram na
cónego. O jovem padre conquistou a simpatia gravidez da moça; Amaro, como padre,
de todos na casa da senhora não podia assumir seu filho; aconselhouse
Joaneira, sobretudo a de sua filha Amélia, com o cónego Dias, e este recomendou
jovem bonita e atraente, a quem não faltavam ao amigo que a casasse com João
pretendentes. Um deles era João Eduardo quando ele fosse encontrado, já
Eduardo que era escrevente, bom rapaz que estava desaparecido.
que Amélia não amava, mas de quem Uma doença providencial da irmã do
aceitava cortejos, em princípio. cónego Dias levou Amélia a ter que viajar
Amaro, como um padre sem vocação, para Ricoça a ficar lá até que a enferma
uma vez que não tinha aptidão para o se recuperasse. Em Ricoça, a gestante
sacerdócio e só seguira a vida eclesiástica encontrou um abade chamado Ferrão que
por vontade da Marquesa, começou a lhe proporcionou alguma paz de espírito,
se interessar, naturalmente, por Amélia, até que Amaro surgiu, e levou-a a ter uma
que é do sexo oposto; a moça, por sua recaída. O abade, sem saber da fraqueza
vez, também se sentia atraída pelo pároco. de espírito de Amélia, tinha idéias de
Um certo dia, quando Amaro passava casá-la com João Eduardo que havia aparecido
perto da fazenda de Amélia, esta estava em Ricoça, mas não foi possível.
lá e o chamou para conhecer a propriedade; Amélia foi conduzida a um fim trágico,
ela teve de pular uma cancela e acabou morreu vítima de complicações pósparto,
caindo nos braços do padre que a não sabendo que seu filho fora
beijou vorazmente no pescoço. A moça entregue por Amaro a uma ama de leite
ficou confusa, no momento, e saiu correndo. e que havia falecido. Amaro partiu para
Amaro, acreditando que ela o denunciaria, Lisboa e, provavelmente, conquistou alguma
resolveu pedir ao cónego que conseguisse jovem beata por lá.
uma outra casa para ele se hospedar; A linguagem é simples e adjetivada.
o cónego assim o fez, e o jovem padre O detalhismo constitui uma das características
se mudou da sua misericórdia para a rua importantes da linguagem, uma
dos Souzas. A bela donzela chega a adoecer, vez que o narrador tenciona traçar a
devido à partida do seu líder religioso, realidade com o máximo de fidelidade
mas este volta a freqüentar a casa da possível (verossimilhança). O tema principal
São-Joaneira a pedido da moça solitária. da obra é a decadência dos valores
João Eduardo percebia que havia da Igreja (reflexo dos valores burgueses)
um interesse do pároco por Amélia, o e as temáticas abordadas são:
que o levou a escrever um comunicado adultério, crítica política e social. Diante
no jornal, criticando os costumes degradantes dos valores decadentes da sociedade
do clero e advertindo às mães de burguesa do século XIX, o homem é levado
família sobre o perigo de ter padres freqüentando a absorver esses valores, uma
suas casas. O rapaz, sentindo- vez que ele é produto do meio. Essa
se vingado, pede a mão de Amélia em sociedade oprime o cidadão, explora-o,
casamento a sua mãe; a jovem aceita a o faz mais uma peça de engrenagem,
proposta por imposição de São-Joaneira, isso tudo em prol da geração de capital.
mas já se sente muito atraída pela pessoa O foco narrativo centra-se na terceira
do padre. pessoa. O narrador é onisciente, uma
O jovem escrevente, para sua ruína, vez que ele tem completo domínio da
acabou tendo seu nome descoberto história que narra. Vale dizer que em
pelo padre Natácio como sendo o autor alguns momentos na narrativa ocorre a
do comunicado no jornal. A partir daí, onisciência neutra, ou seja, o autor se
Amélia desfaz o compromisso que havia posiciona por trás da personagem para
com o rapaz; este é excomungado, expor seu ponto de vista sobre uma
agride Amaro e perde o emprego. matéria. No Crime do Padre Amaro, João
Tendo o escrevente fora do caminho, Eduardo é o personagem que representa
o padre investe contra Amélia, beijando- as idéias anti-burguesas e anti-religiosas
a, e mesmo em um momento em do autor. Além de João Eduardo,
que ela se lamentava por João Eduardo. encontramos na narrativa outros personagens
Tendo em vista o caso entre o pároco e a de suma importância: Cónego
moça, aquele consegue uma casa para Dias, São-Joaneira, Dona Joaquina
se encontrarem por intermédio de sua Gansoso, Dona Josefa, Amélia, Agostinho,
criada Dionísia. O pretexto que o pároco Doutor Gouveia e, Padre Amaro. O
apresentou a São-Joaneira e aos seus tempo da narrativa gira em tomo de
colegas para que Aurélia saísse freqüentemente aproximadamente
foi o de que ela tinha que dois anos.
trabalhar em uma causa santa, que era
momentos mais intensos na trama amorosa.
O Primo Basílio A empregada tentará tirar proveito
(resumo) das circunstâncias, reunindo provas de
O Primo Basílio critica a burguesia adultério para fazer chantagem. Jorge,
lisboeta, suas frustrações familiares e esposo de Luísa, aparece poucas vezes
o adultério. durante toda a narrativa e mostrasse
"O pano de fundo da narrativa é um apenas de forma social. É um personagem
caso de adultério. Já no primeiro capítulo, pacato, manso, dividido entre o
o autor lança as sementes do conflito seu amor por Luísa e o papel social de
que dá pretexto para o livro. Descreve o marido em relação ao adultério. Existem
marido que viaja, contrariado, a trabalho; ainda os personagens considerados secundários,
a esposa que descobre que o primo como é o caso do Conselheiro
e ex-noivo Basílio revisita a cidade e as Acácio (intelectual vazio), Dona
lembranças que a notícia evoca. Introduz Felicidade (cozinheira), Sebastião
a criada Juliana, ressentida e frustrada, (que pretende recuperar as cartas roubadas).
que terá um papel decisivo no A linguagem da obra é considerada
desfecho trágico do romance. coloquial, próxima da língua falada.
No segundo capítulo, o autor apresenta As frases são curtas, cheias de ritmos
as figuras secundárias, enfocadas e significados. Encontramos exageradamente
durante breves visitas dominicais à casa o uso de descrições minuciosas
de Luísa e Jorge. A relação amorosa clandestina do espaço físico e da sociedade. O
mantida por Luísa e Basílio é descoberta narrador na terceira pessoa é onisciente
pela criada, que, de posse de uma e não tem envolvimento algum com os
carta dos amantes, chantageia a patroa. personagens.
Abandonada pelo amante, que foge para "Havia doze dias que Jorge tinha
Paris, Luísa não suporta a tensão e morre". partido e, apesar do calor e da poeira,
Com o processo de industrialização, Luisa vestia-se para ir a casa de
as cidades cresciam rapidamente, fazendo Leopoldina. Se Jorge soubesse, não
com que os camponeses passassem havia de gostar, não! Mas estava tão
a serem vistos como operários urbanos. farta de estar só, aborrecia-se tanto! De
No entanto, a burguesia lisboeta manhã, ainda tinha os arranjos, a costura,
continuava apegada à cultura passada. a toillete, algum romance...Mas de
A obra mostra a intimidade das famílias tarde!
lisboetas da metade do século XIX. Em À hora em que Jorge costumava
relação aos personagens, estes são voltar do ministério, a solidão parecia
considerados planos, ou seja, opõemse alargar-se em torno dela. Fazia-lhe tanta
aos personagens de intensidade interior falta o seu toque de campainha, os
e psicológica. São levados e envolvidos seus passos no corredor!...
pela trama desempenhada pelo Ao crepúsculo, ao ver cair o dia,
autor. Encontramos Luísa, burguesa da entristecia-se sem razão, caía numa
cidade baixa de Lisboa, uma senhora vaga sentimentalidade: (...) O que pensava
sentimentalista, mal-educada e sem valores em tolices então!"
morais. Romântica, é esposa de Nestes fragmentos há a presença
Jorge, engenheiro de minas que se conheceram do discurso indireto livre, que mistura a
após o rompimento por carta voz do narrador com a consciência da
dela com o seu primo Basílio. Sua vida personagem, desamparada, mais propensa
rotineira é transformada com a viagem a ser levada ao adultério com o
de seu esposo e com o retorno de primo primo.
a Portugal. Basílio é o primo e ex-noivo "Servia, havia vinte anos. Como ela
de Luisa, que retorna a Portugal na ausência dizia, mudava de anos, mas não mudava
de seu marido com a intenção de de sorte (...) Era demais! Tinha agora
alimentar sua vaidade com uma aventurazinha. dias em que só de ver o balde das águas
Malicioso e repleto de truques sujas e o ferro de engomar se lhe embrulhava
para atrair a amante, Basílio considera a o estômago. Nunca se acostumara
fidelidade como sendo um atraso da sociedade a servir (...)
lisboeta frente à modernização as antipatias que a cercavam faziam-
de Paris. Torna-se, durante toda a narrativa, na assanhada, como um círculo
o mais cínico dos personagens. de espingardas enraivece um
Juliana é a criada que faz desmoronar lobo. Fez-se má; beliscava crianças até
o mundo de Luísa, chantageando-a com lhes enodor a pele; e se lhe ralhavam, a
as cartas escritas pelo amante. Revoltada sua cólera rompia em rajadas. Começou
pela situação de serviçal, de conseqüente a ser despedida. Num só ano
fracasso na tentativa de mudar esteve em três casas (...)"
de vida e pelo ódio contra a patroa, Podemos perceber também o discurso
Juliana segura toda a narrativa com os indireto livre. A empregada Juliana
representa o ódio dos pobres em relação um grande ramo de girassóis atado
aos ricos. por uma fita onde se distinguiam letras e
QUEIRÓS. Eça de. O Primo Basílio. In. Ler é Aprender. números duma data.
São Paulo: Estadão, 1997. p.455. Longos anos o Ramalhete permanecera
desabitado, com teias de aranha
Os Maias pelas grades dos postigos térreos,
Os Maias é voltado para a alta sociedade e cobrindo-se de tons de ruína. Em 1858
com suas jogatinas, corridas Monsenhor Buccarini, Núncio de S. Santidade,
de cavalo, festas noturnas, adultérios e visitara-o com idéia de instalar lá
incestos. a Nunciatura, seduzido pela gravidade
Os Maias tem como sub-título "Episódios clerical do edifício e pela paz dormente
da vida romântica". Através da do bairro; e o interior do casarão agradara-
história incestuosa do jovem médico Carlos lhe também, com a sua disposição
de Maia e sua irmã Maria Eduarda, apalaçada, os tectos apainelados, as
Eça critica as aventuras de amor românticas paredes cobertas de frescos onde já
e traça um painel demolidor da desmaiavam as rosas das grinaldas e
sociedade portuguesa. as faces dos Cupidinhos. Mas Monsenhor,
Help!Sistema de Consulta Interativa São Paulo: com os seus hábitos de rico prelado
Estadão, 1996. p.163. romano, necessitava na sua vivenda
Considerada das mais importantes os arvoredos e as águas de um jardim
de Eça de Queirós, narra a história de de luxo: e o Ramalhete possuía apenas,
um amor proibido vivenciado por Carlos ao fundo dum terraço de tijolo, um pobre
da Maia e Maria Eduarda, que no decorrer quintal inculto, abandonado às ervas
de toda a narrativa vêm a descobrir bravas, com um cipreste, um cedro, uma
que são irmãos. Trata-se de uma tragédia cascatasinha seca, um tanque entulhado,
romântica e, ao mesmo tempo, uma e uma estátua de mármore (onde Monsenhor
crônica da alta vida social lisboeta de reconheceu logo Vénus Citherêa)
1880. enegrecendo a um canto na lenta umidade
Segundo pesquisadores e literatos, das ramagens silvestres. Além disso,
a obra é desencantada e pessimista, a renda que pediu o velho Vilaça,
indo muito além da situação social procurador dos Maias, pareceu tão exagerada
onde se passa o panorama descrito na a Monsenhor, que lhe perguntou
obra transparece a melancolia existente sorrindo se ainda julgava a Igreja nos
numa sociedade considerada civilizada, tempos de Leão X. Vilaça respondeu
ocasionando uma consciência de que também a nobreza não estava nos
fracasso vital. Cabe ressaltar que todas tempos do senhor D. João V. E o Ramalhete,
as personagens são consideradas continuou desabitado.
derrotadas, e esta descrição não se Este inútil pardieiro (como lhe chamava
encontra longe da realidade; pelo contrário, Vilaça Júnior, agora por morte de
melancolia e pessimismo sãü encontrados, seu pai administrador dos Maias) só veio
também, no homem do século a servir, nos fins de 1870, para lá se
XIX. arrecadarem as mobílias e as louças
provenientes do palacete de família em
(fragmentos) Bemfica, morada quase histórica, que,
"A casa que os Maias vieram habitar depois de andar anos em praça, fora
em Lisboa, no outono de 1875, era então comprada por um comendador
conhecida na vizinhança da rua de S. brasileiro. Nessa ocasião vendera-se
Francisco de Paula, e em todo o bairro outra propriedade dos Maias, a Tojeira;
das Janelas Verdes, pela casa do Ramalhete e algumas raras pessoas que em Lisboa
ou simplesmente o Ramalhete. ainda se lembravam dos Maias, e
Apesar deste fresco nome de vivenda sabiam qae desde a Regeneração eles
campestre, o Ramalhete, sombrio casarão viviam retirados na sua quinta de Santa
de paredes severas, com um renque Olavia, nas margens do Douro, tinham
de estreitas varandas de ferro no primeiro perguntado a Vilaça se essa gente estava
andar, e por cima uma tímida fila atrapalhada.
de janelinhas abrigadas à beira do telhado, - Ainda tem um pedaço de pão, disse
tinha o aspecto tristonho de Residência Vilaça sorrindo, e a manteiga para
Eclesiástica que competia a uma lhe barrar por cima.
edificação do reinado de D. Maria I: com Os Maias eram uma antiga família
uma sineta e com uma cruz no topo, da Beira, sempre pouco numerosa, sem
assimilhar-se-ia a um Colégio de Jesuítas. linhas colaterais, sem parentelas - e
O nome de Ramalhete provinha de agora reduzida a dois varões, o senhor
certo de um revestimento quadrado de da casa, Afonso da Maia, um velho já,
azulejos, fazendo painel no lugar heráldico quase um antepassado, mais idoso que
do Escudo d'Armas, que nunca o século, e seu neto Carlos que estudava
chegara a ser colocado, e representando
medicina em Coimbra. Quando Afonso ornamentações e alguns tons de
se retirara definitivamente para Santa estofos, entregou-lhe as quatro paredes
Olavia, o rendimento da casa excedia do Ramalhete, para ele ali criar, exercendo
já cinqüenta mil cruzados mas desde o seu gosto, um interior confortável,
então tinham-se acumulado as economias de luxo inteligente e sóbrio.
de vinte anos de aldeã; viera também
a herança de um último parente, A Capital
Sebastião da Maia, que desde 1830 vivia A Capital possui uma estrutura de
em Nápoles, só, ocupando-se de novela e retrata a sociedade, os costumes,
numismática e o procurador podia certamente através de sátiras e caricaturas.
sorrir com segurança quando Artur Corvello, 23 anos, pertence a
falava dos Maias e da sua fatia de pão. uma família burguesa, originaria de Lisboa.
A venda da Tojeira fora realmente Seu pai, Manuel Corvello, tinha o
aconselhada por Vilaça mas nunca ele sonho de ver seu filho estudando em
aprovara que Afonso se desfizesse de Coimbra e tornando-se um homem ilustre.
Bemfica - só pela razão daqueles muros Sob este severo regime, o rapaz não
terem visto tantos desgostos domésticos. se desenvolveu. Era pálido, sensível,
Isso, como dizia Vilaça, acontecia chorava por qualquer coisa, era triste e
a todos os muros. O resultado era pensava muito no amor e na morte. Nas
que os Maias, com o Ramalhete inabitável, férias da Universidade, sua mãe vem a
não possuíam agora uma casa em falecer e, logo depois, seu pai, tendo de
Lisboa; e se Afonso naquela idade amava voltar para sua cidade natal a fim de vender
o sossego de Santa Olavia, seu neto, em leilão sua mobília e alguns pertences
rapaz de gosto e de luxo que passava da casa. Com a idéia de liberdade,
as férias em Paris e Londres, não quereria, gastou toda a sua herança e teve que
depois de formado, ir sepultar-se pedir ajuda de suas tias. Foi morar em
nos penhascos do Douro. E, com efeito, Oliveira e passou a trabalhar numa farmácia,
meses antes de ele deixar Coimbra, sem deixar de lado o seu amor
Afonso assombrou Vilaça anunciando- por literatura. Nesta época escreveu
Ihe que decidira vir habitar o Ramalhete! "Amores de Poeta", mas não obteve sucesso
O procurador compôs logo um relatório algum. Tentou fundar um jornal,
a enumerar os inconvenientes do casarão: mas também foi um fracasso. Fez várias
o maior era necessitar tantas obras tentativas de se enturmar na sociedade
e tantas despesas; depois, a falta de literária, mas só foi cada vez mais ridicularizado.
um jardim devia ser muito sensível a A obra não possui um desfecho
quem saia dos arvoredos de Santa feliz, pois Artur volta à cidadezinha
Olavia; e por fim, aludia mesmo a uma de Oliveira para trabalhar na farmácia,
lenda, segundo a qual eram sempre fatais no entanto, sempre sonhando com a venda
aos Maias as paredes do Ramalhete, de seu livro e tornar-se ilustre na vida.
«ainda que (acrescentava ele numa Nesta obra, Eça utiliza-se de retratos
frase meditada) até me envergonho de caricaturais de seus amigos íntimos
mencionar tais frioleiras neste século e de seu auto-retrato psicológico,
de Voltaire, Guisot e outros filósofos liberais encontrado no personagem Artur
. . .» Corvello. Mostra o lado real e crítico de
Afonso riu muito da frase, e respondeu uma sociedade portuguesa: o meio politico
que aquelas razões eram excelentes e literário de Lisboa - sociedade
- mas ele desejava habitar sob burguesa totalmente corrompida, sem
tectos tradicionalmente seus; se eram valores morais. Toda a ação gira em
necessárias obras, que se fizessem e torno de uma idéia principal - a busca
largamente; e enquanto a lendas e da fama e de seu reconhecimento na
agoiros, bastaria abrir de par em par as capital portuguesa. O tempo da história
janelas e deixar entrar o sol. é cronológico, mas aparece também o
S.ex.ª mandava: - e, como esse inverno uso de flashback. O ambiente social é
ia seco, as obras começaram logo, caracterizado pela sociedade burguesa
sob a direção de um Estevas, arquiteto, de Portugal do século XIX. O foco
político, e compadre de Vilaça. Este artista narrativo encontra-se em terceira pessoa
entusiasmara o procurador com um - narrador onisciente. A narração
projeto de escada aparatosa, flanqueada é descritiva, em que o autor consegue
por duas figuras simbolizando as conquistas caracterizar as personagens, espaço
da Guiné e da índia. E estava e ambiente, a partir de uma linguagem
ideando também uma cascata de louça muito adjetivada, fazendo com que o
na sala de jantar - quando, inesperadamente, leitor perceba claramente estas características.
Carlos apareceu em Lisboa com 3a fase (1888 - 1900): é a fase
um arquiteto decorador de Londres, e, pós-realista, marcada pela desilusão e
depois de estudar com ele à pressa algumas o abandono aos ideais realistas; defende
a política colonialista, o nacionalismo neste romance uma solução reacionária
e a vida pura do campo, com as obras A para Portugal ao elogiar a ruralidade,
Ilustre Casa de Ramires, A Cidade e as o atraso português face à realidade
Serras e A Relíquia. dos países mais desenvolvidos da
Europa.
A Ilustre Casa de Ramires O protagonista da obra é Jacinto, um
(comentários) homem rico que decide deixar o campo
A Ilustre Casa de Ramires retrata para viver na cidade grande. Em sua nova
a expansão de Portugal na África. O residência, Jacinto busca integrar-se
personagem Ramires representa Portugal. completamente ao novo mundo burguês,
O contexto em que decorre a ação financista e industrial, através do culto à
da obra retrata um país decadente, que informação e às técnicas modernas. Depois
tenta achar saídas no sentido de recuperar de adquirir conhecimento sobre todas
as glórias do passado. Gonçalo as novidades tecnológicas, o protagonista
Mendes Ramires é o personagem principal, fracassa em seus objetivos.
fora da realidade, já que a fidalguia Eça de Queirós mostra, através do
e os ideais de honra não faziam parte personagem Zé Fernandes, o valor de
do mundo moderno. se viver longe do mundo burguês, tentando
O termo "casa" no título refere-se fazer com que Jacinto enxergue
a família, ascendência. O passado aparece os horrores da poluição gerada pelas
se contrapondo à situação vivida cidades industriais.
por Ramires. O resultado é irônico, pois O desfecho da narrativa nos sugere,
a honra e o heroísmo do antepassado com a introdução do telefone - esse
contrastam com a fraqueza e a degeneração emblema da modernidade - no paraíso
moral do protagonista. rural de Tormes, que não existe nessa
A Ilustre Casa de Ramires apresenta novela uma proposta de recusa completa
uma narrativa dentro de outra narrativa à civilização e aos seus produtos
para contar a história da família tecnológicos, mas sim uma contraposição
Ramires, na casa da Torre de Santa entre o "natural" e o "artificial" e
Irinéia. A obra é estruturada da seguinte necessária absorção de um pelo outro.
forma: Help! Sistema de Consulta Interativa. São Paulo:
• O narrador onisciente: narrador principal, Estadão, 1996.P.163.
é o articulador da macronarrativa,
de onde se desdobram três (fragmentos)
outras narrativas no desenvolvimento Numa dessas ativas semanas, porém,
do romance; a minha atenção subitamente se despegou
• O narrador da novela Torre de D. Ramires: deste interessante Jacinto. Hóspede
este fala com a voz emprestada do 202, conservava no 202 a minha
de Gonçalo Mendes Ramires, personagem mala e a minha roupa; e, acostado à bandeira
protagonista do romance; do meu Príncipe, ainda ocasionalmente
• O narrador do poemeto épico: autoria comia do seu caldeirão sumptuoso.
do tio Duarte, "O Bardo", referencial do Mas a minha alma, a minha embrutecida
sobrinho Gonçalo para poder compor alma, e o meu corpo, o meu embrutecido
a novela, com publicação garantida na corpo, habitavam então na Rua do Hélder,
Semanário da Vira de Guimarães; nQ 16, quarto andar, porta à esquerda.
• O narrador do fado: louva os feitos da Descia eu uma tarde, numa leda paz
Casa de Ramires, autoria de Videirinha. de ideias e sensações, o Boulevard da
Enquanto o narrador onisciente vai Madalena, quando avistei, diante da Estação
narrando as aventuras e desventuras dos Ônibus, rondando no asfalto,
de Gonçalo, o próprio Gonçalo escreve num passo lento e felino, uma criatura
uma novela em que relata os feitos heróicos seca, muito morena, quase tisnada, com
dos seus antepassados que aludem dois fundos olhos taciturnos e tristes, e
ao primeiro rei de Portugal. Gonçalo usa uma mata de cabelos amarelados, toda
o texto do tio Duarte como fonte de inspiração, crespa e rebelde, sob o chapéu velho
eliminando deste texto o que não de plumas negras. Parei, como colhido
seria próprio, conveniente para estar contido por um repuxão nas entranhas. A criatura
numa novela, devido à linha romântica passou - no seu magro rondar de
das poesias elaboradas pelo tio. gata negra, sobre um beiral de telhado,
ao luar de Janeiro. Dois poços fundos
A Cidade e as Serras não luzem mais negro e taciturnamente
A Cidade e as Serras, segundo opinião do que luziam os seus olhos taciturnos
do próprio autor, "é o texto sobre o e negros. Não recordo (Deus louvado!)
qual podemos ler os julgamentos mais como rocei o seu vestido de seda, lustroso
radicais e contraditórios". Isto porque e ensebado nas pregas; nem como
Eça de Queirós tinha a intenção de propor lhe rosnei uma súplica por entre os dentes
que rangiam; nem como subimos
ambos, morosamente e mais silenciosos conservo a impressão de uma alcova
que condenados, para um gabinete forrada de cretones sujos, de uma bata
do Café Durand, safado e morno. Diante de lã cor de lilás com sutaches negros,
do espelho, a criatura, com a lentidão de de vagas garrafas de cerveja no mármore
um rito triste, tirou o chapéu e a romeira de um lavatório, e de um corpos
salpicada de vidrilhos. A seda puída do tisnado que rangia e tinha cabelos no
corpete esgarçava nos cotovelos agudos. peito. E também me resta a sensação de
E os seus cabelos eram imensos, incessantemente e com arroubado deleite
de uma dureza e espessura de juba brava, me despojar, arremessar para um
em dois tons amarelos, uns mais regaço, que se cavava entre um ventre
dourados, outros mais crestados, como sumido e uns joelhos agudos, o meu relógio,
a côdea de uma torta ao sair quente do os meus berloques, os meus anéis,
forno. os meus botões de punho de safira, e
Com um riso trémulo, agarrei os as cento e noventa e sete libras que eu
seus dedos compridos e frios; trouxera de Guiães numa cinta de camurça.
- E o nomezinho, hem? Do sólido, decoroso, bem fornecido
Ela séria, quase grave; Zé Fernandes, só restava uma carcaça
- Madame Colombe, 16, Rua do Hélder, errando através de um sonho, com
quarto andar, porta à esquerda. as gâmbias moles e a baba a escorrer.
E eu (miserável Zé Fernandes!) também
me senti muito sério, trespassado A Relíquia
por uma emoção grave, como se nos (resumo)
envolvesse, naquela alcova do Café, a Teodorico, o personagem protagonista,
majestade de um Sacramento. À porta, inicia a narrativa descrevendo as
empurrada levemente, o criado avançou suas próprias origens: fica órfão aos
a face nédia. Ordenei uma lagosta, nove anos e é levado pelo Sr. Matias à
pato com pimentões, e Borgonha. E foi casa de Titi, sua tia, que morava em Lisboa.
somente ao findarmos o pato que me A casa de sua tia era toda voltada
ergui, amarfanhando convulsivamente para a religião, já que esta era muito
o guardanapo, e a tremer lhe beijei a senhora e muito beata e devota a
boca, todo a tremer, num beijo profundo Deus. Titi abominava as coisas mundanas
e terrível, em que deixei a alma, entre e não permitia nenhum envolvimento
saliva e gosto de pimentão! Depois, numa de Teodorico com "saias" (mulheres).
tipóia aberta, sob um bafo mole de leste Ela era uma senhora muito rica
e de trovoada, subimos a Avenida dos e sua fortuna era incalculável.
Campos Elísios. Em frente à grade do O sobrinho, ao saber disso, passou
202 mumurei, para a deslumbrar com o a fazer de tudo para agradá-la, e
meu luxo: - "Moro ali, todo o ano!..." E passa, então, a se fingir de beato, mas,
como ao mirar o Palacete, debruçada, ao mesmo tempo, não consegue abrir
ela roçara a mata fulva do pêlo crespo mão dos prazeres da vida e acaba se
pela minha barba - berrei desesperadamente envolvendo com mulheres sem sua tia
ao cocheiro que galopasse para saber.
a Rua do Hélder, nº 16, quarto andar, Através de um falso comportamento
porta à esquerda! beato, consegue conquistar a confiança
Amei aquela criatura. Amei aquela da tia, e esta lhe proporciona uma
criatura com Amor, com todos os Amores viagem a Terra Santa e pede para que
que estão no Amor, o Amor divino, o Teodorico traga de lá uma relíquia que
Amor humano, o Amor bestial, como fosse capaz de curá-la de todos os
Santo Antonino amava a Virgem, como seus males.
Romeu amava Julieta, como um bode ama Nessa viagem, conhece várias
uma cabra. Era estúpida, era triste. Eu pessoas como o historiador Topsius e
deliciosamente apagava a minha alegria Mary, que se tornou sua amante. Mary,
na cinza da sua tristeza; e com inefável ao se despedir dele, deu uma lembrança
gosto afundava a minha razão na densidade sua, uma camisola com uma dedicatória
da sua estupidez. Durante sete dentro: "Ao meu Teodorico, meu
furiosas semanas perdi a consciência portuguesinho passante; em lembrança
da minha personalidade de Zé Fernandes do muito que gozamos". A camisola
- Fernandes de Noronha e Sande, foi embrulhada em um papel pardo.
de Guiães! Ora se me afigurava ser um Após sair de Alexandria, Teodorico
pedaço de cera que se derretia, com encontra uma árvore de espinhos, da
horrenda delícia, num forno rubro e rugidor; qual pressupõe ter saído a coroa de espinhos
ora me parecia ser uma faminta de Cristo; então, decide pegar
fogueria onde flamejava, estalava e se um galho dessa árvore para levar como
consumia um molho de galhos secos. relíquia à sua tia. A relíquia também foi
Desses dias de sublime sordidez só embrulhada em um papel pardo.
O protagonista almejava a fortuna [Cristo.
de sua tia e desejava muito sua morte. A um poeta
Com medo que Titi desconfiasse que, Tu que dormes, espírito sereno,
durante a viagem havia se envolvido com Posto à sombra dos cedros
mulheres, resolve se desfazer do embrulho [seculares,
que poderia comprometê-lo, dando-o Como um levita à sombra dos altares,
a uma pobre senhora com uma criança Longe da luta e do fragor terreno,
no colo, entontecida pela miséria. Acorda! É tempo! O sol,
Ao retornar a Portugal, Teodorico [já alto e pleno,
dá o embrulho para a tia, mas quando Afugentou as larvas tumulares...
esta abre o pacote, encontra a camisola Para surgir do seio desses mares,
de Mary com a dedicatória. Um mundo novo espera só um
Com isso, Teodorico é expulso da [aceno...
casa da tia e é também deserdado da Escuta! É a grande voz das
tão sonhada fortuna. [multidões!
Teodorico passa a morar em um hotel São teus irmãos, que se erguem!
(Hotel Pomba de Ouro) e para poder [São canções...
se sustentar, passa a vender as relíquias Mas de guerra...e são vozes de
da Terra Santa. [rebate!
Titi morre e deixa como herança Ergue-te, pois, soldado do Futuro,
para o sobrinho apenas os óculos que E dos raios de luz do sonho puro,
ficavam pendurados na sala de jantar. Sonhador, faze espada de combate!
Depois de algum tempo, reencontra Quental, Antero de. In. Sonetos. 6 ed. Lisboa: Sá da
um amigo chamado Crispim e este, Costa, 1979. p. 52.
após ouvir a história dele, arruma-lhe
um emprego. O Palácio da Ventura
Teodorico conhece a irmã de Crispim, Sonho que sou um cavaleiro
D. Jesuína, casa-se com ela, tem [andante,
três filhos, torna-se comendador e dono Por desertos, por sóis, por
de mosteiro, passando a viver da religião. [noite escura,
Paladino do amor, busco anelante
O palácio encantado da Ventura!
Antero Tarquinio de Quental Mas já desmaio, exausto e vacilante,
Quebrada a espada já, rota a
(1842-1891) [armadura...
Suas primeiras poesias refletem E eis que súbito, o avisto, fulgurante
ainda uma postura romântica {Raios de Na sua pompa e aérea formosura!
Extinta Luz e Primaveras Românticas). Com grandes golpes bato à porta e
Com Odes Modernas, Antero inaugura [brado:
o Realismo - é a fase revolucionária. Já Eu sou o Vagabundo, o Deserdado...
com Sonetos, retrata toda a evolução Abri-vos, portas de ouro, ante
de sua vida artística - a juventude do [meus ais!
poeta marcada pelo amor, a época da Abrem-se as portas d'ouro,
Questão Coimbrã e a fase metafísica e [com fragor...
de sentimento pessimista. Mas dentro encontro só, cheio de dor,
Não se perdeu teu sangue generoso, Silêncio e escuridão - e nada mais!
Nem padeceste em vão, quem quer
[que foste,
Odes Modernas
Plebeu antigo, que amarrado ao poste
Morreste como vil e faccioso. À História
Desse sangue maldito e ignominioso VI
Surgiu armada uma invencível hoste... Se um dia chegaremos, nós,
Paz aos homens e guerra aos [sedentos,
[deuses! - pôs-te A essa praia do eterno
Em vão sobre um altar o vulgo [mar-oceano,
[ocioso... Onde lavem seu corpo os
Do pobre que protesta foste a imagem: [pustulentos,
Um povo em ti começa, E farte a sede, enfim, o peito
[um homem novo: [humano?
De ti data essa trágica linhagem. Oh! diz-me o coração que estes
Por isso nós, a Plebe, ao pensar [tormentos
[nisto, Chegarão a acabar: e o nosso
Lembraremos, herdeiros desse [engano,
[povo, Desfeito como nuvem que
Que entre nossos avós se conta [desanda,
Deixará ver o céu de banda a
[banda!
Felizes os que choram! alguma hora O Sentimento dum Ocidental
Seus prantos secarão sobre seus I
[rostos! Nas nossas ruas, ao anoitecer,
Virá do céu, em meio de uma Há tal soturnidade, há tal
[aurora, [melancolia,
Uma águia que lhes leve os seus Que as sombras, o bulício, o Tejo,
[desgostos! [a maresia
Há-de alegrar-se, então, o olhar que Despertam-me um desejo absurdo
[chora,,. [de sofrer.
E os pés de ferro dos tiranos, O céu parece baixo e de neblina,
[postos O gás extravasado enjoa-me,
Na terra, como torres, e firmados, [perturba;
Se verão, como palhas, levantados! E os edifícios, com as chaminés, e
Os tiranos sem conto - velhos [a turba
[cultos, Toldam-se duma cor monótona e
Espectros que nos gelam com o [londrina.
[abraço... Batem os carros de aluguer, ao
E mais renascem quanto mais [fundo,
[sepultos... Levando à via-férrea os que se
E mais ardentes no maior [vão. Felizes!
[cansaço... Ocorrem-me em revista
Visões de antigos sonhos, cujos [exposições, países:
[vultos Madrid, Paris, Berlim,
Nos oprimem ainda o peito lasso... [S.Petersburgo, o mundo!
Da terra e céu bandidos Semelham-se a gaiolas, com
[orgulhosos, [viveiros,
Os Reis sem fé e os Deuses As edificações somente
[enganosos! [emadeiradas:
QUENTAL, Antero de. In: Sonetos. 6 ed. Lisboa: Sá da Como morcegos, ao cair das
Costa, 1979. p. 80. [badaladas,
Além de Antero de Quental, destacam- Saltam de viga em viga, os mestres
se Gomes Leal e Guerra Junqueiro [carpinteiros.
com suas poesias de combate à sociedade Voltam os calafates, aos magotes,
e política da época e Cesário Verde De jaquetão ao ombro,
e Gonçalves Crespo com suas poesias [enfarruscados, secos:
voltadas para o cotidiano lisbonense. Embrenho-me a cismar, por
[boqueirões, por becos,
José Joaquim Cesário Verde Ou erro pelos cais a que se
[atracam botes.
(1855 - 1886) E evoco, então, as crônicas navais:
Nasceu em 1855, na Freguesia da Mouros, baixéis, heróis, tudo
Madalena, em Lisboa, Portugal. Era filho [ressuscitado
de um lavrador e comerciante e passou Luta Camões no Sul, salvando um
quase todo o tempo atendendo aos interesses [livro a nado!
dos pais, porém, sem deixar de se Singram soberbas naus que eu não
interessar pela leitura. Em 1873 freqüenta [verei jamais!
o Curso de Letras e inicia suas primeiras E o fim da tarde inspira-me; e
produções literárias no Diário de Notícias. [incomoda!
Daí por diante começa a publicar varias De um couraçado inglês vogam os
poesias em diversas revistas e jornais da [escaleres;
época. Morre em 1886, vitima de tuberculose, E em terra num tinir de louças e
deixando 42 composições poéticas [talheres
do período de 1873 e 1886. Flamejam, ao jantar, alguns hotéis
• Poesia do cotidiano de Cesário [da moda.
Verde - Opõe-se ao lirismo romântico Num trem de praça arengam dois
e revela as injustiças e desníveis [dentistas;
sociais, focalizando os esconderijos Um trôpego arlequim braceja numas
e indecências da cidade (corrupção [andas;
e decadência da classe burguesa). Os querubins do lar flutuam nas
Esse tipo de poesia foge às tradicionais [varandas;
regras do jogo estético, pois Às portas, em cabelo, enfadam-se
centraliza-se no objeto e não no sujeito, [os lojistas!
o que desloca o interesse poético Vazam-se os arsenais e as
para fora do "eu" poético. [oficinas;
Reluz, viscoso, o rio; apressam-se Ah! Como a raça ruiva do porvir,
[as obreiras; E as frotas dos avós, e os
E num cardume negro, hercúleas, [nómadas ardentes,
[galhofeiras, Nós vamos explorar todos os
Correndo com firmeza, assomam [continentes
[as varinas. E pelas vastidões aquáticas seguir!
Vêm sacudindo as ancas opulentas! Mas se vivemos, os emparedados,
Seus troncos varonis recordam-me Sem árvores, no vale escuro das
[pilastras; [muralhas!...
E algumas, à cabeça, embalam nas Julgo avistar, na treva, as folhas
[canastras [das navalhas
Os filhos que depois naufragam nas E os gritos de socorro ouvir,
[tormentas. [estrangulados.
Descalças! Nas descargas de E nestes nebulosos corredores
[carvão, Nauseiam-me, surgindo, os ventres
Desde manhã à noite, a bordo das [das tabernas;
[fragatas; Na volta, com saudade, e aos
E apinham-se num bairro aonde [bordos sobre as pernas,
[miam gatas, Cantam, de braço dado, uns tristes
E o peixe podre gera os focos de [bebedores.
[infecção! Eu não receio, todavia, os roubos;
(...) Afastam-se, a distância, os dúbios
IV [caminhantes;
E sujos, sem ladrar, ósseos, febris,
Horas Mortas [errantes,
O tecto fundo de oxigénio, de ar, Amareladamente, os cães parecem
Estende-se ao comprido, ao meio [lobos.
[das trapeiras; E os guardas, que revistam as
Vêm lágrimas de luz dos astros com [escadas,
[olheiras, Caminham de lanterna e servem de
Enleva-me a quimera azul de [chaveiros;
[transmigrar. Por cima, as imorais, nos seus
[roupões ligeiros,
Por baixo, que portões! Que Tossem, fumando sobre a pedra
[arruamentos! [das sacadas.
Um parafuso cai nas lajes, às E, enorme, nesta massa irregular
[escuras: De prédios sepulcrais, com
Colocam-se taipais, ringem as [dimensões de montes,
[fechaduras, A dor humana busca os amplos
E os olhos dum caleche [horizontes,
[espantam-me, sangrentos. E tem marés, de fel, como um
E eu sigo, como as linhas de uma [sinistro mar!
[pauta
A dupla correnteza augusta das Resumo do Realismo-
[fachadas;
Pois sobem, no silêncio, infaustas Naturalismo
[e trinadas, Momento sócio-cultural
As notas pastoris de uma • Sociedade em crise: revolta dos camponeses
[longínqua flauta. e soldados.
Se eu não morresse, nunca! E • Dependência econômica da Inglaterra;
[eternamente a burguesia portuguesa não assume
Buscasse e conseguisse a o controle do poder que continua nas
[perfeição das cousas! mãos dos comerciantes, banqueiros e
Esqueço-me a prever castíssimas setores agrários.
[esposas, • Período de Regeneração (1851 -
Que aninhem em mansões de vidro 1919), com a rotatividade no poder do
[transparente! partido conservador (Partido Regenerador)
Ó nossos filhos! Que de sonhos e outro menos conservador
[ágeis, (Histórico, Reformista, Progressista).
Pousando, vos trarão a nitidez às Adoção de uma política que beneficia
[vidas! os proprietários de terra. Crescimento
Eu quero as vossas mães e irmãs de uma classe média urbana.
[estremecidas, • Crítica ao tradicionalismo da sociedade
Numas habitações translúcidas e portuguesa, compromisso ético
[frágeis. do escritor com a realidade.
• Crítica ao conservadorismo da Igreja. da linguagem, que é contrária
• Preocupação política: democratização a toda interpretação lógica. Para o
da sociedade. simbolismo, a poesia é apenas a
expressão daquelas relações e
Características literárias correspondências que a linguagem,
• Texto objetivo, direto e sem domínio deixada a si própria, cria entre o
da subjetividade; o autor procura reproduzir concreto e o abstrato, o material e
a realidade que ele observa. o ideal, e entre as diferentes esferas
• Intenção crítica; o autor pretende modificar dos sentidos. Mallarmé pensa
a realidade que ele considera que a poesia é a anunciação de
injusta, apontando seus vícios e hipocrisias. imagens suspensas, oscilantes, e
• Grande influência das teorias científicas constantemente evanescentes; afirma
da segunda metade do século que nomear um objeto é destruir
XIX; o autor escreve com a minúcia três quartos do prazer que reside
de um cientista. no adivinhar gradual de sua verdadeira
natureza. O símbolo implica,
Autores e obras porém, não apenas a evasão a dar
• Eça de Queirós: um dos maiores um nome diretamente, mas a expressão
prosadores da língua portuguesa, e indireta de um significado
expoente máximo do Realismo português. que é impossível dar diretamente,
Obras: O Crime do Padre que é essencialmente indefinível e
Amaro (1875), O Primo Basílio inesgotável.
HAUSER, Arnold. História social da literatura e a arte.
(1878), Os Maias (1888), A Ilustre São Paulo: Mestre Jou, s.d., t. II, p. 1076-8.
Casa de Ramires (1900), A Cidade
e as Serras (1901). Movimento literário que se iniciou
• Fialho de Almeida: autor afastado no final do século XIX e se estendeu até
dos meios literários oficiais, escreveu o início do século XX, o Simbolismo se
A Cidade do Vicio Os Maias destacou na poesia, inteiramente voltada
(1892), Vida Irônica (1892). para a subjetividade (eu interior do
• Antero de Quental: autor amargurado poeta), opõe-se às propostas do Realismo.
e desiludido, escreveu Odes Segundo Alfredo Bosi, "Do âmago
Modernas (1865), Sonetos completos da inteligência européia surge uma
(1886), Raios de Extinta Luz oposição vigorosa do triunfo da coisa e
(1892). do fato sobre o sujeito - aquele sujeito a
• Cesário Verde: considerado precursor quem o otimismo do século prometera,
dos modernistas, escreveu mas não dera senão um purgatório de
O Livro de Cesário Verde (1887). contrastes e frustrações".
• Guerra Junqueiro: autor simples O Simbolismo reflete um movimento
e objetivo, escreveu A Velhice dc histórico complexo. As correntes materialistas
Padre Eterno (1885), Os Simples e racionalistas não evoluíram
(1892). com a nova realidade - industrialismo
burguês e Segunda Revolução Industrial.

Simbolismo Quando não se consegue explicar o


mundo exterior, os artistas apelam para
O Simbolismo representa, por um a negação deste, voltando-se para uma
lado, o resultado final da evolução realidade subjetiva, interior.
iniciada pelo Romantismo, isto é, Representa um movimento de atitude
pela descoberta da metáfora, célula pura e subjetiva; importa ao simbolista
germinal da poesia e que conduziu o seu estado de alma, a emoção interior.
à riqueza da imaginária impressionista;
mas não só repudia o Principais representantes e suas
impressionismo pelo seu ponto de propostas:
vista materialista e o Parnaso pelo • Charles Baudelaire - considerado
seu formalismo e racionalismo, o pai da poesia simbolista francesa,
como também repudia o romantismo ou seja, o impressionismo na literatura.
pelo seu emocionalismo e o Desenvolveu a teoria das correspondências;
convencionalismo da sua linguagem a doutrina da recuperação
metafórica. Na realidade, o simbolismo da infância; a teoria de que
pode considerar-se a reação a imaginação é a faculdade essencial
contra toda a poesia anterior; do artista (cria a realidade segundo
descobre qualquer coisa que ou um novo enfoque) e teoria de que
nunca se conhecera ou a que nunca só a imagem revela a profundidade
até aí se dera relevo: a pura das coisas.
poesia - a poesia que surge do • Paul Verlaine - dá ênfase à música,
espírito irracionalista, não conceptual, à musicalidade, à sugestão; eliminação
das linhas e formas da figura ser uma noção abstrata, emotiva.
- não deve haver idéia clara; Em Portugal, o Simbolismo inicia-se
nada de precisão, razão, porque sempre em 1890, com a publicação de Oaristos,
ocorre o vago dos sentimentos; de Eugênio de Castro e se estende até a
não há precisão do momento, não proclamação da República em 1910.
há precisão do lugar - tudo é indefinido. Nesta época, Portugal passa por uma
crise na Monarquia (socialismo e republicanismo),
Arte Poética crise econômica (depreciação
Antes de qualquer coisa, música da moeda nacional e aumento da
E, para isso, prefere o ímpar dívida pública) e plano expansionista,
Mais vago e mais solúvel no ar, com o Ultimato Inglês.
Sem nada que pese ou que pouse.
É preciso também que não vás nunca Principais características
Escolher tuas palavras sem • o Simbolismo nega o Realismo e suas
[ambigüidade: manifestações: passa a rejeitar o
Nada mais caro que a canção cientificismo, o materialismo, o racionalismo,
[cinzenta valorizando as manifestações
Onde o Indeciso se junta ao Preciso. metafísicas e espirituais;
São belos os olhos atrás dos véus, • o homem volta-se para uma realidade
É o grande dia trêmulo de meio-dia, subjetiva encontrada no Romantismo,
É, através do céu morno de outono, porém busca a essência do ser humano
O azul desordenado das - a alma. Há, portanto, a oposição
[claras estrelas! entre matéria e espírito, a purificação
Porque nós ainda queremos o Matiz, atingindo o espaço infinito;
Nada de Cor, nada a não ser o Matiz! • para os simbolistas, a alma só se liberta
Oh! O Matiz único que liga quando se rompem as correntes
O sonho ao sonho e a flauta que aprisionam ao corpo - a morte;
[à corneta. • a linguagem é repleta de símbolos.
Foge para longe da Piada assassina, Há o uso de figuras de linguagem como
Do Espírito cruel e do Riso impuro as sinestesias e aliterações;
Que fazem chorar os olhos do Azul • o conteúdo está com o espiritual, o
E todo esse alho de baixa cozinha! místico e o subconsciente;
Toma a eloqüência e torce-lhe • há uma concepção mística da vida;
[o pescoço! • há um interesse maior pelo particular
Tu farás bem, com toda a energia, e individual;
Em tornar a rima um pouco razoável. • o tom é altamente poético;
Se não a vigiarmos, até onde ele irá? • há uma tentativa de afastamento da
Oh! Quem dirá os defeitos da Rima? realidade e da sociedade contemporânea;
Que criança surda ou que negro louco • o conhecimento torna-se intuitivo e
Não forjou esta jóia barata não lógico;
Que soa oca e falsa sob a lima? • dá-se ênfase à imaginação e à fantasia;
Ainda e sempre, música! • despreza-se a natureza em troca do
Que teu verso seja a coisa volátil místico e do sobrenatural;
Que se sente fugir de uma alma • arte pela arte;
[em vôo • há pouco interesse pelo enredo e
Para outros céus e para outras ação na narrativa;
[paixões. • os personagens são seres humanos
Que teu verso seja o bom interessados no espírito íntimo das
[acontecimento pessoas;
Esparso no vento crispado da manhã • busca-se a essência ao invés da realidade;
Que vai florindo a hortelã e o timo... • a linguagem é exótica e as palavras
E tudo o mais é só literatura. são escolhidas pela sonoridade e
ritmo;
• Arthur Rimbaud - buscou a fixação • o escritor procura sugerir a realidade
do inexprimível e procurou de modo misteriosa do universo e a realidade
alucinado a palavra poética, daí o irracionalismo de seu mundo interior, através
da linguagem e as invenções de simbologias e imagens visuais;
verbais capazes de transformar • a razão é substituída pela intuição,
quaisquer realidades. É o mistério da ou seja, há uma viagem ao íntimo da
palavra - a palavra incognoscível. pessoa com a finalidade de revelar
• Stéphane Mallarmé - Para ele, a as emoções e os sentimentos;
poesia não deve ser nem descritiva, • a linguagem toma-se, portanto, hermética,
nem narrativa; a poesia deve ser um obscura e vaga, exprimindo o misticismo,
contexto de palavras pelo seu valor o nacionalismo e o saudosismo.
musical; o conteúdo do poema deve
Duma noite cruel e fria de
[seis meses,
Iluminando enfim os tenebrosos
Principais simbolistas [trilhos,
Portugueses Vê surgir, entre a neve, o sol
[com ruivos brilhos!

Eugênio de Castro Um Sonho


Na messe, que enlouquece,
e Almeida [estremece a quermesse...
(1869 - 1944) O sol, o celestial girassol,
[esmorece...
Sua obra é dividida em duas fases;
1 - fase (1890): simbolista. Em Oaristos, E as cantilenas de serenos
expõe o uso de novas rimas, aliterações, [sons amenos
vocabulário mais rico, poemas Fogem fluidas, fluindo à fina
marcados por paixão fatal, pessimismo, [flor dos fenos...
temas macabros e necrofilia. As estrelas em seus halos
Brilham com brilhos sinistros...
Cornamusas e crotalos,
Oarístos Cítolas, cítaras, sistros,
(fragmentos) Soam suaves, sonolentos,
Eu era nesse tempo um grande Sonolentos e suaves,
[vagabundo, Em suaves,
Um precoce infeliz, viúvo de ilusões; Suaves, lentos lamentos
Um sinistro fragor das mundanas De acentos
[paixões Graves,
Não chegava de há muito a meus Suaves...
[ouvidos lassos; Castro, Eugénio. In Torres, Alexandre Pinheiro. Org.
O egoísmo, o grande rei, cingira-me Antologia da poesia portuguesa - séculos XVII a XX.
[em seus braços; Porto: Lello & Irmão, 1977. v i l , p. 1351.
De ninguém tinha dó, de ninguém 2a fase (século XX): temas voltados
[tinha inveja... à Antiguidade Clássica.
Contemplando de longe a
[sórdida peleja,
Esta infrene peleja, a que Antônio Pereira Nobre
[chamamos vida,
Seguia, alheio a tudo e de cabeça (1867 - 1900)
[erguida, No início, suas poesias sofriam influências
Tendo um único irmão: o meu de Almeida Garret; porém, depois
[gelado orgulho. vieram as manifestações simbolistas, ricas
Queimara, rudemente, a flor da em musicalidade. Suas poesias revelam
[minha crença; profundo pessimismo de forma subjetiva
Em meu peito reinava a fria e egocêntrica. A morte e os temas
[indiferença; macabros são constantes em sua obra.
Tinha descarrilado o vagão dos
[meus sonhos; Soneto
Meus dias eram maus, Na praia lá da Boa Nova, um dia,
[longuíssimos, tristonhos, Edifiquei (foi esse o grande mal)
Ensopados de névoa e de Alto Castelo, o que é a fantasia,
[melancolia... Todo de lápis-lazúli e coral!
Mas, ao vê-l'A surgir triunfalmente Naquelas redondezas não havia
[fria, Quem se gabasse dum domínio igual:
Grácil como uma flor, triste como Oh Castelo tão alto! Parecia
[um gemido, O território dum Senhor Feudal!
Meu peito recobrou o seu vigor Um dia (não sei quando,
[perdido, [nem sei donde)
Todo eu era contente, e alegre como Um vento seco de Deserto e spleen
[um rei! Deitou por terra, ao pó que
E, cheio de surpresa, abismado fiquei [tudo esconde,
A olhar o seu perfil e o garbo O meu condado, o meu condado, sim!
[do seu colo, Porque eu já fui um poderoso Conde,
Cheio de admiração, como Naquela idade em que se é conde
[um homem do pólo [assim...
Quando, depois de ter suportado
[os reveses Lusitânia no Bairro Latino
Ai do Lusíada, coitado, Hoje, fazem-no andar águas do
Que vem de tão longe, coberto de [Sena...
[pó. É negra a sua farinha!
Orai por ele! tende pena!
Que não ama, nem é amado, Pobre Moleiro da Saudade...
Lúgubre Outono, no mês de Abril! Ó minha
Que triste foi o seu fado! Terra encantada, cheia de sol,
Antes fosse pra soldado, Ó campanário, ó Luas-Cheias,
Antes fosse pro Brasil... Lavadeira que lava o lençol,
Menino e moço, tive uma Torre de Ermidas, sinos das aldeias,
[leite, Ó ceifeira que segas cantando
Torre sem par! Ó moleiro das estradas,
Oliveiras que davam azeite, Carros de bois, chiando...
Searas que davam linho de fiar, Flores dos campos, beiços de
Moinhos de velas, como latinas, [fadas,
Que São Lourenço fazia andar... Poentes de Julho, poentes minerais,
Formosas cabras, ainda Ó choupos, ó luar, ó regas de
[pequeninas, [Verão!
E loiras vacas de maternas ancas Que é feito de vocês? Onde estais,
Que me davam o leite de manhã, [onde estais?
Lindo rebanho de ovelhas brancas; Ó padeirinhas a amassar o pão,
Meus bibes eram da sua lã. Velhinhas na roca de fiar,
António era o pastor desse Cabelo todo em caracóis!
[rebanho: Pescadores a pescar
Com elas ia para os Montes, a Com a linha cheia de anzóis!
[pastar, Zumbidos das vespas, ferrões das
E tinha pouco mais ou menos seu [abelhas,
[tamanho, Ó bandeiras! Ó sol! foguetes!
E o pasto delas era o meu jantar... [Ó toirada!
E a serra a toalha, o covilhete e a Ó boi negro entre as capas
[sala. [vermelhas!
Passava a noite, passava o dia Ó pregões de água fresca e
Naquela doce companhia. [limonada!
Eram minhas Irmãs e todas puras Ó romaria do Senhor do Viandante]
E só lhes minguava a fala Procissões com música e anjinhos!
Pra serem perfeitas criaturas... Srs. Abades de Amarante,
E quando na Igreja das Alvas Com três ninhadas de sobrinhos!
[Saudades Onde estais? onde estais?
(Que era da minha Torre a Ó minha capa de estudante, às
[freguesia) [ventanias!
Batiam as Trindades, Cidade triste agasalhada entre
Com os seus olhos cristianíssimos [choupais!
olhavam-me, Ó dobres dos poentes às
Eu persignava-me, rezava [Ave-Marias\
[«Ave-Maria...» Ó Cabo do Mundo\ Moreia da Maia\
E as doces ovelhinhas imitavam-me. Estrada de Santiago! Sete-Estrelo!
Menino e moço, tive uma Torre de Casas dos pobres que o luar,
[leite, [à noite, caia...
Torre sem par! Fortalezas de Lipp! Ó fosso do
Oliveiras que davam azeite... [Castelo,
Um dia, os castelos caíram do Ar! Amortalhado em perrexil e
As oliveiras secaram, [trepadeiras,
Morreram as vacas, perdi as Onde se enroscam como esposos
[ovelhas, [e lagartas!
Saíram-me os Ladrões, só me Sr. Governador a podar as
[deixaram [roseiras!
As velas do moinho... mas rotas e Ó bruxa do Padre, que botas as
[velhas! [cartas!
Que triste fado! Joaquim da Teresa! Francisco da
Antes fosse aleijadinho, [Hora!
Antes doido, antes cego... Que é feito de vós?
Aí do Lusíada, coitado! Faláveis aos barcos que nadavam,
Veio da terra, mailo seu moinho: [lá fora,
Lá, faziam-no andar as águas do Pelo porta-voz...
[Mondego, Arrabalde] marítimo da França,
Conta-me a história da Fermosa [Não andes mais à neve,
[Magalona, De noite a mendigar às portas
E do Senhor de Calais, [dos casais.
Mais o naufrágio do vapor (2)
[Perseverança, Passou o Outono já, já
Cujos cadáveres ainda vejo à [torna o frio...
[tona... - Outono de seu riso magoado.
Ó farolim da Barra, lindo, de Álgido Inverno! Oblíquo o sol, gelado...
[bandeiras, - O sol, e as águas límpidas do rio.
Para os vapores a fazer sinais, Águas claras do rio! Águas do rio,
Verdes, vermelhas, azuis, brancas, Fugindo sob o meu olhar cansado,
[estrangeiras, Para onde me levais meu vão
Dicionário magnífico de Cores! [cuidado?
Alvas espumas, espumando a Aonde vais, meu coração vazio?
[frágua, Ficai, cabelos dela, flutuando,
Ou rebentando à noite, como E, debaixo das águas fugidias,
[flores! Os seus olhos abertos e cismando...
Ondas do mar! Serras da Estrela Onde ides a correr, melancolias?
[de água, - e, retratadas, longamente
Cheias de brigues como pinhais... [ondeando,
Morenos mareantes, trigueiros as suas mãos translúcidas e frias...
[pastores!
Onde estais? onde estais? (3)
Nobre, Antônio. Irr. Torres, Alexandre Pinheiro. Org. chorai, arcadas
Antologia da poesia portuguesa - séculos XVII a XX. do violoncelo!
Porto, LelloS Irmão, 1977. v.ll, p. 1331.
Convulcionadas,
Pontes aladas
De pesadelo...
Camilo de Almeida De que esvoaçam,
Pessanha (1867-1926) Brancos, os arcos...
Considerado o melhor poeta simbolista Por baixo passam,
português. Sua poesia apresenta Se despedaçam,
imagens fugidias e noção de transitoriedade No rio, os barcos.
da vida. Escreveu Clepsidra, Fundas, soluçam
pura abstração onde, acredita o poeta, Caudais de choro...
'ludo é passageiro". Que ruínas, (ouçam)!
Se se debruçam,
Que sorvedouro!...
Clepsidra
Trêmulos, astros...
(fragmentos)
Solidões lacustres...
(1)
- Lemes e mastros...
Quem poluiu, quem rasgou os
E os alabastros
[meus lençóis de linho,
Dos balaústres!
Onde esperei morrer, - meus tão
Umas quebradas!
[castos lençóis?
Blocos de gelo...
Do meu jardim exíguo os
- Chorai, arcadas,
[altos girassóis
Despedaçadas,
Quem foi que os arrancou e
Do violoncelo.
[lançou no caminho?
Quem quebrou (que furor cruel e
[simiesco!) Castelo de Óbitos
A mesa de eu cear, - tábua tosca Quando se erguerão as seteiras,
[de pinho? Outra vez, do castelo em ruína,
E me espalhou a lenha? E me E haverá gritos e bandeiras
[entornou o vinho? Na fria aragem matutina?
- Da minha vinha o vinho Se ouvirá tocar a rebate
[acidulado e fresco... Sobre a planície abandonada?
Ó minha pobre mãe!... Não te ergas E sairemos ao combate
[mais da cova. De cota e elmo e a longa espada?
Olha a noite, olha o vento. Quando iremos, tristes e sérios,
[Em ruína a casa nova... Nas prolixas e vãs contendas.
Dos meus ossos o lume Soltando juras, impropérios,
[a extingulr-se breve. Pelas divisas e legendas?
Não venhas mais ao lar. (...)
[Não vagabundes mais, E voltaremos, os antigos
Alma da minha mãe... E puríssimos lidadores,
(Quantos trabalhos e perigos!) e um dos maiores poetas da língua.
Quase mortos e vencedores? Deixou apenas Clepsidra (1920).
E quando, ó Doce Infanta Real, • Raul Brandão: principal nome da
Nos sorrirás do belveder? prosa simbolista. Escreveu extensa
- Magra figura de vitral, obra, onde se destacam A Ceia dos
Por quem nós fomos combater... Cardeais (1902), A Farsa (1903), 05
O meu coração desce, pobres (1906), Húmus (1917).
Um balão apagado...
- Melhor fora que ardesse,
Nas trevas, incendiado.
Na bruma fastidienta,
Modernismo
"Os primeiros anos do século XX,
Como um caixão à cova... em Portugal, são marcados pelo entrechoque
- Porque antes não rebenta de correntes literarias que vinham
De dor violenta e nova?! agitando os espíritos desde algum tempo:
Que apego ainda o sustém? Decadentismo, Simbolismo, Impressionismo
Átomo miserando... etc., eram denominações da mesma
- Se o esmagasse o trem tendência geral que impunha o domínio da
Dum comboio arquejando!... Metafísica e do Mistério no terreno em que
O inane, vil despojo as ciências se julgavam exclusivas e todo-
Da alma egoísta e fraca! poderosas.
Trouxesse-o o mar de rojo, O ideal republicano, engrossado por
Levasse-o na ressaca. sucessivas manifestações de instabilidade,
Pessanha, Camilo. Clepsidra. In: Torres, Alexandre
Pinheiro. Org. Antologia da poesia portuguesa-séculos
vai-se concretizar em 1910, com a
XVIIa XX. Porto: Lello & Irmão. 1977. v.lt, p. 1331. proclamação da República, depois dos
sangrentos acontecimentos de 1908,
quando o rei D. Carlos perde a vida nas
Resumo do Simbolismo mãos de um homem do povo, alucinadamente
Momento sócio-cultural antimonárquico.
• Episódio do Ultimato (1890) - ruptura (...) E é nessa atmosfera de emaranhadas
do pacto entre liberais e conservadores forças estéticas, que se sobrepõe
do período da Regeneração. à inquietação trazida pela Primeira
Setores da burguesia aderem ao Partido Grande Guerra, que um grupo de rapazes,
Republicano, opondo-se a alta em 1915, funda a revista Orpheu.
burguesia financista e monárquica. São eles: Mario de Sá-Cameiro, Fernando
Revoltas no Porto. Assassinato do Pessoa, Luís de Montalvor, Santa Rita Pintor,
rei Dom Carlos e do príncipe herdeiro. Ronald de Carvalho, Raul Leal".
• Portugal tenta se consolidar e expandir- SARAIVA, José Antônio. História da Literatura
se na África, mas suas pretensões Portuguesa.
são interceptadas pela Inglaterra. São Paulo: Europa-América, 1965. Coleção Saber.

Movimento literário que se inicia nos


Características literárias
primeiros anos do século XX (1915), com
• Subjetivismo, negação da objetividade
a manifestação da angústia diante das
científica do Realismo; o Simbolismo
transformações socioculturais. É a ruptura
quer fixar o inexpremível.
com a estética tradicional, da qual surgiram
• Linguagem repleta de símbolos; uso
várias correntes estéticas, conhecidas
rebuscado das figuras de linguagem
por vanguarda. As principais foram:
(sinestesias, aliterações).
• Cubismo - surgiu em 1907 na pintura,
• Valoriza a musicalidade das palavras,
com Pablo Picasso e George
a imaginação e a fantasia do autor.
Braque e valorizava as formas geométricas
• Busca a essência dos seres e coisas,
(cubos, cones e cilindros).
negando os aspectos exteriores.
• Futurismo - movimento cujo objetivo
principal era o de abolir o passado,
Autores e obras adotando novos temas e técnicas
• Eugênio de Castro: considerado da arte. O principal representante
o introdutor do Simbolismo em Portugal, foi Filippo Tommaso Marinetti.
foi um autor criativo e rebelde. • Dadaísmo - movimento que enfatiza
Escreveu Oaristos (1890), Horas a destruição e a anarquia de
(1891), Constança (1900), O Filho valores e formas. Seu principal representante
Pródigo (1910). foi Tristan Tzara. Esta
• Antônio Nobre: deixou uma obra arte pretendia provocar escândalo e
em que expressa sofrimento e dor. surpresa, destruir o bom senso, além
Escreveu Só (1892), Despedidas de romper qualquer tipo de equilíbrio.
(1902), Primeiros Versos (1921). • Surrealismo - movimento artístico
• Camilo Pessanha: considerado o que não aceitavam a destruição dos
maior nome do Simbolismo português
dadaístas, pois valorizavam a imaginação, funda a revista Orpheu - marco
o maravilhoso e o sobrenatural. inicial do Modernismo em Portugal. Aos
• Expressionismo - movimento que seis anos de idade, criou o seu primeiro
surgiu na Alemanha e caracterizava heterônimo: Chevalier de Pás. Posteriormente,
a arte criada sob o impacto do vieram Alexander Search, Álvaro
sofrimento humano. de Campos, Ricardo Reis e Alberto Caeiro.
Essas vanguardas manifestaramse A invenção dos heterônimos foi a resposta
principalmente nas artes plásticas, encontrada por Pessoa a uma realidade
na música e na literatura, com caráter que se mostrava múltipla, oscilante
agressivo, experimental e inovador. e dinâmica, para nela poder sobreviver.
Opõem-se ao racionalismo e objetivismo Aos seus heterônimos, deu uma biografia,
e valorizam o Simbolismo. característica física, personalidade,
formação cultural, profissão e ideologia.
Principais características A complexidade e o mistério dos
• atitude irreverente aos padrões estabelecidos; heterônimos podem encontrar citadas
• reação ao passado clássico e estático; numa carta do próprio Fernando Pessoa
• temática particular e individual; a Adolfo Casais Monteiro:
• preferência pelo dinamismo;
• busca do imprevisível; "Eu vejo diante de mim, no espaço
• desaparece o sentimentalismo; incolor mas real do sonho, as caras, os
• comunicação direta das idéias: linguagem gestos de Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro
cotidiana; de Campos. Construí-lhes as idades e
• originalidade e autenticidade; as vidas. Ricardo Reis nasceu em 1887
• interesse pela vida interior (estado de (não me lembro do dia e mês, mas tenho-
espírito, psíquico e subconsciente); os algures), no Porto, é médico e
• expressão indireta e sugestiva; está presentemente no Brasil. Alberto
• valorização do bom humor; Caeiro nasceu em 1889 e morreu em
• liberdade nos versos e ritmos. 1915; nasceu em Lisboa, mas viveu quase
Em Portugal, o Modernismo se divide toda a vida no campo. Não teve profissão
em três gerações: nem educação quase alguma.
Álvaro de campos nasceu em Tavira, no
dia 15 de Outubro de 1890 (às 1:30 da
tarde, diz-me Ferreira Gomes; e é verdade,
1ª geração pois feito horóscopo para esta
hora, está certo). Este, como sabe, é
(1915- 1927) engenheiro naval (por Glasgow), mas
Orfismo - artistas que participaram agora está aqui em Lisboa em inatividade.
da revista Orpheu, viravam valores simbolistas Caeiro era de estatura média e, embora
e os reformulavam. Destacamse: realmente frágil (morreu tuberculoso),
Fernando Pessoa, com o seu desdobramento não parecia tão frágil como era.
em várias personalidades Ricardo Reis é um pouco, mas muito
poéticas e sua indignação sobre a existência; pouco, mais baixo, mais forte, mais seco.
Almada Negreiros, Florbela Espanca Álvaro de Campos é alto (1,75 m de altura,
e Mário de Sá Carneiro. mais 2 cm do que eu), magro e um
pouco tendente a curvar-se. Cara rapada
todos - o Caeiro louro sem cor, olhos
Fernando Antônio azuis; Reis de um vago moreno mate;
Campos entre branco e moreno, tipo
Nogueira Pessoa vagamente de judeu português, cabelo
(1888-1935) porém liso e normalmente apartado ao
lado, monóculo. Caeiro, como disse, não
Nasceu em Lisboa em 1888, porém,
teve mais educação que quase nenhuma
passou parte de sua infância e de sua
- só instrução primária; morreramlhe
mocidade na África do Sul, em Durban.
cedo o pai e a mãe, e deixou-se ficar
Retornou a Portugal e iniciou o curso
em casa, vivendo de uns pequenos rendimentos.
superior de Letras, em Lisboa, mas abandonou
Vivia com uma velha tia, tiaavó.
a Universidade. Ao morrer, em
Ricardo Reis, educado num colégio
1935, com apenas 47 anos de idade, o
de jesuítas ó, como disse, médico; vive
poeta ainda era desconhecido na sociedade
no Brasil desde 1919, pois se expatriou
portuguesa, porém, pouco antes
espontaneamente por ser monárquico.
de sua morte, chegou a receber um prêmio
É um latinista por educação alheia, e um
do Secretariado de Propaganda Nacional,
semi-helenista por educação própria.
pela publicação de sua obra Mensagem.
Álvaro de campos teve uma educação
Pessoa foi o introdutor das vanguardas
vulgar de liceu; depois foi mandado para
modernistas em Portugal. Em 1915,
a Escócia estudar engenharia, primeiro
com Almada Negreiros e Mário de Sá Carneiro,
mecânica e depois naval. Numas férias E a sua mãe não tinha amado antes
fez a viagem ao Oriente, de onde resultou [de o ter.
o Opiário. Ensinou-lhe latim um tio Não era mulher: era uma mala
beirão que era padre. Como escrevo em Em que ele tinha vindo do céu.
nome desses três?... Caeiro por pura e E queriam que ele, que só nascera
inesperada inspiração, sem saber ou [da mãe,
sequer calcular que iria escrever. E nunca tivera pai para amar com
Ricardo Reis, depois de uma deliberação [respeito,
abstrata, que subitamente se concretiza Pregasse a bondade e a justiça!
numa ode. Campos, quando sinto Um dia que Deus estava a dormir
um súbito impulso para escrever e E o Espírito santo andava a voar,
não sei o quê." Ele foi à caixa dos milagres e
[roubou três,
Com o primeiro fez que ninguém
Os heterônimos de [soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se
Fernando Pessoa [eternamente humano e menino.
Alberto Caeiro da Silva Com o terceiro criou um Cristo
[eternamente na sua cruz
(1889 - 1915) E deixou-o pregado na cruz que há
Poeta bucólico, vive em contato [no céu
com a natureza e é considerado o mestre E serve de modelo às outras.
dentre todos os heterônimos. Filósofo, Depois fugiu para o sol
acredita que o homem complicou as E desceu pelo primeiro raio que
coisas com a metafísica e religiões. Defende, [apanhou.
portanto, a simplicidade da vida e Hoje vive na minha aldeia comigo.
a sensação (pensamentos do poeta). É uma criança bonita de riso e
[natural.
O Guardador de Rebanhos Limpa o nariz ao braço direito,
Num meio-dia de fim de primavera Chapinha nas poças de água,
Tive um sonho como uma Colhe as flores e gosta delas e
[fotografia. [esquece-as.
Vi Jesus Cristo descer à terra. Atira pedras aos burros,
Veio pela encosta de um monte Rouba a fruta dos pomares
Tornado outra vez menino, E foge a chorar e a fritar dos cães.
A correr e a rolar-se pela erva E, porque sabe que elas não gostam
E a arrancar flores para as deitar E que toda a gente acha graça,
[fora Corre atrás das raparigas
E a rir de modo a ouvir-se de longe. Que vão em ranchos pelas estradas
Tinha fugido do céu. Com as bilhas às cabeças
Era nosso demais para fingir E levanta-lhes as saias.
Da segunda pessoa da Trindade. A mim ensinou-me tudo.
No céu era tudo falso, tudo em Ensinou-me o olhar para as cousas,
[desacordo Aponta-me todas as cousas que
Com flores e árvores e pedras. [há nas flores.
No céu tinha que estar sempre sério Mostra-me como as pedras são
E de vez em quando de se tornar [engraçadas
outra vez homem Quando a gente as tem na mão
E subir para a cruz, e estar sempre E olha devagar para elas.
[a morrer Sou um guardador de rebanhos.
Com uma coroa toda à roda de O rebanho é os meus pensamentos.
[espinhos E os meus pensamentos são todos
E os pés espetados por prego com [sensações.
[cabeça, Penso com os olhos e com os ouvidos
E até com um trapo à roda da cintura E com as mãos e os pés
Como os pretos nas ilustrações. E com o nariz e a boca.
Nem sequer o deixaram ter pai e Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la
[mãe E comer um fruto é saber-lhe
Como as outras crianças. [o sentido.
O seu pai era duas pessoas - Por isso quando num dia de calor
Um velho chamado José, que era Me sinto triste de gozá-lo tanto,
[carpinteiro, E me deito ao comprido na erva,
E que não era pai dele; E fecho os olhos quentes,
E o outro pai era do mundo nem era Sinto todo o meu corpo deitado
[pomba. [na realidade,
Sei a verdade e sou feliz. Tão cedo passa tudo quanto passa!
Podemos observar nestes trechos Morre tão jovem ante os deuses
de O guardador de rebanhos a linguagem [quanto
coloquial de Alberto Caeiro, muitas Morre! Tudo é tão pouco!
vezes próxima da prosa, algumas vezes Nada se sabe, tudo se imagina.
muito rítmica. Observamos, também, Circunda-te de rosas, ama, bebe
que o poeta faz diversas negações das E cala. O mais é nada.
metafísicas, das transcendencias, optando Já sobre a fronte não se acinzenta
pela natureza, ou seja, pelo que é O cabelo do jovem que perdi.
natural. No primeiro texto, a criança é Meus olhos brilham menos.
divina porque é humana e natural e, assim, Já não tem jus a beijos minha boca.
é muito mais verdadeira. No segundo Se me ainda amas, por amor não
texto, observamos a identificação do [ames:
ato de pensar com as sensações físicas, Traíras-me comigo.
com relação corpo-a-corpo com o Quando, Lídia, vier o nosso outono
mundo. Com o inverno que há nele,
Representa o mundo clássico. Monarquista, [reservemos
educado em colégio de jesuítas, Um pensamento, não para o futuro
valoriza a vida campestre e a simplicidade Primavera, que é de outrem,
das coisas. Deixa de lado a emoção, Nem para o estilo, de quem somos
por desconfiar da felicidade extrema. [mortos,
Senão para o que fica do que
Obra Poética [passa -
Só o ter flores pela vista fora O amarelo atual que as folhas
Nas áleas largas dos jardins exatos [vivem
Basta para podermos E as torna diferentes".
Achar a vida leve. Podemos observar o vocabulário
De todo o esforço seguremos erudito, a essência clássica e a referência
[quedas aos deuses e ao destino. Cabe
As mãos, brincando, pra que ressaltar, também, que podemos observar
[nos não tome o tema da passagem do tempo,
Do pulso, e nos arraste. da transitoriedade da vida, da necessidade
E vivamos assim, de se viver o momento real,
sem ilusões.

Ricardo Reis
Álvaro de Campos
(1887 - ? )
Buscando o mínimo de dor ou gozo, (1890-?)
Bebendo a goles os instantes Voltado para o futurismo, procura
[frescos, expressar o mundo moderno. É considerado
Translúcidos como água o poeta do "não".
Em taças detalhadas, Eia comboios, eia pontes, eia
(...) [hotéis à hora do jantar
Pouco tão pouco pesará nos braços Eia aparelhos de todas as espécies,
Com que, exilados das supernas [férreos, brutos, mínimos,
[luzes, Instrumentos de precisão,
Escolhermos do que fomos [aparelhos de triturar, de cavar,
O melhor pra lembrar Engenhos, brocas, máquinas
Quando, acabados pelas Parcas, [rotativas!
[formos, Eia! Eia! Eia!
Vultos solenes de repente antigos, Eia eletricidade, nervos doentes de
E cada vez mais sombras, [Matéria!
Ao encontro fatal Eia telegrafia-sem-fios, simpatia
Do barco escuro no soturno rio, [metálica do Inconsciente!
E os nove abraços do horror estígio, Eia túneis, eia canais, Panamá,
E o regaço insaciável [Kiel, Suez!
Da pátria de Plutão. Eia todo o passado dentro do
"Para ser grande, sê inteiro: nada [presente!
Teu exagera, ou exclui, Eia todo o futuro já dentro de nós!
Sê todo em cada coisa. Põe quanto Eia!
[és Eia! Eia! Eia!
No mínimo que fazes. Para a beleza disto totalmente
Assim em cada lago a lua toda [desconhecida dos antigos.
Brilha, porque alta vive. Ó rodas, é engrenagens, r-r-r-r-r-r
[eterno! [das pequenas coisas ridículas, eu
Forte espasmo retido dos [verifico que não tenho por nisto
[maquinismos em fúria! [tudo neste mundo.
Em fúria fora e dentro de mim, Toda a gente que eu conheço e que
Por todos os meus nervos [fala comigo
[dissecados fora, Nunca teve um ato ridículo, nunca
Por todas as papilas fora de tudo [sofreu enxovalho,
[com que eu sinto! Nunca foi senão príncipe - todos
Tenho os lábios secos, ó grandes [eles príncipes - na vida...
[ruídos modernos, Quem me dera ouvir de alguém a
De vos ouvir demasiadamente de [voz humana
[perto, Que confessasse não um pecado,
E arde-me a cabeça de vos querer [mas uma infâmia;
[cantar com um excesso Que contasse, não uma violência,
De expressão de todas as minhas [mas uma cobardia!
[sensações, Não, são todos o ideal, se os ouço
Com um excesso contemporâneo [e me falam.
[de vós, ó máquinas!" Quem há neste largo mundo que me
Podemos observar o fluxo das idéias, [confesse que uma vez foi vil?
o vigor do verso livre (sem rima e Arre, estou farto de semideus!
sem métrica regular), além da expressividade Onde é que há gente no mundo?
da linguagem coloquial. O poeta Então sou só eu que é vil e errôneo
retrata a civilização industrial (lâmpadas, [nesta terra?
rodas, engrenagens). Poderão as mulheres não os terem
[amado,
Poema em linha reta Podem ter sido traídos - mas
Nunca conheci quem tivesse [ridículos nunca!
[levado porrada. E eu, que tenho sido ridículo sem
Todos os meus conhecidos tem sido [ter sido traído,
[campeões em tudo. Como eu posso falar com os meus
[superiores sem titubear?
Ode triunfal Eu, que tenho sido vil, literalmente
(fragmento) [vil,
"À dolorosa luz das grandes lâmpadas Vil no sentido mesquinho e infame
elétricas da fábrica [da vileza.
Tenho febre e escrevo. Podemos observar neste poema o
Escrevo rangendo os dentes, fera uso de verso livre, repleto de linguagem
[para a beleza disto, coloquial e de estrofação irregular. Além
E eu, tantas vezes reles, tantas destas observações, podemos salientar
[vezes porco, tantas vezes vil, a enumeração de elementos, a listagem
Eu tantas vezes irrespondivelmente livre e descontínua de idéias, típicos
[parasita, da poesia moderna.
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido Fernando Pessoa
[paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho ele-mesmo
[ridículo, absurdo, Mensagem
Que tenho enrolado os pés A obra Mensagem mostra poemas
[publicamente nos tapetes das organizados de forma a compor uma
[etiquetas, epopéia fragmentária, pois o conjunto
Que tenho sofrido enxovalhos e dos textos líricos acaba formando um
[calado, elogio de teor épico a Portugal. Traçando
Que quando não tenho calado, a história do seu país, Pessoa envereda
[tenho sido mais ridículo ainda; por um nacionalismo místico de
Eu, que tenho sido cômico às caráter sebastianista.
[criadas de hotel, O livro está dividido em três partes:
Eu, que tenho sentido o piscar de "Brasão", "Mar português" e "O Encoberto".
[olhos dos moços de fretes, Na primeira, conta-se a história
Eu, que tenho feito vergonhas das glórias portuguesas; na segunda,
[financeiras, pedido emprestado são apresentadas as conquistas marítimas
[sem pagar, de Portugal; por último, é apresentado
Eu, que, quando a hora do soco o mito sebastianista, um retorno de
[surgiu, me tenho agachado Portugal às épocas de glória. A primeira
Para fora da possibilidade do soco; parte de Mensagem, "Brasão", se estrutura
Eu, que tenho sofrido a angústia como o brasão português, que é
formado por dois campos: um apresenta Pela visão que a alma tem!
sete castelos, o outro, cinco quinas. E assim, passados os quatro
No topo do brasão estão a coroa e o Tempos do ser que sonhou,
timbre, que apresenta o grifo, animal mitológico A terra será teatro
que tem cabeça de leão e asas Do dia claro, que no atro
de águia. Assim dividem-se os poemas Da erma noite começou.
desta parte, remetendo-nos ao brasão Grécia, Roma, Cristandade,
de Portugal. Versam sobre as grandes Europa - os quatro se vão
figuras da história de Portugal, desde Para onde vai toda a idade.
Dom Henrique, fundador do Condado Quem vem viver a verdade
Portucalenses, passando por sua esposa, Que morreu D. Sebastião?
Dona Tareja, e seu filho, primeiro
rei de Portugal, Dom Afonso Henriques O Mar Portuguez
vão ainda até o infante Dom Henrique, "Ó mar salgado, quanto do teu sal
fundador da Escola de Sagres e grande São lágrimas de Portugal!
fomentador da expansão ultramarina Por te cruzarmos, quantas mães
portuguesa, e Afonso de Albuquerque, [choraram,
dominador português do Oriente; até o Quantos filhos em vão rezaram!
mito de Ulisses, que teria fundado a cidade Quantas noivas ficaram por casar
de Ulissepona, depois Lisboa, é Para que fosses nosso, ó mar!
apresentado: Valeu a pena? Tudo vale a pena
"O mito é o nada que é tudo. Se a alma não é pequena.
O mesmo sol que abre os céus Quem quer passar além do Bojador
É um mito brilhante e mudo." Tem que passar além da dor.
A segunda parte, "Mar português", Deus ao mar o perigo e o abismo
apresenta as principais etapas da expansão [deu.
ultramarina que levaram Portugal Mas nele é que espelhou o céu".
a ocupar um lugar de destaque no
mundo durante os séculos XV e XVI: D. Sebastião, Rei de Portugal
"E ao imenso e possível oceano "Louco, sim, louco, porque quis
Ensinam estas Quinas, que aqui vês, [grandeza
Que o mar com fim será grego ou qual a Sorte a não dá.
[romano: Não coube em mim minha certeza;
O mar sem fim é português." Por isso coube o areal está
Já a última parte, "O Encoberto", Ficou meu ser que houve, não o
apresenta o misticismo em torno da figura [que há.
de Dom Sebastião, rei de Portugal, Minha loucura, outros que me a
cuja frota foi dizimada em ataque aos [tomem
mouros em 1578. Muitas previsões, Com o que nela ia.
como a do sapateiro Bandarra e a do Sem a loucura que é o homem
padre Antônio Vieira, prevêem o retorno Mais que a besta sadia,
de Dom Sebastião para resgatar o Cadáver adiado que procria?
poderio de Portugal, criando o Quinto Podemos reparar na obra de Fernando
Império e marcando a supremacia de Pessoa - Mensagem- temas históricos
Portugal sobre o mundo: portugueses: as conquistas marítimas
"Grécia, Roma, Cristandade, e D. Sebastião. Os dois poemas
Europa, os quatro se vão apresentam um tom filosófico, épico,
Para onde vai toda idade. heróico. A aventura portuguesa é apresentada
Quem vem viver a verdade de modo transfigurado. As rimas
Que morreu dom Sebastião?" apresentam-se regulares e há a
presença de rimas.
O Quinto Império
Triste de quem vive em casa,
Contente com seu lar, Florbela de Alma da
Sem que um sonho, no erguer de asa, Conceição Espanca
Faça até mais rubra a brasa
Da lareira a abandonar! (1894-1930)
Triste de quem é feliz! Nasceu em Vila Viçosa e realizou
Vive porque a vida dura. seus estudos secundários em Évora,
Nada na alma lhe diz onde começou a escrever seus poemas.
Mais que a lição da raiz Seu temperamento forte misturase
Ter por vida a sepultura. com sua sensibilidade poética, a qual
Eras sobre eras se somem é demonstrada de forma firme, sentimental,
No tempo em que as eras vêm. transparente e vigorosa, diante
Que as forças cegas se dormem dos acontecimentos de sua vida.
Muito infeliz nos seus casamentos, deprimida Sou talvez a visão que Alguém
diante da reação da critica, [sonhou,
Florbela demonstrou claramente as fases Alguém que veio ao mundo pra
dos problemas existenciais que [me ver
sentia: angústias, decepções, desvalorização, E que nunca na vida me encontrou!
tristezas, mágoas, numa Espanca, Florbela. In. Antologia da poesia portuguesa.
época repressora, machista e severa Porto: Lello & Irmão, 1977. v.2.
com o sexo feminino. Em 1919 estudou Expressa seus anseios e angústias
na Faculdade de Direito, em Lisboa, publicando diante de si mesma.
seu primeiro livro -Mágoas. Em
profundo estado de depressão, totalmente Noitinha
abatida e doente, afastou-se de A noite sobre nós se debruçou...
uma v e z do convívio social com o consolo Minha alma ajoelha, Põe as mãos e
e a amizade de alguns poucos [ora!
amigos. Em 1939, faleceu enquanto O luar, pelas colinas, nesta hora,
dormia pelo excesso de barbitúricos. É a água dum gomil que se
Suas principais obras foram; Mágoas, [entornou...
Sóror saudades, Reliquial, Charveca Não sei quem tanta pérola
em Flor, Máscaras do Destino e Domínio [espalhou!
Negro. Murmura alguém pelas quebradas
[fora...
Amar! Flores do campo, humildes, mesmo
Eu quero amar, amar perdidamente! [agora,
Amar só por amar: Aqui...além... A noite, os olhos brandos, lhes
Mais Este e Aquele, o Outro e toda [fechou...
[a gente... Fumo beijando o côlmo dos casais...
Amar! Amar! E não amar ninguém! Serenidade idílica de fontes,
Recordar? Esquecer? Indiferente!... E a voz dos rouxinóis nos
Prender ou desprender? É mal? [salgueirais...
[É bem? Tranqüilidade... calma... anoitecer...
Quem disser que se pode amar Num êxtase, eu escuto pelos
[alguém [montes
Durante a vida inteira é porque mente! O coração das pedras a bater...
Há uma primavera em cada vida: Expressa sua solidão e o vazio constante
É preciso cantá-la assim florida, em sua vida.
Pois se Deus nos deu voz, foi pra
[cantar!
E se um dia hei de ser pó, cinza e Mário de Sá-Carneiro
[nada
Que seja a minha noite uma
(1890 - 1916)
[alvorada, Sá-Carneiro nasceu em Lisboa, em
Que me saiba perder...pra me 1890. Ficou órfão de mãe aos dois anos
[encontrar... de idade. Em 1912 seguiu para Paris,
Expressa a vontade, o desejo e o intentando cursar Direito. Nesse mesmo
anseio de ter alguém que a fizesse feliz. ano publicou Princípios e iniciou sua
produção poética. Retornou a Lisboa,
em férias, e juntou-se ao grupo que lançou
Eu Orpheu, em 1915. Nesse mesmo
Eu sou a que no mundo anda ano publica Dispersão e A Confissão
[perdida de Lúcio. Retornou a Paris, onde sérios
Eu sou a que na vida não tem norte, problemas financeiros o levaram à depressão
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte e finalmente ao suicídio, em
Sou a crucificada... a dolorida... abril de 1916.
Sombra de névoa tênue e Dedicou-se à prosa, à poesia e ao
[esvaecida, teatro. Os seus personagens são geralmente
E que o destino amargo, triste e voltados para si mesmos, com
[forte, a personalidade em desagregação, buscando
Impele brutalmente para a morte! um outro no seu próprio interior
Alma de luto sempre que viesse a completá-los.
[incompreendida!...
Sou aquela que passa e ninguém
[vê... Dispersão
Sou a que chamam triste sem Perdi-me dentro de mim
[o ser... Porque eu era labirinto,
Sou a que chora sem saber E hoje, quando me sinto,
[por quê... É com saudades de mim.
Passei pela minha vida Sereia louca que deixou o mar;
Um astro doido a sonhar. Sou templo prestes a ruir sem deus,
Na ânsia de ultrapassar, Estátua falsa ainda erguida ao ar...
Nem dei pela minha vida...
Para mim é sempre ontem, Último Soneto
Não tenho amanhã nem hoje: Que rosas fugitivas foste ali:
O tempo que aos outros foge Requeriam-te os tapetes - e
Cai sobre mim feito ontem. [vieste...
(o Domingo de Paris - Se me dói hoje o bem que me
Lembra-se o desaparecido [fizeste,
Que sentia comovido É justo, porque muito te devi.
Os Domingos de Paris: Em que seda de afagos me envolvi
Porque um domingo é família, Quando entraste, nas tardes
É bem-estar, é singeleza, [que apareceste -
E os que olham a beleza Como fui de percal quando me
Não têm bem-estar nem família). [deste
O pobre moço das ânsias... Tua boca a beijar, que remordi...
Tu, sim, tu eras alguém! Pensei que fosse o meu o teu
E foi por isso também [cansaço -
Que te abismaste nas ânsias. Que seria entre nós um longo
A grande ave doirada [abraço
Bateu asas para os céus, O tédio que, tão esbelta, te
Mas fechou-as saciada [curvava...
Ao ver que ganhava os céus. E fugiste... Que importa ? Se
Como se chora um amante, [deixaste
Assim me choro a mim mesmo: A lembrança violeta que animaste
Eu fui amante inconstante Onde a minha saudade a Cor se
Que se traiu a si mesmo. [trava?...
Não sinto o espaço que encerro Obras completas de Mário de Sá Carneiro ~ Poesias.
Nem as linhas que projeto: Lisboa: Ática, s.d. v.2, p.61-5
Se me olho a um espelho, erro -
Não me acho no que projeto. A Confissão de Lúcio
Regresso dentro de mim (resumo)
Mas nada me fala, nada! Lúcio vai estudar em Paris, acaba
Tenho a alma amortalhada. conhecendo o poeta Ricardo, que se
Sequinha, dentro de mim. torna seu grande amigo. Após dez meses
Não perdi a minha alma, de confidências, Ricardo, de forma
Fiquei com ela, perdida. inexplicável, volta a Portugal e eles
Assim eu choro, da vida, passam a se corresponder através de
A morte da minha alma. cartas. Lúcio também volta a Portugal
(...) e descobre que seu amigo havia se
casado com Marta. Passa, então, a freqüentar
Estátua Falsa a casa deles e descobre que
Só de ouro falso os meus olhos se Marta tem um amante. Lúcio sente ciúmes
[douram; e começa a investigar a vida particular
Sou esfinge sem mistério no dela, mas torturado pelas emoções
[poente. conflituosas, deixa Portugal e volta
A tristeza das coisas que não para Paris. Porém, logo tem que voltar
[foram para entregar a sua peça de teatro
Na minh'alma desceu veladamente. ao empresário. Reencontra o amigo,
Na minha dor quebram-se espadas que lhe confessa saber de toda a verdade
[de ânsia, a respeito de sua esposa, pois
Gomos de luz em treva se ele mesmo a enviava aos seus amigos
[misturam. para se relacionar. Se arrepende de
As sombras que eu dimano não ter feito tal coisa, pois queria que Marta
[perduram, amasse apenas Lúcio e não os demais.
Como Ontem, para mim, Hoje é Então, Ricardo leva o amigo até o
[distância. encontro de Marta e dá um tiro nela. O
Já não estremeço em face do fantástico da narrativa acontece no
[segredo; momento em que o corpo cai no chão,
Nada me aloira já, nada me aterra: pois já não é Marta (que desaparece
A vida corre sobre mim em guerra, aos olhos de Lúcio) e sim, o próprio
E nem sequer um arrepio de medo! Ricardo atingido pelo tiro que deu. Lúcio
Sou estrela ébria que perdeu os é acusado pelo crime e vai preso.
[céus, Após cumprir a pena, retira-se para o
interior e escreve a sua confissão, a
sua narrativa.
(1901-1969)
Em A Confissão de Lúcio, encontramos Suas obras são de estruturas abertas,
uma linguagem metafórica. Para que retratam o mundo psicológico
o próprio autor, esta obra pode ser vista dos personagens. Abrange a poesia, o
como um registro de sua vida pessoal. romance, o conto, o teatro e a crítica literária.
Aparece diversas vezes a problemática Seu romance Jogo da Cabra Cega
do corpo e da beleza física, com Ricardo é considerado o marco da prosa contemporânea.
desejando até ser mulher para ser belo. Aborda em suas obras a
Em vida, um dos problemas do autor era introspecção e sondagem dos conflitos
o seu corpo obeso, que o fazia sentir-se do homem em relação com o mundo. Retrata
ridículo e desprezível às mulheres. Dotado também o tema religioso com as oposições
de uma sensibilidade aguçada, que é entre o bem X mal, espírito X matéria,
levada ao delírio, capta as sensações Deus X diabo.
inusitadas e as coloca em um estilo brilhante
e luminoso, sugestivo e rico de Cristo
ambigüidade. Abusa de reticências para Quando eu nasci, Senhor! Já tu
criar sensação de insegurança, indecisão [lá estavas,
e impressão. A obra pode ser enquadrada Crucificado, lívido, esquecido.
no gênero fantástico, pois os Não respondeste, pois, ao meu
acontecimentos narrados pelo personagem [gemido,
principal Lúcio não podem ser explicados Que há muito tempo já que não
pelas leis naturais. Às vezes sugere [falavas...
que tudo é uma loucura, outras, afirma Redemoinhavam, longe, as turbas
que está lúcido e que tudo é verdade, [bravas,
mesmo que pareça absurdo. Podemos Alevantando ao ar fumo e alarido.
destacar algumas características da obra E a tua benta Cruz de Deus vencido,
abarcando a estética simbolista: obsessão Quis eu ergue-la em minhas mãos
da morte e do suicídio como únicas [escravas!
soluções; traz a marca da frustração; A turba veio então, seguiu-me
obsessão pelo amor pervertido ou sexualidade [os rastros;
ambígua, sempre balançando entre E riu-se, e eu nem sequer fui
a hetero e a homossexualidade (fictícia); [açoitado,
busca da identidade. Narrado em E dos braços da Cruz fizeram
primeira pessoa, a linguagem caracteriza [mastros...
uma narração subjetiva e de estado Senhor! Eis-me vencido e tolerado:
de inconsciência do eu-lírico. A narrativa Resta-me abrir os braços a teu lado,
começa pelo fim, quando o personagemnarrador E apodrecer contigo à luz dos
decide escrever sua confissão [astros!
através de flash-back, daí para frente
seguindo linearmente. O personagem Cântico negro
Ricardo de Loureiro é um desdobramento "Vem por aqui"- dizem-me alguns
do personagem Lúcio, que, por sua [com olhos doces,
vez, é desdobramento do autor. Nesta Estendendo-me os braços,
obra, a trama consiste na integração das [e seguros
duas personagens masculinas através De que seria bom que os ouvisse
da figura feminina - Marta. Quando me dizem: "vem por aqui"!
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos meus olhos, ironias e
[cansaços)
2ª geração E cruzo os braços,
(1927-1940) E nunca vou por ali...
Presencismo - artistas que participaram A minha glória é esta:
da revista Presença. No Presencismo, Criar desumanidade!
a literatura é viva, ou seja, há Não acompanhar ninguém
sinceridade. Há a desmistificação do real Com que rasguei o ventre a
e da realidade aparente das coisas, eliminação [minha Mãe.
da objetividade da ação, pois Não, não vou por aí! Só vou por onde
se mistura com o lado psicológico. Destacam- Me levam meus próprios passos...
se José Régio e Branquinho da Se ao que busco saber nenhum de
Fonseca. [vós responde,
Por que me repetis: "vem por aqui"?
Prefiro escorregar nos becos
José Régio [lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés espaço real, o castelo medieval sobre o
[sangrentos, mundo moderno, a noite sobre o dia. No final
A ir por aí... da narrativa, podemos perceber que a
Se vim ao mundo, foi realidade prevalece sobre o sonho. A linguagem
Só para desflorar florestas virgens, é simples, coloquial e as frases
E desenhar meus próprios pés são curtas, aproximando-se da oralidade.
[na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada. 3ª geração
(...)
RÉGIO, José. Poemas efe Deus e do diabo.
(1940 até os dias atuais)
8. ed. Porto; Brasília E d „ 1972. p. 3 1 . Nesse momento despontou o Neorealismo,
que apresenta uma literatura
engajada com os motivos sociais e políticos:
Branquinho da Fonseca ideais humanitários, homem sofrido e
marginalizado. É um movimento ideológico
(1905-1974) e eclético. Surgem obras que reproduzem
Sua principal obra foi a novela O a realidade vivida por seus autores. Destacam-
Barão, de linguagem simples e com núcleos se Alves Redol, Ferreira de Castro,
entrelaçados. A obra retrata reflexos Fernando Namora e Manuel da Fonseca.
inspirados na alma do povo, de forma
simples e objetiva.
110 - Alves Redol
O Barão
(1911 - 1969)
(resumo) Considerado como o introdutor do
O narrador encontra-se na Serra Neo- Realismo em Portugal, escreveu Gaibéus.
do Barroso, com uma professora, a qual
o apresenta ao Barão, que lhe desperta Gaibéus
uma primeira impressão negativa. Hospeda- (comentários)
se no castelo do Barão e este passa Gaibéus extrai personagens do povo
a lembrar de seu passado, principalmente e é uma obra que possui uma consciência
de sua grande paixão, nomeada muita clara da luta de classes. Relata-se o
apenas por "Ela", a Bela Adormecida. drama dos trabalhadores alugados (gaibéus),
O ambiente vai se intensificando de colhedores de arroz do Ribatejo. O
lirismo e embriaguez, de tom de confidência autor procura mostrar que a miséria do po-
e simpatia, confiança, até culminar bre provém da mesquinhez, da ganância
em mistério. dos poderosos. Preocupado em registrar o
O inspetor (o narrador) também apresenta destino trágico do trabalhador, Alves Redol
suas confidências ao Barão. Seu privilegia as massas anônimas em detrimento
enredo concentra-se na "viagem" do inspetor dos indivíduos. O despojamento
de si a si mesmo, através de um dos traços pessoais dos personagens
personagem fantástico, que lhe permite ilustra a alienação do homem, reduzido à
uma noite repleta de magia, regressando condição de besta de carga, sem consciência
à nobreza e à beleza de um mundo onírico dos motivos da sua degradação.
e poético.
Novela narrada em primeira pessoa,
com um personagem-narrador pertencente Ferreira de Castro
ao corriqueiro mundo moderno - o inspetor
de escolas - personagem sem nome,
(1898 - 1974)
adaptado ao capitalismo. Outra figura importante Dá inicio ao Neo-Realismo com a
é a do Barão, também sem nome, obra A Selva.
oposto ao inspetor, por representar o mundo
intuitivo e nostálgico, mas sem perder o A Selva
lirismo. Temos na narrativa a presença da (comentários)
personagem Idalina, criada e, ao que tudo A Selva reproduz a vida do próprio
indica, amante do Barão, mulher autoritária autor: a vida no seringal da Amazônia. O
que faz do seu senhor um escravo. Em relação personagem Alberto reflete a dura vida
ao tempo da narrativa, há uma reciprocidade dos seringueiros, compara-a mentalmente
entre o presente (sociedade com a vida dos aldeãos de sua pátria;
moderna), representado pelo inspetor-o retrata a triste condição de vida dos trabalhadores
dia; e o passado medieval representado dos seringais. A obra apresenta
pela figura do Barão - a noite, no qual um a vida cruel dos seringueiros e comove
vem a completar o outro, formando uma só a sociedade da época pela realidade
pessoa, um só tempo. Quanto ao espaço, que apresenta.
prevalece o do sonho, da fantasia sobre o
quanto as outras a achavam já diferente,
Fernando Namora quanto lhe notavam o emagrecimento ou a
(1919-1989) palidez. Mas era sobre mim que incidia
Situa-se entre o Presencismo e o mais vezes a sua alertada acuidade: em
Neo-Realismo. Preocupa-se com os deserdados, todos os estremecimentos da minha face
ou seja, com a classe social entediada de médico, ela descobria, ou julgava
média e baixa. descobrir, os agouros da sua ruína.
Em Domingo à Tarde (1961), Fernando Era inútil, aliás, prolongar o Ludíbrio.
Namora defende as propostas Ainda que baralhássemos na mesma enfermaria
neo-realistas, retratando conflitos íntimos. doentes com moléstias e prognósticos
A obra procura relatar situações dramáticas diferentes, e zelássemos por que nenhum
e trágicas de gente simples e sofredora. deles pudesse averiguar a natureza
O personagem central é um médico da sua doença, a verdade escorria não se
que trata dos doentes incuráveis. A personagem sabia donde, um fio de água sub-reptício
que desencadeia o romance é que, de súbito, encharcava o ambiente.
Clarisse (doente incurável). Jorge é um Qualquerdeles, ao fim de algum tempo, percebia
homem pouco social, um tanto agressivo, que, sendo apontado pelos outros
que mal se relaciona com os colegas de trabalho; como meu doente, essa identificação equivalia
representa o homem em situação a um ferrete. O rebanho marcado. Reagiam,
conflitiva com seu meio, com sua época. então, de muitos modos: violência,
Vemos no romance a transformação pânico, misticismo, náusea, raramente com
que as situações vividas operam na heroísmo e nunca com resignação. Muitos
sua personalidade. Jorge, no final da narrativa, saíam do hospital ou desapareciam da consulta
é um homem transformado pelo e, durante semanas, meses, misturavam-
sofrimento e pela força do amor (personagem se freneticamente no convívio dos outros,
itinerante). os de lá de fora, os que continuavam a
viver, para lhes enfiar pelos olhos dentro
Domingo à tarde que estavam vivos também. Era preciso
(fragmentos) que os outros não os distinguissem pelo
Por esse tempo, ou já muito antes, horror ou pela compaixão, não os distinguissem
comecei a ser considerado um tipo fosse pelo que fosse, que não os
insociável. Fumava desalmadamente, diferenciassem de ninguém. Era preciso
macerando o cigarro de um canto para que a estima dos familiares, dos amigos ou
o outro da boca, num jeito nervoso de simples companheiros de acaso não tivesse
nada fácil de imitar, roendo a todo momento uma condescendência lamuriosa a
qualquer danação íntima que se justificá-la, para que essa vida fosse autêntica,
traduzia nos modos com que fazia crer verídica, e não o fruste delírio de um moribundo.
às pessoas que a presença delas me Era tão urgente o amor dos outros!
era insuportável. Tudo me servia para Por isso os cortejavam, subornando-os,
exagerar a brusquidão, talvez porque atiçando-lhes capciosamente o interesse,
toda a gente reparasse nela e a censurasse, a presença, o diálogo ou um arremedo desse
e a minha rebeldia agreste amor. A simulação, por último, bastava,
contra fosse lá o que fosse manifestava- comoatemura das meretrizes. Lembro-me,
se, provocante, tanto mais quanto por exemplo, daquela velhota ricaça que eu
outros a receavam. Era eu a ajudálos internara numa clínica. No último Natal oferecera
ao espetáculo, a colocar-me no centenas de presentes. Escrevia
centro desta arena improvisada que é montes de cartas, todos os dias, mesmo a
a vida... nos outros não admitia, pois é desconhecidos. O importante era que viessem
o riso o que particularmente me ofende agradecer-lhe, vê-la, que, durante alguns
nos medíocres. Poderiam, enfim, minutos, ao pensarem nela, a fizessem
julgar-me um esnobe ou um torturado viva. Tinha um casal de criados já idosos;
- e nem eu, ao certo, o saberia também... obrigava-os a ficarem horas, de pé, ao
(cap. I, p.3) fundo da cama - dois macacos decrépitos,
(...) testemunhas de sua existência.
Quando esses doentes voltavam - e
Eu reparava que Clarisse era agora voltavam sempre -, tinham lido livros, consultado
um dos alvos preferidos dessa intriga melíflua outros médicos, e discutiam já as
e subterrânea. E ela também o sabia. notícias sobre novas e milagrosas drogas
No modo como observava as companheiras, para o seu caso, com que as gazetas lhes
acirradas, estou certo, por um instinto sacudiam a febre de persistir. Investigavamse
de desagravo social (pois não era Clarisse, a si próprios, procurando os ardis sob
entre elas, uma burguesinha a quem a que a morte se escondia e, lá no íntimo,
doença e o desespero iam amachucando esperavam
a soberba de classe?), via-se que procurava ser os primeiros a conseguir
todo o indício que pudesse dizer-lhe dominá-la. Os ardis não eram apenas da
doença. Eles também os teciam. Apercebiam- sabiam que era ali a sua casa. Um resto
se da vizinhança da morte, sentiam-lhe de palha da malhada forrava o chão térreo e
a voracidade e o cheiro, mas, inexorável, cada ambulante acamara mais um molho de
só nos outros. A pérfida ameaça, presença feno, de urze, ou de trapos velhos. Ainda no
obcecante na vida de todos eles, como um domínio do saguão, em dois metros quadrados
punhal enquistado, e que, na sua injusta e de terreno roubados ao adro, os ciganos
medonha objetividade, se assimilava através arrumavam carroças e animais e expunham
da experiência em redor, não lhes dizia, sedas vermelhas ao pessoal da vila.
porém, individualmente respeito. No último
instante, cada um, de per si, conseguiria libertar-
se. Velada ou abertamente, falavamme Manuel da Fonseca
então dos tais fabulosos tratamentos -
até mos exigirem, e era-me mais cômodo (1911 - )
falsear-lhes as análises do que, como dantes, Escreveu Seara de Vento.
evitar que lhes caíssem sob os olhos.
(NAMORA, Fernando. Domingo à Tarde. Porto Alegre: Seara de Vento
Globo, 1963) (comentários)
A narrativa se inicia com a descrição
Casa da Malta do vento, anúncio de desgraças. Duas
(resumo) personagens, Júlia e Amanda Carrusca,
A narrativa inicia-se com o personagem dialogam com certa agressividade sobre
Abílio contando sobre suas andanças a situação precária em que vivem: estão
com o circo e o fim da companhia circense morrendo de fome. Amanda exige que sua
ao amigo Ricocas e este o leva à casa da filha Júlia convença o marido Antônio Valmurado,
malta, lugar onde pessoas que não tinham o Palma, a permitir que ambas
para onde ir se estabelecem por lá. Outros peçam esmola. Amanda, habilmente, diz
personagens são introduzidos na narrativa que é para curar Bento, um dos filhos do
e cada um com um passado trágico que casal, que é excepcional.
os levaram a morar na casa da malta. Todos O romance começa, pois, a partir de
vão relembrando o passado até o momento uma situação trágica.
do nascimento do bebê da cigana,
onde todos se confraternizam como se
fosse uma grande família. Resumo do Modernismo
A narrativa descreve as ações das Momento sócio-cultural
personagens socialmente desprivilegiadas • Proclamação da República (1910).
e perdidas num mundo de injustiças e miséria. • Tensão entre a pequena-burguesia
Podemos perceber claramente nesta radical que exigia reformas imediatas
obra a busca pela interioridade das personagens, e os moderados representados
através de suas lembranças, revelando pela alta burguesia.
suas angústias, dúvidas, numa • Reforma universitária (1911) e a criação
analise profunda de sentimentos e ralações da primeira faculdade de Letras,
humanas. Assim sendo, ao passo no Porto (decênio de 1920).
que traduz a individualidade do homem não • Primeira Guerra Mundial: Portugal fica
deixa de enquadrá-lo no seu meio social. A ao lado dos aliados, garantindo suas
ação se divide entre o tempo presente da colônias na África. Após a guerra,
narrativa (casa da malta) e os acontecimentos grave crise econômica.
passados na vida de cada um dos personagens, • 1926: Um golpe de Estado derruba a
possibilitando a compreensão República Parlamentar
de como chegaram até aquele casebre. A • 1933-1974: Período do estado Novo;
grande metáfora encontrada nesta obra é o instauração da ditadura.
humanismo, ou seja, há uma grande preocupação
com os valores representativos Características literárias
do ser humano. A solidariedade unindo esses • Negação sistemática e total do passado;
seres humanos se faz presente quando desejo de criar uma literatura
eles dividem entre si a comida, num jantar que expressasse o novo século.
de comemoração pelo nascimento da criança. • Fuga das tradições literárias; valorização
Dentre os personagens, todos com dificuldade da originalidade e da obra que
em se ajustará sociedade. possui características inéditas.
(fragmento) • Uso da linguagem coloquial.
... era uma espécie de saguão, colado • O Modernismo quer criticar os padrões
à forja do ferreiro. Em tempos servira de abrigo de bom gosto e causar escândalo.
às manadas de porcos da Granja; mas o • Uso dos conhecimentos da psicologia
patrão fora-se para a cidade, o portão de e da psicanálise.
castanho velho abrira feridas ao sol e às
chuvas das bandas do montado, e agora os Autores e obras
que vinham de longe para roubar, pedir, emigrar,
• Fernando Pessoa: o maior poeta portugueses mais lidos e traduzidos no
português do século. Ele-mesmo: estrangeiro. Em 1991, ganhou o Grande
English Poems (1921), Mensagem Prêmio APE, com o romance O Evangelho
(1934). Heterônimos ou personalidades Segundo Jesus Cristo; o Prêmio
poéticas: Alberto Caeiro: Camões em 1996 por toda sua obra; e
Poemas (1946); Ricardo Reis: em 1998 ganhou o Prêmio Nobel de Literatura.
Odes (1946), Poemas Dramáticos De Saramago destacamos as seguintes
(1952) e Álvaro de Campos: Poesias obras: Terra do Pecado, Os
(1944). Poemas Possíveis, Provavelmente Alegria,
• Mario de Sá-Carneiro: autor atormentado Deste Mundo e do Outro, A Bagagem
pela busca do eu. Escreveu do Viajante, As Opiniões que o DL
Princípio (1912), Dispersão teve, O Ano de 1993, Os Apontamentos,
(1914), A Confissão de Lúcio (1914). Manual de Pintura e Caligrafia,
• José Régio: Jogo da Cabra-Cega Objecto Quase, Poética dos Cinco Sentidos,
(1934), Fado (1941). A Noite, Levantado do Chão; Que
• Branquinho da Fonseca: O Barão Farei dom este Livro?, Viagem a Portugal,
(1943), Porta de Minerva (1947), Memorial do Convento, O Ano da
Mar Santo (1952), Mar Coalhado Morte de Ricardo Reis, A Jangada de
(1932). Pedra, A Segunda Vida de Francisco
• Adolfo Casais Monteiro: Sempre de Assis, História do Cerco de Lisboa,
e sem Fim (1936), Europa (1946). O Evangelho Segundo Jesus Cristo, In
• Alves Redol: Gaibéus (1940), Barranco Nomine Dei, Cadernos de Lanzarote,
de Cegos (1963). Ensaio sobre a Cegueira, Todos os Nomes,
• Ferreira de Castro: A Selva (1930), e A Caverna.
Terra Fria (1934), A Lã e a Neve
(1947), A Curva da Estrada (1950). O Evangelho Segundo Jesus Cristo
José Saramago: Terra do Pecado (comentários)
(1947), Manual de Pintura e Caligrafia Publicado pela primeira vez em novembro
(1977), Memorial do Convento de 1991, O Evangelho Segundo
(1982), A Jangada de Pedra Jesus Cristo causou muita polêmica.
(1986), O Evangelho Segundo Jesus Saramago foi acusado de investir
Cristo (1991), Todos os Nomes contra o cristianismo, de pretender dessacralizar
(1997), A Caverna (2000). Jesus Cristo, e, principalmente,
de interpretar o Novo Testamento de
A Narrativa do Pós- forma abusiva.
A opinião da crítica, que não levou
Guerra em conta essa pretensa tentativa de
Saramago de desvirtuar os Evangelhos,
A cultura sofreu uma revolução é que, ao ler-se essa obra, devemos
após 1940. Encontramos, então, a literatura considerar que tudo não passa de artifício
comercial dos best-sellers, opondo- literário, de invenção.
se às narrativas pós 2- Guerra Mundial. O Vaticano criticou duramente a
Destacam-se José Saramago com obra, que não foi inscrita pelo governo
Memorial do Convento, José Cardoso português em um importante prêmio literário
Pires com Hóspede de Jô e Adolfo Correia europeu, fato que precipitou a
da Rocha com A Criação do Mundo. saída de Saramago do país, passando
a residir nas Ilhas Canárias.
José Saramago
O ano da morte de Ricardo Reis
(1922 - ) A obra O Ano da Morte de Ricardo
José Saramago nasceu em Azinhaga, Reis, de José Saramago, tem como característica
no ano de 1922. Trabalhou como marcante a intertextualidade.
jornalista em vários jornais, entre eles o No título do livro, que resume o conteúdo
Diário de Lisboa, de que foi diretor, até básico e conduz o fio narrativo, podemos
partir e fixar-se definitivamente na ilha perceber a retomada de um dos heterônimos
de Lanzarote, arquipélago das Canárias. de Fernando Pessoa, Ricardo Reis,
A partir de 1975 passou a dedicar-se que, na obra, revela-se como narrador
integralmente à literatura, mas foi após onisciente, presente em todas as situações,
a publicação de Levantado do Chão revendo o passado, prevendo o
(1980) que passou a ser considerado futuro e, principalmente, tomando conhecimento
um grande nome da literatura em língua dos pensamentos e sentimentos
portuguesa contemporânea. passados no "eu" de cada personagem.
Declaradamente comunista e ateu, Na retomada de sua personalidade
suas convicções fizeram-no deixar Portugal. por Saramago, o personagem perde algumas
É considerado um dos escritores características básicas, motivo
de cobrança para Fernando Pessoa, que viagem a diferentes povoados ao redor
ressurge do mundo dos mortos: "você de Lisboa. A narrativa segue linear, sem
afinal desilude-me, amador de criadas, interrupções, vigorosa e rica. Saramago
cortejador de donzelas, estimava-o mais procura dar à linguagem o tom das crônicas
quando você via a vida à distância que históricas, reveste o vocabulário
está" (p. 183). de termos raros e realiza malabarismos
"gestos que parecem querer recompor sintáticos.
umas feições, restituí-las aos
seus lugares de nascença, refazer o (resumo)
desenho, mas o artista tomou a borracha O rei D. João V necessitava de herdeiros,
em vez do lápis, onde passou apagou, mas o ventre de D. Maria Ana
um lado da cara perdeu o contorno, não os concebia. Fez ele, então, uma
é natural, vai para seis meses que promessa de construir um convento em
Fernando Pessoa morreu." (p. 330) Mafra se a concepção ocorresse. Em
Podemos observar que, assim como paralelo, segue-se o registro da vida do
o poeta Fernando Pessoa (na perspectiva povo, primeiro enfocando o soldado que
fictícia) tem os seus contornos perdeu a mão esquerda na guerra contra
físicos dissipados ao longo do romance os espanhóis: Baltasar Sete-Sóis,
pelo decorrer dos nove meses de falecimento, que em um espetáculo da Inquisição,
tecendo um paralelo com o conheceu Blimunda, mulher de poderes
embrião humano que leva nove meses mágicos, que enxergava o interior das
para ser gerado, o seu heterônimo retomado pessoas e cuja mãe, por ter poderes
vai também dissipando a sua personalidade semelhantes, havia sido desterrada para
ao longo desse período: "Alguma Angola. Desafiando os rigores da religião,
latinação clássica de que já não ambos se "casam" através de um
fazia leitura regular" (p. 22) "formara, ritual de sangue. Baltasar torna-se ajudante
de enfiada, três versos de sete sílabas, do Padre Bartolomeu Lourenço,
redondilha maior, ele, Ricardo Reis, autor que, sob a proteção do rei, construía
de odes ditas sáficas ou arcaicas, uma máquina de voar, a passarola. Sob
afinal saiu-nos poeta popular." (p. 47). o signo da máquina de voar, unem-se
O Reis de Saramago deixa-se contagiar ideais: os cultos, representados pelo
pelas coisas mundanas, já não é padre Bartolomeu de Gusmão e pelo
tão coerente e objetivo. Surge Lídia, camareira músico Scarlatti, e os populares, ancorados
do Hotel Bragança com quem em Blimunda e Baltasar. Padre
ele mantém relações. Sua musa se Bartolomeu viaja, enlouquece e morre.
corporifica e ele deixa de "fruir o momento Blimunda, após o sumiço de Baltasar,
que passa" como espectador, passa a procurá-lo, encontrando-o nove
para realizá-lo carnalmente. Aparece anos depois em situação trágica.
também a personagem Marcenda, por (fragmento)
quem Ricardo Reis se apaixona, passando Levar este pão à boca é gesto fácil,
a espectador - aguarda a sua excelente de fazer se a fome o reclama,
presença de todos os meses, as cartas, portanto alimento do corpo, benefício
e por fim uma decisão de unir-se a do lavrador, provavelmente maior
ele, o que não se concretiza. benefício de alguns que entre a foice
Ao final do romance, Reis se deixa e os dentes souberam meter mãos de
contagiar totalmente pelos acontecimentos levar e trazer e bolsas de guardar, e
do mundo, quando chora a morte de esta é a regra. Não há em Portugal trigo
Daniel, irmão de Lídia: "E entra em casa, que baste ao perpétuo apetite que os
atira-se para cima da cama desfeita, portugueses têm de pão, parece que
escondeu os olhos com o antebraço para não sabem comer outra coisa, por isso
poder chorar à vontade, lágrimas absurdas os estrangeiros que cá moram, doridos
que esta revolta não foi sua, das nossas necessidades, que em maior
sábio é o que se contenta com o espetáculo volume frutificam que sementes de
do mundo." (p. 411). abóbora, mandam vir, das suas próprias
e outras terras, frotas de cem navios
Memorial do Convento carregados de cereal, como estes que
Um dos romances mais conhecidos entraram agora Tejo adentro, salvando
de José Saramago é Memorial do Convento à torre de Belém e mostrando ao governador
(1982), classificado como narrativa dela os papéis do uso, e desta
histórica, pois retrata aproximadamente vez são mais de trinta mil moios de pão
30 anos da História de Portugal que vêm da Irlanda, e é a abundância
(época da Inquisição). Nesta obra podemos tal, fome que finalmente deu em fartura,
encontrar um cenário rico, registrando enquanto em fome se não tornar, que,
não só o fato histórico, mas achando-se cheias as tercenas e também
reconstituindo a vivência popular, numa já os armazéns particulares, andam
por aí a alugar depósitos por todo o escolheu, Qual quê, o Senhor ia só a
dinheiro, e põem escritos nas portas da passar, quem estivesse a olhar tê-lo-ia
cidade para que conste às pessoas que percebido pela cor do céu, mas reparou
os tiverem para alugá-los, com que desta que tu e José eram gente robusta e saudável,
vez se vão arrepelar os que mandaram e então, se ainda te lembras de
vir o trigo, obrigados pelo excesso como estas necessidades se manifestavam,
a baixar-lhe o preço, tanto mais que se apeteceu-lhe, o resultado foi,
fala em próxima chegada de uma frota nove meses depois, Jesus, E há a certeza,
da Holanda carregada do mesmo gênero, o que se chame certeza, de que
mas desta virá a saber-se que a assaltou tenha sido mesmo a semente do Senhor
uma esquadra francesa quase que engendrou o meu primeiro filho, Bom,
na entrada da barra, e assim o preço, a questão é melindrosa, o que tu estás a
que ia baixar, não baixa, se for preciso pretender de mim é, sem tirar nem pôr,
deita-se fogo a um celeiro ou dois, mandando uma investigação de paternidade, quando
em seguida apregoar a falta que a verdade é que, nestes conúbios
o trigo ardido já está fazendo, quando mistos, por muitas análises, por muitos
julgávamos que havia tanto e de sobra. testes, por muitas contagens de glóbulos
São mistérios mercantis que os de fora que se façam, certezas nunca as podemos
ensinam e os de dentro vão aprendendo, ter absolutas, Pobrezinha de mim,
embora estes sejam ordinariamente que cheguei a imaginar, ouvindo-te, que
tão estúpidos, de mercadores falamos, o Senhor me havia escolhido para ser a
que nunca mandam vir eles próprios as sua esposa naquela madrugada, e afinal
mercadorias das outras nações, antes foi tudo obra de um acaso, tanto poderá
se contentam com comprá-las aqui aos ser que sim como poderá ser que
estrangeiros que se forram da nossa não, digo-te até que melhor seria não
simplicidade e forram com ela os cofres, teres descido aqui na Nazaré para vires
comprando a preços que nem sabemos deixar-me nesta dúvida, aliás, se queres
e vendendo a outros que sabemos que te fale com franqueza, um filho
bem de mais, porque os pagamos do Senhor, mesmo tendo-me a mim como
com língua de palmo e a vida palmo a mãe, dávamos por ele logo ao nascer, e
palmo. quando crescesse teria, do mesmo Senhor,
o porte, a figura e a palavra, ora,
O Evangelho segundo Jesus Cristo ainda que se diga que o amor de mãe é
(fragmentos) cego, o meu filho Jesus não satisfaz as
Passados meses, numa chuvosa e condições, Maria, o teu primeiro grande
fria noite de inverno, um anjo entrou em engano é julgares que eu vim cá apenas
casa de Maria de Nazaré, e foi o mesmo para te falar desse antigo episódio da
que se não tivesse entrado ninguém, vida sexual do Senhor, o teu segundo
pois a família assim como estava assim grande engano é pensares que a beleza
se deixou ficar, só Maria deu pela chegada e a facúndia dos homens existem à
do visitante, que nem teria podido imagem e semelhança do Senhor, quando
ela dar-se por desentendida, uma vez o sistema do Senhor, digo-to eu que
que o anjo lhe dirigiu directamente a palavra, sou da casa, é ele ser sempre o contrário
e foi assim, Deves saber, ó Maria, de como os homens o imaginam, e,
que o Senhor pôs a sua semente de aqui muito em confidência, eu até acho
mistura com a semente de José na madrugada que o Senhor não saberia viver doutra
em que concebeste pela primeira maneira, a palavra que mais vezes lhe
vez, e que, por conseguinte e consequência, sai da boca não é o sim, mas o não,
dela, da do Senhor, e não da Sempre ouvi eu dizer que o Diabo é que
do teu marido, ainda que legítimo, é que é o espírito que nega, se no teu coração
foi engendrado o teu filho Jesus. Ficou não deres pela diferença, nunca saberás
Maria muito assombrada com a notícia, a quem pertences, Pertenço ao Senhor,
cuja substância, felizmente, não se perdeu Pois é, dizes que pertences ao
na elocução confusa do anjo, e perguntou, Senhor e caíste no terceiro e maior dos
Então Jesus é filho de mim e do enganos, que foi o de não teres acreditado
Senhor, Mulher, que falta de educação, no teu filho, Em Jesus, Sim, em Jesus,
deves ter cuidado com as hierarquias, nenhum dos outros viu Deus, ou
com as precedências, do Senhor e de alguma vez o verá, Diz-me, anjo do Senhor,
mim é que deverias dizer, Do Senhor e é mesmo verdade que meu filho
de ti, Não, do Senhor e de ti, Não me Jesus viu Deus, Sim, e, como uma criança
baralhes a cabeça, responde-me ao que que encontrou o seu primeiro ninho,
te perguntei, se Jesus é filho, Filho, o veio a correr mostrar-to, e tu, céptica, e
que se chama filho, é só do Senhor, tu, tu, desconfiada, disseste que não podia
para o caso, não passaste de ser uma ser verdade, que se ninho havia estava
mãe portadora, Então, o Senhor não me vazio, que se ovos tinha, eram goros, e
que se os não tinha, comera-os a serpente, dos centros de decisão para sabê-lo, e
Perdoa-me, meu anjo, por ter duvidado, agora adeus, fizeste as perguntas que
Agora não sei se estás a falar querias, talvez não tenhas feito alguma
comigo, ou com o teu filho, Com ele, contigo, que devias, mas isso é assunto que já
com ambos, que posso eu fazer não me diz respeito, Explica-me, Explica-
para emendar o mal feito, Que é que te te tu a ti própria. Com a última palavra,
aconselharia o teu coração de mãe, Que o anjo desapareceu e Maria abriu
fosse procurá-lo, dizer-lhe que creio os olhos. Todos os filhos dormiam, os
nele, pedir que me perdoe e volte para rapazes em dois grupos de três, Tiago,
casa, aonde o Senhor o virá chamar, em José e Judas, os mais velhos, a um canto,
chegando a hora, Francamente, não sei noutro canto os mais novos, Simão,
se vais a tempo, não há nada mais sensível Justo e Samuel, e com ela, uma de cada
do que um adolescente, arriscaste lado, como de costume Lísia e Lídia, mas
a ouvir más palavras e a levar com a os olhos de Maria, perturbados ainda
porta na cara, Se tal acontecer, a culpa pelos anúncios do anjo, arregalaram-se-
tem-na aquele demónio que o embruxou Ihe de repente, estarrecidos, ao ver que
e perdeu, nem sei como o Senhor, sendo Lísia estava toda descomposta, praticamente
pai, lhe consentiu tais liberdades, tanta nua, a túnica arregaçada por
rédea solta, De que demónio falas, Do cima dos seios, e dormia profundamente,
pastor com quem o meu filho andou durante e suspirava sorrindo, com o brilho de
quatro anos, a governar um rebanho um leve suor na testa e sobre o lábio
que ninguém sabe para que serve, superior, que parecia mordido de beijos.
Ah, o pastor, Conhece-lo, Andámos na Se não fosse a certeza de ter estado ali
mesma escola, E o Senhor permite que apenas um anjo conversador, os sinais
um demónio como ele perdure e prospere, mostrados por Lísia fariam gritar e clamar
Assim o exige a boa ordem do mundo, que um demónio incubo, desses que
mas a última palavra será sempre a acometem maliciosamente as mulheres
do Senhor, só não sabemos é quando a adormecidas, andara a fazer das suas
proferirá, mas vais ver que uma manhã no desprevenido corpo da donzela, enquanto
destas acordamos e descobrimos que a mãe se deixava distrair com a
não há mal no mundo, e agora devo irme, conversa, provavelmente foi sempre
se tens mais algumas perguntas a assim e nós que não o sabíamos, andarem
fazer, aproveita, Só uma, Óptimo, Para estes anjos aos pares para onde
que quer o Senhor o meu filho, Teu filho quer que vão, e enquanto um, para entreter
é uma maneira de dizer, Aos olhos do e fazer costas, se põe a contar
mundo Jesus é meu filho, Para que o histórias da Carochinha, o outro, calado,
quer, perguntas tu, pois olha que é uma opera o actus nefandus, maneira de
boa pergunta, sim senhor, o pior é que dizer, que nefando em rigor não é, tudo
não sei responder-te, a questão no estado indicando que na vez seguinte se trocarão
actual, é toda entre eles dois, e as funções e as posições para que
Jesus não creio que saiba mais do que não se perca, nem no sonhador nem no
a ti te terá dito, Disse-me que terá poder sonhado, o beneficioso sentido da dualidade
e glória depois de morrer, Dessa parte da carne e do espírito. Maria cobriu
também estou informado, Mas que irá a filha como pôde, puxando-lhe a
ele ter de fazer em vida para merecer túnica até à altura do que é impróprio
as maravilhas que o Senhor lhe prometeu, estando descoberto, e, quando a teve
Ora, ora, tu crês, ignorante mulher, decente, acordou-a e perguntou-lhe em
que essa palavra exista aos olhos do voz baixa, por assim dizer à queimaroupa,
Senhor, que possa ter algum valor e significado Que estavas a sonhar. Apanhada
o que presunçosamente chamais de surpresa, Lísia não podia mentir,
merecimentos, em verdade não sei respondeu que sonhara com um anjo,
que é que vos julgais, quando não passais mas que o anjo nada lhe dissera, apenas
de míseros escravos da vontade olhara para ela, e era um olhar tão
absoluta de Deus, Nada mais direi, sou meigo e tão doce que melhores não poderão
realmente a escrava do Senhor, cumpra- ser os olhares no paraíso. Não te
se em sim segundo a sua palavra, tocou, perguntou Maria, e Lísia respondeu,
diz-me só, depois de todos estes meses Ó minha mãe, os olhos não servem
passados, onde poderei encontrar para isso. Sem bem saber se devia tranquilizar-
o meu filho, Procura-o, que é a tua obrigação, se ou preocupar-se com o que
ele também foi à procura da ovelha se passara a seu lado, Maria, em voz
perdida, Para matá-la, Sossega, que ainda mais baixa, disse, Eu também sonhei
a ti não te matará, mas tu, sim, o matarás com um anjo, E o teu, falou, ou também
a ele, não estando presente na hora da esteve calado, perguntou Lísia, inocentemente,
sua morte, Como sabes que não morrerei Falou para me dizer que
eu primeiro, Estou bastante próximo teu irmão Jesus dissera a verdade quando
nos anunciou que tinha visto Deus, criam uma poesia intimista, mas simultaneamente
Ai, minha mãe, que mal fizemos então, preocupada com o destino pessoal
não acreditamos na palavra de Jesus, e e coletivo, adotando um tom de protesto
ele tão bom, que, de zangado, até podia contra as injustiças e arbitrariedades
ter levado o dinheiro do meu dote, e não do mundo. O número de autores e
o fez, Agora temos de ver como o remediaremos, correntes tornou-se muito grande.
Não sabemos onde está, notícias
não deu, o anjo é que bem podia
ter ajudado, sabem tudo, os anjos, Pois
não, não ajudou, só me disse que procurássemos
o teu irmão, que era esse o
nosso dever, Mas, ó minha mãe, se afinal
foi verdade que o mano Jesus esteve
com o Senhor, então a nossa vida,
daqui por diante, vai ser diferente, Diferente,
talvez, mas para pior, Porquê, Se
nós não acreditámos em Jesus nem na
sua palavra, como esperas que os outros
acreditem, com certeza não quererás
que vamos aí pelas ruas e praças
de Nazaré a apregoar Jesus viu o Senhor
Jesus viu o Senhor, seríamos corridas
à pedrada, Mas o Senhor, visto
que o escolheu, nos defenderia, que
somos a família, Não estejas tão certa
disso, quando o Senhor fez a sua escolha,
nós não estávamos lá, para o Senhor
não há pais nem filhos, lembra-te
de Abraão, lembra-te de Isaac, Ai, mãe,
que aflição, O mais prudente, filha, é
guardarmos estas coisas nos nossos
corações e falarmos delas o menos possível,
Então, que faremos, Amanhã mandarei
Tiago e José a procurar Jesus,
Mas onde, se a Galileia é imensa, e a
Samaria, se para lá foi, oua Judeia, ou a
Idumeia, que essa está no cabo do mundo,
O mais provável é teu irmão ter ido
para o mar, recorda-te do que ele nos
disse quando veio, que tinha andado com
uns pescadores, E não teria antes voltado
para o rebanho, Esse tempo acabou,
Como sabes, Dorme, que a manhã
ainda vem longe, Pode ser que tomemos
a sonhar com os nossos anjos,
Pode ser. Se o anjo de Lísia, acaso tendo
fugido à companhia do parceiro, veio
habitar-lhe outra vez o sono, não se
chegou a perceber, mas o anjo do anúncio,
mesmo se se esqueceu de algum
pormenor, não pôde voltar, porque Maria
esteve sempre de olhos abertos na
meia escuridão dacasa, o que sabia
sobrava-lhe, o que adivinhava temia".

A Poesia do Pós-
Guerra
O período pós-Segunda Guerra Mundial
foi de tristeza e desencanto; o continente
europeu ficou profundamente marcado
pelo conflito mundial. Foi a época da
Guerra Fria e da ameaça de Guerra Nuclear.
Mediante esses fatos, os poetas
3.(UFMT) Sobre literatura, gênero
e estilos literários, pode-se dizer
que:
a) tanto no verso quanto na prosa pode
haver poesia.
Questões de b) todo momento histórico apresenta um
conjunto de normas que caracteriza
vestibulares suas manifestações culturais, constituindo
o estilo da época.
c) o texto literário é aquele em que predominam
1.(UFRS) O gênero dramático, entre a repetição da realidade,
outros aspectos, apresenta a linguagem linear, a unidade de
como característica essencial: sentido.
a) a presença de um narrador. d) no gênero lírico os elementos do mundo
b) a estrutura dialógica. exterior predominam sobre os do
c) o extravasamento lírico. mundo interior do eu poético.
d) a musicalidade.
e) o descritivismo. 4. (UFRS) Assinale a alternativa incorreta
com respeito ao Trovadorismo
2. (UFU-MG) Relacione as espécies em Portugal:
literárias ao lado com suas respectivas a) nas cantigas de amigo, o trovador escreve
características dispostas o poema do ponto de vista feminino.
abaixo e assinale a alternativa b) nas cantigas de amor, há o reflexo
correta: do relacionamento entre senhor e
I. Modalidade de texto literário que vassalo na sociedade feudal: distância
oferece uma amostra da vida e extrema submissão.
através de um episódio, um flagrante c) a influência dos trovadores provençais
ou instantâneo, um momento é nítida nas cantigas de amor
singular e representativo; galego-portuguesas.
possui economia de meios d) durante o trovadorismo, ocorre a separação
narrativos e densidade na construção entre poesia e música.
das personagens. e) muitas cantigas trovadorescas foram
II. À intensidade expressiva desse reunidas em livros ou coletâneas que
tipo de texto literário, à sua receberam o nome de cancioneiros.
concentração e ao seu caráter
imediato, associa-se, como traço 5. (PUC-RS) O paralelismo, uma técnica
estético importante, o uso do de construção literária nas
ritmo e da musicalidade. cantigas trovadorescas, consistiu
III. Essa modalidade de texto literário em:
prende-se a uma vasta área a) unir duas ou mais cantigas com temas
de vivência, faz-se geralmente paralelos e recitá-las em simultaneidade.
de uma história longa e apresenta b) um conjunto de estrofes ou um par
uma estrutura complexa. de dísticos em que sempre se procura
IV. Nos textos do gênero, o narrador dizer a mesma idéia.
parece estar ausente da c) apresentar as cantigas, nas festas
obra, ainda que, muitas vezes, da corte, sempre com o acompanhamento
se revele nas rubricas ou nos de um coro.
diálogos; neles impõe-se rigoroso d) reduzir todo o refrão a um dístico.
encadeamento causal. e) pressupor que há sempre dois elementos
V. Espécie narrativa entre literatura paralelos que se digladiam
e jornalismo, subjetiva, breve verbalmente.
e leve, na qual muitas vezes
autor, narrador e protagonista se 6. (UFMG) Interpretando historicamente
identificam. a relação de vassalagem
() Poema lírico entre homem amante/mulher
() Conto amada, ou mulher amante/homem
() Crônica amado, pode-se afirmar
() Romance que:
() Texto teatral a) o Trovadorismo corresponde ao Renascimento.
a) l l - l - V - l l l elV. b) o Trovadorismo corresponde ao movimento
b) ll — I —V — IV e III humanista.
c) II — I — III — V e IV. c) o Trovadorismo corresponde ao Feudalismo.
d) I — II — V — III e IV. d) o Trovadorismo e o Medievalismo só
poderiam ser provençais.
e) l - I V - l l - V e l l l .
e) tanto o Trovadorismo como Humanismo
são expressões da decadência ( ) E r a s m o de R o t h e r d an
medieval. ( ) Luís Vaz de Camões
( ) Gil V i c e n te
7. (UFMG) Nas mais importantes novelas ( ) Dante A l i g h i e ri
de cavalaria que circularam ( ) Sá de M i r a n da
na Europa medieval, principalmente ( ) G i o v a n n i B o c c a c c io
como propaganda das
Cruzadas, sobressaem-se: 11. (PUC-SP) O Auto da Barca do Inferno
a) as namoradas sofredoras, que fazem pertence ao movimento literário
bailar para atrair o namorado ausente. do Humanismo, em Portugal,
b) os cavaleiros medievais, concebidos porque Gil Vicente:
segundo os padrões da Igreja Católica a) c r i t i ca a i g r e j a p e l a v e n d a i n d i s c r
(por quem lutam). imin
c)asnamoradacastas,fiéis,dedic a d a de indulgências e p e l a v i d a d e s r
a d a s, e g r a d a dos padres.
dispostasaqualquersacrifício b) p r e o c u p a - s e s o m e n t e c o m a s a l v
para a ção
i r ao e n c o n t r o do a m a d o . do h o m e m a p ó s a m o r t e , s e m se
d) o s n a m o r a d o s c a s t o s , f i é i s , d e d i v o l t a r p a r a os problemas sociais da
c a dos época.
que, entretanto, são t r a í d o s pel c) e q u i l i b r a a concepção cristã da s a l vação
a s n a m o r a d a s s e d u t o r a s. a p ó s a m o r t e c o m a visão crít
e) os c a v a l e i r o s s a r r a c e n o s , eslavos e i c a d o h o m e m e da s o c i e d a d e d o s eu
i n f i é i s , i n i m i g o s da f é cristã. tempo.
d) t em c o m o única preocupação criticar
8. (PUC-RS) As narrativas que descrevem o h o m e m e as mazelas sociais do m o m
as lutas dos cruzados e n t o histórico em q u e está inserido.
envolvem sempre um herói muito e) c r i t i c a a Igreja, ao d e f e n d e r c o m e n t
engajado na luta pela cristandade, u s i a s m o os p r i n c í p i o s r e f o r m i s t as
podendo ser a um só tempo d i s s e m i n a d o s pela R e f o r m a p r o t e s t
frágil e forte, decidido e terno, ante.
furioso e cortês. No entanto,
com relação à mulher amada, 12. (OSEC-SP) Relacionar autor e obra:
esse herói é sempre: 1. Gil V i c e n te
a) p o u c o d e d i c a d o . d) indelicado. 2. L u í s V a z de Camões
b) infiel. e) n.d.a. 3. G i o v a n n i B o c c a c c io
c ) d e v o t a d o. 4. Dante A l i g h i e ri
5. E r a s m o de R o t h e r d an
9. (OSEC-SP) Assinale a alternativa 6. A r i o s to
incorreta: () Os Lusíadas
O classicismo () Decameron
a) é o e s t i l o d o m i n a n t e na l i t e r a t u r a () Orlando Furioso
o c i dental ( ) O elogio da Loucura
d u r a n t e o s é c u l o XVI ou Q u i - () Auto da Visitação
nhentismo. () A Divina Comédia
b) c o r r e p o n d e à é p o c a do R e n a s c i m
ent 13. (ENC-SP) Se o teatro vicentino é
o em q u e se o b s e r v a a r e c u p e r a ção acentuadamente religioso e medievalizante,
dosvaloresculturaisgregose como se explica
latinos. sua classificação nos limites do
c) é o e s t i l o que i n c o r p o r a os v a l o r es Humanismo?
humanistasdoRenascimento:ant Se partir de O Auto da Barca do
rop Inferno, responda mediante a alternativa
ocentrismo,racionalismo,univer correta:
s a lismo. a) a n a l i s a o h o m e m em s u a s relações
d) c o m e ç a no Brasil em 1500, c o m a s o c i a i s , nas b u s c a do melhor c a m i nho
Carta, de P e r o Vaz de C a m i n h a . p a r a o e n c o n t r o c o m Deus e a
e) é uma é p o c a c a r a c t e r i z a d a p e l a m o r a l i d a d e r e l i g i o s a.
rejeição b) analisa o h o m e m em s u a s relações c om
dos v a l o r e s r e l i g i o s o s da c u l t Deus, n a b u s c a d o melhor c a m i n h o p a ra
u r a m e d i e v a l. o e n c o n t r o c o m o semelhante.
c) i n v e s t i g a o h o m e m em s u a s relações
10. (OSEC-SP) Relacionar: c o m a i g r e j a , d e s t a c a n d o a c r í t i ca a
( 1 ) autor humanista os padres q u e não se v o l t am p a r a os v a
( 2 ) autor clássico lores humanos.
d) a n a l i s a o h o m e m em s u a s relações É andar solitário por entre a gente;
comanobreza,ocleroeopovo,ten É nunca contentar-se de contente;
do em v i s t a a v i d a t r a n s i t ó r i a da r e l i É cuidar que se ganha em se perder.
gião É querer estar preso por vontade;
e do m e r c a d o a s c e n d e n t e . É servir a quem vence, o vencedor;
e) c r i t i c a a i g r e j a , ao d e f e n d e r c o m e É ter com quem nos mata lealdade.
n t u s i a s m o os p r i n c í p i o s r e f o r m i s t Mas como causar pode seu favor
as d i s s e m i n a d o s p e l a R e f o r m a p r o t Nos corações humanos amizade,
estante. Se tão contrário a si é o mesmo
[Amor?
14. (UNIFAP-SP) As primeiras peças
teatrais portuguesas escritas 17. (MACK-SP) Este soneto, um dos
com objetivo de serem levadas mais perfeitos que foram produzidos
a público são de autoria de: em Língua Portuguesa,
a ) M a n u e l M a r i a B a r b o s a d u Bocage. pertence ao estilo de época do
b) P a i o S o a r e s de T a v e i r ó s. Renascimento, portanto criado
c ) D . D i n i z. no século:
d) Camões. a) XV. c) XVII. e) XIX.
e) Gil V i c e n t e. b) XVI. d) XVIII.

15. (UFU-MG) Na Farsa de Inês Pereira, 18. (MACK-SP) Indique o nome do


Gil Vicente: autor desse soneto:
a) r e t o m a a a n á l i s e do a m o r do v e l ho a) Bocage.
a p a i x o n a d o , d e s e n v o l v i d a em O b) Camilo Pessanha.
velho c) Camões.
da horta. d) Gil Vicente.
b) m o s t r a a humilhação da j o v em q ue e) Manuel Bandeira.
não p o d e e s c o l h e r s e u m a r i d o , t e ma
de v á r i a s p e ç a s d e s s e autor. 19. (FUVEST) Assinale a(s) alternativa(
c) d e n u n c i a a r e v o l t a da j o v e m c o n f i s) incorreta(s) sobre Os Lusíadas:
n a da a) () herói coletivo - o povo português;
a o s s e r v i ç o s d o m é s t i c o s , o que herói individual - Vasco da Gama.
c o n f e r e a t u a l i d a d e à o b r a. b) () modelo: A Eneida de Virgílio; seguido
d) c o n t a a h i s t ó r i a de u m a j o v e m q ue das epopéias de Homero: A
a s s a s s i n a o m a r i d o p a r a se livrar d os Ilíada e A Odisséia.
m a u s tratos. c) ( ) estrutura clássica, 5 partes, dez
e) a p o n t a , q u a n d o Lianor n a r r a a s cantos, 1.102 estrofes, em oitavarima
ações (ABABABCC), versos decassílabos
do c l é r i g o , u m a solução r e l i g i o s a p a ra heróicos.
a decadência m o r a l de s e u t e m p o . d) ( ) concomitância do "maravilhoso",
pagão e cristão; da ideologia burguesa,
16. (UF-SC) Marque a alternativa incorreta expansionista e do espírito de cruzada
a respeito do Humanismo: medieval; do épico e do lírico;
a) época de trasição entre a Idade Média do plano histórico e do mitológico.
e o Renascimento. e) () a narrativa inicia-se já no meio da
b) o teocentrismo cede lugar ao ação (viagem de Vasco da Gama às
antropocentrismo. Índias).
c) Fernão Lopes é o grande cronista da f) ( ) na proposição o p o e t a p r i v i l e g i a:
época. os n a v e g a d o r e s ("as armas e os barões");
d) Garcia de Resende coletou as poesias os reis de Portugal ("e as m e m
da época, publicadas em 1516 ó r i a s g l o r i o s a s d a q u e l e s Reis que
com o nome de Cancioneiro Geral. f o r am d i l a t a n d o a f é " ) ; e os h e r ó i s da
e) a Farsa de Inês Pereira é a obra de p á t r i a ("aqueles que se vão da lei da
Gil Vicente cujo assunto é religioso, m o r t e l i b e r t a n d o " ).
desprovido de critica social. g) ( ) a p e s a r de refletir a i d e o l o g i a do
R e n a s c i m e n t o h á em a l g u n s e p i s ó d
Este famoso soneto corresponde i os
às questões 17 e 18: c o m o Os Doze Pares da Inglaterra
e O Velho do Restelo f o r te
Amor é fogo que arde sem se ver; p r e s e n ç a da m e n t a l i d a d e e g o s t o m
É ferida que dói e não se sente; ed
É um contentamento descontente; ievais.
É dor que desatina sem doer; h) ( ) na L i t e r a t u r a B r a s i l e i r a , o b r as
É um não querer mais que c o m o : Prosopopéia ( B e n t o T e i x e i r a ),
[bem-querer; Vila Rica ( C l á u d i o M. Da C o s t a ) ,
Caramuru ( S a n t a Rita Durão), Uraguai Apolo.
( B a s í l i o da G a m a - de f o r ma d) inspirações e deus da lua.
não-sistemática), A Confederação e) ninfas do rio Tejo e d e u s dos m a r e s.
dos Tamoios ( G o n ç a l v e s de M a g a lhães)
e a t é Invenção do Orfeu ( do 24. (OSEC-SP) Leia o texto com atenção:
m o d e r n i s t a J o r g e de Lima) - reflet C e s s e m do s á b i o G r e g o e do
e m , em m a i o r o u menor g r a u , a i n fluência [ T r o i a no
de Os Lusíadas. As navegações g r a n d e s q ue
[fizeram;
20. (FUVEST) Na Lírica de Camões: C a l e - s e de A l e x a n d r e e de T r a j a no
a) o m e t r o u s a d o p a r a a composição d os A f a m a das v i t ó r i a s que t i v e r a m.
s o n e t o s é a r e d o n d i l h a. Que eu c a n t o o p e i t o ilustre lusitano
b) a m u l h e r é v i s t a em seus a s p e c t os A q u e m N e t u n o e Marte
f í s i c o s , d e s p o j a d a de e s p i r i t u a l i d [obedeceram.
a d e. C e s s e t u d o q u e a a n t i g a M u s a c a n ta
c) cantar a p á t r i a é o c e n t r o das Que outro valor m a i s a l t o se
preocupações. [alevanta!
d) e n c o n t r a - s e f o n t e de inspiração de ((Camões, Os Lusíadas, C a n t o I, e s t r o f e IV)
m u i t o s p o e t a s b r a s i l e i r o s do s é c u lo Assinale a alternativa incorreta
XX. acerca do texto acima:
e) e n c o n t r a m - s e s o n e t o s , o d e s , s á a) a e s t r o f e a c i m a c o r r e s p o n d e à 1ª
t i r as p a r t e do p o e m a (Proposição) e i n d i ca
e autos. a m a t é r i a épica de Os Lusíadas.
b) o v e r s o e m p r e g a d o na e s t r o f e a c i
Texto correspondente às questões ma é o d e c a s s í l a b o ( o u v e r s o de
21 a 23: medida nova), v e r s o t i p i c a m e n t e c l á s s
i c o.
E v ó s , T á g i d e s m i n h a s , pois c r i a do c) a e s t r o f e a c i m a receb e o n o m e de
Tendes em m i m um n o v o e n g e n ho oitava rima ou oitava real (8 v e r s os
[ardente, d e c a s s í l a b o s c o m e s q u e m a de rima
Se s e m p r e em v e r s o h u m i l d e, ab/ab/ab/cc).
[ c e l e b r a do d) o s u b j e t i v i s m o do t e x t o fica no emp
Foi de m i m v o s s o rio a l e g r e m e n t e, r e g o d a 1 s p e s s o a (que c a r a c t e r i za
D a i - m e a g o r a um s o m a l t o , e a função e m o t i v a da l i n g u a g e m , t í p i c
[sublimado, a do C l a s s i c i s m o ).
Um estilo g r a n d í l o c o e c o r r e n t e, e) Netuno e Marte são f i g u r a s m i t o l ó g i c
P o r q u e d e v o s s a s á g u a s F e bo a s que i n d i c am que o m a r a v i l h o so
[ordene, p r e s e n t e no t e x t o é o maravilhoso
Que não t e n h a i n v e j a às de pagão ( m i t o l o g i a g r e c o - l a t i n a ) ,
[Hipocrene. índice
d o C l a s s i c i s m o do t r e c h o.
21. (UFU-MG) Os versos acima pertencem
aos Lusíadas. Pelo que 25. (OSEC-SP) Assinale a alternativa
se lê, conclui-se que encerram: correta, em relação às características
a) a proposição da e p o p é i a. do classicismo:
b) o e p í l o g o de um t r e c h o lírico. a) s u b j e t i v i s m o , função e m o t i v a da l i n
c) u m a invocação. g
d ) u m a d e d i c a t ó r i a. u a g e m , idealização, e s c a p i s m o , mal
e) a narração do p o e m a . do s é c u l o e n a c i o n a l i s m o.
b) o b j e t i v i s m o , d e s c r i t i v i s m o ,
22. (UFU-MG) Repare nas rimas e busca da
assinale a alternativa que espelha f o r m a p e r f e i t a , aproximação de poes
seu esquema rimático: i a e a r t e p l á s t i c a s , não-envolvimento
a) a b a b a b c c . emocional,temasarqueológicos,
b) a a a bbb cc. est
c ) a b c d a b c d. é t i c a de nomeação.
d) a a b b a a b b . c)objetividade,racionalismo,
e) abc abc d d . universal
ismo,antropocentrismo,retomad
23. (UFU-MG) A Tágide e Febo aplicam- a de
se os seguintes conteúdos valoresgrego-latinos,referencia
semânticos: li-
a) filhas do amor e deus das á g u a s. d a d e , h a r m o n i a e e q u i l í b r i o.
b) f i l h a s h u m i l d e s e d e u s do s o l. d) e s t é t i c a de sugestão, m u s i c a l i d a d e,
c) ninfas do rio Tejo e deus da p o e s i a, t e m a s v a g o s e m í s t i c o s , conotação,
s i n e s t e s i a , não-separação de s u j e i - introduzido em Portugal por Sá de Miranda
to-objeto.
e ) d u a l i s m o , f u s i o n i s m o , u s o do c o 28. (ENC-SP) Em Os Lusíadas, Camões:
nt a) homem do século XVI, abraçando o
raste,bifrontismo,metalinguage Cristianismo e vivendo o pragmatismo
m, de seu tempo, despreza a mitologia
e x c e s s o de f i g u r a s de l i n g u a g e m. greco-latina, que contraria sua fé e o
cientificismo da época.
26. (OSEC-SP) Coloque V (para Verdadeiro) b) como todo poeta do Renascimento,
ou F (para Falso), com recebendo influência dos gregos e
relação à estética Clássica: romanos, concebe as divindades pagãs
( ) os padrões estéticos clássicos derivam como superiores à cristã.
de uma concepção de vida teocêntrica. c) fiel a sua religião, faz que a divindade
() ao Misticismo e Ascetismo Medievais cristã compareça de maneira física,
substitui o Paganismo, introduzindo intervindo e atuando ao longo do
novamente a mitologia greco-latina poema, do mesmo modo que as divindades
nas artes. pagãs.
() as obras clássicas apresentam uma d) r e c e b e n d o influência d i r e t a de H o m
linguagem popular, sendo, por isso, e r o e V i r g í l i o , elimina em s u a e p o p
acessíveis a todos. é i a q u a i s q u e r v e s t í g i o da c o n c e p
( ) por bifrontismo da obra camoniana ção
se entende a participação do ideário de m u n d o cristã.
medieval e dos valores clássicos. e) s e n s í v e l aos v a l o r e s do m u n d o c l á
s sico,
27. (ENC-SP) v a l e - s e da m i t o l o g i a g r e c o - l a t i n
Lioanor pela verdura; a c o m o um r e c u r s o r e t ó r i c o , q u e e n
Vai fermosa, e não segura. riquece
Leva na cabeça o pote, e e m b e l e z a os e l e m e n t o s h i s t
O testo nas mãos da prata, óricos.
Cinta de fina escarlata,
Sainho de chamalote; 29. (FMABC-SP) Aponte a alternativa
Traz a vasquinha de cote, c o r r e t a:
Mais branca que a neve pura; a) E ç a de Q u e i r ó s é um d o s m a i o r es
Vai termosa e não segura. p r o s a d o r e s r o m â n t i c o s de Portugal.
Descobre a touca a garganta, b) Camões, a l ém de p o e t a é p i c o , é n o t
Cabelos de ouro entrançado, á v e l c o m o l í r i c o.
Fita de cor de encarnado, c) t o d a a p o e s i a de Bocage se e n q u a d
Tão linda que o mundo espanta, r a no A r c a d i s m o.
Chove nela graça tanta, d) V i e i r a r e p r e s e n t a o m e l h o r da p o e
Que dá graça à fermosura: s ia
Vai fermosa, e não segura.* barroca.
* testo = tampa de pote; chamalote e) C a m i l o C a s t e l o B r a n c o é l e m b r a
= tecido de lã e seda; vasquinha = do
espécie de saia; de cofe = de uso cotidiano. s o b r e t u d o pelo romance h i s t ó r i c o.
A poesia de Camões é comumente
classificada em "medida 30. (UFPR) Os trechos abaixo foram
velha" e "medida nova". É correto retirados, respectivamente, das
afirmar que o poema abaixo insere- obras de Mário de Andrade e de
se na: Camões:
a) "medida velha", porque expressa um No o u t r o d i a o herói a c o r d o u m u i to
ideal de beleza mais concreto, por c o n s t i p a d o . Era p o r q u e a p e s a r d o c
meio da valorização dos dotes físicos alo-
da mulher do povo. rão da n o i t e ele d o r m i r a de roupa c om
b) "medida velha", porque se prende às medo d a C a r u v i a n a que p e g a i n d i v í d
convenções da poesia greco-latina, uo
entre elas, a do panteísmo. dormindonu.Masestavamuitogan
c) "medida velha" porque é composto gen-
em redondilha menor, tipo de verso t o c o m o d i s c u r s o da v é s p e r a . E s p e r
de origem popular. ou
d) "medida nova", porque se serve do i m p a c i e n t e os q u i n z e dias da d o e n ça
idealismo neo-p/atônico, para expressar r e s o l v i d o a c o n t a r m a i s c a s o s pro p o
a elevação espiritual da mulher v o.
do povo. P o r ém q u a n d o se sentiu b o m era m a
e) "medida nova", porque é composto nhãzinha
em redondilha maior, tipo de verso e q u e m c o n t a h i s t ó r i a s de d ia
c r i a rabo de c u t i a. s e m c a u s a , j u n t a m e n t e c h o r o e rio,
(...) o m u n d o t o d o abarco e n a d a aperto.
Que eu c a n t o o peito i l u s t re É t u d o q u a n t o sinto, um desconcerto;
[ L u s i t a no da a l m a um f o g o me s a i , d a v i s ta
A q u e m N e p t u n o e Marte [ um rio;
[obedecerão; agoraespero,agoradesconfio,
C e s s e t u d o o q u e a M u s a a n t i ga a g o r a d e s v a r i o , a g o r a acerto.
[canta, Estando em t e r ra c h e g o a o c éu
Que o u t r o valor m a i s a l t o se [voando,
[alevanta. n u n f h o r a a c h o mil a n o s , e é de jeito
E não m e n o s c e r t í s s i ma que em m i l , anos não p o s s o achar
[Christandade, um'hora.
V ó s , ó n o v o t e m o r da M a u r a l a n ç a, Se me p e r g u n t a a l g u ém por q ue
M a r a v i l h a fatal da n o s s a i d a d e, [assi ando,
D a d a a o m u n d o por D e o s , q ue respondo q u e não sei; p o r ém o
[ t o d o o m a n de [ s u s p e i to
(...) que s ó p o r q u e vos v i , minha
Encontramos neles aspectos [Senhora.
que caracterizam o movimento modernista O soneto acima transcrito é de
brasileiro e o classicismo Luís Camões. Nele se acha uma característica
português, tais como: da poesia clássica renascentista.
a) miscigenação de supertições, provérb Assinale essa característica,
i o s e a n e d o t a s — coexistência de em uma das alternativas:
e n t i d a d e s mitológicas c o m a tradição a) a s u s p e i t a de amor q u e o p o e t a dec
m o n o t e í s t a h e r d a d a d a Idade Média. l a r a na conclusão.
b) problematização s o c i a l v i s t a às avess b) o j o g o de contradições e p e r p l e x i d a des
a s a t r a v é s do humor — coexistênc que a t o r m e n t am o p o e t a.
i a de e n t i d a d e s m i t o l ó g i c a s c o m a c) o f a t o de t o d o s p e r g u n t a r em ao p o e
tradição p o l i t e í s t a h e r d a d a da Idade t
Média. a por q u e a s s im a n d a.
c ) ridicularização d o h o m e m a t r a v é s d as d) o f a t o de o p o e t a não saber r e s p o n der
tradições h i s t ó r i c a s — exaltação do a q u e m o i n t e r r o g a.
h o m e m por seus feitos h i s t ó r i c o s. e) a utilização de um s o n e t o p a r a r e l a to
d) problematização social v i s t a às a v e s s d a s suas a m a r g u r a s.
a s a t r a v é s do humor — exaltação
do h o m e m por s e u s f e i t o s h i s t ó r i c o s. 33. (FUVEST) Indique a idéia que não
e) comparação do h o m e m a s e r e s f o l c está no texto:
l ó r i c o s — comparação do h o m e m a Por isso, ó v ó s que as f a m a s estimais,
s e r e s mitológicos. Se quiserdes no mundo ser tamanhos,
Despertais j á do s o n o do ócio ignaro,
31. (UFPA) Sobre a lírica camoniana, Que o â n i m o de livre f a z escravo.
é incorreto afirmar que: E p o n d e na c o b i ç a um f r e io duro,
a) b o a p a r t e de s u a realização s e e n c E na ambição t a m b é m , q ue
o n t r a na p o e s i a de inspiração c l á s s [indignamente
ica. Tomais mil vezes, e no t o r pe e e s c u ro
b) s u a t e m á t i c a é v a r i a d a , e n c o n t r a Vício da t i r a n ia infame e urgente;
nd Porque e s s a s honras vãs, esse ouro
o - s e d e s d e t e m a s a b s t r a t o s até t r a d [ p u ro
icionais. —133—
c) no a s p e c t o f o r m a l , é t o d a c o n s t r u Verdadeiro valor não dão à gente;
í da Melhor é merecê-lo s em os ter,
e m v e r s o s d e c a s s í l a b o s em o i t a va Que possuí-los s em os merecer.
rima. (Camões)
d) s o n d a o s o m b r i o m u n d o do " e u " da a) a ambição é um v í c i o t o r p e q u e l e v a à
mulher, da P á t r i a e de Deus. tirania.
e) m u i t a s v e z e s , o p o e t a p r o c u r a c o b) as f a l s a s h o n r a s e a r i q u e z a não dão
nc v a l o r às p e s s o a s.
e i t u a r o Amor, l a n ç a n d o mão de a n t c) os que a s p i r am à glória d e v e m fugir
í t e s e s e paradoxos. ao ócio.
d) é preciso refrear a e x c e s s i v a a m b i ção
32. (VUNESP) B o p e n d o r p a r a t i r a n i a.
Tanto d e m e u estado me a c ho e) é preferível merecer h o n r a s e riquez
[incerto, a s não c o n s e g u i d a s a obtê-las s em
que em v i v o ardor t r e m e n d o e s t ou merecimento.
[de f r i o; As questões 34 e 35 referemse
ao texto abaixo:
Busque Amor novas artes, novo e) eliminação do pan-erotismo, existente
[engenho, em parte da lírica, em favor de uma
para matar-me, e novas ênfase mais objetiva na narração dos
[esquivanças; feitos lusitanos.
que não pode tirar-me esperanças,
que mal me t i r a r á o q u e eu não 37. (CESGRANRIO-RJ) Sobre Os Lusíadas,
[tenho. é incorreto afirmar que:
Olhai de q u e esperanças me a) quando a ação do poema começa,
[mantenho! as naus portuguesas estão navegando
v e d e que perigosas seguranças: em pleno Oceano Índico, portanto
que não t e m o contrastes n em a meio da viagem.
[mudanças, b) na invocação, o poeta se dirige às
andando em bravo mar p e r d i d o o Tágides, musas do Rio Tejo.
[lenho. c) na Ilha dos Amores, após o banquete,
Mas, conquanto não pode haver Tethys conduz o capitão ao ponto
[desgosto mais alto da ilha, onde lhe desvenda
onde e s p e r a n ç a falta, l á me "a máquina do mundo".
[ e s c o n de d) tem como núcleo narrativo a viagem
Amor um mal, que mata e não se vê; de Vasco da Gama a fim de estabelecer
que dias há que na a l m a me t em contato marítimo com as índias.
[pôsto e) é composto em sonetos decassílabos,
um não sei quê, que nasce não sei mantendo, em 1102 estrofes, o
[onde, mesmo esquema de rima.
v em não sei c o m o e dói não sei
[por quê. 38. (FUVEST)
Não mais, Musa, não mais, que a
34. (PUC-RS) Neste poema é possível [Lira tenho
reconhecer que uma dialética Destemperada e a voz
amorosa trabalha a oposição [enrouquecida,
entre: E não do canto, mas de ver que
a) o b e m e o m a l . [venho
b) a p r o x i m i d a d e e a d i s t â n c i a. Cantar a gente surda e endurecida.
c) o d e s e j o e a idealização. O favor com que mais se acende
d) a razão e s e n t i m e n t o . [o engenho
e) o m i s t é r i o e a r e a l i d a d e. Não no dá a pátria, não, que está
[metida
35. (PUC-RS) Uma imagem de forte No gosto da cobiça e na rudeza
expressividade deixa implícita De uma austera, apagada e vil
uma comparação com o arriscado [tristeza.
jogo do amor. Assinalar a Os versos acima pertencem a
alternativa que contém essa que parte dos Lusíadas?
imagem: a) proposição.
a) o e n g e n h o do amor. b) invocação.
b) o p e r i g o da s e g u r a n ç a. c) dedicatória.
c ) n a u f r á g i o em b r a v o mar. d) narração.
d ) mar t e m p e s t u o s o. e) epílogo.
e) u m não sei quê.
39. (UNIJUÍ-RS) O digno representante
36. (CESGRANRIO-RJ) Apontam-se a do povo português, herói
seguir algumas características de Os Lusíadas, foi:
atribuídas pela crítica à epopéia a) Alexandre, o Grande.
de Luís Vaz de Camões, Os Lusíadas. b) Trajano.
Uma dessas características c) Vasco da Gama.
está incorreta. Trata-se de: d) Ulisses.
a) concepção da história nacional como e) Virgílio.
seqüência de proezas de heróis aristocráticos
e militares. 40. (UNIJUÍ-RS)
b) apologia dos poderes humanos, realçando Os bons vi sempre passar
o orgulho humanista de autodeterminação No mundo graves tormentos
e do avanço no domínio E, para mais me espantar,
sobre a natureza. Os maus vi sempre nadar
c) efabulação mitológica. Em mar de contentamentos.
d) contraposição da experiência e da Cuidando alcançar assim
observação direta à ciência livresca O bem tão mal ordenado,
da Antigüidade. Fui mal. Mas fui castigado.
Assim que só para mim b) é o estilo que busca a aproximação
Anda o mundo concentrado. entre poesia e música, valorizando figuras
O texto anterior: sonoras e os efeitos musicais
a) é parte de um auto de Gil Vicente. do ritmo.
b) é um soneto camoniano. c) corresponde a uma estética de nomeação,
c) é composto de redondilhas, que se em que predomina a poesia
encaixam na obra lírica de Camões. descritiva e de traço arqueológico.
d) pode ser encaixado em Os Lusíadas, d) c a r a c t e r i z a - s e pela l i n g u a g em
devido à estrutura das estrofes. metaf
e) é uma cantiga de amigo. ó r i c a , p e l o u s o e x c e s s i v o de f i g u ras,
s o b r e t u d o a n t í t e s e s e h i p é r b o l e s,
41. (FUVEST) p e l a visão de m u n d o d u a l i s t a , cont
Entre os semeadores do Evangelho r a d i t ó r i a e s e n s o r i a l.
há uns que saem a semear, há outros e) n.d.a.
que semeiam sem sair. Os que saem a
semear são os que vão pregar à índia, à 44. (OBJETiVO-SP) Assinale a(s)
China, ao Japão; os que semeiam sem afirmação(ões) incorreta(s) ou
sair são os que se contentam com pregar não relacionada(s) ao período
na pátria. Todos terão sua razão, mas Barroco em Portugal:
tudo tem sua conta. Aos que têm a seara a) ( ) C o n t r a - r e f o r m a - Inquisição.
em casa, pagar-lhes-ão a semeadura: b) ( ) Decadência p o l í t i c a e e c o n ô m i c a .
aos que vão buscar a seara tão longe, c) ( ) D o m í n i o e s p a n h o l .
hão-lhes medir a semeadura, e hão-lhes d ) ( ) Mito s e b a s t i a n i s t a.
de contar os passos. Ah! dia do juízo! Ah! e) ( ) Predomínio d a p r o s a s o b r e a poesia.
pregadores! Os de cá, achar-vos-eis com f) ( ) S e r m o n í s t i c a , p r o s a d i d á t i c a e
mais paço; os de lá, com mais passos... mor
A passagem acima é representativa alizante.
de uma das tendências estéticas g) ( ) Elitização, f r i v o l i d a d e da produção
da prosa seiscentista a saber: acadêmica.
a) o sebastianismo, isto é, a celebração h) ( ) A c a d e m i a s dos G e n e r o s o s e dos
do mito da volta de D. Sebastião, rei Singulares.
de Portugal, morto na batalha de Alcácer- i) ( ) A c a d e m i a s d o s E s q u e c i d o s e
Quibir. dos
b) a busca do egotismo e da aventura Renascidos.
ultramarina, presentes nas crônicas
e narrativas de viagem. 45. (OBJETIVO-SP) Assinale a alternativa
c) a exaltação do heróico e do épico, por que encerre uma associação
meio das metáforas grandiloqüentes incorreta, acerca do Barroco
da epopéia. em Portugal:
d) lirismo trovadoresco, caracterizado a) Pe. M a n u e l B e r n a r d e s - N o v a
por figuras de estilo passionais e místicas. Floresta.
e) conceptismo, caracterizado pela utilização b) Pe. F r a n c i s c o Manuel de M e l o - Carta
constante dos recursos da dialética. de Guia aos Casados.
c ) A n t ô n i o J o s é da S i l v a (O J u d e u ) -
42. (FUVEST) A respeito do Pe. Antônio Guerras do Alecrim e da Manjerona.
Vieira, pode-se afirmar que: d) Manuel d e S o u s a C o u t i n h o (Frei Luís
a) embora vivesse no Brasil, por sua de
formação lusitana, não se ocupou de S o u s a ) - História de São Domingos.
problemas locais. e) Sóror M a r i a n a D'Alcoforado - Cartas.
b) procura adequar os textos bíblicos f ) Fênix R e n a s c i d o e Postilhão de A p o lo
às realidades de que tratava. - Coletâneas de Poesias seiscentistas
c) dada sua espiritualidade, demonstrava
portugueses.
desinteresse por assuntos mundanos.
d) em função de seu zelo para com Deus, g) Pe. V i e i r a - Poemas à Virgem Maria.
utilizava-o para justificar todos os acontecimentos
políticos e sociais. 46. (ENC-SP) O p r e g a d o r há de ser c o mo
e) mostrou-se tímido diante dos interesses q u e m s e m e i a , e não c o m o q u em
dos poderosos. l a d r i l h a ou azuleja. O r d e n a d o , mas
c o m o as estrelas. Todas as estrelas
43. (FUVEST) O Barroco é, na verdade, estão por s u a o r d e m ; m a s é o r d em
dois estilos: o Cultismo e o que f a z influência, não é o r d em q ue
Conceptismo. O Cultismo: f a ç a lavor. Não fez Deus o céu em
a) caracteriza-se pelo agudo jogo de x a d r e z de estrelas, c o m o os pregad
conceitos e idéias, que desenvolve o r e s f a z e m o sermão em x a d r ez
apoiando-se no raciocínio silogístico. de palavras. Se de u m a parte está
b r a n c o , de o u t r a há de estar negro;
s e de u m a parte está dia, de outra é efêmero e vão; o s e n t i m e n t o de
há de estar noite; se de uma parte n u l i d a d e d i a n t e do p o d e r d i v i n o.
d i z em luz, da o u t r a hão de dizer s o m b c) a percepção de q u e há s a í d a s p a r a o
r a ; s e d e u m a parte d i z em d e s c e u , h o m e m ; a c e r t e z a de que o a g u a r d am
da o u t r a hão de dizer s u b i u. o inferno e a d e s g r a ç a espiritual.
No fragmento acima, pertencente d) a n e c e s s i d a d e de ser p i e d o s o e c a r
ao Sermão da Sexagésima, o padre it
Antônio Vieira mostra uma tendência a t i v o , p a r a l e l a à v o n t a d e de fruir até
muito comum em sua obra: as ú l t i m a s consequências o l a d o m a t
I. Uso das antíteses com o propósito e r i a l da v i d a.
deliberado de equilibrar os anseios e) a r e v o l t a c o n t r a os a s p e c t o s f a t a
espiritualistas e teocêntricos is
da Idade Média com os materialistas que os d e u s e s i m p r i m em a s e u d e s t i
e antropocêntricos do no
Renascimento. e à v i d a na t e r r a.
II. Critica os exageros formais dos
pregadores cultistas, que usavam 49. (CESESP-PE) Numere os parênteses,
e abusavam das antíteses, tornando obedecendo à seguinte
o estilo obscuro. convenção:
III. Defende o apuro formal dos pregadores 1 . B a r r o c o.
gongoristas, vendo nele 2. A r c a d i s m o.
uma forma mais adequada de 3. Romantismo.
convencer e converter o fiel. ( )exacerbação do s e n t i m e n t o , e n v o l t
Interpreta corretamente o que o n u m a visão de a m o r i d e a l i s t a.
se afirma apenas em: ( )visão d u a l i s t a do u n i v e r s o , r e f l e t i d
a ) l . c) III. e) I e III. a n u m a l i n g u a g em e s s e n c i a l m e n te
b) II. d)lell. antitética.
( )expressão c o n s t a n t e e q u a s e m o n
47. (UFRJ) Aponte, nas questões ó t o n a da f u g a c i d a d e da v i d a.
seguintes, o que é falso (F) e o ( )ênfase na i n c o r r e s p o n d e n c i a a m o r
que é verdadeiro (V). o s a das t i r a n a s d o n z e l a s.
a) ( ) V i e i r a d e f e n d e a ¡déla de q u e o ( ) s o b r e exaltação da b e l e z a f e m i n i n
pregador não d e v e usar a p a l a v r a p e la a , s u p e r i o r a o s e l e m e n t o s da nat
p a l a v r a só p a r a s a t i s f a z e r o g o s to ureza.
p e l o s m a l a b a r i s m o s e s t é t i c o s - na De cima para baixo, a resposta
v e r d a d e , c o n d e n a o estilo c u l t i s t a. correta é:
b) ( ) V i e i r a a c u s a d i r e t a m e n t e o estilo a) 3 , 1 , 1 , 2 , 1 .
g o n g ó r i c o c o m o o r e s p o n s á v e l pelo b) 2 , 1 , 1 , 3 , 2 .
a f a s t a m e n t o dos fiéis. c)1,3,2,1,2.
c)()ograndepregadorconceptista d) 3 , 1 , 2 , 2 , 1 .
enf e)2,1,2,3,1,
a t i z a que a i m p o r t â n c i a da l i n g u a g
empreciosaédecisivaparaqueo 50. (OBJETIVO-SP) Ele é considerado
o u v i n t e f i q u e i m p r e s s i o n a d o. um dos três maiores sonetistas
d) () a l i n g u a g em de V i e i r a é e v i d e n t e da língua portuguesa, ao lado de
m Camões e de Antero de Quental.
e n t e u m a d e f e s a a o c u l t i s m o , daí ter Sua poesia lírica, extremamente
c o n s e g u i d o persuadir o s e u p ú b l i c o. pessoal, é marcada por um rebelde
libertarismo emocional. Às
48. (UEL-PR) vezes violento, às vezes calmo.
Q u e és t e r r a , h o m e m , e em t e r ra Sua vasta obra poética apresenta
[ h á s de tornar dois aspectos fundamentais: o
Te l e m b r a h o j e Deus por s u a I g r e j a; satírico e o lírico; mas é no lírico
De pó t e fez e s p e l h o , em q u e se que o poeta se realiza plenamente
[ v e ja e fica famoso. Foi, sem dúvida,
A vil m a t é r i a , de que quis o maior poeta português do século
[formar-te. XVIII. Seu pseudônimo arcádio
Conforme surgere o excerto é Elmano Sadino. Trata-se de:
acima, o poeta barroco não raro expressa: a) C r u z e S i l v a.
a) o m e d o de ser i n f e l i z ; u m a i n t e n sa b ) D o m i n g o C a l d a s B a r b o s a.
a n g ú s t i a em f a c e da v i d a , a que não c) Filinto Elísio.
c o n s e g u e dar s e n t i d o ; a desilusão d) A l m e i d a Garret.
d i a n t e da falência de v a l o r e s t e r r e n e) B o c a g e.
o s e d i v i n o s.
b) a consciência de q u e o m u n d o t e r r e no 51. (FAC. OSWALDO CRUZ-SP) A "áurea
mediocridade", a fuga à vida Da s á t i r a m o r d a z o f u r o r louco,
citadina, o bucolismo definemse De m a l d i z e n t e voz a t i r a n i a:
como tendências do: D e s c u l p a t e n d e s , se v a l e i s tão
a) Romantismo. [pouco;
b) A r c a d i s m o. Que não p o d e cantar c o m m e l o d ia
c) P a r n a s i a n i s m o. Um p e i t o , de g e m e r c a n s a d o e
d) B a r r o c o. [rouco.
Sobre esse soneto, é correto
52. (FAC. MED. TRIÂNGULO MINEIRO) afirmar:
A busca da simplicidade da linguagem a) o amor é a p r e s e n t a d o de m a n e i ra
e a descoberta da felicidade c o n t r o l a d a , de a c o r d o c o m o s
pela integração do homem princípios
na natureza, em oposição do r a c i o n a l i s m o e e q u i l í b r i o q ue
ao artificialismo formal e à angústia o r i e n t a v am a criação p o é t i c a do A r c a -
dos conflitos entre o Bem dismo.
e o Mal, são algumas das características b) o t e x t o d e m o n s t r a q u e Bocage, apesar
que contrapõem o de p e r t e n c e r à A r c á d i a L u s i t a n a,
ao u l t r a p a s s a os limites do A r c a d i s m o e
a) b a r r o c o - c l a s s i c i s m o. a n t e c i p a c a r a c t e r í s t i c a s da i n s p i r
b) a r c a d i s m o - barroco. a ção
c) r o m a n t i s m o - a r c a d i s m o. p o é t i c a do R o m a n t i s m o.
d) p a r n a s i a n i s m o - r o m a n t i s m o. c ) o p o e t a se i d e n t i f i c a c o m os b e m -
e) s i m b o l i s m o - p a r n a s i a n i s m o. a v e n t u r a d o s e s o l i c i t a a p i e d a d e do
53. (CFET-PR) Assinale a alternativa l e i t o r p a r a c o m os seus v e r s o s.
que melhor indica os valores d) a emoção i n t e r f e r e na elaboração art
da estética árcade: ística.
a) n a t u r e z a , s i m p l i c i d a d e , p a s t o r a e ) s a b e - s e que Bocage foi um á r c a de
l i s m o. rebelde;pertenceuàNovaArcádi
b) e q u i l í b r i o , n a t u r e z a , f i l o s o f i a. a,
c)pastoralismo,sonoridade,natu mas foi e x p u l s o d e l a . O s o n e t o em
r e z a. questão a p r e s e n t a c a r a c t e r í s t i c as
d) b u c o l i s m o , p a s t o r a l i s m o , i l o g i s f o r m a i s n e o - c l á s s i c a s e, q u a n t o ao
m o. conteúdo,antecipaosentimentali
e) p a s t o r a l i s m o , i l o g i s m o , s u b j e t i s mo
v i s m o. r o m â n t i c o.
54. (FUVEST) De Bocage, pode-se 56. (OBJETIVO-SP) Assinale, com
dizer que: relação ao Arcadismo (V) verdadeiro
a) p a s s o u a maior p a r t e de s u a v i d a no ou (F) falso:
Brasil. a) ( ) d e s e n v o l v e u - s e na s e g u n d a m e
b) é o e x p o e n t e m á x i m o da p o e s i a port t
u g u e s a do s é c u l o X V I I I. a d e d o s é c u l o X V I I I , r e f l e t i n d o os
138 ideais iluministas. Coincide no Brasil
—139— c o m o c i c lo da mineração e c om
c ) foi g r a n d e cultor do s o n e t o b a r r o c o. as rebeliões n a t i v i s t a s.
d) e s c r e v e u c o n t o s e r ó t i c o s. b) ( ) é um regresso aos ideais do class
e) r e p r e s e n t a a p o e s i a p a r n a s i a n a icismogreco-romanoerenasc
em e n t i s t a s ( c l a r e z a , s i m p l i c i d a d e,
Portugal. b u s c a d o belo, b e m , verdade e perfeição).
55. (ENC-SP) Leia com atenção o c) () os t e m a s predominantes são o past
texto de Manuel Maria Barbosa o r a l i s m o e o bucolismo. A natureza
du Bocage, a seguir: é o cenário suave e convencional
Chorosos versos meus desentoados, o n d e "pastores" e "musas" v i v em
S e m a r t e , s e m b e l e z a e s em amenos idílios campestres.
[brandura, —1
U r d i d o s p e l a mão da D e s v e n t u r a, d) () o estilo é contido, há poucas figuras
P e l a b a ç a T r i s t e z a e n v e n e n a d o s: (em comparação ao Barroco)
V e d e a luz, não b u s q u e i s, e predomina a ordem direta.
[desesperados, e) ( ) não há conflitos, a expressão é
No mudo e s q u e c i m e n t o a serena e apóia-se na mitologia greco-
[sepultura; romana, no convencionalismo
Se os d i t o s o s v o s l e r em s em amoroso.
[ternura, f) () a arte volta-se para o natural e o
Ler-vos-ão c o m t e r n u r a os verdadeiro e tem finalidade didática
[desgraçados: e moralizante. A imaginação
Não vos inspire, ó v e r s o s , c o b a r d i a, é contida.
g) () segue os ideais clássicos da "fugere a) s e n t i m e n t o t r á g i c o da v i d a ;
urbem", da "carpe diem", da desilusão
"áurea mediocritas" e tem como e s o f r i m e n t o.
lema "Inutilia Truncat". b) visão da n a t u r e z a como refúgio acolhedor;
57. (OBJETIVO-SP) Assinale a(s) alternativa^) atração por a m b i e n t e n o t u r n o s .
não relacionadas ao c) projeção na n a t u r e z a do e s t a d o de
Arcadismo em Portugal: e s p í r i to do poeta; religiosidade cristã.
a) ( ) Regime Pombalino - despotismo d) n a c i o n a l i s m o ; l i b e r d a d e ; d e s e j
esclarecido. o d e ref
b) () Influência espanhola. o r m a s s o c i a i s.
c) () Influência francesa e italiana. e) idealização da mulher; m o r t e e n c a r a da
d) () Iluminismo, racionalismo. c o m o libertação.
e) () Arcádia Lusitana e Nova Arcádia. $3. (ENC-SP) As d u a o b r a s - p r i m a s do
58. (OBJETIVO-SP) Assinale o que r o m a n t i s m o português - Frei Luís
não se referir a Bocage: de Sousa e Eurico, o Presbítero -
a) Idilio Marítimo e Rimas, razão X sentimentos. gêmeas no t e m p o e nos m o t i v o s,
b) Pré-Romantismo - confessionalismo, separam-setantoquantoGarrett
presença da morte, poesia notumal. se
c) poesia lírica e satírica. a f a s t a e d i v e r g e de H e r c u l a n o . Um
d) autor das Espístolas e Marília. é a c o n s t a n t e pessoal do p o r t u g u ês
e) o bucolismo e o pastoralismo são os a b e r t o à o r d e m c l á s s i c a , o português
temas dominantes em seus melhores l ú c i d o e s e n s í v e l da s a u d a de
sonetos. e do p e c a d o de delícia n u m a e q u a ção
40 — de t r a g é d i a , c o m s e n t i m e n t os
59. (UFMG) Aponte a alternativa cujo de B e r n a r d im em f o r m a s d e Camões;
conteúdo não se aplica ao Arcadismo: o u t r o , o do português de c e r n e , q ue
a) desenvolvimento do gênero épico, registrando pecasobriamenteesuperacomdur
o início da corrente indianista e z a o s e u p e c a d o , s e n t i n d o a Sá
na poesia brasileira. de M i r a n d a e f a l a n d o c o m á s p e r os
b) presença da mitologia grega na poesia s o l u ç o s . A m b o s b e m n o s s o s.
de alguns poetas desse período. { V i t o r i n o N e m í s i o)
c) propagação do gênero lírico em que Tendo por base o texto crítico
os poetas assumem a postura de pastores abaixo e, sobretudo, a leitura de
e transformam a realidade num Frei Luís de Sousa e Eurico, o Presbítero,
quadro idealizado. é correto afirmar que:
d) circulação de manuscritos anônimos a) o "português aberto à ordem clássica"
de teor satírico e conteúdo político. difere do "português de cerne",
e) penetração de tendência mística e religiosa, p o r q u e se d e i x a levar m a i s p r o f u n d
vinculada à expressão de ter a m e n t e p e l a emoção, d e v i d o às i n
ou não fé. fluências
60. (CENTEC-BA) Quando o poeta da t r a g é d i a c l á s s i c a.
neoclássico pinta uma paisagem b) o p r o b l e m a do c e l i b a t o , no d r a m a
como um "estado de alma", de
podemos dizer que estamos G a r r e t t , s e r v e p a r a criar i n t e n s o c o n
diante de uma paisagem: flito
a) tipicamente neoclássica. entre as p e r s o n a g e n s , que a d o t
b) sugestivamente simbólica. am o h á b i t o f o r ç a d a s p e l a situação;
c) rebuscadamente barroca. j á , em Eurico, o Presbítero, s u p e r a -
d) prenunciadora do parnasianismo. se a idéia do p e c a d o , porque a pers
e) antecipadamente romântica. o n a g e m v e s t e o h á b i t o m o v i d a pela
61. (UEL-PR) Assinale a alternativa autêntica fé cristã e pelo d e s e j o de
em que aparece uma característica c o m b a t e r os infiéis.
imprópria do Arcadismo: c) Frei Luís de Sousa i n s e r e - s e na linha
a) bucolismo. da r i g o r o s a construção c l á s s i c a , q ue
b) presença de entidades mitológicas. supõe a recuperação de t í p i c o s exp
c) exaltação da natureza. edientesdramáticosdatragédia,e
—141— nq
d) t r a n q ü i l i d a d e no r e l a c i o n a m e n t u a n t o que a construção mais livre,
oamor em Eurico, o Presbítero, implica a a t u a lização
oso. em g r a n d e e s c a l a de e x p e dientes
e) evasão da m o r t e. comuns a o Romantismo, c o mo
62. (FEI-SP) São características comuns o da expansão s e n t i m e n t a l .
aos movimentos romântico d) há influência c l á s s i c a t a n t o em Frei
e modernista; Luís de Sousa q u a n t o em Eurico, o
Presbítero, p r e s e n t e na construção
r i g o r o s a d a s d u a s o b r a s , que o b e d atirara, e viu, enleado no cordame, o
ecemaoscânonesdaestéticaseis avental, e à flor da água, um rolo de
c papéis, que os marujos recolheram na
e n t i s t a da t r a g é d i a. lancha.
e) o s e n t i m e n t o da emoção, m u i t o m a is a) Que relação há, em Amor de Perdição,
p r e s e n t e em H e r c u l a n o do que em entre as personagens Simão
G a r r e t t , é a u t e n t i c a m e n t e português, e Mariana?
e n q u a n t o q u e a construção t r á g i ca b)No trecho citado, o narrador menciona
não p a s s a de influência e s t r a n h a a um "rolo de papéis". Que
Portugal. papéis são esses?
— 142 — c) Considerando as respostas dadas
64. (ENC-SP) Amor de perdição é aos itens a e b, analise a função
uma obra tipicamente romântica desempenhada pela personagem
porque nela Camilo Castelo Mariana na estrutura do
Branco valoriza: romance.
a) o sentimento nativista, presentes na — 143 —
recusa de Simão e Teresa em fugirem 67. (METODISTA-PIRACABA-SP) Na
de Portugal, apesar de perseguidos primeira metade do século XIX, a
pela justiça. discordância entre a literatura e a
b) as natureza, como fonte de vida e modernização presentifica-se de
inspiração, em que Simão se refugia, maneira nítida e profunda. Pelas
no final da obra, quando não pode obras literárias percebe-se uma
mais ter acesso a Teresa. cosmovisão marcada pelo choque
c) os valores espirituais do Cristianismo, com o cotidiano imediato e as evidências
a que Simão se apega quando é de um mal-estar, que passou
condenado ao degredo. a ser conhecido como o mal
d) o mundo das paixões, o excesso de do século. Os textos revelam uma
sentimentos, evidentes no modo violento ânsia de evasão deste presente
como Simão assassina Baltazar circunstancial e descolorido. Na
Coutinho. busca de compreensão, o artista
65. (FUVEST) Leia o texto abaixo: valoriza a imaginação criadora: a
O pacto feito por ele com os árabes arte se converte em manifestação
não tardou a ser por mil modos violado, da alma... e assim tem-se o:
e o ilustre guerreiro teve de se a) Simbolismo.
arrepender, mas já debalde, por haver b) Parnasianismo.
deposto a espada aos pés dos infiéis, c) Romantismo.
em vez de pelejar até à morte pela liberdade. d) Barroco.
Fora isto o que Pelágio preferira, e) Pré-Modemismo.
e a vitória coroou o seu confiar no esforço 68. (FCMSC-SP) A renovação das
dos verdadeiros Godos e na piedade formas, a liberdade de expressão
de Deus. e a tentativa de incorporar
Agora, responda as questões: à literatura nossas coisas mais
I. Qual das características abaixo típicas - como particularidades
está presente no texto? regionais e termos indígenas -
a) retomada dos valores medievais. são marcas freqüentes do:
b) denúncia de males sociais. a) Barroco.
c) despreocupação formal. b) Arcadismo.
d) análise psicopatológica. c) Romantismo.
e) aproveitamento da mitologia clássica. d) Realismo.
II. O autor do texto é: e) Pré-modernismo.
a) Eça de Queirós. 69. (OSEC-SP)
b) Camilo Castelo Branco. Do tamarindo a flor faz
c) Padre Antônio Vieira. [entreaberta,
d) Fernando Namora. Já solta o bogari mais doce aroma,
e) Alexandre Herculano. Também meu coração, como estas
66. (UNIVERSITÁRIO-SP) Leia com [flores,
atenção o trecho abaixo, extraído Melhor perfume ao pé da noite
do último capítulo de [exala!
Amor de Perdição, de Camilo É possível reconhecer, na estrofe
Castelo Branco. acima, um exemplo da corrente:
Viram-na um momento, bracejar, a) barroca, pela imagem que evoca a
não para resistir à morte mas para abraçar- natureza como símbolo da transitoridade
se ao cadáver de Simão, que uma da vida.
onda lhe atirou aos braços. O comandante b) arcádica, pois o poeta revela seu amor
olhou para o sítio donde Mariana a uma natureza idealizada.
c) romântica, pela identificação dos sentimentos o n t r e i - a de j o e l h o s d i a n t e d u m a
humanos com aspectos da imag
natureza. e m de S. João dos Bem Casados.
d) parnasiana, pela apresentação da natureza E r g u e - s e e l a , b e n z e n d o - s e , e esp
com imagem da perfeição. e r o u q u e eu a b e i j a s s e pela s e g u n da
e) simbolista, pois a natureza é apenas vez. Penso que o p ú b l i c o me releva a
um recurso que o poeta transcende, confissão de q u e , ao d a r - l h e e s t e seg
atingindo um nível de espirituaidade u n d o beijo, encontrei os lábios. Era o
plena. i n s t i n t o d a s sensações a g r a d á v e i s , m
70. (UFPR) Alguns dos maiores as
expoente da estética romântica honestas,queensinouaminhamul
em Portugal no século XIX hero
foram: s e g r e d o d o m á x i m o prazer d e um beijo.
a) Castro Alves, Almeida Garret e Alexandre E s t a v a o a l m o ç o na m e s a .
Herculano. O texto que você acabou de ler
b) Cesário Verde, Álvares de Azevedo pertence a uma novela de Camilo
e Castro Alves. Castelo Branco que é considerada
—144— como um bom exemplo da sátira
c) Eça d e Queirós, C a m i l o C a s t e l o B r a n camiliana. A leitura atenta do texto
co permitirá identificar o título da novela,
e Vitor H u go em uma das alternativas abai^
d) S t e n d h a l , A n t e r o d e Q u e n t a l e F a xo indicadas:
gund a) Coração, cabeça e estômago.
e s Varela.
b) O romance dum homem rico.
e) A l m e i d a Garret, A l e x a n d r e Herculano
e C a m i l o C a s t e l o B r a n c o. c) A mulher fatal.
71. (OBJETIVO-SP) Assinale a característica d) Amor de salvação.
não-aplicável à poesia e) A queda dum anjo.
romântica: 75. (PUC-RS) Marque a alternativa
a) o a r t i s t a g o z a de l i b e r d a d e na m e t r correta sobre a obra Amor de
i ficação Perdição, de Camilo Castelo
e na distribuição r í t m i c a. Branco:
b) o i m p o r t a n t e é o c u l t o da f o r m a , a a ) t r a t a - s e de u m a n a r r a t i v a c e n t r a
a r t e p e l a arte. da
c) a p o e s i a é p r i m o r d i a l m e n t e p e s s na opressão da l i b e r d a d e i n d i v i d u a l,
o a l, —145—
intimistaeamorosa. opressão e s t a p r o m o v i d a por u ma
d) e n f a t i z a - s e a auto-expressão, o subj sociedadeprovincianaligadaavel
e t i v i s m o , o i n d i v i d u a l i s m o. h o s p r e c o n c e i t o s.
e) a l i n g u a g em do p o e t a é a m e s m a do b) e s t a b e l e c e - s e , na n a r r a t i v a , o c o
p o v o : s i m p l e s , e s p o n t â n e a. n f l i to
72. (FUVEST) O autor de Lendas e entreomeiosocial,comaconseq
narrativas pertenceu ao movimento uentevitóriadoindivíduoatravés
romântico. da
a) Quem foi? realização de seus o b j e t i v o s.
b) Em que época se passam as Lendas c) n o t a - s e q u e o s e n t i m e n t o a m o r o s
o,a
e narrativas?
imaginação e a s e n s i b i l i d a d e são v a l
73. (FUVEST) Qual o autor considerado
o r e s q u e r e a l ç am a l i b e r d a d e i n d i v i
o mestre da novela passional
dual
portuguesa? Indique o século
e a b r e m , a e x p e c t a t i v a de manutenção
e o movimento literário em
dasnormassociaisinstituc
que se situa sua obra.
ionalizadas.
74. (UNESP)
d) p e r c e b e - s e q u e o s e n t i m e n t o do a
D e s d e q u e s a í m o s da i g r e j a até a
mor
e n t r a d a de casa, c a m i n h a m o s s e m p re
r o m â n t i c o e n t r a em relação d e equilíb
d e b a i x o de nuvens de f l o r e s . O e s t r o n
r io c o m a razão, p a r a m a n t e r a l i b e r d
do
a d e do i n d i v í d u o e o s e u c o n t a to
dos b a c a m a r t e s e r a atroador, e os
h a r m ô n i c o c o m o m e i o social p r o v i n c
s i n o s d a f r e g u e s i a r e p i c a r am d e s d
iano.
e q ue
e) o b s e r v a - s e a p o u c a i m p o r t â n c i a
s a í m o s do t e m p l o até ao a n o i t e c e r d e
atrib
s se
u í d a ao s e n t i m e n t o a m o r o s o , que é
d i a.
s u p e r a d o p e l a razão e q u i l i b r a d a de
M e i a hora d e p o i s que c h e g a m o s,
uma s o c i e d a d e p r o v i n c i a n a e estável.
e n t r e i no q u a r t o de m i n h a mulher, e enc
76. (FUVEST) Assinale a alternativa
que só contém características 79. (SANTA CASA-SP) Afrânio Coutinho
românticas: aponta as seguintes qualidades
a) f u s i o n i s m o - d u a l i s m o - s e n t i d o d que caracterizam o espírito
ile- romântico:
m á t i c o da v i d a - oposições, p a r a d o x I - Individualismo e subjetivismo
o s e a n t í t e s e - metaforização. II - Escapismo
b) s i m p l i c i d a d e - b u c o l i s m o - p a s t o III - Exagero
ra- E explica:
l i s m o - r e l a c i o n a l i s m o - " p o e s i a de A - Na sua busca de perfeição, o romântico
gramática". cria o mundo em que coloca
c) s e n t i m e n t a l i s m o - valorização d a n a t o que imagina de bom, bravo, belo,
ureza-religiosidade-egocentris amoroso, puro, um mundo de perfeição
mo e sonho.
- miscigenação d o s gêneros l i t e r á r B - O romantismo é o primado exuberante
i o s - metaforização. da emoção, imaginação, paixão,
d) f o r m a l i s m o - t e m a s g r e c o - l a t i n o intuição, libertade pessoal e interior.
se C - Nem fatos nem tradições despertam
p a t r i ó t i c o s - preferência p e l a s form o respeito do romântico. Pela liberdade,
asfixaseversosalexandrinos- revolta, fé e natureza, constrói
i m p a s s i b i l i d a d e - denotação - d e s c r i - o mundo novo à base do sonho.
tivismo. A melhor associação de qualidade
e) m u s i c a l i d a d e - s i n e s t e s i a - e explicações é:
sugestão a)l - B ; l l - C l l l - A .
- náo-separação de s u j e i t o e obj b)l - C ; l l - A I I I - B .
e t o - metaforização - fusão de c o n c c)l - A ; II - B I l l - C .
r e t o + a b s t r a t o. d)l - C ; l l - B I l l - A .
77. (FUVEST) Assinale o que não é e)l - B ; l l - A I l l - C .
correto sobre a poesia romântica: 80. (FUVEST)
a) de m o d o g e r a l , a m e n s a g e m f o c a l i a) Dentre as obras - Camões; Eurico,
zaa o Presbítero, Flores sem Frutos -
p e s s o a do e m i s s o r ("eu"), p r e d o m i n qual a iniciadora do movimento
a n d o a função e m o t i v a da l i n g u a g e m . romântico em Portugal?
b) a p o e s i a r o m â n t i c a m a r c a u m a r u b) Qual o seu autor?
ptur 81. (PUC-RJ) Das alternativas abaixo,
a c o m a p o é t i c a c l á s s i c a , q u a n do assinale aquela que não corresponde
a b a n d o n a os e s q u e m a s m é t r i c o s reg às características do
u l a r e s e d e p r e c i a o s o n e t o. Romantismo:
c) a p o e s i a r o m â n t i c a r e t o m a os t e m a) ocorre a superação das normas literárias
as construtoras e negação da concepção
doNeoclassicismo,apenasinova tradicional de poesia.
n do b) movimento que dá origem a políticas
a seleção v o c a b u l a r , q u e se t o r na conservadoras, bem como ao socialismo.
pessoal. c) o homem manipula e domina a natureza,
d) d e m a n e i r a g e r a l , a c e n t u a - s e na não mais a obedece.
poes d) desvaloriza a expressividade da alma,
iaromânticaoseucaráterintimist ocorrendo a primazia da obra
a, (objeto) sobre o indivíduo (criador).
u m a v e z q u e a p o e s i a é p e n s a d a como e) insere-se no momento histórico em
" v o z d o coração" o u expressão que o homem adquire a idéia de liberdade.
d e um p e n s a m e n t o d i v i n o. 82. (VUNESP)
e) d o s dois p r o c e d i m e n t o s básicos de Simão, meu esposo. Sei tudo... Está
operação c o m a l í n g u a , a m e t á f o r a e conosco a morte. Olha que te escrevo
a m e t o n i m i a , os r o m â n t i c o s t o m am sem lágrimas. A minha agonia começou
p a r t i d o da m e t á f o r a : do que decorre há sete meses. Deus é bom, que
a idealização de seus p o e m a s. me poupou ao crime. Ouvi a notícia da
78. (UNI-TAUBATÉ-SP) Das características tua próxima morte, e então compreendi
abaixo, assinale a que por que estou morrendo hora a hora.
não se refere ao Romantismo: Aqui está o nosso fim, Simão!... Olha as
—146— nossas esperanças! Quando tu me dizias
a) poesia encarada como expressão os teus sonhos de felicidade, e eu
dos estados da alma. —147—
b) valorização da natureza. mismo, morte, ruínas, mal-doséculo
c) estabelecimento de rígidas leis artísticas. - spleen, irracionalismo,
d) liberdade de expressão e forma. cemitérios, cadáveres e sentimentos
e) temática nacionalista. lúgubres:
a) João de Deus. literatura portuguesa?
b) Camilo Castelo Branco. 83. (VUNESP) A poesia deste autor
c) Soares de Passos. é representativa do ultra-romantismo
d) Castilho. português: pessi—
e) Álvares de Azevedo. 148—
84. (UFV-MG) Assinale a alternativa 85. (UFV-MG) Quanto à diferença de
falsa: conceitos da relação homem/
a) o Romantismo, como estilo, não é modelado mundo, expresso pela arte e
pela individualidade do autor; pela literatura, pode-se afirmar:
a forma predomina sempre sobre o I . No Barroco, essa relação se
conteúdo. mostra emocional; pode-se dizer
b) o Romantismo é um movimento de expressão dramática.
universal, inspirado por modelos II. No Romantismo, essa relação
medievais e unificado pela se mostra pessimista, procurando
prevalência de características comuns na natureza um lugar de
a todos os escritores da época. refúgio idealizado.
c) o Romantismo, como estilo de época, III. No Barroco, essa relação mostra-
constitui, basicamente, um fenômeno se equilibrada, liberta de forças
estético-literario, desenvolvido em contrárias.
oposição ao intelectualismo e à tradição IV. No Neoclassicismo e no Arcadismo,
racionalista e clássica do século essa relação se mostra
XVIII. orientada por critérios racionais
d) o Romantismo, ou melhor, o espírito e intelectuais.
romântico, pode ser sintetizado numa V. No Romantismo, essa relação
única qualidade: a imaginação. Podese se mostra mediada pela visão
creditar à imaginação a capacidade e interpretação científica da realidade.
extraordinária dos românticos de Assinale a opção correta:
criarem mundos imaginários. a) t o d a s as a l t e r n a t i v a s estão c o r r e t a
e) o Romantismo possui características s.
como o subjetivismo, o ilogismo, o b) a p e n a s as a l t e r n a t i v a s I, II e III estão
senso de mistério, o exagero, o culto corretas.
da natureza e o escapismo. c) a p e n a s as a l t e r n a t i v a s I, IV e V estão
te dizia os meus!... Por que não merecemos corretas.
nós o que tanta gente tem!... Assim d) a p e n a s as a l t e r n a t i v a s I , I I , e IV
acabaria tudo, Simão? Não posso estão
crê-lo! A eternidade apresenta-se-me corretas.
tenebrosa, porque a esperança era a e) a p e n a s as a l t e r n a t i v a s I I , III e IV
luz que me guiava de ti para a fé. Mas estão
não pode findar assim o nosso destino. corretas.
Vê se podes segurar o último fio da tua 86. (UFU-MG) O homem de todas as
vida a uma esperança qualquer. Vernos- épocas se preocupa com a natureza.
emos num outro mundo, Simão? Cada período a vê de
Terei eu merecido a Deus contemplarte? modo particular. No Romantismo,
Eu rezo, suplico, mas desfaleço na a natureza aparece como:
fé, quando me lembram as últimas agonias a ) um cenário c i e n t i f i c a m e n t e e s t u d a
do teu martírio. do
O texto acima transcrito pertence p e l o h o m e m ; a n a t u r e z a é mais imp
a uma carta que Teresa de Albuquerque o r t a n t e que o e l e m e n t o h u m a n o.
escreve a Simão Botelho, b) um c e n á r i o e s t á t i c o , i n d i f e r e n t e ;
numa novela considerada o melhor só o
exemplo da novelística romântica h o m e m s e p r o j e t a em b u s c a d e s ua
em Portugal. O texto é, portanto, característico realização.
do estilo romântico e c ) um c e n á r i o s e m i m p o r t â n c i a n e n h
evidencia elementos que permitem u ma;
identificar a novela a que pertence e é a p e n a s p a n o de f u n d o p a r a as
o nome do seu autor. emoções h u m a n a s .
Assim sendo, responda às seguintes d) c o n f i d e n t e d o poeta, que c o m p a r t i l
questões: ha
I. Qual o nome do autor e qual o seussentimentoscomapaisagem;
título da novela a que o texto pertence? a
II. Indique alguns segmentos (frases n a t u r e z a s e m o d i f i c a d e a c o r d o c om
ou palavras) que, no texto, o e s t a d o e m o c i o n a l do p o e t a.
são característicos da escola romântica. e) um c e n á r i o i d e a l i z a d o o n d e t o d o s
IIII Que outros romancistas e poetas são
românticos você conhece na f e l i z e s e os poetas são p a s t o r e s.
87. (UFPA) Os versos abaixo são de b) s o m e n t e IV está c o r r e t a.
Soares de Passos. c) I I , III e IV estão c o r r e t a s .
Vai a l t a a l u a ! na mansão da m o r te d) t o d a s estão c o r r e t a s.
J á m e i a - n o i t e c o m vagar s o o u . e) n.d.a.
Q u e paz t r a n q ü i l a ; dos v a i v é n s da 90. (USF-SP) Pode-se entender o
[ s o r te Naturalismo como uma particularização
Só t em d e s c a n s o q u e m ali b a i x o u. do Realismo que:
Que p a z t r a n q ü i l a ! . . . mas eis l o n g e, a) se v o l t a p a r a a N a t u r e z a a f im de a n
[ a o l o n ge al
Funéreacampacomfragorrangeu; i s a r - l h e s os p r o c e s s o s c í c l i c o s de
B r a n c o f a n t a s m a s e m e l h a n t e a um renovação.
[monge, b)pretendeexpressarcomnatural
D e n t r e os s e p u l c r o s a c a b e ça i d a de
[ergueu. a v i d a s i m p l e s d o s h o m e n s rústicos
Caracterizam o ultra-romantismo nas c o m u n i d a d e s p r i m i t i v a s.
devido: c) defende a arte p e l a a r t e , isto é, d e s v i n c
a) à introspecção s u b j e t i v a. u l a d a de compromissos c o m a realidade
b) à predestinação para a g r a n d e z a. social.
c) à b e l e z a e s t é t i c a. d) a n a l i s a as perversões s e x u a i s , c o n d
—149— e nando-
d) ao g o s t o p e l o f ú n e b r e e ao t o m m e l as em n o m e d a moral religiosa.
od e) estabelece um nó de c a u s a e efeito
ramático. entre alguns f a t o r e s sociológicos e biológicos
e) à relação e n t r e D e u s e o h o m e m . e a c o n d u t a dos personagens.
88. (FUVEST) Ao criticar O Primo Basílio, 91. (FEI-SP) Uma literatura se preocupa
Machado de Assis afirmou: com os aspectos sociológicos
"(...) a Luísa é um caráter negativo, da obra e faz um romance de
e no meio da ação ideada pelo tese documental, e outra se preocupa
autor, é antes um títere que uma com os aspectos patológicos
pessoa moral". da obra e faz um romance
Títere é um boneco mecânico, de tese experimental. Aponte
acionado por cordéis controlados respectivamente, o nome dessas
por um manipulador. Nesse sentido, estéticas (escolas literárias).
as personagens que, principalmente, — 150 —
manipulam Luísa, determinando- 92. (FUVEST) A minha ambição seria
Ihe o modo de agir, são: pintar a sociedade portuguesa, e
a) B a s í l i o e J u l i a n a . mostrar-lhe, como num espelho, que
\b) J o r g e e J u s t i n a. triste país eles formam - eles e elas.
c) J o r g e , C o n s e l h e i r o A c a c i o e J u l i É o meu fim nas Cenas portuguesas,
a n a. (trecho da carta de Eça de
d) B a s í l i o , C o n s e l h e i r o A c á c i o e L e Queirós a Teófilo Braga, com
opold data de 12/3/1878). Quais os romances
ina. que foram as Cenas
e) J o r g e e L e o p o l d i n a. Portuguesas? Que aspectos e
89. (UFOP-MG) Observe as afirmações camadas da sociedade eles analisam,
abaixo e assinale as alternativas respectivamente?
corretas: 93. (ENC-SP) O crime do padre Amaro
I. O Realismo teve sua origem na pertence à fase dita realista
França e foi apenas uma renovação de seu autor, Eça de Queirós. É
no campo literário. reconhecido, também, como um
II. O escritor realista deve estudar romance de tese - tipo de narrativa
o interior dos indivíduos, interrogá- em que se demonstra uma
los, analisar o meio e depois idéia em geral com intenção crítica
trascrever suas observações e reformadora. Tendo em
procurando ser, rigorosamente, vista essas determinações gerais,
impessoal. é correto afirmar que, nesse
III. Para o escritor realista o que importa romance:
é o que está fora de nós, o a) o foco expressivo se concentra na
objeto captado pelos sentidos. interioridade subjetiva das personagens,
IV. O Realismo é uma obra de ataque que se dão a conhecer por
à mentalidade burguesa, à ordem suas idéias e sentidos e não por suas
social, clerical e monárquica. falas ou ações.
A seqüência que contém somente b) as personagens se afastam de caracterizações
afirmativas corretas é: típicas, tornando-se
a) I e II estão c o r r e t a s . psicologicamente mais complexas e
individualizadas. [nascentes,
c) o interesse pelas relações entre o E fere a vista, com brancuras
homem e o meio amplia o espaço e [quentes,
as funções das descrições, tornadas A larga rua macadamizada.
mais minuciosas e significativas. Rez-de-chaussée repousam
d) a personagem Padre Amaro incorpora [sossegados,
a tese da herança psicossomática. Abriram-se, nalguns, as persianas,
e) a beatitude do Padre Amaro levou E dum ou doutro, em quartos
Amélia até as últimas conseqüências [estucados,
94. (ENC-SP) Ou entre a rama dos papéis
Tormento do ideal [pintados,
Conheci a Beleza que não morre Reluzem, num almoço, as porcelanas.
E fiquei triste. Como quem da serra Como é saudável ter o seu
Mais alta que haja, olhando aos pés [conchego,
[a terra E sua vida fácil! Eu descia,
E o mar, vê tudo, a maior nau ou Sem muita pressa, para o meu
[torre, [emprego,
Minguar, fundir-se, sob a luz que Aonde agora quase sempre chego
[jorre: Com as tonturas duma apoplexia.
Assim eu vi o Mundo e o que êle (...)
[encerra A leitura dessas estrofes de
Perder a côr, bem como a nuvem Cesário Verde permite a seguinte
[que erra análise:
Ao pôr do Sol e sobre o mar a) a postura aí assumida é eminentemente
[discorre.\ expressionista, na medida em
Pedindo a forma, em vão, a idéia que esse poeta deforma o real, seguindo
[pura, os pressupostos do ideário
Tropeço em sombras na matéria naturalista.
[dura, b) a subjetividade do "eu lírico" é permeada
E encontro a imperfeição de por profunda emoção - um
[quanto existe. resquício da estética romântica que
Recebi o batismo dos poetas, entra em contradição com o ideário
E, assentado entre as formas realista que o poeta abraçou.
[incompletas, c) na abordagem do real, o "eu lírico"
Para sempre fiquei pálido e triste. comporta-se como um observador
Esse soneto é de Antero de frio e impessoal das pessoas e das
Quental. As afirmações abaixo refere- coisas, conforme determinavam os
se ao verso "Recebi o batismo postulados do Realismo.
dos poetas" que exprime: d) a subjetividade desse poeta emana
— 151 diretamente da observação do real,
I. Evidente postura religiosa assumida que lhe ativa as sensações, levando-
por Antero de Quental, o a promover juízos de valor.
que lhe permite ver a Beleza e) a objetividade desse poeta é fotográfica,
como se fosse uma autêntica por isso mesmo altamente comprometida
alegria de Deus. com o ideário positivista em
II. A convicção de que o poeta é voga no tempo.
fadado a contemplar a Beleza, o —152—
que tem como conseqüência a 96. (UFMT) Sobre a nudez forte da
sensação de imperfeição do verdade - o manto diáfano da
mundo e o sentimento de melancolia. fantasia, epígrafe do romance
III. A idéia de que a contemplação A relíquia, de Eça de Queirós,
da Beleza depende exclusivamente explicita uma crítica:
de sua vontade e de sua a) à h i p o c r i s i a r e l i g i o s a e ao f a l s e a
razão, conforme ditavam os princípios ment
do realismo oitocentista. o d o s p r i n c í p i o s do C r i s t i a n i s m o ,
É correto o que se afirma em: perc
a) III, apenas. d) I e II, apenas. e b i d o s por T e o d o r i c o R a p o s o n a p e
b) II, apenas. e) II e III, apenas. regrinação
c) l,IIelll. q u e e m p r e e n d e a t é a Terr
95. (ENC-SP) a Santa.
Num bairro moderno b) à h i p o c r i s i a religiosa, c o m a menção
Dez horas da manhã; os da v e n d a de r e l í q u i a s , s o b r e t u d o a
[transparentes c o r o a de espinho de Cristo, q u e Teod
Matizam uma casa apalaçada; oricoRaposoencontranaTerraSa
Pelos jardins estancam-se os nt
a e c o m q u e p r e s e n t e i a s u a tia beata. a c o m o d a m e n t e d e i t a d a na c h a i se
c)aospreconceitosreligiosos,atr longue*,lendotranqüilamenteojo
a v és r n a l.
d o s p r e s s u p o s t o s do N a t u r a l i s m o, (...) J o r g e não e n c o n t r o u Luísa na sala
e x p o s t o s pelo s á b i o Topsius à person de jantar, foi dar c o m e l a no q u a r t o d os
a g e m p r i n c i p a l , Teodorico Raposo. e n g o m a d o s , d e s p e n t e a d a , em
d ) a o s p r i n c i p i o s e s t é t i c o s do R o m a roupão
nt de manhã, p a s s a n d o r o u p a , m u i t o a p l i
i s m o q u e , ao v a l o r i z a r em a i d é i a de c
f u g a da r e a l i d a d e , l e v a v am o h o m em a d a e m u i t o d e s c o n s o l a d a.
às alienação. — T u estás a engomar? - exclamou.
e) à h i p o c r i s i a r e l i g i o s a , p r e s e n t e (...) A s u a v o z e r a tão á s p e r a , q ue
na Luísafez-sepálida,emurmurou:
sociedadeoitocentistaportugues —153—
a, — Que q u e r e s tu d i z e r?
por m e i o d a incursão p e l o m u n d o d os — Q u e r o dizer q u e t e v e n h o e n c
sonhos,quesimbolicamenteacon o n t r a r a ti a engomar, e q u e a e n c o n t
t e ce r e i a e l a e m b a i x o muito r e p i m p a d a na
d u r a n t e a peregrinação do Teodor t u a c a d e i r a , a ler o j o r n a l.
i co R a p o s o p e l a T e r r a Santa. * c h a l s e - l o n g u e : c a d e i r a de e n c o s t
97. (UFPA) Com referência ao romance o reclinável e c o m lugar p a r a e s t e n d er
O crime do padre Amaro, as p e r n a s.
de Eça de Queirós, a única afirmação a) no trecho citado são mencionadas
INCORRETA é: três personagens: Jorge, Juliana
a) i n f u e n c i a d o p e l a s t e o r i a s do N a t e Luísa. Que relação há entre
ural elas?
ismo,oautorprocurademonstrarq b) considerando o trecho citado acima
ue e a resposta dada ao item a,
o meio s o c i a l e a educação r e l i g i o sa explique por que Jorge considera
é q u e d e t e r m i n am o c o m p o r t a m e n to inadequado o comportamento
do i n d i v í d u o. das duas mulheres.
b) i n f l u e n c i a d o pelas t e o r i a s do N a t u c) analise a trajetória de Luísa e Juliana
ral no romance, de modo a explicar
i s m o , Eça p r o c u r a d e m o n s t r a r que a situação em que se encontram
os a n t e c e d e n t e s de raça e as t a r as no trecho citado.
s e x u a i s é q u e d e t e r m i n am o c o m p o r 99. (FUVEST) Cite um folheto a favor
t dos jovens realistas e um a favor
a m e n t o de A m a r o e A m é l i a. dos românticos, e seus autores,
c ) a d o t a n d o os p r e s s u p o s t o s da e s t durante a famosa Questão
é t i ca Coimbrã.
realista, o autor c r i t i ca os efeitos 100. (UFPE) Cite uma característica
n o c i v o s da a r t e r o m â n t i c a s o b r e o da fase realista de Eça de
c a r á t e r de A m é l i a. Queirós.
d) t e n d o por b a s e u m a consciência crít 101. (UFPE) Cite um romance e uma
ica,tipicamenterealista,oescrit característica da fase pós-realista
or de Eça de Queirós.
d e f e n d e a i d é i a de que a moral c a t ó l 102. (UFPE) Qual o primeiro romance
i c a , f u n d a d a s o m e n t e em d o g m a s, realista da literatura universal?
opõe-se em t u d o à m o r a l n a t u r a l. E seu autor?
e) t e n d o por base uma orientação t i p i c 103. (UFPE) Qual o primeiro romance
a m e n t e realista, o escritor c r i t i c a o realista português? E seu
d o m í n i o q u e os p a d r e s , por meio de autor?
s a c r a m e n t o s c o m o a confissão, 104. (UFPE) "É nos Sonetos que encontramos
e x e r c em s o b r e os fiéis. o melhor conjunto
98. (UNIVERSITÁRIO-SP) Leia atentamente da obra poética amadurecida
o seguinte trecho, extraído de O poeta
de O Primo Basílio, de via na série completa dos
Eça de Queirós: sonetos, muitos deles desentranhados
N e s s a s e m a n a , u m a manhã, J o r ge de outras coleções
que não se r e c o r d a v a que era d i a de já publicadas, uma série de
gala,encontroufechadaevoltou marcos da sua própria autobiografia
para espiritual."
c a s a ao m e i o - d i a (...) c h e g a n d o d e s p O texto refere-se a:
ercebidoaoquarto,surpreendeuJ a) R a m a l h o Ortigão.
ulian b) C e s á r i o Verde.
c ) A n t e r o de Q u e n t a l. i a ; e s p i r i t u a l i d a d e ; a n t í t e s e.
d) E ç a de Q u e i r ó s. e) t e m á t i c a b u c ó l i c a ; o c u l t i s m o ; v a
e) A l m e i d a Garrett. l o r i zação
105. (FCCHAGAS-BA) Assinale a alternativa dastonalidadesverdes;mat
onde estão indicados e r i a l i s m o ; s i n e s t e s i a.
os textos que analisam 108. (MACK-SP) Nomear um o b j e t o é
corretamente alguns aspectos suprimir três q u a r t o s d o p o e m a , q ue
do romance realista. é f e i t o da f e l i c i d a d e em a d v i n h ar
I. As personagens independem p o u c o a p o u c o ; s u g e r i - l o , eis o son
do julgamento do narrador, reagindo h o ... d e v e haver e n i g m a em poes
cada uma de acordo com i a , e é o o b j e t i v o da L i t e r a t u r a - e
sua própria vontade e temperamento. não há o u t r o - evocar os objetos.
II. A linguagem é poeticamente O trecho acima resume parte da
elaborada nos diálogos, mas ideologia de importante movimento
procura alcançar um tom coloquial, literário. Assinale a alternativa em
com traços de oralidade, que se encontra o nome do mesmo.
nas partes narrativas e descritivas. a) Simbolismo.
—154— b) Romantismo.
III. Observa-se o predomínio da razão c ) B a r r o c o.
e da observação sobre o d) P a r n a s i a n i s m o.
sentimento e a imaginação. e) M o d e r n i s m o.
a) I,II,III. c) II e III. e) II. 109. (PUC-RS)
b ) l e l l . d) l e III. Noiva de Satanás, Arte m a l d i t a,
106. (UnB-DF) A chamada época do M a g o F r u t o letal e p r o i b i d o,
Realismo caracterizou-se, na S o n â m b u l o d o a l é m , d o I n d e f i n i do
literatura portuguesa: Das p r o f u n d a s paixões, Dor I n f i n i t a.
a) p e l o culto d a l i t e r a t u ra de c a r á t e r n A linguagem do poema situa-o no:
ac a) Romantismo.
i o n a l i s t a e i n d i v i d u a l i s t a. b) Parnasinismo.
b) p e l o culto de uma literatura e m p e n h a da c ) I m p r e s s i o n i s m o.
n u m a revolução política, s o c i a l , m o ral d) S i m b o l i s m o.
e mental que s u p e r a s s e a d e c a dência e) M o d e r n i s m o.
em q u e s e p r e c i p i t a ra P o r t u g a l . — 155 -
c ) p e l o g o s t o da l i t e r a t u r a i n s p i r a d 110. (ENC-SP)
a no Caminho
p i t o r e s c o da p a i s a g em e dos p o r t u g Tenho s o n h o s c r u é i s ; n'aima d o e n te
ueses. S i n t o um v a g o r e c e i o p r e m a t u r o.
d) p e l o c u l t o d e u m a l i t e r a t u r a e m p e Vou a mêdo na a r e s t a do f u t u r o ,
n h a da E m b e b i d o e m s a u d a d e s do
na d e f e s a dos i d e a i s q u e f i z e r am [presente...
a revolução de 1820. S a u d a d e s d e s t a dor que em vão
e) p e l o c u l t o de u m a l i t e r a t u r a q u e i d [ p r o c u ro
eal Do p e i t o a f u g e n t a r b e m r u d e m e n t e,
i z a s s e a s o c i e d a d e p o r t u g u e s a , ent D e v e n d o , ao d e s m a i a r s o b r e o
regueaprofundareligiosidadee [poente,
nac C o b r i r - m e o coração d u m v é u
ionalismo. [escuro!...
107. (UEL-PR) Assinale a alternativa P o r q u e a dor, e s t a f a l t a d ' h a r m o n i a ,
que contém apenas características T o d a a l u z d e s g r e n h a d a que a l u m ia
da estética simbolista. As a l m a s d o i d a m e n t e , o c éu
a) t e m á t i c a s o c i a l ; h e r m e t i s m o ; v a [d'agora,
l o r i z a ção S e m e l a , o coração é q u a s e n a d a :
dostonsfortes;materialismo;ant Um sol o n d e e x p i r a s s e a
ítese. [madrugada,
b) t e m á t i c a i n t i m i s t a ; o c u l t i s m o ; v P o r q u e é só m a d r u g a d a q u a n do
a l o r i z a ção [chora.
dos tons fortes; e s p i r i t u a l i d a d e; (...)
sinestesia. Camilo Pessanha, no contexto
c)temáticaintimista;hermetism geral de sua obra, trata do sentimento
o ; v a l o rização de dor. Com base nisso, considere
do b r a n c o e da transparênc as seguintes afirmações a respeito
i a ; e s p i r i t u a l i d a d e ; s i n e s t e s i a. do soneto acima:
d) t e m á t i c a b u c ó l i c a ; h e r m e t i s m o ; I. O sentimento de dor, metaforizado
valorização pelo sol, é rejeitado pelo
do b r a n c o e da transparênc poeta porque lhe provoca sonos
cruéis. Assinale a alternativa correta
II. O sentimento de dor, metaforizado sobre o texto acima:
pela madrugada, ainda enquanto a) p a r a as f o l h a s há c o r e s mais a t u a is
sofrimento, é essencial e o u t r a s mais a n t i q u a d a s.
ao coração humano. b) não c h e g a r e m o s v i v o s até a p r i m a v
III. A dor, metaforizada pelo sol, é era.
rejeitada pelo poeta porque falta c) c a d a verão, m a r c a n d o o i n í c io d o a n
a ela um pouco de harmonia. o,
IV. O poeta experimenta um sentimento m a r c a t a m b é m a e s p e r a n ç a de u ma
ambivalente em relação n o v a vida p a r a nós.
à dor. d) não há c o m o impedir o fatal c i c l o s o lar
Interpreta corretamente o soneto d a s estações.
o que se afirma apenas em: e) só a vivência de c a d a m o m e n t o p r e s
a) l. c) l e lV. e) l Ie IV. e n t e m e r e c e l e m b r a n ç a f u t u r a.
b) II. d) lIe III. 114. (ENC-SP)
111. (CESESP) "O Não a t i , Cristo, o d e i o ou te não
está para o Parnasianismo, assim [quero.
como a Em t i c o m o nos o u t r o s c r e io
está para Simbolismo." [ d e u s e s mais v e l h o s.
A alternativa que não preenche Só t e t e n h o por não mais e n em
as lacunas é: [menos
a) verso de ouro - dimensão mística. Do q u e eles, mas m a i s n o vo
b) artesanato da palavra - liturgia. [apenas.
c) culto da forma - musicalidade. O d e i o - o s s i m , e a e s s e s c o m c a l ma
d) lirismo exacerbado - realidade chã. [aborreço,
e) perfeccionismo métrico - flexibilidade. Que t e q u e r e m a c i m a dos o u t r os
112. (ENC-SP) [ t e u s iguais deuses.
Procuro despir-me do que aprendi, Q u e r o - t e o n d e t u ' s t á s , n e m m a is
Procuro esquecer-me do modo de [ a l to
[lembrar que me ensinaram, N e m mais b a i x o q u e e l e s , tu
E raspar a tinta com que me [apenas.
[pintaram os sentidos, Deus t r i s t e , p r e c i s o t a l v e z por q ue
Desencaixotar as minhas emoções [ n e n h u m h a v ia
[verdadeiras, C o m o t u , um a m a i s no Panteão e
—156— [ n o culto,
D e s e m b r u l h a r - m e e ser eu, não ... Nada m a i s , n e m mais a l to n e m mais
Mas um animal h u m a n o q u e a [ p u ro
[ n a t u r e z a p r o d u z i u. P o r q u e p a r a t u d o h a v i a d e u s e s,
No trecho acima, de auto-explicação [ m e n o s t u.
de um poeta cuja marca é o C u r a t u , i d ó l a t r a e x c l u s i v o de
desejo de libertação da carga civilizatória, [ C r i s t o , que a v i da
procurando conscientemente É m ú l t i p l a e t o d o s os dias são
a espontaneidade através do [ d i f e r e n t e s dos o u t r o s,
contato direto com a natureza (forma E só s e n d o m ú l t i p l o s c o m o eles
de "redescobrir o mundo"), deixamos ' S t a r e m o s c o m v e r d a d e e sós.
um lacuna no verso 5. Essa postura de Ricardo Reis
Ela deve ser preenchida por: frente à imagem de Cristo sugere
a) F e r n a n d o Pessoa. que o poeta:
b) R i c a r d o Reis. a) a c e i t a C r i s t o c o m o um d e u s a m a i
c ) A l b e r t o Caeiro. s,
d) Á l v a r o de Campos. p o r q u e , a p e s a r de pagão, c o n s i d e -
e) M á r i o de S á - C a r n e i r o. r a - o u m a d i v i n d a d e s u p e r i o r às da
113. (ENC-SP) a n t i g ü i d a d e g r e c o - l a t i n a.
Q u a n d o , Lídia, vier o n o s s o o u t o no b ) a c e i t a C r i s t o a p e n a s c o m o um d e
C o m o i n v e r n o q u e há nele, us
[reservarmos a m a i s , em n o m e d e u m a visão m ú l t
Um p e n s a m e n t o , não p a r a a f u t u ra i p l a da r e a l i d a d e , p r ó p r i a da m e n t
P r i m a v e r a , q u e é de o u t r e m , a l i d a d e pagã.
N e m p a r a o e s t i l o , d e q u e m s o m os c) r e j e i t a o C r i s t i a n i s m o , p o r q u e a b
[mortos, raç
Senão p a r a o q u e f i c a do q ue aosideaisdoPaganismo,quesup
[passa, u n h a m a negação da existência de
O a m a r e l o atual q u e as f o l h as u m a d i v i n d a d e t r i s t e.
[ v i v em d ) d i v i d e - s e e n t r e os p r i n c í p i o s p a
E as t o r n a d i f e r e n t e. gãos
(Ricardo Reis)
s e n s u a l i s t a s e os p r i n c í p i os 20. e c) Mariana serve de apoio a Simão nas
cristãos e s p i r i t u a l i s t a s , c r i a n d o c om adversidades
i s s o u m a tensão em s u a p o e s i a. 21. a que ele enfrenta. Além disso, Mariana é o elo de
e) se s e n t e i m p e l i d o a a c e i t a r os p r i n liga22.
a ção entre Teresa e Simão.
c 23. c 67. c
í p i o s cristãos, a i n d a q u e i s t o lhe 24. d 68. c
c u s t e a r e n ú n c i a a o s v a l o r e s do 25.0 69.0
paganismo. 26. e 70. e
115. (ENC-SP) 27. a 71.b
Frêmito de m e u c o r p o a p r o c u r a r - t e , 28. e 72. a) Alexandre Herculano.
Febre d a s m i n h a s mãos n a t u a p e le 29. b b) Fim da Idade Média.
Q u e c h e i r a a âmbar, a b a u n i l h a e a 30. d 73. Camilo Castelo Branco. Sua obra situa-se no
século
[mel, 31.a XIX e pertence ao Romantismo.
D o i d o a n s e i o dos m e u s b r a ç o s a 32. b 74. d
[abraçar-te, 33. c 75. a
O l h o s b u s c a n d o o s t e u s por t o d as 34.0 76. c
[ a parte, 35. c 77. c
Sede de b e i j o s , a m a r g o s de f e l, 36. e 78. c
E s t o n t e a n t e f o m e , á s p e r a e c r u e l, 37. e 79.6
Que n a d a e x i s t e q u e a m i t i g u e e a 38. e 80. a) Camões.
[farte! 39. c b) Almeida Garret.
40. c 81.d
Considere as afirmações a 41.e 82. I. Camilo Castelo Branco -Amar de Perdição.
respeito das quadras de Florbela 42. b II. "Está conosco a morte."
Espanca: 43. e "Olha que te escrevo sem lágrimas"
I. O recorrente apelo sensual na 44. g , h ,i "Deus é bom (...)."
poesia de Florbela Espanca indicia 45. f "Eu rezo, suplico, mas desfaleço na fé (...)."
seu flagrante modernismo, 46. b III. Almeida Garret, Soares de Passos, Alexandre
pelo fato de desafiar as Her47.
convenções morais da sociedade V, V, F, F culano, Antônio Castilho, João de Lemos.
da época. 48. b 83. c
49. d 84. a
II. O principal traço da modernidade 50. e 85. d
em Florbela Espanca mostra- 51. b 86. d
se na audaciosa ruptura das — 158 —
convenções literárias, o que se
verifica na revolução sintática e
na reinvenção da metáfora.
Respostas
III. A confissão amorosa de Florbela — 159 —
Espanca, bastante explícita, 87. d
88. a
lembra o erotismo das cantigas 89. b
de amigo, pelo fato de a mulher 90. e
expor abertamente os sentimentos 91. Realismo e Naturalismo.
ao amante. 92. O Crime do Padre Amaro, O Primo Basilio, Os
Está correto o que se afirma em: Maias.
a) II e III, a p e n a s . d) I e II, a p e n a s . Analisam a pequena e média burguesia de Lisboa,
b) III, a p e n a s . e) I e III, a p e n a s . bem como as influências do clero.
c ) I, II e III. 93. d
—157— 94. b
1.b 52. b 95. a
2. a 53a 96. e
3. a 54. b 97. b
4. d 55. b 98. a) Jorge e Luísa formam um típico casal burguês.
5.b 56.V,V,V,V,V, V,V Juliana é a serviçal.
6.C 57. b b) Porque há inversão de papéis sociais: é a dama
7.b 58. e quem passa a servir a doméstica, e esta goza dos
8.C 59. a privilégios de senhora.
9.e 60. e c) Luísa, na ausência de Jorge, comete adultério com
10.1,2,1,1,2,1 61. e seu primo, Basílio. Juliana, ressentida pela sua
11.c 62. c condição
12.2,3,6,5,1,4 63. c social inferior, inicia uma onda de chantagens ao
13. a 64. d descobrir uma carta que poderia denunciar os amantes.
14. e 65.1.a; ll.e Sem mais meios financeiros para atender às
15. c 66. a) Mariana alimenta um amor resignado e chantagens
subserviente de Juliana, Luísa se submete aos afazeres domésticos
16. e a Simão. E Simão dedica à Mariana apenas um no lugar da serviçal.
sen17. 99. Teocracias Literárias, de Teófilo Braga, a favor dos
b timento de gratidão. realistas. Camilo Castelo Branco é autor de Vaidades
18.0 b) Os papéis são as cartas trocadas entre Simão e irritadas e irritantes, defendendo os românticos.
19- g Teresa. 100. Retrata a sociedade portuguesa oitocentista.
101. A Cidade e as Serras-em defesa da vida no sofrendo transformações e passando
campo, a trabalhar com temas e "formas" que
em contato com a natureza. melhor expressam os sentimentos e a
102. Madame Bovary, de Gustave Flaubert. realidade brasileiros.
103. O Crime do Padre Amaro, de Eça de Queirós.
104.C Outro problema encontrado foi afirmar
105.b com exatidão o início e o término de
106.b um período literário. Na verdade, esta
107. c tarefa é impossível, já que as transformações
108. a estéticas ocorrem de forma lenta
109.d e gradual, porém, pode-se estabelecer
110.e critérios para separar as escolas literárias.
111.C
112.C Procurei seguir um método comumente
113.C utilizado pelos estudiosos da área:
114.b a publicação de obras decisivas para a
115.d configuração dos movimentos. Evidentemente,
as transformações históricas

LITERATURA e sociais refletem-se no campo das artes;


por isso não dispensarei uma contextualização
de cada período literário,
BRASILEIRA enfatizando as mudanças na sociedade
brasileira no decorrer dos tempos.
Introdução T. O. L.
— 161 —
Este livro tem por intenção traçar
um panorama de nossa literatura, delineando
o caminho percorrido por esta
Quinhentismo
A história da literatura brasileira tem
na busca de sua identidade, enfatizando
início em 1500, com a Carta de Pero Vaz de
seus principais autores e comentando
Caminha, escrivão da frota de Pedro Álvares
aspectos relevantes de algumas das
Cabral, enviada a D. Manuel I, comunicando
obras que compõem o sistema literário
a descoberta das terras brasileiras.
brasileiro.
Este período inicial de nossa literatura
Destina-se, sobretudo, a estudantes
é conhecido por Quinhentismo, porém
de Ensino Médio, professores e aos
tal denominação refere-se à cronologia
que iniciam seus estudos relacionados
(século XVI), não possuindo uma cono-'
à literatura brasileira.
tação estética. Pode ser utilizada também
Obviamente, ele não esgota o assunto,
para o Classicismo, período literário marcado
devido à amplitude e complexidade
por uma mentalidade renascentista e
do mesmo, mas pode ser considerado
cultivado na época em Portugal. No entanto,
um ponto de partida para reflexões
como nosso estudo centra-se na literatura
posteriores.
brasileira, utilizaremos esse termo
Ao iniciar o trabalho, deparei-me com
para denominar o primeiro período histórico
uma dificuldade: a impossibilidade de delimitar
da mesma. Faz-se necessário, entretanto,
com precisão o início de uma literatura
ressaltar que este período constituise
efetivamente brasileira, pois o conceito
mais como uma literatura sobre o Brasil,
de "começo" nela é muito relativo,
produzida no Brasil, do que uma literatura
como bem ressaltou Antônio Cândido em
efetivamente de autoria brasileira.
sua Iniciação à Literatura Brasileira.
Nesta época, Portugal desenvolvia
As literaturas que a preconizaram
a crônica histórica e informativa, devido
(portuguesa, francesa) foram se constituindo
às grandes navegações, conquistas e
concomitantemente com a formação
descobertas ultramarinas. Predominam
dos respectivos idiomas. De
o desejo de expansão do cristianismo e
modo diverso, porém, no caso brasileiro
o anseio de conquista e domínio.
temos uma transposição da Lingua Portuguesa,
Podemos dividiras obras deste período
já constituída, para um outro
entre as que se enquadram na literatura
ambiente. Além da língua, vieram com
informativa, da qual fazem parte os
os portugueses as leis, costumes e valores
textos sobre o Brasil, transmitindo ao europeu
de sua sociedade, marcados pela
informações da terra e da gente que
forte influência do cristianismo.
aqui vivia, e as que integram a literatura
Considerei, entretanto, o nosso
jesuítica, reunindo os escritos dos jesuítas
Quinhentismo como marco inicial da Literatura
envolvidos com a catequese.
Brasileira, ainda que esta se
realize nos moldes portugueses sob a
influência do Classicismo e, sobretudo,
Literatura
de Camões.
Aos poucos nossa literatura vai
Informativa
Os primeiros textos em terras brasileiras
de que se tem notícia são "informações" A feição deles é serem pardos, ma
de viajantes e missionários europeus, neira de avermelhados, de bons nari
descrevendo a natureza e os zes, bem-feitos. Andam nus, sem nenhuma
primeiros habitantes de nossa terra: os cobertura. Nem estimam de cobrir
índios. ou de mostrar suas vergonhas; e
Estes escritos não podem ser classificados nisso têm tanta inocência como em mostrar
como textos literários, pois são o rosto. Ambos traziam os beiços de
crônicas históricas, refletindo a visão de baixo furados e metidos neles seus ossos
mundo e a linguagem dos colonizadores. brancos e verdadeiros, de comprimento
Dentre os textos de origem portuguesa duma mão travessa, da grossura
escritos nesta época destacamse: dum fuso de algodão, agudos na ponta
a Carta de Pero Vaz de Caminha a elrei como furador. Metem-nos pela parte de
D. Manuel; o Diário de Navegação de dentro do beiço; e a parte que lhes fica
Pero Lopes e Sousa, escrivão de Martim entre o beiço e os dentes é feita como
Afonso de Sousa; o Tratado da Terra do roque de xadrez, ali encaixado de tal
Brasil e a História da Província de Santa sorte que não os molesta, nem os estorva
Cruz a que Vulgarmente Chamamos Brasil no falar, no comer ou no beber.
de Pero Magalhães Gândavo; a Narrativa (...)
Epistolar e os Tratados da Terra e Esta terra, Senhor, me parece que
da Gente do Brasil do jesuíta Fernão Cardim; da ponta que mais contra o sul vimos
o Tratado Descritivo do Brasil de até outra ponta que contra o norte vem,
Gabriel Soares de Souza; os Diálogos de que nós deste porto houvemos vista,
das Grandezas do Brasil de Ambrósio será tamanha que haverá nela bem vinte
Fernandes Brandão; as Cartas dos Missionários ou vinte e cinco léguas por costa.
Jesuítas escritas nos dois primeiros Tem, ao longo do mar, nalgumas partes,
séculos de catequese; o Diálogo grandes barreiras, delas vermelhas,
sobre a Conversão dos Gentios de Pe. delas brancas; e a terra por cima toda
Manuel da Nóbrega e a História do Brasil chã e muito cheia de grandes arvoredos.
de Frei Vicente de Salvador. De ponta a ponta, é toda praia
Fragmentos da Carta de parma5, muito chã6 e muito formosa.
Pelo sertão nos pareceu, vista do
Pero Vaz de Caminha mar, muito grande, porque, a estender
Então lançamos fora os batéis e olhos, não podíamos ver senão terra
esquifes1; e vieram logo todos os capitães com arvoredos, que nos parecia muito
das naus a esta nau do Capitãomor, longa.
onde falaram entre si. E o Capitãomor Nela, até agora, não pudemos saber
mandou em terra no batel a Nicolau que haja ouro, nem prata, nem coisa alguma
Coelho para ver aquele rio. E tanto que de metal ou ferro; nem lho vimos. Porém
ele começou de ir para lá, acudiram pela a terra em si é de muito bons ares,
praia homens, quando aos dois, quando — 162 —
aos três, de maneira que, ao chegar o — 163 -
batel à boca do rio, já ali havia dezoito assim frios e temperados, como os de
ou vinte homens. Entre Douro e Minho, porque neste tempo
Eram pardos, todos nus, sem coisa de agora os achávamos como os de iá.
alguma que lhes cobrisse suas vergonhas Águas são muitas; infindas. E em
2. Nas mãos traziam arcos com
tal maneira é graciosa que, querendo-a
suas setas. Vinham todos rijos sobre o aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem
batel; e Nicolau Coelho lhes fez sinal das águas que tem.
que pousassem os arcos. E eles os pousaram. Porém o melhor fruto, que nela se
Ali não pôde deles haver fala, nem pode fazer, me parece que será salvar esta
entendimento de proveito, por o mar quebrar gente. E esta deve ser a principal semente
na costa. Somente deu-lhes um que Vossa Alteza em ela deve lançar.
barrete vermelho e uma carapuça3 de E que aí não houvesse mais que ter
linho que levava na cabeça e um sombreiro aqui esta pousada para esta navegação
preto. Um deles deu-lhe um sombreiro \ de Calecute, bastaria. Quando mais disposição
de penas de ave, compridas, com para se nela cumprir e fazer o
uma copazinha pequena de penas vermelhas que Vossa Alteza tanto deseja, a saber,
e pardas como de papagaio; e acrescentamento da nossa santa fé.
outro deu-lhe um ramal grande de continhas E nesta maneira, Senhor, dou aqui a
brancas, miúdas, que querem parecer Vossa Alteza do que nesta vossa terra
de aljaveira4, as quais peças creio vi. E, se algum pouco me alonguei, Ela me
que o Capitão manda a Vossa Alteza, e perdoe, que o desejo que tinha, de vos
com isto se volveu às naus por ser tarde tudo dizer, mo fez assim pôr pelo miúdo.
e não poder haver deles mais fala, E pois que, Senhor, é certo que, assim
por causa do mar. neste cargo que levo, como em outra
(...)
qualquer coisa que de vosso serviço for, professor de Humanidades e amigo de
Vossa Alteza há de ser de mim muito Camões. Escreveu o Tratado da Terra
bem servida, a Ela peço que, por me fazer do Brasil provavelmente no ano de 1570,
singular mercê, mande vir da ilha de sendo publicado postumamente em
São Tomé a Jorge de Osório meu genro - 1826. Já sua História da Província de
o que d'Ela receberei em muita mercê. Santa Cruz a que Vulgarmente Chamamos
Beijo as mãos de Vossa Alteza Brasil foi publicada em Lisboa no
Deste Porto Seguro, da vossa Ilha de ano de 1576. Capistrano de Abreu considera
Vera Cruz, hoje, sexta-feira, primeiro dia seus textos "uma propaganda da
de maio de 1500. imigração", pois enfatizam os bens e o
(PEREIRA Paulo Roberto. Os três únicos testemunhos clima da colônia.
do descobrimento do Brasil, Rio de Janeiro: Lacerda,
1999.) Gabriel Soares
Vocabulário:
1 Batéis e esquifes: pequenas embarcações
de Sousa (1540 - 1592)
O Tratado Descritivo do Brasil
que serviam às naus, espécies
(1587) de Gabriel Soares de Sousa é
de canoas.
obra de grande importância para o estudo
2 Vergonhas: órgãos sexuais do corpo
e compreensão deste período.
humano.
Enfatiza, as vantagens da colônia,
3 Barrete e carapuça: coberturas para
além de descrever minuciosamente a
a cabeça utilizadas pelos marinheiros;
natureza e a gente que aqui se encontrava.
gorros.
Capítulo CVII
4 Ramal e aljaveira: "ramal" é o colar

ou rosário; "aljaveira" é uma concha Em que se declara que bicho é o


marinha utilizada pelos tupinambás que se chama preguiça.
para formar colares. Gabriel Soares de Sousa
5 Parma: arredondada.
Nestes matos se cria um animal mui
6 Chã: lisa, plana.
estranho, a que os índios chamam aí, e os
Incumbido por Pedro Álvares Cabral portugueses, preguiça, nome certo mui
da tarefa de comunicar a D. Manuel o acomodado a este animal, pois não há
"achamento" da nova terra, o escrivão fome, calma, frio, água, fogo, nem outro
da frota Pero Vaz de Caminha escreve perigo que veja diante, que o faça mover
a carta, relatando com fidelidade a realidade uma hora mais que outra; o qual é felpudo
observada. como cão d'água, e do mesmo tamanho; e
A linguagem da carta é simples, direta; tem a cor cinzenta, os braços e pernas
o texto assemelha-se a um diário de grandes, com pouca carne, e muita lã; tem
viagem pela riqueza de detalhes; Descreve umas unhas como cão e muito voltadas; a
a terra descoberta e sua gente, cabeça como gato, mas coberta de
além das primeiras atitudes dos futuros gadelhas que lhe cobrem os olhos; os
colonizadores. dentes como gato. As fêmeas parem uma
Há uma clara intenção exploratória só criança, e trá-la, desde que a pare, ao
das terras brasileiras, sobretudo em relação pescoço dependurado pelas mãos, até
a suas possíveis riquezas naturais, que é criada e pode andar por si; e parem
decorrente do pensamento mercantilista em cima das árvores, de cujas folhas se
português da época. Além disso, mantêm, e não se descem nunca ao
identifica-se um desejo de cristianização chão, nem bebem; e são estes animais
do povo indígena, considerado desprovido tão vagarosos que posto um ao pé de uma
de espiritualidade e fé. árvore, não chega ao meio dela desde pela
Percebe-se o espanto do homem manhã até as vésperas, ainda que esteja
branco diante de um "outro" ser que morta de fome e sinta ladrar os cães que a
lhe causa estranheza. A nudez do índio querem tomar; e andando sempre, mas
é enfatizada como demonstração de sua muda uma mão só muito devagar, e depois
pureza e ingenuidade. O deslumbramento outra, e faz espaço entre uma e outra, e
diante da nova terra transmite-nos a da mesma maneira faz aos pés, e depois à
sensação de uma "visão do paraíso", 'Sérgio Buarque de Holanda, Visão do Paraíso. Os
motivos Edênicos no Descobrimento e Colonização do
estudada por Sérgio Buarque de Holanda Brasil,
em Visão do Paraíso: Os Motivos Edênicos Rio de Janeiro: José Olympio, 1959.
no Descobrimento e Colonização — 164 —
do BrasiP. Tal visão é influenciada — 165 —
por uma mentalidade medieval, de valores cabeça; e tem sempre a barriga chegada à
essencialmente cristãos. árvore, sem se pôr nunca sobre os pés e
Pero de Magalhães mãos e se não faz vento, por nenhum caso
se move do lugar onde está encolhida até
Gândavo (? - ?) que o vento lhe chegue; os quais dão uns
Pero de Magalhães Gândavo era assobios, quando estão comendo de tarde
em tarde, e não remetem nada, nem fazem colonizadora dos portugueses. Dentre
resistência a quem quer pegar deles, as poesias, sobressaem-se Em Deus,
mais que pegarem-se com as unhas à árvore meu criador, Do Santíssimo Sacramento
que estão, com que fazem grande e A Santa Inês, de caráter religioso, e
presa; e acontece muitas vezes tomarem Feitos de Mem de Sá governador do
os índios um destes animais, e levarem-no Brasil, de cunho laudatório, bendizendo
para casa, onde o têm quinze e vinte dias, o Novo Mundo e enfatizando a colonização
sem comer coisa alguma, até que de piedade portuguesa. Escreveu oito autos,
o tornam a largar; cuja carne não comem dos quais podemos destacar Na Festa
por terem nojo dela. de São Lourenço, representado em
(Tratado descritivo do Brasil, São Paulo: Nacional/ 1583, em Niterói, pela primeira vez. Estas
Edusp, 1971, p. 256.) peças sofreram grande influência
A literatura jesuítica de Gil Vicente, precursor do teatro em
Portugal. Em 1595, publicou a Arte de
Os jesuítas produziram uma literatura Gramática da Língua Mais Usada na
repleta de informações, tal como as Costa do Brasil, a primeira gramática de
crônicas dos viajantes, porém de caráter língua indígena brasileira. Veio a falecer
pedagógico e moralizante. Merecem em Reritiba, Espírito Santo, em 1597.
destaque no século XVI os nomes de Em Deus, meu criador
Manuel da Nóbrega, com o Diálogo sobre Não há cousa segura.
a Conversão do Gentio, Fernão Cardim, Tudo quanto se vê
com seu Tratado da Terra e da Gente se vai passando.
do Brasil, e principalmente José de A vida não tem dura.
Anchieta, com suas poesias e autos. O bem se vai gastando.
Padre Manuel da Toda criatura
passa voando.
Nóbrega ( 1 5 1 7 - 1 5 7 0 ) Em Deus, meu criador,
Nóbrega nasceu em Portugal em 1517. está todo meu bem
Realizou seus estudos em Salamanca e e esperança,
Coimbra, vindo a integrar a Companhia de meu gosto e meu amor
Jesus em 1544. Veio para o Brasil com e bem-aventurança.
Tomé de Sousa, primeiro governador-geral, Quem serve a tal Senhor
anos depois. Posteriormente, foi nomeado não faz mudança.
primeiro Superior e primeiro Provincial Contente assim, minha alma,
da Ordem no Brasil. Juntamente do doce amor de Deus
com Anchieta, fundou em 25 de janeiro de toda ferida,
1554 São Paulo de Piratininga. Ambos o mundo deixa em calma,
dedicaram- buscando a outra vida,
se à catequese de índios e colonos na qual deseja ser
portugueses. Escreveu as Cartas do toda absorvida.
Brasil (1886) e um Diálogo sobre a Conversão Do pé sacro monte
do Gentio. meus olhos levantando
José de Anchieta ao alto cume,
vi estar aberta a fonte
(1534-1597) do verdadeiro lume,
Padre José de Anchieta nasceu em que as trevas de meu peito
1534 em Tenerife, Ilhas Canárias. Estudou todas consume.
desde a infância com os frades Correm doces licores
dominicanos, iniciando o estudo do latim das grandes aberturas
com sete anos de idade. Em 1553, ainda do penedo.
noviço da Companhia de Jesus, veio Levantam-se os errores,
para o Brasil e fundou um colégio em levanta-se o degredo
Piratininga, São Paulo, com o objetivo de e tira-se a amargura
realizar seu apostolado. Foi, portanto, o do fruto azedo!
primeiro professor desta cidade e, provavelmente, (NA VARRO, Eduardo de Almeida. Anchieta: vida e
o maior humanista clássico pensamentos. São Paulo: Martin Claret, 1997.)
do Brasil. Escreveu crônicas, correspondências, A linguagem segue a tradição medieval
sermões e poesias em português, espanhola e portuguesa, caracterizada
castelhano, tupi e latim, nas quais pela "medida velha" (versos de
percebe-se sua intensa vida espiritual. sete sílabas poéticas).
Estes textos possivelmente eram recitados, Nada, exceto Deus, pode trazer segurança
cantados, dialogados ou mesmo ao homem, pois todas as coisas
encenados. Além de poesia religiosa de terrenas são passageiras e a vida do ser
cunho místico, realizou uma poesia que humano caracteriza-se pela brevidade.
exaltava a nova terra e louvava a ação Apenas o amor divino constitui-se como
esperança deste, além de fonte de alegria porque é fogo gastador,
e bem-aventurança, pois é infinito. que com seu divino ardor
A fé mostra-se como único meio de tudo abrasa.
superar as adversidades da vida, pois (...)
desvia a atenção do homem dos bens (NA VARRO, Eduardo de Almeida. Anchieta: vida e
terrenos, transitórios e muitas vezes geradores pensamentos, São Paulo.- Martin Claret, 1997.)
de sofrimento, para algo mais sublime
e permanente: a comunhão com Deus. Influências
O poeta volta-se para o alto, numa
tentativa de ficar mais próximo da divindade, posteriores da
fonte dissipadora das trevas, do
pecado, dos males que atormentam os literatura
homens.
— 166 — informativa
— 167 — A literatura informativa emprestou
A presença divina consegue fazer muitos de seus temas e formas para
frutificar aquilo que já não parecia dar períodos literários posteriores, como o
fruto, muda a concepção das coisas, Romantismo e o Modernismo.
transforma nossa maneira de ver o mundo A Carta de Pero Vaz de Caminha,
e enche-nos de esperança e alegria. apesar de caracterizar-se mais como um
Tirada a "amargura do fruto azedo", o relato, uma crônica de viagem, possui
homem encontra sua felicidade plena, muitas qualidades literárias, as quais
pois fica completamente saciado. influenciaram
Do Santíssimo Sacramento poetas modernistas como
Ó que pão, ó que comida, Oswald de Andrade, na composição de
ó que divino manjar Pau-Brasil e Mário de Andrade, ao realizar
se nos dá no santo altar sua giosa, em Macunaima, na "Carta
cada dia! pras Icamiabas".
Filho da Virgem Maria, Oswald de Andrade realizou o que
que Deus-Padre cá mandou Affonso Romano de Sanf Anna chama de
e por nós na cruz passou "apropriação parodística", pois subverteu
crua morte, o sentido original do texto ao recortar
e para que nos conforte as frases da carta e dispô-las de outra
se deixou no sacramento maneira. Através desta jogo intertextual,
para dar-nos, com aumento, Oswald dialogou com o passado, compondo
sua graça, um texto de nova significação.
esta divina fogaça Um bom exemplo é o poema a seguir,
é manjar de lutadores, da obra Pau-Brasil, já observado por
galardão de vencedores Affonso Romano de SanfAnna em seu
esforçados, estudo:
deleite de namorados, 4 descoberta
que, co'o gosto deste pão, Seguimos nosso caminho por este
deixam a deleitação [mar de longo
transitória. Até a oitava de Páscoa
Quem quiser haver vitória Topamos aves
do falso contentamento E houvemos vista de terra
goste deste sacramento
divinal.
Resumo do Quinhentismo
Este dá vida imortal, Momento sócio-cultural
este mata toda fome, É o momento das grandes navegações
porque nele Deus e homem e descobertas: em busca de
se contêm. riquezas, as nações européias enviam
É fonte de todo bem, expedições marítimas, que as
da qual quem bem se embebeda põem em contato com outras culturas.
não tenha medo da queda Portugal é uma das principais
do pecado. potências marítimas e possui colônias
Ó que divino bocado, ou relações comerciais na América,
que tem todos os sabores! Ásia e África.
Vinde, pobres pecadores, Dois objetivos distintos (e até contraditórios)
a comer! guiam as navegações
Não tendes de que temer, portuguesas: a expansão do cristianismo
senão de vossos pecados. e o desejo de conquistas e de
Se forem bem confessados, enriquecimento.
isso basta, Características literárias
qu'este manjar tudo gasta, A literatura produzida no Brasil do
século XVI não possui traços próprios.
Apenas descreve as características e o mundo.
do território recém-descoberto. O espírito da Contra-Reforma influenciou
É uma literatura sobre o Brasil o pensamento barroco, que buscou
e não uma literatura do Brasil. reaproximar o homem e Deus, o religioso
• Destacamos a literatura informativa - e o profano, a metafísica e a racionalidade,
descrição das terras brasileiras, em de modo a conciliar as perspectivas
tom de deslumbramento, e a literatura medieval e renascentista.
jesuítica—obras que exaltam afé cristã, Este movimento caracteriza-se por
visando à conversão dos índios. um profundo dinamismo, audácia, imaginação
Autores e obras e exagero. Apesar da existência de
• Pero Vaz de Caminha: Autor da um espírito pagão, que valoriza o humano,
Carta, documento de inestimável instável e finito, ainda há um forte sentimento
importância por ser a primeira descrição religioso. Dois processos expressivos
do Brasil. marcam este período: o cultismo e o
• Padre Manuel da Nóbrega: Importante conceptismo. Um diz respeito ao som e à
figura do início da colonização forma, criando imagens e sensações que
e da catequese dos índios, escreveu superam as sugestões da realidade; já o
Cartas cio Brasil (1886) e Diálogo outro centra-se no significado da palavra,
sobre a Conversão do Gentio (1557). privilegiando o pensamento, a razão.
• José de Anchieta: principal Os escritores trabalham desde assuntos
humanista clássico do Brasil. Escreveu triviais até grandes temas, muitas
poemas religiosos que exaltavam vezes utilizando-se de vocábulos
a colonização e a primeira gramática raros, derivados do latim. Preocupam-se
do tupi. Obras: Na Festa de com a beleza, fazendo uso de recursos
São Lourenço (1583). Arte de Gramática da tradição clássica e renascentista,
da Língua mais Usada na Costa beirando o exagero. Preferem sugerir
do eras/7 (1595). luzes, cores e sons, transmitindo as contradições
'Afonso Romano de Sant'anna, Paródia, Paráfrase E Cia, São do ser humano, a nomear diretamente
Paulo: Á t i c a , 1991, p. 51. as coisas e os seres.
— 168 — Cultivam tanto a prosa como a poesia,
— 169 — principalmente por meio da oratória

Barroco religiosa, merecendo destaque o Padre


Antônio Vieira. Além desta, realizam a
O Barroco inicia-se com a publicação oratória acadêmica, com objetivos históricos
do poema épico Prosopopéia, de ou laudatórios.
Bento Teixeira, em 1601, e tem seu término A comédia e o drama sobressaemse,
em 1768, ano em que Cláudio Manuel tendo Lope de Vega como mestre,
da Costa publica suas Obras Poéticas, tanto em Portugal como no Brasil. Entre
marcando o princípio do Arcadismo. nós, seu grande seguidor é Manuel Botelho
Inicialmente, o termo Barroco expressava de Oliveira.
um fenômeno específico da pintura, O principal tema trabalhado trata de
da escultura e da arquitetura, referente uma questão fundamental para o ser humano:
aos séculos XVII e XVIII, comumente considerado a vida e a morte. Decorre daí a
monstruoso e de mau gosto. Posteriormente, sensação de brevidade e transitoriedade
passou a ser valorizado e reconhecido da vida humana, claramente perceptível
nas diversas manifestações em seus aspectos físicos. Diante
artísticas. da fugacidade de sua existência, o homem
A Espanha foi o primeiro país a cultivar barroco tem dois caminhos: ou orienta-
a estética barroca, tendo Portugal recebido se pelo estoicismo, tornando-se indiferente
forte influência desta, já que se encontrava aos bens terrenos, ou pelo epicurismo,
dominado pela mesma na época. valorizando o momento presente,
Caracterizado por uma mentalidade enfatizando a importância de se aproveitar
pós-renascentista, se por um lado o homem a juventude, guiando-se pelo carpe
barroco convive com valores medievais diem. Tal percepção da vida faz com
e cristãos, por outro participa das novidades que o homem arrependa-se de seus pecados
pagãs e terrenas advindas do e coloque-se diante da misericórdia
ressurgimento do espírito greco-latino. divina. Contudo, percebe-se na maioria
Dessa forma, ele vive em conflito, oscilando das vezes mais um medo da transitoriedade
entre a razão e a fé, o misticismo e o do tempo, da morte e do inferno
erotismo, entre o prazer da vida e os mistérios do que propriamente uma alegria e
da morte, entre o material e o espiritual. prazer de viver.
Tal estado de conflito interior do homem A mulher foi outro tema cultivado
barroco pode ser percebido pelo pelos escritores barrocos. Ela é requisitada
uso de artifícios e figuras de linguagem, a aproveitar a vida e usufruir os
que demonstram a tensão entre o homem prazeres de sua mocidade e muitas vezes
comparada à rosa, devido a sua Onde o Céu luminoso, mais serena
beleza passageira. Tem sua influição, e temperada.
Vale ressaltar que a literatura barroca Junto da nova Lusitânia ordena,
não permanece a mesma de 1601 a A natureza, mãe bem atentada,
1768, mas altera-se de acordo com o Um porto tão quieto, e tão seguro,
desenvolvimento sócio-econômico brasileiro. Que pera as curvas naus serve de
Segundo Massaud Moisés3 , a [muro.
época barroca pode ser dividida em três XVIII
momentos, do primeiro fazem parte os É este porto tal, por estar posta
cinqüenta anos iniciais do século XVII, Ua cinta de pedra, inculta e viva,
momento em que Portugal foi incorporado Ao longo da soberba e larga costa,
pela Espanha e os holandeses ocuparam Onde quebra Netuno a fúria esquiva.
o nordeste. Nesta fase Pernambuco Entre a praia e pedra descomposta,
era a capital que mais progredia no O estanhado elemento se deriva
cultivo e produção das terras e no modo Com tanta mansidão, que ua fateixa
de vida. Já o segundo é composto pela Basta ter à fatal Argos aneixa.
outra metade do século e o terceiro agrupa XIX
as primeiras décadas do século XVIII, Em o meio desta obra alpestre, e dura,
em que a Bahia constitui-se como principal Ua boca rompeu o Mar inchado,
centro político, econômico e religioso. Que na língua dos bárbaros escura,
Poesia Pernambuco de todos é chamado.
De Para'ná, que é Mar; Puçá, rotura,
Bento Teixeira (1561 -1600) Feita com fúria desse Mar salgado,
Acredita-se que Bento Teixeira tenha Que sem no derivar cometer
nascido em 1561 no Porto. Veio cedo [míngua,
para o Brasil e formou-se no Colégio da Cova do Mar se chama em nossa
Bahia, onde ensinou as primeiras letras. [língua.
Exerceu também a profissão de advogado. XX
Depois fugiu para Pernambuco, por Pera entrada da barra, à parte
ter sido responsável pelo assassinato [esquerda,
de sua esposa, e refugiou-se no Convento Está ua lajem grande, e espaçosa,
dos Beneditinos, em Olinda. Foi Que de Piratas fora total perda,
processado e preso pela Inquisição por Se ua torre tivera suntuosa.
sua ligação com o judaísmo, mas realizou Mas quem por seus serviços bons
declaração como cristão-novo em [não herda,
1594 em Olinda. Em 1595 foi preso e enviado Desgosta de fazer cousa lustrosa,
a Lisboa para julgamento, ocasião Que a condição do Rei que não é
em que renunciou solenemente ao judaísmo. [franco,
Quatro anos depois foi condenado O vassalo faz ser nas obras
a prisão perpétua, conseguindo licença [manco.
para ficar solto. Faleceu no ano de 1600. XXI
Prosopopéia Sendo os Deuses à lajem já
Prosopopéia é um poema em oitavas [chegados,
heróicas, construído de modo muito Estando o vento em calma, o Mar
semelhante a Os Lusíadas, com o objetivo [quieto,
de louvar o donatário da capitania Depois de estarem todos
de Pernambuco, Jorge de Albuquerque [sossegados,
Coelho. Por mandado do Rei, e por decreto,
3Massaud Moisés, História da literatura brasileira, p. Proteu no Céu, cos olhos
72. [enlevados,
— 170 — Como que investigava alto secreto.
— 171 — Com voz entoada, e bom meneio,
Bento Teixeira buscava elevar os Ao profundo silêncio larga o freio.
feitos dos heróis portugueses nas terras (TEIXEIRA, Bento. Prosopopéia, Rio de Janeiro:
brasileiras e africanas. I.N.L.,1972)
O texto, contudo, não se caracteriza Gregório de Matos
como criação de grande significação
para a literatura, merecendo ser (1636-1696)
lembrado mais por sua importância histórica. Em 1636 nasce na Bahia o poeta
No fragmento transcrito a seguir, o Gregório de Matos Guerra, cuja poesia
autor realiza a descrição do Recife e destaca-se pela relevância histórica e
Pernambuco: literária.
XVII Estudou no Colégio da Companhia
Pera a parte do Sul, onde a pequena de Jesus até 1650. Depois foi para Coimbra
Ursa se vê de guardas rodeada, e graduou-se em Direito em 1661.
Casou-se e iniciou sua atuação na magistratura. — 173 —
Satirizou políticos e outras figuras A linguagem do texto é persuasiva
da sociedade, o que provocou sua e tenta convencer Cristo de que deve
expulsão de Lisboa. Por volta dos cinqüenta perdoá-lo e conduzi-lo à Vida Eterna, já
anos, encontrando-se viúvo, retornou que Ele é bondoso e possui misericórdia
à Bahia. Passou a ter uma vida infinita. Dessa forma, por mais que o
boêmia e a advogar pequenas causas. poeta tenha pecado, deseja provar que
Casou-se novamente, teve filhos e recebeu merece salvar-se.
proteção de bispos e governadores. O poema mostra nitidamente a preocupação
Na Bahia, foi novamente perseguido do homem barroco com a vida
por causa de suas sátiras, sendo espiritual, após perceber a efemeridade
desterrado para Angola, de onde retornou e as ilusões da vida material.
em 1695. Partiu então para o Recife, Poesia Lírica
onde faleceu um ano depois. À instabilidade das cousas do
Escreveu poesias sacras, líricas e mundo
satíricas. Entretanto, não se pode afirmar Nasce o Sol, e não dura mais que
com certeza se as poesias atribuídas [um dia,
a Gregório de Matos são realmente Depois da luz se segue a noite
de sua autoria, já que eram conservadas [escura,
em cópias manuscritas e compiladas Em tristes sombras morre
em coleções, de acordo com um critério [a formosura,
hoje desconhecido. Em contínuas tristezas a alegria.
Por causa de suas sátiras ferinas Porém, se acaba o Sol, porque nascia?
ficou conhecido como "Boca do Inferno". Se formosa a luz é, por que não dura?
Poesia Sacra Como a beleza assim se transfigura?
A Jesus Cristo crucificado, Como o gosto, da pena assim se fia?
estando o poeta para morrer Mas no Sol, e na luz, falta a firmeza;
Meu Deus, que estais pendente em Na formosura, não se dê constância:
[um madeiro, E na alegria, sinta-se tristeza.
Em cuja fé protesto de viver; Comece o mundo enfim pela
Em cuja santa lei hei de morrer, [ignorância,
Amoroso, constante, firme e inteiro: Pois tem qualquer dos bens
Neste transe, por ser o derradeiro, [por natureza,
Pois vejo a minha vida anoitecer, A firmeza somente na inconstância.
É, meu Jesus, a hora de se ver (Moisés, Massaud. A literatura brasileira
A brandura de um pai, manso através dos textos, p. 4 4 - 4 5 )
[cordeiro. A temática da brevidade da vida é
Mui grande é vosso amor, e o meu retomada neste soneto de Gregório de
[delito: Matos.
Porém, pode ter fim todo o pecar; Há uma sucessão de antíteses,
Mas não o vosso amor, que é figura muito comum na estética barroca,
[infinito. em que se contrapõem palavras ou
Esta razão me obriga a confiar frases a outras de sentidos opostos.
Que por mais que pequei, neste Eis alguns exemplos: dia e noite, luz e
[conflito, escuridão, alegria e tristeza, firmeza e
Espero em vosso amor de me inconstância.
[salvar. A instabilidade das coisas materiais
{MOISÉS, Massaud. A literatura brasileira é perceptível na própria natureza:
através dos textos, p. 40) do nascer ao pôr do sol pouco tempo
Este soneto expressa a atitude do se passa e assim os dias se sucedem
poeta ao perceber que a morte se aproxima. rapidamente.
Ele se dirige ao Cristo crucificado, A formosura, ou seja, a beleza da
buscando o perdão de seus pecados vida e o frescor da juventude logo se
e almejando a salvação na outra esvaem e dão lugar às impiedosas marcas
vida. do tempo.
Pode-se relacionar o conteúdo do O poeta enfatiza: "na formosura,
texto ao histórico de Gregório de Matos. não se dê constância / e na alegria, sinta-
Sabendo que não teve uma conduta se tristeza". Parece, com isso, alertarnos
aprovada pela Igreja, devido a sua de que não devemos dar excessivo
vida desregrada e boêmia e suas sátiras valor aos bens materiais e aos prazeres
muitas vezes carregadas de linguagem do mundo, pois tudo isso é passageiro.
de baixo calão, o poeta realiza neste Poesia Satírica
poema uma espécie de oração em Descreve que era naquele tempo a
que se coloca na presença divina. cidade da Bahia
— 172 — A cada canto um grande
[conselheiro, Colégio dos Jesuítas. Em 1623 entrou
Que nos quer governar cabana e para o noviciado da Companhia de Jesus.
[vinha; Logo demonstrou uma aptidão para
Não sabem governar sua cozinha, a oratória, o que fez com que seus superiores
E podem governar o mundo inteiro. lhes dessem a tarefa de ensinar
Em cada porta um bem freqüente Retórica aos noviços de Olinda.
[olheiro Foi ordenado em 1634 e iniciou
Que a vida do vizinho e da vizinha, suas pregações. Em decorrência do movimento
Pesquisa, escuta, espreita e português da restauração da
[esquadrinha, independência, vai para Portugal. De-
Para o levar à praça e ao terreiro. — 174 —
Muitos mulatos desavergonhados, — 175 —
Trazendo pelos pés aos homens monstra fidelidade a D. João IV, o novo
[nobres, monarca, que lhe prestigia e respeita
Posta nas palmas toda a picardia. muito. Chega a ser nomeado para várias
Estupendas usuras nos mercados, embaixadas diplomáticas no estrangeiro.
Todos os que não furtam, muito No ano de 1652 passa a dedicarse
[pobres: à catequese e à conversão dos índios
Eis aqui a cidade da Bahia. no Maranhão. Passados nove anos
(MOISÉS, Massaud. A literatura brasileira volta à Lisboa, sendo severamente criticado
através dos textos, p. 46-47) por suas idéias sebastianistas.
O poeta realiza a descrição da Bahia Depois vai para Roma, vindo a tornarse
do século XVII, em que conselheiros que orador oficial do salão literário da
mal sabem governar sua cozinha desejam Rainha Cristina da Suécia. Defende os
a vida de todos controlar. De modo cristãos novos diante da Inquisição,
semelhante a estes agem os olheiros, tendo o direito de pregar cassado pela
pois tudo sabem da vida alheia, ficando mesma.
muito atentos ao que se passa para logo Em 1681 volta ao Brasil e redige
discutirem na Praça da Sé e no Terreiro suas obras: Sermões, História do Futuro,
de Jesus. Esperanças de Portugal, Clavis
Neste poema aparece uma visão Prophetarum, além das cartas. Entre
preconceituosa em relação aos mulatos, seus sermões destacam-se o Sermão
considerados inferiores à nobreza da Sexagésima, realizado em 1655 na
detentora de poder. Tal preconceito pode Capela Real de Lisboa, e o Sermão da
estar relacionado ao fato de o escritor Primeira Dominga da Quaresma, proferido
pertencer a uma família de nobres decadentes. em 1653 no Maranhão. Neste último,
Finalmente faz-se uma crítica à realidade tenta convencer os colonos de que
da exploração, desonestidade e devem libertar os índios, os quais são
hipocrisia, em que só enriquecem os comparados aos hebreus quando escravos
aproveitadores e ladrões. do Faraó.
A crítica a uma sociedade cheia de Alfredo Bosi4 ressalta em seus estudos
vícios ao lado de uma visão conservadora que Vieira esteve também atento
e preconceituosa em relação aos ao sofrimento dos negros, ao contrário
negros e às camadas menos favorecidas do que muitos autores divulgam. Tal preocupação
aparecem em outros poemas satíricos de Vieira fica perceptível no
de Gregório de Matos. Sermão XIV do Rosário, dirigido à Irmandade
Botelho de Oliveira dos Pretos de um engenho
baiano e realizado em 1633.
(1636-?) Morre em 1697 em Salvador.
Manuel Botelho de Oliveira nasceu Sermão da sexagésima
na Bahia em 1636. Formou-se em direito Há de tomar o pregador uma só
pela Universidade de Coimbra. matéria, há de defini-la para que se conheça,
Publicou em 1705 Música do Parnaso, há de dividi-la para que se distinga,
reunindo poemas em português, há de prová-la com a Escritura,
castelhano, italiano e latim e duas comédias há de declará-la com a razão, há de
em espanhol (Hay amigo para amigo confirmá-la com o exemplo, há de amplificá-
e Amor, Enganos y Elos). la com as causas, com efeitos,
Prosa com as circunstâncias, com as conveniências
que se hão de seguir, com os
Padre Antônio Vieira inconvenientes que se devem evitar;
há de responder às dúvidas, há de satisfazer
(1608-1697) as dificuldades, há de impugnar
Padre Antônio Vieira nasceu em e refutar com toda a força de eloqüência
Lisboa em 1608. Veio cedo com os pais os argumentos contrários, e
para a Bahia, passando a estudar no depois disto há de colher, há de apertar,
há de concluir, há de persuadir, há regras da parenética (prática da oratória
de acabar. Isto é sermão, isto é pregar, sagrada).
e o que não é isto, é falar de mais alto. Primeiramente deve realizar-se o
Não nego nem quero dizer que o sermão exórdio ou intróito do sermão, escolhendo
não haja de ter variedade de discursos, um tema, definindo-o e a partir deste
mas esses hão de nascer todos expondo a tese que se pretende defender;
da mesma matéria e continuar e em seguida, passa-se ao desenvolvimento
acabar nela. Quereis ver tudo isto com ou argumentação, que deve
os olhos? Ora vede: uma árvore tem ser embasada nas Sagradas Escrituras
raízes, tem troncos, tem ramos, tem folhas, e desenvolvida a partir de um raciocínio
tem varas, tem flores, tem frutos. lógico, expondo-se causas, conseqüências,
Assim há de ser o sermão: há de ter além de argumentos convincentes;
raízes fortes e sólidas, porque há de finalmente, ao término do sermão, tenta-
ser fundado no Evangelho; há de ter se persuadir os ouvintes, o que constitui
um tronco, porque há de ter um só assunto a peroração ou epílogo.
e tratar uma só matéria. Deste Em seguida, Vieira compara a estrutura
tronco há de nascer diversos ramos, do sermão à de uma árvore, elencando
que são diversos discursos, mas nascidos as partes que a constituem.
da mesma matéria, e continuados Carta
nela. Estes ramos não hão de ser Ao rei D. Afonso VI
secos, senão cobertos de folhas, porque 1657-abril 20
os discursos hão de ser vestidos Senhor, os reis são vassalos de
'Alfredo Bosi, História concisa da literatura brasileira, Deus, e se os reis não castigam os seus
p.45 vassalos, castiga Deus os seus. A causa
— 176 — principal de se não perpetuarem as
e ornados de palavras. Há de ter esta coroas nas mesmas nações e famílias é
árvore varas, que são a repreensão a injustiça, ou são as injustiças, como
dos vícios; há de ter flores, que são as diz a Escritura Sagrada; e entre todas
sentenças; e por remate de tudo isto as injustiças nenhumas clamam tanto ao
há de ter frutos, que é o fruto e o fim a céu como as que tiram a liberdade aos
que se há de ordenar o sermão. De que nasceram livres, e as que não pagam
maneira que há de haver frutos, há de o suor aos que trabalham; e estes
haver flores, há de haver varas, há de são e foram sempre os dois pecados
haver folhas, há de haver ramos, mas deste Estado, que ainda têm tantos defensores.
tudo nascido e fundado em um só tronco, A perda do Senhor rei D. Sebastião
que é uma só matéria. Se tudo são em África, e o cativeiro de sessenta
troncos, não é um sermão, é madeira. anos que se seguiu a todo o reino,
Se tudo são ramos, não é sermão, são notaram os autores daquele tempo
maravalhas. Se tudo são folhas, não é que foi castigo dos cativeiros, que na
sermão, são verças. Se tudo são varas, costa da mesma África começaram a
não é um sermão, é feixe. Se tudo fazer os nossos primeiros conquistadores,
são flores, não é um sermão, é ramalhete. com tão pouca justiça como a
Serem tudo frutos, não pode ser; que se lê nas mesmas histórias.
porque não há frutos sem árvore. Assim As injustiças e tiranias, que se têm
que nesta árvore, a que podemos executado nos naturais destas terras,
chamar árvore da vida, há de haver o excedem muito às que se fizeram na
proveitoso do fruto, o formoso das flores, África. Em espaço de quarenta anos se
o rigoroso das varas, o vestido mataram e se destruíram por esta costa
das folhas, o estendido dos ramos, mas e sertões mais de dois milhões de índios,
tudo isto nascido e formado de um só e mais de quinhentas povoações
tronco, e esse não levantado no ar, senão como grandes cidades, e disto nunca se
fundado nas raízes do Evangelho: viu castigo. Proximamente, no ano de
Seminare sêmen. Eis aqui como hão 1655, se cativaram no rio das Amazonas
de ser os sermões, eis aqui como não dois mil índios, entre os quais muitos
são. E assim não é muito que se não eram amigos e aliados dos portugueses,
faça fruto com eles. e vassalos de Vossa Majestade,
Sermões: problemas sociais e políticos do Brasil, p. 37- tudo contra a disposição da lei que veio
8.
naquele ano a este Estado, e tudo mandado
No Sermão da Sexagésima, Padre
obrar pelos mesmos que tinham
Vieira expõe a arte da pregação, ou seja,
maior obrigação de fazer observar a
do discurso convincente, que consegue
mesma lei; e também não houve castigo:
persuadir o ouvinte.
e não só se requer diante de Vossa
No trecho anteriormente transcrito
Majestade a impunidade destes delitos,
ele reforça alguns elementos a serem
senão licença para os continuar!
seguidos, que julga importantes na construção
Com grande dor, e com grande receio
de um bom sermão, seguindo as
de a renovar no ânimo de Vossa • A Contra-reforma, movimento da Igreja
Majestade, digo o que agora direi: mas católica contra o protestantismo,
quer Deus que eu o diga. A El-Rei Faraó, tem grande influência sobre o pensamento
porque consentiu no seu reino o barroco, sendo uma das
injusto cativeiro do povo hebreu, deu-lhe causas da dualidade da época.
Deus grandes castigos, e um deles foi • O barroco procurou conciliar o homem
tirar-ihes os primogênitos. No ano de e o divino, o sagrado e o profano,
1654, por informação dos procuradores o medieval e o renascentista. Daí
deste Estado, se passou uma lei com a profunda angústia do pensamento
tantas larguezas na matéria do cativeiro da época.
dos índios, que depois, sendo Sua Majestade • O Domínio espanhol sobre Portugal
melhor informado, houve por bem (1580-1640) impulsionou a influência
mandá-la revogar: e advertiu-se que do barroco sobre Portugal e Brasil,
neste mesmo ano tirou Deus a Sua Majestade pois a Espanha foi o primeiro país
o primogênito dos filhos e a cultor da estética barroca.
primogênita das filhas. Senhor, se alguém Características literárias
pedir ou aconselhar a Vossa Majestade • A característica maior do Barroco é
maiores larguezas que as que hoje há a contradição. Expressa a dualidade
nesta matéria, tenha-o Vossa Majestade de um homem que oscila entre fé e
por inimigo da vida, e da conservação prazer, celestial e terreno.
da coroa de Vossa Majestade. • A literatura barroca é rebuscada, baseada
Dirão porventura (como dizem) que em uso abusivo de antíteses,
destes cativeiros, na forma em que se figuras de linguagem, inversões sintáticas
faziam, depende a conservação e aumento e exageros, tornando-se, por
do Estado do Maranhão; isto, Senhor, vezes, obscura.
é heresia. Se, por não fazer um • Duas tendências dominam o barroco:
pecado venial, se houver de perder Portugal, o cultismo ( culto à forma perfeita e
perca-o Vossa Majestade e dê por ao jogo de palavras) e o conceptismo
bem empregada tão cristã e tão gloriosa (jogo de idéias e argumentos).
perda; mas digo que é heresia, ainda Autores e obras
politicamente falando, porque sobre os • Bento Teixeira: autor da obra inaugural
fundamentos da injustiça nenhuma cousa do barroco brasileiro, Prosopopéia
é segura nem permanente; e a experiência (1601), poema épico com forte
o tem mostrado neste mesmo Estado influência de Camões.
do Maranhão, e que muitos governadores • Gregório de Matos: principal nome
adquiriram grandes riquezas e nenhum do barroco brasileiro e até hoje objeto
deles as logrou nem elas se lograram; de polêmicas. Deixou obra lírica,
nem há cousa adquirida nesta terra satírica e religiosa, reunida em livro
que permaneça, como os mesmos moradores somente após sua morte.
dela confessam, nem ainda que • Padre Antônio Vieira: maior orador
vá por diante, nem negócio que aproveite, e escritor sacro da língua portuguesa,
nem navio que aqui se faça que tenha deixou magnífica obra, em
bom fim; porque tudo vai misturado com que se destacam os Sermões (1679-
sangue dos pobres, que está sempre clamando 1718, 15 volumes), História do Futuro
ao céu. (1718) etc.
As Academias — 178 —

O Brasil, assim como Portugal, teve


a vida intelectual no século XVIII associada
Arcadismo
a sociedades literárias. Ao remontarmos à segunda metade
— 177 — do século XVIII, encontramos a
Nas academias discutiam-se assuntos Europa em um importante momento de
diversos e recitavam-se composições. mudanças culturais. No ano de 1751
Dentre as academias que foi publicada na França a Enciclopédia,
se formaram podemos destacar a Academia tendo como principais responsáveis
Brasílica dos Esquecidos, fundada D'Alambert, Diderot e Voltaire, que
em 1724 na Bahia; a Academia visavam compilar todo o conhecimento
dos Felizes, que durou de 1736 a 1740, científico da humanidade adquirido
localizada no Rio de Janeiro; a Academia ao longo dos anos.
dos Seletos, também ambientada A razão foi muito valorizada pelos
no Rio, porém no ano de 1752, e a enciclopedistas, que enxergavam
Academia dos Renascidos, fundada nela uma possibilidade de progresso
em 1759 na Bahia. social e cultural. No ano de 1789 ocorreu
a Revolução Francesa e, como
Resumo do Barroco conseqüência, assiste-se à queda da
Momento sócio-cultural monarquia.
Tais transformações compõem o amadurecimento cultural como indicadores
que chamamos de Iluminismo, movimento da felicidade humana. Influenciados
renovador que enfatiza a razão pela Ilustração (outro nome para o Iluminismo),
como único guia infalível da sabedoria vêem na razão e na ciência meios
e caracteriza o universo como uma para transformar a sociedade.
máquina governada por leis inflexíveis O Arcadismo no Brasil iniciou-se em
que o homem não pode desprezar, 1768 com a publicação das Obras Poéticas,
não havendo milagres ou intervenção de Cláudio Manuel da Costa e teve
divina para modificar a ordem da natureza. seu término em 1836, com a obra Suspiros
O Arcadismo em Portugal teve início poéticos e saudades, de Gonçalves
em 1756, com a fundação da Arcádia de Magalhães, quando começou o Romantismo.
Lusitana. Esta procurava estruturar- O século XVIII no Brasil é tido como o
se da mesma forma que a Arcádia século do ouro, pois há forte atividade de
Romana, criada em Roma em 1690. A extração mineral. Após a descoberta de
denominação Arcádia remonta a uma ouro e diamante, o eixo político deslocouse
região mitológica da Grécia em que se para o Sul e a capital deixou de ser a
concretizou o ideal da vida rústica e Bahia, passando a ser o Rio de Janeiro.
em harmonia com a natureza. Os escritores Portugal tinha como objetivo explorar sua
idealizavam a vida campestre, colônia, por isso aumentava os impostos
autodenominavam-se "pastores" e dirigiam- sobre a extração dos minérios.
se às mulheres como pastoras. Os Estados Unidos obtiveram sua
A importância atribuída à natureza independência, além disso propagavamse
em grande parte deve-se à figura idéias liberais, trazidas por estudantes
de Rousseau, que propôs o retorno à brasileiros. Como conseqüência, um
natureza, origem de todo bem. Trabalhou grupo de letrados, alguns deles ex-estudantes
com a figura do "bom selvagem", da Universidade de Coimbra,
homem ainda não corrompido pela sociedade. reuniram-se e tiveram importante papel
Como bem enfatizou Antônio na Inconfidência Mineira.
Cândido5 em Formação da Literatura A literatura procurava distanciar-se
Brasileira, no século XVIII o herói literário dos moldes portugueses, apesar de ainda
por excelência é o homem natural, realizar a imitação dos clássicos. Somado
demonstrando toda a nobreza e ternura a isso, tentava buscar uma identidade brasileira,
do ser humano, como enxergava valorizando o índio como um herói,
Rousseau. caso dos poemas épicos O Uraguai, de
Os árcades criticam os exageros Basílio da Gama e Caramuru, de Santa
verbais do Barroco, propondo uma literatura Rita Durão. Tal literatura possuía uma visão
mais simples e natural, em crítica da realidade brasileira, como
consonância com o pensamento do século podemos perceber no poema satírico Cartas
XVIII. Enfatizam a importância dos Chilenas, de Tomás Antonio Gonzaga.
sentimentos, da clareza nas idéias, da Os poetas árcades passaram a trabalhar
retomada da naturalidade dos escritores temas universais, além de renovar
clássicos, sobretudo Teócrito e Virgílio. as técnicas artísticas. Com isso, a
Tanto o campo intelectual como o literatura brasileira foi se consolidando,
afetivo devem ser constituídos tendo à medida que aumentava a consciência
como base a simplicidade. Por retomarem literária.
o equilíbrio dos clássicos antigos, A divulgação da literatura no país ocorria
recebem a denominação de neoclássicos. nas Academias, sessões literárias passageiras
5Aníônio Cândido, Formação da Literatura Brasileira, v. e não muito densas: Após a
1, p. 56 vinda da Família Real, em 1808, a atividade
— 179 — intelectual cresceu e tornou-se mais
— 180 — amadurecida. Foi difundido o primeiro jornal
A poesia deve ter seu cerne na verdade - O Correio Brasiliense - e as primeiras
e ser verossímil, ou seja, transmitir revistas foram publicadas, como
algo que parece possível e encontra-se O Patriota; estabeleceram-se novas escolas;
próximo da realidade. Dessa forma, ela houve a fundação da Imprensa
pode ser considerada bela, pois imita o Régia e a abertura da Biblioteca Real.
mundo físico e moral, como propunha a
mimesis aristotélica, que resultou na estética Cláudio Manuel da Costa
da imitação. (1729-1789)
Apesar de ainda valorizarem a religião Cláudio Manuel da Costa nasceu em
e a monarquia, voltam-se para assuntos 1729, em Minas Gerais. Estudou no Rio de
mais ligados à vida material, tais Janeiro e posteriormente cursou Direito
como a virtude civil e a obediência às leis — 181 —
da natureza como forma de harmonia social. em Coimbra, partindo depois para Lisboa
Dessa forma, envolvem-se mais com e recebendo influências árcades. Almejou
a política e acreditam na instrução e no
a fundação de uma Arcádia ou Colônia 5Alfredo Bosi, História Concisa da Literatura Brasileira,
Ultramarina, porém esta não teve êxito. p. 6 1 .
Voltou para o Brasil, participou da Inconfidência LXIV
Mineira, foi preso e morreu Que tarde nasce o sol, que
no cárcere em 1789. Acredita-se que tenha [vagaroso!
se enforcado por ter confessado e Parece, que se cansa, de que a um
revelado a culpabilidade de seus amigos. [triste
Utilizou o pseudônimo de Glauceste Satúrnio, Haja de aparecer: quanto resiste
tendo por amada a pastora Nise. A seu raio este sítio tenebroso!
Antes de 1768 Cláudio Manuel da Não pode ser, que o giro luminoso
Costa já havia publicado alguns trabalhos. Tanto tempo detenha: se persiste
No volume intitulado Obras são Acaso o meu delírio! se me assiste
encontrados sonetos, éclogas, epístolas Ainda aquele humor tão venenoso!
e outras peças líricas. Escreveu Aquela porta ali se está cerrando;
também teatro e o poema épico Vila Dela sai um pastor: outro assobia,
Rica, publicado em 1839. E o gado para o monte vai
Sua obra é composta de poesia [chamando.
lírica e épica. A poesia lírica é marcada Ora não há mais louca fantasia!
pela influência de Camões e assumem Mas quem anda, como eu, assim
relevância o sentimento amoroso e a [penando,
descrição da natureza. A vertente épica Não sabe quando é noite, ou
é trabalhada no poema Vila Rica, [quando é dia.
que narra a fundação e história da cidade. (MOISÉS, Massaud. A literatura brasileira
Segundo Alfredo Bosi6 , Cláudio através dos textos, pp. 90 e 95.)
Manuel da Costa foi o "primeiro e mais Vila Rica
acabado poeta neoclássico", apresentando Vila Rica é um poema composto
ampla formação humanística e por dez cantos, estruturados em versos
sendo bastante influenciado pelas literaturas decassílabos de rima emparelhada.
portuguesa e italiana. O autor faz uso da mitologia, além de
Apresentou, no início de sua produção incorporar em seu texto alegorias, sonhos,
literária, características do Barroco, previsões e vaticínios.
como o estilo cultista. Uma das Assim como Os Lusíadas, o poema
obras, desse período foi o Minúsculo divide-se em cinco partes: proposição,
Métrico. invocação, dedicatória, narrativa e
A coletânea de seus sonetos forma epílogo. Apesar da influência camoniana,
um cancioneiro, marcado pela presença o poema tem fortes características árcades.
de várias figuras femininas, pastoras A narrativa é composta pela trajet
em sua maioria inacessíveis. ria dos bandeirantes pelo sertão, desa
A natureza é a paisagem que propicia berta das minas, fundação de Ouro Prt
o refúgio dos infortúnios da vida, além to, além das revoltas. Tais ações épica
de permitir a lembrança das alegrias vivenciadas caminham paralelamente a ações lírica!
no passado. que envolvem a busca pela realizaçãc
XXVIII amorosa por parte dos índios, que em
Faz a imaginação de um bem geral não obtêm êxito. Destacam-se as
[amado, figuras de Garcia, Albuquerque e a indígena
Que nele se transforme o peito Aurora.
[amante; Canto X
Daqui vem, que a minha alma Trajando as galas da maior
[delirante [decência
Se não distingue já do meu cuidado. Nos poços do senado o herói entrava.
Nesta doce loucura arrebatado Da cor da Tíria púrpura talhava
Anarda cuido ver bem que distante; A farda militar, cingia-lhe o lado
Mas ao passo, que a busco, neste A rica espada, que já tem provado
[instante Mil vezes o furor do irado Marte;
Me vejo no meu mal desenganado. E a mão, que os prêmios liberal
Pois se Anarda em mim vive, e eu [reparte,
[nela vivo, E dispõe os castigos, já sustenta
E por força da idéia me converto O castão que os poderes representa.
Na bela causa de meu fogo ativo. Estão o plano os esquadrões
Como nas tristes lágrimas, que verto, [formados,
Ao querer contrastar seu gênio Monta a cavalaria, e cinge os lados;
[esquivo, O centro ocupa a infantaria: tudo
Tão longe dela estou, e estou tão Respira a grandeza um novo estudo.
[perto. Brilha o asseio e a ostentação; a idéia
Crê, que dos Céus na vista se recreia,
Vendo nos recamados fios de ouro Disse; e solenizando a ação,
Que o sol retrata ali o seu tesouro. [procura
Desta arte entrando vai na régia Se lavre logo a sólida escritura,
[sala, Onde o foral da vila se estabelece.
Senta-se; mede a todos, e assim fala: Em tanto o pátrio gênio lhe oferece
— 182 — Por mão de destro artífice pintadas
— 183 — — 184 —
Nas paredes as férteis, dilatadas Os grossos esmeris são depurados,
Montanhas do país, e aqui lhe pinta Deixando ao dono em prêmio da
Por ordem natural, clara e distinta [fadiga
A diferente forma do trabalho, Os bons tesouros da fortuna amiga.
Com que o sábio mineiro entre Entre serras esfoutro vai buscando
[o cascalho As betas de ouro; aquele vai trepando
Busca o loiro metal; e com que passa Pelo escabroso monte, e as águas
Logo a purificá-lo sobre a escassa [guia
Tábua ou canal do liso bolinete; Pelos canais, que lhe abre a pedra
Com que entre a negra areia [fria.
[ao depois mete Não menos mostra o gênio
Todo o extraído pó nos Iígneos vasos, [a agricultura
(Que uns mais côncavos são, Tão cara do país, onde a dura
[outros mais rasos) Força dos bois não geme ao braço
E aos golpes d'água da matéria [armado
[estranha Derriba os matos, e se ateia logo
O separa e divide; alta façanha Sobre a seca matéria o ardente fogo.
De agudo engenho a máquina Da mole produção da cana loira
[aparece, Verdeja algum terreno, outro se doira;
Que desde a sua altura ao centro O lavrador a corta, e lhe prepara
[desce As ligeiras moendas; ali pára
Da profunda cata, e as águas chupa. O espremido licor nos fundos cobres:
Vê-se outro mineiro, que se ocupa Tu, ardente fornalha, me descobres,
Em penetrar por mina o duro monte Como em brancos torrões é já tomado
Ao rumo oblíquo, ou reto; tem de A estímulos do fogo o mel coalhado.
[fronte O arbusto está, que o vício tem
Da gruta que abre, a terra que [subido
[extraíra; A inevitável preço, reduzido
Os lagrimais das águas, que retira A pó sutil o talo e a folha inteira.
Ao tanque artificioso logo solta; Não menos brota a oriental figueira
Trazida a terra entre a corrente Com as crescidas folhas, e co'fruto,
[envolta Que inda nos lembra o mísero tributo,
Baixa as grades de ferro; ali parados Que pagam nossos pais, que já
Felizes vós, feliz também eu devo [tiveram
Chamar-me neste dia; pois que A morada do Éden, e não puderam
[escrevo Guardar por muito tempo a lei
Com letras de ouro o meu e o nome [imposta.
[vosso. (Ó natureza ao Criador oposta!)
Entre as vitórias, e entre as palmas Os pássaros se vêem de espécie
[posso [rara,
Seguro descansar: enfim caída Que o Céu de lindas cores emplumara,
Vejo de toda a rebeldia erguida, As feras e animais mais esquisitos
E vassalos de um rei, que mais vos Todos no alegre mapa estão descritos;
[ama, Os olhos deleitando, e entretendo
Buscais acreditar a vossa fama O herói, que facilmente está crendo,
Com o dote imortal, que a nação preza Ao ver, que destra mão dar-lhes
De uma fidelidade portuguesa. [procura
De meus antecessores longe o susto, A vida, que lhes falta na pintura.
Goze-se a doce paz, e um trato justo Mas já lavrado estava, e já firmado
De amizade, e de fé de hoje em diante O termo, que escrevera o bom
Acabe de apagar o delirante [Pegado;
Fanático discurso, que ainda excita Quando mais que a eleição
De algum vassalo a dor; não se limita, [podendo o acaso,
O régio braço: a todos se dilata, Manda o herói que se extraiam
A todos favorece, acolhe, e trata, [d'entre um vaso
Sem outra distinção mais, do que Os nomes dos primeiros, a quem toca
[aquela, Reger a vara que a justiça invoca.
Que demanda a virtude ilustre e bela. A ti te chama a sorte, ó grande Melo,
E tu, Fonseca, em nobre paralelo satírico de Fanfarrão Minésio. O emissor
Cedes nos anos teus à precedência; das cartas é Critilo (Tomas Antônio
Da que contemplas provida Gonzaga) e o receptor Doroteu (possivelmente
[influência; Cláudio Manuel da Costa).
Seguem-se àqueles dois um As liras de Tomás Antônio Gonzaga
[Figueiredo, demonstram bem o ideal de áurea
— 185 — mediocritas, da vida em equilíbrio, sem
Um Gusmão, um Faria, e te concedo exageros, em harmonia com a natureza.
Que sejas tu, Almeida, o que Esta torna-se locus amenus, lugar
[completes ameno para o homem que foge da realidade
O número na ação, em que completes. que o oprime.
Ansioso o povo às portas Através da paisagem, o homem expressa
[esperava o universo de sensualidade e
Pela alegre notícia, e já clamava; desejo, reprimido pelo decoro das funções
Viva o senado! viva! repetia civis.
Itamonte, que ao longe o eco ouvia. Lira l
Enfim serás cantada, Vila Rica, Eu, Marília, não sou algum vaqueiro,
Teu nome impresso nas memórias Que viva de guardar alheio gado;
[fica. De tosco trato, d'expressões
Terás a glória de ter dado o berço [grosseiro,
A quem te faz girar pelo universo. Dos frios gelos, e dos sóis queimado.
(CÂNDIDO. Antônio e CASTELLO, José Aderaldo. Tenho próprio casal, e nele assisto;
Presença da Literatura Brasileira, p. 97-101.) Dá-me vinho, legume, fruta, azeite;
Tomás Antônio Gonzaga Das brancas ovelhinhas tiro o leite,
E mais as finas lãs, de que me visto.
(1744-1810) Graças, Marília bela,
Tomás Antônio Gonzaga nasceu em Graças à minha Estrela!
1744 no Porto, em Portugal. Estudou Direito, Eu vi o meu semblante numa fonte,
graduando-se em 1768 na Universidade Dos anos inda não está cortado:
de Coimbra. Regressou ao Brasil em Os Pastores, que habitam este monte,
1782 e passou a exercer cargos na jurisdição Respeitam o poder do meu cajado:
de Vila Rica (hoje Ouro Preto). Nesta Com tal destreza toco a sanfoninha,
mesma época iniciou sua amizade com Que inveja até me tem o próprio
Cláudio Manuel da Costa e seu romance Alceste:
com Maria Joaquina Dorotéia de Seixas. Ao som dela concerto a voz celeste;
Em Vila Rica atuou como juiz, depois foi Nem canto letra, que não seja minha.
preso ao lado de outros inconfidentes. Foi Graças, Marília bela,
degredado para Moçambique e casou-se Graças à minha Estrela!
com uma viúva. Adotou Dirceu como seu Mas tendo tantos dotes da ventura,
pseudônimo e Marília foi o pseudônimo Só apreço lhes dou, gentil Pastora,
utilizado para sua amada Maria Joaquina Depois que o teu afeto me segura,
de Seixas, jovem de dezesseis anos a Que queres do que tenho ser
quem dedicou suas liras. Faleceu no ano [senhora.
de 1810 em Moçambique. Escreveu poesia É bom, minha Marília, é bom ser dono
lírica e satírica. De um rebanho, que cubra monte,
Durante o arcadismo brasileiro, foram [e prado;
muito utilizadas as liras, composições Porém, gentil Pastora, o teu agrado
poéticas em que se repetia a cada Vale mais q'um rebanho, e mais q'um
estrofe um refrão. Tal procedimento foi [trono.
utilizado por Tomás Antônio Gonzaga em Graças, Marília bela,
Marília de Dirceu, em que o eu-lírico demonstra Graças à minha Estrela!
toda sua paixão pela pastora Os teus olhos espalham luz divina,
Marília. A obra é constituída de duas partes: A quem a luz do Sol em vão se atreve:
uma possui confidências amorosas, Papoula, ou rosa delicada, e fina,
descrições da amada, planos e sonhos Te cobre as faces, que são cor de
de felicidade conjugal; a outra contém [neve.
poemas redigidos na prisão, mostrando Os teus cabelos são uns fios d'ouro;
o sofrimento físico e moral do poeta. Teu lindo corpo bálsamos vapora.
Como exemplo de poesia satírica temos Ah! Não, não fez o Céu, gentil
as Cartas Chilenas. Estas circulavam [Pastora,
em Vila Rica no período que antecedeu Para glória de Amor igual tesouro.
a Inconfidência Mineira, na forma de Graças, Marília bela,
manuscritos anônimos. Há uma forte crítica Graças à minha Estrela!
a Luís da Cunha Meneses, governador Leve-me a sementeira muito embora
de Minas, identificado pelo pseudônimo O rio sobre os campos levantado:
Acabe, acabe a peste matadora, de vivas, bem fundadas esperanças.
Sem deixar uma rês, o nédio gado. Estranha ao subalterno, que se
Já destes bens, Marília, não preciso: [arroga
Nem me cega a paixão, que o o poder castigar ao delinqüente
[mundo arrasta; com troncos e galés; enfim, ordena
Para viver feliz, Marília, basta que aos presos, que em três dias
Que os olhos movas, e me dês [não tiverem
[um riso. assentos declarados, se abram logo
Graças, Marília bela, em nome dele, chefe, os seus
Graças à minha Estrela! [assentos.
Irás a divertir-te na floresta, Aquele, Doroteu, que não é santo,
Sustentada, Marília, no meu braço; mas quer fingir-se santo aos outros
Ali descansarei a quente sesta, [homens,
Dormindo um leve sono em teu pratica muito mais do que pratica
[regaço: quem segue os sãos caminhos da
Enquanto a luta jogam os Pastores, [verdade.
E emparelhados correm nas Mal se põe nas igrejas, de joelhos,
[Campinas, abre os braços em cruz, a terra beija,
— 186 — entorta o seu pescoço, fecha
Toucarei teus cabelos de boninas, [os olhos,
Nos troncos gravarei os teus — 187 —
[louvores. — 188 —
Graças, Marília bela, faz que chora, suspira, fere o peito
Graças à minha Estrela! e executa outras muitas macaquices,
Depois que nos ferir a mão da estando em parte onde o mundo
[Morte, [as veja.
Ou seja neste monte, ou noutra Assim o nosso chefe, que procura
[serra, mostrar-se compassivo, não
Nossos corpos terão, terão a sorte [descansa
De consumir os dois a mesma com estas poucas obras: passa a
[terra. [dar-nos
Na campa, rodeada de ciprestes, da sua compaixão maiores provas.
Lerão estas palavras os Pastores: Tu sabes, Doroteu, qual seja o crime
"Quem quiser ser feliz nos seus dos soldados que furtam aos
[amores, [soldados,
Siga os exemplos, que nos deram e sabes muito bem que pena incorram
[estes." aqueles que viciam ouro e prata.
Graças, Marília bela, Agora, Doroteu, atende e como
Graças à minha Estrela! castiga o nosso chefe em um sujeito
(GONZAGA, Tomás Antônio. Marília úe Dirceu, estes graves delitos, que reputa
Rio de Janeiro: Ediouro, 1997, p. 17-19.) ainda menos do que leves faltas.
Cartas Chilenas Apanha um militar aos camaradas
Poema satírico não concluído, Cartas do soldo uma porção. Astuto e destro,
Chilenas mostra de forma crítica a para não se sentir o grave furto,
atuação do governador da Capitania das mistura nos embrulhos, que lhes deixa,
Minas, Luís da Cunha Meneses, de 1783 igual quantia de metal diverso.
a 1788. Faz-se queixa ao bom chefe deste
Entenda-se aqui o Chile como Minas [insulto,
Gerais e Santiago como Vila Rica. sim, faz-se ao chefe queixa, mas
Os nomes também são disfarçados, [debalde,
como Fanfarrão Minésio, que representa que este Hércules não cinge
o Governador. [a grossa pele
Apenas, Doroteu, o nosso chefe nem traz na mão robusta a forte clava
as rédeas manejou do seu governo, para guerra fazer aos torpes Cacos.
fingir nos intentou que tinha uma alma (Apud CÂNDIDO, Antônio e CASTELLO, José
amante da virtude. Assim foi Nero. Aderaldo.
Governou aos Romanos pelas regras Presença da Literatura Bras/tera, p. 128-130.)
da formosa justiça, porém logo Basílio da Gama
trocou o cetro de ouro em mão de
[ferro. (1740-1795)
Manda, pois, aos ministros lhe dêem José Basílio da Gama nasceu no
[listas ano de 1740, em Minas Gerais. Estudou
de quantos presos as cadeias no Colégio dos Jesuítas no Rio de Janeiro
[guardam: e posteriormente no Seminário Episcopal
faz a muitos soltar e aos mais alenta de São José. Mudou-se para Portugal,
não conseguindo prosseguir seus forma, casar-se com o inimigo.
estudos; voltou para Lisboa; depois foi Fumam ainda nas desertas praias
para Roma, de onde regressou e foi julgado Lagos de sangue tépidos, e impuros,
pelo Tribunal da Inquisição. Degredado Em que ondeiam cadáveres despidos,
para Angola, conseguiu a atenuação Pasto de corvos. Dura inda nos vales
da pena por intermédio do Marquês O rouco som da irada artilharia.
de Pombal. Faleceu em Lisboa, em 1795. Musa, honremos o Herói, que o povo
Destaca-se em sua obra o poema [rude
épico O Uraguai (1769), que tematiza a Subjugou do Uraguai, e no seu sangue
guerra iniciada pelos portugueses e espanhóis Dos decretos reais lavou a afronta.
contra os índios, incentivados Ai tantas custas, ambição de império!
pelos jesuítas nos Sete Povos das Missões, E Vós, por quem o Maranhão pendura
Uruguai. Rotas cadeias, e grilhões pesados,
Ao observarmos a estrutura do poema, Herói, e Irmão de heróis, saudosa,
percebemos que este não possui [e triste,
estrofação e é composto de decassílabos Se ao longe a vossa América vos
brancos, ou seja, versos de dez sílabas [lembra,
sem rimas, sendo formado por cinco cantos. Protegei os meus versos. Possa
Além disso, é composto de cinco [entanto
partes: proposição, invocação, dedicatória, Acostumar ao vôo as novas asas,
narrativa e epílogo. Não utiliza a linguagem Em que um dia vos leve. Desta sorte
mitológica, mas o maravilhoso, Medrosa deixa o ninho a vez primeira
desviando-se dos moldes camonianos. Águia, que depois foge à humilde
O autor realiza uma crítica aos jesuítas, [terra.
representados pelo padre Balda, E vai ver de mais perto no ar vazio
que é mostrado como um vilão, inimigo O espaço azul, onde não chega o raio.
de Pombal e falso amigo dos índios. (Apud Massaud Moisés, A literatura brasileira
Além disso, descreve a natureza americana através dos textos, p. 105.)
e exalta o indígena, o que provocou Santa Rita Durão
forte admiração por parte dos escritores
do século XIX. De modo semelhante (1720-1784)
aos índios, o Marquês de Pombal Frei José de Santa Rita Durão nasceu
é louvado e visto como herói. em 1720 em Minas Gerais. Estudou no
— 189 — Rio de Janeiro no Colégio dos Jesuítas,
O Uraguai depois foi para Portugal. Fez parte da Ordem
Em 1750 foi assinado por Portugal e de Santo Agostinho e doutorou-se
Espanha o Tratado de Madrid, de forma a em Teologia pela Universidade de Coimbra,
reorganizar o Tratado de Tordesilhas, de onde posteriormente foi professor. Redigiu
1494. Este dividia o mapa-múndi como o poema épico Caramuru, imitando diretamente
uma linha imaginária a 370 léguas de Os Lusíadas. A obra apresenta
Cabo Verde. Por não terem cumprido o algumas características já encontradas
acordo, Portugal e Espanha criaram um nos cronistas e poetas dos séculos XVI a
novo documento. Contudo, não conseguiram XVIII, tais como o louvor à terra e ocorrência
realizá-lo de modo pleno, já que a de longas enumerações descritivas.
Colônia do Santíssimo Sacramento ficava Possui uma visão do índio mais enquadrada
para Espanha e os Sete Povos das nos moldes jesuíticos e coloniais
Missões do Uruguai para Portugal. Os do que propriamente iluministas.
sacerdotes que ali estavam recusavam O indígena encontra-se diante do
se tornar cidadãos portugueses. Por elemento colonizador e missionário, que
isso, Gomes Freire de Andrada comandou tenta persuadi-lo a modificar suas atitudes
uma expedição para os Sete Povos. e postura diante da vida e abandonar
Ao se aproximarem do rio Uruguai, práticas contrárias à moral e à religião
encontraram Cacambo e Sapé, guerreiros portuguesas, tais como a antropofagia.
indígenas. Travam uma luta, que provoca Diogo Álvares, o Caramuru, é o
a morte de Sapé. Este aparece a herói do poema. O termo, segundo o próprio
Cacambo em sonho e incentíva-o a incendiar autor, significa "filho do trovão". Este
o acampamento dos inimigos. Depois coloniza e ensina a doutrina cristã aos
Balda, líder dos jesuítas, envenena índios, considerados bárbaros.
Cacambo, que morre. Lindóia, sua mulher, Caramuru
guiada pela feiticeira da tribo, prevê seu Caramuru é composto por dez cantos
futuro e o de Lisboa em chamas. Após o e dividido em cinco partes: proposição,
incêndio, as tropas dirigem-se a Sete Povos. invocação, dedicatória, narrativa e
Os jesuítas e indígenas preparam-se epílogo. Assim como Camões em Os
para incendiar as missões e Lindóia morre Lusíadas, faz uso do maravilhoso pagão
picada por uma cobra, evitando, dessa e do cristão. A narrativa gira em
torno do personagem Diogo Alves Correia, Sem que ou amante a chore, ou
o Caramuru, que naufraga e consegue [grato gema.
escapar da morte. O texto caracteriza- (Apud Massaud Moisés, A literatura brasileira
se pela descrição da terra brasileira, através dos textos, p. 111 -112.)
suas riquezas, fauna e flora. Além
disso, traz informações sobre os índios Outros autores
e sua cultura. Destacam-se os personagens Alvarenga Peixoto
Diogo Alves Correia, o Caramuru,
Paraguaçu (sua esposa), Moema, (1744-1793)
Sergipe, Gupeva. Inácio José de Alvarenga Peixoto
Canto VI nasceu em 1744, no Rio de Janeiro. Gra-
XXXVI I duou-se em Coimbra em 1767, exerceu o
É fama então que a multidão formosa j cargo de Juiz e regressou ao Brasil em
Das damas, que Diogo pretendiam, 1776, atuando como Ouvidor de São João
Vendo avançar-se a nau na via del-Rei, Minas Gerais. Posteriormente
[undosa, atuou com fazendeiro e minerador. Envolveu-
E que a esperança de o alcançar se com a Inconfidência Mineira,
[perdiam: foi preso em 1789, exilado em Angola em
Entre as ondas com ânsia furiosa 1792 e veio a falecer um ano depois.
Nadando o esposo pelo mar seguiam, Escreveu poemas nos quais se percebe
E nem tanta água que flutua vaga a importância dada à ilustração e o
O ardor que o peito tem, banhando gosto por um governo forte e progressista.
[apaga. Silva Alvarenga
XXXVII
Copiosa multidão da nau francesa (1749-1814)
Corre a ver o espetáculo Manoel Inácio da Silva Alvarenga
[assombrada; nasceu em Vila Rica, Minas Gerais, em
E ignorando a ocasião da estranha 1749. Estudou em Minas e no Rio de
[empresa, Janeiro, vindo a graduar-se em Direito
Pasma da turba feminil, que nada: em Coimbra no ano de 1776. Exerceu a
Uma, que às mais precede em profissão no Rio de Janeiro, onde também
[gentileza, lecionou Retórica e Poética. Foi colaborador
Não vinha menos bela, do que irada: da revista brasileira O Patriota
Era Moema, que de inveja geme, de 1812 a 1813. Escreveu poesia lírica
E já vizinha à nau se apega ao leme. marcada pela leveza e musicalidade.
XLII Faleceu no Rio de Janeiro, em 1814.
Perde o lume dos olhos, pasma e Souza Caldas (1762-1814)
[treme, Em 1762 nasceu no Rio de Janeiro
Pálida a cor, o aspecto moribundo, Antônio Pereira de Souza Caldas. Estudou
Com mão já sem vigor, soltando na Universidade de Coimbra, onde
[o leme, graduou-se em 1789. Foi preso e processado
Entre as salsas escumas desce pela Inquisição. Ordenou-se
[ao fundo; padre em Roma em 1790. Retornou ao
Mas na onda do mar, que irado Rio em 1808, ficando conhecido por suas
[freme, idéias liberais e eloqüência.
— 190 — Escreveu poemas profanos e sagrados,
— 191 — traduziu salmos de Davi e redi—
Tornando a aparecer desde 192 —
[o profundo: giu um livro em forma de cartas, que
"Ah! Diogo cruel!" disse com mágoa, veio a se perder. Faleceu no Rio de Janeiro
E sem mais vista ser, sorveu-se em 1814.
[n'água.
XLIII José Bonifácio (1763 -1838)
Choraram da Bahia as ninfas belas, José Bonifácio de Andrada e Silva
Que nadando a Moema nasceu em Santos em 1763. Concluiu
[acompanhavam; seus estudos em leis e em filosofia natural
E vendo que sem dor navegavam na Universidade de Coimbra. Em
[delas, 1819 regressou ao Brasil, tendo significativa
À branca praia com furor tomavam: ação política, o que resultou num
Nem pode o claro herói sem pena exílio, de 1823 a 1829. Enfatizou a importância
[vê-las, da virtude, do desprezo pela vida
Com tantas provas, que de amor terrena e pelos prazeres passageiros;
[lhe davam; exaltou a liberdade e combateu a tirania.
Nem mais lhe lembra o nome de Faleceu em 1838 no Rio de Janeiro.
[Moema,
dos temas e na busca de modelos e
Monte Alverne (1784-1858 fontes de inspiração, o que se denomina
Frei Francisco do Monte Alvern Pré-Romantismo e tem sua origem na
nasceu em 1784 no Rio de Janeiro. Et Alemanha e Inglaterra.
1808 ordenou-se franciscano em Sã Tal renovação assume grandes proporções
Paulo. Foi pregador e professor de Filo no século XIX, adquirindo liberdade
sofia. Em 1816 foi para a corte, comi formal e sentimento de contemporaneidade,
professor de Filosofia e Retórica e pre resultando no Romantismo.
gador da Capela Real, a seguir Imperial O movimento romântico expressa
Influente orador, divulgou o ecletismc os anseios, dúvidas e inquietações interiores
espiritualista e demonstrou intenso patriotismo. do artista, deixando transparentes
Muito valorizou as emoções, não suas grandezas e fraquezas.
desprezando a razão. Em 1836, cego, Através da experiência individual do
isolou-se, vindo a pregar novamente em homem romântico, inserido em uma nova
1854, a pedido de D. Pedro. Faleceu em estrutura social, religiosa e econômica, atinge-
1858. se a universalidade, ou seja, a partir de
Resumo do Arcadismo um contexto nacional, restrito a uma determinada
Momento sócio-cultural realidade, trabalham-se sentimentos
• O centro sócio-econômico da colonia e valores universais do ser humano.
desloca-se do Nordeste para o O romântico não mais encontra o equilíbrio
Centro-sul, devido à descoberta de em sua vida interior e a intuição e a
ouro e diamantes em Minas Gerais. fantasia passam a prevalecer em detrimento
• Ocorre um surto de urbanização em da razão. De modo diverso aos clássicos,
Minas e Rio de Janeiro (que se torna o romântico demonstra o desequilíbrio
a nova capital da colônia), e aumenta do mundo contemporâneo, perceptível na
o número de intelectuais. tristeza, aspirações vagas, desejo de mudança
• Influenciada pelas idéias iluministas social, anseio de liberdade e nacionalismo.
e pela Revolução Francesa, ocorre Atribui grande importância aos
a Inconfidência Mineira, rebelião que sentimentos, o que o torna egocêntrico. Em
intentava a independência do Brasil. determinados momentos dedica-se ao
Características literárias amor, já em outros busca o isolamento e a
• O Arcadismo opõe-se ao Barroco, identificação com a natureza. Nutre sua
procura eliminar da arte os excessos religiosidade
praticados pela literatura barroca. e cultiva o patriotismo.
Esse objetivo produziu uma arte No lirismo romântico são recorrentes
simples, sem exageros formais, que os temas de amor, religião, sentimento
pretendia retratar a natureza de da natureza e da sociedade. O amor
modo direto. Outra marca do Arcadismo procura livrar-se das conveniências e
é o bucolismo (exaltação da convenções e a mulher deixa de ser apenas
vida no campo, idealizada como tranqüila pura, tornando-se sedutora.
e feliz). Insatisfeito com a realidade em que
• Uso da mitologia clássica e dos princípios se encontra, o romântico foge do convívio
renascentistas: racionalismo, em sociedade e cria um mundo imaginário,
equilíbrio, clareza. em que a natureza expressa seus
estados de alma. Muitas vezes busca a
Autores e obras
contemplação divina e em determinados
• Cláudio Manuel da Costa: participante
momentos chega ao panteísmo.
da Inconfidência Mineira, deixou
Deus é entendido como resposta aos
Obras Poéticas (1768) e o épico
questionamentos, refúgio e paz. Através
Vila Rica (1839).
de sua contemplação, o homem percebe o
• Tomás Antônio Gonzaga: outro
quanto é pequeno diante de sua grandeza.
poeta que participou da Inconfidência.
Durante o período que envolve os
Deixou obra muito influente, onde
anos de 1833 a 1836, vários intelectuais
os destaques são Cartas Chilenas
brasileiros, entre eles Gonçalves de Magalhães,
(reunidas entre 1845-1863) e Marília
Manuel de Araújo Porto Alegre e
de Dirceu (1792).
Francisco de Sales Torres Homem foram
• Basílio da Gama: escreveu O
para a Europa com o objetivo de aprofundar
Uraguai (1769), poema épico que
seus estudos. Em 1836, fundaram
critica a ação dos jesuítas e enaltece
em Paris a Niterói-Revista Brasiliense de
o marquês de Pombal.
Ciências, Letras e Artes, a fim de divulgar
— 193 —
a cultura brasileira e esboçar idéias sobre
Romantismo a construção de uma identidade nacional.
A revista teve apenas dois números. No
No século XVIII, há uma renovação primeiro, Gonçalves de Magalhães publicou
nas formas de expressão, na escolha o ensaio Discurso sobre a história
da literatura do Brasil, com o propósito de não pode ficar presa a esquemas
realizar a nacionalização da literatura brasileira rítmicos regulares, tais como o soneto.
através do resgate de sua paisagem Por Isso, praticamente não o utilizam.
e cultura. Percebe-se o emprego dos versos
No Brasil, o Romantismo tem início livres e de estrofes regulares e irregulares.
em 1836, com a publicação de Suspiros Além disso, dá-se importância à
Poéticos e Saudades, do mesmo Gonçalves musicalidade.
de Magalhães. Os estudiosos costumam dividir a
Após a vinda da família real para o poesia romântica em três fases.
Brasil, em 1808, o Rio de Janeiro passou — 194 —
a ter hábitos semelhantes aos da
sociedade aristocrática européia. Além Primeira Fase:
disso, D. João VI tomou medidas que
possibilitaram o nosso crescimento cultural,
nacionalista ou
tais como a abertura dos portos, a
criação de bibliotecas e de escolas superiores
indianista
Durante a primeira fase, os autores
e a permissão para o funcionamento empenhavam-se na definição de urna
de tipografias. temática nacional. Dessa forma, acabaram
A economia brasileira era essencialmente por redigir obras de valor documental,
agrária e apoiada no latifúndio, como é o caso do prefacio de Suspiros
escravismo e exportação, tendo Poéticos e Saudades de Gonçalves
como detentores do poder a nobreza de Magalhães.
fundiária e o alto clero. Um dos principais temas abordados
No período imperial, o Brasil possuía na poesia deste período foi o nacionalismo,
grande número de analfabetos. expresso através da valorização
Dessa forma, havia um restrito público dos índios como heróis nacionais
leitor, mas este era ávido por uma literatura (indianismo) e da exaltação da terra
que viesse ao encontro de seus brasileira.
dramas sentimentais. Outra temática foi a do saudosismo,
O movimento romântico possuía caracterizado pela recordação do
forte ligação com a política e defendia a passado individual (infância e adolescência).
liberdade, assim como a construção de O momento da infancia era entendido
uma pátria brasileira. Percebia-se um como um período seguro, sem preocupações,
forte anseio de criação de uma literatura pleno de pureza e inocência.
essencialmente brasileira, com estilo Trabalhou-se também a religiosidade,
próprio. Por isso, alguns temas eram tratados precisamente o cristianismo medieval,
de modo diverso ao da literatura e alguns elementos do pessimismo
portuguesa. resultante do mal-do-século.
A natureza expressava o universo
interior do poeta ou personagem, seus Gonçalves de Magalhães
sentimentos, aspirações e frustrações.
Além disso, refletia o nacionalismo através
(1811-1882)
das ricas descrições da terra brasileira No ano de 1811 nasceu no Rio de Janeiro
que encantara o colonizador português. Domingos José Gonçalves de Magalhães.
Em Portugal os escritores românticos Em 1832 concluiu seus estudos em
procuravam retomar o passado histórico Medicina e publicou seu primeiro livro: Poesias,
medieval. Já os autores brasileiros ainda preso aos moldes árcades.
retomaram a época colonial realizando Após um ano foi para a França, onde tomou
a idealização do índio, que passou contato com a estética romântica. Em 1836
a ser o nosso herói. Entretanto, o fundou a Niterói Revista Brasiliense e publicou
índio brasileiro possuía a mesma perfeição Suspiros Poéticos e Saudades, marcando
física e moral do cavaleiro medieval uma nova fase em nossa literatura.
europeu. Além do passado histórico, Regressa ao Brasil em 1837 e auxilia na
os românticos buscavam as paisagens campanha pelo teatro brasileiro. Exerce o
e civilizações exóticas. O Brasil magistério no Colégio Pedro II, atua como
dirige seu olhar à Europa e ao Oriente. secretário de Caxias em duas presidências
Há, portanto, uma evasão temporal e e ingressa na carreira diplomática em 1847.
espacial. Além disso, preferem a noite, Foi muito prestigiado, pois liderou um grupo
pois esta possibilita o sonho, a imaginação, literário relacionado ao mundo oficial. Entretanto,
enfim, a manifestação do inconsciente. de acordo com Antônio Cândido7
deve-se ressaltar menos seu valor literário
Poesia e dar mais ênfase a seu papel histórico, expresso
em seus ensaios literários, em que
Os românticos rompem com a rigidez
formal, preferindo a liberdade de demonstra clara compreensão do Romantismo.
criação. A expressão de seus sentimentos Faleceu em Roma no ano de 1882.
Entre suas obras estão: Poesias (1832),
Urânia (1862), Cânticos Fúnebres (1864); Em cismar - sozinho, à noite -
Antônio José ou O Poefa e a Inquisição Mais prazer encontro eu lá;
(1839), Olgiato (1841) - teatro; Fatos do Minha terra tem palmeiras,
Espírito Humano (1858); A Alma e o Cérebro Onde canta o Sabiá.
(1876), Comentários e Pensamentos Não permita Deus que eu morra,
(1880) - prosa doutrinária. Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Gonçalves Dias Que não encontro por cá;
(1823-1864) Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Filho de um comerciante português e Onde canta o Sabiá.
de uma mestiça, Antônio Gonçalves Dias Coimbra - Julho 1843.
nasceu em 1823, próximo a Caxias, no (ApudCÁNOiOO, Antônio e CASTELLO, José
Aderaldo.
Maranhão. Em 1838 foi para Coimbra estudar
Presença da Literatura Brasileira, v. 1, p. 180.)
Direito. Escreveu, então, suas primeiras BMassaud Moisés, A literatura brasileira através dos
poesias. No ano de 1844 formou-se e textos, p. 122.
'Antônio Cândido, Presença da Literatura Brasileira: 9Esses versos compõem a "Canção de Mignorf de
história e antologia, v. 1, p. 168. Goethe e foram traduzidos do seguinte modo por
— 195 — Manuel
voltou para o Maranhão, mas dois anos depois Bandeira: "Conheces o país onde florescem as
vai para o Rio de Janeiro, atuando como laranjeiras? / Ardem na escura fronde os frutos de
professor de Latim e História do Brasil ouro... / Conhecêlo?
no Colégio Pedro II e redator da revista - Para lá, para lá quisera eu ir!".
Guanabara. Seus escritos abrangem poesia, — 196 —
teatro, etnografia e historiografia. Faleceu Em sua popular Canção do exílio,
em 1864, quando retornava de uma Gonçalves Dias exalta sobremaneira o
viagem à Europa, no naufrágio do "Ville de Brasil, enfatizando sua paisagem e contrapondo-
Boulogne". Foi, segundo Massaud Moisés a à paisagem européia.
8 , o primeiro poeta realmente brasileiro Demonstra forte nacionalismo, chegando
no que diz respeito à sensibilidade e à a exagerar na descrição da natureza
temática. brasileira e não demonstrando
Realizou estudos na Amazônia sobre senso crítico em relação à realidade.
a cultura indígena e enriqueceu seus Se Se Morre de Amor!
poemas com a mesma, além de acrescentar Meere und Berge und Horizonte zwischen
termos de língua indígena. [den
Escreveu Primeiros Cantos (1846), Liebenden - aber die Seelen versetzen
Leonor de Mendonça (1847), Segundos [sich
Cantos e Sextilhas de Frei Antão (1848), aus dem staubigen Kerker und treffen
Últimos Cantos (1851), Os Timbiras [sich im
(1857), envolvendo teatro, composições Paradiese der Liebe.
lírico-amorosas e indianistas, poesia épica Schiller, Die Räuber
e medieval, além de um Dicionário da Se se morre de amor! - Não, não se
Língua Tupi (1858) e Obras Póstumas [morre,
(seis volumes), organizadas por Antônio Quando é fascinação que nos
Henriques Leal. [surpreende
Canção do exílio De ruidoso sarau entre os
Kennst du das Land, wo Citronen [festejos;
[blühen, Quando luzes, calor, orquestra e
In dunkeln Laub die Gold-Orangen [flores
[glühen? Assomos de prazer nos raiam
Kennst Du es wohl? - Dahin, dahin! [n'alma,
Möcht'ich ... ziehn.
Goethe9
Que embelezada e solta em tal
Minha terra tem palmeiras, [ambiente
Onde canta o Sabiá; Nos ouve, e no que vê prazer
As aves, que aqui gorjeiam, [alcança!
Não gorjeiam como lá. Simpáticas feições, cintura breve,
Nosso céu tem mais estrelas, Graciosa postura, porte airoso,
Nossas várzeas têm mais flores, Uma fita, uma flor entre os cabelos,
Nossos bosques têm mais vida, Um quê mal definido, acaso podem
Nossa vida mais amores. Num engano d'amor arrebatar-nos.
Em cismar, sozinho, à noite, Mas isso amor não é; isso é delírio,
Mais prazer encontro eu lá; Devaneio, ilusão, que se esvaece
Minha terra tem palmeiras, Ao som final da orquestra, ao
Onde canta o Sabiá. [derradeiro
Minha terra tem primores, Clarão, que as luzes no morrer
Que tais não encontro eu cá; [despedem:
Se outro nome lhe dão, se amor o [ambos;
[chamam, Pode rachar o tronco levantado
D'amor igual ninguém sucumbe à E dois cimos depois verem-se
[perda. [erguidos,
Amor é vida; é ter constantemente Sinais mostrando da aliança antiga;
Alma, sentidos, coração - abertos Dois corações porém, que juntos
Ao grande, ao belo; é ser capaz [batem,
[d'extremos, Que juntos vivem, - se os
D'altas virtudes, té capaz de crimes! [separam, morrem;
Compr'ender o infinito, a Ou se entre o próprio estrago inda
[imensidade, [vegetam,
E a natureza e Deus; gostar dos Se aparência de vida, em mal,
[campos, [conservam,
D'aves, flores, murmúrios Ânsias cruas resumem do proscrito,
[solitários; Que busca achar no berço a
Buscar tristeza, a soledade, o ermo, [sepultura!
E ter o coração em riso e festa; Esse, que sobrevive à própria ruína,
E à branda festa, ao riso da nossa Ao seu viver do coração, - às gratas
[alma Ilusões, quando em leito solitário,
Fontes de pranto intercalar sem Entre as sombras da noite, em
[custo; [larga insónia,
Conhecer o prazer e a desventura Devaneando, a futurar venturas,
No mesmo tempo, e ser no mesmo Mostra-se e brinca apetecida imagem;
[ponto Esse, que à dor tamanha não
O ditoso, o misérrimo dos entes; [sucumbe,
— 197 — Inveja a quem na sepultura
Isso é amor, e desse amor se morre! [encontra
Amar, e não saber, não ter coragem Dos males seus o desejado termo!
Para dizer que amor que em nós — 198 —
[sentimos; — 199 —
Temer qu'olhos profanos nos
[devassem Segunda Fase:
O templo, onde a melhor porção da
[vida
O Mal-do-século ou
Se concentra; onde avaros
[recatamos
Geração Byroniana
Essa tonte de amor, esses tesouros
O Canto do Piaga
Inesgotáveis, d'ilusoes floridas; l
Sentir, sem que se veja, a quem se Ó Guerreiros da Taba sagrada,
[adora, Ó Guerreiros da Tribo Tupi,
Compr'ender, sem lhe ouvir, seus Falam Deuses nos cantos do Piaga,
[pensamentos, Ó Guerreiros, meus cantos ouvi.
Segui-la, sem poder fitar seus olhos Essa noite - era a lua já morta -
Amá-la, sem ousar dizer que amamos, Anhangá me vedava sonhar;
E, temendo roçar os seus vestidos, Eis na horrível caverna, que habito,
Arder por afogá-la em mil abraços: Rouca voz começou-me a chamar.
Isso é amor, e desse amor se morre! Abro os olhos, inquieto, medroso,
Se tal paixão porém enfim Manitôs! que prodígios que vi!
[transborda, Arde o pau de resina fumosa,
Se tem na terra o galardão devido Não fui eu, não fui eu, que o acendi!
Em recíproco afeto; e unidas, uma, Eis rebenta a meus pés um
Dois seres, duas vidas se procuram, [fantasma,
Entendem-se, confundem-se e Um fantasma dMmensa extensão;
[penetram Liso crânio repousa a meu lado.
Juntas-em puro céu d'extases puros: Feia cobra se enrosca no chão.
Se logo a mão do fado as torna O meu sangue gelou-se nas veias,
[estranhas, Todo inteiro - ossos, carnes -
Se os duplica e separa, quando [tremi,
[unidos Frio horror me coou pelos membros,
A mesma vida circulava em ambos; Frio vento no rosto senti.
Que será do que fica, e do que longe Era feio, medonho, tremendo,
Serve às borrascas de ludíbrio e Ó Guerreiros, o espectro que eu vi.
[escárnio? Falam Deuses nos cantos do Piaga,
Pode o raio num píncaro caindo, Ó Guerreiros, meus cantos ouvi!
Torná-lo dois, e o mar correr entre (zlpud MOISÉS, Massaud. A Literatura Brasileira
através dos textos, p. 127-129.)
Mais precisamente entre as décadas verde (1863), Vozes da América (1864),
de 1840 e 1850, o romantismo atinge seu Cantos e Fantasias (1865), Cantos Meridionais
ponto culminante e mais egocêntrico com (1869), Cantos do Ermo e da Cidade
o Ultra-Romantismo ou mal-do-século. (1869), Anchieta ou O Evangelho
Esta fase recebeu forte influência de poetas nas Selvas (1875), Cantos Religiosos
europeus, principalmente do inglês (1878) e Diário de Lázaro (1880).
George Gordon Byron (1788-1824), mais Cântico do Calvário
conhecido como Lord Byron. Este criou À memória de meu filho
heróis sonhadores, que viviam grandes morto a 11 de dezembro de 1863.
aventuras e contestavam as convenções Eras na vida a pomba predileta
morais e religiosas aceitas pela burguesia. Que sobre um mar de angústias
Byron teve uma vida conturbada, defendeu [conduz
a liberdade, integrou diversos movimentos O ramo da esperança. - Eras a
revolucionários e veio a morrer na [estre1
Grécia, juntamente com os gregos que Que entre as névoas do inverno
almejavam [cintilav
a independência na luta contra Apontando o caminho ao pegureirc
os turcos. Em vários países teve imitadores Eras a messe de um dourado estio
e admiradores. No Brasil, vários escritores Eras o idílio de um amor sublime.
da segunda geração tinham profunda Eras a glória, - a inspiração, -a pátria
admiração por sua figura; por isso esta O porvir de teu pai! - Ah! no entanto,
geração também é conhecida como byroniana. Pomba, -varou-te aflecha do destino!
Álvares de Azevedo parece ter sido Astro - engoliu-te o temporal do norte!
o poeta que mais se inspirou em Byron Teto, - caíste! - Crença, já não vives!
para escrever seus poemas, além de citálo Não mais! A areia tem corrido, e o
com freqüência em seus versos. [livro
Nesta fase, a produção poética brasileira De minha infanda história está
acentua o subjetivismo, trabalha com [completo!
os temas do amor e da morte e, sobretudo, Pouco tenho de andar! Um passo
com as questões do tédio existencial. [ainda
O ultra-romântico fecha-se em si E o fruto de meus dias, negro, podre,
mesmo, pois se vê insatisfeito com a realidade Do galho eivado rolará por terra!
circundante. Dessa forma, por vezes Ainda um trenó, e o vendaval sem
parte para o devaneio, para o erotismo [freio
obsessivo ou mesmo demonstra sensação Ao soprar quebrará a última fibra
de melancolia e tédio diante da Da lira infausta que nas mãos
vida. Devido a seu estado depressivo, [sustenho!
anseia a morte, pois esta se mostra como Tornei-me o eco das tristezas todas
a única solução para seus problemas. — 200 —
— 201 —
Fagundes Varela Que entre os homens achei! O lago
(1841-1875) [escuro
Luís Nicolau Fagundes Varela nasceu Onde ao clarão dos fogos da
em 1841 na fazenda Santa Rita, município [tormenta
de Rio Claro, no estado do Rio de Miram-se as larvas fúnebres do
Janeiro. Sua infância foi vivida em diversos [estrago!
lugares: Catalão, Goiás, Angra dos Por toda a parte em que arrastei
Reis, Petrópolis e Niterói. Com dezoito anos [meu manto
velo para São Paulo e iniciou a Faculdade Deixei um traço fundo de agonias!...
de Direito. Entretanto, dedicava-se mais à Oh! quantas horas não gastei,
vida boêmia do que aos estudos. Em 1862 [sentado
casou-se e após um ano teve um filho, Sobre as costas bravias do Oceano,
Emiliano, que morreu aos três meses, fato Esperando que a vida se esvaísse
inspirador do Cântico do Calvário. No ano Como um floco de espuma, ou como
de 1865 vai para o Recife a fim de dedicar- [o friso
se aos estudos, porém sua esposa, Que deixa n'água o lenho do
que ficara na casa de seus pais, vem a [barqueiro!
falecer, provocando seu retorno a São Quantos momentos de loucura e
Paulo e à Faculdade de Direito. Casa-se [febre
novamente, vai para a fazenda Santa Rita Não consumi perdido nos desertos,
e em seguida para Niterói. Busca, no decorrer Escutando os rumores das florestas,
de sua vida, refúgio para suas aflições E procurando nessas vozes torvas
ora no álcool e na vida boêmia, ora Distinguir o meu cântico de morte!
na natureza. Em 1875 morre, deixando as Quantas noites de angústias e
obras Noturnas (1861), O Estandarte Auri- [delírios
Não velei, entre as sombras 1855. Seus escritos abrangem poesia de
[espreitando meditação filosófica e religiosa, poesia
A passagem veloz do gênio horrendo lírico-amorosa e poesia social (nativista e
Que o mundo abate ao galopar antilusitana), em que são marcantes a crise
[infrene religiosa e a angústia de infinito. Enxerga
Do selvagem corcel?... E tudo a morte como última possibilidade de paz.
[embalde!
A vida parecia ardente e douda
Alvares de Azevedo
Agarrar-se a meu ser!... E tu tão (1831 - 1 8 5 2)
[jovem, Manuel Antônio Álvares de Azevedo
Tão puro ainda, ainda n'alvorada, nasceu em São Paulo em 1831. Após
Ave banhada em mares de dois anos, muda-se com a família para o
[esperança, Rio de Janeiro, onde faz o curso primário
Rosa em botão, crisálida entre luzes, e secundário. Regressa para São Paulo
Foste o escolhido na tremenda ceifa! em 1848 e inicia a Faculdade de Direito.
Ah! quando a vez primeira em meus Entre seus amigos estão Bernardo Guimarães
[cabelos e Aureliano Lessa, que integravam
Senti bater teu hálito suave; a Sociedade Epicuréia, iniciada em
Quando em meus braços te cerrei, 1845 com o objetivo de repetir a vida boêmia
[ouvindo de Byron. Morre no ano de 1852, de
Pulsar-te o coração divino ainda; tuberculose, aos vinte anos de idade. Fazem
Quando fitei teus olhos sossegados, parte de suas Obras, em dois volumes,
Abismos de inocência e candura, a Lira dos Vinte Anos, sua melhor
E baixo e a medo murmurei: meu criação, Pedro Ivo, Macário (teatro), A
[filho! Noite na Taverna (contos macabros),
Meu filho! frase imensa, inexplicável, entre outros escritos.
Grata como o chorar de Madalena A poesia de Álvares de Azevedo
Aos pés do Redentor... ah! pelas por vezes segue a linha do humor negro,
[fibras caso dos poemas da segunda parte
Senti rugir o vento incendiado da Lira dos Vinte Anos.
Desse amor infinito que eterniza Percorrem suas poesias experiências
O consórcio dos orbes que se mais fruto da imaginação do que efetivamente
[enredam consumadas no plano sensorial.
Dos mistérios do ser na teia augusta! A mulher em determinados momentos
Que prende o céu à terra e a terra aparece idealizada, semelhante a um
[aos anjos! anjo; em outros surge numa atmosfera
Que se expande em torrentes de erotismo e sensualidade. Contudo,
[inefáveis em ambos os casos ela permanece inacessível,
Do seio imaculado de Maria! distante do poeta.
Cegou-me tanta luz! Errei, fui homem! Freqüentemente faz uso da evasão,
E de meu erro a punição cruenta fugindo da realidade para um mundo de
Na mesma glória que elevou-me aos sonhos e fantasias. Demonstra em seus
[astros, poemas tristeza, amargura, tédio e melancolia.
Chorando aos pés da cruz, hoje Teme a morte, mas ao mesmo tempo
[padeço! ela é bem-vinda, pois significa alívio para
(Apud CÂNDIDO, Antônio e José CASTELLO, as dores do corpo e da alma, como pode
Aderaldo. ser percebido no poema a seguir.
Presença da Literatura Brasileira: história e antologia
v.1, Lembrança de Morrer
p. 255-258.) No more! o never more!
Shelley
Junqueira Freire Quando em meu peito rebentar-se
[a fibra
(1832-1855) Que o espírito enlaça à dor vivente,
No ano de 1832, nasceu em Salvador, Não derramem por mim nem uma
Bahia, Luís José Junqueira Freire. [lágrima
Estudou no Liceu Provincial e posteriormente Em pálpebra demente.
ingressou na Ordem Beneditina, — 202 —
em 1851. Após ter professado, no ano E nem desfolhem na matéria impura
seguinte, adotou o nome de Frei Luís de A flor do vale que adormece ao vento:
Santa Escolástica Junqueira Freire. Em Não quero que uma nota de alegria
1854, deixou a vida religiosa e permaneceu Se cale por meu triste
na casa de seus pais, dedicando-se [passamento.
à criação literária. Escreveu Inspirações Eu deixo a vida como deixa o tédio
do Claustro (1855), Elementos de Retórica Do deserto, o poento caminheiro
Nacional (1869, póstumo) e Obras - Como as horas de um longo
Poéticas (1944, póstumo). Faleceu em
[pesadelo disso, Álvares de Azevedo busca despertar
Que se desfaz ao dobre de um a sensibilidade do leitor através
[sineiro; dos sentidos.
Como o desterro de minh'alma A figura da mulher também se faz
[errante, presente, idealizada e envolta num clima
Onde fogo insensato a consumia: de erotismo e sensualidade, povoando
Só levo uma saudade - é desses a imaginação e os sonhos do poeta.
[tempos Este é submisso à mulher amada,
Que amorosa ilusão embelecia. que se assemelha a um anjo e mostrase
Só levo uma saudade - é dessas cada vez mais distante.
[sombras A insatisfação com a realidade vivida
Que eu sentia velar nas noites pelo poeta, repleta de tristezas e
[minhas... sofrimentos, provoca nele um imenso
De ti, ó minha mãe, pobre coitada desejo de morte. Esta é uma imagem
Que por minha tristeza te definhas! recorrente em seus poemas, pois é
De meu pai... de meus únicos vista como a solução para os problemas
[amigos, terrenos e fim de todo sofrimento.
Poucos - bem poucos - e que não Um dos cenários de seus poemas
[zombavam é a pátria, que aparece através da natureza.
Quando, em noites de febre Além desta, o poeta faz referências
[endoudecido, à Itália, pois a considera um país
Minhas pálidas crenças de grandes realizações amorosas.
[duvidavam. Por outro lado, na segunda parte
Se uma lágrima as pálpebras me aparecem como características a revolta,
[inunda, a ironia, o sarcasmo e o humor.
Se um suspiro nos seios treme ainda O poeta apresenta ao leitor sua
É pela virgem que sonhei... que angústia interior e as contradições de
[nunca um ser que oscila entre a alegria e a
Aos lábios me encostou a face linda! tristeza, a emoção e a ironia, a moral e
Só tu à mocidade sonhadora o erotismo.
Do pálido poeta deste flores... Já na terceira parte da obra, trabalha
Se viveu, foi por ti! e de esperança basicamente com os mesmos elementos
De na vida gozar de teus amores. da primeira: amor, sonhos,
Beijarei a verdade santa e nua, pessimismo.
Verei cristalizar-se o sonho amigo... Diversas características do movimento
Ó minha virgem dos errantes sonhos, romântico, sobretudo da segunda
Filha do céu, eu vou amar contigo! geração, podem ser identificadas
Descansem o meu leito solitário na obra: exposição dos estados
Na floresta dos homens esquecida, da alma, fuga espaço-temporal da realidade,
À sombra de uma cruz, e escrevem procura do amor, vida boêmia,
[nela: imagens noturnas, mulher, morte. Utiliza
— Foi poeta - sonhou - e amou muitas palavras ligadas ao sonho
[a vida. - (sono, devaneios).
Sombras do vale, noites da montanha A obra tem forte relação com a
Que minha alma cantou e amava vida do poeta, pois este, ao mudar-se
[tanto, para São Paulo a fim de estudar Direito,
Protegei o meu corpo abandonado, não conseguiu adaptar-se ao ambiente
E no silêncio derramai-lhe canto! que encontrou, passando a viver
Mas quando preludia ave d'aurora isolado e melancólico e buscando
E quando à meia-noite o céu repousa, em sua fantasia a satisfação que a
Arvoredos do bosque, abri os vida real não lhe proporcionava. Daí
[ramos... deriva a vida boêmia e desregrada que
Deixai a lua pratear-me a lousa! figura em seus versos, conseqüência
(ApudMO\SÉS, Massaud. A Literatura Brasileira de suas leituras de poetas como Byron,
através Musset e Vitor Hugo e de sua grande
dos textos, p. 162-163.) capacidade imaginativa.
— 203 — A seguir são transcritos mais dois
— 204 — poemas da .Lira dos Vinte Anos: "É ela!
Lira dos Vinte Anos É ela! É ela! É ela!", que compõe a segunda
Lira dos Vinte Anos é uma obra parte da obra e demonstra a
estruturada em três partes. ironia e sarcasmo do poeta ao descrever
Na primeira delas, o poeta sonha sua amada, uma lavadeira que
com o amor e realiza um prenúncio da "roncava maviosa e pura" e "Seio da
morte. São constantes as imagens noturnas virgem", que integra a terceira parte
e relacionadas ao mar. Além da obra e expõe o desejo pela mulher,
agora idealizada e inacessível. O que me dá poesia
— 205 E me torna a vida bela,
É ela! É ela! É ela! É ela! O que num brando roçar
É ela! é ela - murmurei tremendo, Faz meu peito se agitar,
E o eco ao longe murmurou - é ela! É o teu seio, donzela!
Eu a vi... minha fada aérea e pura - Oh! quem pintara o cetim
A minha lavadeira na janela! Desses limões de marfim,
Dessas águas-furtadas onde eu Os leves cerúleos veios
[moro Na brancura deslumbrante
Eu a vejo estendendo no telhado E o tremido de teus seios?
Os vestidos de chita, as saias Quando os vejo, de paixão
[brancas; Sinto pruridos na mão
Eu a vejo e suspiro enamorado! De os apalpar e conter...
Esta noite eu ousei mais atrevido Sorriste do meu desejo?
Nas telhas que estalavam nos Loucura! Bastava um beijo
[meus passos Para neles se morrer!
Ir espiar seu venturoso sono, Minhas ternuras, donzela,
Vê-la mais bela de Morfeu nos Votei-as à forma bela
[braços! Daqueles frutos de neve...
Como dormia! que profundo sono!... Ai!... duas cândidas flores
Tinha na mão o ferro do Que o pressentir dos amores
[engomado... Faz palpitarem de leve.
Como roncava maviosa e pura!... Mimosos seios, mimosos,
Quase caí na rua desmaiado! Que dizem voluptuosos:
Afastei a janela, entrei medroso... "Amai, poetas, amai!
Palpitava-lhe o seio adormecido... Que misteriosas venturas
Fui beijá-la... roubei do seio dela Dormem nessas rosas puras
Um bilhete que estava ali metido... E se acordarão num ai!"
Oh! decerto... (pensei) é doce Que lírio, que nívea rosa,
[página Ou camélia cetinosa
Onde a alma derramou gentis Tem uma brancura assim?
[amores; Que flor da terra ou do céu,
São versos dela... que amanhã Que valha do seio teu
[decerto Esse morango ou rubim?
Ela me enviará cheio de flores... Quantos encantos sonhados
Trem de febre! Venturosa folha! Sinto estremecer velados
Quem pousasse contigo neste seio! Por teu cândido vestido!
Como Otelo beijando a sua esposa, Sem ver teu seio, donzela,
Eu beijei-a a tremer de devaneio... Suas delícias revela
É ela! é ela! - repeti tremendo; O poeta embevecido!
Mas cantou nesse instante uma Donzela, feliz do amante
[coruja... Que teu seio palpitante
Abri cioso a página secreta... Seio d'esposa fizer!
Oh! meu Deus! era um rol de Que dessa forma tão pura
[roupa suja! Fizer com mais formosura
Mas se Werther morreu por ver Seio de bela mulher!
[Carlota Feliz de mim... porém não!...
Dando pão com manteiga às Repouse teu coração
[criancinhas Da pureza no rosal!
Se achou-a assim mais bela, - eu Tenho no peito um aroma
[mais te adoro Que valha a rosa que assoma
Sonhando-te a lavar as camisinhas! No teu seio virginal?...
É ela! é ela! meu amor, minh'a alma, (Ibid,.pp. 88-90)
A Laura, a Beatriz que o céu — 207 —
[revela... Joaquim de Sousa
É ela! é ela! - murmurei tremendo,
E o eco ao longe suspirou - é ela! Andrade (Sousândrade)
(Álvares de Azevedo, Melhores Poemas de Lira dos
Vinle Anos, São Paulo, Núcleo, 1994, pp. 74-75) (1833-1902)
Seio da virgem Joaquim de Sousa Andrade nasceu
Quand on te vott, il vient à maints em 1833 no Maranhão. Graduou-se
Une envie dedans les mains em Letras pela Sorbonne, além de ter
Oe te tâter, de te tenir... estudado engenharia de minas. Fez diversas
Clement Marot viagens pela Europa e pelas repúblicas
— 206 latino-americanas, vindo a permanecer
O que eu sonho noite e dia, por longo tempo nos Estados
Unidos. Voltou a São Luís, onde ministrou Terríveis infinitos tempestuosos,
aulas de grego. Morreu na miséria e Nuvens flutuando - os espetác'los
praticamente desconhecido em 1902. [grandes -
Sousândrade (como preferia assinar) Eia, imaginação divina! Abrazo
publicou as Harpas selvagens, Do pensamento eterno - ei-lo
Eólias, O Guesa errante, O novo Éden. [magnífico
Após sua morte foram encontrados Aos Andes, que ondam alto ao
manuscritos inéditos: as Harpas d'ouro [Chimborazo,
e as Uras perdidas. Aos raios d'ínti, à voz do mar
Iniciou sua produção poética na [Pacífico!
segunda geração romântica, prolongando- Ondam montanhas, rebentadas curvas
a pela terceira geração. Produziu um Lançando umas sobre as outras,
trabalho original e inovador, mantendo [êneas, turvas,
poucas ligações com seus contemporâneos. Ante o manto extensíssimo de prata
Demonstrou forte preocupação De uma nuvem, quão límpida e
social. [quão grata!
O Guesa Ondam ermos, rochedo alto e selvagem;
O poema O Guesa errante (ou simplesmente S'estende o cortinado, a áurea
O Guesa) constitui seu principal [teagem;
trabalho, no qual utilizou uma tradição Sempre véu-luz à cada negra vaga
religiosa dos incas para elaborar Desses abismos, onde até se
um quadro poético da América. Entre os [apaga
incas, o guesa era um garoto afastado Do dia o resplendor mais fulguroso
dos pais e criado para o sacrifício ritual De revérbero à ausência; e mais
ao deus sol, sendo educado no templo [rareia
deste deus até os quinze anos. A partir Cerúleo, tão sagrado, tão saudoso -
de então, deveria fazer uma peregrinação Névoa, espiritual, etérea areia!
ritual. Quando esta se encerrava, Pureza criadora! ao pensamento
os "reques" (sacerdotes) o sacrificavam, O místico velame, que não arde,
flechando-o, arrancando seu coração Doce qual as solidões do sentimento
e recolhendo seu sangue em vasos Ouvindo voz celeste que nos
sagrados. [brade -
Quando as estrelas, cintiladas a esfera, Ó Lamartine! os cândidos países
Da luz radial rabiscam todo o Vejo, os longos além-mundos
[oceano, [sonhados,
Que uma brisa gentil de primavera, Onde os fortes revivem, que
Qual alva duna os alvejantes [felizes
[panos, São da tribo e dos seus sempre
Cândida assopra, - da hora Adamantina [lembrados.
Velando, nauta do convés, o Guesa As regiões formosas, onde as almas
Amava a solidão, doce bonina Habitam, dos guerreiros, que
Que abre e às doiradas alvoradas [lutaram
[reza. A existência, onde estão no Deus
Ora, no mar Pacífico renascem [das calmas
Os sentimentos, qual depois de E'i tranqüilos na glória
[um sonho [descansaram!
Os olhos de um menino se Caem trevas dos céus; anfiteatros
[comprazem Vão densas nuvens removendo
Grande-abertos aos céus de luz [à proa;
[risonhos. Do relâmpago as armas, nave e
Vasta amplidão - imensidade -iludem, [mastros
Côncavos céus, profunda E tudo, ameaçam co'o trovão que
[redondeza [atroa.
Do mar em luz - Quão amplos se Tarde este céu despertam, que nos tomam
[confundem Pelo inimigo invasor, e as cataratas
Na paz das águas e da natureza! Rompem hiemais em Gualaquil e
Nem uma vaga, nem florão d'espuma, [assomam
Ou vela ou íris à grandiosa calma, Ao Guesa, em vez de amor,
Onde eu navego (reino-amor de [sombras ingratas.
[Numa) Diria-se que os gênios da revolta
Qual navegava dentro da minha Apagam toda aurora, toda estrela
[alma! Mesmo em céu do Equador -
Eis-me nos horizontes luminosos! "Satânea escolta,
Eu vejo, qual eu via, os mundos Sustai o corso em minha pátria
[Andes, [bela!"
(Apud Massaud Moisés, A Literatura Brasileira através Oh! que saudades que tenho
dos textos, p. 208-209.) Da aurora da minha vida,
— 208 — Da minha infância querida
— 209 — Que os anos não trazem mais!
À sombra das bananeiras, Que amor, que sonhos, que flores,
Debaixo dos laranjais! Naquelas tardes fagueiras
Como são belos os dias — 210 —
Do despontar da existência! À roda das cachoeiras,
- Respira a alma inocência Atrás das asas ligeiras
Como perfumes a flor; Das borboletas azuis!
O mar é - lago sereno, Naqueles tempos ditosos
O céu - um manto azulado, la colher as pitangas,
O mundo - um sonho dourado, Trepava a tirar as mangas,
A vida - um hino d'amor! Brincava à beira do mar;
Que auroras, que sol, que vida, Rezava às Ave-Marias,
Que noites de melodia Achava o céu sempre lindo,
Naquela doce alegria, Adormecia sorrindo
Naquele ingênuo folgar! E despertava a cantar!
O céu bordado d'estrelas, (...)
A terra de aromas cheia, Oh! que saudades que tenho
As ondas beijando a areia Da aurora da minha vida,
E a lua beijando o mar! Da minha infância querida
Oh! dias da minha infância! Que os anos não trazem mais!
Oh! meu céu de primavera! - Que amor, que sonhos, que flores,
Que doce a vida não era Naquelas tardes fagueiras,
Nessa risonha manhã! À sombra das bananeiras,
Em vez das mágoas de agora, Debaixo dos laranjais!
Eu tinha nessas delícias Amor e Medo
De minha mãe as carícias
I
E beijos de minha irmã!
Quando eu te fujo e me desvio cauto
Livre filho das montanhas,
Da luz de fogo que te cerca, oh! bela,
Eu ia bem satisfeito,
Contigo dizes, suspirando amores:
Da camisa aberto o peito,
"- Meu Deus! que gelo, que frieza
- Pés descalços, braços nus -
[aquela!"
Correndo pelas campinas
Como te enganas! meu amor é
Casimiro de Abreu [chama
Que se alimenta no voraz segredo,
(1839-1860) E se te fujo é que te adoro louco...
Casimiro José Marques de Abreu És bela - eu moço; tens amor -
nasceu no Rio de Janeiro em 1839. Seu [eu medo!...
pai era um abastado fazendeiro e negociante Tenho medo de mim, de ti, de tudo,
português. Viveu sua infância no Da luz, da sombra, do silêncio ou
campo, deixando-o com o intuito de estudar [vozes,
Humanidades em Nova Friburgo. Das folhas secas, do chorar das
Antes de concluir seus estudos, foi para [fontes,
o Rio de Janeiro, a pedido do pai, exercer Das horas longas a correr velozes.
o comércio, não obtendo grande O véu da noite me atormenta em
êxito. Em seguida seguiu para Lisboa, [dores,
iniciando-se como poeta e dramaturgo. A luz da aurora me intumesce os
Retorna ao Rio, trazendo consigo os [seios,
manuscritos das Canções do êxito, que, E o vento fresco do cair das tardes
juntamente com outros escritos, integram Eu me estremeço de cruéis receios.
sua única obra poética: Primaveras, de É que esse vento que na várzea -
1859. Um ano depois vem a falecer de [ao longe,
tuberculose. Do colmo o fumo caprichoso
Evocou a pátria e a infância com [ondeia,
lirismo saudosista. Idealizou a mulher, Soprando um dia tornaria incêndio
em um misto de sentimentalidade e erotismo. A chama viva que teu riso ateia!
Entre outros temas, trabalhou os Ai! se abrasado crepitasse o
seguintes: Deus, natureza e morte. Possuía [cedro,
linguagem simples e marcada pela Cedendo ao raio que a tormenta
musicalidade. [envia,
Meus Oito Anos Diz: - que seria da plantinha
Oh! souvenirs! printemps! aurores! [humilde
V. Hugo Que à sombra dele tão feliz
[crescia? decadência da monarquia e para as lutas
A labareda que se enrosca ao abolicionistas. Entre os temas recorrentes
[tronco figura o sofrimento dos escravos,
Torrara a planta qual queimara merecendo destaque no tratamento
[o galho, desta questão o baiano Castro
E a pobre nunca reviver pudera Alves, que ficou conhecido como "o
Chovesse embora paternal poeta dos escravos". Esta geração é
[orvalho chamada de condoreira devido ao simbolismo
— 211 — do condor, ave que voa a grandes
Minhalma é Triste alturas, transmitindo-nos a sensação
Mon coeur est plein - je veux pleurer! de liberdade. Além disso, os poetas
Lamartine nesse momento demonstram altivez e
IV grandiloqüência, características que se
MinI'alma é triste como o grito agudo assemelham à ave.
Das arapongas no sertão deserto; — 212 —
E como o nauta sobre o mar sanhudo, Neste período, merecem destaque
Longe da praia que julgou tão perto! os oradores, com seus discursos persuasivos
A mocidade no sonhar florida nos teatros ou nas praças
Em mim foi beijo de lasciva virgem: públicas. A poesia torna-se uma forma
- Pulava o sangue e me fervia a vida, de protesto político e de denúncia das
Ardendo a fronte em bacanal injustiças sociais. O intimismo amoroso
[vertigem. ainda se faz presente, mas os poetas
De tanto fogo tinha a mente cheia!... passam a assumir um tom profético de
No afã da glória me atirei com ânsia... um mundo novo.
E, perto ou longe, quis beijar a s'reia Castro Alves
Que em doce canto me atraiu
[na infância. (1847-1871)
Ai! loucos sonhos de mancebo Antônio Frederico de Castro Alves
[ardente! nasceu em 1847 na Bahia, onde realizou
Esp'rança altas... Ei-las já tão rasas!... seus estudos secundários. Posteriormente
- Pombo selvagem, quis voar ingressou na Faculdade de
[contente... Direito do Recife, mas não chegou a
Feriu-me a bala no bater das asas! concluí-la. Apaixonou-se pela atriz Eugênia
Dizem que há gozos no correr Câmara, a quem escreveu uma
[da vida... peça teatral, e com ela viveu por algum
Só eu não sei em que o prazer tempo, não tardando a separar-se, o que
[consiste! lhe trouxe grande desânimo. Foi colega
- No amor, na glória, na mundana lida, de Rui Barbosa, Joaquim Nabuco e Salvador
Foram-se as flores - a minh'alma Mendonça. Morreu de tuberculose
[é triste! em 1871.
(Apud Massaud Moisés, A Literatura Brasileira através Escreveu Espumas Flutuantes
dostextos,p. 172-177.) (1870), Gonzaga ou A Revolução de Minas,
Laurindo Rabelo teatro (1876), A Cachoeira de Paulo
Afonso (1876), Os Escravos (1883).
(1826-1864) Tais obras demonstram fortes traços
Laurindo José da Silva Rabelo nasceu da personalidade do autor, como a
em 1826 no Rio de Janeiro. De origem exaltação da natureza brasileira e a dedicação
mestiça e humilde, cursou a Escola às causas humanas e sociais,
Militar, porém optou por Medicina, vindo entre elas o abolicionismo.
a formar-se na Faculdade da Bahia. Merece destaque a figura da mulher,
Ficou muito conhecido por seus repentes não idealizada, mas envolvida por uma
e solos de violão; compôs quadras, atmosfera de erotismo e sensualidade.
publicadas em 1853 intituladas Trovas. Poeta eloqüente, faz uso de forte
Serviu no Exército durante alguns anos sugestão visual e auditiva, além de hipérboles
como oficial médico e permaneceu como e antíteses. Procurou comunicarse
professor adido à Escola Militar pouco diretamente com o povo, com quem
antes de sua morte, em 1864. Utilizou identificava seus sentimentos.
fontes populares de forma criativa e O navio negreiro
simples. O navio negreiro, conhecido poema
de Castro Alves, mostra o sofrimento
Terceira Fase: dos negros ao serem transportados da
África para o Brasil em sujos navios,
Condoreira nos quais chegavam a permanecer por
Os poetas da terceira geração romântica cerca de três meses. Devido às condições
voltam sua atenção para a precárias a que eram submetidos,
muitos não resistiam e morriam no caminho. E da ronda fantástica a serpente
Este poema foi declamado por Castro Faz doudas espirais...
Alves pela primeira vez no dia 7 de Qual num sonho dantesco as
setembro de 1868, numa comemoração [sombras voam!...
da Independência do Brasil. Gritos, ais, maldições, preces
/ [ressoam!
'Stamos em pleno mar... Doudo no E ri-se Satanás!...
[espaço V
Brinca o luar - dourada borboleta - Senhor Deus dos desgraçados!
E as vagas após ele correm... Dizei-me vós, Senhor Deus!
[cansam Se é loucura... se é verdade
Como turba de infantes inquieta. Tanto horror perante os céus?!
'Stamos em pleno mar... Ó mar, por que não apagas
[Do firmamento Coa esponja de tuas vagas
Os astros saltam como espumas De teu manto este borrão?...
[de ouro... Astros! noite! Tempestades!
O mar em troca acende as ardentias, Varrei os mares, tufão!
- Constelações do líquido tesouro... Quem são estes desgraçados
(...) Que não encontram em vós
IV — 213 —
Era um sonho dantesco... o Mais que o rir calmo da turba
[tombadilho Que excita a fúria do algoz?
Que das luzemas avermelha o Quem são? Se a estrela se cala,
[brilho, Se a vaga à pressa resvala
Em sangue a se banhar. Como um cúmplice fugaz,
Tinir de ferros... estalar de açoite... Perante a noite confusa...
Legiões de homens negros como Dize-o tu, severa Musa,
[a noite, Musa libérrima, audaz!...
Horrendos a dançar... São os filhos do deserto,
Negras mulheres, suspendendo Onde a terra esposa a luz.
[às tetas Onde vive em campo aberto
Magras crianças, cujas bocas A tribo dos homens nus...
[pretas São guerreiros ousados
Rega o sangue das mães: Que com os tigres mosqueados
Outras, moças, mas nuas e Combatem na solidão.
[espantadas, Homens simples, fortes, bravos...
No turbilhão de espectros Hoje míseros escravos,
[arrastadas, Se luz, sem ar, sem razão...
Em ânsia e mágoa vãs! São mulheres desgraçadas,
E ri-se a orquestra, irônica, Como Agar o foi também.
[estridente... Que sedentas, alquebradas
E da ronda fantástica a serpente De longe... bem longe vêm.
Faz doudas espirais... Trazendo com tíbios passos,
Se o velho arqueja, se no chão Filhos e algemas nos braços,
[resvala, Nalma - lágrimas e fel...
Ouvem-se gritos... o chicote estala. Como Agar sofrendo tanto,
E voam mais e mais... Que nem o leite do pranto
Presa nos elos de uma só cadeia, Tem que dar para Ismael.
A multidão faminta cambaleia, (...)
E chora e dança ali! (Apud Antonio Candido e José Aderaldo Castello,
Um de raiva delira, outro Presença da Literatura Brasileira, pp. 264-270.)
[enlouquece,
Outro, que de martírios embrutece,
Prosa
Cantando, geme e ri! Durante o Romantismo houve um
No entanto o capitão manda significativo desenvolvimento da prosa
[a manobra. de ficção brasileira, sobretudo do romance,
E após fitando o céu que se devido à existência de um público
[desdobra consumidor e de autores que iam ao
Tão puro sobre o mar, encontro das aspirações do mesmo.
Diz do fumo entre os densos Diversos temas foram trabalhados,
[nevoeiros: destacando-se nitidamente o desejo de
"Vibrai rijo o chicote, marinheiros! criação de uma arte nacional. Dessa forma,
Fazei-os mais dançar!..." o romance romântico tornou-se um
E ri-se a orquestra irônica, modo de investigação da realidade brasileira.
[estridente... O teatro também se desenvolveu
neste período, marcado por clara intenção um modesto precursor de Machado de
nacionalista e pelo aparecimento de Assis".
um público urbano ligado ao comércio e Entre seus escritos estão os romances
à burocracia do governo imperial. O Guarani (1857), Cinco Minutos
Com a consolidação do romance (1860), As Minas de Prata (1862),
como texto preferido pelo público e a Lucíola (1862), Iracema (1865), O Gaúcho
tentativa de integrá-lo ao projeto nacionalista (1870), A Pata da Gazela (1870), O
do Romantismo, algumas tendências Tronco do Ipê (1871), Sonhos d'Ouro
foram desenvolvidas. Entre estas (1872), Til (1872), Ubirajara (1874),
se destacam o romance de costumes, o Senhora (1875), O Sertanejo (1875). Há
romance regionalista, o romance histórico também as peças teatrais A Noite de
e o romance indianista. Merecem São João (1857), O Rio de Janeiro -
destaque entre os romancistas desta Verso e Reverso (1857), O Demônio
fase Joaquim Manuel de Macedo, Manuel Familiar (1858), As Asas de um Anjo
Antônio de Almeida, José de Alencar, (1860), Mãe (1862), O Jesuíta (1875),
Bernardo Guimarães, Visconde de Taunay além de crônica, ensaio, biografia e doutrina
e Franklin Távora. Já no teatro devese política.
ressaltara produção de Martins Pena. O Guarani
José Martiniano de Alencar nasceu No ano de 1857, periodicamente os
em Mecejana, Ceará, em 1829. Realizou folhetins do Diário do Rio de Janeiro
José de Alencar abrigavam em suas páginas parte do
enredo de O Guarani, que era aguardado
(1829-1877) com grande expectativa pelo público
— 214 — leitor da época e encarado por este como
— 215 — literatura de entretenimento.
seus estudos elementares e secundários A obra é composta de cinqüenta e
no Rio de Janeiro e em 1843 mudouse quatro capítulos e estruturada em quatro
para São Paulo, a fim de cursar a grandes partes: Os aventureiros,
Faculdade de Direito. Já formado, em Peri, Os Aimorés e A Catástrofe.
1850 retorna ao Rio de Janeiro e atua O tempo e o espaço são apresentados
como advogado e jornalista, além de ao leitor na primeira parte. A ação
dedicar-se ao funcionalismo e à política. ocorre em 1604, inicio de nossa coloni-
Faleceu em 1877. '"Antonio Candido e José Aderaldo Castello, Presença
Inicia sua carreira literária com as da Literatura Brasileira, p. 194.
crônicas reunidas sob o título de Ao Correr — 216 —
da Pena (1856). Publica nesse mesmo zação. O cenário, descrito logo no início
ano artigos que criticam o poema épico da obra, é a selva, merecendo destaque
A Confederação dos Tamoios, de Gonçalves por parte do autor o rio Paquequer, afluente
de Magalhães. Além das criticas, do Paraíba do Sul. Em meio a esta
propõe um programa de uma literatura nacional, natureza surgirá o bravo índio Peri. Além
criada a partir das tradições indígenas da selva, o espaço envolve a casa do
e da descrição da natureza, não Paquequer, fortaleza semelhante a um
deixando de respeitar uma rigorosa consciência castelo medieval, onde vive D. Antônio
estética. de Mariz, nobre valoroso, de conduta
Pode-se dividir a obra de Alencar regrada, que se estabeleceu no Brasil
em três fases. Na primeira, de 1856 a depois da derrota dos portugueses em
1864, publicou alguns significativos romances Alcácer-Quibir e a anexação das coroas
e quase todos os seus textos portuguesa e espanhola no reinado de
teatrais. A segunda fase vai de 1866 a Felipe II.
1869 e é composta somente por escritos Aparecem nitidamente na obra dois
políticos. Já na terceira fase, de 1870 a elementos fundamentais caracterizadores
1875, publica oito livros de ficção, marcando da colonização portuguesa: a intenção
um novo momento em sua criação catequizadora (Peri converte-se
literária. ao cristianismo) e o desejo de riqueza
Em sua obra é indissociável a relação fácil.
entre o ser humano e o mundo. Demonstra Alencar demonstra sua visão do
forte percepção da realidade processo de colonização, em que nobres
social, chegando à descrição realista dos portugueses, ao lado de aventureiros,
costumes, das relações entre as pessoas estabelecem-se no país, trazendo
e da vida interior. Segundo Antonio hábitos e costumes que pouco a pouco
Candido e José Aderaldo Castello10, Alencar se estendem aos índios.
demonstrou "a capacidade de desmascarar Nesse contexto sobressaem-se as
e denunciar certos aspectos figuras de Ceci e Peri. Ceci, filha de D.
da realidade social e individual, fazendo Antônio, é uma jovem bela, angelical e
dele, apesar da idealização romântica, que demonstra nobreza de espírito. Peri
constitui-se um modelo de herói, pois das margens do rio, que corria no meio
demonstra possuir grandes virtudes, tais das arcarias de verdura e dos capitéis
como lealdade, força e coragem. Além formados pelos leques das palmeiras.
disso, faz lembrar o mito do bom selvagem Tudo era grande e pomposo no
de Rousseau, pois aparece como cenário que a natureza, sublime artista,
um ser humano de natureza essencialmente tinha decorado para os dramas majestosos
boa, não corrompido pela sociedade. dos elementos, em que o homem
Por diversas vezes salva Ceci da é apenas um simples comparsa.
morte e, no final do romance, a narração No ano da graça de 1604, o lugar
sugere que ambos se unem, simbolizando que acabamos de descrever estava
a formação da nacionalidade deserto e inculto; a cidade do Rio de
brasileira. Janeiro tinha-se fundado havia menos
O fragmento a seguir compõe o primeiro de meio século, e a civilização não tivera
capítulo de O Guarani, em que o tempo de penetrar o interior.
narrador descreve a selva, principal cenário Entretanto, via-se à margem direita
do romance. do rio uma casa larga e espaçosa,
Primeira Parte: Os Aventureiros construída sobre uma eminência, e protegida
I-CENÁRIO de todos os lados por uma muralha
De um dos cabeços da Serra dos de rocha cortada a pique.
Órgãos desliza um fio de água que se A esplanada, sobre que estava
dirige para o norte, e engrossado com assentado o edifício, formava um semicírculo
os mananciais que recebe no seu curso irregular que teria quando muito
de dez léguas, torna-se rio caudal. cinqüenta braças quadradas; do lado
É o Paquequer. saltando de cascata do norte havia uma espécie de escada
em cascata, enroscando-se como de lajedo feita metade pela natureza e
uma serpente, vai depois se espreguiçar metade pela arte.
na várzea e embeber no Paraíba, Descendo dois ou três dos largos
que rola majestosamente em seu vasto degraus de pedra da escada, encontrava-
leito. se uma ponte de madeira solidamente
Dir-se-ia que, vassalo e tributário construída sobre uma fenda larga e
desse rei das águas, o pequeno rio, altivo profunda que se abria na rocha. Continuando
e sobranceiro contra os rochedos, a descer, chegava-se à beira
curva-se humildemente aos pés do suserano. do rio, que se curvava em seio gracioso,
Perde então a beleza selvática; sombreado pelas grandes gameleiras
suas ondas são calmas e serenas como e angelins que cresciam ao longo
as de um lago, e não se revoltam contra das margens.
os barcos e as canoas que resvalam (...)
sobre elas: escravo submisso, sofre o (José de Alencar, O Guarani, São Paulo: Ática, 1996.
látego do senhor. p. 15-16.)
Não ó neste lugar que ele deve ser Visconde de Taunay
visto; sim três ou quatro léguas acima
de sua foz, onde é livre ainda, como o (1843-1899)
filho indómito desta pátria de liberdade. Alfredo d' Escragnolle Taunay nasceu
no Rio de Janeiro em 1843. Formouse
em Letras no Colégio Pedro II e em
Ciências Físicas e Matemáticas na Escola
Aí, o Paquequer lança-se rápido Militar. Participou como engenheiro
sobre o seu leito, e atravessa as florestas militar da Guerra do Paraguai. Chegou
como o tapir, espumando, deixando ao cargo de Major, porém deixou o exército,
o pêlo esparso pelas pontas do rochedo, passando a dedicar-se ao magistério
e enchendo a solidão com o estampido e à política. Abandonou-a em 1889,
de sua carreira. De repente, falta-lhe exercendo a função de Senador por lealdade
o espaço, foge-lhe a terra; o soberbo rio à Monarquia. Faleceu em 1899
recua um momento para concentrar as no estado natal.
suas forças, e precipita-se de um só Escreveu obras de ficção (A Mocidade
arremesso, como o tigre sobre a presa. de Trajano - 1871; Inocência
Depois, fatigado do esforço supremo, - 1872; Lágrimas do Coração - 1873;
se estende sobre a terra, e adormece posteriormente divulgado com o título
numa linda bacia que a natureza formou, de Manuscrito de uma mulher, Histórias
e onde o recebe como em um leito Brasileiras - contos - 1874; Narrativas
de noiva, sob as cortinas de trepadeiras Militares - contos - 1878); livros
e flores agrestes. que tratam da guerra e do sertão
A vegetação nessas paragens ostentava (Cenas de Viagem - 1868; Diário do
outrora todo o seu luxo e vigor; Exército - 1870; A Retirada da Laguna
florestas virgens se estendiam ao longo - 1871; Céus e Terras do Brasil -
1882); depoimento e autobiografia — 219 —
{Reminiscências Ao descrever os quadros naturais,
- 1908; Memórias - relaciona a vivência afetiva à experiência
1948); Teatro (Por um triz Coronel - proporcionada pela natureza. Dessa
1880; Amélia Smith - 1886; Da mão à forma, acentua-se nele a saudade e
boca se perde a sopa - 1874); entre a busca pela solidão e o isolamento, a
outros. fim de reencontrar o equilíbrio que o campo
Dentre seus romances podemos pode proporcionar. Descreve rios,
destacar Inocência, obra do regionalismo animais e outros elementos da paisagem
romântico que nos apresenta o que evoca e acaba por relembrar
sertão mato-grossense, com sua linguagem, antigos amores.
usos e costumes, além de discutir O satanismo e a perversidade também
o papel social da mulher nas culturas fizeram parte de sua poesia, ao
sertaneja e urbana. lado de um tom melancólico e triste. Entretanto,
Inocência este cedeu lugar à serenidade,
Inocência era filha única de Pereira, a um aguçado senso de humor e a uma
mineiro viúvo. Nutria uma paixão por atitude otimista diante da vida, traço importante
Cirino, curandeiro que fingia ser médico de sua obra.
e que estava em sua casa a pedido do No que diz respeito ao texto narrativo,
pai, a fim de tratar da saúde dela. Contudo, Bernardo Guimarães adotou como
a jovem estava prometida a Manecão, principais cenários para seus romances
rústico vaqueiro. Inocência e Cirino vivem os sertões mineiro e goiano, caso das
um romance, que é descoberto por importantes obras O Ermitão do Muquém,
Tico, um anão que observava a moça. O Seminarista, O Garimpeiro, O
Manecão mata Cirino e passado algum índio Afonso, A Filha do Fazendeiro.
tempo Inocência morre. Observa a vida sertaneja, com
seus tipos humanos, marcados por condições
Bernardo Guimarães psíquicas e sociais peculiares.
(1825-1884) As paixões amorosas são tratadas
Bernardo Joaquim da Silva Guimarães de forma natural e por diversas vezes
nasceu em Ouro Preto, Minas Gerais, aparecem vinculadas a manifestações
em 1825. Graduou-se em Direito fisiológicas. Com a mesma naturalidade
em São Paulo e atuou como jornalista, os instintos se fazem presentes, sendo
juiz e professor. Faleceu em 1884 na as heroínas marcadas não tanto pela
cidade natal. beleza, mas pela sensualidade.
Escreveu poesia (Contos da Solidão Apesar de apontar para alguns
- 1852; Poesias - 1865; Novas elementos do naturalismo, como bem
Poesias - 1876; Folhas de Outono - ressaltou Antônio Cândido" seria mais
1883); ficção (O Ermitão de Muquém - oportuno falar de uma naturalidade em
1869; Lendas e Romances - 1871; O Bernardo Guimarães do que propriamente
Garimpeiro - 1872; Lendas e Tradições em naturalismo.
da Província de Minas Gerais - 1872; O Seminarista
O Seminarista - 1872; O índio Afonso - Considerado pela crítica o melhor
1873; A Escrava Isaura - 1875; Maurício de seus livros, O Seminarista retrata o
ou Os Paulistas em São João d'EIRei sentimento amoroso de um jovem padre
- 1877; A Ilha Maldita, O Pão de por uma amiga de infância. Eugênio e
Ouro - 1879; Rosaura, a Enjeitada - Margarida entregam-se ao amor, porém
1883; O Bandido do Rio das Mortes - a moça morre e ele enlouquece.
1904) e teatro (A voz do Pajé - 1914). Bernardo Guimarães mostra o conflito
Bernardo Guimarães expressou em interior de Eugênio, que oscila entre
sua poesia o mundo exterior, demonstrando uma disposição espiritual e um anseio
a vivência no meio paulistano, amoroso, mais precisamente a contradição
porém, vale mencionar como elementos entre carne e espírito.
mais relevantes de sua obra poética o /
encanto pela vida, a natureza e o prazer. A uma légua, pouco mais ou menos,
Além disso, construiu textos dotados da antiga vila de Tamanduá, na província
de musicalidade e demonstrou forte de Minas Gerais, e a pouca distância da
preocupação com a métrica. estrada que vai para a vizinha vila da
A natureza causava-lhe grande fascínio Formiga, via-se, há de haver quarenta
e, ao contrário de outros românticos, anos, uma pequena e pobre casa, mas
o autor de Folhas de Outono apresenta- alva, risonha e nova. Uma porta e duas
a não como um espelho de seus janelinhas formavam toda a sua frente.
estados de alma, mas como cenário Um estreito caminho, partindo da
evocativo de sensações e sentimentos. porta da casa, cortava o vargedo e ia
— 218 — atravessar o capão e o córrego, por uma
pontezinha de madeira, fechada do outro - Qual!... não vê que ela me dá!... e
lado por uma tranqueira de varas. eu que tenho tanta vontade de ter a minha
Junto à ponte, de um lado e outro do caminho, vaquinha. Há que tempo Dindinha
viam-se duas corpulentas paineiras, prometeu de me dar uma bezerra e até
cujos galhos, entrelaçando-se no hoje estou esperando...
ar, formavam uma arcada de verdura, à - Mamãe?... ora!... é porque ela se
entrada do campo onde pastava o gado. esqueceu... deixa estar, que eu hei de
Antônio Cândido e José Aderaldo Castello, Formação falar com ela... mas não, eu mesmo é
da Literatura Brasileira, v. 2, p. 215. que hei de te dar uma novilha pintada
Era uma bela tarde de janeiro. Dois muito bonitinha que eu tenho. Assim como
meninos brincavam à sombra das paineiras: assim, eu tenho de me ir embora mesmo,
um rapazinho de doze a treze que quero eu fazer com a criação?
anos e uma menina, que parecia ser - Como é isso?... - exclamou Margarida
pouco mais nova do que ele. com surpresa.
A menina era morena, de olhos - Pois você vai-se embora?...
grandes, negros e cheios de vivacidade, - Vou, Margarida; pois você ainda
de corpo esbelto e flexível como o não sabia?...
pendão da imbaúba. - Eu não; que me havia de contar?
O rapaz era alvo, de cabelos castanhos, Para onde é que você vai, então?
de olhar meigo e plácido e em — 220 —
sua fisionomia como em todo o seu ser — 221 —
transluziam indícios de uma índole pacata, - Vou para o estudo, Margarida;
doce e branca. papai mais mamãe querem que eu vá
A menina, sentada sobre a relva, estudar para padre.
despencava um molho de flores silvestres - Deveras, Eugênio!... ah! Meu
de que estava fabricando um ramalhete, Deus!... que idéia!... e é muito longe esse
enquanto seu companheiro, atracando- estudo?
se como um macaco aos galhos - Eu sei lá; eles estão falando que
das paineiras, balançou-se no ar, fazia eu vou para Congonhas...
mil passes e piruetas para diverti-la. - Congonhas!... ah! já ouvi falar nessa
Perto deles, espalhados no vargedo, terra; não é onde moram os padres
umas três ou quatro vacas e mais santos?... ah! meu Deus! isso é muito
alguns reses estavam tosando tranqüilamente longe!
o fresco e viçoso capim. - Qual longe!... tanta gente já tem
O sol, que já não se via no céu, tocava ido lá e vem outra vez. Mamãe já mandou
com uma luz de ouro os topes abaulados fazer batina, sobrepeliz, barrete e
dos altos espigões; uma aragem tudo. Quando tudo ficar pronto, eu hei
quase imperceptível mal rumorejava pelas de vir cá vestido de padre para você
abas do capão e esvoaçava por ver que tal fico.
aquelas baixadas cheias de sombra. - Tomara eu ver já!... você há de
- Vamos, Eugênio. São horas... vamos ficar um padrinho bem bonitinho!
apartar os bezerros e tocar as vacas - E quando eu for padre, você há
para a outra banda. de ir por força ouvir a minha primeira
Dizendo isto, a menina levanta-se missa, não há de, Margarida?...
da relva, e, atirando para trás dos ombros - Se hei dei... e também mais um
os negros e compridos cabelos, coisa, que hei de fazer... adivinha o que
sacudiu do regaço uma nuvem de flores é?...
despencadas. - O que é?... fala.
- Pois vamos lá com isso, Margarida, - Mamãe costuma dizer, que eu já
exclamou Eugênio, vindo ao chão de estou ficando grande, e que daqui a um
um salto, e ambos foram ajuntar as poucas ano bem posso me confessar, e para
vacas que ali andavam pastando. isso anda me ensinando doutrina; mas
- Arre! Com mil diabos!... que bezerrada eu não tenho ânimo de me confessar a
mofina! - exclamou o rapaz tangendo padre nenhum... Deus me livre! tenho
os bezerros. - Por que é que estes um medo... uma vergonha! mas com você
bezerros da tia Umbelina andam é outro caso estou pronta, e por isso
sempre assim tão magros? não quero me confessar enquanto você
- Ora! Pois, que é que você quer? não for padre...
Mamãe tira quase todo o leite das vacas, - Está dito, Margarida; prometo que
e deixa um pinguinho só para os há de ser você a primeira pessoa que
pobres bezerros. Por isso mesmo quase hei de confessar; antes disso, não confesso
nenhuma cria pode vingar, e algum pessoa nenhuma, nenhuma desta
que escapa mamãe vende logo. vida; eu te juro, Margarida.
- E por que é que ela não te dá uma - Muito bem! muito bem! está dito.
bezerrinha? aquela vermelhinha estava Agora me conta, Eugênio; quando é que
bem bonita para você...
você vai-se embora? Segundo Antônio Cândido1 2 , possuía
- É para o mês que vem... uma visão da sociedade e do homem
- Ah! meu Deus! pois já tão depressa! estreita e superficial, além de pouco
e você não há de ficar com saudade senso estético.
de mim!... A moreninha
- Se fico!... muita, muita saudade, Carolina e Augusto se amavam e já
Margarida: - quando penso nisso fico haviam até jurado eterna felicidade em
tão triste, que me dá vontade de chorar. sua infância, porém o pai do rapaz se
- E eu, pobre de mim!... como vou opunha ao relacionamento. Apesar disso,
ficar tão sozinha! com quem é que eu após alguns contratempos o casamento
hei de brincar daqui em diante?... não se consuma e assiste-se a um
sei como há de ser, meu Deus!... final feliz.
(...) VI
(Bernardo Guimarães, O Seminarista, São Paulo, Ática, Augusto com seus amores
1973, p.7-9.) (...)
A Escrava Isaura D. Carolina, pelo contrário, havia
Dentre os livros de Bernardo Guimarães, rejeitado dez braços. Queria passear
A Escrava Isaura foi o que obteve só. Um braço era uma prisão e a engraçada
mais popularidade, apesar de pecar Moreninha gostava, sobretudo, da
por alguns exageros românticos. liberdade. Ela queria correr, saltar e entreter
Retrata a história de uma escrava com as outras diante de todos, e
branca, educada com refinamento e que daqui a pouco ser a última no passeio,
sofria com as injustiças e crueldades viva, com os olhos brilhantes, ágil, e com
de um senhor. seu pezinho sempre pronto para a carreira;
Uma imponente fazenda em Campos, inocente para não se envergonhar
no Recife, compõe o cenário deste de suas travessuras e criada com mimo
romance, que aborda a questão abolicionista, demais para prestar atenção ao conselho
muito discutida na época. de seu Irmão, estava em toda a parte,
Joaquim Manuel via, observava tudo, e de tudo tirava
partido para rir-se. Em contínua hostilidade
de Macedo com todas aquelas que passeavam
(1820-1882) com moços, de cada vista d'olhos,
de cada suspiro, de cada ação que percebia,
Joaquim Manuel de Macedo nasceu
tirava motivo para seus epigra-
em São João do Itaboraí, Rio de Janeiro,
,Ibid,p.127.
em 1820. Graduou-se em Medicina, porém
— 222 —
não chegou a atuar como médico.
— 223 —
Exerceu o magistério no Colégio Pedro
mas; e, inimigo invencível, porque não
II, foi deputado e jornalista. Faleceu no
tinha fraco por onde fosse atacado, era
Rio de Janeiro no ano de 1882.
por isso temido e arriscado. Deixemo-la,
A sua obra de maior importância é A
pois, correr e saltar, aparecer e desaparecer
Moreninha (1844), pois se tornou um marco
ao mesmo tempo; nem à nossa pena
para o romance brasileiro, além de obter
é dado o poder de acompanhá-la, que
grande sucesso junto ao público. Trabalha
ela é tão rápida como o pensamento.
neste romance a posição da mulher,
Finalmente, o pobre Augusto encontrou
considerada na época meio de enriquecimento
uma senhora que teve piedade
ou qualificação através do casamento,
dele. Estão afastados do resto da companhia,
já que as moças costumavam
e conversavam. Vamos ouvi-los.
casar levando um dote a seu futuro marido.
- Com efeito, disse a sr8 d. Ana,
Contudo, transmitiu uma visão conservadora,
devo confessar que me espantei ouvindo-
reforçando nas mulheres a
o sustentar com tão vivo fogo a inconstância
idéia de que eram destinadas ao casamento
do amor.
e só através dele encontrariam a
- Mas, minha senhora, não sei por
felicidade. Além de romances, escreveu
que se quer espantar!... é uma opinião.
contos, novelas, teatro, poesia, relatos
- Um erro, senhor!... ou, melhor ainda,
biográficos, sátiras de costumes, crônicas
um sistema perigoso e capaz de produzir
e obras de caráter didático. Eis algumas
grandes males.
de suas obras: O Moço Loiro (1845),
- Eis o que também me espanta!
A Luneta Mágica; O Cego (1849); O Novo
- Não senhor, nada há aqui que
Otelo (1860); A Nebulosa (1857); Memórias
exagerado seja; rogo-lhe que por um
do Sobrinho de meu Tio (1868).
instante pense comigo; se o seu sistema
Sua prosa assemelha-se à fala diária,
é bom, deve ser seguido por todos;
estando seus romances muito próximos
e se assim acontecesse, onde iria assentar
da narrativa oral. Além disso, procurava
o sossego das famílias, a paz
observar o mundo a sua volta e
dos esposos, se lhe faltava a sua base
retratava-o com certa simplicidade.
- a constância?... corrente à bacia de pedra, estava um
Augusto guardou silêncio e ela continuou: copo de prata, para servir a quem quisesse
- Eu devo crer que o sr. Augusto provar da boa água do rochedo.
pensa de maneira absolutamente diversa Foi este lugar escolhido por Augusto
daquela peia qual se explicou; consinta para fazer suas revelações à digna
que lhe diga: no seu pretendido hóspeda.
sistema, o que há é muita velhacaria; O estudante, depois de certificarse
finge não se curvar por muito tempo diante de que toda a companhia estava longe,
de beleza alguma, para plantar no veio sentar-se junto da sr.a d. Ana,
amor-próprio das moças o desejo de triunfar no banco de relva, e começou a história
de sua inconstância. dos seus amores.
- Não, minha senhora, o único partido Joaquim Manuel de Macedo, A Moreninha, São Paulo.
que eu procuro e tenho conseguido Melhoramentos, 1963, pp. 64-67.
tirar, é o sossego de que há algum tempo Manuel Antônio de Almeida
gozo.
- Como? (1831 - 1 8 6 1)
- É uma história muito longa, mas que De origem humilde, Manuel Antônio
eu resumirei em poucas palavras. Com de Almeida nasceu em 1831 no Rio de
efeito, não sou tal qual me pintei durante Janeiro. Cursou a Escola de Belas Artes,
o jantar. Não tenho a louca mania de porém não chegou a concluí-la. Em
amar um belo ideal, como pretendi fazer 1855 formou-se médico, mas não exerceu
crer; porém, o certo é que eu sou e quero a profissão. Foi jornalista e funcionário
ser inconstante com todas e conservar- público e freqüentou as rodas literárias.
me firme no amor de uma só. Faleceu em 1861 no naufrágio
- Então o senhor já ama? do vapor Hermes, próximo de Macaé.
- Julgo que sim. Memórias de um Sargento de Milícias
- A uma moça? constituiu sua única obra de destaque
- Pois então a quem? pela originalidade. Foi publicada em
- Sem dúvida bela?... folhetins anônimos e depois em dois
- Creio que deve ser. volumes (1854-55).
- Pois o senhor não sabe?... Trata-se de um romance de costumes
- Juro que não. que retrata as camadas populares
- O seu semblante? do Rio de Janeiro na época de D. João
- Não me lembro dele. VI, com suas festas religiosas, os ajustes
- Mora na corte?... matrimoniais, além de expor os hábitos
- Ignoro-o. pouco castos do clero.
- Vê-a muitas vezes? O protagonista é Leonardo, filho
- Nunca. enjeitado de Leonardo Pacata e de Maria
- Como se chama? da Hortaliça, que fora criado pelo
- Desejo sabê-lo. padrinho e depois pela madrinha e desde
- Que mistério!... cedo dava demonstrações de traquinagem.
- Eu devo mostrar-me grato à bondade Amava Luisinha, mas esta se
com que tenho sido tratado, satisfazendo casara com José Manoel. É preso pelo
a curiosidade que vejo muito Major Vidigal, depois ganha a liberdade
avivada no seu rosto; e, pois, a senhora e torna-se praça. Algum tempo depois
vai ouvir o que ainda não ouviu nenhum retoma à prisão, novamente é liberto e é
dos meus amigos, o que eu não promovido a sargento de milícias, José
lhes diria, porque eles provavelmente Manuel morre e Leonardo casa-se com
rir-se-iam de mim. Se deseja saber o Luisinha.
— 224 —
mais interessante episódio de minha
Frânklin Távora
vida, entremos nesta gruta, onde praticaremos (1842-1888)
livres de testemunhas e mais João Franklin da Silveira Távora nasceu
em liberdade. em 1842, em Baturité, Ceará. Estudou
Entraram. Direito em Pernambuco e transferiuse
Era uma gruta pouco espaçosa e para o Rio de Janeiro. Trabalhou como
cavada na base de um rochedo que dominava funcionário e co-diretor da Revista Brasileira,
o mar. Entrava-se por uma abertura a qual fundou. Faleceu em 1888
alta e larga, como qualquer porta no Rio de Janeiro.
ordinária. Ao lado direito havia um bando Escreveu ficção (O Cabeleira -
de relva, em que poderiam sentar-se a 1876; O Matuto - 1878); teatro {Um
gosto três pessoas; no fundo via-se uma — 225 —
pequena bacia de pedra, onde caía, gota Mistério de Família) e crítica (Cartas a
a gota, límpida e íresca água que do alto Cincinato - 1870).
do rochedo se destilava; preso por uma
consciência nacional ao rigor
Teatro estético. De sua vasta e influente
obra, destacamos O Guarani
Martins Pena (1857), Iracema (1865), Ubirajara
(1815-1848) (1874), O Sertanejo (1875).
Luís Carlos Martins Pena nasceu no • Manuel Antônio de Almeida: deixou
Rio de Janeiro em 1815. Estudou comércio Memórias de um Sargento de
entre 1832 e 1834. Escreveu peças Milícias (1855), importante retrato do
de teatro e folhetins anônimos intitulados Rio de Janeiro do período joanino.
de Semana Lírica, ganhando prestígio
junto ao público. Dirigiu-se a Londres em Realismo-
1847 como funcionário da Embaixada.
Tempos depois adoeceu de tuberculose
e faleceu no Brasil em 1848.
Naturalismo
Escreveu muitas comédias: O Juiz A economia açucareira encontrase
de Paz na Roça; Quem casa, quer em decadência e esta situação agrava-
casa; Um Segredo de Estado. se ainda mais com a extinção do tráfico
Utilizou-se da linguagem coloquial negreiro em 1850. Com isso, o eixo
e explorou o contato de tipos roceiros econômico desloca-se para o Sul e há
com a Corte. um ambiente favorável ao pensamento
liberal, abolicionista e republicano. O país
Resumo do Romantismo recebe influências do Positivismo e
Momento sócio-cultural Evolucionismo.
• Recém independente, o Brasil procura O Positivismo foi criado por Augusto
afirmar sua individualidade Comte (1798-1857) com o Curso de Filosofia
como nação, busca o reconhecimento Positiva, obra em seis volumes,
perante outras nações. publicada entre 1830 e 1842. Nela defende
• Ascensão da burguesia e de seus a importância crucial da Ciência
valores: liberdade individual e liberalismo. para a vida do homem em sociedade.
Porém, logo surge insatisfação Propõe o abandono da Teologia e da
com o cotidiano da vida burguesa, Metafísica e sugere a busca do conhecimento
o que gera um sentimento de "positivo" da realidade, ou seja,
tédio e desencanto com o mundo, concreto, objetivo e obtido através da
expressos pela arte romântica. análise e experimentação.
Características literárias A filosofia positiva influenciou outros
• Negação dos valores pregados pelo pensadores, entre eles Proudhon,
Arcadismo: a arte deve ser subjetiva, que forneceu a base para as idéias socialistas
emotiva, sua força deve estar por meio de seus escritos em
no conteúdo; o artista expõe seu jornais e obras como Filosofia do Progresso
mundo interior. (1835) e Sistemas das Contradições
• O culto à forma é rejeitado. Em nome Econômicas (1846). Além deste,
da liberdade de expressão o artista Hipólito Taine baseou-se nas idéias
dispõe da forma como bem entende. de Comte para apresentar a sua teoria
• Os temas principais do Romantismo determinista da obra de arte, condicionada
(introversão, tédio, nacionalismo, a alguns fatores: herança, meio e
amor, morte) são tratados de forma momento histórico.
sentimental e imaginativa. O Evolucionismo é uma teoria fundamentada
Autores e obras na idéia de evolução dos
• Gonçalves Dias: considerado o primeiro seres vivos. Lamarck foi o primeiro a
poeta genuinamente nacional, enunciar a noção de evolução. Todavia,
deixou obra vasta, destacando-se Primeiros foi Darwin quem expôs os processos
Cantos (1847), Os Timbiras pelos quais a evolução das linhagens
(1857), Últimos Cantos (1851). determina a das populações. O avanço
• Álvares de Azevedo: maior nome da medicina e das ciências biológicas é
da geração mal-do-século. Escreveu percebido em sua obra A Origem das
Lira dos Vinte Anos (1853), Noite Espécies (1859).
na Taverna (1855), Macário (1855). Com tais idéias em voga, há um
• Castro Alves: expoente da geração campo propício para o desenvolvimento
condoreira, denunciou a escravidão, de uma nova estética literária: o Realismo,
defendeu a liberdade e exaltou que se opõe ao Romantismo, contrapondo-
a mulher. Deixou Espumas Flutuantes se ao caráter espiritualista e
(1870), A Cachoeira de Paulo idealizador do mesmo.
Afonso (1876). O Realismo tem início no Brasil em
• José de Alencar: defensor de uma 1881, com a publicação de Memórias
literatura realmente brasileira, que aliasse Póstumas de Brás Cubas, de Machado
de Assis. Paralelamente ao Realismo,
caminha o Naturalismo, que principia em 1897, a Academia Brasileira
no mesmo ano, com a publicação de O de Letras, da qual foi presidente até
Mulato, de Aluísio de Azevedo. O Realismo- sua morte em 1908.
Naturalismo tem seu término em Cultivou quase todos os gêneros
1902, com o surgimento de Os Sertões, literários, compondo extensa e fecunda
de Euclides da Cunha, e Canaã, de Graça obra, da qual fazem parte os romances:
Aranha, obras que marcam o princípio Ressurreição (1872), A Mão e a Luva
de um novo período literário: o Pré- (1874), Helena (1876), laia Garcia
Modernismo. — (1878), Memórias Póstumas de Brás
Os escritores desse período procuram Cubas (1881), Quincas Borba (1891),
descrever os costumes e as relações Dom Casmurrro (1899), Esaú e Jacó
entre os seres humanos com (1904), Memorial de Aires (1908).
maior realidade. Foi o maior escritor do período e um
O Naturalismo pode ser considerado dos mais importantes, senão o de maior
como o Realismo levado até as importância, da literatura brasileira. Em
últimas conseqüências. Procura dar explicações seus livros fazia profundas reflexões
científicas para o comporta- sobre o ser humano e sua condição, os
— 226 — mistérios da alma humana, além de ser
— 227 — refinadamente irônico.
mento e as atitudes dos personagens. Memórias Póstumas de
Estes são encarados como produtos Brás Cubas
de fatores externos, biológicos ou sociais; O romance Memórias Póstumas de
meios físicos, raça e hereditariedade. Brás Cubas foi publicado inicialmente
Os escritores analisam as conseqüências em folhetim na Revista Brasileira, do
das doenças, taras, vícios Rio de Janeiro, em 1880. No ano posterior,
na formação da personalidade. Somado foi publicado na forma de livro. É
a isso, observam a influência da natureza, narrado em primeira pessoa por um morto
meio social, família e educação que tenta refazer a história de sua vida,
nos personagens. recordando os momentos marcantes da
Os realistas eram anti-românticos, infância até a morte, não necessária—
objetivos e racionalistas. Postulavam a 228 —
primazia da razão sobre o sentimento e mente seguindo uma ordem linear, mas
a arte compromissada, engajada. Enxergavam acompanhando o fluxo das lembranças.
a Ciência como a solução para Entre outras coisas, recorda a paixão
os problemas do homem. adolescente pela prostituta Marcela e o
Faziam de seus romances um laboratório grande amor de sua vida: Virgília, esposa
em que objetivavam provar a de Lobo Neves.
teoria de que determinados personagens, Brás Cubas sempre almejou a imortalidade.
vivendo num certo meio e em dadas Não obteve os meios para consegui-
circunstâncias e com determinada la em vida: não se casou, não teve
carga genética obrigatoriamente agiriam filhos, não foi político, tampouco realizou
de uma determinada forma. grandes contribuições científicas,
Machado de Assis apesar de sua tentativa, o emplasto.
Entretanto, após sua morte, consegue
(1839-1908) realizar seu intento escrevendo uma
Filho de um pintor mulato e uma lavadeira obra póstuma.
portuguesa, Joaquim Maria Machado O capítulo a seguir é o primeiro do
de Assis nasceu em 1839 no livro, em que o narrador apresenta-se
Morro do Livramento, Rio de Janeiro. como um "defunto autor" e inicialmente
Ainda em tenra idade ficou órfão e foi reflete sobre a própria construção da
criado pela madrasta. Aprendeu a ler narrativa, discutindo como deveria
numa escola pública e teve aulas de francês começá-la. Em seguida, relata sua morte
e latim com um padre amigo. Contudo, e reconstrói o quadro de seu enterro,
logo teve de trabalhar para auxiliar mostrando com sutileza e ironia os jogos
no sustento da família. Tornou-se, então, de interesse e as atitudes dissimuladas
um autodidata. Foi tipógrafo e revisor. dos indivíduos e desmascarando
Em 1858 ingressou no Correio Mercantil a hipocrisia da sociedade. Merece destaque
e em seguida no Diário do Rio de a caracterização psicológica dos
Janeiro, não deixando de colaborar com personagens, realizada com maestria
a imprensa da Corte. Passou a ser funcionário pelo escritor.
público a partir de 1875. Exerceu CAPÍTULO I
os cargos de Primeiro-Oficial da ÓBITO DO AUTOR
Secretaria da Agricultura, Diretor da Diretoria- Algum tempo hesitei se devia abrir
Geral do Comércio e Diretor-Geral estas memórias pelo princípio ou pelo
da Viação. Fundou, com outros escritores, fim, isto é, se poria em primeiro lugar o
meu nascimento ou a minha morte. Suposto cama, com os olhos estúpidos, a boca
o uso vulgar seja começar pelo entreaberta, a triste senhora mal podia
nascimento, duas considerações me levaram crer na minha extinção.
a adotar diferente método: a primeira "Morto! morto!" dizia consigo.
é que eu não sou propriamente E a imaginação dela, como as cegonhas
um autor defunto, mas um defunto autor, que um ilustre viajante viu desferirem
para quem a campa foi outro berço; o vôo desde o llisso às ribas africanas,
a segunda é que o escrito ficaria assim sem embargo das ruínas e dos temoos,
mais galante e mais novo. Moisés, que - a imaginação dessa senhora tam-
também contou a sua morte, não a pôs Dém voou por sobre os destroços presentes
no intróito, mas no cabo: diferença radical até às ribas de uma África juvenil...
entre este livro e o Pentateuco. Deixá-la ir; lá iremos mais tarde; lá
Dito isto, expirei às duas horas da iremos quando eu me restituir aos primeiros
tarde de uma sexta-feira do mês de agosto anos. Agora, quero morrer tranqüilamente,
de 1869, na minha bela chácara de metodicamente, ouvindo os
Catumbi. Tinha uns sessenta e quatro soluços das damas, as falas baixas dos
anos, rijos e prósperos, era solteiro, possuía nomens, a chuva que tamborila nas fonas
cerca de trezentos contos e fui de tinhorão da chácara, e o som
acompanhado ao cemitério por onze estridulo de uma navalha que um
amigos. Onze amigos! Verdade é que amolador está afiando lá fora, à porta de
não houve cartas nem anúncios. Acresce um correeiro. Juro-lhes que essa orquestra
que chovia - peneirava - uma chuvinha da morte foi muito menos triste
miúda, triste e constante, tão constante do que podia parecer. De certo ponto em
e tão triste, que levou um daqueles diante chegou a ser deliciosa. A vida
fiéis da última hora a intercalar esta engenhosa estrebuchava-me no peito, com uns ímpetos
idéia no discurso que proferiu de vaga marinha, esvaía-se-me a
à beira de minha cova: - "Vós, que o consciência, eu descia à imobilidade física
conhecestes, meus senhores, vós podeis e moral, e o corpo fazia-se-me planta,
dizer comigo que a natureza parece e pedra, e lodo, e cousa nenhuma.
estar chorando a perda irreparável Morri de uma pneumonia, mas se
de um dos mais belos caracteres que lhe disser que foi menos a pneumonia,
têm honrado a humanidade. Este ar sombrio, do que uma idéia grandiosa e útil, a causa
estas gotas do céu, aquelas nuvens da minha morte, é possível que o leitor
escuras que cobrem o azul como me não creia, e todavia é verdade.
um crepe funéreo, tudo isso é a dor crua Vou expor-lhe sumariamente o caso.
e má que lhe rói à natureza as mais íntimas Julgue-o por si mesmo.
entranhas; tudo isso é um sublime (Machado de Assis, Memórias póstumas de Brás
louvor ao nosso ilustre finado." Cubas, São Paulo: Globo, 1997, p. 1-3.)
Bom e fiel amigo! Não, não me arrependo Quincas Borba
das vinte apólices que lhe deixei. Quincas Borba já havia aparecido
E foi assim que cheguei à cláusula dos como personagem em Memórias Póstumas,
meus dias; foi assim que me encaminhei expondo suas idéias referentes
para o undiscovered country de Hamlet, ao Humanitismo a Brás Cubas. Em Quincas
sem as ânsias nem as dúvidas do moço Borba, a figura do filósofo e louco
príncipe, mas pausado e trôpego como reaparece, morando em Barbacena, Minas
quem se retira tarde do espetáculo. Tar— Gerais. O protagonista procura expor
229 — os princípios do Humanitismo a Rubião,
de e aborrecido. Viram-me ir umas nove ingênuo provinciano que se torna
ou dez pessoas, entre elas três senhoras, seu enfermeiro.
minha irmã Sabina, casada com o O sistema filosófico de Quincas
Cotrim, a filha, - um lírio do vale, - e... Borba pode ser sintetizado na luta de
Tenham paciência! daqui a pouco lhes duas tribos pela sobrevivência, simbolizada
direi quem era a terceira senhora. Contentem- por um campo de batatas que
se de saber que essa anônima, ambas disputam. O personagem extrai
ainda que não parenta, padeceu mais sua concepção do Humanitismo: "Ao
do que as parentas. É verdade, padeceu vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor,
mais. Não digo que se carpisse, não as batatas". Demonstra com objetividade
digo que se deixasse rolar pelo chão, e certa frieza que a sobrevivência
convulsa. Nem o meu óbito era cousa e a ascensão social cabe aos mais
altamente dramática... Um solteirão que fortes, os vencedores, seja quais forem
expira aos sessenta e quatro anos, não os meios que utilizem para tanto.
parece que reúna em si todos os elementos Após expor suas idéias a Rubião,
de uma tragédia. E dado que sim, Quincas Borba morre e faz dele seu
o que menos convinha a essa anônima herdeiro universal, com apenas uma
era aparentá-lo. De pé, à cabeceira da condição: cuidar de seu cão, que carregava
o nome do dono. achou um obstáculo e derribou-o; esse
Rubião, por sua própria trajetória obstáculo era minha avó. O primeiro ato
de vida, comprova a tese do Humanitismo. dessa série de atos foi um movimento
Herdeiro de grande fortuna, deixa- de conservação: Humanitas tinha fome.
se enganar pelo ambicioso casal Se em vez de minha avó, fosse um rato
Palha, Cristiano e Sofia. Enquanto Cristiano ou um cão, é certo que minha avó não
propõe negócios a Rubião, Sofia morreria, mas o fato era o mesmo;
faz com que ele nutra por ela vãs esperanças. Humanitas precisa comer. Se em vez de
Aos poucos Rubião começa um rato ou de um cão, fosse um poeta,
a dar indícios de loucura e perde toda a — 230 —
sua fortuna, ao passo que o casal prospera — 231 —
nos negócios e enriquece, após Byron ou Gonçalves Dias, diferia o caso
tê-lo enganado. Dessa forma, Machado no sentido de dar matéria a muitos necrológios;
vai compondo a sociedade burguesa mas o fundo subsistia. O universo
do Segundo Reinado, trabalhando ainda não parou por lhe faltarem
questões como a loucura e o abandono alguns poemas mortos em flor na cabeça
e mostrando como os mais fortes de um varão ilustre ou obscuro; mas
sobressaem-se em relação aos mais Humanitas (e isto importa, antes de tudo),
fracos. Humanitas precisa comer.
O trecho seguinte apresenta uma Rubião escutava, com a alma nos
conversa de Rubião com Brás Cubas, olhos, sinceramente desejoso de entender;
em que este lhe apresenta a filosofia do mas não dava pela necessidade a
Humanitismo, explicando-a a partir do que o amigo atribuía a morte da avó.
acontecimento que provocou a morte de Seguramente o dono da sege, por muito
sua avó. tarde que chegasse a casa, não morria
CAPÍTULO VI de fome, ao passo que a boa senhora
- Para entenderes bem o que é a morreu de verdade, e para sempre. Explicou-
morte e a vida, basta contar-te como lhe, como pôde, essas dúvidas,
morreu minha avó. e acabou perguntando-lhe:
- Como foi? - E que Humanitas é esse?
- Senta-te. - Humanitas é o princípio. Mas não,
Rubião obedeceu, dando ao rosto não digo nada, tu não é capaz de entender
o maior interesse possível, enquanto isto, meu caro Rubião; falemos de
Quincas Borba continuava a andar. outra cousa.
- Foi no Rio de Janeiro, começou - Diga sempre.
ele, defronte da Capela Imperial, que era Quincas Borba, que não deixara de
então Real, em dia de grande festa; minha andar, parou alguns instantes.
avó saiu, atravessou o adro, para ir - Queres ser meu discípulo?
ter à cadeirinha, que a esperava no Largo - Quero.
do Paço. Gente como formiga. O povo - Bem, irás entendendo aos poucos
queria ver entrar as grandes senhoras a minha filosofia; no dia em que a
nas suas ricas traquitanas. No momento houveres penetrando inteiramente, ah!
em que minha avó saía do adro para ir nesse dia terás o maior prazer da vida,
à cadeirinha, um pouco distante, aconteceu porque não há vinho que embriague
espantar-se uma das bestas de como a verdade. Crê-me, o Humanitismo
uma sege; a besta disparou, a outra imitou- é o remate das cousas; e eu, que o formulei,
a, confusão, tumulto, minha avó caiu, sou o maior homem do mundo.
e tanto as mulas como a sege passaram- Olha, vês como o meu bom Quincas
lhe por cima. Foi levada em braços Borba está olhando para mim? Não é
para uma botica da Rua Direita, veio um ele, é Humanitas...
sangrador, mas era tarde; tinha a cabeça - Mas que Humanitas é esse?
rachada, uma perna e o ombro partidos, - Humanitas é o princípio. Há nas
era toda sangue; espirou minutos cousas todas certa substância recôndita
depois. e idêntica, um princípio único, universal,
- Foi realmente uma desgraça, disse eterno, comum, indivisível e
Rubião. indestrutível, - ou, para usar a linguagem
- Não. do grande Camões:
-Não? Uma verdade que nas cousas anda,
- Ouve o resto. Aqui está como se Que mora no visíbil e invisíbíl.
tinha passado o caso. O dono da sege Pois essa substância ou verdade,
estava no adro, e tinha fome, muita fome, esse princípio indestrutível é que é
porque era tarde, e almoçara cedo e Humanitas. Assim lhe chamo, porque resume
pouco. Dali pôde fazer sinal ao cocheiro; o universo, e o universo é o homem.
este fustigou as mulas para ir buscar o Vais entendendo?
patrão. A sege no meio do caminho - Pouco; mas, ainda assim, como é
que a morte de sua avó... Dom Casmurro foi publicado em
- Não há morte. O encontro de duas 1899 e tem como personagens principais
expansões, ou a expansão de duas formas, Bentinho e Capitu, que desde a infância
pode determinar a supressão de comportam-se como dois apaixonados.
uma delas; mas, rigorosamente, não há Contudo, a mãe do garoto queria sua ordenação,
morte, há vida, porque a supressão de o que não ocorre porque o agregado
uma é a condição da sobrevivência da José Dias intervém. Bentinho e
outra, e a destruição não atinge o princípio Capitu casam-se e vivem por muito tempo
universal e comum. Daí o caráter felizes, mas sem filhos, tendo por
conservador e benéfico da guerra. Supõe amigos Escobar, colega de seminário de
tu um campo de batatas e duas tribos Bentinho, e Sancha, sua esposa. Finalmente
famintas. As batatas apenas chegam conseguem ter um filho: Ezequiel.
para alimentar uma das tribos, que Este, ao crescer, passa a imitar as pessoas
assim adquire forças para transpor a que o rodeiam, entre elas Escobar.
montanha e ir à outra vertente, onde há Isso provoca grande ciúme e frustração
batatas em abundância; mas, se as duas em seu pai, que procura não demonstrálos.
tribos dividirem em paz as batatas do Após a morte de Escobar, Bentinho
campo, não chegam a nutrir-se suficientemente acredita mesmo que Capitu o tenha traído
e morrem de inanição. A paz e que Ezequiel seja filho de Escobar. Resolve
nesse caso é a destruição; a guerra é a suicidar-se, depois muda de idéia e
conservação. Uma das tribos extermina expulsa a mulher e o filho de casa. Passados
a outra e recolhe os despojos. Daí a alguns anos, Capitu falece na Europa
alegria da vitória, os hinos, aclamações, e o jovem Ezequiel na Ásia.
recompensas públicas e todos os de— O que mais nos chama atenção no
232 — romance é o fato de não podermos afirmar
mais efeitos das ações bélicas. Se a com exatidão se Capitu realmente
guerra não fosse isso, tais demonstrações traiu ou não Bentinho, pois é ele quem
não chegariam a dar-se, pelo motivo nos narra a história, envolvendo-nos
real de que o homem só comemora com o véu de seu ciúme patológico e
e ama o que lhe é aprazível ou vantajoso, obcecação pela esposa.
e pelo motivo racional de que nenhuma O trecho a seguir mostra-nos a figura
pessoa canoniza uma ação que virtualmente de Capitu, sob o olhar atento e deslumbrado
a destrói. Ao vencido, ódio ou de Bentinho:
compaixão; ao vencedor, as batatas. CAPÍTULO XXXII
- Mas a opinião do exterminado? OLHOS DE RESSACA
- Não há exterminado. Desaparece Tudo era matéria às curiosidades
o fenômeno; a substância é a mesma. de Capitu. Caso houve, porém, no qual
Nunca viste ferver água? Hás de lembrar- não sei se aprendeu ou ensinou, ou se
te que as bolhas fazem-se e desfazem- fez ambas as cousas, como eu. É o que
se de contínuo, e tudo fica na contarei no outro capítulo. Neste direi
mesma água. Os indivíduos são essas somente que, passados alguns dias do
bolhas transitórias. ajuste com o agregado, fui ver a minha
- Bem; a opinião da bolha... amiga; eram dez horas da manhã. D.
- Bolha não tem opinião. Aparentemente, Fortunata, que estava no quintal, nem
há nada mais contristador que esperou que eu lhe perguntasse pela
uma dessas terríveis pestes que devastam filha.
um ponto do globo? E, todavia, esse - Está na sala penteando o cabelo,
suposto mal é um benefício, não só porque disse-me; vá devagarzinho para lhe pregar
elimina os organismos fracos, incapazes um susto.
de resistência, como porque dá Fui devagar, mas ou o pé ou o espelho
lugar à observação, à descoberta da traiu-me. Este pode ser que não
droga curativa. A higiene é filha de podridões fosse; era um espelhinho de pataca
seculares; devemo-la a milhões (perdoai a barateza), comprado a um
de corrompidos e infectos. Nada se perde, mascate italiano, moldura tosca, argolinha
tudo é ganho. Repito, as bolhas ficam de latão, pendente da parede, entre
na água. Vês este livro? É D. as duas janelas. Se não foi ele, foi o pé.
Quixote. Se eu destruir o meu exemplar, Um ou outro, a verdade é que, apenas
não elimino a obra que continua eterna entrei na sala, pente, cabelos, toda ela
nos exemplares subsistentes e nas edições voou pelos ares, e só lhe ouvi esta pergunta:
posteriores. Eterna e bela, belamente - Há alguma cousa?
eterna, como este mundo divino e - Não há nada, respondi; vim ver
supradivino. você antes que o Padre Cabral chegue
(Machado de Assis, Quincas Borba, São Paulo: Globo. para a lição. Como passou a noite?
1997. p.6-9.) - Eu bem. José Dias ainda não falou?
Dom Casmurro - Parece que não.
- Mas então quando fala? do céu conhecer a soma
- Disse-me que hoje ou amanhã pretende dos tormentos que já terão padecido no
tocar no assunto; não vai logo de inferno os seus inimigos; assim também
pancada, falará assim por alto e por longe, a quantidade das delícias que terão gozado
um toque. Depois, entrará em matéria. no céu os seus desafetos aumentará
Quer primeiro ver se mamãe tem a as dores aos condenados do inferno.
resolução feita... Este outro suplício escapou ao
- Que tem, tem, interrompeu Capitu. divino Dante; mas eu não estou aqui
E se não fosse preciso alguém para para emendar poetas. Estou para contar
vencer já, e de todo, não se lhe falaria. que, ao cabo de um tempo não marcado,
Eu já nem sei se José Dias poderá influir agarrei-me definitivamente aos
tanto; acho que fará tudo, se sentir que cabelos de Capitu, mas então com as
você realmente não quer ser padre, mas mãos, e disse-lhe, - para dizer alguma
poderá alcançar?... Ele é atendido; se, cousa, - que era capaz de os pentear,
porém... é um inferno isto! Você teime se quisesse.
com ele, Bentinho. - Você?
- Teimo; hoje mesmo ele há de falar. - Eu mesmo.
- Você jura? - Vai embaraçar-me o cabelo todo,
- Juro. Deixe ver os olhos, Capitu. isso sim.
Tinha-me lembrado a definição que - Se embaraçar, você desembaraça
José Dias dera deles, "olhos de cigana depois.
oblíqua e dissimulada". Eu não sabia o - Vamos ver.
que era oblíqua, mas dissimulada sabia, Machado de Assis, Dom Casmurro, São Paufo: Globo.
e queria ver se se podiam chamar assim. 1997, pp. 52-54.
Capitu deixou-se fitar e examinar. Raul Pompéia
Só me perguntava o que era, se nunca
os vira; eu nada achei extraordinário; a (1863-1895)
cor e a doçura eram minhas conhecidas. Raul d'Ávila Pompeia nasceu em
A demora da contemplação creio 1863 no Rio de Janeiro, onde realizou
que lhe deu outra idéia do meu intento, seus estudos secundários. Cursou Direito
imaginou que era um pretexto para mirálos em São Paulo e no Recife. Seguiu a
mais de perto, com os meus olhos carreira jornalística e defendeu o
longos, constantes, enfiados neles, e a abolicionismo. Lecionou mitologia na Escola
isto atribuo que entrassem a ficar crescidos, de Belas Artes e foi diretor da Biblioteca
crescidos e sombrios, com tal Nacional.
expressão que... De temperamento questionador e
Retórica dos namorados, dá-me inquieto, suicidou-se na noite de Natal
uma comparação exata e poética para de 1895, com apenas trinta e dois anos
dizer o que foram aqueles olhos de de idade.
Capitu. Não me acode imagem capaz de Escreveu crônicas, contos, reminiscências,
dizer, sem quebra da dignidade do estilo, poemas em prosa e romances,
o que eles foram e me fizeram. Olhos publicados nos jornais em que trabalhou,
de ressaca? Vá, de ressaca. É o que sendo a maioria apenas recentemente
me dá idéia daquela feição nova. Traziam compilada em livros. Todavia,
não sei que fluido misterioso e há ainda obras não editadas em livros.
energético, uma força que arrastava Entre suas obras estão Uma Tragédia
para dentro, como a vaga que se retira no Amazonas (1880), O Ateneu
— 233 — (1888), Canções sem Metro e As Jóias
— 234 — da Coroa (ambas edições póstumas,
da praia, nos dias de ressaca. Para não publicadas em 1900 e 1962, respectivamente).
ser arrastado, agarrei-me às outras Seu romance de maior relevância é
partes vizinhas, às orelhas, aos braços, O Ateneu.
aos cabelos espalhados pelos O Ateneu
ombros, mas tão depressa buscava as Raul Pompeia inspirou-se nos seus
pupilas, a onda que saía delas vinha anos de internato no Colégio Abílio para
crescendo, cava e escura, ameaçando escrever seu romance O Ateneu.
envolver-me, puxar-me e tragar-me. Tendo como subtítulo "Crônica de
Quantos minutos gastamos naquele Saudades", o romance possui como eixo
jogo? Só os relógios do céu terão marcado as experiencias de Sérgio, narradorpersonagem
esse tempo Infinito e breve. A eternidade já adulto, que recorda sua
tem as suas pêndulas; nem por infância no internato de Aristarco Argolo
não acabar nunca deixa de querer saber de Ramos.
a duração das felicidades e dos Não há um enredo propriamente
suplícios. Há de dobrar o gozo aos dito, mas uma sucessão de episodios
bemaventurados que denunciam a hipocrisia e falsidade
presentes no colégio, culminando com o Caminho Novo, onde algumas senhoras
incendio do Ateneu. inglesas, sob a direção do pai, distribuíam
A escola aparece como um espelho educação à infância como melhor
da sociedade, mostrando através lhes parecia. Entrava às nove horas,
da figura dos alunos e, sobretudo, do timidamente, ignorando as lições com a
diretor Aristarco, como as relações sociais — 235 —
giram em torno dos interesses econômicos. — 236 —
Alem disso, os maiores sobrepõemse maior regularidade, e bocejava até às
aos menores, ou seja, os mais fortes duas, torcendo-me de insipidez sobre
ocupam posição privilegiada em relação os carcomidos bancos que o colégio
aos mais fracos. comprara, de pinho e usado, lustrosos
O Ateneu soma aos elementos realistas- do contato da malandragem de não sei
naturalistas a técnica impressionista, quantas gerações de pequenos. Ao
em que se procura mais oferecer meio-dia, davam-nos pão com manteiga.
um quadro das emoções e sensações Esta recordação gulosa é o que mais
vivenciadas do que propriamente pronunciadamente me ficou dos meses
discutir os acontecimentos e suas de externato; com a lembrança de alguns
causas. companheiros - um que gostava
O fragmento transcrito a seguir de fazer rir à aula, espécie interessante
compõe o primeiro capítulo do livro, em de mono louro, arrepiado, vivendo a
que o personagem central deixa a "estufa morder, nas costas da mão esquerda,
de carinho", característica da vida uma protuberância calosa que tinha;
familiar, e adentra no internato, passagem outro adamado, elegante, sempre retirado,
para a vida adulta, com todos os que vinha à escola de branco,
sofrimentos e contradições. engomadinho e radioso, fechada a blusa
/ em diagonal do ombro à cinta por
"Vais encontrar o mundo, disse-me botões de madrepérola. Mais ainda: a
meu pai, à porta de Ateneu. Coragem primeira vez que ouvi certa injúria crespa,
para luta." Bastante experimentei depois um palavrão cercado de terror no
a verdade deste aviso, que me despia, estabelecimento, que os partistas denunciavam
num gesto, das ilusões de criança educada às mestras por duas iniciais
exóticamente na estufa de carinho como em monograma.
que é o regime do amor doméstico, Lecionou-me depois um professor
diferente do que se encontra fora, tão em domicílio.
diferente, que parece o poema dos cuidados Apesar deste ensaio da vida escolar
maternos um artifício sentimental, a que me sujeitou a família, antes
com a vantagem única de fazer mais da verdadeira provação, eu estava perfeitamente
sensível a criatura à impressão rude do virgem para as sensações
primeiro ensinamento, têmpera brusca novas da nova fase. O internato! Destacada
da vitalidade na influência de um novo do conchego placentário da dieta
clima rigoroso. Lembramo-nos, entretanto, caseira, vinha próximo o momento de
com saudade hipócrita, dos felizes se definir a minha individualidade. Amarguei
tempos: como se a mesma incerteza de por antecipação o adeus às primeiras
hoje, sob outro aspecto, não nos houvesse alegrias; olhei triste os meus brinquedos,
perseguido outrora e não viesse antigos já! os meus queridos
de longe a enfiada das decepções que pelotões de chumbo! espécie de museu
nos ultrajam. militar de todas as fardas, de todas as
Eufemismo, os felizes tempos, eufemismo bandeiras, escolhida amostra da força
apenas, igual aos outros que dos estados, em proporções de microscópio,
nos alimentam, a saudade dos dias que que eu fazia formar a combate
correram como melhores. Bem considerando, como uma ameaça tenebrosa ao equilíbrio
a atualidade é a mesma em todas do mundo; que eu fazia guerrear
as datas. Feita a compensação dos desejos em desordenado aperto, - massa tempestuosa
que variam, das aspirações que das antipatias geográficas,
se transformam, alentadas perpetuamente encontro definitivo e ebulição dos seculares
do mesmo ardor, sobre a mesma ódios de fronteira e de raça,
base fantástica de esperanças, a atualidade que eu pacificava por fim, com uma facilidade
é uma. Sob a coloração cambiante de Providência Divina, intervindo
das horas, um pouco de ouro mais sabiamente, resolvendo as pendências
pela manhã, um pouco mais de púrpura pela concórdia promíscua das caixas
ao crepúsculo - a paisagem é a mesma de pau. Força era deixar à ferrugem
de cada lado beirando a estrada da vida. do abandono o elegante vapor da
Eu tinha onze anos. linha circular do lago, no jardim, onde
Freqüentava como externo, durante talvez não mais tornasse a perturbar
alguns meses, uma escola familiar do com a palpitação das rodas a sonolência
morosa dos peixinhos rubros, dourados, O trecho a seguir apresenta-nos o
argentados, pensativos à sombra cortiço através da zoomorfização dos
dos tinhorões, na transparência personagens, que se assemelham a
adamantina da água... animais em sua descrição: "uma aglomeração
Mas um movimento animou-me, primeiro tumultuosa de machos e fêmeas",
estímulo sério da vaidade: distanciava- "o prazer animal de existir". Além
me da comunhão da família, como disso, os elementos sensoriais (sons,
um homem! ia por minha conta empenhar cheiros e imagem) dão mais vivacidade
a luta dos merecimentos; e a confiança e verossimilhança à cena.
nas próprias forças sobrava. Quando Ill
me disseram que estava a escolha Eram cinco horas da manhã e o cortiço
feita da casa de educação que me devia acordava, abrindo, não os olhos,
receber, a notícia veio achar-me em mas a sua infinitude de portas e janelas
armas para a conquista audaciosa do alinhadas.
desconhecido. Um acordar alegre e farto de quem
Um dia, meu pai tomou-me pela mão, dormiu de uma assentada, sete horas
minha mãe beijou-me a testa, molhandome de chumbo. Como que se sentiam ainda
de lágrimas os cabelos e eu parti. na indolência de neblina as derradeiras
(...) notas da última guitarra da noite antecedente,
(Raul Pompeia, O Ateneu, São Paulo: Ática, 1990, dissolvendo-se à luz loura e tenra
p. 11-12.) da aurora, que nem um suspiro de
— 237 — saudade perdido em terra alheia.
Aluísio Azevedo A roupa lavada, que ficara de véspera
nos coradouros, umedecia o ar e
(1857-1913) punha-lhe um farto acre de sabão ordinário.
Aluísio Tancredo Gonçalves de As pedras do chão, esbranquiçadas
Azevedo nasceu em São Luís do Maranhão no lugar da lavagem e em alguns
em 1857. Após concluir os estudos pontos azuladas pelo anil, mostravam
primários passa a trabalhar no comércio. uma palidez grisalha e triste, feita de
Em 1881, transfere-se para o acumulações de espumas secas.
Rio de Janeiro e dedica-se ao jornalismo
e à literatura. Em seguida segue a carreira Entretanto, das portas surgiam cabeças
diplomática. Falece em Buenos congestionadas de sono; ouviam-
Aires em 1913. se amplos bocejos, fortes como o
Escreveu romances de grande interesse marulhar das ondas; pigarreava-se grosso
social: O Mulato (1881), Casa por toda a parte; começavam as xícaras
de Pensão (1884), O Coruja (1885), O a tilintar; o cheiro quente do café
cortiço (1890). aquecia, suplantando todos os outros;
O cortiço trocavam-se de janela para janela as
Publicado em 1890, O Cortiço constituiu primeiras palavras, os bons dias; reatavam-
o romance de maior importância de se conversas interrompidas à noite;
Aluísio Azevedo e que melhor condensa a pequenada cá fora traquinava já, e
os ideais naturalistas. lá dentro das casas vinham choros abafados
Os personagens são lavadeiras, de crianças que ainda não andam.
operários, prostitutas, indivíduos marginalizados No confuso rumor que se formava,
que vivem num ambiente pobre destacavam-se risos, sons de vozes
e promíscuo. O cortiço determinalhes que altercavam, sem se saber onde,
o comportamento. grasnar de marrecos, cantar de gaios,
Destaca-se a figura de João Romão, cacarejar de galinhas. De alguns quartos
português dono do cortiço, de uma saíam mulheres que vinham pendurar
pedreira e uma venda. Enriquece à custa cá fora, na parede, a gaiola do papagaio,
da exploração dos empregados, que e os louros, à semelhança dos
moram em seus casebres e fazem dívidas donos, cumprimentavam-se ruidosamente,
ao comprar fiado em sua venda. É espanejando-se à luz nova do dia.
ajudado por sua empregada e amante Daí a pouco, em volta das bicas era
Bertoleza, escrava fugida. Ambicioso, um zunzum crescente; uma aglomeração
usa de todos os meios para ficar rico. tumultuosa de machos e fêmeas.
Outros personagens compõem o ambiente Uns, após outros, lavavam a cara,
do cortiço: Pombinha, moça pura e incomodamente,
humilde que se torna prostituta; Jerónimo, debaixo do fio de água que
português que vem morar no cortiço escorria da altura de uns cinco palmos.
com a mulher Piedade e a filha, mas O chão inundava-se. As mulheres precisavam
acaba se envolvendo com a sensual Rita já prender as saias entre as
Baiana. Ambos são vítimas do determinismo coxas para não as molhar; via-se-lhes a
social. tostada nudez dos braços e do pescoço,
que elas despiam, suspendendo o onde adentra para a Escola da Marinha.
cabelo todo para o alto do casco; os Defende idéias abolicionistas e republicanas.
homens, esses não se preocupavam em Como guarda-marinha em 1886
não molhar o pêlo, ao contrário metiam a viaja para os Estados Unidos, onde se
cabeça bem debaixo da água e esfregavam inspira para escrever seu livro de crônicas
com força as ventas e as barbas, No País dos Ianques (1894). Regressa
fossando e fungando contra as palmas ao Ceará e envolve-se num caso
da mão. As portas das latrinas não descansavam, de amor, em que se consuma o rapto da
era um abrir e fechar de cada esposa de um alferes, a qual passa a
instante, um entrar e sair sem tréguas. viver com ele e com quem tem duas filhas.
Não se demoravam lá dentro e vinham Deixa a Marinha a fim de trabalhar
ainda amarrando as calças ou as salas; na Tesouraria da Fazenda. Em 1892 vai
as crianças não se davam ao trabalho para o Rio de Janeiro, onde morre
de lá ir, despachavam-se ali mesmo, no tuberculoso em 1897.
capinzal dos fundos, por detrás da estalagem Escreveu Vôos Incertos (1886),
ou no recanto das hortas. Judite e Lágrimas de um Crente (1887),
O rumor crescia, condensando-se; A Normalista (1893), No País do Ianques
o zunzum de todos os dias acentuavase; (1894), Bom-Crioulo (1895), Cartas Literárias
já se não destacavam vozes dispersas, (1895), Tentação (1896).
mas um só ruído compacto que
enchia todo o cortiço. Começavam a fazer
Domingos Olímpio
compras na venda; ensarilhavamse (1860-1906)
discussões e resingas; ouviam-se Domingos Olímpio Braga Cavalcanti
gargalhadas e pragas; já não se falava, nasceu no Ceará em 1860. Graduou-se
gritava-se. Sentia-se naquela fermentação em Direito no Recife. Foi promotor público
sangüínea, naquela gula viçosa em Sobral e posteriormente transferido
de plantas rasteiras que mergulham os para o Pará, onde ficou até 1890, ano
pés vigorosos na lama preta e nutriente em que se mudou para o Rio de Janeiro.
da vida, o prazer animal de existir, a Passou a dedicar-se à carreira jornalística
triunfante satisfação de respirar sobre e entre 1904 e 1906 dirigiu Os Anais,
a terra. revista por ele fundada. Nesta revista
(...) publicou seus romances O Almirante e
(Aluísio Azevedo, Ocortiço, São Paulo: Ática, 1975. O Uirapuru. Em 1903 publica Luzia-Homem,
p. 2S-29.) seu romance de maior importância.
Outros autores Faleceu no Rio de Janeiro em 1906.

Inglês de Sousa Resumo do Realismo-


(1853-1918) Naturalismo
Momento socio-cultural
Herculano Marcos Inglês de Souza
• O Segundo Reinado está em crise: a
nasceu no Pará em 1853. Graduouse
Guerra do Paraguai (que custou
em Direito em São Paulo. Colaborou
muitas vidas e dinheiro ao país) e a
para a Revista Nacional de Ciências,
cada vez mais intensa campanha
— 238 —
abolicionista desgastam o governo
Artes e Letras. Dedica-se à política e
de D. Pedro II, que perde continuamente
chega a ser presidente das províncias
o apoio dos grandes proprietários
do Sergipe e Espírito Santo, entre 1881
rurais.
e 1882. Exerce o magistério em universidade
• O eixo econômico e de poder desloca-
e luta pela democratização do
se para o Sul, devido à decadên-
ensino primário. Colabora na fundação
— 239 —
da Academia Brasileira de Letras, em
cia da economia açucareira e à expansão
1897. Faleceu no Rio de Janeiro em
da lavoura de café.
1918.
• Os meios intelectualizados do país
Escreveu O Cacaoalista (1876),
sofrem influência das teorias
História de um Pescador (1876), O
cientificistas, como o positivismo, o
Coronel Sagrado (1877), O Missionário
evolucionismo e o determinismo.
(1891) e Contos Amazônicos (1892),
sua obra de maior relevância. Características literárias
• As principais características do Realismo
Adolfo Caminha são: objetividade, racionalismo,
texto cuidadoso e objetivo, engajamento
(1867-1897) (a arte quer modificar uma
Adolfo Ferreira Caminha nasceu em realidade injusta), crítica aos valores
Aracati, Ceará, em 1867. Devido à seca religiosos e burgueses e ao
de 1877 muda-se para Fortaleza e em monarquismo.
seguida para o Rio de Janeiro em 1883, • O retrato que os realistas fazem da
sociedade é objetivo e implacável. Realizam objetiva do mundo e dos objetos,
análise psicológica dos personagens, utilizou temas da história antiga e dos
por vezes muito profunda. povos orientais e teve grande preocupação
• Os autores naturalistas levam os com a forma, construindo versos
princípios realistas ao extremo. Sua com ritmo, vocabulário raro e elementos
abordagem do homem e da sociedade sensoriais.
pode ser chamada de biológica: Baudelaire e Théophile Gautier também
mostram o ser humano condicionado muito influenciaram os parnasianos.
por patologias, taras e impulsos Este último preconizou a teoria da
biológicos, além de conduzido pelo "arte pela arte", ou seja, a idéia de que a
papel que a sociedade lhe dá. palavra deveria ser encarada como um
Autores e obras objeto e a estética teria que ser buscada
• Machado de Assis: um dos fundadores através de engenhoso trabalho e não
da Academia Brasileira de simplesmente por meio da inspiração. A
Letras, é considerado o maior escritor beleza seria, dessa forma, a única finalidade
da literatura brasileira. Sua obra da arte.
estuda a condição humana com muita Vale ressaltar que, além da França,
profundidade. Escreveu Helena o Brasil foi o único país em que se
(1876), laia Garcia (1878), Memórias manifestou o Parnasianismo.
Póstumas de Brás Cubas A arte de escrever poesia foi comparada
(1881), Quincas Borba (1891), Dom ao trabalho do escultor, pintor e
Casmurro (1899), Esaú e Jacó até mesmo do ourives, pela paciência e
(1904), Memorial de Aires (1908), atenção aos detalhes, que devem possuir
além de mais de duzentos contos. os poetas. Para tanto, deveriam
• Raul Pompeia: autor crítico, que denunciou atentar para a rigidez formal, cuidando
as instituições superadas da versificação, rima, sonoridade (obtida
do Império. Sua obra mais importante através das aliterações e assonâncias).
é o romance O Ateneu (1888), Os mais importantes poetas parnasianos
baseado em sua experiência em colégio brasileiros compõem a "tríade
interno. parnasiana". São eles: Alberto de Oliveira,
• Aluísio Azevedo: introdutor e principal Raimundo Correia e Olavo Bilac. Merecem
nome do Naturalismo no Brasil, destaque também Vicente de Carvalho,
escreveu O Mulato (1881), Casa de Francisca Júlia e Artur de Azevedo.
Pensão (1884), O Cortiço (1890).
— 240 —
Alberto de Oliveira
— 241 — (1857-1937)
Parnasianismo Antônio Mariano Alberto de Oliveira
nasceu em Palmital de Saquarema,
Rio de Janeiro, em 1857. Estudou Medicina,
No plano da prosa, a reação contra
o Romantismo constituiu o Realismo. Já mas deixou-a para estudar Farmácia,
no plano da poesia, o combate ao em que se graduou, porém não chegou
sentimentalismo a seguir carreira. Exerceu as funções
produziu o que chamamos de Diretor Geral da Instrução no
de Parnasianismo. Rio de Janeiro, entre 1893 e 1898, e de
O movimento parnasiano iniciou-se professor de Português e Literatura Brasileira.
em 1882, com a publicação das Fanfarras, Auxiliou na fundação da Academia
de Teófilo Dias e prolongou-se até Brasileira de Letras e em 1924 foi
aproximadamente 1922, quando recebeu chamado de "Príncipe do Poetas Brasileiros".
severas críticas dos modernistas. Faleceu em 1937 em Niterói.
O nome Parnasianismo tem sua origem Sua obra poética envolve, entre
no Parnasse Contemporain, uma outros livros: Canções Românticas
antologia de escritos de diversos poetas (1878), Meridionais (1884), Sonetos e
franceses que reagiam contra as Poemas (1885), Versos e Rimas (1895).
tendências românticas, organizada por Iniciou sua produção poética como
Lemerre em 1866. romântico, mas identificou-se com o
Parnaso era o nome de um monte Parnasianismo, passando a seguir o ideal
grego, dedicado na Antiguidade às Musas de "arte pela arte" e a enquadrar-se
e a Apolo. De acordo com a mitologia, na rigidez métrica que a escola literária
neste lugar havia a fonte Castália, propunha.
cujas águas inspiravam os poetas. O Os poemas a seguir ilustram bem o
vocábulo Parnaso também foi utilizado caminho percorrido pelo escritor, que
com o sentido de "grupo de poetas", não tinha grandes preocupações sociais
"antologia" e até mesmo de "poesia". nem temáticas, mas buscava construir
Os escritores inspiravam-se em uma poesia bela, seguindo os moldes
Leconte de Lisle, que iniciou a descrição parnasianos, como o rigor na forma
e a utilização de elementos da mitologia Sei que um perfume intenso em
clássica. Constrói uma poesia com [tudo havia.
musicalidade, fazendo uso de assonâncias Era, enfeitada e nova, a laranjeira,
e aliterações. Além disso, faz referências E o pomar verde pela vez primeira
à natureza, dotada de vida e Florido; era na agreste serrania,
colorido, e menciona seu desejo de amar, Com os botões de ouro e a
resquício do Romantismo. [espata luzidia
Os poemas "Vaso Grego" e "Vaso Rachando ao sol, a tropical
Chinês" mostram a descrição de objetos. [palmeira;
Os parnasianos costumavam também Era o sertão, era a floresta inteira
descrever figuras mitológicas, cenas Que em corimbos, festões e luz
históricas e paisagens. [se abria.
Vaso Grego Sei que um frêmito de asas
Esta de áureos relevos, trabalhada [multicores
De divas mãos, brilhante copa, Se ouvia. Eram insetos aos
[um dia, [cardumes
Já de aos deuses servir com A rebolir, fosforescendo no ar.
[cansada, Era a Criação toda, aves e flores,
Vinda do Olimpo, a um novo deus Flores e sol, e astros e vaga-lumes
[servia. A amar... a amar... E que ânsia em
Era o poeta de Teos que a mim de amar!
[suspendia {Poesias, Rio de Janeiro, Garnier, 1912)
Então, e, ora repleta ora esvasada, Raimundo Correia
A taça amiga aos dedos seus tinia,
Toda de roxas pétalas colmada. (1850-1911)
Depois... Mas o lavor da taça Raimundo da Mota Azevedo Correia
[admira, nasceu no litoral do Maranhão, a
Toca-a, e do ouvido aproximando-a, bordo de um navio, em 1850. Graduouse
[às bordas em Direito em São Paulo no ano de
Finas hás de lhe ouvir, canora e 1882. Exerceu o cargo de Juiz durante
[doce, muito tempo na Província do Rio de Janeiro,
Ignota voz, qual se da antiga lira em Minas Gerais e na Capital. Foi
Fosse e encantada música das secretário das Finanças de Minas Gerais
[cordas, em 1892 e professor de Direito em
Qual se essa voz de Anacreonte Ouro Preto, no mesmo ano. Foi eleito
[fosse. para a Academia Brasileira de Letras e
Vaso Chinês nomeado Segundo Secretário da Legação
Entranho mimo aquele vaso! Vi-o, do Brasil em Lisboa em 1897.
Casualmente, uma vez, de um Regressou à Pátria, exerceu novamente
[perfumado a magistratura e o magistério. De
Contador sobre o mármor luzidio, saúde frágil, realizava um tratamento
Entre um leque e o começo de um de neurastenia na França, quando morreu
[bordado. em 1911.
— 242 — São suas obras: Primeiros Sonhos
Fino artista chinês, enamorado, (1879), Sinfonias (1883), Versos e Versões
Nele pusera o coração doentio (1887), Aleluias (1891), Poesias
Em rubras flores de um sutil (1898) e Lucindo filho (1898).
[lavrado, — 243 —
Na tinta ardente, de um calor Demonstrava busca angustiada
[sombrio. pela transcendência e espírito romântico.
Mas, talvez por contraste à Apesar disso, é classificado como
[desventura, parnasiano por causa do apuro formal.
Quem o sabe?... de um velho Sua poesia é repleta de sugestões
[mandarim vagas e imprecisas e de musicalidade,
Também lá estava a singular figura; assemelhando-se à poesia simbolista.
Que arte em pintá-la! a gente Escreveu poemas com temas moralizantes
[acaso vendo-a, e tom pessimista. Costumava
Sentia um não sei quê com aquele utilizar como cenário a natureza e
[chim ambientes noturnos, criando uma atmosfera
De olhos cortados à feição de de magia e mistério.
[amêndoa. Banzo
Apud Massaud Moisés, A Literatura Brasileira através Visões que n'alma o céu do exílio
dos textos, p. 241) [incuba,
De "Alma em Flor" Mortais visões! Fuzila o azul
II [infando...
Coleia, basilisco de ouro, ondeando Nos causa, então piedade nos
O Níger... Bramem leões de fulva [causasse!
[juba... Quanta gente que ri, talvez,
Uivam chacais... Ressoa a fera tuba [consigo
Dos cafres, pelas grotas Guarda um atroz, recôndito inimigo,
[retumbando, Como invisível chaga cancerosa!
E a estralada das árvores, que Quanta gente que ri, talvez existe,
[um bando Cuja ventura única consiste
De paquidermes colossais derruba... Em parecer aos outros venturosa!
Como o guaraz nas rubras penas Poesia completa e p r o s a . Rio de Janeiro, José Aguilar,
[dorme, 1961, p. 135-136)
Dorme em nimbos de sangue o sol Olavo Bilac
[oculto...
Fuma o saibro africano (1865-1918)
[incandescente... Olavo Brás Martins dos Guimarães
Vai coa sombra crescendo o vulto Bilac nasceu no Rio de Janeiro em 1865.
[enorme Cursou a Faculdade de Medicina até o
Do baobá... E cresce n'alma o vulto quarto ano, mas deixou-a para estudar
De uma tristeza, imensa, Direito em São Paulo, não chegando, mais
[imensamente... uma vez, a concluir o curso. Exerceu as
Fetichismo funções de jornalista, funcionário público
Homem, da vida as sombras e inspetor escolar. Extremamente
[inclementes patriota, é de sua autoria a letra do hino
Interrogas em vão: - Que céus à bandeira. Teve participação em campanhas
[habita cívicas, em defesa do serviço
Deus? Onde essa região de luz militar obrigatório e contra o analfabetismo.
[bendita, Faleceu no Rio em 1918.
Paraíso dos justos e dos crentes?... Escreveu poesia (Poesias - 1888,
Em vão tateiam tuas mãos trementes Poesias Infantis - 1904, Tarde - 1919)
As entranhas da noite erma, infinita, e prosa (Crônicas e Novelas - 1894,
Onde a dúvida atroz blasfema e Ironia e Piedade - 1916, A Defesa Nacional-
[grita, 1917, Bocage-1917), além de
E onde há só queixas e ranger de livros didáticos.
[dentes... Foi hábil no manejo da métrica e dos
A essa abóbada escura, em vão versos, construindo poemas de rara perfeição
[elevas formal, porém "superficiais como
Os braçoQ para o Deus sonhado, visão do homem", como ressaltaram Antônio
[e lutas Cândido e José Aderaldo Castelo'3.
Por abarcá-lo; é tudo em torno Profissão de Fé
[trevas... O poeta compara seu trabalho ao
Somente o vácuo estreita em teus do ourives, que grava com paciência
[braços; imagens no ouro. Da mesma forma o
E apenas, pávido, um ruído escritor cria seus poemas; atentando
[escutas para a versificação e as rimas.
Que é o ruído dos teus próprios Le poete est ciseleur,
[passos!... Le ciseleur est poete.
(Poesias completas, v. 1, São Paulo. Companhia Vítor Hugo
Editora Não quero o Zeus Capitolino,
Nacional. 1948) Hercúleo e belo,
— 244 — Trabalhar no mármore divino
— 245 — Com o camartelo.
Mal Secreto IbKl, p. 377.
Se a cólera que espuma, a dor —246—
[que mora Que outro - não eu! - a pedra corte
N'aima, e destrói cada ilusão que Para, brutal,
[nasce, Erguer de Atena o altivo porte
Tudo o que punge, tudo o que Descomunal.
[devora Mais que esse vulto extraordinário,
O coração, no rosto se Que assombra a vista,
[estampasse; Seduz-me um leve relicário
Se se pudesse, o espírito que De fino artista.
[chora, Invejo o ourives quando escrevo:
Ver através da máscara da face, Imito o amor
Quanta gente, talvez, que inveja Com que ele, em ouro, o alto relevo
[agora Faz de uma flor.
Imito-o. E, pois, nem de Carrara
A pedra firo: Fala-me! Em grupos doudejantes,
O alvo cristal, a pedra rara, [quando
O ônix prefiro. Falas, por noites cálidas de
Por isso, corre, por servir-me, [estilo,
Sobre o papel As estrelas acendem-se,
A pena, como em prata firme [radiando,
Corre o cinzel. Altas, semeadas pelo céu
Corre; desenha, enfeita a imagem, [sombrio.
A idéia veste: Olha-me assim! Fala-me assim!
Cinge-lhe ao corpo a ampla roupagem [De pranto
Azul-celeste. Agora, de ternura cheia,
Torce, aprimora, alteia, lima Abre em chispas de fogo essa
A frase; e, enfim, [pupila...
No verso de ouro engasta a rima, E enquanto eu ardo em sua luz,
Como um rubim. [enquanto
Quero que a estrofe cristalina, Em seu fulgor me abraso, uma
Dobrada ao jeito [sereia
Do ourives, saia da oficina Soluce e cante nessa voz
Sem um defeito: [tranqüila!
E que o lavor do verso, acaso, (Poesia, Rio de Janeiro: Garnier, 1902)
Por tão sutil, Nunca morrer assim! Nunca
Possa o lavor lembrar de um vaso [morrer num dia
De Becerril. Assim! de um sol assim!
E horas sem conto passo, mudo, Tu, desgrenhada e fria,
O olhar atento, Fria! postos nos meus os teus
A trabalhar, longe de tudo [olhos molhados,
O pensamento. E apertando nos teus os meus
Porque o escrever - tanta perícia, [dedos gelados...
Tanta requer, E um dia assim! de um sol assim!
Que ofício tal... nem há notícia [E assim a esfera
De outro qualquer. Toda azul, no esplendor do fim da
Assim procedo. Minha pena [primavera!
Segue esta norma, Asas, tontas de luz, cortando o
Por te servir, Deusa serena, [firmamento!
Serena Forma! Ninhos cantando! Em flor a terra
Deusa! A onda vil, que se avoluma [toda! O vento
De um torvo mar, Despencando os rosais,
Deixa-a crescer; e o lobo e a espuma [sacudindo o arvoredo...
Deixa-a rolar! E, aqui dentro, o silêncio... E este
Blasfemo, em grita surda e horrendo [espanto! e este medo!
ímpeto, o bando Nós dois... e, entre nós dois,
Venha dos Bárbaros crescendo, [implacável e forte,
Vociferando... A arredar-me de ti, cada vez
Deixa-o: que venha e uivando passe [mais, a morte...
- Bando feroz! Eu, com o frio a crescer no
Não se te mude a cor da face [coração, - tão cheio
E o tom da voz! De ti, até no horror do derradeiro
{Poesias, São Paulo: Francisco Alvos, 1346, [anseio!
pp.5-10) Tu, vendo retorcer-se
Vía-láctea [amarguradamente,
— 247 A boca que beijava a tua boca
In Extremis [ardente,
"Via-láctea" compõe a segunda A boca que foi tua!
parte do livro Poesias, constituída de — 248 —
trinta e cinco sonetos. A temática constante E eu morrendo! e eu morrendo,
destes é o amor. Vendo-te, e vendo o sol, e vendo
XX [o céu, e vendo
Olha-me! O teu olhar sereno e Tão bela palpitar nos teus olhos,
[brando [querida,
Entre-me o peito, como um largo A delícia da vida! a delícia da vida!
[rio [ApuoAntônio Candido e José Aderaldo Castelo,
De ondas de ouro e de luz, Presença da Literatura Brasileira, pp. 384-385)
[límpido, entrando
O ermo de um bosque tenebroso
Outros autores
[e frio. Vicente de Carvalho
espiritual e, portanto, todos os elementos
(1866-1924) da natureza são correspondências.
Vicente Augusto de Carvalho nasceu Os objetos do mundo real constituem
em Santos em 1866. Graduou-se símbolos do mundo espiritual e devem
em Direito em 1886. Exerceu as funções ser decifrados.
de advogado, político, juiz e desembargador. Influenciados também por Mallarmé,
Defendeu idéias republicanas consideram a poesia como expressão
e abolicionistas; foi também fazendeiro dos mistérios da existência humana e
e negociante. Faleceu em São buscam a sugestão através do uso do
Paulo em 1924. símbolo. Este é usado para revelar um
Escreveu poesia (Ardentias - estado de alma.
1885; Relicário - 1888; Rosa, Rosa A música é tida pelos simbolistas
de Amor - 1902; Poemas e Canções como a arte que melhor realiza a sugestão.
- 1908; Versos da Mocidade - 1909) Por isso, elaboram textos que expressam
e prosa {Paginas Soltas- 1911; Luizinha- musicalidade.
1924). Os poetas fecham-se numa "torre
Francisca Júlia de marfim" e fazem culto do vago e do
misterioso.
(1874-1920)
Francisca Júlia da Silva Munster Cruz e Sousa
nasceu em São Paulo em 1874 e faleceu (1861 - 1 8 9 8)
no mesmo estado em 1920. Escreveu João da Cruz e Sousa nasceu em
Mármores (1895) e Esfinges (1903) Santa Catarina em 1861, filho de escravos
e foi fiel seguidora dos rígidos princípios negros. Concluiu o curso secundário
parnasianos. no Ateneu Provincial Catarinense e
Artur de Azevedo passou a exercer a função de professor.
Faleceu em 1898, vítima de tuberculose.
(1855-1908) Escreveu Tropos e Fantasias
Irmão de Aluísio Azevedo, ficou (1885), Missal (1893), Broquéis (1893),
mais conhecido como jornalista e comediógrafo. Evocações (1898), Faróis (1900), Últimos
Retrata com fidelidade a sociedade Sonetos (1905).
carioca do final do século, marcada Além de ter introduzido o Simbolismo
pela vida boêmia. no Brasil, Cruz e Souza foi o escritor
Resumo do Parnasianismo mais significativo desse movimento em
O Parnasianismo é a expressão do realismo no nosso país.
plano da poesia, coni uma Recebeu influência dos realistas,
produção objetiva, direta, que nomeia os objetos compondo textos marcados por profundo
e seres sem exageros sentimentais. pessimismo e materialismo, e dos
Assim, muitas das características realistas são parnasianos, demonstrando excessiva
aplicadas ao preocupação com a forma.
Parnasianismo. Antífona
— 249 — Neste poema encontramos elementos
tipicamente simbolistas: vaguidão,
Simbolismo fluidez, utilização de objetos litúrgicos
— 250 —
A publicação das obras Missal e ("incensos dos turíbulos das aras"), imagens
Broquéis de Cruz e Sousa em 1893 diurnas e noturnas, símbolos que
marca o início do movimento simbolista, despertam sensações e nos sensibilizam
que se estende até 1902, com a publicação para o transcendente.
de Os Sertões, de Euclides da O poeta procura despertar os sentidos
Cunha e Canaã, de Graça Aranha, do leitor: "Indefiníveis músicas supremas,
Diferentemente do Parnasianismo, harmonias da Cor e do Perfume".
seu contemporâneo, não se assemelha Chama a atenção deste para o Mistério
em nenhum aspecto ao Realismo-Naturalismo. de seus versos e, sobretudo, para
Aproxima-se do Romantismo por o Mistério da própria existência humana.
seu caráter subjetivo. Aparecem figuras oníricas: "Do Sonho
Os simbolistas procuram recuperar as mais azuis diafaneidades".
a unidade entre o material e espiritual, A imagem da mulher surge sensual,
assim como os românticos. Contudo, mas também idealizada: "Forças originais,
diferem destes por buscá-la aqui mesmo essência, graça de carnes de
na terra e não em uma vida após a mulher, delicadezas".
morte. Composto de imagens fortes e vibrantes
Acreditam na idéia do místico sueco e permeado de musicalidade, o
Swedenborg de que tudo que existe poema termina com a imagem da morte:
no mundo natural depende do mundo 'Tropel cabalístico da Morte".
Alfredo Bosi, em seus estudos1 4, fulvas vitórias, triunfamentos acres,
ressaltou que a utilização constante das os mais estranhos
maiúsculas confere valor absoluto a [estremecimentos...
certos termos. Podemos citar alguns, no Flores negras do tédio e flores
poema em questão: "Formas", "Amor", [vagas
"Virgens", "Santas", "Cor", "Perfume", de amores vão, tantálicos,
"Ocaso", "Dor", "Luz", "Mistério", "Sonho", [doentios...
"Verso", "Morte". Fundas vermelhidões de velhas
Ó Formas alvas, brancas, Formas [chagas
[claras em sangue, abertas, escorrendo
De luares, de neves, de neblinas!... [em rios...
Ó Formas vagas, fluidas, Tudo! vivo e nervoso e quente e
[cristalinas... [forte,
Incensos dos turíbulos das aras... nos turbilhões quiméricos do
Formas do Amor, constelarmente [Sonho,
[puras, passe, cantando, ante o perfil
de Virgens e de Santas [medonho
[vaporosas... e o tropel cabalístico da Morte...
Brilhos errantes, mádidas {Apud Antônio Candido e José Aderaldo Castelo,
[frescuras Presença da Literatura Brasileira, pp. 395-396)
e dolências de lírios e de rosas... Alphonsus de Guimaraens
Indefiníveis músicas supremas,
harmonias da Cor e do Perfume... (1870-1921)
Horas do Ocaso, trêmulas, Afonso Henriques da Costa Guimaraens
[extremas, nasceu em Ouro Preto em 1870.
Réquiem do Sol que a Dor da Luz Após a morte de sua prima e namorada
[resume... Constança, fica doente e vem para São
Visões, salmos e cânticos serenos, Paulo em 1891. Inicia o curso de Direito
surdinas de órgãos flébeis, e passa a relacionar-se com poetas simbolistas.
[soluçantes... Já casado, exerce o cargo de
Dormências de volúpicos juiz em Minas Gerais, até sua morte, em
[venenos 1921.
sutis e suaves, mórbidos, Escreveu Setenario das Dores de
[radiantes... Nossa Senhora e Câmara Ardente
Infinitos espíritos dispersos, (1899), Dona Mística (1899), Kiriale
inefáveis, edênicos, aéreos, (1902), Pauvre Lyre(1921), Pastoral aos
fecundai o Mistério destes versos Crentes do Amor e da Morte (1923), A
com a chama ideal de todos os Escada de Jacó (1938).
[mistérios. O tema mais recorrente em sua
Do sonho as mais azuis poesia é a morte da amada, objeto de
[diafaneidades sua idealização. Além deste, também
que. fuljam, que na Estrofe se são freqüentes a devoção religiosa e a
[levantem morte.
e as emoções, todas as O poema a seguir é um dos mais
[castidades famosos do escritor, contendo uma linguagem
da alma do Verso, pelos versos simples e pleno de musicalidade.
[cantem. Nele utiliza redondilhas maiores, influência
Que o pólen de ouro dos mais da tradição lírica medieval. Ismália
[finos astros pode ser considerada símbolo do anseio
'"Alfredo Bosi, História Concisa da Literatura Brasileira, do ser humano pela transcendência.
p. 274. A morte é encarada como meio de ascensão
— 251 — e liberação.
fecundem e inflame a rima clara e Ismália
[ardente... Quando Ismália enlouqueceu,
Que brilhe a correção dos Pôs-se na torre a sonhar...
[alabastros Viu uma lua no céu,
sonoramente, luminosamente. Viu outra lua no mar.
Forças originais, essência, graça — 252 —
de carnes de mulher, delicadezas... No sonho em que se perdeu,
Todo esse eflúvio que por ondas Banhou-se toda em luar...
[passa Queria subir ao céu,
do Éter nas róseas e áureas Queria descer ao mar...
[correntezas... E, no desvario seu,
Cristais diluídos de clarões álacres, Na torre pôs-se a cantar...
desejos, vibrações, ânsias, Estava perto do céu,
[alentos,
Estava longe do mar... [roê-los,
E como um anjo pendeu E há de deixar-me apenas os
As asas para voar... [cabelos,
Queria a lua do céu, Na frialdade inorgânica da ferra!
Queria a lua do mar... (Clássicos da Poesia Brasileira, São Paulo: Kliok
As asas que Deus lhe deu Editora, 1997, p. 175)
Rufiaram de par em par... Versos íntimos
Sua alma subiu ao céu, Vês?! Ninguém assistiu ao
Seu corpo desceu ao mar... [formidável
{Clássicos da Poesia Brasileira, São Paulo: Klick Enterro de tua última quimera.
Editora, 1997,pp. 165-166) Somente a Ingratidão - esta
Augusto dos Anjos [pantera -
Foi tua companheira inseparável!
(1884-1914) Acostuma-te à lama que te espera!
Augusto de Carvalho Rodrigues O Homem, que, nesta terra
dos Anjos nasceu no engenho Pau [miserável,
D'Arco, no estado do Paraíba, em 1884. Mora, entre feras, sente inevitável
Formou-se no Liceu Paraibano e, posteriormente, Necessidade de também ser fera.
graduou-se em direito no Recife Toma um fósforo. Acende teu
em 1905. Foi professor em João [cigarro!
Pessoa, depois se transferiu em 1910 O beijo, amigo, é a véspera do
para o Rio de Janeiro e em 1913 foi para [escarro,
Leopoldina, Minas Gerais, onde atuou A mão que afaga é a mesma que
como promotor e professor. Faleceu um [apedreja.
ano depois. Se a alguém causa inda pena a
Escreveu apenas duas obras: Eu [tua chaga,
(1912) e Eu e Outras Poesias (1919), Apedreja essa mão vil que te
porém de grande valor literário. [afaga,
Sua poesia é marcada por um tom Escarra nessa boca que te beija!
pessimista e pela utilização de um vocabulário (totó, p. 177)
científico e uma linguagem agressiva. Resumo do Simbolismo
Oscila entre elementos parnasianos
Momento socio-cultural
(apuro formal) e simbolistas (musicalidade),
• O fim do século XIX é de profundo
sendo poeta de difícil classificação
pessimismo e desánimo. A civilização
estética e também considerado prémodernista.
industrial produz desencanto e
Como podemos perceber nas poesias
vazio, vazio este que leva o homem
que se seguem, carece de um sentido
a procurar o espiritual e o absoluto.
existencial e demonstra profunda
angústia diante da vida, que caminha Características literárias
para o destino fatal: a morte e a desintegração. • Essa ânsia pelo absoluto leva os simbolistas
Daí o sofrimento e a sensação a tentarem unificar matéria
de impotência em relação ao destino. e espírito por meio de urna arte que
é pura sugestão, fluidez e musicalidade,
Psicologia de um vencido negando a poesia fria dos
Eu, filho do carbono e do parnasianos.
[amoníaco, • Para os simbolistas a poesia deve
Monstro de escuridão e rutilância, expressar os mistérios da alma e da
Sofro, desde a epigênese da vida, mas sem nomear esses mistérios.
[infância, Deve sugeri-los, utilizando o som
A influência má dos signos do e o símbolo.
[zodíaco. • Em suma, a poesia simbolista é mistério
Profundissimamente e imprecisão.
[hipocondríaco,
Autores e obras
Este ambiente me acusa
• Cruz e Sousa: o mais importante
[repugnância...
simbolista brasileiro (e um dos maiores
Sobe-me à boca uma ânsia
do mundo). Escreveu M/ssai
[análoga à ânsia
(1893), Broquéis (1893), Faróis
Que se escapa da boca de um
(1900), Últimos Sonetos (1905).
[cardíaco.
• Alphonsus de Guimaraens: autor
Já o verme - este operário das
de obra mística e que idealiza a amada
[ruínas -
morta. Deixou Setenário das Dores
Que o sangue podre das
de Nossa Senhora (1889), Kiriale
[carnificinas
(1902), A Escada de Jacó (1938).
Come, e à vida em geral declara
— 253 —
[guerra,
— 254 —
Anda a espreitar meus olhos para
Lógica no Colégio Pedro II, em 1909.
Pré-Modernismo Morreu assassinado nesse mesmo ano.
Escreveu também Peru versus Bolívia
No Brasil do começo do século XX,
os proprietários rurais de São Paulo e - 1907, Contraste e Confrontos -
Minas Gerais compõem a elite dominante 1907, À Margem da História - 1909, Canudos
da República Velha, que vai de 1894 a (Diário de uma Expedição) -1939.
1930. A economia tem por base a dupla — 255 —
"café com leite", ou seja, centra-se na Os Sertões
lavoura cafeeira e na pecuária. Os Sertões analisam o conflito
Por outro lado, há um aumento da ocorrido entre 1896 e 1897 em Canudos,
industrialização e um crescimento da no sertão da Bahia. Influenciado
classe operária. Cada vez mais imigrantes pelo determinismo positivista, Euclides
europeus dirigem-se ao centro-sul e da Cunha dividiu a obra em três partes:
os negros, recém-libertados, compõem "A terra", que faz a descrição dos aspectos
a classe marginalizada em vários pontos físicos do sertão baiano, onde
do país. ocorreu o conflito; "O Homem", que apresenta
Com a ascensão do caté de São o sertanejo como resultado da
Paulo, a cultura canavieira do Nordeste mestiçagem, enfatizando a figura do
entra em decadência. beato carismático Antônio Conselheiro
Ex-escravos, imigrantes e proletariado como produto do meio físico e social e
integram a camada menos favorecida "A luta", em que narra o desenvolvimento
da sociedade, ao contrário da classe do conflito e a destruição do arraial
conservadora, detentora de dinheiro de Canudos.
e poder. Este quadro gera uma série de O escritor utilizou extenso e raro
revoltas por várias regiões do país. Entre vocabulário, por diversas vezes extraído
os acontecimentos estão: No nordeste da linguagem científica, explorou as
- fenômeno do cangaço, fanatismo possibilidades sintáticas da língua e procurou
religioso centrado na figura do padre intensificar e engrandecer os fatos
Cícero, guerra de Canudos; no Rio de sua narrativa.
de Janeiro - revolta contra a vacina obrigatória ///
contra a febre amarela e Revolta O sertanejo é, antes de tudo, um
da Chibata; em São Paulo - greves operárias; forte. Não tem o raquitismo exaustivo
no sul - Guerra do Contestado. dos mestiços neurasténicos do litoral.
Nesse contexto desenvolvem-se A sua aparência, entretanto, ao
tendências conservadoras ainda influenciadas primeiro lance de vista, revela o contrário.
pelo Realismo-Naturalismo, Falta-lhe a plástica impecável, o desempeño,
Parnasianismo e Simbolismo e atitudes a estrutura corretíssima das
renovadoras, apresentando novas concepções organizações atléticas.
estéticas e temáticas. É desgracioso, desengonçado, torto,
Marcam o início deste período, que Hércules-Quasímodo, reflete no aspecto
não pode ser considerado uma estética a fealdade típica dos fracos. O
literária, as obras Os Sertões, de Euclides andar sem firmeza, sem aprumo, quase
da Cunha, e Canaã, de Graça Aranha. gingante e sinuoso, aparenta a translação
Estende-se até 1922, quando ocorreu de membros desarticulados. Agrava-
a Semana de Arte Moderna e principiou o a postura normalmente abatida,
o Modernismo no Brasil. num manifestar de displicência que lhe
dá um caráter de humildade deprimente.
Euclides da Cunha A pé, quando parado, recosta-se
(1866-1909) invariavelmente ao primeiro umbral ou
Euclides Rodrigues da Cunha nasceu parede que encontra; a cavalo, se sofreia
em Cantagalo, Rio de Janeiro, em o animal para trocar duas palavras
1866. Após os estudos secundários, com um conhecido, cai logo sobre
cursou a Escola Politécnica, mas abandonou- um dos estribos, descansando sobre a
a por motivos financeiros e mudou- espenda da sela. Caminhando, mesmo
se para a Escola Militar, saindo desta a passo rápido, não traça trajetória
como tenente e engenheiro. Seguiu retilínea e firme. Avança celeremente,
também a carreira jornalística, que lhe num bambolear característico, de que
propiciou a ida, como correspondente parecem ser o traço geométrico os meandros
do jornal O Estado de São Paulo, para o das trilhas sertanejas. E se na
arraial de Canudos, no sertão baiano. marcha estaca pelo motivo mais vulgar,
Em seguida vai para São José do Rio para enrolar um cigarro, bater o isqueiro,
Pardo, onde escreve Os sertões, publicado ou travar ligeira conversa com um
em 1902 e responsável por sua amigo, cai logo - cai é o termo - de
notoriedade. Entrou para a Academia cócoras, atravessando largo tempo
Brasileira de Letras e foi professor de numa posição de equilíbrio instável, em
que o seu corpo fica suspenso pelos Secretaria da Guerra.
dedos grandes dos pés, sentado sobre Vítima de depressão e alcoolismo,
os calcanhares, com uma simplicidade foi internado duas vezes no Hospício
a um tempo ridícula e adorável. Nacional. Faleceu em 1922 de colapso
É o homem permanentemente fatigado. cardíaco.
Reflete a preguiça invencível, a Estão entre suas obras Recordações
atonia muscular perene, em tudo; na do Escrivão Isaías Caminha
palavra remorada, no gesto contrafeito, (1909), Triste Fim de Policarpo Quaresma
no andar desaprumado, na cadência (1915), Numa e a Ninfa (1915),
langorosa das modinhas, na tendência Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá
constante à imobilidade e à quietude. (1919), Bagatelas (1923), Os Bruzundangas
Entretanto, toda esta aparência de (1923), Clara dos Anjos (publicação
cansaço ilude. póstuma em 1948).
Nada é mais supreendedor do que Com um estilo simples, Lima Barreto
vê-la desaparecer de improviso. Naquela procurava escrever para as camadas
organização combalida operam-se, em populares, conscientizando-as sobre a
segundos, transmutações completas. situação de exploração a que eram submetidas,
— 256 — além de fazer uma crítica a preconceitos
Basta o aparecimento de qualquer incidente de qualquer espécie.
exigindo-lhe o desencadear das Triste Fim de Policarpo Quaresma
energias adormidas. O homem transfigurou- O romance divide-se em três partes,
se. Empertiga-se, estadeando novos todas relacionadas à vida do personagem
relevos, novas linhas na estatura e central: o quixotesco Policarpo
no gesto; e a cabeça firma-se-lhe, alta, Quaresma, subsecretário no Arsenal de
sobre os ombros possantes, aclarada Guerra. Extremamente patriota e nacionalista,
pelo olhar desassombrado e forte; e corrigem- valoriza o violão, a modinha e o
se-lhe, prestes, numa descarga folclore e anseia pelo estabelecimento
nervosa instantânea, todos os efeitos do tupi como língua oficial.
do relaxamento habitual dos órgãos; e Tido como louco, vai para o hospício.
da figura vulgar do tabaréu canhestro, Em seguida dedica-se à agricultura.
reponta, inesperadamente, o aspecto dominador Na revolta contra o Marechal Floriano,
de um titã acobreado e potente, apresenta-se para servi-lo, chefia uma
num desdobramento surpreendente de guarnição, mas é preso como traidor e
força e agilidade extraordinárias. condenado à morte.
Este contraste impõe-se ao mais /
leve exame. Revela-se a todo o momento, A LIÇÃO DE VIOLÃO
em todos os pormenores da vida sertaneja Como de hábitos, Policarpo Quaresma,
- caracterizado sempre pela intercadência mais conhecido por Major Quaresma,
impressionadora entre extremos bateu em casa às quatro e quinze
impulsos e apatías longas. da tarde. Havia mais de vinte anos
É impossível idear-se cavaleiro mais que isso acontecia. Saindo do Arsenal
chucro e deselegante; sem posição, de Guerra, onde era subsecretário,
pernas coladas ao bojo da montaria, tronco bongava pelas confeitarias algumas
pendido para a frente e oscilando à frutas, comprava um queijo, às vezes,
feição da andadura dos pequenos cavalos e sempre o pão da padaria francesa.
do sertão, desferrados e maltratados, Não gastava nesses passos nem
resistentes e rápidos como poucos. mesmo uma hora, de forma que, às três
Nesta atitude indolente, acompanhando e quarenta, por aí assim, tomava o bonde,
morosamente, a passo, pelas sem erro de um minuto, ia pisar a
chapadas, o passo tardo das boiadas, soleira da porta de sua casa, numa rua
o vaqueiro preguiçoso quase transforma afastada de São Januário, bem exatamente
o campião que cavalga na rede às quatro e quinze, como se fosse
amolecedora em que atravessa dois terços a aparição de um astro, um eclipse,
da existência. enfim um fenômeno matematicamente
(...) determinado, previsto e predito.
(Euclides da Cunha, Os Sertões, Rio de Janeiro:
Francisco Alves, 1995, pp. 129-131)
A vizinhança já lhe conhecia os
hábitos e tanto que, na casa do Capitão
Lima Barreto Cláudio, onde era costume jantar-se aí
pelas quatro e meia, logo que o viam
(1881 - 1 9 2 2) passar, a dona gritava à criada: "Alice,
Afonso Henriques de Lima Barreto olha que são horas; o Major Quaresma
nasceu no Rio de Janeiro em 1881. Concluído já passou."
o curso secundário, ingressou na E era assim todos os dias, há quase
Escola Politécnica, mas deixou-a para trinta anos. Vivendo em casa própria
assumir a Diretoria do Expediente da e tendo outros rendimentos além
do seu ordenado, o Major Quaresma para São Paulo. Comprou a Revista
podia levar um trem de vida superior do Brasil e iniciou a Editora Monteiro
aos seus recursos burocráticos, gozando, Lobato. De 1927 a 1931 trabalhou como
por parte da vizinhança, da consideração adido comercial do Brasil nos Estados
e respeito de homem abastado. Unidos. Ao retornar, fundou a Companhia
Não recebia ninguém, vivia num Petróleo do Brasil e liderou a campanha
isolamento monacal, embora fosse cortês do ferro. Em 1941 é preso e após
com os vizinhos que o julgavam esquisito sua saída exila-se na Argentina, onde
e misantropo. Se não tinha amigos fica por algum tempo. Faleceu em 1948.
na redondeza, não tinha inimigos, Escreveu Urupês (1918), Idéias de
e a única desafeição que merecera, Jeca Tatu (1919), Cidades Mortas (1919),
fora a do doutor Segadas, um clínico Negrinha (1920), O Macaco que se Fez
afamado no lugar, que não podia admitir Homem (1923), entre outras obras.
que Quaresma tivesse livros: "Se não Ao compor seu conhecido personagem
era formado, para quê? Pedantismo!" Jeca Tatu, denunciou as mazelas
O subsecretário não mostrava os sociais do interior paulista por meio
livros a ninguém, mas acontecia que, da caricatura do caboclo.
quando se abriam as janelas da sala de Produziu extensa e rica obra para
sua livraria, da rua poder-se-iam ver crianças, que o consagrou como maior
as estantes pejadas de cima abaixo. autor infanto-juvenil do país.
Eram esses os hábitos; ultimamente,
porém, mudara um pouco; e isso provocava
Resumo do Pré-modernismo
comentários no bairro. Além do Momento sócio-cultural
compadre e da filha, as únicas pessoas • Parte do Brasil se industrializa e se
que o visitavam até então, nos últimos urbaniza rapidamente. Milhares de
dias, era visto entrar em sua casa, imigrantes europeus se estabelecem
três vezes por semana e em dias certos, no país. Enquanto o Centro-sul se
um senhor baixo, magro, pálido, moderniza, conflitos em regiões como
com um violão agasalhado numa bolsa Canudos expõem a miséria de grande
de camurça. Logo pela primeira vez o parte do país.
caso intrigou a vizinhança. Um violão Características literárias
em casa tão respeitável! Que seria? • Esse período é uma transição para o
E, na mesma tarde, uma das mais Modernismo e não possui os traços
lindas vizinhas do major convidou uma de uma escola literária. Vemos o inicio
amiga, e ambas levaram um tempo perdido, de tendências e temas que se
de cá para lá, a palmilhar o passeio, firmam no Modernismo.
esticando a cabeça, quando passavam Autores e obras
diante da janela aberta do esquisito • Euclides da Cunha: jornalista, escreveu
subsecretário. Os Sertões (1902), obra-prima
— 257 — que relata a guerra de Canudos.
— 258 — • Lima Barreto: escritor simples e objetivo,
Não foi inútil a espionagem. Sentado denunciou os vícios e preconceitos
no sofá, tendo ao lado o tal sujeito, da sociedade brasileira. Escreveu
empunhando o "pinho" na posição Triste Fim de Policarpo Quaresma
de tocar, o major, atentamente, ouvia: (1915), Clara dos Anjos (1948).
"Olhe, major, assim". E as cordas vibravam • Monteiro Lobato: denunciou muitos
vagarosamente a nota ferida; problemas nacionais, em obras como
em seguida, o mestre aduzia: "É 'ré', Urupês (1918), Idéias de Jeca Tatu
aprendeu?" (1919), Cidade Mortas (1919), Negrinha
Mas não foi preciso pôr na carta; a (1920).
vizinhança concluiu logo que o major — 259 —

Modernismo
aprendia a tocar violão. Mas que cousa?
Um homem tão sério metido nessas
malandragens! O movimento modernista teve início
(...) em São Paulo, com a Semana de Arte
(Lima Barreto, Triste Fim de Policarpo Quaresma, São Moderna, em 1922. Logo em seguida expandiu-
Paulo: Ática 1990. p. 19-20)
se por todo o país, renovando a
Monteiro Lobato idéia de literatura e de escritor.
Os autores desse período desejavam
(1882-1948) expressar-se livremente, privilegiando
José Bento Monteiro Lobato nasceu como tema a realidade brasileira.
em Taubaté, São Paulo, em 1882. Graduouse A linguagem torna-se mais coloquial,
em Direito e foi promotor em Areias. semelhante à nossa fala, e afasta-se
Herdou a propriedade dos avós e tornou- dos moldes portugueses.
se fazendeiro, mas depois se mudou Os acontecimentos da modernidade
passam a receber maior enfoque, sooretudo Andrade; Juca Mulato, de Menotti Del
os que se referem à civilização Picchia; Nós, de Guilherme de Almeida;
ndustrial, com suas máquinas e seu ritmo Carrilhões, de Murilo Araújo.
acelerado de vida, percebido também No ano de 1922, centenário da Independência,
nas cenas quotidianas. o país vivia um período de
Por diversas vezes, os autores fazem intenso desenvolvimento urbano e industrial,
uso do humor em seus textos, introduzindo favorável ao evento ocorrido
algo novo na literatura, pois na semana de 11 a 18 de fevereiro, no
até então o humorismo era considerado Teatro Municipal de São Paulo. Foram
de mau-gosto e fora dos padrões estéticos. expostos quadros e esculturas e aconteceram
O Modernismo apresentou três fases recitais e conferências.
distintas: 1 a . fase - destruidora Graça Aranha e Ronald de Carvalho
¡1922-1930) - marcada pela ruptura com foram os conferencistas da noite de
as tradições literárias, "poema-piada", 13 de fevereiro, quando poemas foram
profundo nacionalismo, primitivismo, declamados por Guilherme de Almeida e
aversão ao nosso passado histórico; pelo próprio Ronald de Carvalho, além
2ª. fase - edificadora (1930-1945) - da apresentação de peças musicais por
caracterizada pela construção de uma Villa Lobos e Ernâni Braga.
fteratura renovadora, que origina a ficção No dia 15, Menotti de Picchia discursou
nordestina e regional e o romance e contou com a presença de Guilherme
urbano, psicológico e introspectivo; 3a. de Almeida, Ronald de Carvalho, Elísio
fase (1945 até a atualidade), também de Carvalho, Oswald de Andrade, Renato
conhecida como Pós-Modernismo. Almeida, Luís Aranha, Mário de
Andrade, Agenor Barbosa, Moacir de
Antecedentes e a Abreu, Rodrigues de Almeida e Sérgio
Milliet. Foram lidos poemas de Manuel
Semana de Arte Bandeira e Ribeiro Couto. Além disso, Mário
de Andrade fez uma pequena palestra
Moderna sobre a exposição de artes plásticas, seguido
Descontentes com a literatura produzida do bailado de Yvonne Daumerle e
no Realismo-Naturalismo, Parnasianismo do concerto de Guiomar Novais.
e Simbolismo, os escritores No dia 17, Villa Lobos fez um concerto
pré-modernistas já tinham dado indícios e foi muito vaiado.
de renovações na linguagem e no modo
de enxergar a situação social brasileira. Conseqüências da
Alguns jovens intelectuais brasileiros
tomaram contato com as Vanguardas Semana de Arte
Européias (Futurismo de Marinetti,
Cubismo, Expressionismo, Dadaísmo, Moderna
Surrealismo) e foram por elas influenciados, Em 1922, a revista Klaxon foi publicada,
como se fez perceber na Semana paralelamente ao surgimento da
de Arte Moderna. O Manifesto Futurista, corrente dinamista, ligada ao Futurismo
de Marinetti, publicado em Paris e à corrente primitivista, relacionada
em 1909, foi também publicado no Brasil, ao inconsciente e às raízes primitivas
no mesmo ano, nos jornais A República, brasileiras.
do Rio Grande do Norte e Jornal Escrito por Oswald de Andrade em
de Notícias, da Bahia. Paris, o Manifesto Pau-Brasil é publicado
Oswald de Andrade em 1912 viajou no Correio da Manhã em 1924.
à Europa e, influenciado pelas tendências Desejava-se a produção de uma poesia
na arte e literatura européias autenticamente brasileira e de exportação,
do momento, retornou ao Brasil e divulgou- valorizando estados primitivos da
as, propondo mudanças na arte e cultura brasileira.
literatura brasileiras. O manifesto mais radical da primeira
O pintor Lasar Segall em 1913 fez fase modernista foi o Manifesto Antropófago,
uma exposição, influenciada pelas Vanguardas publicado na Revista de Antropofagia,
Européias, em São Paulo. Em em 1928. Caracterizava-sé
1914 foi a vez de Anita Malfatti, ocasião pela devoração da cultura européia, que
em que recebeu severas críticas de deveria ser reelaborada de forma autônoma.
Monteiro Lobato. Já no ano de 1915 Ronald Houve também o Manifesto Verde-
de Carvalho colaborou com a publicação Amarelo, que criticava o "nacionalismo
da revista Orpheu, que marca o importado" de Oswald de Andrade. Foi
início do Modernismo na literatura portuguesa. — 260 —
Em 1917 várias obras renovadoras liderado por Menotti de Picchia, Cassiano
foram publicadas: Há uma gota de Ricardo e Plínio Salgado e marcado pela
sangue em cada poema, de Mário de defesa de um nacionalismo ufanista,
tendendo para o conservadorismo. O Além da literatura, Mário de Andrade
grupo autodenominou-se Escola de era um amante e estudioso da música,
Anta e identificou-se com o Integralismo. das artes plásticas e do folclore
brasileiro. Desejava construir os alicerces
Primeira Geração de uma cultura verdadeiramente
nacional.
do Modernismo — 261 —
— 262 —
(1922-1930) Escreveu poesia (Há uma gota de
Durante as primeiras décadas do sangue em cada poema - 1917;
século XX, ocorrem algumas mudanças Paulicéia Desvairada - 1922; Losango
na economia brasileira. A industrialização Caqui - 1926; Clã do Jabuti - 1927;
cresce, sobretudo em São Paulo, Remate de Males - 1930; Poesias -
importa-se mão-de-obra, tanto para a 1941; Lira Paulistana - 1946); ficção
lavoura cafeeira como para as indústrias. (Amar, Verbo Intransitivo - 1927;
O anarquismo é trazido pelos italianos, Macunaíma - 1928; Contos Novos -
provocando protestos, reivindicações 1946); ensaio (A Escrava que não é
e greves, ou seja, lutas por melhores Isaura - 1925; O Empalhador de Passarinho
condições de trabalho. Mas a economia - 1944); crônica (Os filhos de
ainda centrava-se na cafeicultura Candinha - 1943); musicologia e folclore;
paulista e na pecuária mineira. Entre História da Arte; cartas.
os anos de 1922 a 1930 intensifica-se o Macunaíma
Tenentismo, cria-se a Coluna Prestes e Fruto de anos de pesquisa sobre o
o Partido Comunista é considerado ilegal folclore nacional, o texto foi redigido em
pelo governo. uma semana no ano de 1926, mas veio
Em 1929 o preço do café no mercado a público apenas dois anos depois.
internacional cai, devido à quebra Estruturado em dezessete capítulos
da Bolsa de Nova Iorque, e muitos fazendeiros e um epílogo, o texto é classificado
vão à falência. Imigrantes são pelo próprio Mário de Andrade como rapsódia,
presos pela participação em greves. termo aplicado à música. Rapsódia
Getúlio Vargas é candidato à presidência musical é uma composição que tem
da República. como base melodias populares ou folclóricas.
Durante a primeira fase modernista. O livro é classificado como rapsódia,
os escritores fazem uso dos versos pois reúne motivos populares,
livres e abandonam as formas fixas, folclóricos e culturais brasileiros.
como o soneto. A linguagem coloquial A obra demonstra a preocupação
é recorrente, assim como a ausência modernista de aproximar-se da linguagem
de pontuação. Combatem valores falada, agrupando termos de diversas
tradicionais; valorizam elementos regiões e de diferentes origens (populares,
do cotidiano e do progresso; reescrevem indígenas).
textos do passado, com lirismo ou O trecho a seguir integra o primeiro
parodiando-os; as linguagens da poesia capítulo do livro, em que o protagonista
e da prosa aproximam-se; são empregados da história, Macunaíma, "o herói sem
períodos curtos e utiliza-se a nenhum caráter", nos é apresentado.
metalinguagem. Seu nome, de origem indígena, significa
Mário de Andrade "o grande mal". O personagem representa
o pensamento primitivo, passando
(1893-1945) por uma série de mágicas transformações,
Mário Raul de Morais Andrade nasceu sempre guiado pelo prazer e
em São Paulo em 1893. Formou-se pelo medo. Tinha por meta a busca da
no Conservatório Dramático e Musical, muiraquitã, pedra talismã presente de
onde posteriormente lecionou História sua companheira Ci-Mãe do Mato (já
da Música. Trabalhou como professor transformada na estrela Beta do Centauro),
de piano, jornalista e funcionário público. que o gigante Venceslau Pietro
Em 1934 passou a dirigir o Departamento Pietra havia furtado. Macunaíma vem
de Cultura da Prefeitura de São para São Paulo com este objetivo, acompanhado
Paulo, permanecendo até 1937. Um ano pelos irmãos Maanape e Jiguê.
depois se transferiu para o Rio de Janeiro. O personagem passa tranqüilamente por
Foi crítico literário, professor de espaços e tempos diversos. Ao término
Estética na Universidade do Distrito Federal do livro, Macunaíma transforma-se na
e idealizou a Enciclopédia Brasileira constelação Ursa Maior.
do Ministério da Educação. No ano /. Macunaíma
de 1940 retornou a São Paulo, onde foi No fundo do mato-virgem nasceu
funcionário do Serviço do Patrimônio Macunaíma, herói de nossa gente. Era
Histórico e faleceu em 1945. preto retinto e filho do medo da noite.
Houve um momento em que o silêncio foi Primeiro Caderno de Poesia do Aluno
tão grande escutando o murmurejo do Oswald de Andrade - 1927, Poesias
Uraricoera, que a índia tapanhumas pariu Reunidas • 1945); romances (Os Condenados
uma criança feia. Essa criança é que - 1922, Memórias Sentimentais
chamaram de Macunaíma. de João Miramar - 1924, Serafim
Já na meninice fez coisas de sarapantar. Ponte Grande - 1933J; teatro (A morta -
De primeiro passou mais de seis 1937, O Rei da Vela - 1937); ensaios
anos não falando. Si o incitavam a falar (Ponta de Lança-1945); memórias (Um
exclamava: Homem sem Profissão - 1954).
-Ai! que preguiça!... A poesia de Oswald de Andrade
e não dizia mais nada. Ficava no comporta elementos das vanguardas
canto da maloca, trepado no jirau de européias, sobretudo o Cubismo e o
paxiúba, espiando o trabalho dos outros primitivismo do Dadaísmo. Realiza uma
e principalmente os dois manos que crítica à sociedade brasileira, com humor
tinha, Maanape já velhinho e Jiguê na e estilo coloquial.
força de homem. O divertimento dele era A "Poesia Pau-Brasil", resultou
decepar cabeça de saúva. Vivia deitado numa poesia "de exportação", incorporando
mas si punha os olhos em dinheiro, "antropofagicamente" a cultura
Macunaíma dandava pra ganhar vintém. estrangeira, como faziam os índios antropófagos
— 263 — com seus inimigos, a fim de
E também esperava quando a família ia absorverem suas qualidades.
tomar banho no rio, todos juntos e nus. Manifesto Antropófago
Passava o tempo do banho dando mergulho, (fragmentos)
e as mulheres soltavam gritos Só a Antropofagia nos une. Socialmente.
gozados por causa dos guaimuns dizque Economicamente. Filosoficamente.
habitando a água doce por lá. No Única lei do mundo. Expressão mascarada
mucambo si alguma cunhatã se aproximava de todos os individualismos, de
dele para fazer festinha, Macunaíma todos os coletivismos. De todas as religiões.
punha a mão nas graças dela, De todos os tratados de paz.
cunhatã se afastava. Nos machos guspia — 264 —
na cara. Porém respeitava os velhos e Tupi, or not tupi that is the question.
freqüentava com aplicação a murua a Contra todas as catequeses. E contra
poracê o torê o bacorocô a cucuicogue, a mãe dos Gracos.
todas essas danças religiosas da tribo. Só me interessa o que não é meu.
Quando era pra dormir trepava no Lei do homem. Lei do antropófago.
macuru pequenininho sempre se esquecendo (...)
de mijar. Como a rede da mãe Tínhamos a justiça codificação da
estava debaixo do berço, o herói mijava vingança. A ciência codificação da Magia.
quente na velha, espantando os mosquitos A Antropofagia. A transformação
bem. Então adormecia sonhando permanente do Tabu em totem.
palavras feias, imoralidades estrambólicas (...)
e dava patadas no ar. De William James a Voronoff. A
Nas conversas das mulheres no Transfiguração do Tabu em totem. Antropofagia.
pino do dia o assunto eram sempre as (...)
peraltagens do herói. As mulheres se riam Antes dos portugueses descobrirem
muito simpatizadas, falando que "espinho o Brasil, o Brasil tinha descoberto a
que pinica, de pequeno já traz ponta", e felicidade.
numa pajelança Rei Nagô fez um discurso (...)
e avisou que o herói era inteligente. Somos concretistas. As idéias tomam
(...) conta, reagem, queimam gente nas
(Mário de Andrade, Macunaíma, São Paulo: Klick praças públicas. Suprimamos as idéias
Editora, 1999, p. 13) e as outras paralisias. Pelos roteiros.
Oswald de Andrade Acreditar nos sinais, acreditar nos instrumentos
e nas estrelas.
(1890-1953) (...)
José Oswald de Sousa Andrade A luta entre o que se chamaria
nasceu em São Paulo em 1890. De 1911 Incriado e a Criatura - ilustrada pela con
a 1912 viajou à Europa, de onde retornou tradição permanente do homem e o seu
com idéias renovadoras na arte e na Tabu. O amor cotidiano e o modus-vivendi
literatura. Formou-se em Direito em 1919. capitalista. Antropofagia. Absorção do
Foi amigo de Mário de Andrade e Di Cavalcanti, inimigo sacro. Para transformá-lo em
com quem planejou as mudanças totem. A humana aventura. A terrena
literárias. Faleceu em 1953 na cidade finalidade. Porém, só as puras elites conseguiram
natal. realizar a antropofagia carnal,
Escreveu poesia (Pau Brasil-1925, que traz em si o mais alto sentido da
vida e evita todos os males identificados Pneumotórax
por Freud, males catequistas. O que Febre, hemoptise, dispnéia e
se dá não é uma sublimação do instinto, [suores noturnos.
sexual. É a escala termométrica do instinto A vida inteira, que podia ter sido
antropofágico. De carnal, ele se [e que não foi.
torna eletivo e cria a amizade. Afetivo, o Tosse, tosse, tosse.
amor. Especulativo, a ciência. Desviase Mandou chamar o médico:
e transfere-se. Chegamos ao aviltamento. - Diga trinta e três.
A baixa antropofagia aglomerada - Trinta e três... trinta e três...
nos pecados de catecismo - a inveja, [trinta e três...
a usura, a calúnia, o assassinato. - Respire.
Peste dos chamados povos cultos e - O senhor tem uma escavação
cristianizados, é contra ela que estamos [no pulmão esquerdo
agindo. Antropófagos. [e o pulmão direito infiltrado.
(...) - Então, doutor, não é possível
Contra a realidade social, vestida e [tentar o pneumotórax?
opressora, cadastrada por Freud - a - Não, a única coisa a fazer é
realidade sem complexos, sem loucura, [tocar um tango argentino.
sem prostituição e sem penitenciárias (Apud Massaud Moisés, A literatura brasileira através
do matriarcado de Pindorama. dos textos, p. 417)
Oswald de Andrade Poética
Em Piratininga. Estou farto do lirismo comedido
Ano 374 da Deglutição do Bispo Do lirismo bem-comportado
Sardinha. Do lirismo funcionário público com
Revista de Antropofagia, Ano I, Ns 1, [livro de ponto expediente
maio de 1928. [protocolo e manifestações de
— 265 — [apreço ao sr. diretor
Manuel Bandeira Estou farto do lirismo que pára e
[vai averiguar no dicionário o
(1884-1968) [cunho vernáculo de um vocábulo
Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Abaixo os puristas
Filho nasceu no Recife, Pernambuco, Todas as palavras sobretudo os
em 1886. Realizou os estudos secundários [barbarismos universais
no Rio de Janeiro, no Colégio Todas as construções sobretudo
Pedro II. Iniciou o curso de Engenharia [as sintaxes de exceção
em São Paulo, mas devido à tuberculose Todos os ritmos sobretudo os
que contraíra teve que deixá-lo. Em [inumeráveis
busca de melhora, foi para diversos lugares, Estou farto do lirismo namorador
entre eles a Suíça. Iniciada a Primeira Político
Guerra, retorna ao Brasil, vindo a Raquítico
publicar em 1917 seu primeiro livro, A Sifilítico
Cinza das Horas. Além de escritor, foi De todo lirismo que capitula ao que
também jornalista, inspector do ensino [quer que seja fora de si mesmo.
secundário, professor no Colégio Pedro De resto não é lirismo
II e na Faculdade Nacional de Filosofia, Será contabilidade tabela de
vindo a aposentar-se em 1956. Foi membro [co-senos secretário do amante
da Academia Brasileira de Letras. [exemplar com cem modelos de
Faleceu no Rio de Janeiro em 1968. [cartas e as diferentes maneiras
Escreveu poesias {Carnaval - [de agradar à mulheres, etc.
1919, Libertinagem - 1930, Estrela da Quero antes o lirismo dos loucos
Manhã- 1936, Estrela da Tarde- 1963, O lirismo dos bêbedos
Estrela da Vida Inteira - 1966) e prosa O lirismo difícil e pungente dos
{Itinerário de Pasárgada- 1954, Frauta [bêbedos
de Papel- 1957). O lirismo dos clowns de
Soube adequar muito bem a poesia [Shakespeare
à linguagem coloquial da primeira fase - Não quero mais saber do lirismo
modernista, além de manejar com perfeição [que não é libertação.
os versos livres, dotando-os de ( t ó t í p p . 417-418.)
ritmo. Tornou-se um "clássico" entre os Momento num café
modernistas, pois expressava com simplicidade Quando o enterro passou
os sentimentos mais profundos Os homens que se achavam
do ser humano. Não se submeteu a [no café
formas literárias fixas, mas produziu uma Tiraram o chapéu maquinalmente
obra poética rica em lirismo, mesmo ao Saudavam o morto distraídos
tratar de fatos do cotidiano. Estavam todos voltados para a vida
Absortos na vida
Confiantes na vida. do Modernismo
Um no entanto se descobriu num
[gesto largo e demorado (1930-1945)
Olhando o esquife longamente A segunda geração modernista inicia-
Este sabia que a vida é uma se em 1930 e estende-se até 1945,
[agitação feroz e sem finalidade período de grandes mudanças no cenário
Que a vida é traição mundial, provocadas inicialmente
E saudava a matéria que passava pela quebra da Bolsa de Valores de Nova
Liberta para sempre da alma Iorque.
[extinta. A queda do preço do café, nosso
(Ibid, pp. 422-423.) principal produto de exportação, provoca
Outros autores a ruína econômica da elite.
Vargas assume o poder e iniciase
Cassiano Ricardo Leite nasceu em a chamada Era Vargas, que vai até
São Paulo em 1895. Cursou Direito em 1945.
São Paulo e Rio de Janeiro. Integrou o Alguns acontecimentos marcantes
grupo "Verde - amarelo", liderado por do período: Revolução Constitucionalista,
Plínio Salgado. Colaborou para a imprensa criação do Dl P - Departamento
e atuou como diretor-geral da Secretaria de Imprensa e Propaganda, início da
de Estado dos Negócios do Governo Segunda Guerra Mundial.
de São Paulo e como chefe do Escritório Os escritores procuram estudar a
Comercial do Brasil em Paris. Foi realidade social e cultural brasileira. A
membro da Academia Brasileira de Letras. literatura torna-se mais madura e tem
Faleceu em 1974 no Rio de Janeiro. consciência de sua identidade.
Escreveu poesias {Dentro da Noite Ao contrário da primeira fase, em
- 1 9 1 5 , / A Frauta de Pã - 1 9 1 7 , Sonetos que a poesia foi predominante, a prosa
- 1952) e prosa (O Brasil no Original - de ficção destaca-se, abrangendo a
1936, Marcha para o Oeste - 1943). prosa regionalista, urbana e intimista.
Cassiano Ricardo Prosa de Ficção
(1895-1974) Prosa Regionalista
— 266 —
— 267 — O grupo regionalista ou nordestino,
organizando-se a partir das idéias de
Antônio de Gilberto Freyre, retomou uma tendência
Alcântara Machado iniciada no Romantismo: retratar a realidade
brasileira.
(1901 - 1 9 3 5) — 268 —
Antônio Castilho de Alcântara Machado Apesar da escolha de uma determinada
d'Oliveira nasceu em São Paulo região geográfica como ponto
em 1901. Graduou-se em Direito, mas de partida para a elaboração de seus
atuou como jornalista. Foi redator e colaborador livros, os escritores regionalistas não
da Revista de Antropofagia e escreveram textos exclusivamente preocupados
da Revista Nova. Após 1932, dedicouse em mostrar as particularidades
à política e transferiu-se para o Rio desta ou daquela região, mas obras
de Janeiro, onde faleceu em 1935. universais, realizando uma importante
Fez uso da linguagem telegráfica, análise da psicologia humana e analisando
exata e objetiva e incorporou em seus dramas humanos e sociais.
textos o vocabulário ítalo-brasileiro, comum A maioria das obras regionalistas
nos bairros italianos de São Paulo, analisa a realidade social nordestina,
os quais também utilizou em sua obra. mas há também obras que exploram a
Observou atentamente a paisagem região Sul do país e a Amazônia.
urbana paulista, com suas modificações Destacam-se como regionalistas:
sociais, econômicas e culturais. Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz,
Escreveu PathéBaby (1926), Brás, José Lins do Rego e Jorge Amado.
Bexiga e Barra-Funda (1927), Laranja
da China (1928), Anchieta na Capitania
Graciliano Ramos
de São Vicente (1928), Comemoração (1892-1953)
de Brasílio Machado (1929), Mana Maria Graciliano Ramos nasceu em Alagoas,
(edição póstuma de 1936), Cavaquinho em 1892. Realizou seus primeiros
e Saxofone (edição póstuma de estudos em Maceió e em seguida foi para
1940). o Rio de Janeiro, onde passou a trabalhar
Segunda Geração como revisor de provas tipográficas.
Retornou a Alagoas, foi comerciante
e depois prefeito. Em 1930 exerceu que adivinhavam desgraça e não se cansavam
o cargo de diretor da Imprensa Oficial de repetir a mesma pergunta:
do Estado. Foi preso, em 1936, acusado - Vão bulir com a Baleia?
de subversão. Passados alguns Tinham visto o chumbeiro e o polvarinho,
anos, retorna ao Rio de Janeiro. Em 1953 os modos de Fabiano afligiramnos,
visita a URSS, onde vem a falecer. davam-lhes a suspeita de que Baleia
Escreveu Caetés (1933), São corria perigo.
Bernardo (1934), Angústia (1936), Vidas Ela era como uma pessoa da família:
Secas (1938), Dois Dedos (1945), brincavam juntos os três, para bem
Insónia (1945), Histórias Incompletas dizer não se diferençavam, rebolavam
(1946), além de diversos livros infantis na areia do rio e no estrume fofo que ia
e memórias, como A Terra dos Meninos subindo, ameaçava cobrir o chiqueiro das
Pelados (1939), Infância (1945) e Memórias cabras.
do Cárcere (1953). Quiseram mexer na taramela e abrir
Graciliano realiza ao mesmo tempo a porta, mas Sinhá Vitória levou-os para
análise social e investigação psicológica, a cama de varas, deitou-os e esforçouse
adotando um estilo clássico e uma por tapar-lhes os ouvidos: prendeu a
linguagem clara e enxuta. cabeça do mais velho entre as coxas e
Vidas Secas espalmou as mãos nas orelhas do segundo.
O trecho a seguir é extraído do romance Como os pequenos resistissem,
Vidas Secas, obra estruturada aperreou-se e tratou de subjugá-los,
em treze capítulos, independentes entre resmungando com energia.
si. Tanto o primeiro como o último capítulo Ela também tinha o coração pesado,
mostram a família fugindo da seca e mas resignava-se: naturalmente a
em busca de melhores condições de vida. decisão de Fabiano era necessária e
Aparecem quatro personagens humanos: justa. Pobre da Baleia.
Fabiano, Sinhá Vitória, o menino mais Escutou, ouviu o rumor do chumbo
novo e o menino mais velho, cada qual que se derramava no cano da arma, as
merecendo um capítulo. Graciliano mostra pancadas surdas da vareta na bucha.
a dificuldade de comunicação entre Suspirou. Coitadinha da Baleia.
eles, somada à miséria do meio físico. (...)
Além destes, merece destaque a cadela Uma noite de inverno, gelada e nevoenta,
Baleia, personagem humanizado que auxilia cercava a criaturinha. Silêncio
o grupo na caça, é companheira das completo, nenhum sinal de vida nos arredores.
crianças nas brincadeiras e dos adultos O galo velho não cantava no
no trabalho. A ela também ó dedicado poleiro, nem Fabiano roncava na cama
um capítulo, transcrito em parte a seguir: de varas. Estes sons não interessavam
Baleia Baleia, mas quando o galo batia as asas
A cachorra Baleia estava para morrer. e Fabiano se virava, emanações familiares
Tinha emagrecido, o pêlo caíra-lhe revelavam-lhe a presença deles.
em vários pontos, as costelas avultavam Agora parecia que a fazenda se tinha
num fundo róseo, onde manchas despovoada.
escuras supuravam e sangravam cobertas Baleia respirava depressa, a boca
de moscas. As chagas da boca aberta, os queixos desgovernados, a
e a inchação dos beiços dificultavamlhe língua pendente e insensível. Não sabia
a comida e a bebida. o que tinha sucedido. O estrondo, a pancada
Por isso Fabiano imaginara que ela que recebera no quarto e a viagem
estivesse com um princípio de hidrofo— difícil do barreiro ao fim do pátio
269 — desvaneciam-se no seu espírito.
bia e amarrara-lhe no pescoço um rosário Provavelmente estava na cozinha,
de sabugos de milho queimados. Mas entre as pedras que serviam de trempe.
Baleia, sempre de mal a pior, roçava-se Antes de se deitar, Sinhá Vitória retirava
nas estacas do curral ou metia-se no dali os carvões e a cinza, varria com
mato, impaciente, enxotava os mosquitos um molho de vassourinha o chão queimado,
sacudindo as orelhas murchas, agitando e aquilo ficava um bom lugar para
a cauda pelada e curta, grossa cachorro descansar. O calor afugentava
na base, cheia de roscas, semelhantes as pulgas, a terra se amaciava. E,
a uma cauda de cascavel. findos os cochilos, numerosos preás
Então Fabiano resolveu matá-la. Foi corriam e saltavam, um formigueiro de
buscar a espingarda de pederneira, lixou- preás invadia a cozinha.
a com o saca-trapo e fez tenção de — 270 —
carregá-la bem para a cachorra não A tremura subia, deixava a barriga
sofrer muito. e chegava ao peito de Baleia. Do
Sinhá Vitória fechou-se na camarinha, peito para trás era tudo insensibilidade
rebocando os meninos assustados, e esquecimento. Mas o resto do corpo
se arrepiava, espinhos de mandacaru e não acompanham as mudanças.
penetravam na carne meio comida pela O romance é estruturado em três
doença. partes. Na primeira, o narrador concentra-
Baleia encostava a cabecinha fatigada se no tempo presente e mostra personagens
na pedra. A pedra estava fria, conflitantes e uma sociedade
certamente Sinhá Vitória tinha deixado organizada em estratos sociais.
o fogo apagar-se muito cedo.
Baleia queria dormir. Acordaria feliz, O protagonista é o mestre José
num mundo cheio de preás. E lamberia Amaro, artesão que só trabalhava para
as mãos de Fabiano, um Fabiano quem o respeitasse, mesmo que não
enorme. As crianças se espojariam com recebesse pagamento.
ela, rolariam com ela num pátio enorme, Veio para o engenho de Santa Fé
num chiqueiro enorme. O mundo ficaria com o pai, que tugiu de Goiânia após ter
todo cheio de preás, gordos, enormes. praticado um crime de morte. O pai também
(Graciliano Ramos, Vidas Secas, São Pauto: Martins era artesão e gozava de grande
Editora, 1969, pp. 127-134) prestígio, coisa que o filho não possuía.
Assim como o pai, ocupava as terras
José Lins do Rego sem pagar, o que resulta em sua expulsão
(1901 - 1 9 5 7) pelo dono do engenho. Contudo, ele
José Lins do Rego nasceu no engenho desobedece e continua morando ali com
Corredor, Município do Pilar, na sua mulher e filha.
Paraíba, em 1901. Graduou-se em Direito A mulher lhe tem nojo e a filha está
no Recife e foi promotor em Minas enlouquecendo, ao passo que ele tem
Gerais. Em seguida transferiu-se para imenso orgulho de si mesmo, por ser
Maceió, com novas funções, passando homem branco, de respeito e livre.
a conviver com Graciliano Ramos, Jorge Sofre muito com a sensação de inferioridade,
de Lima e Rachel de Queiroz. Após de prestígio perdido. Passa
nove anos transferiu-se para o Rio de então a ajudar Antônio Silvino, famoso
Janeiro, onde morreu em 1957. cangaceiro, e seu bando. É a maneira
Segundo o próprio escritor, sua obra que encontra para vingar-se contra os
de ficção pode ser dividida em: "Ciclo da grandes.
cana-de-açúcar" {Menino de Engenho Angustiado, desconta sua insatisfação
- 1932, Doidinho - 1933, Bangüê - batendo na filha e maltratando a
1934, Fogo Morto-1943 e Usina -1936); mulher. A primeira é internada em Recife,
"Ciclo do cangaço, misticismo e seca" devido à sua loucura. Já a mulher
{Pedra Bonita - 1938 e Cangaceiros - tempos depois o deixa em meio à solidão
1953) e obras independentes, como Riacho e profunda tristeza, resultando no
Doce -1939 e Eurídice -1947. Tal suicídio do marido.
denominação foi posteriormente abandonada Na segunda parte, a narração volta-
pelo autor, mas continuou sendo se para o passado do engenho de
utilizada pelos críticos. Santa Fé, quando o Capitão Tomás era o
Grande parte dos livros apresenta proprietário.
um caráter memorialista, fazendo referências O protagonista agora é Lula de Holanda
à infância e à adolescência. Chacon, herdeiro do engenho de
A linguagem utilizada é espontânea Santa Fé, homem calado, extremamente
e marcada pela oralidade. orgulhoso e apegado ao prestígio.
Fogo Morto É casado com Amélia, filha do Capitão
Publicado em 1943, Fogo Morto é o Tomás que toca piano encantadoramente.
último livro do "ciclo da cana-de-açúcar", Aos poucos, o engenho vai entrando
composto pelas obras Menino de Engenho em decadência. O Coronel Lula não
(1932), Doidinho (1933) e Bangüê permite que sua filha Neném namore e
(1934). ela torna-se uma solteirona.
Nestes romances, José Lins do Amélia conforma-se com seu destino
Rego mostra uma sociedade marcada e protege a família, por meio das
pelo poder dos latifundiários, senhores galinhas que cria e da venda dos ovos.
de engenho. Os problemas sociais são Olívia, a outra filha do Capitão Tomás,
apresentados, como o autoritarismo e a não sofre, devido à sua loucura.
reação a este: a rebeldia. O Coronel Lula deixa o comando de
Escrito em terceira pessoa, Fogo suas terras, não moderniza suas máquinas
Morto mostra a trajetória dos habitantes e cada vez mais o engenho vai
do engenho Santa Fé, do Coronel Lula. se estagnando. Um dia chega por lá o
Os engenhos passam por um processo Capitão Antônio Silvino, cangaceiro muito
de decadência, pois vêm sendo respeitado no sertão e apoiado pelo
substituídos pelas usinas, com isso também mestre José Amaro.
sofrem os que dependem do açúcar Na terceira parte, o tempo novamente
é o presente, inserindo apenas
um novo personagem: o Capitão Vitorino, a sua rede por debaixo dum pé de pau.
homem honesto e corajoso, que passa Não temia a desgraça, não queria a riqueza.
a herói do romance. Defende os injustiçados, Lá se foram os três homens que libertara,
quaisquer que sejam eles. Dessa a quem dera toda a sua ajuda. O
forma, dirige-se a Coronel Lula intercedendo tenente se enfurecera com o seu poder.
por José Amaro e não aprova Nunca pensara que existisse um homem
a atitude do cangaceiro em relação ao que fosse capaz de enfrentá-lo como fizera.
senhor de engenho. A sua letra, o papel que assinara
Entretanto, com o passar do tempo com o seu nome, dera com a força do
vai perdendo a satisfação de viver e a miserável no chão. Era Vitorino Carneiro
vontade de lutar por seus ideais. da Cunha. Tudo podia fazer, e nada temia.
(fragmento) Um dia tomaria conta do município. E
A velha deixou o quarto e saiu para tudo faria para que aquele calcanhar-dejudas
o fundo da casa. Vitorino fechou os fosse mais alguma coisa. Então
olhos, mas estava muito bem acordado Vitorino se via no dia de seu triunfo. Haveria
com os pensamentos voltados para a muita festa, haveria tocata de música,
vida dos outros. Ele muito tinha que fa— discurso do dr. Samuel, e dança na
272 — casa da Câmara. Viriam todos os chaleiras
zer ainda. Ele tinha o Pilar para tomar do Pilar falar com ele. Era o chefe, era
conta, ele tinha o seu eleitorado, os seus o mais homem da terra. E não teria as
adversários. Tudo isto precisava de seus besteiras de José Paulino, aquela tolerância
cuidados, da força do seu braço, de seu para com o sujeitos safados, que
tino. Lá se fora o seu compadre José só queriam comer no cocho da municipalidade.
Amaro, com o negro Passarinho, o cego Com Vitorino Carneiro da Cunha
Torquato. Todos necessitavam de Vitorino não haveria ladrões, fiscais de feira
Carneiro da Cunha. Fora à barra do tribunal roubando o povo. Tudo andaria na correta,
para arrastá-los da cadeia. Que lhe na decência. Delegado não seria
importava a violência do tenente Maurício? um mole como José Medeiros. Quem seria
O que valia era a petição que, com a o seu delegado? Que homem iria encontrar
sua letra, com a sua assinatura, botara na vila para ser o seu homem de
para a rua três homens inocentes. Ele era confiança? O escrivão Serafim era muito
homem que não se entregava aos grandes. mole, o capitão Costa apanhava da mulher,
Que lhe importava a riqueza de José Saiu da venda era capaz de roubar
Paulino? Tinha o seu voto e não dava ao a ração dos presos, Chico Frade bebia
primo rico, tinha eleitores que não votavam demais. E ele precisava de um homem
nas chapas do governo. O governo para delegado.
não podia com a sua determinação. Ele {José Uns do Rego. Fogo Morto, São Paulo: Klick
sabia que havia muitos outros tenentes Editora, 1997)
Maurícios na dependência e às ordens Rachel de Queiroz
do governo. Todos seriam capangas, guarda-
costas do presidente. Mas Vitorino (1910-)
Carneiro da Cunha mandava no que era Rachel de Queiroz nasceu na Fortaleza,
seu, na sua vida. As feridas que lhe abriam Ceará, em 1910. Após a seca de
no corpo nada queriam dizer. Não havia 1915 mudou-se com os pais para o Rio
força que pudesse com ele. Os parentes de Janeiro e em seguida para Belém do
se riam de seus rompantes, de Pará. De volta a Fortaleza, formou-se
suas fraquezas. Eram todos uns pobres no curso normal, em 1925. Seguiu a carreira
ignorantes, verdadeiros bichos que não jornalística e em 1930 publicou o
sabiam onde tinham as ventas. Quando livro O Quinze, que trata da seca de
parava no engenho, quando conversava 1915. Depois voltou a residir no Rio de
com um Manuel Gomes do Riachão, via Janeiro, onde se encontra, atuando no
que era melhor ser como ele, homem sem jornalismo e na literatura.
um palmo de terra, mas sabendo que era Escreveu João Miguel (1932); Caminho
capaz de viver conforme os seus desejos. de Pedras (1937); As Três Marias
Todos tinham medo do governo, todos (1939); Dora, Doralina (1975), Memorial
iam atrás de José Paulino e de Quinca de Maria Moura (1993) - romances;
do Engenho Novo, como se fossem carneiros além de teatro e crônicas.
de rebanho. Não possuía nada e Demonstra forte preocupação social
se sentia como se fosse senhor do mundo. e realiza análise psicológica dos
A sua velha Adriana quisera abandoná- personagens . Aborda temas relacionados
lo para correr atrás do filho. Desistiu à política e ao papel da mulher na
para ficar ali como uma pobre. Podia ter sociedade, entre outros.
ido. Ele, Vitorino Carneiro da Cunha, não
precisava de ninguém para viver.Se lhe
Jorge Amado
tomassem a casa onde morava, armaria (1912-)
Jorge Amado nasceu na Bahia, em
1912. Estudou Direito e atuou como jornalista
de Andrade
em Salvador. Em 1931 mudou-se para (1902-1987)
o Rio de Janeiro. Teve participação no Carlos Drummond de Andrade nasceu
movimento de frente popular da Aliança em Itabira, Minas Gerais, em 1902.
Nacional Libertadora, o que provocou sua Graduou-se em Farmácia em Belo Horizonte.
prisão em 1936 e 1937. Entre os anos de Retornou a Itabira, onde foi professor
1941 e 1943 residiu em Buenos Aires. Em de Português e Geografia. Novamente
1945 foi eleito deputado federal em São em Belo Horizonte, segue a carreira
Paulo. Após 1947, deixou o país e passou jornalística e atua como funcionário
a morar na França. Chegou também público. Foi oficial de gabinete do Ministério
a residir na União Soviética e nas Democracias da Educação, chefiou a secção
Populares. É membro da Academia de História da Divisão de Estudos e Tombamento
Brasileira de Letras e suas obras já da Diretoria do Patrimônio Histórico
foram vertidas para mais de trinta línguas. e Artístico Nacional. Integrou o grupo
Entre seus escritos estão Jubiabá modernista de A Revista. Faleceu no
(1935); Mar Morto (1936); Capitães de Rio de Janeiro em 1987.
Areia (1937); Terras do Sem-Fim (1942), Escreveu poesia {Alguma Poesia -
Gabriela, Cravo e Canela (1958), Dona 1930, Brejo das Almas - 1934, Sentimento
Flor e seus dois maridos (1966). do Mundo -1940, A Rosa do Povo
Suas obras denunciam a situação - 1945, Claro Enigma - 1951, Lição de
do trabalhador rural e das camadas populares Coisas - 1962) e prosa (Confissões de
e são ambientadas geralmente Minas - 1944, O Gerente - 1945).
na Bahia. Apesar da grande aceitação Alguns temas foram recorrentes na
por parte do público, muitas obras tiveram obra de Drummond: o cotidiano, a preocupação
sua qualidade literária contestada social e política, as reminiscências
pelos críticos. (terra natal, família, amigos), o amor
Prosa urbana e a metalinguagem (reflexão sobre o próprio
ato de escrever).
Érico Veríssimo O poeta analisou o homem moderno
e seus sentimentos com sensibilidade
(1905-1975) e muitas vezes com ironia. Percebe
Érico Veríssimo nasceu em Cruz as injustiças do mundo (guerras, violência)
Alta, Rio Grande do Sul, em 1905. Foi e as transforma na matéria de sua
funcionário de banco e sócio de uma poesia.
farmácia. Após a falência desta, atuou Os poemas a seguir fazem parte
como secretário e redator da Revista da obra Sentimento do Mundo.
do Globo. Passou em seguida a dedicar- Poema de Sete Faces
se também à Literatura e à tradução. Quando nasci, um anjo torto
Exerceu posteriormente o cargo de desses que vivem na sombra
Diretor do Departamento de Assuntos disse: Vai, Carlos! ser gauche
Culturais da União Pan-Americana. Faleceu [na vida.
em 1975 em Porto Alegre. As casas espiam os homens
Escreveu Caminhos Cruzados que correm atrás de mulheres.
(1935), Música ao Longe (1936), Um Lugar A tarde talvez fosse azul,
ao Sol (1936), Olhai os Lírios do não houvesse tantos desejos.
Campo(1938), O Tempoeo Vento(1949- O bonde passa cheio de pernas:
1961), Incidente em Antares (1971). pernas brancas pretas amarelas.
— 273 — Para que tanta perna, meu Deus,
— 274 — [pergunta meu coração.
Os romances de Érico Veríssimo Porém meus olhos
proporcionam uma leitura agradável e não perguntam nada.
sem dificuldades, pois apresentam uma O homem atrás do bigode
linguagem simples e enredos atraentes. é sério, simples e forte.
Entretanto, foi muitas vezes criticado e Quase não conversa.
acusado de realizar análises sociais e —275—
psicológicas superficiais. Tem poucos, raros amigos
Os principais temas abordados são o homem atrás dos óculos e do
a vida urbana e seus problemas, a fundação [bigode.
social do Rio Grande do Sul e Meu Deus, por que me
questões políticas. [abandonaste
Poesia se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.
Carlos Drummond Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma
[solução.
(1913-1980)
Mundo mundo vasto mundo, Marcos Vinícius de Melo Moraes
mais vasto é meu coração. nasceu no Rio de Janeiro, em 1913. Graduou-
Eu não devia te dizer se em Direito em 1933, ano em que
mas essa lua publicou seu livro de poesia O Caminho
mas esse conhaque para a Distância. Foi crítico, censor
botam a gente comovido como cinematográfico,
[o diabo. jornalista e diplomata.
(Carlos Drummond de Andrade, Sentimento do Mundo, Veio a falecer em 1980.
Rio de Janeiro: Record, 1999. p. 11 -12) Escreveu Novos Poemas (1938),
Infância Elegias (1943), Pátria Minha (1949),
A Abgar Renault entre outras obras.
Meu pai montava a cavalo, ia para Tematizou a oposição entre matéria
[o campo. e espírito; o amor; o desejo; o cotidiano
Minha mãe ficava sentada e questões políticas.
[cosendo. Soneto de Fidelidade
Meu irmão pequeno dormia. De tudo, ao meu amor serei atento
Eu sozinho menino entre Antes, e com tal zelo, e sempre,
[mangueiras [e tanto
lia a história de Robinson Crusoé. Que mesmo em face do maior
Comprida história que não acaba [encanto
[mais. Dele se encante mais meu
No meio-dia branco de luz uma [pensamento.
[voz que aprendeu Quero vivê-lo em cada vão
a ninar nos longes da senzala - e [momento
[nunca se esqueceu E em seu louvor hei de espalhar
chamava para o café. [meu canto
Café preto que nem a preta velha E rir meu riso e derramar meu
café gostoso [pranto
café bom. Ao seu pesar ou seu
Minha mãe ficava sentada [contentamento.
[cosendo E assim, quando mais tarde me
olhando para mim: [procure
- Psiu... Não acorde o menino. Quem sabe a morte, angústia de
Para o berço onde pousou um [quem vive
[mosquito. Quem sabe a solidão, fim de quem
E dava um suspiro... que fundo! [ama
Lá longe meu pai campeava Eu possa me dizer do amor (que
no mato sem fim da fazenda. [tive):
E eu não sabia que minha história Que não seja imortal, posto que é
era mais bonita que a de [chama
[Robinson Crusoé. Mas que seja infinito enquanto
(/b/d, p. 13-14) [dure.
No Meio do Caminho (Apud Antonio Candido e José Aderaldo Castello,
Presença da Literatura Brasileira, p. 410)
No meio do caminho tinha uma
[pedra A Rosa de Hiroshima
tinha uma pedra no meio do Pensem nas crianças
[caminho Mudas telepáticas
tinha uma pedra Pensem nas meninas
no meio do caminho tinha uma Cegas inexatas
[pedra. Pensem nas mulheres
Nunca me esquecerei desse Rotas alteradas
[acontecimento Pensem nas feridas
na minha vida de minhas retinas —276—
[tão fatigadas. Como rosas cálidas
Nunca me esquecerei que no Mas oh não se esqueçam
[meio do caminho Da rosa da rosa
tinha uma pedra Da rosa de Hiroshima
tinha uma pedra no meio do A rosa hereditária
[caminho A rosa radioativa
no meio do caminho tinha uma Estúpida e inválida
[pedra. A rosa com cirrose
(to/cl p. 34) A anti-rosa atômica
Sem cor sem perfume
Vinícius de Moraes Sem rosa sem nada.
(Ibd,pp.416-417) desprendo-me do balanço
Cecília Meireles que além do tempo me leva.
Só - na treva,
(1901-1964) Fico: recebida e dada.
Cecília Meireles nasceu no Rio de Porque a vida, a vida, a vida,
Janeiro em 1901. Órfã desde tenra idade, a vida só é possível
recebeu educação da avó materna. Conclui reinventada.
o curso primário em 1910 e inicia a (Ibid, p.453)
Escola Normal, vindo a formar-se em 1917. Canção
Atua como professora, escritora e jornaista. Pus o meu sonho num navio
Foi grande divulgadora da cultura e o navio em cima do mar;
brasileira no estrangeiro. Faleceu em 1964. - depois, abri o mar com as mãos,
Escreveu Mar Absoluto (1945); para o meu sonho naufragar.
Romanceiro da Inconfidência (1953); Minhas mãos ainda estão molhadas
Canções (1956); Giroflé, Giroflá (1956); do azul das ondas entreabertas,
Ou isto ou aquilo (1964), e outras obras, e a cor que escorre dos meus dedos
envolvendo literatura adulta e infantil, colore as areias desertas.
ensaios, antologias e biografias. O vento vem vindo de longe,
A escritora escreveu uma poesia a noite se curva de frio;
repleta de musicalidade, demonstrando debaixo da água vai morrendo
influências simbolistas. Além disso, coloca meu sonho, dentro de um navio...
em questão a fugacidade do tempo Chorarei o quanto for preciso,
e a precariedade das coisas, o que resulta para fazer com que o mar cresça
numa profunda melancolia. e o meu navio chegue ao fundo
Motivo e o meu sonho desapareça.
Eu canto porque o instante existe Depois, tudo estará perfeito:
e a minha vida está completa. praia lisa, águas ordenadas,
Não sou alegre nem sou triste: meus olhos secos como pedras
sou poeta. e as minhas duas mãos quebradas]
Irmão das coisas fugidias, ( Ib id,p.45q
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
Outros autores
no vento. Murilo Monteiro Mendes nasceu em
Se desmorono ou se edifico, Juiz de Fora, Minas Gerais, em 1901.
se permaneço ou me desfaço, Realizou os cursos primário e secundário
- não sei, não sei. Não sei se fico em sua cidade e em Niterói. Em 1920,
ou passo. já no Rio de Janeiro, passa a atuar como
Sei que canto. E a canção é tudo. funcionário do Ministério da Fazenda
Tem sangue eterno a asa ritmada. Em seguida, trabalhou no Banco Mercantil
E um dia sei que estarei mudo: e tempos depois em um cartório.
- mais nada. Faleceu em Lisboa em 1975.
{Apuo Massaud Moisés, A literatura brasileira através Escreveu Poemas (1930), História
dos textos, p. 452) do Brasil (1932), Tempo e Eternidade
Reinvenção (1935), Mundo Enigma (1945), entre
A vida só é possível outros.
reinventada. Murilo Mendes
Anda o sol pelas campinas
e passeia a mão dourada (1901-1975)
pelas águas, pelas folhas... — 279 —
Ah! tudo bolhas Católico, encontrou no cristianismo
que vêm de fundas piscinas a resposta para os problemas políticos
de ilusionismo... - mais nada. e ideológicos do mundo moderno. Integrou
— 277 — o grupo espiritualista da segunda
— 278 — geração, ao lado de Vinícius de Morais
Mas a vida, a vida, a vida, e Cecília Meireles.
a vida só é possível Utilizou em suas poesias o humor e
reinventada. a ironia e abordou temas ligados ao cristianismo,
Vem a lua, vem, retira enfatizando a efemeridade da
as algemas dos meus braços. vida e a figura de Cristo, enfocada do
Projeto-me por espaços ponto de vista humano.
cheios da tua Figura.
Tudo mentira! Mentira
Jorge de Lima
da lua, na noite escura. (1893-1953)
Não te encontro, não te alcanço... Jorge Matheos de Lima nasceu em
Só - no tempo equilibrada, Alagoas, em 1893. Estudou no Colégio
dos Irmãos Maristas em Maceió. Em seguida, (1950), Morte e Vida Severína (1956),
iniciou seus estudos em Medicina, Uma Faca Só Lâmina (1956).
na Bahia, vindo a formar-se no Rio Escreveu poemas sem retórica ou
de Janeiro. Retornou a Maceió em 1915, derramamentos sentimentais, não deixando
onde iniciou sua carreira como médico. de transmitir emoção. Todavia,
Dedicou-se à literatura, influenciado esta é mais contida, já que seleciona
Inicialmente pelo Parnasianismo e cuidadosamente os vocábulos, compondo
Simbolismo. Em 1935 converteu-se ao uma linguagem precisa, exata.
catolicismo e publicou com Murúo Mendes Os trechos a seguir fazem parte da
Tempo e Eternidade. Foi também obra inspirada em composições medievais,
professor universitário e político. Faleceu Morte e Vida Severína, "auto de
em 1953 no Rio de Janeiro. Natal pernambucano" que tem como tema
Escreveu poesia (XIV Alexandrinos a trajetória de Severino. O personagem
- 1914, Invenção de Orfeu - 1952), é um homem do sertão que busca melhores
romance (O Anjo - 1934, Calunga - condições de vida e sai em direção
1935), ensaio, história e biografia. ao Litoral. Por onde passa deparase
Tematizou o negro e o folclore, a com a morte, o que o faz até pensar
religiosidade como solução para os problemas em desistir da própria vida. Entretanto, já
mundanos e a ligação entre o no Litoral, assiste ao nascimento de um
homem e o universo, utilizando elementos menino, trazendo alegria e esperança a
bíblicos e profanos. todos os homens ali presentes.
Morte e vida severína
Terceira O POETA EXPLICA AO LEITOR QUEM É
Geração do E A QUE VAI
-O meu nome é Severino,
Modernismo não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
(1945 atéa que é santo de romaria,
deram então de me chamar
atualidade) Severino de Maria;
como há muitos Severinos
Alguns historiadores e críticos com mães chamadas Maria,
costumam chamar o período literário fiquei sendo o da Maria
subseqüente a 1945 de Pós-Modernismo, do finado Zacarias.
já outros o consideram como a terceira Mas isso ainda diz pouco:
fase modernista, posição que adotamos. há muitos na freguesia,
Com o término da Segunda Guerra por causa de um coronel
Mundial, os escritores voltam-se novamente que se chamou Zacarias
às questões internas do país. e que foi o mais antigo
A nova geração procurou negar senhor desta sesmaria.
os valores modernistas das gerações Como então dizer quem fala
anteriores e trazer novos elementos à ora a Vossas Senhorias?
literatura. Caracteriza-se pela disciplina Vejamos: é o Severino
formal e retomada de valores tradicionais da Maria do Zacarias,
na poesia. Os escritores valorizam lá da serra da Costela,
a palavra, tanto no que diz respeito limites da Paraíba.
à semântica quanto à sonoridade. Mas isso ainda diz pouco:
João Cabral de Melo Neto se ao menos mais cinco havia
com nome de Severino
(1920-1999) filhos de tantas Marias
João Cabral de Melo Neto nasceu mulheres de outros tantos,
em Recife, Pernambuco, em 1920. Realizou já finados, Zacarias,
os estudos primários e secundários vivendo na mesma serra
em sua cidade, não chegando ao magra e ossuda em que eu vivia.
curso superior. Após trabalhar numa Somos muitos Severinos
companhia de seguros na Associação iguais em tudo na vida:
Comercial de Pernambuco e no Departamento na mesma cabeça grande
de Estatística do Estado, transferiu- que a custo é que se equilibra,
se para o Rio de Janeiro. Foi diplomata no mesmo ventre crescido
e realizou funções consulares em sobre as mesmas pernas finas,
Assunção, Barcelona e Dakar. Foi membro e iguais também porque o sangue
da Academia Brasileira de Letras. que usamos tem pouca tinta.
Faleceu em 1999. — 280 —
Entre suas obras estão Pedra do E se somos Severinos
Sono (1942), O Cão sem Plumas iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual, — 281 —
mesma morte severina: — 282 —
que é a morte que se morre Parecia calma. Desde sábado encolhera-
de velhice antes dos trinta, se num canto da cozinha. Não
de emboscada antes dos vinte, olhava para ninguém, ninguém olhava
de fome um pouco por dia para ela. Mesmo quando a escolheram,
(de fraqueza e de doença apalpando sua intimidade com indiferença,
é que a morte severina não souberam dizer se era gorda ou
ataca em qualquer idade, magra. Nunca se adivinharia nela um anseio.
e até gente não nascida). Foi pois uma surpresa quando a viram
Somos muitos Severinos abrir as asas de curto vôo, inchar o
iguais em tudo e na sina: peito e, em dois ou três lances, alcançar
a de abrandar estas pedras a murada do terraço. Um instante ainda
suando-se muito em cima, vacilou - o tempo da cozinheira dar um
a de tentar despertar grito - e em breve estava no terraço do
terra sempre mais extinta, vizinho, de onde, em outro vôo desajeitado,
a de querer arrancar alcançou um telhado. Lá ficou em
algum roçado da cinza. adorno deslocado, hesitando ora num,
Mas, para que me conheçam ora noutro pé. A família foi chamada com
melhor Vossas Senhorias urgência e consternada viu o almoço
e melhor possam seguir junto de uma chaminé. O dono da casa
a história de minha vida, lembrando-se da dupla necessidade de
passo a ser o Severino fazer esporadicamente algum esporte e
que em vossa presença emigra. de almoçar vestiu radiante um calção de
(João Cabral de Melo Neto, Morte e vida severina. Rio banho e resolveu seguir o itinerário da
de Janeiro: Nova Fronteira,1994, pp.29-30) galinha: em pulos cautelosos alcançou
Clarice Lispector o telhado onde esta hesitante e trêmula
escolhia com urgência outro rumo. A
(1925-1977) perseguição tornou-se mais intensa. De
Clarice Lispector nasceu em Tchetchelnik, telhado a telhado foi percorrido mais de
Ucrânia, em 1925. Quando ela um quarteirão da rua. Pouco afeita a uma
tinha apenas dois meses, seus pais imigraram luta mais selvagem pela vida a galinha
para São Paulo. Realizou os cursos tinha que decidir por si mesma os caminhos
primários e secundários no Recife. a tomar sem nenhum auxílio de sua
Cursou Direito no Rio de Janeiro, vindo raça. O rapaz, porém, era um caçador,
a formar-se em 1944. Casou-se com adormecido. E por mais ínfima que fosse
um diplomata e afastou-se do país por a presa o grito de conquista havia
diversas vezes, não deixando, porém, soado.
de escrever. Faleceu no Rio de Janeiro Sozinha no mundo, sem pai nem
em 1977. mãe, ela corria, arfava, muda, concentrada.
Escreveu romances (O Lustre - Às vezes, na fuga, pairava ofegante
1946, A Cidade Sitiada- 1949, A Maçã num beiral de telhado e enquanto
no Escuro - 1961, A Paixão Segundo o rapaz galgava outros com dificuldade
G. H. - 1964, Uma Aprendizagem ou O tinha tempo de se refazer por um momento.
Livro dos Prazeres - 1969, Água Viva E então parecia tão livre.
- 1973, A Hora da Estrela - 1 9 7 7 ) ; contos Estúpida, tímida e livre. Não vitoriosa
(Laços de Família - 1960, A Legião como seria um galo em fuga. Que é
Estrangeira - 1964, A Via Crucis que havia nas suas vísceras que fazia
do Corpo - 1974); crônicas e livros infantis. dela um ser? A galinha é um ser. É verdade
A autora produziu uma obra de que não se poderia contar com ela
ficção fundamentalmente introspectiva, para nada. Nem ela própria contava consigo,
centrada na intimidade dos personagens. como o galo crê na sua crista. Sua
A prosa aproxima-se da poesia e única vantagem é que havia tantas galinhas
é muitas vezes marcada pelo fluxo psicológico que morrendo uma surgiria no mesmo
dos personagens. Estes, a instante outra tão igual como se fora
partir de fatos do cotidiano, aparentemente a mesma.
sem importância, descobrem-se Afinal, numa das vezes em que
e encontram a própria razão de existir. parou para gozar sua fuga, o rapaz
Um bom exemplo disso é o conto a alcançou-a. Entre gritos e penas, ela
seguir, pertencente ao livro Laços de foi presa. Em seguida carregada em
Família. triunfo por uma asa através das telhas
Uma galinha e pousada no chão da cozinha com
Era uma galinha de domingo. Ainda certa violência. Ainda tonta, sacudiuse
viva porque não passava de nove horas um pouco, em cacarejos roucos e
da manhã. indecisos.
Foi então que aconteceu. De pura fêmeas cantar, ela não cantaria mas ficaria
afobação a galinha pôs um ovo. Surpreendida, muito mais contente. Embora nem
exausta. Talvez fosse prematuro. nesses instantes a expressão de sua
Mas logo depois, nascida que vazia cabeça se alterasse. Na fuga, no
fora para a maternidade, parecia uma descanso, quando deu à luz ou bicando
velha mãe habituada. Sentou-se sobre milho - era uma cabeça de galinha, a
o ovo e assim ficou respirando, abotoando mesma que fora desenhada no começo
e desabotoando os olhos. Seu dos séculos.
coração tão pequeno num prato soleava Até que um dia mataram-na, comeram-
e abaixava as penas enchendo de tepidez na e passaram-se anos.
aquilo que nunca passaria de um (Clarice Lispector. Laços de Família, Rio de Janeiro:
ovo. Só a menina estava perto e assistiu Francisco Alves, 1993, pp. 43-46)
a tudo estarrecida. Mal porém conseguiu Guimarães Rosa
desvencilhar-se do acontecimento
despregou-se do chão e saiu aos ( 1 9 0 8 - 1967)
gritos: João Guimarães Rosa nasceu em
— 283 — Cordisburgo, Minas Gerais, em 1908.
- Mamãe, mamãe, não mate mais a Graduou-se em Medicina, seguindo por
galinha, ela pôs um ovo! Ela quer o nosso um tempo a carreira de médico. Foi também
bem! diplomata e embaixador. Faleceu no
Todos correram de novo à cozinha Rio de Janeiro em 1967.
e rodearam mudos a jovem parturiente. Entre suas obras estão Sagarana
Esquentando seu filho, esta não era nem (1946); Corpo de Baile (1956); Grande
suave nem arisca, nem alegre nem triste, Sertão: Veredas (1956); Primeiras Estórias
não era nada, era uma galinha. O (1962); Tutaméia (Terceiras Estórias)
que não sugeria nenhum sentimento especial. (1967).
O pai, a mãe e a filha olhavam já O escritor expôs, a partir do sertão
há algum tempo, sem propriamente um mineiro, as questões humanas mais profundas.
pensamento qualquer. Nunca ninguém Portanto, sua obra tem caráter
acariciou uma cabeça de galinha. O pai universal.
afinal decidiu-se com certa brusquidão: A linguagem utilizada é fruto de intensa
- Se você mandar matar esta galinha construção formal, agrupando regionalismo,
nunca mais comerei galinha na minha termos científicos, arcaísmos,
vida! expressões estrangeiras e marcada pela
- Eu também! jurou a menina com oralidade. Além disso, o autor de Grande
ardor. Sertão: Veredas soube explorar com
A mãe, cansada, deu de ombros. precisão os vocábulos.
Inconsciente da vida que lhe fora O conto a seguir faz parte do livro
entregue, a galinha passou a morar com Primeiras Estórias e trabalha a questão
a família. A menina, de volta do colégio, da palavra, com seus múltiplos significados,
.ogava a pasta longe sem interromper a conotações. Ela pode provocar
corrida para a cozinha. O pai de vez em lutas, gerar discórdia, trazer raiva,
quando ainda se lembrava: "E dizer que ou mesmo abrandar situações, ser
a obriguei a correr naquele estado!" A motivo de alegria e prazer ao ser ouvida.
galinha tornara-se a rainha da casa. Guimarães coloca frente a frente
Todos, menos ela, o sabiam. Continuou dois homens: um iletrado, temido no lugar
entre a cozinha e o terraço dos fundos, por causa de seus feitos, que deseja
-isando suas duas capacidades: a de saber o significado de um vocábulo,
apatia e a do sobressalto. e um letrado, que o deixa ciente do
Mas quando todos estavam quietos sentido deste, tomando o cuidado de
na casa e pareciam tê-la esquecido, não deixá-lo Insatisfeito ao responder
enchia-se de uma pequena coragem, à pergunta...
resquícios da grande fuga - e circulava Famigerado
pelo ladrilho, o corpo avançando Foi de incerta feita - o evento. Quem
atrás da cabeça, pausado como num pode esperar coisas tão sem pés nem
campo, embora a pequena cabeça a cabeça? Eu estava em casa, o arraial
traísse: mexendo-se rápida e vibrátil, sendo de todo tranqüilo. Parou-me à
com o velho susto de sua espécie já porta o tropel. Cheguei à janela.
mecanizado. Um grupo de cavaleiros. Isto é, vendo
Uma vez ou outra, sempre mais raramente, melhor: um cavaleiro rente, frente à
lembrava de novo a galinha que minha porta, equiparado, exato; e,
se recortara contra o ar à beira do telhado, embolados, de banda, três homens a
prestes a anunciar. Nesses momentos cavalo. Tudo, num relance, insolitíssimo.
enchia os pulmões com o ar impuro Tomei-me nos nervos. O cavaleiro esse
da cozinha e, se fosse dado às - o oh-homem-oh - com cara de nenhum
amigo. Sei o que é influência de sempre na cabeça. Um alarve. Mais
fisionomia. Saíra e viera, aquele homem, os ínvios olhos. E ele era para muito.
para morrer em guerra. Saudou-me seco, Seria de ver-se: estava em armas - e
curto pesadamente. Seu cavalo era alto, de armas alimpadas. Dava para se sentir
um alazão; bem arreado, ferrado, suado. o peso da de fogo, no cinturão, que
E concebi grande dúvida. usado baixo, para ela estar-se já ao nível
Nenhum se apeava. Os outros, tristes justo, ademão tanto que ele se persistia
três, mal me haviam olhado, nem de braço direito pendido, pronto
olhassem para nada. Semelhavam a meneável. Sendo a sela, de notar-se,
gente receosa, tropa desbaratada, sopitados, uma jereba papuda urucuiana, pouco de
constrangidos - coagidos, sim. se achar, na região, pelo menos de tão
Isso por isso, que o cavaleiro solerte boa feitura. Tudo de gente brava. Aquele
tinha o ar de regê-los: a meio-gesto, propunha sangue, em suas tenções.
desprezivo, intimara-os de pegarem o Pequeno, mas duro, grossudo, todo em
lugar onde agora se encostavam. Dado tronco de árvore. Sua máxima violência
que a frente da minha casa reentrava, podia ser para cada momento. Tivesse
metros, da linha da rua, e dos dois lados aceitado de entrar e um café, calmavame.
avançava a cerca, formava-se ali Assim, porém, banda de fora, sem
um encantoável, espécie de resguardo. a-graças de hóspede nem surdez de
Valendo-se do que, o homem obrigara paredes, tinha para um se inquietar, sem
os outros ao ponto donde seriam medida e sem certeza.
menos vistos, enquanto barrava-lhes - "Vosmecê é que não me conhece.
qualquer fuga; sem contar que, unidos Damázio, dos Siqueiras... Estou vindo
assim, os cavalos se apertando, não da Serra..."
dispunham de rápida mobilidade. Tudo Sobressalto. Damázio, quem dele
enxergara, tomando ganho da topografia. não ouvira? O feroz de estórias de léguas,
Os três seriam seus prisioneiros, com dezenas de carregadas mortes,
não seus sequazes. Aquele homem, homem perigosíssimo. Constando
para proceder da forma, só podia ser também, se verdade, que de para uns
um brabo sertanejo, jagunço até na anos ele se serenara - evitava o de
escuma do bofe. Senti que não me ficava evitar. Fie-se, porém, quem, em tais tréguas
útil dar cara amena, mostras de de pantera? Ali, antenasal, de mim
temoroso. Eu não tinha arma ao alcance. a palmo! Continuava:
Tivesse, também, não adiantava. - "Saiba vosmecê que, na Serra,
Com um pingo no i, ele me dissolvia. O por o ultimamente, se compareceu um
medo é a extrema ignorância em momento moço do Governo, rapaz meio estrondoso...
muito agudo. O medo O. O medo Saiba que estou com ele à revelia...
me miava. Convidei-o a desmontar, a Cá eu não quero questão com o
entrar. Governo, não estou em saúde nem idade...
O rapaz, muitos acham que ele é
Disse de não, conquanto os costumes. de seu tanto esmiolado..."
Conservava-se de chapéu. Viase Com arranco, calou-se. Como arrependido
que passara a descansar na sela - de ter começado assim, de
decerto relaxava o corpo para dar-se evidente. Contra que aí estava com o
mais à ingente tarefa de pensar. Perguntei: fígado em más margens; pensava, pensava.
respondeu-me que não estava Cabismeditado. Do que, se resolveu.
doente, nem vindo à receita ou consulta. Levantou as feições. Se é que se
Sua voz se espaçava, querendo-se riu: aquela crueldade de dentes. Encarar,
calma; a fala de gente de mais longe, não me encarava, só se fito à meia
talvez são-franciscano. Sei desse tipo esguelha. Latejava-lhe um orgulho indeciso.
de valentão que nada alardeia, sem Redigiu seu monologar.
farroma. Mas avessado, estranhão, perverso O que frouxou falava: de outras,
brusco, podendo desfechar com diversas pessoas e coisas, da Serra,
algo, de repente, por um és-não-és. Muito do São Ão, travados assuntos, inseqüentes,
de macio, mentalmente, comecei a me como dificultação. A conversa
organizar. Ele falou: era para teias de aranha. Eu tinha de
- "Eu vim preguntar a vosmecê uma entender-lhe as mínimas entoações,
opinião sua explicada..." seguir seus propósitos e silêncios. Assim
Carregara a celha. Causava outra no fechar-se com o jogo, sonso, no
inquietude, sua farrusca, a catadura de me iludir, ele enigmava. E, pá:
canibal. Desfranziu-se, porém quase - "Vosmecê agora me faça a boa
que sorriu. Daí, desceu do cavalo; maneiro, obra de querer me ensinar o que é mesmo
imprevisto. Se por se cumprir do que é: fasmisgerado... faz-me-gerado...
maior valor de melhores modos; por esperteza? falmisgeraldo... familhas-gerado...?
Reteve no pulso a ponta do Disse, de golpe, trazia entre dentes
cabresto, o alazão era para paz. O chapéu
aquela frase. Soara com riso seco. disse:
Mas, o gesto, que se seguiu, imperavase - Olhe: eu, como o sr. me vê, com
de toda a rudez primitiva, de sua presença vantagens, hum, o que eu queria uma
dilatada. Detinha minha resposta, hora destas era ser famigerado - bem
não queria que eu a desse de imediato. famigerado, o mais que pudesse!...
E já aí outro susto vertiginoso suspendia- -"Ah, bem!..." - soltou, exultante.
me: alguém podia ter feito intriga, Saltando na sela, ele se levantou de
invencionice de atribuir-me a palavra de molas. Subiu em si, desagravava-se, num
ofensa àquele homem; que muito, pois, desafogaréu. Sorriu-se, outro. Satisfez
que aqui ele se famanasse, vindo para aqueles três: - "Vocês podem ir, compadres.
exigir-me, rosto a rosto, o fatal, a vexatória Vocês escutaram bem a boa descrição..."
satisfação? - e eles prestes se partiram.
- "Saiba vosmecê que saí ind'hoje Só aí se chegou, beirando-me a janela,
da Serra, que vim, sem parar, essas seis aceitava um copo d'água. Disse: - "Não
léguas, expresso direto pra mor de lhe há como que as grandezas machas duma
preguntaa pregunta, pelo claro..." pessoa instruída!" Seja que de novo, por
Se sério, se era. Transiu-se-me. um mero, se torvava? Disse: - "Sei lá, às
- "Lá, e por estes meios de caminho, vezes o melhor mesmo, pra esse moço
tem nenhum ninguém ciente, nem do Governo, era ir-se embora, sei não..."
têm o legítimo - o livro que aprende as Mas mais sorriu, apagar-se-lhe a inquietação.
palavras... É gente pra informação torta, Disse: - "A gente tem cada cisma
por se fingirem de menos ignorâncias... de dúvida boba, dessas desconfianças...
Só se o padre, no São Ão, capaz, Só pra azedar a mandioca..." Agradeceu,
mas com padres não me dou: eles logo quis me apertar a mão. Outra vez,
engambelam... A bem. Agora, se me faz aceitaria de entrar em minha casa. Oh,
mercê, vosmecê me fale, no pau da peroba, pois. Esporou, foi-se, o alazão, não pensava
no aperfeiçoado: o que é que é, o no que o trouxera, tese para alto
que iá lhe perguntei"? rir, e mais, o famoso assunto.
Se simples. Se digo. Transfoi-seme. (Guimarães Rosa, Primeiras Estórias, Rio de Janeiro:
Esses trizes: Nova Fronteira, 1988, p. 13-17)
- Famigerado? Primeiras Estórias
- "Sim senhor..." - e, alto, repito, Publicada em 1962, Primeiras Estórias
vezes, o termo, enfim nos vermelhões é uma obra que reúne vinte e um
da raiva, sua voz fora de foco. E já me contos, estruturados em pequenas narrativas,
olhava, interpelador, intimativo - apertava- que têm como fio condutor um
me. Tinha eu que descobrir a cara. - único acontecimento.
Famigerado? Habitei preâmbulos. Bem Guimarães trabalha diferentes temas:
que eu me carecia noutro ínterim, em infância, violência, loucura, culpa,
indúcias. Como por socorro, espiei os memória, amor; realizando desde a abordagem
três outros, em seus cavalos, intugidos psicológica, passando pela fantástica,
até então, mumumudos. Mas, Damázio: mística, lírica até a satírica.
- "Vosmecê declare. Estes aí são Pequenos fatos do cotidiano despertam
de nada não. São da Serra. Só vieram no leitor a sensibilidade para as
comigo, pra testemunho..." coisas simples da vida e provocam a
Só tinha de desentalar-me. O homem reflexão sobre o grandioso mistério da
queria estrito o caroço: o verivérbio. existência.
- Famigerado é inóxio, é célebre", Na maior parte dos contos o cenário
"notório", "notável"... é o campo, provavelmente reminiscências
- "Vosmecê mal não veja em minha da infância e juventude do autor
grassaria no não entender. Mais me diga: em Minas Gerais. Já os personagens
É desaforado? É caçoável? É de arrenegar? em geral são loucos ou crianças, criaturas
Farsância? Nome de ofensa?" que encaram de modo peculiar a
- Vilta nenhuma, nenhum doesto. realidade e demonstram maior sensibilidade
São expressões neutras, de outros para o misticismo e a metafísica.
usos... Conseguem transformar episódios cotidianos
- "Pois... e o que é que é, em fala em momentos intensos, de revelação
de pobre, linguagem de em dia-de-semana?" epifânica e mudança de vida.
- Famigerado? Bem. É: "importante", Grande Sertão: Veredas
que merece louvor, respeito... Romance publicado em 1956, mesmo
- "Vosmecê agarante, pra a paz ano da publicação de Corpo de Baile,
das mães, mão na Escritura?" Grande Sertão: Veredas é a obra
— 286 — mais importante de Guimarães Rosa e já
— 287 — foi traduzida para diversas línguas.
Se certo! Era para se empenhar a A narrativa é centrada no discurso
barba. Do que o diabo, então eu sincero de Riobaldo, narrador-personagem que
conta sua experiência de vida a um mulher que se traveste de homem, assumindo
interlocutor, que em momento algum se o papel de um jagunço.
manifesta. (fragmento)
Ex-jagunço do norte de Minas, — Nonada. Tiros que o senhor ouviu
Riobaldo agora vive próximo ao Rio São foram de briga de homem não, Deus
Francisco como fazendeiro e tem o hábito esteja. Alvejei mira em árvores no quintal,
de rezar e conversar com as pessoas no baixo do córrego. Por meu acerto.
que por ali passam, contando casos es— Todo dia isso faço, gosto; desde mal em
288 - minha mocidade. Daí, vieram me chamar.
tranhos, histórias de vingança, de perseguição, Causa dum bezerro: um bezerro branco,
de luta e também de amor. erroso, os olhos de nem ser - se viu
Apesar de jagunço, Riobaldo recebeu -; e com máscara de cachorro. Me disseram;
educação formal, o que pode ser eu não quis avistar. Mesmo que,
percebido em suas reflexões metafísicas por defeito como nasceu, arrebitado de
e na oralidade fluente. beiços, esse figurava rindo feito pessoa.
O narrador-personagem conta várias Cara de gente, cara de cão: determinaram
histórias, conservando sempre a - era o demo. Povo prascóvio.
inquietação em questionar a existência Mataram. Dono dele nem sei quem for.
ou não do diabo. Pouco a pouco o leitor Vieram emprestar minhas armas, cedi.
vai desvendando o motivo desta preocupação: Não tenho abusões. O senhor ri certas
ela está relacionada a um provável risadas... Olhe: quando é tiro de verdade,
pacto feito por Riobaldo com o diabo, primeiro a cachorrada pega a latir,
quando, na juventude, ele almejava instantaneamente - depois, então, se vai
vencer seu inimigo Hermógenes. Dessa — 289 —
forma, o futuro de sua alma depende da ver se deu mortos. O senhor tolere, isto
existência ou não do diabo. é o sertão. Uns querem que não seja:
Ao relatar seus casos, o narrador que situado sertão é por os camposgerais
mistura acontecimentos vividos e imaginados, a fora a dentro, eles dizem, fim de
adquirindo a narrativa o ritmo fragmentário rumo, terras altas, demais do Urucuia.
e não linear das lembranças. Toleima. Para os de Corinto e do Curvelo,
A linguagem tem para o narrador então, o aqui não é dito sertão? Ah, que
um papel fundamental: o de examinar tem maior! Lugar sertão se divulga: é
sua vida e tentar entendê-la, além de onde os pastos carecem de fechos; onde
purgar-se de suas culpas. um pode torar dez, quinze léguas, sem
Merece destaque a personagem topar com casa de morador; e onde criminoso
feminina Diadorim, que exerce forte atração vive seu cristo-jesus, arredado
sobre Riobaldo, mas por outro lado do arrocho de autoridade. O Urucuia vem
traz-lhe grandes preocupações. Isso dos montões oestes. Mas, hoje, que na
porque o narrador pensa que Diadorim beira dele, tudo dá - fazendões de fazendas,
é um homem, o bravo guerreiro Reinaldo, almargem de vargens de bom
vindo a descobrir a verdadeira identidade render, as vazantes; culturas que vão
dessa personagem apenas ao término de mata em mata, madeiras de grossura,
da luta em que ela é morta por Hermógenes. até ainda virgens dessas lá há. O gerais
Segundo os críticos, podemos identificar corre em volta. Esses gerais são sem
três planos no romance: o da vida tamanho. Enfim, cada um o que quer
dos jagunços, mostrando os aspectos aprova, o senhor sabe: pão ou pães, é
geográficos, econômicos, políticos e questão de opiniães... O sertão está em
sociais dos sertão; o das reflexões, em toda a parte.
que Riobaldo retoma seu passado e resgata No demo? Não gloso. Senhor pergunte
sua própria vida; o plano mítico, caracterizado aos moradores. Em falso receio,
pelos conflitos que se mostram desfalam no nome dele - dizem só: o
através das forças da natureza. Que-Diga. Vote! não... Quem muito se
A leitura do texto dá-nos realmente evita, se convive. Sentença num Aristides
a impressão de um relato oral, pela linguagem - o que existe no buritizal primeiro
e recursos sintáticos utilizados. desta minha mão direita, chamado a Vereda-
Contudo, o discurso sertanejo é enriquecido da-Vaca-Mansa-de-Santa-Rita -
por diversos regionalismos, arcaísmos, todo o mundo crê: ele não pode passar
estrangeirismos e neologismos, em três lugares, designados: porque
resultado de estudos e pesquisas do então a gente escuta um chorinho, atrás,
autor. Dessa forma, a obra assume um e uma vozinha que avisando: - "Eu já
caráter dual, oscilando entre o coloquial vou! Eu já vou!..." - que é o capirote o
e o erudito, caráter também presente no que-diga... E um Jisé Simpilício - quem
conteúdo da mesma: ao discutir a existência qualquer daqui jura ele tem um capeta
ou não do diabo ou mesmo ao em casa, miúdo satanazim, preso obrigado
apresentar personagens como Diadorim, a ajudar em toda ganância que
executa; razão que o Simpilício se empresa o Rasga-em-Baixo, Faca-Fria, o
em vias de completar de rico. Fancho-Bode, um Trecizizno, o Azinhave...
Apre, por isso dizem também que a besta o Hermógenes... Deles, punhadão.
pra ele rupeia, nega de banda, não Se eu pudesse esquecer tantos nomes...
deixando, quando ele quer amontar... Não sou amansador de cavalos!
Superstição. Jisé Simpilício e Aristides, E, mesmo, quem de si de ser jagunço se
mesmo estão se engordando, de assim éntrete, já é por akjuma competência
não-ouvir ou ouvir. Ainda o senhor estude: entrante do demônio. Será não? Será?
agora mesmo, nestes dias de época, De primeiro, eu fazia e mexia, e pensar
tem gente porfalando que o Diabo não pensava. Não possuía os prazos.
próprio parou, de passagem, no Andrequicé. Vivi puxando difícil de difícel, peixe
Um Moço de fora, teria aparecido, vivo no moquém: quem mói no asp'ro,
e lá se louvou que, para aqui vir - não fantaseia. Mas, agora, feita a folga
normal, a cavalo, dum dia-e-meio - ele que me vem, e sem pequenos desassossegos,
era capaz que só com uns vinte minutos estou de range rede. E me
bastava... porque costeava o Rio do que me vem, e sem pequenos desassossegos,
Chico pelas cabeceiras! Ou, também, estou de range rede. E me
quem sabe - sem ofensas - não terá inventei neste gosto, de especular idéia.
sido, por um exemplo, até mesmo o senhor O diabo existe e não existe? Dou o dito.
quem se anunciou assim, quando Abrenuncio. Essas melancolias. O senhor
passou por lá, por prazido divertimento vê: existe cachoeira; e pois? Mas
engraçado? Há-de, não me dê crime, cachoeira é barranco de chão, e água
sei que não foi. E mal eu não quis. Só se caindo por ele, retombando; o senhor
que uma pergunta, em hora, às vezes, consome essa água, ou desfaz o barranco,
clareia razão de paz. Mas, o senhor sobra cachoeira alguma? Viver é
entenda: o tal moço, se há, quis mangar. negócio muito perigoso...
Pois, hem, que, despontar o Rio pelas Explico ao senhor: o diabo vige dentro
nascentes, será a mesma coisa que um do homem, os crespos do homem -
se redobrar nos internos deste nosso ou é o homem arruinado, ou o homem
Estado nosso, custante viagem de uns dos avessos. Solto, por si, cidadão, é
três meses... Então? Que-Diga? Doideira. que não tem diabo nenhum. Nenhum! - é
A fantasiação. E, o respeito de dar a o que digo. O senhor aprova? Me declare
ele assim esses nomes de rebuço, é tudo, franco - é alta mercê que me
que é mesmo um querer invocar que ele faz: e pedir posso, encarecido. Este caso
forme forma, com as presenças! - por estúrdio que me vejam - é de minha
Não seja. Eu pessoalmente, quase certa importância. Tomara não fosse...
que já perdi nele a crença, mercês a Mas, não diga que o senhor, assiado e
Deus; é o que ao senhor lhe digo, à puridade. instruído, que acredita na pessoa dele?!
Sei que é bem estabelecido, que Não? Lhe agradeço! Sua alta opinião compõe
grassa nos Santos-Evangelhos. Em ocasião, minha valia. Já sabia, esperava por
conversei com um rapaz semina— ela - já o campo! Ah, a gente, na velhice,
290 — carece de ter sua aragem de descanso.
rista, muito condizente, conferindo no Lhe agradeço. Tem diabo nenhum. Nem
livro de rezas e revestido de paramenta, espírito. Nunca vi. Alguém devia de ver,
com uma vara de maria-preta na mão - então era eu mesmo, este vosso servidor.
proseou que ia adjutorar o padre, para Fosse lhe contar... Bem, o diabo regula
extraírem o Cujo, do corpo vivo de uma seu estado preto, nas criaturas, nas
velha, na Cachoeira-dos-Bois, ele ia mulheres, nos homens. Até: nas crianças
com o vigário do Campo-Redondo... Me - eu digo. Pois não é ditado: "menino
concebo. O senhor não é como eu? Não - trem do diabo"? E nos usos, nas plantas,
acreditei patavim. Compadre meu Quelemém nas águas, na terra, no vento... Estrumes...
descreve que o que revela efeito O diabo na rua, no meio do redemunho...
são os baixos espíritos descarnados, (Rosa, João Guimarães. GrandeSertão;Veredas, Rio
de terceira, fuzuando nas piores trevas de Janeiro: Nova Fronteira, 1986, pp. 1 -4)
e com ânsias de se travarem com os Resumo do Modernismo
viventes - dão encosto. Compadre meu
Momento sócio-cultural
Quelemém é quem muito me consola -
• As máquinas e o ritmo acelerado da
Quelemém de Góis. Mas ele tem de morar
civilização industrial se incorporavam
longe daqui, na Jijujã, Vereda do Buriti
à paisagem brasileira.
Pardo... Arres, me deixe lá, que - em
• Problemas sociais antigos continuam
endemoninhamento ou com encosto - o
sem solução, produzindo tensões e
senhor mesmo deverá de ter conhecido
conflitos graves. Os meios intelectuais
diversos, homens, mulheres. Pois não
sentem que é preciso reformar
sim? Por mim, tantos vi, que aprendi. Rincha-
o Brasil, mergulhado numa contradição
Mãe, Sangue-d'Outro, o Muitos-Beiços,
grave: ao mesmo tempo em que
se modernizava, mantinha uma organização Investiga temais universais. Destaques:
social arcaica. Sagarana(1946), Corpo de Baile
Características literárias (1956), Grande Sertão: Veredas
• A 1- fase é a de ruptura com o passado. (1956), Tutaméia (Terceiras Estórfas)(
Humor, uso do coloquial, 1967).
primitivismo, vanguardas, tudo é válido — 291 —

Tendências
para criar uma literatura em
sintonia com os novos tempos.
• na 2- fase se estabelecem o romance
regionalista, que retrata urna certa
região do país, e a prosa intimista,
Contemporâneas
que estuda o homem urbano.
• a 3 8 fase nega algumas das propostas (1960 até a
da \- e retoma o uso cuidadoso
e consciente da palavra. O
número de correntes literárias e autores
atualidade)
A partir das décadas de 50 e 60,
cresce, o que torna difícil classificar
muitos autores falam em Pós-Modernismo
essa fase.
ou tendências contemporâneas. Isso
Autores e obras porque ainda se fazem presentes muitas
• Mário de Andrade: deixou uma obra características modernistas, porém
vasta e muito influente, onde os destaques há várias inovações.
são Paulicéia Desvairada Segundo Domício Proença Filho, a
(1922), Macunaíma (1928), Contos arte pós-modemísta aproxima a arte erudita
Novos (1946), Lira Paulistana (1946). e a arte popular; é marcada pela
• Oswald de Andrade: Incorporou elementos intertextualidade (diálogo entre obras);
das vanguardas européias em realiza uma mistura de estilos; demonstra
seus poemas. Escreveu Memórias forte preocupação com o momento
Sentimentais de João Miramar(1924), presente; faz uso da ironia e da metalinguagem.
Paul Brasil (1925), Serafim Ponte
Grande (1933), O Rei da Vela (1937).
• Manuel Bandeira: deixou obra lírica,
Poesia
precisa e simples, mas muito bem Concretismo e outros
construída. Destacam-se Libertinagem
(1930), Estrela da Manhã
movimentos
(1936), Itinerário de Pasárgada Segundo Philadelpho Menezes, no
(1954), Estrela da Vida /nfe/ra(1966). século XX várias linguagens passam a
• Graciliano Ramos: expoente do romance influenciar a poesia: a tipografia, o desenho,
regional e de análise psicológica. as artes gráficas, a fotografia, o
Principais obras: São Bernardo cinema, a publicidade. Esta passa a utilizar
(1934), Angústia (1936), Wdas Secas elementos visuais, criando a chamada
(1938), Memórias do Cárcere (1953). "poesia visual" e a valorizar mais
• Carlos Drummond de Andrade: a oralidade da palavra falada, originando
considerado o maior poeta da literatura a "poesia sonora".
brasileira, deixou obra que expressa A influência das diversas linguagens
a angústia do homem contemporâneo. na poesia está diretamente relacionada
Destaques: Alguma Poesia aos elementos visuais que passam
(1930), Sentimento do Mundo a compor as grandes cidades e os
(1940), A Rosa do Povo (1945), Claro meios de comunicação de massa.
Enigma (1951), Boitempo (1968). O autor faz questão de ressaltar
• João Cabral de Melo Neto: um dos que "poesia visual" engloba "toda espécie
poetas brasileiros mais importantes, de poesia ou texto que utilize elementos
deixou obra sem exageros sentimentais, gráficos para se somar às palavras,
precisa e seca. Destaques: Pedra em qualquer época da história e
do Sono (1942), O Cão sem Plumas em qualquer lugar; já 'poesia concreta' é
(1950), Morte e Vida Severina um estilo de poesia visual que nasce
(1956), Museu de Tudo (1975). num dado momento histórico, com características
• Clarice Lispector: autora de obra bem definidas."
voltada ao intimismo e ao mergulho O movimento concretista tem sua
na psique dos personagens. Principais origem em 1952, na revista "Noigandres",
obras: A Cidade Sitiada (1949), mas inicia-se oficialmente em
A Paixão segundo G. H. (1964), Água 1956, com a Exposição Nacional de Arte
Viva (1973), A Via-Crúcis do Corpo Concreta, que aconteceu em São Paulo.
(1974), A Hora da Estrela (1977). Foi o primeiro movimento literário no Brasil
• Guimarães Rosa: usando o sertão a utilizar recursos visuais, inovando a
mineiro como cenário, criou obra que idéia de poesia.
O Concretismo prioriza os recursos
gráficos das palavras, enfatizando e a liberdade, pequena.
a comunicação visual entre o texto e o (Ferreira Gullar, Os melhores poemas de Ferreira
leitor. Há um abandono dos versos e do Gullar, São Paulo: Global, 1994.)
lirismo e o espaço do papel é aproveitado, Observe com atenção o poema de
assim como o conteúdo sonoro e Décio Pignatari:
visual das palavras. O significado cede
sua importância ao valor concreto do beba coca cola
poema. Este, por sua vez, permite muitas
possibilidades de leitura. babe cola
— 292 —
—293— beba coca
Os principais poetas concretistas
são Augusto de Campos, seu irmão
Haroldo de Campos e Décio Pignatari.
babe cola caco
Paralelamente à poesia concreta
ocorreu a chamada poesia social, que
caco
resistiu ao formalismo da primeira e criticou
a alienação dos movimentos vanguardistas. cola
Retomou os versos e utilizou
uma linguagem mais simples, tendo cloaca
como tema a realidade social. Podemos — 294 —
citar alguns nomes: Ferreira Gullar,
Thiago de Mello e Alfonso Romano Prosa
de SanfAnna.
A literatura também sofreu grande
Realismo Urbano
influência do Tropicalismo, movimento Os romances de ambientação urbana
no campo da música que, assim como o tematizam a violência e a marginalidade
Manifesto Antropófago de Oswald de nas grandes cidades.
Andrade, propunha a incorporação de Podemos citar como principais autores
quaisquer culturas, sem preconceito. Rubem Fonseca, com seus contos;
Nos anos 70 muitos poetas construíram Dalton Trevisan, com parte de sua
uma poesia denominada "marginal", obra e João Antônio, com seus contos.
pois não tinha sua impressão e Dentro do realismo urbano há o romance-
distribuição realizada por editoras, mas reportagem, que parte de episódios
por meio de mimeógrafos ou off-set. verídicos e utiliza recursos como a
Alguns autores iniciaram sua produção ironia e a paródia. Destacam-se José
poética como "marginais": Chacal, Louzeiro e Ignacio de Loyola Brandão.
Paulo Leminski, Cacaso, Chico Alvim. Prosa Regionalista
Utilizaram linguagem coloquial e procuraram A prosa regionalista retrata as regiões
aproximar poesia e vida. Além brasileiras e suas particularidades
disso, demonstraram fortes influências humanas e sociais. A região Central
concretistas. é explorada por Bernardo Ellis e José
Já outros escritores trilharam diferentes J. Veiga; a região Sul por Moacyr Scliar
caminhos na poesia, não se e a região Norte por Márcio de Souza. A
enquadrando nas tendências já mencionadas. Bahia, particularmente, tem um escritor
São eles: Adélia Prado, Manuel de grande importância na atualidade,
de Barros, José Paulo Paes, Arnaldo além de Jorge Amado: João Ubaldo Ribeiro,
Antunes, Orides Fontela e Fernando que escreve de modo a recriar a
Paixão. linguagem.
Dois e dois: quatro
Como dois e dois são quatro
Romance Psicológico
sei que a vida vale a pena O romance psicológico possui um
embora o pão seja caro tom intimista e centra-se nas inquietações
e a liberdade pequena interiores dos personagens, trabalhando
Como teus olhos são claros temas do cotidiano, relacionados
e a tua pele, morena à família e à afetividade.
como é azul o oceano A literatura intimista aproxima-se do
e a lagoa, serena diário ou das memórias, trabalhando os
como um tempo de alegria grandes conflitos existenciais, muitas
por trás do terror me acena vezes beirando o pessimismo.
e a noite carrega o dia Uma autora que merece destaque
no seu colo de açucena é Lygia Fagundes Telles.
- sei que dois e dois são quatro Crônica
sei que a vida vale a pena Pequenas histórias, baseadas em
mesmo que o pão seja caro fatos do cotidiano, são exploradas por
autores como Stanislaw Ponte Preta, Os historiadores, cronistas e viajantes
Rubem Braga, Otto Lara Resende, Fernando da primeira época, senão de todo
Sabino e Luís Fernando Veríssimo. o período colonial, devem ser lidos à luz
de uma crítica severa. É indispensável
Teatro sobretudo escoimar os fatos comprovados,
O ano de 1943, em que é encenada a das fábulas a que serviam de
peça Vestido de noiva, de Nelson Rodrigues, mote, e das apreciações a que os sujeitavam
é tido como o marco inicial do teatro espíritos acanhados, por demais
moderno no Brasil. imbuídos de uma intolerância ríspida.
Nelson Rodrigues merece destaque Homens cultos, filhos de uma sociedade
por suas peças de caráter psicológico, velha e curtida por longo trato de
abordando temas como suicídios, séculos, queriam esses forasteiros
atropelamentos, achar nos indígenas de um mundo novo
casos de adultério, sempre penetrando e segregado da civilização universal
na intimidade dos personagens. uma perfeita conformidade de idéias e
Gianfrancesco Guarnieri abordou a costumes. Não se lembravam, ou não
temática social e engajou-se politicamente. sabiam, que eles mesmos provinham de
É de sua autoria Eles não usam black-tie. bárbaros ainda mais ferozes e grosseiros
Já as peças de Plínio Marcos enquadram- do que os selvagens americanos.
se no "realismo crítico", como é o caso (P- 11)
de Navalha na carne. — 295 —
Também as peças de Chico Buarque, — 296 —
como Roda viva, e as de Jorge Andrade {A As críticas estendem-se aos missionários,
moratória, Pedreira das almas) são de que, segundo Alencar, encaravam
caráter realista. os índios como "feras humanas"
Por outro lado, as peças de Ariano a serem domesticadas. De modo diverso,
Suassuna inserem-se no "regionalismo de o autor de O Guarani procura analisar
inspiração crítica", adotando elementos a sociedade indígena de um ponto
cômicos e caricatos e trabalhando com temas de vista filosófico, observando o "outro"
populares ou folclóricos. apenas como diferente, não como
De "inspiração popular" são as peças um inferior a ser subjugado.
de Dias Gomes, além de denunciarem injustiças (fragmento das notas)
sociais. Releva ainda notar, que duas classes
Leituras Obrigatórias de homens forneciam informações
acerca dos indígenas: a dos missionários
(Literatura Brasileira) e a dos aventureiros. Em luta uma com
a outra, ambas se achavam de acordo
da UNICAMP 2001- nesse ponto, de figurarem os selvagens
como feras humanas. Os missionários
2002-2003 encareciam assim a importância da sua
catequese; os aventureiros buscavam
Ubirajara justificar-se da crueldade com que tratavam
José de Alencar os índios, (p. 12)
Publicado em 1874, Ubirajara foi o Com isso, procura desfazer certos
último dos romances indianistas de Alencar. preconceitos em relação ao comportamento
Nele, o autor retrata uma época remota indígena, como o que diz respeito
de nossa história, em que o Brasil à poligamia, encarada pelos cronistas
era habitado somente pelos índios. europeus como promiscuidade sexual
Alencar realizou estudos sobre antropologia ou imoralidade conjugal.
indígena, a fim de melhor resgatar Outro preconceito que busca desmistificar
este universo e, conseqüentemente, é o ritual antropofágico, mostrando
nossas próprias origens. que este significa uma incorporação
Paralelamente à narrativa, organizam- da bravura e da força do inimigo,
se notas do autor, resultantes de não um gesto vingativo como se costumava
leituras dos cronistas e que dão embasamento pensar.
teórico ao texto. Além disso, Alencar mostra os valores
Nestas notas, Alencar faz severas cultivados pelos índios, tais como
críticas aos cronistas, tentando mostrar a lealdade e o heroísmo.
que estes procuravam enxergar os índios Segundo o autor, a obra pode ser
à luz de suas Idéias e tradições. Com classificada como lenda, já que é um
isso, não compreenderam a nova cultura texto mítico que narra a origem da comunidade
da qual se aproximavam e perceberam indígena dos ubirajaras.
os índios a partir de seus próprios hábitos O tempo dos acontecimentos é uma
e costumes, calcados numa visão época que antecede o descobrimento e
etnocêntrica do mundo. o contato dos índios com os brancos. O
(fragmento das notas)
espaço envolve as proximidades dos (PP. 26-27)
rios Tocantins e Araguaia. Em seguida, o jovem guerreiro vai
Em meio à floresta, surge o personagem em busca de mais uma conquista; sua
Jaguaré, assim chamado por ter esposa. Araci, virgem tocantim, filha do
vencido todos os animais, inclusive o chefe Itaquê, já havia tocado seu coração.
jaguar. Bravo caçador, ele almeja transformar- Dirige-se à tribo tocantim e é recebido
se em um guerreiro. Após grande com hospitalidade, reconhecido
combate, vence o inimigo Pojucã e como um enviado de Tupã. Passa então
torna-se o "senhor da lança", o guerreiro a se chamar Jurandir, "trazido pela
Ubírajara. Passa a líder dos araguaias, luz do céu", e a disputar a posse de
assim como fora seu pai Camacã, além Araci, "a estrela do dia", com os guerreiros
de ter o reconhecimento da tribo por sua da tribo inimiga. Além de Araci,
bravura e heroísmo. ele também demonstrara interesse por
(fragmento) Jandira, a doce virgem de sua própria
O guerreiro chefe enrista desdenhosamente comunidade.
a lança e caminha para Jaguaré. (...)
Não vai como o guerreiro que marcha ao Jurandir, conduzido pela virgem,
combate, mas como o matador que se caminhou ao encontro de Itaquê e disse;
prepara para imolar a vítima. — Grande chefe dos Tocantins,
— G u e r r e i r o c h e f e , J a g u a r é não te Jurandir não veio à tua cabana para receber
quer matar como a serpente que ataca a hospitalidade; veio para servir
o descuidado caçador. Dez vezes já, se ao pai de Araci, a formosa virgem, a
quisesse, ele te houvera ferido com tua quem escolheu para esposa. Permite que
própria mão. ele a mereça por sua constância no trabalho,
— Abandona a glória do guerreiro, e que a dispute aos outros guerreiros
que não é para ti, nhengaíba. Pojucã pela força de seu braço.
te concederá a vida e te levará cativo à Itaquê respondeu;
taba dos Tocantins para que tu cantes — Araci é a filha de minha velhice.
as suas façanhas na testa dos guerreiros. A velhice é a idade da prudência e da
— Cativo serás tu, mas não para sabedoria. O guerreiro que conquistar
cantar os feitos dos guerreiros. Tu servirás uma esposa como Araci terá a glória de
na taba dos araguaias para ajudar gerar seu valor no seio da virtude. Itaquê
as velhas a varrer a oca. não pode desejar para seu hóspede
Arremessou-se Pojucã avante e maior alegria.
desfechou o golpe; mas a lança rodara Desde esse momento, Jurandir não
e foi o chefe tocantim quem recebeu no foi mais estrangeiro na taba dos Tocantins.
peito a ponta farpada. Pertencia à oca de Itaquê, e devia,
— 297 — como servo do amor, trabalhar para o
Quando o corpo robusto de Pojucã pai de sua noiva.
tombava, cravado pelo dardo, Jaguaré Os guerreiros, cativos da beleza
d'um salto calcou a mão direita sobre o de Araci, conheceram que tinham de
ombro esquerdo do vencido, e brandindo combater um adversário formidável; mas
a arma sangrenta, soltou o grito do seu amor cresceu com o receio de perder
triunfo: a filha de Itaquê.
— Eu sou Ubirajara, o senhor da Jurandir tomou suas armas e desceu
lança, o guerreiro invencível que tem por ao rio. Era a hora em que o jacaré
arma a serpente. Reconhece o teu vencedor, bóia em cima das águas como o tronco
Pojucã, e proclama o primeiro dos morto; e a jaçanã se balança no seio do
guerreiros, pois te venceu a ti, o maior nenúfar.
guerreiro que existiu antes dele. — 298 —
— Se meu valor, que serviu para O manati erguia a tromba para pastar
aumentar a tua fama, merece de ti uma a relva na margem do rio. Ouvindo o
graça, não deixes que Pojucã sofra mais rumor das folhas, mergulhou na corrente,
um instante a vergonha de sua derrota. mas já levava o arpéu do pescador,
— Não, chefe tocantím. Tu me cravado no lombo.
acompanharás à taba dos araguaias Jurandir não esperou que o peixe
para narrar o meu valor. A fama de ferido desenrolasse toda a linha. Puxouo
Jaguaré precisa de um prisioneiro como para terra; e levou-o ainda vivo à cabana
o grande Pojucã na festa da vitória. de Itaquê, onde três guerreiros custaram
— Tu és crel,,gugrreiro da lança; a deitá-lo no jirau.
mas fica certo que se tua arma traiçoeira As mulheres cortaram as postas de
feriu-me o peito; o suplício não vencerá carne e os guerreiros cavaram a terra
a constância do varão tocantim, para fazer as grelhas do biaribi.
que sabe afrontar as iras de Tupã e Jurandir partiu de novo e entrou na
desprezar a vingança dos araguaias. floresta. Ao longe reboavam os gritos
dos caçadores que perseguiam a fera. escudo do herói, que ficou semelhante
Pelo assobio o guerreiro conheceu ao grosso tronco de juçara, eriçado de
que era um tapir. O animal zombara dos espinhos.
caçadores e vinha rompendo a mata Ubirajara embraçou o escudo na altura
como a torrente do Xingu. do ombro, e com o pé brandiu sete
As árvores que seu peito encontrava vezes a corda do grande arco gêmeo.
caíam lascadas. As setas vermelhas e amarelas
Jurandir estendeu o braço. O velho
tapir, agarrado pelo pé, ficou suspenso subiram
na carreira, como o passarinho preso no direitas ao céu e perderam-se nas
laço. Nunca, até aquele momento, encontrara nuvens.
força maior que a sua. Quando voltaram, Agniná e os chefes
Uma vez descer à lagoa para beber. que obedeciam a seu arco, tinham
A sucuri, que espreitava a caça, mordeu- cada um fincado na cabeça o desafio do
a na tromba. Ele fugia, esticando a formidável guerreiro.
serpente; e a serpente encolhendo-se, o Enfurecidos mais pelo insulto do que
arrastava até à beira d'água. pela dor, arremessaram-se contra o inimigo
Assim tornou uma, duas, três vezes. que os esperava coberto com seu vasto
Mas o tigre urrou de fome. O velho escudo.
tapir disparou pela floresta; e a sucuri Agniná era o primeiro na corrida e o
com a cauda presa à raiz da árvore arrebentou primeiro na sanha. Após ele vinham os
pelo meio. outros a dois e dois, lutando na rapidez.
O velho tapir rompeu a serpente Quando o esposo de Araci viu que
como se rompe uma corda de piaçaba; eles se estendiam pela campina, como dois
mas não pôde abalar o braço de Jurandir, ribeiros que se aproximam para confundir
mais firme do que o tronco do guaribu. suas águas; o herói empunhou a lança de
O estrangeiro tornou à cabana com duas pontas e soltou seu grito de guerra,
a caça. Nenhum dos guerreiros da taba, que era como o bramir do jaguar, senhor
nem mesmo o velho Itaquê, pôde agüentar da floresta.
com as duas mãos a fera bravia. Seu pé devorou o espaço; e a lança
Então Jurandir obrigou o animal a de duas pontas girou em sua mão, como a
agachar-se aos pés de Araci e disse: serpente que enrosca-se nos ares, silvando.
— O braço de Jurandir fará cair assim, Então o herói soltou seu grito de triunfo,
a teus pés, o guerreiro que ouse que era como o rugido do vento no
disputar ao seu amor a tua formosura, deserto;
estrela do dia. (pp. 59-60) — Eu sou Ubirajara, o senhor da lança,
Após a luta contra os tapuias, as o guerreiro invencível que tem por arma
duas nações unem-se, originando a nação uma serpente.
dos ubirajaras, que habitava as "Eu sou Ubirajara, senhor das nações,
margens do Rio São Francisco na época o chefe dos chefes, que varre a
do descobrimento. Ubirajara recebe terra, como o vento no deserto."
as duas jovens (Araci e Jandira) como O herói estendeu a vista pela campina,
esposas, tornando-se senhor supremo. e não descobriu mais o inimigo, que
O outro sol rompia, quando oa tapuias sumia-se na poeira.
estenderam pela campina a multidão Ubirajara lançou-lhe seus guerreiros,
de seus guerreiros. que tinham fome de vingança; porém
Na frente assomava Agniné, a montanha o terror de sua lança dava asas aos
dos guerreiros, ainda mais feroz do fugitivos.
que o irmão, o terrível Canicrã. Desde esse dia nunca mais um tapuia
De um lado e do outro seguiam-se as pisou as margens do grande rio.
chefes, cada um à frente de seus guerreiros. Ubirajara voltou à cabana, onde o
Ubirajara escolheu mil guerreiros esperava Araci.
araguaias e mil guerreiros Tocantins, com A esposa despiu as armas de seu
que saiu ao encontro dos tapuias. guerreiro, enxugou-lhe o corpo com o macio
Depois que desdobrou sua batalha cotão da monguba, e cobriu-o do bálsamo
pela campina, o chefe dos chefes caminhou fragrante da embaíba.
só para o inimigo. Encheu depois de generoso cauim a
Quando chegava a meio do campo, Caiu Agniná taça vermelha feita do coco da sapucaia;
do primeiro bote; após e aplacou a sede do combate.
os tapuias levantaram a pocema de guer- ele Enquanto nas grandes tabas se preparava
caíam aos dois os chefes tapuias, a festa do triunfo e o herói repousava
ra, que atroou os ares, como o estrépido como na rede, Araci foi ao terreiro e voltou
caem os juncos talhados pelo dente conduzindo Jandira peia mão.
da cachoeira. afiado da capivara. — 299 —
Um turbilhão de setas crivou o longo — 300 —
— Jandira é irmã de Araci, tua esposa.
Ubirajara é o chefe dos chefes, Esse dom precioso e natural desenvolvera-
senhor do arco das duas nações. Ele se-lhe à força de um exercício
deve repartir seu amor por elas, como continuado que o tornara conhecido em
repartiu a sua força. terra, nos conflitos com soldados e catraieiros,
A virgem Araguaia pôs no guerreiro e a bordo, quando entrava embriagado.
seus olhos de corça. — 301 —
— Jandira é serva de tua esposa; Porque Bom-Crioulo de longe em longe
seu amor a obrigou a querer o que tu sorvia o seu gole de aguardente, chegando
queres. Ela ficará em tua cabana para mesmo a se chafurdar em bebedeiras
ensinar a tuas filhas como uma virgem que o obrigavam a toda sorte de
Araguaia ama seu guerreiro. loucuras.
Ubirajara cingiu o peito, com um e Armava-se de navalha, ia para os
outro braço, a esposa e a virgem. cais, todo transfigurado, os olhos dardejando
— Araci é a esposa do chefe fogo, o boné de um lado, a camisa
tocantim; Jandira será esposa do chefe aberta num desleixo de louco, e então
Araguaia; ambas serão as mães dos era um risco, uma temeridade alguém
filhos de Ubirajara, o chefe dos chefes, aproximar-se dele. O negro parecia uma
e o senhor das florestas. fera desencarcerada: fazia todo mundo
As duas nações, dos araguaias e fugir, marinheiros e homens da praia,
dos tocantins, formaram a grande nação porque ninguém estava para sofrer uma
dos Ubirajaras, que tomou o nome agressão...
do herói. ( . . .)
Foi esta poderosa nação que dominou Diziam uns que a cachaça estava
o deserto. deitando a perder "o negro"; outros, porém,
Mais tarde, quando vieram os caramurus, insinuavam que Bom-Crioulo tornara-
guerreiros do mar, ela campeava se assim, esquecido e indiferente, dês
ainda nas margens do grande rio. (pp. que "se metera" com o Aleixo, o tal grumete,
92-94) o belo marinheiro de olhos azuis,
Bom-Crioulo que embarcara no sul. - O ladrão do negro
Adolfo Caminha estava mesmo ficando sem-vergonha!
Como um típico romance naturalista, E não lhe fossem fazer recriminações,
Bom-Crioulo submete o destino de dar conselhos... Era muito homem
seus personagens ao determinismo dos para esmagar um!
fatores hereditários, do meio e do momento O próprio comandante já sabia daquela
histórico. amizade escandalosa com o pequeno.
Do cientificismo originam-se a linguagem Fingia-se indiferente, como se
precisa e objetiva, as descrições nada soubesse, mas conhecia-se-lhe no
exatas e a valorização dos detalhes. olhar certa prevenção de quem deseja
Além disso, o narrador retrata com surpreender em flagrante...
impessoalidade e frieza as personagens Os oficiais comentavam baixinho o
e a realidade que as circunda. fato e muita vez riam maliciosamente na
A narração é realizada em terceira praça d'armas entre copos de limonada.
pessoa, por um narrador-onisciente, que Tudo isso, porém, não passava de
observa atentamente os fatos e os descreve suspeitas, e Bom-Crioulo, com o seu todo
de modo linear, à medida que vão abrutalhado, uma grande pinta de sangue
se desenrolando. no olho esquerdo, o rosto largo de
Tendo como cenário o mar, a história um prognatismo evidente, não se incomodava
tematiza a perversão sexual entre com o juízo dos outros. - Não
marinheiros. lho dissessem na cara, porque então o
Amaro é o "bom crioulo", negro forte negócio era feio... A chibata fizera-se
e robusto, que é atraído por Aleixo, jovem para o marinheiro: apanhava até morrer,
grumete branco e frágil, seu oposto. como um animal teimoso, mas havia de
(fragmentos) mostrar o que é ser homem!
Com efeito, Bom-Crioulo não era Sua amizade ao grumete nascera,
somente um homem robusto, uma dessas de resto, como nascem todas as grandes
organizações privilegiadas que trazem afeições, inesperadamente, sem precedentes
no corpo a sobranceira resistência de espécie alguma, no momento
do bronze e que esmagam com o peso fatal em que seus olhos se fitaram pela
dos músculos. primeira vez. Esse movimento indefinível
A força nervosa era nele uma qualidade que acomete ao mesmo tempo duas naturezas
intrínseca sobrepujando todas as de sexos contrários, determinando
outras qualidades fisiológicas, emprestando- o desejo fisiológico da posse mútua,
lhe movimentos extraordinários, essa atração animal que faz o homem
invencíveis mesmo, de um acrobatismo escravo da mulher e que em todas as
imprevisto e raro. espécies impulsiona o macho para á fêmea,
sentiu-a Bom-Crioulo irresistivelmente reluzente.
ao cruzar a vista pela primeira vez com O pequeno estacou suspreendido:
o grumetezinho. Nunca experimentara — Sou eu mesmo, rugiu Bom-Crioulo,
semelhante sou eu mesmo! Pensavas que era só
cousa, nunca homem algum ou meter-te com a portuguesa, hein? Olha
mulher produzira-lhe tão esquisita impressão, para esta cara, olha como estou magro,
desde que se conhecia! Entretanto, como estou acabado... Olha, olha!
o certo é que o pequeno, uma criança de E apertava bruscamente o outro,
quinze anos, abalara toda a sua alma, sacudindo-o como se o quisesse atirar
dominando-a, escravizando-a logo, naquele ao chão.
mesmo instante, como a força magnética —Vê lá se me conheces, anda! Olha
de um ímã. (...) (pp.15-16, 21) bem para esta cara!
Já na terra, os dois passam então O efebo debatia-se, pálido, aterrado:
a se encontrar num quarto alugado pela — Me largues! Não me provoque,
prostituta quarentona D. Carolina. Esta senão eu grito!
também sente atração pelo jovem marinheiro, — Anda pr'aí, grita, se és capaz!
pois ele significa a possibilidade Grita, safado, sem-vergonha... mal-agradecido!
do amor desinteressado ou mesmo de Sua voz tomava uma inflexão voluptosa
uma relação maternal, coisas nunca permitidas e terrível ao mesmo tempo; a palavra
a ela. saía-lhe gaguejada, estuporada e trêmula.
— 302 — — Grita, anda!
O protagonista passa então a desenvolver O outro mudava de cores, recuava
um ciúme doentio, porém jamais trôpego, a língua presa, quase a chorar,
suspeitando da possibilidade de numa aflição de culpado, o olhar azul
uma traição com a prostituta portuguesa. submisso refletindo a imagem do negro:
Este ciúme cada vez maior resulta — Me largue, repetiu. Eu lhe peço:
num impulso irracional: o assassinato me largue!
de Aleixo. Com isso, Bom Crioulo perde Transeuntes olhavam-nos de banda
sua própria razão de existir e permanece e voltavam-se para os ver naquela
no mesmo nível de um animal, agindo posição, rosto a rosto, juntinhos, agarrados
puramente pelo instinto, em detrimento misteriosamente. Porque Bom-Crioulo
da razão e dos sentimentos. não falava alto, que todos ouvissem,
O autor trabalha com naturalidade não dava escândalo, não fazia alarme:
o tema do homossexualismo e mostra o sua voz era um rugio cavernoso e histérico,
quanto a profissão exercida por certos um regougo abafado, longínquo e
homens, como os marinheiros, acaba profundo.
por brutalizá-los e deixar como única — Grita, anda, grita pela vaca da
válvula de escape a afetividade, resultando Carolina!
na perversão sexual. — Me solte — continuou o efebo
As cenas sexuais, assim como outros trémulo, acovardado. Me largue!
aspectos da realidade (epilepsia, — Não te largo, não, cousinha ruim,
castigos corporais, crimes) são descritos não te largo, não! Bom-Crioulo, este que
com frieza, ousadia e de modo minucioso, aqui está, não é o que tu pensas...
através de uma linguagem erudita, — Mas eu não fiz nada! Me solte,
permeada de elementos coloquiais, que é tarde!
como palavrões e gírias de bordo. Os olhos do negro tinham uma expressão
(fragmento) feroz e amargurada, muito rubros,
Aleixo ia saindo porta fora, tranqüilamente, cruzando-se, às vezes, num estrabismo
apertado na sua roupa azul e nervoso de alucinado.
branca de marinheiro, a camisa decotada, Um sujeito parou defronte, a olhálos;
a calça justa. vieram depois outras pessoas, outros
O negro teve um daqueles ímpetos curiosos; um marinheiro da Capitania,
medonhos, que o acometiam às vezes; um italiano carregado de flandres,
garganteou um — oh! rouco, abafado, um guarda-municipal, crianças,
comprimido, e, ligeiro, furioso, perdido de mulheres...
coléra, sem dar tempo a nada, precipitou- Houve logo um fecha-fecha, um tumulto,
se, numa vertigem de seta, para a um alvoroço. Trilaram apitos; vozes
rua. Não via nada, não enxergava nada, gritavam — rolo! rolo! e a multidão
tresvairado, como se de repente lhe houvesse crescia no meio da rua, procurando lugar,
fugido a luz dos olhos e a razão empurrando, abrindo caminho, precipitando-
do cérebro. Precipitou-se, e, esbarrando se, formando um grande círculo
com o grumete, fintou-o pelo braço. de gente ao redor dos dois marinheiros,
Tremia numa crise formidável de desespero, invisíveis agora.
os olhos congestionados, um Os bondes paravam. Senhoras vinham
suor frio a porejar-lhe da testa negra e à janela, compondo os cabelos,
numa ânsia de novidade. Latiam cães. retratado como alegre e trabalhador, disposto
Um movimento cheio de rumores, uma a melhorar de vida.
balbúrdia! Circulavam boatos aterradores, O autor utilizou a linguagem telegráfica,
notícias vagas, incompletas. Inventaram- precisa, clara e objetiva, e a linguagem
se histórias de assassinato, de cinematográfica, mostrando as
cabeça quebrada, de sangue. Cada cenas com dinamismo, fazendo cortes
olhar, cada fisionomia era uma interrogação. e deixando de lado as descrições.
Chegavam soldados, marinheiros, Além de registros coloquiais, aparecem
policiais. Fechavam-se portas com elementos da fala do paulistano
estrondo. oriundos da influência do imigrante.
Alguma cousa extraordinária tinha Gaetaninho
havido porque, de repente, o povo recuou, O conto tem como cenário a Rua
abrindo passagem, num atropelo. Oriente, no Brás, onde as crianças sonhavam
— Abre! abre! diziam soldados erguendo em andar de carro, pois o máximo
o refle. que conseguiam era transitar de
De cima, das casas, mãos apontavam bonde.
para baixo. Beppino já andara, na ocasião da
E D. Carolina, que também chegara morte de sua tia Peronetta, no trajeto
à janela com a vozeria, com o barulho, para o Araçá. Agora quem alimentava o
viu, entre duas filas de curiosos, o grumete sonho era Gaetaninho, que chegou a
ensangüentado... sonhar com a morte da tia Filomena e
— Jesus! Meu Deus! depois, com um pouco de culpa, com o
Uma nuvem escureceu-lhe a vista, enterro de Seu Rubino, funcionário da
correu-lhe um frio pelo corpo, e toda ela Companhia de Gás.
tremia horrorizada, branca, imóvel. Um dia o menino consegue realizar
Muitas vistas dirigiam-se para o seu sonho, porém de modo trágico: ele
sobradinho. morre atropelado por um bonde e é levado
Aleixo passava nos braços de dois no carro da frente no cortejo até o
marinheiros, levado como um fardo, o cemitério.
corpo mole, a cabeça pendida para trás, Carmela
roxo, os olhos imóveis, a boca entreaberta. Carmela e Bianca são duas jovens
O azul-escuro da camisa e a calça costureiras que trabalham na Rua Barão
branca tinham grande nódoas vermelhas. de Itapetininga. Carmela é bonita, ao
O pescoço estava envolvido contrário de Bianca, e namora Ângelo,
num chumaço de panos. Os braços caíam- entregador da Casa Clark.
lhe, sem vida, inertes, bambos, numa Um dia, um homem "traquejado" aparece
frouxidão de membros mutilados. dirigindo um carro Buick, chama
— 303 — Bianca e pede que marque um encontro
—304— dele com Carmela, próximo à Igreja de
A rua enchia-se de gente pelas Santa Cecília. A amiga comparece ao
janelas, pelas portas, pelas calçadas. encontro, que dá origem a muitos outros,
Era uma curiosidade tumultuosa e flagrante com direito a passeio de carro. Bianca
a saltar dos olhos, um desejo tece comentários com Ernestina a respeito
irrestível de ver, uma irrestível atração, dos fatos e afirma ironicamente, ao
uma ânsia! ser questionada sobre o Ângelo, que este
Ninguém se importava com "o outro", é para casar. Não deixa de ter uma
com o negro, que lá ia, rua abaixo, certa inveja da sorte da amiga...
triste e desolado, entre baionetas à luz —305—
quente da manhã: todos, porém, todos Tiro-de-guerra nº 35
queriam "ver o cadáver", analisar o O personagem central deste conto
ferimento, meter o nariz na chaga... é Aristodemo Guggiani, nacionalista extremado,
Mas, um carro rodou, todo lúgubre, cujo prazer era cantar o Hino
todo fechado, e a onda dos curiosos foi Nacional no grupo escolar da Barra Funda.
se espalhando, se espalhando, té cair tudo Depois passa a trabalhar na oficina
na monotonia habitual, no eterno vaivém. mecânica do cunhado. Após uma briga
Observe-se o fecho corriqueiro, banal, com este, começa a exercer a função
cotidiano — muito próximo do romance de cobrador de ônibus da linha Praça do
contemporâneo (NE). Patriarca-Lapa. Depois de um tempo não
Brás, Bexiga e Barra Funda se tem mais notícia de Aristodemo, que
Antônio de Alcântara Machado se tomara soldado do "Tiro-de-Guerra".
Publicada em 1927, a obra reúne No primeiro ensaio para o Sete de Setembro
onze pequenos contos, ambientados nos briga com um alemão por este
três bairros paulistanos, de ocupação ter desrespeitado a pátria brasileira.
ítalo-brasileira. Volta, então, a ser cobrador na mesma
O imigrante, sobretudo o italiano, ó linha Praça do Patriarca-Lapa, porém
pede demissão da Companhia Autoviação havia namorado a moça. Esta, depois
Gabrielle d'Annuzio e passa a que acabou o namoro com ele, nunca
trabalhar na Sociedade de Transportes mais dirigiu-se à Sociedade Beneficente
Rui Barbosa Ltda, sendo reconhecido e Recreativa do Bexiga e deixou de ir
por seu patriotismo. às reuniões dominicais, passando a torcer
Amor e sangue pelo Palestra.
Nicolino era namorado de Grazia, A moça pede a Rocco que marque
porém o romance terminou quando um Biagio. Assim ele procedeu e no segundo
dia ele olhou para outra moça. tempo fez um pênalti, que possibilitou
Na barbearia em que trabalhava, a Biagio marcar o segundo gol do Corinthians
Nicolino escutou uma notícia a respeito e garantir a vitória. Miquelina não
de um crime passional. Inspirado pela se conforma, assim como a torcida do
mesma, foi ao encontro de Grazia, que Palestra, que responsabiliza Rocco. Ela
realmente não mais queria o namoro. Então decide então retornar às reuniões da
Nicolino assassinou-a e justificouse Sociedade no Bexiga.
à polícia dizendo: Vale ressaltar que o conto utiliza
"— Eu matei ela porque estava louco, uma linguagem coloquial, típica dos campos
seu delegado". de futebol:
Esta frase, registrada nos jornais, "Alegoá-goá-goá! Alegoá-goá-goá!
resultou numa música de grande repercussão: Urrá-urrá! Corinthians!"
"Eu estava louco, "O'... Ih'agasosa!"
Seu delegado! "Go-o-o-o-ol! Corinthians!"
Matei por isso, Notas biográficas do novo
Sou um desgraçado!" deputado
A sociedade O Coronel Juca Peixoto de Faria é
A esposa do Conselheiro José Bonifácio um rico fazendeiro casado com Dona
de Matos e Arruda não admitia a Nequinha. Os dois, entretanto, não têm
possibilidade de sua filha se casar com filhos. Ao saberem do falecimento do
um "carcamano". Esta, contudo, namora compadre João Intaliano, resolvem acolher
Adriano Melli, Certo dia, o pai do rapaz, o filho deste, o órfão Gennarinho,
Salvatore Melli, resolve visitar o pai de apenas nove anos. O menino encanta
de Teresa Rita, o Bonifácio. Propõe então a todos e tem seu nome mudado para
a ele uma "sociedade", na qual o Januário. Passa então a estudar no Ginásio
Salvatore ajudaria com o capital e Bonifácio de São Bento. O Coronel, muito
com alguns terrenos sem uso. contente, pensa em deixar sua herança
Adriano tomar-se-ia o gerente da firma. para o italianinho.
Passados seis meses, Adriano fica O monstro de rodas
noivo de Teresa e desaparecem todos O "monstro de rodas" a que o conto
os empecilhos. faz referência é o carro responsável
Lisetta pelo atropelamento de uma menina moradora
Este conto tem como personagem da Barra Funda. Dona Nunzia, a
central uma criança: a menina Lisetta. Um mãe, não se conforma, enquanto uma
dia, ao andar de bonde com a mãe admira moça negra reza o terço.
um urso de pelúcia "felpudo", "amarelo" e O autor faz questão de ressaltar
"engraçadinho" no colo de uma menina alguns episódios comuns em enterros:
rica. Esta, de propósito, começa a mexer por um lado, o respeito de homens dentro
no brinquedo, virando-o de um lado para do bonde tirando o chapéu e, por
outro e instigando cada vez mais a vontade outro, a indiferença de Nino, preocupado
da menina de tocá-lo. Contudo, isso em contar o número de "trouxas" que
não foi possível, já que a menina rica não tirariam o chapéu até que o enterro chegasse
deixou e a mãe a impediu com beliscões e ao cemitério.
a promessa de uma surra, que de fato se Armazém Progresso de São
concretizou. O irmão de Lisetta, Ugo, compra
Paulo
um urso para ela. Apesar de ser pequeno
O "Armazém Progresso de São Paulo"
e de lata, a menina fica muito contente
pertence a Natale, comerciante italiano
e não deixa ninguém mexer nele.
muito esforçado e trabalhador. Ao
—306—
lado de sua mulher, Dona Bianca, trabalhava
Corinthians (2) vs. Palestra (1) com esmero e prosperava.
Grande parte do conto centra-se Na confeitaria da frente, o português
num jogo de futebol entre Corinthians e vendia cebolas a preço baixíssimo
Palestra no Parque Antártica, onde estão e tinha grande estoque das mesmas.
Miquelina e Iolanda. Natale fica sabendo através da mulher
Rocco é grande jogador do Palestra que as cebolas subiriam de preço e
e namorado de Miquelina, enquanto pede ao fiscal que lhe confirmara a notícia
Biagio joga no time oposto e também já que se mantenha calado, se quiser
ser recompensado. Dona Bianca sonha A rudeza e hostilidade do cenário
com a ascensão econômica, representada nordestino refletem-se na expressão
por um palacete na Avenida Paulista. dura, incisiva, sem lirismos ou derramamentos
— 307 — sentimentais.
Nacionalidade Luís da Silva é o narrador-personagem,
Este conto também tematiza a questão atormentado pela situação de
do nacionalismo exagerado, agora miséria em que vive. Escreve seu diário
de um italiano: o barbeiro Tranquillo Zampinetti, íntimo a partir de sua memória, que organiza
da Rua do Gasómetro. racionalmente os fatos, e por
Contudo, sua maior tristeza eram outro lado, partindo das alucinações que
seus filhos Lorenzo e Bruno, que não o afligem. Dessa forma, o tempo da narrativa
conservavam o mesmo fervor em relação não é linear, mas caminha de acordo
à pátria do pai, nem mesmo queriam com as lembranças e devaneios do
falar o italiano. narrador.
A guerra européia encontrou Tranquillo — 308 —
Zampinetti proprietário de quatro O protagonista é um funcionário
prédios na Rua do Gasómetro, dois na público, não realizado em sua vida profissional
Rua Rratininga, cabo influente do Partido e desgostoso de sua vida
Republicano Paulista e dileto compadre afetiva. Há algum tempo era noivo de
do primeiro subdelegado do Brás; o Marina, mas não podia casar-se porque
Lorenzo interessado na firma vanzinello as condições financeiras não lhe permitiam.
& Cia. e noivo da filha mais velha do Marina sonhava, tinha ambições
major Antônio Del Piccolo, membro do que as condições do noivo não permitiam,
diretório governista do Bom Retiro; o mas não desmanchava o relacionamento.
Bruno vice-presidente da Associação Vale lembrar que o casamento
Atlética Ping-Pong e primeiro anista do era extremamente valorizado na época,
Ginásio do Estado, (p.71) ainda que não alicerçado no amor e conservando
Tranquilo inscreveu-se para um empréstimo a mulher numa posição submissa.
de guerra, sendo contestado Ao mesmo tempo que procura conservar
por Dona Emília. o noivado com Luís da Silva, ainda
O barbeiro conseguiu mais dois prédios que sem perspectivas, Marina envolve-
na Rua Santa Cruz da Figueira, fechou se com Julião Tavares, filho de rico
o salão e passou a sócio comanditario comerciante.
da Perfumaria Santos Dumont. No decorrer da narrativa, crescem
Bruno forma-se em Direito, dando o ódio e o ciúme de Luís da Silva por
grande satisfação ao pai, e ao irmão causa do triângulo amoroso. Uma das
Lorenzo, já casado e com um filho. formas de vingar-se é atormentando os
O primeiro serviço profissional do pais de Marina, D. Adélia e seu Ramalho,
Bruno foi requerer ao exmo. sr. dr. Ministro dizendo o que pensava a respeito das
da Justiça e Negócios Interiores atitudes da moça.
do Brasil a naturalização de Tranquillo Luís da Silva persegue Marina, sua
Zampinetti, cidadão italiano residente em ex-noiva, motivo de suas aflições e perturbações
São Paulo. (p. 73) interiores. Ela está grávida e
Angústia tenta resolver a situação através de um
Graciliano Ramos aborto, já que Julião Tavares havia lhe
Angústia foi publicada em 1936, abandonado e estava com uma amante.
após a publicação de São Bernardo, em Aumenta ainda mais o ódio de Luís da
1934, ano em que começou a escrever Silva pelo rival, culminando com o ato
a obra quando diretor da Instrução Pública criminoso.
de Alagoas. Contudo, a prisão de Em seguida, o narrador passa a viver
Graciliano Ramos durante o regime do numa profunda crise, alucinado, beirando
Estado Novo leva-o à interrupção do livro, a loucura.
vindo a publicá-lo contra seu desejo, As letras tinham cara de gente e
já que não o tinha revisado como gostaria. arregaçavam os beiços com feracidade.
A obra tem a marca do estilo de A mulher que lava garrafas e o homem
Graciliano: extrema concisão e busca que enche dornas agitavam-se na parede
do essencial, eliminando tudo que não como borboletas espetadas e formavam
se mostra necessário. letreiros com outras pessoas-que
O autor realiza análise psicológica lavavam garrafas, enchiam dornas e
dos personagens, mostrando suas angústias, faziam coisas diferentes. A datilografa
aflições, temores íntimos. Paralelamente, dos olhos agateados tossia, as filhas
observa a situação social dos de Lobisomem encolhiam-se por detrás
mesmos, a influência do ambiente sobre das outras letras. Antônia arrastava as
suas vidas, a exploração dos mais fortes pernas grossas cobertas de marcas de
sobre os mais fracos. feridas, a mulher da Rua da Lama cruzava
as mãos sobre o joelho magro e Sínha Terta, o cego dos bilhetes, o contínuo
curvava-se para esconder as pelancas da repartição, os cangaceiros e
da barriga escura. Um choro longo subia os vagabundos, vinham deitar-se na
e descia: — "Que será de mim? Valha- minha cama. Cirilo de Engrácia, esticado,
me Nossa Senhora." Um moleque amarrado, marchando nas pontas
morria devagar, mutilado, porque havia dos pés mortos que não tocavam o chão,
arrancado os tampos da filha do patrão. vinha deitar-se na minha cama. Fernando
Fazia um gorgolejo medonho e vertia piche Inguitai, com o braço carregado de voltas
das chagas. 16.384. O cego dos bilhetes de contas, vinha deitar-se na minha
batia com o cajado na parede. — cama. As riscas de piche cruzavam-se,
"Afastem esta cadeira." Seu Ivo estava formavam grades. — "José Baía, meu
de cócoras, misturado às outras letras. irmão, há tempo!" As crianças corriam
A calça rasgada e o paletó sujo eram em torno da barca. — "José Baía, meu
cor de piche. Cirilo de Engrácia, carregado irmão, estamos tão velhos!" Acomodavam-
de cartucheiras e punhais, encostava- se todos. 16.384. Um colchão de
se a uma árvore, amarrado, os paina. Milhares de figurinhas insignificantes.
cabelos cobrindo o rosto, os pés com Eu era uma figurinha insignificante
os dedos para baixo. A sentinela cochilava e mexia-me com cuidado para não
no portão do Palácio. Um ventre molestar as outras. 16.384. íamos descansar.
enorme crescia na parede, uma criatura Um colchão de paina.
mal vestida passava arrastando a filha (...)
pequena, um brilho de ódio no olho único. Manuelzão e Miguilim
Sinha Terta gemia: — "Minha santa Guimarães Rosa
Margarida..." O dono da bodega, triste, Manuelzão e Miguilim, assim como
fincava os cotovelos no balcão engordurado. as obras No Urubuquaquá, no Pinhém
As crianças faziam voltas ao redor e Noites do Sertão, inicialmente era parte
da barca de terra e varas. A rapariga integrante do livro Corpo de Baile,
pintada de vermelho espalhava um publicado em 1956.
— 309 — Compõem a obra duas novelas:
cheiro esquisito. O engraxate escutava "Campo Geral" e "Uma Estória de Amor".
histórias de capoeiras. O homem acaboclado Campo Geral
cruzava os braços, mostrando Esta novela tem como personagem
bíceps enormes. O mendigo estirava a principal Miguilim, um garoto de oito anos
perna entrapada e ensangüentada. As que morava na mata do Mutum com a
moscas dormiam, e o mendigo, com a família.
muleta esquecida, bebia cachaça e ria. Dos irmãos, Miguilim era o mais velho.
Passos na calçada. Quem ia entrar? Depois vinha Dito, irmão que tinha a
Quem tinha negócio comigo àquela hora? maturidade de um adulto e fazia reflexões
Necessário Vitória fechar as portas e sobre as coisas da vida. Para tristeza
despedir o hóspede incômodo que não de todos, acabou morrendo de tétano.
se arredava da sala. Mas Vitória contava — 310 —
moedas, na parede, resmungava a Tomé era o irmão caçula. Havia ainda
entrada e a saída dos navios. A placa as irmãs Drelina e Chica e Liovaldo, o
azul de D. Albertina escondia-se a um mais velho, que morava com o tio Osmundo.
canto, suja de piche. Todo aquele pessoal O pai de Miguilim era Nhô Bernardo
entendia-se perfeitamente. O homem Caz, que nutria grande ciúme pela esposa,
cabeludo que só cuidava da sua devido à traição com o tio Terêz,
vida, a mulher que trazia uma garrafa que é expulso de casa.
pendurada ao dedo por um cordão, Além de Tio Terêz, a mãe tem um
Rosenda, cabo José da Luz, Amaro vaqueiro, caso com Luisaltino, trabalhador da lavoura,
as figuras do reisado, um vagabundo assim como o pai. Este, louco de
que dormia nos bancos dos jardins, ciúme, mata Luisaltino e enforca-se.
outro vagabundo que dormia debaixo Posteriormente Tio Terêz casa-se com
das árvores, tudo estava na parede, a mãe e volta a morar com a família.
fazendo um zumbido de carapanãs, Outra personagem que se destaca
um burburinho que ia crescendo e é a vovó Izidra, magra e que se irritava
se transformava em grande clamor. José com tudo.
Baía acenava-me de longe, sorrindo, Miguilim preocupava-se com seu
mostrando as gengivas banguelas e estado de saúde. Achava que ia morrer,
agitando os cabelos brancos. —"José pois estava muito magro.
Baía, meu irmão, estás também aí?" José No entanto, ele não morre, mas tem
Baía, trôpego, rompia a marcha. Um, uma revelação que transforma sua vida.
dois, um, dois... A multidão que fervilhava Um dia o doutor José Lourenço vem caçar
na parede acompanhava José Baía e na Vereda do Tipã e põe óculos no
vinha deitar-se na minha cama. Quitéria, menino, percebendo sua dificuldade
para enxergar. Ele, então, passa a ver a fim de homenagear sua mãe. São
todas as coisas com mais nitidez e encontrar mostrados os preparativos, os sertanejos
beleza no Mutum, em cada elemento advindos de várias regiões, a chegada
da natureza, em cada pessoa. do padre e a festa.
Descoberta sua miopia, Miguilim descobre- A novela valoriza a tradição oral,
se a si mesmo e admira a grandeza misturando casos e questionamentos
do mundo e sua própria existência. metafísicos, como a busca de Manuelzão
(fragmento) pela razão de sua existência.
O doutor chegou. — "Miguilim, você Várias estórias se intercalam, muitas
está aprontado? Está animoso?" Miguilim delas nos remetendo ao folclore sertanejo.
abraçava todos, um por um, dizia adeus Manuelzão, aos sessenta anos, vai
até aos cachorros, ao Papaco-o-Paco, em busca de seu filho Adelço, que se
ao gato Sossõe que lambia as mãozinhas casara e vivia do trabalho na lavoura,
se asseando. Beijou a mão da mãe ao lado de sua família, diferentemente
do Grivo. — "Dá lembrança a seo Aristeu... do pai, mas de modo semelhante ao avô,
Dá lembrança a seo Deográcias..." para desgosto do primeiro.
Estava abraçado com Mãe. Podiam sair. No final da novela, Manuelzão está
Mas, então, de repente, Miguilim prestes a conduzir mais uma boiada, carregando
parou em frente do doutor. Todo tremia, consigo apenas as lembranças
quase sem coragem de dizer o que tinha da festa e de suas próprias experiências.
vontade. Por fim, disse. Pediu. O (fragmento)
doutor entendeu e achou graça. Tirou Foi ordem de se acender festa, com
os óculos, pôs na cara de Miguilim. • tocada de viola e dança: té, té, té, té, té,
E Miguilim olhou para todos, com té, té — até o dia clareou. Fizeram noite,
tanta força. Saiu lá fora. Olhou os matos dançando. As iaiás também. O quando
escuros de cima do morro, aqui a casa, o dia já estava pronto para amanhecer,
a cerca de feijão-bravo e são-caetano; céu já se desestrelando. No seguinte,
o céu, o curral, o quintal; os olhos redondos na rompidinha do dia, a vaqueirama se
e os vidros altos da manhã. formou. O Vaqueiro com o Fazendeiro
Olhou, mais longe, o gado pastando perto — adepartes. Fazendeiro mais atrás, na
do brejo, florido de são-josés, como um sua besta queimada. O Vaqueiro vinha
algodão. O verde dos buritis, na primeira guiando. Jogou o Cavalão adiente, foi
vereda. O Mutum era bonito! Agora bater onde estava o Boi... O Cavalo governava."
ele sabia. Olhou Mãitina, que gostava de — Seo Camilo, a estória é boa!
o ver de óculos, batia palmas-de-mão e — Manuelzão, sua festa é boa!
gritava: — "Cena, Corinta!..." Olhou o redondo — Simião, me preza um laço dos
de pedrinhas, debaixo do jenipapeiro. seus, um laço bom, que careço, a quando
Olhava mais era para Mãe. Drelina a boiada for sair...
era bonita, a Chica, Tomezinho. Sorriu — Laço, lação! Eu gosto de ver a
para o Tio Terêz: — "Tio Terêz, o senhor argola estalar no pé-do-chifre e o trem
parece com Pai..." Todos choravam. O pular pra riba!
doutor limpou a goela, disse: — "Não sei, — Aprecio, por demais, de ajudar
quando eu tiro esses óculos, tão fortes, numa saída de gado. Vadiarmais os
até meus olhos se enchem d'água,.." companheiros...
Miguilim entregou a ele os óculos outra — Ei, eh, epa! A isso, lá?
vez. Um soluçozinho veio. Dito e a Cuca — O João Urúgem, vigia: que veio
Pingo-de-Ouro. E o Pai. Sempre alegre, em ouvir, na beira da escuridão... Oi, o
Miguilim... Sempre alegre, Miguilim... Nem João Urúgem de quatro patas, de sombrio,
sabia o que era alegria e tristeza. Mãe o com todas as mãos no chão...
beijava. A Rosa punha-lhe doces-de-leite — Tenção de caluda, companheiros,
nas algibeiras, para a viagem. Papacoo- deixa a estória terminar.
Paco falava, alto, falava. — "... O Boi estava amarrado, chifres
(...) altos e orvalhados. Nos campos o
sol brilhava. Nos brancos que o Boi vestia,
Uma Estória de Amor linda mais luz se fazia. Foi Bonito
Novela narrada em terceira pessoa, desse berro, não agüentavam a maravilha.
"Uma Estória de Amor" tem como protagonista E esses pássaros cantavam.
Manuel Jesus Rodrigues, o Manuelzão, — Vosmecê, meu Fazendeiro, nade
administrador da fazenda de me atender primeiro, dino. Meu nome
gado Samarra. Este velho vaqueiro vivia hei: Seunavino... Não quero dote em di—
de um lugar para outro, conduzindo 312 —
boiada, vindo a fixar-se num só lugar nheiro. Peço que o Boi seja soltado. E se
apenas no final da vida. me dê este cavalo.
O personagem realiza uma festa de — Atendido, meu Vaqueiro, refiro
inauguração de uma capelinha construída nesta palavra. O Boi, que terá por seus
os pastos do fazendado. Ao Cavalo, é amor platónico pela moça, seguindo-a
já vosso. Beija a mão, meu Vaqueiro. em todos os momentos, desde o namoro
— Deus vos salve, Fazendeiro. até o casamento, vivenciando uma
Vaqueiros, meus companheiros. Violeiros... paixão cada vez maior, que se concretiza
Fim final. Cantem este Boi e o Vaqueiro, somente no plano dos sonhos.
com belo palavreado..." — 313 —
— Espera aí, seo Camilo... Carmélia casa-se com um primo e
— Manuelzão, que é que há? viaja, sendo acompanhada por Belmiro,
— Está clareando agora, está resumindo... mas sem saber da existência do mesmo.
— Uai, é dúvida? A história é ambientada em 1935,
— Nem não. Cantar e brincar, hoje pois há referências à coluna Prestes e
é festa — dançação. Chega o dia declarar! à perseguição aos comunistas. Entre
A festa não é pra se consumir — eles estão alguns amigos do narrador,
mas para depois se lembrar... Com boiada como Redelvim, que é preso.
jejuada, forte de hoje se contando Belmiro não mais vê sentido em sua
três dias... A boiada vai sair. Somos que própria vida nem no ato de escrever,
vamos. pois não tem mais os amigos a seu lado.
— A boiada vai sair! Morre sua irmã Chiquinha, Glicério deixa
(...) a repartição e o trabalho torna-se cada
O amanuense Belmiro vez mais doloroso, até que o deixa.
Ciro dos Anjos Ciro dos Anjos faz uso da intertextualidade
Ciro dos Anjos foi um escritor modernista e da metalinguagem. Além disso,
da segunda geração. Primeiro demonstra ironia e profundo pessimismo,
livro do autor, O Amanuense Belmiro foi já que constrói um protagonista
publicado em 1937 e é considerado uma que se vê imobilizado diante dos obstáculos
de suas mais importantes obras. em seu caminho. Como diria Guimarães
A história é narrada em primeira Rosa, ele "permaneceu com as
pessoa por Belmiro Borges, amanuense bagagens da vida".
(incumbido de fazer cópias ou ofícios) (fragmento)
de uma repartição pública. Tendo verificado que se esgotara
O narrador-personagem escreve minha iprovisão de papel, Carolino me
um diário, estabelecendo um diálogo com trouxe esta manhã uma porção de blocos.
o leitor, refletindo sobre sua própria existência Sangrou rudemente o almoxarifado
e tentando encontrar forças para da Seção do Fomento...
enfrentar a realidade. Previdente e providente amigo! Esquece-
Belmiro é um homem tímido e melancólico, me comunicar-lhe que já não preciso
que observa o mundo exterior, de papel, nem de penas, nem de
mas parece não se apropriar deste, pois boiões de tinta. Esqueceu-me dizer-lhe
apenas relata-Q, colocando-o no plano que a vida parou e nada há mais por
das idéias. Ao mesmo tempo é sonhador escrever.
e gosta de recordar os momentos que Ai de mim! É necessário, porém,
lhe trouxeram alegrias, ainda que estes fazer qualquer coisa, para empurrar os
não passem de puras ilusões. presumíveis trinta e dois anos que me
Não tendo se casado, Belmiro vive restam. Trinta e dois anos, sim. Em média,
em Belo Horizonte em companhia das os Borbas vão até aos setenta,
duas irmãs mais velhas. mesmo com o coração descompensado.
Encontra muito tempo livre em seu Acho-me pouco além do meio da estrada,
emprego, que aproveita para escrever e parece-me, entretanto, que cheguei
suas memórias. Estas não seguem uma ao fim. Negação de Belarmino, de
ordem linear, mas o fluxo das lembranças. Porfírio, de Firmino e de Baldomero...
Numa noite de quarta-feira de cinzas, Dois deles, chegados aos oitenta, ainda
Belmiro recorda seu encontro com pediam mais dez. Viviam com plenitude
a "donzela Arabela", personagem de história os velhos Borbas da linha-tronco. Viviam
infantil que não saía de sua imaginação. a vida. Quando um tombava, parecia
Fora na noite de carnaval, quando queda de gameleira ferida pelo raio.
acompanhava os cordões, já bêbado Não morriam aos poucos, vendo o corpo
e um tanto alucinado. consumir-se lentamente.
O encontro com Arabela dá novo — Que faremos, Carolino amigo?
sentido à vida do personagem. Através (...)
do amigo Glicério, descobre a identidade — 314 —
da jovem: Carmélia Miranda. O amigo
relata-lhe também seu endereço e que Questões de
perdera a mãe. A partir daí o protagonista
passa a idealizá-la e a imaginar um vestibulares
idílio. Mais que isso, passa a nutrir um 1. (FUVEST) Entende-se por literatura
informativa no Brasil: com objetivo pedagógico em relação à
a) o conjunto de relatos de viajantes e catequese, outro por criações desinteressadas
missionários europeus, sobre a natureza - devem ser literariamente
e o homem brasileiros. valorizados, sobretudo o teatro em
b) a história dos jesuítas que aqui estiveram verso".
no século XVI. O texto refere-se aos textos
c) as obras escritas com a finalidade produzidos no século XVI por:
de catequese do indígena. a) José de Anchieta.
d) os poemas do Padre José de Anchieta. b) Pero Vaz de Caminha.
e) os sonetos de Gregório de Matos. c) Antônio Vieira.
2. (UFPA) d) Bento Teixeira.
Texto 1 e) Manuel da Nóbrega.
"De ponta a ponta, é tudo praia... 6. (UFPA) Quanto às manifestações
muito chã e muito formosa. Nela, até literárias brasileiras aparecidas
agora, não podemos saber que haja ouro durante o período colonial:
nem prata... porém a terra em si é de a) refletiam a grandeza da Literatura
muitos bons ares, assim frios e temperados... Portuguesa da época.
Águas são muitas; infindas." b) não havia obras escritas, existia,
Texto 2 pois, como manifestação oral.
"Então estiraram-se de costas na c) eram ainda incipientes, apesar de escritas,
alcatifa, a dormir, sem buscarem maneira pois a metrópole não incentivava
de encobrir suas vergonhas." este tipo de produção.
Sobre o autor dos fragmentos d) o expressivo número de escritores
acima é correto afirmar que: que apareceram obreiam-se com os
a) escreveu documentos oficiais. maiores vultos da literatura universal.
b) é festejado representante da prosa e) representa o esplendor das tendências
modernista. literárias do medievalismo português.
c) criou vasta obra romanesca. 7. (UNISA-SP) A "literatura jesuítica",
d) concedeu textos com finalidade pedagógica. nos primórdios de nossa
e) não propaga em sua obra a fé cristã. história:
3. (UFPA) A gênese da nossa formação a) tem grande valor informativo.
literária encontra-se no b) marca nossa maturação clássica.
século XVI. Dela fazem parte: c) visava à catequese do índio, à instrução
a) as obras produzidas pelos degregados ao colono e sua assistência
que eram obrigados a se instalar religiosa e moral.
no Brasil. d) estava a serviço do poder real.
b) os escritos que os donatários das e) tem fortes doses nacionalistas.
capitanias hereditárias faziam ao rei 8. (UFRN) Sabe-se que a literatura
de Portugal. brasileira do século XVI não primava
c) os relatos dos cronistas e viajantes. pelo valor estético, mas se
d) as produções arcádicas. destacava pelo caráter informativo.
e) as poesias de Gregório de Matos. Dentre os autores daquele
4. (UFPA) Quanto ao sentimento período, podemos citar, com
nativista das primeiras manifestações respectiva obra:
literárias feitas no a) Bento Teixeira, com História do Brasil.
Brasil: b) Frei Vicente Salvador, com Prosopopéia.
a) é um sentimento de apego aos valores c) Pero Magalhães Gândavo, com Tratado
culturais portugueses, conforme se vê da Terra do Brasil.
nos poemas de Anchieta. d) Nuno Marques Pereira, com Compêndio
b) consiste na propagação da mentalidade narrativo do peregrino da América.
colonial portuguesa, sobre o que giram e) Manoel Botelho de Oliveira, com Música
os poemas de Gregório de Matos. do Parnaso.
c) a obra dos cronistas viajantes representa 9. (UFV-MG)
o apogeu deste sentimento. "Meu bem, meu amor,
d) é um sentimento tênue de apego à terra meu esposo, meu senhor,
brasileira que, mais tarde, irá desaguar meu amigo, meu irmão,
no nacionalismo do Romantismo. — 315 —
e) só se observa nos poetas árcades — 316 —
devido ao seu envolvimento na inconfidência centro do meu coração,
Mineira. Deus e pai!
5. (UFPE) Pois com entranhas de mãe
"Se suas cartas não apresentam Quereis de mim ser comigo
valor literário reconhecível, os demais Roubais todo o meu sentido,
aspectos da obra do missionário - um Para vós!"
representado por criações literárias José de Anchieta
Assinale a alternativa que corresponde não ofendeis a Deus com o entendimento;
ao texto: eu quero, mas vós não ofendeis
a) trata-se de um poema barroco, por a Deus com a vontade."
causa do jogo de antíteses. 12. (FUVEST)
b) pertence à fase do Romantismo, como "Entre os semeadores do Evangelho
revela o intenso sentimento religioso. há uns que saem a semear, há outros
c) percebe-se, pelo desejo de exaltação, que semeiam sem sair. Os que
que é um poema épico do período saem a semear são os que vão pregar
quinhentista. à índia, à China, ao Japão; os que semeiam
d) expressa a religiosidade nos padrões sem sair são os que se contentam
simbolistas. com pregar na pátria. Todos terão
e) trata-se de um poema lírico do Quinhentismo. sua razão, mas tudo tem sua conta.
10. (UM-SP) Aponte a alternativa incorreta Aos que têm a seara em casa, pagarlhes-
sobre o "Sermão da Sexagésima": ão a semeadura; aos que vão buscar
a) o autor desenvolve dialeticamente a a seara tão longe, hão-lhes de medir
seguinte tese: "A semente é a palavra a semeadura; e hão-lhe de contar
de Deus". os passos. Ah! Dia do juízo! Ah! Pregadores!
b) o estilo é barroco e privilegia a corrente Os de cá, achar-vos-ei com mais
conceptista de composição. paço; os de lá, com mais passos..."
c) o orador discute no sermão cinco A passagem acima é representativa
causas possíveis que não permitiram de uma das tendências
a entrada da palavra de Deus no coração estéticas da prosa seiscentista, a
dos homens. saber:
d) Vieira baseia-se em parábolas bíblicas, a) o sebastianismo, isto é, a celebração
e sua linguagem se vale de estruturas do mito da volta de D. Sebastião, rei
retóricas clássicas. de Portugal, morto na batalha de Alcácer-
e) pela sua capacidade de argumentação, Quibir.
Vieira consegue, neste sermão, b) a busca do exotismo e da aventura
convencer os indígenas a se converterem. ultramarina, presentes nas crônicas
11. (CARLOS CHAGAS-BA) Assinale e narrativas de viagem.
o texto que, pela linguagem e pelas c) a exaltação do heróico e do épico,
idéias, pode ser considerado por meio das metáforas grandiloqüentes
como representante da corrente da epopéia.
barroca. d) o lirismo trovadoresco, caracterizado
a) "Branco e meigo sorriso se deslizava por figuras de estilo passionais e
em seus lábios; os negros caracóis místicas.
de suas belas madeixas brincavam, e) o conceptismo, caracterizado pela
mercê do zéfiro, sobre suas utilização constante dos recursos da
faces... e ela também suspirava." dialética.
b) "Estiadas amáveis iluminavam instantes 13. (FUVEST) Leia o texto:
de céus sobre ruas molhadas de Goza, goza da flor da mocidade,
pipilos nos arbustos dos squares. que o tempo trata a toda ligeireza,
Mas a abóbada de garoa desabava e imprime em toda flor sua pisada.
os quarteirões." Ó não aguardes, que a madura
c) "Os sinos repicavam numa impaciência [idade,
alegre. Padre Antônio continuou te converta essa flor, essa beleza,
a caminhar lentamente, pensando que em terra, em cinza, em pó,
cem vezes estivera a cair, cedendo [em sombra, em nada.
à fatalidade da herança e à influência Gregório de Matos
do meio que o arrastavam para o Os tercetos acima ilustram:
pecado." a) o caráter de jogo verbal próprio da
d) "De súbito, porém, as lancinantes incertezas, poesia lírica do século XVI, sustentando
as brumosas noites pesadas uma crítica à preocupação feminina
de tanta agonia, de tanto pavor com a beleza.
de morte, desfaziam-se, desapareciam b) o jogo metafórico próprio do Barroca,
completamente como os tênues a respeito da fugacidade da vida,
vapores de um letargo..." exaltando o gozo do momento.
e) "Ah! Peixes, quantas invejas vos tenho c) o estilo pedagógico da poesia neoclássica,
a essa natural irregularidade! A ratificando as reflexões do
vossa bruteza é melhor que o meu poeta sobre as mulheres maduras.
- 317 — d) as características de um texto romântico,
alvedrio. Eu falo, mas vós não ofendeis porque fala de flores, terras,
a Deus com as palavras; eu lembro- sombras.
me, mas vós não ofendeis a Deus e) uma poesia que fala de uma existência
com a memória; eu discorro, mas vós mais materialista do que espiritual,
própria da visão do mundo nostálgico III - A oposição entre Reforma e Contra-
cultista. Reforma expressa, no plano
— 318 — religioso, os mesmos dilemas de
14. (FUVEST) A respeito de Padre que o Barroco se ocupa.
Antônio Vieira, pode-se afirmar: Quais estão corretas?
a) embora vivesse no Brasil, por sua a) apenas I. d) apenas I e III.
formação lusitana não se ocupou de b) apenas II. e) I, lI e III.
problemas locais. c) apenas III.
b) procurava adequar os textos bíblicos 17. (UFBA)
às realidades de que tratava. "Vós, diz Cristo Senhor nosso, falando
c) dada sua espiritualidade, demonstrava com os Pregadores, sois o sal da
desinteresse por assuntos mundanos. terra: e chama-thes sal da terra, porque
d) em função de seu zelo para com quer que façam na terra, o que faz o
Deus, utilizava-o para justificar todos sal. O efeito do sal é impedir a corrupção,
os acontecimentos políticos e sociais. mas quando a terra se vê tão corrupta
e) mostrou-se tímido diante dos interesses como está a nossa, havendo tantos nela,
dos poderosos. que têm ofício de sal, qual será, ou qual
15. (FEBASP) pode ser a causa desta corrupção? Ou
"Basta, senhor, que eu, porque roubo é porque o sal não salga, ou porque a
em uma barca, sou ladrão, e vós, porque terra se não deixa salgar. Ou é porque o
roubais em uma armada, sois imperador? sal não salga, e os Pregadores não pregam
Assim é. O roubar pouco é culpa, a verdadeira doutrina; ou porque a
o roubar muito é grandeza; o roubar terra se não deixa salgar, e os ouvintes,
com pouco poder faz os piratas, o roubar sendo verdadeira a doutrina, que lhes
com muito, os Alexandres... O ladrão dão, a não querem receber; ou é porque
que furta para comer não vai nem leva o sal não salga, e os Pregadores dizem
ao inferno: os que não só vão, mas que uma cousa, e fazem outra, ou porque a
levam, de que eu trato, são os outros — terra se não deixa salgar, e os ouvintes
ladrões de maior calibre e de mais alta querem antes imitar o que eles fazem,
esfera... os outros ladrões roubam um que fazer o que dizem: ou é porque o
homem, estes roubam cidades e reinos; sal não salga, e os Pregadores se pregam
os outros furtam debaixo de seu risco, a si, e não a Cristo; ou porque a
estes, sem temor nem perigo; os outros terra se não deixa salgar, e os ouvintes
se furtam, são enforcados, estes furtam em vez de servir a Cristo, servem a seus
e enforcam". apetites. Não é tudo isto verdade? Ainda
Padre Vieira. Sermão do Bom Ladrão mal."
Em relação ao estilo empregado Pe. Antônio Vieira
por Vieira neste trecho pode-se A. O autor aponta como causa da
afirmar: corrupção na terra:
a) o autor recorre ao cultismo da linguagem a) a doutrina pregada é fraca ou os homens
com o intuito de convencer o ouvinte não lhe são receptivos.
e por isto cria um jogo de imagens. b) os pregadores pregam uma falsa doutrina
b) Vieira recorre ao preciosismo da linguagem, ou a doutrina é ineficiente.
isto é, através de fatos corriqueiros, c) os homens não são receptivos à doutrina,
cotidianos, procura converter porque ela é verdadeira.
o ouvinte. d) a ação dos pregadores não testemunha
c) Padre Vieira emprega, principalmente, o que eles pregam.
o conceptismo, ou seja, o predomínio e) os homens tentam imitar os pregadores,
das idéias, da lógica, do raciocínio. seguindo-lhes a doutrina.
d) o pregador procura ensinar preceitos B. São características do autor e da
religiosos ao ouvinte, o que era prática época, presentes no textos:
comum entre os escritores gongóricos. a) recursos às antíteses, como suporte
16. (UHRS) Considere-se as seguintes das idéias.
afirmações sobre o Barroco b) argumentação construída através de
brasileiro: jogo de idéias conduzindo a uma resposta.
I - A arte barroca caracteriza-se por c) visão negativa do caráter do homem.
apresentar dualidades, conflitos, d) nilismo temático encobrindo o vazio
paradoxos e contrastes, que convivem de idéias.
tensamente na unidade da e) abordagem da dualidade inerente à
obra. condição humana.
II - O conceptismo e o cultismo, expressões 18.(VUNESP)
da poesia barroca, "Quem vê girar a serpe da irmã no
apresentam um imaginário bucólico, [casto seio,
sempre povoado de pastoras Pasma, e de ira e temor ao mesmo
e ninfas. [tempo cheio,
Resolve, espera, teme, vacila, Caramuru (de Frei José de Santa
[gela e cora, Rita Durão) e O Uraguai (de Basílio
Consulta o seu amor e o seu da Gama), no qual se reconhece a
[dever ignora, qualidade literária destacada em relação
Voa a farpada seta da mão, que ao primeiro.
[não se engana; d) norteou, em termos dos valores éticos
Mas, ai, que já vives, ó mísera básicos, a produção dos versos
[indiana!" de Marília de Dirceu, obra que celebrizou
Nestes versos de Silva Alvarenga, Tomás Antônio Gonzaga e que
poeta árcade e ilustrado, fazse destaca a originalidade de estilo e de
alusão ao episódio de uma obra tratamento local dos temas pelo autor.
em que a heroina morre. Assinale — 321 —
a alternativa correta em que se e) apresentou uma corrente de conotação
— 319 — ideológica envolvida com as
— 320 — questões sociais do seu tempo, como
mencionam o nome da heroína, o a crítica aos abusos do poder da Coroa
título da obra e o nome do autor, Portuguesa.
respectivamente: 22. (VUNESP) Há no Arcadismo brasileiro
a) Moema, Caramuru, Santa Rita Durão uma obra satírica de forma
b) Marabá, Marabá, Gonçalves Dias epistolar que suscitou dúvidas
c) Lindóia, O Uraguai, Basílio da Gama de autoria durante mais
d) Iracema, Iracema, José de Alencar de século. Assinale abaixo a alternativa
e) Marília, Marília de Dirceu, Tomás Antônio que apresenta o nome
Gonzaga dessa obra e seu autor mais
19. (UnB-DF) Marque a opção que provável:
identifica autor, obra e escola a a) O Reino da Estupidez e Francisco
que pertence o seguinte trecho: de Melo Franco.
"Inda conserva o pálido semblante b) Viola de Lereno e Domingos Caldas
Um não sei quê de magoado, Barbosa.
[e triste, c) O Desertor e Manuel Inácio da Silva
Que os corações mais duros Alvarenga.
[enternece d) Cartas Chilenas e Tomás Antônio
Tanto era bela no seu rosto Gonzaga.
[a morte!" e) Os Bruzundangas e Lima Barreto.
a) Gonçalves Dias, l-Juca Pirama, Romantismo. 23. (FUVEST) Assinale a alternativa
b) Castro Alves, Vozes d'África, Romantismo. que apresenta dois poetas que
c) Santa Rita Durão, Caramuru, Arcadismo. participaram da Inconfidência
d) Basílio da Gama, O Uraguai, Arcadísmo. Mineira:
e) N.d.a. a) Cláudio Manoel da Costa e Tomás Antônio
20. (FUVEST) Gonzaga.
"Por fim, acentua o polimorfismo b) Castro Alves e Tomás Antônio Gonzaga.
cultural dessa época o fato de se desenrolarem c) Gonçalves Dias e Cláudio Manuel da
acontecimentos historicamente Costa.
relevantes, como a Inconfidência d) Gonçalves Dias e Gonçalves de Magalhães.
Mineira e a transladação da corte de D. e) Gonçalves de Magalhães e Castro
João VI para o Rio de Janeiro". Alves.
Massaud Moisés 24. (PUCCAMP-SP) Pode-se afirmar
A época histórica a que se refere que Marília de Dirceu e Cartas
o crítico é a do: Chilenas são, respectivamente:
a) Simbolismo. a) altas expressões do lirismo amoroso
b) Arcadismo. e da sátira política, na literatura do
c) Parnasianismo. século XVIII.
d) Realismo. b) exemplos da poesia biográfica e da
e) Romantismo. literatura epistolar cultivadas no século
21. (FATEC-SP) Sobre o Arcadismo XVII.
brasileiro só não se pode afirmar c) exemplo do lirismo amoroso e da poesia
que: de combate, cultivados sobretudo
a) tem suas fontes nos antigos grandes pelos poetas românticos da chamada
autores gregos e latinos, dos "terceira geração".
quais imita os motivos e as formas. d) altas expressões do lirismo e da sátira
b) teve em Cláudio Manuel da Costa o da nossa poesia barroca.
representante que, de forma original, e) expressões menores da prosa e da
recusou a motivação bucólica e os modelos poesia do nosso Arcadismo, cultivadas
camonianos da lírica amorosa. no interior das academias.
c) legou-nos os poemas de feição épica 25. (FEI-SP) Assinale a alternativa
incorreta. subconsciente, nas regiões inexploradas
a) os primeiros textos da literatura brasileira da alma: para isso, usa meios
são informações que viajantes indiretos a fim de sugerir ou representar
e missionários europeus colheram as sensações; funde figura,
sobre a natureza e a gente brasileira. música e cor.
b) Gregório de Matos, que viveu no século e) literatura que visa à perfeição da forma,
XVII, destacou-se como poeta à objetividade, ao equilíbrio, à perfeição
lírico e satírico. absoluta da linguagem; prefere
c) religiosidade, antítese, paradoxos, os temas novos e exóticos.
contraste material X espiritual são 28. (PUCCAMP-SP)
características do Barroco. "Oh! nos meus sonhos, pelas
— 322 — [noites minhas
d) embora anônima, sabe-se que a obra Passam tantas visões sobre
Cartas chilenas foi escrita por Tomás [meu peito!
Antônio Gonzaga no século XVIII. É Palor de febre meu semblante
uma sátira política. Nela, critica-se o [cobre.
governador de Minas Gerais, Luís da Bate me coração com tanto fogo!"
Cunha Meneses, que aparece como — 323 —
Fanfarrão Minésio. Assinale a alternativa em que
e) Cláudio Manuel da Costa e Tomás Antônio se considera o clima romântico
Gonzaga destacaram-se como expresso nos versos acima, característico
os grandes poetas épicos do Arcadismo da poesia de Álvares de
brasileiro. Azevedo.
26. (UFPB) Das afirmações abaixo, a) a expressão exaltada serve nitidamente
em torno do Barroco e do Arcadismo ao desejo de sublinhar a indignação
no Brasil, contra os fatores históricos
I - O cultismo (jogo de palavras) e que sufocam a liberdade do homem.
o conceptismo (jogo de idéias) b) a atmosfera noturna, própria ao devaneio,
são típicos do Arcadismo brasileiro, propicia um suave estado de contemplação
preso a uma concepção poética, dentro do qual o
neoclássica de arte. ser se encontra docemente harmonizado
I I - Pessimismo, gosto pelo paradoxo com o mundo e consigo mesmo.
e pelas antíteses, culto do c) a noite significa não apenas enquadramento
contraste são algumas das características natural, mas meio psicológico,
do estilo barroco. tonalidade afetiva correspondente
III - Profundamente relacionado com às disposições do poeta, aos
a Contra-Reforma, o estilo barroco movimentos turvos do eu profundo.
procura a síntese entre o d) os símbolos da luz e do fogo expressam
teocentrismo e o antropocentrismo. o anseio de uma nova Civilização,
IV - Os poetas Gregório de Matos, que o poeta quer ver dirigida pela
Tomás Antônio Gonzaga e Basílio Razão e pela Justiça, suas bandeiras
da Gama são representantes de luta.
típicos do Arcadismo no Brasil. e) amante fascinado da Natureza, o poeta
são corretas, apenas: retrata-a em cores fortes e precisas,
a) I e II. ciente de que ela representa o
plano da harmonia e da serenidade a
b) lI e III.
que todos devemos aspirar.
c) III e IV.
29. (FUVEST)
d) I, II e III.
"Já da morte o palor me cobre
e) II, III e IV.
[o rosto,
27. (ITA-SP) Assinale a alternativa
Nos lábios o alento desfalece,
que caracteriza o Romantismo:
Surda agonia o coração fenece,
a) valorização do eu. O assunto passa
E devora meu ser mortal
a ser manifestado a partir do artista,
[desgosto!"
que traz à tona o seu mundo interior,
No fragmento acima, pertencente a
com plena liberdade; esta liberdade
um poema de Álvares de Azevedo, notam-
se impõe na forma. Sentimentalismo.
se características de qual tendência
b) literatura multifacetada: valorização
romântica?
da palavra e do ritmo: temática humana
a) Mal do século.
e universal.
b) Bucolismo.
c) literatura intrinsecamente brasileira;
c) Poesia Condoreira.
linguagem direta, coloquial, livre das
d) Nacionalismo.
regras gramaticais, imagens diretas;
e) Indianismo.
inspiração a partir da burguesia, da
30. (ITA-SP) Com as "Espumas Flutuantes"
civização industrial, da máquina.
ele se impôs como um
d) literatura que busca inspiração no
poeta original, fortemente impressivo, c) na linguagem literária de Gonçalves
comovente e, pela riqueza Dias, o transbordamento romântico é
verbal, até empolgante. contido e equilibrado por um rigoroso
Entretanto, foram suas veementes senso da necessidade de medida
denúncias contra a nossa legada pelo Neoclassicismo.
"seara vermelha" (alguns poemas: d) o indianismo de Gonçalves Dias baseia-
"Adeus, meu canto", "A se no mito do bom selvagem e
Cruz da Estrada", "A Cachoeira constitui uma simples repetição das
de Paulo Afonso") que lhe deram idéias de Montaingne, Rousseau e
um sentido de presença Chateaubriand.
mais viva na evolução de nossa e) o lado épico e condoreiro é considerado
história, popularizando-o como a melhor realização de Gonçalves
o mais eloqüente, o mais aplaudido Dias.
e o mais influente dos nossos 34. (PUC-RS) Dentro do Romantismo
poetas do abolicionismo e brasileiro, o regionalismo
do republicanismo. foi um tema que representou o
a) Gonçalves Dias. golpe mais vigoroso desferido
b) Castro Alves. contra a literatura de modelos
c) Gonçalves de Magalhães. portugueses. Aponte a alternativa
d) Tobias Barreto. em que todos os autores
e) Casimiro de Abreu. tiveram ligação com este tema
31. (MACK-SP) Sobre a poesia de romântico:
Castro Alves é incorreto afirmar a) Visconde de Taunay / Bernardo Guimarães
que: / José de Alencar.
a) segue a tendência da segunda geração b) José de Alencar/Joaquim M. Macedo /
romântica, limitando-se exclusivamente Manoel A. Almeida.
à morbidez byroniana. — 324 —
b) apresenta traços de evolução à postura c) Franklin Távora / Visconde de Taunay /
temática do movimento em que Álvares de Azevedo.
se encaixa. d) Gonçalves Dias / Bernardo Guimarães
c) acrescenta um certo tom de erotismo / Joaquim M. de Macedo.
a determinadas composições. e) Martins Pena / Casimiro de Abreu / Fagundes
d) manifesta o ponto mais alto do condoreirismo Varela.
na Literatura Brasileira. 35. (PUCCAMP-SP) Pode-se afirmar, a
e) encontra, no abolicionismo, um veio respeito de José de Alencar, que:
fundamental de sustentação temática. a) seus romances de costumes, ambientados
32. (ITA-SP) Marque a opção que identifica na Corte, transplantaram fielmente
autor, obra e escola a que os modelos de romances europeus,
pertence o seguinte excerto: tal como se dá, por exemplo,
"São mulheres desgraçadas em A Moreninha.
Como Agar o foi também, b) sua ficção é sobretudo caracterizada
Quem sedentas, alquebradas, por elementos satíricos e paródicos,
De longe... bem longe vêm, por meio dos quais aponta o
Trazendo com tíbios passos, ridículo das teses nacionalistas então
Filhos e algemas nos braços, em voga.
Nalma - lágrimas e fel" c) sua importância vai além do valor propriamente
a) Fagundas Varela - Vozes da América literário de seus romances:
-Romantismo está numa consciência de escritor
b) Basílio da Gama - O Uraguai- Neoclassicismo que reflete sobre a cultura brasileira
c) Castro Alves - O Navio Negreiro - e desenvolve um projeto ambicioso.
Romantismo d) sua ficção retrata expressivamente a
d) Jorge de Lima - Poemas Negros - sociedade brasileira do fim do século
Modernismo XIX, agitada pela Abolição e pela República,
e) Manuel Bandeira - Cinza das Horas - por cuja implantação, aliás,
Modernismo sempre lutou.
33. (FUVEST) Assinale a alternativa e) sua glória de escritor só se justifica
correta. se pensarmos que o público que consagrou
a) Gonçalves Dias foi o introdutor e o se comprazia, ao lar seus
divulgador do Romantismo na poesia romances, com o tom ameno em que
brasileira, e este fato explica a repercussão se desenvolviam pálidas historietas
de sua obra. sentimentais.
b) o autor de Últimos Cantos trabalhou 36. (MACK-SP) Assinale a alternativa
muitos temas românticos, entre os em que se encontra o nome
quais se destacam o saudosismo, de um romance romântico brasileiro
nativismo, satanismo byroniano. que se preocupa em
apresentar personagens ligados ou Inocência (de que foi extraído o
às camadas mais populares, excerto acima), cuja ação se passa
além de apresentar um em regiões específicas do país e
tom pitoresco à obra. em que se dá relevo a costumes
a) Lucíola. diferenciados, a uma cultura típica,
b) O Ateneu. têm origem durante o:
c) Senhora. a) século XVI.
d) Inocência. b) Barroco.
e) Memórias de um Sargento de Milícias. c) Arcadismo.
37. (ITA-SP) d) Romantismo.
"Esse romance não seguiu os padrões e) Simbolismo
do Romantismo. É considerado um 40. (SANTA CASA-SP) Um dos traços
livro de transição para um novo estilo de caracterizadores da produção
época. O Realismo/Naturalismo. Observa- poética do Romantismo é a:
se nele a preocupação em retratar a) atitude rebelde em face de convenções,
uma classe social que não costumava expressas de acordo com os
aparecer nas obras do estilo de sua época: cânones próprios do Arcadismo.
o povo remediado. As personagens b) posição contrária ao rigor formal clássico,
que aparecem no texto não são idealizadas, visto que o objetivo mais alto era
pois o narrador incorpora também a expressão de idéias e emoções.
as características negativas das c) conciliação do acervo de normas clássicas
personagens." de expressão com a universalidade
As informações acima melhor dos temas.
se ajustam ao romance: d) preferência por uma linguagem seca
a) Memórias Póstumas de Brás Cubas. e despojada, mais adequada à análise
b) O Ateneu. da realidade objetiva.
c) Memórias de um Sargento de Milícias. e) utilização à análise de uma linguagem
d) O Mulato. denotativa, que procura exprimir antes
e) A Moreninha. idéias do que sentimentos.
38. (UNISA-SP) Publicado em 1854, 41. (FUVEST) O índio, em alguns romances
esse romance, escrito por um de José de Alencar,
jovem jornalista de vinte e dois como Iracema e Ubirajara, é:
— 325 — a) retratado com objetividade, numa
—326— perspectiva rigorosa e científica.
anos, descreve um anti-herói, b) idealizado sobre o pano de fundo da
"filho de uma pisadela e de um natureza, da qual é o herói épico.
beliscão", e os tipos e costumes c) pretexto episódio para descrição da
do Rio de Janeiro do tempo natureza.
de D. João VI. O romance e o d) visto com o desprezo do branco
autor a que o texto se refere preconceituoso,
são, respectivamente: que o considera inferior.
a) Memórias de um Sargento de Milícias e) representado como um primitivo feroz
e Manuel Antônio de Almeida. e de maus instintos.
b) Memorial dos Aires e Machado de 42. (VUNESP) Baseando-se na leitura
Assis. do texto de Álvares de Azevedo,
c) Memórias Sentimentais de João Miramar assinale a única alternativa
e Oswald de Andrade. incorreta:
d) Memórias do Sobrinho de Meu Tio e Junto a meu leito, com as
Joaquim Manuel de Macedo. [mãos úmidas,
e) Memórias do Cárcere e Graciano Olhos fitos no céu, cabelos soltos,
Ramos. Pálida sombra de mulher formosa
39. (SANTA CASA-SP) Entre nuvens azuis pranteia
"O sertanejo que de nada cuidou, [orando
que não ouviu as harmonias da tarde, É um relato talvez. Naquele seio
nem reparou nos esplendores do céu, Porventura sonhei doiradas noites.
que não ouviu a tristeza a pairar sobre a Talvez sonhando desatei sorrindo
terra, que de nada se arreceia, consubstanciado Alguma vez nos ombros
como está à solidão, pára, [perfumados
relanceia os olhos ao derredor de si e, Esses cabelos negros, e em
se no lugar pressente uma aguada, por [delíquio
má que seja, apeia-se, desencilha o cavalo Nos lábios dela suspirei tremendo.
e, reunindo logo uns gravetos bem Foi-se minha visão. E resta agora
secos, tira fogo do isqueiro, mais por aquela vaga sombra na parede
distração do que por necessidade". - Fantasma de carvão e pó cerúleo,
Romances como Escrava Isaura Tão vaga, tão extinta e fumarenta
Como de um sonho o recordar 45. (UFMG) "A concretização do abstrato
[incerto. é uma técnica da ironia machadiana."
Álvares de Azevedo, Idéias íntimas Todas as alternativas
a) considerando os aspectos temáticos explicam essa afirmação, exceto:
e formais do poema, pode-se vinculálo a) "A alma do Rubião bracejava debaixo
ao segundo momento do movimento desse aguaceiro de palavras;
romântico brasileiro, também conhecido mas, estava num beco sem saída por
como "geração do spleerf um lado nem por outro. Tudo muralhas.
ou "mal do século". Nenhuma porta aberta, nenhum
b) a presença da mulher amada tornase corredor, e a chuva a cair."
o ponto central do poema. Isso é b) "Vá desapontamento. Misturem-lhe o
claramente manifestado pelas recordações pesar da separação, não esqueçam
do eu-lírico, marcado por um a cólera que o primeiro trovejou surdamente,
passado vivido, que sempre volta em e não faltará quem ache que
imagens e sonhos. a alma deste homem é uma colcha de
c) o texto reflete um articulado jogo entre retalho. Pode ser; moralmente as colchas
o plano do imaginário e o plano inteiriças são tão raras!"
real. Um dos elementos, entre outros, c) "Não esqueça dizer que Rubião tomou
que articula essa construção é a a si dizer uma missa por alma do
alternância dos tempos verbais presente/ finado, embora soubesse ou pressentisse
passado. que ele não era católico.
d) realidade e fantasia tornam-se a única Quincas Borba não dizia pulhices a
realidade no espaço da poesia lírica respeito de padres, nem desconceituava
romântica, gênero privilegiado doutrinas católicas; mas não
dentro desse movimento. falava nem da Igreja, nem dos padres."
e) apesar de utilizar decassílabos, esse d) "A outra que ri a alma do Rubião. Escutai
poema possui o andamento próximo a cantiga alegre, brilhante, com
ao da prosa. Esse aspecto formal que ela desce o morro, dizendo as
é importante para intensificar cousas mais íntimas à estrelas, espécie
certo prosaísmo intimista da poesia de rapsódia feita de uma linguagem
romântica. que ninguém nunca alfabetou,
43. (UCP-PR) Capitu é uma das mais por ser impossível achar um sinal que
bem construídas personagens lhe exprime os vocábulos."
da literatura brasileira. Quem a e) 'Tédio por dentro e por fora. Nada em
criou e em que obra? que espraiasse a vista e descansasse
a) Machado de Assis, Dom Casmurro. a alma. Sofia meteu a alma em um
b) José de Alencar, O Guarani. caixão de cedro, encerrou o cedro
c) Machado de Assis, O Alienista. no caixão de chumbo do dia, e deixou-
d) José de Alencar, Til. se estar sinceramente defunta."
e) José de Alencar, Senhora. 46. (UFPA)
44. (UFSCAR-SP) O que sobressai "Mas o ilustre médico, com os olhos
na atividade criadora de Machado acesos da convicção, trancou os ouvidos
de Assis é: à saudade da mulher, e brandamente
a) a minuciosa busca de soluções a repeliu. Fechada a porta da Casa
aperfeiçoadoras, Verde, entregou-se ao estudo e à cura
que só conseguiu após de si mesmo."
inúmeros e continuados exercícios. Sobre o autor do texto acima é
— 327 — incorreto afirmar que:
— 328 — a) é um dos mais festejados representantes
b) a grande capacidade de inspiração, da prosa literária no Brasil.
uma vez que a quantidade de romances b) autor eclético, destacou-se na produção
que escreveu foi facilitada pela de uma vasta obra constituída de romances,
improvisação. contos, poesia, crônicas etc.
c) o equíbrio entre o improvisador, o inspirado c) são personagens definitivos que nasceram
e o artista, que é demonstrado de sua pena: Simão Bacamarte.
pelas obras de valor desigual que Capitu, Brás Cubas, Quincas Borba etc.
ocorrem no decorrer de sua procução d) produziu uma obra marcada pela fina
literária. ironia e profundo pessimismo.
d) a sinceridade com que manifesta, por — 329 —
linguagem desprovida de metáforas, e) seus principais romances desenvolvem
em cada romance que escreveu, as o tema do amor, colocando os sentimentos
várias fases de sua biografia. mais nobres acima de qualquer
e) ter iniciado a carreira escrevendo romances obstáculo.
realistas, convertendo-se, 47. (PUCCAMP-SP) Identifique o trecho
mais tarde, ao Naturalismo. em que o narrador de Dom
Casmurro introduz o romance e — 330 —
considera seu sentido profundo: faculdade perdida do homem: o senso
a) "Horas inteiras eu fico a pintar o retrato do mistério.
dessa mãe angélica, com as cores 50. (FUVEST)
que tiro da imaginação, e vejo-a "E naquela terra encharcada e fumegante,
assim, ainda tomando conta de mim, naquela umidade quente e lodosa,
dando-me banhos e me vestindo. A começou a minhocar, a esfervilhar,
minha memória ainda guarda detalhes a crescer, um mundo, uma coisa viva,
bem vivos que o tempo não conseguiu uma geração, que parecia brotar espontânea,
destruir. ali mesmo, daquele lameiro, a
b) "O meu fim evidente era atar as duas multiplicar-se como larva no esterco".
pontas da vida, e restaurar na velhice O fragmento de O Cortiço, romance
a adolescência. Pois, senhor, não de Aluísio Azevedo, apresenta
conseguiu recompor o que foi nem o uma característica fundamental
que fui. Em tudo, se o rosto é igual, a do Naturalismo. Qual?
fisionomia é diferente. É o que vais a) compreensão psicológica do Homem.
entender, lendo." b) compreensão biológica do Mundo.
c) "Faz dois anos que Madalena morreu, c) concepção idealista do Universo.
dois anos difíceis. E quando os d) concepção religiosa da Vida.
amigos deixaram de vir discutir política, e) visão sentimental da Natureza.
isto se tornou insurpotável. Foi 51. (UFRS) Leia o seguinte texto:
aí que me surgiu a idéia esquisita "A Praça da Alegria apresentava
de, com o auxílio de pessoas mais um ar fúnebre. De um casebre miserável,
entendidas que eu, compor esta história." de porta e janela, ouviam-se gemer
d) "Suposto o uso vulgar seja começar os armadores enferrujados de uma rede
pelo nascimento, duas considerações e uma voz tísica e aflautada de mulher,
me levaram adotar diferente cantar em fasete a 'gentil Carolina era
método: a primeira é que não não sou bela'; doutro lado da praça uma preta
propriamente um autor defunto, mas velha, vergada por imenso tabuleiro de
um defunto autor; a segunda é que o madeira sujo e seboso, cheio de sangue
escrito ficaria assim mais galante e e coberto por uma nuvem de moscas,
mais novo." as apregoava em tom muito arrastado
e) "Sua história tem pouca coisa de notável. e melancólico: 'Fígado, rins e coração'.
Fora Leonardo algibebe em Lisboa, Era uma vendeira de fatos de boi.
sua pátria; aborrecera-se porém As crianças nuas, com as perninhas
do negócio, e viera ao Brasil. Aqui tortas pelo costume de cavalgar as ilhargas
chegando, não se sabe por proteção maternas, as cabeças avermelhada
de quem, alcançou o emprego de que pelo sol, a pele crestada, os ventrezinhos
o vemos empossado." amarelentos e crescidos, corriam
48. (UCP-PR) São obras da fase realista e guinchavam, empinando papagaios de
de Machado de Assis: papel."
a) Dom Casmurro / Casa de pensão. A descrição acima caracteriza o
b) O mulato / Casa de Pensão. ambiente, focalizando ao mesmo
c) Dom Casmurro / O mulato. tempo a paisagem física e a paisagem
d) Memórias Póstumas de Brás Cubas / humana e acentuando a grande
Dom Casmurro. identidade entre ambas. Ao fazêlo
e) Memórias Póstumas de Brás Cubas / o autor retrata a realidade sem
A mão e a luva. adornos, buscando a exatidão, embora
49. (UFPA) Os personagens realistas- carregue nas tintas para enfatizar
naturalistas têm seus destinos os aspectos mais sórdidos. Tal
marcados pelo determinismo. parágrafo pode pertencer à obra de:
Identifica-se esse determinismo: a) José de Alencar.
a) pela preocupação dos autores em b) Aluísio Azevedo.
criar personagens perfeitos, sem defeitos c) Joaquim Manuel de Macedo.
físicos ou morais. d) Clarice Lispector.
b) pelas forças atávicas e/ou sociais e) Bernardo Guimarães.
que condicionam a conduta dessas 52. (UFRS) Assinale a alternativa em
criaturas. que está Incorreta a relação
c) por ser fruto, especificamente, da imaginação autor/obra/personagem:
e da fantasia dos autores. a) Manuel Antônio de Almeida / Memórias
d) por se notar a preocupação dos autores de um sargento de milícias /Leanardo.
de voltarem para o passado ou para b) Joaquim Manuel de Macedo M Moreninha
o futuro ao criarem seus personagens. I Carolina.
e) por representarem a tentativa dos c) Raul Pompeia / O Ateneu I Carlos.
autores nacionais de reabilitar uma d) José de Alencar / O Guarani/ Cecília.
e) Aluízio Azevedo / O Cortiço I João ao:
Romão. a) Arcadismo - Realismo - Simbolismo.
53. (CARLOS CHAGAS-BA) Assinale b) Simbolismo - Realismo - Barroco.
a alternativa onde estão indicados c) Romantismo - Realismo - Barroco.
os textos que analisam d) Simbolismo - Arcadismo - Barroco.
corretamente alguns aspectos e) Romantismo - Arcadismo - Simbolismo.
do romance realista. 56. (PUC-RS)
— 331 "Esta de áureos relevos,
I . As personagens independem [trabalhada
do julgamento do narrador, reagindo De divas mãos, brilhantes copa,
cada uma de acordo com [um dia,
sua própria vontade e temperamento. Já de aos deuses servir como
II. A linguagem é poeticamente elaborada [cansada,
nos diálogos, mas procura Vinda do Olimpo, a um novo deus
alcançar um tom coloquial, [servia."
com traços de oralidade, nas A poesia que se concentra na
parte narrativas e descritivas. reprodução de objeto decorativo,
III. Observa-se o predomínio da razão como exemplifica a estrofe de Alberto
e da observação sobre o de Oliveira, assinala a tônica da:
sentimento e a imaginação. a) espiritualização da vida.
a) I, lI e III. b) visão do real.
b) I e II. c) arte pela arte.
c) ll e III d) moral das coisas.
d) l e lll. e) nota do intimismo.
e) II. 57. (UFPR)
54. (UCP-PR) Eixos dramáticos ao "Se se pudesse, o espírito que
redor dos quais se desenvolve [chora,
a trama romanesca de O mulato, Ver através da máscara da face;
romance de Aluísio Azevedo: Quanta gente, talvez que inveja
a) a doença sem cura da heroína e a [agora
embriaguez. Nos causa, então piedade nos
b) a marginalidade do mulato e o anticlericallsmo. [causasse!"
c) a saúde deficiente e precária do mulato Raimundo Correia, Mal Secreto
e a decadência da sociedade burguesa. Assinale a alternativa que exprime
d) o comportamento geneticamente a oposição fundamental deste
desavergonhado texto:
do mulato e o fanatismo a) corpo versus espírito.
religioso. b) essência do ser versus aparência.
e) o desprendimento inabalável da heroína c) gente feliz versus gente infeliz.
e a fidelidade à memória do d) piedade versus falsidade.
amado. e) dor versus falsidade.
55. (UFPB) As seguintes afirmações 58. (UFPB) A propósito da poesia
de Alfredo Bosi sobre estilo de parnasiana, é correto afirmar
época: que ela:
"Na França, a partir de 1820, e na a) caracteriza-se como forma de evocação
Alemanha e na Inglaterra, desde os fins de sentimentos e emoções.
do século XVIII, uma nova escritura b) revela-se no emprego de palavras de
substituíra os códigos clássicos em grande valor conotativo e ricas em
nome da liberdade criadora do sujeito." sugestões sensoriais.
"Há um esforço, por parte do escritor c) acentua a importância da forma, concebendo
(...), de acercar-se impessoalmente a atividade poética como a
dos objetos, nas pessoas. E uma sede habilidade no manejo do verso.
de objetividade que responde aos métodos d) faz aluzões a elementos evocadores
científicos cada vez mais exatos de rituais religiosos, impregnando a
nas últimas décadas do século." poesia de misticismo e espiritualidade.
"A poética da novidade tanto no plano e) explora intensamente a cadeia fónica
das idéias (conceptismo) como no da linguagem, procurando associar
das palavras (cultismo) deságua no efeito a poesia à música.
retórico-psicológico e na expressão 59. (UNIP-SP) A negação do positivismo,
do bizarro. O que importa, pois, é não do materialismo e das estéticas
nomear plebeiamente o objeto, mas envolvê- neles fundamentadas, a
lo em agudezas e torneios de engenho, criação poética como fruto do inconsciente,
critérios básicos de valor na arte da intuição, da sugestão,
seiscentista." da associação de imagens e
Correspondem, respectivamente, idéias; o tom vago, impreciso, nebuloso;
o uso acentuado de sinestesias Do claustro, na paciência e no
e intensa musicalidade, [sossego
são características do: Trabalha, e teima, e sofre, e sua!"
a) Realismo. II
b) Simbolismo. "Ó Formas alvas, brancas,
c) Naturalismo. [Formas claras
d) Romantismo. De luares, de neves, de neblinas
e) Parnasianismo. Ó Formas vagas, fluidas,
— 332 — [cristalinas...
60. (FUVEST) Incensos dos turíbulos das aras..."
"E fria, fluente, frouxa claridade — 333 —
flutua como as brumas de
[um letargo" — 334 —
Nestes versos de Cruz e Sousa As estrofes anteriores são, respectivamente,
encontra-se um dos traços característicos dos poetas:
do estilo simbolista: a) Manuel Bandeira e Olavo Bilac.
a) utilização do valor sugestivo da música b) Vinícius de Moraes e Fagundes Varela.
e da cor. c) Olavo Bilac e Cruz e Sousa.
b) rima aproximativa: uso de aliterações. d) Cruz Souza e Castro Alves.
c) presença de onomatopéia. e) Castro Alves e Alphonsus de Guimaraens.
d) uso de antinomia. 64. (PUC-RS)
e) emprego de expressões arcaicas. "Hão de chorar por ela os
61. (UFPA) Na última década do século [cinamomos,
XIX surge, no Brasil, a manifestação Murchando as flores ao tomar
de um estilo de época [do dia
que é o: Dos laranjais hão de cair os pomos
a) Parnasianismo, que reagiu violentamente Lembrando-se daquela que os
contra o estilo então vigente: o [colhia."
simbolismo. Uma das linhas temáticas da
b) Romantismo, que se ajustou perfeitamente poesia de Alphonsus de Guimaraens,
à alma do brasileiro, cujos como se observa no exemplo,
anseios de liberdade política e literária é a:
passou a exprimir. a) amada morta.
c) Impressionismo, que pregava a volta b) religiosidade profunda.
à rigidez formal dos clássicos. c) transfiguração do amor.
d) Arcadismo, que pregava seu ideal de d) atmosfera litúrgica.
felicidade decorrente da vida em contato e) paisagem mariana.
com a natureza. 65. (UFSCAR-SP) A ênfase na seleção
e) Simbolismo, que encontrou uma posição de vocabulário poético,
hostil por parte dos parnasianos, com o objetivo de transferir ao
ao ponto de quase passar despercebido. poema o máximo de correspondência
62. (PUCCAMP-SP) Cruz e Sousa e sensorial, é uma característica
Alphonsus de Guimaraens são do:
poetas identificados com um a) Romantismo, sobretudo na obra de
movimento artístico cujas características Castro Alves.
são: b) Barroco, principalmente em Gregório
a) o jogo de contrastes, o tema da de Matos.
fugacidade da vida e fortes inversões c) Simbolismo, representando pelas
sintáticas. obras de Cruz e Sousa e Aphonsus
b) a busca da transcendência, a preponderância de Guimaraens.
do simbolismo entre as d) Parnasianismo, representado pela
figuras e o cultivo de um vocabulário obra de Alberto de Oliveira.
ligado às sensações. e) Pré-modernismo, principalmente em
c) a espontaneidade coloquial, os temas Jorge de Lima.
do cotidiano e o verso livre. 66. (FEM-PA) Seus poemas sugerem
d) o perfeccionismo formalista, a recuperação um clima de mistério, através
dos ideais clássicos e o vocabulário de uma linguagem rica em
preciso. adjetivos semanticamente vagos
e) o jogo dos sentimentos exacerbados, e imprecisos. Trata-se de
o alargamento da subjetividade e a ... que escreveu ... e, como poeta,
ênfase na adjetivação. está vinculado ao ... .
63. (FUVEST) a) Vinícius de Moraes / Sonetos e Baladas
I I Modernismo.
"Longe do estéril turbilhão da rua b) Ávares de Azevedo / Lira dos Vinte
Beneditino, escreve! No aconchego Anos/Romantismo.
c) Cruz e Souza / Faróis / Simbolismo.
d) Olavo Bilac / O Caçador de Esmeraldas e uma verdadeira obsessão
I Parnasianismo. por brilhos e pela cor branca. E, no plano
e) Cecília Meireles / Vaga Música I Modernismo. específico da expressão, têm destaque
67. (UCP-PR) Assinale a alternativa as sinestesias, as imagens insólitas,
correta. a sonoridade das palavras, a predominância
a) o Romantismo é conseqüência do surto de substantivos e a utilização
de cientificismo e da fadiga da repetição de maiúsculas, com a finalidade de
das fórmulas subjetivas. dar um valor absoluto a certos termos".
b) o poeta parnasiano deixa-se arrebatar O trecho acima refere-se a:
pelo conflito entre o mundo real e a) Cruz e Sousa.
o imaginário, expresso num sentimentalismo b) Cecília Meireles.
acentuado. c) Alphonsus de Guimaraens.
— 335 — d) Gregório de Matos.
c) o Realismo ó conseqüência do surto e) Augusto dos Anjos.
de cientificismo e da fadiga da repetição — 336
das fórmulas subjetivas. 71. (FEI-SP) Marque a única alternativa
d) no Romantismo, o escritor mergulha correta sobre o texto abaixo:
no interior das personagens, mostrando Cárcere das almas
ao leitor seus dramas e sua "Ah! Toda alma num cárcere anda
agonia. [presa,
e) no Simbolismo, predominou a prosa. Solução nas trevas entre as grades
68. (MACK-SP) Do calabouço olhando imensidades,
"Vozes, veladas, veludosas, Mares, estrelas, tardes, natureza."
[vozes, Nesta estrofe, está fortemente
volúpias dos violões, vozes caracterizado um tema simbolista
[veladas, bem ao gosto de Cruz e Sousa.
vogam nos velhos vórtices velozes Trata-se de:
dos ventos, vivas, vãs, a) sofrimento metafísico,
[vulcanizadas". b) espírito de renúncia.
O trecho acima representa um c) tristeza diante de amores impossíveis.
dos momentos mais inspirados da d) sofrimento em decorrência da pobreza
poesía de material.
Assinale a alternativa que completa e) temor diante da injustiça humana.
corretamente as lacunas. 72. (FEI-SP) Escolha a alternativa que
a) simbolista - Alphonsus de Guimaraens. preencha corretamente, na ordem
b) parnasiana - Olavo Bilac. apresentada, as lacunas
c) simbolista - Cruz e Sousa. da frase abaixo:
d) romântica - Alvares de Azevedo. "O Simbolismo se opõe ao [1], aproximando-
e) parnasiana - Alberto de Oliveira. se do [2], no que diz respeito à
69. (MACK-SP) presença do subjetivismo e da emoção,
"Praticam uma poesia predominantemente segundo se observa, por exemplo, em
descritiva, interessada em representar [3], célebre autor de Broquéis.
plasticamente paisagens e [1]
ambientes, reduzindo o mais possível o a) Realismo.
envolvimento emotivo do poeta com os b) Naturalismo.
temas tratados. Por outro lado, há uma c) Arcadismo.
supervalorização da chamada forma poética, d) Romantismo.
onde há busca constante de perfeição e) Naturalismo.
técnica nas rimas, vocabulário [2]
selecionado". a) Romantismo.
Assinale a alternativa em que encontra b) Modernismo.
o nome do movimento literário c) Romantismo.
a que se refere o trecho citado. d) Barroco.
a) Parnasianismo. e) Modernismo.
b) Romantismo. [3]
c) Modernismo. a) Cruz e Souza.
d) Simbolismo. b) Gonçalves Dias.
e) Arcadismo. c) Castro Alves.
70. (MACK-SP) d) Manuel Bandeira.
"Dentre as atitudes mais comuns à e) Olavo Bilac.
sua poesia, no plano temático, destacam- 73. (FEI-SP) Uma das obras citadas
se: a transcendência espiritual, a abaixo foi escrita por Lima Barreto.
integração cósmica, o mistério, o sagrado, Assinale-a:
o conflito entre matéria e espírito, a a) Canaã.
angústia e a sublimação sexual, a escravidão b) Os Sertões.
c) Triste Fim de Policarpo Quaresma. Monteiro Lobato e Euclides da
d) Eu. Cunha. Pode ela ser definida
e) Urupês. como:
74. (UFPB) Sobre as obras da literatura a) a necessidade de superar, em termos
brasileira, abaixo citadas, de um programa definido, as estéticas
não é correto afirmar que: romântica e realista.
a) A Moreninha, de Joaquim Manuel de b) a pretensão de dar um caráter definitivamente
Macedo, é um romance urbano, de final brasileiro à nossa literatura,
feliz, que retrata costumes, cenas que julgavam por de mais europeizada.
e tipos da sociedade pequeno-burguesa c) uma preocupação com o estudo e
do Rio de Janeiro, no século XIX. com a observação da realidade brasileira.
b) Iracema, de José de Alencar, é quase d) a necessidade de fazer crítica social,
poema em prosa, em que se observa já que o Realismo havia sido ineficaz
o encontro da raça branca com nessa matéria.
a indígena, dando lugar ao sugimento e) o aproveitamento estético do que havia
da civilização brasileira, segundo a de melhor na herança literária brasileira,
visão dos românticos. desde suas primeiras manifestações.
— 337 — 77. (MACK-SP) Assinale a alternativa
c) Memórias de um Sargento de Milícias, onde aparece uma característica
de Manuel Antônio de Almeida, que não se aplica à obra
é um romance tipicamente romântico, de Augusto dos Anjos.
cuja ação descreve as intrigas — 338 —
palacianas da corte, no Rio de Janeiro, a) referência à decomposição da matéria.
durante o Primeiro Império. b) pessimismo diante da vida.
d) Triste Fim de Policarpo Quaresma, c) amor reduzido a instinto.
de Lima Barreto, é a história de um d) incorporação de vocabulário científico.
visionário e nacionalista fanático e) nacionalismo exaltado.
que, movido por uma paixão quixotesca 78. (FEI-SP) Leia o texto abaixo.
de patriota exagerado, busca "Para comer, negociar uma barganha,
revolver sozinho os males de seu ingerir um café, tostar um cabo de
tempo. foice, fazê-lo noutra posição será desastre
e) em A Morte e a Morte de Quincas infalível. Há de ser de cócoras.
Berro d'Água, de Jorge Amado, aparecem Nos mercados, para onde leva a
personagens populares, como quitanda domingueira, é de cócoras,
marinheiros, vagabundos, contraventores, como um faquir do Bramaputra, que vigia
prostitutas, como, aliás, os cachimbos de brejaúva ou o feixe
acontece em praticamente toda a de três palmitos.
obra do escritor baiano. Pobre Jeca Tatu! Como és bonito no
75. (UFPB) No romance Triste Fim romance e feio na realidade!
de Policarpo Quaresma: Jeca mercador, Jeca lavrador, Jeca
I. O narrador apresenta-se na terceira filósofo...
pessoa, relatando fatos vividos Quando comparece às feiras, todo
pelo protagonista, sempre mundo logo adivinha o que ele traz; sempre
a se debater por objetivos inatingíveis. coisas que a natureza derrama pelo
II. O narrador, personagem principal mato e ao homem só custa o gesto de
da história, à custa da própria espichar a mão e colher - cocos de
vida, toma consciência da realidade tucum ou jissara, guabirobas, bacuparis,
degradada em que vive. maracujás, jataís, pinhões, cestinhas,
III. O narrador, personagem secundário samburás, tipitis, pios de caçador; ou
da história, conta a trajetória utensílios de madeira mole - gamelas,
do major Quaresma na sua luta pilõezinhos, colher de pau.
em defesa dos valores nacionais. Nada mais.
IV. O narrador, onisciente, revela os Seus grande cuidado é espremer
pensamentos mais íntimos do todas as conseqüências da lei do menor
personagem principal. esforço - e nisto vai longe".
Estão corretas somente as afirmativas: Sobre o criador do célebre Jeca
a) I e II. Tatu é correto afirmar que:
b) l e lll. a) trata-se de Monteiro Lobato, que, por
c) l e lV. meio de textos críticos e sinceros,
d) lI e III. discutiu a realidade brasileira do início
e) II e IV. deste século.
76. (UFRS) Uma atitude comum caracteriza b) trata-se de Menotti del Picchia, poeta
a postura literária de autores e dramaturgo da fase crítica do Modernismo,
pré-modernistas, a exemplo isto é, a primeira geração.
de Lima Barreto, Graça Aranha, c) Monteiro Lobato, autor do fragmento
dado, dedicou-se apenas à literatura c) Realismo - o diálogo
infantil. d) Impressionismo - o historicismo
d) Mário de Andrade, criador também da e) Neo-Realismo - o pitoresco
figura de Macunaíma, é o celebre 82. (MACK-SP)
autor do texto dado. "Em toda a sua obra, ... lutou por
e) poucos autores modernos brasileiros uma língua brasileira que estivesse mais
criaram figuras regionalistas marcantes próxima do falar do povo. Em ... temos,
como Jeca Tatu. Seu criador talvez, a sua criação máxima: a partir
idealizou uma ilha, chamada Pasárgada. desse anti-herói, o autor enfoca o choque
79. (MACK-SP) Assinale a alternativa do índio amazônico (que nascera
incorreta a respeito de Monteiro preto e virou branco - síntese do povo
Lobato. brasileiro) com a tradição e a cultura
a) Moralista e doutrinador, tinha acentuadas européia na cidade de São Paulo, valendo-
tendências para uma concepção se para tanto de profundo estudo do
racionalista e pragmática do homem. folclore".
b) Criador do Jeca Tatu, apontou as mazelas José de Nicola
físicas, sociais e mentais do O item que preenche corretamente
Brasil da Primeira República. as lacunas acima, é:
c) Em sua narrativa, notam-se costumes a) Mário de Andrade - Macunaíma
interioranos, intenção satírica e b) Mário de Andrade - Amar, Verbo Intransitivo
efeitos sentimentais. c) Oswaldo de Andrade -Memórias Sentimentais
d) assumiu posições favoráveis às vanguardas de João Miramar
européias: futurismo, cubismo, d) Oswaldo de Andrade - Serafim Ponte
expressionismo, surrealismo. Grande
e) Apesar de certas ousadias, sua prosa e) Manuel Bandeira - Cinza das Horas
não rompe, no fundo, nenhum molde 83. (FAAP-SP) A prática de um lirismo
convencional. confidencial a que acrescenta
a auto-ironia, comportamento
— 339 — típico do poeta, pode ser encontrada
80. (MACK-SP) no poema:
"Adotando o modelo determinista, a) A Procura da Poesia, de Carlos D.
segundo o qual o meio determina o homem, De Andrade.
a obra divide-se em três partes. — 340 —
Sua publicação foi relevante para a época: b) Pneumotórax, de Manuel Bandeira.
principalmente porque foi a primeira c) Ode ao Burguês, de Mário de Andrade.
obra a retratar um fato histórico contemporâneo d) Retrato, de Cecília Meireles.
com o rigor interpretativo e) Canto do Regresso à Pátria, de Oswaldo
da Ciência; em segundo lugar, porque, de Andrade.
colocando-se nitidamente a favor dos 84. (UFPA) Em fevereiro de 1909,
homens da região, o autor situa o fenômeno Marinetti publicou na Europa um
como problema social, decorrente manifesto cujas idéias desencadearam
do isolamento político do Nordeste em o:
relação ao resto do país". a) Dadaímo.
Assinale a alternativa em que b) Futurismo.
aparece o nome da obra a que se c) Surrealismo.
refere o texto acima. d) Romantismo.
a) Seara Vermelha. e) Simbolismo.
b) Vidas Secas. 85. (UFPA) As idéias de Marinetti
c) Grande Sertão: Veredas. influenciaram muito os nossos
d) O Sertanejo. autores. Dele, os escritores
e) Os Sertões. brasileiros seguiram:
81. (PUC-RS) a) a exacerbação do nacional e a sintaxe
"Caiu a serenata silenciosa e molhou tradicional.
os pastos, as asas dos pássaros e b) a paixão pela metáfora, intelectualista
a casca das frutas. Passou a noite de e rebuscada, e pelas frases de
Deus e veio a manhã e o sol encoberto. efeito.
E três dias houve cerração forte, e c) a negação do passado e o uso de
três noites o estancieiro teve o mesmo palavras com liberdade.
sonho." d) o conceito de felicidade na vida em
Cronologicamente vinculado contato com a natureza, e fé na razão
ao o que dá categoria e na ciência.
artística à obra de João Simões e) o gosto pelo psicologismo na ficção
Lopes Neto, como ilustra o e a supervalorização da natureza.
texto acima, é : 86. (UFPA) O poema "Os Sapos", de
a) Pré- Modernismo - o estilo Manuel Bandeira, contém uma
b) Neo-Simbolismo - a psicologia
crítica à escola: se você dominasse,
a) modernista. se você cansasse,
b) simbolista. se você morresse...
c) parnasiana. Mas você não morre,
d) realista. você é duro, José!
e) literária. Sozinho no escuro
87. (MACK-SP) Assinale a alternativa qual bicho-do-mato,
que corresponde ao nome sem teogonia,
do autor de Paulicéia Desvairada: sem parede nua
a) Machado de Assis. para se encostar,
b) Fernando Pessoa. sem cavalo preto
c) Clarice Lispector. que fuja a galope,
d) Oswaldo de Andrade. Você marcha, José!
e) Mário de Andrade. José para onde?"
As questões 88 a 95 referemse Carlos Drummond de Andrade
ao texto abaixo: 88. (PUCCAMP-SP) José teria, segundo
"E agora José? o poeta, possibilidades
A festa acabou, de alterar seu destino. Essas
a luz apagou, possibilidades estão sugeridas:
o povo sumiu, a) na 5a e 6a estrofes.
a noite esfriou, b) na 1ª, 2a e 3a estrofes.
e agora, José? c) na 3a , 4- e 6a estrofes.
e agora, você? d) na 4a e 5a estrofes.
você que é sem nome, e) n.d.a.
que zomba dos outros, 89. (PUCCAMP-SP) Das possibilidades
você que faz versos, sugeridas pelo poeta para
que ama, protesta? que José mudasse seu destino,
e agora, José? a mais extremada está contida
— 341 — no verso:
Está sem mulher, a) "se você tocasse a valsa vienense".
está sem discurso, b) "se você morresse".
está sem carinho, c) "José, para onde?".
já não pode beber, d) "quer ir para Minas".
já não pode fumar, e) n.d.a.
cuspir já não pode, 90. (PUCCAMP-SP) Para o poeta,
a noite esfriou, José só não é:
o dia não veio, a) alguém realizado e atuante.
o bonde não veio, b) um solitário.
o riso não veio, c) um joão-ninguém frustrado.
não veio a utopia d) alguém sem objetivo e desesperançado.
e tudo acabou e) n.d.a.
e tudo fugiu 91. (PUCCAMP-SP) José é um abandonado.
e tudo mofou, Essa idéia está bem
e agora, José? traduzida:
E agora, José? a) na 4ª estrofe.
sua doce palavra, b) na 5a estrofe.
seu instante de febre, c) no 12ª, 13ª e 1 4 ? versos da 2a estrofe
sua gula e jejum, e nos sete primeiros da 6â estrofe.
sua biblioteca, d) no 8ª e 9ª verso da 1a estrofe.
sua lavra de ouro, e) n.d.a.
seu terno de vidro, 92. (PUCCAMP-SP) "A noite esfriou"
sua incoerência, é um verso repetido. Com
seu ódio - e agora? isso, o poeta deseja:
Com a chave na mão a) deixar bem claro que José foi abandonado
quer abrir a porta, porque fazia frio.
não existe porta; b) traduzir a idéia de que José sentiu
quer morrer no mar, frio porque anoiteceu.
mas o mar secou; c) exprimir que, após o término da festa,
quer ir para Minas, a temperatura caíra.
Minas não há mais. d) intensificar o sentimento de abandono,
José, e agora? tornando-o um sofrimento quase
Se você gritasse, físico.
se você gemesse, e) n.d.a.
se você tocasse 93. (PUCCAMP-SP) O verso que exprime
a valsa vienense, concisamente que José
é "ninguém" é: d) o questionamento da própria poesia.
a) "você que faz versos". e) o pessimismo lírico.
b) "a festa acabou". 98. (CESESP-PE)
c) "você que é sem nome". "Mundo mundo vasto mundo,
d) "que zomba dos outros". se eu me chamasse Raimundo
e) n.d.a. seria uma rima, não seria uma
94. (PUCCAMP-SP) O verso que expressa [solução.
essencialmente a idéia Mundo mundo vasto mundo,
de um José sem norte é: Mais vasto é meu coração."
a) "José, para onde?". Nesta estrofe, o poeta:
b) "sozinho no escuro". a) deixa claro que desejaria mudar de
c) "mas você não morre". nome.
d) "E tudo fugiu". b) declara que seu nome é sonoro por
e) n.d.a. causa da rima.
95. (PUCCAMP-SP) Assinale a afirmativa c) afirma que a questão central não é o
falsa a respeito do texto: nome e sim a sua origem.
a) José é alguém bem individualizado e d) tem dúvida quanto ao tamanho do seu
a ele o poeta se dirige com afetividade. coração.
b) O ritmo dos sete primeiros versos da e) sugere que a atividade poética não
5S estrofe é dançante. consiste em "fazer rimas".
c) "Sem teogonia" significa "sem deuses", 99. (UFPB) A preocupação com o nacionalismo
"sem credo", sem religião". marcou dois movimentos
— 342 — da literatura brasileira:
— 343 — — 344 —
d) Os versos são em redondilha menor em um, acentua-se um nacionalismo
porque tal ritmo se ajusta perfeitamente ufanista; em outro,
à intimidade, singeleza e espontaneidade tem-se o nacionalismo crítico,
das idéias. contestatório.
e) n.d.a. Esses movimentos são, respectivamente,
96. (CARLOS CHAGAS-BA) a) Arcadismo - Romantismo.
I. Moderno e versátil, Vinícius de b) Romantismo - Modernismo.
Moraes compõe, com maestria, c) Arcadismo - Modernismo.
tanto letras para canções populares d) Romantismo - Arcadismo.
como poemas dentro dos e) Modernismo - Romantismo.
mais estritos padrões clássicos. 100. (UFPA)
II. Cecília Meireles caracterizou sua "É certo que desde que me pus na
poesia pela constante sugestão fadiga de escrever brasileiramente, não
de sombra, identificação e ausência; fiz caricatura nem pândega. Todas as
mas soube também incorporar manifestações do brasileirismo lingüístico
a matéria histórica, em uma que empreguei, empreguei sinceramente,
de suas mais importantes obras. não pra fazer comicidade nem
III.A Moreninha narra, em linguagem mostrar burradas de incultos".
presa ao modelo lusitano, a (Mário de Andrade)
história de um amor impossível O trecho citado manifesta a
entre um jovem da aristocracia busca de um ideal lingüístico capaz
imperial do Brasil e uma mestiça. de criar uma estética libertária
Assinale a alternativa correta. em que arte e vida estivessem associadas
a) só a proposição I é correta. na expressão de um Brasil
b) só a proposição II é correta. vivo e diversificado.
c) só a proposição III é correta. Trata-se da estética:
d) são corretas as proposições I e II. a) romântica.
e) são corretas as proposições II e III. b) parnasiana.
97. (PUC-RS) c) realista.
"Não faças versos sobre d) modernista.
[acontecimentos. e) simbolista.

Respostas
Não há criação nem morte
[perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático, 1.a 26. b 5 1 . b 76. c
Não aquece nem ilumina." 2. a 27. a 52. c 77. e
Uma das contantes na obra de 3.c 28. c 53. d 78. a
Carlos Drummond de Andrade, como 4. d 29. a 54. b 79. d
se verifica nos versos acima, é: 5. a 30. b 55. c 80. e
a) a louvação do homem social. 6.c 31. a 56. c 81. a
b) o negativismo destrutivo. 7.c 32.C 57. b 82. a
8.c 33.C 58. c 83. b
c) a violação e desintegração da palavra. 9.e 34. a 59. b 84. b
10.e 35. c 60. b 85. c Dialética da Colonização.
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