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67 INTRODUÇÃO
68 As investigações baseadas na estimulação cognitiva (EC) sugerem efeitos
69 positivos na intervenção com idosos com perturbações neurocognitivas (PNC), no
70 entanto verifica-se uma limitação comum, a falta de apresentação de protocolos
71 suficientemente detalhados e adaptados à cultura do beneficiário.
72 Um protocolo de intervenção individual com base na terapia da EC, em idosos
73 com PNC em contexto domiciliário, poderá ter efeitos na cognição, no estado de
74 humor, na qualidade de vida e no estado funcional.
75 O objetivo do artigo é apresentar de forma detalhada o protocolo de
76 intervenção individual baseado na EC, desenvolvido para idosos com PNC em
77 contexto domiciliário, com conteúdos de fácil compreensão e implementação, que
78 proporcione a disseminação por profissionais treinados com os princípios da EC.
79
80 ENQUADRAMENTO
81 O envelhecimento populacional é atualmente um fenómeno universal, seja em
82 países desenvolvidos ou em desenvolvimento. Na União Europeia a 27 países [UE27],
83 20,6% da população tem 65 ou mais anos e as projeções demográficas sugerem que
84 em 2030 chegará a 24,2%. Portugal é o quarto país da UE27 com a maior
85 percentagem de idosos (22,2%). Na próxima década, estima-se que os idosos
86 representarão 26,2% da população portuguesa e que as pessoas com 80 ou mais
87 anos passem dos atuais 6,5% para 7,9% da população total (Eurostat, 2020).
88 Nesse contexto, uma das consequências do envelhecimento e principal causa
89 de incapacidade nos idosos são as perturbações neurocognitivas (PNC), com
90 prevalência entre 3% e 25%, consideradas pela Organização Mundial de Sáude (2012)
91 um problema de saúde pública. Estima-se que as PNC afetem 50 milhões de pessoas
92 em todo o mundo, prevendo-se um aumento para 150 milhões em 2050 (Patterson,
93 2018), considerando-se o maior desafio global para a saúde e assistência social do
94 século atual (Livingston et al., 2017). A condição clínica inicial e menos grave é a PNC
95 ligeira, definida por evidências de comprometimento cognitivo modesto em
96 comparação com um nível prévio de desempenho do indivíduo em um ou mais
97 domínios cognitivos, mas sem interferência na capacidade de realizar as atividades da
98 vida diária (Associação Psiquiátrica Americana [APA], 2013/2014). Ser diagnosticado
99 com esse distúrbio aumenta a probabilidade de desenvolver uma PNC major (Sachs-
100 Ericsson & Blazer, 2015). A PNC major é definida por evidências de comprometimento
101 cognitivo significativo em comparação com um nível prévio de desempenho do
102 indivíduo em um ou mais domínios cognitivos, com interferência na capacidade de
103 realizar as atividades da vida diária, tais como pagar contas, gerir a medicação (APA,
104 2013/2014). Segundo Livingston et al. (2017) os fatores de risco podem agravar o
105 desenvolvimento de uma PNC (p. ex., baixa escolaridade, depressão, baixa rede de
106 suporte social).
107 Para atenuar a progressão de défices cognitivos em pessoas com PNC, pode-
108 se recorrer à intervenção não farmacológica, uma vez que favorece a estimulação da
109 reserva cognitiva, sendo geralmente conhecida por retardar a expressão cognitiva e
110 funcional das PNC (Tardif & Simard, 2011).
111 A estimulação cognitiva (EC) é uma das terapias recomendadas pelo National
112 Institute for Health and Clinical Excellence (NICE) para casos de PNC (NICE, 2007),
113 promovendo o envolvimento em atividades orientadas para a melhoria das funções
114 cognitivas e sociais (Clare, Woods, Cook, Orrell, & Spector, 2003), podendo ser
115 administrada em formato grupal ou individual. Esta terapia está indicada para estimular
116 a funcionalidade cognitiva (p. ex., atenção, cálculo, funções executivas, linguagem,
117 memória) em diferentes gravidade e tipos de demênciaIndependentemente do efeito
118 da medicação, existem boas evidências de que EC melhora as funções cognitivas, a
119 interação social e a qualidade de vida (Aguirre, Woods, Spector, & Orrell, 2013;
120 Woods, Aguirre, Spector, & Orrell, 2012; McDermott et al., 2019).
121 A EC quando combinada com outras terapias como a terapia de orientação
122 para a realidade (TOR), demonstra melhorias significativas nos domínios cognitivos
123 em pacientes com o diagnóstico de PNC (Hsiao-Yean, Pin-Yuan, Yu-Ting, & Hui-
124 Chuan, 2018). A TOR foi também associada a melhorias significativas na cognição,
125 consistindo na apresentação e repetição de informação temporal e espacial ao longo
126 do dia ou em sessões regulares de atividades relacionadas com a orientação (Hsiao-
127 Yean et al., 2018).
128 A maioria das investigações sobre terapias não-farmacológicas apresentam
129 uma limitação em comum, o facto de não descreverem detalhadamente os protocolos
130 de intervenção (Orrell et al., 2017). Como tal, foi desenvolvido o protocolo apresentado
131 neste artigo, que consiste em combinar os benefícios da TOR e da EC, em formato
132 individual, para estimulação a funcionalidade cognitiva em idosos com PNC.
133 Baseado no presente protocolo, decorre um estudo com um desenho
134 experimental de medidas repetidas (pré, intra e pós-intervenção), aleatório (através do
135 software DatInf ® RandList) e controlado, em idosos com PNC em contexto domiciliário
136 (Clinicaltrials.gov ID: NCT04417751) para avaliar o efeito do programa de intervenção
137 de EC, em formato individual e a longo prazo. Concretamente, testar a eficácia da EC
138 na cognição, no estado de humor, na qualidade de vida e no estado funcional. O grupo
139 de intervenção (n = 30) receberá 47 sessões semanais de EC individual e 3 sessões
140 de avaliação, durante aproximadamente um ano. O grupo de controlo receberá os
141 cuidados habituais de apoio psicossocial (n = 29). Será ainda avaliada a adesão à
142 intervenção e ao grau de colaboração nas sessões.
143
186 RESULTADOS
187 O protocolo de intervenção é composto por um esquema base de oito sessões,
188 repetível, com uma periodicidade semanal e uma duração aproximada de 45 minutos
189 cada sessão. As sessões seguintes seguem a mesma ordem. A estrutura das sessões
190 seguem o modelo implementado por Justo-Henriques, Marques-Castro, Otero,
191 Vázquez e Torres (2019) e Justo-Henriques (2020) em intervenções individuais. Os
192 primeiros cinco minutos destinam-se a fazer o acolhimento do participante, os
193 seguintes dez minutos são dedicados a trabalhar a orientação para a realidade, onde o
194 participante é incentivado a preencher as informações relativas ao tempo atual.
195 Seguidamente, durante aproximadamente 25 minutos desenvolve-se a atividade
196 principal, onde são treinados os domínios cognitivos. Os últimos cinco minutos de
197 cada sessão são dedicados ao retorno à calma, com um breve relaxamento e um curto
198 diálogo sobre as dificuldades, interesses e benefícios da sessão. Por último, é
199 realizada a despedida e o participante é recordado da data e hora da próxima sessão.
200 Após concluir a sessão, o terapeuta preenche a ficha de avaliação da mesma.
201 As sessões de intervenção são conduzidas por terapeuta (p. ex., psicólogo
202 clínico, terapeuta ocupacional, outro profissional habilitado) com treino prévio no
203 protocolo de intervenção e nos princípios da terapia de EC. As atividades realizadas
204 em cada sessão seguem os conteúdos do programa de EC (ver tabela 1), com recurso
205 aos materiais selecionados para o efeito.
206 As sessões em formato individual devem ser realizadas sem interrupções, num
207 local privado, tranquilo e confortável (Justo-Henriques et al., in press).
208 No início de cada sessão, o terapeuta deve saudar o participante, orientar para
209 o insight e transmitir os objetivos da sessão. Posteriormente realizar o treino de
210 orientação para a realidade, recorrendo a um material que inclua elementos temporais
211 e espaciais (p. ex., dia da semana, mês, dia do mês, ano, estação e época do ano,
212 estado do tempo e relógio) (Justo-Henriques, 2020).
213 Seguidamente desenvolve-se a atividade atividade principal de estimulação de
214 vários domínios cognitivos (p. ex., atenção, memória, linguagem, funções executivas,
215 cálculo, gnosias) de acordo com a temática definida para a respetiva sessão (ver
216 tabela 1).
217 No final de cada sessão, deve ser questionada a opinião do participante acerca
218 da mesma e referir a temática, data e hora da sessão seguinte (Justo-Henriques,
219 2020).
220
221 Tabela 1
222 Conteúdos e atividades da intervenção
Domínio
Sessão Conteúdos e atividades da intervenção Material cognitivo
estimulado
Atividade(s):
1 N/a N/a
Pré-avaliação
Atividade(s):
Solicitar ao participante que: identifique as
diferentes cores presentes nas imagens de dominó
dispostas no quadro, assim como as peças de
dominó correspondentes às ilustradas no mesmo
A: composto por
quadro, colocando-as nos locais respetivos; Atenção,
quadro e cartões
2 nomeie, a partir das cores apresentadas no quadro, memória,
coloridos(formato
[10, 18, exemplos de frutas, leguminosas, flores, etc; realize linguagem,
de peça dominó)
27, 35, operações matemáticas (p. ex., calcular o valor da praxias, cálculo
em suporte de
43] soma dos círculos de cor amarelo e de cor verde), e funções
papel.
atribuindo a cada cor do círculo uma pontuação (p. executivas.
ex., a cada círculo de cor amarelo corresponde o
valor de três unidades e de cor verde corresponde o
valor de duas unidades); retire as peças que
contém os círculos com as cores mencionadas pelo
terapeuta.
Atividade(s): B: composto por
Solicitar ao participante que: identifique, a partir da roleta com imagem
reprodução de temas musicais relacionados com os de cantores
autor/intérprete que constam na roleta, o título do associados ao
tema, associando-o ao cartão com a imagem presente e ao Atenção,
3
representativa do mesmo e o coloque ao lado da passado e cartões memória,
[11, 19,
imagem do autor/intérprete na respetiva roleta. com imagens linguagem,
28, 36,
representativas dos praxias e
44]
temas musicais gnosias.
interpretados, em
suporte de papel.
Áudios alusivos à
atividade.
Atividade(s):
Solicitar ao participante que: descreva o conteúdo C: composto por
das imagens apresentadas; coloque os cartões com quadro em cartão
as imagens e/ou sílabas no local correto da “árvore” com estrutura
de forma a formar as palavras representativas em baseada no Atenção,
4 cada imagem ou invocadas através das pistas conceito de árvore memória,
[12, 20, dadas pelo terapeuta. genealógica a partir linguagem,
29, 37, de uma letra do praxias e
45] alfabeto, com funções
várias ramificações executivas.
para colocar
cartões com
imagens ou sílabas.
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