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Autores: Jonas Alex Morales Saute, José Luiz Pedroso, Marcondes C. França
Junior, Sarah Camargos
Apesar de ter uma utilidade prática com relação ao profissional que na maioria
das vezes atenderá inicialmente estes pacientes; se de início infantil,
neuropediatras; se de início adulto, neurologistas; a classificação das doenças
neurogenéticas de acordo com a faixa etária, na opinião dos autores, fará mais
sentido se utilizada junto com o curso da condição dentro dos grupos de
diagnósticos topográficos. Esta informação etária será fundamental inclusive na
avaliação do rendimento das técnicas moleculares para obtenção de
diagnóstico definitivo. Por exemplo, hoje sabemos que o rendimento de painéis
de sequenciamento de nova geração (NGS) ou do sequenciamento completo
do exoma (WES) difere de acordo com a faixa etária para uma mesma
síndrome/topografia, apresentando maior rendimento nos casos de ataxia de
início infantil ou de hipoplasia cerebelar (Ohba et al, 2014; Sawyer et al, 2014)
quando comparado as ataxias hereditárias de início tardio (Fogel et al, 2014;
Coutelier et al, 2017). Note que neste caso iniciamos pela classificação em
doenças hereditárias que envolvem as vias cerebelares (ataxias hereditárias) e
apenas depois dividimos pela faixa etária a fim de buscar informações sobre
qual a resolutividade das provas diagnósticas que serão solicitadas para
identificar qual a condição específica do paciente.
Caso clínico: Homem de 21 anos, refere início de alteração do equilíbrio ao redor do 15 anos de idade com curso progressivo desde então, necessitando
atualmente do auxílio de bengalas para deambular. Negava quadros semelhantes em sua família ou história de consanguinidade dos pais. No exame físico
você encontra ataxia de marcha e de membros, bem como percebe disartria. O acompanhamento do olhar não é suave e ocorre em sacadas. A força é
levemente reduzida nos membros inferiores, os reflexos miotáticos profundos são abolidos distalmente e apresenta sinal de Babinski bilateralmente. A
sensibilidade vibratória é reduzida nos membros inferiores.
Organização do Raciocínio Clínico: Os dados positivos seriam ataxia cerebelar (talvez sensitiva também), redução de força, reflexos abolidos distalmente,
presença do sinais de Babinski e hipopalestesia. O quadro de ataxia sem dúvida lhe pareceu o fenótipo principal e, portanto, você inicia com a hipótese de
uma ataxia cerebelar. Ao seguir o modelo que apresentamos você adicionalmente classifica como síndromes coadjuvantes os sinais de neuropatia periférica
(arreflexia, redução de reflexos) e possivelmente de envolvimento do cordão posterior, e uma síndrome motora piramidal (sinal de Babinski e paresia), que
parece estar em parte oculta pela neuropatia periférica. Com base nestes dados, com a informação de que é uma condição crônica com ao menos 6 anos de
evolução, que o início ocorreu na adolescência e que é um caso isolado você pode realizar a hipótese de uma ataxia cerebelar hereditária, possivelmente
recessiva. Ao revisar o Capitulo 3.3 (Ataxias) você verifica que a Ataxia de Friedreich é a forma mais comum de ataxia hereditária autossômica recessiva e
que o paciente apresenta sua tríade clínica de ataxia, arreflexia e sinal de Babinski, mas que existe uma forma semelhante de ataxia que é a ataxia por
deficiência de vitamina E (AVED), uma condição tratável, e outras formas mais raras que mimetizam o quadro. Ou seja, você define que há uma hipótese
principal, mas ela não é específica e não é uma condição com tratamento específico. Você opta por solicitar um exame confirmatório, a dosagem da
vitamina E (afinal doenças tratáveis devem sempre ser consideradas primeiro), e os exames de caracterização fenotípica ecocardiograma e teste de
tolerância à glicose, que podem ter alterações na Ataxia de Friedreich, e dosagem da alfa-fetoproteina e do perfil lipídico, exames de baixo custo e que dão
importantes pistas para o diagnóstico das ataxias hereditárias. O resultado da dosagem de vitamina E e dos demais exames laboratoriais foram normais,
entretanto o ecocardiograma demonstrou sinas de miocardiopatia hipertrófica. A presença de miocardiopatia hipertrófica associada ao quadro clinico do
paciente é suficientemente específica para Ataxia de Friedreich e deve sugerir solicitação de exame confirmatório. Com estes dados você solicitou a análise
molecular específica para a Ataxia de Friedreich, a qual detectou expansões GAA em homozigose no gene FXN, confirmando o diagnóstico.
Caso clínico: Mulher de 39 anos é encaminhada para avaliação por quadro de quedas e fraqueza nas pernas desde os 25 anos de idade. Na consulta ela
refere também alteração na fala (fala anasalada) e dificuldade de deglutição desde a infância, tendo realizado diagnóstico de acalasia, com necessidade de
correção cirúrgica há 10 anos. Sua irmã apresentava quadro similar, também com acalasia corrigida cirurgicamente, negavam outros casos na família ou
consanguinidade parental. No exame físico você encontra marcha espástica com espasticidade moderada e leve fraqueza distal nos membros inferiores.
Apresentava também hiperreflexia generalizada com presença do sinal de Babinski bilateralmente.
Organização do Raciocínio Clínico: Os dados positivos seriam paraparesia espástica, acalasia, alteração da fala e recorrência familiar. O quadro neurológico
principal sem dúvida é a paraparesia espástica, inclusive foi o que motivou o encaminhamento, porém a presença de acalasia precoce em 2 irmãs é uma
informação nada usual, que poderia sugerir algum diagnóstico específico. A recorrência sugere fortemente a etiologia genética. Ao revisar sobre formas
genéticas de acalasia você encontra a síndrome Triplo A, uma síndrome autossômica recessiva caracterizada por acalasia, insuficiência adrenal, e alacrimia e
em que posteriormente foram descritos achados neurológicos como parte do fenótipo da condição. No retorno da paciente você questiona sobre a
possibilidade de alacrimia e surpreende-se com a notícia de que a paciente e sua irmã nunca choraram, nem mesmo na infância, mas que negam olho seco.
Você solicita exames de função adrenal que foram normais. Diante da suspeita da síndrome do Triplo A e sabendo que existem outras 2 formas, mas mais
raras de acalasia familiar (genes GMPP1 e TRAPPC11), você solicita o sequenciamento do gene AAAS que demonstra mutações bi-alélicas, confirmando o
diagnóstico.
Ferramentas Informáticas: Note que pelo SimulConsult® aos colocarmos os achados iniciais da paciente a suspeita principal seria da síndrome de Alacrimia
e Acalasia associada a Deficiência intelectual relacionada ao gene GMPPA (possivelmente pois o programa valoriza mais sintomas neurológicos para esta
síndrome) e que a síndrome do Triplo A viria em segundo lugar. Ao colocarmos os dados de alacrimia e função adrenal normal, a probabilidade da condição
inicialmente sugerida ficou ainda maior. Caso fosse seguido a sugestão do programa iniciaríamos com o sequenciamento do GMPP1 e em sendo negativo
seria procedido a análise do AAAS.
O ponto de partida para a análise das variantes em geral será a busca de sua
frequência na população, para isso podem ser usadas bases de dados
internacionais como Exome Aggregation Consortium (ExAC, disponível em
http://exac.broadinstitute.org/), que disponibiliza dados de WES de cerca de 60
mil indivíduos não relacionados de estudos populacionais ou de doenças
específicas multifatoriais; Genome Aggregation Database (gnomAD, disponível
em http://gnomad.broadinstitute.org/) que disponibiliza dados de WES de cerca
de 123 mil indivíduos não relacionados e de WGS de cerca de 15 mil indivíduos
não relacionados de estudos populacionais ou de doenças específicas
multifatoriais; a base de dados 1000 genomes; e bases nacionais como o
Brazilian Initiative on Precision Medicine (BIPMED, disponível em
http://www.bipmed.org/). É importante salientar que a base ExAC foi
disponibilizada em outubro de 2014 e o gnomAD dois anos depois, sendo
Em outras palavras, não diremos ao paciente que ele não tem diagnóstico, mas
sim que a causa do diagnóstico dele (seja qual for a apresentação) ainda não
foi encontrada, mas que isso ocorre na hipertensão arterial, diabetes mellitus,
doença de Parkinson, etc., e iremos propor seu seguimento clínico.
Conclusão