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Lesões cerebrais e
neuroplasticidade
Mariluce Ferreira Romão
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Introdução
O encéfalo é constituído por várias estruturas que, por meio de ações integradas,
coordenam os ambientes interno e externo do corpo humano. Sendo assim, é
importante conhecermos os aspectos estruturais e funcionais do sistema nervoso,
considerando suas interfaces e conexões motoras, cognitivas, afetivas e sociais.
Todos os seres vivos têm mecanismos estruturais e funcionais de adaptação
ao meio ambiente. No que diz respeito especificamente ao sistema nervoso, essa
adaptação ocorre por um evento conhecido como “neuroplasticidade”, ou “plasti-
cidade neural”. A neuroplasticidade acontece durante o processo de crescimento e
desenvolvimento humano, bem como nos casos em que ocorrem lesões cerebrais,
isto é, danos cerebrais capazes de provocar alterações importantes relacionadas
à aprendizagem, à memória e à atenção, incluindo distúrbios motores.
Neste capítulo, serão apresentadas as lesões cerebrais que ocorrem no encéfalo
e podem provocar alterações estruturais e funcionais importantes. Além disso,
você vai conhecer a neuroplasticidade, que pode restabelecer ou amenizar os
danos provocados pelas lesões cerebrais. Por fim, descreveremos pesquisas em
neurociência que estão sendo desenvolvidas no Brasil.
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26,2 a 39,3% de casos para cada 100 mil habitantes. Com relação às lesões
cerebrais, podemos identificar, ainda, maior acometimento em indivíduos
jovens e do sexo masculino (BRASIL, [2016]).
Outra pesquisa relacionada com lesões cerebrais e traumáticas foi rea-
lizada com pacientes admitidos em um hospital de emergência de uma rede
pública municipal. Objetivando identificar os principais fatores desencade-
antes e comprometimentos clínicos e/ou neurológicos, e contando com 1.205
participantes (966 homens e 239 mulheres), essa pesquisa constatou que 80,2%
dos homens haviam sido acometidos, ou seja, a maioria dos participantes
(BARBOSA et al., 2010).
Um estudo realizado com 139 pacientes (119 homens e 20 mulheres) aten-
didos com traumatismo cranioencefálico de nível grave e moderado, em
uma unidade de emergência de um hospital de clínicas de uma universidade
federal, também constatou predominância de homens acometidos, com uma
relação de 5,95 homens para cada mulher (FARIA et al., 2011).
Indivíduos com lesões cerebrais traumáticas leves ou moderadas têm
dificuldade para se manter empregados, pois apresentam problemas somá-
ticos, cognitivos e emocionais que prejudicam a aprendizagem, a atenção e a
memória. Sendo assim, retomar as atividades de vida diária, incluindo o exer-
cício profissional, não é algo simples para essas pessoas (HOWE et al., 2017).
Mecanismos da neuroplasticidade
A neuroplasticidade é um recurso utilizado pelo organismo para minimizar os
comprometimentos provocados por lesões cerebrais e modular os processos
de aprendizagem e memória, por exemplo. Nesse processo de modular ou
remodular os aspectos funcionais, baseando-se na experiência, ocorrem mu-
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Plasticidade cerebral
Relacionada com o cérebro e sua capacidade de diferenciação durante o
processo de maturação biológica, a plasticidade cerebral pode ser compre-
endida como a capacidade de adaptação do sistema nervoso central, que
pode alterar seus aspectos funcionais e estruturais. Essas mudanças podem
acontecer nas estruturas sinápticas, nos receptores sensoriais, nas estru-
turas neuroquímicas, na membrana, entre outras estruturas dos neurônios
(AGUILAR-REBOLLEDO, 1998).
Há algum tempo, entendia-se que, em casos de, por exemplo, lesões graves,
não era possível ocorrer regeneração cerebral, apesar de haver recuperação.
Nesses casos, a recuperação gradual, incluindo a melhora nas funções, pode
estender-se por anos após a ocorrência da lesão. Trata-se de um processo
influenciado pelo local e pela abrangência da lesão, pela idade do indivíduo
lesionado, por fatores ambientais e psicossociais, bem como pelos meios que
o cérebro encontra para se reorganizar (AGUILAR-REBOLLEDO, 1998).
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Plasticidade neural
A plasticidade neural, ou neuroplasticidade, corresponde a uma adaptação
estrutural e funcional do sistema nervoso, em qualquer período ontogenético,
que resulta de conexões entre os ambientes interno e externo, bem como por
consequência de traumas ou lesões capazes de afetar as funções neuronais
(ODA; SANT’ANA; CARVALHO, 2002).
A plasticidade neural ocorre tanto no sistema nervoso central quanto no
sistema nervoso periférico — ao passo que a plasticidade cerebral acontece
apenas naquele. Ao longo de sua evolução, o cérebro foi aprimorando suas
conexões com base nas experiências. As conexões nervosas são capazes
de se modificar morfologicamente. Importa salientar que as mudanças do
sistema nervoso com base nas experiências podem acontecer também na
fase adulta e na velhice, diferentemente do que se afirmava décadas atrás
(ODA; SANT’ANA; CARVALHO, 2002).
Plasticidade neuronal
A plasticidade neuronal diz respeito às mudanças que acontecem especifi-
camente na unidade funcional do sistema nervoso, ou seja, no neurônio. Na
impossibilidade de replicação neuronal, quando ocorre a morte de neurônios,
a perda é considerada permanente, com possibilidade de regeneração nas
suas extensões (ODA; SANT’ANA; CARVALHO, 2002).
A plasticidade neuronal inclui alterações físicas, metabólicas e químicas;
diferentes meios de desenvolvimento do sistema nervoso; e alterações na
capacidade integrativa e adaptativa, incluindo os processos de aprendizagem e
a memória. Estrutural e funcionalmente são identificados novos brotamentos
terminais, desenvolvimento de sinapses e dendritos, bem como aumento da
capacidade funcional das sinapses, além de menor espaço na fenda sináptica
(ODA; SANT’ANA; CARVALHO, 2002).
Plasticidade sináptica
A plasticidade sináptica corresponde às modificações que ocorrem nas pró-
prias sinapses, envolvendo os neurotransmissores. Trata-se de alterações que
acontecem entre os neurônios como um processo expressivo neuroativo, que
pode contribuir tanto para o aumento quanto para a diminuição da síntese
de neurotransmissores (ODA; SANT’ANA; CARVALHO, 2002).
Considera-se plasticidade sináptica de longo prazo uma série de modi-
ficações que ocorram em um intervalo de tempo que exceda 30 minutos. Já
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2015). No Brasil, esse período também foi bastante importante para os es-
tudos na área de neurociências, com destaque para as pesquisas realizadas
por Roberto Lent, Suzana Herculano-Houzel e Dora Ventura. Esse quadro é
apresentado por Ventura (2010), que aborda temas como as pesquisas sobre
o cérebro humano; aspectos sobre a Sociedade Brasileira de Neurociências
e Comportamento; as discussões pioneiras sobre depressão ocorridas em
universidades públicas no século passado; bem como a consolidação do
Congresso de Neurociências Latinoamericano, Caribenho e Ibérico. De maneira
geral, o Brasil vem acompanhando as tendências dos estudos na área de
neurociências (EARL, 2014; OLIVEIRA; ANJOS, 2015; LAVAREDA; DUARTE, 2016).
Os avanços na ciência são observados com maior nitidez quando são
consideradas as aspirações futuras baseando-se no passado e no presente.
No passado, a obra A estrutura das revoluções científicas, de Thomas Kuhn,
definiu o paradigma científico como uma série de tarefas acadêmicas con-
solidadas, comuns a vários pesquisadores. Com a revolução científica, emer-
giram novas visões e propostas. As pesquisas na área de neurociências, por
exemplo, passaram a considerar a plasticidade cerebral de forma integrada
e mais dinâmica, desmistificando a divisão funcional do cérebro em partes.
Além disso, por possibilitarem uma nova abordagem de questões como a
cognição, o desenvolvimento e o processo de aprendizagem de seres huma-
nos, as neurociências passaram a integrar estudos em diversas áreas que
se interessam pelo tema, como a psicologia, a pedagogia, a neurologia e a
psiquiatria (COSTA; SILVA; JACÓBSEN, 2019).
Essa relação entre diferentes áreas tendo como foco o cérebro humano
vem conquistando cada vez mais espaço. Um exemplo disso são os diálogos
entre a pedagogia e a psicologia visando à compreensão da relação entre
a aprendizagem e o cérebro (BORTOLI; TERUYA, 2017; LIMA, 2020). Tendo em
conta que as metodologias de ensino e aprendizagem têm sido norteadas
pelas novas descobertas das neurociências, é desejável que os educadores
compreendam tanto a organização do sistema nervoso, para intervir em
disfunções e distúrbios, quanto as capacidades cerebrais, considerando suas
potencialidades e limitações. Isso sinaliza a importância de acompanhar a
evolução científica na área de neurociências (BARTOSZECK, [20--]; GUERRA,
2011).
Com os avanços nas pesquisas da área, o sistema nervoso passou a ser
compreendido como um sistema em processo de plasticidade contínua.
O período em que há maior probabilidade de ocorrerem modificações ou
plasticidade são os primeiros anos de vida, o que se deve à formação de
inúmeras sinapses. Entretanto, o desenvolvimento de novas sinapses pode
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Referências
AGUILAR-REBOLLEDO, F. Plasticidad cerebral: antecedentes científicos y perspecti-
vas de desarrollo. Boletín médico del Hospital Infantil de México, [S. l.], v. 55, n. 9, p.
514–525, 1998.
AMERICAN COLLEGE OF SURGEONS. Advanced trauma life support: suporte avançado de
vida no trauma: ATLS: manual do curso de alunos. 9. ed. Chicago, IL: American College
of Surgeons, 2012.
BARBOSA, I. L. et al. Fatores desencadeantes ao trauma crânio-encefálico em um
hospital de emergência municipal. Revista Baiana de Saúde Pública, v. 34, n. 2, p.
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Leituras recomendadas
COSENZA, R. M.; GUERRA, L. B. Neurociência e educação: como o cérebro aprende. Porto
Alegre: Artmed, 2011.
FONSECA, L. F.; LIMA, C. L. A. Paralisia cerebral. Rio de Janeiro: MedBook, 2008.
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