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EDUCAÇÃO SOCIAL

âmbitos e práticas
Ficha Técnica:
TÍTULO Educação Social: Âmbitos e Práticas

Projecto “Centro Social Renascer - Assistência Técnica à Inserção da Mulher e


AUTORIA
Criança de Rua afectada pelo fenómeno da Prostituição no Lobito” * Equipa de
Formadores do Curso de Educadores Sociais realizado no âmbito do presente projecto

Revisão e Ana Fonseca e Rita Leote (Instituto de Solidariedade e Cooperação


harmonização Universitária - ISU) e Catarina Batista (Centro de Estudos de Serviço Social e
gráfica final: Sociologia da Universidade Católica Portuguesa – CESSS)

DESIGN GRÁFICO Clara Lobo

CO-FINANCIAMENTO Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento (IPAD)

DATA DE ELABORAÇÃO Fevereiro 2011

IMPRESSÃO Litogaia - Artes Gráficas, Lda.

TIRAGEM 100 Exemplares

DEPÓSITO LEGAL ???????/11


Índice
Índice

INTRODUÇÃO 5

I. FORMAÇÃO GERAL DO CURSO DE EDUCADORES SOCIAIS

1.1 Introdução à Educação e Intervenção Social 10

1.2 Introdução à Ética e Deontologia das Profissões Sociais 20

1.3 Educação de Adultos: uma introdução ao conceito e às práticas 26

1.4 Introdução aos Métodos e Técnicas de Investigação Social 35

1.5 Gestão de Projectos 44

II. FORMAÇÃO TÉCNICO-PROFISSIONAL DO CURSO DE


EDUCADORES SOCIAIS
2.1 Técnicas de Diagnóstico Social (Individual e Comunitário) 52

2.2 Metodologia de Acompanhamento Social e Construção de Percursos


de Inserção 61

2.3 Técnicas de Animação Cultural e Social 72

2.4 Metodologia do Trabalho de Rua 79

2.5 Empreendedorismo e Desenvolvimento Comunitário 92


Introdução
Educação Social: Âmbitos e Práticas

Educação Social: âmbitos e práticas surge no âmbito do projecto “Centro Social Renascer -
Assistência Técnica à Inserção da Mulher e Criança de Rua afectada pelo fenómeno da prostituição
no Lobito”, que decorreu entre 01 de Fevereiro de 2009 e 28 de Fevereiro de 2011, tendo sido
co-financiado pelo Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento (IPAD). Este projecto teve
como parceiro local a Congregação das Irmãs Oblatas do Santíssimo Redentor e contou com a
assistência técnica e científica de dois professores do Centro de Estudos de Sociologia e Serviço
Social (CESSS) da Universidade Católica Portuguesa.

O projecto teve como objectivo geral facilitar a promoção e a reinserção sociofamiliar das mulheres
e crianças de rua afectadas pelo fenómeno da prostituição, aumentando o acesso e a qualidade das
oportunidades de acolhimento e de integração na cidade do Lobito.

Mais especificamente, pretendeu-se:

1. Garantir o acesso das mulheres e crianças de rua do Lobito a um conjunto de serviços como
alfabetização, educação sanitária, apoio psicossocial, formação profissional e emprego, através do
apoio ao funcionamento do Centro Social Renascer.

2.Aumentar a qualidade dos serviços de acolhimento e integração social do Centro Social Renascer,
através de um maior conhecimento da realidade da mulher e respectivas famílias em situação de
risco na cidade do Lobito e da criação de uma metodologia de acompanhamento adequada.

3. Melhorar a capacitação técnica dos recursos humanos das organizações locais que intervêm no
contexto das mulheres e crianças de rua, através da realização de uma acção de formação para
agentes sociais e da criação de um centro de recursos com bibliografia adequada.

O projecto “Centro Social Renascer - Assistência Técnica à Inserção da Mulher e Criança de


Rua afectada pelo fenómeno da prostituição no Lobito” parte de uma concepção alargada do
conceito de inserção reconhecendo que, para além da vertente profissional, a reinserção passa
pela reestruturação de todo o projecto de vida, valorizando diferentes áreas da vida da mulher, tais
como a auto-estima e a formação pessoal, a família e as sociabilidades. As actividades desenvolvidas
no âmbito do projecto incidiram pois nestes vários domínios de intervenção, apostando não só
na qualificação escolar e profissional mas também no desenvolvimento de competências pessoais
e profissionais.

Educação Social: âmbitos e práticas resulta de uma complicação de artigos escritos pelas
formadoras do Curso de Educadores Sociais, dando conta das reflexões teórico-metodológicas
que estiveram na base da construção e organização de cada um dos módulos de formação. De cariz
fundamentalmente didáctico, pretende-se que esta publicação sirva como recurso bibliográfico
actual de apoio à intervenção e reflexão dos profissionais desta área.

A presente publicação está então organizada da seguinte forma:

No primeiro capítulo são abordadas áreas temáticas de referência incontornável para o trabalho
social sendo que, ao colocá-lo em diálogo com outras áreas do saber, se dá simultaneamente conta

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

da sua transversalidade. No segundo capítulo os temas abordados são direccionados para o âmbito
mais estrito do trabalho em educação e serviço social.

Em termos formais procurou-se criar uma certa homogeneidade nos artigos, sendo que em todos
eles se faz num primeiro momento uma retrospectiva histórica da área em questão, identificando
posturas e autores-chave para depois se proceder a uma reflexão sobre as questões e desafios
que se colocam actualmente, as formas de gestão e de resposta a essas mesmas questões e os
principais autores em questão. Os artigos terminam com uma sistematização das ideias principais
postas em reflexão nos pontos anteriores.

Apesar da diversidade dos temas abordados procurou-se contudo que os artigos dessem conta, da
forma mais aproximada possível, do contexto cultural e socioeconómico angolano, integrando as
reflexões teóricas e as práticas dos formandos do Curso.

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I.
Formação Geral do
Curso de Educadores
Sociais
Educação Social: Âmbitos e Práticas

1.1 Introdução à Educação e Intervenção Social

Eunice Gomes Lopes

Com o objectivo de compilar os principais aspectos abordados no Curso de Formação de


Educadores Sociais no Lobito, no âmbito do módulo de Introdução à Educação e Intervenção
Social, elaborou-se o presente artigo que de forma sintética apresenta alguns aspectos genéricos e
fundamentais relativos ao domínio da educação social. Nesta perspectiva, pretende-se apresentar
resumidamente a evolução histórica do conceito de educação e distinguir os diferentes processos
em que se desenrola; compreender o conceito e a complexidade identitária da educação social;
entender o papel do/a educador/a social e as suas áreas de acção e reflectir sobre os principais
desafios que se colocam à educação social.

Palavras-chave: educação, educação social, processos de educação, o/a educador/a social; desafios
da educação social.

O conceito de Educação
Para compreender a dimensão conceptual da educação social, importa enfatizar resumidamente a
evolução do próprio conceito de educação.
Apesar de ser indiscutível o papel imprescindível que a educação assume no desenvolvimento do
ser humano, se pensarmos no conceito de educação em toda a sua amplitude e complexidade,
confrontamo-nos com uma diversidade de paradigmas, tornando-se impossível definir sem
recorrer a ideologias filosóficas, científicas, políticas e éticas. Deste modo, a educação assume um
cariz complexo e multidimensional.
Segundo Pedro Novelli (2001) e Vianna Carlos (2006), a filosofia desempenhou um significativo
papel na promoção da educação, através do reconhecimento do pensamento racional como veículo
para descobrir a razão de ser das coisas e da importância atribuída à educação nesse processo.
Sócrates criou uma nova imagem da relação do homem com o universo. O filósofo grego acreditava
que apenas através da razão e da educação se podia alcançar o verdadeiro conhecimento. O
seu famoso pensamento baseava-se no conhecimento que o Homem deveria ter de si próprio,
tornando-se um ser consciente da extensão da sua própria ignorância.
Para Platão, a educação representava um processo livre, que possibilitava o Homem libertar-se da
sua ignorância. Só ela era capaz de formar os cidadãos para a vida em sociedade.
O filósofo Aristóteles concebia a educação como um meio do Homem alcançar a sua plena
realização através das suas capacidades físicas, morais e intelectuais.
Também na Alemanha do século XVIII o filósofo Lessing partilhava desta mesma ideia, defendendo
uma “Educação do género humano”, em que o progresso da humanidade passava pela capacitação
para a prática proporcionada pela educação.
Ainda sob a mesma perspectiva, outro filósofo que importa mencionar é Herder, que encarava a
educação de forma singular, constituindo esta a oportunidade de “superação e melhoria da condição
humana marcada por carências e limitações. O fim de toda e qualquer ciência é humanizar, isto é,
promover o homem de sua condição humana menor para a maior” (Novelli, Pedro, 2001, p. 68).

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

Já na idade moderna John Locke, defendia a educação como parte integrante do direito à vida, pois
só assim podiam ser formados seres livres e conscientes.
Foi ainda neste período que Jean Rousseau criou princípios educacionais que continuam até a
actualidade. Ele acreditava que o fim último da educação deveria ser ensinar a criança a viver
e a exercer a sua liberdade e que esta é educada para si mesma, não para Deus, nem para a
sociedade. Defendia uma educação naturalista, em que o indivíduo agiria por interesses naturais e
não obrigado por regras exteriores artificiais.
Kant compreendia que do processo educativo resultava a moralidade dos seres humanos. Assim
sendo, segundo o filósofo, a educação deve promover a moral e a consciencialização do indivíduo
para que esta faça parte de todas as acções tomadas ao longo da sua vida.
Ainda de referir Durkheim e Piaget, que apesar de terem dado maior ênfase à educação e
crescimento da criança, também deram um significativo contributo para a educação. Segundo
Durkheim, a educação consiste num conjunto de influências que vamos recebendo ao longo do
processo de crescimento, não podendo ser colocadas no mesmo patamar, nem consideradas como
iguais. Nesta linha, o autor explica que a acção que a natureza exerce sobre o ser humano difere da
dos seres humanos sobre eles mesmos, distinguindo ainda as influências que os adultos exercem
sobre si, e a dos adultos sobre as outras gerações. Para o sociólogo apenas estas últimas podem
ser designadas de educação.
Jean Piaget afirmava que a educação deve permitir o desenvolvimento integral da criança desde a
fase sensório-motor até ao estádio operatório abstracto. Deste modo, deve ter como finalidade a
construção de indivíduos criativos, activos e autónomos.
Actualmente a Organização das Nações Unidas para a Educação Ciência e Cultura fundamenta que
a educação deverá centra-se em quatro pilares fundamentais do conhecimento, nomeadamente:
 No afectivo-emocional;

 No cognitivo, que se refere à aquisição de conhecimentos;

 No ético-moral, em que a moral diz respeito às regras e normas que caracterizam a


sociedade e a ética surge como ciência que regulamenta a moral. Note-se que esta difere
em consonância com as diferentes realidades sociais, politicas, económicas, históricas e
culturais;

 No psicomotor.

Desta forma, apenas o desenvolvimento equilibrado destes quatro pilares possibilita o crescimento
pleno do indivíduo.
Ao analisarmos toda esta conjuntura verificamos que, apesar da tendência para limitar a educação
ao contexto escolar e familiar, e até mesmo à relação de educador-educando, a educação assume
um sentido muito mais amplo e complexo. Não se reduz apenas a uma etapa, mas trata-se sim
de um processo gradual e contínuo, vivido ao longo da vida, que promove a consciencialização,
desenvolvimento e libertação do ser humano.
Podemos afirmar que a educação assume um papel determinante na formação identitária, associada
à capacidade de transformação e mudança do indivíduo e consequentemente da própria realidade
em que este está inserido. Citando o pedagogo Paulo Freire, responsável pela promoção de uma

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

educação emancipadora, democrática e libertadora: “Eu continuo a dizer, homens e mulheres, não
viemos para o mundo para ser treinados, fizemo-nos no mundo seres modificadores. A adaptação
ao mundo é apenas um momento do processo histórico. Adapto-me para amanhã, desadaptando-
me corrigir o mundo e inserir-me nele” (FREIRE, 1997).

Os processos de Educação: formal, não-formal e informal


Neste âmbito importa distinguir de uma forma geral, os diferentes processos de educação
existentes, nomeadamente: a educação formal, a educação não formal e a educação informal.
A educação formal prende-se com o sistema educativo institucionalizado, organizado com uma
determinada sequência, com estruturas hierárquicas e burocráticas, determinadas a nível nacional,
abarcando geralmente desde o jardim-de-infância até ao ensino universitário e pós-universitário.
A educação não formal, embora obedeça também a uma estrutura e organização e possa conduzir
à certificação, diverge da formal no que respeita à fixação de tempo e de locais (organizações e
associações) e à flexibilidade na adaptação dos conceitos de aprendizagem a cada grupo social.
Finalmente, a educação informal é aquela que ocorre no quotidiano, ou seja, não há uma intenção
deliberada de educar mas tem uma dimensão educativa, como por exemplo as leituras, os encontros,
os meios de comunicação, entre outros.
Apesar das diferentes vertentes educativas, todas elas assumem um papel importante no processo
de aprendizagem integral do ser humano

Educação Social: Identidade e Conceito


Tendo novamente por referência a perspectiva transformadora da educação enunciada por Freire
e outros autores, perante as constantes mudanças sociais, que se prendem simultaneamente com
o agravamento das situações de exclusão social, com a valorização e defesa dos direitos básicos,
com a fraca resposta dos projectos tradicionais de intervenção social de cariz assistencialista e à
consequente tomada de consciência social e política dos mesmos, emerge um novo domínio da
educação, denominado educação social (Carvalho e Baptista, 2004).
A educação social surge então associada à evolução da investigação e produção nas ciências
sociais e da educação, reflectindo a responsabilização da sociedade perante as problemáticas
sociais existentes e “corresponde a um espaço profissional desenhado no ponto de encontro, e de
cruzamento, entre a área do trabalho social e a área da educação, o que, só por si, justifica alguma
ambiguidade no que diz respeito à afirmação de uma identidade profissional” (ibidem, p.83).
Dada a sua complexidade identitária, não podemos afirmar o seu compromisso com uma
tradição científica única e concreta, uma vez que o conhecimento que orienta a sua prática de
intervenção é constituído por um conjunto de ciências humanísticas e sociais, como a psicologia
do desenvolvimento, a psicologia social, a sociologia, a ética, a antropologia, a gestão, a política, entre
outras. Desta forma, assume um cariz abrangente, de significativa flexibilidade e dinamismo, com
raízes em diferentes disciplinas. Contudo, deve ser entendida sob uma perspectiva integradora,
pressupondo a compreensão fundamental da integridade e valor do ser humano.
Apesar de constituir um conceito recente, são diversas as propostas de definição do conceito de
educação social, das quais se podem destacar:

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

Oelschlagel (1992) afirma que a educação social deve contribuir para a superação da alienação e
possibilitar a auto-determinação do sujeito. Neste sentido, a educação social é a actividade crítica,
partindo dos problemas e desejos imediatos das pessoas, estimulando a acção e a procura da
mudança, tendo em conta possibilidades políticas e históricas e facilitando a compreensão dos
factores estruturais e conflitos sociais.
De acordo com Smith (1994), a educação social visa potenciar o desenvolvimento da pessoa como
um todo, fomentando a valorização do sujeito, e a compreensão e actuação na sua realidade.
Segundo Marcel Hicter, consiste num conjunto de práticas que procuram ajudar o ser humano a
compreender o seu meio social, económico, político, jurídico e cultural, e a tomar consciência dos
problemas existentes, dos meios e vontades para os resolver.
Joaquim do Arco (2005) defende que a educação social deve ser compreendida como um campo
que permite explorar novas estratégias de promoção social e comunitária, geradoras de mudança
e transformação da realidade. Esta mudança deve reflectir-se na melhoria da qualidade de vida.
Nesta perspectiva, a educação social, através da sua intervenção em comunidades locais, procura
contribuir para o desenvolvimento sócio/cultural e mudança das relações de poder, pelo aumento
da sua capacitação e consciencialização e pela transferência de competências (Raimundo, Helder,
s.d).
A educação social é deste modo, “a expressão da responsabilização da sociedade diante dos
problemas humanos que a percorrem a que ela não pode radicar, sem mais, em determinismos
ou fatalismos de ordem individual, histórica, estrutural ou transcendente” (Carvalho e Baptista,
2004,p.11).
Apesar das diferentes formas de apresentação do conceito, existem ideais e conceitos comuns que
devem constituir os pilares da intervenção social, nomeadamente: a mudança, a transformação, a
consciencialização, a capacitação, a resolução de problemas, o desenvolvimento, a responsabilização,
a promoção do espírito crítico, a auto-determinação e a promoção social, que devem culminar na
melhoria da qualidade de vida dos indivíduos e comunidades nas quais se intervém.
Com base nas definições apresentadas pelos vários autores e acrescentando o contributo de
outros, podemos enumerar um conjunto de objectivos gerais que deverão estar presentes no
âmbito de qualquer acção de intervenção comunitária, apesar de cada organização e/ou projecto
dever adaptá-los tendo por referência o respectivo contexto de intervenção. Assim, apontamos
como objectivos gerais:
 Ajudar na resolução de problemas sociais concretos;

 Despertar a consciência crítica;

 Promover a democracia, participação e poder dos cidadãos na sociedade e na sua própria


situação, em particular;

 Fomentar a capacitação e autonomia das comunidades através da formação, organização


e desenvolvimento de relações entre diferentes grupos sociais;

 Contribuir para uma maior justiça social, especialmente em grupos socialmente


excluídos;

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

 Contribuir para a melhoria da qualidade e (re) distribuição de bens e serviços;

 Contribuir para a melhoria da qualidade de vida.

O/A Educador/a Social: Funções, Capacidades e Áreas de Intervenção


Para alcançarmos estes objectivos é preciso mais do que a simples vontade de ajudar, investir na
exigente preparação/formação profissional e pessoal dos educadores/as de forma a serem capazes
de reflectir e actuar nas múltiplas vertentes da educação social. Estes devem ser “possuidores
de uma formação académica potenciadora de uma percepção globalizante, de uma mentalidade
curricular, os educadores sociais encontram-se em posição privilegiada na promoção do sentido
integrador que preside o trabalho social em rede” (Carvalho e Baptista, 2004, p.84).
De acordo com G. Chapellier citado em Carvalho e Batista (2004) e Joaquim do Arco (2005),
o/a educador/a social deverá ser um/a profissional capacitado/a para desempenhar as seguintes
funções:
 Diagnosticar características e identificar problemas, potencialidades de grupos e
comunidades perspectivando para uma acção educativa;

 Organizar processos de interacção social;

 Promover a participação e a crítica social;

 Promover o desenvolvimento de uma estrutura organizativa comunitária;

 Desenvolver práticas de prevenção e acompanhamento dos indivíduos e das


comunidades;

 Promover o desenvolvimento socioeducativo das pessoas como sujeitos dos processos


de intervenção;

 Construir, desenvolver e reestruturar pedagogicamente mecanismos cognitivos e de


aprendizagem;

 Integrar indivíduos e grupos na sociedade em função dos direitos e deveres que lhes são
reconhecidos;

 Apoiar a (re)inserção profissional;

 Apoiar a participação das pessoas nos processos de produção e difusão cultural;

 Elaborar e gerir projectos de formação socioeducativa.

Em suma, o/a educador/a apresenta-se como um/a agente de mudança, que assume um papel de
mediação, de técnico/a de relação, na medida em que estabelece o laço entre as comunidades
e os projectos. É um/a agente socioeducativo/a que actua de forma sistemática, planificada e
integrada nos mais diversos contextos sociais, com grupos desfavorecidos, em situação de risco e/
ou excluídos, ou noutros âmbitos com grupos de pessoas, jovens, adultos e comunidades.

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

Face à exigência funcional da profissão, o/a educador/a deve-se possuir um conjunto de capacidades
pessoais e profissionais fundamentais que possibilitem o seu reconhecimento enquanto profissional,
nomeadamente (Joaquim do Arco, 2005 e Carvalho e Baptista, 2004):
 Capacidade de interpretação da realidade social;

 Capacidade de análise crítica;

 Capacidade de tomada de decisões e liderança;

 Capacidade de polivalência técnica;

 Capacidade de iniciativa e inovação;

 Capacidade projectiva;

 Capacidade de criatividade;

 Capacidade de negociação e dinamismo;

 Capacidade de trabalhar em equipa;

 Capacidade de autonomia;

 Capacidade de flexibilidade e adaptabilidade;

 Capacidade de comunicação;

 Capacidade de reflexividade;

 Capacidade de aprender ao longo da vida/formação contínua

Importa relembrar que ser educador/a social exige acima de tudo, capacidade de responsabilidade
humana a nível profissional, sendo uma formação que vai além do período de preparação académica
e/ou técnica formal. É um processo de aprendizagem permanente que exige dos profissionais a
capacidade de aprender criticamente com cada atitude, comportamento e sabedoria adquirida nos
diversos contextos de actuação.
Neste sentido, o/a educador/a social constitui uma figura profissional especializada, dotada de uma
pluralidade de funções e capacidades, e por isso capaz de intervir em múltiplas realidades de acção.
Neste sentido, segundo os autores anteriormente citados, torna-se importante distinguirmos as
áreas de intervenção privilegiadas da educação social. São elas:
 Educação de adultos;

 Educação especializada (delinquência, toxicodependência, prostituição etc.);

 Desenvolvimento local;

 Cooperação para o desenvolvimento;

 Educação cívica;

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

 Educação para a saúde;

 Educação ambiental;

 Educação comunitária;

 Educação intercultural;

 Educação sexual;

 Educação empresarial (ex. microcrédito);

 Educação penitenciária;

 Educação laboral e ocupacional.

Salienta-se ainda que as áreas sinalizadas não englobam todo o universo possível de intervenção da
educação social, sendo que se trata de uma área tendencialmente alargada em consonância com os
projectos realizados e com a acção dos próprios técnicos (ibidem).

Os Desafios actuais da Educação Social


O alargado universo de intervenção da educação social, ao mesmo tempo que constitui uma mais-
valia na área do trabalho social e para o/a próprio/a profissional, também se torna um dos maiores
desafios da área profissional, na medida em que dificulta a construção da sua própria identidade.
Deste modo, a consolidação identitária da educação social é sem dúvida um dos maiores desafios com
o qual nos deparamos, referenciada nas múltiplas referências científicas existentes.
Nesta linha, Ana Cardoso (s.d), realça a dignificação e reconhecimento da educação social como um
dos principais desafios actuais. Isto passa pelo reconhecimento do benefício da educação social
como uma acção profissional qualificada e competente que contribui de forma significativa na
promoção do bem-estar social. Para além disso, torna-se importante o reconhecimento público
dessa mesma acção, aspecto crucial para a valorização de uma profissão.
Ao falar de valorização do estatuto profissional do/a educador/a social, significa dizer que por se tratar
de uma profissão recente, muitas organizações e a sociedade em geral, desconhecem a figura e
o papel do/a Educador Social, sendo muitas vezes questionados: mas afinal o que fazem? Onde
trabalham? São a mesma coisa que os assistentes sociais? Desempenham as mesmas funções de
um animador? As respostas a estas questões passam pela clarificação, delimitação e distinção de
papéis e funções em prol da sua identidade profissional; pela divulgação da imagem do/a Educador
Social; pela valorização das suas competências e por uma formação profissional rigorosa que o/a
dotem de competências instrumentais para saber-fazer e competências interpessoais para saber-
estar e saber-ser.
A divulgação de um código deontológico da educação social também surge como uma aposta urgente,
uma vez que o exercício de qualquer profissão pressupõe a existência de um conjunto de normas,
princípios e valores que orientem as relações e as tomadas de decisão de âmbito profissional. É
nossa obrigação construir um quadro deontológico uniforme, com indicadores que orientem e
regulem a nossa prática e comportamento profissional.

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

Cardoso aponta também como desafio, a produção de investigações e estudos que resultem da
reflexão, debate e avaliação das acções desenvolvidas no âmbito da intervenção da educação social.
Esta possibilita por um lado a consciencialização sobre as questões sociais existentes e promove
a produção de saberes e a melhoria da prática profissional. “A investigação-acção ao permitir a
implicação activa num processo de análise, reflexão e melhoria sobre a própria prática oferece ao
Educador(a) Social momentos de interrogação, de estudo e respostas num constante processo
inacabado” (CARDOSO, s.d, p. 11).
A capacidade de formação contínua e formação pós-graduada dos/as educadores/as sociais surge
apontada como outro desafio, ou seja a necessidade constante de actualização e na procura de
novos conhecimentos, apostando também na auto-formação, ou seja, na construção do seu próprio
saber.
Por fim, Ana Cardoso refere a valorização da educação não-formal uma vez que é nesta que incidem
maioritariamente as práticas socioeducativas da educação social, na medida em que “procura
abranger pedagogicamente a diversidade e riqueza dos contextos sociais pela aplicação de
experiências educativas inovadoras centradas em aprendizagens reais. Os conteúdos e objectivos
a alcançar são diversos quanto os territórios e os grupos para quem se dirige, com necessidades
específicas e imediatas, a quem agrada as abordagens funcionais e de carácter menos abstracto,
com raízes na cultura de origem e na vida” (Cardoso, A. s.d; p:13).

Considerações Finais
De forma sintética tentou-se abordar algumas questões subjacentes à educação e à educação
social. Pela conjuntura de perspectivas filosóficas apresentadas relativas ao conceito de educação,
verificámos que a educação social detém na sua lógica conceptual parte significativa das bases
filosóficas da educação.
A educação social surge recentemente no cruzamento de várias ciências, sob uma perspectiva
crítica, integradora e transformadora da vida social. Encarada como uma forte ferramenta de
resposta às complexas e problemáticas dinâmicas sociais contemporâneas às quais métodos e
posturas tradicionais se mostraram ineficazes.
Perspectivada numa lógica de ligação estreita entre a teoria e a prática, tem vindo a conquistar
o respeito e reconhecimento por parte de outras áreas científicas, organizações, pessoas e
comunidades onde intervém e público em geral.
Esse reconhecimento, que ainda requer muita conquista e constitui um dos maiores desafios da
educação social, advém do esforço dos/as educadores/as que têm vindo a abraçar este espaço
profissional com persistência e competência.
Para o pedagogo Paulo Freire, mais do que persistência e competência é preciso também falar de
esperança na mudança humana, na libertação do ser humano do determinismo, tornando-o um ser
autónomo, activo e sujeito da sua própria história de vida, através da educação. Desta forma, “O
homem é consciente na medida em que conhece e tende a comprometer-se com a sua própria
realidade” (Freire, P. 1975: p. 73).
Neste sentido, a educação social deverá promover o pensamento e a reflexão crítica sobre a
realidade, tendo em conta os valores cívicos e democráticos, constituindo uma das suas principais
finalidades a socialização e cidadania plena dos indivíduos e grupos, na construção de um mundo
de todos e para todos.

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

Importa relembrar que é uma área exigente, que requer preparação, competências profissionais
e pessoais que devem ser actualizadas constantemente. O/a educador/a social assume um papel
multidimensional e desafiante, ao percorrer um caminho difícil em que se depara com inúmeras
frustrações, injustiças e contrariedades. Para dar resposta às dificuldades encontradas, o/a educador/a
social precisa de ser perseverante, dotar-se de ferramentas que lhe permitam encontrar novas
soluções que possibilitem a concretização de acções que conduzam ao desenvolvimento pessoal e
social dos cidadãos e cidadãs.
Deste modo, apesar de todos os desafios e obstáculos, a educação social revela-se como um forte
instrumento de resposta social, promovendo a construção autónoma e consciente de projectos de
vida e a integração social activa através da defesa dos direitos e dignidade humana, contribuindo
para a melhoria da qualidade de vida.

Bibliografia
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http://www.plataformaongd.pt/

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

1.2 Introdução à Ética e Deontologia das Profissões Sociais

Cristina Lara Lopes

No Curso de Formação de Educadores Sociais no Lobito, no âmbito do módulo de Ética e


Deontologia das Profissões Sociais, pretendeu-se reflectir sobre o papel do código deontológico
na área social. Este artigo visa reflectir sobre os papéis e funções dos trabalhadores sociais no
contexto laboral, de modo a repensar o seu posicionamento na transmissão e reprodução de
valores e saberes enquanto agentes de mudança. Neste sentido desenvolveu-se uma reflexão
teórica acerca da ética e deontologia das profissões sociais.
Palavras-chave: ética; deontologia; direitos humanos; trabalhador social; moral.
Os profissionais que trabalham com pessoas em situação de vulnerabilidade, quer seja em termos
sociais, legais, de educação, entre outras, são muitas vezes designados de trabalhadores sociais,
uma vez que partilham um conjunto de valores, dos quais se destacam a importância da mudança
individual e social, o respeito pela diversidade e pela diferença e a prática participativa incentivando
à responsabilidade.
Assim, trabalhador social é o termo mais utilizado para abranger todos aqueles que estão ligados a
profissões do trabalho social. Estes trabalhadores sociais devem agir de acordo com o código de
ética e linhas orientadoras vigentes no seu país. Esses códigos incluem uma orientação ética mais
pormenorizada da prática profissional específica de cada contexto nacional.
Neste sentido, a reflexão ética é um meio que permite a compreensão dos limites e possibilidades
da actuação profissional perante os desafios colocados pela modernidade, procurando balizar e
orientar o desempenho dos profissionais.
Ao nível das relações sociais, o trabalhador social tem por objectivo responder às necessidades do
público com o qual intervém, procurando o bem-estar individual e social. Deste modo, para que se
compreenda o que é a ética e a sua importância nas profissões sociais, tomámos como referência
diversos autores, tais como Sarah Banks, Ezequiel Ander-Egg e Lúcia Barroco, bem como ao nível
das organizações Conseil Superieur du Travail Social.

Distinção entre Ética e Deontologia


A ética (ethos) é uma disciplina filosófica que estuda o valor das condutas humanas, os seus
motivos e finalidades.
No final do século XX as desigualdades sociais, económicas e culturais decorrentes de uma
economia de mercado fundamentalmente capitalista fazem despertar uma nova consciência cívica,
onde os sujeitos se preocupam mais com o significado e as consequências dos seus padrões de
consumo. Assim, nas várias áreas profissionais multiplicam-se os códigos de ética ou de conduta,
nomeadamente no meio empresarial. No século XXI o respeito pela natureza torna-se imperativo,
dando origem a noções como desenvolvimento sustentável.
Assim, ao considerar-se a ética uma acção reflexiva em torno das ideias, causas e consequências
da conduta humana, ou seja, uma acção própria do homem enquanto ser social, esta noção é
determinada pelo espaço e época em que ocorre. Deste modo, a postura de um profissional é
influenciada por um conjunto de princípios e por uma determinada forma de ver a realidade.

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Ao longo dos tempos e em determinados contextos tem-se verificado que muitas vezes os
princípios éticos, mais do que constituírem um conjunto de princípios que respeitam o outro e
promovem o bem-comum, são utilizados para defender e proteger os profissionais. O desafio será
então utilizar estes princípios para uma compreensão mais abrangente do mundo e que permita
uma visão mais consciente e ampla da existência humana.
A ética consiste então no estudo dos valores morais e nos princípios pelos quais se deve reger o
comportamento humano, fazendo também parte desta os conceitos do bem e do mal. Segundo
Dolgoff, Loewenberg & Harrington (2005) a hierarquia de princípios éticos é: i) protecção da vida;
ii) igualdade; iii) autonomia e liberdade; iv) menores danos; v) qualidade de vida; vi) confidencialidade;
e vii) completa divulgação.
O entendimento do conceito de ética não é universal, dependendo antes dos contextos sociais
e culturais, bem como da consciência individual dos sujeitos, sendo que a sua evolução resulta de
condições civilizacionais e de contemporaneidade que vão mudando ao longo do tempo. Assim, é a
sociedade que determina as regras da ética, seja através das leis, dos costumes, da moral, de códigos
de conduta ou de deontologia. Contudo, existe sempre um espaço de consciência individual que
permite a cada cidadão estabelecer as suas fronteiras desde que não infrinja princípios determinados
por regras de conduta sociais. Os princípios e valores de um código de ética baseiam-se em 4 tipos
de responsabilidade: i) para com os clientes do serviço; ii) para com a profissão; iii) para com o local
de trabalho e iv) em situações específicas.
Segundo a autora Lúcia Barroco (2001) importa desenvolver uma crítica sistemática em torno
das questões éticas, pois a formação ética é essencial para o esclarecimento crítico do significado
das escolhas individuais face aos projectos colectivos e para orientar a construção de respostas
profissionais que, perante os desafios quotidianos, tenham capacidades objectivas de romper ou de
resistir aos limites que se colocam.
A ética diz assim respeito ao comportamento moral, bem como à reflexão sobre os valores e
princípios que orientam tal comportamento e à possibilidade de realizar escolhas e criar alternativas
de valor que objectivem a liberdade. Neste sentido, a ética é fundamental para a área social, porque
esta influencia a forma como o trabalhador social define os problemas, fixa as prioridades, decide
sobre os meios e as estratégias a implementar e os resultados a atingir.
Por seu turno, o termo deontologia surge das palavras gregas “déon, déontos” que significam
dever e “logos”, que se traduz por discurso ou tratado. A deontologia é o tratado do dever ou do
conjunto de deveres, princípios e normas adoptadas por um determinado grupo profissional. A
deontologia é uma disciplina da ética adaptada ao exercício de uma profissão. Esta disciplina diz
respeito aos deveres específicos do agir humano no campo profissional, sendo que para a autora
Sarah Banks, a deontologia define-se por um conjunto de regras de conduta profissional. Ander-Egg
define-a como o estudo ou tratado dos deveres. Lúcia Barroco define-a como ethos profissional
e que diz respeito ao modo de ser da profissão e à sua moralidade, assim como diz respeito ao
produto objectivo das acções profissionais individuais e colectivas. Podemos ainda referir a noção
de deontologia para o Conseil Superieur du Travail Social, que a entende como o enquadramento da
acção profissional e que se deve desenvolver em conformidade com os valores admitidos por um
corpo profissional e pelos clientes dessa profissão.

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

A importância da deontologia nas profissões sociais


Ao falarmos de ética profissional é necessário fazer referência à noção de deontologia, porque
a deontologia é um termo mais apropriado para a discussão sobre a conduta profissional,
compreendendo-a como um esforço para se obter uma uniformização da acção dos membros de
determinada categoria profissional.
A missão de uma profissão na área social encontra-se enraizada num conjunto de valores centrais,
tais como: serviço, justiça social, dignidade, valor pessoal, importância das relações humanas,
integridade e competência.

VALOR PRINCÍPIO ÉTICO


Ajudar pessoas tendo em conta problemas sociais, utilizando os
Serviço
seus conhecimentos, valores e capacidades.

Os trabalhadores sociais procuram a mudança social, sobretudo


no que diz respeito à pobreza, desemprego, discriminação e outras
formas de injustiça social. O trabalhador social deve assegurar a
Justiça social
todas as pessoas o acesso à informação, aos serviços e aos recursos,
promovendo a igualdade de oportunidades e a participação activa
na tomada de decisões.

Os trabalhadores sociais procuram fortalecer as relações entre as


Importância das pessoas, no sentido de promover, restaurar, manter e alcançar o
relações humanas bem-estar dos indivíduos, das famílias, grupos sociais, organizações
e comunidades.

Os trabalhadores sociais devem estar sempre conscientes da


Integridade missão da profissão, valores, princípios e padrões éticos, actuando
em coerência com os mesmos.

Os trabalhadores sociais actuam de acordo com a sua área de


Competência competência, desenvolvendo e alcançando a sua experiência
profissional.

A complexidade da realidade requer do profissional uma visão crítica que lhe permita uma
compreensão da totalidade, que apreenda os limites e possibilidades para uma acção transformadora.
Falar de visão crítica e de acção transformadora não significa só a mudança social a partir da profissão,
mas valorizar a competência do trabalhador social cuja prática possui uma dimensão ético-política.
Ser competente profissionalmente pressupõe então: i) domínio teórico-metodológico; ii) visão
crítica; e iii) compromisso social.
A competência teórico-metodológica é uma reflexão ética, ou seja, requer apreensão dos valores
que estão em confronto naquela situação. Não basta a fundamentação teórico-metodológica para
se implementar uma acção transformadora. A reflexão ética fará a mediação entre esse saber
teórico-metodológico e os limites e possibilidades decorrentes das relações valorativas do homem
em sociedade. No processo de reprodução das relações sociais o trabalhador social competente é

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

aquele que apropria a massa crítica acumulada pela profissão no seu debate teórico, na dimensão
histórica e metodológica, que pauta a sua acção pelo conhecimento teórico-político da sua
profissão, e que executa uma reflexão ética atendendo aos valores e princípios do código da ética
profissional.
O profissional da área social precisa de estar atento e intervir nos espaços institucionais adoptando
estratégias qualificadas, tendo como base os suportes éticos e normativos que orientam a sua postura
profissional. O exercício profissional situa-se num desempenho de funções ao nível do exercício
dos direitos sociais, na elaboração de estudos e de pareceres sociais, na actuação e articulação
de redes e parcerias para a prestação de benefícios sociais, tendo como base pressupostos de
responsabilidade social. Trata-se, portanto, de um espaço de trabalho que ultrapassa as meras
actividades na esfera de execução, formulação e gestão das políticas sociais. Cabe ao trabalhador
social a tarefa de identificar as mediações e mudanças em curso nas organizações e analisar a
realidade, uma vez que as solicitações individuais, avulsas, casuais ou institucionalizadas podem
constituir-se como pedidos colectivos potenciadores de novas conquistas e direitos sociais ou de
novos serviços e projectos que dêem resposta aos interesses da população. A acção profissional
pode expressar-se assim de várias formas, nomeadamente através de assessorias na formulação,
coordenação e gestão de projectos sociais e pela integração em equipas multidisciplinares, como
por exemplo em projectos de desenvolvimento integrado.
Tendo em consideração os aspectos supramencionados, espera-se que os trabalhadores sociais
assumam uma postura profissional específica, que ultrapasse o sistema funcional de troca da
sociedade capitalista, complementando actividades que visem o lucro com acções que permitam a
realização total do ser humano.
Em suma, podemos afirmar que “a missão principal do trabalhador social é alcançar o bem-estar
do ser humano e ajudar a ir ao encontro das necessidades de todos (...). Os trabalhadores sociais
são sensíveis às diversidades culturais e étnicas, e esforçam-se por acabar com a discriminação, a
opressão, a pobreza e outras formas de injustiça social” (in Código de Ética em 1999). Um dos
valores básicos do projecto profissional do trabalhador social é a defesa dos Direitos Humanos.
Esta refere-se à equidade e à justiça social, na perspectiva da universalização do acesso aos bens
e serviços relativos aos programas e políticas sociais. A ampliação e a consolidação da cidadania
constituem condição para a garantia dos direitos civis, políticos e sociais.

Considerações Finais
As profundas transformações sociais, culturais e científicas da nossa sociedade colocaram novos
problemas e desafios éticos, nomeadamente nos domínios da ciência (clonagem, manipulação
genética, eutanásia, etc.), ecologia e comunicação/informação.
A reflexão ética é um aspecto central nas profissões sociais, pois permite articular os valores
básicos, princípios e padrões éticos que regulam uma profissão. Esta questão torna-se fundamental
em situações de conflito entre diferentes valores e deveres profissionais, uma vez que é essencial
na definição do que se deve fazer e na decisão de quais os valores e deveres que têm precedência
ou assumem primazia numa determinada situação.
O código deontológico é relevante para todos os profissionais, independentemente das suas
funções, áreas de trabalho e das populações com quem intervêm. Este estabelece um conjunto de
valores, princípios e padrões éticos pelos quais um profissional se rege e através dos quais a sua
acção pode ser julgada. O comportamento ético dos trabalhadores sociais deve resultar do seu

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compromisso social e em desenvolver uma prática que respeite um conjunto de valores na qual
esta assenta, tais como: serviço, justiça social, dignidade e valor pessoal, importância das relações
humanas, integridade e competência.
Como conclusão deste módulo de formação, o grupo de formandos elaborou um código
deontológico para orientar a sua intervenção.
Assim, os formandos definiram:

Princípios

 Respeito pelos direitos e dignidade da Pessoa;


 Justiça Social;
 Responsabilidade.

Normas gerais de conduta ética

 Protecção e dignidade a vida humana;


 Formação e competência na execução do trabalho social;
 Promover o bem-estar humano e justiça social;
 A intervenção social deve ser feita ao nível local e quotidiano.

Normas do trabalhador social na relação com os utentes


 Trabalhar com o utente na resolução do problema;
 Tratar os utentes de maneira decente e respeitável;
 Primar pela igualdade evitando a discriminação;
 Dever de proteger a privacidade e confidencialidade dos utentes;
 Compromisso de proporcionar o apoio e o direito de autodeterminação a qualquer pes-
soa que procure a sua ajuda e conselho, sem discriminação;
 Compreender as diferenças do cliente para melhor intervir no seu problema e promover
o direito à autodeterminação.

Normas do trabalhador social na relação com instituições / serviços e organizações


 O trabalhador social deve ser cumpridor das tarefas que a instituição implementa, assíduo
e pontual;
 O trabalhador social deve ser organizado, confiante e crítico em relação ao seu trabalho;
 Reciprocamente o trabalhador social, bem como a instituição devem assegurar os seus
direitos e deveres e reivindicar quando estão a ser esquecidos.

Normas do trabalhador social na relação com os colegas


 O trabalhador social deve ser harmonioso, respeitando os colegas, fomentando espírito
de grupo para que juntos formem uma mesma força;

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

 O trabalhador social deve saber funcionar em equipa, ou seja, com equipas multidisciplinares,
com vista a contribuir para o desenvolvimento da sociedade e própria instituição;
 O trabalhador social deve reconhecer as diferenças de opinião e de práticas dos colegas
e defende-los contra actos injustos.

Normas relativas à profissão


 Ser reconhecido pela sociedade;
 Promover a prática profissional e o emprego dos trabalhadores sociais;
 No desempenho da prática profissional, o trabalhador social não pode utilizar as suas
relações profissionais com os utentes com o objectivo de promover os seus interesses
pessoais.

Bibliografia
- Banks, Sarah (1995), Ética y Valores en el Trabajo Social, Barcelona: Paidós.
- Banks, Sarah e Nohr, Kirsten (2008), Etica Pratica para as Profissões do Trabalho Social, Porto
Editora.
- Barroco, L. (2001), Ética e Serviço Social. Fundamentos Ontológicos, S. Paulo: Cortez.
- Conseil Supérieur du Travail Social, Èthique des Pratiques Sociales et Deontologie des Travaileurs
Sociaux, Rennes: ENSP, 2001.
- Egg, Ander (1995), Diccionario del Trabajo Social, Buenos Aires: Lumen.
- Fortes, Pac, “Ética e saúde: questões éticas, deontológicas e legais, tomada de decisões, autonomia
e direitos do paciente, estudos de casos”, São Pulo: EPU, 1998.
- Goldim, Jr., “Aspectos éticos, legais e morais relacionados à autoria na produção científica, Porto
Alegre, 1997.
- Madinier, G. (1960), “A Consciência Moral”, Braga: Edit. Franciscana.
- Narchi, Nz e Secaf, V., “Códigos de ética profissional e a pesquisa: direitos autorais e do ser
humano”, Rav Paul Enf, 2002.
- Pinto, José, “Bioética para Todos”, 1ª ed., Braga, Editorial A. O. – Braga, 2006.
- Valério, Miguel Ângelo F. M. (2008), “II Simpósio Nacional Desafios do Profissional de Serviço
Social”, Porto 22 de Abril.

Referências electrónicas
http://www.cpihts.com
http://ifsw.org
http://psicologia.com.pt
http://wma.net
www.eduso.net
http://apross.pt
http:/www.etics.ubc.ca/
http:/www.ethics.ubc.ca/mcdonald/decisions.html
http:/www.globalethics.org/

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

1.3 Educação de Adultos: uma introdução ao conceito e às práticas

Maria João Proença


O conceito de educação de adultos surge, no mundo actual, como um conceito central de uma
sociedade marcada pela generalizada acessibilidade à informação e rápidas mudanças. Surge também
como uma estratégia de combate à pobreza e exclusão social, permitindo o desenvolvimento
de capacidades e competências, o enriquecimento de conhecimentos, a mudança de atitudes e
comportamentos “na dupla perspectiva de um desenvolvimento integral do homem e de uma
participação no desenvolvimento social, económico e cultural, equilibrado e independente”
(Canário, 1999, pp.36-37 e Santos Silva, 1990, p.16). É neste contexto que o presente artigo está
integrado. Pretende ser uma abordagem introdutória ao tema da Educação de Adultos, resultante
da sessão de trabalho implementada no âmbito da formação de Educadores Sociais, tendo como
finalidade fazer uma síntese dos debates teóricos actuais relacionados com o conceito e com
as práticas reconhecidas pela comunidade científica como práticas de Educação de Adultos e os
desafios que se colocam actualmente neste domínio.

Palavras-Chave: Educação, Adultos, Educação de Adultos, Andragogia, Modelo Andragógico;


Alfabetização, Formação Profissional, Animação Sócio-Cultural; Desenvolvimento Local

Educação de Adultos: definição do conceito e breve enquadramento histórico


Falar de Educação de Adultos é falar da conjugação de dois grandes conceitos, respectivamente: o
conceito de EDUCAÇÃO e o conceito de ADULTOS. Parece-nos fundamental que, no processo
de definição do conceito de Educação de Adultos, se analise cada um dos conceitos em separado
para que seja possível, a partir dessas definições construir um outro, que será mais do que o
somatório dos dois conceitos de per si.
Relativamente ao primeiro conceito em análise – Educação- temos, como uma definição possível:
processo de transmissão de ideias, modelos, comportamentos, saberes, técnicas e conhecimentos
estabelecidos numa dada sociedade, considerados como importantes. O que se pretende através da
Educação é a mudança duradoura e sistemática dos comportamentos e conhecimentos dos indivíduos
de forma a que estes actuem de acordo com as regras e normas definidas pela sociedade em que vive1).
É, neste sentido, possível discernir algumas ideias centrais da definição apresentada, relacionadas
com o facto de traduzir a noção de processo e continuidade, não se restringindo unicamente
nem à Escola (enquanto local de realização de aprendizagens) nem à Educação escolar (enquanto
forma de transmissão de conhecimentos), dependendo do contexto e referências culturais onde
e em que acontece. Uma outra ideia presente nesta definição está relacionada com a finalidade da
Educação: a promoção de comportamentos e conhecimentos que facilitem a integração e a vida na
sociedade em que os indivíduos estão integrados.
Na verdade, a definição que aqui se propõe não explicita os seus destinatários, ou seja, a quem se
dirige a Educação, permitindo deduzir que, sendo um processo que tem em vista o desenvolvimento
de competências e capacidades relacionadas com a vida em sociedade, poderá acontecer ao longo
da vida de um indivíduo.

1
In SPRINTHALL, Norman A.; SPRINTHALL, Richard C. (2001). Psicologia Educacional. Uma abordagem desenvolvimentista.
Amadora. Mc Graw-Hill de Portugal, Lda.

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

Relativamente ao segundo conceito em análise, o ADULTO, apesar de não termos encontrado uma
definição “oficial”, formal será possível defini-lo como uma pessoa - com mais de 18 anos - que
tem já desenvolvidas determinadas competências como: capacidade de procriação, capacidade de
participação no trabalho produtivo, capacidade para assumir responsabilidades inerentes à vida em
sociedade, capacidade para agir com independência e tomar decisões reflectidas com liberdade.
Terá por isso, características e necessidades diferentes das crianças e dos jovens.
Será, neste sentido, possível referir que de uma maneira geral falar de Educação de Adultos é falar
das iniciativas orientadas para a promoção de mudanças duradouras e sistemáticas dos comportamentos
e conhecimentos de indivíduos com mais de 18 anos de forma a que estes actuem de acordo com as
regras e normas definidas pela sociedade em que vivem. A esta arte de ensinar os adultos dá-se o
nome de Andragogia, distinguindo-se desta forma da Educação de Crianças/Jovens definida como
Pedagogia.
Apesar de ser actualmente reconhecida enquanto campo teórico e empírico específico, a Andragogia
é uma ciência recente, embora lhe sejam feitas referências desde o início do Séc. XIX. Não sendo
objectivo do presente artigo aprofundar esta questão histórica e evolutiva do conceito, é possível
identificar alguns períodos que marcaram as principais mudanças e enriquecimento do ponto de
vista conceptual.
A ideia de que educação é um processo que não se limita à infância mas que se prolonga ao longo
da vida é referida já em 1833 num livro intitulado “As ideias de Platão sobre Educação” do autor
Alexandre Kapp.
A partir de 1920 a Educação de Adultos ganha “corpo” enquanto campo teórico de estudo e
investigação com o autor norte-americano Eduard Lindmann, expandindo-se posteriormente pela
Europa. Lindmann reforça a necessidade de valorizar o Adulto enquanto indivíduo portador de
uma experiência de vida e de conhecimentos sobre o mundo.
Até 1940, apesar de haver elementos suficientes para a elaboração de uma teoria compreensiva sobre
a aprendizagem de adultos, esses elementos estavam dispersos e necessitavam de uma unificação
teórica. Entre 1940 e 1950 esses princípios foram esclarecidos, reelaborados e incorporados
conhecimentos oriundos de várias disciplinas das ciências humanas. A Psicoterapia, por exemplo,
foi uma das ciências que mais contribuiu para o enriquecimento teórico da Andragogia. Isto porque
os psicoterapeutas estão voltados essencialmente para a reeducação e em especial da população
adulta.
A partir da década de 50 a Educação de Adultos ganha, assim, um novo sentido e designação com o
contributo de Malcom Knowles, que propõe um modelo Andragógico de educação, concebendo-o
por oposição ao modelo pedagógico e separando-o definitivamente da pedagogia.
É, no entanto, após a segunda guerra mundial, num contexto de reconstrução europeia, que se pode
falar numa explosão do conceito de Educação de Adultos. Nos anos 60, na conferência internacional
de Montréal, promovida pela UNESCO (1964), os delegados estabelecem uma ligação estreita
entre a educação de adultos e o desenvolvimento económico, quer no plano nacional, quer no
plano internacional, constituindo o início de num debate internacional que culmina na conferência
de Nairobi (1976) onde surge como definição - reconhecida hoje como a mais consensual e a
que nos parece mais abrangente e completa. - de Educação de Adultos: “totalidade dos processos
organizados de educação, qualquer que seja o conteúdo, o nível ou o método, quer sejam formais ou não
formais, quer prolonguem ou substituam a educação inicial ministrada nas escolas e universidades ou
sob a forma de aprendizagem profissional, graças aos quais as pessoas consideradas como adultos pela

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

sociedade a que pertencem desenvolvem as suas aptidões, enriquecem os seus conhecimentos, melhoram
as suas qualificações técnicas ou profissionais ou lhes dão uma nova orientação, e fazem evoluir as suas
atitudes ou o seu comportamento na dupla perspectiva de um desenvolvimento integral do homem e
de uma participação no desenvolvimento social, económico e cultural, equilibrado e independente” (in
Canário, 1999, pp.36-37 e Santos Silva, 1990, p.16).
Actualmente a Andragogia inscreve-se, também, nos objectivos da Educação para Todos proclamada
pelas Nações Unidas na Conferência de Dakar (2000).

Caracterização do Modelo Andragógico


O Modelo Andragógico aqui proposto foi desenvolvido por Malcolm Knowles na década de 50, que
o concebeu por oposição ao modelo pedagógico, por constituir na altura o modelo dominante de
análise dos processos de aprendizagem e ensino. Todo o sistema educacional até então, incluindo a
educação superior, ficou como que “congelada” dentro do modelo pedagógico.
Knowles refere a existência de 5 princípios centrais na forma de aprendizagem dos adultos,
reforçando que os adultos aprenderão melhor quando:

1. Entendem a razão de ser da aprendizagem, ou seja, quando conseguem operacionalizar e


relacionar as aprendizagens feitas com a sua vida, o seu quotidiano;
2. Têm a liberdade de aprender ao seu próprio ritmo;
3. A aprendizagem assenta na experimentação, no debate, no diálogo;
4. O processo é positivo e encorajador. Sendo os adultos portadores de uma história e expe-
riência de vida há muito conhecimento “popular” acumulado. Por esta razão, o processo de
educação de adultos deve reforçar aquilo que o adulto em formação já sabe, e ao mesmo
tempo a sua capacidade de ir mais além, prevenindo assim a desmotivação e a desistência.
Um adulto só investe naquilo em que reconhece retorno efectivo.
Estes 5 princípios organizar-se-iam numa proposta conceptual do Modelo Andragógico elaborada
por Knowles a partir da análise daquilo que considerou ser as principais linhas de orientação de
qualquer processo educativo e que constituiriam a marca distintiva entre o Modelo Pedagógico e
o Modelo Andragógico, ou seja, entre a forma como as crianças e os adultos aprendem. São, neste
sentido, referidos como cruciais os seguintes aspectos:

 O papel da experiência (de vida) dos aprendizes, ou seja, de que forma a experiência de
vida condiciona a forma como os aprendizes aprendem;
 A vontade de aprender;
 A orientação da aprendizagem, ou seja, a forma como as estratégias e métodos escolhi-
dos influenciam a forma como os aprendizes aprendem;
 A motivação para a aprendizagem (ou influência que a motivação para a aprendizagem
exerce no próprio processo de aprendizagem).
As principais diferenças entre os dois modelos podem ser sistematizadas da seguinte forma:

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

Dimensões de
Modelo Pedagógico Modelo Andragógico
Análise

Papel da A experiência daquele que aprende Os adultos são portadores de uma


experiência é considerada de pouca utilidade. experiência que os distingue das
O que é importante, pelo contrá- crianças e dos jovens. Em numerosas
rio, é a experiência do professor. situações de formação, são os pró-
prios adultos com a sua experiência
que constituem o recurso mais rico
para as suas próprias aprendizagens.

Vontade de A disposição para aprender aquilo Os adultos estão dispostos a iniciar


aprender que o professor ensina tem como um processo de aprendizagem des-
fundamento critérios e objectivos de que compreendam a sua utilidade
internos à lógica escolar, ou seja, a para melhor enfrentar problemas re-
finalidade de obter êxito e progre- ais da sua vida pessoal e profissional.
dir em termos escolares.

Orientação da A aprendizagem é encarada como Nos adultos a aprendizagem é orien-


Aprendizagem um processo de conhecimento tada para a resolução de problemas e
sobre um determinado tema. Isto tarefas com que se confrontam na sua
significa que é dominante a lógica vida quotidiana (o que desaconselha
centrada nos conteúdos, e não nos uma lógica centrada nos conteúdos).
problemas.

Motivação A motivação para a aprendizagem Os adultos são sensíveis a estímulos


é fundamentalmente resultado da natureza externa (notas, etc.), mas
de estímulos externos ao sujeito, são os factores de ordem interna que
como é o caso das classificações motivam o adulto para a aprendiza-
escolares e das apreciações do gem (satisfação, auto-estima, qualida-
professor. de de vida, etc.).

Fonte: Elaboração própria

Neste sentido, qualquer intervenção com público adulto, deverá partir destes pressupostos de
forma a garantir a realização de aprendizagens efectivas e significativas.
Numa tentativa de enriquecer o modelo proposto por Knowles, Canário (1999, pp21-22), citando
António Nóvoa, indica seis princípios que deverão nortear qualquer iniciativa desenvolvida no
âmbito da Educação e Formação de adultos:

1º Princípio
O adulto, em situação de formação, tem de ser visto como portador de uma história de vida e de
uma experiência profissional que não poderá ser remetida para o esquecimento. Assim ganha uma

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

importância inegável reflectir sobre o modo como ele próprio se forma, isto é, “o modo como ele se
apropria do seu património vivencial através de uma dinâmica de compreensão retrospectiva”;

2º Princípio
A formação deverá ser entendida como um processo de transformação individual numa tripla
dimensão do saber: saber saber, saber fazer, saber ser. Pressupõe uma grande implicação do
indivíduo em formação, bem como uma participação alargada dos formandos na própria concepção
e implementação da formação;

3º Princípio
A formação deverá ser entendida como processo de mudança institucional, ligada estreitamente
à instituição onde o sujeito exerce a sua actividade profissional. Assim espera-se um contrato
tripartido, estabelecido entre equipa de formação, formandos e instituições;

4º Princípio
A formação deverá ser organizada “numa tensão permanente entre a reflexão e a intervenção,”
assentando num processo de investigação e sendo encarada como uma “função integradora
institucionalmente ligada à mudança”;

5º Princípio
A formação deve desenrolar-se preocupando-se em desenvolver, nos formandos, as competências
necessárias para serem capazes de mobilizar, em situações concretas, os recursos teóricos e
técnicos adquiridos durante o processo formativo;

6º Princípio
“E não nos esqueçamos nunca que, como dizia Sartre, o homem caracteriza-se, sobretudo, pela capacidade
de ultrapassar as situações, pelo que consegue fazer com que os outros fizeram dele. A Formação tem de
passar por aqui”. Ou seja, qualquer iniciativa de Educação de Adultos deverá estar orientada para a
promoção de desenvolvimento de competências que permitam resolver situações do quotidiano
do adulto.
Diante dos seis pressupostos pedagógicos referidos é possível também deduzir algumas premissas
relacionadas com o tipo de relacionamento educacional com adultos. O respeito pela pessoa adulta,
é o ponto fundamental para se estabelecer uma relação de aprendizagem efectiva, entendendo o
respeito como a integração dos saberes e das experiências dos adultos no processo educativo.
Esse respeito passa pela compreensão de que o adulto é sujeito na aprendizagem e não objecto.
Implica a deslocação do professor, principal referência da relação educacional para o aluno/adulto
em situação de aprendizagem.

São 6 as premissas que caracterizam a relação educacional com o adulto:

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

Premissa 1: O adulto possui consciência crítica em relação à sua vida e ao mundo. Esta
consciência crítica deve ser levada em consideração em qualquer acção que tenha o adulto como
destinatário.
Premissa 2: A partilha de experiências é fundamental para o adulto, tanto para reforçar suas
crenças, como para influenciar as atitudes dos outros;
Premissa 3: A relação educacional deve assentar na interacção entre facilitador e aprendiz, onde
ambos aprendem entre si.
Premissa 4: A negociação deve ser a base da relação com o adulto.
Premissa 5: Qualquer intervenção deve assentar na aprendizagem e não no ensino;
Premissa 6: O adulto é o agente de sua aprendizagem e por isso é ele quem deve decidir sobre
o que aprender, sobre o que lhe é mais necessário e útil;
Estas premissas que caracterizam o tipo de relacionamento que deverá ser mantido com o
publico adulto em contexto de Educação e Formação de adultos resultam da análise da forma
de aprendizagem dos adultos e das suas características mais comuns, sendo possível referir como
características mais comuns o facto de que os adultos:
- Normalmente têm outras ocupações para além das acções de formação que frequentam (trabalho,
compromissos familiares,…);

- Possuem, comparativamente às crianças uma motivação mais elevada para a aprendizagem de


conteúdos que considerem relevantes e pertinentes;

- São responsáveis;

- São exigentes;

- Gostam de profissionalismo;

- Gostam de participar;

Podemos ainda destacar outras características que condicionam a aprendizagem dos adultos:
- Cansam-se mais depressa (por comparação às crianças);

- Desmotivam-se mais facilmente (por comparação às crianças) se não são bem sucedidos numa
tarefa;

- Não são tão curiosos (por comparação às crianças);

- Competências como a memória diminuem e a inteligência cristaliza;

- Não se interessam pelas teorias e ideias abstractas, preferem os problemas da vida real e a
aprendizagem de soluções concretas para a resolução desses problemas;

Em síntese, é possível referir a existência de dois pressupostos centrais que orientam e condicionam
as iniciativas desenvolvidas com público adulto. Por um lado, a necessidade de analisar previamente
os interesses do público adulto junto de quem se intervém, dos seus modos de vida e competências

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

possuídas. Por outro, garantir que as iniciativas assentam no diálogo e não na imposição/exposição
e são orientadas para aquilo que é o quotidiano do adulto.
Os princípios e premissas referidas permitem, nesta altura, levantar uma questão relacionada com
o tipo de práticas desenvolvidas no âmbito da Andragogia e que permitem a sua operacionalização.
O que poderá ser considerado como prática Andragógica, como uma prática de Educação de
Adultos? Como se operacionalizam estes princípios e premissas?

Educação de Adultos: 4 grandes áreas de intervenção


Segundo a definição de Andragogia ou Educação de Adultos de Canário e Santos Silva referida
na página 3 do presente artigo, é possível identificar quatro grandes áreas ou sub-conjuntos
reconhecidos como práticas educativas no campo da Educação de Adultos: a alfabetização, a
formação profissional, a animação sociocultural e o desenvolvimento local (Bhola, citado por
Canário, 1999, p.13).

Alfabetização
A alfabetização organiza-se como sendo uma oferta educativa de segunda oportunidade, “cuja
orientação principal preconizava a combinação entre a aquisição da leitura e da escrita e a formação de
base, designadamente profissional, segundo estratégias intensivas (...) e segundo programas diversificados
e flexíveis” (Santos Silva, 1990, p.13).

formação profissional
A formação profissional está orientada para qualificação e requalificação acelerada da mão-de-obra
(Canário, 1999), introduzindo-as no núcleo duro da educação de adultos (Santos Silva, 1990). A
grande preocupação é a actualização permanente do conhecimento e competências dos adultos
nas suas áreas específicas de trabalho.

animação sociocultural
“Não se circunscrevendo à problemática da ocupação dos tempos livres, em meio urbano, evolui no sentido
de se tornar uma estratégia de intervenção social e educativa ao serviço de projectos de desenvolvimento
em contextos socialmente deprimidos (...) ” (Canário, 1999, pp.15-16). A grande contribuição da
animação sociocultural para a acção e reflexão educativa foi ter conseguido pôr em evidência a
dimensão quantitativa e qualitativa dos fenómenos educativos não formais.

desenvolvimento local
O desenvolvimento local pressupõe práticas de articulação com a educação de adultos, numa
lógica local. Implica uma forte valorização da participação directa dos interessados. Ao confundir
o processo de desenvolvimento com um processo educativo, coloca um conjunto de questões
que põem em causa os fundamentos da forma escolar que continua a predominar na educação de
adultos. Estes processos de desenvolvimento local tornam-se momentos de síntese dos diferentes
“pólos que definem a educação de adultos (animação, alfabetização, formação profissional), contribuindo
para tornar mais visível a globalidade dinâmica dos processos de educação de adultos e contrariando uma
visão analítica e estanque dessas várias dimensões” (Canário, 1999, p.15).

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

Estes 4 grandes sub-conjuntos de práticas educativas reconhecidas como práticas andragógicas


respondem (ou tentam responder) à diversidade que caracteriza o “mundo dos adultos”. Falamos
de iniciativas que se dirigem a adultos que não terminaram ou frequentaram a escolarização básica
(alfabetização); falamos de adultos que poderão ter prosseguido a sua formação (ou não) mas que
estão integrados num mercado de trabalho que exige mão-de-obra cada vez mais qualificada e
actualizada, independentemente da posição ocupada nesse mercado (formação profissional).
Falamos também em práticas educativas de cariz mais colectivo (que poderão ou não integrar
as iniciativas de alfabetização e formação profissional), centradas e dirigidas a comunidades em
situação de maior vulnerabilidade e fragilidade económica, social e cultural e cuja finalidade de
intervenção é a promoção do desenvolvimento de competências e aptidões, o enriquecimento de
conhecimentos, a melhoria das suas qualificações técnicas ou profissionais permitindo a evolução das
suas atitudes ou o seu comportamento na dupla perspectiva de um desenvolvimento integral do homem
e de uma participação no desenvolvimento social, económico e cultural, equilibrado e independente” (in
Canário, 1999, pp.36-37 e Santos Silva, 1990, p.16).
Ainda em relação às práticas educativas andragógicas, existe uma característica especial que é referida
por Marcel Lesne (in Santos Silva, 1990): “uma das características especiais da formação de adultos (...)
consiste em ser organizada sob forma de acções, ou seja, sob a forma de respostas específicas e parciais
a problemas mais gerais, de ordem económica, social, cultural postos por organizações, grupos, pessoas”
(p.106). Desta forma, as situações educativas promovidas (independentemente do tipo) deverão
constituir respostas específicas e concretas às necessidades detectadas. Estas acções educativas
deverão ainda ser enquadradas cultural e contextualmente, ou seja, deverão ter em consideração a
realidade específica do público adulto a quem se dirige. Assim e como refere Augusto Santos Silva,
o sucesso da acção educativa está intimamente associada à relação estabelecida com o contexto
e com os projectos pessoais ou grupais que a enquadram. “Em consequência, em sociedades tão
marcadas, como a nossa, por esse poderoso contexto de socialização que é o trabalho, a articulação da
prática educativa à prática social (em sentido lato) passa crucialmente pela ligação dos modos e conteúdos
de formação às experiências e perspectivas de trabalho dos formandos” (p.106).
Esta perspectiva de Marcel Lesne referida por Santos Silva (1990) reforça tudo o que foi
anteriormente referido em relação aos princípios e premissas da andragogia, na medida em que
sublinha a necessidade de adequar as iniciativas e práticas educativas à realidade e contexto dos
adultos a quem estas iniciativas se dirigem.

Considerações Finais
A Andragogia, seus modelos e práticas tem despertado um interesse cada vez maior por parte
de comunidades científicas e práticas. Reconhece-se hoje o valor intrínseco que tem, num mundo
em permanente mudança e cada vez mais diversificado, em que paradigmas de conhecimento e
dinâmicas de organização social se desactualizam a uma velocidade vertiginosa.
Reconhece-se hoje que a prática (ou práticas) de Educação de Adultos está integrada numa
estratégia mais geral de combate à pobreza e de exercício de uma cidadania plena e participada.
Se durante muito tempo a alfabetização e a educação básica foram consideradas como estratégias
centrais do campo da Educação de Adultos, hoje é reconhecida a necessidade de alargar o âmbito
das práticas integrando a educação de adultos como uma estratégia de desenvolvimento sustentado
que passa pela promoção de iniciativas que contribuam para o desenvolvimento de competências
que permitam que os adultos desenvolvam as suas aptidões, enriqueçam os seus conhecimentos,

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

melhorem as suas qualificações técnicas ou profissionais ou lhes dão uma nova orientação, e fazem evoluir
as suas atitudes ou o seu comportamento na dupla perspectiva de um desenvolvimento integral do homem
e de uma participação no desenvolvimento social, económico e cultural, equilibrado e independente” (in
Canário, 1999, pp.36-37 e Santos Silva, 1990, p.16).
A diversidade de práticas andragógicas traduz a tentativa de responder à diversidade de públicos
adultos num contexto em que cada vez mais a globalização e evolução tecnológica traduzem e
exigem um conhecimento actualizado e permanente. A promoção do desenvolvimento de uma
atitude crítica e de permanente curiosidade é a base de qualquer modelo andragógico, por oposição
a uma perspectiva “bancária” de educação em que o publico adulto é considerado como mero
depositário de informação e conhecimento. A promoção do desenvolvimento de ferramentas que
permitam a integração social e actualização permanente do conhecimento é a grande finalidade
da Andragogia.
O grande desafio que se coloca actualmente está relacionado com esta necessidade de actualização
sistemática do conhecimento. Como dar resposta a uma sociedade de conhecimento cada vez
mais globalizada, diversificada e imediatista? Como garantir a exigência de uma cada vez maior
profissionalização dos agentes responsáveis pelas práticas de Educação de Adultos?
Como dar resposta a uma sociedade cada vez mais marcada pelas diferenças no acesso ao
conhecimento, criando disparidades cada vez maiores entre quem sabe e quem não sabe? Entre
quem tem acesso ao conhecimento e quem não tem? Como gerir essas diferenças tanto do
ponto de vista conceptual mas, e sobretudo, do ponto de vista prático garantindo a satisfação das
necessidades (permanente conhecimento) que se fazem sentir?
A Agenda para o Futuro da Educação de Adultos, resultante da V Conferência Internacional sobre
Educação de Adultos (Hamburgo, 1997), incluiu como temas prioritários: aprendizagem ao longo
da vida para a democracia; as relações de género; transformações no mundo do trabalho; meio
ambiente; saúde; cultura e meios de comunicação e novas tecnologias de informação e comunicação;
direitos humanos e o direito à diferença e à promoção da cooperação e da solidariedade a nível
internacional, respondendo desta forma às exigências e desafios referidos anteriormente.
Em síntese, existe actualmente uma necessidade de “a educação de adultos se transcender, retomando
caminhos já conhecidos, na educação popular e na intervenção cívica e sócio-educativa, por forma a
devolver aos cidadãos a diversidade do mundo no qual vivem” (Paula Guimarães, 2006).

Bibliografia
- Guimarães, Paula (2006). Comemorações dos 30 anos da Unidade de Educação de Adultos da
Universidade do Minho: Reflexões sobre o passado, o presente e o futuro de um campo de práticas
heterógeneo. Rev.Port de Educação, 2006, vol.19, nº2, p.266-267.ISSN 0871-9187
- Canário, Rui (1999) – Educação de Adultos. Um Campo e uma Problemática. Lisboa: EDUCA
- Canário, Rui (1995) – Gestão da escola: como elaborar o plano de formação? Lisboa: Instituto de
Inovação Educacional
- Freire, Paulo (1982). Educação como prática de Liberdade. Rio de Janeiro. Editora Paz e Terra
- Freire, Paulo (1987). Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro. Editora Paz e Terra
- Miller, H. L.(1964). Teaching and Learning in Adult Education.. New York. Macmillan, 1964
- Santos Silva, Augusto (1990) – Educação de Adultos. Educação Para o Desenvolvimento.
Porto: Edições Asa

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

1.4 Introdução aos Métodos e Técnicas de Investigação Social

Solange Elias de Almeida

Este artigo surge no âmbito do módulo de “Introdução aos Métodos e Técnicas de Investigação
Social”, do Curso de Educadores Sociais, promovido pelo Instituto de Solidariedade e Cooperação
Universitária em parceria com Centro Social Renascer no Lobito. O mesmo tem como objectivo
sistematizar os conteúdos abordados ao longo do referido módulo.
Assim, o corpo deste artigo será composto pela discussão da evolução histórica do conceito de
“Método” e pela apresentação e caracterização dos principais métodos e técnicas quantitativos e
qualitativos, utilizados em ciências sociais.

Palavras–Chave: Método, Métodos e Técnicas de Investigação, Análise Estatística e Censitária,


Inquérito, Entrevista, Observação, Workshop, Facilitação.

Método e Técnicas: Aproximação aos Conceitos


Segundo Trujillo (Trujillo, 1974:24, citado por Lakatos e Marconi, 1995: 39), “o método é a forma de
proceder ao longo de um caminho. Na ciência, os métodos constituem os instrumentos básicos que
ordenam de início o pensamento em sistemas, traçam de modo ordenado a forma de proceder do
cientista ao longo de um percurso para alcançar um objectivo”. Nérici (Nérici, 1978:15, in Lakatos
e Marconi, 1995:40) acrescenta ainda que “método é o conjunto coerente de procedimentos
racionais ou prático-racionais que orienta o pensamento para serem alcançados conhecimentos
válidos”.
Em 1980 Bunge (Bunge, 1980:19, in Lakatos e Marconi, 1995:40) define o método como sendo um
“procedimento regular, explicito e passível de ser repetido para conseguir-se alguma coisa, seja
material ou conceitual”.
Nas definições apresentadas há aspectos pertinentes para a definição de Método: “aspectos
relacionados com as regras, que não são uma garantia para que se alcance a verdade, mas que
permitem perceber os erros que estão a ser cometidos e corrigi-los” (Lakatos e Marconi,
1995:40).
Assim e tendo em conta os diferentes autores o método é definido, como sendo o “conjunto de
actividades sistemáticas e racionais que, com maior segurança e economia, permite alcançar o
objectivo – conhecimentos válidos e verdadeiros -, traçando o caminho a ser seguido, detectando
erros e auxiliando as decisões do cientista” (Lakatos e Marconi, 1995:40-41).
Em relação ao conceito de Métodos e Técnicas de Investigação, este traduz-se por um conjunto
de “procedimentos de carácter analítico, utilizados em ciências sociais e humanas com o fim de
investigar e estudar um dado grupo, aspecto, organização ou realidade” (Schiefer et al, 2007:257).

O carácter quantitativo, qualitativo e participativo dos métodos e técnicas de


investigação
Depois de explorado o conceito de método, é importante também distinguir o conceito de
Métodos e Técnicas de Investigação. Este traduz-se em “procedimentos de carácter analítico,

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

utilizados em ciências sociais e humanas com o fim de investigar e estudar um dado grupo, aspecto,
organização ou realidade” (Schiefer et al, 2007:257).

Segundo Schiefer et all (2007) os Métodos e Técnicas de Investigação podem ser:


 Quantitativos: inquéritos (por questionário) e análise de dados estatísticos e censitários;
 Qualitativos: observação e entrevista;

 Participativos: grupos de enfoque e workshops

Alguns exemplos de métodos quantitativos

1. Análise de dados estatísticos e censitários


Segundo Quivy e Campenhoudt (2003), este método traduz-se na recolha de dados estatísticos
já existentes.
É utilizado sobretudo quando o investigador tem necessidade de obter dados macrossociais,
demográficos, socioeconómicos que apenas organismos como o INE (Instituto Nacional de
Estatística com sede em Luanda) têm condições para recolher, ou seja, são dados que o investigador
por si só não conseguiria recolher; e também para analisar as mudanças sociais sobre as quais não
é possível recolher testemunhos directos, ou para cujo estudo estes são insuficientes. Existem dois
tipos de análise de dados: i) dados estatísticos e ii) documentos de forma textual

2. Inquéritos por Questionário


Segundo Quivy e Campenhoudt (2003), o inquérito é um método que se traduz num processo
ordenado de recolha de informação através de questionários estruturados, concebidos de forma a
permitir a validação estatística de hipóteses.
O questionário por sua vez traduz-se num instrumento de recolha de informação, é um tipo de
inquérito caracterizado por um conjunto de questões estruturadas por escrito. Normalmente é
desenhado para que as respostas escritas permitam que se teste uma ou mais hipóteses.

Este método é utilizado quando:


 Se pretende obter o conhecimento de uma população (condições e modos de vida, compor-
tamentos, valores e opiniões);
 Se pretende analisar um fenómeno social o qual se considere perceber melhor a partir das
informações relativas aos indivíduos de um determinado grupo;
 É necessário interrogar um elevado número de pessoas, onde se coloque a questão da repre-
sentatividade.
Existem dois tipos de aplicação dos inquéritos por questionário:
Administração directa – quando a pessoa que está a ser inquirida ou seja o inquirido preenche
o questionário.

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

Administração indirecta – quando o questionário é preenchido pelo inquiridor a partir das


respostas que o inquirido fornece.
É importante referir que se por um lado os métodos e técnicas quantitativos têm vantagens na
aplicação a verdade é que também têm limitações. Assim, de seguida será apresentado um quadro
síntese destes dois aspectos de cada uma das técnicas apresentadas.

Métodos Quantitativos

Técnicas Vantagens Limitações


Análise - Economia de tempo e dinheiro; - Nem sempre é possível aceder aos
de dados documentos, e em algumas situações,
estatísticos e - Evita-se a utilização de mesmo que se tenha acesso, não é
censitários inquéritos e desse modo não se possível/permitido divulgar os dados;
incomodam as pessoas;
(Quivy e - Nem sempre são credíveis e/ou
Campenhoudt, - Valoriza-se o material recolhido adequados a investigação que se está
2003:201-205) por organismos competentes e a realizar;
credibilizados.
- Por não serem recolhidos pelo
investigador nem sempre vão de en-
contro com os critérios criados por
este para a verificação de hipóteses.

Inquéritos por - Possibilidade de poder - O peso e o custo da utilização


Questionário quantificar muitos dados e deste método
consequentemente poder realizar
(Quivy e enumeras análises e correlações - A superficialidade das respostas
Campenhoudt, entre os resultados não permite a análise de
2003:188-191) determinados processos o que leva
- Possibilidade de satisfazer a a resultados que se traduzem em
exigência da representatividade meras descrições

- A individualização dos entrevistados


que não tem em consideração as
suas redes de relações sociais

- A fragilidade da credibilidade deste


dispositivo.

Métodos Qualitativos

1. Observação

Segundo Quivy e Campenhoudt (2003) a observação pode ser definida como um olhar sobre
uma situação sem que esta seja modificada. Olhar este, cuja intencionalidade é de natureza muito

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

geral, actuando ao nível da escolha da situação e não ao nível do que deve ser observado na
situação e que tem por objectivo a recolha de dados sobre a mesma.
Este método é utilizado na análise do não verbal e do que ele revela; para o estudo dos
acontecimentos tal como se produzem; e ainda permite complementar outros métodos de análise
dos processos de acção e de transformação social.
A observação pode ser:
Participante - que consiste em estudar uma comunidade durante muito tempo, participando na
vida colectiva desta, ou seja, através deste tipo de Observação, pode-se estudar aprofundadamente
os modos de vida da comunidade, tentando interferir o menos possível. Este tipo de observação
exige uma grelha de observação pormenorizada.
Não participante - que se traduz na observação de uma determinada situação sem intervir
no mesmo, ou seja, o indivíduo observa do “exterior”. Esta pode ser longa ou curta, com ou sem
consentimento da população que está a ser observada. Pode-se utilizar ou não uma grelha de
observação pormenorizada.

2. A Entrevista
A entrevista segundo Quivy e Campenhoudt (2003) pode ser caracterizada pelo contacto directo
entre o investigador e os interlocutores, e por uma fraca directividade por parte do mesmo. Esta
pressupõe uma troca em que o entrevistado expõe a sua opinião sobre o tema em análise.
Este método é utilizado para analisar:
 Sistemas de valores, referências normativas e as leituras que os próprios actores fazem das
suas experiências;
 Problemas específicos: os dados do problema e os pontos de vista presentes, o que está em
jogo, os sistemas de relações, entre outros;
 A reconstituição de um processo de acção, de experiências ou de acontecimentos do
passado.
Existem três tipos de entrevistas, a saber:
Entrevista semi-directiva - é uma entrevista que não é totalmente aberta nem encaminhada
por um grande número de perguntas precisas. O entrevistador tem um conjunto de perguntas-guia
relativamente aberta e sobre as quais se deve obter resposta, ainda que as mesmas possam não ser
colocadas de modo sequencial. O entrevistador deixa o entrevistado discursar de modo livre desde
que não “fuja” do tema da entrevista, caso isso aconteça, o entrevistador deverá reencaminhar a
entrevista.
Entrevista centrada - também chamada de focused interview, tem por objectivo analisar o
impacto de um acontecimento ou de uma experiência precisa sobre aqueles que a eles assistiram
ou participaram. O entrevistador tem por base uma lista de tópicos precisos relativos ao tema
estudado, e colocará todas as questões ao seu interlocutor.
Entrevista extremamente aprofundada e pormenorizada, ou seja, entrevista
estandardizada - este tipo de entrevista é utilizado para análise de histórias de vida, e é realizada
com poucos interlocutores. As entrevistas são longas e devem ser divididas em várias sessões.

38 |
Educação Social: Âmbitos e Práticas

Como se deve elaborar um Guião de Entrevista?


Segundo Isabel Guerra (2008) o guião de entrevista deve ser estruturado em grandes capítulos,
desenvolvendo-se depois as perguntas de “lembrança” que somente serão referidas se no decorrer
da entrevista o entrevistado não as desenvolver ou não as desenvolver.
Em algumas situações, no final do Guião os investigadores colocam questões fechadas (idade, tipo
de família), sobretudo quando se trata de histórias de vida.
Tendo em conta que quase sempre quem elabora o Guião é quem realiza a entrevista, quando
termina de estruturar o Guião já o terá memorizado, o que faz com que na altura da entrevista
poderá ou não seguir a sequência das questões, assemelhando assim a entrevista a uma conversa
informal.
Duas questões muito importantes na elaboração do Guião de Entrevista prendem-se com a
clarificação dos objectivos e as dimensões de análise.

Quais os momentos-chave da Entrevista?


Segundo Albarello et all (1997) são quatro os momentos-chave da entrevista:
Os preliminares - o entrevistador deve deixar o entrevistado à vontade e pôr de lado as suas
últimas preocupações;
O início da entrevista - o entrevistador escolhe uma questão para dar início à entrevista;
O corpo da entrevista - o entrevistador acompanha o ritmo do entrevistado e convida-o a
expressar o seu pensamento profundo. O entrevistador deve reconduzir o entrevistado ao tema
da entrevista caso este se desvie do mesmo.
O fim da entrevista - aproveita-se para perguntar ao entrevistado se não ficou nada por dizer
e também para “avaliar” a própria entrevista – Saber se correu bem? Se o entrevistado esteve à
vontade?

Como analisar uma Entrevista?


A análise de uma entrevista é um processo moroso e complexo. Segundo Isabel Guerra (2008) as
entrevistas devem antes de mais ser transcritas, uma vez que estas são gravadas. Esse processo de
transcrição é muito demorado, para 1h de entrevista, pode-se levar 3/4h de transcrição.
Depois da transcrição da entrevista deve-se fazer a leitura da mesma e sublinhar as frases mais
importantes com cores diferentes. De seguida fazem-se as anotações nas laterais das páginas da
entrevista.
Terminada a leitura e anotação das entrevistas, fazem-se as sinopses das entrevistas que se
traduzem na construção de uma grelha onde se referem na coluna da esquerda as problemáticas
abordadas nas entrevistas e a direita as respostas que foram dadas ao longo de todas as entrevistas
realizadas.
Deste modo organiza-se todo o material recolhido, o que permitirá classificá-los tendo por base
critérios relevantes, e assim encontrar as dimensões de semelhanças e diferenças, e também as
variáveis mais frequentes e as mais particulares.

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

Tal como foi apresentado um quadro síntese contendo as vantagens e limitações para os métodos
quantitativos, de seguida será realizado o mesmo procedimento para os métodos qualitativos.

Métodos Qualitativos

Técnicas Vantagens Limitações


Observação - Apreensão dos acontecimentos - Dificuldade em ser aceite como
na hora em que se manifestam; observador dentro de uma
(Quivy e comunidade;
Campenhoudt, - Permite a recolha de material
2003:196-200) espontâneo, ou seja, não - O registo das informações pode
provocado pelo investigador; ser uma tarefa muito desgastante
porque não convém que seja feito
- Permite aceder à verdade, isto no decorrer da observação;
porque é mais fácil mentir com a
boca do que com o corpo. - A utilização de grelhas muito
pormenorizadas pode deixar de
parte informações muito preciosas.

Entrevista - O grau de profundidade dos - Se os entrevistadores não tiverem


elementos de análise recolhidos; formação, podem conversar
Quivy e de qualquer maneira com os
Campenhoudt, - A flexibilidade e a sua fraca interlocutores;
2003: 194 directividade permitem
recolher os testemunhos e as - Pode não existir uma completa
interpretações dos interlocutores, espontaneidade do entrevistado
respeitando-se os seus quadros de nem uma neutralidade por parte do
referência. investigador.

3. Métodos Participativos
Segundo Schiefer (2007) os métodos participativos consistem numa diversidade de métodos e
técnicas caracterizada pelo predomínio de abordagens e procedimentos que envolvem activamente,
os actores sociais comprometidos num determinado contexto, processo ou facto.
Assim, dá-se primazia a participação dos actores, ao envolvimento dos participantes e à interacção
e o confronto de perspectivas.
A aplicação deste método é feita através de workshops.
Estes traduzem-se em eventos sob a forma de sessões ou reuniões de trabalho, em que um grupo
de pessoas se reúne com objectivos bem definidos, para analisar um tema, debater um assunto ou
elaborar um documento.
Dadas as características enunciadas convém referir que o número de participantes num workshop
deve se reduzido pois facilita a gestão do grupo e a interacção entre as pessoas.

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

O que é a Facilitação?
Este método serve para auxiliar o processo de discussão e decisão. Este é um modelo de condução
de eventos de sessões de trabalho (workshops), onde existe um facilitador.
O facilitador é um técnico especializado que actua como um incentivador das opiniões de todos
os participantes, estimulando a dinâmica do grupo, a formação de consensos e a harmonização de
interesses; ou seja, o facilitador é um dinamizador de eventos de grupo.
Este deve possuir competências no domínio da mediação, da negociação, da gestão de conflitos, de
grupos e equipas de trabalho.
O facilitador tende a ser externo às organizações relacionadas com o projecto, de modo a garantir
a sua legitimidade para agir como mediador ou moderador das diferentes partes e deve ter as
seguintes atitudes:
* Evita expressar os seus objectivos, valores e opiniões;
* É inquisitivo e não assertivo;
* Ajuda os participantes a assumirem as responsabilidades das suas acções;
* Não discute o método, utiliza-o;
* Observa atenciosamente o processo e os participantes;
* Confia nas outras pessoas e nas suas capacidades;
* É paciente e bom ouvinte;
* Respeita a opinião dos outros e não impõe a sua;
* É capaz de criar uma atmosfera de confiança no grupo
* Sempre que possível, deve trabalhar com outro Facilitador;

* Ouve sempre os comentários do co-facilitador nos intervalos das sessões

O que é a visualização?
A visualização, traduz-se na exposição visual das ideias expressas pelos participantes nos
workshops de modo acessível a todos. Esta facilita a compreensão da informação e promove o
diálogo entre os participantes e pode ainda funcionar como uma memória do trabalho em grupo.
Existem algumas regras visualização, entre elas:
Todos têm um marcador e todos os marcadores são da mesma cor;
Sempre que necessário todos os participantes têm que possuir cartões suficientes ou na ausência
destes, folhas de papel A5;
Em cada cartão escreve-se apenas uma ideia;
Não escrever mais do que 8 – 10 palavras em cada cartão;
As afirmações devem ser escritas com letras maiúsculas;
Todas as afirmações escritas são registadas e guardadas para utilização em outros workshops;

| 41
Educação Social: Âmbitos e Práticas

Sempre que uma ideia ou afirmação não seja clarificada ou pareça fora de lugar num determinado
momento do processo de trabalho em grupo, deve ser transferida para o “baú de recursos”.
Existem ainda várias técnicas e/ou instrumentos de visualização, entre eles:
“Nuvem” de problemas: esta técnica traduz-se num tipo de análise de problemas que consiste
em agrupar os problemas de acordo com a identificação de algumas características comuns.
“Árvore” de problemas: esta técnica caracteriza-se pela estrutura de uma árvore, e quase
sempre resulta da ordenação de uma “nuvem de problemas” de acordo com as relações de causa
e efeito existentes entre esses problemas.
“Árvore” de objectivos: esta é utilizada para organizar, estruturar e sistematizar objectivos
num conjunto articulado donde sobressaem a hierarquia dos objectivos e das relações entre os
mesmos.
“Baú” de recursos: espaço na parede onde as ideias já visualizadas podem ser colocadas
temporariamente se existir alguma ambiguidade e hesitação relativamente ao modo de lidar com
elas na actual fase do processo de grupo
“Muro das lamentações”: espaço livre numa parede onde os participantes podem registar
quaisquer reclamações referentes ao workshop.

Considerações Finais
Ao longo deste artigo, foram retratados aspectos relacionados com os métodos, mais concretamente
com os métodos e técnicas de investigação social onde foram explorados os diferentes tipos de
métodos, tendo em conta os dados que se pretendem recolher.
Assim, e para os Métodos Quantitativos foram apresentados e caracterizados a análise de
dados estatísticos e censitários e os inquéritos (por questionário), para os Qualitativos a
observação e a entrevista, e para os Métodos Participativos, foram retratados os workshops.
Tendo em conta os métodos apresentados, pode-se dizer que aquele que se tem revelado mais eficaz
e eficiente para a intervenção social com grupos e/ou comunidades, são os métodos participativos,
isto porque cada vez mais são valorizadas as competências e capacidades das pessoas destinatárias
ou beneficiárias da intervenção, ou seja, cada vez mais se privilegia uma intervenção de “baixo para
cima” do que a de “cima para baixo”.
Um desafio que se poderia colocar era a utilização do método participativo em situações de
instabilidade política ou social e/ou em situações em zonas não democráticas.
Entretanto e tendo em conta o trabalho social com indivíduos, o método que mais se utiliza é o
qualitativo, utilizando como técnicas, a entrevista, que a nível social se denomina por entrevista
psicossocial. A questão que se coloca a esta técnica prende-se com o facto da mesma ser realizada
em espaços físicos das instituições o que pressupõe a deslocação dos utentes, que poderão ou não
comparecer para a realização das mesmas.
A observação é outra técnica também utilizada para a recolha de informação na intervenção com
indivíduos, e é feita sobretudo quando são realizadas as visitas domiciliárias, e também durante a
entrevista psicossocial, isto porque como já foi dito anteriormente, é mais fácil mentir com a boca
do que com o corpo.

42 |
Educação Social: Âmbitos e Práticas

Fica assim claro, que os métodos participativos e as técnicas qualitativas são aquelas que geram
maior participação, dinâmica e mobilização por parte dos sujeitos.

Bibliografia
- Albarello, Luc, Digneffe, Françoise et al (1997), Práticas e Métodos de Investigação em Ciências Sociais,
1ª edição, Lisboa, Gradiva;
- Cervo, Amado Luiz, e Bervian, Pedro Alcino (1983), Metodologia Cientifica – para uso dos estudantes
universitários, S. Paulo, Makron Books do Brasil Editora Ltda e Editora McGraw-Hill Ltda
- Guerra, Isabel (2008), Pesquisa Qualitativa e Análise de Conteúdo – Sentidos e formas de uso, 1ª
ed.,Lisboa, Principia;
- Lakatos, Eva Maria, e Marconi, Marina de Andrade (1995), Metodologia Cientifica, 2ª edição, S. Paulo,
Editora Atlas S.A
- Quivy, Raymond e Campenhoudt, Luc Van (2003), Manual de Investigação em Ciências Sociais, 3ª ed.,
Lisboa, Gradiva;
- Schiefer, Ulrich, et al (2007), Manual de Planeamento e Avaliação de Projectos, 1ª ed., Lisboa,
Principia.

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

1.5 Gestão de Projectos

Solange Elias de Almeida

Este artigo surge no âmbito do módulo de “Metodologia de Projecto”, do Curso de Educadores


Sociais, promovido pelo Instituto de Solidariedade e Cooperação Universitária em parceria com o
Centro Social Renascer no Lobito.
O mesmo tem como objectivo apresentar os principais conteúdos abordados ao longo do referido módulo.
Assim, o corpo deste artigo será composto pela definição do conceito de “Projecto” segundo dois autores.
Posteriormente serão destrinçados alguns aspectos que deverão ser tidos em conta no planeamento e na
avaliação de um projecto de intervenção social.
Este artigo conta ainda com um glossário que apoia o leitor na clarificação de alguns conceitos–chave utilizados
ao longo do texto.

Palavras–Chave: Projecto, Planeamento, e Avaliação.

Metodologia de Projecto

Segundo Isabel Guerra, o Projecto é uma “resposta ao desejo de mobilizar as energias disponíveis
com o objectivo de maximizar as potencialidades endógenas de um sistema de acção garantindo
um máximo de bem-estar para o máximo de pessoas” (Guerra, 2002:126).
Para Ulrich Schiefer o projecto traduz-se num “conjunto articulado e integrado de actividades
conduzidas durante um período de tempo definido (…), utilizando recursos financeiros, materiais
e humanos específicos e limitados, com o intuito de atingir um objectivo claramente definido (…)”
(Schiefer et al, 2007:263).
Assim e tendo em conta estas duas definições, pode-se dizer que a metodologia de projecto
traduz-se num método que possibilita um maior e melhor conhecimento do real, e “uma maior
eficácia dos meios e das técnicas de intervenção” (Guerra, 2002:119).
A metodologia de projecto está directamente relacionada com o planeamento isto porque sem a
existência deste a metodologia não seria eficaz nem tão pouco eficiente. Deste modo, de seguida
será abordado o conceito de planeamento para melhor compreendermos a sua importância.

Planeamento

O planeamento traduz-se num processo de programação de uma intervenção que associa um


dado conjunto de objectivos e actividades, tendo em conta o que se pretende alcançar, de modo
a “maximizar e racionalizar os recursos humanos, materiais e financeiros, disponíveis” (Schiefer et
al, 2007:261).
O Planeamento é composto por várias etapas, a saber: diagnóstico, objectivos, plano de acção,
orçamento, plano de avaliação.

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

Do diagnóstico ao plano de avaliação


O diagnóstico consiste num processo de análise da situação, do problema, do grupo ou da organização
que o projecto terá como objecto. Trata-se de um instrumento que permite a “caracterização de
uma situação, a detecção de necessidades, a identificação de problemas, a enumeração de recursos
e a determinação dos pontos fortes, pontos fracos, oportunidades e ameaças (FOFA) de uma
determinada unidade de análise” (Schiefer et al, 2007:247).
Este pode ainda ser definido como a “identificação dos níveis de não-correspondência entre o que
está (a situação presente) e o que “deveria estar” (a situação desejada)” (Guerra, 2002:132).

As dimensões do diagnóstico são:


 Teórica: traduz-se na apresentação da perspectiva teórica do problema, na identificação
das políticas sociais existentes para a resolução do problema e ainda na identificação da
metodologia que será utilizada;

 Empírica: consiste na identificação de problemas, necessidades, potencialidades, recursos,


meios; no estabelecimento de prioridades de intervenção; e ainda na definição de estratégias
de intervenção.

Para que se elabore um diagnóstico, é importante seguir algumas etapas que são:
- Identificação de actores, fontes e técnicas a utilizar
- Identificação problemas, potencialidades
- Definição prioridades
- Análise SWOT
Depois de elaborado o diagnóstico (tendo em conta tudo o que foi apresentado até aqui), e
de estabelecidas as prioridades de intervenção, definem-se a finalidade e os objectivos da
intervenção.
Assim, a finalidade, indica a “razão de ser de um projecto e a contribuição que ele pode trazer
aos problemas e às situações que se torna necessário transformar” (Guerra, 2002:163).
Os Objectivos decompõem-se em gerais e específicos. Os objectivos gerais traduzem-se numa
“condição geral, ambicionada, de longo prazo que um projecto pode ajudar a alcançar” (Schiefer
et al, 2007:259), já os objectivos específicos consistem na principal intenção do projecto, ou
seja, é o resultado que uma pessoa, grupo ou organização espera, deseja atingir (Schiefer, et al,
2007:259).
Depois de definidos os objectivos, é traçado o plano de acção. Este traduz-se num plano
organizado e pormenorizado do calendário, das responsabilidades e dos recursos (materiais,
humanos e financeiros) necessários para a consecução das actividades de um projecto; isto é, o
plano de acção consiste num plano de actividades onde consta o que “se pretende fazer, quem será
encarregado das diferentes tarefas e quais os recursos necessários para as concretizar” (Guerra,
2002:171).
Este plano é usualmente elaborado com recurso a um cronograma.

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

Os componentes de um plano de acção são: finalidade, objectivos (geral e específico), actividades,


técnicas, recursos (materiais, humanos, e financeiros) e cronograma.

Objec-
Objectivos Activi- Crono-
tivo Acções Técnicas Recursos
Específicos dades grama
Geral

Huma- Materi- Finan-


nos ais ceiros *

Adaptado do livro de Isabel Guerra, Fundamentos e Processos de Uma Sociologia de Acção – O Planeamento
em Ciências Sociais (2002).

No que se refere aos recursos financeiros, torna-se imprescindível efectuar o cálculo do orçamento
geral do projecto – “plano pormenorizado das despesas previstas de um projecto (especificas
para as actividades planeadas) que apresenta igualmente a distribuição dos recursos financeiros
disponíveis pelas diferentes actividades do projecto” (Schiefer et al, 2007:259).
Pese embora a avaliação faça parte do planeamento e execução de um projecto, é importante
retratá-la de forma aprofundada uma vez que a mesma é de extrema importância.
Assim, pode-se dizer que a mesma se traduz num exame, aprofundado e rígido, de uma organização,
situação, projecto ou programa com a intenção de chegar a um juízo alicerçado e racional sobre o
seu sucesso (Schiefer et al, 2007:238); ou seja, avaliar é apreciar e ajuizar de modo rigoroso, lógico
e coerente, o estado, a evolução e os efeitos de problemas, acções, mecanismos e organizações
sobre as quais se está a intervir (Guerra, 2002:206).
Existem diversos modelos de avaliação, sendo que cada um deles tem o seu próprio âmbito de
incidência. Deste modo, de seguida, serão apresentados esses modelos e também os seus focos
de análise.

Modelo de Avaliação Focos de análise

Neste tipo de Avaliação o que se pretende é saber quais são os


resultados do projecto, e destes, quais são os que podem ser
Avaliação experimental generalizados. A Avaliação centra-se na elucidação das causas, na
verificação dos resultados e permite a generalização acerca da
eficácia do tipo de intervenção

O que se deve avaliar são os objectivos atingidos pela


Avaliação por objectivos
intervenção, ou seja, o enfoque está na finalidade e objectivos

Aqui pretende-se saber que decisões precisam ser tomadas


e que informação é indispensável para permitir adequação
Avaliação orientada para
das decisões, isto é, precisa-se saber quais as informações
a decisão
fundamentais para a adequação dos objectivos e actividades à
realidade que se está a intervir.

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

Neste tipo de Avaliação o que se pretende é que a mesma


seja estruturada de modo a maximizar a utilização dos seus
Avaliação pela utilização
resultados/descobertas pelos vários utilizadores (técnicos,
políticos, população, entre outros).

A Avaliação não é única, é múltipla e depende da diversidade de


actores. Este tipo de Avaliação permite saber o ponto de vista
Avaliação múltipla
de cada um dos intervenientes na acção, isto é, traduz-se em
entender as múltiplas opiniões das pessoas envolvidas na acção.

Segundo Schiefer et all, (2007) existem também vários momentos da avaliação, tendo em conta
o que se pretende conhecer em cada um deles.

Assim, de seguida serão expostos os diferentes momentos em que se pode realizar a avaliação.
Avaliação Diagnóstica ou Ex-ante - avaliação realizada antes de se iniciar a implementação
do projecto. Esta pretende proporcionar elementos que permitem decidir se o projecto deve ou
não ser implementado.
Avaliação de Acompanhamento ou On-going - avaliação realizada durante a fase de
implementação do projecto. Esta produz informação que permite promover, afinar ou corrigir o
projecto.
Avaliação Final - avaliação realizada imediatamente apôs o término do projecto e incide sobre o
desempenho da organização, os impactes imediatos e o processo de execução do projecto.
Avaliação Ex-post - avaliação realizada algum tempo apôs o final do projecto de modo a medir
os impactes do mesmo a longo prazo, isto é, esta mede os impactes, os efeitos e os resultados do
projecto.
Segundo Isabel Guerra (2002) sucesso da avaliação depende em larga escala, da qualidade dos
indicadores (quantitativos e qualitativos) criados para esse efeito, o que não significa que os
mesmos sejam em número elevado. Apresentamos então alguns critérios que deverão ser tidos
em consideração na construção dos referidos indicadores, isto é do plano de avaliação:
Apreciação da Adequação - o projecto ou programa adequa-se ao contexto do problema e da
situação sobre o qual se pretende intervir.
Este critério permite perceber se o projecto foi construído de modo coerente.
Verificação da Pertinência - este critério permite-nos saber se tendo em conta as Políticas e
estratégias do organismo, serviço, justifica-se a existência do projecto ou programa.
Apreciação da Eficácia - Este critério permite-nos saber em que medida os objectivos foram
atingidos e as acções previstas foram realizadas.
Na avaliação da eficácia questiona-se sobre:
- Se as necessidades foram satisfeitas;
- Se os meios utilizados foram adequados, pertinentes e suficientes;
- Se os benefícios esperados foram alcançados.

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

Este critério pode ser medido em termos quantitativos e qualitativos e podem ser exemplificados
alguns indicadores de medida tais como: Acções programadas/Acções realizadas; Objectivos
traçados/Objectivos alcançados; Público – Alvo previsto/ Público – Alvo atingido.
Apreciação da Eficiência - este critério de avaliação permite-nos saber se os resultados
confrontados com os recursos utilizados correspondem ao seu emprego mais económico e
satisfatório, isto é, se os recursos utilizados correspondem aos resultados alcançados.
As questões em análise neste critério passam pela análise das seguintes questões: Recursos
utilizados/ Objectivos alcançados; Recursos utilizados/ Actividades realizadas;Actividades realizadas/
Objectivos alcançados; Recursos previstos/ Recursos utilizados.
Apreciação da Equidade - este critério permite saber se a implementação do projecto ou
programa reduziu as desigualdades sociais, no sentido de promover a autonomia e o empowerment.
Assim, a avaliação da Equidade refere-se à distribuição e à repartição dos recursos entre os
indivíduos e os grupos; e também à noção de justiça social.
Apreciação do Impacte - Tal como a eficácia, este critério permite saber com certeza se houve
uma melhoria da situação/problema.
Tal como existe um plano de acção (que já foi anteriormente exposto), num projecto, deve também
existir um plano de avaliação. Este traduz-se num documento composto por um conjunto de
actividades, proposto para a avaliação de um projecto ou actividade. Os elementos que devem
constar do referido plano são:
Objectivos, processos e/ou resultados a serem avaliados;
Indicadores (quantitativos e qualitativos)
Técnicas
Instrumentos
Actores envolvidos

Objectivo Indicadores Indicadores Actores


Técnicas Instrumentos
Especifico Quantitativos Qualitativos Envolvidos

Adaptado do livro de Isabel Guerra, Fundamentos e Processos de Uma Sociologia de Acção – O Planea-
mento em Ciências Sociais (2002).

Para responder ao Plano de Avaliação podem ser criadas Grelhas de Avaliação, e estas devem
conter:
Acção programada
Actividades Programadas
Actividades Programadas e Realizadas
Actividades Programadas mas Não Realizadas
Actividades Não Programadas e Realizadas.

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

Actividades

Programadas Não
Programadas e
Programadas mas não Programadas e
realizadas
Realizadas Realizadas

Acção

Adaptado do livro de Isabel Guerra, Fundamentos e Processos de Uma Sociologia de Acção – O Planea-
mento em Ciências Sociais (2002).

Considerações Finais
Ao terminar este artigo, importa dizer que a intervenção social tem recorrido cada vez mais
à metodologia de projecto, porque esta permite uma intervenção focalizada para determinada
população, com objectivos claramente definidos, abrangendo um maior número de pessoas
que vivenciam determinado tipo de problema/situação/ necessidade que desejam ver resolvido/
satisfeito. Embora cada um o vivencie de forma diferente a sua solução permitirá um maior e
melhor “bem estar” para todos.

Glossário
Tendo em conta que no decorrer do documento foi utilizada terminologia técnica apropriada
sobretudo aos Assistentes Sociais, de seguida, serão clarificados alguns conceitos que não foram
definidos ao longo do documento. Esta clarificação terá por base dois autores, Isabel Guerra
(2002) Ulrich Schiefer (2007). Assim, temos:
- Acção ou Actividade: acção planeada proveniente de uma determinada combinação de recursos
humanos, materiais e financeiros.
- Análise SWOT: traduz-se num procedimento analítico de modo a auxiliar o diagnóstico que
se está a realizar, através da explicitação dos pontos, fortes e fracos, das ameaças e oportunidades.
Esta matriz também pode ser designada por FOFA.
- Cronograma ou calendário: plano escrito que determina com exactidão quando é que os
eventos e/ou actividades terão lugar.
- Estratégia de intervenção: consiste num plano de acção, orientação geral ou directriz que
delibera o trajecto, dentre as várias hipóteses de intervenção, de modo alcançar o objectivo geral.
- Meios: consiste naquilo que é utilizado para que se possa atingir/alcançar um fim.

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

- Necessidades: consiste naquilo que um grupo necessita de acordo com as suas próprias
perspectivas ou de acordo com a apreciação dos seus interesses feita por outras pessoas.
- Potencialidades: traduzem-se nos recursos existentes na própria população.
- Prioridades: traduz-se no nível de importância que se atribui a uma actividade, problema ou
projecto.
- Problemas: traduz-se numa dificuldade ou numa questão que deverá ser resolvida.
- Recursos: traduzem-se nos meios (humanos, materiais ou financeiros) que se encontram
disponíveis e recrutáveis para a materialização de determinadas actividades ou objectivos.
- Tarefa: actividade nitidamente definida com um pressuposto específico e pelo qual uma pessoa
ou grupo especifico será responsável.

Bibliografia
- Guerra, Isabel (2002), Fundamentos e Processos de Uma Sociologia de Acção – O Planeamento em
Ciências Sociais, 2ª ed.,Lisboa, Principia
- Schiefer, Ulrich, et al (2007), Manual de Planeamento e Avaliação de Projectos, 1ª ed., Lisboa,
Principia

50 |
II.
Formação Técnico-
-profissional do Curso de
Educadores Sociais
Educação Social: Âmbitos e Práticas

2.1 Técnicas de Diagnóstico Social (Individual e Comunitário)

Diagnóstico:

Algumas dimensões fundamentais na análise de necessidades em tempos


de mudança. Expectativas e necessidades do território, da comunidade e do
cidadão destinatário.

Elsa Conceição Silva1

“Conhecer para actuar” é o princípio fundamental em que se baseia a análise de necessidades/


diagnóstico. Neste sentido, este é o primeiro passo no processo de intervenção social, tendo como
objectivo fornecer ao Interventor Social uma hipótese de trabalho, sobre a qual possa apoiar
a sua intervenção, independentemente das respectivas problemáticas. Tais hipóteses traduzem
a compreensão que ele possui, seja da situação de um território, de uma comunidade, de um
grupo ou de uma pessoa. O processo de análise de necessidades/diagnóstico não é estático, é um
processo dinâmico que acompanha e actualiza as problemáticas existentes e as suas reconfigurações
numa sociedade em rede/informacional. Este coloca novos desafios ao Técnico do Social, cujas
respostas teórico-práticas e prático-teóricas exigem uma maior complexidade científica e técnica,
gerando um corpo teórico e prático mais rico, diverso e diferenciado na construção da análise de
necessidades/diagnóstico.

Palavras-chave: problema; análise de necessidades; território; comunidade; cidadão destinatário;


processo dinâmico; intervenção; avaliação

O Serviço Social, como disciplina de intervenção social, necessita de conhecer os problemas,


as necessidades apresentadas pelo cidadão destinatário. Neste sentido, o diagnóstico reflecte a
necessidade de caracterização das problemáticas, independentemente, se estamos a falar de um
território, de uma comunidade ou de um indivíduo.
Tendo em conta o contexto social actual de incertezas, numa sociedade em constante mutação,
a sociedade concebe-se, cada vez mais, como um contexto de avaliação permanente a que o
indivíduo tem que fazer face, deixando, assim, a sociedade de se conceber como um universo de
controlo normativo dos seus membros.
Uma sociedade que caminha, progressivamente, para a sociedade dos indivíduos é também uma
sociedade onde a incerteza aumenta, de uma forma exponencial, na medida em que as regulações
colectivas fazem falta para dominar os acasos da existência. Daí que esteja a construir-se
uma sociedade na qual a referência ao risco se torne omnipresente e se desenhe sobre uma
representação global da sociedade contemporânea e de risco.
Segundo Beck (2006), somos testemunhas, sujeito e objecto, de uma fractura dentro da modernidade,
a qual se desprende dos contornos da sociedade industrial clássica e constrói uma nova figura que
Beck designa por sociedade industrial de risco. Na observação destas dinâmicas, podemos observar
1
Assistente Social e Psicóloga Clínica, doutoranda em Serviço Social (UCP); Docente da Universidade Católica Portu-
guesa/Fac. Ciências Sociais e Humanas – Serviço Social; Directora do Centro de Respostas Integradas de Lisboa Oriental/
Instituto da Droga e da Toxicodependência.

52 |
Educação Social: Âmbitos e Práticas

que o risco é calculado a partir das condições de vida que podem potenciar uma situação de
maior vulnerabilidade, em que esta é vista como a apreciação da medida em que os modos de
vida são nocivos e permeáveis às dinâmicas societais, sendo estas percebidas como externas e
incontroláveis. Tal requer um equilíbrio difícil entre as contradições de continuidade e ruptura
na modernidade, que se reflectem, à vez, no contraste entre modernidade e sociedade industrial,
entre sociedade industrial e sociedade de risco.
Em síntese, o risco segundo o autor, pode ser entendido como uma forma sistemática de saber
lidar com os problemas e as incertezas induzidas e produzidas pela própria modernização. Neste
sentido, os riscos de oposição aos perigos anteriores são consequências, inferências das forças
ameaçadoras da modernidade e do que o autor denomina como a globalização da dúvida. Os riscos
são, assim, forças politicamente reflexivas.
As consequências sociais da crise económica, assim como as mutações políticas, transformam
as condições do interventor social. É esta ligação entre as expressões múltiplas de um mal-estar
e as transformações das situações de intervenção que contribuem para fazer-nos compreender
a necessidade de elaborar um bom diagnóstico pelos interventores sociais, articulando entre a
teoria e a prática e a relação complexa do conhecimento com a intervenção. Assim, uma das
formas mais frequentes de explicar e fundamentar os problemas de legitimidade de intervenção,
encontrados pelos interventores sociais, consiste em afirmar a existência de um mal-estar, ou mais
concretamente, de uma crise.
Segundo Guerra (2000:129), o que está em causa, quando falamos de diagnóstico, é o conhecimento
científico dos fenómenos sociais e a capacidade de definir intervenções que atinjam as causas dos
fenómenos e não as suas manifestações aparentes.
Elaborar um diagnóstico pressupõe saber o que se passa, como fazer, sendo as finalidades últimas
do diagnóstico servir de base para programar acções concretas e objectivas, que proporcionem
um quadro da situação para seleccionar e estabelecer estratégias de actuação. Por outras palavras,
é fundamental identificar as mudanças sociais que enquadrem a problemática concreta, sobre a
qual nos é solicitado intervir, o que pressupõe um conhecimento em actualização constante dos
conteúdos do conhecimento.
O diagnóstico e a intervenção social não podem ser concebidos sem uma articulação dos
funcionamentos socioeconómicos, culturais, psicológicos e antropológicos, que se podem observar
na sociedade e numa sociedade concreta, já que ela tem como função integrar o sujeito, valorizando-o
individual e colectivamente, favorecendo, assim, a capacidade de agir sobre o social (Guerra; 2000).
Logo, em metodologia de projecto, o diagnóstico utiliza uma metodologia de pesquisa/acção e pode
ser definido como o conhecimento científico dos fenómenos e das dinâmicas sociais, sobre as quais
se pretende intervir, tendo como finalidade a capacidade de definir objectivos e acções que atinjam
as causas dos fenómenos e não as suas manifestações aparentes (Guerra; 2003). Neste sentido, é
fundamental o uso sistemático de procedimentos, com o objectivo de definir prioridades, tomar
decisões acerca dos projectos a implementar, promovendo também uma melhor distribuição de
recursos financeiros e humanos, um melhor funcionamento das organizações.
A dinâmica do diagnóstico pressupõe a construção social dos problemas, tendo em conta um
pré-diagnóstico e posteriormente, o diagnóstico mais aprofundado. Na análise social do problema,
é importante ter em conta o número de pessoas afectadas, efeitos sobre os outros aspectos de
vida, há quanto tempo existe a situação-problema, qual o impacto deste por falta de activação, bem
como a sua localização e qual os interesses para manter ou mudar a situação.

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

Intervenção territorial
No que concerne ao Diagnóstico Territorial, este pressupõe diagnóstico participado, cujo objectivo
é a compreensão colectiva dos fenómenos de produção da realidade social, determinada na sua
existência, no presente e no futuro, por diversos elementos estruturantes, nomeadamente, a
sua situação geográfica, a qualidade do conjunto de actores políticos, económicos, institucionais
e respectiva população e por fim, o papel do estado, no que respeita às políticas sociais e de
cobertura das necessidades dos cidadãos. Para qualquer responsável político ou institucional, é
uma necessidade de extrema importância conhecer a situação social do seu território.
Outro aspecto fundamental a não esquecer é que partilhar um diagnóstico é equivalente à
redistribuição do poder e do saber.
O Diagnóstico na Intervenção Social tem como objectivo definir as respostas específicas melhor
adaptadas aos problemas e construir indicadores que permitam o acompanhamento sistemático
dos problemas e das acções:

• O diagnóstico inicia-se sempre que é necessário identificar um ou mais problemas e deve ter
início em simultâneo com as acções;
• No que concerne às acções, estas visam a constituição do grupo de acção-pesquisa-acção, a
definição do problema e a análise sobre este;
• Quanto à sua elaboração, deve ser realizado por um grupo restrito que assume a responsa-
bilidade do trabalho e cuja constituição serve apenas para este efeito, sendo fundamental que
integre actores que vivem o problema ou problemas, para o qual a participação dos técnicos
é indispensável;
• Deve envolver os responsáveis locais, recomendando-se que lhes seja atribuído papéis e ta-
refas no grupo, determinando o objecto, o problema a estudar, a apropriação dos resultados,
bem como a compreensão dos aspectos políticos e operacionais a reter, determinando as
acções a implementar para responder aos problemas diagnosticados.
Segundo Guerra (2006), diagnosticar exige identificar problemas, as suas casualidades, par-
tindo de uma análise linear, evoluindo para uma mais sistemática, global e integrada, com um
conhecimento que vai aumentando gradualmente. Por outro lado as metodologias, a utilizar
devem ter por base uma análise científica das dinâmicas sociais, percebendo as causas reais
dos problemas e não as suas manifestações que podem ser apenas aparentes:
• O diagnóstico pressupõe um conhecimento da realidade, é hipotético e é um processo evo-
lutivo dinâmico e não estático, sendo este sistémico e interventivo;
• Por outro lado, um diagnóstico exigente deve garantir informação quantitativa e qualitativa,
dando assim a conhecer a dimensão e a gravidade das problemáticas;
• Por último, é fundamental identificar as vulnerabilidades, bem como as potencialidades e as
características únicas do cidadão destinatário, integrado num sistema de diversidade.
O diagnóstico é um processo inclusivo, na perspectiva de Derezotes (2002), em que este
autor considera que deve existir uma vertente ecológica, onde é necessário considerar as
situações inter-relacionadas do sistema cidadão-destinatário e do seu meio envolvente/am-
biente, bem como todos os meios do conhecimento no processo de recolha de dados, que
é elaborada, tanto de uma forma científica, como artística, no sentido da sensibilidade dos
diversos actores.

54 |
Educação Social: Âmbitos e Práticas

Ainda na perspectiva deste autor, o diagnóstico é uma fonte contínua de reflexão retro-
alimentação, no sentido em que utiliza os dados para formular objectivos, avaliar eixos e
potencialidades, conduzir a intervenção e medir o seu impacto em todas as fases de uma
situação.

Assim, o diagnóstico é utilizado para designar um processo de avaliação desde o seu início, meio e
término de cada caso, sendo uma abordagem sistemática e inclusiva, no que diz respeito à prática
de recolha de dados/informação, pondo em evidência as potencialidades (pontos fortes), tal como
as fragilidades (pontos fracos) do sistema cidadão destinatário e do seu ambiente.
O diagnóstico territorial partilhado produz um conjunto de informação, cuja exploração e
compreensão não é fácil para os interventores, colocando-se questões a estes, nomeadamente, que
informação recolher face à vastidão de elementos e quais os critérios que podem levar a decidir a
uma intervenção naquele espaço geográfico.
Assim, é importante não fazer uma leitura linear do território, mas recorrer a uma análise Sistémica
Circular, segundo Bernoux (2005).

1. Bairro vivido
como agradável,
mas onde não é
8. Constatação possível
de clivagens participar 2. Sentimento de
entre exclusão e
necessidades e interiorização
respostas

Eixos de
Problemática
7. Aumento dos 3. Falta de
Grandes objectivos
problemas de de confiança dos
saúde desenvolvimento habitantes em si

6. Relações 4. Dificuldade no
tensas com exercício da
senhorios função parental
5. Problemas em
crescendo.
Redução dos
apoios

Bernoux: (2005:99)
Esclarecer e compreender a problemática de um território permite extrair um conjunto de
informações recolhidas ao longo do processo de diagnóstico, elementos estes que nos aproximam
das realidades lógicas a implementar. Então, problematizar consiste em iniciar um percurso
compreensivo, onde a finalidade é a identificação dos mecanismos que devem ser postos em prática
na produção e na reprodução da realidade social, bem como na definição dos correspondentes
objectivos de desenvolvimento.

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

O fluxograma de Bernoux (2005:99) ilustra como passar de resultados objectivos diagnosticados,


à problemática do território e aos objectivos de desenvolvimento que se pretendem atingir.
É desejável que um projecto social exprima o sentir e sentido dos seus actores, a sua participação e
compromisso na acção, como explicitação do bem-estar social, que se propõe trazer ao território
de pertença. Mudar o olhar social é, progressivamente, conjugar a missão da acção social na sua
função reprodutiva de coesão social e o pôr em prática de um projecto territorial em termos de
suporte, inovação e de desenvolvimento.
Diagnóstico social e projecto estão inscritos num mesmo movimento e são pertença de todos os
actores implicados.

Intervenção comunitária
Antes de nos comprometermos num projecto de acção comunitária é essencial que o grupo tenha
tempo de conhecer e analisar a situação que se pretende melhorar ou transformar. Esta pesquisa
pode ser elaborada a partir do pedido de alguns actores que são tocados por um problema, que
pressupomos que o problema é colectivo, podendo dar lugar a uma intervenção comunitária.
O pedido também pode surgir de um grupo já existente e que já tem um conhecimento parcial do
meio, mas que pretende aprofundar este conhecimento para verificar hipóteses de intervenção, ou
se é possível elaborar um projecto de intervenção.Também é possível que nenhum pedido surja por
parte dos actores, mas sim por parte de um organismo público ao privado, que tem por objectivo
proceder a uma análise do meio, com o intuito de orientar ou reorientar as prioridades de acção.
Esta segunda etapa inscreve-se num processo de pesquisa-acção que compreende a formulação
do problema, a recolha de dados, análise e interpretação dos mesmos, apresentação dos dados,
avaliação e retorno à acção, que fez apelo à participação dos sujeitos objecto de intervenção,
não apenas para compreender e definir as suas vivências, mas para perceber ou descobrir o que
deve ser melhorado naquela comunidade. Neste sentido, a pesquisa-acção é um instrumento que
favorece a acção, bem como um meio que acrescenta o poder de agir.
Em termos de intervenção comunitária, Robertis e Pascal (1987) defendem que, para intervir, é
importante conhecer a organização a partir da qual se vai intervir, conhecer bem as actividades
da organização junto da população, os diferentes serviços que são oferecidos, a percepção da
instituição pelo meio e finalmente, o impacto da organização na comunidade.
Fournier (2001), a propósito da importância da cultura organizacional em grupos comunitários,
sublinha a importância destas organizações se debruçarem sobre os modos de gestão, as relações
entre os diversos membros, a importância do trabalho em equipa e a relação com a vida privada
dos diversos actores. Neste sentido, é importante reunir todos os actores pertinentes, relacionados
com o(s) problema(s) e em que os representantes tenham um nível de poder comparável dentro
da organização, bem como o contributo das pessoas e grupos em relação ao problema.
Outro aspecto relevante nesta intervenção é o de existir uma liderança democrática e eficaz, assim
como um suporte profissional e técnico adequados. Por outro lado, a análise da(s) problemática(s),
bem como a exploração e a escolha de objectivos ou soluções a implementar, deve ser elaborada
colectivamente. Deve ainda ser assegurado que todos os participantes tenham um nível de
informação e compreensão suficiente, garantindo um suporte específico em situações particulares
e observar se existem interesses em presença, que possam ser contraditórios ou conflituais, tendo

56 |
Educação Social: Âmbitos e Práticas

consciência que a satisfação de interesses pessoais ou organizacionais é essencial e que cada actor
deve retirar alguns benefícios.
A identidade de cada interveniente deve ser respeitada, aceitando as suas diferenças, objectivos e
limites, assegurando que cada actor tenha o sentimento de ser escutado e que possa participar ou
influenciar as decisões.
A nível dos objectivos, fixar quais os que se devem realizar a curto e médio prazo e que constituam
os ganhos concretos, permitindo desenvolver a confiança entre todos os agentes e a perspectiva
de realização dos objectivos mais importantes, bem como a linguagem utilizada deve ser acessível
a todos, para existir uma boa comunicação e fazer, colectivamente, a avaliação do processo de
intervenção comunitário.
O fim de um projecto de intervenção comunitária coincide, por vezes, com uma redefinição do
papel de alguns actores, nomeadamente, o dos interventores comunitários exteriores ao grupo. O
final de um projecto deste tipo não significa a retirada em absoluto dos interventores comunitários,
mas com uma redefinição clara e objectiva do seu mandato e das condições de colaboração com
o organismo que representa.
Um período de transição é por vezes necessário ao grupo, antes que se torne totalmente autónomo.
Nestes casos, o interventor comunitário, em conjunto com os membros do grupo, deve avaliar e
perspectivar as modalidades em que estes se devem retirar progressivamente.
Finalmente, a partida do interventor é uma etapa marcante para o grupo. A sua partida deve ser
planeada e que esta seja efectuada dentro das melhores condições que são possíveis reunir. Uma
partida mal preparada pode causar um retrocesso irreparável ao grupo ou ao organismo que
esteve implicado. Esta partida deve ser o resultado de um trabalho bem estruturado, que permita
ao grupo o desenvolvimento das suas capacidades de autonomia, a eleição de um líder de grupo
capaz de levar a cabo as tarefas do profissional.

Análise da situação na intervenção individual


Numa perspectiva de intervenção mais individualizada, Cristina de Robertis (2007) propõe-nos um
modelo de análise das situações, de uma forma muito sistemática, no sentido em que o Assistente
Social, quando elabora um diagnóstico, este passa pela subjectividade daquele, no sentido em que
nenhuma avaliação é idêntica a outra. Existem múltiplas designações para apelidarmos o indivíduo
com o qual trabalhamos, nomeadamente o de cidadão destinatário que temos vindo a utilizar no
presente trabalho. Todas estas nomenclaturas estão consubstanciadas na designação de pessoa.
Segundo Robertis (2004:60), a pessoa define-se como um ser humano, um indivíduo considerado
em si mesmo, um ser moral datado de existência jurídica. Nas Ciências Sociais e nomeadamente
na intervenção em Serviço Social, esta concepção da pessoa como ser individual esteve sempre
presente.
Cada pessoa é diferente, merecendo um olhar específico e particular e não deve ser tratada de
forma anónima e estandardizada, na medida em que cada uma é um ser único e particular.
O Serviço Social tem vindo a desenvolver toda uma teoria e uma prática relativa no que concerne
a pessoa como indivíduo, tendo por base os princípios éticos de reconhecimento da dignidade da
pessoa e da aceitação e respeito pelas diferenças. A pessoa já não é considerada apenas nos seus
aspectos individuais, mas também na sua dimensão social e colectiva. A pessoa como ser colectivo
é parte integrante da sociedade em que vive, partilhando a sua cultura e seus valores, estando

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

imersa nas características sociais, económicas e políticas em que está envolvida, tendo em conta a
época histórica do momento. Neste sentido o seu devir individual entrelaça-se e confunde-se com
os percursos dos seus contemporâneos, assim, a pessoa deixa de ser uma individualidade única
e diferente de todas as outras, mas é, ao mesmo tempo, igual a todas as outras, tendo as mesmas
condicionantes sociais, económicas, os mesmos direitos, as mesmas obrigações e em certa medida,
aspirações semelhantes. O que se acentua no indivíduo é no que há de comum e não no que o
distingue.
O afirmado lugar social de cada um inspira-se na declaração dos direitos humanos, que sublinha que
todos os homens nascem livres e iguais. Deste ponto de vista, o conceito de pessoa foi reconhecido
com uma compreensão mais ampla e complexa do ser humano como ser social. Posto isto,
passemos à análise da situação da pessoa na sua condição de cidadão destinatário.

ANÁLISE DA SITUAÇÃO

Introdução do Contexto Global


pedido
Análise do Sector
Análise do Serviço

Análise do Interventor
Social

Cliente em situação de
pedido (cidadão
destinatário)

Interventor Social

Serviço

Análise do Sector

Resposta condicionada

Contexto Global

(Robertis 2007:148)

O interventor social faz, pois, apelo a um conjunto de conhecimentos na área das ciências sociais,
mas também na área da saúde, direito, política, visto a realidade social ser percebida e analisada
em função dos conhecimentos contributivos/complementares de outras disciplinas científicas. É
devido a esta interdisciplinaridade que o interventor social é capaz de diagnosticar e fazer uma
análise global da situação.

58 |
Educação Social: Âmbitos e Práticas

Nesta dinâmica, é importante que o interventor social se conheça bem, tendo como princípio
que os diversos actores estão integrados num sistema de representações sociais, o que nos pode
facilitar a descodificação das diversas dinâmicas relacionadas. Os diversos elementos presentes,
representados neste gráfico, devem ser analisados em duas vertentes diferentes.
De um lado, o pedido do cidadão destinatário está induzido pelo contexto global, a análise do sector,
do serviço do interventor social e por outro lado, estes aspectos vão, também eles, condicionar
a resposta ao pedido efectuado. É a combinação desta dupla dinâmica que constitui, segundo
Robertis (2007), os passos para a análise de uma situação mais individualizada.
Este esquema permite-nos compreender que o cidadão destinatário encontra-se no meio da
ampulheta, o lugar, o espaço onde está o conjunto de pedidos com os respectivos constrangimentos.
Voltando a ampulheta ao inverso, encontra-se, igualmente, o conjunto de condicionamentos de
resposta face ao pedido. Ou seja, a resposta do interventor social tem por base uma avaliação
que pode ir em vários sentidos, tendo em conta a introdução do pedido e a compreensão para
descodificar o que lhe está subjacente e por outro, o condicionamento da resposta, devido ao
conjunto de elementos que envolvem o interventor.
Tendo em conta os pressupostos atrás desenvolvidos, uma técnica que é pertinente utilizar neste
tipo de intervenção é o contrato em termos de intervenção social. Este inscreve-se num processo
metodológico que compreende diferentes etapas, desde a fase inicial, que começa aquando do
primeiro contacto com o cidadão destinatário, até à conclusão da intervenção.
A elaboração deste contrato deve ocorrer no percurso da intervenção social, constituindo uma
fase, num momento preciso da relação de ajuda com a pessoa. Não pode ser estabelecido fora
deste contexto, na medida em que este se constrói sobre a base de um acordo e confiança
recíprocas entre o interventor social e o cidadão destinatário.
O contrato estabelece, de maneira clara e objectiva, os possíveis benefícios e consequências
adversas, assim como a temporalidade das mesmas, que podem ocorrer durante a intervenção.
Este pode ser escrito, sendo mais formal, menos flexível e permite uma avaliação objectiva. No
caso de ser verbal, é mais flexível e de maior dificuldade para uma avaliação objectiva. Permite,
ainda, a redução de distância e clarificação entre as expectativas da(s) pessoa(s) e do interventor
social. Por último, o contrato serve de base para a avaliação dos resultados e facilita a ponderação
do percurso do cidadão, face aos objectivos definidos.
A avaliação diagnóstica passa também por valores éticos, aos quais o Assistente Social se reporta,
ou seja, as normas, valores e concepções em que inscreve a sua actuação/intervenção. A ética
da responsabilidade tem subjacente a capacidade de empatia do técnico, de sentir com o outro,
não sendo o outro. Traduz-se também nas atitudes, na palavra, na comunicação verbal e analógica.
Defende uma reflexão sobre os meios, os métodos e as técnicas utilizadas e a sua convergência com
os objectivos, aquando da intervenção. A concepção ética do Assistente Social é interdependente
da ideologia dominante da sociedade onde está inscrito, num determinado momento histórico.

Considerações Finais
Em síntese, o Assistente Social, os Educadores Sociais, os Psicólogos, ou seja, todos os actores
que intervêm no social – interventores sociais – desenvolvem a sua actividade num espaço social
que enquadra o cidadão destinatário e o seu mundo de relações, num espaço social que inclui

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

pessoas, grupos primários (família), grupos secundários (amigos e conhecidos) e a nível comunitário
(municipalismo).
O interventor social tem como objectivo proporcionar uma mudança positiva das situações
problemáticas, capacitar os indivíduos implicados da necessidade de serem agentes de mudança de
si próprios. Actuar em termos preventivos, no sentido de diminuir as consequências negativas dos
conflitos e restabelecer os equilíbrios, na pessoa afectada individualmente e nos seus grupos de
pertença, primários e secundários.
O sujeito deve ser considerado como um todo, tratado em todas as suas dimensões (individual,
familiar e comunitária), tendo em conta o contexto em que se actua e as inter-relações que se
estabelecem.
O interventor social, sendo generalista, pode permitir uma boa sistematização dos problemas não
específicos e um bom diagnóstico inicial, contribuindo nas suas intervenções para a promoção e
confiança como base da coesão social e como elemento de uma cidadania activa, sendo um dos
pilares para a (re)construção de si próprio, de laços e sentimentos de pertença a um grupo, a uma
comunidade, a um território.

Bibliografia
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Bernoux, J. (2005). Mettre en oeuvre le développement social territorial. Méthodologie, outils, pratiques.
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croisée des chemains. Montreal: G.F.P. et Palais
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Planeamento e Avaliação. Manual de Planeamento e Avaliação de Projectos. Cascais: Principia.

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

2.2 Metodologia de Acompanhamento Social e Construção de Percursos de


Inserção

Exclusão Social e Percursos de Inserção: Reflexões em tempo de mudança

Elsa Conceição Silva1

Idosos, desempregados, toxicodependentes, alunos em situação de insucesso escolar são objecto de


processos de exclusão em que a aparente diversidade apresenta alguns traços comuns: isolamento,
baixa auto estima, competências formativas insuficientes, fracos laços sociais e redes de suporte
insuficientes.
Trata-se, então, de repensar/refazer percursos de inserção, com dispositivos de acompanhamento
actuais em termos de intervenção social, com projectos individualizados, concretizados através de
um contrato cujo objectivo é a autonomia das pessoas.
Todas estas mudanças têm repercussões no repensar das práticas sociais, nas narrativas dos actores,
ou seja, numa visão biográfica em que se enunciam, à vez, as finalidades das políticas sociais e os
modos concretos de intervenção em lógicas de desenvolvimento social territorial.

Palavras-Chave: Exclusão Social; Rupturas; Percursos de Inserção; Autonomia; Coesão; Políticas


Sociais; Cidadão Destinatário.

O conceito de exclusão é utilizado para nos referirmos às pessoas que se encontram fora das
oportunidades vitais/essenciais que são definidas pela cidadania social e que são apresentadas de
uma forma negativa, no sentido de quem fica de fora é o que carece de recursos. Definir exclusão
como os que estão de fora, leva-nos a pensar dialecticamente nos que estão dentro. Esta relação entre
fora e dentro é a expressão de uma relação da social e em definitivo, uma perspectiva da construção
social da realidade.
A exclusão pode apresentar-se-nos sob uma imagem de polaridade, de dualidade social, em que uns
sectores estão integrados e outros excluídos, vinculados a processos de dualização e segregação
social e à presença de sectores sociais que ficam fora da condição de cidadania.
Cada sociedade define os limites e fronteiras, constrói cultural e historicamente as suas zonas de
intercâmbio e de proibições, estabelece as zonas de transição e os mecanismos para enfrentar as
situações de exclusão.

Evolução Social
Para Robert Castel (1990), a exclusão social era entendida como a fase extrema do processo
de “marginalização”, entendido este como um percurso “descendente”, ao longo do qual se verificam
sucessivas rupturas na relação do indivíduo com a sociedade, cita (Bruto da Costa, 1998:10).

1
Assistente Social e Psicóloga Clínica, doutoranda em Serviço Social (UCP); Docente da Universidade Católica Portuguesa/
Fac. Ciências Sociais e Humanas – Serviço Social; Directora do Centro de Respostas Integradas de Lisboa Oriental/Instituto
da Droga e da Toxicodependência.

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

Com este termo inicia-se na tradição da política social francesa, em meados dos anos 70, vinculado
a um fenómeno de tomada de consciência colectiva da ameaça de exclusão para grupos e franjas
amplas da sociedade actual. Para tal, como Roberto Castel (1995) a descreve, posteriormente, de
uma forma precisa: no conceito da exclusão, considera-se hoje um conjunto de situações com
estatutos diferenciados, mas que têm em comum o facto de estarem à margem da imagem ideal
que a sociedade dá dela própria, mas esta relação de ideais de sociedade tem sido construída
historicamente de forma diferente.
Percebemos, com o que foi dito anteriormente, que é em função dos momentos históricos que
a percepção da exclusão não tem sido uniforme, temos reconhecido aos bons e aos pobres
perversos, dizemos que existiram os pobres integrados, vítimas da sua condição, mas ligados ao
respeito e aos valores sociais, e o pobre que é marginalizado, convertendo-se em vagabundo, que
se exclui da comunidade social e humana.
Ao fazermos uma incursão histórica, podemos perceber que, a partir do sec. XIV, as situações
de exclusão e de discriminação eram estabelecidas pela análise entre a incapacidade para poder
desenvolver um trabalho e pelas situações de rejeitar o trabalho. À época, tal era apelidado de
pobreza, que não envolvia um conjunto de situações de exclusão ou marginalidade, como por
exemplo, os criminosos, as prostitutas, os filhos bastardos, etc, não considerados como fazendo
parte da sociedade.
Mais tarde, com o desenvolvimento da sociedade industrial e onde o trabalho era considerado
como principal fonte de socialização, o emprego passou a ser analisado como fonte de integração
social e pessoal, e os mecanismos de desafiliação por falta de trabalho são considerados mecanismos
geradores de situações de exclusão.
O conceito de exclusão apresenta contradições, se considerarmos a relação triangular e de
confrontação entre individualidade, racionalidade e sociedade.
Na relação dos indivíduos com os mecanismos reguladores do mercado, denota-se uma falta de
articulação do sistema social, através do Estado, produzindo uma ruptura entre o Estado e a
sociedade de Direito. A ambivalência com a qual somos confrontados, observa-se na tentativa de
combinar, à vez, mecanismos para tratar de eliminar situações consideradas como “vergonhosas”
para uma sociedade dita moderna e de estabelecer, ao mesmo tempo, fronteiras mais permeáveis
e vulneráveis entre as diferentes situações sociais.
A exclusão social mostra-nos uma prática construída, que tende a uma intervenção especializada,
separada do resto da sociedade, fazendo apelo às respostas dos objectivos para uma categorização
de públicos, criando um conjunto de instituições especializadas e encarregadas de lhes dar
resposta.
No entanto, verifica-se, ainda, que em algumas situações estas respostas não demonstram iniciativas
inovadoras e adequadas à intervenção psicossocial para determinados grupos e territórios, caindo
em respostas do tipo assistencialista, que não promovem a autonomia e a responsabilização
do cidadão destinatário. Os exigentes desafios deste século, fazem apelo à especialização e
diversificação.
Outro fenómeno que contribui para situações de exclusão, são as questões do urbano, sendo este
cada vez mais amplo na sua criação. É necessário compreendermos que os novos/velhos territórios
urbanos colocam os seus habitantes em situações de desigualdade e problemáticas sociais. Neste
sentido, torna-se urgente contemplar este tipo de fenómeno, em que é necessário ter em conta a
reconfiguração das famílias monoparentais, unipessoais, reconstruídas, acompanhado de uma baixa

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

de natalidade na maior parte dos continentes, com um índice elevado de envelhecimento das
populações, mesmo com incentivos por parte de alguns países, em termos de políticas sociais que
promovem o aumento de natalidade. Neste sentido, as políticas sociais são de toda a importância,
na sua operacionalização, em matéria de intervenção social, contra a exclusão. Estas têm que estar
atentas a todos os desafios que pressupõem mudanças estruturais de fundo.
No que diz respeito às políticas sociais e à intervenção social, somos confrontados com fronteiras
e interfaces de campos diferentes de acção, nomeadamente, a educação, formação e emprego,
políticas de ajuda na área da juventude, e noutros sectores como terceira idade, justiça, saúde,
etc. Nos últimos vinte anos, observa-se uma multiplicação de dispositivos sociais destinados aos
públicos reconhecidos como vulneráveis ou em situação de exclusão, com o objectivo de promover
e facilitar a sua (re)inserção e autonomia.
As diversas respostas postas em curso, a nível da deficiência e do insucesso escolar, dos
desempregados, de todos aqueles que, por diversas razões, não têm recursos, ou que não se
encontrem dentro das normas estabelecidas por um Estado de Direito, são categorizados pelo
poder público como sujeitos problemáticos (Franssen 2002:10). Nas comunidades, tem existido uma
evolução profunda, dando lugar a uma heterogeneidade de dispositivos sociais, que têm como
objectivo uma lógica comum de intervenção, a partir de projectos de inserção individualizados. Estes
devem ter em conta os objectivos de autonomização do cidadão destinatário, bem como formas
de contratualização de suporte/ajuda, implicando o sujeito como actor co-produtor do serviço e
acentuando a sua implicação no próprio modo de vida. Neste sentido, a inserção e a securização do
indivíduo enquadra, hoje em dia, uma diversidade de processos como a formação, a intervenção, a
prevenção, a socialização, a orientação profissional, operacionalizadas por diferentes interventores
sociais (professores, educadores, assistentes sociais, psicólogos, gestores de processo, mediadores,
conselheiros de orientação profissional). Face a públicos tão diversificados como desempregados,
alunos em situação de insucesso escolar e jovens em situação de risco, é importante trabalhar
questões de autoconfiança, identidade, vinculação, reforçando, deste modo a sua identidade, bem
como a coesão social.
Do ponto de vista institucional, a tendência actual para acompanhar e responder a estas necessidades
vai no sentido da elaboração de diagnósticos territoriais locais (Bernoux, 2005), com o objectivo de
avaliar as necessidades locais e as respostas já existentes, bem como as potencialidades existentes,
e de colocar todas estas dinâmicas em rede e em parcerias, conjuntamente com os respectivos
intervenientes sociais.
Numa perspectiva organizacional, implica rupturas com formas de trabalho conservadoras,
motivando e implicando os actores/interventores, em critérios de diagnóstico elaborados com
rigor científico, na construção de uma lógica de projectos mediante metodologias inovadoras e
rigorosas, em que o planeamento, a acção e a avaliação estejam presentes, tal como a qualidade
dos organismos.
A exclusão social leva a uma ruptura, em que estão subjacentes três dimensões, segundo Gaulejac
e Leonétti (1994):

• A dimensão económica, que prevê a inserção e a participação social, através de actividades


de produção e de consumo – trabalho e recursos materiais.

• A dimensão social, que envolve a integração em grupos primários e na sociedade global, atra-
vés de laços sociais institucionais.

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

• A dimensão simbólica, definida pelas normas e valores comuns e pelas representações sociais
que contribuem para definir os lugares sociais. É o sistema de valores de uma determinada
sociedade que define, por defeito - o fora da norma - enquanto indivíduo sem valor e sem
utilidade.

Segundo Gaulejac e Leonétti (1994) consideram, na sua teoria de Desinserção Social, existem
quatro etapas até atingir o ponto de ruptura:
1. Situação de ruptura, que consiste na incapacidade de o indivíduo assumir, gerir, integrar,
quer do ponto de vista afectivo, quer do ponto de vista material, a situação traumatizante
que está a viver. A instabilidade, nesta fase, é sobretudo psicológica, o indivíduo continua
integrado no seu meio, no seu modo de vida, mudando de atitude face aos aconteci-
mentos, tornando-se versátil nos seus comportamentos. Uma instabilidade, sobretudo,
psicológica e não espacial.

2. Acumulação de rupturas, em que se verifica uma vulnerabilidade a outras rupturas,


na medida em que houve dificuldade em gerir a primeira fase, mesmo não sendo ele a
provocá-las. No seu grupo de pertença, ele deixou de ter o seu “lugar” e perde o controlo
das condições da sua existência. Nesta etapa, o sujeito adquire e aprende outros pontos
de referência, que podem ser mais ou menos de risco e por vezes, distintos.

3. Desligamento e ruptura espacial numa fase muito ligada ao indivíduo que, para so-
breviver, necessita de apoio institucional, nomeadamente, para se alimentar e dormir. Isto
significa que socialmente é visto como uma pessoa com uma vida errante, com conse-
quências para a sua participação como cidadão pleno e que fragiliza, também, a sua auto-
estima e a imagem que tem de si. Período, sem dúvida, crucial no que consiste a poder
iniciar um comportamento marginal. A mudança principal verifica-se na instabilidade da
sua identidade e da forma como os outros o vêem.

4. Degradação/exclusão uma última fase que corresponde, habitualmente, à entrada num


grupo organizado de pessoas excluídas. Esta passagem para um novo grupo de pertença
não é passageira, na maior parte das situações, o indivíduo desemboca na pertença a um
novo grupo social – o dos excluídos. Esta instalação num outro modo de vida leva a outras
aquisições de saber fazer, nomeadamente, no que diz respeito a actividades de sobrevivên-
cia, a integrar-se em subculturas organizadas em torno de percursos errantes. O indivíduo
acaba por deixar de se interrogar sobre o que faz, convencendo-se que é a única forma
de viver. Justifica-se a si próprio, através de racionalizar este modo de vida, defendendo-o,
mesmo que este lhe cause sofrimento. O processo de desinserção é dinâmico, inscrito em
sucessivas diferenças e tensões, a que não se submete imediata e passivamente ao que lhe
está a acontecer e aos olhares que os outros projectam sobre ele.

Neste processo de desinserção, podemos constatar três fases psicológicas e distintas – Resistência,
Adaptação, Instalação – que se manifestam de forma diferente, segundo cada etapa e a estrutura
de cada indivíduo.

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

A fase da resistência caracteriza-se pela capacidade do sujeito mobilizar todo o seu potencial afectivo,
social e cultural para resistir à nova situação social em que se encontra, face aos acontecimentos
traumáticos por que está a passar.
A fase da adaptação é sobretudo marcada pelas tentativas de reconquista do estatuto anterior.
O indivíduo não foi capaz de se libertar das situações que vive e transforma o seu modo de se
observar e ao mundo que o rodeia.
Finalmente, na fase de instalação, esta corresponde à aceitação da situação e na passividade do
sujeito. É acompanhada do sentimento de que não poderia ser de outro modo.
Na perspectiva de Castel (1990) e na sua teoria da Desafiliação, constata-se três zonas de variação
de coesão social que são a zona de integração social, de vulnerabilidade e de desafiliação. Não
podemos, no entanto, deixar de sublinhar que os sujeitos são expostos a uma desqualificação social,
causada pelo desemprego e pelas precárias, ou ausências de políticas sociais, na sua perspectiva.
Por outro lado o processo de desinserção está ligado a um sentimento de exclusão, no que diz
respeito à sua dimensão simbólica. Por fim, a desafiliação, leva a um sentimento e estado de ruptura
de pertença ou de vínculo social.
Quando abordamos o sentimento de exclusão, não nos referimos só à sua dimensão simbólica, mas
também à negação dos direitos à participação no mercado laboral, à negação ou o não acesso aos
direitos sociais de cidadania, bem como a sua desintegração social, a marginalidade, o sentimento
de não pertença, ou seja, o desenraizamento.
Para além do que já foi referido anteriormente, quando falamos de exclusão social estamos a
falar de processos de polarização de indivíduos e das comunidades, de diferenciação social e de
desigualdade. Sabemos que este é um processo de ruptura multidimensional de desintegração e
fragmentação das relações sociais e a perda de coesão social. O sujeito imagina que os outros
o vêem em situação de vulnerabilidade, sente as suas capacidades reduzidas para alcançar os
objectivos pessoais, isolando-se e marginalizando-se. As causas da exclusão estão interligadas à
descriminação e não execução dos direitos, às constantes alterações, organização e funcionamento
dos sistemas e instituições de sociedade, no que concerne, nomeadamente, a mudanças constantes
no mercado laboral. E será que a evolução do conhecimento e das tecnologias de informação estão
acessíveis a todos?
Outros factores a ter em conta prendem-se, também, com a organização e funcionamento dos
sistemas e das instituições da sociedade, tais como as mudanças socio-demográficas, territorialismo
e polarização do desenvolvimento, algumas políticas governamentais falhadas, deficiências no sistema
democrático e jurídico, no sistema de segurança social, bem como em valores e comportamentos
anti-sociais.
Bruto da Costa (1998) identifica cinco tipologias de exclusão social:
• Económico – em que a pobreza é entendida como uma situação de privações múltiplas, por
falta de recursos.

• Social – Aqui, a privação é relacional, por vulnerabilidade dos laços e redes sociais que po-
dem levar ao isolamento, à ausência de auto-suficiência e autonomia individual.

• Cultural – A exclusão também pode ter uma natureza cultural, quando estão presentes
motivos dessa ordem, que dificultam a integração social de minorias étnicas e culturais, em
que estão presentes fenómenos de xenofobia e racismo, entre outros.

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

• Patológico – Aqui estão, por vezes, presentes as clivagens familiares que têm na origem
situações problemáticas de ordem psicológica ou mental.A título de exemplo, as politicas
sociais, em termos de saúde mental na Europa, por passarem a privilegiar o tratamento
em ambulatório de pacientes que eram tratados, anteriormente, em regime fechado ou de
internamento.

• Comportamentos autodestrutivos – este tipo de exclusão, na maior parte dos casos estão
sobrepostos a outros tipos de exclusão ou são desencadeados por outras formas de ex-
clusão, nomeadamente, o alcoolismo, a toxicodependência, entre outros, tendo estas causas,
por trás, situações problemáticas de pobreza.
Segundo José Sousa Martins (1997), acerca de exclusão social, só os mortos são excluídos,
e nas nossas sociedades a completa exclusão dos mortos não se dá nem mesmo com a morte
física: ela se completa depois da lenta e complicada morte simbólica, cita Pereira (2008). As so-
luções para estes problemas em grande parte, defendendo uma mudança de estilo de vida
por parte dos indivíduos, uma mudança em que esteja presente um processo de profunda
reestruturação, nomeadamente uma maior flexibilidade de gestão, diversificação das rela-
ções laborais, meios que permitam estimular a actividade intelectual, cultural, distribuição
e consumo de informação e de novos conhecimentos desenvolvidos e fomentados pelas
tecnologias de informação e comunicação (Castells 2005).

Percursos de Inserção
Como inflectir percursos de desinserção para uma vida activa, a plena cidadania, sendo o sujeito
responsável da sua própria vida?
Num percurso individual de inserção, é importante que o indivíduo expresse, de uma forma
manifesta a sua vontade de aderir à sociedade, ao seu território, às suas redes, à reconstrução da
sua identidade individual e social. Estes percursos constroem-se com actores do mesmo território,
cidadão destinatário, instituições, poderes públicos e privados, com estratégias definidas, que devem
ser negociadas e contratualizadas em projectos de promoção social sustentáveis. Propõe-se assim
cruzar a noção de percurso individual e colectivo com o projecto político e o do território.
Podemos então considerar o desenvolvimento social territorial como sendo a proposta de
mudança das condições de produção para os sujeitos, através das mudanças sociais, institucionais
e políticas.
Para realizar a integração dos indivíduos, através deste tipo de intervenção, pressupõe a reposição
no trabalho e a aprendizagem e integração de métodos para:

• Reconhecer a qualidade do(s) actor(es)


• Clarificar as finalidades da acção social
• Definir um perfil político do interventor/actor
• Definir estratégias inscritas no território e aceite por todos, face à versatilidade do
mesmo

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

Projecto do Território

Desenvolvimento
Social Territorial

Projecto Projecto Individual


Colectivo

Fig. 1
Fig.1 – Percurso de inserção individual integrado no desenvolvimento social territorial (Bernoux 2005: 16)

• Pôr em marcha um diagnóstico partilhado


• Implementar/acompanhar projectos e percursos de inserção concertados para o de-
senvolvimento e sustentabilidade
• Implementar uma avaliação participativa da mudança social.
Os percursos de inserção, como processos individualizados, devem pressupor o conhecimento
de projectos colectivos e estes, inscritos em projectos territoriais, onde os indivíduos vivem, são
apreciados e determinadas as causas que levaram a situações de desinserção e onde é valorizado,
de uma forma muito positiva, a inflação directa do sujeito na sua reconstrução identitária.
Nas propostas de inserção surge-nos algumas variáveis, nomeadamente, em primeiro lugar, a variável
económica como justificação de uma série de ajudas económicas e de apoio material. Ou seja com
o indivíduo, ou com as famílias que recebem apoios financeiros – RSI, Fundo de Desemprego –
estabelece-se com estes uma série de actividades, contratos, compromissos relacionados com as
possibilidades de inserção. O desenvolvimento destas acções é normalmente um requisito para
continuarem a obter a prestação económica.
Em segundo lugar, verifica-se uma baixa auto-estima e uma desvalorização por parte deste público
que se encontra sem situação de solicitar ajuda, para a fase problemática que estão vivenciando.
Segundo Castel (1995), é importante desenvolver dois tipos de acção. Por um lado, uma formação
específica que permita a integração dentro dos papéis do meio laboral e as respectivas competências
pessoais e instrumentais. Por outro, promover o desenvolvimento de actividades complementares
relacionadas com o apoio individualizado, que promova o auto conhecimento, desenvolvimento
pessoal, a autonomia do sujeito.
Por último, a variável da inserção, no sentido da concretização de uma ocupação laboral, na medida
em que a inserção, através de um posto de trabalho, o que ainda hoje têm maior relevância é
a mais desenvolvida, através de programas de contratação por formação qualificada, ou através
de contratação directa de municípios, instituições privadas de solidariedade social, criação de
pequenas cooperativas ou, mesmo, através de projectos de micro crédito. Assim, é importante que,
num processo de inserção, sejam tidos em conta os seguintes aspectos:

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

• Valorização positiva do próprio, com o objectivo de o tornar confiante e lhe permita


níveis de autonomia pessoal.
• A realização de um conjunto de actividades formativas com objectivos de favorecer a
auto estima e que, por outro lado, possam gerar aprendizagens e competências laborais
para o posterior exercício de uma profissão.
• Facilitação do acesso ao mundo laboral, empresarial, remunerado a partir de alguns dis-
positivos de políticas sociais, concretizados em programas de empregabilidade, acom-
panhados por interventores sociais.
• Adequação de estratégias de acompanhamento e de mediação, realizadas desde a es-
trutura de apoio social, onde possam ser reflectidas, contempladas e harmonizadas
as lógicas da produção, do mercado com os seus objectivos e ainda, as características
pessoais dos sujeitos em situação de precariedade e exclusão.
• Diversificação das oportunidades de inserção, criadas desde a empregabilidade, inte-
gração social mediante actividades de participação social, promoção educacional com
obtenção de diplomas de qualificação, entre outras.
Nesta perspectiva, entende-se que os sistemas de protecção social e os processos de intervenção
social têm um papel crucial na possibilidade de incentivar a contratualização entre o cidadão
destinatário e os serviços de intervenção social, a construir estratégias para que sejam promovidos
os laços sociais, a coesão e a relação social. Estas estratégias são construídas através do
acompanhamento social, o que implica uma relação de confiança, que consiste em criar espaços
de escuta, onde o julgamento sobre a história pessoal do cidadão e a sua situação psicossocial não
entra em linha de conta, como se estivesse suspenso.
A vulnerabilidade do cidadão pode ser explorada e compreendida, onde o julgamento de valores
não pode coexistir, para que haja uma verdadeira distância de análise, para que seja produzida a
verdade social, muitas vezes, difícil de assumir para o utente. O julgamento pela parte dos técnicos
pode ameaçar e potencializar a baixa de auto-estima e bloquear o pedido. Este para ser explícito,
necessita de apoio e encorajamento por parte do interventor social. Se a atitude deste for na linha
da proximidade, obtém-se um registo biográfico do sujeito, em que ele se vai reconstruindo, num
espaço de trocas sobre a sua existência.
Outra dimensão importante é a da competência do técnico, que reside também na necessidade
de se aproximar do cidadão destinatário e ao mesmo tempo, saber distanciar-se do sentimento
de pertença, face à organização que representa. É importante o técnico saber articular o conjunto
de atitudes, de palavras, inscrito num espaço de proximidade e simultaneamente, de pertença
institucional. Este tipo de competência profissional pode criar no cidadão destinatário uma
confiança no interventor e na instituição que este representa (Foucart 2009). Só assim é possível
estabelecer uma relação de confiança entre actores, visto que esta relação é um processo pela qual
se conduz uma pessoa a fazer novas aprendizagens, arriscar na sua reconstrução identitária para
poder satisfazer as suas necessidades ou resolver as suas dificuldades.
Vejamos alguns dos obstáculos na relação de co-construção por parte do interventor social e do
cidadão destinatário, segundo Tremblay (2003).

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

Interventor Social

Expectativas:
• Sentir-se útil

• Comportar-se de forma profissional

• Ser tolerante e compreensivo

• Partilhar o compromisso da relação

• Aplicar coerentemente os conhecimentos

• Ser cauteloso com a relação de omnisciência e superioridade profissional

Receios:
• Ansiedade perante a responsabilidade

• Compreender os sentimentos

• Explorar de forma adequada a vivência do sujeito

• Evitar causar dor psíquica

• Estudar o sujeito, superando as possíveis limitações da individualidade

Cidadão Destinatário

Expectativas:
• Tentar ver cumpridos os seus objectivos, sendo que as suas expectativas dependerão
do seu grau de maturidade

• Querer livrar-se do sofrimento que lhe provoca o problema

• Encontrar apoio para suportar o peso do problema

• Encontrar alguém que o escute e o entenda


Receios:
• Sentir-se julgado e ridicularizado

• Sentimento de culpabilidade

• Sujeitar-se a um julgamento moral

• Sentir-se avaliado e criticado

• Sentir-se penalizado e castigado

• Sentir-se vulnerável, inibido ou coagido

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

Obstáculos à co-construção do cidadão destinatário por parte do interventor


social

Dificuldades não resolvidas:


• Preconceitos

• Interruptores pessoais

Medo de se deixar conhecer:


• Esconder-se em atitudes excessivamente teóricas

• Dificuldade em criar uma distância afectiva adequada

Projecção de si:
• Rever no outro a sua vida e os seus temores/medos

É de toda a importância que os Serviços de Intervenção Social transformem as suas práticas,


muitas vezes baseadas em relações de tutela ou paternais das diferentes populações, em situação
de exclusão, em benefício de uma relação de confiança, de projecto contratual para a inserção, que
permita ao sujeito fazer um percurso com autonomia, responsabilidade e auto confiança, onde
esteja presente uma boa auto estima.

Considerações Finais

Todo o percurso implica o fortalecimento dos laços e vínculos, que unem o indivíduo à sociedade,
tanto nas suas relações interpessoais como nas institucionais, permitindo a expressão positiva
da sua readaptação. Implica, ainda, compreender que todo o percurso de inserção é analisado a
partir da identificação do pedido formulado pelo cidadão destinatário. Por outro lado, perceber as
diferenças, entre a percepção do pedido, entre os diferentes educadores, face às suas representações
e estas, postas em prática, em todas as relações. Identificar, também, os diversos programas de
intervenção e implementá-los face aos principais eixos, de força ou de fraqueza dos indivíduos, ou
seja, aquilo que é possível reconstruir, alterar ou não, nos seus percursos.
O que está em jogo para o cidadão é a realização de um percurso individual, onde ele seja o
protagonista do seu espaço, do seu sítio e da sua identidade na comunidade, no território em
que está inscrito. Este processo necessita de uma série de mecanismos vinculados, segundo Castel
(2009), com a redistribuição dos recursos sociais, uma clara aposta para reduzir os mecanismos de
desigualdade social entre os diversos países e continentes de um mundo globalizado, que esconde
as diferenças de desigualdade entre os diferentes continentes, onde é necessário reivindicar
actuações globais, permanentes e concertadas, que reduzam os mecanismos de desigualdade que
possam permitir a vivência de uma cidadania activa e plena.

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

Bibliografia
- Anaut, M. (2002). A Resiliência. Ultrapassar os Traumatismos. Lisboa: Climepsi Editores.
- Astier, I.; Duvoux, N. (2006). La Société Biographique: Une Injonction à Vivre Dignement. Paris:
L`Harmattan.
- Astier, I. (2007). Les nouvelles règles du social. Paris: Ed. PUF.
- Bernoux, J. (2005). Mettre en oeuvre le développement social territorial. Méthodologie, outils, pratiques.
Paris: Dunod.
- Castel, R. (2009). La montée des incertitudes.Travail, protections, statut de l’individu. Paris: Ed.du Seuil.
- Castel, R. (1995). La metamorphoses de la question sociale. Paris: Ed. Fayard.
- Castells, M. (2005). A Sociedade em Rede. A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura. Volume
I. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
- Châtel,V; Soulet, M. (2002). Faire face et s`en sortir. Négociation identitaire et capacité d`action. Suisse:
Editions Universitaire Fribourg.
- Costa, B. (1998). Exclusões Sociais. Lisboa: Gradiva Publicações, lda.
- Foucart, J. (2003). Sociologie de la souffrance. Bruxelles: Ed. De Boeck.
- Freynet, M. (1996). Les mediations du travail social. Contre l`exclusion, (re)contruir eles liens. Lyon:
Chronique Sociale.
- Garcia, T. (2005). Trabajo social com casos. Madrid: Alianza Editorial.
- Gaulejac,V, Léonetti, I. (1994). La luttes des places. Paris EPI.
- Pereira, E. (2008). Prevenção da Desinserção: Integração; Exclusão; Etapas de Desinserção. Apresentação
inédita. Lisboa: Instituto da Droga e da Toxicodependência – Delegação Regional de Lisboa e Vale
do Tejo.
- Sousa, I; Hespanha, P; Rodrigues, S; Grilo, P. (2007). Famílias Pobres: Desafios à Intervenção Social.
Lisboa: Climepsi Editores.
- Tremblay, L. (2003). La relation d`aide. Développer des compétences pour mieux aider. Montréal: Les
Éditions Saint-Martin.

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

2.3 Técnicas de Animação Cultural e Social

Eunice Gomes Lopes

O presente artigo foi elaborado no âmbito da componente técnico-profissional do Curso de


Educadores Sociais no Lobito, sendo referente ao módulo de técnicas de animação sociocultural.
O artigo reúne de forma sintética as principais temáticas abordadas ao longo do módulo e
pretende constituir um suporte teórico para os formandos que nela participaram ou/e outros
interessados.
O artigo está estruturado, para além da presente introdução, em seis partes fundamentais.
Numa primeira parte realiza-se uma breve contextualização histórica da animação. A segunda
parte é destinada à compreensão do conceito de animação sociocultural e a terceira à figura
do/a animador/a sociocultural. Na quarta parte, aborda-se directamente o tema fulcral, ou seja, as
técnicas de animação sociocultural, em que são esclarecidos alguns conceitos básicos, tais como
trabalho em/de/com grupo, dinâmicas de grupo e técnicas de grupo. Seguidamente, num primeiro
momento, é apresentada uma categorização dos vários tipos de técnicas existentes e enumerados
os critérios a ter em conta na sua aplicação. Na sexta e última parte são mencionados alguns
desafios actuais da animação e realizada uma breve conclusão do tema.
Palavras-chave: animação sociocultural; animador/a; educação; trabalho de grupo; dinâmicas de
grupo e técnicas de animação.

Breve contextualização histórica


Segundo Lança (2003), a animação surge associada a um conjunto de transformações resultantes
do crescimento descontrolado da indústria nos finais dos anos cinquenta.
Entre estas transformações o autor destaca as crises económicas e de administração dos recursos
energéticos; as mudanças demográficas e culturais originadas pela forte concentração das classes
trabalhadoras em bairros urbanos; a dificuldade de adaptação às novas tecnologias; a perda da
identidade local.
A revolução industrial despoletou grandes alterações no sistema social e familiar e tal como a
sociedade, também a ciência evoluiu no sentido do desenvolvimento tecnológico e informático,
emergindo a necessidade de actualização de conhecimentos numa perspectiva de educação
permanente. Todo este conjunto de transformações originou uma mudança de mentalidade
relativamente aos tempos livres, surgindo a necessidade de transformação dos mesmos em
actividades que proporcionassem bem-estar e divertimento, associados ao desenvolvimento
pessoal e social.
Neste sentido, pode-se dizer que o incremento do tempo livre foi “uma conquista da revolução
industrial através do reconhecimento da sua importância e da sua inscrição enquanto direito do
ser humano, e está directamente ligada à animação sociocultural” (www.apdasc.com/pt/).
Deste modo, o tempo de recreação e animação passaram a constituir uma necessidade social, bem
como das organizações responsáveis pelo desenvolvimento de acções que proporcionem o bem-
estar pessoal e social das populações.

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

A Animação Sociocultural
Vinculada às transformações sociais e em consequência de reconhecimento sucessivo dos tempos
livres, o termo Animação foi oficializado pela UNESCO em 1955, sendo a animação sociocultural
definida como “um conjunto de práticas sociais que têm como finalidade estimular a iniciativa, bem
como a participação das comunidades no processo do seu próprio desenvolvimento e na dinâmica
global da vida sociopolítica em que estão integrados”.
Nesta mesma perspectiva, Serrano (2007) e Ferreira (1999) defendem a animação sociocultural
como uma metodologia de intervenção social que tem como objectivo principal promover a
participação dos implicados num conjunto de acções em prol das suas necessidades e interesses.
Deste modo, a animação sociocultural fomenta a comunicação, o encontro interpessoal e a
afectividade; revaloriza a vida associativa e fomenta uma rede de relações que intervêm e fazem
emergir valores comunitários. Esta é sustentada pelos princípios da participação, solidariedade,
transformação da sociedade e concebe o protagonismo aos implicados, “dando voz a quem carece
dela”, através de recursos, técnicas, dinâmicas e estratégias que visam atingir os seus objectivos
(idem).
A animação sociocultural apresenta três dimensões principais: a cultural, a social e a educativa.
A nível cultural, a ideia que importa destacar é expressa por Tyler (1871), citado por Quintas
(1994:14), que define a cultura como um “conjunto complexo que abarca os conhecimentos, as
crenças, a arte, o direito, a moral, os costumes e os demais hábitos e aptidões que o homem
adquire enquanto membro da sociedade”. Nesta perspectiva, a animação sociocultural pretende
promover a democracia e a dinâmica cultural, tendo o objectivo de fazer circular todos os tipos de
discursos culturais através de processos participativos (Ander-Egg, 1999:25).
A dimensão social prende-se com o facto da animação sociocultural desenvolver uma acção
colectiva, ou seja, em grupos inseridos numa determinada comunidade e contexto cuja finalidade
consiste em promover processos de intervenção e desenvolvimento comunitário que conduzam à
melhoria da qualidade de vida da população em geral.
Associada às duas dimensões referidas está inevitavelmente a educativa, uma vez que “o termo
educação designa todo acto ou acção intencional, sistemática e metódica que o educador realiza
sobre o educando para favorecer o desenvolvimento das qualidades morais, intelectuais ou físicas
que toda pessoa possui em estado potencial” (Ander-Egg, 1999:31).
Com base nos pressupostos de intervenção mencionados, podemos concluir, tal como defendido
pela UNESCO, que os valores da animação deverão passar pela: i) liberdade pessoal e comunitária;
ii) tolerância em que todos têm o seu próprio e diferente valor; iii) sabedoria que cria independência
e cooperação; generosidade como motor dos propósitos humanizadores; valorização de cada ser
humano por si mesmo; consciência independente, autonomia e criatividade e igualdade e justiça
para favorecer a convivência.

A figura do/a animador/a sociocultural


A União Europeia concebe o/a animador/a como “o profissional que utilizando a tecnologia social
baseada na pedagogia participativa, facilita o acesso a uma vida mais criadora e mais activa com maior
participação e comunicação com a comunidade”. Potencia consequentemente a autonomia pessoal
e grupal, a relação interactiva com as outras pessoas, a integração num encontro sociocultural, e
corresponde-lhe a capacidade para transformar esse encontro (Ander-Egg, 1999).

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

Serrano (2006) partilha da mesma perspectiva, ao afirmar que o/a animador/a é um/a trabalhador/a
social, cujas funções se baseiam na concretização de actividades com finalidade socioeducativa,
destinadas a um todo, com o objectivo de atingir uma educação global e permanente, a partir do
envolvimento e participação dos destinatários.
Note-se contudo que segundo José e Idáñez (2009), podemos distinguir vários tipos de animadores/
as socioculturais: i) sociais, que promovem a socialização, tarefas preventivas e reeducação; ii) culturais,
que visam potenciar o acesso a todas as pessoas e obras de arte (difusão cultural), favorecendo o
trabalho dos criadores (criação cultural); iii) educativos, que favorecem o desenvolvimento pleno da
pessoa (tempos livres, laborais e extra escolares); iv) socioculturais, que fomentam o desenvolvimento
social da vida associativa e v) os socioeconómicos, que cultivam a actividade socioeconómica em
benefício do desenvolvimento humano.
Apesar da distinção realizada pelos autores, não significa que o/a animador/a não possa reunir as
várias tipologias em simultâneo no desempenho das suas acções.
No que concebe ao perfil do/a animador/a sociocultural, Serrano e Puya (2007) defendem que
este/a deve reunir algumas dimensões essenciais no desempenho das suas actividades:
- A dimensão corporal, ou seja, o/a animador/a deve gozar de uma boa saúde e resistência física
devido à multiplicidade de tarefas que realiza. O conhecimento do corpo e dos seus limites
é fulcral em todas as fases do desenvolvimento humano.
- A dimensão intelectual, isto é, trata-se de uma profissão que exige formação e maturidade
intelectual. Necessidade de se conhecer a si próprio e aos outros, sendo fundamentais os
seguintes aspectos: flexibilidade e criatividade; tolerância; liderança democrática e comunicação
interpessoal.
- A dimensão afectiva que exige ao/à animador/a estabilidade e maturidade. Sensibilidade
perante êxitos e fracassos e acima de tudo confiança em si. A afectividade traduz-se não
apenas no que a pessoa diz mas também na forma como realiza.
A nível das habilidades de acção dos profissionais de animação, os autores destacam quatro
competências principais:
- A competência técnica que se refere ao “saber”, isto é, ao domínio das tarefas que realiza.
Este/a deve possuir destrezas, atitude e conhecimentos interdisciplinares.
- A competência metodológica diz respeito ao “saber fazer”. Remete para o conhecimento
prático, ou seja, dos procedimentos adequados para levar a cabo as suas tarefas. Engloba
capacidades, habilidades, flexibilidades e destrezas para aplicar os seus conhecimentos em
situações específicas de forma crítica e criativa.
- A competência participativa e social referente ao “saber estar”, ao comportamento e formas
de organização. Implica o desenvolvimento de capacidades e atitudes que promovam a
socialização e participação dos diferentes grupos sociais.
- A competência pessoal consiste no “saber ser”. O/a animador/a deve promover a confiança
em si mesmo, a auto-estima, o auto-conceito positivo, ou seja, o auto-conhecimento e auto-
realização.
Quanto às funções que desenvolve podemos resumi-las em três: i) a função de organização; ii)
a função de facilitação e iii) a função de regulação. A primeira passa pela fixação de objectivos;
elaboração de planos de acção; acompanhamento e selecção dos participantes; elaboração de

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

relatórios, entre outras tarefas.A função de facilitação integra a sensibilização dos grupos, promoção
de climas socioafectivos; potencialidades e participação activa dos destinatários. Por fim, a função
de regulação remete para a gestão de conflitos e pressões que condicionem a livre expressão e
pela redução de relações de dependência.
Em conclusão, pode-se afirmar que o/a animador/a é também relacionador/a, mediador/a social,
dinamizador/a intercultural, ou seja, um/a educador/a e por isso um/a agente de mudança social.

Técnicas de animação sociocultural – Definições e Conceitos


Quando falamos de animação deparamo-nos com conceitos que por vezes se confundem entre si,
tais como trabalho com/de/em grupo, dinâmicas e técnicas de grupo.Apesar de usualmente utilizados
para denominar uma mesma actividade, existem diferenças que importam ser esclarecidas.
De acordo com José e Idáñez (2009), o trabalho com/de/ em grupo, diz respeito a todas as acções
ou actividades que se realizam de forma colectiva. Para que se realize um trabalho em grupo, não é
necessário a existência de um animador ou coordenador, nem o uso de técnicas, ou outro tipo de
coisas, basta a realização colectiva de uma acção, dentro do marco da interacção mútua.
As dinâmicas de grupo consistem nas interacções e processos que se desenvolvem no interior de
um grupo em consequência da sua existência. O estudo destes fenómenos constitui a teoria da
dinâmica de grupos e a sua experimentação prática pode evidenciar-se através das técnicas de
dinâmicas de grupo. Deste modo, as dinâmicas de grupo entendem-se de formas distintas, segundo
teoria, técnica ou espírito de grupo. Como teoria consiste em estudar cientificamente o conjunto
de fenómenos psicossociais em que se desenvolvem nos grupos e as leis que os produzem e
regulam. Enquanto técnica é entendida como técnicas de actuação, isto é, constitui um conjunto
de procedimentos e meios a serem utilizados em situação de grupo, com o objectivo de fomentar
de uma maneira mais expressa, consciente e manifesta os processos grupais. Como espírito de
grupo, o uso do conceito surge em consequência das investigações de dinâmicas de grupo e da
elaboração de metodologias de trabalho em grupo. Baseia-se no respeito da pessoa e na procura
de uma participação democrática dos diferentes membros do grupo.
Retomando a temática central, as técnicas de grupo referem-se ao conjunto de meios e procedimentos
que, aplicados numa situação de grupo, servem para atingir um duplo objectivo: produtividade
e gratificação grupal. As técnicas servem para facilitar e estimular a acção do grupo enquanto
conjunto de pessoas e para o alcance das metas e objectivos traçados da maneira mais eficaz e
eficiente possível.
Como esclarecem os autores José e Idáñez (2009), as técnicas de grupo podem ser entendidas
como:
i) conjunto de meios e procedimentos. São variadas e deverão ser adequadas em função de
critérios antes de serem aplicadas. São um meio para alcançar um fim e nunca um fim em si
mesmas.
ii) sendo aplicadas em situação de grupo, ou seja, só se aplicam em realidades, situações de
grupo e pressupõem uma relação mútua num processo de interacção, comunicação entre os
membros e a existência de um objectivo comum.
iii) tendo dupla finalidade: produtividade e gratificação grupal. Quando falamos de animação
ou educação social estes objectivos devem ser atingidos simultaneamente e nunca
separadamente.

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

Em suma, segundo Tschorne (2007) as técnicas de animação possibilitam e têm como objectivos:
facilitar a comunicação; desenvolver a capacidade de comunicação; promover a consciência de
grupo; ensinar a pensar activamente; ensinar a escutar de modo compreensivo; superar a passividade
de alguns participantes; desenvolver capacidades de cooperação, intercâmbio, responsabilidade,
autonomia e criatividade; superar tensões e sentimentos de insegurança pessoal; criar atitudes
positivas face aos problemas e favorecer a adaptação social do indivíduo.

Técnicas de animação sociocultural – Tipos e Critérios de Selecção


As técnicas de animação são inúmeras e categorizadas das mais variadas formas por diversos
autores. De acordo com José e Idáñez (2009), podemos agrupá-las em quatro tipos:

i) técnicas de iniciação grupal;


ii) técnicas de coesão grupal;
iii) técnicas de produção grupal;

iv) técnicas de mediação e avaliação grupal.


As técnicas de iniciação grupal visam proporcionar conhecimento mútuo, integração e desinibição
no grupo. Neste sentido, estas devem facilitar a comunicação, diálogo e interacção. Trata-se de
“criar o grupo” numa atmosfera de confiança e boa comunicação, gratificante para o grupo. Tal
como o próprio nome indica, são normalmente aplicadas no princípio da sessão de animação.
Nestas técnicas podemos inserir as dinâmicas de apresentação; conhecimento; desenvolvimento
pessoal e social; concentração; “energizer”; movimento etc.
As técnicas de coesão grupal pretendem reforçar os valores e ideologias do grupo. Promovem
um maior conhecimento das características individuais e colectivas; possibilitam uma maior
compreensão da relação de grupo; promovem a confiança e coesão de grupo. Consequentemente,
estas contribuem para o fortalecimento da estrutura operativa e funcional do grupo. Aqui poderão
integrar-se as dinâmicas de conhecimento, desenvolvimento pessoal e social, confiança, entre
outras.
As técnicas de produção grupal estão orientadas para a organização de uma tarefa específica, da forma
mais eficaz e eficiente possível. Deste modo, melhoram a produtividade do grupo e possibilitam
alcançar objectivos. Note-se que a gratificação do grupo deve ser trabalhada em simultâneo. Deste
tipo de técnicas fazem parte as dinâmicas de chuvas de ideias, debates, visualização, estudos de caso,
simulações, dramatizações, workshops, cine-foruns, rádio-foruns, etc.
As técnicas de mediação e avaliação grupal são desenhadas para avaliar permanente ou periodicamente
os processos que o grupo está a viver a vários níveis (pessoais, colectivos, desempenho, gratificação,
alcance de objectivos etc.). Estas contribuem para a resolução de possíveis conflitos existentes,
para melhorar o processo de grupo e do/a animador/a, concorrendo assim para a gratificação e
produtividade do grupo, assim como para a de futuros grupos. Daqui fazem parte os questionários
de avaliação, dinâmicas de avaliação e de resolução de conflitos.
Por fim, importa uma vez mais realçar que categorização apresentada, bem como os exemplos
dados não são imutáveis nem universalmente partilhados. Estes variam segundo a percepção dos
vários autores desta área de conhecimento e consoante as situações em que são aplicados.

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

Na aplicação das diversas técnicas devemos ter em atenção as situações e o tipo de grupos com os
quais trabalhamos, uma vez que estes aspectos que podem determinar o sucesso ou insucesso das
nossas acções. José e Idáñez (2009) e Trindade (2007), destacam os seguintes critérios de selecção
das técnicas:
- Objectivos previstos pelo/para o grupo, ou seja, estes têm de estar adaptados e programados
em objectivos gerais e específicos. É necessário conhecer as possibilidades, limitações e
características de cada técnica e aquela que melhor se adapta no sentido de alcançar os
objectivos definidos.
- Maturidade e prática do grupo significa que é necessário ter em conta a maturidade grupal,
comunicação, grau de coesão, nível de participação, capacidade de escuta etc. Por exemplo:
se o grupo tiver pouca maturidade e prática, devem ser utilizadas técnicas que exijam
menor coesão, implicação pessoal, atenção, etc.
- Tamanho do grupo, no sentido em que existem técnicas mais apropriadas para grupos
pequenos e outras destinadas a grupos de maiores dimensões.
- Ambiente físico, isto é, deve procurar-se uma atmosfera que favoreça a acção do grupo. A
dimensão do local deve ser adaptada ao número de participantes. Convém pois que este
seja bem ventilado, iluminado e as cadeiras devem ser colocadas para que se vejam as
caras de todos os participantes. Ter em atenção que há técnicas que requerem espaços
específicos.
- Características do meio externo, pois é importante ter em atenção que todos os grupos
estão inseridos num contexto social de referência que influencia o trabalho do grupo. É
conveniente que as técnicas não choquem com os costumes e hábitos do meio em questão,
mas também não devem ser totalmente passivas, ou seja, é necessário encontrar equilíbrio
com o meio.
- Características dos membros, ou seja, o/a animador/a deve seleccionar os membros tendo
em conta as particularidades de cada grupo. O animador deve ter sempre em atenção as
características culturais e individuais. Para tal, antes de desenvolver a acção deverá informar-
se das mesmas através de fichas de inscrição e/ou técnicos e/ou organizações que já tenham
desenvolvido acções com o grupo. O/A animador/a deve ter em atenção as faixas etárias
dos destinatários. Cada grupo etário reúne um conjunto de características, necessidades,
potencialidades e interesses diferentes que devem ser tidos em consideração.
- Tempo disponível significa que cada técnica dispõe de um determinado tempo de realização,
devendo este ser respeitado.
- Capacidade do animador ou coordenador do grupo, que difere de técnica para técnica, pois
nem todas requerem as mesmas capacidades. Para umas basta conhecer o grupo e ter o
domínio da técnica, mas para outras é necessário uma grande prática e experiência por
quem as aplica, conhecendo as possibilidades e limitações de cada técnica bem como do/a
próprio/a animador/a.
Em conclusão, não existe a técnica que possa ser aplicada em todas as situações e grupos. Estas
podem e devem ser adaptadas consoante um conjunto de critérios que o/a profissional deverá
sempre ter em consideração no desenvolvimento de qualquer actividade de animação.

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

Considerações Finais
A pertinência de se abordar a animação no contexto educativo deve-se essencialmente ao facto
da educação permanente ao longo da vida enfrentar maiores exigências e desafios, assumindo um
leque cada vez mais amplo de funções e responsabilidades.
Sendo que educar também é animar e vice-versa, a animação tem vindo a assumir um papel
preponderante tanto no trabalho social como na prática educativa, uma vez que esta assume uma
importância significativa ao nível da dimensão motivacional.
É notório que ao longo dos últimos anos a animação tem ganho um forte reconhecimento nos vários
contextos educativos: formal, não formal e informal. Assistimos desta forma a um crescimento dos
cursos de animação e profissionalização dos/as animadores/as e consequentemente a um aumento
significativo da sua presença em escolas, jardins-de-infância, ATL´s, lares, salas de formação, entre
outros contextos. Deste modo, o maior desafio das técnicas de animação passa pela transição
do reconhecimento teórico da mesma para a sua difusão e aplicação prática nos mais diversos
contextos. Temos o exemplo do ensino formal, no qual a animação ainda tem um longo caminho
a percorrer no sentido da desconstrução de paradigmas instalados na prática de ensino da classe
docente. É pois, cada vez mais urgente adoptar práticas motivadoras, participativas, de construção
conjunta que promovam o desenvolvimento pessoal e social dos destinatários, tornando-se isto
possível através do uso de técnicas de animação.
Face à complexidade dos problemas sociais com os quais nos deparamos, a animação enfrenta
também o desafio de assumir uma postura activa, de interligação aos programas de intervenção
social, de forma a serem construídos projectos alternativos de resposta adequada ao mundo
globalizado em que vivemos e às inquietações que daí advêm. Isto exige à animação uma permanente
presença e conhecimento das mutações operadas no espaço social.
Em suma, as técnicas de animação constituem uma ferramenta de intervenção social e educativa
privilegiada. Deste modo, estas deverão ter em conta que os seus objectivos se integram numa
perspectiva de cidadania activa e que devem ter como pilar os princípios básicos da educação.
Deste modo, a animação sociocultural é um verdadeiro instrumento de mobilização e motivação
colectiva que deve estar presente em todas as esferas da intervenção social.

Bibliografia
- Ander-Egg (1999). Metodologia y practica de la animacion sociocultural. Madrid: C.C.S.
Ferreira, Paulo (1999). Guia do Animador - Animar uma Actividade de Formação. Editorial Presença.
José Maria e Idánez Aguilar (2009). Cómo Animar un Grupo. Editoral CCS.
- Lança, Rui (2004). Animação desportiva e tempos livres. Perspectivas de organização. Lisboa:
Caminho.
- Quintas, Sanchez (1994). Construir la animacion sociocultural. Editoral Amaru.
- Serrano, Glória (2006). El Animador: Buenas Practicas de Accion Sociocultural. Madrid: Narcea.
- Trindade, Paulo, (2007). Guia do animador na formação de adultos. Editorial Presença

Referências Electrónicas
www.apdasc.com
www.rianimacion.org

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

2.4 Metodologia do Trabalho de Rua

Ingride Alvaredo

O presente artigo aborda a questão da intervenção social no contexto da rua e a metodologia


específica deste trabalho. Face à multiplicidade de variáveis envolvidas neste cenário de intervenção,
são ponderadas as várias dimensões interventivas: tanto a pessoa que vive ou trabalha na rua,
como a sociedade, na postura que adopta para lidar com esta problemática social, considerando
as estratégias de intervenção que podem ser desenvolvidas para defender a mudança e justiça
sociais. Sendo uma área pouco desenvolvida pela academia científica, é de destacar a intervenção
na rua no Brasil na década de 70 que levou à criação da Pedagogia da Presença, como metodologia
na qual o presente artigo se baseia, tendo também como referência os princípios carismáticos
da Congregação das Irmãs Oblatas do Santíssimo Redentor, no seu trabalho com mulheres em
contexto de prostituição de rua.
Palavras-chave: Rua; Educador Social de Rua; Meninos e Meninas de Rua; Prostituição;
Delinquência; Pedagogia da Presença; Pedagogia do Encontro; Empowerment; Participação Cívica;
Mudança Social
A rua como contexto de intervenção, surge como uma área pouco desenvolvida e sistematizada
nas ciências sociais. Tal como o contexto em si, o trabalho desenvolvido neste cenário acabou
por ser encarado como algo transitório em termos de respostas sociais, não sendo destacada a
intervenção na rua com uma metodologia específica e distinta de outros settings de intervenção.
Na década de 70 no Brasil, com a emergência de meninos e meninas da rua, a intervenção neste
espaço tornou-se urgente e necessária, dando espaço para a reflexão sobre a sistematização da
metodologia a desenvolver no trabalho da rua através da criação de uma área específica que
dá resposta a este contexto. Consequentemente, surgiu também a formação e a designação do/
as técnico/as que exercem esta metodologia: o/as Educadore/as Sociais de Rua (Oliveira, 2007).
Deste modo, o presente artigo baseia-se em grande parte na metodologia do trabalho na rua
desenvolvida no Brasil, fortemente influenciada pela Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire (1970),
na abordagem teórico-prática da Intervenção Centrada na Pessoa de Carl Rogers (1961). Baseia-se
também nos Princípios Carismáticos da Congregação das Irmãs Oblatas do Santíssimo Redentor.
Passa-se a apresentar as várias dimensões envolvidas na intervenção social na rua e a metodologia
específica neste trabalho.

A Rua como Contexto de Intervenção


Para reflectir sobre esta intervenção, há que caracterizar este espaço que é a rua. Um espaço
público, que é de todos e não é de ninguém, onde são acolhidos uma série de pessoas que por
várias circunstâncias e percursos de vida, ou acabam a viver neste contexto ou utilizá-lo para
trabalhar. Segundo Walter de Oliveira (2007), existe na rua uma subcultura, como uma cultura não
expressa, contida nas culturas mais abrangentes, porém numa situação de inferioridade. Já a autora
Rita Liberalesso (2000), que desenvolveu trabalho neste contexto como Educadora Social de Rua,
pondera-o como um espaço plural, do colectivo e do inesperado. Remetendo-nos para o carácter
de liberdade, de isenção de regras e como tal permeável a qualquer tipo de grupo de pessoas. A
mesma autora destaca o paradoxo latente no contexto da rua, a extrema exposição de quem ali
vive e o aspecto da invisibilidade que adquire por estar ali. Paradoxo este, que surge como uma
condição inevitável ao estar na rua (Liberalesso, 2000). Este espaço que acolhe todos, cujas as

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

regras nele vigentes são aleatórias e inconstantes, vivendo do momento, onde a lei do mais forte
impera, reflecte uma forte hierarquia de liderança, na formação de grupos na rua, que se constrói
e desconstrói em função das necessidades de sobrevivência (Liberalesso, 2000).
Paulo Freire (1986) referido por Jacyara Paiva (2006), descreve a Rua como um espaço que vive da
prática do Fazer, e onde a condição dominante de quem lá vive é a de não cidadão. Complementando
esta ideia: “o espaço rua segundo Freire é que nas ruas a dor, a violência é multiplicada, triplicada e o
educador de rua precisa lidar com ela. Nas ruas se faz necessário a construção de vínculos, com aqueles
que são tratados à distância pela sociedade, são privados da humanidade e muitas vezes caminham
invisíveis pelas ruas, esse é o educando do educador social de rua.” (Paiva, 2006, p.7)
Torna-se necessário que o/a técnico/a que desenvolva uma intervenção neste contexto, o
dimensionem na sua cultura, códigos e linguagem própria, para então poder abordar as necessidades
a colmatar neste espaço no sentido de uma intervenção eficaz. Para isso, é necessário, entrar neste
universo, dominar as suas características, para que também sejamos parte integrante dele e aceite
por ele. Paralelamente, é importante mantermo-nos fora desta realidade, para que sejamos mesmo
a alternativa para as pessoas com quem se trabalha e não mais um deles.

Quem habita a Rua?


Além do espaço específico que é a rua com uma dinâmica própria, as pessoas que vivem neste
espaço precisam ser caracterizadas para melhor direccionar qualquer intervenção a desenvolver.
Quem são as pessoas que habitam a rua? Que características comuns podemos destacar?
Uma vez que a Rua é um espaço da não regra, da não lei, é fácil encontrar histórias de vida, que
estão à margem da integração na sociedade, e que pelo cumprimento de pequenos delitos, muitas
vezes apresentam uma história de delinquência. Com base neste pressuposto, esta caracterização
foca-se na caracterização da delinquência, tanto na dimensão individual e psicológica como na sua
dimensão social e de grupo:
Na dimensão psicológica mais individual, destaca-se o abandono afectivo (Stretcht, 2002),
de uma forma mais explícita ou mais encoberta quase sempre presente na vida das pessoas que
habitam a rua. Devido à rua ser um contexto que vive mais da acção do que do pensamento, as
pessoas que a habitam podem revelar dificuldade em mentalizar as situações, funcionando num
registo concreto, operacional, (Stretcht, 2002) que alimenta o “estar e continuar na rua”. Poderão
também apresentar comportamentos aditivos e uma sexualidade agida, reforçando a dificuldade na
capacidade de reflectir sobre os conflitos internos, que por sua vez são projectados para o mundo
exterior (Stretcht, 2002), desresponsabilizando-os dos seus actos, assim como das soluções e
alternativas para a sua condição desfavorecida.
Este abandono afectivo tem expressão na carência afectiva vincada nas pessoas que estão na
rua, reflectindo a perturbação acentuada do vínculo precoce (Bowlby, 1958 cit. por Matos, 2005).
Especialmente quando se trata de crianças e jovens, o autor Manuel Matos (2005) refere que
estes dirigem todos os seus actos para a procura imediata de prazer, recorrendo a grupos como
uma forma distorcida de socialização onde repetem consecutivamente um percurso relacional
de perseguidor-perseguido, como única forma de se relacionar com o outro e com a sociedade.
Neste percurso relacional, agem atacam e acusam permanentemente o Outro, nunca questionando
a sua própria vida, os actos surgem como um mecanismo para não se deprimirem (Bergeret,
1976 cit. por Matos, 2005). Na base existe um universo familiar disfuncional, instável, negligente,
abandónico, que promove uma autonomia precoce que tem subjacente uma rejeição precoce

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

(Matos, 2005). O autor propõe mesmo que numa relação terapêutica com estas estruturas de
personalidade deve permitir-se o acting, tentar compreendê-lo e ir estabelecendo uma tradução
reflexiva sobre as acções da pessoa, para progressivamente devolver-lhe a capacidade reflexiva que
não desenvolveu e quebrar com o percurso e ciclo vicioso do perseguidor-perseguido (Matos,
2005), onde o perseguidor/sociedade/ e o perseguido/pessoa que está na rua, deixe de ser a única
forma de estar e lidar com sociedade. Ao quebrar este percurso, a pessoa que está na rua passa
a ser um agente activo na sua vida, de forma construtiva e alternativa à marginalização. Deste
modo, citando Manuel de Matos (2005, p.63): “Na realidade, o essencial, o afecto, a empatia, o amor, a
partilha da experiência, da dor, da alegria, nunca ocorreram. Nestas personalidades, aquilo de que a alma
humana se nutre está ausente... é o deserto psíquico e a acção como o auto-engano. (...) na delinquência
os actos, são(...) esboços de pensamentos não pensados à procura de intérprete”. Cabe questionar à
família e à sociedade, como fomenta este processo e como pode também quebrá-lo (Matos, 2005).
No trabalho na rua cabe também colocar estas questões, uma vez que vai ter que se ponderar os
comportamentos delinquentes como base da intervenção e como se pode lidar da melhor forma,
para um apoio eficaz à população que está na rua.
No sentido desta reflexão sobre a sociedade como fomenta a situação das pessoas que se encontram
na rua, passamos a descrever a dimensão social deste grupo : a autora Jacyara Paiva (2006),
referindo os meninos e meninas de rua, descreve-os como figuras que têm uma história cheia de
perdas: lar, nome, família e dignidade. Remetendo à referência de Freire(1986) com esta população,
constata-se que são “adultos antecipados”, com vidas duras, produto de uma cultura que alimenta
a injustiça social, que os rejeita do sistema formal de educação, tornando-os vítimas da negligência
estatal, excluindo-os da vida civil e com isso, do seu direito a um estatuto de cidadania e reduzindo-
os a um estatuto de opressão do qual apenas tentam sobreviver ( Paiva, 2006).
Neste contexto de ausência de direitos (cidadania, educação, infância, saúde, entre outros), o vazio
instalado é permeável aos comportamentos de adição, à rigidez afectiva, à passividade face à sua
circunstância de vida (Giugliani, 2002) e a um comportamento delinquente. Citando Gomes da
Costa (1991, p.10), nestas pessoas vemos como a delinquência é a expressão do “sofrimento do
passado, com tormentos não resolvidos que infernizam o presente”. Para este autor a ausência de um
afecto constante no quotidiano familiar das pessoas que se encontram na rua e o não usufruto dos
bens desta Presença afectiva, deixa-os na certeza que a sua existência não tem qualquer valor ou
importância e deste modo ficam livres para ter qualquer comportamento, já que nada é esperado
deles, e que lhes cabe apenas sobreviver e resistir a uma circunstância de vida violenta. (Gomes da
Costa, 1991)

A Intervenção na Rua
Conhecendo o contexto, quem vive nele, a intervenção passa a ser o próximo passo a definir
e caracterizar. O objectivo principal da intervenção é o de estabelecer uma ligação, um vínculo
com a pessoa que está ou trabalha na rua, iniciando um processo de conhecimento mútuo, de
estabelecimento de confiança, de forma a criar respostas alternativas e construtivas às que já
são dadas na sociedade, no sentido de uma cidadania plena, da justiça social e da promoção da
dignidade da condição humana.
Consequentemente para cumprir este objectivo, surgiram a Pedagogia da Presença e integrada
nela como instrumento de trabalho, a Pedagogia do Diálogo de António Gomes da Costa (1991). A
Pedagogia da Presença surge como metodologia com princípios, posturas, atitudes e procedimentos

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

para a intervenção com crianças de rua (Oliveira, 2007), estando vocacionada para intervenção no
contexto de rua, tendo aplicabilidade no trabalho com outro tipo de populações.
A Pedagogia da Presença de António Gomes da Costa (1991), defende que os jovens que
se encontram na rua nunca beneficiaram da PRESENÇA de uma figura que os valorizasse, que
os cuidasse, que lhes desse afecto, então qualquer intervenção com este grupo deve começar
por cultivar esta mesma presença. Através da construção do vínculo entre o/a técnico/a e o/a
jovem, surge a oportunidade de se definir uma relação alternativa ao padrão relacional do/a jovem,
onde passa a ser valorizado, aceite e estimado por essa pessoa. O autor, segundo Oliveira (2007)
considera que é necessário 4 aspectos para esta Presença acontecer: 1. Consentimento- uma vez
que o/a jovem é procurado e não procura esta relação, deve haver a permissão desta “invasão” do
seu espaço; 2. Reciprocidade- haver um interesse mútuo em estabelecer esta relação e com isso
demonstrar que ambas as partes estão dispostas e com interesse em ter impacto e uma influência
construtiva na vida de cada um; 3. Respeito Mútuo- a dignificação da pessoa que está na rua passa
por respeitar os seus comportamentos (p.e. consumos de álcool e droga), sem impor mudanças ou
moralizar as suas atitudes, a aliança será tanto mais forte, quanto mais se considerar a pessoa como
agente activo, capaz de decidir por si próprio, em retorno também o/a técnico/a deve esperar ser
respeitado/a, na sua identidade; 4. Conhecimento da história de vida da pessoa - sem rotular, julgar
e/ou criticar. Tentar entender a perspectiva do Outro, como uma história única, liberta de imagens
pré-concebidas, que os aprisiona e não liberta e impossibilita a eficácia de qualquer intervenção.
(Oliveira, 2007)
Com estes mesmos princípios, surge a Pedagogia do Encontro (Zabalza, I.ª M.ª, Congregação
Irmãs Oblatas Santíssimo Redentor) no trabalho desenvolvido pelas Irmãs Oblatas, que defende
a construção de uma relação de confiança entre as Irmãs e o/as técnico/as com as mulheres
em contexto de prostituição. Esta confiança é baseada neste Encontro, que vive do sentimento
de uma ligação entre ambas as partes envolvidas, que sensibiliza e toca interiormente os seus
intervenientes. A valorização da história de vida de cada mulher, centro de atenção deste Encontro,
que através do diálogo e de uma postura de empatia, respeito, tolerância e acolhimento, fundada
numa presença constante e diária, concretiza os objectivos da Pedagogia do Encontro, baseada
nos princípios fundadores do carisma das Irmãs Oblatas e orientadores da intervenção com as
mulheres em contexto da prostituição de rua.
De acordo com estas 2 Pedagogias, pode-se referir também a influência da Teoria de Carl Rogers
(1961) sobre a Intervenção Centrada na Pessoa, onde a pessoa alvo de intervenção é o elemento
activo e decisor da evolução desta intervenção. Cabe ao técnico/a respeitar as suas decisões,
devendo apoiar e acompanhar a pessoa, no seu processo.
Aspecto que vai de encontro ao que Oliveira (2007) defende que qualquer intervenção com
grupos específicos na rua não devem querer ressocializar ou reintegrar a pessoa segundo moldes
que não os definidos pela própria pessoa. O mesmo autor reforça esta ideia referindo Paulo Freire
(1986) que considera a intervenção social, não como uma iniciativa de conversão da pessoa, mas de
promoção do seu crescimento. Transformação que deve ir além de um sistema de dominações, tal
como o que já existe na rua. Não deve ser uma mudança para se encaixar, é antes, citando Gomes
da Costa, (1991, p.12):

“ um jovem (...) que valoriza cada membro da comunidade e todos os seres humanos, respeitando-os
nas suas individualidades, direitos e propriedades(...) é a possibilidade humana que se desenvolve em
direcção a uma pessoa equilibrada e a um cidadão completo”

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

Ou seja o objectivo da Presença deve ser o de ajudar a pessoa a superar as suas dificuldades
pessoais, reconciliar-se consigo e com os outros. Porque só a Presença já é uma resposta, já é uma
alternativa construtiva, com caminho próprio.
Este Compromisso vive de 2 movimentos, que se vão equilibrando: Doação/Proximidade e
Contenção/Distância. O primeiro visa a construção de um vínculo/ligação de qualidade através
da identificação empática com os problemas e história da pessoa, dando-lhes significado e
importância . O segundo é um movimento de afastamento necessário para uma observação crítica
da intervenção desenvolvida, só assim é possível dimensionar a totalidade do processo e perceber
o que é necessário ajustar para uma intervenção adequada e eficaz (Oliveira, 2007).
Estes 2 movimentos sucedem-se repetidamente ao longo das 3 fases da construção de um vínculo
forte que reflicta a Pedagogia da Presença:
1- o namoro, a fase de sedução e de conquista onde se busca a proximidade, revelando o
interesse em concretizar o Encontro com a outra pessoa. Este primeiro contacto, o/a técnico/a
pode ainda ser encarado/a como mais um representante da sociedade a hostilizar, tornando esta
etapa um desafio importante a trabalhar com perseverança, paciência, sem impôr a presença, mas
simultaneamente sem desistir de a promover, fazendo avanços e recuos, sempre em função do
consentimento do outro. Nesta fase o objectivo é o de estabelecer uma relação significativa, não
de retirar alguém da rua;
2- a construção da confiança, quando é aceite o “namoro”, i.é, a presença do outro que
invade o espaço da rua, então começa o trabalho de dar provas que estes novos actores da cena
da rua, são confiança. Nesta fase, a qualidades pessoais, de vocação do/a técnico/ para este tipo
de trabalho ficam em maior destaque. Segundo Oliveira (2007) são estas características pessoais
que determinam a capacidade de ir equilibrando os movimentos de aproximação e distanciamento
no momento adequado, tornando-se uma figura de confiança, que antes de mais respeita o ritmo
da pessoa que está na rua, o que nos remete aos princípios da Intervenção Centrada na Pessoa de
Carl Rogers (1961), onde a pessoa comanda e determina o encontro e o desenrolar da relação.
Esta capacidade do/a técnico/a conseguir respeitar o ritmo do Outro vai permitir a construção da
confiança nesta relação. Para complementar esta ideia, Oliveira (2007) cita um educador social de
rua relativamente ao trabalho com o/as menino/as de rua: “amar a criança como ela é, respeitando a
sua dignidade e liberdade... ser autênticos para ter credibilidade e criar confiança... movidos para a acção
por uma vocação autêntica” (Unicef, MPAS, 1985, p.147). Outro momento importante desta fase
referido por este autor, é o levantamento de necessidades com a população com quem se trabalha,
afim de estabelecer um plano de actividades alternativas à rua, como uma forma de dar a prova de
que se criam alternativas ou respostas adequadas às necessidades apresentadas, demonstrando o
interesse no desenvolvimento do projecto de vida construtivo e a crença no potencial da pessoa.
Esta tarefa revela que é essencial para a construção da confiança o empenhamento do/a técnico/a
com quem se estabelece uma ligação (Oliveira, 2007);
3- o fortalecimento do vínculo, como objectivo principal da intervenção social na rua, rege-
se pelo Princípio da Reciprocidade (Gomes da Costa (1991) referido por Oliveira (2007).
Para alimentar esta ligação, segundo este princípio, é necessário uma grande disponibilidade
pessoal do/a técnico/a, porque são 2 presenças que se dão a conhecer e se revelam mutuamente
e que através do Diálogo, instrumento de trabalho, vão criando uma relação diferente e
alternativa ao padrão relacional habitual da pessoa que está na rua. Vão construindo a mudança,
introduzindo um novo significado na vida da pessoa, dando uma nova força, abrindo novos
caminhos, aos caminhos que já foram impostos. Libertando da prisão de uma condição de só ter

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

a Rua, libertando da prisão de não ter ninguém, libertando não ser importante para ninguém e
de nada ser esperado de si (Gomes da Costa, 1991). Este processo é bilateral, porque para o/a
técnico/a ter importância na vida da pessoa que está na rua, também esta tem que ter importância
na sua vida, e sem a autenticidade de ambas as partes este vínculo não se concretiza, nem fortalece,
nem, consequentemente a intervenção é bem sucedida (Oliveira, 2007). Citando Gomes da Costa
(1991, p.29) citado por Oliveira (2007):”é necessário superar os contactos superficiais e efêmeros e
intervenções técnicas puramente objectivas. Somente a presença poderá quebrar o profundo isolamento
(dos jovens) sem violar o seu universo pessoal”.
Só assim, é possível acreditar nas pessoas e no seu potencial e com isso abrir caminho para que a
pessoa acredite em si própria e crie alternativas para si própria. Paralelamente define-se outro tipo
de reciprocidade, o da pessoa consigo própria. Nesta dimensão trabalhamos os nossos próprios
desafios no sentido de nos ultrapassarmos a nós próprios no trabalho desenvolvido na rua e das
emoções que este desperta no/a técnico/a, na sua indivualidade. (Gomes da Costa, 1991)
E por fim o terceiro tipo de reciprocidade, quando a pessoa decide aderir às actividades criadas em
função das suas necessidades, noutros contextos que não a rua. Reciprocidade esta que começou
pela relação na rua e depois se vai construindo e expandindo para outros contextos, onde a
condição da cidadania seja mais exercida (Gomes da Costa, 1991). Gomes da Costa (1991) defende
mesmo que tudo isto não é possível se o/a técnico/a ou educador/a não revelar às pessoas com
quem trabalha: apoio incondicional; lealdade, amizade e ser seu defensor.

Instrumentos de Trabalho na Intervenção na Rua


Os instrumentos de trabalho principais utilizados na intervenção na rua são o Diálogo, nas suas
componentes, verbal e não-verbal, a análise de narrativas e a escuta activa.
Para Paulo Freire (1986) o Diálogo concretiza o encontro entre 2 pessoas, dando-lhes uma imagem
humanizada. Assim concretiza-se a relação horizontal que deve existir entre o educador/a de rua
e o educando, de um modo natural empático, onde ninguém sabe mais que ninguém, sendo apenas
2 pessoas com conhecimentos diferentes que partilham. Através deste Diálogo, ainda mais se o/a
técnico/a dominar os códigos e a linguagem própria da rua, a mútua compreensão como objectivo
último, poderá ser alcançado. É o Diálogo que permite a libertação através da compreensão crítica
e da tomada de consciência sobre realidade tal como ela é, o que fomenta a autonomia da pessoa,
por poder através deste processo começar a ponderar também as possibilidades de superação dos
problemas existentes, não tendo que ficar confinado/a a uma determinada condição.
A condição de pobreza, segundo Freire (1986), reprime, oprime a pessoa, e é no Diálogo que
começa esta libertação, que se inicia a Consciência Crítica da sua condição.
Rappaport (1995), que introduz o conceito de empowerment na psicologia comunitária, também
destaca a necessidade, na intervenção comunitária, de se analisar as Narrativas das pessoas e das
comunidades. O Diálogo com as pessoas, permite-nos conhecermos a sua história e a da sua
comunidade, percebemos a sua identidade, a sua memória, os seus significados, as suas emoções. É
nas Narrativas que também podemos descobrir as suas potencialidades, os seus recursos, as suas
limitações e mágoas, os seus sonhos e com tudo isto ter a possibilidade de encontrar as soluções
para os problemas, encontrar os elementos a transformar e traçar o caminho para tudo isto
acontecer. Cada história traz consigo as referências contextuais, culturais e individuais, por isso o

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

Diálogo, é um instrumento tão rico para o trabalho de intervenção e através da análise das suas
narrativas, vai-se devolver o direito de ser escritor da sua própria história.
Na mesma linha de pensamento Silvia Giugliani (2002), refere a importância de analisar nas histórias
narradas pelas pessoas, 3 pontos essenciais para orientar a intervenção a desenvolver: a história
pessoal contada pelo próprio, a história familiar e a história institucional.
Simultaneamente ao Diálogo falado, vai-se desenvolvendo um Diálogo Amoroso, ao percorrer a
rua com a pessoa que nela vive ou trabalha e é este Diálogo, que se for acolhedor, respeitar a
diversidade e acreditar no potencial transformador da pessoa, pode fomentar a Mudança, pessoal
e social (Paiva, 2006). Para o Diálogo ter este poder, não vive só da sua componente verbal como
foi referida até aqui, é também necessário dialogar ao nível não-verbal através de atitudes, gestos,
olhares, que informam de uma forma mais eficaz e rápida se a pessoa é bem acolhida ou não, se a
empatia existe ou não e principalmente se tolerância é concretizada. É nesta linguagem silenciosa,
cheia de códigos que faz muito do trabalho de rua e se gera impacto ou não na pessoa que nela
habita. É este tipo de Diálogo que distingue uma escuta comum de uma Escuta Activa, empática
e verdadeiramente interessada no que pessoa narra e com a intenção de aprender com este
testemunho (Congregração Irmãs Oblatas do Santíssimo Redentor).
Em termos éticos, a confidencialidade de toda a informação é essencial para garantir a construção de
uma verdadeira confiança. Garantir a confidencialidade é das mais importantes provas de confiança
que o/as técnico/as devem cumprir. Devem também ter presente a importância do respeito pela
pessoa que está na rua e das suas decisões, como já foi referido, dando-lhe estatuto digno não
se impondo os valores e crenças individuais ou institucionais. Os únicos valores que devem estar
latentes na intervenção são: defesa do direito à autonomia, ao bem-estar, à justiça social, ao direito
à diferença, à defesa da solidariedade social, do compromisso social e o direito à participação social
(Sanchez Vidal, 1999). Com base nestes valores e princípios éticos e deontológicos é que se pode
cumprir uma verdadeira intervenção na rua em nome da dignidade humana e da justiça social.

As Funções do/a Educador/a Social de Rua


A experiência vivida entre a década de 70 e 90 com o/as menino/as de rua no Brasil, permitiu com
o trabalho desenvolvido, sistematizar a forma de intervir na rua e determinou o surgimento da
designação de Educador/a Social de Rua, que acabam por ser todo/as o/as técnico/as que trabalham
neste contexto. É então, importante avaliar quais são as suas funções.
Segundo Gomes da Costa (1991, p.23): “É fazer tudo o que esteja ao seu alcance para que, enfim, o
educando descubra e comece a trilhar o seu caminho.” O/A educador/a precisa ser capaz de ver o
potencial em cada pessoa com quem trabalha, para ajudá-lo/a no processo de desenvolvimento
deste potencial num sentido construtivo, produtivo e útil para a sociedade e para a própria pessoa.
Deve promover o desenvolvimento pessoal e social da pessoa que está ou trabalha na rua, com
o princípio orientador da justiça social. (Gomes da Costa, 1991) Como a estrutura de expressão
deste desenvolvimento é a relação estabelecida com a pessoa que está na rua, como qualquer
outra relação, precisa de tempo. O/A educador/a além de ter o Diálogo como instrumento de
trabalho, também deve saber trabalhar com o factor Tempo e ter sensibilidade e paciência para
deixar o Outro vir a “ser”. Para tal, deve ter a consciência que lhe compete o papel de uma
liderança conduzida pelo objectivo de uma educação libertadora (Freire, 1970 cit por Paiva, 2006)
e orientada para uma liberdade com autoridade mas sem autoritarismos (Paiva, 2006).

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

Oliveira (2007) reforça esta imagem de liderança ao educador/a, pois segundo o Princípio da
Reciprocidade, cabe a este/a trabalhar o seu próprio desenvolvimento profissional e pessoal, para
melhor entender as pessoas com quem trabalha e construir vínculos de qualidade. Para tal, é
necessário uma grande disponibilidade pessoal do/a educador/a. Ocorrendo transformações na
pessoa que está na rua como com o próprio/a educadora/o. Oferecer reciprocidade, não é mais
que assumir uma postura de liderança de iniciar esta Presença e ligação, que introduz como factor
novo, a capacidade de acreditar no potencial da outra pessoa (Oliveira, 2007).
Outro aspecto que cabe ao educador/a promover, são as experiências baseadas na solidariedade
dentro do grupo e o respeito pelo colectivo, um colectivo que permita a construção de relações
significativas, que facilitem o sentimento de pertença das pessoas e consequentemente de
fortalecimento e desenvolvimento pessoais. Para criar esta noção de colectivo, o/a educador/a
deve ter a capacidade de desenvolver actividades pedagógicas interessantes para o grupo com
quem se relaciona (Oliveira, 2007). Oliveira (2007) chega mesmo a referir como funções do/a
educador/a de rua, uma postura crítica em relação aos valores da sociedade, a capacidade de
respeitar os valores das pessoas, grupos e subculturas com quem trabalha, disponibilidade interior
para a mudança, seja de pontos de vista, como de opiniões, como da relação com as pessoas com
quem trabalha. Fundamentando esta visão cita-se Oliveira (2007, p.148) “Esta práxis se sustenta nos
sentimentos de compaixão, amor e compromisso incondicional para com a justiça e para com as crianças
e jovens que a sociedade cria e abandona à própria sorte. Não têm lugar, na Educação Social de Rua,
educadores avessos a essa transformação ou que não possuam a força interior necessária para enfrentar
os riscos dessa práxis (...) (as tarefas pedagógicas) estarão ligadas à libertação dos jovens- conforme
definida pela (...) pedagogia libertária- uma demanda essencialmente existencial e que se posiciona para
além das burocracias e rotinas do trabalho institucional (Freire, 1970; McLaren, 2000)”
Do mesmo modo, Gomes da Costa (1991), defende que o/a educador/a deve ter uma postura de
Aquisição do próprio/a educando/a/ (pessoa que está na rua). O/A educadora deve promover na
pessoa com quem trabalha, a aquisição da sua auto-compreensão, aquisição da sua auto-valorização,
do seu empowerment, da sua maior autoconfiança, auto-estima e auto-eficácia. Acreditar que a
própria pessoa é capaz de superar as suas dificuldades, usando as suas potencialidades.
É no movimento de Distanciamento de que Gomes da Costa (1991) fala, que o/a educador/a pode
compreender a realidade e devolver essa compreensão, no sentido de permitir estas aquisições
na pessoa com quem trabalha, incentivando-a a descobrir as suas potencialidades por si própria.
Assim, a autoridade do/a educador/a, tem que ser sempre contextualizada no exercício do apoio à
pessoa, e visa delimitar a conduta/comportamento da pessoa, quando esta é prejudicial a si e aos
outros, e incentivá-lo/a a posturas construtivas na relação consigo próprio/a e com os outros. A
Reciprocidade permite mais tarde, quando a relação com o/a educador/a já está fortalecida, que a
pessoa aceite as normas e autoridade do/a educador/a. Uma autoridade que só faz sentido porque
se exerce no sentido do desenvolvimento da autonomia e do apoio da pessoa e não com uma
postura repressiva e correcional, nem uma postura assistencialista, sem acreditar que a pessoa é
capaz de o fazer o que é necessário para a sua vida melhorar, exercendo as suas capacidades e
potencialidades (Gomes da Costa, 1991). Para que o/a educador/a consiga incentivar esta nova
atitude na pessoa, reconhecendo-se a sua autoridade para liderar o trilho de novos caminhos, deve
criar espaços de interacção fora da rua, de preferência com uma oferta de actividades que permitam
ter uma experiência colectiva, como forma de fortalecer as relações com as pessoas com quem se
intervêm e entre elas próprias, adquirindo influência nas suas vidas. Estes encontros devem ocorrer
em Espaços Estruturados e Estruturantes (ex. Centros de Actividades e Atendimento), onde a
pessoa possa ir construindo-se ao nível pessoal e social, ganhando gradualmente confiança neste

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

processo, aprendendo a assumir o compromisso consigo própria e com os outros. Nesta etapa
cabe ao educador/a estar na rectaguarda a acompanhar este processo. Sempre com o objectivo
de que se cumpra uma educação emancipadora, e fomentadora da autonomia (Gomes da Costa,
1991).
Estes espaços estruturadores, que ajudam a empoderar as pessoas, apresentam certas qualidades:
1- são baseados no grupo e num sistema de crenças sobre as potencialidades das pessoas; 2- têm
uma estrutura que promove a participação e desenvolvimento de oportunidades (ex. Formação);
3- são um sistema em que há suporte entre os pares; 4- apresentam uma liderança partilhada
e inspiradora; 5- existe empowerment compartilhado (i. é, existe interdependência das pessoas,
mobilização dos recursos, expansão de horizontes e criação de alternativas e onde as decisões
são tomadas de forma partilhada); 6- maximizam os benefícios da participação; 7- apresentam
um sentimento de pertença à comunidade (Dalton et al, 2001). O/A educador/a deve estar na
organização destes espaços, baseando-se no conhecimento de terreno da população para a qual
estes espaços se dirigem e que se assumem como outra parte integrante do seu trabalho que se
iniciou na rua, mas visa continuar noutros contextos, promotores da mudança.

Como inspirar a população-alvo da intervenção


Relativamente à população com quem se trabalha, é importa perceber como são vista/os, se como
vítimas passivas ou agentes activos, no processo da sua própria mudança pessoal que alimenta a
mudança social. Esta percepção determina o modo como se vai estabelecer a ligação com estes e
o trabalho a desenvolver em conjunto. Para trabalhar no sentido das pessoas serem agentes activos
das suas próprias vidas, como Gomes da Costa (1991, p.23) diz: “autores das suas próprias vidas”, é
necessário reforçar o desenvolvimento pessoal e social das pessoas com quem trabalhamos. De
seguida são referidas dimensões transversais aos grupos com quem se trabalha na rua, que devem
ser trabalhadas para que a Presença e a Ligação que se falou anteriormente tenham o poder
de transformar a condição da vida destas pessoas. Passa-se a referir 3 dimensões importantes
a trabalhar com a população alvo da intervenção, que vai da dimensão mais individual, com a
promoção da auto-estima, confiança e eficácia, passando pela promoção do empowerment, que faz
a ligação do individual ao social e por fim a dimensão mais social com a promoção da participação
cívica e o sentimento de comunidade.
Relativamente à promoção da auto-estima, confiança e eficácia, é importante ajudar a
pessoa a ter objectivos e metas para a sua vida, a ter um projecto de vida, a querer alternativas,
a investir em si própria e no seu bem-estar, no sentido de adquirir a preocupação de cuidar de
si própria, numa busca de crescimento pessoal. Assim se enquadra o principal, para promover
a auto-estima, onde a pessoa seja capaz de expressar amor-próprio de uma forma responsável.
(Riso, 2006). A sua confiança não é mais do que acreditar que é capaz de fazer aquilo a que se
propõe (Riso, 2007), e nesta tarefa o/a educador/a é determinante, para através da ligação que
tem com a pessoa, fomentar esta crença da pessoa em si própria. A confiança e a convicção de
que é possível alcançar os resultados esperados (objectivos pessoais, sonhos, desejos), segundo
Walter Riso (2007) denomina-se por auto-eficácia, e também aqui o/a educador/a é determinante
para acompanhar a pessoa para que seja perseverante no caminho para alcançar os resultados
esperados ou desejados. Estas 3 dimensões visam atingir, o que o autor Walter Riso (2006) designa
por, o Princípio da Autonomia, quando as pessoas decidem tornar-se donas das suas vidas e das
suas decisões, quando o crescimento pessoal não tem limites.

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

Quanto ao Processo de Empowerment, Rappaport (1981) descreve-o como o processo


que reforça a possibilidade das pessoas agirem activamente para controlar as suas vidas. O
mesmo constructo abordado numa dimensão social é definido pelo Grupo Cornell University
Empowerment Group citado por Rappaport (1993, p.366) “ Empowerment é um processo intencional
e permanente, centrado na comunidade local envolvendo: respeito mútuo, reflexão crítica, apoio e
participação do grupo, através do qual as pessoas necessitam partilhar recursos igualmente válidos, para
ganhar acesso e controlo sobre esses mesmos recursos”. Ambas as definições remetem-nos para o que
Gomes da Costa (1991) defende: da pessoa “ser o autor da sua própria vida”, mas contextualizado
num sentimento de grupo, numa identidade individual que se fortifica e se potencializa no colectivo.
Esta capacidade de assumir o controlo da sua própria vida é essencial para qualquer processo de
mudança, e na intervenção na rua, cabe ao educador/a, permitir que este processo se realize. Só
deste modo é possível permitir que as pessoas que estão na rua possam ser agentes activos nas
suas vidas, adquirindo voz e influência nas tomadas de decisão sobre as questões importantes
das suas vidas e da comunidade (Zimmerman, 2000). O/A educador/a deve possibilitar que os
vários elementos do empowerment individual se desenvolvam: 1- a Consciência Crítica (Freire,
1970), pelo conhecimento da realidade e pela compreensão da capacidade de influenciar a sua
transformação; 2- a Competência Participativa ao mobilizar recursos na comunidade e individuais
e através da capacidade de sustentar a participação; 3- o Empowerment, pelo compromisso moral
e pelo reconhecimento dos ganhos com a participação (Dalton et al, 2001). Através das Narrativas
expressas pelo Diálogo (Rappaport, 1995), realiza-se o trabalho de desenvolver os elementos
necessários ao empowerment individual, que conjuntamente com a realização de actividades e
o recurso a um Centro, torna possível a compartilha de valores e a realização de rituais em
comunidade (Zimmerman, 2000). Este é o plano necessário para facilitar o empowerment individual
das pessoas que estão na rua, com implicações individuais, ao aumentar a auto-estima, ao aumentar
a participação da pessoa para mudar a sua circunstância de vida, como também com implicações
ao nível do grupo, ao facilitar o sentimento de pertença a este, permitindo com isto promover a
criação de iniciativas que levam à mudança social.
Por fim, a Participação Cívica e o Sentimento de Comunidade, inter-relacionadas e consequentes
ao processo de empowerment, são outra etapa importante a desenvolver nas pessoas que estão
na rua, para promover uma mudança mais eficaz. A Participação Cívica refere-se ao exercício
concreto do empowerment e da consciência crítica. Para que esta se realize, segundo Kieffer (1984)
é necessário: um meio com sentimento de comunidade, com uma provocação (algum problema
ou necessidade), um contexto que fomente o empowerment (ex. um centro de actividades), e o
processo de empowerment psicológico. De acordo com o mesmo autor é a construção de relações
de colaboração, a mobilização de recursos, a resolução de conflitos, o planeamento de estratégias
para resolver os problemas existentes e a preocupação de inspirar a participação noutros, os
ingredientes essenciais para que a Participação Cívica se concretize e se mantenha consistente
nas pessoas.Também Paulo Freire ao falar do processo de Conscientização tem latente o conceito
de Participação Cívica. Koning (1986), comprova a ligação entre estes conceitos ao descrever o
processo de Conscientização desde da mobilização do grupo-alvo para a recolha do seu universo
temático, investigando qual a situação existencial das várias pessoas que o constituem, passando
pela devolução ao grupo da situação identificada, como principal problema do qual sofrem, a que
se designa de codificação do problema comum e mais urgente de intervir, a situação desafio, que
se descodifica através da análise crítica, que por sua vez permite, por fim, a passagem à prática,
organizando a acção para resolução do problema descodificado como acção transformadora da
situação-problema. É vísivel o paralelismo deste processo com o desenvolvimento da Participação

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

Cívica das pessoas em quem se quer fomentar a Consciência Crítica. Ambas são fundamentais para
a intervenção na rua ter um impacto factual na vida das pessoas que a habitam, inspirando-as a
tomarem o processo de mudança, como algo seu, onde tem direito à sua própria voz, em vez de
uma postura de resignação e perpetuação da exclusão social.
Quanto o Sentimento de Comunidade, de acordo a Karen Dufy e Frank Wong (1996) referindo
este conceito introduzido na psicologia comunitária por Seymour B. Sarason, como o sentimento
individual de que a pessoa é semelhante aos outros e que ele/ela própria/o conjuntamente com
os outros pertencem àquele contexto ou comunidade, havendo um sentimento de “nós” e de
pertença. Este sentimento tem efeito ao nível do empowerment, da capacidade de transformação
e mudança pessoal assim como da própria comunidade ou causa defendida. Por isso mesmo este
conceito está interligado à Participação Cívica, que é reforçada quando contextualizada num
grupo ou comunidade, onde está presente o sentimento de pertença nos seus elementos, lutando
em conjunto por uma determinada causa. Justifica-se deste modo a importância de ter espaços
alternativas à rua, que permitam às pessoas que os frequentam, o surgimento deste sentimento de
comunidade, essencial no seu processo de transformação pessoal e de participação social.
Esta dimensão de “inspirar” a população para a qual a intervenção de rua se dirige, é uma parte
integrante da metodologia de trabalho na rua fundamental. Contudo o aumento de auto-estima,
confiança, eficácia, o empowerment, o aumento de participação cívica e o sentimento de comunidade
não são o/as técnico/as que desenvolvem para as pessoas, mas são os primeiros que através de uma
relação forte e autêntica com as pessoas que habitam a rua, empoderam-nas para que elas possam
fazer tudo isto e muito mais por si próprias, no sentido da construção de uma nova narrativa de
vida, mais construtiva, positiva, integrada e justa.

Como inspirar a Sociedade onde intervimos


A intervenção na rua tem uma acção vísivel e imediata ao nível da população com quem se intervêm,
porém a sua intervenção deve realizar-se simultaneamente ao nível do sistema mais abrangente
das comunidades locais e da sociedade em geral. Sem a transformação de certas estruturas sociais
que oferecem apoio ou que garantem a sustentabilidade das entidades que o fazem, não é possível
oferecer verdadeiras alternativas de maior integração social à população-alvo. Deste modo passa
pelo trabalho da rua, a intervenção nesta esfera, para garantir que fora da rua as pessoas continuam
a ter uma resposta adequada e eficaz às suas necessidades e que sustente o seu processo de
transformação pessoal.
A par desta transformação pessoal, a transformação social pode ser promovida: pela defesa das
causas do público-alvo, segundo o modelo de advocacy (Rappaport, 1981), pela análise crítica
da legislação vigente, ponderando os aspectos a mudar para uma melhor resposta às principais
necessidades do grupo defendido (relativamente às condições de habitação, de saúde, de integração
laboral, etc) (Dalton et al, 2001). Para tal é necessário em parceria com outras entidades e a
sociedade civil em geral, formar um Lobby (grupo de pressão) que responsabilize os governos
de certos apoios sociais (movendo dos poderes locais aos poderes centrais, gradualmente e se
necessário). Outra acção possível e importante, é disponibilizar informação sobre a realidade social
com que se trabalha para os meios de comunicação como para sociedade em geral, para que este
conhecimento permita a formação de uma opinião informada sobre a posição que tomam face às
acções desenvolvidas pelas entidades governamentais e não-governamentais. O lema é persuadir
com informação e nada mais. (Dalton et al, 2001).

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

O único objectivo destas acções deve ser a promoção da Mudança Social, que por sua vez pode
facilitar a Mudança Pessoal. A Acção Social, através de acções de informação sobre os problemas
dos grupos mais desfavorecidos; o Desenvolvimento Comunitário, ao permitir que comunidade
mova melhor os seus recursos e arranje com mais facilidade estratégias para encontrar soluções
para os seus problemas; a promoção da Consciência Crítica e o desenvolvimento das Políticas
Públicas são formas de fomentar estas mudanças para melhor defender a causa do grupo-alvo
(Dalton et al, 2001).
Karen Dufy e Frank Wong (1996) defendem que para uma Mudança Social ser tanto mais
sustentável é necessário haver mais educação e consequentemente mais participação cívica, mas
também promover a mudança nas políticas públicas, quando necessário.

Considerações Finais
O Trabalho na Rua vive da acção, dos encontros e das conversas repetidas, que alimentam o
Encontro e a Ligação que se vai estabelecendo entre o/as técnico/as de Rua ou educadore/as
Sociais de Rua e as pessoas que nela vivem ou trabalham. A Autenticidade e a Reciprocidade desta
relação são determinantes para a intervenção ter ou não impacto na pessoa a quem se dirige e em
conjunto com ela desenvolver um trabalho de parceria no sentido da sua mudança pessoal bem
como da mudança pessoal do/as técnicos. Esta relação também é determinante da mudança social,
no sentido de uma sociedade mais justa, de inclusão, que não fica indiferente a quem habita nas
ruas do “esquecimento”. Há que tornar este esquecimento lembrado, todos os dias, de diferentes
formas. Às pessoas que habitam a rua, lembrar-lhes da suas potencialidades, de que tem direito
a ter voz e que não estão sós neste processo; à sociedade, que é responsabilidade de todo/
as, ter uma posição e agir em relação àqueles que só lhes restou a Rua, a Pobreza, a Exclusão
e a Marginalidade. Aqueles que somos todo/as Nós, nós governo, nós entidades a trabalhar no
terreno, nós sociedade civil, nós prostituta/os, nós menino/as e jovens de rua, nós sem-abrigo. É
responsabilidade de todo/as, porque a condição vivida nas ruas espelha a sociedade que todo/as
construímos e que ou consentimos ou queremos transformar em nome de um maior Bem-Estar
e Justiça Sociais, Tolerância e Dignidade Pessoais.

Bibliografia
- Dalton, J, Elias, M.,Wandersman, A. (2001). Community Psychology. Linking individuals and communities.
Wadsworth Thomson Learning. Belmont
- Dufy, Karen ; Wong, Frank (1996). Community Psychology. 3rd.edition(2003). Pearson Education Inc.
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Brasília.
- Freire, P. (1970). Pedagogia do Oprimido. 17ªedição, Paz e Terra, Rio de Janeiro
- Giugliani, S. (2002). Educação Social de Rua. In http://www.mp.rs.gov.br/infancia/pgn/id109.htm
- Gomes da Costa, A. (1991). Por uma Pedagogia da Presença. Ministério da Ação Social, Centro
Brasileiro para a Infância e Adolescência, Governo do Brasil. Brasília.

90 |
Educação Social: Âmbitos e Práticas

- Kieffer, C. (1984). Citizen empowerment: A developmental perspective. Preventions in Human


Services, vol3, pp9-36
- Koning, M. (1986). Da palavra à acção: história de um processo de conscientização de mulheres.
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- Liberalesso, R., Grabauska, C. (2008). Palavras de uma experiência enquanto Educadora Social de
Rua... In http://fae.ufpel.edu.br/paulofreire/textos/GT%2008/GT8-47.doc
- Matos, Manuel (2005). Adolescência . Representação e Psicanálise. Climepsi Editores, Lisboa
- Oliveira, W. (2007). Educação Social de Rua: bases históricas, políticas e pedagógicas. História,
Ciências, Saúde,V.14, N.º 1, Manguinhos – Rio de Janeiro, pp135-158
- Paiva, J. (2006). Paulo Freire e a Educação de Rua. In http://www.psicopedagogia.com.br/artigos/
artigo.asp?entrID=775.
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Princípios Fundadores da Mística da Congregação das Irmãs Oblatas do Santíssimo Redentor (Madre
Antónia de Oviedo e Padre Benito Serra) definidos por, Zabalza Gorena, Irmã Maria Angeles
(Directora da Obra em Portugal). Lisboa
- Rappaport, J. (1995). Empowerment Meets Narrative: Listening to Stories and Creating Settings.
American Journal of Community Psychology, vol.23, nº5, pp 795-807
- Rappaport, J. (1993). Empowerment as a Guide to Doing Research: Diversity as a Positive Value.
Biennial Meeting of the Society for Community Research and Action, pp. 359-382
- Rappaport, J. (1981), In praise of Paradox: A Social Policy of empowerment over prevention.
American Journal of Community Psychology, vol.9, nº1, pp 1-25
- Riso, W. (2007) Amar ou depender: superar o apego afectivo e transformer o amor numa experiência
plena e saudável. Tradução Henrique Tavares e Castro. Asa Editores, Lisboa.
- Riso, W. (2006). Aprender a gostar de mim: como viver bem comigo próprio. Tradução Henrique
Tavares e Castro. Asa Editores, Lisboa. 1ª edição (1990)
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- Sanchez Vidal, A. (1999). Ética de la Intervencion Social. Editorial Paidós. Barcelona
- Stretcht, Pedro (2002). Crescer Vazio. Repercussões Psíquicas do Abandono, Negligência e Maus Tratos
em Crianças e Adolescentes. 4ªedição, Editora Assírio e Alvim, Lisboa
- Zimmerman, M. (2000).Empowerment Theory: Psychological, organizational and community levels
of analysis. In Rappaport, J. & Seidman, E. (Eds.).Handbook of Community Psychology. Plenum. New
York, pp 43-63.

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

2.5 Empreendedorismo e Desenvolvimento Comunitário

Ana Ferreira da Fonseca1

A palavra empreendedorismo aparece cada vez com mais frequência nos discursos sobre
desenvolvimento económico. Este termo é geralmente associado a integração no mercado de
trabalho e, nessa medida, encarado como uma das estratégias de empregabilidade e de luta contra
a pobreza. Empreendedorismo é comummente identificado com a capacidade de aproveitar
oportunidades de negócio, independentemente da detenção de recursos materiais e/ou financeiros
para o fazer.A capacidade de inovar, a criatividade e a predisposição para o risco são também atributos
que surgem quase sempre associados a este conceito. Mas será que a noção de empreendedorismo
assim entendida se aplica a todas as realidades e contextos socioeconómicos?
O presente artigo pretende apresentar um conjunto de mecanismos de natureza económica
que estão a emergir na área social e que poderão configurar novas possibilidades de trabalho
e de investimento por parte dos trabalhadores sociais e das organizações que trabalham na
área do desenvolvimento. Procurando integrar os contributos dados pelos formandos do Curso
de Educadores Sociais do Lobito, far-se-á num primeiro momento uma breve caracterização
do fenómeno da pobreza em Angola, mostrando-se em seguida o contributo dos sistemas de
financiamento informal para a sobrevivência de pessoas em situação de pobreza, a importância
do desenvolvimento comunitário e, por fim, o papel de políticas de empreendedorismo inclusivo
como resposta aos desafios da luta contra a pobreza e do combate à exclusão social.
Palavras-chave: sistemas de financiamento informal, desenvolvimento comunitário,
empreendedorismo inclusivo, facilitação.

People cannot be developed, they can only develop themselves. For while it is possible for an outsider to
build a man’s house, an outsider cannot give the man pride and self-confidence in himself as a human
being.Those things a man has to create in himself by his own actions. He develops himself by what he does,
he develops himself by making his own decisions, by increasing his understanding of what he is doing, and
why; by increasing his own knowledge and ability, and by his own full participation – as an equal – in the
life of the community he lives in.2
Julius Nyerere, Man and Development (1974)

Ao considerar a pessoa como agente do seu próprio desenvolvimento, Nyerere rejeita a lógica
desenvolvimentista que pautou muitas políticas e modelos de cooperação e ajuda ao desenvolvimento
nos últimos 60 anos. Para Nyerere o desenvolvimento deve ser, antes de mais, endógeno, ou seja,
deve partir das acções, decisões e participação das pessoas e nações em desenvolvimento. De
acordo com o historiador Joseph Ki-Zerbo, o paradigma de desenvolvimento endógeno conheceu

1
Técnica de Projectos de Cooperação na Fundación Habitáfrica (www.habitafrica.org); Mestranda em Economia Social e
Solidária no ISCTE-IUL (Instituto Universitário de Lisboa). Trabalhou no Gabinete de Cooperação do ISU como técnica de
projectos em 2009 e 2010;Vive e trabalha actualmente em Angola.
2
“As pessoas não podem ser desenvolvidas, apenas podem desenvolver-se a si próprias. Ainda que seja possível a um es-
trangeiro construir uma casa a alguém, este não consegue dar a essa pessoa orgulho e auto-confiança em si própria como
ser humano. A pessoa tem de criar em si essas coisas, através das suas acções. A pessoa desenvolve-se por aquilo que faz,
desenvolve-se tomando as suas próprias decisões, alargando a sua compreensão do que faz e do porquê daquilo que faz;
alargando o seu conhecimento e competências, e pela sua plena participação – como parte igual – na vida da comunidade
que integra”. (tradução da autora do artigo)

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

durante muito tempo resistência e desconfiança por parte de instituições de desenvolvimento


como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BM), que encaravam este
modelo como retrógrado, “uma espécie de regresso a um passado já superado, a uma autarcia.”
(Ki-Zerbo, 2006: 155). Acrescenta que “muitas pessoas concebem o desenvolvimento como uma
corrida olímpica onde os povos andam uns atrás dos outros.” (idem: 156). Ki-Zerbo acredita que
o desenvolvimento dos países africanos tem de passar obrigatoriamente por uma total rejeição
do paradigma de desenvolvimento que tem subsistido nas últimas décadas e que muito tem
contribuído para a manutenção de lógicas de dependência e dominação dos países globalizadores
em relação aos países globalizados.

A pobreza em Angola: factores e impactes


Muito embora tenha registado um crescimento económico assinalável, destacando-se como uma das
economias mundiais com maior aumento do Produto Interno Bruto (PIB),Angola mantém-se como
um dos países com mais baixo índice de desenvolvimento humano. Em 2010, num universo de 169
países, Angola encontrava-se classificado na 146ª posição do Índice de Desenvolvimento Humano
do PNUD3. Assim, ainda que seja possível observar melhorias macroeconómicas assinaláveis4, estas
não têm ainda grande impacto na situação social do país, uma vez que o crescimento económico
não se tem reflectido na melhoria efectiva das condições de vida de grande parte da população.
Verifica-se pelo contrário assimetrias muito significativas na distribuição da riqueza. Os indicadores
de pobreza do PNUD assinalam que 58,4% da população vive em situação de pobreza absoluta5, a
qual se encontra associada a factores como (i) pressão demográfica6; (ii) carências graves ao nível do
saneamento básico; (iii) má nutrição e/ ou carências alimentares; (iv) taxa elevada de desemprego,
sobretudo na camada mais jovem; e (v) funcionamento débil dos serviços de educação, saúde e
protecção social.
Como principais impactes provocados por este contexto destacam-se (i) a destruição dos
sistemas tradicionais de actividade económica e de solidariedade social, desintegração familiar e
exclusão social; (ii) o difícil acesso a serviços básicos de saúde e educação pelos grupos vulneráveis
da população, sobretudo mulheres; (iii) a elevada taxa de mortalidade materno-infantil, (iv)
a fraca escolarização e baixa qualificação média dos quadros institucionais e técnicos, e ainda
(v) os profundos desequilíbrios socioeconómicos, acentuados pela transição de uma economia
centralizada para uma economia de mercado.
Com efeito,à semelhança do que aconteceu com muitas outras economias africanas,a desestruturação
dos sistemas financeiros formais e a debilidade social que caracterizaram as últimas décadas em
Angola provocaram um aumento exponencial dos níveis de informalização da economia angolana,
sendo que actualmente uma percentagem considerável da actividade económica deste país assenta
em trocas comerciais informais, o que torna o sistema de financiamento informal de enorme

3
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (2010), Relatório de Desenvolvimento Humano 2010 “A Verdadeira
Riqueza das Nações: Vias para o Desenvolvimento Humano (http://hdr.undp.org/en/media/HDR_2010_PT_Complete_reprint.
pd, acedido a 6/2/11).
4
Essas melhorias advêm não só de um nível de crescimento do PIB assinalável desde o fim da guerra civil, como também do
controlo da inflação, no seguimento de uma política monetária de estabilização, e da diminuição do défice público.
5
PNUD, “HDI”, in Human Development Indicators 2010, http://hdrstats.undp.org/en/countries/profiles/AGO.html (acedido
a 30/01/11).
6
Uma das consequências da prolongada guerra civil foi o aumento do número de deslocados e a migração massiva de uma
parte considerável da população para os grandes centros urbanos, sobretudo Luanda.

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

importância para a subsistência dos agregados familiares das populações mais pobres. Este aspecto
merece pois ser objecto de reflexão, no sentido de se poder compreender o contributo dado
pelos sistemas de financiamento informal para a sobrevivência e, em certos casos, autonomização
socioeconómica de pessoas em situação de pobreza.

A economia informal em Angola


De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a expressão economia informal
refere-se a “todas as actividades económicas de trabalhadores e unidades económicas que não são
abrangidas, em virtude da legislação ou da prática, por disposições formais. (…) Há que distinguir
estas actividades das actividades criminosas ou ilegais, como a produção e o tráfico de droga, que se
enquadram no direito penal e não podem ser objecto de qualquer regulamentação, nem beneficiar
de nenhuma protecção em termos de legislação laboral ou de regulamentações comerciais (OIT
2005: 7). Em termos conceptuais, a economia informal enquadra as actividades económicas de
natureza lícita, ou seja que não são proibidas pela lei, “postas em prática por agentes económicos
em situação de inconformidade com os variados tipos de regulamentação que as enquadram”
(Feliciano et al 2008: 21).Assim, por exemplo, as actividades comerciais praticadas pelas quitandeiras7
situam-se no campo da economia informal, visto não serem proibidas por nenhuma lei embora se
encontrem à margem das disposições oficiais que as enquadram e regulamentam.
A migração progressiva e massiva para as cidades, o fraco investimento na educação formal e
técnico-profissional, a incapacidade de resposta do sector formal (público e privado) à provisão
e criação de emprego, o funcionamento débil das instituições e ainda a adopção de políticas
macroeconómicas desajustadas da realidade e das necessidades do país são alguns dos factores
que contribuíram para a expansão dos mercados informais de emprego.
Apesar da escassez de dados estatísticos relativos ao sector informal, um estudo de 2002 sobre
o sector micro empresarial urbano em Angola, financiado pelo Programa das Nações Unidas para
o Desenvolvimento (PNUD), estimava que mais de 50% da população angolana sobrevivia de
actividades económicas informais, sendo que destas 74% destas se enquadravam no sector do
pequeno comércio. Outra característica importante é a presença da mulher na economia informal,
bastante superior à do homem.8
A dificuldade de acesso ao mercado de trabalho e ao sistema de financiamento formal fez com
que emergissem sistemas de financiamento informais, de que a Kixikila é exemplo paradigmático.
Esta tem desempenhado um papel importante na sobrevivência de muitas famílias, sendo praticado
sobretudo por mulheres. Assente no princípio da confiança mútua, o seu funcionamento é muito
simples: um grupo de 5 a 10 mulheres que se conhecem entre si, e que normalmente desenvolvem
actividades económicas similares, junta-se para constituir um fundo de poupança e crédito. Cada
mulher contribui regularmente com um montante fixo para esse fundo, sendo que este fica
rotativamente na posse de cada uma dela, tendo em conta a frequência com que o grupo contribui
para o fundo (Ducados e Ferreira 1998: 8). À semelhança de outras experiências de associações
rotativas de poupança e crédito9, a Kixikila caracteriza-se pelo acesso fácil a financiamento
(ainda que em quantias reduzidas), pela informalidade e rapidez, pelos princípios da confiança e

7
Mulheres que vendem na rua e nos mercados.
8
United Nations Development Programme (s/d), Angola Enterprise Program: Microfinance Component, apud Fion de Vletter,
Angolan Micro Enterprise Sector, 2002 in http://www.uncdf.org (acedido em 6/2/11)
9
Na literatura económica denominadas por ROSCAs (Rotating Savings and Credit Associations).

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

responsabilidade e pelos custos de transacção reduzidos ou nulos (idem: 6). Os lucros obtidos são
normalmente utilizados para dar resposta a necessidades do dia-a-dia do agregado familiar, como
sejam despesas com alimentação, vestuário e educação dos filhos.
Uma vez que as quantias movimentadas são reduzidas e que as despesas e burocracias com o
arranque de um negócio formal são avultadas, dificilmente a Kixikila per si (e mesmo outros
mecanismos de financiamento como o microcrédito) fará com que estas mulheres transitem da
economia informal para a economia formal. No entanto, os indicadores relativos ao desenvolvimento
socioeconómico de Angola indiciam que este e outros mecanismos financeiros de entreajuda
continuarão a constituir um importante contributo para a sobrevivência e para o processo de
autonomização socioeconómica de pessoas em situação de pobreza.

Definição e importância do desenvolvimento comunitário


O conceito de desenvolvimento comunitário pode ser entendido como algo que “(…) opera
sempre uma transformação profunda dos indivíduos e dos grupos humanos, [pelo que] devem
ser estes os autores dessa transformação - tomando consciência dela, escolhendo-a, assumindo-a,
realizando-a; (…) o mesmo é dizer que o desenvolvimento deve processar-se por iniciativa, com a
participação e sob a responsabilidade daqueles a quem vai beneficiar.” (Silva 1963: 8)

Com grande proximidade ao conceito de desenvolvimento local, o desenvolvimento comunitário


rege-se também pelos seguintes princípios: (i) é um processo de mudança conducente à melhoria
das condições de vida de determinada população; (ii) é centrado numa comunidade territorial de
pequena dimensão, que partilha uma identidade comum; (iii) responde a necessidades básicas da
comunidade; (iv) parte da mobilização das capacidades locais; (v) implica a adopção de metodologias
participativas e de ‘empowerment’ da comunidade local, recorrendo a uma perspectiva integrada
na abordagem aos problemas e respostas; (vi) exige uma lógica de trabalho em parceria, ou seja, de
articulação dos vários actores, protagonistas e instituições locais (Cattani et al 2009: 111).

O processo de desenvolvimento comunitário pode ser entendido como uma sucessão de cinco
etapas não estanques:

A intervenção comunitária caracteriza-se então por:

• se desenvolver no seio das comunidades locais através de um processo bottom-up;

• se focar no potencial de mudança das comunidades locais, a partir da identificação das


necessidades e/ou dos problemas que suscitam tensões nessas comunidades;

• ter presente a ideia de uma transformação social e de democratização;

• se preocupar em organizar novos poderes e serviços no seio das comunidades locais;

• situar a sua acção ao nível das forças, talentos e habilidades das pessoas, e não nas suas
insuficiências.

E tem como pressupostos de actuação:

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

• Informação geral e dinamização da colectividade:


• pode ser desencadeado por diferentes entidades (ex: um líder, um orgão da administração, uma
equipa de técnicos):
1.º
• informa-se a colectividade sobre as possibilidades que o desenvolvimento comunitário trará.

• Prospecção das necessidades e potenciais recursos:


• deve ser feita simultâneamente pelos técnicos que intervêm no plano e pela própria população.
• a prospecção das necessidades feita pela população tem como fim primário a tomada de consciência
2.º da situação presente de uma dada colectividade e a sua dinamização de forma a que esta seja arte
activa no processo de desenvolvimento.

• Descoberta e formação dos líderes locais:


• toda a comunidade repousa sobre um conjunto de relações que por sua vez se processam segundo
uma base mais ou menos definida: a sua organização; esta serve como princípio de identificação das
3.º
funções dos diferentes elementos na colectividade:
• os agentes de desenvolvimento comunitário devem provir da própria comunidade.

• Elaboração de um plano
• características: i) visa a satisfação das necessidades reais de uma dada colectividade: ii) elabora-se a partir
do reconhecimento feito pela população das suas necessidades e recursos potenciais: iii) tem o
4.º acordo final da população, directa ou indirectamente manifestado a partir dos seus representantes
mais autênticos: iv) realizado, avaliado e controlado pela própria população.

• Avaliação dos resultados


• deve incidir não só sobre os resultados materiais obtidos como também sobre as transformações
de mentalidade operadas.
5.º
• deve fazer o confronto entre os resultados obtidos e os resultados previstos e quanto aos efeitos
não previstos a fazer a análise dos resultados benéficos e das disfunções, procurando conhecer as
possíveis causas.

• as comunidades e os seus membros podem e são capazes de desenvolver as suas


capacidades e de trabalhar os seus problemas;

• todos devem participar activamente no processo de criação, de controlo ou de adequação


das alterações realizadas no seio da comunidade;

• dada a natureza e especificidade de cada comunidade, alterações impostas tendem a


produzir menos resultados do que as alterações auto-propostas e auto-desenvolvidas de
forma participada no interior da estrutura comunitária;

• só é possível “trabalhar” a comunidade numa perspectiva holística que seja capaz de


englobar todos os âmbitos contextualizantes da mesma;

• promover o desenvolvimento de capacidades para a cooperação e participação activa de


todos os elementos envolvidos no processo de mudança.

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

Tendo Angola saído recentemente de um conflito que durou 27 anos, o apoio ao fortalecimento
de comunidades mais vivas e capazes de, como um colectivo, responderem às necessidades e
problemas diários que lhes são próprios apresenta-se como um dos maiores desafios e prioridades
em termos de reestruturação social do país.

O empreendedorismo inclusivo: uma abordagem centrada nas pessoas


This (…) is essentially about people – passionate people, and passionate people are always
innovators and entrepreneurs. Whether involved in economic or social pursuit, they do things
because of deep-seated beliefs that often have more to do with their personal value systems than
with balance sheets.10
Ernesto Sirolli, Ripples from the Zambezi:
Passion, entrepreneurship and the rebirth of local economies, 1999: 117

O termo empreendedorismo surge normalmente associado a integração no mercado de trabalho


sendo, nessa medida, encarado como um dos caminhos de luta contra a pobreza. Surge de forma
recorrente e destacada nas políticas públicas de emprego dos países do Norte e dos países do Sul.
Esta noção é comummente identificada com a capacidade de aproveitar oportunidades de negócio,
independentemente da detenção de recursos materiais e/ou financeiros para o fazer. A capacidade
de inovar, a criatividade e a predisposição para o risco são também atributos que surgem quase
sempre associados à palavra empreendedorismo. Mas será que a noção de empreendedorismo
assim entendida se aplica a todas as realidades e contextos socioeconómicos?
De acordo com Pedro Hespanha, ‘a realidade mostra que muitos dos negócios criados por
indivíduos isolados ou por pequenos colectivos não obedecem a todos estes requisitos: ou não
manifestam uma disposição para assumir riscos, nem envolvem uma operação de elevado retorno;
ou não representam nenhuma inovação em termos de gestão e do produto; ou não resultam
de uma capacidade de detectar oportunidades, antes de uma opção induzida ou tomada como
alternativa a uma outra menos viável, como ter um emprego por conta de outrem;’ (Hespanha et al,
2009: 249). Este aspecto é particularmente pertinente numa análise do empreendedorismo ou da
acção empreendedora em sociedades ‘onde proliferam formas de pequena produção pouco ligadas
ao mercado, movidas por uma racionalidade económica não-lucrativa e desenvolvidas por pessoas
com recursos limitados’ (idem: 250).
O conceito de empreendedorismo tem sido, nas últimas décadas, tema de ampla divulgação e
apropriação, pelo que dele têm derivado vários modelos, um dos quais o empreendedorismo
inclusivo. O wikipreneurship define empreendedorismo inclusivo como o ‘conjunto de atitudes
e competências que permite às pessoas concretizar os seus sonhos em projectos ou “empresas”
concretos.’11 Esta noção vai mais longe do que a simples ideia de iniciar um negócio por conta
própria. O empreendedorismo inclusivo tem por base uma missão social e a percepção de que
qualquer pessoa, independentemente da sua condição socioeconómica e/ou cultural, pode ser
empreendedora. Esta convicção é reafirmada por Sirolli, que defende que o desenvolvimento
económico tem mais a ver com as pessoas do que com as idiossincrasias naturais próprias de um

10
“Isto é essencialmente sobre pessoas… pessoas apaixonadas são sempre inovadoras e empreendedoras. Quer se encon-
trem envolvidas com um propósito económico ou com um propósito social, estas movem-se por convicções profundas que
normalmente têm mais a ver com os seus próprios valores do que com folhas de balanço” (trad. da autora)
11
Adaptado de http://wikipreneurship.eu/index.php5?title=Inclusive_entrepreneurship [acedido em Novembro 2008].

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

determinado país. Assim: “Every single person is important in the creation of a better, wealthier,
smarter society.”12 (Sirolli 1999: 111)
O empreendedorismo inclusivo caracteriza-se então por:
• Ser acessível a qualquer pessoa;

• Integrar e valorizar a diversidade no desenvolvimento de qualquer actividade económica:

• A assunção de risco é bastante elevada.

À promoção e desenvolvimento do empreendedorismo inclusivo está inerente um processo de


facilitação que é central para que o mesmo se efective e seja bem sucedido. De acordo com Sirolli,
a facilitação para o empreendedorismo é um sistema de desenvolvimento económico focalizado
no indivíduo. Com o seu know-how, o facilitador potencia os saberes do empreendedor, testa a sua
motivação e presta assessoria técnica. Acompanha o empreendedor.
A facilitação para o empreendedorismo é então baseada em dois princípios fundamentais: (i) “a
natureza humana é intrinsecamente boa e o exercício de nossos talentos através do trabalho
beneficia as nossas vidas e a localidade em que vivemos; (ii) “o desenvolvimento é inato; é um
processo que simplesmente nutre os elementos já presentes em cada localidade.” (Sirolli,“Capturing
the Passion”, Sirolli Institute).
O facilitador deverá:
• reconhecer os pontos fortes e as capacidades de cada pessoa e/ou grupo, fazendo com
que esta se sinta à vontade para partilhar as suas ideias, preocupações, expectativas;

• transmitir confiança para que o indivíduo ou o grupo consiga partilhar e implementar as


suas ideias;

• valorizar a diversidade e ter em consideração as diferentes necessidades e interesses do


indivíduo e/ou membros de um grupo (estas diferenças podem ser por causa do sexo,
idade, profissão, ou formação académica);

• liderar, dando o exemplo através de atitudes e de acções.

Assim, como principais competências do facilitador destacam-se: (i) ser bom ouvinte; (ii)
saber comunicar; (iii) ter resiliência; (iv) pensar e agir com criatividade; (v) planificar ao
mesmo tempo que permanece flexível (capacidade de lidar com a imprevisibilidade).

Considerações Finais
Ao pedido de descrição de um caso de autonomização socioeconómica em que tenham
estado envolvidos enquanto facilitadores, os 2 grupos de formandos apresentaram os seguintes
dados:

12
“Cada pessoa é importante na criação de uma sociedade melhor, mais rica e inteligente”

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

Descrição e Contexto Estratégias de apoio

“vulnerável”; “bairro pobre”; “número elevado de “formação académica e de


membros na família”; “com grande dificuldade”; gestão”; “estágio”; “inserção no
“baixa formação académica/ analfabetismo”; mercado de trabalho (formal ou
Caso 1

“motivação razoável”;“actualmente está a realizar informal)”; “outras formas de


um curso de informática e de culinária” apoio à subsistência (transporte,
alimentação); “acompanhamento
do facilitador”
“Pequena empresária”, “Acesso ao capital: teve a partir das
“Tipo de negócio: venda de roupa e forragem de irmãs Oblatas: microcrédito”
prendas”; “Acompanhamento regular por parte
“Zona da Canata: semi-urbana; saneamento básico dos educadores sociais”;
debilitado; pobre;” Outros tipos de apoios” empréstimo de
Caso 2

“Contexto socioeconómico: de baixa renda” mesas”

“Características pessoais da pessoa: criativa, dinâmica,


persistente; sonhadora; humilde; curiosa; alegre;
formação básica;
“Foi uma pessoa do contexto da prostituição muito
forte”

As estratégias apontadas pelos formandos constituem uma súmula da importância que os sistemas
de financiamento alternativo associados a políticas activas de empreendedorismo inclusivo
desempenham para a autonomização socioeconómica de populações em situação de pobreza.
Estes configuram-se pois como importantes possibilidades de resposta aos desafios da luta contra
a pobreza e combate à exclusão social.

Bibliografia

Cattani, A.D., Laville, J-L, Gaiger, L.I., Hespanha, P. (2009), Dicionário Internacional da Outra Economia,
Coimbra: Almedina.
Drucker, P.F. (1986), Inovação e espírito empreendedor: prática e princípios, São Paulo: Thomson
Pioneira.
Ducados, H.L. e Ferreira, M.E. (1998), “O financiamento informal e as estratégias de sobrevivência
económica das mulheres em Angola: a kixikila no município do Sambizanga (Luanda)”, in V Congresso
Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais, Documentos de Trabalho nº 53, Lisboa: CESA.
Feliciano, J.F., Lopes, C.M., Rodrigues, C.U. (2008), Protecção Social, Economia Informal e Exclusão Social
nos PALOP, S. João do Estoril: Principia.
Ki-Zerbo, Joseph (2006), Para quando África? – Entrevista de René Holenstein, Bissal: Ku Si Mon
Editora Lda.

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Educação Social: Âmbitos e Práticas

Lopes, C.M. (2006), “Comércio informal, transfronteiriço e transnacional: que articulações? Estudo
de caso no mercado de S. Pedro (Huambo) e nos mercados dos Kwanzas e Roque Santeiro
(Luanda)”.
MBAKU, John Mukum (2004), Institutions and development in Africa, Trenton, Asmara: Africa World
Press.
Sarkar, Soumodip (2007), Empreendedorismo e Inovação, Lisboa: Escolar Editora.
Silva, Maria Manuela (1963), “Bases de um processo de desenvolvimento comunitário”, in Análise
Social, Lisboa: Instituto de Ciências Sociais. (acedido em www.repository.utl.pt/, no dia 6/2/11)
Sirolli, Ernesto (1999), Ripples from the Zambezi: passion, entrepreneurship and the rebirth of local
economies, Gabriola Island: New Society Publishers.

Referências electrónicas
Instituto Sirolli: www.sirolliinstitute.com/
Organização Internacional do Trabalho (2005), A OIT e a Economia Informal: O trabalho digno e a
economia informal - resolução da 90ª Conferência Internacional do Trabalho, 2002.
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (2010), Relatório de Desenvolvimento Humano
2010 “A Verdadeira Riqueza das Nações: Vias para o Desenvolvimento Humano”. (http://hdr.undp.
org/en/media/HDR_2010_PT_Complete_reprint.pd, acedido a 06/02/11).
United Nations Development Programme (s/d), Angola Enterprise Program: Microfinance Component
in (www.uncdf.org/.../microfinance/.../UNCDF_AngolaAssessment.pdf, acedido a 06/02/11)
Wikipreneurship: http://wikipreneurship.eu/index.php5?title=Inclusive_entrepreneurship [acedido em
Novembro 2008].

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