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ETAPAS DO PROCESSO DE INVESTIGAÇÃO

Fernando Ilídio Ferreira


Universidade do Minho
Fonte: Quivy, R. e Campenhoudt, l. V. (1998).
Manual de Investigação em Ciências Sociais. Lisboa: Gradiva.
Construção de um plano de investigação
QUESTÕES ELEMENTOS A CONSIDERAR OBSERVAÇÕES
Que tema/assunto se pretende abordar?
-identificar o problema/objecto de estudo
O QUÊ? Título provisório
-colocar as perguntas científicas
-levantar primeiras hipóteses (?)
Qual a relevância/pertinência do tema?
-motivações pessoais/profissionais/sociais
PORQUÊ? Interesse científico
-justificativa (interesse científico/social)
-enquadramento noutra(s) pesquisa(s)
Que intenções movem a abordagem do tema?
PARA -objectivos/expectativas Delimitação do
QUÊ? -hipóteses a verificar objecto de estudo
-tarefas/questões a resolver
Como se pensa abordar este assunto? Definição dos
- perspectiva teórica de análise quadros
COMO?
-metodologia (natureza, características) teórico-conceptual
-métodos (amostragem, recolha/tratamentos) e metodológico
Onde se vai realizar a recolha de dados?
-entidade(s) a investigar
ONDE? Escolha do “campo”
-perfil dos sujeitos a incluir no estudo
-colaboradores (caso existam)
ACTOS ETAPAS

1. A Pergunta de Partida

2. A Exploração
RUPTURA As leituras As entrevistas
Questionamento

3. A Problemática

ATOS E ETAPAS
CONSTRUÇÃO
DO PROCEDIMENTO Argumentação 4. A Construção do Modelo de Análise
(Quivy e Campenhoudt)
5. A Observação

VERIFICAÇÃO 6. A Análise das Informações


Comprovação

7. As Conclusões
Que se pretende?
❑ Um procedimento é uma forma de progredir em direção a um
objetivo.
❑ Visa compreender mais profundamente e interpretar mais
acertadamente fenómenos da vida coletiva;
❑ Conceber e pôr em prática um procedimento para a elucidação do
“real”.
➢ Quando um investigador, profissional ou principiante, sente grandes
dificuldades no seu trabalho, as razões são quase sempre de natureza
metodológica: “já não sei em que ponto estou”, “tenho a impressão de
já nem saber o que procuro”, “não faço a mínima ideia do que fazer
para continuar“, “tenho muitos dados, mas não sei o que fazer com
eles”…
Evitar:
a) um cientismo ingénuo que consiste em crer que é possível
estabelecer verdades definitivas e adotar um rigor análogo ao dos
físicos e biólogos;
b) ou um ceticismo que negaria a própria possibilidade de produção de
conhecimento científico.
O trabalho de investigação em
ciências sociais
➢ Compreender melhor os significados de um acontecimento ou de uma
conduta,
➢ Fazer inteligentemente o ponto da situação,
➢Captar com maior perspicácia as lógicas de funcionamento de uma
organização,
➢Refletir acertadamente sobre as implicações de uma decisão política,
➢Compreender com maior nitidez como determinadas pessoas apreendem
um problema e a tornar visíveis alguns dos fundamentos das suas
representações.
➢Em suma, estudar os fenómenos sociais com uma preocupação de
autenticidade, compreensão e rigor metodológico.
O procedimento: o caos original...
ou três maneiras de começar mal
❑ 1. Problemas de método
➢No início de uma investigação, sabemos vagamente que queremos
estudar tal ou tal problema, mas não sabemos como abordar a questão.
No entanto, este aparente caos original é marca de um espírito que
não se alimenta de simplismos e de certezas estabelecidas.
➢ O que não devemos fazer, mas fazemos com frequência, é a fuga para
a frente: a gula livresca ou estatística, a “passagem” às hipóteses e a
ênfase que obscurece.

▪ “O caos é uma ordem por decifrar”, José Saramago


➢ a) A gula livresca ou estatística consiste em “encher a cabeça” com
uma grande quantidade de livros, artigos ou dados numéricos,
esperando encontrar aí o objetivo e o tema do trabalho que se deseja
efetuar.
➢b) A “passagem” apressada às hipóteses consiste em precipitar-se
sobre a recolha dos dados antes de ter formulado as hipóteses de
investigação, e em preocupar-se com a escolha e a aplicação prática das
técnicas de investigação antes mesmo de saber aquilo que procura. A
passagem às hipóteses não pode ser feita sem realizar cuidadosamente
as primeiras etapas antes de pensar nas seguintes.
➢ c) A ênfase que obscurece consiste em escrever de forma pomposa,
presunçosa, oca e ininteligível, o que muitas vezes significa que não se
consegue evitar raciocinar da mesma maneira. Consequentemente, os
projetos podem revelar uma ambição desmedida e até a mais completa
confusão.
As etapas do procedimento
❑ Um procedimento é uma forma de progredir em direção a um
objetivo.
❑ Há hipóteses teóricas que devem ser confrontadas com dados de
observação ou de experimentação.
❑Quais são os princípios fundamentais que todo a investigação deve
respeitar?
❑ Sete etapas a percorrer, como se se tratasse de uma peça de teatro
em três atos e sete cenas.
Alice no País das Maravilhas,
de Lewis Carroll
- “Gatinho de Cheshire” começou um pouco tímida, pois
não sabia se ele gostaria do nome, mas ele abriu ainda mais
o sorriso. “Vamos, parece ter gostado até agora”, pensou
Alice, e continuou: “Poderia dizer-me, por favor, que
caminho devo tomar para sair daqui?”
- Isso depende bastante de onde você quer chegar, disse o
Gato.
- O lugar não importa muito…, disse Alice.
- Então não importa o caminho que você vai tomar, disse o
Gato.
Os 3 atos e as 7 etapas do procedimento
Atos
▪ Rutura - Questionamento
▪ Construção - Argumentação
▪ Verificação - Comprovação

Estes três atos são interdependentes. São realizados ao longo de uma


sucessão de operações, mas em permanente interação.

Etapas
▪ Etapa 1 – A pergunta de partida
▪ Etapa 2 – A exploração: as leituras; as entrevistas exploratórias
▪ Etapa 3 – A problemática
▪ Etapa 4 – A construção do modelo de análise
▪ Etapa 5 – A observação
▪ Etapa 6 – A análise das informações
▪ Etapa 7 – As conclusões
Os três atos do procedimento
▪ A rutura (questionamento) – é o primeiro ato constitutivo do
procedimento científico. Consiste precisamente em romper com os
preconceitos e as falsas evidências, que somente nos dão a ilusão de
compreendermos as coisas.
▪ A construção (argumentação) – A rutura só pode ser efetuada a partir
de um referencial teórico e concetual organizado, suscetível de exprimir
a lógica que o investigador supõe estar na base do fenómeno. Esse
referencial é a base a partir da qual são formuladas proposições
interpretativas e explicativas do fenómeno a estudar, assim como o
plano de pesquisa a definir.
▪ A verificação (comprovação) – uma proposição só tem direito ao
estatuto científico na medida em que pode ser verificada pelos factos.
Etapa 1
A pergunta de partida
▪Não é fácil conseguir traduzir o que vulgarmente se apresenta como um
foco de interesse ou uma preocupação relativamente vaga num projeto
de investigação.
▪Uma investigação é algo que se procura, implicando hesitações, desvios
e incertezas. O investigador deve obrigar-se a escolher um fio condutor
tão claro quanto possível, para que o seu trabalho se estruture com
coerência.
▪ Enunciar o projeto de investigação na forma de uma pergunta de
partida, através da qual tenta exprimir o mais exatamente possível o que
procura saber, elucidar, compreender melhor.
Exemplos
➢ “A desigualdade de oportunidades em relação ao ensino tem
tendência a diminuir nas sociedades industriais?”
➢ “A luta estudantil (em França) é apenas uma agitação em que se
manifesta a crise da universidade, ou contém em si um movimento
social capaz de lutar em nome de objetivos gerais contra uma
dominação social?”
➢ “O que predispõe algumas pessoas a frequentarem os museus, ao
contrário da grande maioria das que os não frequentam?”
Critérios de uma boa pergunta de partida
A formulação da pergunta de partida obriga o investigador a uma
clarificação das suas intenções e perspetivas espontâneas, pois uma das
dimensões essenciais do processo científico é a rutura com os
preconceitos e as noções prévias.
❑ As qualidades de clareza – dizem respeito à precisão e à concisão
do modo de formular a pergunta de partida; a pergunta não deve ser
vaga, mas precisa.
➢As interpretações devem convergir e o sentido não deve suscitar
confusões.
➢Não deve cobrir um campo de análise demasiado vasto. Deve permitir
saber aonde nos dirigimos e comunicá-lo aos outros.
➢Uma boa pergunta de partida terá de ser unívoca e tão concisa quanto
possível.
❑ As qualidades de exequibilidade
➢ Estas qualidades estão ligadas ao carácter realista ou irrealista do
trabalho que a pergunta deixa entrever.
➢ Uma boa pergunta de partida deve ser realista, isto é, adequada aos
recursos pessoais, materiais e técnicos, em cuja necessidade podemos
imediatamente pensar e com que podemos razoavelmente contar.
❑ As qualidades de pertinência
Dizem respeito ao registo (explicativo, normativo, preditivo...) em que
se enquadra a pergunta de partida.
Exemplo: “A forma como o fisco está organizado no nosso país é
socialmente justa?” – esta pergunta pretende um julgamento moral,
que não diz respeito às ciências sociais. A confusão entre a análise e o
juízo de valor é muito usual e nem sempre é fácil de detetar.
➢Uma pergunta é moralizadora quando a resposta que lhe damos só
tem sentido em relação ao sistema de valores de quem a formula.
Em síntese
➢ Uma boa pergunta de partida não deve procurar julgar, mas
compreender. O seu objetivo deve ser o do conhecimento, não o de
demonstração. Por isso, devem poder ser encaradas a priori várias
respostas diferentes, não havendo a certeza de uma resposta
preconcebida.
➢ Deve abordar o estudo do que existe ou existiu, e não o daquilo que
ainda não existe. Não visa prever o futuro, mas captar um campo de
constrangimentos e de possibilidades, bem como os desafios que esse
campo define.
➢Deve visar um melhor conhecimento dos fenómenos estudados e não
apenas a sua descrição.
Etapa 2 - A exploração
As leituras e as entrevistas exploratórias
▪Formulada a pergunta de partida, como proceder para conseguir
informação adequada e de qualidade? Como explorar o terreno para
conceber uma problemática de investigação?

▪ A exploração é composta por leituras, entrevistas exploratórias e


alguns métodos de exploração complementares.

▪ As operações de leitura visam essencialmente assegurar a qualidade da


problematização (componente teórica)

▪ As entrevistas exploratórias e outros métodos complementares


ajudam o investigador a contactar com a realidade vivida pelos atores
sociais (componente empírica)
Leituras
Um trabalho intelectual deve ultrapassar as interpretações
estabelecidas, a fim de fazer aparecer novas significações mais
esclarecedoras e mais perspicazes.
É fundamental situar claramente o trabalho em relação a quadros
concetuais reconhecidos, pois essa é uma exigência da validade
externa.
A seleção e a organização das leituras deve obedecer a alguns critérios
essenciais:
▪ ligação à pergunta de partida;
▪ dimensão razoável, de modo a evitar uma sobrecarga de leituras;
▪ privilegiar textos de interpretação e análise e não apenas de descrição;
▪ incluir abordagens diversificadas do fenómeno estudado;
▪ refletir e trocar pontos de vista com colegas ou pessoas experientes.
Onde encontrar os textos?
▪ É necessário saber o que se procura. Peça conselhos a especialistas,
utilize artigos de revistas, consulte as bibliografias, índices e sumários das
obras que vai encontrando.
Como ler?
▪ O investigador deve ser capaz de captar, compreender e articular as
ideias do autor. Um bom método de leitura consiste, por exemplo,
emprego de uma grelha de leitura; redação de um resumo, etc.
▪ Após ter elaborado dois ou três resumos de textos escolhidos, o
investigador deve compará-los atentamente para retirar os elementos de
reflexão e as pistas de trabalho mais interessantes.
Refletir sobre:
➢Quais os pontos de vista adotados pelos autores escolhidos e
como se situam uns em relação aos outros? Quais as
convergências, divergências, complementaridades?
➢Quais as leituras que estão mais relacionadas com a pergunta
de partida?
➢Que pistas sugerem essas leituras?
▪ As respostas a estas perguntas apontam para outras leituras.
Por vezes é útil Interromper a leitura, refletir e trocar pontos de
vista. É uma fase em que a pergunta de partida pode ser revista
e reformulada de um modo mais ponderado.
Entrevistas exploratórias
▪ As leituras e entrevistas exploratórias devem ajudar a constituir
a problemática da investigação.
▪ As leituras ajudam a fazer o balanço dos conhecimentos relativos
ao problema de partida; as entrevistas contribuem para descobrir
os aspetos a ter em conta e alargam, delimitam ou retificam o
campo da pesquisa bibliográfica.
▪ É essencial que as entrevistas exploratórias decorram de uma
forma aberta e flexível, pois servem para encontrar pistas de
reflexão, ideias e hipóteses de trabalho e não para verificar
hipóteses preestabelecidas. .
Com quem é útil ter uma entrevista?
➢ Docentes, investigadores e peritos no domínio de investigação:
pessoas que conhecem o tema e têm experiência de investigação;
➢ Testemunhas privilegiadas: pessoas que pela sua posição, ação ou
responsabilidades têm um bom conhecimento do problema, etc.
Em que consistem as entrevistas e como realizá-
las?
➢ Fazer o menor número possível de perguntas;
➢ Formular as intervenções da forma mais aberta possível;
➢ Abster-se de se implicar no conteúdo da entrevista;
➢ Procurar que a entrevista se desenrole num ambiente e num
contexto adequados;
➢ Gravar a entrevista, com o consentimento informado dos sujeitos.
A exploração das entrevistas exploratórias
➢ Devem ser consideradas duas fontes de informação: o discurso
enquanto dado e o discurso enquanto processo.
❑O discurso enquanto fonte de informação
➢ As entrevistas exploratórias não têm como função verificar hipóteses
nem recolher ou analisar dados específicos, mas sim abrir pistas de
reflexão, alargar e precisar os horizontes de leitura, tomar consciência
das dimensões e dos aspetos de um dado problema, nos quais o
investigador não teria decerto pensado espontaneamente.
➢ As gravações devem ser ouvidas repetidamente, para anotar pistas e
ideias, evidenciando tendências, contradições…
❑O discurso enquanto processo
➢ Pretende-se levar o interlocutor a exprimir a sua vivência ou a
perceção que tem do problema. É preciso ter em atenção o facto de o
interlocutor ir elaborando o seu pensamento ao longo da entrevista.
A análise de conteúdo das entrevistas incide no discurso enquanto
fonte de informação, mas também enquanto processo.
Etapa 3: a problemática

▪ A problemática é a abordagem ou a perspetiva teórica que


decidimos adotar para tratarmos o problema formulado pela
pergunta de partida. Deve responder à pergunta: “Como vou
abordar este fenómeno?” Constitui uma charneira entre a rutura
e a construção.
▪ Construir a problemática implica explorar as leituras e as
entrevistas, fazer um balanço das mesmas, estabelecer o
confronto crítico das diferentes perspetivas que se afiguram
possíveis.
▪ Construir a problemática equivale a formular os principais
pontos de referência teóricos da investigação: a pergunta que
estrutura finalmente o trabalho, os conceitos fundamentais e as
ideias gerais que vão inspirar a análise.
Exemplos de conceção de uma problemática
❑ Durkheim consegue encarar o seu objeto de investigação de uma
forma que sai decididamente dos caminhos já percorridos. A sua
problemática é a do suicídio como fenómeno social. Encara assim
o problema de uma nova forma, propondo uma resposta original à
pergunta de partida.
❑ A conceção de uma problemática não depende do acaso ou da
inspiração pessoal. O próprio investigador faz parte de uma
época, com os seus problemas, os seus acontecimentos marcantes,
os seus debates, sensibilidades e correntes de pensamento em
evolução.
Cont.
O Suicídio foi escrito pelo sociólogo Francês Émile Durkheim e
publicado em 1897. Consiste num estudo de caso e é uma
publicação única na sua época, trazendo um exemplo de como
uma monografia sociológica deve ser escrita.
Uma pergunta de Durkheim parece ter sido central no seu
estudo: Quais são as situações dos diferentes meios sociais
(religião, família, sociedade política, grupos profissionais) em
função dos quais o suicídio varia?
Os dois momentos de uma problemática
1. Fazer o balanço e elucidar as problemáticas
possíveis
➢As diferentes perspetivas podem ser distinguidas através de
critérios como a imagem da sociedade e do indivíduo, os
conceitos-chave que estruturam o olhar sobre os fenómenos, os
enunciados que organizam a reflexão. A partir daqui é possível
escolher e definir o ponto de vista próprio e situá-lo no campo
teórico da disciplina.
Cont.
❑Por exemplo, diferentes esquemas de inteligibilidade podem
esboçar três abordagens complementares do social.
➢A primeira acentua a estrutura de que o fenómeno constitui um
elemento em interação com outros.
➢A segunda vê o fenómeno como uma realidade em devir,
produzida pela ação dos seres humanos e pelas contradições
internas nos sistemas por eles construídos.
➢A terceira encara o fenómeno como a expressão de um sentido
a descobrir.
❑As perspetivas conjugam geralmente traços de cada uma destas
abordagens. O social é, ao mesmo tempo, estruturação, ação
transformadora e sentido.
Cont.
2. Atribuir-se uma problemática
➢Esta fase é crucial, pois a problemática constitui o princípio de
orientação teórica da investigação, definindo as suas linhas de
força. Confere à investigação a sua coerência e potencial de
descoberta.
➢Conceber uma problemática é escolher uma orientação teórica,
explicitar o quadro concetual da investigação, precisar os conceitos
fundamentais e as suas relações, construir um sistema conceptual
adaptado ao objeto da investigação.
➢Os investigadores pouco experientes devem conceber a
problemática dentro de um quadro teórico existente.
Etapa 4
A construção do modelo de análise
O trabalho exploratório, tanto em termos empíricos como
teóricos, fornece perspetivas e ideias que devem ser traduzidas
numa linguagem e formas que permitam o trabalho sistemático
de análise e recolha de dados de observação.
A fase de construção do modelo de análise constitui a charneira
entre a problemática fixada e o trabalho de elucidação sobre um
campo de análise delimitado e preciso.
Exemplos de construção do modelo
de análise
➢Durkheim vê no suicídio um fenómeno social ligado,
nomeadamente, ao estado de coesão da sociedade.
➢Por isso, tem de definir as noções de suicídio e a taxa de suicídio
de forma clara. Estes conceitos devem traduzir a ideia teórica
numa linguagem precisa que permita reunir e comparar os dados
estatísticos. Esta é a fase da conceptualização.
➢Os conceitos podem ter várias dimensões. Por exemplo, a
coesão social inclui a coesão religiosa e a coesão familiar.
➢Indicadores são traços observáveis de uma ou mais dimensões
dos conceitos, que gerarão informação no sentido de avaliar as
hipóteses.
A construção das hipóteses
➢A organização de uma investigação em torno de hipóteses
constitui a melhor forma de a conduzir com ordem e rigor. As
hipóteses apontam o caminho da procura, fornecendo um fio
condutor à investigação e o critério para a recolha de dados que
confrontará as hipóteses com a realidade observada.
➢Uma hipótese é uma resposta provisória a uma pergunta.
Convém precisar, uma última vez, a pergunta central da
investigação, garantindo a estruturação coerente das hipóteses.
As diferentes formas das hipóteses
Uma hipótese é uma proposição provisória, uma
pressuposição que deve ser verificada.
A hipótese pode apresentar-se como uma antecipação de uma
relação entre um fenómeno e um conceito capaz de o explicar.
Mas, mais frequentemente, a hipótese apresenta-se como a
antecipação de uma relação entre dois conceitos ou entre os
dois tipos de fenómenos que designam.
Por isso, na sua formulação a hipótese deve ser expressa sob
uma forma observável.
Hipóteses e modelos
O modelo é um sistema de hipóteses articuladas logicamente
entre si, sendo estas que precisam a relação entre dois conceitos.
O método hipotético-indutivo produz conceitos operatórios,
hipóteses empíricas, e um modelo mimético.
O método hipotético-dedutivo produz conceitos sistémicos,
hipóteses deduzidas, e um modelo teórico.
O primeiro modelo é descritivo; o segundo tem poder explicativo.

Mimética
Em debates recentes a mimética tem sido tratada como um princípio geral que define
a nossa compreensão da realidade e do texto:
O indivíduo “assimila-se” a si próprio à realidade, pela via do processo mimético.
A mimética possibilita aos indivíduos saírem para fora de si, puxar o mundo exterior
para o seu mundo interior e dar expressão à sua própria interioridade. Gera uma
proximidade dos objetos que é inatingível por qualquer outra via, sendo, por isso, uma
condição necessária da compreensão (Gebauer e Wulf, 1995)
Objeto de pesquisa / teoria
Aquilo que os objetos de pesquisa são depende da forma como
eles são construídos pelos diferentes discursos, ou seja, pelas
diferentes teorias.
A maneira de construir o objeto de pesquisa, portanto, não é
neutra, pois a forma como o pesquisador olha a realidade é
influenciada por esses discursos (e também por suas crenças e
valores).
A opção por uma e não outra teoria tem as suas consequências
metodológicas. Admitir essa possibilidade de olhar a sala de aula
e o processo de ensino-aprendizagem através de diferentes
teorias significa também admitir que sejam construídas salas de
aula e processos de ensino-aprendizagem diferentes”.
O critério da “refutabilidade” da hipótese
➢Uma hipótese pode ser testada quando existe uma
possibilidade de decidir, a partir da análise dos dados, em que
medida é verdadeira ou falsa.

➢Nunca demonstraremos a veracidade de uma hipótese.


Sabendo que o conhecimento resulta de sucessivas correções, o
investigador não se esforçará por provar a todo o custo o valor de
objetividade das suas hipóteses.

➢Uma hipótese só pode ser refutada se admitir enunciados


contrários suscetíveis de verificação. A verificação da proposição
oposta infirmaria a hipótese de partida.
Etapa 5: a observação
A observação engloba o conjunto das operações através das
quais o modelo de análise (constituído por hipóteses e conceitos)
é submetido ao teste dos factos e confrontado com dados
observáveis.
Devemos responder às três perguntas seguintes: observar o
quê?; em quem?; como?

1. Observar o quê? (A definição dos dados pertinentes):


Os dados necessários são os definidos pelos indicadores das dimensões
dos conceitos que estão envolvidos em cada hipótese.
1. Observar o quê?
A definição dos dados pertinentes
Os dados necessários são os definidos pelos indicadores das dimensões
dos conceitos que estão envolvidos em cada hipótese.
2. Observar em quem?
O campo de análise e a seleção das unidades
de observação
É necessário circunscrever as análises empíricas no espaço, geográfico
e social, e no tempo. Se o trabalho tiver por objeto um fenómeno ou
um acontecimento particular, os limites da análise ficam
automaticamente definidos. Caso contrário, o campo de análise deve
ser claramente circunscrito, baseado no bom senso do investigador.
Os sociólogos estudam os conjuntos sociais como totalidades diferentes
da soma das suas partes. Além disso, nem sempre é possível recolher
informações sobre cada uma das unidades que compõem uma
população.
O investigador tem três possibilidades: recolher dados e analisar a
população coberta; limita-se a uma amostra representativa da
população; estuda componentes típicas, ainda que não representativas
da população.
1ª possibilidade: estudar a totalidade da população
Quando o investigador não tem necessidade de informação sobre o
comportamento das unidades que compõem a população, ou quando a
população é reduzida, podendo ser integralmente estudada.
2ª possibilidade: estudar uma amostra representativa da
população
Quando estão reunidas duas condições: a população é muito volumosa,
e é necessário recolher muitos dados para cada indivíduo; quando é
importante recolher uma imagem globalmente conforme à que seria
obtida interrogando o conjunto da população.
3ª possibilidade: estudar componentes não estritamente
representativas, mas características da população
Esta é a fórmula mais frequente. Ao estudar as diferentes formas como
um jornal noticia a atividade económica, a melhor solução consiste em
analisar minuciosamente artigos desses diferentes jornais que tratam
os mesmos acontecimentos.
3. Observar como?
Os instrumentos de observação e a recolha
dos dados
3.1. A elaboração dos instrumentos de observação
Esta observação apresenta-se de diferentes formas, consoante se trate
de uma observação direta ou indireta.
A observação direta é aquela em que o investigador procede
diretamente à recolha das informações, sem que haja intervenção dos
sujeitos observados. Incide sobre todos os indicadores pertinentes
previstos. Tem como suporte um guia de observação que é construído a
partir desses indicadores e que designa os comportamentos a observar.
No caso da observação indireta, o investigador dirige-se ao sujeito para
obter a informação procurada. Ao responder às perguntas, o sujeito
intervém na produção da informação. Há aqui dois intermediários entre
a informação procurada e a obtida: o sujeito observado e o instrumento
de observação, que é um questionário ou um guião de entrevista.
3.2. As três operações da observação
1ª operação - consiste em conceber um instrumento capaz de produzir
todas as informações adequadas e necessárias para testar as hipóteses.
2ª operação - consiste no teste do instrumento de observação. As
perguntas devem ser claras e precisas, de forma a que todas as pessoas
interrogadas as interpretem da mesma maneira. Além disso, a pessoa
interrogada deve estar em condições de dar a resposta, conhecê-la e
não estar constrangida ou inclinada a escondê-la. No caso das
entrevistas, a forma de as conduzir deve ser experimentada.
3ª operação – consiste na recolha dos dados. É a execução
propriamente dita da observação. Os dados obtidos devem ter sido
previstos no momento da conceção da observação. Devem dar a
informação e o grau de precisão necessário para as fases posteriores.
4. Principais métodos de recolha das
informações
Não há métodos melhores do que outros: tudo depende dos objetivos,
do modelo de análise, e das características do campo de análise. Só
conhecemos corretamente um método de investigação depois de o
termos experimentado por nós próprios.
➢ O inquérito por questionário
➢ A entrevista
➢ A observação direta
➢ A recolha de dados preexistentes: dados secundários e dados
documentais
Etapa 6: a análise das informações
1. A análise estatística dos dados
A utilização dos computadores transformou profundamente a análise dos
dados. Apresentar os mesmos dados sob diversas formas favorece
incontestavelmente a qualidade das interpretações. Nesse sentido, a
estatística descritiva e a expressão gráfica dos dados são muito mais do que
simples métodos de exposição dos resultados.
Variantes:
➢Quando os dados são prévios à investigação, falamos de análise
secundária;
➢Quando os dados foram recolhidos graças a um inquérito por questionário
desenhado para a investigação, falamos de tratamento de inquérito;
➢Quando os dados examinados são textuais, falamos de análise de
conteúdo.
2.A análise de conteúdo
A análise de conteúdo incide sobre mensagens tão variadas como obras
literárias, artigos de jornais, documentos oficiais, programas audiovisuais,
declarações políticas, atas de reuniões ou relatórios de entrevistas pouco
diretivas.
A escolha dos termos utilizados pelo locutor, a sua frequência e o seu
modo de disposição, a construção do “discurso” e o seu desenvolvimento
são fontes de informações a partir das quais o investigador tenta construir
conhecimento. Este pode incidir sobre o próprio locutor ou sobre as
condições sociais em que este discurso é produzido.
Variantes:
➢Os métodos agrupam-se em duas categorias: métodos quantitativos e
métodos qualitativos. Os primeiros são extensivos e baseiam-se na
frequência do aparecimento de certas características de conteúdo ou de
correlação entre elas. Os segundos são intensivos e baseiam-se na
presença ou ausência de uma característica ou modo segundo o qual os
elementos do “discurso” estão articulados.
➢As análises temáticas tentam revelar as representações sociais ou os
juízos dos locutores a partir de um exame de certos elementos
constitutivos do discurso. Podemos distinguir a análise categorial, que
consiste em calcular e comparar as frequências de certas características
previamente agrupadas em categorias significativas; e a análise da
avaliação, que incide sobre os juízos formulados pelo locutor – é
calculada a frequência, direção e intensidade dos juízos formulados.
➢As análises formais são relativas às as formas e encadeamento do
discurso. Podemos distinguir a análise da expressão, que, baseando-se no
vocabulário, tamanho das frases, ordem das palavras e nas hesitações,
informa sobre o estado de espírito do locutor e suas tendências
ideológicas; e a análise da enunciação, que concebe o discurso como
tendo uma dinâmica própria reveladora e baseia-se no desenvolvimento
geral do discurso, na ordem das suas sequências, nas repetições, nas
quebras de ritmo, etc.
➢As análises estruturais focam-se na maneira como os elementos da
mensagem estão dispostos, tentando revelar aspetos subjacentes e
implícitos da mensagem. Podemos distinguir a análise de coocorrência,
que examina as associações de temas nas sequências da comunicação,
informando acerca de estruturas mentais e ideológicas ou de
preocupações latentes; e a análise estrutural propriamente dita, cujo
objetivo é revelar os princípios que organizam os elementos do discurso,
independentemente do conteúdo, tentando descobrir uma ordem oculta.

Exemplo de métodos de recolha de dados qualitativos que se situam a


montante da análise de conteúdo: entrevistas semiestruturadas, recolha de
documentos, inquéritos por questionário.
A análise de conteúdo é adequada ao estudo do não dito, do implícito.
Obrigam o investigador a manter uma grande distância em relação a
interpretações espontâneas, especialmente as suas próprias.
A análise de conteúdo pode incidir sobre comunicações das formas mais
diversas, sendo útil para:
➢ a análise das ideologias, sistemas de valores, representações e
aspirações e suas transformações;
➢ o exame da lógica de funcionamento das organizações, graças aos
documentos que elas produzem;
➢ o estudo das produções culturais e artísticas;
➢ a análise dos processos de difusão e de socialização;
➢ a análise de estratégias, do que está em jogo num conflito, das
interpretações, das reações;
➢ a reconstituição de realidades passadas não materiais: mentalidades,
sensibilidades.
Rigor
Nenhum dispositivo metodológico pode ser aplicado de forma
mecânica. O rigor no controle epistemológico do trabalho não pode ser
confundido com rigidez na aplicação dos métodos.
O verdadeiro rigor não é sinónimo de formalismo técnico. O rigor não
incide primordialmente sobre os pormenores da aplicação de cada
procedimento utilizado, mas sim sobre a coerência de conjunto do
processo de investigação e o modo como ele realiza exigências
epistemológicas bem compreendidas.
A problemática e o modelo de análise primam sobre a observação. Os
dados só ganham existência através do esforço teórico que os constrói.
Etapa 7: as conclusões
A conclusão de um trabalho é uma das partes que os leitores costumam
ler em primeiro lugar, procurando nessas páginas indicações do
interesse que o trabalho pode ter.
A conclusão é composta, geralmente, por três partes:
1. uma retrospetiva das grandes linhas do procedimento;
2. uma apresentação pormenorizada dos contributos para o
conhecimento originados pelo trabalho;
3. e considerações de ordem prática.
1. Retrospetiva das grandes linhas do
procedimento
➢Pergunta de partida na sua formulação definitiva;
➢Apresentação das características gerais do modelo de análise e das
➢hipóteses de pesquisa;
➢Apresentação do campo de observação, dos métodos utilizados e das
➢observações efetuadas;
➢Comparação/cotejo entre os resultados esperados e os resultados
observados, e uma interpretação das diferenças.
2. Novos contributos para o
conhecimento
2.1 Novos conhecimentos relativos ao objeto de análise
Em que medida a investigação permitiu conhecer melhor este objeto?
Estes novos contributos têm uma dupla natureza: juntam-se aos
conhecimentos anteriores relativos ao objeto de análise; matizam,
corrigem ou põem em questão os conhecimentos anteriores.
Os novos conhecimentos evidenciam-se na resposta a perguntas como
as seguintes:
➢“O que sei a mais sobre o objeto de análise?”
➢ “O que sei de novo sobre este objeto?”
Quanto mais o investigador se distancia dos preconceitos do
conhecimento corrente e se preocupa com a problemática, mais
probabilidades tem de contribuir com novos conhecimentos.
2.2. Novos conhecimentos teóricos
O investigador definiu uma problemática e elaborou um modelo de
análise composto por conceitos e hipóteses. Este domínio concreto foi
progressivamente revelado e foi sendo posta à prova a pertinência da
problemática e do modelo de análise.
O investigador deve avaliar, a posteriori, o seu próprio trabalho teórico,
relativamente à pertinência da problemática e à operacionalização do
modelo de análise.
A partir deste exame crítico podem ser formuladas novas perspetivas
teóricas: um novo ponto de vista, a reformulação de uma hipótese, a
redefinição de um conceito, ou a afinação de indicadores.
3. Perspetivas práticas
As conclusões de uma investigação raramente conduzem a aplicações
práticas e indiscutíveis.
Entre a análise e a decisão prática, não é possível, por exemplo,
contornar a questão do juízo moral e da responsabilidade.
No seu sentido mais negativo, a ideologia pode consistir precisamente
em fixar de forma indevida conclusões normativas em nome de
pretensas verdades científicas.
Não há investigador capaz de influenciar duradoura e profundamente as
práticas sociais que não se imponha um incessante trabalho de
autoformação teórica.

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