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Relacoes Raciais e Gestalt Terapia TCC Geneci de Oliveira PDF
Relacoes Raciais e Gestalt Terapia TCC Geneci de Oliveira PDF
GENECI DE OLIVEIRA
Contraste no Olhar
SÃO PAULO – SP
2008
GENECI DE OLIVEIRA
SÃO PAULO – SP
2008
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Dedico esta reflexão a Miguel
Candido, avô querido guerreio
silencioso.
3
A
Selma Ciornai orientadora querida que acolheu
o melhor e pior de mim.
Adriana Silva Santos, trabalhadora incansável,
anônima... não para mim. Inspiração.
Racionais MC´s, o lamento que virou brado.
Luiz, Claudia e Myrian... Obrigado.
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“Paz sem voz, não é paz, é medo.”
Marcelo Yuka – 1999
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Resumo
As relações raciais e seus aspectos psicossociais estão envolvidas por uma profundo
silêncio por parte da sociedade brasileira e principalmente pelo universo acadêmico. Investigar
este silêncio passa pela compreensão do papel desempenhado por aspectos como identidade
e Diferença, símbolo, campo e pertencimento, onde realizar este exercício e refletir sobre o
papel e alcance social da psicologia. Sob a fundamentação da Gestalt-terapia esta reflexão
observa a relação entre ameaça, poder e direito, como fundamentos fenomenológicos
presentes no ato de discriminar.
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SUMÁRIO
1 Introdução..................................................................................................... 8
2 Discriminação: O que revela o fenômeno?.................................................. 10
2.2 Identidade e Diferença................................................................................. 13
3 Perspectiva Psicossocial: a realidade do contato........................................ 23
4 O Campo rompido........................................................................................ 30
5 Considerações finais.................................................................................... 36
6 Referências Bibliográficas............................................................................ 39
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1 Introdução
Sou negro, brasileiro e desde que nasci, nos meados de 1966, convivo
com a iminência da gestalt das relações raciais eclodirem de um fundo
indefinido de relacionamentos entre os seres humanos. Indefinido, pois há dois
discursos; um que aponta a existência da discriminação racial, outro que nega
sua existência e, em seu lugar, afirma existir no Brasil uma relação racial
amistosa e democrática.
Meu primeiro contato com esta figura deve ter sido ainda no ventre de
minha mãe, através de suas dores, suas reações às situações com as quais
teve de conviver. Não tenho motivos para crer que minha mãe não tenha
experienciado a discriminação racial.
Minha percepção de que algo era diferente nas relações entre negros e
brancos ocorreu no colo do meu avô, dentro de um ônibus que passava em
frente a um famoso clube de regatas na cidade de São Paulo. Deveria ter meus
seis anos, encantado com a visita daquelas pessoas pulando do trampolim,
falei excitado ao meu avô que um dia ainda seria sócio daquele clube. Sem
jeito, mas extremamente amoroso ele me respondeu – “daquele, nós não
podemos”, ao perguntar o motivo, ele respondeu – “Ali eles não aceitam
pretos.” O silêncio se fez entre nós. Eu não entendia o motivo e do alto dos
meu seis anos, o silêncio me calou, me calou de surpresa, me calou de
espanto. Ao longo da vida tive muitos outros encontros com a figura da
discriminação, provavelmente terei muitos outros. Este trabalho é uma tentativa
de refletir sobre o silêncio que se instaura ao longo dos dez primeiros meses do
ano sobre as relações raciais no Brasil, quebrado timidamente em novembro,
mês da consciência negra, ou violentamente quando alguma ação é implantada
8
como as ações afirmativas, por exemplo, cota para negros nas universidades
públicas.
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2 Discriminação: O que revela o fenômeno?
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diferença em desigualdade e ao portador do senso, o poder regulador da
relação.
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O último dos três aspectos e talvez o mais importante diz respeito ao
poder. Conforme já citado aqui, somente quem possui poder pode discriminar.
Investigar a origem deste tipo de poder, leva-nos ao seguinte questionamento:
o que atribui o poder observado no fenômeno da discriminação? A resposta
mais próxima é o pertencimento, cujo aspecto central é o compartilhamento de
características que definem o grupo. Embora essa reflexão reconheça a
existência de diversas formas de grupo, o que está sendo afirmado aqui é o
aspecto do pertencimento, apresentado como fonte do poder expresso no
fenômeno da discriminação. Pertencer ao grupo racial branco é a fonte do
poder ostentado que permite discriminar o negro, assim como pertencer ao
gênero masculino permite discriminar o gênero feminino, etc.
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2.2 Identidade e Diferença
13
Na disputa pela identidade está envolvida uma disputa
mais ampla por outros recursos simbólicos e materiais. A
afirmação da identidade e a enunciação da diferença traduzem
o desejo dos diferentes grupos sociais, assimetricamente
situados, de garantir acesso privilegiado aos bens sociais... O
poder de definir a identidade e de marcar a diferença não pode
ser separado das relações mais amplas do poder. (Silva, 2000,
p.. 81).
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Nesta direção, enfocando as relações raciais, objeto desta reflexão, Teun
A. Van Dijk, autor de carreira ampla e expressiva1, cujo alcance envolve
diversas áreas, dentre elas a Psicologia, Sociologia e Análise do Discurso, vem
desenvolvendo e coordenando pesquisas sobre questões relativas ao racismo
na Europa e na América latina. Em seu mais recente livro, Racismo e discurso
na América Latina (2008), coordena um trabalho em conjunto com
pesquisadores da América Latina, cujas pesquisas revelam as dimensões do
racismo nos discursos de 8 países, incluindo o Brasil. Tal trabalho desvela as
estratégias e articulações do discurso racista, que perpassam diversos setores
da sociedade, permitindo sua sobrevivência, dificultando sua apreensão e seu
combate.
1
Atualmente, professor visitante no Departamento de Tradução e Filologia da Universidad Pompeu Fabra
(Espanha). Ph.d Pela Universidade Livre de Amsterdã, especializado em Língua e Literatura Francesa, em Teoria
Literária e Lingüística. Fez pós‐doutorado em Berkeley, Califórnia (EUA). É Doutor Honoris Causa das universidades
de Buenos Aires e Tucumã (Argentina). Atuou também como professor na Universidad Católica de Valparaíso, na
Unicamp, na Universidade de Bielefel (Alemanha) e na Universidade de Amsterdã. Autor de diversos livros e
trabalhos publicados em países como Holanda, Brasil, Inglaterra, Itália, Espanha, China, Argentina, Alemanha e
Rússia.
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• Onde a desigualdade foi reconhecida, foi atribuída à classe,
sem investigação das raízes da pobreza.
16
a) a sub apresentação do negro nos diversos meios é
tônica.
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Importante exemplo desta atuação da elite simbólica, abordando o uso
mítico religioso do conflito entre branco e negro, é retratado por Clyde W. Ford
(1999), no livro O herói com o rosto africano (Ford, 1999, p. 34 e 35).
2
antiga religião persa fundada no sVII a.C. por Zoroastro (ou Zaratustra), caracterizada pelo dualismo ético, cósmico
e teogônico que implica a luta primordial entre dois deuses, representantes do bem e do mal, presentes e atuantes
em todos os elementos e esferas do universo, incluindo o âmbito da subjetividade e das relações humanas [O
zoroastrismo influenciou em diversos aspectos doutrinários a tradição judaico-cristã.]
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O maior impacto produzido pela biologia do sec. XIX é o lançamento do
trabalho do evolucionista Charles Darwin 1809-1882. A eugenia nasce
oficialmente com o postulado evolucionista.
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Europa. Ao final do II Reinado, o Brasil é visto pelos Europeus, como um país
que tem o seu desenvolvimento comprometido em função da sua
miscigenação. Esta constatação, segundo Pietra, provoca na intelectualidade
brasileira a necessidade de criar uma nova concepção de Brasil.
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As propostas são: branqueamento pelo cruzamento, controle de
imigração, regulação dos casamentos, segregacionismo e a esterilização
(Diwan, 2007).
21
elite psiquiátrica nacional, médicos, educadores, juristas e intelectuais
em geral.
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3 Perspectiva Psicossocial: a realidade do contato
23
de forma unificada, conforme a definição da Gestalt-terapia. Por se tratar de
campo, organismo e meio, o contato é o funcionamento dessa fronteira que, ao
mesmo tempo em que limita o organismo, liga-o ao meio. Dessa forma, por
mais que os processos desencadeadores do comportamento possam ser
identificados dentro do organismo, só podemos executá-los a partir de um
parâmetro; em relação a algo. Mover-nos sobre algo, perceber algo, comportar-
se com relação a algo. No ponto exato em que se dá a interação, este é o
território da fronteira-de-contato. Assim, o funcionamento dessa interação
ocorre de forma satisfatória, quando o organismo pode retirar do meio os
elementos para a sua subsistência, assim temos a condição de saúde. Porém,
se por qualquer razão, o organismo não conseguir retirar, processar e assimilar
os elementos do meio, de forma fixa e crônica, temos um organismo doente.
24
como produções sociais, fruto de interações humanas, portanto regidas por
interesses sociais.
25
pequeno número de características do objeto/experiência tornando-os opacos,
vazios, frente às necessidades organísmicas.
26
sociedade que tabus e leis se desenvolvem, refreando o
organismo no interesse do supra organismo. (Perlsat al., 1997,
p 122).
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Os vetores da discriminação apresentados até aqui, dão conta de
explicar o símbolo Identidade e Diferença como componentes fundamentais na
diminuição do contato, seja na forma da desvitalização de figuras pelo excesso
de símbolos, seja na substituição da moral organísmica por uma moral
simbólica. Porém, há um elemento que necessita ser exposto para que
possamos compreender como a Identidade e Diferença, principalmente a
diferença, objeto da discriminação, mobilizam de forma tão intensa, respostas
do organismo, mesmo sendo símbolos.
A resposta para esta questão é dada por Perls (2002), Ego Fome e
Agressão, texto embrionário da Gestalt-terapia.
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A maior implicação social e objeto desta reflexão, é que algumas
identidades e as diferenças estão fundamentalmente marcadas com os
símbolos do bem e do mau. O ato político de produção de Identidades e
Diferenças fornece em escala social o material a ser introjetado, cuja relação
com estes passa a regular os contatos sociais, definindo a forma de tratar e
tratar-se, conforme a identidade portada. Ao desvelar nesta relação elementos
como self, self ideal, auto-estima, vergonha e culpa, revelam suas conexões
em sua totalidade, na discriminação.
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4 O Campo rompido
30
auto-preservação. Prisões, exílios, banimentos, deserdar, segregações, são
alguns exemplos.
Gary Yontef (1998), faz uma profunda leitura desta idéia através do
conceito de vergonha, revelando a dinâmica psicológica da desconexão
imposta ou auto-imposta, sendo fonte de grande sofrimento para o ser humano.
A consciência de saber-se através da relação como indesejável em função do
que se é, produz a informação de não apto à conexão.
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provavelmente sem alterar sua própria natureza essencial
(Wheeler 2005, p.66).
32
quando consegue aproximar-se do ideal apresentado pelo discurso. Vergonha
quando se distancia das pretensões, ilustrado na luta feminina com o seu
corpo, sua auto-imagem e o apetite em mulheres com distúrbios alimentares.
33
de origem, fragmentando os laços familiares e interpessoais que são a herança
coletiva de um povo.
34
5 Considerações finais
35
racismo; o conflito da mulher e seu corpo soma-se ao racismo; ser estrangeiro
soma-se ao racismo.
Esgotar este assunto não era minha pretensão e nem acredito se tarefa
para uma vida, porém, se ao menos uma pessoa parar para refletir sobre o
assunto, acredito que este trabalho tenha cumprido a sua função.
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O que essas experiências apresentam em comum além da dor,
sofrimento e esperança? O olhar atendo de um profissional permitindo-se ser
tocado pelo sofrimento alheio.
Encerro essa trabalho com a resposta dada por Jane Elliott3 (1996) no
documentário “olhos azuis - blue eyed” ao ser questionada sobre o que uma
única pessoa poderia fazer contra a discriminação: "No final da Segunda
Guerra Mundial, quando eles limpavam os campos de concentração na
Alemanha, um ministro luterano disse: ‘Quando se voltaram contra os judeus,
eu não era judeu e não fiz nada. Quando se voltaram contra os homossexuais,
eu não era homossexual e não fiz nada. Voltaram-se contra os ciganos, eu não
era cigano e não fiz nada. E quando se voltaram contra mim, não havia
ninguém para me defender’. Pensem sobre isso."
Poder refletir sobre este tema, é também re-significar meu olhar sobre o
passado, é a oportunidade de compreender a figura do Pai João, tão criticada
pelos movimentos negros mais radicais. De certa forma o Pai João silenciava
diante das agressões pois parece que compreendia que reagir naquele
momento, poderia causar um reação violenta sobre aqueles que como eu ainda
não podiam se defender, pois necessitávamos de maior proteção e cuidado
para que pudéssemos hoje viver as mudanças promovidas por todos aqueles
que acreditam que sim nós podemos ter um mundo melhor, pois temos ainda
um sonho para realizar, um sonho coletivo de muitas almas que pelo tamanho
e magnitude só pode ser realizado por muito.
3
Jane Elliott A professora e socióloga Jane Elliott ganhou um Emmy pelo documentário de 1968 "The Eye of the
Storm", em que aplicou um exercício de discriminação em uma sala de aula da terceira série, baseada na cor dos olhos
das crianças. Hoje aposentada, aplica workshops sobre racismo para adultos.
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Referências Bibliográficas
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Relatório de Pesquisa IBGE: Pesquisa nacional por amostra de domicílios
1999. [CD-ROM]. Microdados. Rio de Janeiro: IBGE, 2000. –
Disponível na internet:
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/indic
adoresminimos/tabela1.shtm#a112 – acessado maio 2006.
Salem, Helena – As tribos do mal: o neonazismo no Brasil e no Mundo – São
Paulo – Atual, 1995.SILVA, Tomás Tadeu da (org.). Identidade e
diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2000.
Teun A. Van Dijk (org.) Racismo e discurso na América Látina – São Paulo -
UNESCO, Ed. Contexto, 2008.
Yontef, Gary M.: Processo, Dialogo e Awareness: Trad. Eli Stern. São Paulo,
1998
Wheeler, Gordon - Vergüenza y Soleda: El legado Del individualismo.-
Santiago de Chile – Ed. Cuatro Vientos, 2005.
Yuka, Marcelo – Música: Minha Alma, O RAPPA – Lado A, Lado B, 1999.
Veloso, Caetano – Música: Fora da ordem – CD Circuladô – Polygram, 1991.
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