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O TAOÍSMO

Textos das fontes. Comentários de J. Gouveia Monteiro

1. Introdução: Fontes (Tao Te Ching, Zhuangzi) e Autores (Lao Zi, Zhuangzi)

 Os dois textos seminais:


- O Tao Te King/Ching [vulgarmente atribuído a Lao Zi, c. séc. VI a.C.? as
estimativas variam entre c. 600-500 a.C. e 460-380 a.C.; terá existido mesmo? É um
texto seminal (é o primeiro e o mais importante do Taoísmo e uma das principais
fontes de inspiração para os pensadores chineses, incluindo Confucionistas e
Budistas).

- O Tao Te Ching é, depois da Bíblia, a obra mais traduzida em todo o mundo!

- o «Dao De Jing» (lit: ‘caminho – virtude – uma obra de autoridade padrão/um


clássico’) foi traduzido como: «O Caminho e o seu Poder»; «O Livro do Tao»; «O
Livro do caminho». No Ocidente, desde a introdução do Dao De Jing (no séc.
XVIII), espalhou-se o conhecimento acerca do escrito de Laozi > tornou-se o livro
mais traduzido no Ocidente, a seguir à Bíblia! Tolstoi e Heidegger, p. ex., beberam
nele. Heidegger até tentou traduzi-lo, mas desistiu após vários dos capítulos iniciais.

- O Tao Te King («Daodejing»), «O Livro do Caminho e da sua Virtude», célebre


no Ocidente, foi escrito para o governante de um pequeno Estado. Autor:
pseudónimo Lao-Tsé («Velho Mestre»). Anonimato quiçá intencional.
Generosidade.

- Para compreender a China, é crucial conhecer o Taoísmo.

- o Zhuangzi: [Zhuangzi: c. 365-290 a.C.] é um livro profundo e genial. Tem


grande vitalidade e originalidade. Juntamente com o «Dao De Jing», trata-se do
texto mais significativo do Taoísmo, cuja essência é: a crença de que existe uma
unidade subjacente, o «dao», o caminho, a qual transcende todas as distinções
particulares de coisas e acontecimentos.

1
- É difícil ler Zhuangzi! Se não ficarmos sem entender algumas passagens, então é
sinal de que não o lemos de forma séria!

- Como traduzir o Zhuangzi? Nem sempre é fácil a opção entre seguir fielmente o
texto (ao ponto de preservar a sua ambiguidade), ou ceder ao desejo de o tornar
inteligível

- As versões disponíveis do Zhuangzi incluem acrescentos de autores posteriores e


aquilo que foi preservado ao nível dos comentários na tradição interpretativa.

- Zhuangzi = uma fonte de inspiração para a poesia e para a pintura da natureza


praticadas na China. (Höchsmann-Guorong, 2016, p. XV).

- há ainda o Livro de Liezi (ver infra, pg. 105!). Trata-se de uma introdução
envolvente ao Taoísmo e é mais acessível do que as outras duas obras. Pensa-se que
não é uma obra original de Liezi (um taoista lendário, c. 600 ou c. 400 a.C.), mas
antes uma compilação de ideias aparentadas, incorporando os ensinamentos de
Liezi e de Yangzhu (440-360 a.C.).

2. As dificuldades de leitura e interpretação dos textos chineses antigos

 Os caracteres e a sua interpretação:


- «Mesmo para um chinês, a interpretação de textos chineses antigos é
problemática, porque a escrita clássica chinesa era diferente e o significado de cada
caracter é por vezes difícil de determinar com rigor» (Campos, 2010, p. 15).

- «Com efeito, a cada caracter chinês não corresponde geralmente um significado


abstracto preciso, mas sim outro muito mais concreto, a que podem corresponder
em simultâneo vários significados. É esta característica da escrita chinesa que
permite que muitas frases do Tao Te King adquiram facilmente uma dimensão
poética, evocando simultaneamente, a um mesmo leitor, várias leituras diferentes».
(Campos, 2010, p. 15).

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 Os suportes dos manuscritos chineses antigos e a precariedade da escrita: a
precariedade da escrita antiga: ideogramas ou caracteres ainda em fase de
consolidação, gravação em pedra, em lamelas de bambu ou em seda…

 As cópias e as variantes:
- As cópias e as variantes, ao longo da transmissão do manuscrito. Note-se que os
«quatro tesouros do letrado» (papel, pincel, tinta da China e tinteiro) só apareceram
com a dinastia Han (206 a.C.-220 d.C.).

3. A China dos sécs. VI a IV a.C. – de Lao Zi a Zhuangzi

 O contexto político e social:


- A China feudal e despótica do tempo de Lao Zi e Confúcio: ainda por unificar,
dividida em feudos, em reinos governados por príncipes e senhores da guerra.
[Primavera e Outono = 770-c. 481 a.C.; Reinos Combatentes = c. 475-221 a.C.]

 O contexto cultural e mental:


- Atenção: devemos evitar ler os textos clássicos da China à luz das categorias
filosóficas ocidentais. Contrariamente ao que sucede no Ocidente, os escritos
filosóficos chineses mostram-se notavelmente libertos de vocabulário técnico
acessível apenas a académicos.

- Conhecer o pensamento filosófico chinês ajuda-nos a compreender o


desenvolvimento da mente humana > perguntas práticas e importantes, difíceis de
responder: como vamos viver? Como pode existir florescimento individual e, ao
mesmo tempo, comum? Como poderemos ser iguais e livres? O que é real? O que
podemos saber? Qual é a felicidade suprema?

- Kant e Hegel achavam que na China não havia filosofia. Para Kant, em
Confúcio não há nada definido, além de uma moral comum colocada sob a forma de
uma boa e sã doutrina; mas quase todos os povos fizeram isto, alguns até de uma
forma melhor! Kant achava que Confúcio era apenas um homem que tinha uma
certa sabedoria prática e mundana (cf. Kant, Lições de História da Filosofia).

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- os chavões do Ocidente, como se pode perceber em Kant: um verdadeiro
conceito de virtude e de moralidade não entrou nas cabeças dos Chineses; o seu
mestre Confúcio, nos seus escritos, não ensina senão uma doutrina moral destinada
aos príncipes. Comentário de Höchsmannn e Guorong: esta abordagem da
filosofia chinesa com chavões piedosos, assim como a visão do Taoísmo como uma
escola puramente mística, ainda hoje persiste no Ocidente!

- O ponto central do pensamento filosófico chinês: saber qual a conexão entre a


vida moral e o dever político. Todos os pensadores antigos chineses consideram a
mesma questão: como viver uma vida ética num mundo de caos, sofrimento e
injustiça?

- A China nos séculos VI a III a.C. > tempo de transição, incerteza e divergência.
(p. 4). A evolução da filosofia: os filósofos querem travar a crise. Tal como na
Grécia, a filosofia chinesa surge num contexto de desunião e de caos.

- Na China, a filosofia cumpriu o papel que a religião assumiu noutras


civilizações: uma fonte crucial de moral e de inspiração espiritual, e um guia de
conduta ética. O caráter não especulativo da filosofia chinesa. Quando analisa a
pergunta «Qual é o caminho?», fá-lo de forma prática, sem preocupação
especulativa. As questões morais urgentes eram: «Como devemos viver?»;
«Como deve o império ser governado?». (Höchsmann e Guorong, 2016, p. 5).

- O pensamento filosófico chinês é sincrético, holista, complementar e agregador


(cf. Yin e Yang). Pelo contrário, o Ocidente é analítico e categoricista. (Höchsmann
e Guorong, 2016, p. 6). Taoísmo = um grande exemplo do holismo chinês. (p. 6).

 Os três grandes períodos filosóficos e as grandes escolas:


- Os três grandes períodos da filosofia chinesa antiga (Clássico; Budismo;
Neoconfucianismo):
 as 100 escolas da era clássica, das quais as 3 maiores eram:
Confucianismo (cultivo da conduta ética baseado na benevolência e na
retidão); Taoísmo (regresso a um estado anterior de simplicidade, livre
de rituais e instituições)1; e Mozismo (amor universal para pôr cobro a
1
Diferenças entre Zhuangzi e Confúcio: este último procura transformar o indivíduo através da educação.
Já Laozi e Zhuangzi acreditam numa natureza nutritiva e em deixar as coisas seguir o seu curso natural.
Confúcio é o alvo principal de Zhuangzi; em episódios inventados, ele é retratado na companhia de
discípulos seus a perseguir os sábios taoistas que fogem com medo da contaminação Mas Zhuangzi

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todas as contendas e conflitos). Outros 4 movimentos influentes:
Legalistas (anti-tradição, visam criar novas instituições); Lógicos;
Hedonistas (felicidade resulta da satisfação dos desejos); Yin e Yang
(complementaridade dos contrários faz mover o universo).
 O Budismo, a partir do séc. I. Grande crescimento e influência forte no
séc. VII.
 O Neoconfucianismo: nas dinastias Song (960-1279) e Ming (1368-
1644) a síntese formidável dos contributos do Confucianos, dos
Taoístas, dos Mozistas e dos Budistas > Confúcio deu a moldura;
Taoísmo, Budismo e Mozismo contribuem para o enchimento.

(FASE 1)

 As 100 ESCOLAS DE FILOSOFIA - O LEGALISMO: Durante a dinastia Qing


(221-206 a.C.): uma estratégia de governo advogando leis baseadas não em valores
morais, mas sim na eficácia em manter a ordem e a estabilidade. O termo «Escola
Legalista» só foi adotado em 90 a.C.). Dava prioridade ao mérito, em vez do
sangue. Hanfeizi (m. 233 a.C.): o maior sistematizador desta escola. Eficácia e
autoridade da lei (vs. Reis sábios, virtude, moral…). Objetivo das Leis: não
correspondem à ordem natural, ou ao desejo do Céu, antes devem ser adaptadas
para se adequar a um propósito em apreço. Visão política e não moral da lei.
Virtude e bondade não chegam: há poucos homens naturalmente bons! O que
interessa é a prática, e não discursos vazios. As leis devem conter a inveja e o ódio
naturais (# Mozi).

- As 100 ESCOLAS DE FILOSOFIA – O MOZISMO: Mozi (479-438 a.C.):


amor universal. Cf. documento sobre o Confucionismo.

- As 100 ESCOLAS DE FILOSOFIA – OS LÓGICOS: Hui Shi: com ousadia,


anunciou a chegada de uma forma inteiramente nova de investigar o Céu e tudo o
que acontece debaixo dele. Lançou a Escola dos Lógicos (também conhecida por
«Escola dos Nomes», ou, antigamente, por «Dialécticos», ou «aqueles que
discutem»). (p. 24). Perderam-se todos os trabalhos dos Lógicos, com exceção do

aproveita mais de Confúcio do que se pensa; de certo modo, Zhuangzi serviu a causa de Confúcio à sua
maneira… Ele admirava o Mestre Kung, o que ele criticava era sobretudo o formalismo e o ritual vazios,
a negligência quanto às necessidades do povo, a presunção e reivindicação de autoridade sobre a
Antiguidade, as doutrinas e disputas estreitas entre as diversas seitas do Confucianismo tardio. Isso é que
provocava a censura de Zhuangzi, que acabou por aprofundar o pensamento de Confúcio desafiando-o da
forma mais dura possível. Mas Zhuangzi reconhece a intenção sincera e a coragem de Mestre Kung.

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livro Gongsun Longzi. (p. 24). Os Lógicos foram pioneiros: além dos Mozistas
(que exploraram a lógica e a ética), foram os únicos pensadores da China antiga
cuja área prioritária de investigação era a lógica. (p. 24). Os problemas filosóficos
debatidos pelos principais representantes desta escola, como Hui Shi (c. 380-305
a.C.) e Gongsun Long (n. 380 a.C.) incluíam: metafísica, epistemologia, filosofia da
mente, filosofia da linguagem e lógica. A principal preocupação = a clarificação
conceptual e a investigação acerca da natureza da existência, da relatividade, do
espaço, do tempo, da qualidade, da atualidade e da natureza da existência. (p. 24).
Gongsun Long sublinhou a universalidade e a permanência. Hui Shi a relatividade
do espaço e do tempo, e a mudança. (p. 24). os Lógicos tinham fascínio pelos
paradoxos da linguagem e do pensamento; justapuseram/ depoimentos
contraditórios, à maneira de poesia surrealista (v. exemplo em Zhuangzi 33, pp.
315-316).

As críticas de Zhuangzi e de Xunzi aos Lógicos, obcecados com o paradoxo e


disputação implacável > «eles venceram homens em debates, mas não
conseguiram dominar as suas mentes, mantendo-os confinados nos limites dos
seus argumentos» (Zhuangzi 33, p. 316). O que faltava aos Lógicos: foram
demasiado longe nas suas análises das ideias, da linguagem e do pensamento.
Amarem a verdade era um ponto a seu favor, mas não devia ter sido apenas para
evidenciar as fraquezas do raciocínio dos outros, mas também para procurar
modelos e regras que pudessem conduzir à descoberta de novas verdades.

(FASE 2)

- O BUDISMO: influência e originalidade do Budismo: alimentou a imaginação de


filósofos de ponta, de poetas e de pintores; levou povos diversos a pensar mais
profundamente e a unificar as suas experiências e pensamentos centrados na
possibilidade de atingir a iluminação através do esforço individual. Ao oferecer a
iluminação e a supressão do sofrimento e da compaixão, o Budismo abriu novas
possibilidades acerca daquilo que constitui uma vida moral.

O Budismo na China: nos sécs. IV e V, os pensadores budistas chineses eram


bastante versados nos clássicos confucianos e também nos escritos de Laozi e da
Zuangzi. A explicação das doutrinas budistas com recurso às ideias taoistas configurava
o «método analógico», que facilitava a compreensão (ex: a «grande unidade», um termo
taoista, era usado como sinónimo de sabedoria e omnisciência do Buda). As 4 grandes
escolas budistas na China (com diferentes explicações sobre a natureza, o processo e o
tipo de renascimento, e sobre as possibilidades da vida eterna):

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- Terra Pura (Jing Du): enfatiza a fé em Amitabha [cap. sobre o
Budismo: Amida] que pode salvar todos os seres e proporcionar o seu
renascimento na terra do Paraíso Ocidental. Apela sobretudo ao
coração.
- Montanha do Terraço/Planalto Celestial (Tian Tai): valoriza uma
abordagem racional do estudo das escrituras + meditação = o caminho
certo para alcançar a iluminação. Apela sobretudo ao intelecto.
Identifica a absoluta natureza do Buda em cada um dos fenómenos.
- Esplendor da Flor / 100 Flores (Hua Yen): interconexão de todos os
seres; nada tem o seu próprio ser, tudo depende, para existir, do
conjunto do reino da realidade.
- Chan (Zen): defende o abandono do discurso racional e do estudo das
escrituras, em prol de uma apreensão intuitiva da natureza do Buda,
num momento de iluminação súbita.

 Primeiras pinceladas acerca do Taoísmo:


- As várias teses sobre as origens e a essência do Taoísmo: não é possível
localizar com precisão o seu surgimento. Não se sabe se tem raízes em antigas
tradições orientais além da China. Alguns acham que a origem do Taoísmo é
religiosa, e não filosófica, mas outros questionam a distinção entre «Taoísmo
filosófico» e «Taoísmo religioso» (sustentam que o 2.º é a prática do 1.º).

- Também se disse que o Taoísmo não é apenas uma doutrina religiosa, mas está
intimamente ligado às atividades tradicionais e às práticas da vida quotidiana
na China.

- Tem-se ainda sublinhado que o Taoísmo não é um sistema unificado de crenças e


uma única religião, mas sim uma amálgama de revelações e doutrinas.

- Enquanto toda a vida e toda a natureza sofrem uma transformação contínua, os


Taoístas afirmam que existe uma realidade constante duradoura – o «dao».

- O dao é central em todas as Escolas de pensamento > é a base da ética e da


realidade.

- Do ponto de vista moral, o Taoísmo insta-nos a que nos esforcemos por viver em
completa harmonia com o inteiro universo e a alcançar a liberdade intelectual
e moral absoluta/completa

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- A influência do Livro das Mutações. Mas é no Dao De Jing que o dao alcança o
seu maior valor, enquanto ‘realidade final/última’. Lao Zi introduziu um conceito
surpreendente – o do «dao absoluto», que substitui o ‘dao do Céu’ e o ‘dao do
homem’, já conhecidos de épocas anteriores.

- o Invisível e o Manifesto: ambos se enraízam num nível ainda mais profundo


do ser, uma essência secreta das coisas, o «mistério sobre mistério». O nome?
Talvez «Trevas», a «porta dos múltiplos segredos».

4. O Tao Te Ching / Tao Te King / Dao De Jing:

 Configuração geral da obra e conteúdo de base:


- O Tao Te King é um texto filosófico curto, com pouco mais do que 5000
caracteres; foi originalmente conhecido como o Lao Tse («Velho Mestre»), ou
como o Texto das cinco mil palavras.

- Muitos associam-no a «poesia filosófica» > prosa ondulante e cadenciada,


algumas rimas, musicalidade, espécie de rimas internas, … Mas não: não se trata de
poemas, mas sim de «pequenos textos harmoniosos e vivos» a que chamamos
capítulos.

- O texto irradia sabedoria e fascínio. A cadência da escrita, «o sentido obscuro e


mágico das palavras arrastam o leitor para o inteligente, quase impossível exercício
de compreensão do claro, conciso e também hermético, misterioso e enigmático»

- Lao-Tsé escreve por paradoxos, para confundir o leitor, que deve descobrir a
conclusão por si só, ele escreve apenas as conclusões e não dá pistas! O governante
tem de percorrer ele próprio o Caminho, sem relatos em 2.ª mão!

- Lao Zi e os contrários sibilinos; «Em frases sibilinas, o livro de Lao Zi diz e


desdiz, afirma e nega, constrói e destrói, faz e desfaz» (Abreu, 2014, p. 25).

- temas vários, por exemplo: especulações acerca da origem do universo; conceito


do dao que governa toda a vida e a natureza; visão da justiça como benevolência;
defesa do ideal moral de viver em harmonia com o conjunto do universo (uma ideia
base importantíssima!)

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- Consta de 81 capítulos enigmáticos em verso. É mais espiritual do que os textos
dos legalistas, mas têm afinidades entre si > desprezo pelos Confucionistas; visão
paradoxal do Mundo (os objetivos apenas se alcançam se se perseguirem os seus
opostos.

- Lao-Tsé interiorizou os antigos ritos (potência mágica dos velhos reis) e


aconselhou os príncipes a «adquirirem uma conformidade com o Caminho interior e
espiritualizada».

- os pequenos Estados estavam em risco de ser aniquilados por Quin:


sobreviver retirando-se, apequenando-se, serenando a mente e o corpo > disciplina
do «wuwei».

 O título: dialetos, sistema pinyin, sistema de Wade-Giles:


- Qual o melhor nome do título da obra de Laozi? Tao Te Ching, Dao De Jing ou
Tao Te King? Os problemas do sistema de transliteração «hanyu pinyin» (imposto
pelo PC chinês a partir de 1979): tem virtudes, mas também defeitos (em especial
na leitura das consoantes).

- O pinyin remete para Dao De Jing. Mas o sistema Wade-Giles (o mais antigo de
transliteração para língua inglesa) opta por Tao Te Ching. Também é vulgar
encontrar Tao Te King. Ora, «jing» (ou «ching», ou «king») significa «livro
canónico», ou «obra clássica».

- Mas de onde vem o Tao Te King? É que «jing» ou «ching» pronuncia-se «king»
nos dialetos das vastas regiões a Sul do rio Yangtsé (ex: Xangai) e «keng» na zona
de Cantão. A Escola Francesa do Extremo Oriente e as traduções francesas usam
muito o título Tao Te King.

- Os problemas com o Dao De Jing do pinyin: em chinês mandarim não existe o


som «d», nem os fonemas de «dedo» ou «dado», mas apenas o «t» de ‘tacto’ ou de
‘tecto’. Nenhum chinês ao falar mandarim lê o caracter correspondente como «dao
de», mas sim como «tao te» (com os dois tês não aspirados).

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- É o sistema de Wade-Giles que nos oferece a leitura mais aproximada (Tao Te
Ching) dos três caracteres, de acordo com o mandarim, a língua padrão da grande
China e de Taiwan. É esta também a romanização mais adequada dos três
caracteres chineses que constam do título do livro de Laozi. Aliás, muitos sinólogos
em todo o mundo, e muitos letrados chineses em obras recentes, já usam esta
solução.

 Significados literais do título e subtítulo:


- O nome atual, geralmente traduzido por Livro da Via e da Virtude, decorre das
palavras que iniciam cada uma das duas secções principais da obra: Livro do Tao
(dáo jïng) e Livro do Te (dé jïng). A palavra King designa um livro considerado
como um clássico.

- Tao significa «via« ou «caminho», usa-se para nomear aquilo que existe de mais
profundo e misterioso na realidade. Te quer dizer «virtude» ou «conduta», é um
termo usado pelos Taoístas para designar a manifestação do Tao no mundo.

- Considera-se que, graças a Confúcio e a Lao Zi, o grande imperador Han Wendi
governou a China (de 197 a 157 a.C.) com sabedoria e simplicidade. E que o filho e
sucessor (Han Jingdi) foi quem deu finalmente ao livro o nome de Tao Te Ching

- O Tao (Dao, Via ou Caminho) e o Te (De, a Virtude ou o Poder através da


Virtude). A doutrina de Laozi conduzia à quietude e ao indefinível.

 Autoria e época de redação:


- Segundo a tradição, terá sido escrito por volta do séc. VI a.C., por um filósofo
conhecido por Lao Tse (pronúncia: Láu-tz). (Campos, 2010, p. 17).

- O Tao Te Ching, obra atribuída a Lao Zi, «será anónima, posterior à sua [de Lao
Zi] existência real, redigida provavelmente no início da dinastia Han (206 a.C.-220
d.C.), talvez seja até da autoria de diferentes letrados». (Abreu, 2014, p. 7).

- As 3 versões de Goudian (próximo da atual cidade de Jingmen, na província de


Hubei), descobertas em 1993: 16 textos gravados em lamelas de bambu e que
correspondem a 3 versões, que seguem muito de perto os capítulos clássicos do Tao
Te Ching; datadas provavelmente do séc. III a.C. Mas a ordenação dos capítulos é

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diferente: começa com o TE (ou DE: Virtude ou Poder), e só depois vem o TAO
(DAO: Via ou Caminho).

- As duas versões do túmulo de Mawangdui (fechado em 168 a.C.): pintadas sobre


seda e datadas da dinastia Han. Apresentam leves variantes relativamente ao texto
tradicional. O Ms da gruta de Dunhuang (província de Gansu), descoberto nos
inícios do séc. XX: deve datar dos inícios da era cristã; tem o Tao Te Ching em
4999 caracteres!

- Já no séc. II a.C. havia dúvidas quanto à autoria da obra. Hoje, muitos


sinólogos acham que «nenhuma das personalidades históricas propostas na
literatura chinesa como sendo Lao Tse é convincente, podendo de facto ser uma
personagem fictícia»; a coerência global do estilo e do conteúdo sugere que pode
ser uma «apresentação dos ensinamentos de um velho mestre, incluindo
eventualmente algumas contribuições posteriores» (Campos, 2020, p. 17).

- Como a autoria não foi posta em causa antes do séc. II a.C., pode tratar-se de uma
compilação de textos taoistas realizada ao longo de vários séculos» (pp. 17-18). Há
capítulos que pelo seu tema ou estilo sugerem uma autoria diferente; e as várias
secções começadas por «Por isso», «Assim», «Então», ou «Por isso, uma pessoa
sábia» sejam comentários posteriores. (Campos, 2010, pp. 17-18).

- Os diferentes aforismos devem ter sido transmitidos primeiro oralmente e depois


por escrito, através de várias gerações de pensadores. (Campos, 2020, p. 18).

 O que sabemos sobre Lao Zi? O depoimento de Sima Qian:


- Quem foi Laozi («Velho Mestre»)? Ele está envolto em lendas: que nasceu de
uma estrela cadente; que veio ao Mundo com 60 anos e que logo revelou
piedade filial, curvando-se perante os seus pais… Sima Qian (163-85 a.C.) diz
que ele se esforçou por se esconder e por permanecer sem nome. A tradição diz
que ele foi arquivista no tribunal/corte da província de Henan (no Norte), e
que expressou as suas ideias no Dao De Jing a pedido de um guarda
alfandegário quando estava a regressar de um Estado turbulento. Atualmente,
há algum ceticismo quanto à existência real de Laozi e à originalidade do
DDJ (pode ser uma compilação e não uma obra original de um filósofo). Laozi
pode ser visto como um singular coletivo, referenciando o conjunto dos
putativos compiladores!

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- As datas de vida Lao Zi: as estimativas variam entre c. 600-500 a.C. e 460-380
a.C. Não sabemos ao certo quando Lao Zi viveu, ou até se terá existido mesmo!
(Abreu, 2014, p. 7).

- Lao-Tsé viveu quase de certeza no séc. III a.C. (# Karl Jaspers, que o situa no
séc. VI a.C.). (Armstrong, 2009, p. 16).

- A história popular da gravidez da mãe, chamada Li Shi: engravidou ao engolir


uma pérola de cinco cores caída do Céu. A gestação de Lao Zi terá durado … 81
anos!

- Sima Qian (146-85 a.C.): o maior historiador chinês, apresenta nas suas
«Memórias Históricas» uma pequena biografia de Lao Zi; aqui, diz que ele era
natural da aldeia de Qurenli (comuna de Lixiang, distrito de Kuxian, o reino de
Zhou), no atual distrito de Luyi, província de Henan (ou Honan). Acrescenta ainda
que o seu nome de família era Li, o apelido Er e o nom de cortesia era Dan. E conta
que ele ocupou funções de bibliotecário nos arquivos do reino de Zhou.

- A fiabilidade de Sima Qian: embora se baseasse na tradição oral («ouvi


contar/dizer»), tem fama de ser rigoroso, preciso e fiável. No entanto, esclarece-nos
pouco sobre Lao Zi, sobre o Tao Te Ching e sobre o Dao.

- Sima Qian diz também que Confúcio visitou a capital do reino de Zhou e se
encontrou com Lao Zi, para o interrogar acerca dos homens e dos ritos a cumprir na
vida em sociedade. Lao Zi ter-lhe-á dito que o sábio de excelente virtude mostra-se
(no rosto e na aparência exterior) como se fosse um pobre diabo. Renunciai ao
orgulho (diz Lao Zi a Confúcio), «aos infindáveis desejos, lançai fora tanta ambição
e vaidade» (p. 8). Note-se a crítica severa ao pensamento e oral de Confúcio, a
retomar em textos taoistas posteriores.

- Sima Qian e o encontro (uma ou duas vezes) entre Lao Zi e Confúcio (n. 551
a.C.): Lao Zi seria uns bons anos mais velho do que Confúcio. Este último fixou um
bom sistema de valores, uma moral, regras e éticas; a sociedade chinesa assumiu
esta orientação, mas raramente a cumpriu…

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- Lao Zi viveu muitos anos na capital (atual cidade de Luoyang, na província de
Henan) e presenciou o declínio das instituições do reino. A história da alfândega:
resignou ao cargo [de bibliotecário] e viajou para Ocidente; na passagem por
Hangu, o comandante militar Yin Xi pediu-lhe que escrevesse um livro sobre a arte
de viver. Assim nasceu o Tao Te Ching, com os seus 5 mil carateres, dedicado ao
significado do Tao e do Te. Depois partiu montado num búfalo e desapareceu por
detrás das montanhas (citado por Jean Grenier). Para onde é que Lao Zi terá ido:
para a Índia? Para o Tibete?

 Organização interna da obra; o seu estilo:


- As 2 secções principais do Tao Te King e os seus 81 capítulos = surge pela 1.ª
vez numa versão do séc. II a.C., supostamente devida a Heshang Gong. Contudo, há
versões com um número diferente de capítulos, e até com as duas secções
invertidas.

- Sabemos que um letrado chamado He Shanggong (179-159 a.C.) compilou a obra


única de Lao Zi, distribuindo o texto por 81 caps. Muito mais tarde, outro letrado,
Wang Bi (220-244 d.C.), fixou, comentou e anotou todo o texto, sempre com 81
capítulos mas com certas variações.

- O n.º 81: talvez superstições associadas à religião taoísta > 81 é um número


sagrado, corresponde ao Céu e ao atingir perfeito das qualidade Yang. A lenda
também diz que Lao Tse teria morrido com 81 anos.

- O: 81 é nove ao quadrado; 9 é três ao quadrado n.º 81 e a aritmologia simbólica da


dinastia Han; o n.º 3 = associado ao Céu-Terra-Homem; o n.º 9 = organiza o
disperso; o n.º 81 = é a unidade na diversidade.

- As duas partes do Tao Te Ching: o TAO (primeiros 37 caps.); o TE (restantes 44


caps.). (Abreu, 2014, p. 9).

 Versões e traduções do Tao Te Ching:


- As nuances das várias versões: são bastante concordantes, só que há alguns
caracteres distintos (mas em geral sinónimos, com pronúncia diferente; ou então
homófonos, mas com significados distintos). Também há encadeamentos diferentes
das várias passagens e alguns textos adicionais em certas versões.

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- A versão mais fiável, de entre as que chegaram até nós: é a que acompanha os
comentários ao Tao Te King feitos por Wang Pi (226-249 d.C.), um jovem mas
precoce filósofo chinês. Pensa-se que será a edição tida como mais autorizada
disponível no seu tempo, devendo ter resultado do trabalho de muitos eruditos
anteriores.

- As traduções ocidentais foram muito influenciadas pelos comentadores chineses


que interpretaram o Tao Te King com base em sistemas de pensamento que
surgiram mais tarde na China.

- Muitas outras traduções para português, a partir do francês e do inglês. O trabalho


de Cláudia Ribeiro também merece destaque (v. detalhes na p. 23

- Há muitas traduções assassinas, claro! E o significado e pronúncia dos caracteres


também se foi alterando com o tempo. Quem quiser fazer uma tradução meramente
literal acabará por produzir um «emplastro». (Abreu, 2014, p. 20).

 Cf. Arthur Walley (1889-1966), um dos maiores sinólogos de língua


inglesa: o tradutor deve ter presente que o mais importante no Tao Te
Ching é, não a sua qualidade literária, mas sim as coisas que diz, o seu
conteúdo.

- As quatro melhores traduções para inglês: Arthur Walley, D. C. Lau, Burton


Watson e David Hinton. Destaque também para o trabalho bilingue de Wang
Keping. E para a tradução francesa de Claude Larre.

- A 1.ª tradução portuguesa: c. 1760 (em latim), por um jesuíta português na


China? É duvidoso.

- a 1.ª tradução impressa em língua europeia: para francês, em 1842.

- O 1.º português a escrever sobre o Taoísmo: Manuel da Silva Mendes, nos


inícios do séc. XX. Em 1930 publica um novo estudo sobre a filosofia taoista, que
inclui um ensaio pioneiro dele sobre Zhuangzi!

14
- A 1.ª tradução chinesa-portuguesa do Tao Te Ching: pelo macaense Luís
Gonzaga Gomes (1907-1976), em 1952. A tradução é excelente, bilingue e com
uma bela Introdução. Chama Láucio a Lao Zi (latinizou o nome).

 A afirmação do Tao Te Ching na China antiga (com os Han, com os Tang, e


após a generalização do Budismo):
- Os Confucionistas adotaram diversos conceitos taoistas e isso deu origem à
«Escola Neoconfucionista» (ou «Escola da Razão»).

- Como há algumas afinidades entre as visões taoísta e budista do mundo, quando


foi introduzido o Budismo Indiano na China (séc. I) este foi em grande parte
interpretado usando conceitos taoistas.

- A dinastia Han (206 a.C. a 220 d.C.) alavancou e difundiu o Taoísmo, que então
ganhou verdadeira força pelo império.

- Os imperadores da dinastia Tang (618-907) consideravam Lao Zi (Li Er) um


dos seus antepassados (pois seriam da mesma família Li). Em 731, o imperador
Xuan Zong decretou que todos os mandarins deviam possuir uma cópia do Tao Te
Ching e que a obra passaria a fazer parte dos textos clássicos a estudar pelos
candidatos a letrados nos exames imperiais.

 A influência do Tao Te Ching na China e no Mundo atuais:


- Os vários aforismos do Tao Te King, isoladamente considerados, permitem
interpretações distintas, o que facilitou a apropriação da obra por escolas de
pensamento diversas; daí que tenha também dado a origens a numerosos
provérbios que subsistem hoje.

- As escolas confucionista e taoísta foram as únicas que sobreviveram ao tempo,


estabelecendo os dois modos predominantes de pensamento na China.

- A escola Taoísta: identificada com a palavra Tao, por ter atribuído conotações
novas a este termo, associando-o a uma abordagem diferente da Realidade Última.

15
- O Taoísmo inspirou calígrafos, pintores, músicos, poetas. «Na grande arte
chinesa, a imanência e permanência do Tao irradia montanhas de luz e lagos de
sabedoria»; e estende-se ao budismo «chan» (em japonês: «zen», do sânscrito
«dhyâna» ou meditação): um penetrante diluir dos pensamentos de Buda no
pensamento taoista. O chan/zen apenas chegou ao Japão no séc. XII, mas na China
teve mestres e vida própria desde o séc. VI (cf. Ana Cristina Alves, A Sabedoria
Chinesa, Casa das Letras, 2005, pp. 25-33).

- Cf. Tolstoi: tradução do francês para o russo. No seu Diário, a 10.III.1884,


escreveu que: «As pessoas deviam-se conduzir como a água de que fala Lao Zi.
(…) A água é a mais importante e a mais forte de todas as coisas». Cf. cap. 43 do
Tao Te Ching

- O valor moral do Taoísmo no mundo atual: harmonia entre toda a natureza e a


humanidade = objetivo supremo (v. Dao De Jing).

 Aviso à navegação: Taoísmo filosófico # Taoísmo religioso:

- desde o século II, o Taoísmo foi gradualmente «desvirtuado e adoptado como


religião ao assumir novos contornos, associado à busca da imortalidade,
incorporando um sem número de tradições populares, crenças ancestrais, a adoração
do céu e dos antepassados, a prática da alquimia, à mistura com alguma ética
confucionista e budista, e incontáveis superstições»

 cf. a questão da imortalidade: práticas ascéticas misturadas com a


frugalidade e a ingestão de certos pós e ervas que contribuirão para
desenvolver e fortalecer o «qi» (energia ou força vital), o que faz com que a
pessoa se torne independente do corpo material. > a morte como
metamorfose; o mortal torna-se imortal; «ao morrer, abandona o seu
corpo, mas agora viaja pelo mundo a seu bel-prazer, goza de uma saúde
perfeita e nada lhe falta para ser feliz. Onde é que Lao Zi nos fala de
tamanhos sortilégios?» (Abreu, 2914, p. 14).

 os templos taoistas de hoje: cheios de pequenos e grandes deuses: o


Supremo Imperador Celestial, a Rainha-Mãe do Ocidente, etc. Taoísmo

16
mágico-religioso também com deuses menores e espíritos muito variados,
incluindo o fengshui = a geomância (adivinhação com base na terra).

 Tudo isto difere bastante dos primeiros taoistas, para quem «a revelação
divina estará no coração de cada um, onde tudo é natural, límpido e escuro
como a sucessão dos dias e das noites».

 Taoísmo = Misticismo?
- O Taoísmo é misticismo? Em certo sentido, sim. Mas não é essencialmente
isso, no sentido de ter sido capturado/agarrado num momento inspirado de
revelação ou de união com o sobrenatural. Quer o Dao De Jing quer o Zhuangzi
fazem questão de explicar a natureza e o funcionamento do dao em termos de
experiência concreta e tangível, sem apelar a uma intuição especial que permita
apreender o reino da realidade para além da experiência ordinária/comum. As
explicações do dao como conceito metafísico e ético estão articuladas com
perceções comuns.

- Lao Zi e Zhuangzi criticam o escolasticismo excessivo, que não transformou o


mundo para melhor e tende a sufocar a espontaneidade e a liberdade de
pensamento. Mas, com isto, eles não descartam a razão em prol de uma
abordagem mística.

5. Zhuangzi (apresentação geral):

 O contexto em que viveu:


- A época de Zhuangzi (c. 365-290 a.C.): o «Período dos Reinos Combatentes» [c.
475-221 a.C.] e o colapso das doutrinas da Antiguidade; a fase das «Cem Escolas
de Filosofia». (Höchsmann e Guorong, 2016, p. 1).

- os últimos sábios axiais tinham contestado o dogmatismo e as ortodoxias e


avançado para o sincretismo. Mas era difícil escolher entre as diferentes escolas;
havia alguma confusão e desintegração:

«A desordem prevalece no Mundo – os sábios e os homens de valor já não


[nos] iluminam. O dao e a sua virtude [o de] já não são encarados como

17
universais. As pessoas em diferentes lugares pegam um vislumbre disso e
acham que o captaram na sua totalidade. Podem ser comparados à orelha, aos
olhos, ao nariz ou à boca. Cada sentido tem a sua própria função; as distintas
faculdades não são intermutáveis e por isso não podem compreender-se umas às
outras. Foi isto que sucedeu com os numerosos ramos das várias escolas»
(Zhuangzi 33, p. 309).

- Taoísmo em ascensão no tempo de Zhuangzi, o mais fiável e menos sectário dos


filósofos do seu tempo. Mas o Confucionismo ia recuperando: o 1.º imperador Han
[202 a.C.] retomou cerimónias e rituais > liturgia da corte; o imperador voltou ser
visto como «filho do Céu».

- O Taoísmo era pouco prático para governar com eficácia: o wuwei e o


esvaziamento não chegavam, faltava a orientação moral. A filosofia de Huang Lo
[síntese de Legalismo e Taoísmo que inspirou Liu Bang, o fundador da dinastia
Han, em Qin: modelo político centralizado com ideologia edificante] tornava-se
cada vez mais popular: alcançou o auge no reinado de Wen, da dinastia Han (entre
179 e 157 a.C.).

 A personagem: o que sabemos dela?

- Zhuangzi parece ter sido cuidador de um pomar de árvores de laca (cf. poema
de Wang Wei, da dinastia Tang, m. 761 d.C.).

- O elogio de Sima Qian (145-c. 86 a.C.) a Zhuangzi, no Historical Records: «A


sua capacidade literária e dialética era de tal ordem que os melhores académicos do
seu tempo foram incapazes de refutar o seu criticismo destrutivo das escolas
confucianista e mozista. O seu ensino era como uma inundação avassaladora que se
espalha sem controlo, de acordo com a sua própria vontade».

- A personalidade de Zhuangzi (segundo se deduz dos seus escritos): uma pessoa


de muita energia interior, de compaixão profunda, com um caráter forte e audácia
intelectual, alguém de sagacidade radical e de originalidade; era, com tudo isto, uma
personagem envolvente. Por mais do que uma vez declinou bruscamente os
convites de governantes para servir como conselheiro ao mais alto nível.

18
- Zhuangzi: é um pensador original e as suas ideias podem ser abordadas a partir
de diversos ângulos. É como um espelho e uma lâmpada refletindo e iluminando as
ideias que animaram o mundo chinês no período clássico.

- uma amizade improvável: Huizi e Zhuangzi (c. 370-311 a.C.), uma das grandes
figuras da Era Axial chinesa, adepto de Yangzi, adorava discutir com Huizi e sentiu
muito a sua morte em 319 a.C.

- Zhuangzi: viveu muito tempo como um marginal mal vestido, a dormir em


pardieiros; mas tinha uma mente fervilhante e original. Acabou por se distanciar da
dialética, muito restritiva. Se tudo era relativo, então a verdade podia estar em mais
do que uma corrente filosófica!

 discussões = questiúnculas que levavam a vitórias menores e egoístas.


 o Caminho = para além das noções humanas de certo/errado,
verdadeiro/falso. (Armstrong, 2009, p. 293).

- na altura da sua primeira retirada da vida pública, para obter paz e segurança,
Zhuangzi era adepto de Yangzi; mas depois percebeu que nenhuma criatura
pode ter vida absolutamente segura e protegida.

 ver a história da reserva de caça: o guarda-florestal apanhou Zhuangzi que,


de arco na mão, apontava a uma pega que atacou um louva-a-deus que
estava pronto para comer uma cigarra … «Zhuangzi suspirou de
compaixão: “Ah, assim é que uma coisa traz a desgraça a outra e depois a si
mesma.” Nenhuma dessas criaturas tomara conhecimento do perigo
iminente, porque estavam programadas para se caçarem umas às outras.
Voluntariamente ou não, estavam envolvidas numa corrente de destruição
mútua (Zhuangzi, 20: 61-68; pp. 209-210)».

- conclusão: nem um eremita podia viver uma vida totalmente isolada!


Huangzi deprimido durante 3 meses… Teses de Yangzi sobre a autoproteção
desacreditadas > não podemos escapar ao destino e estamos condicionados para
destruir/comer e ser destruídos/comidos … (Livro de Zhuangzi, 20, pp. 209-210
da ed. JGM).

 a paz só chegará quando nos reconciliarmos com o interminável processo


de destruição e dissolução.

19

- nova maneira de ver o mundo e a vida: tudo em fluxo e transformação
contínua, não vale a pena absolutizar /congelar pensamentos e experiências.
O Caminho do Céu não funciona assim.

- grande alívio de Zhuangzi, que perde o medo à morte e deixa de tentar


preservar a vida: Morte e vida, alegria e tristeza sucediam-se como o dia e a
noite. Quando morresse e cessasse de ser Zhuangzi, nada mudaria.
Permaneceria o que sempre fora no essencial: uma parte minúscula do
infinitamente mutante cortejo do universo.

 A obra homónima Zhuangzi:


- O Zhuangzi é uma compilação e varia em estilo e em conteúdo. Os primeiros 7
capítulos são atribuídos a Zhuangzi e o resto consiste em compilações feitas por
escritores mais tardios.

- As 33 partes/secções do Zhuangzi: 7 são do próprio Zhuangzi; as restantes 26


devem-se a compiladores. Não se trata de um tratado sistemático, nem de uma
exemplificação de um determinado método filosófico. Mas tem uma coerência
interna que é garantida pela poderosa imaginação filosófica de Zhuangzi.

- Arthur Waley observou que não é certo quais são os capítulos genuínos, pois
«não há provas de que as partes boas sejam anteriores às partes más»; «algumas
partes devem-se a um poeta esplêndido, mas outras são rabiscos fracos». (A. C.
Graham acha que os capítulos 23 a 33 incluem consideráveis remendos, que
parecem constituir anotações do próprio Zhuangzi.

- Trata-se de um texto com c. 2500 anos. E um texto que é de uma concisão


extrema, o que coloca o tradutor perante um dilema: ser sintético e
incompreendido; ou ser mais palavroso e deixar escapar a essência de Zhuangzi…
Como disse Goethe: «Por que trabalhas tanto sobre Homero? Em caso algum
chegarás a entendê-lo»…

- Inicio do livro = defesa da vida privada versus presunção dos Mozistas e


Confucionistas, que queriam ‘salvar o mundo’! > a política não modifica a

20
natureza humana, geralmente só piora as coisas. Ideal = o não-governo! Obrigar as
pessoas a obedecer a leis = antinatural e perverso (é como pôr cabresto no
pescoço dum cavalo).

 Originalidade, avanços e diferenças em relação a Lao Zi:


- Sou um homem a sonhar que é uma borboleta, ou sou uma borboleta a sonhar que
sou um homem? (Zhuangzi 2, p. 97).

- Zhuangzi está para além do tempo e do espaço. A sua maneira de pensar


transcende os conceitos convencionais de tempo, espaço, dever e posição social.

- Qualidade e diversidade literária de Zhuangzi. Com irreverência e ironia, ele foi


um desafiador das crenças das autoridades estabelecidas: «Saber apenas como
ordenar o conhecimento existente é quedar-se pela superfície» (Zhuangzi 22, p.
227).

- Zhuangzi foi crítico de tudo e de todos, em especial dos ‘imperadores sábios e de


Confúcio; nem Laozi foi poupado, ou o seu amigo Hui Shi, um lógico formidável.
Mas Zhuangzi também reconhecia o mérito dos seus adversários, como Confúcio.

- Sentido crítico apurado, versus teses instaladas. Espirito dialético. Diálogo


contínuo com as vozes de Laozi, Confúcio, Liezi e Huizi (o lógico dos paradoxos,
séc. IV a.C.), assim como com os seus próprios discípulos. Muitas vozes presentes!

- Zhuangzi contra a corrupção e o mau governo (desafia o governante de Wei).

- Como Zhuangzi expandiu Laozi: deu um significado filosófico mais profundo às


ideias e defendeu uma reapreciação crítica das autoridades académicas
estabelecidas e dos valores convencionais. Expandiu a doutrina de Laozi no sentido
de uma vida de liberdade e de espontaneidade, e da igualdade entre todos os
seres. Tinha uma visão ética do futuro, advogando o estabelecimento de limites
que evitem a invasão acelerada do enquadramento natural; nada deve
«perturbar o sossego nas montanhas e nos rios» e interromper o ciclo das quatro
estações do ano. Zhuangzi opunha-se às flechas e às redes que maltratavam os
peixes, os pássaros e os restantes animais, causando dano ecológico (cf. Zhuangzi 9,
pp. 133-135). Grande atualidade de Zhuangzi!

21
- Originalidade e independência de Zhuangzi relativamente aos clássicos: ele
parte da ideia clássica do dao, e de Laozi, para lançar/construir uma versão do
Taoísmo que é independente da ortodoxia do momento e da tradição arraigada de
veneração dos textos clássicos.

- A originalidade da filosofia de Zhuangzi: foi um ponto de viragem na história


do pensamento chinês. Ele dissolveu a moralidade vinculada às regras da
convenção e lança a ética num caminho totalmente novo. Os seus escritos
exploram os problemas centrais da filosofia: a natureza da realidade; a certeza do
conhecimento; o significado da vida; o Estado justo; a natureza da mente.

- O Zhuangzi contém muitas referências a lendas e invenções (de factos e de


personagens); ex: encontros de Confúcio com discípulos do Taoísmo; histórias,
analogias, ensinamentos morais, metáforas na base de uma teoria do
conhecimento…

- As raízes das ideias de Zhuangzi: remontam a Laozi (nascido c. 600 ou 400


a.C.). Ao contrário dos seus predecessores, Zhuangzi distingue-se pelo seu
temperamento e sensibilidade vibrantes, pelo seu pensamento penetrante e pela sua
cultura. Enquanto Laozi enuncia declarações oraculares de um antigo vidente,
Zhuangzi mergulha na natureza das experiências individuais e dos fenómenos
particulares, analisa as teorias filosóficas existentes e procura congregá-las num
todo coerente/compreensível.

- Zhuangzi mais próximo de Rousseau (bom selvagem; auto-suficiência). Platão


mais próximo de Confúcio. Ambos, Platão e Confúcio, acreditavam na harmonia
do Estado como o principal objetivo a ser atingido: para Platão, através da
educação adequada dos cidadãos e da manutenção de uma ordem social hierárquica
baseada na capacidade; para Confúcio através do cultivo da virtude e de uma ordem
social hierárquica baseada nas relações humanas naturais.

- Zhuangzi no coração do debate entre as quatro escolas filosóficas (Taoístas,


Confucianos, Mozistas e Lógicos). Zhuangzi não é um sofista: ele critica, mas
também constrói; expande o Mozismo no sentido da paz.

- Ecologismo de Zhuangzi: harmonia com toda a natureza. As estratégias políticas


de Platão, Confúcio e Zhuangzi divergem, mas têm objetivos comuns: harmonia

22
dentro do indivíduo e do Estado. Zhuangzi alarga a preocupação ética ao reino
da natureza e busca a harmonia com toda a natureza.

- Ética global, em vez de reivindicações individuais ou convenções sociais. «Seguir


a natureza», ou «seguir as leis da natureza» = ascender acima das preferências
individuais e dos costumes locais, e agir a partir de um platô igualitário.

- Todos podemos ser sábios, independentemente do estatuto, da propriedade e do


nascimento; todos podemos desenvolver graus de sabedoria e as virtudes dos
sábios: prudência, coragem, temperança e justiça.

- as táticas de choque de Zhuangzi para explicar a verdade aos outros: cantou no


velório da mulher (que grande escândalo!): primeiro tinha-a chorado, depois
recordou-a como um produto do “qi” e celebrou a sua passagem para o “dao” (a
maior das mansões) com a naturalidade da sucessão das 4 estações e de acordo com
o Caminho. (Livro de Zhuangzi 18, p. 192).

- deixar de pensar em si como indivíduos únicos e especiais possibilita passar pela


provação com distanciamento jovial, traz calma e alegria, reconcilia com o
Caminho do Céu, e essa sintonia é geradora de paz.

- Como definir o Caminho? Zhuangzi dizia ser impossível: «Não tinha


qualidades nem forma; podia ser experimentado mas nunca visto. Não era um deus;
existira antes do Céu e da Terra e estava para além da divindade; era mais antigo do
que a Antiguidade – porém, não era velho. Era simultaneamente ser e não-ser.
(Zhuangzi 6: 29-31, p. 118).

- Caminho = inúmeros padrões, formas e potenciais da natureza; é ele que ordena


misteriosamente as transformações do “qi”.

- tentar dominar/explicar o inefável = só conduz a discussões estéreis e egoístas;


selecionar uma teoria em detrimento de outras = distorcer a realidade, canalizar o
fluxo criador para uma só tese, da nossa autoria …

- única asserção válida = a que nos mergulha na dúvida e num luminoso sentido
da ignorância: não há “certeza” e é saber isso que conduz ao Caminho. O maior
obstáculo à iluminação = o nosso egoísmo, o eu inflado.

23
 A busca da síntese harmoniosa:
- Zhuangzi deve ser o mais filosófico de todos os pensadores chineses. E revela
grande capacidade para construir uma síntese filosófica e original de diferentes
perspetivas. A sua atualidade é manifesta.

- Zhuangzi não adere a nenhuma posição, antes examina sem cessar pontos de
vista opostos; cf. citação gira em Zhuangzi 33, p. 314.

- Zhuangzi é a busca da síntese, um esforço persistente para descobrir um ponto


prático de consenso, reconciliando visões distintas. Ele busca alcançar uma
conceção mais ampla do viver uma vida ética em harmonia.

- Benevolência, grandeza, magnanimidade:


«Amar os homens e ser benéfico para todas as coisas chama-se
benevolência. Pegar em coisas discordantes e chegar a um acordo chama-se
grandeza. Superar limites e diferenças chama-se magnanimidade» (Zhuangzi 12,
p. 147-148).

- Qual é a fonte das guerras/conflitos, se há uma harmonia pré-estabelecida e


superior aos poderes mortais? Cleantes [filósofo estóico, c. 330-230 a.C.]: isso
resulta dos que só pensam no seu lucro pessoal (fama, sexo…).

- Zhuangzi: reconhece os conflitos entre seres vivos na natureza; e não nos


manda agir como tigres ou lobos, mas apenas compreender o ponto de vista destes e
não tentar impor-lhes a nossa forma de ver! Tigres e lobos também são
benevolentes com as suas crias! A harmonia é reconhecer a diferença e saber
superá-la, evitando os conflitos.

- Não se trata só de vencer ou morrer, mas sim de reconhecer que não somos
superiores, mas tão só parte de um «continuum» muito mais vasto.

- Não agimos só para sobreviver, mas também para o bem comum; é na busca
desta harmonia que começa a vida moral do homem.
«Harmonizar as visões opostas é a operação do Céu. Seguindo este processo
ilimitado, podemos completar a nossa vida» (Zhuangzi 2, p. 96).

24
- Zhuangzi: buscou a síntese que supera a diferença e a oposição dos contrários;
alcançar essa unidade essencial far-nos-á relativizar a nossa identidade
individual:

«Agora o mundo é um lugar para todas as coisas na sua unidade.


Quando todos alcançarem essa unidade e se reconhecerem como parte igual
dela, então verão os seus membros e corpos como pó e terra». (Zhuangzi 21, p.
214).

- abandonar a discussão de doutrinas conduz ao “Grande Conhecimento”.

- As contradições aparentes geram, afinal, uma unidade misteriosa e deiforme. As


“coincidentia oppositorum” é que conduz ao eixo da roda e do Caminho:

«o pivô no centro do círculo, porque consegue reagir igualmente ao que é e


ao que não é. (Zhuangzi 2:29-31)». A iluminação = quando a rã deixa de ver
apenas uma parte do céu (que tomava pelo todo) e passa a ser a realidade inteira
> mudança crucial e para sempre!

 Os temas mais fortes (primeiras ideias):


- Zhuangzi preocupa-se com uma ética prática. Se existe um denominador comum
que subjaz aos diversos assuntos coevos (moral, economia, política) esse é o
conflito entre a liberdade individual e o bem-estar da sociedade no seu todo.

- Os objetivos centrais da ética de Zhuangzi (liberdade e autonomia do indivíduo,


realização da harmonia com o todo da existência) são guiadas por um respeito
profundo pela igualdade e pela unidade subjacente de todas as formas de vida.

- A conceção de Zhuangzi acerca de uma vida ética em harmonia, liberdade e


igualdade apresenta uma visão da moral que é completamente independente da
hierarquia e do estatuto social e político, e até da habilidade/capacidade
natural. A sua visão global da natureza é a de que este é um contínuo, e não uma
hierarquia. Ele vê o indivíduo como parte do contínuo da humanidade e da natureza.

- Zhuangzi manda-nos sair da nossa ‘zona de conforto’, isto é, da terra firma do


conhecimento e práticas herdadas; convida-nos e conduz-nos até à terra incognita,

25
e que todos somos aspirantes ao dao em igualdade de circunstâncias. As ideias de
Zhuangzi mergulham-nos no infinito, lançam a mente na imensidão do ser:

«Deixemo-nos esquecer da passagem do tempo e das distinções.


Mergulhemos no infinito e permaneçamos no ilimitado» (Zhuangzi 2, p. 96).
«Eu subirei convosco até ao cume da luz imensa, até que alcancemos a fonte da
amplitude resplandecente. Cruzarei convosco o portão do enigma mais
profundo, até que atinjamos a fonte do impedimento/constrangimento sombrio»
(Zhuangzi 11, p. 143).

- o Grande Conhecimento: não se define, só se descrevem os seus efeitos:


→ capacidade de resposta sensata e inteligente;
→ não planeia previamente, não sofre desvios, não está amarrado a regras;
→ não obstrói o Caminho;
→ é espontâneo e destro como um artífice.

- Outra história de Zhuangzi sobre Confúcio: o corcunda que apanhava cigarras


na floresta com um pau pegajoso e nunca falhava > concentração era tal que atingia
um “ektasis” de si mesmo, permitindo que o “qi” o substituísse; praticara durante
meses e seguia o Caminho, explicou ele a Confúcio. «Nunca me cansando, nunca
me encostando, nunca tomando conhecimento de nenhum do vasto número de seres
vivos, excepto as cigarras. Seguindo este método, como poderia falhar?».

 Confúcio explicou aos seus discípulos: «Mantém a vontade indiviza e o


espírito energizado» O planeamento consciente e deliberado seria
dispersante e contraproducente.

- o corcunda lembrava o carpinteiro Bian de Zhuangzi: como martelar a roda?


Nem muito fraco nem muito forte; impossível de explicar e de ensinar.
(Zhuangzi 19, pp. 197-198).

- o sábio ideal: «um sábio que tivesse aprendido a não analisar, fazer distinções e
pesar alternativas e que tivesse abandonado “o princípio do ego”, fazia o que
surgisse naturalmente e tornar-se-ia uno com o mais profundo e o mais divino ritmo
do universo». (Armstrong, 2009, p. 297).

26
- Zhuangzi foi mais longe do que Mozi quanto ao “amor” e “preocupação” >
não fixar a atenção em seres individuais (efémeros), mas pregar também a
espiritualidade da empatia. O sábio (que não tinha “eu”) = altruísta por definição >
sentir os outros seres como um espelho, sem a distorção das lentes do ego; graças
ao Grande Conhecimento, possuir o dom ilimitado da benevolência,
espontaneamente, sem precisar do “ren” nem pensar em si mesmo. (Zhuangzi 1: 21;
6:80; 7:32; 13:2-6; 33:56; e 6:11).

 Sucesso e influência de Zhuangzi, ontem e hoje:


- Os escritos de Zhuangzi fascinaram os Chineses durante dois milénios. A sua
discussão do conhecimento, da ética, da liberdade, da igualdade, da justiça e da
natureza da mente estimularam o desenvolvimento do pensamento filosófico na
China, desde o Budismo ao Neoconfucianismo. No Ocidente, tornou-se conhecido
no séc. XIX e ainda hoje estimula muitas discussões sobre filosofia, literatura e
religião.

- Zhuangzi teve grande influência na China, e também nos informa bastante sobre
o pensamento filosófico chinês.

- Paralelos interessantes entre Zhuangzi e grandes pensadores ocidentais, de


diversas épocas, como: Heraclito, Kant, Hegel (natureza dinâmica e dialética da
verdade e da liberdade), Schopenauer (metafísica da música), Nietzche, Heidegger
(maneiras de conhecer e de ser), ou Wittgenstein (conexão entre linguagem e
misticismo).

- Influência de Zhuangzi no pensamento político contemporâneo (v. Ronald


Dworking e a «soberana virtude» da igualdade); Ronald Dworkin argumenta que
todas as vidas têm valor igual de um ponto de vista objectivo. Mas a vida de uma
pessoa virtuosa será mesmo mais importante do que aquela de uma pessoa menos
virtuosa?

- A igualdade é crucial tanto para Zhuangzi como para Dworking; mas o chinês vai
mais longe na sua preocupação com o bem-estar de todos; defende a igualdade de
todos os seres humanos, mas a defesa que Zhuangzi faz da igualdade não adota a
linguagem da teoria dos direitos.

27
6. Conceitos basilares do Taoísmo:

 O que é o Tao?
- Importância do dao na China. O conceito do dao atravessou a visão do mundo
das várias escolas de pensamento. Significado literal: «via», «caminho», «estrada».
Do curso astronómico das estrelas (possível significado original) às constelações de
significado. De Laozi (Dao De Jing) a Zhuangzi. A ideia de dao é pela primeira
vez formulada distintamente por Laozi no Dao De Jing, como assunto de
investigação sustentada.

- Significado filosófico (o «Uno» em Zhuangzi). «A realidade última na qual


todos os atributos estão unidos». Séculos de filosofia não clarificaram o
conceito. Dao = estado primordial. (p. 29). Correspondência no Ocidente? Cf. 1.ª
tradução jesuíta: o criador (significado religioso!). (Höchsmann e Guorong, 2016, p.
29).

- Variantes: um princípio simultaneamente transcendente e imanente; outras


versões: logos, natureza, «substância cósmica anterior a toda a determinação e uma
substância única na qual o yin e o yang são apenas modos». Tem sido sugerido que
o dao é um modo de realidade ou ser (Höchsmann e Guorong, 2016, p. 29).

- Pré-socráticos: o conceito metafísico de dao como realidade última tem uma


afinidade com a ideia pré-socrática da realidade como o processo do ser e do
tornar-se. Heraclito (c. 535 - c. 475 a.C.): vide a sua conceção do logos como o
processo subjacente da realidade a partir do qual tudo acontece, mas que escapa à
compreensão e à explicação por palavras; o logos como elo similar ao tema de
abertura à intratabilidade do dao no Dao De Jing e à amplificação do tema por parte
de Zhuangzi. (Höchsmann e Guorong, 2016, pp. 29-30).

- Isócrates (436-338 a.C.): tudo acontece de acordo com este logos (cf. citação de
Werner Jaeger, «Paideia», na p. 30). Parménides (n. c. 515 a.C.), o 1.º metafísico
de sangue puro no Ocidente, também usa (como os filósofos do dao) a metáfora da
estrada > o caminho e a aproximação ao ser (Höchsmann e Guorong, 2016, p. 30).

- Cf. o «ser» de Parménides e o «dao» de Zhuangzi: são ambos processos da


realidade que não são gerados, são imperecíveis e estão presentes em tudo o que
existe. (p. 30). Os pensadores taoístas associam/ligam o «dao» com o «de»

28
(virtude), não no sentido de ‘contrário do vício’ mas enquanto poder latente
inerente a todas as formas de vida. (Höchsmann e Guorong, 2016, p. 30).

- O Tao = «o que há de mais profundo e misterioso na realidade e faz com que tudo
seja como é. É o conjunto indiferenciado de tudo o que existe, mas também o
princípio supremo que gera e está na origem do seu devir, ou seja, é também o seu
Caminhar. O que é feito confunde-se com o que o faz» (Campos, 2010, p. 20).

- Significado de «dao»: escrito com uma combinação de símbolos que significam


«cabeça» e «ir/partir». Significa «a direção», ou «o caminho prescrito». É neste
sentido que Laozi usa a palavra. O dao não é uma substância material ou
espiritual, mas sim uma força ou energia. É anterior ao Céu e à Terra : não
podemos dizer de onde provém. É o começo do Céu e da Terra, da existência
temporal e espacial, é a origem de todos os seres criados.

Laozi cita um velho adágio em que o dao é comparado ao espírito do vale vazio e
ao «misterioso princípio que flui ininterruptamente tal como uma cascata, como se
fosse eterno, a sua misteriosa entrada/chegada é a raiz do Céu e da Terra».
(Höchsmann e Guorong, 2016, p. 16).

- Embora seja invisível inaudível e inatingível, o Tao manifesta-se pela sua


influência, a que se chama Virtude («Te», ou «dé»). Mas essa influência é
espontânea, ou seja, faz parte da sua própria natureza, do seu próprio fluir natural.
Como se recomenda no cap. 63 (p. 175) do Tao Te King: «Agir sem agir / Fazer
sem fazer». E no cap. 64 (p. 177):

«Deve-se agir no ainda não ter sido. / Pôr em ordem antes de haver
confusão. (…) Quem age estraga. / Quem agarra perde. / Por isso, quem é
sábio / como não age não estraga. Como não agarra, não perde».

- Assim, «o conceito de Virtude está associado à actividade espontânea e


involuntária que caracteriza a natureza de todos os seres. Para um taoista uma
pessoa que age com Virtude é alguém que vive de acordo com a sua “natureza
original”, sem fazer nada se “artificial”, convencional ou exclusivamente
voluntário. A sua conduta é completamente serena, nunca interfere no curso natural
dos acontecimentos e é completamente indiferente a qualquer imposição de normas
sociais e morais»

29
- Razão e palavras não chegam (o dao está para além do limite da palavra). Cf.:

«Assim, quando a virtude está englobada na unidade do dao e as palavras


acabam onde o conhecimento não pode mais avançar, há conclusão. A unidade
do dao transcende a virtude, e aquilo que está para além do conhecimento não
pode ser explicado pelo raciocínio». (Zhuangzi 24, p. 243).

«Aquilo que pode ser descrito pelas palavras e que o conhecimento pode
compreender pertence ao mundo das coisas. Aquele que aspira ao dao não
procura as ações das coisas desde o início até ao fim» (Zhuangzi, 26, p. 256).

- O «dao» é o limite do mundo fenoménico. Cf. o «noumenon» de Kant > a coisa


em si (“das Ding an sich”), a realidade subjacente, a qual é impossível de descobrir
e está para além do escopo da experiência e do pensamento racional. O dao não é
uma coleção de objetos existentes, mas o caminho ao longo do qual as ações têm
lugar, de acordo com a natureza interna das coisas (Höchsmann e Guorong, 2016, p.
31).
«O dao está no limite do mundo das coisas. Nem a fala nem o silêncio
são adequados para representar a ideia dele. Nem a fala nem o silêncio podem
ser a expressão suprema do nosso pensamento acerca dele» (Zhuangzi 25, p.
257).

- Laozi e Zhuangzi: não se pode explicar a metáfora! cf. citação de Zhuangzi 25, p.
257:
«O nome dao é uma metáfora, funciona como uma descrição . Dizer que ele
causa ou não causa algo é apenas falar de um aspeto das coisas: não se refere ao
assunto em si. Se as palavras fossem adequadas, então poderíamos esgotar o
assunto num dia; como são inadequadas, podemos falar todo o dia, mas o que
podemos esgotar são apenas coisas».

- O significado de TAO (aparece 76 vezes): ideograma com 2 elementos > «cabeça


ou chefe» / «caminhar, concluir uma viagem». Portanto, o TAO é: «o caminho a
percorrer, é fazer o caminho, chegar ao fim e iniciar sempre um novo
caminho» (Abreu, 2014, pp. 10-11).

30
- Polissemia do «dao» de Zhuangzi (conceito simultaneamente da metafísica, da
epistemologia, da ética, da filosofia política e da estética): dao do homem; dao da
natureza; dao ‘global’; dao do Céu. Tudo está em mudança permanente.

- A plasticidade do «dao», um conceito ético que articula as ações humanas com


o conjunto do universo; o dao como fonte última de moralidade > foi bom para
formar o núcleo/âmago de várias escolas bastante diferentes (Taoísmo
Confucionismo, Mozismo, Budismo, Neoconfucionismo). Historicamente, o dao é
visto como o caminho dos sábios imperadores, que os filósofos posteriores
ambicionaram recuperar.

- Diferenças: o Confucianismo e o «dao» do céu (tipo lei natural); o «li»


(deferência ritual) não é determinado pela convenção ou pelo costume, mas sim
alinhado pelo dao do Céu; o Taoísmo: o dao liberta; espontaneidade em vez de «li»
(deferência ritual); os sábios antigos e os eruditos modernos não o podem ensinar.
(p. 32). O (fraco) valor das palavras. As aparências iludem!

«O mundo, ao atribuir valores às palavras, entrega-os/confia-os em


livros. Mas aquilo que o mundo valoriza pode não merecer ser valorizado,
porque o que é valorizado não tem realmente valor. Assim, aquilo para que
olhamos e que podemos ver é apenas a forma e a cor externas, e aquilo que
escutamos e podemos ouvir não é senão nomes e sons. Ah, que os homens do
mundo tomem a forma e a cor, o nome e o som como sendo adequados para
lhes mostrar a verdadeira natureza das coisas! A forma e a cor, o nome e o som
são insuficientes para transmitir a verdadeira natureza das coisas. Daí que se
diga: “O sábio não fala, e aqueles que falam não são sábios”». (Zhuangzi 13, p.
164).

- Então como é que se alcança o conhecimento? Só se chega ao «dao» pela ação


direta! > o «dao» do nadador, do caçador de cigarras, do escultor, do construtor de
carros, do cozinheiro… Avanços e variações de Zhuangzi relativamente a Laozi
(que enfatiza a natureza mística do dao): o dao individualizado em cada coisa;
mutação e permanência); o «dao» não é uma fulguração só para uma elite; existe
até nas formas mais simples da vida!

31
- O Tao também é «a força natural que existe por toda a parte, o fluir e a harmonia
da Natureza, uma espécie de poder omnipotente que acompanha a nossa vida. O
homem assume-se como uma pequeníssima parte do mundo natural» (Abreu, 2014,
pp. 10-11).

- O Tao será também o Deus criador? Cf. Evang. S. João (XIV: 6): «Eu sou o
caminho, a verdade e a vida». Cf. também, Padre António Vieira: «A imensidade de
Deus no mundo. (…) Por onde se estende e até onde? Até onde não há onde: sem
termo, sem limite, sem horizonte, sem fim» (Abreu, 2014, p. 11).

- Cf. jesuíta flamengo Ferdinand Verbiest (1623-1688) em Pequim, explicando aos


Chineses a natureza do Deus cristão (nota-se a influência dos textos taoístas!): «A
essência do senhor do Céu é um espirito puro, sem forma nem imagem que não
pode ser visto, nem ouvido. (…) não tem fim nem princípio. É omnipotente,
omnipresente e omnisciente» (Abreu, 2014, p. 11).

- Cf. Zhuangzi, «o mais importante filósofo do Taoísmo e um escritor genial»,


quase desconhecido em Portugal:

«Na origem última de todas as coisas não havia nada; nada existia que
pudesse ser nomeado. A partir disto surgiu o Uno [the One], a primeira
existência sem forma. Depois foram produzidas diferentes coisas, que
receberam aquilo que consideramos como os seus atributos. Aquilo que era
informe foi dividido e continuou então interligado [i.é, foi separado em ying e
yang e interligado dentro do círculo]. Os dois processos levaram à produção de
todas as coisas. Quando as coisas foram concluídas, cada uma delas emergiu
com a sua forma corporal. A forma individual continha o espírito e as
características particulares chamadas a sua natureza. Quando a natureza é
cultivada, ela retorna ao seu caráter próprio; e quando isso é plenamente
conseguido, alcança-se um estado igual ao originário» (Zhuangzi 12, p. 150).

- capítulo 25 do Tao Te King [p. 25]: o que havia antes do Céu e da Terra? Uma
coisa nebulosa, silenciosa, vazia, sozinha, imutável: «o Caminho», a «Grande» [o
Tao]. Não é preciso batizá-la, mas devemos moldar-nos a ela.

32
- O que é o Dao:
«O dao não está incluído no que é o maior, nem nunca está ausente do que é o
menor. Por isso encontra-se completo e incorporado em todas as coisas. Na sua
vastidão, envolve todas as coisas». (Zhuangzi 13, p. 163).

- Zhuangzi e Ludwig Wittgenstein (Viena 1889-Cambridge 1951) em


«Investigações Filosóficas» (Prefácio). Semelhanças na abordagem da Filosofia.
(nota 8, p. 71). O «dao» como um «conceito aberto» wittgensteiniano (Höchsmann-
Guorong, 2016, nota 60, p. 75).

 O que é o Te?
- O Te será «a virtude, ou o poder, a imanência metafísica, não com um sentido
moral, mas como perfeição interior. É a integridade do ser humano». O caracter é
composto por três elementos: chi («passo»), mais zhi («justo», «direito») e ainda
xin («coração»). (pp. 12-13). No chinês moderno: «te» equivale sobretudo à
«virtude como poder inteligente para a consecução de objetivos justos» (Abreu,
2014, p. 13).

- O(s) significado(s) possíveis de Te (ou «De») que podemos encontrar em


dicionários de chinês: «virtude», «força do espírito ou do coração», «energia»,
«influência», «poder». (Abreu, 2014, p. 12).

- O cap. 15 do Tao Te Ching e a explicitação por Lao Zi do poder da virtude:


«O Tao tudo engendra, / a Virtude nutre, faz crescer, / conserva, amadurece e
protege. / Produz sem se apropriar, / age sem nada pedir, / orienta sem dominar. /
Eis a Virtude original». (Abreu, 2014, p. 13).

- O Tao = «a transcendência que tudo cria»; o Te = «a imanência que tudo


alimenta». (Abreu, 2014, p. 13).

 Céu, Terra e Natureza:


- «… “Céu” e “Terra” designam a forma física maior. “Yin” e “Yang” refere-se às
maiores de todas as forças elementares. O “dao” diz respeito àquilo que há de
comum entre elas. Uma vez que são grandes, designá-las por “dao” e referir-se-lhes
como “o grande dao” é adequado» (Zhuangzi 25, p. 255).

33
- Tudo aquilo («Céu», «Terra», «Yin», «Yang», «dao») é o que há de maior. Note-
se que o termo «Céu» não tem significado religioso, nem mitológico, mas sim
simbólico e metafórico; não há conotação de um deus pessoal; o Céu é a fonte
objetiva da moral do universo, o ponto de vista de uma perspetiva justa.

- Céu e natureza (natureza celestial). Aliás, «Céu» é geralmente traduzido por


«natureza», no sentido de ‘totalidade de tudo o que existe’. Perder ou abandonar a
natureza celestial é destruir o dao da vida. O homem verdadeiro deve seguir quer o
caminho do Céu, quer o caminho do homem.

«Aquele que conhece os trabalhos do Céu e as ações do homem atingiu a


perfeição. Conhecendo os trabalhos do Céu, ele vive de acordo com o Céu.
Conhecendo as ações do homem, ele aplica o que sabe àquilo que não sabe,
completa o seu natural curso de vida e não é interrompido no percurso. Esta é a
acabamento/conclusão do conhecimento» (Zhuangzi 6, p. 116).

- Mas como reconhecer o caminho do Céu? «Como podemos conhecer que aquilo
a que chamamos Céu não é realmente homem, e que aquilo a que chamos homem
não é de facto Céu?» (Zhuangzi 6, p. 116). Não há receitas para isto. A perceção
ajuda a formular um juízo correto. «Mas existe uma dificuldade. O conhecimento
depende da confirmação da sua correção, mas não sabemos de que é que esta
depende» (cit. s/. indicar capítulo; será Zhuangzi?) > Zhuangzi apresenta a ética
como uma investigação aberta.

- Harmonia com a natureza: na base de toda a filosofia chinesa. Cf. os ciclos da


natureza – ciclos do amor (não havia casamentos no inverno!). Cf. o Livro das
Mutações: a harmonia resulta da interação de princípios opostos (yin e yang) e
contrasta com a imobilidade estática da homogeneidade. O mundo humano da
ação, intermediário entre o Céu e a Terra, é o mundo do equilíbrio e a harmonia. A
harmonia não está pré-estabelecida: é dinâmica e encontra-se em mutação
permanente. É o princípio unificador de tudo.

 O Homem:
- O homem do Tao: «passa ao lado da guerra, da opressão, da inveja, das pequenas
e grandes misérias do mundo. Assume-se como uma pessoa tolerante, humilde, em

34
paz consigo própria e com tudo o que a rodeia. Reconcilia-se com a vida e com o
mundo». (Abreu, 2014, p. 26).

- Somos «pequenos seres pensantes fluindo pela terra, (…) caminhando ao sabor
das quatro estações do ano em direcção à simplicidade, à quietude, ao sublime
mistério, ao vazio, ao Tao, ao Céu, a Deus» (Abreu, 2014, p. 26).

 Os equilíbrios – o Yang e o Yin:


- o Yin e Yang que regem a nossa vida natural são opostos, mas não contraditórios,
entrando um por dentro do outro, as duas partes do mesmo todo» (Abreu, 2014, p.
26).

- A ideia de mudança natural e equilíbrio dos contrários em Heraclito e Zhuangzi.


(Höchsmann-Guorong, 2016, nota 118, p. 81).

 A guerra e a paz:
- Laozi opunha-se a todo o tipo de guerra e exortava-nos a eliminar a pobreza e a
injustiça. Cf. citação do Dao De Jing 31 (p. 159). A violência é contrária ao
princípio do dao, que atua através do seu de específico (virtude). Cf. Dao De jing
30 (p. 155): «A seguir a um exército, vem sempre um ano de fome». (

- Laozi recomenda que se responda ao mal com o bem; cf. Dao De jing 49 (p.
171):
«Com pessoas boas somos bons / e com pessoas que não são boas também
somos bons: / É a bondade da virtude. / Nas pessoas de confiança confiamos / e
nas que não são de confiança também confiamos: / É a confiança da Virtude» 2.
(Höchsmann e Guorong, 2016, p. 17).

Nota 36 (p. 74): tem-se dito que o Dao De Jing fala em autodefesa; e o
Taoísmo tem sido associado às artes marciais; a rebelião dos «Turbantes
Amarelos», em 184 d.C. [contra a dinastia Han, no reinado do imperador
Lingdi], foi associada aos praticantes do Taoísmo como uma religião da
salvação. No domínio da história política, o Taoísmo (tal como o

2
Na versão de Höchsman e Guorong 2016 (p. 17 da Introdução): «Com pessoas boas somos bons; e com
pessoas que não são boas também somos bons, porque a vida é bondade. Para os fiéis eu sou fiel; e para
os infiéis também sou fiel, porque a vida é fidelidade/confiança».

35
Confucianismo e o Budismo) tem sido associado à guerra. Todavia, os textos
não é isso que revelam: todas essas religiões advogam uma ética de não-
violência.

- Zhuangzi e a paz (e o bem-estar do povo) = o «dao» dos antigos:


«Nas suas relações com os outros, eles eram tolerantes com todas as
diferenças… com empatia afetuosa esforçaram-se por conseguir a harmonia de
tudo dentro dos quatro mares. Eles aspiraram alcançar isto em qualquer lugar
como o seu objetivo máximo. Esforçaram-se por poupar as pessoas à guerra,
condenaram a agressão e procuraram desencorajar o uso de armas de luta para
poupar a sua geração à guerra» (Zhuangzi 33, pp. 311-312)

 Isto é uma síntese entre Mozi (amor universal, igualdade, cessação da


guerra) e Taoísmo (paciência, consideração por todas as formas de vida).
Zhuangzi cita os antigos ilustres/sábios afirmando que eles «prestaram
serviço a outros homens, sem procurarem o seu próprio prazer».
(Höchsmann e Guorong, 2016, p. 46).

 A ética:
- Laozi defende uma ética do dever, e não dos direitos. Cf. Dao De Jing, cap. 79
(p. 163).

- Será que o ideal de Laozi é sublime demais? No Dao De Jing (ex: cap. 74) há uma
crença implícita na bondade inerente à natureza humana; as regras morais não
ajudam muito…

- Tal como Confúcio (Analectos 12:19 e 13:11), Laozi entende a justiça como
benevolência. As leis que aplicam a justiça como retribuição ou como punição são
vistas como tendo tido origem nos tempos da decadência. (Höchsmann e Guorong,
2016, p. 18).

 O «wuwei»; vazio e quietude:


- o «wuwei» (ausência de ação, deixar as coisas seguir o seu curso natural); limites
e riscos práticos de uma tal ética > não será uma estratégia política trágica (não

36
impedir o mal, eliminar o sofrimento, travar as agressões)? Resposta: a história
valoriza aqueles que se bateram pela paz!

- O importante papel do «wuwei» na história política chinesa: desafiar a


autoridade; estimular o potencial de todos os seres. O governo dos sábios não é
coexistência pacífica e tolerante, mas sim desenvolvimento ativo do potencial de
todos os seres:

«Todos os seus poderes são completamente ativados. A sua alegria é do Céu e


da Terra e todos os obstáculos desaparecem e dissolvem-se. Todas as coisas
voltam à sua verdadeira natureza. A isto se chama o enigma profundo»
(Zhuangzi 12, p. 154).

- Harmonia interior em Platão (razão, serviço público) e em Zhuangzi (natureza,


ausência de leis coercivas). «Platão defende a obediência à lei e o cumprimento do
dever determinados pela habilidade/capacidade. Zhuangzi defende a liberdade
individual e a espontaneidade, o amor a toda a humanidade e a igualdade de todas
as forma de vida. São também diferentes as conceções deles da sociedade ideal»
(Höchsmann e Guorong, 2016, p. 52).

- O comentário de Blaise Pascal (1623-1662): «Todos os problemas dos homens do


Ocidente começam porque ele não sabe como permanecer quieto numa sala
vazia»... (Höchsmann-Guorong, 2016, nota 127, p. 82).

- Como alcançar a disciplina da quietude do «wuwei»? Enraizar a quietude e o


vazio no coração > 30 capítulos do Tao Te King são sobre a disciplina mística que
transforma a vida interior do príncipe e lhe permite restaurar o Mundo. O capítulo
1: introdução ao método de Lao-Tsé: aprender a pensar sem doutrinas e sistemas
racionais; o caminho abstrato está para lá dos conceitos («o inominável é a origem
do Céu e da Terra). (Armstrong, 2009, p. 340).

- Tao Te King , cap. 1 (p. 37): o Vácuo = o «Útero» de todos os seres, que origina
a vida. A kenosis (esvaziamento) da mente yu wei, uma vez perdido o ego. Deve
haver vácuo no governante sábio, passar pelo vazio. Regresso à autêntica
humanidade, que existia antes de sermos infetados pela civilização e perdermos o
Caminho! (Armstrong, 2009, pp. 341-342).

37
-o Vazio proporciona alívio, não devemos temer o nada que está no cerne da
realidade. Cf. o eixo da roda e a concavidade do pote de barro (Tao Te King 11, p.
41): no nada está a verdadeira eficácia! (ibid., pp. 342-343).

- o esvaziamento de si mesmo exigia um longo treino místico. Porém, depois de o


alcançar esse vazio interior, o governante sábio tornar-se-ia tão vital, fluido e
fecundo quanto as supostas coisas mais fracas da vida. (ibid., p. 344).

 Como governar?

- na política também é assim: descoberto o fútil vácuo interior, o príncipe está em


condições de governar; atinge uma «dignidade régia» moldada no Céu e no «dao»
(cf. Tao Te King 16, p. 77). O governante deve agir como o Céu (que tem o seu
próprio curso), em vez de se empenhar num ativismo incessante.

- Lao-Tsé queria um rei virtuoso, mas não agindo pelo povo e sim praticando o
apagamento > assim, o wuwei conseguria acabar com a era dos Reinos
Combatentes.

- Lao-Tsé versus Mozi (análise, estratégia, ação), Confúcio (cultura interrompe o


curso do «dao») e heróis Yao, Shun e Yu (interferiram com a natureza: rios,
florestas, montanhas) > excesso de «yu wei». Tao Te King 37 (p. 129): se eu cessar
de desejar e permanecer quieto, o império estará em paz por vontade própria!

- o segredo da sobrevivência: agir sem frenesi, ignorância em vez de


conhecimento, fraqueza em vez de força inatividade em vez de hiperatividade; cf. a
água: molda-se aos obstáculos e segue sempre o seu curso (Tao Te King 78, p. 57).

- fazer o contrário dos políticos: passividade em vez de agressividade


intriguista. Submeter-se ao adversário em vez de o fortalecer (isso apressa a sua
queda!); o sábio deve colocar-se em último, apesar de ser o primeiro (Tao Te King
7, p. 113).

- Força e coação: autodestrutivas. Armas = amaldiçoadas. Lao Tsé recupera o


espírito dos antigos rituais bélicos. Assim como os comportamentos indulgentes
para com o adversário. A guerra pode ter de ser travada, mas com pesar. O sábio
não deve intimidar o Mundo, mas antes travar a beligerância; alcançar os objetivos,
sim, mas sem arrogância e intimidação). Cf. Tao Te King 30 (p. 155).

38
- o «wuwei» não é abstinência total de agir, mas sim atitude não
agressiva/impositiva. Cf. Tao Te King 68 (p. 161): aquele que consegue o melhor
dos outros homens é o que os trata com humildade. A virtude da não-violência
equipara-se à sublimidade do Céu (ibid).

- o resultado do que fazemos depende da nossa atitude (não dos nossos atos): como
o sábio não contende, ninguém neste Mundo está em posição de contender com ele.
Cf. Tao Te King 22 (p. 65). Os tiranos cavam a sua própria sepultura!

- deve-se aliar o wuwei à humildade > o sábio não deve ter opiniões fixas, nem
deve querer convencer os outros; deve tomar como suas as opiniões dos outros. Cf.
Tao Te King 49 (p. 171).

- a natureza humana é originalmente gentil e bondosa. A violência resulta da


coação por leis e códigos morais. Cf. Tao Te King 18 e 19 (pp. 91 e 97). O ódio
gera ódio e enfraquece a compaixão (pouco referida por Lao-Tsé, mas implícita).
Cf. Tao Te King 13 (p. 59).

- Lao-Tsé foi o último grande sábio da Era Axial chinesa. Claro que o seu ideal não
permitia chegar ao poder (esvaziamento # calculismo político).

- Lao-Tsé deve ter alimentado uma esperança messiânica: a de que os horrores da


sua época levassem as pessoas a aderir a um governante inspirado pelo misticismo.
Mas não foram os sábios taoístas, e sim o Estado de Qin, quem acabou com as
guerras e unificou o império! Realeza universal implicará poder militar?

- A vitória de Qin trouxe paz(es), mas foi o dobre a finados das esperanças axiais
de moralidade, benevolência e não-violência > sob o império, as espiritualidades
axiais efetuariam uma síntese e evoluiriam para algo bastante diferente.

 Quanto vale o conhecimento?


-a realidade apresenta diversos estratos, é como as camadas de uma cebola. A
linguagem é inadequada para a descrever. O conhecimento não é acumulação, exige
«kenosis» («esvaziamento»), abdicar do desejo, fluidez da vida espiritual.

39
- O yoga chinês = «zuo-wang» > ensina as pessoas a deixar no exterior o mundo
exterior, e a encerrar os seus modos de perceção comuns. Zhuangzi chamava a isso
o «esquecer», o descartar do conhecimento. Lao-Tsé referia-se ocasionalmente a
estas disciplinas do ioga, mas não as descreveu em pormenor; porém, eram
essenciais ao processo místico que concebera. O único modo como o leitor podia
avaliar as suas conclusões era fazendo a viagem.

- a realidade invisível = o Vácuo, que a atarefada mente «yu wei» tanto receia.
Ideias, palavras e pensamentos = não levam a nada.

- a reflexão constante e atarefada levou os humanos (contrariamente a outras


criaturas) à separação do «dao» > distinções que não existiam, princípios de ação
solenes que eram simples projeções egocêntricas (v. Tao Te King 16). Alheando-se
desses maus hábitos, o sábio pode regressar à sua natureza original e ao
caminho certo. Cf. cit. do Tao Te King 16 (p. 77): fazer o meu melhor para atingir
o vazio; alinhado com o invisível, o sábio atinge sabedoria e imparcialidade
perfeitas; é resistente e, no fim dos seus dias, não deparará com qualquer perigo

- Zhuangzi dava aos discípulos o exemplo de Ziqi, o contemplativo, fitando o céu


perdido de si mesmo > alienação de si próprio permitia-lhe libertar-se do seu
egoísmo, ver mais claro, ouvir não apenas a música dos homens mas também a da
terra e a do céu, ver mais claro e mais amplo: o “Grande Conhecimento”, amplo e
sem pressas. (Livro de Zhuangzi 2:1-3, p. 90).

- Iluminação exige cortar com todos os hábitos antigos de pensar. O verdadeiro


sábio: o que esquece tudo (e não o que acumula conhecimento) até se esquecer de si
próprio e se fundir alegremente no Caminho! (Livro de Zhuangzi 2:1-3, p. 90).

- a história de quando Yan Hui ultrapassou o próprio mestre Confúcio: primeiro


esqueceu a Humanidade (“ren”) e o Dever (“yí”), depois o ritual e a música, até que
se sentou calmamente e esqueceu > apagou o intelecto, abandonou o entendimento,
deixou o corpo afastar-se e deitou fora a forma …

 conclusão de Confúcio, in Livro de Zhuangzi 6: 93 (pp. 123-124): se


assim é, então estás livre de simpatias /antipatias e de permanências; és
tu o verdadeiro sábio e,doravante, sou eu que te sigo …

40
- conhecer algo é distingui-lo do resto; esquecer tais distinções = é tomar
consciência da unidade indiferenciada, perder a noção de ser um indivíduo à parte.

- ao contrário da iluminação de Buda, a de Zhuangzi não aconteceu de uma vez


por todas: não conseguia estar sempre em transe, alternava entre estar “com o Céu”
e estar “uno com a humanidade” (Livro de Zhuangzi 6: 20, p. 117 e segs.), tinha por
vezes de analisar coisas, de fazer distinções no quadro da vida normal (Livro de
Zhuangzi 6: 19); mas sempre sentindo-se em paz com o Caminho (“raiz”, “semente”
e eixo de tudo).

7. Confucionismo, Taoísmo e Budismo na China antiga:

 Taoísmo e Confucionismo:
- O Confucionismo pretende, através da educação e dos bons princípios, melhorar a
natureza humana. «Todos nascemos bons e pela formação moral, pela correcção dos
erros, pelo respeito pelos valores e pelas hierarquias, tenderemos para o bem, para o
Da Tong, as utópicas “grande unidade” e “grande harmonia” entre todos os
homens» (p. 16). Os Taoístas nunca acreditaram nisso, nos homens naturalmente
bons, na benevolência, justiça, confiança, respeito pelos ritos e pelas hierarquias!
Consideravam que a moral confuciana era uma espécie de purga para aliviar os
sintomas da doença, um paliativo para enganar os homens bem intencionados, mas
que não atacava a origem, a raiz da doença.

- No Taoísmo: tudo é relativo, o bom e o mau interpenetram-se, o yin e o yang


são duas partes de um mesmo todo. «Daí a solidez, agilidade e inovação
permanente do pensamento taoista», quando comparado com o conservadorismo e
inexequibilidade da moral confuciana. (Abreu, 2014, p. 17).

- Veja-se o cap. 13 de Zhuangzi: conversa entre Lao Zi e Confúcio. Aqui,


Confúcio explica em que consistem a benevolência e a retidão: «ter simpatia por
todas as coisas no mais íntimo do nosso coração, amar todos os homens e não nutrir
obsessões egoístas». Então, Lao Zi responde:

«Ah! As tuas palavras são imprudentes! ‘Amar todos os homens’ não


será simultaneamente vago e extravagante? ‘Não ter obsessões egoístas’, isso é
egoísmo! [nt. 13: chamar a atenção para o nosso altruísmo é uma forma de

41
egoísmo] Se tu, Mestre, desejas que os homens não deixem de ter uma
orientação, olha para o Céu e para a Terra e para o seu curso constante. O Sol e
a Lua conservam o seu brilho. As estrelas e os planetas giram nas suas órbitas.
Os pássaros e as bestas reúnem-se em rebanhos e manadas. As árvores
continuam de pé nos seus lugares. Assim, Mestre, segue a virtude e o dao e
chegarás ao fim do teu caminho. Por que é que te hás-de esforçar em propor a
tua benevolência e retidão, como se estivesses a bater/rufar num tambor
procurando um filho perdido? Ah, Mestre, tu estás a perturbar a verdadeira
natureza do homem!» (Zhuangzi 13, pp. 162-163).

- O grande Lu Xun (1881-1936), «talvez o maior escritor do século XX chinês» ainda


vai mais longe: «O confucionismo come pessoas, para além disso esse banquete de
carne humana persiste ainda hoje, e há muita gente que deseja que ele prossiga»
(Apontamentos à luz da lâmpada, um ensaio de 1925). (Abreu, 2014, p. 17, nota 18).

- Cf. o cap. 14 de Zhuangzi: nova conversa entre o velho Lao Zi e o jovem Confúcio
(que foi visitar o Mestre para lhe falar sobre a benevolência e a rectidão) > a
simplicidade natural taoista vs. o esforço confucionista:

«Se o pó penetrar nos teus olhos por causa da joeira, ficas confuso
acerca dos lugares do Céu e da Terra e as quatro direções ficam desordenadas.
Se um mosquito ou uma mosca te picarem, ficas acordado durante toda a noite.
Mas esta interminável recitação sobre a benevolência e a retidão inquieta a
minha mente e causa-me frenesi. Se queres que o Mundo não perca a sua
simplicidade natural tens de ser como o vento nos seus movimentos e encontrar
o teu lugar nos teus atributos naturais! Por que é que hás-de lutar
esforçadamente, como se estivesses a rufar num grande tambor em busca do
filho que perdeste? O ganso da neve não precisa de se banhar todos os dias para
permanecer branco, nem o corvo precisa de se pintar de preto todos os dias para
continuar preto. A sua cor preta ou branca constitui a sua natureza e não é
determinada pela razão/argumentação. As recompensas da fama e da reputação
não devem ser sobrestimadas». (Zhuangzi 14, pp. 171-172).

- Depois de ouvir isto da boca de Lao Zi, o jovem Confúcio saiu muito abalado;
voltou a casa e durante três dias não abriu a boca. Os discípulos interpelaram-no,

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quiseram saber em que medida é que ele tinha contestado e corrigido Lao Zi, mas
Confúcio respondeu:

«Eu vi um dragão. Ele ergue-se e aqui está o seu corpo. Ele espalha-se a
si mesmo e revela a sua forma completa. Ele cavalga na nuvem, no ar, e é
alimentado pelo yin e pelo yang. Eu fiquei de boca aberta e não consegui fechá-
la. Como poderia reprovar e repreender Lao Zi?» (Zhuangzi 14, p. 172).

- No Livro V, cap. VIII de Lie Zi pode ler-se uma muito interessante crítica a
Confúcio por parte de dois miúdos que discutiam um com o outro > Confúcio foi
incapaz de lhes dar resposta e as crianças desataram a rir, dizendo: «Quem é que disse
que tu és um homem sábio?». Em síntese, nem as crianças confiavam na sabedoria do
Confucionismo… (Abreu, 2014, pp. 18-19).

- no Confucionismo, o desenvolvimento da ren em todas as esferas da ação humana é


o objetivo da educação moral e da vida política.

 «Ren», no sentido de benevolência, não é uma virtude para o sábio de


Laozi; este, enquanto verdadeiro homem do dao, não procura o cultivo
deliberado das virtudes da benevolência e da retidão, antes deixa que todas
as coisas sigam naturalmente o seu curso e alcancem a respetiva fruição.

 Cf. Dao De Jing 5 (p. 87): «O Céu e a Terra não são bondosos. / Tratam as
dez mil coisas como cães de palha. / Quem é sábio não é bondoso. / Trata
as pessoas comuns como cães de palha» [destinados ao sacrifício. Os sábios
não agem a partir da ren]».

 Zhuangzi vai ainda mais longe, rejeitando as virtudes da benevolência e da


retidão, e exortando a uma vida espontânea e não condicionada por
imposições morais.

- A Doutrina do Meio (um dos 4 grandes textos do ensino confuciano, a par dos
Analectos, do Mêncio e da Grande Aprendizagem) defende a sabedoria, a
benevolência e a coragem, e exorta todos a cultivarem as virtudes; uns fazem-no
naturalmente, outros mais em esforço e apenas na sequência do estudo, mas quando
lá chegam vai tudo dar ao mesmo. A sua definição da sinceridade do sábio tem um

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certo cheirinho a Taoísmo > cf. o conceito de «dao» em Laozi e Zhuangzi: a
sinceridade harmoniza-nos natural e facilmente com o Caminho.

 Exemplos de entrelaçamentos: Budismo + Taoísmo = Zen:


- O Budismo só começou a ser aceite pelos Chineses no séc. III, quando as ideias
taoistas se expandiram mais na China. Isso gerou uma progressiva transformação do
Budismo Indiano, o que conduziu a uma nova forma de Budismo: o Budismo Chan
(«chánzöng»). Mais tarde, este propagou-se ao Japão e transformou-se, por sua vez
no Budismo Zen (o caracter «chán», que significa «meditação» e «contemplação»,
pronuncia-se «Zen» em japonês).

- Assim, «o Taoísmo filosófico influenciou, pois, fortemente toda a cultura


chinesa, sendo provavelmente o primeiro responsável pela amálgama de
pensamento confucionista, taoista e budista, que actualmente a caracteriza»

- (…) em séculos posteriores, o Taoísmo foi influenciado pelas doutrinas


budistas. Durante o renascimento do Taoísmo, no séc. III, os letrados assimilaram
os aspetos especulativos do Budismo fundindo-os com as ideias familiares e
estabelecidas dos escritos taoistas.

- A influência do Budismo aconteceu sobretudo, numa fase inicial, sobre o


Taoísmo religioso; este adotou do Budismo o modelo de uma hierarquia de mestres
e discípulos e de uma comunidade monástica.

- As diferenças entre o Taoísmo e o Budismo: na visão da natureza e do homem


há uma diferença de perspetiva moral. No Taoísmo religioso, o fim ambicionado é a
afirmação da vida; mas, no Budismo, a iluminação consiste em ir perdendo o apego
à vida.

- Budismo Zen / Chan: entrelaçamento de Budismo com Taoísmo. Foi a escola


mais original de todas. Fundiu a ideia indiana de meditação com as conceções
taoistas de concentração e iluminação.

- Como o Taoísmo influenciou o Budismo Zen: negligência das cerimónias


exteriores; abordagem no sentido de surpreender a mente para sacudir o
senso/sentido da realidade segura; propensão para os paradoxos.

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- Há certos princípios na escola Chan que muito provavelmente se inspiraram
diretamente nos escritos de Zhuangzi: ênfase na simplicidade; irreverência para
com a razão; superação de todas as distinções; visão benigna da morte.

Mas a noção de iluminação é muito diferente: um lampejo de perceção/visão,


num momento de despertar (Chan) # Zhuangzi: o dao não é captado num
momento intenso de consciência direta, antes permeia a multidão e está sempre
presente na contínua transformação de todas as coisas.

8. Zhuangzi e os aprofundamentos ao Taoísmo:

 A música e o «dao»:
- Um caso especial: a música > do homem via instrumentos; da natureza via
múltiplas aberturas: veja-se a música do vento:

«Quando o sopro da grande massa sai com força, chama-se vento. Por
vezes, ele não sai. Mas, quando isso acontece, então advém um barulho
excitante vindo de uma miríade de aberturas – não ouviste já isto durante um
vendaval? (…) O vento à cabeça chama “Aoah!”. O vento por trás responde
“Eeh!”. Uma brisa suave produz um eco pequeno, um vento forte produz um
eco grande. Quando o vendaval passou, tudo é novamente quietude. Não viste
isto no dobrar e tremer das árvores?». (Zhuangzi 2, p. 89).

- A música do céu: os «tubos do céu» caracterizam-se não pelo que é ouvido, mas
pelo silêncio. São ouvidos por aqueles que esqueceram tudo aquilo que os rodeia. A
voz do homem do dao põe os três tipos de música em harmonia. cf. Zhuangzi 28, p.
273: Zengzi em Wei: mal vestido e mal alimentado, mas com uma voz
extraordinária que penetrava o Céu e a Terra ao entoar as «Odes Sacrificiais de
Shang»!

- O que só a música exprime: aquilo que não pode ser dito e sobre o qual é
impossível calar (Höchsmann e Guorong, 2016, p. 34). Cf. Arthur Schopenhauer
(nota 74, p. 76): «Devemos atribuir à música um … sério e profundo significado,
que se reporta ao ser mais íntimo do mundo e do nosso próprio eu» («O Mundo
como Vontade e Representação», 1819).

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- O Imperador Amarelo e a música, que considerava ser a atividade que liga o
homem ao Céu:

«A música perfeita [estava] primeiramente relacionada com as atividades


humanas e em conformidade com os princípios do Céu. Estava em linha com as
cinco virtudes e com aquilo que é espontaneamente aparente na natureza»
(Zhuangzi 14 p. 167).

Höchsmann e Guorong, 2016, Nota 75, p. 34: isto talvez corresponda à ideia
da harmonia das esferas dos Pitagóricos > a cosmologia destes estipulava que
a Terra, os planetas, o Sol e a Lua giram em torno do centro do universo. As
criaturas celestiais em movimento produzem consonâncias [sons musicais
harmónicos] inaudíveis por estarem sempre presentes e o som só ser
escutado em contraste com o silêncio. A ordem no universo é vista como
resultante da harmonia dos elementos incorporando a música das esferas.

Nota 76, p. 76: isto talvez tenha inspirado Platão (importância da música na
educação musical) e Aristóteles (Política: o principal valor da música não é o
entretenimento, mas a sua capacidade para ter efeitos na alma; a música deve
ser parte integral da educação estatal).

- O Imperador Amarelo explica que a música conduz ao dao, por etapas (cf.
citação de Zhuangzi 14, p. 169 :

«Eu primeiro interpretei música para inspirar temor e tu ficaste assustado.


Depois prossegui com a música com o objetivo de te deixar cansado, e, ao
ficares cansado, tu tornaste-te solitário. Terminei com a música para gerar
perplexidade, e na tua perplexidade tu ficaste ciente da tua ignorância. Só que
esta ignorância conduziu-te ao dao. Então tu podes receber o dao e guardá-lo
sempre contigo».

 «A música conduz ao dao não através da certeza mas por inspirar temor ,
sendo tudo isto uma consumida e sustentada maravilha» (Höchsmann e
Guorong, 2016, p. 35).

46
 A liberdade individual:

- A liberdade em Zhuangzi: a capacidade de perceber, de pensar e de agir de


acordo com as escolhas de cada um, e também com ausência de constrangimentos
resultantes de códigos morais convencionais e de governos tirânicos.

«Quando eu considero o homem como sendo bom, não me refiro a


benevolência ou retidão, mas simplesmente a deixarem a sua natureza inerente
seguir o seu curso livremente. Quando eu considero o homem como tendo um
apurado sentido de audição, não quero dizer que ele ouve algo para além de si
próprio. Quando eu considero o homem como tendo uma visão clara, não quero
dizer que ele olhe para nada para além de si próprio» (Zhuangzi 8, p. 131)

- O valor da liberdade individual, contra a imposição da autoridade e da


tradição: Zhuangzi não tem paralelo na defesa acérrima disto. Ele valoriza mais a
liberdade, do «permanecendo sozinho» e «usufruindo de si mesmo no ilimitável» do
que a honra, o poder político ou a riqueza (Höchsmann e Guorong, 2016, p. 37).

- As críticas do Confucianismo à liberdade de Zhuangzi > também precisamos


de reconhecer que devemos assumir a responsabilidade pelas consequências de
exercermos a liberdade. Somente quando as pessoas estão comprometidas a manter
a ordem dentro da sociedade pode haver liberdade para o indivíduo. A liberdade é
mais do que seguir para onde quer que a nossa natureza nos leva. São precisas
orientações morais! Não haver regras externas não chega. Liberdade negativa, não!
(Höchsmann e Guorong, 2016, pp. 37-38).

 A réplica de Zhuangzi: o que ele valoriza não é simplesmente a


liberdade dos constrangimentos das convenções e regras, mas sim a
liberdade de pensamento e ação, vitais para a existência autêntica e o
desenvolvimento pessoal; o que se pretende é uma conduta ética
autónoma, espontânea e natural, livre de abstração e de dogma.
Zhuangzi realça que cada entidade tem a sua própria natureza: «Tudo
tem o seu caráter inerente e a sua própria capacidade; não há nada
que não possua estas duas coisas» (Zhuangzi 2, p. 92).

47
- O que é a liberdade individual para Zhuangzi: seguir a natureza de cada um não
significa seguir as inclinações individuais e ignorar tudo o mais. Zhuangzi procura
mostrar como é que uma existência autêntica e o autodesenvolvimento conduzem a
uma perspetiva ética da igualdade de todos e da unidade do dao individual, do dao
da natureza e do dao do Céu.

«Não sejas um homem pequeno; volta para cumprir a tua natureza


dotada pelo Céu. Não sejas um homem superior; segue o trilho estabelecido
pelo Céu dentro de ti. Seja ele curvo ou reto, encara tudo à luz do Céu que
existe dentro de ti» (Zhuangzi 29, p. 285).

- John Stuart Mill e Bertrand Russell, campeões da liberdade na filosofia


ocidental, amplificam a ênfase de Zhuangzi no valor da liberdade para a felicidade
e o progresso do conhecimento. (Höchsmann-Guorong, 2016, nota 77, p. 76).

- Zhuangzi e a defesa da liberdade: parece comparável à tradição libertária e


anarquista de Godwin, Reclus e Kropotkin (mais até do que das visões ‘domadas’
de Mill e Russell). Cf. Höchsmann-Guorong, 2016, nota 77, pp. 76-77.

 A igualdade de todas as formas de vida e a unidade das coisas:

- Não há homens pequenos e homens superiores. Zhuangzi ≠ anarquia dos


sentimentos e da vontade individual no isolamento. Cf. Zhuangzi 29, p. 285:

«(…) Seja certo ou errado, sê determinado em manter o equilíbrio interno.


Mantendo-te na tua, manifesta a tua vontade. Não renuncies e não abandones o
teu caminho» O Céu é que é o centro de gravidade do mundo!

- Igualdade de todas as formas de vida, apesar das enormes diferenças entre os


seres:
«Um aríete pode ser usado para assaltar a muralha de uma cidade, mas
não pode ser utilizado para encher um pequeno buraco – os usos das
ferramentas são diversos. Os cavalos [lendários célebres] Qiji e Hualu
conseguem galopar mil lis num só dia, mas para caçar ratos não se comparam a
um cachorro selvagem ou a uma doninha – as suas capacidades são distintas. A
coruja com chifres pode caçar pulgas de noite e ver a ponta de um cabelo; mas

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em plena luz do dia, com os olhos completamente abertos, não consegue ver um
monte – as naturezas das criaturas são diferentes» (Zhuangzi 17, p. 184).

- Entretanto, Zhuangzi acentua a unidade entre todas as formas de vida, subjacente


às diferenças aparentes:

«Saber que o ocidente e o oriente são opostos mas também estão


interligados – isso é conhecer a utilidade e as qualidades das coisas» (Zhuangzi
17, p. 184). «(…) tudo se torna um [apenas uma coisa] à luz do dao» (2, p. 92).

«Só aqueles que têm um pensamento abrangente conseguem compreender


todas as coisas na sua unidade e complementaridade. Não confiam nas suas
próprias opiniões, mas ocupam-se das visões comuns»; estas «fundam-se no útil
e o útil conduz à completude e ao sucesso. Quando tudo estiver concluído,
paramos, e no entanto ignoramos por que razão é assim: eis aquilo a que
chamamos o dao» (Zhuangzi 2, p. 92).

- O segredo para alcançar o dao: encarar as coisas a partir de uma perspetiva


plural e reconhecer as interligações entre elas. É esta visão abrangente do dao que
sustenta uma das alegorias mais célebres de Zhuangzi: a conversa entre o Rio
Amarelo e o Mar do Norte.

«(…) Saber que o Céu e a Terra são como um grão de arroz e saber que a
ponta de um cabelo é como uma montanha – isso é conhecer a distinção entre o
grande e o pequeno» (Zhuangzi 17, pp. 183-184). Abaixo as diferenças, viva a
interconexão permanente!

- Governantes e governados? Relativo! «Um é governante e o outro é súbdito – é


assim, mas [apenas] por um certo tempo. Numa época diferente, o primeiro não
seria capaz de desprezar o segundo» (Zhuangzi 26, p. 262).

Cf. também a nota 9 do cap. 26 (na pg. 264) > a expressão concisa de uma ideia
central enfatizada por Zhuangzi ao longo do seu livro: igualdade entre os
homens, independentemente do estatuto e do poder. Em consequência desta
tese da ‘igualdade fundamental’, Zhuangzi critica asperamente o
Confucionismo e a ideia de inculcação da virtude que está na base das cinco
relações humanas: pai e filho; governante e súbdito; idoso e jovem; marido e

49
mulher; amigos entre si. Para Zhuangzi, a hierarquia social tem apenas uma
posição contingente e momentânea.

- Com a «luz adequada da mente», podemos encontrar «o pivô do dao», em que


repousa a igualdade de tudo:

«Quando não existe oposição entre este ponto de vista e aquele outro, aí está
o pivô do dao. Assim que se encontra este pivô, nós estamos ao centro e a partir
daí podemos responder indefinidamente a pontos de vista diferentes. Por isso eu
digo que não há nada que supere a luz da mente» (Zhuangzi 2, p. 91).

- A harmonia é possível com a descoberta do dao. A igualdade é o fulcro


arquimediano sobre o qual a vida moral é elevada.

- As anti-escalas de mérito e os rótulos. O exemplo da conversa entre Zichan (o


ministro petulante) e uma pessoa que tinha sido rotulada como pária, estudando
ambos lado a lado numa aula de um mestre taoísta:

«Quando tu vês um ministro como eu, tu nem tentas sequer sair do caminho
dele. Pensas que és igual a um ministro? Shentu Jia respondeu: Na casa do
nosso mestre há uma hierarquia oficial? Tu estás contente com o teu estatuto
oficial e reclamas ter precedência» (Zhuangzi 5, p. 111).

- O que se pode considerar igual e desigual; o exemplo do príncipe e do ladrão:


do ponto de vista social e da reputação, eles são diferentes; contudo, no que toca a
terem abandonado a sua própria natureza recorrendo a meios e objetivos artificiais,
eles são idênticos. Ambos são movidos por motivos pessoais sobre o que conta
como desejável, ambos buscam sucesso e reconhecimento público. Zhuangzi
assusta-nos ao dizer que um ladrão se torna um grande ladrão adotando os mesmos
princípios do sábio. Cf. as 5 grandes qualidades do ladrão: inteligência, coragem,
sabedoria, benevolência (divide o saque de forma equitativa) e retidão (é o último a
abandonar o barco)… (Zhuangzi 10, p. 137).

- Abaixo os paradigmas / estereótipos morais! ex: imperadores sábios; letrados…


Devemos deixar de considerá-los como modelos, como paradigmas de excelência
moral. Cf. o exemplo da morte de um sábio e de um ladrão, por culpa própria; o
letrado morreu no sopé da montanha para preservar a sua fama; o ladrão morreu no

50
cume, por ser ganancioso; ambos destruíram a sua vida e ofenderam a sua natureza.
(Zhuangzi 8, p. 131).

- Devemos recompensar o erudito e condenar o ladrão? Cf. exemplo daquele que


rouba o Estado e se torna príncipe versus o que roubou só um gancho e é
condenado à morte! E isto apesar da benevolência e da retidão serem ensinadas nas
casas dos príncipes (Zhuangzi 10, p. 137)... (p. 42). A vida de um príncipe não
vale mais do que a de um ladrão.

 A ética prática de Zhuangzi:


- Urgente: eliminar as causas do roubo (pobreza, ganância, exploração); mudar
as condições exteriores (a injustiça que conduz ao mal) e não a natureza humana;
não são falas humanas ou falta de conhecimento que geram a maldade. Ética prática
de Zhuangzi: trabalhar individualmente para reformar o governo de líderes
corruptos; pôr fim à violência (incluindo a do poder!).

- O idealismo moral de Zhuangzi: em vez de condenar ou elogiar: compreender

- Igualdade: será um a priori ou uma meta? Zhuangzi acha que não é um ideal
remoto, mas sim uma realidade obscurecida pela nossa preocupação com as
diferenças individuais. (Höchsmann e Guorong, 2016, p. 43).

- Primeiro passo no caminho para a igualdade: eliminar as distinções!

«O Céu e a Terra alimentam todas as criaturas da mesma forma. Por mais


importantes que sejamos, não podemos pensar que somos os maiores. Por mais
humildes que sejamos, não podemos pensar que somos os piores» (Zhuangzi 24,
p. 238).

- Grande ousadia de Zhuangzi, num mundo fortemente hierarquizado, defender a


igualdade entre todos, independentemente do seu estatuto e poder!

«Quando os subordinados e os superiores possuem a mesma virtude, não há


ninguém para atuar como ministro. Quando os subordinados atuam e os seus
superiores também atuam, então ambos possuem o mesmo dao. Quando os

51
superiores e os inferiores possuem o mesmo dao, não há ninguém para presidir
como soberano» (Zhuangzi 13, pp. 159-160).

 Individualidade humana: o que resta dela? Conflito entre igualdade e liberdade. E


quando as ações individuais colidem? Poderá ser superado o conflito entre
igualdade e liberdade? Para Zhuangzi, a liberdade não é um direito natural. Há
que discernir os pontos de vista universais, aquilo que existe em comum!

«Por isso, o sábio valoriza a luz no meio da confusão e das incertezas. Ele
não confia nas suas próprias opiniões, mas respeita as opiniões comuns. A isto
se chama usar a luz adequada» (Zhuangzi 2, p. 93).

- E a nossa individualidade? O que resta dela?


«E todos temos a nossa individualidade, que faz de nós aquilo que somos;
mas como é que sabemos que determinamos essa individualidade
corretamente?» (Zhuangzi 6?). A individualidade não resulta do isolamento, da
introspeção, mas sim da participação na ação comum.

- Diderot ((1713-1784) subscreve: o todo, sim, não o individuo!3.

- Esquecer o «eu»:
«Quando as pessoas tiverem esquecido as coisas externas e o Céu, podem
ser vistas como homens que se esqueceram de si próprios. O homem que se
esqueceu de si próprio pode ser visto como alguém que pode ser identificado
com o Céu» (Zhuangzi 12, p. 151).

- Esquecer-se de si para poder ser livre e útil aos outros; para ficar livre da nossa
identidade física individual, que restringe a nossa perceção daquilo que existe em
nosso redor.

Höchsmann e Guorong, 2016, nota 88, p. 78: Zhuangzi e o Budismo Zen: as


ideias de libertação do desejo e de vazio, em Zhuangzi, ressoam no Budismo
Chan/Zen. Quer o homem do dao, quer o aspirante ao Zen buscam o vazio. Mas

3
Apreço dos enciclopedistas do Iluminismo por Zhuangzi; cf. Denis Diderot (1713-1784), «O sonho de
D’Alembert». Também em Zhuangzi existe uma afirmação da individualidade. Os enciclopedistas
apreciavam muito a civilização chinesa. (Höchsmann-Guorong, 2016, nota 87, p. 78).

52
há uma diferença crucial entre minimizar o pensamento do eu e restringir os
desejos individuais (Zhuangzi), ou livrar-se do eu e suspender todos os desejos
(Zen). Zhuangzi não postula a aniquilação da individualidade; ele apresenta
uma consciência simultânea da singularidade do indivíduo como configurando a
limitação do pleno desenvolvimento e, por outro lado a importância de
compreender a ampla vastidão (‘the wide expanse’).

- Liberdade não contradiz igualdade (antes pelo contrário! «A autonomia do


individuo e a preocupação com os interesses partilhados não estão em conflito». O
grande homem é capaz de unir todas as individualidades (cf. Zhuangzi 25, p.
255). A individualidade é sustentada e preservada na universalidade abrangente.

- Os quatro objetivos de um bom governo: de cada um segundo as suas


capacidades; a isso se chama a «grande paz» (Zhuangzi 13, p. 161) … A cada um
segundo as suas necessidades!

 A importância da Sabedoria e as políticas do sábio:

- A base da sabedoria: a autonomia moral e intelectual:

«Quando o homem confiar na luz dos seus próprios olhos, não haverá ilusão
no mundo. Quando o homem ouvir com os seus próprios ouvidos, não haverá
perturbação no mundo. Quando o homem confiar no seu próprio conhecimento
não haverá (des)ilusões no mundo. Quando eles confiarem na sua própria
virtude, não haverá corrupção no mundo» (Zhuangzi 10, p. 138).

 sabedoria: respeitar a visão comum: cf. Zhuangzi 2, p. 93.

- Como é que o sábio se relaciona com as pessoas (e as transforma)?

«O sábio, quando vive humildemente, faz a sua família esquecer a respetiva


pobreza; quando é digno, faz os governantes e os duques esquecer o seu estatuto
e riqueza e tornarem-se humildes. Com o povo, o sábio participa nos seus
prazeres e valoriza-os, ao mesmo tempo que permanece fiel a si próprio. Sem
falar, ele gera harmonia no seio do povo. Nas suas relações com os outros, ele

53
transforma-os até que eles se sentem, relativamente a ele, da mesma forma que
um filho se sente em relação ao seu pai» (Zhuangzi 25, p. 249).

Nota 90, p. 78: Laozi e a estratégia correta do filósofo nos debates:


controlar o desejo de ter razão, que é a expressão do espirito de auto-
preservação. O filósofo devia era tentar não ter razão, mas de uma tal forma que
convencesse o adversário da falsidade da coisa. Ou seja: não procurar ter
cognições absolutas, irrefutáveis e estanques, mas pontos de vista/perceções
que levem a questão a interrogar-se a si própria (em 1989, Theodor
Adorno, filósofo, sociólogo e musicólogo alemão da Escola de Frankfurt que
viveu entre 1903-1969, terá visto na caracterização que Zhuangzi fez de Laozi
um precursor da Teoria Crítica e uma antecipação da sua interpretação do
pensamento dialético de Hegel como abolição da distinção entre tese e
argumento/antítese).

- A sabedoria é conseguir resolver conflitos sem parecer ser o líder: «Nunca constou
que ele assumisse a liderança, mas sempre parecia ter a mesma opinião que os outros»
(Zhuangzi 5, p. 112).

- O sábio é capaz de alcançar um acordo com o povo, ao mesmo tempo que


permanece fiel à sua natureza. «Ele põe todas as coisas em harmonia. (…) ele mistura
dez mil anos num só» (Zhuangzi 2, p. 95).

- O caminho da harmonia: desenvolvimento natural das coisas: se não impedirmos


isto através da imposição de constrangimentos artificiais, eliminaremos a causa de
muitos conflitos. É da natureza humana a orientação para ações que conduzem ao
bem comum; para isso não carecemos de leis e de instituições.

- Respeitar a evolução natural das relações humanas: «As relações humanas são
difíceis, mas há uma ordem e um modelo. O sábio não se opõe às relações humanas
quando se encontra com elas. Quando terminam, não procura retê-las. Ele é sensível à
harmonia ordenada na sua virtude» (Zhuangzi 22, pp. 222-223).

- Como o sábio guia as pessoas: banir as ideias feitas e falsas, a violência; explorar a
espontaneidade natural. Imparcialidade. Natureza verdadeira das coisas. Tudo é um.
Harmonia natural > seguir a direção do Céu.

54
«O sábio compreende as articulações entre ele próprio e os outros, e como é
que as coisas constituem um só corpo. Ele desconhece como é que isso
acontece: deve-se à sua natureza. Esteja ele a agir ou a ser agido, ele segue a
direção do Céu; por isso, as pessoas chamam-lhe sábio» (Zhuangzi 25, p. 250).

- O que se aprende com um sábio: a tornarmo-nos verdadeiramente humanos. A


natureza humana é naturalmente boa?

«Pode ser que a benevolência e a retidão não façam parte da natureza


humana. Considere-se quanta angústia se sente ao praticá-las … O homem
benevolente do presente olha para os males do mundo com os olhos cheios de
desespero, enquanto aqueles que não são benevolentes distorcem a sua natureza
inata e procuram a riqueza e a honra. Isto mostra, portanto, que a benevolência e
a retidão não são inerentes à natureza humana» (Zhuangzi 8, p. 130).

- Como deve um governante relacionar-se com alguém que não é naturalmente


bom? pergunta um conselheiro de governante:

«Aqui está o homem que é mau por natureza. Se eu permitir que ele prossiga
nesse caminho, o Estado ficará em perigo… O seu entendimento é adequado
para reconhecer as faltas dos outros, mas desconhece as suas próprias falhas. O
que devo fazer em tal caso?» (Zhuangzi 4, p. 106).

- A resposta, dada por alguém com notável sabedoria política: é uma boa pergunta!
Mas há uma grande tática para dar a volta ao outro: há que estar em guarda, ser
correto, tentar a concórdia e a harmonia mental. Mas há perigos: não te juntes às
atividades deles; não mostres como é que estás por dentro; não te associes demasiado a
ele, para não cair com ele; se ele agir como uma criança, sê também uma criança; se ele
resistir a restrições, perdoa-lhe. Se ele eliminar todas as restrições, faz o mesmo. Leva-o
para longe dos seus defeitos. (resumo de Zhuangzi 4, p. 106).

- Como reagir ao mal? Será a indignação reta uma virtude? A justiça apela à
aniquilação do mal (em autodefesa e na defesa dos inocentes e dos bons)? Resposta de
Zhuangzi: o apego aos nossos pontos de vista gera conflitos (Zhuangzi 26, p. 263); ter
atenção à relatividade das coisas, pois muitas vezes o correto e o incorreto não se
distinguem, e o pequeno e o grande são indefiníveis (Zhuangzi 17, p. 183); harmonizar
o certo e o errado, atuar como o Céu; isso é seguir dois caminhos (Zhuangzi 2, p. 92).

55
- Tudo isto introduz-nos no tema central do pensamento político de Zhuangzi: como
resolver conflitos: sem destruir o que rotulamos de errado! Procurar o que é comum,
harmonizar, consensualizar. Governo participativo: «O trabalho de governo deve ser
distribuído de acordo com a aprovação de todos» (Zhuangzi 26, p. 263).

- O denominador comum é que constitui o conhecimento e a virtude:


«Quando o homem perfeito emprega a sua mente, é como um espelho. Não
conduz nada nem antecipa nada; responde ao que estava antes, mas não o retém.
Assim, ele é capaz de lidar com sucesso com todas as coisas e não ofende
ninguém» (Zhuangzi 7, p. 128).

- «Os antigos governantes acreditavam que o sucesso do governo residia no povo e


o fracasso neles próprios. Atribuíam o que era correto ao povo e o que era errado a si
mesmos. Assim, mesmo quando uma pessoa perdia a vida, eles recuavam e
consideravam-se responsáveis. Mas agora é diferente». (Zhuangzi 25, p. 253).

- Zhuangzi democrático: o povo é que define o que é correto. O agir mal: é causado
por poucos recursos e por um governo injusto:

«Os governantes atuais escondem o que precisa de ser feito e depreciam o


povo como ignorante quando não [o] compreendem. Infligem dificuldades ao
povo e denunciam-no quando eles não conseguem ultrapassá-las. Impõem
cargas excessivas e punem aqueles que resistem; forçam o povo a um labor
estrénuo e condenam-nos à morte quando eles não podem continuar. Quando o
povo atingiu o limite da sua capacidade e da sua força, resvala para a velhacaria.
Quando, todos os dias, os governantes recorrem à hipocrisia, como é que os
oficiais e o povo não hão-de ser [também eles] hipócritas? Quando a força é
insuficiente, surge a hipocrisia; quando o conhecimento é escasso, surge a
deceção; quando os bens são raros, surge a ladroagem. Então quem é que deve
ser culpado por atos de furto e de roubo?» (Zhuangzi 25, pp. 253-254).

- Zhuangzi: as pessoas valem mais do que os territórios! Um bom exemplo: o caso do


governante Danfu (fundador de Zhou, cf. Livro das Odes), que vivia em Bin e deixou o

56
seu Estado ao adversário (a tribo Di) e foi fundar outro, no sopé da Montanha de
Qishan, só para evitar uma guerra! (cf. Zhuangzi 28, p. 270).

Paz e não violência; ceder em vez de retaliar.

- Quanto mais leis, menos justiça:

«O homem superior que se sente constrangido a envolver-se na


administração do mundo achará que o seu melhor caminho consiste em não
fazer nada. Ao não fazer nada, ele pode confiar nos instintos da natureza, dos
quais ele está dotado» (Zhuangzi 11, p. 141).

 Harmonia com a Natureza: como? Uma visão holística:

- China = um mosaico de povos (diferentes em quase tudo!). A filosofia da


harmonia: tentar unificar. Todas as Escolas se empenharam nisto, à sua maneira:
 Taoísmo: o caminho da natureza como modelo/padrão de vida.
 Confucianismo: ética assente na ideia da pessoa como um ser social.
 Zhuangzi: o indivíduo como um ser autónomo. (Höchsmann e Guorong,
2016, p. 54).

- Sempre o bem-estar do povo, mas por vias diferentes:
 Confucianismo = educação.
 Zhuangzi = espontaneidade. (ibid., p. 54).

- Tradição confuciana (Confúcio e Mêncio): amor, conhecimento, conduta


correta; paradigma clássico; ética pessoal; moralidade política; relações humanas
baseadas na virtude (≠ instituições impessoais). (ibid., p. 54).

- Zhuangzi: ideal utópico da virtude natural e da simplicidade na idade


primitiva > o homem primevo = uno com a natureza. Yin e Yang em harmonia.
Não fazer mal a nenhum ser vivo; estado de completa unidade. (cf. Zhuangzi 16, p.
178: «os homens possuíam conhecimento mas não o utilizavam»). (ibid., pp.
54-55).

57
- Na idade primitiva: unidade com a natureza e os animais. Igualdade entre todos.
Comunhão harmoniosa, virtude natural. Simplicidade pura > homens preservavam a sua
verdadeira natureza!

«Naquele tempo, nas montanhas, não havia caminhos pedestres nem passagens,
e nos lagos não existiam barcos nem barragens. Todas as criaturas viviam em
comunidades próximas umas das outras… Na idade da virtude perfeita, os homens
viviam em comum com os pássaros e as bestas e eram iguais a todas as [outras]
criaturas, como que formando uma família. Como é que [então] podiam distinguir
entre homens superiores e homens pequenos? Igualmente sem conhecimentos, eles
não se desviavam da sua virtude natural. Igualmente livres de desejos,
encontravam-se no estado da simplicidade pura. Em tal estado, o povo preserva a
sua verdadeira natureza». (Zhuangzi 9, p. 154).

- o todo que é mais do que a soma das partes; cf. metáfora do cavalo:

«As aldeias são formadas pela união de dez apelidos, e da união de cem
nomes resultam os costumes. Nesta comunidade, os diferentes indivíduos são
reunidos para formar um caracter comum, e aquilo que é comum entre eles é
separado para formar as diferenças individuais. Se apontares para diversas
partes de um cavalo, não tens o cavalo. Mas quando o cavalo está à tua frente, e
todas as suas partes estão presentes e juntas, tu tens o cavalo» (Zhuangzi 25,
pp. 254-255).

- «A ideia de Zhuangzi de sociedade é comparável à ideia de um todo orgânico,


um todo que é mais do que a soma das suas partes. As diferenças individuais
são como as diferentes partes do cavalo, enquanto a sociedade é como o cavalo
completo. Nem os indivíduos nem a sociedade podem existir separados uns dos
outros.» (Höchsmann e Guorong, 2016, p. 56).

> visão holística da sociedade. São os pequenos ribeiros que tornam grandes os
rios Yangtzé e Amarelo: «Os montes e as montanhas são tornados altos graças a
parcelas de terra que, individualmente, são baixas. O Rio Yangtzé e o Rio
Amarelo tornaram-se grandes a partir da união de ribeiros e rios» (Zhuangzi 25,
p. 255).

58
- O poder só tem sentido se for exercido em prol do povo todo. A sociedade
antes da divisão em classes:

«O povo tinha a sua natureza constante; teciam as suas roupas e


trabalhavam na terra para cultivar os alimentos. Esta era a sua atividade
comum. Eles formavam um só corpo nisto e não se dividiam em classes
separadas». (Zhuangzi 9, p. 133).

- O que é que Confúcio teria respondido ao apelo de Zhuangzi para um


regresso à natureza? Algo do género ‘tudo carece de poda, de estudo e de
esforço’; ‘as capacidades naturais são como as plantas, precisam de ser
cultivadas; ‘ os valores não são emprestados ou forjados, mas sim cultivados e
preservados’. A eventual réplica de Zhuangzi: a parábola do estudante que
quis aprender a andar à moda de Handan e acabou por perder tudo – regressou a
Shoulin de gatas (Zhuangzi 17, p. 188).

- Cultivar a nossa natureza e o «wuwei» exigem esforço mas compensa.


«Desenvolvendo o que é natural, nós recuperamos o nosso poder inerente.
Desenvolver a verdadeira natureza do homem é procurar um objetivo e um ponto
de vista imparcial». (Höchsmann e Guorong, 2016, p. 57).

 O ‘estado natural do homem’.

- Zhuangzi: a pequenez do homem à escala do cosmo:

«Entre o Céu e a Terra, eu não sou senão uma pequena pedra ou uma
pequena árvore numa grande montanha. Ao aperceber-me de como sou tão
pequeno, como poderia eu valorizar-me? Considera tudo dentro dos quatro
mares – comparado com o espaço entre o Céu e a Terra, não é mais largo do que
uma pilha de pedras num pântano. Considera o Reino do Meio [China] –
comparado com o espaço entre os quatro mares, é mais pequeno do que um
pequeno grão de arroz num grande celeiro». (Zhuangzi 17, p. 182).

 Transformação permanente, mudança natural e visão da morte:

«O mundo é visto a partir da perspetiva de todas as coisas em unidade, e não


do ponto de vista da dominação humana sobre o ambiente natural». >

59
Relativizar o individual, inscrevendo-o no seio do TODO em permanente
mutação.

- Tudo é mudança (natural e independência).

«As capacidades das coisas não podem ser definidas, o tempo nunca
pára, tudo está em constante fluxo, e os fins e os princípios das coisas
nunca são os mesmos.» (Zhuangzi 17, p. 182)

- O mundo natural = o palco da mudança permanente:

«Todas as coisas se concretizam pela sua transformação e


crescimento. Todo o botão e característica têm a sua forma própria. Há
um amadurecimento gradual e uma quebra gradual, e um fluxo contínuo
de transformação e mudança» (Zhuangzi 13, p. 160).

- E a vida humana? É transformação contínua, desde o nascimento! A vida


individual ≠ mónades avulsas; é antes parte de um todo. A individualidade =
uma conjugação provisória de elementos num corpo tomado de empréstimo!
(Höchsmann e Guorong, 2016, p. 61). [isto lembra muito o Budismo!]

- A morte = é uma mera sequência do nascimento:


«[Os homens] nascem através de uma transformação, e morrem na
sequência de uma outra mudança. As coisas vivas estão tristes e todos os
homens lamentam, mas trata-se apenas da remoção do arco do seu estojo e do
esvaziamento do seu conteúdo natural» (Zhuangzi 2, p. 223). (p. 62).

 as pessoas não morrem nem deixam de existir, mas são objeto de uma
transformação. O ponto de vista de Zhuangzi acerca da morte é o de que
esta não é aniquilação mas sim, tal como a sua visão da vida, a
continuação de um processo contínuo de transformação. (Höchsmann e
Guorong, 2016, p. 69).

- Zhuangzi: mas por trás da mudança / fluxo há a constância do dao:


«A união traz a separação; o nascimento traz a morte; os cantos
aguçados trazem a lima; a honra traz a depreciação; a atividade traz o
fracasso; o conhecimento traz a conspiração; a incapacidade traz o

60
desprezo. Onde se pode encontrar a constância?... No dao e na sua
virtude.» (Zhuangzi 20, pp. 204-205).

- O dao individual: essência subjacente a tudo. É necessário que tudo mude,


para que o dao fique na mesma! A mudança faz parte do curso natural das
coisas. Cf. Zhuangzi 5, p. 110 (citação de Confúcio).

- Mudar por dentro (≠ dos antigos, que mudavam só por fora). Tudo muda,
salvo a vida moral do homem do dao, que é constante. Mas como reconhecer
isto? Como ficar firmemente alinhado com o dao e alcançar a harmonia? É
preciso fortificar (e esvaziar) a mente.

«Sê indiferente ao teu corpo, dispensa o teu ouvido e a tua visão e


esquece o mundo exterior. Sê uno com a natureza última de todas as
coisas. Deixa de lado a tua mente, liberta o teu espírito, fica quieto
como se não tivesses alma. Todas as coisas vivas regressam à sua raiz.
Todas o fazem sem saber porquê. Todas estão na sombra da escuridão,
sem nunca a deixar. Se soubessem, deixá-la-iam. Não perguntes o seu
nome, não sondes a sua natureza e deixa todas as coisas ganharem vida
por si próprias» (Zhuangzi 11, p. 144).

 A felicidade suprema e o lugar dos sentidos (Zhuangzi vs. Yangzhu):

- Variações da fama e da fortuna = são indiferentes à felicidade suprema.

- Felicidade = «é leve como uma pena, mas ninguém sabe como a segurar»!
(Zhuangzi 4, pp. 108-109) > episódio com o louco de Chu (Jie Yu) e Confúcio:
além de dizer aquilo, o louco diz a Confúcio para desistir de ensinar aos homens as
lições da virtude; diz que Mestre Kung está em perigo; e conclui dizendo que
«todos conhecem as vantagens de ser útil, mas ninguém conhece as vantagens de
ser inútil»!

- «É ou não possível encontrar a felicidade neste mundo? (…) O que se deve


perseguir e o que é que se deve preservar? O que se deve evitar e procurar? Onde é

61
que devemos ficar e a partir de onde é que devemos partir? O que é que traz o
prazer e o que é que acarreta desespero?» (Zhuangzi 18, p. 191).

- É melhor ser um humano descontente ou um porco feliz? Cf. o diálogo com os


porcos e os dois pontos de vista > ao contrário de Stuart Mill, Zhuangzi não
considera a felicidade apenas a partir do ponto de vista humano. Desejar uma
coisa para si e outra para os porcos, porquê? Cf. Zhuangzi 19, p. 199. (Höchsmann
e Guorong, 2016, pp. 63-64).

 Os porcos serão mais espertos que os humanos? O que a ambição de


riqueza e fama faz aos homens! Cf. Zhuangzi 19, p. 191 (algo
diferente).

- Independência acarreta felicidade, mas a ambição e o luxo escravizam:

«Aquilo que o povo persegue como sendo a felicidade – eu não sei se


isso é ou não a verdadeira felicidade. Quando eu vejo aquilo que o povo
encara como felicidade e a forma incessante como a procuram, isso não
é aquilo a que eu chamaria de felicidade. Existe ou não a verdadeira
felicidade?». (Zhuangzi 18, p. 182).

- Zhuangzi analisa uma poderosa objeção possível à ‘vida segundo o dao’,


feita do ponto de vista do hedonismo > a música, a beleza, o sentido do
paladar, o dinheiro e o poder também podem ajudar muito a ser-se feliz! (Cf.
Zhuangzi 29, pp. 286-287).

- Os sentidos confundem e desviam-nos da nossa natureza original. «O


espírito ama a harmonia e evita indulgência na sensualidade.» (Zhuangzi
24, p. 238). (Höchsmann e Guorong, 2016, p. 65).

- Definição de felicidade suprema segundo Zhuangzi: é o cumprimento ou


plena realização da aspiração; os prazeres mundanos não preenchem a nossa
verdadeira natureza; as coisas que vêm de fora são passageiras; a felicidade não
depende da boa ou má sorte. > «Aqueles se que perdem na busca das coisas e
se desviam da sua natureza inata são pessoas que invertem a ordem das
coisas» (Zhuangzi 16, p. 179).

- Simplicidade, independência, espontaneidade, liberdade e autonomia. Isso


sim, é felicidade!

62
- Quanto mais damos aos outros, mais temos! «Eles podem viver na pobreza
e estar relegados para posições inferiores, e não desesperam. Estão preenchidos
pelo Céu e pela Terra. Quanto mais derem aos outros, mais têm» (Zhuangzi 21,
p. 217).

 O ideal taoísta do «wuwei»; felicidade em quietude e autonomia versus a


«eudaimonia» de Aristóteles:

- Não fazer nada = a suprema felicidade. O wuwei = não fazer o que é


desnecessário; imparcialidade, e não inércia; o caminho do homem é como o do
Céu: sem esforço e sem disciplina forçada. (Höchsmann e Guorong, 2016, p. 67).

- a inatividade do Céu e da Terra, da qual tudo resulta!


«O Céu não age e, assim, preserva a sua pureza. A Terra não age e permanece
quieta. (…) Todas as coisas, na sua inesgotável plenitude, resultam desta não-
ação. Por isso se diz: “O Céu e a Terra nada fazem e, no entanto, nada fica por
fazer”. Mas haverá algum homem capaz de alcançar esta não-ação?» (Zhuangzi
18, p. 192).

Eficácia silenciosa; seguir o curso da natureza, sem deixar de viver entre os
homens!

- Cf. Zhuangzi e Aristóteles, tão próximos (a felicidade não é um estado de


espírito flutuante), mas, ao mesmo tempo, tão distantes. Aristóteles: a felicidade é
uma atividade contínua; Zhuangzi: a felicidade é a quietude:

«Olha para a abertura na parede: a sala vazia está cheia de luz que passa
através dela. Há contentamento na quietude. Mas se tu não consegues
permanecer quieto, a isso chama-se o corpo sentado e a mente galopando»
(Zhuangzi 4, p. 104).

63
- A «eudaimonia» (‘vida boa’, com boa saúde e boa forma física) de Aristóteles
vs. a autonomia de Zhuangzi : «o nascimento do homem é, de algum modo, o
nascimento das suas dores» (Höchsmann e Guorong, 2016, p. 68).

- Zhuangzi explica como é que aqueles que estão «excluídos da festa da vida»
(James Joyce) podem ultrapassar os constrangimentos externos e internos e
conquistar a autonomia. Se não tiverem ilusões quanto àquilo que a busca de bens
materiais, fama, fortuna e estatuto lhes podem trazer, serão realmente livres e
conseguirão alcançar a máxima felicidade. (Höchsmann e Guorong, 2016, p. 68).

- O verdadeiro homem do «dao» é autónomo. Não depende de outros mas


também não busca o isolamento na floresta; pelo contrário, está plenamente
empenhado na vida. (Höchsmann e Guorong, 2016, p. 68).

- Zhuangzi está longe de recomendar a suspensão do desejo. Ele não abdica da


vida comum. O sábio não se separa da atividade dos comuns dos mortais.
(Höchsmann e Guorong, 2016, p. 68).

«Quando enumeramos as coisas que existem, listamo-las às dezenas de


milhar. O homem é apenas uma delas. (…) Comparado com as 10 mil
coisas, o homem é como que um único pêlo fino no corpo de um cavalo»
(Zhuangzi 17, p. 182). (p.69).

- Não devemos preocupar-nos demasiado com o «eu»:


«O grande homem não pensa em si próprio» (Zhuangzi 17, p. 183). «Pode
dizer-se que ele é uno com tudo aquilo que existe. Pertencendo a tudo o que
existe, ele não tem um eu individual. Não tendo um eu próprio, ele não vê as
coisas como possessão sua» (Zhuangzi 11, p. 145).

- A felicidade em Zhuangzi: harmonia entre o indivíduo e o Universo (≠


hedonistas, que encaram a felicidade como o prazer que resulta da satisfação de
todo o desejo).

64
- Felicidade humana (estar em harmonia com todo o povo) e felicidade
celestial/divina (estar em harmonia com o Céu):

«Ele [o grande homem] encara todas as coisas sem apego e o seu espírito
não está constrangido por elas. Ele avalia/julga todas as coisas, mas não encara
isso como retidão. Ele confere benefícios a dez mil gerações, mas não vê isso
como benevolência» (Zhuangzi 13, p. 159).

 O Yang e o Yin fazem parte da felicidade suprema?

- A felicidade suprema engloba o yin e o yang; as forças cósmicas da criação e as


energias dinâmicas de toda a vida são incorporadas e manifestadas.

«Aqueles que conhecem a felicidade do Céu, são como o Céu nas suas
ações ao longo da vida, e na hora da morte passam por uma transformação,
como as outras coisas» (Zhuangzi 13, p. 159).

- Felicidade suprema ≠ inatividade, isolamento… Dimensão cósmica da mente


do sábio: «Esta felicidade celestial forma a mente do sábio enquanto ele envolve
tudo sobre o Céu» (Zhuangzi 13, p. 159). Felicidade = harmonia entre
espírito/mente e universo.

- Visar longe e amplo, muito além do «eu»:


«O dao não se realiza dentro de um escopo estreito» (Zhuangzi 16, p. 179).

«O grande oceano nunca poderá ser preenchido com as águas que fluem para
dentro dele, e também não poderá ser esvaziado/esgotado quando as águas
fluírem de dentro dele. Divertir-me-ei na sua proximidade». (Zhuangzi 12, p.
153).

 O homem ideal: completo; espontâneo; natural:

- Zhuangzi nas palavras de Goethe, que amplifica a conceção do filósofo


chinês sobre a felicidade suprema como «o estado superior que é possível
alcançar», envolvendo beleza máxima, liberdade e igualdade para todos».4.

4
Veja-se também Johann Wolfgang von Goethe, 1749-1832 (a liberdade como «uma previsão de
capacidade») e a literatura chinesa. Quis ser recordado como aquele que mostrou aos jovens poetas como

65
- O caminho de Zhuangzi é aquele que continua a ser percorrido por
itinerantes/caminhantes com diversos pontos de partida e de chegada, os quais são
estimulados por «uma espécie de excitação interior» (William Yeats, Irlanda 1865 –
França 1939). (Höchsmann e Guorong, 2016, p. 70).

- Aquele que é espontâneo e natural e que é «capaz de deambular livremente sem


destino fixo, deliciando-se com os caminhos das formas em permanente mudança» é
que é o verdadeiro aspirante ao dao (Zhuangzi 6, p. 123).

- Felicidade suprema = amor supremo. O amor do sábio pela humanidade não tem
apego(s). (Zhuangzi 17 ?)!

- Como devemos viver? Sê infinito como o espaço e como as quatro direções – elas
não têm fronteiras e não formam cercas fechadas. Sustenta/apoia todas as coisas com o
teu amor.

9. Aforismos célebres de Lao Zi (Tao Te Ching)

- "Quando a bondade se perde, é substituída pela moralidade."

- "Sem trevas não pode haver luz."

- "A utilidade de uma panela vem do seu vazio."

- "A melhor gente é como a água, a qual beneficia todas as coisas e não compete com elas.

Mantém-se em lugares humildes que outros rejeitam. É por isso que é tão similar ao

Caminho."

- "Quando a gente acha algumas coisas bonitas, outras coisas tornam-se feias. Quando as

pessoas veem algumas coisas como boas, outras tornam-se más."

- "Tenta mudá-lo e estragá-lo-ás. Tenta mantê-lo e irás perdê-lo."

conseguir ser livre. Tinha grande estima pela literatura da China e teria concordado com o valor atribuído
por Zhuangzi à liberdade. (Höchsmann-Guorong, 2016, nota 80, p. 77).

66
- "Aqueles que sabem, ficam calados. Aqueles que falam, não sabem."

- "Quando tu reparas que nada falta, todo o mundo te pertence."

- "A natureza não se apressa, dado que tudo é realizado."

- "Um bom viajante não tem planos fixos e não está determinado a chegar."

- "A música na alma pode ser ouvida pelo universo."

- "Uma viagem de mil milhas começa nos seus pés."

- "Quanta mais leis e regulações tenham importância, mais ladrões e bandidos haverá."

67
TAO TE KING

(seleção de trechos; tradução de António M. Campos, Lisboa, Relógio de Água, 2010)

O que é o Tao ? (I) (cap. 25, p. 25)

Há uma coisa indiferenciada mas completa

anterior à existência do Céu e da Terra.

Muito serena e silenciosa,

Mantendo-se por si só inalterável,

movendo-se em círculo sem nunca se cansar.

Pode se assumir que é a Mãe do Céu e da Terra.

Não sei o seu nome

e designo-a usando a caracter Tao.

Forçado a descrevê-la, digo que é grande.

Grande, ou fugidia.

Fugidia, ou longínqua.

Longínqua, ou o oposto.

Por isso, o Tao é grande

O Céu é grande

A Terra é grande

E o Homem também é grande.

Há quatro grandes espaços

E o Homem mantém-se num que é seu.

O Homem flui da Terra

A Terra flui do Céu

O Céu flui do Tao

E o Tao flui espontaneamente por si.

68
O que é o Tao ? (II) (cap. 14, p. 33)

Olha-se e não se vê.

Diz-se que é raso.

Escuta-se e não se ouve.

Diz-se que é raro.

Agarra-se e não se prende.

Diz-se que é fino.

Sobre estas três coisas

nada se pode indagar.

Por isso, são algo indefinido que forma um todo

que nem é brilhante em cima,

nem obscuro em baixo.

É um fio sem fim!

Não se pode descrever.

Depois volta a ser coisa nenhuma.

Chama-se-lhe a forma do que não tem forma,

a aparência do que não tem aparência.

Chama-se-lhe a obscuridade fugidia.

Quando a encontramos, não lhe vemos o início.

Quando a seguimos, não lhe vemos o fim.

Apreender o Tao antigo

lidando com o que existe no presente,

sendo capaz de reconhecer a antiga origem,

a isso se chama desembaraçar o fio do Tao.

69
Tao e Te (Virtude) (cap. 51, p. 39)

O Tao dá-lhes vida

A Virtude cuida delas

A substância dá-lhes forma

As circunstâncias completam-nas.

Por isso, entre todas as dez mil criaturas

Não há nenhuma que não respeite o Tao

E não valorize a Virtude.

O respeito pelo Tao e a honra prestada à Virtude,

ninguém os impõe.

Aparecem sempre espontaneamente por si.

Por isso, o Tao dá-lhes a vida

E a Virtude cuida delas

Fá-las perdurar e desenvolve-as

Abriga-as e trata delas

Cria-as e protege-as.

Dar vida sem se apropriar

Agir sem esperar retorno

Persistir sem dominar

A isso se chama-se a virtude oculta.

A importância do vazio oculto (cap. 11, p. 41)

Trinta raios, em conjunto, formam o centro de uma roda.

É precisamente o que nele não existe

que dá utilidade ao veículo.

Molda-se o barro para fazer um vaso.

É precisamente o que nele não existe

70
que dá utilidade ao vaso.

Furam-se portas e janelas para fazer uma sala.

É precisamente o que nela não existe

que dá utilidade à sala.

Por isso,

O que existe é o que lhes dá valor,

O que não existe é o que os torna úteis.

Yin e Yang (cap. 42, p. 45)

O Tao gera o Um

O Um gera o Dois

O Dois gera o Três

O Três gera as dez mil criaturas.

As dez mil criaturas carregam o Yin

e abraçam o Yang,

combinando esses sopros do Chi para serem harmoniosas.

O que causa desgosto aos outros:

ser solitário, órfão, viúvo ou infeliz,

reis e duques assumem-no como um elogio.

Porque há coisas que,

se as diminuímos, aumentam

e se as aumentamos, diminuem.

O que os outros ensinam eu também ensino:

«Quem é inflexível como uma viga

não encontra uma boa morte».

E será esse o ponto de partida para o meu ensino.

71
O exemplo da água (cap. 43, p. 53)

O que há de mais flexível no mundo

ultrapassa, a galope, o que há de mais firme no mundo.

O que não existe entra onde não há espaço para entrar.

Por isso sabemos

que o sem agir tem vantagens.

Mas o ensino sem palavras

e as vantagens do sem agir

são raramente alcançadas no mundo.

O nada que é tudo (cap. 5, p. 87)

O Céu e a Terra não são bondosos.

Tratam as dez mil coisas como cães de palha.

Quem é sábio não é bondoso.

Trata as pessoas comuns como cães de palha.

O espaço entre o Céu e a Terra

não se parece com um fole?

É vazio mas nunca é subjugado.

Move-se e expele de cada vez mais.

Dizendo muitas palavras, fica-se sem nada.

Não é comparável a guardá-las lá dentro.

Qual o valor do conhecimento ? (cap. 20, p. 99)

Renuncie-se à aprendizagem e acabarão as ansiedades

De um verdadeiro sim a um insincero,

a distância será minúscula?

E do belo ao repugnante

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A distância será semelhante?

Os lugares que os outros temem,

não conseguimos deixar de os temer.

São abandonados!

E isso tão cedo não acabará!

Todos andam prósperos e felizes,

como se festejassem nos grandes sacrifícios,

como se subissem a um terraço, na Primavera.

Só eu ando à deriva, sem indícios sobre o meu futuro.

Pareço um recém-nascido antes do seu primeiro sorriso.

Tão débil!

Pareço não ter aonde regressar.

Todos têm mais do que precisam,

Só eu pareço ter sido esquecido

e ter a mente de um tolo.

Tão turva e confusa!

As pessoas vulgares são tão luminosas.

Só eu sou tão sombrio.

As pessoas vulgares estão muito atentas.

Só eu me mantenho fechado e apático.

Todos os outros são úteis,

Só eu teimo em parecer desprezível.

Só eu sou diferente dos outros

E acho precioso o alimento da mãe.

Como governar ? (cap. 3, p. 123)

Não favorecer os mais talentosos

faz com que no povo não surjam disputas;

Não valorizar as coisas difíceis de obter

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faz com que no povo não surjam ladrões;

Não ver o que pode despertar os desejos

faz com que nas mentes não surja a confusão.

Por isso o governo de quem é sábio

Esvazia as mentes

Enche as barrigas

Enfraquece as intenções

E fortalece os ossos.

Faz com que o povo fique sempre

sem saber e sem desejos

E faz com que os inteligentes

Não se atrevam a agir!

Age sem agir

E, desse modo, nada fica por governar.

A imortalidade (cap. 50, p. 151)

Saindo para a vida e entrando para a morte,

Seguidores da vida, são três em dez.

Seguidores da morte, são três em dez.

Pessoas que vivem movendo-se a caminho da sepultura,

também são três em dez.

Por que razão?

Porque vivem no que há de espesso na vida.

O outro refreia os sentidos e sabe conservar a vida.

Viaja por terra e não encontra rinocerontes nem tigres.

Entra no exército e não usa armadura.

Os rinocerontes não têm onde enfiar o seu chifre,

Os tigres não têm onde fincar as suas garras,

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As armas não têm onde enfiar a sua lâmina.

Por que razão?

Porque não tem sepultura.

Agir ou não agir ? (cap. 64, p. 177)

O que está tranquilo é fácil de manter.

O que ainda não dá indícios de mudar é fácil de gerir.

O que é frágil é fácil de desmoronar.

O que é pouco é fácil de dispersar.

Deve-se agir no ainda não ter sido.

Pôr em ordem antes de haver confusão.

Uma árvore da largura de um abraço

cresce a partir de um pêlo insignificante.

Um terraço da altura de nove andares

eleva-se a partir de terra amontoada.

Uma viagem de mil léguas

começa debaixo dos nossos pés.

Quem age estraga.

Quem agarra perde.

Por isso, que é sábio,

como não age, não estraga.

como não agarra, não perde.

Quando as pessoas se dedicam a uma obra,

muitas vezes estragam-na quase ao terminá-la.

Se formos tão cuidadosos no final como no início

a obra não fica estragada.

Por isso, quem é sábio

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deseja não ter desejos

e não atribui valor às coisas difíceis de obter.

Aprende a desaprender,

recuperando dos excessos de todos os outros,

Para contribuir para a espontaneidade das dez mil coisas,

Sem nunca se atrever a agir.

Referências bibliográficas

Fontes:

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Tradução e Comentários de António Miguel de Campos. Lisboa, Relógio
D’Água, 2010.
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Notas de António Graça Abreu. Lisboa, Vega, 2014.
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Guorong. London & New York, Routledge, 2016.

Estudos:

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tempo de Buda, Sócrates, Confúcio e Jeremias. Trad. port., Lisboa:
Temas e Debates, 2011.
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Oxford University Press, 2007.
 DÍEZ DE VELASCO, Francisco – Breve historia de las religiones.
Madrid: Alianza Editorial, 2011.
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Publishing, 2004.
 KÜNG, Hans – Religiões do mundo: em busca dos pontos comuns.
Lisboa; Multinova, 2005.
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History of Ancient China. New York, Cambridge University Press, 1999.
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 TINCQ, Henri (dir.) – Le Larousse des religions. Paris: Larousse, 2005.
 VAN NORDEN, Bryan W., Virtue Ethics and Consequentialism in Early
Chinese Philosophy. New York-Oxford University Press, 2007.
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