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- É difícil ler Zhuangzi! Se não ficarmos sem entender algumas passagens, então é
sinal de que não o lemos de forma séria!
- Como traduzir o Zhuangzi? Nem sempre é fácil a opção entre seguir fielmente o
texto (ao ponto de preservar a sua ambiguidade), ou ceder ao desejo de o tornar
inteligível
- há ainda o Livro de Liezi (ver infra, pg. 105!). Trata-se de uma introdução
envolvente ao Taoísmo e é mais acessível do que as outras duas obras. Pensa-se que
não é uma obra original de Liezi (um taoista lendário, c. 600 ou c. 400 a.C.), mas
antes uma compilação de ideias aparentadas, incorporando os ensinamentos de
Liezi e de Yangzhu (440-360 a.C.).
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Os suportes dos manuscritos chineses antigos e a precariedade da escrita: a
precariedade da escrita antiga: ideogramas ou caracteres ainda em fase de
consolidação, gravação em pedra, em lamelas de bambu ou em seda…
As cópias e as variantes:
- As cópias e as variantes, ao longo da transmissão do manuscrito. Note-se que os
«quatro tesouros do letrado» (papel, pincel, tinta da China e tinteiro) só apareceram
com a dinastia Han (206 a.C.-220 d.C.).
- Kant e Hegel achavam que na China não havia filosofia. Para Kant, em
Confúcio não há nada definido, além de uma moral comum colocada sob a forma de
uma boa e sã doutrina; mas quase todos os povos fizeram isto, alguns até de uma
forma melhor! Kant achava que Confúcio era apenas um homem que tinha uma
certa sabedoria prática e mundana (cf. Kant, Lições de História da Filosofia).
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- os chavões do Ocidente, como se pode perceber em Kant: um verdadeiro
conceito de virtude e de moralidade não entrou nas cabeças dos Chineses; o seu
mestre Confúcio, nos seus escritos, não ensina senão uma doutrina moral destinada
aos príncipes. Comentário de Höchsmannn e Guorong: esta abordagem da
filosofia chinesa com chavões piedosos, assim como a visão do Taoísmo como uma
escola puramente mística, ainda hoje persiste no Ocidente!
- A China nos séculos VI a III a.C. > tempo de transição, incerteza e divergência.
(p. 4). A evolução da filosofia: os filósofos querem travar a crise. Tal como na
Grécia, a filosofia chinesa surge num contexto de desunião e de caos.
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todas as contendas e conflitos). Outros 4 movimentos influentes:
Legalistas (anti-tradição, visam criar novas instituições); Lógicos;
Hedonistas (felicidade resulta da satisfação dos desejos); Yin e Yang
(complementaridade dos contrários faz mover o universo).
O Budismo, a partir do séc. I. Grande crescimento e influência forte no
séc. VII.
O Neoconfucianismo: nas dinastias Song (960-1279) e Ming (1368-
1644) a síntese formidável dos contributos do Confucianos, dos
Taoístas, dos Mozistas e dos Budistas > Confúcio deu a moldura;
Taoísmo, Budismo e Mozismo contribuem para o enchimento.
(FASE 1)
aproveita mais de Confúcio do que se pensa; de certo modo, Zhuangzi serviu a causa de Confúcio à sua
maneira… Ele admirava o Mestre Kung, o que ele criticava era sobretudo o formalismo e o ritual vazios,
a negligência quanto às necessidades do povo, a presunção e reivindicação de autoridade sobre a
Antiguidade, as doutrinas e disputas estreitas entre as diversas seitas do Confucianismo tardio. Isso é que
provocava a censura de Zhuangzi, que acabou por aprofundar o pensamento de Confúcio desafiando-o da
forma mais dura possível. Mas Zhuangzi reconhece a intenção sincera e a coragem de Mestre Kung.
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livro Gongsun Longzi. (p. 24). Os Lógicos foram pioneiros: além dos Mozistas
(que exploraram a lógica e a ética), foram os únicos pensadores da China antiga
cuja área prioritária de investigação era a lógica. (p. 24). Os problemas filosóficos
debatidos pelos principais representantes desta escola, como Hui Shi (c. 380-305
a.C.) e Gongsun Long (n. 380 a.C.) incluíam: metafísica, epistemologia, filosofia da
mente, filosofia da linguagem e lógica. A principal preocupação = a clarificação
conceptual e a investigação acerca da natureza da existência, da relatividade, do
espaço, do tempo, da qualidade, da atualidade e da natureza da existência. (p. 24).
Gongsun Long sublinhou a universalidade e a permanência. Hui Shi a relatividade
do espaço e do tempo, e a mudança. (p. 24). os Lógicos tinham fascínio pelos
paradoxos da linguagem e do pensamento; justapuseram/ depoimentos
contraditórios, à maneira de poesia surrealista (v. exemplo em Zhuangzi 33, pp.
315-316).
(FASE 2)
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- Terra Pura (Jing Du): enfatiza a fé em Amitabha [cap. sobre o
Budismo: Amida] que pode salvar todos os seres e proporcionar o seu
renascimento na terra do Paraíso Ocidental. Apela sobretudo ao
coração.
- Montanha do Terraço/Planalto Celestial (Tian Tai): valoriza uma
abordagem racional do estudo das escrituras + meditação = o caminho
certo para alcançar a iluminação. Apela sobretudo ao intelecto.
Identifica a absoluta natureza do Buda em cada um dos fenómenos.
- Esplendor da Flor / 100 Flores (Hua Yen): interconexão de todos os
seres; nada tem o seu próprio ser, tudo depende, para existir, do
conjunto do reino da realidade.
- Chan (Zen): defende o abandono do discurso racional e do estudo das
escrituras, em prol de uma apreensão intuitiva da natureza do Buda,
num momento de iluminação súbita.
- Também se disse que o Taoísmo não é apenas uma doutrina religiosa, mas está
intimamente ligado às atividades tradicionais e às práticas da vida quotidiana
na China.
- Do ponto de vista moral, o Taoísmo insta-nos a que nos esforcemos por viver em
completa harmonia com o inteiro universo e a alcançar a liberdade intelectual
e moral absoluta/completa
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- A influência do Livro das Mutações. Mas é no Dao De Jing que o dao alcança o
seu maior valor, enquanto ‘realidade final/última’. Lao Zi introduziu um conceito
surpreendente – o do «dao absoluto», que substitui o ‘dao do Céu’ e o ‘dao do
homem’, já conhecidos de épocas anteriores.
- Lao-Tsé escreve por paradoxos, para confundir o leitor, que deve descobrir a
conclusão por si só, ele escreve apenas as conclusões e não dá pistas! O governante
tem de percorrer ele próprio o Caminho, sem relatos em 2.ª mão!
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- Consta de 81 capítulos enigmáticos em verso. É mais espiritual do que os textos
dos legalistas, mas têm afinidades entre si > desprezo pelos Confucionistas; visão
paradoxal do Mundo (os objetivos apenas se alcançam se se perseguirem os seus
opostos.
- O pinyin remete para Dao De Jing. Mas o sistema Wade-Giles (o mais antigo de
transliteração para língua inglesa) opta por Tao Te Ching. Também é vulgar
encontrar Tao Te King. Ora, «jing» (ou «ching», ou «king») significa «livro
canónico», ou «obra clássica».
- Mas de onde vem o Tao Te King? É que «jing» ou «ching» pronuncia-se «king»
nos dialetos das vastas regiões a Sul do rio Yangtsé (ex: Xangai) e «keng» na zona
de Cantão. A Escola Francesa do Extremo Oriente e as traduções francesas usam
muito o título Tao Te King.
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- É o sistema de Wade-Giles que nos oferece a leitura mais aproximada (Tao Te
Ching) dos três caracteres, de acordo com o mandarim, a língua padrão da grande
China e de Taiwan. É esta também a romanização mais adequada dos três
caracteres chineses que constam do título do livro de Laozi. Aliás, muitos sinólogos
em todo o mundo, e muitos letrados chineses em obras recentes, já usam esta
solução.
- Tao significa «via« ou «caminho», usa-se para nomear aquilo que existe de mais
profundo e misterioso na realidade. Te quer dizer «virtude» ou «conduta», é um
termo usado pelos Taoístas para designar a manifestação do Tao no mundo.
- Considera-se que, graças a Confúcio e a Lao Zi, o grande imperador Han Wendi
governou a China (de 197 a 157 a.C.) com sabedoria e simplicidade. E que o filho e
sucessor (Han Jingdi) foi quem deu finalmente ao livro o nome de Tao Te Ching
- O Tao Te Ching, obra atribuída a Lao Zi, «será anónima, posterior à sua [de Lao
Zi] existência real, redigida provavelmente no início da dinastia Han (206 a.C.-220
d.C.), talvez seja até da autoria de diferentes letrados». (Abreu, 2014, p. 7).
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diferente: começa com o TE (ou DE: Virtude ou Poder), e só depois vem o TAO
(DAO: Via ou Caminho).
- Como a autoria não foi posta em causa antes do séc. II a.C., pode tratar-se de uma
compilação de textos taoistas realizada ao longo de vários séculos» (pp. 17-18). Há
capítulos que pelo seu tema ou estilo sugerem uma autoria diferente; e as várias
secções começadas por «Por isso», «Assim», «Então», ou «Por isso, uma pessoa
sábia» sejam comentários posteriores. (Campos, 2010, pp. 17-18).
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- As datas de vida Lao Zi: as estimativas variam entre c. 600-500 a.C. e 460-380
a.C. Não sabemos ao certo quando Lao Zi viveu, ou até se terá existido mesmo!
(Abreu, 2014, p. 7).
- Lao-Tsé viveu quase de certeza no séc. III a.C. (# Karl Jaspers, que o situa no
séc. VI a.C.). (Armstrong, 2009, p. 16).
- Sima Qian (146-85 a.C.): o maior historiador chinês, apresenta nas suas
«Memórias Históricas» uma pequena biografia de Lao Zi; aqui, diz que ele era
natural da aldeia de Qurenli (comuna de Lixiang, distrito de Kuxian, o reino de
Zhou), no atual distrito de Luyi, província de Henan (ou Honan). Acrescenta ainda
que o seu nome de família era Li, o apelido Er e o nom de cortesia era Dan. E conta
que ele ocupou funções de bibliotecário nos arquivos do reino de Zhou.
- Sima Qian diz também que Confúcio visitou a capital do reino de Zhou e se
encontrou com Lao Zi, para o interrogar acerca dos homens e dos ritos a cumprir na
vida em sociedade. Lao Zi ter-lhe-á dito que o sábio de excelente virtude mostra-se
(no rosto e na aparência exterior) como se fosse um pobre diabo. Renunciai ao
orgulho (diz Lao Zi a Confúcio), «aos infindáveis desejos, lançai fora tanta ambição
e vaidade» (p. 8). Note-se a crítica severa ao pensamento e oral de Confúcio, a
retomar em textos taoistas posteriores.
- Sima Qian e o encontro (uma ou duas vezes) entre Lao Zi e Confúcio (n. 551
a.C.): Lao Zi seria uns bons anos mais velho do que Confúcio. Este último fixou um
bom sistema de valores, uma moral, regras e éticas; a sociedade chinesa assumiu
esta orientação, mas raramente a cumpriu…
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- Lao Zi viveu muitos anos na capital (atual cidade de Luoyang, na província de
Henan) e presenciou o declínio das instituições do reino. A história da alfândega:
resignou ao cargo [de bibliotecário] e viajou para Ocidente; na passagem por
Hangu, o comandante militar Yin Xi pediu-lhe que escrevesse um livro sobre a arte
de viver. Assim nasceu o Tao Te Ching, com os seus 5 mil carateres, dedicado ao
significado do Tao e do Te. Depois partiu montado num búfalo e desapareceu por
detrás das montanhas (citado por Jean Grenier). Para onde é que Lao Zi terá ido:
para a Índia? Para o Tibete?
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- A versão mais fiável, de entre as que chegaram até nós: é a que acompanha os
comentários ao Tao Te King feitos por Wang Pi (226-249 d.C.), um jovem mas
precoce filósofo chinês. Pensa-se que será a edição tida como mais autorizada
disponível no seu tempo, devendo ter resultado do trabalho de muitos eruditos
anteriores.
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- A 1.ª tradução chinesa-portuguesa do Tao Te Ching: pelo macaense Luís
Gonzaga Gomes (1907-1976), em 1952. A tradução é excelente, bilingue e com
uma bela Introdução. Chama Láucio a Lao Zi (latinizou o nome).
- A dinastia Han (206 a.C. a 220 d.C.) alavancou e difundiu o Taoísmo, que então
ganhou verdadeira força pelo império.
- A escola Taoísta: identificada com a palavra Tao, por ter atribuído conotações
novas a este termo, associando-o a uma abordagem diferente da Realidade Última.
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- O Taoísmo inspirou calígrafos, pintores, músicos, poetas. «Na grande arte
chinesa, a imanência e permanência do Tao irradia montanhas de luz e lagos de
sabedoria»; e estende-se ao budismo «chan» (em japonês: «zen», do sânscrito
«dhyâna» ou meditação): um penetrante diluir dos pensamentos de Buda no
pensamento taoista. O chan/zen apenas chegou ao Japão no séc. XII, mas na China
teve mestres e vida própria desde o séc. VI (cf. Ana Cristina Alves, A Sabedoria
Chinesa, Casa das Letras, 2005, pp. 25-33).
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mágico-religioso também com deuses menores e espíritos muito variados,
incluindo o fengshui = a geomância (adivinhação com base na terra).
Tudo isto difere bastante dos primeiros taoistas, para quem «a revelação
divina estará no coração de cada um, onde tudo é natural, límpido e escuro
como a sucessão dos dias e das noites».
Taoísmo = Misticismo?
- O Taoísmo é misticismo? Em certo sentido, sim. Mas não é essencialmente
isso, no sentido de ter sido capturado/agarrado num momento inspirado de
revelação ou de união com o sobrenatural. Quer o Dao De Jing quer o Zhuangzi
fazem questão de explicar a natureza e o funcionamento do dao em termos de
experiência concreta e tangível, sem apelar a uma intuição especial que permita
apreender o reino da realidade para além da experiência ordinária/comum. As
explicações do dao como conceito metafísico e ético estão articuladas com
perceções comuns.
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universais. As pessoas em diferentes lugares pegam um vislumbre disso e
acham que o captaram na sua totalidade. Podem ser comparados à orelha, aos
olhos, ao nariz ou à boca. Cada sentido tem a sua própria função; as distintas
faculdades não são intermutáveis e por isso não podem compreender-se umas às
outras. Foi isto que sucedeu com os numerosos ramos das várias escolas»
(Zhuangzi 33, p. 309).
- Zhuangzi parece ter sido cuidador de um pomar de árvores de laca (cf. poema
de Wang Wei, da dinastia Tang, m. 761 d.C.).
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- Zhuangzi: é um pensador original e as suas ideias podem ser abordadas a partir
de diversos ângulos. É como um espelho e uma lâmpada refletindo e iluminando as
ideias que animaram o mundo chinês no período clássico.
- uma amizade improvável: Huizi e Zhuangzi (c. 370-311 a.C.), uma das grandes
figuras da Era Axial chinesa, adepto de Yangzi, adorava discutir com Huizi e sentiu
muito a sua morte em 319 a.C.
- na altura da sua primeira retirada da vida pública, para obter paz e segurança,
Zhuangzi era adepto de Yangzi; mas depois percebeu que nenhuma criatura
pode ter vida absolutamente segura e protegida.
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↓
- nova maneira de ver o mundo e a vida: tudo em fluxo e transformação
contínua, não vale a pena absolutizar /congelar pensamentos e experiências.
O Caminho do Céu não funciona assim.
- Arthur Waley observou que não é certo quais são os capítulos genuínos, pois
«não há provas de que as partes boas sejam anteriores às partes más»; «algumas
partes devem-se a um poeta esplêndido, mas outras são rabiscos fracos». (A. C.
Graham acha que os capítulos 23 a 33 incluem consideráveis remendos, que
parecem constituir anotações do próprio Zhuangzi.
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natureza humana, geralmente só piora as coisas. Ideal = o não-governo! Obrigar as
pessoas a obedecer a leis = antinatural e perverso (é como pôr cabresto no
pescoço dum cavalo).
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- Originalidade e independência de Zhuangzi relativamente aos clássicos: ele
parte da ideia clássica do dao, e de Laozi, para lançar/construir uma versão do
Taoísmo que é independente da ortodoxia do momento e da tradição arraigada de
veneração dos textos clássicos.
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dentro do indivíduo e do Estado. Zhuangzi alarga a preocupação ética ao reino
da natureza e busca a harmonia com toda a natureza.
- única asserção válida = a que nos mergulha na dúvida e num luminoso sentido
da ignorância: não há “certeza” e é saber isso que conduz ao Caminho. O maior
obstáculo à iluminação = o nosso egoísmo, o eu inflado.
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A busca da síntese harmoniosa:
- Zhuangzi deve ser o mais filosófico de todos os pensadores chineses. E revela
grande capacidade para construir uma síntese filosófica e original de diferentes
perspetivas. A sua atualidade é manifesta.
- Zhuangzi não adere a nenhuma posição, antes examina sem cessar pontos de
vista opostos; cf. citação gira em Zhuangzi 33, p. 314.
- Não agimos só para sobreviver, mas também para o bem comum; é na busca
desta harmonia que começa a vida moral do homem.
«Harmonizar as visões opostas é a operação do Céu. Seguindo este processo
ilimitado, podemos completar a nossa vida» (Zhuangzi 2, p. 96).
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- Zhuangzi: buscou a síntese que supera a diferença e a oposição dos contrários;
alcançar essa unidade essencial far-nos-á relativizar a nossa identidade
individual:
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e que todos somos aspirantes ao dao em igualdade de circunstâncias. As ideias de
Zhuangzi mergulham-nos no infinito, lançam a mente na imensidão do ser:
- o sábio ideal: «um sábio que tivesse aprendido a não analisar, fazer distinções e
pesar alternativas e que tivesse abandonado “o princípio do ego”, fazia o que
surgisse naturalmente e tornar-se-ia uno com o mais profundo e o mais divino ritmo
do universo». (Armstrong, 2009, p. 297).
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- Zhuangzi foi mais longe do que Mozi quanto ao “amor” e “preocupação” >
não fixar a atenção em seres individuais (efémeros), mas pregar também a
espiritualidade da empatia. O sábio (que não tinha “eu”) = altruísta por definição >
sentir os outros seres como um espelho, sem a distorção das lentes do ego; graças
ao Grande Conhecimento, possuir o dom ilimitado da benevolência,
espontaneamente, sem precisar do “ren” nem pensar em si mesmo. (Zhuangzi 1: 21;
6:80; 7:32; 13:2-6; 33:56; e 6:11).
- Zhuangzi teve grande influência na China, e também nos informa bastante sobre
o pensamento filosófico chinês.
- A igualdade é crucial tanto para Zhuangzi como para Dworking; mas o chinês vai
mais longe na sua preocupação com o bem-estar de todos; defende a igualdade de
todos os seres humanos, mas a defesa que Zhuangzi faz da igualdade não adota a
linguagem da teoria dos direitos.
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6. Conceitos basilares do Taoísmo:
O que é o Tao?
- Importância do dao na China. O conceito do dao atravessou a visão do mundo
das várias escolas de pensamento. Significado literal: «via», «caminho», «estrada».
Do curso astronómico das estrelas (possível significado original) às constelações de
significado. De Laozi (Dao De Jing) a Zhuangzi. A ideia de dao é pela primeira
vez formulada distintamente por Laozi no Dao De Jing, como assunto de
investigação sustentada.
- Isócrates (436-338 a.C.): tudo acontece de acordo com este logos (cf. citação de
Werner Jaeger, «Paideia», na p. 30). Parménides (n. c. 515 a.C.), o 1.º metafísico
de sangue puro no Ocidente, também usa (como os filósofos do dao) a metáfora da
estrada > o caminho e a aproximação ao ser (Höchsmann e Guorong, 2016, p. 30).
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(virtude), não no sentido de ‘contrário do vício’ mas enquanto poder latente
inerente a todas as formas de vida. (Höchsmann e Guorong, 2016, p. 30).
- O Tao = «o que há de mais profundo e misterioso na realidade e faz com que tudo
seja como é. É o conjunto indiferenciado de tudo o que existe, mas também o
princípio supremo que gera e está na origem do seu devir, ou seja, é também o seu
Caminhar. O que é feito confunde-se com o que o faz» (Campos, 2010, p. 20).
Laozi cita um velho adágio em que o dao é comparado ao espírito do vale vazio e
ao «misterioso princípio que flui ininterruptamente tal como uma cascata, como se
fosse eterno, a sua misteriosa entrada/chegada é a raiz do Céu e da Terra».
(Höchsmann e Guorong, 2016, p. 16).
«Deve-se agir no ainda não ter sido. / Pôr em ordem antes de haver
confusão. (…) Quem age estraga. / Quem agarra perde. / Por isso, quem é
sábio / como não age não estraga. Como não agarra, não perde».
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- Razão e palavras não chegam (o dao está para além do limite da palavra). Cf.:
«Aquilo que pode ser descrito pelas palavras e que o conhecimento pode
compreender pertence ao mundo das coisas. Aquele que aspira ao dao não
procura as ações das coisas desde o início até ao fim» (Zhuangzi, 26, p. 256).
- Laozi e Zhuangzi: não se pode explicar a metáfora! cf. citação de Zhuangzi 25, p.
257:
«O nome dao é uma metáfora, funciona como uma descrição . Dizer que ele
causa ou não causa algo é apenas falar de um aspeto das coisas: não se refere ao
assunto em si. Se as palavras fossem adequadas, então poderíamos esgotar o
assunto num dia; como são inadequadas, podemos falar todo o dia, mas o que
podemos esgotar são apenas coisas».
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- Polissemia do «dao» de Zhuangzi (conceito simultaneamente da metafísica, da
epistemologia, da ética, da filosofia política e da estética): dao do homem; dao da
natureza; dao ‘global’; dao do Céu. Tudo está em mudança permanente.
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- O Tao também é «a força natural que existe por toda a parte, o fluir e a harmonia
da Natureza, uma espécie de poder omnipotente que acompanha a nossa vida. O
homem assume-se como uma pequeníssima parte do mundo natural» (Abreu, 2014,
pp. 10-11).
- O Tao será também o Deus criador? Cf. Evang. S. João (XIV: 6): «Eu sou o
caminho, a verdade e a vida». Cf. também, Padre António Vieira: «A imensidade de
Deus no mundo. (…) Por onde se estende e até onde? Até onde não há onde: sem
termo, sem limite, sem horizonte, sem fim» (Abreu, 2014, p. 11).
«Na origem última de todas as coisas não havia nada; nada existia que
pudesse ser nomeado. A partir disto surgiu o Uno [the One], a primeira
existência sem forma. Depois foram produzidas diferentes coisas, que
receberam aquilo que consideramos como os seus atributos. Aquilo que era
informe foi dividido e continuou então interligado [i.é, foi separado em ying e
yang e interligado dentro do círculo]. Os dois processos levaram à produção de
todas as coisas. Quando as coisas foram concluídas, cada uma delas emergiu
com a sua forma corporal. A forma individual continha o espírito e as
características particulares chamadas a sua natureza. Quando a natureza é
cultivada, ela retorna ao seu caráter próprio; e quando isso é plenamente
conseguido, alcança-se um estado igual ao originário» (Zhuangzi 12, p. 150).
- capítulo 25 do Tao Te King [p. 25]: o que havia antes do Céu e da Terra? Uma
coisa nebulosa, silenciosa, vazia, sozinha, imutável: «o Caminho», a «Grande» [o
Tao]. Não é preciso batizá-la, mas devemos moldar-nos a ela.
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- O que é o Dao:
«O dao não está incluído no que é o maior, nem nunca está ausente do que é o
menor. Por isso encontra-se completo e incorporado em todas as coisas. Na sua
vastidão, envolve todas as coisas». (Zhuangzi 13, p. 163).
O que é o Te?
- O Te será «a virtude, ou o poder, a imanência metafísica, não com um sentido
moral, mas como perfeição interior. É a integridade do ser humano». O caracter é
composto por três elementos: chi («passo»), mais zhi («justo», «direito») e ainda
xin («coração»). (pp. 12-13). No chinês moderno: «te» equivale sobretudo à
«virtude como poder inteligente para a consecução de objetivos justos» (Abreu,
2014, p. 13).
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- Tudo aquilo («Céu», «Terra», «Yin», «Yang», «dao») é o que há de maior. Note-
se que o termo «Céu» não tem significado religioso, nem mitológico, mas sim
simbólico e metafórico; não há conotação de um deus pessoal; o Céu é a fonte
objetiva da moral do universo, o ponto de vista de uma perspetiva justa.
- Mas como reconhecer o caminho do Céu? «Como podemos conhecer que aquilo
a que chamamos Céu não é realmente homem, e que aquilo a que chamos homem
não é de facto Céu?» (Zhuangzi 6, p. 116). Não há receitas para isto. A perceção
ajuda a formular um juízo correto. «Mas existe uma dificuldade. O conhecimento
depende da confirmação da sua correção, mas não sabemos de que é que esta
depende» (cit. s/. indicar capítulo; será Zhuangzi?) > Zhuangzi apresenta a ética
como uma investigação aberta.
O Homem:
- O homem do Tao: «passa ao lado da guerra, da opressão, da inveja, das pequenas
e grandes misérias do mundo. Assume-se como uma pessoa tolerante, humilde, em
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paz consigo própria e com tudo o que a rodeia. Reconcilia-se com a vida e com o
mundo». (Abreu, 2014, p. 26).
- Somos «pequenos seres pensantes fluindo pela terra, (…) caminhando ao sabor
das quatro estações do ano em direcção à simplicidade, à quietude, ao sublime
mistério, ao vazio, ao Tao, ao Céu, a Deus» (Abreu, 2014, p. 26).
A guerra e a paz:
- Laozi opunha-se a todo o tipo de guerra e exortava-nos a eliminar a pobreza e a
injustiça. Cf. citação do Dao De Jing 31 (p. 159). A violência é contrária ao
princípio do dao, que atua através do seu de específico (virtude). Cf. Dao De jing
30 (p. 155): «A seguir a um exército, vem sempre um ano de fome». (
- Laozi recomenda que se responda ao mal com o bem; cf. Dao De jing 49 (p.
171):
«Com pessoas boas somos bons / e com pessoas que não são boas também
somos bons: / É a bondade da virtude. / Nas pessoas de confiança confiamos / e
nas que não são de confiança também confiamos: / É a confiança da Virtude» 2.
(Höchsmann e Guorong, 2016, p. 17).
Nota 36 (p. 74): tem-se dito que o Dao De Jing fala em autodefesa; e o
Taoísmo tem sido associado às artes marciais; a rebelião dos «Turbantes
Amarelos», em 184 d.C. [contra a dinastia Han, no reinado do imperador
Lingdi], foi associada aos praticantes do Taoísmo como uma religião da
salvação. No domínio da história política, o Taoísmo (tal como o
2
Na versão de Höchsman e Guorong 2016 (p. 17 da Introdução): «Com pessoas boas somos bons; e com
pessoas que não são boas também somos bons, porque a vida é bondade. Para os fiéis eu sou fiel; e para
os infiéis também sou fiel, porque a vida é fidelidade/confiança».
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Confucianismo e o Budismo) tem sido associado à guerra. Todavia, os textos
não é isso que revelam: todas essas religiões advogam uma ética de não-
violência.
A ética:
- Laozi defende uma ética do dever, e não dos direitos. Cf. Dao De Jing, cap. 79
(p. 163).
- Será que o ideal de Laozi é sublime demais? No Dao De Jing (ex: cap. 74) há uma
crença implícita na bondade inerente à natureza humana; as regras morais não
ajudam muito…
- Tal como Confúcio (Analectos 12:19 e 13:11), Laozi entende a justiça como
benevolência. As leis que aplicam a justiça como retribuição ou como punição são
vistas como tendo tido origem nos tempos da decadência. (Höchsmann e Guorong,
2016, p. 18).
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impedir o mal, eliminar o sofrimento, travar as agressões)? Resposta: a história
valoriza aqueles que se bateram pela paz!
- Tao Te King , cap. 1 (p. 37): o Vácuo = o «Útero» de todos os seres, que origina
a vida. A kenosis (esvaziamento) da mente yu wei, uma vez perdido o ego. Deve
haver vácuo no governante sábio, passar pelo vazio. Regresso à autêntica
humanidade, que existia antes de sermos infetados pela civilização e perdermos o
Caminho! (Armstrong, 2009, pp. 341-342).
37
-o Vazio proporciona alívio, não devemos temer o nada que está no cerne da
realidade. Cf. o eixo da roda e a concavidade do pote de barro (Tao Te King 11, p.
41): no nada está a verdadeira eficácia! (ibid., pp. 342-343).
Como governar?
- Lao-Tsé queria um rei virtuoso, mas não agindo pelo povo e sim praticando o
apagamento > assim, o wuwei conseguria acabar com a era dos Reinos
Combatentes.
38
- o «wuwei» não é abstinência total de agir, mas sim atitude não
agressiva/impositiva. Cf. Tao Te King 68 (p. 161): aquele que consegue o melhor
dos outros homens é o que os trata com humildade. A virtude da não-violência
equipara-se à sublimidade do Céu (ibid).
- o resultado do que fazemos depende da nossa atitude (não dos nossos atos): como
o sábio não contende, ninguém neste Mundo está em posição de contender com ele.
Cf. Tao Te King 22 (p. 65). Os tiranos cavam a sua própria sepultura!
- deve-se aliar o wuwei à humildade > o sábio não deve ter opiniões fixas, nem
deve querer convencer os outros; deve tomar como suas as opiniões dos outros. Cf.
Tao Te King 49 (p. 171).
- Lao-Tsé foi o último grande sábio da Era Axial chinesa. Claro que o seu ideal não
permitia chegar ao poder (esvaziamento # calculismo político).
- A vitória de Qin trouxe paz(es), mas foi o dobre a finados das esperanças axiais
de moralidade, benevolência e não-violência > sob o império, as espiritualidades
axiais efetuariam uma síntese e evoluiriam para algo bastante diferente.
39
- O yoga chinês = «zuo-wang» > ensina as pessoas a deixar no exterior o mundo
exterior, e a encerrar os seus modos de perceção comuns. Zhuangzi chamava a isso
o «esquecer», o descartar do conhecimento. Lao-Tsé referia-se ocasionalmente a
estas disciplinas do ioga, mas não as descreveu em pormenor; porém, eram
essenciais ao processo místico que concebera. O único modo como o leitor podia
avaliar as suas conclusões era fazendo a viagem.
- a realidade invisível = o Vácuo, que a atarefada mente «yu wei» tanto receia.
Ideias, palavras e pensamentos = não levam a nada.
40
- conhecer algo é distingui-lo do resto; esquecer tais distinções = é tomar
consciência da unidade indiferenciada, perder a noção de ser um indivíduo à parte.
Taoísmo e Confucionismo:
- O Confucionismo pretende, através da educação e dos bons princípios, melhorar a
natureza humana. «Todos nascemos bons e pela formação moral, pela correcção dos
erros, pelo respeito pelos valores e pelas hierarquias, tenderemos para o bem, para o
Da Tong, as utópicas “grande unidade” e “grande harmonia” entre todos os
homens» (p. 16). Os Taoístas nunca acreditaram nisso, nos homens naturalmente
bons, na benevolência, justiça, confiança, respeito pelos ritos e pelas hierarquias!
Consideravam que a moral confuciana era uma espécie de purga para aliviar os
sintomas da doença, um paliativo para enganar os homens bem intencionados, mas
que não atacava a origem, a raiz da doença.
41
egoísmo] Se tu, Mestre, desejas que os homens não deixem de ter uma
orientação, olha para o Céu e para a Terra e para o seu curso constante. O Sol e
a Lua conservam o seu brilho. As estrelas e os planetas giram nas suas órbitas.
Os pássaros e as bestas reúnem-se em rebanhos e manadas. As árvores
continuam de pé nos seus lugares. Assim, Mestre, segue a virtude e o dao e
chegarás ao fim do teu caminho. Por que é que te hás-de esforçar em propor a
tua benevolência e retidão, como se estivesses a bater/rufar num tambor
procurando um filho perdido? Ah, Mestre, tu estás a perturbar a verdadeira
natureza do homem!» (Zhuangzi 13, pp. 162-163).
- Cf. o cap. 14 de Zhuangzi: nova conversa entre o velho Lao Zi e o jovem Confúcio
(que foi visitar o Mestre para lhe falar sobre a benevolência e a rectidão) > a
simplicidade natural taoista vs. o esforço confucionista:
«Se o pó penetrar nos teus olhos por causa da joeira, ficas confuso
acerca dos lugares do Céu e da Terra e as quatro direções ficam desordenadas.
Se um mosquito ou uma mosca te picarem, ficas acordado durante toda a noite.
Mas esta interminável recitação sobre a benevolência e a retidão inquieta a
minha mente e causa-me frenesi. Se queres que o Mundo não perca a sua
simplicidade natural tens de ser como o vento nos seus movimentos e encontrar
o teu lugar nos teus atributos naturais! Por que é que hás-de lutar
esforçadamente, como se estivesses a rufar num grande tambor em busca do
filho que perdeste? O ganso da neve não precisa de se banhar todos os dias para
permanecer branco, nem o corvo precisa de se pintar de preto todos os dias para
continuar preto. A sua cor preta ou branca constitui a sua natureza e não é
determinada pela razão/argumentação. As recompensas da fama e da reputação
não devem ser sobrestimadas». (Zhuangzi 14, pp. 171-172).
- Depois de ouvir isto da boca de Lao Zi, o jovem Confúcio saiu muito abalado;
voltou a casa e durante três dias não abriu a boca. Os discípulos interpelaram-no,
42
quiseram saber em que medida é que ele tinha contestado e corrigido Lao Zi, mas
Confúcio respondeu:
«Eu vi um dragão. Ele ergue-se e aqui está o seu corpo. Ele espalha-se a
si mesmo e revela a sua forma completa. Ele cavalga na nuvem, no ar, e é
alimentado pelo yin e pelo yang. Eu fiquei de boca aberta e não consegui fechá-
la. Como poderia reprovar e repreender Lao Zi?» (Zhuangzi 14, p. 172).
- No Livro V, cap. VIII de Lie Zi pode ler-se uma muito interessante crítica a
Confúcio por parte de dois miúdos que discutiam um com o outro > Confúcio foi
incapaz de lhes dar resposta e as crianças desataram a rir, dizendo: «Quem é que disse
que tu és um homem sábio?». Em síntese, nem as crianças confiavam na sabedoria do
Confucionismo… (Abreu, 2014, pp. 18-19).
Cf. Dao De Jing 5 (p. 87): «O Céu e a Terra não são bondosos. / Tratam as
dez mil coisas como cães de palha. / Quem é sábio não é bondoso. / Trata
as pessoas comuns como cães de palha» [destinados ao sacrifício. Os sábios
não agem a partir da ren]».
- A Doutrina do Meio (um dos 4 grandes textos do ensino confuciano, a par dos
Analectos, do Mêncio e da Grande Aprendizagem) defende a sabedoria, a
benevolência e a coragem, e exorta todos a cultivarem as virtudes; uns fazem-no
naturalmente, outros mais em esforço e apenas na sequência do estudo, mas quando
lá chegam vai tudo dar ao mesmo. A sua definição da sinceridade do sábio tem um
43
certo cheirinho a Taoísmo > cf. o conceito de «dao» em Laozi e Zhuangzi: a
sinceridade harmoniza-nos natural e facilmente com o Caminho.
44
- Há certos princípios na escola Chan que muito provavelmente se inspiraram
diretamente nos escritos de Zhuangzi: ênfase na simplicidade; irreverência para
com a razão; superação de todas as distinções; visão benigna da morte.
A música e o «dao»:
- Um caso especial: a música > do homem via instrumentos; da natureza via
múltiplas aberturas: veja-se a música do vento:
«Quando o sopro da grande massa sai com força, chama-se vento. Por
vezes, ele não sai. Mas, quando isso acontece, então advém um barulho
excitante vindo de uma miríade de aberturas – não ouviste já isto durante um
vendaval? (…) O vento à cabeça chama “Aoah!”. O vento por trás responde
“Eeh!”. Uma brisa suave produz um eco pequeno, um vento forte produz um
eco grande. Quando o vendaval passou, tudo é novamente quietude. Não viste
isto no dobrar e tremer das árvores?». (Zhuangzi 2, p. 89).
- A música do céu: os «tubos do céu» caracterizam-se não pelo que é ouvido, mas
pelo silêncio. São ouvidos por aqueles que esqueceram tudo aquilo que os rodeia. A
voz do homem do dao põe os três tipos de música em harmonia. cf. Zhuangzi 28, p.
273: Zengzi em Wei: mal vestido e mal alimentado, mas com uma voz
extraordinária que penetrava o Céu e a Terra ao entoar as «Odes Sacrificiais de
Shang»!
- O que só a música exprime: aquilo que não pode ser dito e sobre o qual é
impossível calar (Höchsmann e Guorong, 2016, p. 34). Cf. Arthur Schopenhauer
(nota 74, p. 76): «Devemos atribuir à música um … sério e profundo significado,
que se reporta ao ser mais íntimo do mundo e do nosso próprio eu» («O Mundo
como Vontade e Representação», 1819).
45
- O Imperador Amarelo e a música, que considerava ser a atividade que liga o
homem ao Céu:
Höchsmann e Guorong, 2016, Nota 75, p. 34: isto talvez corresponda à ideia
da harmonia das esferas dos Pitagóricos > a cosmologia destes estipulava que
a Terra, os planetas, o Sol e a Lua giram em torno do centro do universo. As
criaturas celestiais em movimento produzem consonâncias [sons musicais
harmónicos] inaudíveis por estarem sempre presentes e o som só ser
escutado em contraste com o silêncio. A ordem no universo é vista como
resultante da harmonia dos elementos incorporando a música das esferas.
Nota 76, p. 76: isto talvez tenha inspirado Platão (importância da música na
educação musical) e Aristóteles (Política: o principal valor da música não é o
entretenimento, mas a sua capacidade para ter efeitos na alma; a música deve
ser parte integral da educação estatal).
- O Imperador Amarelo explica que a música conduz ao dao, por etapas (cf.
citação de Zhuangzi 14, p. 169 :
«A música conduz ao dao não através da certeza mas por inspirar temor ,
sendo tudo isto uma consumida e sustentada maravilha» (Höchsmann e
Guorong, 2016, p. 35).
46
A liberdade individual:
47
- O que é a liberdade individual para Zhuangzi: seguir a natureza de cada um não
significa seguir as inclinações individuais e ignorar tudo o mais. Zhuangzi procura
mostrar como é que uma existência autêntica e o autodesenvolvimento conduzem a
uma perspetiva ética da igualdade de todos e da unidade do dao individual, do dao
da natureza e do dao do Céu.
48
em plena luz do dia, com os olhos completamente abertos, não consegue ver um
monte – as naturezas das criaturas são diferentes» (Zhuangzi 17, p. 184).
«(…) Saber que o Céu e a Terra são como um grão de arroz e saber que a
ponta de um cabelo é como uma montanha – isso é conhecer a distinção entre o
grande e o pequeno» (Zhuangzi 17, pp. 183-184). Abaixo as diferenças, viva a
interconexão permanente!
Cf. também a nota 9 do cap. 26 (na pg. 264) > a expressão concisa de uma ideia
central enfatizada por Zhuangzi ao longo do seu livro: igualdade entre os
homens, independentemente do estatuto e do poder. Em consequência desta
tese da ‘igualdade fundamental’, Zhuangzi critica asperamente o
Confucionismo e a ideia de inculcação da virtude que está na base das cinco
relações humanas: pai e filho; governante e súbdito; idoso e jovem; marido e
49
mulher; amigos entre si. Para Zhuangzi, a hierarquia social tem apenas uma
posição contingente e momentânea.
«Quando não existe oposição entre este ponto de vista e aquele outro, aí está
o pivô do dao. Assim que se encontra este pivô, nós estamos ao centro e a partir
daí podemos responder indefinidamente a pontos de vista diferentes. Por isso eu
digo que não há nada que supere a luz da mente» (Zhuangzi 2, p. 91).
«Quando tu vês um ministro como eu, tu nem tentas sequer sair do caminho
dele. Pensas que és igual a um ministro? Shentu Jia respondeu: Na casa do
nosso mestre há uma hierarquia oficial? Tu estás contente com o teu estatuto
oficial e reclamas ter precedência» (Zhuangzi 5, p. 111).
50
cume, por ser ganancioso; ambos destruíram a sua vida e ofenderam a sua natureza.
(Zhuangzi 8, p. 131).
- Igualdade: será um a priori ou uma meta? Zhuangzi acha que não é um ideal
remoto, mas sim uma realidade obscurecida pela nossa preocupação com as
diferenças individuais. (Höchsmann e Guorong, 2016, p. 43).
51
superiores e os inferiores possuem o mesmo dao, não há ninguém para presidir
como soberano» (Zhuangzi 13, pp. 159-160).
«Por isso, o sábio valoriza a luz no meio da confusão e das incertezas. Ele
não confia nas suas próprias opiniões, mas respeita as opiniões comuns. A isto
se chama usar a luz adequada» (Zhuangzi 2, p. 93).
- Esquecer o «eu»:
«Quando as pessoas tiverem esquecido as coisas externas e o Céu, podem
ser vistas como homens que se esqueceram de si próprios. O homem que se
esqueceu de si próprio pode ser visto como alguém que pode ser identificado
com o Céu» (Zhuangzi 12, p. 151).
- Esquecer-se de si para poder ser livre e útil aos outros; para ficar livre da nossa
identidade física individual, que restringe a nossa perceção daquilo que existe em
nosso redor.
3
Apreço dos enciclopedistas do Iluminismo por Zhuangzi; cf. Denis Diderot (1713-1784), «O sonho de
D’Alembert». Também em Zhuangzi existe uma afirmação da individualidade. Os enciclopedistas
apreciavam muito a civilização chinesa. (Höchsmann-Guorong, 2016, nota 87, p. 78).
52
há uma diferença crucial entre minimizar o pensamento do eu e restringir os
desejos individuais (Zhuangzi), ou livrar-se do eu e suspender todos os desejos
(Zen). Zhuangzi não postula a aniquilação da individualidade; ele apresenta
uma consciência simultânea da singularidade do indivíduo como configurando a
limitação do pleno desenvolvimento e, por outro lado a importância de
compreender a ampla vastidão (‘the wide expanse’).
«Quando o homem confiar na luz dos seus próprios olhos, não haverá ilusão
no mundo. Quando o homem ouvir com os seus próprios ouvidos, não haverá
perturbação no mundo. Quando o homem confiar no seu próprio conhecimento
não haverá (des)ilusões no mundo. Quando eles confiarem na sua própria
virtude, não haverá corrupção no mundo» (Zhuangzi 10, p. 138).
53
transforma-os até que eles se sentem, relativamente a ele, da mesma forma que
um filho se sente em relação ao seu pai» (Zhuangzi 25, p. 249).
- A sabedoria é conseguir resolver conflitos sem parecer ser o líder: «Nunca constou
que ele assumisse a liderança, mas sempre parecia ter a mesma opinião que os outros»
(Zhuangzi 5, p. 112).
- Respeitar a evolução natural das relações humanas: «As relações humanas são
difíceis, mas há uma ordem e um modelo. O sábio não se opõe às relações humanas
quando se encontra com elas. Quando terminam, não procura retê-las. Ele é sensível à
harmonia ordenada na sua virtude» (Zhuangzi 22, pp. 222-223).
- Como o sábio guia as pessoas: banir as ideias feitas e falsas, a violência; explorar a
espontaneidade natural. Imparcialidade. Natureza verdadeira das coisas. Tudo é um.
Harmonia natural > seguir a direção do Céu.
54
«O sábio compreende as articulações entre ele próprio e os outros, e como é
que as coisas constituem um só corpo. Ele desconhece como é que isso
acontece: deve-se à sua natureza. Esteja ele a agir ou a ser agido, ele segue a
direção do Céu; por isso, as pessoas chamam-lhe sábio» (Zhuangzi 25, p. 250).
«Aqui está o homem que é mau por natureza. Se eu permitir que ele prossiga
nesse caminho, o Estado ficará em perigo… O seu entendimento é adequado
para reconhecer as faltas dos outros, mas desconhece as suas próprias falhas. O
que devo fazer em tal caso?» (Zhuangzi 4, p. 106).
- A resposta, dada por alguém com notável sabedoria política: é uma boa pergunta!
Mas há uma grande tática para dar a volta ao outro: há que estar em guarda, ser
correto, tentar a concórdia e a harmonia mental. Mas há perigos: não te juntes às
atividades deles; não mostres como é que estás por dentro; não te associes demasiado a
ele, para não cair com ele; se ele agir como uma criança, sê também uma criança; se ele
resistir a restrições, perdoa-lhe. Se ele eliminar todas as restrições, faz o mesmo. Leva-o
para longe dos seus defeitos. (resumo de Zhuangzi 4, p. 106).
- Como reagir ao mal? Será a indignação reta uma virtude? A justiça apela à
aniquilação do mal (em autodefesa e na defesa dos inocentes e dos bons)? Resposta de
Zhuangzi: o apego aos nossos pontos de vista gera conflitos (Zhuangzi 26, p. 263); ter
atenção à relatividade das coisas, pois muitas vezes o correto e o incorreto não se
distinguem, e o pequeno e o grande são indefiníveis (Zhuangzi 17, p. 183); harmonizar
o certo e o errado, atuar como o Céu; isso é seguir dois caminhos (Zhuangzi 2, p. 92).
55
- Tudo isto introduz-nos no tema central do pensamento político de Zhuangzi: como
resolver conflitos: sem destruir o que rotulamos de errado! Procurar o que é comum,
harmonizar, consensualizar. Governo participativo: «O trabalho de governo deve ser
distribuído de acordo com a aprovação de todos» (Zhuangzi 26, p. 263).
- Zhuangzi democrático: o povo é que define o que é correto. O agir mal: é causado
por poucos recursos e por um governo injusto:
56
seu Estado ao adversário (a tribo Di) e foi fundar outro, no sopé da Montanha de
Qishan, só para evitar uma guerra! (cf. Zhuangzi 28, p. 270).
↓
Paz e não violência; ceder em vez de retaliar.
57
- Na idade primitiva: unidade com a natureza e os animais. Igualdade entre todos.
Comunhão harmoniosa, virtude natural. Simplicidade pura > homens preservavam a sua
verdadeira natureza!
«Naquele tempo, nas montanhas, não havia caminhos pedestres nem passagens,
e nos lagos não existiam barcos nem barragens. Todas as criaturas viviam em
comunidades próximas umas das outras… Na idade da virtude perfeita, os homens
viviam em comum com os pássaros e as bestas e eram iguais a todas as [outras]
criaturas, como que formando uma família. Como é que [então] podiam distinguir
entre homens superiores e homens pequenos? Igualmente sem conhecimentos, eles
não se desviavam da sua virtude natural. Igualmente livres de desejos,
encontravam-se no estado da simplicidade pura. Em tal estado, o povo preserva a
sua verdadeira natureza». (Zhuangzi 9, p. 154).
- o todo que é mais do que a soma das partes; cf. metáfora do cavalo:
«As aldeias são formadas pela união de dez apelidos, e da união de cem
nomes resultam os costumes. Nesta comunidade, os diferentes indivíduos são
reunidos para formar um caracter comum, e aquilo que é comum entre eles é
separado para formar as diferenças individuais. Se apontares para diversas
partes de um cavalo, não tens o cavalo. Mas quando o cavalo está à tua frente, e
todas as suas partes estão presentes e juntas, tu tens o cavalo» (Zhuangzi 25,
pp. 254-255).
↓
> visão holística da sociedade. São os pequenos ribeiros que tornam grandes os
rios Yangtzé e Amarelo: «Os montes e as montanhas são tornados altos graças a
parcelas de terra que, individualmente, são baixas. O Rio Yangtzé e o Rio
Amarelo tornaram-se grandes a partir da união de ribeiros e rios» (Zhuangzi 25,
p. 255).
58
- O poder só tem sentido se for exercido em prol do povo todo. A sociedade
antes da divisão em classes:
«Entre o Céu e a Terra, eu não sou senão uma pequena pedra ou uma
pequena árvore numa grande montanha. Ao aperceber-me de como sou tão
pequeno, como poderia eu valorizar-me? Considera tudo dentro dos quatro
mares – comparado com o espaço entre o Céu e a Terra, não é mais largo do que
uma pilha de pedras num pântano. Considera o Reino do Meio [China] –
comparado com o espaço entre os quatro mares, é mais pequeno do que um
pequeno grão de arroz num grande celeiro». (Zhuangzi 17, p. 182).
59
Relativizar o individual, inscrevendo-o no seio do TODO em permanente
mutação.
«As capacidades das coisas não podem ser definidas, o tempo nunca
pára, tudo está em constante fluxo, e os fins e os princípios das coisas
nunca são os mesmos.» (Zhuangzi 17, p. 182)
as pessoas não morrem nem deixam de existir, mas são objeto de uma
transformação. O ponto de vista de Zhuangzi acerca da morte é o de que
esta não é aniquilação mas sim, tal como a sua visão da vida, a
continuação de um processo contínuo de transformação. (Höchsmann e
Guorong, 2016, p. 69).
60
desprezo. Onde se pode encontrar a constância?... No dao e na sua
virtude.» (Zhuangzi 20, pp. 204-205).
- Mudar por dentro (≠ dos antigos, que mudavam só por fora). Tudo muda,
salvo a vida moral do homem do dao, que é constante. Mas como reconhecer
isto? Como ficar firmemente alinhado com o dao e alcançar a harmonia? É
preciso fortificar (e esvaziar) a mente.
- Felicidade = «é leve como uma pena, mas ninguém sabe como a segurar»!
(Zhuangzi 4, pp. 108-109) > episódio com o louco de Chu (Jie Yu) e Confúcio:
além de dizer aquilo, o louco diz a Confúcio para desistir de ensinar aos homens as
lições da virtude; diz que Mestre Kung está em perigo; e conclui dizendo que
«todos conhecem as vantagens de ser útil, mas ninguém conhece as vantagens de
ser inútil»!
61
que devemos ficar e a partir de onde é que devemos partir? O que é que traz o
prazer e o que é que acarreta desespero?» (Zhuangzi 18, p. 191).
62
- Quanto mais damos aos outros, mais temos! «Eles podem viver na pobreza
e estar relegados para posições inferiores, e não desesperam. Estão preenchidos
pelo Céu e pela Terra. Quanto mais derem aos outros, mais têm» (Zhuangzi 21,
p. 217).
«Olha para a abertura na parede: a sala vazia está cheia de luz que passa
através dela. Há contentamento na quietude. Mas se tu não consegues
permanecer quieto, a isso chama-se o corpo sentado e a mente galopando»
(Zhuangzi 4, p. 104).
63
- A «eudaimonia» (‘vida boa’, com boa saúde e boa forma física) de Aristóteles
vs. a autonomia de Zhuangzi : «o nascimento do homem é, de algum modo, o
nascimento das suas dores» (Höchsmann e Guorong, 2016, p. 68).
- Zhuangzi explica como é que aqueles que estão «excluídos da festa da vida»
(James Joyce) podem ultrapassar os constrangimentos externos e internos e
conquistar a autonomia. Se não tiverem ilusões quanto àquilo que a busca de bens
materiais, fama, fortuna e estatuto lhes podem trazer, serão realmente livres e
conseguirão alcançar a máxima felicidade. (Höchsmann e Guorong, 2016, p. 68).
64
- Felicidade humana (estar em harmonia com todo o povo) e felicidade
celestial/divina (estar em harmonia com o Céu):
«Ele [o grande homem] encara todas as coisas sem apego e o seu espírito
não está constrangido por elas. Ele avalia/julga todas as coisas, mas não encara
isso como retidão. Ele confere benefícios a dez mil gerações, mas não vê isso
como benevolência» (Zhuangzi 13, p. 159).
«Aqueles que conhecem a felicidade do Céu, são como o Céu nas suas
ações ao longo da vida, e na hora da morte passam por uma transformação,
como as outras coisas» (Zhuangzi 13, p. 159).
«O grande oceano nunca poderá ser preenchido com as águas que fluem para
dentro dele, e também não poderá ser esvaziado/esgotado quando as águas
fluírem de dentro dele. Divertir-me-ei na sua proximidade». (Zhuangzi 12, p.
153).
4
Veja-se também Johann Wolfgang von Goethe, 1749-1832 (a liberdade como «uma previsão de
capacidade») e a literatura chinesa. Quis ser recordado como aquele que mostrou aos jovens poetas como
65
- O caminho de Zhuangzi é aquele que continua a ser percorrido por
itinerantes/caminhantes com diversos pontos de partida e de chegada, os quais são
estimulados por «uma espécie de excitação interior» (William Yeats, Irlanda 1865 –
França 1939). (Höchsmann e Guorong, 2016, p. 70).
- Felicidade suprema = amor supremo. O amor do sábio pela humanidade não tem
apego(s). (Zhuangzi 17 ?)!
- Como devemos viver? Sê infinito como o espaço e como as quatro direções – elas
não têm fronteiras e não formam cercas fechadas. Sustenta/apoia todas as coisas com o
teu amor.
- "A melhor gente é como a água, a qual beneficia todas as coisas e não compete com elas.
Mantém-se em lugares humildes que outros rejeitam. É por isso que é tão similar ao
Caminho."
- "Quando a gente acha algumas coisas bonitas, outras coisas tornam-se feias. Quando as
conseguir ser livre. Tinha grande estima pela literatura da China e teria concordado com o valor atribuído
por Zhuangzi à liberdade. (Höchsmann-Guorong, 2016, nota 80, p. 77).
66
- "Aqueles que sabem, ficam calados. Aqueles que falam, não sabem."
- "Um bom viajante não tem planos fixos e não está determinado a chegar."
- "Quanta mais leis e regulações tenham importância, mais ladrões e bandidos haverá."
67
TAO TE KING
Grande, ou fugidia.
Fugidia, ou longínqua.
Longínqua, ou o oposto.
O Céu é grande
A Terra é grande
68
O que é o Tao ? (II) (cap. 14, p. 33)
69
Tao e Te (Virtude) (cap. 51, p. 39)
As circunstâncias completam-nas.
ninguém os impõe.
Cria-as e protege-as.
70
que dá utilidade ao vaso.
Por isso,
O Tao gera o Um
O Um gera o Dois
e abraçam o Yang,
se as diminuímos, aumentam
e se as aumentamos, diminuem.
71
O exemplo da água (cap. 43, p. 53)
E do belo ao repugnante
72
A distância será semelhante?
São abandonados!
Tão débil!
73
faz com que no povo não surjam ladrões;
Esvazia as mentes
Enche as barrigas
Enfraquece as intenções
E fortalece os ossos.
74
As armas não têm onde enfiar a sua lâmina.
75
deseja não ter desejos
Aprende a desaprender,
Referências bibliográficas
Fontes:
Estudos: