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ix
x Agradecimentos
xiii
xiv Prefácio
SidneiS. Schestatsky
Agradecimentos .............................................................................. ix
Determinantes e Constituintes
da Experiência Sexual
Q£ Jue o sexo e o amor estão estreitamente associados é uma afirmação quase ndiscutível. Portanto,
não deve causar surpresa que um livro sobre o amor :omece com uma discussão sobre as raízes
biológicas e psicológicas da ex-.a sexual, as quais estão intimamente relacionadas. Já que os
aspectos biológicos constituem a matriz em que os aspectos psicológicos podem se desenvol-
ver, comecemos explorando esses fatores biológicos.
segregados hormônios testiculares nos homens: o hormônio inibidor dos dutos de Muller (MIH),
que possui um efeito desfeminizador na estrutura dos genitais internos femininos, e a
testosterona, que promove o crescimento dos órgãos masculinos internos e externos,
particularmente os dutos bilaterais de Wolff. Se estiver presente um código genético feminino, a
diferenciação ovariana começa na décima segunda semana gestacional.
A diferenciação sempre ocorre na direção feminina, independentemente da programação
genética, a menos que esteja presente um nível adequado de testosterona. Em outras
palavras, mesmo que o código genético seja masculino, uma quantidade inadequada de
testosterona resultará no desenvolvimento de características sexuais femininas. O princípio da
feminização tem prioridade em relação à masculinização. Durante a diferenciação feminina
normal, o primitivo sistema de dutos de Muller se transforma em útero, trompas de Falópio e no
terço interno da vagina. Nos homens, o sistema de dutos de Muller regride, e o sistema de dutos
de Wolff se desenvolve, transformando-se nos vasos deferentes, vesículas seminais e dutos
ejaculatórios.
Embora os precursores internos dos órgãos sexuais masculinos e femininos estejam ambos
presentes para desenvolvimento potencial, os precursores dos genitais externos são de um
único tipo, podendo se transformar ou em órgãos sexuais externos masculinos ou em femininos.
Sem a presença de níveis adequados de andrógenos (testosterona e di-hidrotestosterona) durante
o período crítico de diferenciação, começando na oitava semana gestacional, irão desenvolver-se
um clitóris, vulva e vagina. Mas com a presença de níveis adequados de estimulação andrógena,
formar-se-á o pênis, incluindo suas glândulas e o saco escrotal, e os testículos irão desenvolver-
se como órgãos intra-abdominais, que normalmente migram para sua posição escrotal durante o
oitavo ou nono mês de gestação.
Sob a influência dos hormônios fetais circulantes, ocorre um desenvolvimento dimórfico de
certas áreas do cérebro após a diferenciação dos genitais internos e externos. O cérebro é
ambitípico e, nele, o desenvolvimento das características femininas também prevalece, a menos
que haja um nível adequado de andrógenos circulantes. As funções hipotalâmicas e pituitárias
específicas que serão diferenciadas no sentido do funcionamento cíclico nas mulheres, e não-
cíclico nos homens, são determinadas por esta diferenciação. A diferenciação masculino/feminino
do cérebro ocorre somente no terceiro trimestre, após ter ocorrido a diferenciação dos órgãos
externos, e possivelmente continua seu desenvolvimento durante o primeiro trimestre pós-natal.
Nos mamíferos não-primatas, a diferenciação hormonal pré-natal do cérebro predetermina o
subsequente comportamento de acasalamento. Nos primatas, entretanto, a comunicação e
aprendizagem social inicial são extremamente importantes na determinação do comportamento
sexual, de modo que o controle do comportamento concreto de acasalamento é determinado
amplamente pelas primeiras interações sociais.
As características sexuais secundárias—a distribuição da gordura corporal e pêlos, mudança
na voz, desenvolvimento dos seios e um significativo crescimento
Psicopatologia das Relações Amorosas 5
dos genitais —, que emergem durante a puberdade, são desencadeadas por fatores do sistema
nervoso central e controladas por um significativo aumento de andrógenos e estrógenos
circulantes, como o são as funções femininas específicas da menstruação, gestação e lactação.
Os desequilíbrios hormonais podem alterar as características sexuais secundárias,
provocando, na falta de andrógenos, a ginecomastia nos homens e, no caso de andrógenos
excessivos, o hirsutismo, engrossamento da voz e hipertrofia clitoridiana nas mulheres. Mas as
influências das alterações dos níveis hormonais no desejo e no comportamento sexual são muito
menos claras.
Exatamente como o sistema nervoso central afeta o início da puberdade também não está
claro ainda; a redução na sensibilidade do hipotálamo ao feedback negativo foi considerada um
dos mecanismos envolvidos (Bancroft, 1989). Nos homens, a disponibilidade inadequada de
andrógenos circulantes reduz a intensidade do desejo sexual; mas quando os andrógenos
circulantes estão em níveis normais, ou acima do normal, o desejo e o comportamento sexual são
notavelmente independentes dessas flutuações. A castração pré-puberal nos meninos que não
recebem reposição de testosterona leva à apatia sexual. A testosterona exógena durante a
adolescência, nos homens com fracasso primário de androgenização, restaura o desejo e o
comportamento sexual normal. A resposta à terapia de reposição com testosterona nos anos
posteriores, todavia, quando a apatia tornou-se estabelecida, é menos satisfatória: aqui,
sequências críticas no tempo parecem desempenhar um papel. Da mesma forma, embora estudos
em mulheres indiquem um desejo sexual aumentado imediatamente antes e depois do fluxo
menstrual, a dependência do desejo sexual determinada pelas flutuações hormonais é insignificante
quando comparada aos estímulos psicossociais. De fato, McConaghy (1993) julga que o desejo
sexual feminino é mais influenciado por fatores psicossociais do que o masculino.
Nos primatas e em formas inferiores de mamíferos, o interesse sexual, assim como o
comportamento sexual, é fortemente controlado pelos hormônios. Nos roedores, o comportamento
de acasalamento é determinado apenas pelo estado hormonal, e uma injeção pós-natal
inicial de hormônios pode influenciar crucialmente tal comportamento. A castração pós-
puberal leva a um decréscimo gradual da ereção e do interesse sexual, um decréscimo que
progride por semanas ou anos; a administração de testosterona reverte imediatamente esta
indiferença. Injeções de andrógenos em mulheres na pós-menopausa aumentam seu desejo
sexual, sem modificar de maneira nenhuma sua orientação sexual.
Em resumo, no ser humano os andrógenos parecem influenciar a intensidade do desejo sexual
tanto nos homens quanto nas mulheres, mas no contexto de uma clara predominância dos
determinantes psicossociais na excitação sexual. Embora nos mamíferos inferiores, como os
roedores, o comportamento sexual seja controlado amplamente pelos hormônios, os primatas
apresentam certa modificação desse controle pelos estímulos psicossociais. Os macacos Rhesus são
estimulados pelo odor de um hormônio vaginal segregado pela fêmea na época da ovulação; as
6 Ofío F. Kernberg
macacas Rhesus ficam muito interessadas em acasalar-se na época da ovulação, mas também se
interessam em outros momentos; aqui, novamente, os níveis de andrógenos influenciam a
intensidade do comportamento sexual apresentado pelas fêmeas. A injeção de testosterona na área
pré-ótica dos ratos machos desperta neles um comportamento maternal e de acasalamento, mas
sua copulação com as fêmeas persiste. A testosterona parece liberar o comportamento maternal,
uma capacidade que o macho contém em seu cérebro e o que fala a favor do controle do sistema
nervoso central sobre diversos aspectos do comportamento sexual. Este achado biológico sugere
que o potencial para comportamentos sexuais habitualmente característicos de um género, ou
característicos de mais de um género, também existem no outro género.
A intensidade da excitação sexual, a atenção centrada nos estímulos sexuais, as respostas
fisiológicas de excitação sexual caracterizadas pelo fluxo sanguíneo aumentado, tumescência e
lubrificação dos órgãos sexuais, estão todas sob influência hormonal.
A. Fatores Psicossociais
A discussão precedente abrange aquilo que é quase inequivocamente aceito como biológico;
passaremos agora a áreas mais controversas, e a áreas ainda longe de ser bem entendidas, em que os
determinantes biológicos e psicológicos se sobrepõem ou interagem entre si. Uma dessas áreas
centrais é a que envolve a identidade de género nuclear e a identidade de papel de género. No ser
humano, a identidade de género nuclear (Stoller, 1975) — isto é, o sentimento do indivíduo de ser ou
homem ou mulher—é determinado pelo género atribuído a ele por seus cuidadores durante os
primeiros dois a quatro anos de vida, e não por suas características biológicas. Money
(1980,1986,1988; Money e Ehrhardt, 1972) e Stoller (1985) ofereceram evidências convincentes a
este respeito. Da mesma forma, a identidade de papel de género—isto é, a identificação do
indivíduo com certos comportamentos típicos em homens ou em mulheres numa dada sociedade
— é também fortemente influenciada por f afores psicossociais. Além disso, a exploração
psicanalítica revela que a seleção do objeto sexual — o alvo do desejo sexual—também é fortemente
influenciada pelas experiências psicossociais iniciais.
No que segue, examino evidências importantes referentes às raízes desses constituintes da
experiência sexual humana. Em resumo, elas são:
assim como com as observações das interações entre as mães e os bebés de ambos os sexos desde o
início da vida, e com as observações psicanalíticas de crianças normaise de crianças com
transtornos sexuais, particularmente quando esses estudos psicanalíticos levam em consideração as
orientações sexuais conscientes e inconscientes dos pais (Galenson, 1980; Stoller, 1985).
Braunschweig e Fain (1971,1975), em concordância com a hipótese de Freud de uma
bissexualidade original em ambos os géneros, argumentam persuasivamente em favor de uma
bissexualidade psicológica derivada da identificação inconsciente do bebé com ambos os pais,
uma identificação bissexual inconsciente que é controlada pela natureza da interação mãe/bebé,
dentro da qual a identidade de género nuclear é estabelecida. Money e Ehrhardt (1972) afirmam
que não importa "se o pai faz o jantar e a mãe dirige o trator", isto é, os papéis de género
socialmente definidos que são executados pelos pais são irrelevantes, na medida em que sua
identidade de género como homem ou mulher esteja solidamente diferenciada.
A atribuição e a adoção de uma identidade de género nuclear determina, na prática, o
reforço de papéis de género que são socialmente considerados masculinos ou femininos. Na
medida em que haja uma identificação inconsciente com ambos os pais, portanto uma
bissexualidade inconsciente, o que é um achado universal na investigação psicanalítica, isto
também implica na identificação inconsciente com papéis socialmente atribuídos a um ou outro
género, fazendo com que existam fortes tendências para a ocorrência de atitudes e padrões de
comportamento bissexuais, assim como para que uma orientação bissexual seja um potencial
humano universal. Provavelmente a forte ênfase social e cultural na identidade de género nuclear
("Você deve ser ou um garotinho ou uma garotinha") é reforçada ou codeterminada pela
necessidade intrapsíquica de integrar e consolidar uma identidade pessoal em geral, de modo
que a identidade de género nuclear cimenta a formação da identidade básica do ego; nuclear;
Lichtenstein (1961) sugeriu há muitos anos que a identidade sexual pode constituir a base da
identidade do ego. Clinicamente, nós descobrimos que uma falta de integração da identidade
(a síndrome de difusão de identidade) coexiste regularmente com problemas de identidade de
género e, conforme Ovesey e Person (1973, 1976) enfatizaram, os transexuais normalmente
também apresentam severas distorções em outras áreas da sua identidade.
Em seu clássico estudo das diferenças de género, Maccoby e Jacklin (1974) concluíram, com
base no exame de uma enorme quantidade de dados, que existiam crenças totalmente infundadas
sobre essas diferenças de género; outras crenças acabaram bastante estabelecidas, e outras
ainda se encontravam abertas a questionamentos ou eram ambíguas. Crenças infundadas sobre
diferenças de gê-
10 Otto F. Kernberg
nero incluem a suposição de que as meninas são mais "sociais" do que os meninos, mais
"sugestionáveis", têm menor auto-estima, carecem de motivação para maiores realizações, são
melhores em aprendizagem mecânica e tarefas repetitivas simples, ao passo que os meninos são
melhores em tarefas que requerem um processamento cognitivo mais elevado e a inibição de
respostas anteriormente aprendidas; que os meninos são mais "analíticos", que as meninas são
mais afeta-das pela hereditariedade, os meninos pelo ambiente, que elas são "auditivas" e eles,
"visuais".
Por outro lado, diferenças de género que estão bem estabelecidas incluem o seguinte: que
as meninas possuem uma capacidade verbal maior do que a dos meninos, que eles as superam
em capacidade visual-espacial e em capacidade matemática, e que os homens são mais
agressivos. Permanecem em aberto as questões referentes a diferenças em sensibilidade tátil, medo,
timidez e ansiedade; nível de atividade, competitividade, dominância, obediência,
disponibilidade, e capacidades em relação a comportamento "maternal".
Quais das diferenças psicológicas são geneticamente determinadas, quais são socialmente
determinadas por agentes socializadores e quais espontaneamente aprendidas através da
imitação? Maccoby e Jacklin argumentam, e há muitas evidências para apoiá-los, que os fatores
biológicos estão claramente implicados nas diferenças de género referentes à agressão e
capacidade visualespacial. Existem evidências de maior agressividade masculina tanto nos seres
humanos quanto nos primatas subumanos; isso parece ser universal em todas as culturas, e as
evidências sugerem que os níveis de agressão são responsivos aos hormônios sexuais. É
provável que a predisposição masculina para a agressão se estenda a outros comportamentos, tais
como dominância, competitividade e nível de atividade, mas as evidências não são decisivas.
Maccoby e Jacklin também concluem que uma característica geneticamente controlada pode
assumir a forma de uma maior predisposição para apresentar um determinado tipo de
comportamento. Isto inclui comportamentos aprendidos, embora não se limite apenas a eles.
Friedman e Downey (1993) revisaram as evidências sobre a influência da patologia
hormonal pré-natal virilizadora nas meninas, em relação ao comportamento sexual pós-natal.
Examinaram os achados de um estudo sobre meninas com hiperplasia congénita da suprarenal, e
sobre meninas cujas mães ingeriram, durante a gravidez, drogas com atividade de esteróides
sexuais. Essas crianças foram criadas como meninas, mas, embora sua identidade de género
nuclear fosse feminina, a pergunta era até que ponto a dominância dos hormônios masculinos
pré-natais influenciaria esta identidade de género e a identidade de papel de género durante a
infância e adolescência.
Embora tenha sido encontrada uma modesta associação de andrógenos pré-natais
excessivos e uma maior prevalência de homossexualidade, mais significativo foi o achado de que,
independentemente das circunstâncias de educação, as meninas com hiperplasia congénita da
supra-renal apresentavam um comportamento mais "moleque", interessavam-se menos por
brincar combonecas ebebês e
Psicopatologia das Relações Amorosas 11
por adornos, e tendiam a preferir brinquedos como carrinhos e armas, mais do que os sujeitos-
controle. Elas tinham uma maior preferência por meninos como companheiros de brincadeiras, e
apresentavam maior gasto de energia e mais atividade violenta nas brincadeiras. Os achados
sugerem que o comportamento de papel de género na infância é influenciado por f atores
hormonais pré-natais. Friedman (comunicação pessoal) concorda com Maccoby e Jacklin (1974) que
a vasta maioria dos traços que diferenciam os meninos das meninas são, muito provavelmente,
determinados pela cultura.
Richard Green (1976) estudou a criação de meninos efeminados: descobriu que os fatores
dominantes que codeterminavam o desenvolvimento de comportamentos efeminados eram a
indiferença dos pais em relação ao comportamento feminino do filho ou o encorajamento desse
comportamento; também ocorria das crianças serem vestidas de mulher pela mãe ou por uma
mulher funcionando como tal, superproteção materna, ausência ou rejeição do pai, a beleza física
da criança ou a ausência de companheiros de brincadeiras do sexo masculino. O aspecto comum
crucial parecia ser a incapacidade dos pais ou do ambiente de desencorajar o comportamento
feminino da criança. Os resultados para esses meninos efeminados, no seguimento, foi uma alta
porcentagem de bissexualidade e homossexualidade, atingindo 75% no seguimento de 2/3 da
amostra original (Green, 1987).
Comportamentos característicos do outro género — moleque nas meninas, efeminado nos
meninos — estão frequente, mas não necessariamente, vinculados a uma escolha de objeto
homossexual. De fato, poderíamos considerar a identidade de papel de género relacionada tão
estreitamente à identidade de género nuclear quanto à escolha de objeto: uma orientação sexual
dirigida para o próprio género da pessoa pode influenciar a adoção de papéis socialmente
identificados com o outro género. E, ao contrário, uma aculturação predominantemente em
direção a papéis de género que coincidem com os do outro género poderia predispor à ho-
mossexualidade. O que nos leva ao próximo elemento constituinte, ou seja, à escolha de objeto.
objeto sexual. A vida sexual dos primatas nos fala da importância da aprendizagem inicial, do conta
to mãe-bebê, e das relações com os iguais no desenvolvimento do comportamento sexual e do papel
relativo decrescente dos hormônios na determinação da escolha do objeto sexual, em comparação
com os mamíferos não-primatas. No bebé humano, como vimos, estes processos evoluem ainda
mais.
Meyer (1980) sugeriu que, assim como o bebé e a criança pequena se identificam
inconscientemente com o genitor do mesmo género ao estabelecer as identidades de género nuclear e
de papel de género, ele ou ela também se identificam com o interesse sexual deste genitor pelo outro.
Money e Ehrhardt (1972) também enfatizam que as regras do comportamento masculino/feminino são
aprendidas, e enfatizam a identificação da criança com aspectos recíprocos e complementares do
relacionamento dos homens e mulheres. A notável evidência clínica do mútuo comportamento
sedutor entre a criança e os seus pais é frequentemente ignorada nos estudos académicos da
identidade de género e do papel de género, talvez em virtude do persistente tabu cultural contra a
sexualidade infantil.
Duas contribuições específicas das observações e teoria psicanalítica são relevantes nessas
questões. A primeira é uma teoria psicanalítica das relações objetais que permite a incorporação dos
processos de identificação e da complementaridade dos papéis em um modelo único de
desenvolvimento. Á segunda, a teoria de Freud do complexo de Édipo, discuto posteriormente em outro
contexto. Aqui me refiro a trabalhos anteriores, em que propus que a formação da identidade origina-
se do primitivo relacionamento entre o bebé e a mãe, particularmente quando as experiências do bebé
envolvem intenso afeto, quer prazeroso, quer doloroso.
Os traços de memória que se estabelecem sob essas condições afetivas deixam o esquema
nuclear da representação doselfdo bebé interagindo com a representação de objeto da mãe, sob o
impacto ou de um afeto prazeroso ou de um afeto desagradável. Em consequência, formam-se duas
séries paralelas, e originalmente separadas, de representações doselfe do objeto e suas correspondentes
disposições afetivas positiva e negativa. Essas representações, respectivamente "totalmente boas" e
"totalmente más" do se//e do objeto, finalmente se integram em numa representação do self to tal e
em uma representação total de outras pessoas significativas, um processo que constitui a integração
normal da identidade. Em escritos anteriores (Kernberg, 1976,1980,1992) também enfatizei minha
convicção de que a identidade é constituída por identificações feitas a partir da relação com um
objeto, e não com o próprio objeto. Esta suposição implica uma identificação com o self e o outro
interagindo entre si, e uma internalização dos papéis recíprocos dessa interação. O estabelecimento da
identidade de género nuclear — isto é, de um conceito integrado de self que define a identificação da
pessoa com um género ou outro—não pode ser visto separado do estabelecimento de um conceito
integrado e correspondente de um outro que inclua um relacionamento com este outro como objeto
sexual desejado. Este vínculo entre identidade de género nuclear e a escolha do objeto sexualmente
desejado explica, ao mesmo tempo, a intrínseca
14 Otto F. Kernberg
bissexualidade do desenvolvimento humano: nós nos identificamos tanto com o nosso próprio self
quanto com nosso objeto de desejo.
Na medida em que a criança do sexo masculino, por exemplo, experiência a si mesma como um
filho homem amado por sua mãe, ela se identifica com o papel de filho homem ao mesmo tempo que
com o papel de mãe mulher, e adquire a capacidade, em relacionamentos posteriores, de atualizar
sua representação dosei/ enquanto projeta a representação da mãe em outra mulher, ou de
representar — em certas circunstâncias — o papel da mãe, enquanto projeta sua representação do self
em outro homem. A dominância da representação do self como filho homem, como uma parte da
identidade do ego, assegurará a dominância de uma orientação heterossexual (incluindo a busca
inconsciente da mãe em todas as outras mulheres). A dominância da identificação com a
representação da mãe pode determinar um tipo de homossexualidade nos homens (Freud, 1914).
Na garotinha, na medida ení que seu primeiro relacionamento com a mãe cimenta sua
identidade de género nuclear, ao identificar-se tanto com seu próprio papel quanto com o papel da
mãe na sua interação, seu desejo posterior de substituir o pai como objeto amoroso da mãe, assim como
sua escolha positiva do pai na relação edípica, consolidam sua identificação inconsciente também com
o pai. Ela portanto também estabelece uma identificação bissexual inconsciente. A identificação com
um relacionamento, e não com uma pessoa, e a construção de predisposições recíprocos de ambos os
papéis na mente inconsciente, sugerem que a bissexualidade é psicologicamente determinada, e
expressa na capacidade de se adquirir, ao mesmo tempo, tanto uma identidade de género nuclear
quanto um interesse sexual pela pessoa do mesmo ou do outro género. Isto também facilita a
integração dos papéis de género do outro género com o nosso próprio, e a identificação com papéis de
género socialmente transmitidos, correspondentes ao nosso próprio género e ao outro.
Esta visão do início da sexualidade sugere que o conceito de Freud (1933) de uma bissexualidade
original estava correto, assim como seu questionamento do aparente vínculo entre a sexualidade e
as diferenças estruturais biológicas dos géneros conhecidas em sua época. Em outras palavras, nós
ainda não temos provas de que haja uma conexão direta entre a predisposição anatómica dimórfica
para a bissexualidade e a bissexualidade psíquica derivada das primitivas experiências da criança.
Como vimos, os mecanismos biológicos do interesse sexual, excitação sexual e intercurso sexual,
incluindo o orgasmo, são relativamente bem conhecidos. É o estímulo que evoca a resposta sexual,
embora a qualidade subjetiva assumida pela excitação ainda seja uma questão em aberto. Igualmente,
nós ainda carecemos de
Psicopatologia das Relações Amorosas 15
vimento de uma resposta genital plena: a tumescência vascular conduzindo à ere-ção no homem e aos
correspondentes processos eréteis e lubrificação vaginal na mulher, com turgescência secundária dos
seios e ereção dos mamilos.
Excitação sexual parece um termo apropriado para a resposta total, incluindo os aspectos
cognitivos específicos e a experiência subjetiva de interesse sexual, excitação genital, orgasmo e os
correspondentes aspectos neurovegetativos e de expressões faciais (parte do que Freud chamou de
processo de descarga) desse afeto. Considero a excitação sexual, por sua vez, como sendo o afeto
básico de um fenómeno psicológico mais complexo, a saber, o desejo erótico, em que a excitação sexual
está vinculada a um relacionamento emocional com um objeto específico. Examinemos entre a
natureza da excitação sexual e sua elaboração até o desejo erótico.
C a p í t u l o 2
17
18 Otto F. Kernberg
Conforme Holder (1970) salientou, Freud diferenciou claramente os impulsos dos instintos.
Ele via os impulsos como motivadores psicológicos do comportamento humano, constantes em
vez de intermitentes. Por outro lado, concebia os instintos como biológicos, herdados e
intermitentes, no sentido de terem de ser ativados por fatores fisiológicos e/ou ambientais. A
libido é um impulso, a fome é um instinto.
Laplanche e Pontalis (1973) enfatizam adequadamente como Freud sempre se referiu aos
instintos como padrões de comportamento intermitentes, herdados, que variam um pouco de um
membro da espécie para outro. É impressionante ver quão estreitamente o conceito de instinto de
Freud se assemelha à moderna teoria do instinto na biologia, conforme representada, por
exemplo, por Lorenz (1963), Tinbergen (1951) e Wilson (1975). Esses investigadores
consideram os instintos como organizações hierárquicas de padrões perceptivos,
comportamentais e comunicativos biologicamente determinados, liberados por fatores
ambientais que ativam mecanismos inatos. Este sistema biológico-ambiental é considerado
epigenético. Conforme Lorenz e Tinbergen ilustraram em sua pesquisa com animais, a
organização do vínculo maturacional e desenvolvimental de padrões de comportamento inatos
distintos, em um determinado indivíduo, é muito determinada pela natureza da estimulação
ambiental. Os instintos, nesta visão, são sistemas biológicos motivadores hierarquicamente
organizados. Normalmente classificados na linha dos comportamentos alimentares, de luta ou
fuga, ou de acasalar-se (e talvez ao longo de outras dimensões parecidas), eles representam a
integração entre as disposições inatas e os processos de aprendizagem determinados pelo
ambiente.
Embora Freud reconhecesse as fontes biológicas básicas dos impulsos, repetidamente
enfatizou a falta de informações disponíveis referentes aos processos que transformariam essas
predisposições biológicas em motivação psíquica. Seu conceito de libido ou de impulso sexual era
o de uma organização hierarquicamente pré-ordenada a integrava impulsos sexuais "parciais"
desenvolvimentalmente mais primitivos. A teoria dual dos impulsos, da sexualidade e agressão
(1920) representa sua concepção final dos impulsos como a fonte fundamental do conflito
psíquico inconsciente e da formação das estruturas psíquicas. Freud descreveu as fontes
biológicas dos impulsos sexuais de acordo com a excitabilidade das zonas erotogênicas, mas não
descreveu as fontes biológicas tão concretas assim para a agressão. Em contraste com as fontes
fixas da libido, caracterizou os objetivos e
20 Otto F. Kernberg
to com o objeto enquanto em interação sexual específica, é universal para homens e mulheres.
Poderíamos dizer que a bissexualidade é, antes de tudo, uma função da identificação com ambos
os participantes da relação sexual, ou com todos os três ("o terceiro excluído"), na triangulação da
experiência sexual.
Uma segunda característica do desejo erótico é a identificação com a excitação sexual e o
orgasmo do parceiro, de modo a usufruir duas experiências complementares de fusão. O primeiro
elemento aqui é o prazer derivado do desejo do outro, o amor expressado na resposta do outro
ao desejo sexual dose//, e a experiência associada de fusão no êxtase. Juntamente com isso existe
o sentimento de tornar-se ambos os géneros ao mesmo tempo, de superar temporariamente aquela
barreira normalmente impenetrável que separa os géneros, com um sentimento de completude e
satisfação pelo aspecto penetrante e acolhedor, penetrado e acolhido, da invasão sexual. Nesta
conexão, um deslocamento simbólico de todas as partes "penetrantes" da anatomia de ambos os
parceiros, e de todas as aberturas "acolhedoras" ou "penetráveis" do outro, assinala a condensação
do erotismo de todas as zonas, uma regressão esperada na excitação sexual à "confusão zonal"
(Meltzer, 1973), e à consequente confluência, na atividade ou contato sexual, de fantasias e
experiências refletindo toda a superfície corporal de ambos os participantes. Nesta identificação
com o outro existe uma gratificação do desejo de fusão, de anseios homossexuais e também de
rivalidade edípica porque, por implicação, todos os outros relacionamentos desaparecem no
relacionamento único e fusionado do par sexual. Pelo mesma razão, identificar-se
inconscientemente com ambos os géneros elimina a necessidade de invejar o outro género, e, ao
continuar sendo ele mesmo e também a outra pessoa, existe um sentimento de transcendência
intersubjetiva.
Uma terceira característica do desejo erótico é um sentimento de transgressão, de superar as
proibições envolvidas em todos os encontros sexuais, uma proibição derivada da estruturação
edípica da vida sexual. Este sentimento assume muitas formas; a mais simples e mais universal
é a transgressão contra os limites sociais habituais que protegem a intimidade das superfícies
corporais e a intimidade da excitação sexual, da sua exibição pública. Stendhal (1822) salientou
primeiro que o próprio ato de despir-se repele as noções sociais de vergonha, e permite que os
amantes se defrontem um com o outro sem esta vergonha; vestir-se após o encontro sexual é um
retorno à vergonha convencional. A moralidade convencional (Kernberg, 1987) tende a suprimir
ou regular aqueles aspectos do encontro sexual mais diretamente relacionados aos objetivos infantis
polimorfos, e são esses objeti-vos, prototipicamente estruturados nas perversões sexuais, que
expressam mais diretamente a excitação sexual, a intimidade erótica e a transgressão das
convenções sociais.
Basicamente, a transgressão inclui violar as proibições edípicas, constituindo-se assim um
desafio ao rival edípico e um triunfo sobre ele. Mas a transgressão também inclui uma transgressão
contra o próprio objeto sexual, experienciado ao mesmo tempo como sedutoramente provocador e
indispensável. O desejo erótico inclui um sentimento de que o objeto está tanto se oferecendo
como se retraindo, e
26 Otto F. Kernberg
que a penetração sexual ou engolfamento do objeto é uma violação das fronteiras deste último.
Neste sentido, a transgressão envolve também uma agressão contra o objeto, uma agressão que é
excitante em sua gratificação prazerosa e reverberando com a capacidade de experienciar prazer na
dor, e a projeção dessa capacidade no objeto. A agressão também é prazerosa porque está sendo
contida por um relacionamento amoroso. Assim nós temos a incorporação da agressão ao amor
e a garantia da segurança em face da ambivalência inevitável.
O aspecto de êxtase e agressão no esforço para perder as fronteiras do self representa um
aspecto complexo do desejo erótico. Bataille (1957) propôs, num contexto diferente, que as
experiências mais intensas de transcendência ocorrem sob o "signo" do amor e sob o "signo" da
agressão. Ele sugere que uma das características mais dramáticas do funcionamento humano é
que o rompimento das fronteiras entre o self e os outros ocorre em momentos da mais profunda
regressão no êxtase amoroso, e em condições de extrema dor. A intimidade que se desenvolve
entre o torturador e o torturado, e seus dramáticos efeitos sobre a experiência psíquica de ambos,
provavelmente se origina na normalmente dissociada ou reprimida consciência mais primitiva das
relações de fusão "totalmente más" entre oself e o objeto, que constitui a contraparte do objeto
dissociado "inteiramente bom" no estágio simbiótico do desenvolvimento.
O desejo erótico transforma a excitação genital e o orgasmo numa experiência de fusão com o
outro, que proporciona um sentimento fundamental de realização, de transcender os limites do
self. Esta fusão também facilita, na experiência do orgasmo, um sentimento de unidade com os
aspectos biológicos da experiência pessoal. Pela mesma razão, no entanto, ser o objeto da dor
induzida pelo outro, e identificar-se com o objeto agressivo e sentir-se também como sua vítima,
cria um sentimento de união na dor que reforça a fusão no amor. Induzir dor no outro e
identificar-se com o prazer erótico do outro na dor é o sadismo erótico, a contraparte do masoquismo
erótico. O desejo erótico, com relação a isso, também inclui um elemento de rendição, de se
aceitar escravizado ao outro, ou inversamente de ser o senhor do destino do outro. A extensão em
que essa fusão agressiva será contida pelo amor é, de modo importante, mediada pelo superego, o
guardião do amor que contém a agressão. Em resumo, tanto no prazer quanto na dor existe a
busca de uma intensa experiência afetiva, que temporariamente apaga as fronteiras do self, uma
experiência que pode dar à vida um significado fundamental, uma transcendência que
vincula o comprometimento sexual com o êxtase religioso e a experiência de liberdade além dos
limites da existência cotidiana.
A idealização do corpo do outro ou dos objetos que simbolicamente represen-
tam esse corpo é um aspecto essencial do desejo erótico. Lussier (1982) e Chasseguet-Smirgel
(1985b) salientaram a função central da idealização, respectivamente, no fetichismo e na
perversão em geral. Esta idealização é uma defesa e representa a negação da regressão anal na
perversão, e a negação da ansiedade de castração. Concordo com eles quanto à importante
função da idealização como um mecanismo na patologia; mas também acredito (1988b) que a
idealização da anatomia do
Psicopatologia das Relações Amorosas 27
parceiro sexual e da superfície de seu corpo, seja um aspecto crucial da integração normal dos
anseios ternos e eróticos tanto nas relações heterossexuais quanto homossexuais. Esta
idealização erótica é semelhante aos processos de idealização normal no amor romântico descrito
por Chasseguet-Smirgel (1985a): a projeção do ideal de ego no objeto amado com um simultâneo
aumento na própria auto-estima. No amor sexual maduro a replicação do ideal de ego na forma
do objeto amado idealizado, cria um sentimento de harmonia com o mundo e a realização do
sistema de valores e dos ideais estéticos da pessoa: a moralidade e a beleza são realizadas na
relação amorosa.
Meltzer e Williams (1988) propuseram a existência de um "conflito estético" mais inicial,
vinculado à atitude do bebé em relação ao corpo da mãe. O amor do bebé pela mãe, eles dizem, é
expressado na idealização da superfície do corpo da mãe, e, pela introjeção do amor da mãe que
se expressa na idealização que ela também faz do corpo do bebé, há uma identificação com ela
nesta auto-idealização. Essa idealização daria origem ao mais antigo senso de valor estético e de
beleza. Ao contrário da superfície do corpo, Meltzer e Williams vêem a agressão dissociada
dirigida à mãe, como dirigida principalmente para o interior do seu corpo; e, por projeção, o bebé
vivência então o interior do corpo da mãe como muito perigoso. De acordo com isto, o desejo e a
fantasia de invadir com violência o corpo da mãe são uma expressão da agressão e da inveja de
sua beleza exterior, assim como da sua capacidade de dar vida e amor. A idealização das
superfícies corporais da mãe, por outro lado, seria uma defesa contra a perigosa agressão que
estaria, à espreita, sob aquela superfície. A contribuição de Chasseguet-Smirgel (1986) aos
aspectos arcaicos do complexo de Edipo (a destruição fantasiada do interior do corpo da mãe, d
o pênis do pai e dos bebés do pai; e a transformação do interior da mãe numa cavidade infinita e
sem limites) é um importante esclarecimento da natureza da agressão e dos medos primitivos
dirigidos ao corpo da mãe.
Para esses autores, a origem da idealização que os homens fazem do corpo das mulheres
pode ser rastreada até a idealização da superfície do corpo da mãe e à excitação evocada pela
superfície do corpo dela; da mesma forma, as origens dos medos inconscientes vinculados à
vagina e ao interior do corpo das mulheres podem ser traçados até às primeiras relações do bebé
com sua mãe.
Igualmente, nos homens, a idealização de partes do corpo de parceiros homossexuais pede
regularmente ser ancorado na idealização do corpo da mãe. A idealização de partes do corpo do
homem por parte das mulheres é originalmente bem menos proeminente; esta capacidade, no
entanto, vem a se desenvolver no contexto de .uma relação sexual gratificante com um homem,
que inconscientemente possa representar o pai edípico que reafirma a beleza e valor do corpo da
mulher, e que assim libera sexualidade genital feminina de sua inibição inicial infantil. Em
ambos os géneros, a integração dos elementos ternos e eróticos das relações objetais também
proporciona mais profundidade e complexidade à idealização das superfícies do corpo.
28 Oito F. Kernberg
O corpo da pessoa amada se torna uma geografia de significados pessoais, de modo que
as primitivas relações fantasiadas perverso-polimorfas, com os objetos parentais, são
também condensadas com a relação admiradora e invasiva com as partes do corpo do
amante. O desejo erótico está enraizado no prazer de reencarnar fantasias e atividades
inconscientes perverso-polimorfas, incluindo a ativacão simbólica da primitiva relação objetal
do bebé com a mãe, e, depois, da criança pequena com ambos os pais. Tudo isso é
expressado nos componentes perversos dos jogos e do intercurso sexual—na felação,
cunilíngua, penetração anal e nos jogos sexuais exibicionistas, voyeuristas e sádicos. Aqui, é
central o vínculo entre a relação inicial com a mãe em ambos os géneros, e o prazer com a
interpenetração das superfícies, protuberâncias e cavidades corporais. Os cuidados físicos
que a mãe presta ao bebé ativam a consciência erótica de suas próprias superfícies corporais,
e, por projeção, a consciência erótica das superfícies corporais da mãe. O amor recebido
na forma de estimulação erótica das superfícies corporais se torna o estímulo para o desejo
erótico como um veículo para a expressão de amor e gratidão.
A mulher que ama um homem ficará eroticamente excitada por aspectos da geografia
de seu corpo, e, caracteristicamente, se esse amor termina, sua idealização e interesse pelo
corpo dele se extinguirão. Por seu lado, os homens narcisistas que dão a impressão de
perder, rapidamente, o interesse por aspectos previamente idealizados do corpo de uma
mulher, serão capazes de reativar esse interesse se e quando, em consequência do tratamento
psicanalítico, a deterioração inconsciente das relações objetais internalizadas (tipicamente
relacionadas à profunda inveja das mulheres) puder ser resolvida. Estou sugerindo que, em
ambos os géneros, e apesar das dessemelhanças relacionadas às diferentes histórias de seu
desenvolvimento sexual, a idealização das superfícies corporais, um aspecto central do desejo
erótico, é uma função da disponibilidade das primitivas relações objetais
internalizadas. E a história pessoal de uma relação amorosa fica simbolicamente inscrita
em aspectos da anatomia do objeto amado.
A falta de ativacão ou a extinção do erotismo da superfície corporal determina uma
inibição sexual primária, quando uma intensa agressão e uma paralela falta de
estimulação prazerosa da superfície corporal se combinam de maneira a interferir com o
desenvolvimento dos primeiros processos de idealização como parte da estimulação
erótica. Essa inibição é ilustrada no caso de uma mulher cujo intenso amor transferencial
estava associado ao desejo de que eu a matasse. A repressão secundária da excitação
sexual, vinculada ao funcionamento posterior do superego e posteriores proibições
edípicas, é muito menos severa e tem um prognóstico muito melhor no tratamento.
O desejo de provocar e ser provocado é outro aspecto central no desejo erótico. Este
desejo não pode ser completamente separado da excitação decorrente do superar uma
barreira de algo proibido, e portanto é vivenciado como pecaminoso ou amoral. O objeto
sexual é sempre, aufond, um objeto edípico proibido, e o ato sexual uma repetição e
superação simbólica da cena primária. Mas aqui estou enfatizando o objeto retraindo-se e
provocando, numa combinação de promessa e
Psicopatologta das Relações Amorosas 29
Balint (1948) sugeriu que, além da satisfação genital, uma verdadeira relação amorosa
inclui idealização, ternura e uma forma especial de identificação. Em ré-
Psícopatología das Relações Amorosas 37
mento amoroso. Ele concordava particularmente com a declaração de Freud de que em muitos casos a
idealização não ajuda, e até atrapalha, o desenvolvimento de uma forma satisfatória de amor.
David (1971) e Chasseguet-Smirgel (1973), entretanto, enfatizaram a importância da idealização na
relação amorosa. Acreditam que o estado de estar apaixonado enriquece o se//, e aumenta o seu investimento
libidinal, porque isto satisfaz um estado ideal do self, e porque a relação do sélf grandioso com o objeto,
nesse ponto, reproduz a relação ideal entre o self e o ideal de ego.
Van der Waals (1965) enfatizou o simultâneo aumento do investimento libidinal objetal e narcisista
no amor normal. Chasseguet-Smirgel sugeriu que no amor maduro, em contraste com o apaixonar-se
temporário no adolescente, existe uma projeção limitada de um ideal de ego menos grandioso no objeto
amado idealizado, e um simultâneo aumento do investimento narcisista (no self) a partir da gratificação
sexual proporcionada pelo objeto amado. Essas observações são, acredito, compatíveis com minha opinião
de que a idealização normal constitui um nível desenvolvimental avançado desse mecanismo, pelo qual a
moralidade do bebé e da criança são transformados em sistemas éticos adultos. A idealização, assim
concebida, é função da relação amorosa madura, estabelecendo a continuidade entre o amor "romântico"
adolescente e o amor maduro. Em condições normais, não é apenas o ideal do ego que é projetado, mas os
ideais que se originam de desenvolvimentos estruturais dentro do superego (incluindo o ideal do ego).
David (1971) enfatiza quão cedo chegam os anseios edípicos nas crianças de ambos os géneros, junto
com a intuição de um relacionamento excitante, gratifican-te e proibido, que une os pais entre si e exclui a
criança, assim como o desejo e a excitação da criança em relação ao conhecimento proibido —
particularmente, o conhecimento sexual—se constituem como pré-requisitos cruciais para a qualidade do
amor sexual. Em ambos os géneros, o anseio, a inveja, o ciúme e a curiosidade finalmente impelem a busca
ativa do objeto edípico idealizado.
Conforme mencionei no Capítulo 2, a fusão íntima da desejada gratificação erótica e fusão simbiótica
também inclui a função sexual da idealização primitiva. Já me referi à proposta de Meltzer e Williams (1988)
de que a idealização da superfície do corpo da mãe adquire uma função defensiva contra a projeção
fantasiada da agressão para o interior do corpo da mãe, enquanto expressa diretamente a integração do
amor pela imagem ideal da mãe com a mais primitiva gratificação sensual. Assim, a idealização primitiva,
caracterizada pela predominância dos processos de cisão, que dissociam essa idealização das experiências
"totalmente más" ou persecutórias, preserva a disposição sexual em relação ao objeto idealizado e protege
a excitação sexual de ser inundada pelos impulsos agressivos.
Mais tarde, a idealização que ocorre no contexto de relações objetais
integradas, ou totais (e a correspondente capacidade de experienciar culpa, preocupação e
tendências reparadoras, quando forem atingidas as relações objetais totais) facilitará a
integração da excitação sexual e do desejo erótico com uma visão idealizada do objeto amado e a
integração do desejo erótico com a ternura. A ternura, como
40 Oito F. Kernberg
vimos, reflete a capacidade para integrar o amor e a agressão no contexto das relações objetais internalizadas, e
inclui um elemento de preocupação pelo objeto amado, que deve ser protegido da perigosa agressão.
Gradualmente, a idealização inicial do corpo da pessoa amada e a posterior idealização do outro como
pessoa total, evoluem para a idealização do sistema de valores do objeto amado — uma idealização
dos valores éticos, culturais e estéticos—um desenvolvimento que irá garantir a capacidade de apaixonar-se
romanticamente.
Essas graduais transformações dos processos de idealização no contexto do desenvolvimento
psicológico também refletem as vicissitudes da passagem pelo estágio edípico do desenvolvimento — as
proibições originais do desejo erótico pelo objeto edípico, que são a razão maior para a aguda clivagem
defensiva entre o desejo erótico e as relações objetais idealizadas. Os processos de idealização em evolução
eventualmente culminam na capacidade de reconfirmar o vínculo entre o desejo erótico e a idealização
romântica da mesma pessoa, e representam, ao mesmo tempo, a integração do superego num nível mais
elevado, vinculado a esta capacidade sofisticada de integrar a ternura com os sentimentos sexuais, o que
reflete a superação do conflito edípico. Ao mesmo tempo, neste estabelecimento de identificações com os
valores do objeto amado, atinge-se a transcendência do inter-relacionamento do casal para um
relacionamento com seu background cultural e social. As experiências do passado, o presente e o futuro
imaginado, são vinculadas através da experiência atual do relacionamento com o objeto amado.
Comprometimento e Paixão
A paixão na esfera do amor sexual é, proponho, um estado emocional que expressa o cruzamento de
fronteiras, no sentido de unir estruturas intrapsíquicas que estão separadas por fronteiras dinâmica ou
conflitualmente determinadas. No que segue, utilizo o termo fronteira significando as fronteiras dosei/, exceto
quando forem feitas referências explícitas ao uso mais amplo do termo como a interface ativa e dinâmica
de sistemas (especialmente sociais) hierarquicamente relacionados.
As fronteiras mais importantes atravessadas na paixão sexual são as do se!/.
O aspecto dinâmico central da paixão sexual e do seu clímax, é a experiência do orgasmo no intercurso;
na experiência do orgasmo, a excitação sexual crescente culmina numa resposta automática, biologicamente
determinada, com um afeto primitivo de êxtase, que requer para ser completamente experienciado, um
abandono temporário das fronteiras dosei/, ou melhor, uma expansão — ou uma invasão — das fronteiras
do se!/até a consciência das raízes biológicas subjetivamente difusas da existência. Já exploramos os
relacionamentos entre os instintosbiológi-cos, afetos e impulsos; aqui, gostaria de enfatizar as funções
essenciais dos afetos como as experiências subjetivas na fronteira (num contexto de sistemas gerais)
Psicopatologia das Relações Amorosas 41
entre os domínios biológico e intrapsíquico, e sua função crucial na organização das relações
objetais internas e das estruturas psíquicas em geral.
Mas se a excitação sexual constitui uma afeto básico que está no núcleo do amor
apaixonado, isto não significa que essa capacidade de amar com paixão fique "limitada" como
parte da experiência orgástica. O desejo da fusão com a mãe e a experiência subjetiva de
fundir-se com ela, que caracteriza o estágio simbiótico do desenvolvimento, infiltra toda busca
de contato corporal e de entrelaçamento das superfícies corporais. Mas a experiência de
êxtase do orgasmo só gradualmente adquire uma função organizadora central; é a fase genital
da sexualidade infantil que recaptura e centraliza, poderíamos assim dizer, aquela excitação
difusa ligada às experiências e fantasias de fusão da fase pré-genital do apego simbiótico.
A experiência clínica demonstra que a qualidade afetiva do orgasmo varia amplamente,
e (particularmente nos pacientes com severa patologia narcisista e significativa deterioração
das relações objetais internalizadas) está muitas vezes dramaticamente reduzida, de modo
que o orgasmo proporciona tanto um sentimento de alívio como também de frustração para
esses pacientes. No amor apaixonado, a experiência orgástica é máxima, e é aqui que podemos
examinar o significado da experiência para o indivíduo e para o casal.
No amor apaixonado, o orgasmo integra, ao mesmo tempo, o simultâneo cruzamento
da fronteira do se//até a consciência do funcionamento biológico que está fora do controle do
self, e o cruzamento das fronteiras numa sofisticada identificação com o objeto amado, mas que
mantém o senso de uma identidade separada. A experiência compartilhada do orgasmo inclui,
além da temporária identificação com o parceiro sexual, a transcendência da experiência
dosd/até a experiência da união fantasiada dos pais edípicos, assim como a transcendência da
repetição da relação edípica até o seu abandono por uma nova relação objetal que reconfirma a
identidade e autonomia separadas da pessoa.
Na paixão sexual, são atravessadas fronteiras dosei/determinadas pelo tempo, e o mundo
passado das relações objetais é transformado em um novo mundo pessoalmente recriado. O
orgasmo como parte da paixão sexual também pode representar simbolicamente a experiência
de morrer, de se manter a autoconsciência ao mesmo tempo em que se é levado à aceitação
passiva de sequências neurovegetativas que incluem a excitação, o êxtase e a descarga. Por
outro lado, a transcendência a partir doseJ/em direção à união apaixonada com a outra pessoa,
e dos valores que ambos defendem, também é um desafio à morte e à natureza transitória
da existência do indivíduo.
Mas a aceitação da experiência de fusão com o outro também replica, inconscientemente, a
penetração forçada do perigoso interior do corpo do outro (do corpo da mãe) — isto é, o
misterioso domínio da agressão primitiva projetada. A fusão é portanto uma perigosa aventura,
que implica na predominância da confiança sobre a desconfiança e o medo, entregando-se o
próprio self ao outro, na busca de uma fusão extática sempre ameaçada pelo desconhecido
(fusão na agressão).
42 Otto F. Kernberg
onamento de casais por muitos anos, acredito que esta dicotomia é uma convenção
supersimplificada. O amor apaixonado também caracteriza alguns casais coi muitos
anos de vida juntos.
Penso que a paixão sexual também não pode ser igualada ao humor de êxtase
característico da adolescência. A consciência sutil, profunda, completa e critica do
Psicopatologia das Relações Amorosas 43
amor por uma outra pessoa, combinada com uma clara consciência do mistério final que separa uma
pessoa de todas as outras e a aceitação dos anseios irrealizáveis, como parte do preço a pagar por um total
comprometimento com a pessoa amada, também refletem a paixão sexual.
A paixão sexual não se limita, embora seja nele tipicamente expressada, ao intercurso sexual com
orgasmo. Pelo contrário: o amor sexual se expande, da intuitiva consciência do intercurso e orgasmo
como sendo seu objetivo final liberador, consumidor e reconfirmador, até o campo mais amplo do
anseio sexual pelo outro, do intenso desejo erótico que se aprofunda pela apreciação dos valores
gerais, humanos, físicos e emocionais, representados pelo outro. Há oscilações normais na intensidade
da relação do casal, e abruptas descontinuidades em seu relacionamento, que explorarei mais tarde.
Mas num relacionamento sexual satisfatório, a paixão sexual é uma estrutura disponível
caracterizando seu relacionamento simultaneamente nos domínios sexual, relacional-objetal, ético e
cultural.
Disse que um aspecto essencial da experiência subjetiva da paixão, em todos os níveis, é o
atravessamento das fronteiras àoself, a fusão com o outro. Esta experiência de fusão deve ser
diferenciada dos fenómenos da fusão regressiva, que obscurecem a diferenciaçãose//"-não-se//i o que é
característico da paixão sexual é a experiência de fusão simultaneamente com a manutenção de uma
identidade separada.
O cruzamento das fronteiras àoself, assim definido, é a base da experiência subjetiva da
transcendência. As identificações psicóticas (Jacobson, 1964), com a dissolução das fronteiras do selfe
do objeto, interferem com a capacidade de paixão. Entretanto, uma vez que a transcendência implica
no perigo de perder-se a si mesmo e de se defrontar com uma agressão ameaçadora, isto faz com que a
paixão se relacione também com o medo da agressão em uma fusão psicótica. E é quando ocorre uma
intensa agressão, associada com uma dissociação entre relações objetais idealizadas e persecutórias, que
se dá nas idealizações primitivas do paciente borderline, é que o amor apaixonado pode subitamente
transformar-se em ódio apaixonado. A falta de integração entre relações de objetos "só bons" e "só
maus", internalizados pode promover alterações súbitas e dramáticas no relacionamento do casal. A
prototípica experiência do amante desprezado, que mata seu rival e o objeto amado que o traiu, e
depois mata a si mesmo, assinala este relacionamento entre amor apaixonado, mecanismos de
dissociação, primitiva idealização e ódio.
Existe uma contradição intrínseca na combinação desses dois aspectos cruciais do amor sexual: de
um lado, as firmes fronteiras doselfe a constante consciência da indissolúvel separação entre os
indivíduos, e de outro, o senso de transcendência e de tornar-se uno com a pessoa amada. A
condição de ser separado resulta na solidão, no anseio e medo pela fragilidade de todas as relações; a
transcendência na união do casal traz o sentimento de unidade com o mundo, de permanência e de
nova criação. A solida o, poderíamos dizer, é umpré-requisitopara a transcendência.
Permanecer dentro das fronteiras doselfe ao mesmo tempo transcendê-
las na identificação com o objeto amado, é uma excitante e estimulante, mas também
44 Otto F. Kernberg
dolorosa condição do amor. O poeta mexicano Octavio Paz (1974) expressou este aspecto do amor com
uma concisão quase avassaladora, declarando que o amor é um ponto de intersecção entre o desejo e
a realidade. O amor, diz ele, revela a realidade ao desejo e cria a transição do objeto erótico para a
pessoa amada. Tal revelação é quase sempre dolorosa, porque a pessoa amada se apresenta, simulta-
neamente, como um corpo que pode ser penetrado e uma consciência que é impenetrável. O amor é a
revelação da liberdade da outra pessoa. À contraditória natureza do amor é de que o desejo quer ser
realizado pela destruição do objeto desejado, enquanto o amor descobre que este objeto é indestrutível e
não pode ser substituído.
Aqui está uma ilustração clínica da maturação da capacidade para experimentar a paixão
sexual, e o desenvolvimento de anseios românticos, num homem muito inibido e obsessivo, fazendo
tratamento psicanalítico. Omito os aspectos dinâmicos e estruturais dessa mudança, de modo a centrar-
me na experiência sub-jetiva de integrar o erotismo, as relações objetais e os sistemas de valores.
Um professor universitário no final da casa dos 30, noivou com uma mulher por quem estava muito
apaixonado logo antes de partir para uma viagem a trabalho à Europa. Na volta, descreveu uma
experiência que tivera ao visitar o Louvre e lá ver, pela primeira vez, esculturas em miniatura da
Mesopotâmia, do terceiro milénio antes da nossa era. Em certo momento teve a estranha sensação de
que uma dessas minúsculas esculturas, o corpo de uma mulher cujos mamilos e umbigo estavam
assinalados por minúsculas pedras preciosas, assemelhava-se ao corpo da mulher que ele amava. Ele
antes vinha pensando na noiva, ansiando por sua presença enquanto caminhava pelos corredores
quase desertos do museu, e na medida em que começou a olhar para a escultura, uma enorme onda de
estimulação erótica o dominou, juntamente com intenso sentimento de proximidade em relação a ela.
Ficou também muito emocionado pelo que considerou a extrema simplicidade e beleza da escultura,
sentindo empatia pelo artista desconhecido que morrera há mais de quatro mil anos. Teve então um
sentimento de humildade, ao mesmo tempo em que de tranquilizadora comunicação com o
passado, e sentiu que lhe fora permitido compartilhar o entendimento do eterno mistério do amor
expressado naquele trabalho de arte. O sentimento de desejo erótico fundiu-se com o sentimento de
unidade, de anseio e de proximidade com a mulher que ele amava, e, através dessa unidade e amor,
ele pode penetrar no mundo transcendente dabele-za. Ao mesmo tempo, teve um forte sentimento
arespeito de sua própria individualidade, juntamente com gratidão por lhe ter sido permitido
compartilhar a experiência desse trabalho de arte, e humildade ao se defrontar com ele.
A paixão sexual reativa e contém toda a sequência dos estados emocionais que garantem ao
indivíduo o sentimento sobre sua própria "bondade", abondade de seus pais, e do mundo inteiro de
objetos, e a esperança de realização do amor mesmo em face da frustração, hostilidade e
ambivalência. A paixão sexual supõe: a capacidade de continuada empatia—mas não fusão—com um
estado primitivo de fusão simbiótica (o "sentimento oceânico" deFreud [1930]); a excitante reunião
Psicopatologia das Relações Amorosas 45
de proximidade com a mãe no estágio de diferenciação se//-objeto; e a gratificação dos anseios edípicos,
no contexto de superação de sentimentos de inferioridade, medo e culpa, referentes ao
funcionamento sexual. A paixão sexual é o núcleo facilitador de um sentimento de unidade com a
pessoa amada, como parte do romantismo da adolescência e, mais tarde, de comprometimentos
maduros com o parceiro amado frente às limitações realistas da vida humana, a inevitabilidade da
doença, decadência, deterioração e morte. E é uma importante fonte de empatia com a pessoa
amada. Conseqúentemente, o cruzamento das fronteiras e a reconfirmação do sentimento básico
de bondade mesmo enfrentando muitos riscos, vinculam a biologia, o mundo emocional e o mundo dos
valores a um sistema único imediato.
O cruzamento das fronteiras do eu na paixão sexual e a integração tanto do amor e da agressão,
como da homossexualidade e da heterossexualidade, no relacionamento no mundo interno com a
pessoa amada, são ilustrados eloquentemente na declaração de amor de Hans Castorp à Clawdia Chauchat,
naMontanha mágica, de Thomas Mann (1924). Rompendo com seu humanista, racional e maduro
"mentor" Settembrini, Castorp declara seu amor à Madame Chauchat (em francês, o que se torna uma
linguagem quase privada e íntima no contexto alemão do livro). Excitado e liberado pela calorosa,
embora levemente irónica, resposta dela, Castorp lhe diz que sempre a amou e alude à sua relação
homossexual anterior com um amigo da juventude que se parecia com ela e a quem uma vez ele
pedira um lápis emprestado, da mesma forma como pedira um à Madame Chauchat mais cedo
naquela noite. Ele diz que o amor não é nada se não for também loucura, algo sem sentido, proibido,
quase uma aventura através do mal. Diz a ela que o corpo, o amor e a morte —- os três — são uma
coisa só. Fala sobre o milagre da vida orgânica e da beleza física, que é composta de vida e matéria
perecível.
Mas atravessar as fronteiras dose//implica na existência de certas condições: como já dito, deve
haver uma consciência de, e uma capacidade para, a empatia com a existência de um campo
psicológico fora das fronteiras dose//; conseqúente-mente, os estados eroticamente matizados de
excitação maníaca e grandiosidade, característicos dos pacientes psicóticos, não podem ser chamados
de paixão sexual; e a destruição inconsciente das representações de objeto assim como dos próprios
objetos externos, tão predominante nas personalidades narcísicas, destrói suas capacidades de
transcendência até uma íntima união com outro ser humano, reduzindo, e eventualmente destruindo,
a capacidade de paixão sexual.
A excitação sexual e o orgasmo também perdem sua função de atravessar fronteiras, na
biologia, quando uma excitação sexual e orgasmo mecânicos e repetitivos se constróem dentro da
experiência dose//, de uma forma dissociada do aprofundamento das relações objetais internalizadas. É
aqui que a excitação sexual se diferencia do desejo erótico e da paixão sexual; basicamente, a
masturbação pode (e normalmente o faz) expressar uma relação objetal — tipicamente, expressam
vários aspectos das relações edípicas a partir da infância em diante. Mas a masturbação como
atividade compulsiva e repetitiva, funcionando defensivamen-
46 Oito F. Kernberg
O Impacto do Género
48
Psicopatologia das Relações Amorosas 49
mulher sexualmente comprometida com ele) frustra o narcisismo do garotinho e o estimula a uma
competitiva identificação com o pai, iniciando ou reforçando, assim, a constelação edípica positiva nos
meninos. Uma consequência disso são os sentimentos aumentados de frustração do menino, por ter sido
sexualmente rejeitado pela mãe, de modo que sua agressão oral — projetada — e dirigida à mãe, é
reforçada pela agressão inicial de derivação edípica. Tal desenvolvimento terá influências cruciais na vida
amorosa dos homens que inconscientemente não mudam seu primeiro objeto sexual — a mãe.
Chasseguet-Smirgel e colaboradores (1970) e Braunschweig e Fain (1971) também enfatizam a
excitabilidade vaginal da garotinha, e sua sexualidade feminina em geral. Com relação a isso, suas
observações são semelhantes às de Horney (1967), Jones (1935) e Klein (1945), e à pesquisa nos Estados
Unidos indicando as ativida-des masturbatórias vaginais precoces das meninas pequenas e a íntima
conexão entre a responsividade erótica clitoridiana e vaginal (Galenson e Roiphe, 1976; Barnett, 1966).
Esses estudos sugerem que existe na menina uma consciência vaginal muito inicial, e que essa consciência
vaginal é inibida e, mais tarde, reprimida.
Os autores franceses enfatizam as evidências indicando que a atitude dos pais, especialmente a da
mãe, é diferente em relação aos bebés do sexo masculino e feminino, e que a indução de papéis pela
interação inicial mãe- bebé têm uma poderosa influência sobre a identidade de género (veja também
Stoller, 1973). De acordo com o grupo francês, a mãe, em contraste com a estimulação precoce que faz da
genitalidade do filho pequeno, não investe particularmente nos genitais da menina, porque a mãe
mantém sua própria vida sexual, sua "sexualidade vaginal", como parte do domínio separado de uma
mulher se relacionando com o pai; mesmo quando a mãe, narcisicamente, investe em sua filhinha, este
narcisismo tem aspectos pré-genitais em vez de genitais (exceto nas mulheres com fortes tendências
homossexuais). O não-investimento da mãe nos genitais femininos de sua filha também é uma resposta às
pressões culturalmente determinadas e inibições compartilhadas quanto aos genitais femininos, e que se
originam da ansiedade de castração masculina.
Blum (1976) enfatiza a importância da rivalidade edípica e dos conflitos acerca da auto-estima como
mulher que a garotinha desperta na mãe: se a mãe desvalorizou-se como mulher, ela irá desvalorizar sua
filha; a auto-estima da mãe irá influenciar fortemente a auto-estima de sua filha. Os conflitos não-
resolvidos da mãe acerca de sua própria genitalidade, e sua admiração pelo pênis de seu garotinho, levarão
sua filha a misturar a inveja do pênis com a rivalidade fraterna. Normalmente a garotinha volta-se para o
pai, não apenas pelo seu desapontamento com a mãe, mas também numa identificação com ela.
Uma implicação geral da linha francesa de pensamento é que a ansiedade de castração não é um
determinante primário da menina pequena voltar-se para o pai, mas uma complicação secundária reforçando a
inibição primária, ou a repressão da genitalidade vaginal, sob a influência da atitude implicitamente de
negação da mãe. A intensidade da ansiedade de castração nas mulheres depende amplamente
Psicopatologia das Relações Amorosas 51
de um deslocamento de três etapas da agressão pré-genital: primeiro projetada na mãe, depois reforçada pela
competitividade edípíca com ela, e finalmente deslocada para o pai. A inveja do pênis nas garotinhas refletiria,
principalmente, o reforço dos conflitos edípicos sob o efeito do deslocamento da agressão pré-genital e da
inveja para o pênis.
Chasseguet-Smirgel (1974), referindo-se às ideias de Horney (1967), sugeriu que a fantasia do
garotinho da existência de uma mãe fálica pode servir como uma tranqúilização não apenas contra (ou
negação da) percepção dos genitais femininos como um produto da castração, mas também contra a
consciência da vagina adulta, que provaria que seus pequenos genitais seriam altamente inadequados
para preenchê-la.
A partir de todos esses desenvolvimentos, ocorrem vários estágios evolutivos que a garotinha e o
garotinho precisam atravessar como parte de seu caminho para identificar-se com a genitalídade adulta. Para
o menino, a identificação com o pai significa que ele superou sua inveja pré-genital das mulheres e a
projeção dessa inveja na forma de medos primitivos das mulheres (Kernberg, 1974a), assim como seus
medos de inadequação relativos aos genitais femininos. Para os autores franceses, o Don Juan está na
metade do caminho entre inibir o impulso sexual para mulheres que representem a mãe edípica, por um
lado, e identificar-se com o pai e o pênis paterno numa relação sexual adulta com uma mulher, por outro
lado: Don Juan, Braunschweig e Fain sugerem, tenta afirmar a genitalidade com a exclusão da
paternidade.
Não creio que a síndrome de Don Juan nos homens tenha uma etiologia única. Da mesma forma que a
promiscuidade nas mulheres (cujas causas podem variar de patologias de caráter severamente narcisistas a
patologias masoquistas ou histéricas relativamente moderadas), a promiscuidade masculina existe num
contínuo. A personalidade narcísica promíscua é um tipo de Don Juan muito mais grave do que o tipo
infantil, dependente, rebelde (mas efeminado), descrito pelos franceses.
Penso que o próximo passo rumo à identificação sexual normal dos meninos com o pai, é a
identificação conflituosa com um homem primitivo, controlador e sádico, que representa o pai fantasiado,
ciumento e restritivo, do período edípico inicial. A superação final do complexo de Édipo nos homens é
caracterizada pela identificação com um pai "generoso" e que não mais opera através de leis repressivas
contra os filhos. A capacidade de desfrutar do crescimento de um filho, sem precisar submetê-lo a ritos
punitivos de iniciação (que refletem uma inveja inconsciente dele), significa que o pai superou
definitivamente suas próprias inibições edípicas. A implicação prática dessas formulações é que uma
importante fonte de instabilidade nas relações amorosas dos homens adultos serve de uma identificação
incompleta dos mesmos com a função paterna, com várias fixações ao longo do caminho.
Para a menina, a falta de uma estimulação direta de seu erotismo genital na relação inicial com a mãe,
e, acima de tudo, os conflitos da mãe acerca do valor de
52 Oito F. Kernberg
edípica pode ser considerada uma característica permanente das relações humanas, e talvez
seja importante enfatizar que as soluções neuróticas para os conflitos edípicos precisam ser
diferenciadas de suas manifestações normais.
Atravessar as fronteiras das proibições sexuais e geracionais poderia ser formulado como
a ativa reconstrução, por parte do indivíduo apaixonado, de sua história passada de relações
edípicas, incluindo as fantasias defensivas e criativas que transformam o reencontro em um
novo encontro com o objeto de amor. Atravessar as fronteiras sociais e sexuais transforma
fantasias inconscientes em experiências subjetivas na realidade; na ativação recíproca de seu
mundo de relações objetais internas, o casal reativa o mito edípico como uma estrutura social
(Arlow, 1974).
Em ambos os géneros, os anseios edípicos, a necessidade de superar as fantasias das
proibições edípicas e satisfazer a curiosidade sobre as misteriosas relações entre os pais,
estimulam a paixão sexual. Como já mencionados, as mulheres provavelmente cruzam mais
cedo a fronteira final da identificação com a mãe edípica, em sua afirmação da sexualidade
feminina, na mudança do objeto erótico da mãe para o pai. Os homens precisam ainda cruzar a
fronteira final da identificação com o pai edípico, na sua capacidade de estabelecer uma relação
sexual com uma mulher amada e executar, neste contexto, as funções da paternidade e
"generosidade". A experiência clínica revela como os homens se sentem movidos pela culpa
quando decidem terminar um relacionamento com uma mulher, ao passo que as mulheres
normalmente se sentem à vontade para deixar o homem saber que elas não mais o amam. Esta
diferença provavelmente reflete a culpa masculina, profundamente estabelecida, pela agressão
dirigida à mãe, tão frequentemente reativada em seus relacionamentos com as mulheres (Edith
Jacobson, comunicação pessoal).
Mas, nas mulheres, a culpa inconsciente decorrente das proibições fantasiadas da mãe
pré-genital e genital contra a genitalidade vaginal requer que haja uma afirmação totalmente
erótica e genital na relação sexual com um homem. A condensação dos precursores
sádicos do superego, relacionados à introjeção de imagens maternas primitivas, pré-edípicas,
com os aspectos posteriores proibitivos da mãe edípica, talvez seja um fator contribuindo
para a grande frequência de inibições genitais nas mulheres. Ela também pode ser um
importante elemento no que é geralmente referido como "masoquismo feminino".
Tem havido um crescente questionamento das suposições psicanalíticas anteriores, referentes a
disposições inatas para o masoquismo nas mulheres, e uma crescente consciência dos vários
fatores psicológicos e sociais que contribuem para suas tendências masoquistas e inibições
sexuais. Person (1974) e Blum (1976) revisaram a literatura pertinente e enfatizaram os
determinantes desenvolvimentais e psicossociais do masoquismo feminino. Blum conclui
que não existe nenhuma evidência de que o ser humano do sexo feminino tenha uma dotação
maior, do que o do sexo masculino, para obter prazer com o sofrimento, e que as primeiras iden-
tificações e relações objetais da menina são de crucial importância na determinação
54 Oito F. Kernberg
de sua identidade sexual posterior, seu papel feminino e atitudes maternas: é mais provável
que, no fim, o masoquismo seja apenas uma solução (gravemente) desadaptada para as
funções femininas.
Stoller (1974) sugeriu que dada a fusão original com a mãe, o senso de feminilidade é
mais firmemente estabelecido nas mulheres do que o senso de masculinidade nos homens.
Nos homens, a fusão original com a mãe — uma mulher — pode deixá-las mais vulneráveis
quanto à sua sexualidade, e mais propensos a desenvolverem perversões.
Descobri que, após a completa análise das fontes pré-genitais e genitais da inveja do
pênis na mulher, e de seu ódio aos próprios genitais, encontramos regularmente uma
capacidade mais precoce para usufruir plenamente o erotismo vaginal e uma afirmação do total
valor de seu corpo, simultaneamente com a capacidade de amar a genitalidade do homem sem
inveja. Não penso que a sexualidade feminina normal implique na necessidade, ou
capacidade, de renunciar ao pênis como o órgão genital mais apreciado, e acho que há boas
evidências de que o medo dos genitais femininos nos homens é não somente secundário à
ansiedade edípica de castração como também tem profundas raízes pré-genitais nos casos mais
severos. Em resumo, superar o medo e a inveja do outro género representa, tanto para os
homens quanto para as mulheres, uma estimulante experiência de superar as proibições
contra a sexualidade como um todo.
De uma perspectiva mais ampla, a descoberta pelo casal da satisfação da genitalidade
plena pode levá-lo a mudanças radicais em não querer mais submeter-se às convenções
culturais predominantes e nem às proibições e superstições ritualizadas, que eregem barreiras
contra a genitalidade madura. Este grau de liberdade sexual (combinado com a superação
final das inibições edípicas) pode refletir o potencial fundamental de satisfação sexual nas
relações amorosas, e reforçar a paixão ao criar um novo mistério de segredos sexuais
compartilhados pelo casal, e liberá-lo das restrições de seu grupo social. De um ponto
de vista desenvolvimental, os elementos de segredo e oposição característicos da paixão
sexual, originam-se da constelação edípica como um organizador básico da sexualidade
humana.
De um ponto de vista sociocultural, penso que a relação do amor sexual com a
convenção social é sempre ambígua, e a "harmonia" do amor com as normas sociais se
deteriora facilmente na convencionalidade e ritualização. Mas, pela mesma razão, a liberdade
sexual do casal no amor não pode ser "exportada" facilmente para as normas sociais, e as
tentativas de "amor sexual livre", com base numa educação maciça e "mudança cultural",
normalmente resultam numa mecanização convencionalizada do sexo. Penso que a
oposição entre o casal e o grupo é inevitável e Braunschweig e Fain (1971) discutiram
cuidadosamente esta questão.
A trágica incapacidade de identificar-se com a função paterna, de modo que todas as
relações amorosas estão destinadas ao fracasso apesar da "primazia genital", e a racionalização
desse fracasso em termos do mito predominante de uma cultura dominada pelo homem, são
dramaticamente ilustradas no livro Lês jeunes filies, de
Psicopatologia das Relações Amorosas 55
Henry de Montherlant (1936). Falando por intermédio de seu jovemherói (ou anti-herói) Pierre
Gostais, Montherlant ressente-se amargamente das pressões derivadas do desejo, que unem os
homens e as mulheres num eterno mal-entendido. Para as mulheres, diz ele (páginas 1010-1012),
o amor começa com a gratificação sexual, ao passo que para os homens, o amor termina com o
sexo; as mulheres são feitas para um homem só, o homem é feito para a vida e para todas
as mulheres. A vaidade é a paixão dominante do homem, enquanto a intensidade de
sentimentos relacionados ao amor por um homem representa a maior fonte de felicidade para as
mulheres. A felicidade das mulheres vem do homem, mas a do homem vem dele mesmo. O
ato sexual é cercado de perigos, proibições, frustrações e uma fisiologia "nojenta".
Seria fácil descartar a descrição que Montherlant faz do esteticamente orientado,
angustiado, orgulhoso, antiquado, cruel e autodestrutivo Gostais, como o produto de uma
ideologia paternalista; mas essa abordagem perderia de vinte nas fontes mais profundas da
intensidade do anseio, do medo e do ódio, em relação às mulheres, que caracterizam essa
racionalização.
A patologia predominante que interfere num relacionamento estável e totalmente
gratificante com um membro do género oposto é representada pelo narcisismo patológico, por um
lado, e pela incapacidade de resolver os conflitos edípicos com uma total identificação genital
com a figura parental do mesmo género, por outro. A patologia narcisista é relativamente
semelhante nos homens e nas mulheres. Nas mulheres, os conflitos edípicos não-resolvidos
apresentam-se mais frequentemente em vários padrões masoquistas, tais como um apego
persistente a homens insatisfatórios e na incapacidade de usufruir plenamente, ou manter um
relacionamento, com um homem que potencialmente poderia ser mais gratificante para
elas. Os homens também se apegam a mulheres frustradoras; mas, culturalmente, eles sempre
foram mais livres para desmanchar esses relacionamentos insatisfatórios. E os
sistemas de valores da mulheres, sua preocupação e senso de responsabilidade pelos filhos,
podem reforçar qualquer tendência masoquista que porventura tenham. Entretanto, não
esquecer que o ideal do ego e as preocupações maternais naturais não devem ser confundidas
com objetivos masoquistas (Blum, 1976) na "mãe comum dedicada".
Nos homens, a patologia predominante das relações amorosas derivadas dos conflitos
edípicos assume a forma do medo e da insegurança frente às mulheres e de reações formativas
contra essa insegurança, na forma de hostilidade reativa e/ ou projetada em relação a elas; isto
se combina, de várias maneiras, com a hostilidade pré-genital e culpa em relação à figura
materna. Os conflitos pré-genitais, especialmente os conflitos acerca da agressão pré-
genital, estão intimamente condensados com os conflitos genitais. Nas mulheres, essa
condensação aparece tipicamente na exacerbação dos conflitos acerca da inveja do pênis; a
inveja oralmente determinada da mãe pré-genital é deslocada para o pai genital idealizado e
seu pênis e para a rivalidade edípica com a mãe. Nos homens, a agressão, inveja e o medo pré-
genitais das mulheres reforçam os medos edípicos e os sentimentos de
56 Otto F. Kernberg
rosa, ou casamento estável, em que ambos os parceiros são capazes de transcender os perigos
inconscientemente determinados para as suas relações.
erotismo corporal pode enriquecer a abertura de cada parceiro à dimensão estética da cultura e
da arte, e à experiência da natureza. O desmantelamento conjunto dos tabus sexuais da infância
pode também cimentar a vida emocional, cultural e social do casal.
Nos pacientes com uma significativa patologia de caráter, a capacidade de apaixonar-se
indica certas conquistas psicológicas: nas personalidades narcisistas, apaixonar-se assinala o
início da capacidade de consideração pelo outro e culpa, e certa esperança de superação da
desvalorização profunda e inconsciente do objeto de amor. Com pacientesborderíine, a
idealização primitiva pode ser o primeiro passo rumo a uma relação amorosa diferente da
relação amor-ódio com os objetos primários. Isso ocorre se, e quando, os mecanismos de
dissociação responsáveis por essa primitiva idealização forem resolvidos, e essa relação
amorosa (ou uma nova relação substituta) for capaz de tolerar e resolver os conflitos pré-
genitais contra os quais a idealização primitiva era uma defesa. Os pacientes neuróticos, e os
pacientes com uma patologia de caráter relativamente moderada, desenvolvem a capacidade
para uma relação amorosa duradoura se e quando o tratamento psi-canalítico ou
psicoterapêutico bem-sucedido resolver os conflitos inconscientes, predominantemente
edípicos.
Estar apaixonado também representa um processo de luto relacionado a crescer e tornar-
se independente, a experiência de deixar para trás os objetos reais da infância. Neste processo
de separação, também existe a reconfirmação das boas relações com objetos internalizados
do passado, conforme o indivíduo se torna confiante na capacidade de dar e receber amor e
gratificação sexual simultaneamente — com um mútuo reforço entre ambos, que estimula o
crescimento — em contraste com o conflito entre amor e sexo na infância.
Chegar a este estágio desenvolvimental permite o desenvolvimento da capacidade de
transformar o apaixonar-se num relacionamento amoroso estável, implicando na capacidade de
ternura, preocupação e idealização mais sofisticada do que a de níveis desenvolvimentais
anteriores, e na capacidade de identificação e emparia com o objeto de amor. Agora a ternura
pode expandir-se para uma satisfação sexual completa, a identificação se aprofunda com a
empatia e identificação sexual completa, e a idealização se torna um comprometimento
maduro com um ideal representado por aquilo que a pessoa amada é ou representa, ou o
que o casal, unido, poderá tornar-se.
cão sexual e descreveu fatores anatómicos e fisiológicos que, em interação com desejos e perigos
edípicos, contribuem para as qualidades excitantes e frustrantes que são parte desse mistério. O
mistério tanto induz quanto reflete a fantasia sexual. Stoller enfatizou a função da excitação sexual
na recriação de situações perigosas e potencialmente frustrantes, e na sua superação por meio de
fantasias e ato sexuais específicos. Assim, tanto em termos da capacidade de excitação sexual e
desejo erótico, quanto da integração de relações objetais pré-edípicas e edípicas como parte das
relações amorosas, a integração da libido e agressão, de amor e ódio, emergiram gradualmente
como um aspecto maior na capacidade para as relações amorosas, assim como na patologia
dessas relações.
Os aspectos sadomasoquistas da sexualidade perversa polimorfa proporcionam um ímpeto
importante para o anseio de fusão sexual; e uma excessiva predominância da falta de cuidados
corporais ternos ou de experiências traumáticas, abuso físico ou sexual, podem extinguir a
capacidade de resposta sexual e interferir com a consolidação e desenvolvimento do afeto da
excitação sexual. E, ao contrário, uma repressão excessiva da agressão, ou proibições inconscientes
contra os componentes primitivos e agressivos da sexualidade perversa polimorfa do bebé, podem
inibir significativamente e empobrecer a resposta sexual. Clinicamente, de fato, observei que
algum grau de supressão ou repressão da sexualidade perversa polimorfa infantil era o tipo mais
frequente de inibição sexual que contribui de forma importante para o empobrecimento da vida
amorosa de casais, cujas relações emocionais eram, de outra forma, satisfatórias. Na prática,
descobrimos que os casais podem ter intercurso genital regularmente, com excitação sexual e orgas-
mo, mas com uma crescente monotonia, um vago sentimento de insatisfação e aborrecimento.
Na área da excitação sexual, então, tanto a ausência da integração da agressão quanto um excesso
dela podem inibir a relação amorosa.
O mesmo processo aparece nas relações objetais dominantes do casal. A falta de integração das
relações objetais internalizadas "totalmente boas" e "totalmente más" conduz à primitiva
idealização nas relações amorosas da organização de personalidade borderline; sua qualidade
irrealista leva facilmente ao conflito e à destruição do relacionamento. Uma idealização que não
tolera ambivalência, que é facilmente destruída pela emergência de qualquer agressão no
relacionamento, é por definição uma idealização frágil e insatisfatória, faltando aos parceiros a
capacidade para uma mútua identificação profunda. Mas a integração das relações objetais, que
anuncia a dominância dos conflitos edípicos mais avançados, com sua tolerância à ambivalência,
também significa a emergência da agressão no relacionamento que precisa ser tolerada, e que é
potencialmente perigosa para o relacionamento.
A tolerância da ambivalência facilita a ativação dos cenários inconscientes e da identificação
projetiva de relações objetais patogênicas passadas internalizadas. De modo que a tolerância da
agressão, como parte do relacionamento ambivalente do casal, o enriquece enormemente e
garante a profundidade que foi apontada como parte da "identificação genital" de Balint, ou da
"consideração" de Winnicott.
Psicopatologia das Relações Amorosas 61
qual lutar, há um elemento de transcendência nessa seleção, um compromisso que vem ao natural,
porque é um compromisso com um certo tipo de vida representado por aquilo que a relação com
pessoa pode ser ou poderá vir a ser.
Aqui voltamos à dinâmica básica, segundo a qual a integração da agressão nas áreas da
relação sexual, relação objetal e ideal do ego do casal garante a profundidade e intensidade do
relacionamento, embora também possa ameaçá-lo. O fato de que o equilíbrio entre amor e
agressão é um equilíbrio dinâmico torna essa integração e profundidade potencialmente
instáveis. Um casal não pode tomar seu futuro como certo, mesmo nas melhores circunstâncias;
muito menos quando conflitos significativos não-resolvidos, em um ou ambos os parceiros,
ameaçam o equilíbrio entre amor e agressão. Às vezes, mesmo em condições que parecem auspiciosas
e seguras, novos desenvolvimentos modificam aquele equilíbrio.
O próprio fato de que a condição essencial para uma relação profunda e duradoura entre
duas pessoas seja a capacidade de aprofundar-se no próprio self, assim como no dos outros —
para a empatia e o entendimento, que abrem os profundos caminhos das múltiplas relações não-
faladas entre as pessoas —, cria uma curiosa contrapartida. Na medida em que alguém se torna
mais capaz de amar em profundidade, e mais capaz de apreciar realisticamente outra pessoa, com o
passar dos anos, como parte de sua vida pessoal e social, pode-se também vir a encontrar outras
pessoas que, realisticamente, poderiam servir como um parceiro igualmente satisfatório ou mesmo
melhor. A maturidade emocional, portanto, não é nenhuma garantia de estabilidade sem conflitos
para o casal. Um profundo comprometimento com uma pessoa e os valores e experiências de
uma vida vivida a dois enriquecerão e protegerão a estabilidade do relacionamento. Mas
se o autoconhecimento e a autoconsciência forem profundos, pode ser ativado, de tempos em
tempos, um anseio por outras relações (cujo potencial pode advir de uma avaliação realista), e
sobrevir repetidas renúncias. A renúncia e o anseio, por seu lado, também podem acrescentar
uma dimensão de profundidade à vida do indivíduo e do casal, e o redirecionamento dos anseios,
fantasias e tensões sexuais no relacionamento do casal pode constituir uma dimensão adicional,
obscura e complexa desse relacionamento. Numa análise final, todos os relacionamentos huma-
nos devem terminar, e a ameaça de perda e abandono e, em última análise, da morte, é maior
quanto mais profundo for o amor: a consciência disso também intensifica o amor.
C a p í t u l o 5
Experiência Sexual e
Psicopatologia
N como que segue, ofereço ilustrações clínicas de como uma psicopatologia sig-dficativa interfere
o desenvolvimento de relações amorosas maduras, "ratarei de comparar as consequências
de condições borderline e narcísicas severas e menos severas, assim como de psicopatologia
neurótica, através de casos clínicos típicos.
Em alguns dos casos mais severos de pacientes com organização de personalidade borderline,
particularmente aqueles com tendências autodestrutivas e auto-mutiladoras significativas, ou
pacientes com patologia narcísica, tendências antisociais, e agressão egossintônica, pode prevalecer
uma notável ausência da capacidade de prazer sensual e erotismo de pele. Tanto em pacientes do
sexo masculino quanto feminino, pode haver uma ausência de qualquer válvula de escape sexual,
nenhum prazer na masturbação, nenhum desejo sexual ligado a qualquer objeto, além de uma
incapacidade de chegar à excitação, sem falar em orgasmo, no intercurso sexual. São pacientes
que não manifestam nenhum sentimento de haver estabelecido os mecanismos repressivos vistos
em pacientes mais sadios (normalmente neuróticos), os quais podem apresentar uma inibição da
excitação sexual secundária, baseada na repressão.
Os pacientes que estou descrevendo são incapazes de chegar à excitação sexual, embora
estejam claramente equipados com um aparelho biológico perfeitamente normal. A história de
seu desenvolvimento desde pequenos transmite a impressão de que a ativação prazerosa do
erotismo de pele não foi atingida, ou foi impedida desde o início, no período em que eram bebés.
Experiências extremamente traumáticas, abuso físico e/ou sexual e a chama tiva ausência de um
objeto parental amoroso e preocupado tendem a dominar suas histórias. Frequentemente, a
automutilação — eles puxam a própria pele, cabelo ou superfícies mucosas —
63
64 Otto F. Kernberg
lhes dá um tipo de gratificação sensual, mas a dor supera de longe qualquer evi-
dência de prazer erótico. A exploração psicanalítica revela um mundo de fantasias
primitivas, dominado por interações sadomasoquistas, e uma busca de poder como
a única garantia de segurança, como uma alternativa para a submissão total a um
objeto sádico. Esses pacientes têm grandes dificuldades em atingir eventualmente
a capacidade para a satisfação sensual. Paradoxalmente, a psicoterapia psicanalíti-
ca que pode melhorar imensamente suas dificuldades de personalidade, pode tam-
bém contribuir para consolidar ainda mais sua inibição sexual ao introduzir meca-
nismos repressivos. Os terapeutas sexuais, corretamente, consideram que esses
pacientes apresentam um prognóstico extremamente reservado.
A integração das relações objetais internalizadas primitivas, dissociadas, idea-
lizadas e persecutórias desses pacientes como parte e consequência do tratamento
psicoterapêutico, talvez lhes possibilite desenvolver a capacidade de idealização,
de ansiar por uma relação idealizada que possa facilitar a melhora em sua capaci-
dade de investimento e comprometimento emocional. Podem finalmente ser capa-
zes de estabelecer uma relação amorosa comprometida, mas, tipicamente, não
demonstram nenhuma capacidade de amar apaixonadamente.
Uma mulher de vinte e tantos anos estava hospitalizada por severas tendên-
cias automutiladoras, com risco de vida. No passado, ela cortara profundamente
seus braços, apresentava múltiplas cicatrizes desfigurantes, havia-se queimado
com cigarros, e parecia estar viva somente por um milagre após várias tentativas
de suicídio. Interrompera seus estudos universitários no primeiro semestre da fa-
culdade para entrar em um estilo de vida desgarrado, vivendo com homens que
lhe davam drogas ilegais, sem experimentar qualquer desejo ou prazer sexual em
suas relações íntimas. Pelo contrário, sentia-se extremamente receosa de ser explo-
rada pelos homens, e, ao mesmo tempo, tendia ela a explorar os homens financeira
e emocionalmente. Obtinha gratificação sensual somente sendo abraçada, ao dor-
mir com eles à noite, ou sentindo que lhe davam drogas sem fazer qualquer per-
gunta ou exigência além de seus favores sexuais. Apresentava, no entanto, uma
curiosa capacidade de lealdade ao homem com o qual vivia, na medida em que
suas exigências eram satisfeitas e ela se sentia no controle do relacionamento: pas-
sava subitamente a desvalorizá-lo e abandoná-lo somente quando temia estar sen-
do explorada ou tratada injustamente. Sua história incluía abuso físico pela mãe, e
abuso sexual por um padrasto. O sucesso inicial nas séries do primeiro grau, devi-
do à sua elevada inteligência, foi seguido por uma gradual deterioração de seu
funcionamento, em virtude da falta de investimento em seu trabalho nos anos
posteriores. Ela fizera parte de um grupo marginal, um tanto anti-social, mas não
se envolvera em tais atividades além de pequenos roubos em lojas no início da
adolescência, o que deixara de fazer quando achou que era perigoso demais.
Pacientes borderline menos gravemente doentes podem apresentar a capaci-
dade para excitação sexual e desejo erótico, mas sofrem as consequências de sua
patologia de relações objetais internalizadas. Os mecanismos dissociativos da or-
ganização de personatidadeborderline dividem o mundo das relações objetais inter-
Psicopatologia das Relações Amorosas 65
comportamento amistoso, flexível e altamente adaptativo. Seus amigos se divertiam com sua
ocasional ironia mordaz e sua atitude arrogante em relação a outras pessoas.
O paciente foi atendido inicialmente como uma personalidade obsessiva, mas a análise
revelou uma estrutura de personalidade narcísica típica. Possuía uma convicção profunda, em
grande parte inconsciente, de ser superior às disputas mesquinhas e competitivas, em que seus
colegas e amigos se envolviam. Também se sentia superior aos interesses desenvolvidos pelos
amigos por mulheres medíocres, psicologicamente desprezíveis, apesar de fisicamente atraentes.
O fato de ter sido incapaz de desempenhar-se quando consentiu em ter intercurso com sua "amiga
platónica" foi um terrível golpe em seu autoconceito, pois pensava que deveria ser capaz de
desempenhar-se sexualmente com homens ou mulheres, e que estava acima da moralidade
estreita e convencional de seus contemporâneos.
Aqui enfatizaria primeiro que a capacidade para um envolvimento sexual, para apaixonar-
se — mesmo na forma de uma louca paixão temporária — estava ausente, sugerindo um
prognóstico reservado para o tratamento psicanalítico. (A análise deste paciente acabou em
fracasso depois de mais de cinco anos de tratamento.) A característica dinâmica central neste
caso era uma intensa inveja das mulheres, e defesas contra esta inveja, através da desvalorização e
de uma orientação homossexual narcisicamente determinada — uma característica frequente nas
personalidades narcísicas.
O próximo caso ilustra tanto a presença de certa capacidade para apaixonar-se quanto a
deterioração desta capacidade numa série de breves paixões loucas e promiscuidade. Ele também
ilustra a proposta de que o avanço, desde a fixação nas superfícies corporais até o apaixonar-se por
uma pessoa, está vinculado ao desenvolvimento da capacidade de vivenciar culpa e preocupação,
depressão e tendências reparadoras. Em contraste com o caso anterior, este homem no início da
casa dos 30, mostrava certo potencial para apaixonar-se. No curso da psicanálise, este potencial
desenvolveu-se extraordinariamente enquanto ele tentava elaborar um paradigma transferencial
básico.
O paciente originalmente consultou-me por uma intensa ansiedade ao falar em público e
uma promiscuidade sexual cada vez mais insatisfatória. Disse que se apaixonara algumas vezes em
sua adolescência, mas descobriu que logo se cansava das mulheres que idealizara e desejara.
Depois de alguma intimidade sexual com uma mulher, perdia todo o interesse e passava a
procurar outra. Logo antes de iniciar o tratamento, começara uma relação com uma mulher
divorciada, que tinha três filhos pequenos. Achou-a muito mais satisfatória do que a maioria das
anteriores. No entanto, sua promiscuidade sexual continuou, e, pela primeira vez, experimentou
conflitos entre seu desejo de estabelecer uma relação mais estável com uma mulher, e os
numerosos casos que mantinha ao mesmo tempo.
Sua desesperada busca de experiências sexuais com mulheres foi o principal assunto da
análise desde o início. A princípio, proclamava orgulhosamente seus sucessos com as mulheres
e o que considerava sua extraordinária capacidade de
70 Otto F. Kernberg
atividade e satisfação sexuais. Entretanto, logo ficou aparente que seu interesse nas mulheres
buscava exclusivamente seus seios, nádegas, vaginas, pele suave, e, acima de tudo, gratificar sua
fantasia de que as mulheres estavam escondendo e retendo todos os seus "tesouros" (como ele
costumava chama'-los). Ao conquistá-las, sentia que as "desempacotava" e "engolia". Num nível
mais profundo (ele tomou consciência disso somente depois de muitos meses de análise), tinha a
assustadora convicção de que não havia nenhuma maneira de incorporar a beleza das mulheres e
que a penetração sexual, o intercurso e o orgasmo somente representavam uma incorporação
irreal e ilusória daquilo que ele admirava e queria tornar seu.
A gratificação narcísica de "ganhar" uma mulher passava rapidamente, e sua consciência da
completa perda de interesse, após um breve período de envolvimento sexual, estava estragando toda
a antecipação e desenvolvimento dessas efémeras relações. Nos últimos anos, mantinha
fantasiado frequentemente ter intercurso com mulheres ainda não-conquistadas, enquanto
mantinha intercurso com uma que já era dele e, portanto, a caminho da desvalorização.
Mulheres casadas eram particularmente atraentes para ele, não como imaginei a princípio, em
virtude de conflitos edípicos triangulares, mas porque o fato de outros homens descobrirem algo
atraente nessas mulheres alimentava o interesse minguante do paciente por elas como possuindo
um "tesouro escondido".
Finalmente, o paciente percebeu a intensidade de sua inveja das mulheres, derivada de sua
inveja e raiva da mãe. Sua mãe o frustrara cronicamente: ele sentia que ela lhe sonegara, física e
mentalmente, tudo o que era adorável e admirável. Ainda se lembrava de agarrar-se
desesperadamente ao seu corpo, cálido e macio, enquanto ela rejeitava friamente sua expressão
de amor e lembrava também suas iradas exigências em relação a ela.
Durante a adolescência, lutou constantemente para controlar a consciência e a expressão de
sua inveja e ódio inconscientes das mulheres. Costumava assistir a filmes sobre a Segunda Guerra
Mundial, e ficava enraivecido quando as atrizes se exibiam para uma grande audiência de
soldados que aplaudiam. Achava isso cruel, e que os soldados deveriam ter tomado de assalto o
palco e matado as atrizes. Meditava interminavelmente sobre o fato de as mulheres terem
consciência de seus seios e genitais, e que quando elas tiravam suas roupas de baixo, à noite,
aquelas peças de roupa maravilhosas, macias, que tinham o privilégio de ficar junto ao corpo
delas), elas as atiravam — tesouros negligenciados e inacessíveis para ele — no chão.
A análise gradualmente descobriu fantasias sádicas de masturbação que c paciente tinha
quando criança. Via a si mesmo dilacerando mulheres, torturandc um grande número delas, e
então "libertando" a única do grupo que parecia ino cente e gentil, boa, amorosa e generosa—
uma substituta ideal da mãe, eternamen te bondosa, generosa, linda e incansável. Ao dissociar suas
relações internas com a mulheres em dependência de uma mãe ideal, absolutamente boa, e uma
destrui cão vingativa de todas as outras mães más, o paciente acabou sem a capacidade d
estabelecer uma relação profunda em que teria sido capaz de tolerar e integrar seu
Psicopatologia das Relações Amorosas 71
sentimentos contraditórios de amor e ódio. Em vez disso, a idealização dos seios, dos genitais
femininos e de outras partes do corpo permitiu-lhe gratificar regressi-vamente um erotismo
primitivo e frustrado, enquanto simbolicamente roubava as mulheres daquilo que lhes era
específico e único. Através de sua promiscuidade, também negava sua assustadora dependência
de qualquer mulher em especial e inconscientemente estragava a que ele estava avidamente
tentando incorporar.
Que ele pudesse "dar" um orgasmo às mulheres, que elas precisassem de seu pênis, o
reassegurava simbolicamente de que ele não precisava delas — que ele tinha um órgão generoso,
superior a qualquer seio. Mas o fato de que uma mulher tentasse, depois, continuar sendo
dependente dele, despertava o medo de que quisesse roubá-lo daquilo que ele tinha para dar. No
entanto, em meio à sua desesperada busca de gratificação de anseios eróticos para substituir sua
necessidade de amor, o paciente sentia crescente insatisfação e, num certo momento, tornou-se
consciente de estar na verdade procurando uma relação com uma pessoa "por baixo" da pele
das mulheres.
Foi somente através do exame sistemático de sua exigência oral, de sua duradoura insatisfação
na transferência, que o paciente percebeu tendência a estragar e destruir inconscientemente aquilo
que ele mais desejava, a saber, o entendimento e interesse por parte de seu analista, e o amor e
gratificação sexual por parte das mulheres. À plena consciência de suas tendências destrutivas em
relação ao analista e às mulheres levou a um gradual desenvolvimento da culpa, depressão e ten-
dências reparadoras. Finalmente, a preocupação pelo objeto trouxe uma mudança radical em sua
relação com o analista, com sua mãe e com aquela mulher divorciada, com quem (atuando uma
culpa inconsciente) ele casara durante sua análise.
Na medida em que ia percebendo quanto amor e dedicação recebia de sua esposa, passou a
sentir que não a merecia. Percebeu que estava ficando mais interessado nos pensamentos e
sentimentos dela, que conseguia aproveitar junto os momentos de felicidade dela, que estava
ficando profundamente curioso sobre a vida interior de outro ser humano. Finalmente percebeu
como fora terrível sua inveja dos interesses independentes da esposa, das amigas dela, de suas
coisas, e dos milhares de pequenos segredos que ele sentia que ela partilhava com outras
mulheres, e não com ele. Percebeu que, ao depreciá-la e desvalorizá-la constante-mente, ele a
tornara vazia e aborrecida para ele e ficara com menos medo caso tivesse de deixá-la como
deixara outras mulheres antes dela.
Ao mesmo tempo, experimentou uma dramática mudança em sua atitude interna durante
o intercurso sexual. Ele o descreveu quase como um sentimento religioso, um sentimento de
esmagadora gratidão, humildade e satisfação, por encontrar o corpo e a pessoa dela ao mesmo
tempo. Agora era capaz de expressar essa gratidão na forma de intimidade física, enquanto sentia
o corpo dela (agora representando sua pessoa total e não um objeto parcial) com uma nova
excitação. Em resumo, o paciente passara a ser capaz de vivenciar o amor romântico, vinculado à
paixão sexual, pela mulher com quem estava casado há mais de dois anos. Sua vida sexual o
deixava plenamente satisfeito — um contraste com seu antigo
72 Otto F. Kernberg
padrão de rápido desapontamento e uma imediata busca por uma nova mulher. Sua necessidade
anterior de masturbar-se compulsivamente após o intercurso sexual desapareceu.
Intensa inveja e ódio das mulheres podem ser vistos em muitos pacientes do sexo masculino.
Na verdade, em termos clínicos, sua intensidade nos homens parece igualar-se à da inveja do pênis
nas mulheres. O que distingue as personalidades masculinas narcisistas não é somente a
intensidade dessa inveja e ódio, mas também a desvalorização patológica das mulheres (derivada da
desvalorização da mãe como um objeto primário de dependência).
A desvalorização da sexualidade feminina juntamente com a negação das necessidades de
dependência em relação à mulher, contribuem para uma incapacidade de sustentar qualquer
envolvimento profundo, pessoal e sexual, com as mulheres. Nós encontramos uma completa
ausência de interesse sexual pelas mulheres (mas uma definida orientação heterossexual) nos
pacientes mais severamente doentes; os casos menos severos mostram uma frenética procura de
excitação sexual e promiscuidade sexual, vinculadas a uma incapacidade de estabelecer um
relacionamento mais permanente; os casos ainda mais brandos apresentam uma limitada
capacidade para loucas paixões passageiras.
Loucas paixões passageiras podem representar o início da capacidade de apaixonar-se,
mas com a idealização limitada aos atributos físicos sexuais das mulheres a serem conquistadas.
O que esses pacientes não conseguem atingir, todavia, é a idealização característica do apaixonar-
se, em que a genitalidade feminina e a mulher específica são idealizadas, e a gratidão por seu amor e
sua preocupação com ela como pessoa se desenvolvem na capacidade para uma relação mais estável.
O sentimento de realização que acompanha o apaixonar-se não existe na personalidade narcísica;
no máximo, conseguem ter um sentimento fugaz de realização por terem feito uma conquista.
A inveja e dependência da mãe como a primeira fonte de amor e dependência é, com certeza,
tão intensa nas mulheres quanto nos homens, e uma importante fonte de inveja do pênis nas
mulheres é sua busca da relação dependente com o pai e seu pênis como uma fuga e liberação de
uma relação frustrante com a mãe. Os componentes orais da inveja do pênis são predominantes nas
mulheres com estrutura de personalidade narcísica, assim como sua vingativa desvalorização dos
homens e das mulheres. Permanece uma questão aberta se o prognóstico para o tratamento
psicanalítico das mulheres com estrutura de personalidade narcísica é mais reservado do que
para o dos homens: esta questão é explorada no relato de Paulina Kernberg (1971) sobre o caso de
uma mulher com personalidade narcísica refletindo esses mecanismos.
Uma paciente narcisista, com vinte e poucos anos, era gelidamente atraente (a frieza é típica
das mulheres narcisistas, em contraste com o coquetismo ardente das personalidades histéricas), o
suficiente para substituir um homem por outro, sucessivamente, como seu "escravo". Explorava os
homens impiedosamente: quan-
Psicopatoíogta das Relações Amorosas 73
do eles finalmente decidiam deixá-la, reagia com raiva e vingança, mas sem saudade, pesar ou culpa.
Com pacientes neuróticos estamos no domínio da inibição da capacidade para relações
amorosas, sob a influência de conflitos edípicos não-resolvidos. Os processos de idealização,
envolvidos nas relações amorosas, já evoluíram da idealização primitiva e irrealista para a
integração das relações objetais internalizadas "totalmente boas" e "totalmente más", e o paciente já
atingiu a constância de objeto e capacidade realista para avaliar em profundidade, tanto a si mesmo
quanto ao seu objeto de amor.
Á típica patologia das relações amorosas relacionada aos conflitos edípicos dominantes é uma
plena capacidade para a idealização romântica, para apaixonar-se e permanecer apaixonado (isto é,
para um profundo comprometimento no contexto da tolerância da ambivalência), em combinação
com a inibição dos anseios genitais diretos e dos anseios sexuais infantis polimorfos pelo objeto
edípico. Os pacientes em que predomina este tipo de psicopatologia são capazes de apaixonar-se, e
ter relações amorosas profundas e estáveis, no contexto de certa inibição de sua sexualidade genital
são sintomas predominantes: impotência, ejaculação precoce ou retardada (embora nesses casos a
psicopatologia pré-genital também costume desempenhar um papel importante) e frigidez
(especialmente inibição da capacidade feminina de excitar-se sexualmente e ter orgasmos no
intercurso).
Uma defesa alternativa contra a proibição inconsciente de envolvimento sexual, em virtude de
suas implicações edípicas, é a dissociação entre os anseios ternos e os eróticos, de modo que um
objeto de amor "sexual" é escolhido em contraste com outro objeto de amor, dessexualizado e
idealizado. A incapacidade para integrar o desejo erótico e a ternura se evidencia em uma outra a
capacidade: a de ter uma relação sexual intensamente gratif icante com um objeto, dissociada do amor
intenso não-genital, por um outro objeto. A expiação da culpa inconsciente por anseios edípicos
proibidos pode ser expressada ou pela seleção de objetos de amor frustrantes, inacessíveis ou
punitivos, ou por somente ser capaz de combinar totalmente o amor sexual e a ternura em relações
amorosas frustrantes. Na verdade, poderíamos dizer que, enquanto as relações amorosas do tipo
narcisístico representam a típica psicopatologia dos conflitos pré-edípicos na área das relações
amorosas, as relações amorosas masoquistas representam a típica patologia do nível edípico de
desenvolvimento. O seguinte caso, descrito primeiramente num trabalho anterior (1976), ilustra
alguns aspectos dessas questões.
Um homem com trinta e poucos anos consultou-me em virtude de dúvidas obsessivas acerca
de sua noiva ser ou não atraente. Na primeira sessão, trouxe uma maleta contendo fotos ampliadas da
noiva, cuidadosamente escolhidas entre aquelas nas quais ele a achava atraente, e aquelas em que ela
não lhe parecia atraente. Perguntou-me se via qualquer diferença nas duas séries de fotos:
respondi que não, e o paciente, mais tarde, me contou que esta fora a mesma reação apresentada
pelos amigos, quando lhes confiara esta sua dificuldade. Depois, revelou-me que
74 Otto F. Kernberg
sua noiva sempre lhe parecia menos atraente quando suspeitava que ela pudesse estar
sexualmente excitada por ele.
O paciente apresentava uma típica estrutura de cará ter obsessiva, com intensas reações
formativas contra a agressão, uma polidez exagerada, e uma maneira pedante de expressar-se.
Tinha uma importante posição numa universidade local, mas era prejudicado em seu trabalho por
ser tímido, por seu medo dos colegas mais velhos e por sua insegurança em relação aos alunos (os
quais desconfiava que riam secretamente dele devido às suas maneiras "corretas e conservadoras".
Sua mãe, dominadora e resmungona, controlava a família, conforme o paciente, com a ajuda
do "exército feminino" (suas várias irmãs mais velhas). Seu pai era um homem claramente tenso,
um pouco explosivo, mas submisso à mulher. Por toda a infância, o paciente sentira viver numa
casa cheia de mulheres, cheia de segredos e lugares nos quais ele não podia entrar, gavetas que
não podia abrir, assuntos que não podia escutar. Foi criado numa atmosfera extremamente religio-
sa, em que tudo o que se relacionava a sexo era considerado sujo. Em um episódio da infância, a mãe
o espionara quando ele se envolvera num jogo sexual com as amigas da irmã mais moça, para
depois puni-lo severamente.
O paciente se orgulhava de sua "pureza moral" e ficou chocado por eu não me impressionar
"como uma realização moral" o fato de ele nunca ter tido uma relação sexual na vida (nem sentido
qualquer excitação sexual com mulheres pelas quais "se apaixonara"). Depois admitiu que havia
mulheres que o haviam excitado sexualmente em sua adolescência, geralmente mulheres de nível
sócio-econômico mais baixo, já que idealizava e dessexualizava completamente as mulheres de seu
próprio grupo social. Nunca tivera quaisquer sintomas, afirmou, até começar a sair com sua noiva,
cerca de dois anos antes de me procurar, e até desenvolver-se a dúvida obsessiva sobre ser ela
atraente ou repulsiva, justamente quando ela começou a querer uma relação fisicamente mais
íntima, como beijá-lo ou acariciá-lo.
Na transferência, seu perfeccionismo obsessivo-compulsivo a princípio interferiu seriamente
com a associação livre, e gradualmente tomou-se o maior foco do trabalho analítico nos primeiros
dois anos de análise. Por trás de sua submissão perfeccionista à psicanálise, estava uma zombaria
inconsciente do analista, como supostamente poderoso, mas na verdade fraco e impotente—uma
reação inconsciente semelhante à que o paciente tinha em relação aos colegas mais velhos, e que
projetava em seus alunos (que via como zombando dele). Um enorme desafio e rebelião contra a
figura paterna gradualmente emergiram na transferência, e tomaram a forma específica de intensa
suspeita de que eu queria corromper a sua moralidade (uma visão que o paciente atribuía a todos
os psicanalistas).
Mais tarde, o paciente achou que o analista também era um "agente" de sua noiva, querendo
empurrá-lo para os braços dela: consultou vários pastores religiosos a respeito dos perigos da
psicanálise para a moralidade sexual e para a pureza do seu relacionamento com a noiva. Depois de
ver o analista como repetindo o comportamento superficialmente controlador, mas
profundamente submisso, do pai em relação à mãe (o analista sendo um agente da noiva), a
transferência gradu-
Psicopatologia das Relações Amorosas 75
almente mudou e ele passou a me perceber como sua mãe, espiando-o e apenas fingindo ser
sexualmente tolerante, de modo a fa/ê-lo confessar seus sentimentos sexuais para depois puni-lo.
Durante o segundo e terceiro ano da análise, predominou esta transferência materna, e os mesmos
conflitos puderam ser analisados em sua relação com a noiva e em sua opinião geral sobre as
mulheres, como mães perigosas que estavam a fim de provocar os jovens homens e levá-los a um
comportamento sexual para mais tarde vingar-se deles.
Este paradigma transferencial mudou, por sua vez, para um nível ainda mais profundo, em que
a excitação sexual em relação a suas irmãs, e particularmente sua mãe, passou para o primeiro plano,
com medos profundamente reprimidos de retaliação por parte do pai. A percepção da mãe hostil
era um deslocamento de sua percepção ainda mais assustadora de um pai hostil.
Neste momento, o característico asseio, polidez e superpreocupação com a limpeza
tornaram-se o foco do trabalho analítico. Esses traços de caráter agora pareciam representar uma
reação formativa contra sentimentos sexuais de qualquer tipo; também representavam um protesto
silencioso e obstinado contra uma mãe "excitada", desorganizada e superpoderosa. Finalmente,
representavam seu desejo de ser sempre um garotinho asseado, que seria amado pelo pai ao preço
de renunciar à sua competitividade com o pai e com os homens em geral.
Durante o quarto ano de sua análise, o paciente começou a sentir desejo erótico pela noiva.
Anteriormente, quando ele a achava atraente, ela representava a mulher idealizada, pura,
inacessível — uma contrapartida da imagem da mãe sexualmente excitante mas repulsiva.
Durante o quinto e último ano da análise, o paciente começou a ter relações sexuais com sua
noiva e, após um período de ejaculação precoce (ligada ao medo de ter seus genitais danificados
pela vagina, e uma reativação de medos paranóides do analista como uma figura pai-mãe vingativa),
sua potência tornou-se normal. Foi somente então que o paciente descobriu que sempre tivera uma
necessidade compulsiva de lavar as mãos com frequência, porque este sintoma desapareceu no
contexto de suas experiências sexuais com a noiva. É este último episódio que eu gostaria de
examinar melhor.
O paciente costumava encontrar sua noiva nas manhãs de domingo, originalmente para reunir-
se aos pais e outros membros da família, para ir à igreja. Depois de um certo tempo, os dois
começaram a se encontrar no escritório dele, e não em seu apartamento — que era perto do lugar em
que seus pais moravam—e a passar as manhãs de domingo juntos, em vez de irem à igreja. Numa
manhã de domingo o paciente conseguiu, pela primeira vez em sua vida, como parte do jogo
sexual, lamber os genitais dela e ficar excitado. Surpreendeu-se, maravilhado, por ela chegar ao
orgasmo dessa maneira e ficou profundamente impressionado por ela ser tão livre e aberta com ele.
Percebeu como imaginava que todas as mulheres (mãe) eram terrivelmente proibidoras e
reprovadoras em relação a sexo. Também percebeu, com um sentimento de exultação, que o calor, a
umidade, o cheiro e o gosto do corpo e dos genitais da noiva o excitavam em vez de repelir, e seu
sentimento de vergonha e nojo transformou-se em excitação e satisfação. Para sua surpresa, não
76 Oito F. Kernberg
teve ejaculação precoce ao ter relações sexuais com ela, e compreendeu que isto estava relacionado
a ter perdido, pelo menos temporariamente, o sentimento de raiva e ressentimento contra ela como
mulher.
Reconheceu, durante as semanas seguintes, que o permanecer no escritório e envolver-se
sexualmente com a noiva representava uma rebelião contra o pai e a mãe, e contra aqueles aspectos
das convicções religiosas dele que representavam uma racionalização das pressões do seu superego.
O paciente, em sua adolescência, tivera a fantasia de que Jesus o estava observando, particularmente
quando ele espiava as amigas das irmãs, tentando vislumbrar seus corpos quando elas se despiam. Foi
extraordinário observar como sua atitude em relação à religião mudou, e como agora começou a
perceber Jesus como não estando tão preocupado com se os seres humanos "se comportavam bem"
ou não sexualmente, mas como representando a busca de amor e de entendimento humano.
O paciente também percebeu que os aspectos em sua noiva que às vezes lhe desagradavam,
representavam, em sua mente, aspectos de sua mãe quando, na infância, ela parecia estar
sexualmente excitada com o pai. Esses aspectos da noiva agora deixaram de ter importância, e
reconheceu outras semelhanças, reais, que ela tinha com sua mãe, como o mesmo background cultural
e ético. Quando sua noiva cantava músicas de sua região nativa, ele ficava profundamente
emocionado; as músicas lhe transmitiam o sentimento de comunicar-se com uma parte de seu
passado; não com sua mãe como pessoa, mas com obackground do qual ela se originava. Sentiu que ao
alcançar esta realização total em sua relação com a noiva, também estava atingindo uma nova
ponte com seu passado, um passado que previamente rejeitara como parte de sua rebelião reprimida
contra os pais.
A inveja do pênis pode ser sempre traçada até a inveja original da mãe (basicamente, dos "seios"
da mãe como o símbolo da capacidade de dar vida, nutrição, e simbolizando o primeiro objeto bom),
de modo que a inveja do pênis nas mulheres tem como uma raiz importante a inveja inconsciente da
mãe, deslocada para o pênis do pai, e então reforçada pelos componentes agressivos dos conflitos
edípicos (incluindo particularmente o deslocamento da agressão da mãe para o pai). Por trás da
inveja do pênis regularmente encontramos a desvalorização que a mulher faz de seus próprios
genitais, refletindo uma combinação da inibição primária da genitalidade vaginal no relacionamento
inconsciente entre mãe e filha; a fantasia infantil da superioridade masculina promovida e reforçada
pela cultura; e os efeitos indiretos da culpa inconsciente pela relação positiva com o pênis do pai.
Uma mulher com uma significativa patologia de caráter, consultou-me pelas inibições sexuais
que somente conseguia superar fazendo sexo com homens que a humilhavam. Nos primeiros dois
anos de análise, foi possível examinar as suas necessidades autodestrutivas nos relacionamentos que
estabelecia com os homens, e com o analista, ligadas a profundos sentimentos inconscientes de culpa
por suas atividades e desejos sexuais, que representavam conflitos edípicos.
Psicopatologia das Relações Amorosas 77
No terceiro ano da análise, o desejo de que o analista—e os homens em geral —precisasse dela,
gradualmente transformou-se em anseios dependentes antigos por sua madrasta, que sentira como fria e
rejeitadora. Voltara-se para o pai, numa tentativa de receber amor sexual em substituição à falta de gratificação
oral por parte da mãe. A idealização de sua mãe de fato, que morrera no auge do período edípico da paciente,
parecia agora ser uma defesa não apenas contra a culpa edípica, mas contra a raiva anterior, oralmente
determinada, contra ela.
O analista era agora visto como uma imagem da mãe, frio e rejeitador, e a paciente desenvolveu fortes
desejos de ser protegida, abraçada e amada por ele como umaboa mãe que a traqúilizava contra os medos em
relação à mãe má. Tinha fantasias sexuais centradas na felação, relacionadas ao sentimento de que o orgasmo do
homem representava simbolicamente a doação de amor e leite, proteção e nutrição. A desesperada aderência em
suas relações com os homens e, ao mesmo tempo sua frigidez, agora foram entendidas como uma expressão
desses anseios orais em relação aos homens, de seus raivosos desejos de controlá-los e incorporá-los, e de seu
medo de permitir-se experimentar uma ratificação sexual plena, porque isso significaria uma total dependência
e, portanto, uma total frustração por homens "maternais" cruéis.
Foi neste estágio de sua análise que a paciente conseguiu, pela primeira vez, estabelecer uma relação com
um homem que parecia um objeto de amor mais adequado do que a maioria daqueles que ela escolhera
anteriormente. (Ela casou com ele um pouco depois de terminar a análise.) Uma vez que sua capacidade de
chegar à gratificação sexual completa com este homem assinalou uma dramática mudança em sua relação com
ele, com o analista, com sua família e em sua visão geral da vida, examinarei melhor este episódio.
Durante a análise, a paciente tornou-se capaz de chegar ao orgasmo regularmente, nas relações sexuais com
este homem. Para sua surpresa, se descobriu chorando nas primeiras vezes em que conseguiu um orgasmo
completo, chorando com um sentimento de embaraço e, ao mesmo tempo, de alívio. Ficou profundamente grata
a ele por lhe dar seu amor e seu pênis; sentiu-se grata por poder aproveitar plenamente o seu pênis, e em certo
momento do intercurso teve a fantasia de estar abraçando um pênis imenso, girando em torno dele exultantemente,
sentindo estar girando em torno do centro do universo, a fonte fundamental de luz. Sentiu que o pênis dele era
dela, que podia realmente confiar que ele e seu pênis pertenciam a ela.
Ao mesmo tempo, deixou de invejá-lo por ele ter um pênis e ela não. Se ele se separasse dela, ela poderia
tolerar isso, porque aquilo que ele vinha-lhe dando tornara-se parte de sua vida interior. Sua nova experiência
era algo que lhe pertencia e não lhe poderia ser tirado. Sentiu-se grata e culpada, ao mesmo tempo, pelo amor
que este homem lhe dera enquanto ela fora, agora percebia, tão invejosa e desconfiada dele e tão inclinada a não
se entregar inteiramente a ele, para impedir
78 Otto F. Kernberg
seu suposto "triunfo" sobre ela como mulher. E sentiu que fora capaz de abrir-se para aproveitar seu
corpo e seus genitais, apesar das proibições internas oriundas das ordens fantasiadas de sua mãe e
de sua madrasta. Estava livre do terror de excitar-se sexualmente com um homem adulto que a
tratava como uma mulher adulta (assim quebrando o tabu edípico).
Também sentiu-se exultante por conseguir expor o corpo ao namorado, sem o medo secreto de
que seus genitais fossem feios, mutilados e repugnantes. Conseguiu dizer a ele "não posso imaginar, se
existe um céu, que ele seja melhor do que isso", referindo-se à experiência sexual deles. Foi capaz de
apreciar o corpo dele, de ficar sexualmente excitada ao brincar com o seu pênis, que não era mais o
odiado instrumento de superioridade e dominação masculina. Agora conseguia andar por aí, sentindo-
se igual às outras mulheres. Não precisava mais invejar a intimidade dos outros, porque tinha a sua
própria relação íntima com o homem que amava. Mas, acima de tudo, a capacidade de aproveitar o
sexo de forma compartilhada e de ter plena consciência de estar recebendo amor dele, ao mesmo
tempo em que o dava a ele — sentindo-se grata por isso e não tendo mais medo de expressar intei-
ramente suas necessidades de depender dele—estavam expressadas no seu choro, depois do orgasmo.
A característica central neste caso foi a superação da inveja do pênis: tanto suas raízes orais
(inveja da mãe generosa e do pênis generoso, e medo de uma odiosa dependência deles), quanto
suas raízes genitais (a convicção infantil da superioridade dos homens e da sexualidade masculina),
foram elaboradas no contexto de uma relação objetal total em que a culpa pela agressão dirigida ao
objeto, a gratidão pelo amor recebido e a necessidade de reparar a culpa, dando amor, foram todas
expressadas junto.
C a p í t u l o 6
á tendo estudado como a excitação sexual incorpora a agressão a serviço do amor, agora me
J volto para a interação do amor e da agressão no relacionamento emocional do casal. Com a
intimidade sexual vem uma maior intimidade emocional, e com a intimidade emocional, a
inevitável ambivalência das relações edípicas e pré-edípicas. Nós poderíamos dizer, colocando de
maneira condensada e simplificada, que a ambivalência masculina em relação à mãe excitante e
frustrante, a partir do início da infância, sua profunda desconfiança da natureza provocadora e
retraída da sexualidade materna, tornam-se questões que interferem com seu vínculo erótico,
idealização e dependência da mulher que o homem ama. Sua culpa edípica inconsciente e seu
sentimento de inferioridade em relação à mãe edípica idealizada podem resultar em inibição sexual
ou intolerância com uma mulher que se torna sexualmente livre e não é mais uma
garotinha/mulher em relação à qual ele se sente reasseguradoramente protetor. Esse
desenvolvimento pode perpetuar a dicotomia entre relações erotizadas e relações idealizadas
dessexualizadas com as mulheres, típicas dos meninos no início da adolescência. Em circunstâncias
patológicas, particularmente nos homens com patologia narcisista, a inveja inconsciente da mãe e a
necessidade de vingar-se dela podem provocar uma desvalorização inconsciente catastrófica da
mulher como o objeto sexual desejado, com consequente distanciamento e abandono.
A mulher que não teve um relacionamento inicial satisfatório com uma mãe que tolerava a
sexualidade de sua filhinha, a experiência inconsciente de uma mãe hostil e rejeitadora que interferia
com o desenvolvimento inicial da sensualidade corporal da menininha e, mais tarde, com seu amor
pelo pai, pode resultar numa culpa inconsciente exagerada pela intimidade sexual em conjunção com
um pro-
79
80 Otto F. Kernberg
[1986]) pode ser ao mesmo tempo frustrante e excitante, porque ela ocorre no contexto de um
relacionamento que bem pode ter sido o mais excitante, satisfatório e realizador que ambos os
parceiros poderiam ter sonhado. Para um observador, o casal parece reencenar um estranho
cenário, completamente diferente de suas interações habituais, um cenário que, todavia, foi
encenado repetidamente no passado. Por exemplo, um marido dominante e uma esposa submissa se
transformam, respectivamente, num garotinho lamuriento e numa severa mestra quando ele fica
gripado e precisa de cuidados; ou uma esposa delicada e empática com um marido direto e agressivo
pode transformar-se numa queixosa paranóide e ele num cuidador maternal e tranquilizador quando ela
se sente ameaçada por uma terceira pessoa; ou uma orgia de pratos arremessados pode romper o
harmonioso estilo de vida de um casal de tempos em tempos. Esta "união na loucura" comumente
tende a ser rompida pelos aspectos mais normais e gratificantes do relacionamento do casal nos
domínios sexual, emocional, intelectual e cultural. De fato, uma capacidade para a descontinuidade
em seu relacionamento desempenha um papel central em sua manutenção.
Descontinuidades
Esta capacidade para a descontinuidade, descrita por Braunschweig e Fain (1971, 1975) e
André Green (1989, 1993), tem suas raízes fundamentais na descontinuidade do relacionamento
entre mãe e bebé. De acordo com Braunschweig e Fain, quando uma mãe fica inacessível para o filho
por ter retornado ao marido como parceira sexual, o bebé termina percebendo este fato. Idealmente,
a mulher pode alternar seus dois papéis e passar facilmente da mãe terna, afetuosa, sutil-mente
erótica de seu bebé à parceira erótica, sexual, de seu marido. E seu bebé inconscientemente se
identifica com ela em ambos os papéis. A descontinuidade da mãe desencadeia as primeiras fontes de
frustração e anseio no bebé. Mas também, através da identificação com a mãe, é acionada a
capacidade do bebé e da criança para a descontinuidade em sua próprias relações íntimas. De
acordo com Braunschweig e Fain, o auto-erotismo do bebé decorre de repetidas sequências de
gratificação alternando-se com frustração de seu desejo de fusão com a mãe: a masturbação pode
representar um relacionamento objetal antes de se tornar uma defesa contra aquele relacionamento.
André Green considera esta descontinuidade como uma característica básica do funcionamento
humano tanto na normalidade quanto na patologia. A descontinuidade nas relações amorosas,
propõe ele, protege o relacionamento da fusão perigosa na qual a agressão tornar-se-ia suprema. A
capacidade para a descontinuidade é acionada pelos homens em seus relacionamentos com as mulhe-
res: separar-se das mulheres após a gratificação sexual representa uma asserção de autonomia
(basicamente, uma reação narcisista normal ao retraimento da rnãe), e costuma ser mal-interpretada
no cliché cultural—principalmente feminino — de
82 Otto F. Kernberg
dade temporária em relação ao superego projetado, sádico. Esse alívio, paradoxalmente, pode permitir
a reemergência do amor.
A função central da descontinuidade explicaria por que alguns casais mantêm um
relacionamento sólido e durável juntamente com a agressão e violência estabelecidas em sua vida
amorosa. Se nós agruparmos, de forma simplificada, a psícopatologia não-orgânica em categorias
neuióúca,borderline, narcisista e psicótica, os parceiros de diferentes categorias podem estabelecer
variados graus de equilíbrio que estabilizam seu relacionamento ao mesmo tempo em que lhes
permitem encenar seu mundo de loucura privada contida por descontínuidades protetoras. Por
exemplo, um homem neurótico com uma personalidade obsessiva, casado com uma mulher
borderline, pode inconscientemente admirar o que ele sente como a liberdade dela de dar expansão
às suas violentas explosões agressivas, enquanto ela pode ficar protegida das consequências reais e
temidas de seu comportamento agressivo pela descontinuidade obtida pelos processos de cisão que ela
impõe como a maneira mais natural de relacionar-se num relacionamento conjugal. E seu marido
obsessivo pode ser reassegurado pela natureza autocontida da agressão que ele inconscientemente
teme em si mesmo. Mas um outro casal com uma patologia semelhante pode destruir-se, porque o
homem obsessivo não consegue tolerar a inconsistência da mulher e porque a mulher fonfer/zne não
consegue tolerar a natureza persecutória, como ela a experencia, da persistência e continuidade
racional do seu marido obsessivo.
Através de muitos anos de vida conjunta, a intimidade de um casal pode ser ou reforçada ou
destruída pela encenação de certos tipos de cenários, diferentes das relações objetais passadas,
usuais, dissociadas e inconscientes. Esses cenários específicos, temidos e desejados, são gradualmente
estabelecidos pelos efeitos cumulativos de comportamentos dissociativos. As encenações podem
tornar-se altamente destrutivas, às vezes simplesmente porque desencadeiam reações circulares que
engolfam a vida amorosa do casal além de suas intenções e de sua capacidade de contê-las. Aqui me
refiro, acima de tudo, à encenação de cenários edípicos representando a invasão do casal por terceiros
excluídos como uma força disruptiva maior, e a várias relações gemelares imaginárias, encenadas pela
dupla como uma força destrutiva centrípeta ou distanciadora. Vamos examinar primeiro essas últimas
relações.
Os conflitos narcísicos se manifestam não apenas na inveja inconsciente, desvalorização,
exploração e separação, mas também no desejo inconsciente de completar a si mesmo através do
parceiro amado, que é tratado como um gémeo imaginário. Didier Anzieu (1986), desenvolvendo o
trabalho de Bion (1967), descreveu a seleção inconsciente do objeto de amor como uma
complementação homossexual e/ou heterossexual dose//: uma complementação homossexual no
sentido de que o parceiro heterossexual é tratado como uma imagem especular dose// Qualquer
coisa no parceiro que não corresponda a esse esquema de complementar, não é tolerada. Se a
intolerância inclui a sexualidade do outro, ela pode levar a uma grave inibição sexual. Por trás da
intolerância à sexualidade do outro está a inveja narci-
84 Oito F. Kernberg
sista do outro género. Em contraste, quando a escolha do outro é como um gémeo heterossexual, a
fantasia inconsciente de complementação por ser ambos os géneros num só, pode agir como um
poderoso cimento. Bela Grunberger (1979) foi o primeiro a salientar as fantasias narcisistas
inconscientes de ser ambos os géneros num só.
Tem sido frequentemente observado que, após muitos anos de vida conjunta, os parceiros
começam a ficar parecidos até mesmo fisicamente; os observadores muitas vezes ficam
maravilhados de como duas pessoas assim semelhantes se encontraram. A gratificação narcisista
neste relacionamento gemelar, o casamento, poderíamos dizer, do objeto de amor e da gratificação
narcisista protege o casal contra a ativação da agressão destrutiva. Em circunstâncias menos ideais,
essas relações gemelares podem evoluir para aquilo que Anzieu (1986) chamou de uma "pele" para
relacionamento do casal — uma exigência de completa e contínua intimidade, que a princípio
parece uma intimidade de amor, mas termina por se tornar uma intimidade de ódio. A pergunta
constantemente repetida: "Tu ainda me amas?" reflete a necessidade de manter a pele comum do casal
e é a contraparte da afirmação "Tu sempre me tratas assim!" que sinaliza a mudança na qualidade do
relacionamento sob a pele, do amor para a perseguição. Somente a opinião do outro realmente conta
para proteger a própria segurança e sanidade, e essa opinião pode transformar-se, de um fluxo regular
de amor, em um f luxo igualmente regular de ódio.
Antigos cenários encenados inconscientemente podem incluir fantasias realizadoras de desejo,
culpa inconsciente, a desesperada busca de um final diferente para uma situação traumática temida e
interminavelmente repetida, e uma reação em cadeia acionada, involuntariamente, que rompe a
sequência interna do cenário. Por exemplo: uma mulher com uma estrutura de personalidade
histérica, uma fixação edípica num pai idealizado, e profundas proibições contra o envolvimento
sexual com ele, casa-se com um homem com uma estrutura de personalidade narcisista e um intenso
ressentimento inconsciente contra as mulheres. Ele a escolheu como um gémeo heterossexual
desejável, que ele inconscientemente esperava ter totalmente sob controle, como um suporte para o
seu narcisismo. Sua inibição sexual frustra seu narcisismo e o leva a buscar satisfação extraconjugal,
enquanto o desapontamento dela com o pai edípico desencadeia, primeiro, uma inútil submissão
masoquista em relação ao marido e, depois, um caso amoroso masoquista (e pela mesma razão)
sexualmente gratificante com um homem proibido e socialmente perigoso. Quando ela abandona o
marido, este percebe sua temida dependência em relação a ela, negada pela maneira como a tratava
antes, como uma escrava, enquanto a sua (dela) resposta sexual agora plenamente despertada no
relacionamento ameaçador, mas inconscientemente permitido (por sua natureza não-conjugal),
provoca a aceitação de sua própria sexualidade genital. O marido e a mulher se reencontram com um
melhor entendimento de suas necessidades mútuas.
Psicopatologia das Relações Amorosas 85
É verdade que ambos fizeram psicanálise e, sem tratamento, provavelmente não teriam sido
capazes de reconstruir seu relacionamento. Ele inconscientemente precisava provocá-la para que se
tornasse a mãe rejeitadora, justificando assim, retrospectivamente, por assim dizer, sua
desvalorização dela e sua busca por uma nova mulher idealizada; ela inconscientemente
precisava reconfirmar a inacessibilidade e deslealdade do pai e pagar o preço de uma situação
socialmente perigosa, como uma condição para responder sexualmente a um homem que não era seu
marido.
Triangulação
Triangulações diretas e inversas, que descrevi num trabalho anterior (1988), constituem os
cenários inconscientes mais frequentes e típicos, que podem, no pior dos casos, destruir o casal ou, no
melhor dos casos, reforçar sua intimidade e estabilidade. Eu utilizo triangulação direta para descrever
a fantasia inconsciente de ambos os parceiros de um terceiro excluído, um membro idealizado do
género do sujeito — o temido rival replicando o rival edípico. Todos os homens e todas as
mulheres, inconsciente ou conscientemente, temem a presença de alguém que seria mais satisfatório
para o seu parceiro sexual; este terceiro temido é a origem da insegurança emocional na intimidade
sexual e do ciúme como um sinal de alarme protegendo a integridade do casal.
A triangulação inversa define a fantasia compensadora, vingativa, de envolvimento com
uma outra pessoa além do parceiro sexual, um membro idealizado do outro género que representa o
objeto edípico desejado, estabelecendo assim um relacionamento triangular no qual o sujeito é
cortejado por dois membros do outro género, em vez de precisar competir como rival edípico do
mesmo género pelo objeto edípico idealizado do outro género. Proponho que, dadas essas duas
fantasias universais, existem potencialmente, na fantasia, sempre seis pessoas na cama, juntas: o
casal, seus respectivos rivais edípicos inconscientes e seus respectivos ideais edípicos inconscientes.
Se essa formulação lembrar o comentário de Freud (1954) a Fliess: "Estou-me acostumando com a
ideia de considerar todo ato sexual como um processo em que quatro pessoas estão envolvidas"
(carta 113, página 289), deve ser observado que seu comentário foi feito no contexto da discussão da
bissexualidade. Minha formulação surge no contexto das fantasias inconscientes baseadas nas
relações objetais edípicas e identificações.
Uma forma que a agressão relacionada aos conflitos edípicos assume frequentemente (na
prática clínica e na vida cotidiana) é o conluio inconsciente de ambos os parceiros para encontrar, na
realidade, uma terceira pessoa que represente o ideal condensado de um e o rival do outro. A
implicação é a de que a infidelidade conjugal, os relacionamentos triangulares breves ou
duradouros, muito frequentemente refletem conluios inconscientes entre o casal, a tentação de ence-
86 Otto F. Kernberg
nar o que é mais temido e desejado. A dinâmica homossexual assim como a heterossexual entram em
cena, porque o rival inconsciente é também um objeto sexualmente desejado no conflito edípico
negativo: a vítima da infidelidade frequentemente se identifica inconscientemente com o parceiro
traidor nas fantasias sexuais acerca do relacionamento do parceiro com o rival ciumentamente odiado.
Quando uma grave patologia narcisista em um ou ambos os membros do casal impede a capacidade
para o ciúme normal — uma capacidade que implica numa certa conquista para tolerar a rivalidade
edípica — essas triangulações podem ser facilmente encenadas.
O casal que consegue manter sua intimidade sexual, proteger-se da invasão de terceiros, não
está apenas mantendo sua óbvia fronteira convencional, mas está também reafirmando, em sua luta
contra rivais, a gratificação inconsciente da fantasia do terceiro excluído, um triunfo edípico e uma
rebelião edípica sutil ao mesmo tempo. As fantasias sobre terceiros excluídos são componentes típicos
das relações sexuais normais. A contraparte da intimidade sexual que permite o desfrutar da
sexualidade perversa polimorfa é o desfrutar das fantasias sexuais secretas que expressam, de modo
sublimado, a agressão em relação ao objeto amado. A intimidade sexual nos apresenta então mais
uma descontinuidade: a descontinuidade entre os encontros sexuais nos quais ambos os parceiros
estão completamente absorvidos e identificados um com o outro, e os encontros sexuais nos quais
cenários fantasiados secretos são encenados, daí trazendo para o relacionamento as
ambivalências não-resolvidas da situação edípica.
As perenes perguntas: "O que as mulheres querem?" "O que os homens querem?" podem ser
respondidas dizendo-se que os homens querem uma mulher em papéis múltiplos — como mãe, como
uma garotinha [filha], como irmã gémea, e, acima de tudo, como uma mulher adulta sexual. As
mulheres, em virtude de sua decisiva mudança de objeto primário, querem os homens em papéis
paternais, mas também em papéis maternais, como pai, como garotinho [filho], um irmão gémeo e
um homem adulto sexual. E, num nível diferente, tanto os homens quanto as mulheres podem
desejar encenar um relacionamento homossexual ou inverter os papéis sexuais num derradeira
tentativa de superar as fronteiras entre os sexos que inevitavelmente limitam a gratificação narcisista
na intimidade sexual: ambos anseiam por uma fusão completa com o objeto amado, com elementos
edípicos e pré-edípicos que jamais podem ser satisfeitos.
Perversidade e Fronteiras
Basicamente, a experiência das fronteiras entre os géneros pode ser superada somente quando a
destruição simbólica do outro como pessoa permitir o uso de seus órgãos sexuais como artifícios
mecânicos sem envolvimento emocional. O assassinato sádico é a consequência extrema, mas lógica,
de uma tentativa de penetrar uma outra pessoa, até a própria essência de sua existência e para apagar
todo
Psicopatologia das Relações Amorosas 87
a culpa existente. Isso pode levar a um resultado exatamente oposto ao pretendido, o que acaba
destruindo o casal. De modo geral, uma agressão implacável, como um apelo inconsciente de aceitação
e como a expiação da culpa desencadeada por essa mesma agressão, não pode ser contida pelo
parceiro.
Fronteiras e Tempo
As fronteiras que separam o casal de seu ambiente social protegem o equilíbrio do casal, para o
seu bem ou não. O extremo isolamento social dos casais com desenvolvimentos perversos nas áreas
sexual, emocional e/ou do superego pode gradualmente piorar o relacionamento destrutivo, porque
os parceiros não têm as interações corretivas com o ambiente, e perdem a capacidade normal
para "metabolizar" aspectos da agressão gerada em suas interações no contexto de sua vida social.
Casais extremamente sadomasoquistas, em isolamento social, podem colocar em perigo o parceiro
masoquista. No lado positivo, as fronteiras normais protegem a intimidade do casal não apenas
contra a invasão triangular do ambiente social circundante, mas também sua "loucura privada",
as necessárias descontinuidades em seu relacionamento.
Certas fronteiras comuns dos casais tornam-se significativas em diferentes estágios da vida do
casal. Primeiro, o relacionamento com seus filhos, um assunto vasto e complexo demais para ser
examinado nesse momento, exceto para destacar a importância de se manter as fronteiras que
separam as gerações. Uma das mais ubíquas manifestações de culpa inconsciente pela qualidade
implicitamente rebelde e desafiadora de qualquer relacionamento íntimo (representando a realização
edípica) é o casal não ter coragem para manter fronteiras firmes de intimidade em relação aos filhos.
A proverbial ausência de uma chave na porta do quarto pode simbolizar a culpa inconsciente dos
pais pela intimidade sexual e a concepção inconsciente de que as funções paternas devem substituir
as sexuais. Esta fantasia regressiva, projetada nos filhos como um medo de suas reações por serem
excluídos do quarto dos pais, reflete o medo subjacente de identificar-se com o casal parental na
cena primária e o conluio inconsciente entre os pais, que assim abdicam da completa identificação com
seus próprios pais.
Uma outra fronteira é com a rede de casais que constituem a vida social habitual. Os
relacionamentos com outros casais normalmente são infiltrados por erotismo; entre os amigos e seus
cônjuges em conluio inconsciente estão os temidos rivais e os objetos sexuais desejados e proibidos.
As fronteiras provocadoramente excitantes e proibitivas entre os casais são os ambientes típicos
em que as triangulações diretas e inversas são desenvolvidas.
A fronteira entre o casal e o grupo é sempre uma zona de combate. Uma "guerra estática" é
representada pela pressão do grupo para moldar o casal à sua imagem e se reflete na moralidade
convencional — na ritualização ideológica e teológica do amor, comprometimento, casamento e
tradição familiar. Deste ponto
Psicopatologia das Relações Amorosas 89
de vista, o casal que existe desde o início da adolescência ou mesmo desde a infância, aproximados por
seus parentes, sancionados pela percepção universal benevolente, na verdade mora numa prisão
simbólica, embora possa escapar para um relacionamento amoroso secreto. As mútuas tentações e
seduções na rede de casais adultos representam uma guerra mais dinâmica, mas também, às vezes, a
potencial salvação para indivíduos e casais aprisionados em relacionamentos que estão se afundando
em mútuo ressentimento e agressão.
O grupo precisa do casal para a sua sobrevivência, para o reasseguramento de que um triunfo
edípico, afastando-se da multidão anónima. E o grupo inveja e se ressente do sucesso do casal, num
contraste com a solidão do indivíduo nessa multidão anónima. O casal, por sua vez, precisa do
grupo para descarregar sua agressão no ambiente. A identificação projetiva não somente opera dentro
do casal, mas, de maneiras sutis, inclui também uma terceira e uma quarta pessoa. Liberman (1956)
descreveu como as amargas queixas do paciente para o analista sobre o parceiro conjugal podem
ser parte de uma sutil atuação. O analista torna-se o repositório da agressão contra o parceiro
conjugal, e o paciente se retira para um relacionamento "preservado" com o parceiro, enquanto
abandona o relacionamento com o analista.
Este é um exemplo particular do fenómeno mais geral do analista-"penico" descrito por
Herbert Rosenfeld (1964). Os amigos íntimos de um casal que cumprem esta função geralmente não
percebem que se tornaram os portadores da agressão que de outra forma se tornaria intolerável para o
casal.
Um casal que parece estar funcionando bem pode despertar uma inveja excessiva nos grupos
sociais não-estruturados, tais como os grupos grandes de viagem ou em partidos políticos, em
organizações profissionais ou comunidades de artistas. A inveja que normalmente é mantida sob
controle pelos aspectos racionais e maduros dos relacionamentos interpessoais e amizades numa
rede de casais, torna-se imediatamente aparente em tais grupos. A percepção inconsciente dessa
inveja, no casal, pode assumir a forma de ataques públicos mútuos provocados pela culpa, para
acalmar aqueles que têm inveja, ou de um comportamento externo desafiador de total harmonia,
enquanto a agressão mútua permanece escondida da visão pública. Às vezes, os parceiros conseguem
esconder dos outros como seu relacionamento é verdadeiramente íntimo.
E uma terceira fronteira, representada pela dimensão do tempo, é a estrutura para o desenvolvimento
da vida do casal como tal, e para a natureza limitada dessa vida, em virtude da morte e da separação.
A morte se torna uma importante consideração para os casais em anos mais avançados. O medo de
envelhecer e adoecer, o medo de deixar de ser atraente para o parceiro, o medo de ficar
excessivamente dependente do outro, o medo de ser abandonado por uma outra pessoa, e a tendência
inconsciente a desafiar ou negar a realidade do tempo—por exemplo, por uma descuidada negligência
da própria saúde física ou da do parceiro—podem tornar-se o campo em que a agressão, de todas as
fontes, é acionada. Aqui, a preocupação e mútua responsabilidade derivadas das funções do ego e
do superego podem
90 Otio F. Kernberg
riências inestimáveis para o casal. Quando a intimidade sexual e o prazer incorporam os esforços
reparadores vinculados a essa consciência, culpa e preocupação, então a excitação sexual e a
intimidade emocional aumentam, juntamente com o comprometimento do casal para uma
responsabilidade conjunta por suas vidas.
O crescimento emocional implica numa identificação expansível com todos os estágios da vida,
criando uma ponte sobre as fronteiras que separam os grupos de idade. As experiências acumuladas
de uma vida compartilhada incluem o luto pela perda dos pais, da juventude da pessoa, de uma
passado cada vez maior deixado para trás, de um futuro que se torna implacavelmente limitado.
Uma vida conjunta se torna o repositório do amor, uma força poderosa de união que proporciona
continuidade perante as descontinuidades da existência cotidiana.
Num estágio posterior de vida, a fidelidade ao outro se torna a fidelidade ao mundo interno. A
crescente consciência da limitação de todos os relacionamentos pela morte salienta a importância
desse mundo interno. A negação da própria morte fica limitada pela consciência do fim necessário,
em algum momento, da vida conjunta do casal, que inicia um processo de luto que novamente
enriquece a vida vivida junto e após a morte da pessoa amada. O membro sobrevivente fica com a
responsabilidade pela continuação da vida vivida junto. A mulher cujo marido morreu e que volta à sua
velha rede de casais com um novo marido ativa este processo de luto no grupo todo.
Eu descrevi a perversidade nas relações amorosas que a destrói no par sexual porque os
elementos agressivos predominam e controlam a excitação sexual, em virtude dos padrões
sadomasoquistas que dominam e controlam o relacionamento emocional, e em virtude da
dominância e controle por aspectos persecutórios e sádicos de funções do superego mutuamente
projetados. Uma forma adicional de perversidade é o congelamento do relacionamento num único
padrão de um relacionamento objetal complementar, inconsciente, do passado. Normalmente, repre-
sentações do passado interagem com relações realistas. Uma ilustração de uma mudança
tipicamente flexível nas interações dos parceiros seria a mudança inconsciente do marido do papel do
homem sexualmente dominante e excitado penetrando sua mulher e simbolicamente restabelecendo
o pai amoroso e sexualmente aceitador, para o papel do bebé satisfeito que foi nutrido pela mãe,
simbolicamente representada pela mulher que lhe deu o presente do orgasmo dela. Ele pode então
tornar-se a criança dependente de uma mãe maternal que o cobre, alimenta e põe para dormir. Ou ele
pode ativamente mudar para um papel paternal em relação a uma filha dependente, consertando uma
lâmpada queimada que ela não consegue (ou finge que não consegue) trocar.
Ou a mulher pode mudar do papel da parceira sexual adulta para a filha dependente de uma
mãe protetora, ou a mulher maternal que alimenta seu garoti-
92 Otío F. Kernberg
nho-homem. Ou ela pode tornar-se a garotinha culpada que é seduzida sexualmente por um pai
sádico; ou ela é "estuprada" em sua fantasia durante a relação sexual, confirmando assim a
ausência de culpa (dela) pelo prazer sexual; ou ela pode exibir-se envergonhadamente, expiando
assim seu prazer sexual enquanto obtém a gratificação de ser admirada pelo homem que a ama.
Ou um homem pode mudar do garotinho movido pela culpa, repreendido por uma mãe
perfeccionista, para o garotinho invejoso observando os mistérios das preocupações e interesses
femininos adultos. Ou ele pode ressentir-se da dedicação da sua mulher à sua profissão ou ao bebé
deles porque ele se sente como uma criança negligenciada, a contraparte para o ressentimento
inconsciente da mulher pelo sucesso profissional do marido porque este sucesso reativa a inveja inicial
dos homens. Estes e outros desempenhos de papel podem ser mutuamente gratif ican-tes porque
expressam tanto amor e ódio — a integração da agressão num relacionamento amoroso. Mas esses
conluios inconscientes podem falhar, e a agressão pode ser expressada numa "fixação" inconsciente
de si mesmo e do parceiro sexual num determinado papel, levando aos típicos cenários que se
tornam o tema de conflitos conjugais crónicos: a mulher dependente, aderente e faminta de amor e o
homem narcisista, indiferente e autocentrado; a mulher dominadora, poderosa e controladora que se
sente frustrada por seuhomem-menino, que quer um homem adulto como seu parceiro, e que está
tendo dificuldade em perceber a natureza auto-perpetuadora de seu relacionamento. Ou o homem
"faminto por sexo" que não consegue entender o limitado interesse sexual da mulher; e, é claro, o
parceiro culpado e o acusador, em todas as suas variações.
Fixações rígidas de papéis normalmente refletem reencenações de cenários dissociados e
uma incapacidade de aceitar ou executar as funções de descontinuidade relacionadas à culpa
edípica ou fixações narcísicas. Poderíamos perguntar se uma simples falta de correspondência
harmoniosa de encenações inconscientes poderia provocar choques resultantes de expectativas
contraditórias; um homem tentando ser um pai protetor colide com um mãe competitiva; ou ambos os
parceiros ficam frustrados porque ambos têm expectativas de dependência. Clinicamente,
entretanto, a sintonia inconscientemente fina na percepção inconsciente do casal da disposição do
outro, torna muito claro para eles como serão percebidos pelo outro. O que parece ser um simples
equívoco é normalmente determinado por necessidades inconscientes.
A suposição de que os problemas do casal resultam de seu fracasso em comunicar-se toca apenas
a superfície. Às vezes, a comunicação serve para estabelecer uma agressão mal e mal controlada, o
que não significa que os esforços para comunicar necessidades e expectativas não sejam úteis. Mas
quando conflitos inconscientes profundos entram em cena, o processo comunicativo pode ser
contaminado por eles, e a comunicação aberta pode servir apenas para acentuar os conflitos.
Uma palavra final sobre os casais diante de valores sociais e convencionais. Dicks (1967) descreveu o
complexo relacionamento entre as aspirações conscientes do casal, seus valores culturais, e os do
mundo social circundante. Eu acredito que
Psicopatologia das Relações Amorosas 93
não há regras "objetivas" sobre quais valores devem determinar o relacionamento de um casal,
especialmente sua maneira de lidar com os conflitos. A dimensão ideológica de todas as culturas é,
creio, implicitamente dirigida contra a intimidade do casal. Está na própria natureza da cultura
convencional tentar controlar a natureza basicamente rebelde e implicitamente associai do casal, como
é percebido pelo ambiente social convencional. A independência do casal, em relação à
convencionalidade social pode, conseqúentemente, ser crucial em sua sobrevivência em condições de
conflito — e a não-convencionalidade do terapeuta do casal, essencial em seu papel com eles. É
verdade, naturalmente, que quando distorções extremas no restabelecimento de relações objetais
dissociadas do passado ameaçam a integridade física ou emocional de um ou ambos os parceiros, a
realidade social comum pode proteger os parceiros de uma deterioração perigosa, que traz inclusive
risco de vida. Tais condições, entretanto, aplicam-se apenas a uma minoria de casos. Há uma grande
maioria de casais cujos conflitos inconscientes assumem o mimetismo superficial de gritos de guerra
ideológicos, com novas complicações em seu relacionamento conforme os padrões convencionais se
tomamslogans rígidos que reduzem ainda mais sua flexibilidade para lidar com os conflitos.
C a p í t u l o 7
Funções Superegóicas
Construtivas e Destrutivas do
Casal
94
Psicopatologia das Relações Amorosas 95
Estabelecer o ideal de ego como uma subestrutura do superego é um pré-requisito básico para
a capacidade de apaixonar-se. A idealização da pessoa amada reflete a projeção de aspectos do ideal
de ego da própria pessoa, um ideal que representa a realização sublimatória de desejos edípicos. É
uma projeção que coincide com o apego a este ideal projetado, o sentimento de que a pessoa amada
representa a corporificação, na realidade externa, de um ideal desejável, profundamente almejado. A
este respeito, o relacionamento, na realidade, com a pessoa amada, é idealmente uma experiência de
transcender as próprias fronteiras psíquicas, uma experiência de êxtase em contraste dialético com o
mundo comum da realidade cotidiana, e uma experiência que traz um novo significado à vida. O
amor romântico, portanto, expressa uma profunda necessidade emocional, essencial para explicar a
razão que leva as pessoas a formarem casais, e não algo simplesmente derivado do romantismo
como um ideal cultural.
Conforme Chasseguet-Smirgel (1985) salientou, a projeção do ideal de ego na pessoa amada não
reduz a própria auto-estima, como Freud (1914) originalmente sugeriu, mas a aumenta, porque as
aspirações do ideal do ego são dessa forma realizadas. Além disso, o amor retribuído aumenta a
auto-estima como parte da gratificação de estar apaixonado e ser amado de volta. Nessas condições,
o auto-amor e o amor objetal se fundem — um aspecto crucial da paixão sexual. O amor não
correspondido pode ter diferentes consequências, dependendo do equilíbrio psíquico da pessoa. O
processo de luto poderia, numa pessoa com suficiente flexibilidade, permitir a recuperação da mesma
sem um trauma maior significativo; mas se o indivíduo está neuroticamente fixado no que era
originalmente um objeto inacessível e frustrante, ele poderá experimentar uma perda importando da
auto-estima. Em geral, quanto maior a predisposição do indivíduo para a derrota edípica e a frustração
pré-edípica (por exemplo, a frustração da dependência oral), maior o sentimento de inferioridade
relacionado ao amor não-correspondido.
Estou propondo que o estabelecimento de funções maduras do superego em ambos os parceiros
se reflete em ambos terem a capacidade de se sentirem responsáveis um pelo outro e pelo casal, de se
preocuparem por seu relacionamento e de ambos protegerem contra as consequências da inevitável
ativação da agressão, que resulta da igualmente inevitável ambivalência nos relacionamentos
íntimos.
Ao mesmo tempo, ativa-se uma função mais sutil do superego, mas extremamente importante.
Refiro-me aos aspectos sadios dos ideais do ego de ambos os parceiros, que se combinam para
criar uma estrutura conjunta de valores. Uma série de valores pré-conscientemente adotados é
gradualmente delineada, elaborada e modificada através dos anos, e proporciona uma função de
fronteira para o casal diante do resto do mundo. Em resumo, o casal estabelece seu próprio superego. É
no contexto dessa série conjunta de valores que o casal pode criativamente contribuir para a solução
de seus conflitos. Um inesperado gesto de amor, remorso, perdão, humor, podem manter a agressão
dentro dos limites. A tolerância em relação às deficiências e limitações do outro, assim como de si
mesmo, são silenciosamente integradas ao relacionamento.
96 Otto F. Kernberg
A importância dessa estrutura conjunta de superego está em função implícita como "corte de
apelação", uma espécie de último recurso quando um dos parceiros infligiu uma grave lesão ao
sistema de valores estabelecido em conjunto. Uma transgressão real, ou a tentação de transgredir,
essa fronteira conjunta, alerta o casal para um extraordinário perigo para seu relacionamento,
constituindo assim um importante sistema de alarme que protege o casal de uma possível dissolução.
Se um dos parceiros — ou ambos — tiver um superego menos maduro, menos firme, a
projeção de aspectos reprimidos do superego infantil pode deixar o outro parceiro particularmente
suscetível às críticas de um ou de outro. Uma série de projeções de um superego primitivo reforça
ilogicamente qualquer crítica obje-tiva que possa estar vindo do parceiro. Ter um superego maduro
permite que o parceiro criticado se rebele, supere o ataque e ajude a manter o equilíbrio do casal.
Mas uma severa patologia do superego em qualquer um dos parceiros pode resultar no
emprego da identificação projetiva, em vez da simples projeção, tornando mais difícil se opor contra
essa defesa. A consequência pode ser a destruição do equilíbrio do casal, na medida em que
introjeções de um superego sádico assumem o controle do relacionamento.
No desenvolvimento normal, os precursores pré-edípicos do superego (caracterizados por
idealização primitiva e fantasias persecutórias) são gradualmente reduzidos e neutralizados, o que, por
sua vez, facilita a internalização dos aspectos idealizados e proibidores do superego edípico mais
maduro. A integração dos níveis pré-edípicos e edípicos da formação do superego facilita, então, a
consolidação do superego pós-edípico, com sua abstração, individuação e despersonificação
características (Jacobson, 1964).
Um dos afetos complexos que se desenvolvem em consequência desses processos é a gratidão.
A gratidão é também uma das maneiras pelas quais o amor se desenvolve e se perpetua. A capacidade
de gratidão, para a qual contribuem o ego e o superego, é básica para a reciprocidade nos
relacionamentos humanos; ela se origina no prazer do bebé com o reaparecimento, na realidade
externa, da imagem da mãe ou cuidador gratificantes (Klein, 1957). A capacidade de tolerar a
ambivalência, que marca a mudança da fase de aproximação da separação-individuação para a
fase da constância do objeto, também é marcada por um aumento na capacidade de gratidão. A
conquista da constância de objeto também aumenta a capacidade para sentir culpa pelas próprias
agressões. A culpa, conforme Klein (1957) salientou, reforça a gratidão (embora não seja a sua
origem).
A culpa também aumenta a idealização. A idealização mais primitiva é a da mãe, na fase
simbiótica do desenvolvimento, que evolui para a idealização da mãe da fase de separação-
individuação. A integração do superego, que promove o desenvolvimento da capacidade para a
culpa inconsciente, também estimula o desenvolvimento da idealização tanto como uma formação
reativa contra esta culpa quanto uma expressão direta da mesma culpa. Esta idealização, estimulada
pelo superego, age como um poderoso reforço para a gratidão como um componente do amor.
Psicopatologia das Relações Amorosas 97
Mais outra tarefa é a de integrar as expectativas conscientes em relação a uma vida a dois, com as
aspirações, exigências e proibições do meio cultural. Os conflitos produzidos por diferenças nos
meios religiosos, étnicos ou económicos, e as divergências de opinião política e ideológica, podem
desempenhar um importante papel para garantir ou interferir no relacionamento do casal com seu
ambiente social.
Um casal pode proteger-se contra conflitos potenciais entre o ambiente cultural atual e os antigos
valores intemalizados, através do isolamento social. Entretanto, de modo típico, depois do
nascimento dos filhos, o isolamento do casal fica ameaçado e o desafio de integrar os próprios
valores com os do ambiente pode tornar-se urgente e inevitável.
No lado positivo da projeção de funções do superego no parceiro está o uso do parceiro como
um conselheiro e protetor, consolo contra ataques externos e fonte de tranqúilização quanto ao
próprio valor. A maneira pela qual um dos parceiros idealiza o outro tem seus significados: um homem
que casa com uma mulher porque a admiração dela alimentou a auto-estima dele, não pode mais
tarde depender da admiração dela, se vier a desvalorizá-la. Assim, a utilização inicial de um reforço
por parte do outro pode ter um efeito contrário, por produzir um sentimento de solidão numa pessoa
incapaz de idealizar o parceiro.
Embora a frequente dissociação entre o amor terno e o erótico constitua a dinâmica
subjacente de muitos relacionamento triangulares duradouros, também o é a busca de um
relacionamento que compense frustrações importantes. Alguns casos extraconjugais têm, como
função maior, proteger o relacionamento conjugal de um aspecto desse relacionamento que é
inconscientemente temido: o casamento se consolida, assim, através da redução do nível da temida
intimidade. Sentir uma culpa inconsciente, pela natureza gratificante e realizadora de um
relacionamento amoroso, particularmente o casamento, pode representar os efeitos da patologia do
superego de um dos parceiros (ou de ambos).
Outra triangulação crónica, determinada pelo superego, pode refletir a intolerância em um ou
ambos os parceiros pela ambivalência normal das relações amorosas e, assim, pela expressão direta
de qualquer agressão. Por exemplo, um ou ambos, podem ter um sentimento idealizado (mas
emocionalmente ingénuo) de uma perfeita relação amorosa com um parceiro com quem o sexo e a
ternura se combinam e, simultaneamente, manter um outro relacionamento duradouro que também
combine sexo e ternura: a agressão subjacente estará sendo expressada apenas indiretamente, na
satisfação inconsciente das implicações agressivas de estar traindo a ambos os parceiros.
Essas dinâmicas, particularmente os mecanismos dissociativos envolvidos, podem ser uma
defesa contra características sádicas do superego no relacionamento do casal, que se observam quando
um dos relacionamentos paralelos é desfeito. Surge um medo desproporcional de que a pessoa com
quem o indivíduo realmente está comprometido jamais perdoará ou esquecerá a infidelidade passada
— tornando-se assim um superego cruel, rancoroso—o que pode se combinar, realmen-
100 Otto F. Kernberg
te, com o parceiro cumprindo este papel rancoroso e eternamente ressentido. Embora a lesão
narcisista de sentir-se abandonado e traído seja um aspecto obviamente importante desse
comportamento rancoroso, estou pensando também na proje-ção correspondente no parceiro e/ou
na identificação com um superego implacável, por parte do parceiro "traído".
A capacidade de perdoar aos outros é normalmente sinal de um superego maduro, que se
origina da capacidade de reconhecer a agressão e a ambivalência em si mesmo, e da capacidade de
aceitar a ambivalência inevitável nas relações íntimas. A autêntica capacidade de perdoar é
expressão de um senso maduro de moralidade, de uma aceitação da dor que vem da perda das
ilusões sobre si mesmo e sobre o outro, da fé na possibilidade da recuperação da confiança, da
possibilidade de que o amor seja recriado e mantido vivo, apesar e além de seus componentes
agressivos. A disposição de perdoar baseada na ingenuidade ou na grandiosidade narcísica, todavia,
tem muito menos valor para reconstruir a vida de um casal que se supõe tenha como base uma nova
consolidação da preocupação compartilhada um pelo outro, e por sua vida conjunta.
As fantasias sobre a morte do parceiro e a própria morte são tão comuns que dizem muito
sobre ostatus do casal. Quando ocorre uma doença grave, ou ameaça à vida, talvez seja mais fácil
tolerar a perspectiva da própria morte do que da do parceiro: inconscientemente, a fantasia
essencial de ser preservado se refere à sobrevivência da mãe. Kãthe Kollwitz simboliza a morte na
sua escultura da jovem Kollwitz adormecendo nos braços de Deus — uma expressão de uma fonte
básica de ansiedade e segurança. A perda fundamental da mãe, o protótipo do abandono e da
solidão, é a ameaça básica contra a qual a sobrevivência do outro é uma pro-teção; esta
preocupação aumenta o amor pelo outro e o desejo inconsciente da imortalidade do outro.
Tal preocupação básica é complementada pela assustadora perspectiva da própria morte
fantasiada como sendo o triunfo final do outro excluído: o perigo de ser substituído pelo rival edípico:
"Até que a morte nos separe" é vivenciado como uma ameaça básica, uma cruel brincadeira do
destino: simbolicamente, a castração. Essa confiança básica no amor do parceiro, e no próprio amor
pelo parceiro, reduz significativamente o medo de um terceiro excluído e ajuda a lidar com a
ansiedade relativa à própria morte.
Um importante aspecto da reencenação de conflitos do superego no relacionamento do casal
pode ser o desenvolvimento da disposição de enganar. Enganar pode servir como proteção contra
uma agressão real ou fantasiada por parte do outro, ou pode servir para esconder, ou manter sob
controle, a própria agressão contra o outro. Enganar é, em si mesmo, sem dúvida, uma forma de
agressão. Isto pode se desenvolver como uma relação a ataques temidos, vindos do outro, que por
sua vez podem ser uma estimativa realista ou refletir uma projeção do próprio superego. A
declaração de um marido "Eu não posso contar isso à minha mulher. Ela jamais aceitaria", pode ser
verdade e refletir o superego infantil da esposa, ou derivar do fato de ele projetar nele seu próprio
superego infantil. Ou ambos podem
Psicopatologia das Relações Amorosas 101
do, para grande alegria de seus pais e familiares, ele casou com uma jovem de seu próprio meio
cultural e religioso. A conduta um tanto tímida e acanhada de sua esposa, a semelhança de
background, sua relutância em começar um relacionamento sexual com ele antes do casamento, tudo
isso o atraíra. Uma vez casados, sua falta de responsividade sexual, que ele a princípio descartou
como decorrente de sua falta de experiência, tornou-se uma crescente fonte de insatisfação. Ao
mesmo tempo, acusava-se por sua incapacidade de gratificá-la sexualmente, sentindo-se cada vez
mais inseguro para aproximar-se dela, e finalmente reduzindo suas investidas sexuais de modo que,
no momento da consulta, estavam tendo relações sexuais apenas a uma ou duas vezes por mês.
Também se sentia cada vez mais deprimido, conscientemente culpado por não estar mais
disponível para sua mulher e filhos, mas aliviado quando se afastava de casa e submergia no
trabalho. Insistia em que amava a esposa, e que, se ela fosse menos crítica com ele e se suas
relações sexuais fossem melhores, os outros problemas desapareceriam. O fato de ambos terem
tantos interesses e aspirações em comum lhe parecia importante. E salientou, realmente amava a
maneira pela qual ela cuidava dos filhos, da casa e da vida cotidiana.
Ela, por sua vez, declarou convicções semelhantes em suas entrevistas individuais: amava o
marido, estava desapontada com sua distância e retraimento, mas esperava que o
relacionamento pudesse voltar ao que fora antes. O único problema era o sexual. O sexo era um
dever que ela estava disposta a cumprir, mas responder-lhe de maneira que ele desejava dependia,
tinha certeza, de ele adotar uma abordagem mais gentil e mais paciente.
Nas entrevistas conjuntas que realizei em paralelo às sessões individuais, durante várias
semanas, ficou claro que eles realmente compartilhavam suposições e aspirações referentes à sua
vida em comum, a valores culturais e a expectativas conscientes sobre seus respectivos papéis no
casamento. A principal dificuldade de fato parecia estar na área sexual. Eu me perguntava em que
extensão a depressão dele poderia ser secundária à sua culpa inconsciente por não ter conseguido
satisfazer as expectativas de ambos como um homem forte e bem-sucedido; e me questionava se a
inibição sexual dela poderia refletir uma culpa inconsciente por conflitos edípicos não-resolvidos,
reforçada pela incapacidade do marido em ajudá-la a superar essas inibições.
Ambos, eu pensava, estavam lutando com questões edípicas em suas relações objetais
inconscientemente ativadas. Ele inconscientemente a percebia como a reencarnação da mãe
controladora e manipuladora, que desaprovava seu comportamento sexual; e, contra a própria
vontade, estava restabelecendo uma identificação com o pai fracassado de sua adolescência. Ela, ao
inconscientemente reduzi-lo ao papel de um marido sexualmente falho, estava evitando um
relacionamento sexual com um pai forte, cálido e dominador, que teria despertado culpa edípica. E,
contra a sua vontade, estava repetindo os comportamentos frustrados, provocadores de culpa e
controladores da mãe. Conscientemente, ambos tentavam agarrar-se a seus ideais comuns da
esposa afetuosa e generosa, e do marido forte e
104 Oito F. Kernberg
O marido fez um tratamento psícanalítico comigo nos seis anos seguintes. No curso dessa
análise, a natureza dos conflitos com a esposa/ os motivos de escolhê-la como parceira, a dinâmica
de sua depressão e inibição sexual foram esclarecidos e elaborados. Nos estágios iniciais da
análise, ele insistia repetidamente em que, independentemente de qualquer outro resultado,
jamais iria querer divorciar-se da esposa: sua convicção religiosa e seu background impediam um
passo desses. A investigação psicanalítica revelou como, por trás dessa declaração, estava proje-
tando em mim seu comportamento adolescente e rebelde em relação a ambos os pais,
particularmente as proibições dopai de qualquer relacionamento commuíhe-res fora de sua
comunidade cultural e religiosa. Eu, e a psicanálise em geral, representávamos uma ideologia anti-
religiosa, e ele estava em guarda contra isso.
Mais tarde, na medida em que conseguiu reconhecer este aspecto projetado de sua
personalidade, percebeu a moralidade dicotomizada, de "virgem-prostitu-ta", de sua adolescência,
e como ele identificava a noiva com a mulher latina católica idealizada que o lembrava de sua mãe.
Sua inibição sexual refletia a reativação deprofunda culpa pelo interesse sexual em suas irmãs, e a
percepção de sua esposa como uma mãe ideal, desapontada e desgostosa. Num estágio mais
avançado da análise, a culpa inconsciente pela agressão relacionada a frustrações anteriores com a
mãe, a raiva inconsciente por sentir que ela o negligenciava, e a culpa por uma doença séria e
com risco de vida que mãe tivera quando ele era pequeno (e pela qual se sentira
inconscientemente responsável), emergiram como temas maiores. Além disso, relacionada à
inibição de seus esforços competitivos no trabalho, a culpa inconsciente pelo sucesso nos
negócios que eleja obtivera emergiu como um novo elemento. Sentia que um mau casamento era
um preço justo a pagar por seu sucesso nos negócios, que inconscientemente representava um
triunfo sobre seu pai.
Estas múltiplas camadas de conflitos relacionados à culpa inconsciente haviam sido
expressadas em sua depressão, que foi gradualmente desaparecendo nos primeiros dois anos de
tratamento. Num estágio avançado de sua análise, a atua-ção de sua rebelião edípica, na forma de
um caso extraconjugal com uma mulher altamente insatisfatória, iluminou ainda mais seu
profundo medo de combinar um relacionamento terno e erótico com a mesma mulher. No quinto
ano da análise, desenvolveu um relacionamento com outra mulher. Esta mulher era eroticamente
responsiva e gratificante em termos culturais, intelectuais e sociais. Quando estava num estágio
inicial desse relacionamento, contou à mulher acerca da relação, atu-ando tanto uma agressão
retaliadora contra a mãe frustrante, como também um esforço inconsciente de dar à esposa, e a si
mesmo, mais uma chance de melhorar seu relacionamento. Ela reagiu com muita raiva e
indignação, apresentando-se à família como a vítima inocente da agressão dele, envenenando
assim, ainda mais, o relacionamento, e acelerando o seu fim. O paciente divorciou-se da esposa
e casou com essa mulher, um passo que também assinalou a resolução de sua inibição sexual. Uma
significativa melhora de seus traços de personalidade obsessivo-
106 Otto F. Kernberg
Passando agora do efeito sobre o casal de um superego normal ou com uma patologia relativamente moderada,
para o impacto de uma patologia severa do superego sobre a vida amorosa do casal, poderíamos começar dizendo
que quanto maior a patologia, maiores as restrições que o casal coloca sobre o que os parceiros acham tolerável. Uma
severa patologia do superego também é responsável por rígidas racionalizações da identificação com um superego
primitivo por parte de um ou ambos os parceiros, por "colecionar injustiças", por traições e vinganças assumidas, e
um afastamento hostil.
Além disso, uma severa patologia das funções do superego conduz a um comportamento indiferentemente
negligente e francamente hostil, que expressa níveis primitivos de agressão, a qual começa a dominar e amiúde
destrói o casal. Paradoxalmente, nos primeiros estágios da ativação dessa severa patologia do superego, a vida
sexual do casal pode florescer, por causa da negação das proibições edípicas inconscientes ou da expiação da culpa
inconsciente pelo sofrimento do casal. Uma interação sexual aparentemente livre e prazerosa pode obscurecer a
deterioração do relacionamento emocional.
Quando a patologia do superego é severa, precursores do superego, ao mesmo tempo idealizados e
persecutórios, limitam contra a integração do superego e facilitam a excessiva reprojeção de núcleos do superego no
parceiro, o que permite
Psicopatologia das Relações Amorosas 107
que um, ou ambos, tolerem em si mesmos uma contínua reencenação de padrões contraditórios de caráter. Um dos
parceiros acusa, critica e deprecia o outro e, através da identificação projetiva, inconscientemente induz esses
comportamentos no outro. Essas projeções podem refletir-se num distanciamento emocional defensivo entre os
parceiros, que evolui num período de meses ou anos. Às vezes, o casal pode simplesmente "congelar-se" numa posição
de distanciamento, que se reforça com o passar do tempo e conduz à eventual destruição ou colapso do relaciona-
mento amoroso. Outras vezes, esse distanciamento permite a preservação da intimidade do casal em algumas áreas.
Esse distanciamento crónico, mas controlado, interfere na intimidade do casal e em suas estabilizadoras
descontinuidades comuns. Desenvolvimentos secundários podem incluir uma racionalização reativa do
comportamento agressivo de cada parceiro contra o outro. Frustrações mutuamente induzidas e sustentadas podem
então tornar-se uma racionalização para comportamentos que aumentam ainda mais a frustração e o
distanciamento, por exemplo, envolvimento num caso extraconjugal.
A expressão mais frequente de projeção do superego, todavia, é um dos parceiros vivenciar o outro como um
perseguidor implacável, uma autoridade moral que tem um prazer sádico em fazer o outro se sentir culpado e oprimido; e
o segundo parceiro vivência o primeiro como não-confiável, enganador, irresponsável e desleal, tentando "safar-se
impunemente". Esses papéis são muitas vezes intercambiáveis. Em consequência de mútuas identificações
projetivas, os parceiros podem ser altamente eficientes em reforçar ou mesmo induzir as exatas características que
temem no outro. Os relacionamentos sadomasoquistas persistentes, sem intervenções de "terceiros excluídos", são
provavelmente as manifestações mais frequentes de patologia severa do superego. Os relacionamentos podem ini-
cialmente permitir relações sexuais satisfatórias, mas com o passar do tempo as interações sadomasoquistas afetam
também o funcionamento sexual do casal.
Um casal consultou em virtude de constantes alterações violentas. Ele apresentava um transtorno de
personalidade misto, com características obsessivas, infantis e narcísicas; ela tinha uma personalidade
predominantemente infantil, com características histéricas e paranóides. Os sentimentos de insegurança dele no tra-
balho, de não ser capaz de satisfazer suas próprias expectativas de ser tão forte quanto o pai, refletiam-se no seu
comportamento com a mulher. Comumente atencioso, um tanto submisso a ela, ele precisava lutar com medos de
aproximar-se sexualmente da esposa. A rejeição dela à sexualidade, a menos que ele a abordasse de certas maneiras
limitadas, estabelecidas por ela, havia gradualmente restringido seus contatos sexuais e contribuído muito para a sua
ocasional impotência com ela.
Um apaixonado caso amoroso com uma colega do escritório havia temporariamente proporcionado a ele
sentimentos de bravura e realização sexual, mas fingidos por intensos sentimentos de culpa em relação à esposa (a
quem ele agora começara a ver como uma mãe dominadora, enganadora, provocadora de culpa e sádica). A mãe
alternava subserviência com violentos ataques de raiva dirigidos ao
108 Otto F. Kernberg
pai. O paciente começou então a alternar seu comportamento entre uma submissão culpada e gestos conciliatórios, com
periódicos episódios de ataques de raiva súbitos e infantis (quando gritava e quebrava pratos, com sua mãe fizera)
quando tentava, de maneira desajeitada e derrotista, emular o pai.
A esposa então sentia que ele a havia maltratado e abusado, uma repetição de sua experiência de ter sido
fisicamente abusada pelo pai. Tentando evitar o que sentira em sua infância como o humilhante comportamento de
uma mãe submissa, ela passou a protestar violentamente, envolvendo os vizinhos e familiares como testemunhas, e,
acima de tudo, sua própria mãe.
Numa tentativa inconsciente de provocar o marido a novas violências, depreciava seu desempenho sexual e
envolvia os dois filhos (em idade escolar) e outros conhecidos, para envergonhar o marido. No curso de uma violência
cada vez maior, numa ocasião ele finalmente bateu nela, o que prontamente a levou a acusá-lo de comportamento
abusivo às autoridades locais. Foi nesse ponto que a avaliação e o tratamento de casal foram recomendados.
Este relato ilustra identificações inconscientes, reprojeções de imagens parentais no parceiro conjugal, e,
acima de tudo, introjeções do superego com comportamentos de "colecionar injustiças", "indignações justificadas",
comportamentos fortemente racionalizados que servem para justificar a mútua perseguição, assim como a atuação da
culpa inconsciente devido a aspectos do relacionamento conjugal adulto que ambos julgam intolerável. O tratamento
psicanalítico da mulher revelou as origens de sua inibição sexual em tentativas inconscientes de recriar um
relacionamento sadomasoquista com um pai abusivo; o tratamento do marido revelou, por baixo de uma camada de
ambivalência em relação a uma mãe provocadora e rejeitadora, sua luta infrutífera com uma imagem de pai poderosa e
ameaçadora.
C a p í t u l o 8
O Amor Transferencial
O setting analítico é o laboratório clínico que nos permitiu estudar a natureza do amor e suas múltiplas formas,
e a transferência, em conjunção com a contratransferência, é o veículo para o estudo dessas formas.
A principal diferença entre a situação edípica original e o amor transferencial é a possibilidade, em circunstâncias
ótimas, de investigar totalmente, na transferência, os determinantes inconscientes da situação edípica. Elaborar o
amor transferencial implica em elaborar a renúncia e o luto que normalmente acompanham a resolução da situação
edípica. Ao mesmo tempo, o paciente precisa aprender que a busca do objeto edípico será um aspecto permanente de
todos os seus relacionamentos amorosos (Bergmann, 1987). Isso não significa compreender todas as futuras relações
amorosas como derivadas unicamente da situação edípica; isso significa apenas que a estrutura edípica influencia a
moldura das novas experiências tanto para os indivíduos como para o casal.
Em circunstâncias ótimas, a experiência regressiva do amor transferencial e sua elaboração são facilitadas pela
natureza "como-se" da regressão transferencial (e pela subjacente força do ego implicada nessa possibilidade de
regressão limitada), bem como pela crescente capacidade do paciente de gratificação de seus anseios edípicos, através da
sublimação em um relacionamento real e amoroso recíproco. A ausência dessa reciprocidade diferencia nitidamente o
amor de transferência de um relacionamento amoroso fora do ambiente analítico, assim como a investigação consciente
dos conflitos edípicos o diferencia da situação edípica original. Poderíamos dizer que o amor transferencial se
assemelha ao amor neurótico, no sentido de que a regressão transferencial estimula o desenvolvimento de um
amor
109
110 Oito F. Kernberg
nãocorrespondido. Mas a resolução analítica da transferência, por sua vez, diferencia nitidamente o amor
transferencial da qualidade de atuação que tem o amor neurótico, na qual o amor não-correspondido aumenta o
apego em vez de resolvê-lo, através do luto.
A investigação psicanalítica do amor transferencial proporciona evidências de todos os componentes que fazem
parte do processo normal do apaixonar-se: a projeção em outra pessoa (o analista) de aspectos maduros do ideal de
ego; a relação ambivalente com o objeto edípico; as defesas contra (assim como o desdobramento) conflitos infantis
perversos polimorfos e conflitos genitais edípicos. Tudo isso se combina para provocar a experiência do amor
romântico matizado de desejos sexuais na transferência, mesmo que de modo relativamente breve e temporário. Esses
sentimentos são comumente diluídos por deslocamentos para outros objetos disponíveis na vida do paciente. Na
verdade, provavelmente não existe nenhuma outra área de tratamento psicanalítico, em que o potencial tanto para a
atuação como para experiências de crescimento estejam tão intimamente condensados.
O amor transferencial pode trair seus componentes neuróticos através de sua intensidade, rigidez e persistência
teimosa, particularmente quando sua natureza for masoquista. No oposto extremo, a ausência de evidências do amor
transferencial pode refletir ou fortes resistências sadomasoquistas contra um relacionamento edípico positivo, ou
uma transferência narcísica em que esses desenvolvimentos edípicos positivos ficam significativamente
reduzidos. A natureza do amor transferencial varia também conforme o género dos participantes, como foi ampla-
mente observado (Bergmann, 1971,1980,1982; Blum, 1973; Chasseguet-Smirgel, 1984a; Goldberger e Evans, 1985;
Karme, 1979; Lester, 1984; Person, 1985; Silverman, 1988).
Em resumo, as pacientes neuróticas em análise com analistas do sexo masculino, tendem a desenvolver típicas
transferências edípicas positivas — como evidenciam os casos descritos por Freud (1915) em seu clássico artigo
sobre o amor transferencial. Mas as mulheres com personalidade narcísica, em análise com analistas do sexo
masculino, não costumam desenvolver esse amor transferencial, ou o desenvolvem somente em estágios muito
avançados do tratamento, normalmente de forma bastante branda. As resistências narcísicas contra a dependência na
transferência, parte da defesa contra a inveja inconsciente em relação ao analista, impedem o desenvolvimento do
amor transferencial; a paciente vivência qualquer anseio sexualizado pelo analista como humilhante, como a fazendo
sentir-se inferior.
Os pacientes do sexo masculino, em análise com analistas do sexo feminino, normalmente mostram certo grau de
inibição em manifestar diretamente o amor transferencial e uma tendência a deslocá-lo para outros objetos; ao invés,
desenvolvem nosettmg analítico intensas ansiedades em relação à inferioridade ou insuficiência sexual como parte da
reativação de fantasias narcísicas infantis normais, referentes à mãe edípica. Conforme Chasseguet-Smirgel
(1970,1984b) salientou, o
Psicopfltoíogza das Relações Amorosas 111
medo inconsciente do garotinho de que seu pequeno pênis não seja capaz de satisfazer sua grande mãe é, aqui, uma
dinâmica significativa. Os pacientes narcisistas do sexo masculino, com analistas mulheres, muitas vezes apresentam o
que parece ser um intenso amor de transferência, mas que não passa de uma sedução sexualizada e agressiva,
refletindo a resistência transferencial contra sentir-se realmente dependente de uma analista idealizada. Este esforço
para reproduzir uma dupla cultural, convencional, do homem poderoso e sedutor perante uma mulher passiva e
idealizada, é a contrapartida da situação cultural convencional de um relacionamento sexualizado e dependente entre
apaciente neurótica e o seu analista do sexo masculino, assim como a reprodução, no último caso, do desejo edípico da
garotinha pelo pai idealizado.
Os pacientes que foram sexualmente traumatizados, particularmente as vítimas de incesto e os pacientes com uma
história de envolvimentos sexuais com seus terapeutas, devido à maior pressão, induzida pelo trauma para a
compulsão à repetição, podem tentar seduzir o analista e com suas demandas amorosas talvez dominando a
transferência por um período de tempo prolongado. A identificação inconsciente com o agressor desempenha um
papel importante nesses casos, e a cuidadosa análise do ressentimento raivoso do / a paciente pelo fracasso da resposta
do/a analista às suas solicitações sexuais, pode exigir muita atenção antes que o / a paciente sinta alívio e apreciação
pela manutenção do setting analítico.
As mulheres narcisistas, com fortes características anti-sociais, podem tentar seduzir sexualmente o analista no que
pode ser erroneamente compreendido como um amor transferencial edípico. Mas a agressão por trás de seus
esforços para corromper o tratamento geralmente está bem clara na transferência. Essas mulheres devem ser
distinguidas das mulheres masoquistas, que podem ou não ter uma história de abuso sexual e uma predisposição para
serem sexualmente abusadas e exploradas. A intensidade das transferências erotizadas em pacientes com uma
estrutura de personalidade histérica é um exemplo do clássico amor transferencial: uma idealização defensiva e
sexualizada do analista muitas vezes encobre uma agressão inconsciente significativa, derivada do desapontamento
edípico e da culpa edípica inconsciente.
As características neuróticas do amor de transferência estão evidentes não apenas na intensificação dos anseios
eróticos relativos ao amor não-retribuído: também estão presentes no desejo narcisista infantil normal de ser amado, mais
do que no amor adulto ativo pelo analista; no desejo de intimidade sexual como uma expressão simbólica de
anseios simbióticos ou de dependência pré-edípica; e na acentuação geral, defensiva, da idealização sexualizada
como uma defesa contra conflitos agressivos de muitas fontes. Os pacientes com uma organização de personalidade
borderline podem manifestar desejos particularmente intensos de serem amados, solicitações eróticas com fortes
esforços para controlar o analista, e eventuais ameaças de suicídio como uma tentativa de extrair à força o amor do
terapeuta.
O desenvolvimento do amor transferencial homossexual é semelhante em ambos os géneros, mas podem
emergir importantes diferenças na contratrans-
112 Otto F. Kernberg
Contratransferência
ais fica mais acentuado. Este desenvolvimento tende a diminuir a intensidade dos sentimentos
contratransferenciais eróticos.
Quando a identificação projetiva predomina sobre a projeção (isto é, quando o paciente atribui ao
analista sentimentos sexuais que reconhece em si mesmo, mas rejeitando-os como perigosos, enquanto tenta
controlar o analista para evitar um temido ataque sexual — em contraste com uma simples projeção de
impulsos inconscientes — a contratransferência erótica normalmente está ausente. De fato, uma estranha
discrepância entre as intensas fantasias sexuais projetadas por um paciente com transferência
erotomaníaca, e uma resposta contratransferencial re-fletindo apenas um sentimento de intimidação e
constrangimento por parte do analista, deve alertá-lo para a existência de severa patologia narcísica no
paciente ou profunda regressão na transferência.
Em minha experiência, a contratransferência erótica mais intensa provavelmente acontece em alguma
dessas três situações: (1) em analistas do sexo masculino tratando pacientes do sexo feminino, com
características masoquistas fortes (mas não borderliné) e que desenvolvem um amor sexualizado intenso e
"impossível" por um objeto edípico inacessível; (2) em analistas de ambos os géneros, com fortes
características narcísicas não-resolvidas; (3) em algumas analistas do sexo feminino, com fortes tendências
masoquistas, tratando pacientes homens, narcisistas, altamente sedutores. Algumas pacientes masoquistas são
capazes de provocar acentuadas fantasias de salvação em seu analista do sexo masculino, "persuadindo-o" a
tentar ajudá-las, apenas para provar ao analista o quão equivocado ou inútil é essa ajuda. Essas
persuasões podem tornar-se sexualizadas e manifestas na contratransferência como fantasias de salvação com
um forte componente erótico. Tipicamente, por exemplo, o analista homem pode perguntar-se: "Por
queseráque essa paciente tão atraente não consegue manter nenhum homem e está sempre sendo
rejeitada?" Desta pergunta para a fantasia contratransferencial "Eu seria um parceiro sexual muito
gratificante para esta paciente", é apenas um passo.
Descobri que é útil, com pacientes masoquistas com uma longa história de casos amorosos infelizes,
ficar atento aos momentos em que se desenvolvem essas fantasias de salvação ou uma contratransferência
erótica. Com muita frequência, essas seduções transferenciais—contratransferenciais culminam no paciente
compreender erroneamente, e subitamente ficar frustrado, desapontado ou zangado com os comentários do
analista, ou passar a fazer exigências súbitas e excessivas ao analista, que destroem instantaneamente o
desenvolvimento da contratransferência de salvação erotizada.
Também descobri ser útil para o analista, tolerar suas fantasias sexuais sobre o paciente e inclusive
deixar que se desenvolvam na narrativa de um relacionamento sexual imaginário. Rapidamente, a própria
fantasia do analista fará com que a ideia se evapore, em decorrência de sua percepção pré-consciente dos
aspectos " antilibidinais", autodestrutivos e rejeitadores de ajuda da personalidade do paciente; essa
abordagem facilitará uma interpretação da transferência mesmo antes de
114 Otto F. Kernberg
sua súbita mudança para aspectos negativos. Inconsistências nos arranjos do trata-
mento, solicitações para mudanças de horário, alegadas insensibilidades do analis-
ta a circunstâncias especiais, irresponsabilidade financeira e pagamentos atrasados
dos honorários do tratamento, são algumas das maneiras óbvias pelas quais são
encenadas as tentativas inconscientes do paciente de impedir, ou destruir, a possi-
bilidade de um relacionamento positivo estável com o analista. Atenção em relação
às narrativas contratransferenciais pode capacitar ao analista detectar essas ten-
dências antes que sejam encenadas no tratamento.
As intensas manifestações de transferência erótica devem ser diferenciadas
do desejo do paciente de ser amado pelo analista. Por baixo de esforços sedutores
conscientes ou inconscientes na transferência pode haver o desejo de tornar-se o
objeto de desejo do analista — tornar-se o falo do analista — com fantasias de
inferioridade física e castração. Eu, portanto, gosto de analisar não apenas as defe-
sas do paciente contra a plena expressão da transferência erótica, mas também a
natureza das próprias fantasias transferenciais. Sob o que parece um desejo de
relacionamento sexual com o analista, estão múltiplas transferências e significa-
dos. Uma intensa erotização frequentemente pode ser uma defesa, por exemplo,
contra transferências agressivas de muitas fontes, uma tentativa de escapar de
conflitos dolorosos acerca da dependência oral ou o estabelecimento de transferên-
cias perversas (o desejo de seduzir o analista para destruí-lo).
O analista que se sente livre para explorar em sua mente seus sentimentos
sexuais em relação ao paciente será capaz de avaliar a natureza dos desenvolvi-
mentos da transferência, e assim evitar uma negação defensiva de sua própria
resposta erótica ao paciente; deve, ao mesmo tempo, ser capaz de examinar o amor
transferencial sem atuar sua contratransferência, no que possa se configurar como
uma abordagem sedutora. A transferência erótica do paciente pode ser expressada
por comportamento não-verbal, pela erotização do relacionamento com o analista,
ao qual o analista deve responder investigando a natureza defensiva desta sedução
não-verbalizada, sem nem contribuir para uma erotização adicional da situação de
tratamento e nem rejeitar defensivamente o paciente.
A patologia narcísica não-resolvida do analista é provavelmente a maior cau-
sa de atuação da contratransferência, na forma de uma contribuição à erotização da
situação psicanalítica ou, inclusive, de uma ruptura da estrutura do ambiente psi-
canalítico. Ter relações sexuais com um paciente geralmente é, acredito, um sinto-
ma da patologia de cará ter narcísica do analista e uma correspondente patologia de
seu superego. Entretanto, às vezes também há uma dinâmica puramente edípica
envolvida, com o cruzamento de fronteiras do relacionamento analítico simbolica-
mente representando o cruzamento da barreira edípica. Talvez o fato de o analista
cruzar as fronteiras sexuais reflita uma atuação da patologia masoquista, um dese-
jo inconsciente de ser punido por uma transgressão edípica.
A investigação dos aspectos complexos e íntimos das fantasias eróticas do
paciente e de seu desejo de uma relação amorosa sexual com o analista, proporcio-
na uma oportunidade única para o analista compreender melhor a vida sexual do
Psicopatologia das Relações Amorosas 115
ro, adquirem uma qualidade tão intensamente exigente e agressiva, que reduzem
ou eliminam as fortes respostas contratransferenciais homossexuais, e suas corres-
pondentes dificuldades. Naturalmente, a falta de ressonância sexual na
contratransferência de um analista do mesmo género de um paciente homossexu-
al, que sofre de uma severa patologia narcísica, também requer uma investigação
em termos de uma reação fóbica, possivelmente específica, por parte do analista,
aos seus impulsos homossexuais. O preconceito cultural mais forte contra a ho-
mossexualidade masculina pode representar, infelizmente, uma sobrecarga
contratransferencial maior para o psicanalista do sexo masculino.
A partir das observações precedentes, poderia parecer que as questões técni-
cas mais importantes na análise do amor transferencial são, primeiro, a tolerância
do analista ao desenvolvimento de sentimentos sexuais em relação ao paciente,
quer homossexuais quer heterossexuais, que exige liberdade interna do analista
para utilizar sua bissexualidade psicológica; depois, também, a importância de
analisar sistematicamente as defesas do paciente contra a completa expressão do
amor transferencial, adotando um percurso intermediário entre a relutância fóbica
em investigar as resistências contra a plena expressão da transferência sexual, e o
risco de se tornar sedutoramente invasivo; finalmente, a capacidade do analista de
analisar inteiramente a expressão do amor transferencial do paciente, e as reações
à frustração do mesmo, que inevitavelmente acontecerá. Assim, em minha opi-
nião, as tarefas do analista incluem abster-se de comunicar sua contratransferência
ao paciente (de modo a assegurar sua própria liberdade interna, para investigar
inteiramente seus sentimentos e fantasias), e integrar o entendimento obtido com
sua contratransferência em interpretações transferenciais em termos dos conflitos
inconscientes do paciente.
A experiência que o paciente tem da "rejeição" do analista como uma confor-
mação das proibições contra seus anseios edípicos, ou uma confirmação da humi-
lhação narcísica, além da inferioridade sexual e castração do paciente, deve ser
investigada e interpretada. Quando essas condições forem satisfeitas, períodos de
expressão aberta e livre do amor transferencial, edípico e pré-edípico, podem de-
senvolver-se na transferência e expressar-se, tipicamente, em intensidades flutu-
antes, conforme o crescimento emocional na vida sexual do paciente facilite seus
esforços para conseguir relações mais gratificantes na realidade externa.
O analista deve chegar a um acordo não apenas com as próprias tendências
bissexuais, conforme forem ativadas na contratransferência erótica, mas também
com outros conflitos infantis perversos e polimorfos, tais como as implicações sádi-
cas e voyeuristas das explorações interpretativas da vida sexual do paciente. Pro-
vavelmente também é verdade que, quanto mais satisfatória a vida sexual do ana-
lista, mais ele será capaz de ajudar o paciente a resolver suas inibições e limitações
nessa área essencial da experiência humana. Independentemente dos aspectos pro-
blemáticos do amor transferencial, acredito que a experiência singular que o traba-
lho psicanalítico proporciona, ao analisar este amor enquanto se é seu alvo tempo-
Psicopatologia das Relações Amorosas 117
A Srta. A. era uma mulher solteira, no final da casa dos 20, encaminhada a
mim por seu clínico geral em virtude de depressão crónica, abuso de álcool e de
polissubstâncias, e um estilo de vida caótico, com instabilidade no trabalho e em
seus relacionamentos com os homens. Anteriormente já me referi a outros aspectos
de seu tratamento (veja o Capítulo 5). A Srta. A. me pareceu uma mulher inteligen-
te, calorosa e atraente, mas com uma aparência e trajes um tanto simples e negli-
gentes. Concluíra com sucesso seus estudos de arquitetura, e estivera empregada
em várias firmas de arquitetura, mas mudando frequentemente de emprego, como
gradualmente descobri sobretudo em função dos casos amorosos infelizes, com
homens que conhecia no trabalho. Tinha, pois, uma tendência a misturar trabalho
e relações pessoais, de maneira a prejudicar-se.
O pai da Srta. A., um proeminente homem de negócios, tinha conexões inter-
nacionais que exigiam frequentes viagens transoceânicas. Desde a morte de sua
primeira mulher, a mãe da paciente, quando esta estava com 6 anos de idade, ele
viajava sozinho, deixando a Srta. A. e seus dois irmãos mais velhos aos cuidados de
sua segunda esposa, com quem a paciente não se dava muito bem. A Srta. Á.
descreveu sua mãe de maneira idealizada e um tanto irrealista. Sentira um pesar
profundo após sua morte e que se transformara numa duradoura hostilidade em
relação à madrasta, com quem o pai casara, um ano depois. A relação com o pai,
que até então fora excelente, também deteriorou. Ele favorecia a nova esposa em
virtude do que considerava a injustificada hostilidade da Srta. A. em relação à
madrasta.
Durante a adolescência da Srta. A., sua madrasta pareceu satisfeita ficando
em casa e continuando seus compromissos sociais, enquanto a Srta. A. acompanha-
va o pai em suas viagens transoceânicas. Foi durante os anos escolares do segundo
grau que a Srta. A. descobriu os casos amorosos do pai com outras mulheres, e
ficou claro, para ela, que em suas viagens esses casos eram o foco maior de suas
atividades. A Srta. A. tornou-se a confidente do pai, e sentia-se conscientemente
emocionada e feliz por ele confiar nela. De modo menos consciente, ela sentia-se
triunfar sobre a madrasta.
Enquanto isso, durante a faculdade começou a tomar forma um padrão em
seu comportamento, que continuava até quando entrou em tratamento. Ela se apai-
xonava, tornava-se intensamente dependente, submissa e aderente, e invariavel-
mente era abandonada. Reagia então com profunda depressão e uma tendência a
recorrer ao álcool e tranquilizantes menores para superar a depressão. Experimen-
tou uma gradual deterioração em sua posição social, no exclusivo grupo social ao
118 Oito F. Kernberg
qual pertencia, pois desenvolveu a reputação de ser uma "presa fácil demais".
Quando um caso amoroso infeliz complicou-se, com uma gravidez indesejada e
um aborto induzido, seu pai ficou preocupado, o que levou o clínico geral da Srta.
A. a encaminhá-la para mim.
Minha impressão diagnostica foi a de uma personalidade masoquista, de-
pressão caracterológica e abuso sintomático de álcool e drogas. A Srta. A. mantivera
boas relações com algumas amigas durante muitos anos, era capaz de trabalhar
efetivamente na medida em que não se envolvesse em relações íntimas com ho-
mens no trabalho, e impressionou-me como basicamente honesta, preocupada con-
sigo mesma, além de capaz de estabelecer relações objetais profundas. Recomen-
dei psicanálise, e os seguintes desenvolvimentos aconteceram no terceiro e quarto
anos de seu tratamento.
A Srta. A. estivera envolvida por algum tempo com um homem casado, B.,
que deixara muito claro não estar disposto a abandonar a esposa para ficar com ela.
Ele se oferecera, todavia, para ter um filho com a Srta. A. e assumir a responsabili-
dade financeira por esta criança. A Srta. A. estava acalentando a ideia de engravidar
como uma maneira de cimentar seu relacionamento, e esperando que isso eventu-
almente consolidasse sua união. Em seu relacionamento comigo, repetidamente
descrevia suas experiências com B. de maneiras que o retratavam como sádico,
enganador e inconfiável e queixava-se amargamente dele. Mas quando lhe per-
guntei como ela entendia o fato de manter um relacionamento que descrevia nes-
ses termos, acusou-me de tentar destruir o que era, afinal de contas, o relaciona-
mento mais significativo de sua vida, e de eu ser impaciente, dominador e moralis-
ta.
Ficou gradualmente claro que ela estava me vivenciando como uma figura
paterna crítica, pouco simpática e de pouca ajuda, uma réplica de como sentia a
preocupação do pai em relação a ela. Ao mesmo tempo, estava repetindo na trans-
ferência seu padrão masoquista de relacionamento. O que me pareceu peculiar foi
que, embora descrevesse com muitos detalhes todos os seus argumentos e dificul-
dades com o amante, ela jamais descrevia os aspectos íntimos de sua relação sexu-
al, exceto dizer, de tempos em tempos, que era maravilhoso quando estavam jun-
tos na cama. Por alguma razão, eu não investiguei os motivos para essa discrepân-
cia entre sua abertura geral e esta reserva particular. Só lentamente percebi que
estava hesitando em explorar sua vida sexual, por causa da minha fantasia de que
ela iria imediatamente interpretar isso como uma invasão sedutora. Sentia uma
certa reação contra transferencial em mim, que ainda não compreendia inteiramen-
te.
Conforme analisei as funções de sua interminável repetição das mesmas
interações sadomasoquistas com B., descobri que ela estava com medo de que eu
ficasse com ciúme da intensidade de sua relação com ele. Ela ouviu minhas inter-
pretações — de que estava reproduzindo um relacionamento frustrante e auto-
destrutivo comigo, conforme ela o vivenciava com B. — como um convite para
uma submissão erótica a mim. Então fui capaz de compreender minha relutância
Psicopatologia das Relações Amorosas 119
anterior em investigar sua vida sexual como uma consciência intuitiva, de minha
parte, da sua desconfiança quanto às minhas intenções sedutoras em relação a ela.
Sugeri que estava com medo de compartilhar comigo os detalhes de sua vida sexual,
porque pensava que eu queria explorá-la sexualmente e persuadi-la a desenvolver
sentimentos sexuais em relação a mim.
Devo acrescentar que todos esses desenvolvimentos aconteceram numa at-
mosfera notavelmente não-erótica; pelo contrário, nessa época pareciam ocorrer
momentos de tranquila auto-reflexão, em meio a zangadas explosões contra seu
amante ou contra mim, em virtude de minha alegada intolerância ao seu relaciona-
mento com ele. Ela então começou a analisar nas sessões os aspectos sexuais do seu
relacionamento com B.. Fiquei sabendo que, embora desde o início fosse uma par-
ticipante voluntária em qualquer jogo ou atividade sexual proposta por B., e que
sua submissão lhe desse um prazer especial, ela não conseguia chegar ao orgasmo
na relação sexual, vivenciando a mesma inibição sexual que sentira com seus mui-
tos amantes anteriores. Somente quando um desses amantes, enraivecido, lhe ba-
tia, ela conseguira sentir uma excitação sexual completa e orgasmo.
Esta informação esclareceu um aspecto de seu comportamento atual com B.,
aderente mas provocador, seus esforços inconscientes de provocá-lo para que ele
batesse nela, de modo que ela fosse capaz de chegar à plena gratificação sexual. Seu
abuso do álcool e de tranquilizantes menores emergiu como uma maneira de apre-
sentar-se como impulsiva, descontrolada, exigente e queixosa—em contraste com
seu jeito doce e submisso habitual—ao mesmo tempo levando os homens à violên-
cia — com a possibilidade de gratificação sexual — e tornando-se pouco atraente
para eles. Retrospectivamente, seu abuso de álcool parecia uma maneira de expli-
car por que os homens eventualmente a rejeitavam. A culpa inconsciente pelas
implicações edípicas desses relacionamentos, gradualmente emergiu como uma
dinâmica maior.
A análise deste material acelerou o final do relacionamento com B.: a Srta. A.
deixou de ser tão regressivamente exigente, e confrontou B., de modo mais realista,
com as inconsistências de seu comportamento em relação a ela. Confrontado com
as alternativas propostas por ela para o futuro do relacionamento deles, ele decidiu
terminá-lo. No período de luto que se seguiu, surgiram pela primeira vez, na trans-
ferência, sentimentos eróticos conscientes em relação a mim. A Srta. A., que ante-
riormente desconfiara que eu estivesse tentando seduzi-la sexualmente, e me vira
como uma réplica de seu pai hipócrita, moralista e promíscuo, percebia-me agora
como muito diferente de seu pai. Sua imagem de mim passou a ser a de um homem
idealizado, amoroso, protetor, mas sexualmente responsivo, e ela expressou livre-
mente seus sentimentos eróticos em relação a mim, que integravam fantasias e
desejos ternos e sexuais. Eu, por minha vez, tendo-a vivenciado antes como uma
mulher tanto sem graça, desenvolvia agora fantasias contratransferenciais eróticas
durante as sessões, juntamente com o pensamento de que era realmente notável
que uma mulher tão atraente não tivesse sido capaz de manter nenhum relaciona-
mento permanente com um homem.
120 Oito F. Kernberg
neste processo. As fantasias sexuais da Srta. A. sobre seu pai, o fato de senti-lo no
passado como provocador, mas sexualmente rejeitador, tornaram-se então um con-
teúdo dominante da análise.
No contexto de nossa investigação dos profundos sentimentos de culpa que
agora ligavam a imagem da minha mulher, à imagem idealizada de sua própria
mãe, a Srta. A. percebeu que se defendera contra esses sentimentos de culpa divi-
dindo a imagem da mãe na mãe morta, idealizada, e na madrasta temida e depre-
ciada, representada pelas suas rivais, as outras mulheres na vida dos homens que
ela jamais poderia ter exclusivamente para si. Este entendimento também ajudou
a esclarecer sua seleção inconsciente de homens "impossíveis", e a proibição in-
consciente da gratificação sexual plena, a não ser em condições de sofrimento físico
e mental.
A Srta. A. finalmente estabeleceu um relacionamento com um homem que de
muitas maneiras era mais satisfatório do que seus amantes anteriores, tanto em
termos de não estar envolvido com uma outra mulher naquele momento, quanto
por pertencer ao seu próprio ambiente social (do qual, em virtude de seu turbulen-
to estilo de vida, ela se sentira banida). Seguiu-se um longo período de análise, no
curso do qual pudemos explorar com maiores detalhes as fantasias e medos em seu
relacionamento com C. Conseguiu falar bastante sobre o relacionamento sexual
deles, e pudemos examinar seus sentimentos de culpa em relação a mim—tendo-
me abandonado como seu objeto de amor — e ao mesmo tempo de triunfo sobre
mim, num relacionamento sexual que, em sua fantasia, era mais satisfatório do que
qualquer relacionamento que eu tivesse nesse momento. Em outras palavras, uma
relação amorosa altamente satisfatória na realidade externa, também tinha a fun-
ção transferencial de elaborar um processo de luto comigo, que repetia o luto e a
nova reconciliação referentes ao relacionamento ambivalente com seu pai.
C a p í t u l o 9
Patologia Masoquista e
Relações Amorosas
122
Psicopatologia das Relações Amorosas 123
sua infância ausente de casa, ela imediatamente percebeu a conexão entre seu de-
sejo de uma relação sexual comigo e a rebelião contra a mãe, presente no desejo de
seduzir o pai e afastá-lo da mãe. Tornar-me seu escravo combinava o desejo de
minha total aceitação de seus genitais e de sua sexualidade, enquanto me punia por
ter preferido outras mulheres (sua mãe) e oferecia-se para a escravidão para expiar
a sua culpa. Mas ela também vivenciava a encenação da fantasia de escravidão
como uma expressão excitante da agressão, sem precisar temer seus efeitos inibidores
em seu prazer sexual. Pelo contrário, sentia que essa agressão aumentaria a grati-
ficação de total intimidade e fusão na reciprocidade da relação escravo e senhor.
Depois dessa sessão, conseguiu pedir ao marido, pela primeira vez, no meio de
uma relação sexual, para apertar com força seus mamilos, o que ele fez com intensa
excitação sexual, permitindo que ela, por sua vez, arranhasse suas costas até ele
sangrar, e ambos, pela primeira vez, chegaram a um intenso orgasmo juntos.
Ao analisar esta experiência, expressou a fantasia de que seu marido era como
um bebé faminto, frustrado, mordendo os seios da mãe, e que ela, podia gratificar
suas necessidades enquanto tolerava sua agressão, isto é, uma mãe poderosa, com-
preensiva e generosa. Ao mesmo tempo, sentia que também era uma mulher sexual
relacionando-se com seu marido-bebê (que assim não era um pai ameaçador) e
ainda assim vingando-se de um pai que a abandonara, e também do marido, que
lhe causara dor, fazendo com que ele também sangrasse. E sentiu que arranhá-lo
enquanto o abraçava, apertado, intensificou sua fusão e o sentimento de que podia
participar do orgasmo dele enquanto ele podia participar do dela. Esta mulher,
chegando ao final de sua análise, conseguiu articular importantes facetas da exci-
tação sexual e do desejo erótico normais.
A fusão com o objeto do desejo, entretanto, é estimulada em condições não
apenas de intensa excitação erótica e amor, mas também de extrema dor e ódio,
conforme proposto por Jacobson (1971). Quando as interações com a mãe são cro-
nicamente agressivas ou abusivas, frustrantes e provocadoras, a intensidade da
dor física ou psíquica do bebé pode não ser absorvida por uma resposta erótica
normal, ou pelos precursores sádicos, e ainda assim de protetores e confiáveis do
superego; em vez disso, esta dor é diretamente transformada em agressão. Com
base nas observações de Fraiberg (1982), Galenson (1983,1988), Herzog (1983),
Stoller (1975) e outros, Grossman (1986,1991) propôs que a dor excessiva é transfor-
mada em agressão, que a agressão excessiva distorce o desenvolvimento de todas
as estruturas psíquicas, e que além disto ela interfere com a capacidade de elabora-
ção da agressão na fantasia, em contraste com sua expressão direta no comporta-
mento. Poderíamos dizer também, com Green (1986), que a agressão excessiva
restringe o domínio da experiência psíquica inconsciente, por uma somatização
primordial e / ou pela atuação.
Em circunstâncias extremas, a agressão excessiva se reflete na auto-
destrutividade primitiva. Uma severa doença inicial, com dor prolongada, ataques
físicos e/ou sexuais, relações cronicamente abusivas e caóticas com um objeto
Psicopatologia das Relações Amorosas 125
lhadora, criativa e atraente/ estava casada com um homem com características se-
melhantes. Ele era um jovem profissional batalhador, com problemas não-resolvi-
dos com a autoridade, uma tendência a desafiar o que via como figuras de pai
dominadores, e a "buscar cobertura" em mulheres poderosas e protetoras. Era
filho de um pai bem-sucedido e admirado, mas emocionalmente indisponível com
quem, inconscientemente, sentia que não podia competir. Ela, a filha de uma mu-
lher dominadora, hipocondríaca, profundamente insatisfeita, que tratava seu ma-
rido como um escravo e se intrometia na vida de todos os filhos casados, inconsci-
entemente reproduzia o comportamento da mãe no relacionamento com o próprio
marido.
Ela o criticava por sua excessiva dedicação ao trabalho e falta de atenção às
necessidades dela, e ele respondia alternando comportamentos culpados e longas
ausências do lar, reproduzindo, no processo, a indisponibilidade do pai. Ela, in-
conscientemente, conseguia reproduzir a atmosfera tensa e caótica que caracteriza-
ra a casa de seus pais, enquanto ele, sentindo-se derrotado porque, inconsciente-
mente, não podia competir com seu bem-sucedido pai, comportava-se de maneira
resignada. À intervenção terapêutica ocorreu logo antes de um rompimento peri-
goso em seu relacionamento que, com efeito, corresponderia à submissão maso-
quista da mulher à sua própria mãe internalizada, e teria confirmado simbolica-
mente o fracasso edípico dele.
As racionalizações ideológicas das escolhas masoquistas tem uma importante
função na perpetuação destes relacionamentos. A confirmação moral, ou mesmo a
superioridade, envolvidas na manutenção do relacionamento com um parceiro
sádico mas "inferior", tal como um cônjuge alcoolista ou um membro de uma
minoria perseguida, ou racionalizar a persistência de um relacionamento impossí-
vel "por causa das crianças", pode contribuir para sistemas defensivos que preci-
sam ser diferenciados das circunstâncias sociais ou económicas, objetivamente
limitantes, que impedem uma esposa maltratada de abandonar um relacionamento
impossível.
O uso dos filhos como uma justificativa para a perpetuação de um relaciona-
mento severamente masoquista é a contrapartida do adiar os filhos até que o reló-
gio biológico o impeça objetivamente, ou seja, um núcleo importante em torno do
qual os padrões masoquistas tendem a se consolidar. Uma mulher que, inconscien-
temente, conseguiu racionalizar o adiamento do casamento e dos filhos até chegar
aos quarenta e tantos anos, pode então desenvolver um sistema ideológico secun-
dário segundo o qual o fato de não poder mais ter filhos justifica sua infelicidade
para o resto da vida.
O estabelecimento de um sistema de valores conjunto do casal que possa
solidificar sua união e assegurar sua liberdade em relação ao meio cultural pode
ser infiltrado por sistemas ideológicos que racionalizam desenvolvimentos maso-
quistas em seu relacionamento. Tanto uma ideologia convencional tradicional das
tarefas femininas como restritas à "igreja, crianças e cozinha", quanto uma ideolo-
gia de liberação feminina, podem ser utilizadas em função de necessidades maso-
134 Otto F. Kernberg
Desenvolvimentos Transferenciais
Entre as muitas maneiras pelas quais a patologia masoquista pode se apre-
sentar no tratamento psicanalítico, os seguintes exemplos ilustram frequentes de-
senvolvimentos na transferência. Uma idealização inicial do analista pode coinci-
dir, ao mesmo tempo, com o foco do paciente num objeto externo, mau, persecutório,
seguido pela incapacidade de deixar ou enfrentar este objeto mau. Tipicamente,
um homem pode estar envolvido com uma mulher que descreve como cronica-
mente frustrante, depreciativa, provocadora, exibicionista, mas é incapaz de deixá-
la, apesar da aparente análise das raízes inconscientes dessa disposição. De fato, o
paciente pode acabar ou queixando-se da incapacidade do analista de ajudá-lo com
a situação, ou defendendo este objeto supostamente mau, acusando o analista de
tentar destruir um relacionamento potencialmente bom. Assim, o analista ideali-
zado se transforma logo num objeto persecutório.
O analista, em outras palavras, se torna o objeto mau que ou deixa que o
paciente continue sofrendo num mau relacionamento, ou supostamente tenta des-
truir um relacionamento em que o paciente ainda investe muita esperança. A inter-
pretação desse desenvolvimento transferencial pode revelar uma patologia maso-
quista significativa, expondo a necessidade inconsciente do paciente de transfor-
mar um relacionamento potencialmente útil num relacionamento ruim, porque ele
não pode tolerar ser ajudado (expressando assim sua culpa inconsciente, e as ori-
gens masoquistas do deslocamento do ódio pelo suposto objeto mau para o objeto
bom. Muitas vezes, num nível mais profundo, estas transferência leva à investiga-
ção de uma agressão vingativa contra um objeto bom do passado, necessário, mas
frustrante. A identificação inconsciente com o agressor, à medida que o paciente
defende sua relação objetal passada, e a gratificação oculta por sua "superioridade
moral" como uma vítima sofredora, são outras características desse desenvolvi-
mento transferencial.
As reações terapêuticas negativas por culpa inconsciente são típicas no trata-
mento analítico de pacientes com um masoquismo grave. Por exemplo, uma paci-
ente me sentia como crítico, impaciente e domina dor, precisamente quando estava
ameaçada por seus próprios padrões auto-sabotadores e eu tentava interpretar sua
tentação de destruir novas oportunidades, com uma óbvia preocupação com os
Psicopatologia das Relações Amorosas 135
processos auto-destrutivos que ela estava gerando em sua vida. A mesma paciente
me sentia como cálido e compreensivo, quando eu não interferia, interpre-
ta tivamente, nos momentos em que ela se referia aos seus comportamentos auto-
sabotadores. Eventualmente consegui esclarecer e interpretar seu esforço inconsci-
ente para criar uma situação, na transferência, em que ela me contaria sobre as
terríveis condições da sua vida, enquanto eu escutaria cálida e empaticamente,
sem ser capaz de ajudá-la, conspirando assim com ela em sua autodestrutividade.
Ou então tentaria ajudá-la, momento em que ela me sentiria imediatamente como
um inimigo que a atacava. Na transferência, estava inconscientemente tentando
me transformar num introjeto maternal invejoso e sádico.
Os pacientes masoquistas podem sutilmente recusar-se a proporcionar infor-
mações completas sobre suas próprias contribuições para suas dificuldades, prote-
gendo assim suas atuações masoquistas. Novamente, o analista é colocado numa
posição em que ou simpatiza com o paciente, ou, se tenta avaliar objetivamente a
situação, pode ser imediata e zangadamente acusado de estar do lado do inimigo
do paciente. É importante interpretar que o paciente está inconscientemente colo-
cando o analista numa situação em que este está condenado a frustrar as necessida-
des do paciente.
Alguns pacientes masoquistas podem insistir em que estão piorando, que o
tratamento os está prejudicando, mas, justamente por isso, se recusam a considerar
a possibilidade de que o analista possa realmente ser incapaz de ajudá-los, e que
seria útil serem reavaliadas ou considerar uma mudança de terapeuta. Alguns
desses pacientes podem insistir que querem "este terapeuta ou nenhum", ou "este
tratamento ou o suicídio", indicando claramente sua fixação nesta experiência te-
rapêutica como uma situação prejudicial, cronicamente traumática, uma fixação
num objeto mau interno projetado no analista. Na contratransferência, o analista
pode sentir-se inclinado a terminar o tratamento com tais pacientes, e é extrema-
mente importante que este desejo contratransferencial seja transformado numa
análise sistemática do comportamento transferencial gerado para levar o analista
nesta direção.
Nos pacientes com uma perversão masoquista organizada, uma tarefa inicial
é analisar os aspectos defensivos da idealização de seu masoquismo sexual. Aqui,
nós encontramos frequentemente, no significado inconsciente da perversão e em
seu reflexo na transferência, uma pseudo-idealização do masoquismo sexual e do
analista. Esta pseudo-idealização reflete, num nível inconsciente, a substituição do
pênis genital por um pênis anal, fecal, uma regressão de um mundo edípico para
um mundo anal de relações objetais, e uma correspondente qualidade "como-se"
na transferência, refletindo a negação dos conflitos edípicos descritos por
Chasseguet-Smirgel (1984,1991). Este desenvolvimento requer uma especial aten-
ção aos aspectos "como-se" do material associativo e da transferência, uma dinâ-
mica particularmente proeminente nos homens. Nas mulheres, por trás das fanta-
sias masoquistas de ser estuprada por um homem sádico, encontramos
frequentemente a imagem inconsciente de uma mãe invasiva e fálica. Não surpre-
136 Otto F. Kernberg
Narcisismo e Relações
Amorosas
A psicopatologia narcisista nos casais varia amplamente. Um casal faz esfor-/\ cos conscientes
para manter uma imagem pública irreal de seu relaciona-Â. JLmento como sendo um
relacionamento de total gratificação mútua. Outro casal está inconscientemente em um conluio
para a exploração implacável de um parceiro pelo outro. A investigação psicanalítica mostra que a
proverbial imagem de um parceiro narcisista combinado com um parceiro masoquista não
coincide necessariamente com as patologias de caráter de cada um. Mais geralmente, a identificação
inconsciente de um dos parceiros com seus próprios aspectos, dissociados e projetados, junto com a
mútua indução de papéis complementares através da identificação projetiva por parte de ambos,
pode resultar numa distribuição de papéis que transmite uma impressão errónea da psicopatologia
de cada parceiro. A exploração egoísta da esposa, por parte de um marido sem consideração, por
exemplo, pode sugerir significativa psicopatologia narcísica dele e vitimização de sua mulher. Um
exame das interações conscientes e inconscientes do casal, todavia, pode revelar que ela o está
provocando, inconscientemente, e projetando nele seu próprio superego sádico. A profundidade,
dedicação e qualidade intacta de suas relações com os outros podem revelar que o marido é
predominantemente infantil em vez de narcisista. Nós, portanto, temos de lidar com dois
problemas: a psicopatologia narcísica em um ou ambos os parceiros, e o "intercâmbio" de aspectos de
personalidade de ambos que provoca um relacionamento patológico do casal, que não corresponde
à patologia individual dos parceiros.
137
138 Otto F. Kernberg
O estudo psicanalítico das relações amorosas das personalidades narcisistas poderia começar
com uma comparação entre casais, em que um ou ambos os parceiros sofrem de um transtorno de
personalidade narcisista e casais que não apresentam nenhum desses sinais. A pessoa com um
narcisismo não-patológico tem a capacidade de apaixonar-se e manter um relacionamento
amoroso durante um período de tempo prolongado. Os casos mais graves de personalidade
narcisista não têm esta capacidade de apaixonar-se, o que é patognomônico do narcisismo
patológico. E mesmo as personalidades narcisistas que conseguem apaixonar-se por breves
períodos de tempo apresentam diferenças notáveis se comparadas às que possuem a capacidade
normal para apaixonar-se.
Quando a personalidade narcisista se apaixona, a idealização do objeto amado pode centrar-se
em torno da beleza física como uma fonte de admiração dos outros, ou em torno de poder, riqueza
ou fama, como atributos a serem admirados e inconscientemente incorporados como parte do
seuself.
A ressonância edípica de todas as relações amorosas faz com que a pessoa narcisista tente,
inconscientemente, um relacionamento dominado pela agressão, tanto quanto ou mais do que pelo
amor, em virtude da profunda frustração e ressentimento do passado, um passado que na fantasia
será magicamente superado pela gratificação sexual proporcionada pelo novo objeto. Rivalidade,
ciúme e insegurança edípicos se compõem com a agressão pré-edípica, deslocada para o domínio
edípico. Os pacientes narcisistas manifestam medo inconsciente do objeto amado, um medo
relacionado à agressão projetada: também demonstram uma notável ausência de liberdade interna
para interessar-se pela personalidade do outro. Sua excitação sexual está dominada por uma inveja
inconsciente do outro género,'por um profundo ressentimento decorrente do que foi vivenciado como
uma privação da gratificação inicial, por sofreguidão e voracidade, e pela esperança de apropriar-se do
que foi privado no passado, de modo a eliminar o anseio por aquela ausência.
Para o parceiro narcisista, a vida prossegue em isolamento; a dependência em relação ao
outro é temida, na medida em que representa o reconhecimento da inveja e gratidão pela
dependência; a dependência é substituída por exigências cheias de razão e frustração quando tais
exigências não são atendidas. Os ressentimentos aumentam e são difíceis de se desfazer dos
momentos de intimidade; são mais facilmente resolvidos por meio da cisão de experiências
diferentes de cada um, mantendo-se a paz à custa da fragmentação da relação. No pior dos casos,
temos um cenário onde se desenvolve um sufocante sentimento de aprisionamento e perseguição de
um pelo outro. Aspectos dose//não reconhecidos e indesejáveis são projetados no parceiro para
proteger uma auto-imagem idealizada. A provocação inconsciente do parceiro para fazê-lo sujeitar-se
aos aspectos projetados dose//, se combina com o ataque e rejeição a este parceiro que passa a ser
percebido de forma distorcida.
Psicopatologia das Relações Amorosas 139
A incorporação simbólica das características admiradas do outro pode servir como uma
gratificação narcísica: uma mulher narcisista que casa com um homem público famoso pode
continuar a se engrandecer em sua proeminência pública. Na privacidade do lar, contudo, ela pode
sentir um enorme aborrecimento, além de conflitos inconscientes em torno da inveja. A ausência de
valores conjuntos impede que se abra uma área de novos interesses, que proporciona uma nova
visão de mundo e de outros relacionamentos. A ausência de curiosidade sobre o outro, o
relacionamento em termos de comportamentos imediatos aos que se reage, mais do que a
preocupação pela realidade interna do outro (um problema central da personalidade narcisista,
relacionado à subjacente difusão da identidade e à falta da capacidade de empatia profunda com os
outros) fecha a porta para o entendimento da vida do outro. Além da inevitável ativação de conflitos
inconscientes do passado, e a eclosão da frustração e agressão no relacionamento íntimo do casal,
faltam fontes de gratificação e prevalecem o aborrecimento, o fracasso em conter a raiva despertada, a
frustração crónica e um senso de estar aprisionado pelo relacionamento.
De modo dramático, na esfera sexual, a inveja inconsciente do outro transforma a idealização do
seu corpo em desvalorização; a mesma inveja alimenta a transformação da gratificação sexual em
um sentimento de ter conseguido invadir e incorporado o outro e elimina a riqueza das primitivas
relações objetais ativadas na sexualidade perversa polimorf a normal, acabando em tédio e
aborrecimento.
Podemos perguntar se as personalidades narcisistas podem amar apenas a si mesmas. Em
minha opinião (1984), a questão não é se o investimento é no sel/ou no objeto, ou na representação
dosei/como oposta a representações do objeto. A questão é a diferença entre que tipo de sei/que é
investido: se ele tem a capacidade de integrar o amor e o ódio sob a dominância do amor, ou se é
um self grandioso e patológico. Segundo Laplanche (1976) sugeriu, com referência ao ensaio de
Freud (1914) sobre o narcisismo, tanto as relações amorosas anaclíticas quanto as narcisistas implicam
num relacionamento objetal. Conforme van der Waals (1965) colocou, não é que os narcisistas amem
apenas a si mesmos e a ninguém mais, mas que eles amam a si mesmos tão precariamente quanto
amam precariamente aos outros.
Consideremos a interação dos aspectos narcisistas e objetais das relações amorosas comuns.
Coloquemos de outra maneira: o que, numa relação amorosa estável, conecta a autogratificação e a
satisfação e o compromisso com o outro? Na medida em que o parceiro selecionado reflete os
próprios ideais da pessoa, uma qualidade eminentemente "narcisista" permeia o apaixonar-se e o
amar. E na medida em que existe uma busca consciente e inconsciente pela complementaridade —
que varia da admiração e gratificação por aquilo que o outro consegue apreciar e tolerar em si mesmo
e a pessoa não consegue, até a superação das limitações do próprio género, estabelecendo-se uma
união "bissexual" com o parceiro—mesmo essa complementaridade, poderíamos dizer, serve a
propósitos "narcisistas". Ao mesmo tempo, na medida em que o outro proporciona a gratificação
tanto das
140 Oito F. Kernberg
necessidades edípicas quanto as de ser cuidado, e sente-se grato por aquilo que recebe, o
relacionamento amoroso é obviamente "relacionado ao objeto". Ele tem características altruístas
que integram de inúmeras maneiras o egocentrismo e o auto-sacrifício, a dedicação ao outro e a
gratificação dosei/. Em resumo, o narcisismo normal e o relacionamento objetal complementam-se
um ao outro.
Para propósitos clínicos, o que disse torna necessário considerar separadamente o padrão
de comportamento em que o relacionamento de um casal estabilizou-se ou congelou — e as
estruturas de personalidade de cada um dos parceiros. A presença de um transtorno de
personalidade narcisista em um ou ambos os parceiros é indubitavelmente importante para
colorir a natureza de seu relacionamento; e, em alguns casos, a resolução de conflitos conjugais
profundos e antigos dependerá da modificação da estrutura de personalidade de um ou ambos;
mais frequentemente, contudo, a resolução da interação patológica através da psicanálise e
psicoterapia—ou separação e divórcio — revelará o quanto aquilo que parecia ser uma patologia
narcisista em um ou ambos, era o resultado de um conluio inconsciente de mútua exploração e
agressão, derivado de outros conflitos.
Nosso primeiro exemplo é o de um conflito sutil, mas persistente, entre um marido com
estrutura de personalidade aparentemente narcisista (mas na realidade uma estrutura de
personalidade obsessivo-compulsiva) e uma esposa com características de personalidade
depressivo-masoquistas. Ele parecia frio, distante e sem consideração pelas necessidades dela, e
ela estava sofrendo silenciosamente em virtude das excessivas expectativas dele em relação a ela.
Ele era filho de uma mãe superprotetora, narcisista, cujas preocupações com a ordem e o perigo
de infecções e doenças físicas dominaram sua infância, enquanto seu amável pai deixava a mulher
dirigir a família. O marido fora fortemente atraído pela natureza calorosa e relaxada da mulher,
e ficava divertido e aliviado pela sua maneira um tanto desordenada de lidar com as coisas. Ela,
filha de uma mãe dominadora mas desorganizada e negligente, e de um pai afetuoso mas
frequentemente ausente, ficara impressionada pela ênfase do marido na ordem e limpeza. Mas
após vários anos de casamento, a obsessiva necessidade do marido de ordem e limpeza au-
mentou na mesma medida que a desorganização da mulher. Ela o acusava, asperamente, de
sobrecarregá-la de tarefas enquanto negligenciava suas próprias respon-sabilidades; ele a acusava
de intencionalmente tentar provocá-lo através de sua maneira descuidada de dirigir a casa.
As confrontações gradualmente diminuíram porque o marido "desistiu". De fato, ao retrair-
se e ausentar-se, ele inconscientemente alimentava a desordem da esposa. Gradualmente separou
os seus interesses e pertences dos dela e tornou-se retraído, sentindo que ela o negligenciava e não
lhe dava importância, ao mesmo tempo em que se culpava por ele negligenciá-la. Mais tarde, no
curso de seu trata-
Psicopatologto das Relações Amorosas 141
mento psicanalítico, emergiu que se ressentia dela como se ela fosse uma mãe indiferente,
enquanto inconscientemente se identificava com seu próprio pai, que deixara o controle da casa
para a mãe. Ele assim, restringiu sua autoridade e gratificação no que poderia ter sido, de muitas
maneiras, um casamento satisfatório. Sua esposa, por sua vez, o vivenciava cada vez mais como
um homem frio, indiferente e egoísta, e a si mesma como vítima de um tradicional marido
patriarcal.
Os tratamentos psicanalíticos individuais., juntamente com o exame de seu conflito conjugal
numa psicoterapia psicanalítica conjunta, de tempo limitado, com outro terapeuta, revelaram seu
conluio mútuo inconsciente. O entendimento desse conluio levou ao notável desaparecimento do
que inicialmente pareceram ser qualidades severamente narcisistas no marido e qualidades
masoquistas significativas na mulher.
O segundo caso centra-se em torno dos desenvolvimentos no tratamento psicanalítico de um
homem com grave patologia narcisista, que consultou em virtude de sua incapacidade para
manter um relacionamento com uma mulher que lhe desse gratificação emocional e sexual. O
Sr. M., um arquiteto bem-sucedido com quarenta e poucos anos, já passara por três casamentos e
divórcios com mulheres que ele descrevia, em retrospecto, como dedicadas a ele, atraentes e
inteligentes. De fato, ele tivera relacionamentos sexuais gratificantes com as três antes de casar, mas
depois do casamento perdia completamente o interesse sexual por elas. Os relacionamentos
conjugais se transformavam numa espécie de "amizade fraterna", que era cada vez mais
insatisfatória para ambos e acabando finalmente em divórcio. O Sr. M. não quisera ter filhos,
pois temia que eles interferissem no seu estilo de vida e na sua liberdade.
A posição financeira e a capacidade administrativa do Sr. M. lhe permitiam passar grande
parte do seu tempo numa busca interminável de novas experiências com mulheres. Essas
experiências eram de dois tipos distintos-, experiências sexuais, que eram intensas mas debreve
duração, porque rapidamente perdia o interesse pela mulher, e platónicas ou quase platónicas, com
mulheres que usava como confidentes, conselheiras ou amigas.
Naparte inicial do tratamento, a característica mais importante durante muitos meses foram as
sólidas defesas do Sr. M. contra o aprofundamento do relacionamento transferencial, que só
gradualmente pôde ser entendido como defesas contra uma inveja inconsciente do analista como
um homem casado, capaz de usufruir um relacionamento que era satisfatório em termos
emocionais e sexuais. O Sr. M. gastava uma porção enorme do tempo nas sessões troçando de
amigos casados há muito tempo, e do que ele considerava suas ridículas tentativas de convencê-lo
de que eles tinham um relacionamento conjugal feliz. Ele, triunfantemente, contou-me de suas
façanhas sexuais, somente para cair novamente num sentimento de desespero em virtude de sua
incapacidade para manter um relacionamento sexual com uma mulher que fosse importante para
ele emocionalmente. Nesses momentos, se sentia fortemente inclinado a terminar o tratamento,
porque este não o estava ajudando a superar seus problemas. Gradualmente tomou consciência de
que,
142 Otto F. Kernberg
embora esperasse que eu não sofresse do mesmo problema que ele, a ideia de que eu pudesse ter
um bom relacionamento conjugal o enchia de um sentimento de inferioridade e humilhação. Ele
então começou a tolerar sentimentos conscientes de inveja de mim.
A tolerância cada vez maior dessa inveja mudou seu relacionamento na transferência para um
relacionamento semelhante ao que tinha com outros amigos do sexo masculino, com quem ele
vivenciava um relacionamento "somente para homens" de honestidade e comprometimento, em
contraste com a suposição de que as mulheres precisavam ser usadas sexualmente e logo
abandonadas (pois de outra forma elas tornar-se-iam exploradoras e controladoras). Fantasias
homossexuais, na transferência, refletiam agora seu sentimento de que apenas os homens
mereciam confiança, e emergiu um quadro de mulheres agressivas e exploradoras. Depois disso,
uma nova tendência a comparar-se comigo assumiu a forma de fantasias nas quais eu tinha filhos
para os quais era um pai generoso e protetor, enquanto ele corria o risco de jamais ter filhos.
Pela primeira vez, reviveu emocionalmente aspectos de seu passado, com lembranças das
frequentes brigas entre seus pais, seu sentimento de que eles estavam sempre descofiando um do
outro e suas muitas tentativas inúteis para servir de mediador. As duas irmãs mais velhas do Sr.
M. haviam desistido há muito tempo de manter relacionamento com os pais. Era o Sr. M.
quem continuava a atender às necessidades dos pais, tentando acomodar suas disputas, e
envolvendo-se em violentas trocas e acusações verbais que aconteciam entre os três.
O Sr. M. transmitia a impressão de que nenhum de seus pais jamais tivera a capacidade, ou
talvez inclusive a intenção, de interessar-se por ele. Sua atitude inicial de bravata e depreciação
das pessoas que estavam envolvidas em conversas "psicológicas" vazias, mudou agora para uma
crescente consciência da frustração de suas necessidades, na infância e na adolescência, de ser
ouvido e respeitado. Ficou evidente que desconfiara desde o início, que eu queria que ele casasse,
para que eu pudesse demonstrar minha superioridade como terapeuta; jamais acreditara que o
propósito do tratamento fosse o de ajudá-lo a achar suas próprias soluções, em vez de impor as
minhas.
Neste contexto, aconteceu o seguinte: o Sr. M. começou a interessar-se cada vez mais por
uma jovem arquiteta cujo comportamento era tema de comentários irónicos no seu círculo
profissional, mas com quem ele estabelecera um relacionamento sexual que achava muito
gratificante.
Descreveu a Srta. F. como agressiva, taciturna, arbitrária em suas expectativas e exigências,
e tão abertamente controladora e manipuladora que ele podia ter certeza de que ela não estava
tentando explorá-lo. Nos meses seguintes, o comportamento da Srta. F. em relação a ele, e a atitude
passada da mãe do Sr. M., pareciam coincidir de maneiras estranhas. O Sr. M. insistia em que não
amava a Srta.F., e lhe dizia abertamente que nada sentia por ela além da enorme satisfação com o
relacionamento sexual deles. A Srta. F. parecia tolerar as suas declarações de indiferença, a um
ponto que despertou em minha mente (mas não na do Sr. M.) a dúvida se-
Psicopatologia das Relações Amorosas 143
guinte: ela estaria sendo masoquista ou calculista? Meus esforços para interpretar, na transferência,
como o Sr. M. poderia estar se defendendo contra preocupações semelhantes sobra a Srta. F., fê-lo
perceber gradualmente não só como gostava da natureza sádica como tratava a Srta. F. (e da
tolerância dela por isto) como também o quanto ele achava que, mesmo se ela estivesse tentando
manipulá-lo, o fato de ele se sentir tão no controle do relacionamento deles lhe dava um grande
sentimento de excitação.
Um novo tema então emergiu no tratamento: a fantasia do Sr. M. de que se ele realmente
quisesse casar-se novamente ter filhos, isso seria o início da velhice e da morte; somente uma
existência de playboy, com sexo descuidado e ausência de responsabilidades, garantia a eterna
juventude. Agora, sua maneira adolescente de apresentar-se na sessão (um estilo de roupas e
maneiras excessivamente "juvenil" e quase inadequado) tornou-se o assunto do exame analítico,
em que apareceu como um esforço protetor para evitar o sentimento de condenação e morte
associado à ideia da idade adulta. Conforme revelado por uma série de sonhos, cristalizou-se em
sua mente uma fantasia de que ele poderia ter filhos com mulheres casadas com outras pessoas,
ou que, após divorciar-se dele, lhe permitissem apenas contatos casuais com seus filhos. Num
dos sonhos, o Sr. M. via a si mesmo morando num apartamento no edifício em frente ao de
uma antiga namorada, e através da rua ele conseguia observar, das janelas, um filho seu crescendo
ao longo dos anos.
Uma condensação do seu medo de mulheres agressivas, frustrantes, dominadoras e
manipuladoras, por um lado, e de sair-se melhor do que seu pai distante, indiferente e dominado
pela mulher (e um desespero relacionado por ser ou não capaz de competir comigo, como versão
idealizada do modelo de pai inacessível), impregnava agora as sessões. Numa súbita atuação, o
Sr. M. decidiu casar-se com a Srta. F, Logo depois do casamento ela engravidou. O relacionamento
com ela continuou a ser tumultuado e caótico, mas agora, pela primeira vez em sua vida, estava
totalmente engajado neste relacionamento, sem sentir as pressões internas para ter casos sexuais
com outras mulheres. Ele mesmo estava surpreso com esse desenvolvimento e,
retrospectivamente, percebeu que uma de suas fantasias fora a de envolver-se, mais uma vez,
num casamento infeliz e fracassado, que poderia então colocar diante de mim a fim de confirmar
o fracasso de nosso trabalho analítico — e o meu fracasso como pai edípico. Ao mesmo tempo,
contudo, também havia uma ousadia edípica, competitiva, de ter um filho, ainda que encerrada
no contexto de um casamento muito parecido com o dos seus pais.
O que chamava mais a atenção no seu relacionamento com a esposa era que o Sr. M., que
originalmente a tratava de maneira depreciativa e aviltante, tornou-se agora estranhamente
submisso a ela (embora desconfiasse que quisesse divorciar-se dele para obter o controle de parte
de seus bens). O próprio Sr. M. estava impressionado ao ver que ele, umplayboy anteriormente
independente, feliz e bem-sucedido, pudesse agora estar sob um tal controle de uma mulher que
seus amigos percebiam como agressiva e imagura. O Sr. M., em resumo, conseguira reproduzir
144 Otto F. Kernberg
o relacionamento entre seu pai e sua mãe, e passara de uma promiscuidade sexual
para um relacionamento sadomasoquista, que continuava a ser sexualmente grati-
ficante e afetivamente investido.
Em suas sessões analíticas, o Sr. M. ficou surpreso com essa mudança, e gra-
dualmente tomou consciência de que se pensasse que sua mulher realmente o
amava, ele estaria disposto a confiar nela e dedicar sua vida a ela. A combinação da
culpa edípica (estabelecer um relacionamento com uma mulher que fosse mais
satisfatório do que com os pais), com a culpa por impulsos sádicos primitivos em
relação a uma mãe frustrante e inacessível, tornou-se agora o principal assunto das
horas analíticas.
Em resumo, era como se o controle sádico e onipotente no seu comportamento
em relação às mulheres tivesse mudado, e estivesse dando agora encerrado por
sua mulher, enquanto sua regressão a uma dependência infantil, prolongada, ti-
vesse substituído sua própria indiferença narcisista. O comportamento dominador
que sua mulher evidenciara antes do casamento aumentara muito, inconsciente-
mente alimentado pelo comportamento provocador dele, induzido através da iden-
tificação projetiva de uma réplica de sua mãe "para dentro" dela.
homem famoso para outro; outras, entretanto, acham que ser o poder por trás do
trono gratifica as necessidades narcisistas e compensa a inveja inconsciente dos
homens. Enquanto a promiscuidade sexual nos homens é largamente do tipo nar-
cisista, a promiscuidade sexual nas mulheres pode ter origem narcisista ou maso-
quista.
As mulheres narcisistas podem também expressar sua patologia em seu rela-
cionamento com os filhos. Algumas manifestam pouca disposição para ter filhos
porque têm medo da dependência de uma criança, que elas sentiriam inconscien-
temente como vorazmente exploradora e restritiva. Outras amam os filhos enquanto
eles são totalmente dependentes—isto é, enquanto eles constituem uma extensão
narcisista do corpo ou da personalidade da mãe. Ou o foco da mãe nos filhos está
em certos aspectos que são incomumente atraentes como uma fonte de admiração
de terceiros, mas mostrando muito pouco interesse pela vida interior dos filhos.
Essa mãe favorece a transmissão da patologia narcisista de uma geração para ou-
tra. Os homens podem apresentar a mesma relutância em ter filhos, uma incapaci-
dade de investir neles, uma profunda indiferença em relação aos filhos, exceto
quando eles gratificam as suas próprias necessidades: a tradicional sociedade pa-
triarcal, ao diferenciar nitidamente os papéis de pai e mãe, obscureceu a patologia
no relacionamento dos homens narcisistas com seus filhos. Na medida em que eles
deixam o cuidado dos filhos para a esposa, sua falta de investimento nas crianças
f iça mascarada.
Um outro sintoma narcisista significativo é a ausência da capacidade para o
ciúme, que frequentemente reflete a incapacidade de comprometer-se suficiente-
mente com alguém, tornando, assim, irrelevante a infidelidade. A ausência do
ciúme também pode refletir uma fantasia inconsciente de ser tão superior a todos
os rivais, que a infidelidade do parceiro é inimaginável.
Paradoxalmente, contudo, o ciúme pode emergir após o fato: um forte ciúme
pode refletir a lesão narcisista que o paciente narcisista pode experimentar, quando
trocado por uma outra pessoa. O ciúme narcisista é particularmente surpreenden-
te, já que o parceiro era tratado antes com negligência ou desprezo. Os tipos narci-
sistas de ciúme podem, ao desencadear a agressão, piorar o relacionamento já em
perigo. Ao mesmo tempo, entretanto, eles também podem refletir a capacidade
para investimento afetivo no outro, e para a entrada no mundo edípico. Conforme
Klein (1957), enquanto a inveja é típica da agressão pré-edípica, particularmente a
oral, o ciúme domina a agressão edípica. O ciúme, oriundo de uma traição real ou
fantasiada, pode desencadear desejos de vingança e frequentemente assume a for-
ma de uma triangulação inversa: o desejo, inconsciente ou consciente, de ser o
objeto de alguma com petição entre duas pessoas do outro género.
Ao selecionar um parceiro, as personalidades narcisistas são prejudicadas
por sua incapacidade de avaliar em profundidade uma outra pessoa. Este déficit
resulta numa combinação possivelmente perigosa: as qualidades "ideais" do par-
ceiro podem ser desvalorizadas em virtude da inveja inconsciente, enquanto a
realidade da personalidade do parceiro pode ser vivenciada como uma invasão,
Psicopatologia das Relações Amorosas 151
sua vida social, profissional e pessoal, ela descobriu-se em paz consigo mesma,
pela primeira vez em sua vida. Sua total dedicação ao filho refletia tanto um inves-
timento narcísico na criança, quanto o que poderia ser chamado de uma capitula-
ção altruísta, com implicações masoquistas. Essa condensação de características
narcisistas e masoquistas num auto-sacrifício, também influenciou sua relação com
outras pessoas importantes de sua vida e levou-a a revisar radicalmente sua atitu-
de em relação aos homens. Com isto, também libertou-se da necessidade de man-
ter uma visão idealizada de si mesma como base para a regulação de sua auto-
estima. Após a morte do filho, conseguiu empenhar-se, pela primeira vez, num
relacionamento com um homem, caracterizado por mutualidade e compromisso.
Às vezes, a seleção de um parceiro inclui esforços para curar a patologia do
indivíduo. Inconscientemente, um homem com um auto-engrandecimento narcísico,
uma desvalorização cínica de compromissos com valores éticos, e a convicção de
que o mundo é hedonista e egoísta, pode escolher uma mulher com características
opostas, de um profundo comprometimento ético e uma significativa apreciação
desses valores nas outras pessoas. Ao ser atraído por essa mulher e tentado a pisotear
seus valores, como parte de uma compulsão à repetição de seus conflitos narcísicos,
ele também pode estar encerrando a esperança inconsciente de que ela afinal triun-
fe moralmente sobre o cinismo dele. Portanto, os esforços de cura podem desenvol-
ver-se tanto na esfera dos sistemas de ideal de ego do casal quanto na dos conflitos
passados inconscientes.
C a p í t u l o 11
Sexualidade da Latência,
Processos de Grupo e
Convencionalidade
156
PstcopatoZogia das Relações Amorosas 157
O Casal e o Grupo
Descrevi anteriormente (Kernberg, 1980b) as
contribuições psicanalíticas que explicam os relacionamentos
entre os indivíduos, casais e grupos. Freud (1921) descreveu
a regressão que ocorre nos grupos e a idealização do líder, que
tem suas raízes na situação edípica. Bion (1961) descreveu a
regressão que ocorre nos grupos pequenos e propôs que os
membros operam de acordo com certas suposições básicas —
os pressupostos de fuga-luta e dependência (de origem pré-
edípica) e o pressuposto do acasalamento (de origem
edípica). Rice (1965) e Turquet (1975) estudaram grupos
maiores, e descobriram que a perda do senso de identidade
caracterizava os seus membros, assim como o medo da
agressão e de perder o controle.
Em geral, todos os grupos não-estruturados (não-
estruturados no sentido de não estarem organizados em
torno de alguma tarefa) estimulam um senso de moralidade
regressivo e restritivo. Este tipo de moralidade é
característica das redes sociais — os pequenos grupos e
comunidades sociais dentro dos quais os indivíduos ainda
se comunicam uns com os outros, mas não são íntimos,
nem necessariamente mantêm relações pessoais entre si. O
estabelecimento de alguns valores básicos comuns nessas
condições sociais não-estruturadas, assim como as "
ideologias" transicionais que se desenvolvem em grupos
pequenos e grandes, são notavelmente semelhantes às
características da psicologia de massa em geral, isto é, as
características psicológicas das reações dos indivíduos quando
eles se sentem como pertencendo temporariamente a um
grande grupo ou a uma massa impessoal.
Sugeri, num trabalho anterior (1980b), que nessas
condições os membros tendem a projetar componentes do
superego infantil sobre o grupo, estabelecendo um consenso
inconscientemente compartilhado em relação a alguns valores
básicos. Esses valores protegem o grupo contra a emergência
da agressão primitiva, protegem o casal contra o ataque ou
invasão do grupo, e implicam num controle do grupo sobre
a privacidade do casal que expressa o ressentimento e a
inveja que o grupo tem do casal, assim como uma defesa
contra essa inveja por meio do exercício do controle sobre o
casal. Esses valores comumente partilhados, inconsciente-
mente projetados e intuitivamente reconhecidos constituem
uma moralidade muito diferente dos valores morais segundo os
quais cada membro do grupo opera como um indivíduo.
Proponho que esta moralidade, que chamo de
moralidade convencional, é surpreendentemente semelhante à
moralidade das crianças na fase da latência, isto é, após o auge
do complexo de Édipo, entre os 4 e 6 anos de idade, e
estendendo-se até à puberdade e adolescência. Este período
desenvolvimental testemunha, como parte da evolução do
superego, a construção de um sistema moral que é altamente
dependente da necessidade de adaptar-se ao sistema social da
escola e do mundo adulto em geral, e ao mesmo tempo
proteger as relações de ternura com os pais dos conflitos
sexuais e agressivos do estágio edípico. A psicologia da
latência inclui a
158 Oito F. Kernberg
mado de geografia do corpo humano, a projeção no corpo humano dos ideais de beleza, a
identificação dose//com a natureza, através do corpo, e a transcendência assim como a natureza
transitória da beleza humana são elementos centrais da arte erótica.
A arte erótica também é caracterizada pelaambiguidade. Ela oferece múltiplos significados em
potencial na relação dos amantes, aponta para a reciprocidade de todos os relacionamentos, e,
implicitamente, para a qualidade polimorf a perversa da sexualidade infantil, assim como a
ambivalência das relações humanas. Esta ambiguidade amplia o espaço da fantasia primitiva
inconsciente, que é ativada em qualquer relacionamento erótico, e contribui fundamentalmente para a
tensão erótica.
E a arte erótica representa um rompimento da atitude convencional restritiva em relação à sexualidade,
já descrita, e revela uma experiência erótica que simbolicamente também representa uma moldura implícita
de valores éticos e responsabilidade. O erótico na arte é descrito como um aspecto sério e maduro dos
valores humanos, símbolo de um ideal do ego adulto que elimina as proibições infantis e as limitações
convencionais da sexualidade.
A arte erótica também contém umadimensão romântica: uma idealização implícita dos amantes que se
rebelam contra as restrições da convencionalidade e contra a degradação da sexualidade presente
na analização, desvalorização e desumanização do erótico que caracteriza os fenómenos do grande
grupo (e que é encontrada na psicologia da pornografia). O aspecto romântico do erótico também implica
na simultânea combinação da fusão ideal no amor, com uma asserção de autonomia por parte dos
amantes.
Finalmente, a arte erótica enfatiza a qualidade individualizada do objeto erótico: ela transmite
tipicamente umelemento "insaturado" de segredo, privacidade e, ainda assim, uma potencial "ausência de
vergonha". A abertura ou "nudez" do objeto erótico, todavia, se torna impenetrável por um elemento de
distância que permanece como um componente estranhamente frustrante dos trabalhos bem-sucedidos
dessa arte. A arte erótica "contém-se a si mesma", no sentido de despertar um anseio irrealizável no
espectador, ela não pode ser totalmente assimilada e possui um elemento intangível que interfere com a
capacidade do observador de se identificar totalmente com ela. Além disso, a cena primária (a intimidade
sexual abertamente retratada) está estranhamente protegida por aquele aspecto autocrítico da obra de
arte, de modo que a integração da ternura e do erótico, do claramente físico e sensual com o ideal
impalpável ou romântico, mantém uma lacuna insuperável entre a obra de arte e o observador.
Essas características gerais da arte erótica podem estar expressadas na escultura, pintura, literatura,
música, dança e teatro, mas talvez em meio nenhum tão claramente como nos filmes. Que o filme é um
meio óbvio para a arte convencional, que reflete a cultura de massa, talvez seja evidente, e esta
função inclui a convencionalidade em sua expressão do erótico. Dado o poder de proximidade das
imagens visuais do filme, ele tem um potencial especial como meio para a expres-
162 Otto F. Kernberg
são do erotismo, que não pode ser dissociado da capacidade do filme de expressar simultaneamente a
contrapartida da arte erótica: o assunto cindido, convencionalmente tabu, da sexualidade genital e da
sexualidade polimorfa perversa, infantil, pré-genital, em sua forma de pornografia despersonalizada e
analizada. De fato, o poder especial do filme como meio para a expressão do erótico, nos encoraja a
comparar os filmes convencionais, dos filmes de arte erótica e dos filmes pornográficos.
O filme permite ao espectador realizar, na fantasia, a invasão da cena primária. Com sua poderosa
proximidade visual, seu potencial para isolar, engrandecer e dissociar a representação dos genitais e
partes do corpo e de seu entrelaçamento, ele fornece um canal para a idealização e para a fetichização do
corpo humano. As propriedades visuais e auditivas do filme permitam ao espectador invadir o segredo e
a privacidade do casal edípico, uma invasão sádica e voyeurista assim como sua implícita
contrapartida, a gratificação pela projeção dos impulsos exibicionistas e masoquistas, e a gratificação dos
aspectos homossexuais e heterossexuais vinculados a essas realizações voyeuristas e exibicionistas.
Ao mesmo tempo, na medida em que o filme permite transcender os marcos de tempo e espaço
que ordinariamente controlam a exibição do comportamento sexual, e que permite a observação direta
e/ou participação, com outros casais, em sexo grupai, permite também uma arbitrária aceleração,
desaceleração e distorção da experiência visual, que ressoa fortemente com a natureza da fantasia
inconsciente. A exibição do erótico no filme atravessa as barreiras da vergonha e, por representar
simultaneamente todos os componentes da sexualidade edípica e pré-edípica, oferece um estímulo
potencial para uma intensa excitação erótica.
Uma vez que o filme é o meio mais efetivo para transmitir a cultura de massa, particularmente
quando projetado para uma audiência reunida em grupo, ele ati-va nos espectadores a disposição para a
psicologia de massa o elemento erótico no filme, desafia a convencionalidade tolerável. Em virtude da
intolerância ao erótico como parte da psicologia de massa (com a exceção daqueles que se reúnem
explicitamente para assistir a filmes pornográficos), o erótico no filme cria um choque na audiência
convencional. O erótico no filme ameaça, pela proximidade de suas imagens visuais, as próprias
fronteiras do convencional.
Examinemos este choque. Para a audiência, a observação de um casal tendo relações sexuais ativa
proibições antigas contra a invasão do casal edípico, e a excitação suprimida ou reprimida associada a
esta invasão. O que a audiência está vendo implica em desafiar o superego infantil e o superego
convencional da latência. A excitação sexual induzida, particularmente naqueles que toleram a
capacidade para excitar-se sexualmente com estímulos visuais (obviamente, os espectadores com
severas inibições sexuais reagirão com repugnância e nojo), pode ser vivenciada como um ataque a valores
profundamente enraizados.
O choque é exacerbado porque o filme de arte foi construído para facilitar a identificação do
espectador com os protagonistas (que representam inconscientemente o casal parental). A violação
inicial de um tabu é então acompanhada por
Psicopatologia das Relações Amorosas 163
O Filme Pornográfico
Vamos examinar agora os aspectos estruturais da pornografia nos filmes. No filme pornográfico
típico — assim como na literatura pornográfica típica—existe uma ausência radical das funções do
superego. As histórias enfatizam a fácil expressão da sexualidade; a vergonha é abolida. Uma vê/
aceita a ruptura dos valores convencionais e particularmente dos valores individuais, a liberdade em
relação ao julgamento moral reproduz a liberdade excitante e liberadora em relação à
responsabilidade pessoal, que Freud descreveu nas massas. O espectador se identifica com atividades
sexuais e não com relações humanas. A falta de ambiguidade e a ausência de significado na
narrativa (que não permite o desenvolvimento de nenhuma outra fantasia a respeito da vida
interna dos protagonistas) contribui para a mecanização do sexo.
A desumanização do relacionamento sexual conforme costuma ser transmitida no filme
pornográfico ativa, no espectador, particularmente quando ele o está assistindo em grupo, sentimentos
sexuais infantis perversos polimorfos dissociados da ternura. Isto inclui os aspectos agressivos da
sexualidade pré-genital, uma degradação feticista do casal na intimidade sexual, como se fossem
uma coleção de partes corporais excitantes, e uma implícita destruição agressiva da cena primária em
componentes sexuais isolados. Aqui, em resumo, ocorre uma perversa decomposição do erótico, que
tende a destruir o vínculo do erótico com o estético, assim como a idealização do amor apaixonado.
Na medida em que o filme pornográfico desafia diametralmente a moralidade convencional, e de
fato expressa uma profunda agressão à convencionalidade, ele também tem um valor de choque.
Mas mesmo quando procurada para facilitar a excitação sexual em níveis primitivos da experiência
emocional, a pornografia rapidamente se torna aborrecida e chata. A razão é que a dissociação entre
o comportamento sexual e a complexidade da relação emocional do casal despoja a sexualidade de
suas implicações pré-edípicas e edípicas; em resumo, ela mecaniza o sexo.
164 Otto F. Kernberg
experiência sexual, através de uma expressão dissociada da sexualidade genital, sob o impacto da
sexualidade infantil perversa polimorfa.
Assim, paradoxalmente, embora o filme pornográfico dê a impressão de ser diferente do filme
convencional, a absoluta dissociação dos aspectos sexuais e sensuais de um lado, e dos aspectos
ternos e idealizados do erotismo do outro, é a mesma encontrada no filme convencional. Existe
uma pornografia geral que corresponde a essas características, e uma pornografia altamente
especializada que atrai os indivíduos com uma perversão específica (ou parafilia), isto é, uma restri-
ção conflitualmente determinada de seu comportamento sexual a um componente infantil perverso
específico, que se torna obrigatório para a obtenção da excitação sexual e do orgasmo.
Examinei em outro trabalho (Kernberg, 1992) a psicodinâmica da perversão, e somente
enfatizaria aqui que esses filmes pornográficos especializados diferem significativamente do filme
pornográfico comum, no sentido de que seus participantes geralmente estão comprometidos com a
perversão particular descrita, o que dá ao filme uma qualidade de autenticidade emocional. Esses
filmes reintroduzem um elemento de individualização, uma "reumanização" dos atores, que
vivenciam o que poderíamos chamar de uma afirmação existencial pela realização do ato perverso
específico, que permite seu encontro com o erótico. Esse comprometimento poderoso e restrito
reintroduz uma qualidade de relacionamento objetal e, paradoxalmente, também um elemento de
superego primitivo, no sentido de que o ato perverso "deve" ser executado para permitir a
realização erótica. Este fator obrigatório torna possível que o espectador se identifique com o ator,
mas também é uma ameaça, porque carrega um forte apelo aos níveis mais profundos da sexu-
alidade pré-edípica e seus conflitos. Isso faz com que seja muito difícil que uma audiência comum
tolere tais filmes eróticos especializados. Conseqúentemente, estes filmes têm uma audiência
limitada, e podem provocar repugnância e nojo numa audiência comum, mesmo quando a pessoa
os assiste sozinha.
A dimensão estética do corpo humano proporciona um sólido potencial para a qualidade visual
do filme como um meio. Se um corpo, ou os corpos, de um casal em intimidade sexual,
correspondem aos corpos daqueles com quem nos identificamos em virtude de sua personalidade,
seu destino e sua psicologia, conforme explicado em detalhes na narrativa, a possibilidade de
identificação traz a integração da ternura com o erotismo em nossa fantasiada participação em sua
intimidade
Psicopatologia das Relações Amorosas 167
sexual, que pode refletir o amor apaixonado na sua mais intensa expressão. A relação emocional
entre os protagonistas que vivenciam um relacionamento erótico tem muitas facetas, ambiguidades e
uma qualidade geralmente insaturada que facilita a experiência de profundidade emocional no
espectador, e permite que este ative totalmente sua fantasia inconsciente e seus derivativos pré-
conscientes e conscientes, fazendo, do devaneio erótico, um importante aspecto da experiência hu-
mana.
A arte erótica apresenta um relacionamento humano em que o erotismo pode ser expressado
livre da convencionalidade comum, rompendo as estruturas convencionais, mas ao mesmo tempo
estabelecendo uma moldura pessoal, individualizada e madura dos valores compartilhados pelo
casal e um ideal do ego compartilhado pelo casal que também estimula a ativação do ego ideal dos
espectadores. O relacionamento erótico se torna a expressão do amor apaixonado, essencialmente
sério e exigente, e inclui uma dimensão romântica do relacionamento dos amantes que ressalta, ao
mesmo tempo, sua união e sua individualidade.
Os momentos de intimidade sexual retratados no filme erótico provocam no observador uma
sensação de excitação sexual, mas também de reticência e vergonha, precisamente porque a união
sexual transmite uma intimidade que envolve uma fragilidade exposta, e permite ao espectador
confrontar-se com seus próprios conflitos acerca da intimidade sexual, de uma maneira que
transcende a experiência comum. Mas, pela mesma razão, esta identificação ativa no espectador
uma separação, de um lado uma identificação com os atores e, de outro, admiração e respeito por
eles e pelo que representam, que mantêm a idealização da cena primária.
De uma estranha maneira, nossa capacidade para nos identificarmos com o casal apaixonado
no filme cria uma nova dimensão de privacidade que o protege, assim como ao espectador, e está
em contraste com a destruição da intimidade e privacidade do filme pornográfico. No filme de
arte, os elementos voyeuristas e exibicionistas da excitação sexual ativada por testemunharmos
uma intimidade sexual, os elementos sádicos e masoquistas dessa invasão, são contidos pela iden-
tificação com os personagens e seus valores. A audiência participa da cena primária, enquanto
inconscientemente assume a responsabilidade por manter a sua privacidade. E os elementos
agressivos da sexualidade infantil perversa polimorfa são integrados com a sexualidade edípica,
assim como a agressão com o erotismo. Isto é o oposto da deterioração do erótico sob o efeito da
dominância da agressão, que caracteriza a sexualidade em certas condições patológicas, da mesma
forma que na pornografia.
A arte erótica consegue uma síntese da sensualidade, profundidade de relações objetais e
sistemas de valores maduros, refletidos na capacidade do indivíduo e do casal para o amor
apaixonado e o mútuo compromisso.
168 Oito F. Kernberg
Ilustrações
The Breakfast Club (Hughes, 1985) era destinado a adolescentes e é um típico exemplo do que
chamei de filme convencional. Ele apresenta os conflitos e a rebelião adolescente na escola—suas
conversas sobre o sexo e comportamento sexual —e transmite a impressão de ser muito "aberto".
Um exame mais atento, contudo, revela que as cenas sexualmente explícitas entre os adolescentes
acontecem sem que os participantes tenham qualquer relação emocional ou são de natureza clara-
mente agressiva. Quando o protagonista, um adolescente anteriormente rebelde e que mais tarde
assume o papel do filho pródigo ou pecador arrependido, se apaixona pela protagonista,
desaparecem todas as referências à intimidade sexual.
O filme Fatal Attraction (Lyne, 1987), que teve um grande sucesso comercial, apresenta
exatamente a mesma estrutura. O marido de uma mulher maravilhosa, compreensiva, tem um caso
com outra mulher que a princípio parece muito atraente, mas que acaba se revelando muito doente,
automutiladora, exigente e por fim assassina. Após aterrorizar o amante, ameaçar a vida do marido
infiel (mas agora arrependido) e de sua família, ela finalmente é morta (em autodefesa) pela esposa.
À parte da moralidade convencional deste filme, em contraste com sua exibição da relação erótica
dos amantes, ele também evita retratar qualquer intimidade sexual entre o marido e a esposa.
Um outro exemplo de um filme convencional, Sex, Lies and Videotape (Soderbergh, 1989),
também um filme comercial de sucesso, com uma exploração da paixão sexual aparentemente
explícita, apresenta a intimidade sexual apenas entre pessoas que não estão apaixonadas umas pelas
outras; o único relacionamento apresentado (quase no final do filme) como autenticamente amoroso
é retratado sem qualquer intimidade sexual. A esposa de um advogado infiel (que tem um caso
com a irmã desta, retratada em termos negativos) é a heroína pura, inocente, frustrada, desapontada
e sexualmente inibida. Após contribuir para a salvação emocional de um jovem amigo
"contracultura" do marido (cuja "perversão" sexual consiste na impotência e numa coleção de
videoteipes contendo confissões sexuais e comportamentos sexuais femininos) a esposa do
advogado acaba num relacionamento amoroso com este amigo do marido, mas sem que qualquer
intimidade sexual seja retratada.
Em contraste com os filmes convencionais e pornográficos,My Night at Maud's, o clássico filme de
Eric Rohmer (1969), exemplifica o erotismo artisticamente retratado. A cena da noite do herói jovem e
obsessivo com a inteligente, cálida, independente e orgulhosa Maud, representa a culminação do
erótico neste filme. O herói é tímido e está apaixonado — por uma jovem que ele viu apenas à
distância, na igreja. Um amigo o apresenta à Maud, uma mulher que recém emergiu de um caso de
amor doloroso, com um final trágico, e que fica atraída e divertida com a rigidez e timidez do nosso
herói. Maud, ao oferecer-lhe a chance de passar uma noite com ela, invade suas reservas morais; ele
luta consigo mesmo e a rejeita, o que fere o orgulho dela. Quando, finalmente, ele está disposto a
aceitar, ela o rejeita, dizendo-
Psicopatologia das Relações Amorosas 169
lhe que gosta de homens que tenham capacidade de decisão. A sutileza da interação entre os dois
personagens e da qualidade erótica de seu relacionamento, e a capacidade do espectador de
identificar-se com ambos, são emocionantes.
Outra ilustração, o Last Tango in Paris, de Bertolucci (1974), que tornou-se um sucesso
comercial—provavelmente devido ao elenco—retrata o desenvolvimento da relação sexual entre os
dois personagens principais, desempenhados por Maria Schneider e Marlon Brando. Schneider está
insegura quanto a casar-se com um jovem diretor de filmes de quem está viva. Ela encontra Brando
num apartamento para alugar, um local potencialmente bonito mas em estado precário. Brando, cuja
esposa, proprietária de um hotelbarato, acabou da cometer suicídio, está num luto profundo,
complicado pela raiva por ela tê-lo traído com um outro homem, que vivia no mesmo hotel. Ao
iniciar um relacionamento com Schneider, uma mulher muito mais jovem, ele tenta negar e superar o
passado recente, estabelecendo com ela um relacionamento no qual ambos concordam nada
dizerem ao outro, nem mesmo seus nomes. Uma relação sexual que vai se aprofundando, em que o
amor e a agressão se misturam, reflete este luto, a idealização, o sentimento de perda e a agressão que
emerge como parte desse esforço para alcançá-la. Schneider, apesar de sua reação assustada ao
sadismo dele, fica tocada e estimulada por este estranho americano em Paris, e o filme lida com a
tentativa, sem sucesso, de manterem e desenvolverem este relacionamento e seu trágico final. A
combinação de amor sexual, relações objetais entrelaçadas e profundos conflitos de valores
descreve a complexa natureza da paixão humana e proporciona uma qualidade intensamente erótica
ao filme.
Por fim, o recente filme de Greenway (1990), The Coook, The Thief, His Wifeand Her Lover oferece
uma poderosa descrição de uma relação erótica como uma tentativa de escapar de um mundo
controlado por um sádico tirano. Uma relação sexual proibida e perigosa, evolui lentamente a partir
de um encontro inicial casual. O fato de os amantes serem de meia-idade intensifica o apelo de
sua busca de uma vida nova, significativa, em seu amor.
O filme integra um mundo simbólico de significados orais, anais e genitais, e uma
superestrutura de um mundo totalitário que transforma todas as relações humanas num mundo
de excremento e violência. A ação corre na elegante sala de jantar de um restaurante exclusivo, em
que o tirano e seus seguidores quebram todas as regras das relações humanas comuns. Além da
sala de jantar, existe um mundo "oral" representado pelo cozinheiro e seus ajudantes, em que a
cultura e a civilização são preservadas pela preparação ritualizada do alimento e pela música de
fundo da voz angelical de um menino, ajudante de cozinha. Fora da imensa cozinha está a rua
"anal", em que uma fumaça venenosa, cães selvagens e pessoas miseráveis dividem a nossa atenção.
Os amantes, tentando escapar dos olhos vigilantes do tirano, num espaço escondido da
cozinha, são eventualmente forçados a fugir, nus, para um caminhão de lixo cheio de carne
estragada. Eles emergem dessa provação no refúgio representado pela biblioteca, da qual o herói é o
zelador, e o relacionamento dos amantes
170 Otto F. Kernberg
é cimentado, pelo menos temporariamente, por um banho que os liberta do mundo anal do qual
escaparam.
Os maus-tratos que o tirano inflige às mulheres, seu profundo ódio pelo conhecimento e
intelecto, a intolerância em relação à vida amorosa privada e livre do casal, tudo isso é reunido numa
dramática celebração do amor, cuja qualidade erótica nos toca por sua própria fragilidade e pelas
forças poderosas contra as quais ela precisa afirmar-se.
Os relacionamentos entre o filme convencional, o filme pornográfico e a arte erótica no filme,
refletem as dinâmicas que envolvem o grupo, a cultura convencional e o casal apaixonado. O casal é
sempre, num sentido profundo, associai, secreto, privado e rebelde, e um desafio ao amor e à
sexualidade convencionalmente tolerados. Enquanto a moralidade convencional oscila, ao longo
da história, pelo menos na civilização ocidental, entre períodos de puritanismo e libertinagem, a
oposição implícita entre o casal e o grupo, entre a moralidade privada e a convenção cultural,
permanece constante. Tanto o puritanismo quanto a libertinagem refletem a ambivalência
convencional em relação ao casal sexual, e essas oscilações históricas se refletem, nesse momento,
na presença simultânea da cultura convencional de massa e o kitsch, num extremo, e na pornografia,
no outro. Poderíamos dizer que apenas o casal maduro e a arte erótica são capazes de sustentar e
preservar o amor apaixonado. A convencionalidade e a pornografia são aliados inconscientes em sua
intolerância ao amor apaixonado.
C a p í t u l o 12
171
172 Otto F. Kernberg
nas e românticas com o outro género, contrasta com o desenvolvimento típico das jovens
adolescentes do sexo feminino. A franca aceitação ideal e romantizada, por parte da menina, dos
objetos masculinos admirados, acompanha de perto os impulsos "secretos" e privados dos seus
desejos genitais.
Uma tarefa crucial na segunda metade da adolescência é desenvolver a capacidade para a
intimidade sexual; para conseguir isso, a intimidade do casal tem de ser estabelecida em oposição aos
costumes e valores sexuais convencionais do grupo social no qual o casal evoluiu. Como parte desse
processo, o casal precisa, mais cedo ou mais tarde, opor-se aos valores convencionais não apenas do
mundo adulto mas também de seu próprio grupo de iguais. Nesse momento, o relacionamento entre
a cultura do grupo no final da adolescência e a cultura convencional do mundo adulto se torna
importante. Em épocas de relativa estabilidade social, em ambientes sociais relativamente
homogéneos, a cultura do grupo adolescente e a do mundo adulto podem estar em harmonia e
permitir uma transição relativamente fácil, para os casos recém-formados. Nestas circunstâncias, a
aderência aos valores adolescentes e a gradual liberação em relação a esses valores, mais a aderência
aos valores do mundo adulto sem uma incorporação excessivamente rígida da
convencionalidade, são tarefas relativamente fáceis.
Mas quando existem nítidas discrepâncias entre os costumes dos grupos em final de
adolescência e o mundo adulto circundante (por exemplo, quando esses grupos adolescentes
pertencem a subculturas desprivilegiadas ou são parte de uma sociedade que está vivenciando
conflitos sociais e políticos agudos e divisivos), a formação do grupo adolescente tardio pode ser
reforçada pela rígida aderência a uma ideologia relacionada posições ideológicas extremas no mundo
adulto que os cerca. Por exemplo, as pressões sociais a favor ou contra a "correção política" nos
campos universitários, ou as atitudes em relação a drogas, feminismo, homossexualidade, etc., podem
acentuar os processos de grupo regressivos do final da adolescência, e tornar mais difícil a
possibilidade de um casal estabelecer o seu próprio espaço. Da mesma forma, pode ser muito mais
difícil escapar da tirania de um grupo anti-social de uma minoria social desprivilegiada.
Além disso, são especialmente os adolescentes com grave patologia de cará-ter e difusão de
identidade, que talvez precisem aderir rigidamente aos valores do grupo adolescente, em
substituição a uma estrutura intrapsíquica que estimule a autonomia e o desenvolvimento de um
casal maduro. A respeito disso, é bom examinar a extensão em que um par de adolescentes
apaixonados é capaz de man-ter-se independente das pressões do grupo circundante. Por exemplo,
durante a contracultura hippie dos anos 60, a liberdade sexual irrestrita era a ideologia do grupo
adolescente. Muitos adolescentes, na época, mascararam uma severa inibição sexual e a
psicopatologia relacionada, por meio de uma "liberação sexual" superficial que refletia uma falta
de diferenciação do casal em relação aos valores convencionais prevalentes, de seu grupo de iguais.
A aparente liberdade e o comportamento sexual casual dos hippies adolescentes, frequentemente
mascarava uma patologia histérica, masoquista e narcisista. Novamente, em alguns campos uni-
Psicopafologia das Relações Amorosas 175
tarefas da vida adulta, o que dá tempo para o amor sexual se desenvolver com os anos.
A total identificação com os papéis geradores do casal parental se consolida com o
desejo de ter um filho com a pessoa amada: esta capacidade emerge primeiro no final da
adolescência, e amadurece na idade adulta. Como uma aspiração consciente, é mais
um aspecto do amor sexual maduro. Sua inibição num casal adulto pode significar
conflitos masoquistas significativos, especialmente narcísicos. É óbvio que tal
aspiração deve ser diferenciada da aceitação casual e irresponsável das gravideses
indesejadas.
Em outras palavras, as relações amorosas adolescentes podem tornar-se sólidas e
profundas, mas para que se tornem estáveis são necessárias algumas características na
personalidade dos adolescentes que levam tempo para se desenvolver, e os resultados
não podem ser preditos nem pelo adolescente nem pelo analista. O comprometimento
de um casal que começa na adolescência permanecerá incerto, como uma aventura.
Até certo ponto, isso também é verdade para o casal adulto maduro.
Para o psicoterapeuta que trabalha com adolescentes, convém lembrar que há
uma busca normal, específica para a fase, de um caminho "romântico" para a
intimidade sexual, dentro de um relacionamento pleno e intensivo. Se este caminho
não for bem atravessado na adolescência, ele permanecerá como uma exigência não-
preenchida que comprometerá o sucesso dos futuros relacionamentos, o que torna
esta área crucial para experiência humana (os terapeutas de adolescentes precisam
contestar aqueles que a descartam como sem importância).
ceiros. Assim, o casal num relacionamento amoroso está em oposição ao grupo mas
precisa dele para sobreviver. Ainda mais frequente, uma grave psicopatologia em um
ou ambos parceiros, pode desencadear a ativação de relações objetais
internalizadas reprimidas ou dissociadas, conflituosas, que são reencenadas pelo casal
através de um vivenciar projetivo do pior do passado inconsciente, da ruptura da união
do casal, e o retorno de ambos os participantes ao grupo como um todo, numa busca
final e desesperada de liberdade individual. Em circunstâncias menos sérias, os
esforços inconscientes de um ou ambos os parceiros para que o casal se misture ou se
dissolva no grupo como um todo, particularmente rompendo a barreira da
exclusividade sexual, pode ser uma tentativa de preservar a existência do casal mas
com o risco de invasão e deterioração de sua intimidade.
Relacionamentos triangulares estáveis, além de reencerrar vários aspectos de
conflitos edípicos não-resolvidos, representam essa invasão do casal pelo grupo. O
colapso crónico da intimidade sexual—por exemplo, num "casamento aberto" —
representa uma destruição mais grave do casal. O sexo grupai é uma forma extrema de
dissolução do casal no grupo circundante, ao mesmo tempo em que preserva de muitas
maneiras a estabilidade convencional do casal. Normalmente, depois disso, apenas um
passo os separa da completa destruição.
Em resumo, ao rebelar-se contra o grupo, o casal estabelece sua identidade, sua
liberdade em relação à convenção, e o início de sua jornada como casal. A
dissolução no grupo representa o refúgio final de liberdade para os sobreviventes de
um casal que se destruiu. Estou empregando o termo "grupo" de modo amplo,
referindo-me à rede informal de relações sociais e familiares mais próximas, as quais
constituem o ambiente social do casal adulto e, frequentemente, o ponto de origem—
assim como a potencial dissolução — do casal. O grupo social dos casais da mesma
geração, é o grupo típico que estou discutindo.
O amor romântico é o início do amor sexual, caracterizado pela idealização
normal do parceiro sexual, a experiência de transcendência no contexto da paixão
sexual, e a liberação em relação ao grupo social circundante. A rebelião contra o
grupo começa na adolescência tardia, mas não termina aí. O relacionamento ro-
mântico do casal é uma característica permanente. Na verdade, acredito que a
tradicional separação entre o "amor romântico" e a "afeição conjugal" reflete o
conflito entre o grupo e o casal, a saber, a desconfiança que o grupo social mantém dos
relacionamentos envolvendo amor e sexo, que escapam ao seu controle total. Ela
também reflete a negação da agressão no relacionamento do casal, o que
frequentemente transforma uma profunda relação de amor numa relação cruel.
Vejo um relacionamento embutido, complexo e predestinado entre o casal e o
grupo. Já que a criatividade do casal depende do satisfatório estabelecimento de sua
autonomia dentro do ambiente grupai, ela não escapa de suas relações com o grupo. E
porque o casal reencena e mantém a esperança do grupo de união sexual e amor, em
face da potencial destrutividade ativada pelos processos grupais, o grupo precisa do
casal. No entanto, o casal não pode escapar das fontes internas de
178 Otto F. Kernberg ______
hostilidade e inveja do grupo em relação ao casal, derivadas da união feliz e secreta dos
pais e da profunda culpa inconsciente pelos anseios edípicos proibidos.
Um casal estável, formado por um homem e uma mulher que ousam superar as
proibições edípicas contra unir o sexo e a ternura, se separa dos mitos coletivos que
infiltram a sexualidade do grupo social em que seu relacionamento como casal evoluiu.
Os processos de grupo envolvendo a sexualidade e o amor são vistos com a máxima
intensidade na adolescência, mas continuam de maneiras mais sutis nos
relacionamentos dos casais adultos. Existe uma excitação constante no grupo informal
referente à vida privada dos casais que o constituem. Ao mesmo tempo o casal é
tentado a expressar sua raiva através do comportamento agressivo em relação um ao
outro, diante na relativa intimidade de estar com amigos próximos. Incapaz de conter a
agressão na privacidade de seu relacionamento, o casal pode usar o grupo como um
canal para descarregá-la e como um teatro no qual exibi-la. O fato de alguns casais que
brigam cronicamente em público terem um relacionamento profundo e duradouro
não deveria ser uma surpresa. O perigo, maravilhosamente ilustrado na peça de Albee,
Who's Afraid of Virgínia Woolf?, é que a agressão seja expressada num grau tal que
destrua os remanescentes da intimidade do casal, particularmente seus laços sexuais,
e conduza à destruição de seu relacionamento. Os amigos no grupo social imediato,
que tentam ajudar o casal em disputa, obtêm uma gratificação vicariautl a partir das
brigas dos outros, e uma reafirmação da segurança de seu próprio relacionamento.
Quanto à excitação sexual e ao erotismo envolvendo membros de um grupo
social de casais, existe a necessidade de um equilíbrio ótimo entre os casais e o
grupo. A separação entre trabalho e vida social ou, melhor dizendo, a informalidade da
formação do grupo social adulto comum, que se centra nos casais envolvidos, protege
todos os membros dos processos de grande grupo que caracterizam os casais numa
organização formal social ou profissional. O casal que mantém sua coesão interna, e
ao mesmo tempo exerce uma poderosa influência sobre o grupo social circundante,
particularmente dentro de uma estrutura organizacional, se torna um alvo imperioso
de idealização edípica, ansiedade e inveja. O ódio que o resto do grupo sente pelo
poderoso casal pode, paradoxalmente, proteger o casal ao forçar sua unidade num
confronto político com o restante do grupo. Mais tarde, pode emergir uma grave
agressão entre o casal, após ele ter-se separado de um grupo que lhe permitiu antes
deslocar a agressão para fora.
Como vimos, um casal que, por várias razões reais ou neuróticas, se isola
excessivamente do grupo social circundante, corre o risco dos efeitos internos da
agressão mútua. Nessas condições, o casamento pode parecer uma prisão, e fugir e
entrar numa situação de grupo pode parecer uma fuga para a liberdade. A pro-
miscuidade sexual que se segue a muitas separações e divórcios ilustra essa fuga para
a liberdade e anarquia do grupo. Pela mesma razão, o grupo pode tornar-se uma
prisão para os membros que não podem ou não ousam entrar no relacionamento de
um casal estável. O relacionamento de casal nos liberta da perda de identidade e da
primitiva agressão inerente ao grande grupo. O envolvimento no
Psicopatologia das Relações Amorosas 179
sexo grupai como uma ideologia mascara a realidade desse aprisionamento para as
pessoas envolvidas.
A seguir, examinarei vários tipos de invasão crónica do relacionamento do
casal pelo grupo circundante ou, melhor dizendo, vários tipos de equilíbrio pato-
lógico obtidos pelo casal em resultado da sua dissolução no grupo. Isso inclui rela-
cionamentos triangulares de longo alcance, com óbvias implicações edípicas, como
um tipo de equilíbrio regressivo; perda das fronteiras sexuais do casal na medida
em que ele entra num "casamento aberto"; e a total perda da intimidade sexual na
medida em que o casal participa do comportamento sexual grupai compartilhado.
No último caso, normalmente há uma predominância dos conflitos pré-genitais em
relação aos genitais no relacionamento do casal, e sua relação fica mais seriamente
danificada por aquilo que faz fora do relacionamento, do que nos outros dois tipos.
Considerando o casal em que um dos parceiros mantém um relacionamento
com uma terceira pessoa, precisamos diferenciar as situações em que o caso amo-
roso com um terceiro é preliminar à destruição do casal (isto é, um deles se apaixo-
na por alguém, e o casal ou o casamento se dissolve para dar lugar a uma nova
formação de casal), e as situações em que o casamento parece estabilizar-se com a
presença de uma terceira pessoa. No último caso, podem acontecer várias coisas.
Frequentemente, quando um dos parceiros tem um caso, isso permite a estabiliza-
ção de-conflitos edípicos não-resolvídos. Por exemplo, uma mulher que é frígida
com o marido e sexualmente satisfeita pelo amante, pode vivenciar um sentimento
consciente de emoção e satisfação que sustenta o casamento, enquanto inconscien-
temente experimenta o marido como odiada transferência representando o seu pai
edípico. No relacionamento dual, ela sente a satisfação do triunfo inconsciente
sobre o pai que tinha a ela e à mãe sob seu controle, ao passo que agora é ela quem
tem dois homens sob controle. O desejo de ter um caso também pode originar-se da
culpa inconsciente por experimentar o relacionamento conjugal como um triunfo
edípico, embora não ouse estabelecer uma total identificação com a mãe edípica;
assim, o conflito entre o desejo e a culpa é atuado através de jogar uma "roleta
russa" com o casamento.
Paradoxalmente, quanto mais profundos e plenos se tornam esses relaciona-
mentos paralelos (conjugais e extraconjugais), mais tendem para a autodestruição,
porque, no final das contas, a cisão da representação objetal conseguida através da
situação triangular tende a ser perdida. Conforme ilustrado no filme The Captain's
Paradise, os relacionamentos paralelos tendem a tornar-se cada vez mais
idênticos ; om o tempo, impondo uma sobre carga psicológica cada vez mais difícil.
O fato de esses relacionamentos serem mantidos secretamente ou aceitos
abertamente, é cla-::•, depende de outros fatores, tais como a extensão em
que os conflitos sadomasoquistas desempenham um papel na interação
conjugal. A "franqueza" em relação aos casos extraconjugais geralmente reflete a
necessidade de agressão —útua, interação sadomasoquista e a defesa contra
sentimentos de culpa.
Tudo isso precisa ser diferenciado das situações em que o relacionamento
real de um casal fica obscurecido pela manutenção paralela de uma ligação
180 Qtto F. Kernberg
objetos parentais dos filhos, o casal consolida suas fronteiras geracionais enquanto
inicia, inconscientemente, a entrada da nova geração no mundo da experiência
edípica. E o ciclo de vida se repete novamente com seus filhos entrando nas primei-
ras formações grupais dos anos escolares, a contribuição inconsciente da criança na
latência à criação de uma moralidade grupai, que lançará uma sombra sobre a
moralidade convencional das formações grupais posteriores, e inclusive sobre a
moralidade convencional que cerca o casal adulto.
As dinâmicas do relacionamento do casal e do grupo como um equilíbrio
constante, dinâmico, também se desenrolam o tempo todo.
De uma perspectiva histórica, podemos observar as repetidas oscilações cul-
turais entre os períodos "puritanos", em que as relações amorosas se tornam
deserotizadas e o erotismo fica oculto, e os períodos "libertinos", em que a sexua-
lidade se deteriora num sexo grupai emocionalmente degradado. Em minha opi-
nião, essas oscilações refletem o equilíbrio a longo prazo entre as dinâmicas da
necessidade social de destruir, proteger e controlar o casal, e as aspirações do casal
de romper as restrições convencionais da moralidade sexual, uma liberdade que,in
extremis, se torna autodestrutiva.
Desse ponto de vista, a assim chamada revolução sexual dos anos 60 e 70
refletiria mais uma oscilação do pêndulo na moralidade convencional, e não indi-
caria nenhuma mudança real nas dinâmicas mais profundas do relacionamento do
casal e do grupo social. Obviamente, a adaptação de um casal à moralidade con-
vencional, seja pela falta de desenvolvimento de um superego autónomo, seja
pelo apelo a submergir nos processos do grande grupo, está potencialmente pre-
sente em todos os momentos, e o comportamento superficial dos casais pode variar
imensamente conforme as pressões convencionais sobre um determinado grupo
social. No entanto, o casal sexual autónomo e maduro mantém suas fronteiras de
privacidade na sua capacidade para um envolvimento secreto, apaixonado, em
qualquer ambiente social, a não ser nos mais extremos.
As normas sociais convencionais que protegem a moralidade pública são
cruciais para proteger a vida sexual do casal. As pressões para o comportamento
convencional, contudo, contrastam com os sofisticados sistemas de valores indivi-
duais que cada casal tem de estabelecer para si mesmo. As pressões para a forma-
ção grupai ao lado de linhas sexuais, para a expressão, nestes grupos, da desconfi-
ança e ódio primitivos entre homens e mulheres, característicos da latência e do:
grupos adolescentes, também ameaçam o casal.
Em relação a isso, sob a influência da aceleradora comunicação de massas
da mídia, é muito provável que a ideologia convencional predominante, partia;
larmente a relativa à sexualidade, mude rapidamente, na medida em que nove
correntes ideológicas se tornam moda, se difundem por toda a consciência públk
e se extinguem em virtude da exigência de variedade na comunicação de mass
Paradoxalmente, essa rápida mudança nos costumes convencionais ilustra as c
racterísticas mais permanentes da atitude convencional referente à sexualidac
que estivemos examinando.
Pstcopatologta das Reíações Amorosas 183
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