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6 Campinas, 17 a 23 de março de 2014

Lacunas marcam expansão da


educação profissional técnica Foto: Antonio Scarpinetti

Apesar de o número A lei retomou a possibilidade da vincu-


lação entre educação básica e educação pro-
fissional, com o ensino médio integrado ao
de escolas ter mais técnico e com a educação de jovens e adultos
integrada à qualificação e à formação profis-

que dobrado, estudo sional. A modalidade do ensino integrado é,


de acordo com Liliane, muito valorizada pe-
los professores e pesquisadores da área. Eles
aponta problemas compreendem que a formação de trabalhado-
res não se faz separadamente de uma forma-
ção geral, científica, filosófica e artística. “O
PATRÍCIA LAURETTI aluno estuda em período integral durante 3 a
patricia.lauretti@reitoria.unicamp.br 4 anos, cursando tanto as disciplinas básicas
ou de formação geral do ensino médio bem
como as matérias do técnico”.
educação profissional técnica de
nível médio e tecnológica, na rede A mudança foi provocada pela ação de um
federal, deu um enorme salto grupo específico de professores e intelectuais
entre 2003 e 2010. O número que influenciaram diretamente as políticas
de escolas mais que dobrou no formuladas pelo Ministério da Educação. En-
período, sobretudo a partir de 2007, quando tre eles, Gaudêncio Frigotto, Maria Ciavatta e
foi implementado o Plano de Desenvolvi- Marise Ramos, sendo que esta última traba-
mento da Educação (PDE), e ganhou ênfase lhou diretamente na Secretaria de Educação
a política neodesenvolvimentista no governo Profissional e Tecnológica, no MEC.
Lula. A expansão no número de matrículas Na década de 1980, explica Liliane, eles Liliane Bordignon,
autora do trabalho:
foi realizada em consonância com a política participaram do Fórum em Defesa da Escola
“O projeto da educação
de crescimento econômico e desenvolvimen- Pública, durante o processo de elaboração da
profissional começa com
to social do governo. Ocorre que as mudanças Constituição Brasileira e da Lei de Diretrizes
uma proposta que se
foram rápidas, porém incompletas, segundo e Bases da Educação Nacional. “Eles foram
transforma e perde suas
avalia a dissertação de mestrado “Reforma e convidados nesse primeiro momento do go- características iniciais”
expansão da educação profissional técnica de verno. Fizeram propostas muito relevantes
nível médio nos anos 2000”, de Liliane Bor- para a retomada da formação de trabalhado-
dignon, apresentada na Faculdade de Educa- res mediante o ensino integrado, rompendo
ção (FE) da Unicamp e orientada pela profes- a separação de uma formação voltada exclu-
sora Aparecida Neri de Souza. sivamente ao trabalho, e outra voltada exclu-
Na dissertação, Liliane analisou a expan- sivamente para a continuidade dos estudos, o
são do ensino técnico no campus central que definem como ‘dualidade educacional’”.
do Instituto Federal de Educação, Ciência e O curso técnico deveria oferecer, além do
Tecnologia de São Paulo (IFSP), entre 2003 aprendizado profissional, sólida formação
e 2010. O Instituto oferece cursos de eletrô- básica que possibilitasse ao aluno continuar
nica, eletrotécnica, informática, mecânica, os estudos se assim ele quisesse. O problema Segundo Liliane, entre a proposta inicial “Existem vagas para técnicos de nível
edificações, telecomunicações e qualidade. é que essas ideias não repercutiram nas polí- e a concretização da política, parece estabele- médio no mercado de trabalho, mas é pre-
No Estado de São Paulo havia, antes de 2003, ticas por muito tempo. “A partir do segundo cer-se um fosso. Um exemplo seria a escola
apenas 3 campi do IFSP. Hoje, são 32 distri- ciso saber onde estão e quais as conjunções
mandato do governo Lula foi criado o Progra- do Instituto Federal, criada em Hortolândia,
buídos em diversas cidades, entre as quais com as políticas de expansão do ensino
ma de Aceleração do Crescimento (PAC), e cidade vizinha a Campinas. “A unidade come-
Hortolândia, Salto, Cubatão e Guarulhos. técnico de nível médio. Cabe perguntar se
em seu bojo, o Plano de Desenvolvimento da çou a funcionar de maneira inadequada, ou
Segundo o Censo Escolar, entre 2003 e 2010 estão sendo criadas vagas em áreas onde
Educação (PDE), anunciando a maior expan- seja, sem laboratórios, professores ou infra-
foram criados 106 novos estabelecimentos são de vagas já ocorrida na Rede Federal de há empregos. Quais políticas estão sendo
estrutura mínima para garantir a qualidade desenvolvidas para encaminhar esse jovem
de educação profissional federal, sendo que, Educação Profissional e Tecnológica”. do estudo e de trabalho para estudantes, do-
destes, mais de 90 foram implantados entre formado para o mercado de trabalho formal?
Liliane afirma que o período de maior ex- centes e técnicos administrativos. Isso revela Muitas vezes, o ensino técnico é visto como
2007 e 2010. A expansão seguiu com o go- pansão de vagas coincide com a permanência uma expansão que tem muitas contradições”.
verno Dilma Rousseff; atualmente são mais a ‘salvação’ do problema do desemprego no
do atual prefeito de São Paulo, Fernando Ha- Uma delas é a concepção de que as mu- país, mas isso não se comprova quando ob-
de 300 unidades.
ddad, no Ministério da Educação, quando ga- danças foram pensadas para resolver, por servamos a dinâmica do mercado de traba-
“Em quantidade de campi, o Instituto nhou força na administração do Partido dos exemplo, a situação de desemprego. “Sem
Federal de São Paulo foi o que mais cresceu lho”, ressalva.
Trabalhadores o projeto neodesenvolvimen- dúvida, a formação profissional é importan-
no Brasil. O governo Lula investiu, construiu tista. Na avaliação da mestranda, as políticas te para a entrada dos jovens no mercado de Na dissertação, a pesquisadora descreve a
escolas, contratou profissionais técnico-ad- desenvolvidas tinham por objetivo a busca do trabalho, entretanto não existe esta relação educação profissional como “campo de dis-
ministrativos e professores. Mas temos que crescimento econômico, sem resolver outras linear”, pondera a pesquisadora. A expansão putas entre o setor produtivo – que se trans-
relativizar esse crescimento porque, se ana- questões importantes para a sociedade brasi- de vagas e cursos não contou com pesquisas forma constantemente em torno de supera-
lisarmos a educação profissional oferecida leira “O projeto da educação profissional co- de mercado mais apuradas, que revelassem ção das quedas da taxa de lucro -, e entre os
como um todo, ela ainda é majoritariamente meça com uma proposta que se transforma e as necessidades locais e regionais de desen- trabalhadores, que organizados ou não, pres-
ofertada pela iniciativa privada”, constatou perde suas características iniciais” salienta a volvimento social e econômico e de investi- sionam e precisam de emprego e anseiam
Liliane. Mesmo a educação profissional no pesquisadora. por melhores condições de trabalho e/ou por
mentos do governo.
nível médio, no país, ainda é bastante inci- autonomia e controle dos processos de tra-
piente, considerando-se o número de alunos balho”. No caso brasileiro, afirma, o Estado
que poderiam estar matriculados e não estão tem um lugar relevante nesta disputa, “ora
(veja quadros nesta página).
Ensino Médio no Brasil incentivando o setor privado com financia-
mento público para a formação de trabalha-
REFORMA  Há 16.986.788 jovens entre 15 e 19 anos (Censo 2010 - IBGE) dores, ora fomentando e criando instituições
O cenário no início do mandato do gover-  8 milhões de jovens matriculados em 2011 (Censo escolar) públicas de educação profissional”.
no Lula é consequência, em parte, da vigência Historicamente, há uma distinção subs-
do decreto nº. 2.208/1997 entre 1997 e 2004,  1,14 milhão na educação profissional em 2010
tantiva na formação de trabalhadores, en-
que dificultava a expansão da rede federal, a tre a formação técnica de nível médio e a
menos que a ampliação e abertura de escolas qualificação profissional (denominada de
se dessem por meio de fundações privadas. aprendizagem) destinada aos trabalhado-
A lei também determinou que a formação res independentemente de seu nível de
técnica fosse realizada separadamente da for- escolarização. A primeira, formação de téc-
mação geral dos estudantes, isto é, de forma Número de matrículas na educação profissional por dependência administrativa - Brasil 2002/2010 nicos, tem sido alvo das ações e políticas
concomitante e subsequente, ou seja, o pri- estatais e a segunda, a formação de traba-
meiro cursado paralelamente ao ensino mé- Matrículas na educação profissional lhadores para diferentes ofícios, tem sido
dio, enquanto o segundo, depois. A determi-
nação do decreto mais polêmica foi a extinção Ano Dependência administrativa alvo de ações do setor patronal e privado,
da formação técnica integrada ao médio. Total Federal Estadual Municipal Privada com apoio financeiro do setor público. Se-
gundo a pesquisadora, o que está em deba-
O decreto do governo de Fernando Hen- te, portanto, são as políticas públicas para
rique Cardoso regulamentava os artigos da 2002 652.073 77.190 220.853 26.464 327.566 a formação de trabalhadores brasileiros,
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Na- 2003 629.722 82.943 181.485 22.312 342.982 sejam eles técnicos ou não.
cional referentes à organização da educação
profissional. “As políticas desencadeadas di- 2004 676.093 82.293 179.456 21.642 392.702
recionaram essa modalidade de ensino, prin- 2005 747.892 89.114 206.317 25.028 427.433
cipalmente, para uma busca de autonomia 2006 806.498 93.424 261.432 27.057 424.585
diante da educação básica, com a separação Publicação
2007 780.162 109.777 253.194 30.037 387.154
do ensino médio do ensino técnico e voltado
Dissertação: “Reforma e expansão
para a formação mediante a ‘pedagogia das 2008 927.978 124.718 318.404 36.092 448.764
competências’”, ressalta Liliane. da educação profissional técnica de
2009 1.036.945 147.947 355.688 34.016 499.294
nível médio nos anos 2000”
Na década seguinte, entre 2003 e 2010, 2010 1.140.388 165.355 398.238 32.225 544.570
menos de dez anos do início das reformas da  Autora: Liliane Bordignon
% 2002-2010 74,9 114,2 80,3 21,8 66,2
década de 1990, uma nova legislação foi pro- Orientadora: Aparecida Neri de
mulgada para a regulamentação da educação Fonte: MEC/Inep
Souza
profissional. O decreto de FHC acabou revo- Nota 1: Não inclui matrículas em turmas de atendimento complementar. Unidade: Faculdade de Educação
gado em 2004, e substituído pelo Decreto nº. Nota 2: O mesmo aluno pode ter mais de uma matrícula.
Nota 3: Inclui matrículas de educação profissional integrada ao Ensino Médio. (FE)
5.154, como uma das promessas políticas do
novo governo.

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