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Paulo - O Mobral nasceu para negar o meu método e meu discurso - 29/5/1994
bicho na toca.
Folha - O sr. é um cientista. É também religioso?
Freire - Sou muito mais um homem de fé. Mas sequer tenho mérito
por isso, porque não faço força para acreditar, entende?
Quando eu era moço, li num livro do filósofo espanhol Unamuno a
seguinte frase: "Eu estou em minha fé." Acho que comigo acontece
isso também.
Experimento a fé, como quem se experimenta nesta cadeira agora. Eu
me sinto instalado na fé. O importante é que jamais consegui
conceber que minha fé pudesse servir contra os interesses do povo.
Jamais pude admitir que pudesse conciliar a fé com uma posição
reacionária.
Folha - O fim do comunismo é definitivo?
Freire - O fim do comunismo no Leste europeu representa uma queda
necessária, na minha opinião. Mas é a queda não do socialismo, do
sonho, da utopia socialista. É a queda da moldura autoritária,
reacionária, discricionária, stalinista, dentro da qual se pôs o
socialismo.
Entre o socialismo e o capitalismo, a diferença fundamental é que o
capitalismo tem uma moldura democrático-burguesa. O que presta no
capitalismo, no meu entender, não é ele. Para mim, ele é uma
malvadez em si mesma. Se se pensa na excelência do capitalismo no
Brasil, eu me pergunto: que excelência é esta que produz 33 milhões
de famintos?
O que o capitalismo tem de bom é apenas a moldura democrática. Um
dos maiores erros históricos das esquerdas que se fanatizaram foi
antagonizar socialismo e democracia.
Por isso, a queda do muro de Berlim é uma espécie de hino à
liberdade, muito mais do que um retorno ao capitalismo. A utopia
socialista talvez nunca tenha tido uma oportunidade tão bacana
quanto hoje, historicamente, para crescer.
Porque, de agora em diante, o capitalismo já não pode dizer que a
culpa de seus males é do comunismo. Ele tem que assumir a sua
responsabilidade.
Folha - Como foi sua experiência de secretário da Educação da
prefeitura de São Paulo na gestão de Luiza Erundina? Dizem que o sr.
não conseguiu imprimir sua marca pessoal naquela administração.
Freire - Qual nada. Eu diria até que a gente não tem que imprimir
marca pessoal coisíssima nenhuma. As marcas pessoais são sociais.
Mas há sempre uma dimensão pessoal a ficar, e esta ficou. Nossa
gestão fez um trabalho de colegiado, e isso é bem Paulo Freire. Fui
possivelmente o secretário que menos poder teve, porque
descentralizei totalmente a administração.
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