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universidade técnica de lisboa

FACULDADE DE MOTRICIDADE HUMANA


DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DO DESPORTO

METODOLOGIA
DO
TREINO DESPORTIVO
Textos de apoio
(exclusivamente para uso interno)

Jorge Castelo, Hermínio Barreto, Francisco Alves, Pedro Mil-Homens,


João Carvalho, Jorge Vieira

Ciências do Desporto

Edições FMH
II • Metodologia do treino desportivo I !

Ficha técnica
Índice • III

Prefácio

O trabalho que agora se publica deriva de um esforço conjunto, coordenado


pelo Prof. Jorge Castelo, no âmbito da disciplina de Metodologia do Treino da
Licenciatura em Educação Física e Desporto Escolar. Até agora, ainda não
tinha havido capacidade para realizar tal desiderato no âmbito da Cadeira, pelo
que este facto, representa, antes de tudo, um acréscimo da capacidade
organizativa e de intervenção das pessoas que nela intervêm. O que se espera é
que trabalhos desta qualidade e volume possam, também, ser desenvolvidos
por outras disciplinas.

Não podemos ainda de deixar de referir que nesta obra, para além de terem
colaborado diversos professores da FMH, dá-se a circunstância de nela terem
também participado professores externos à FMH que aqui trabalham em
termos pontuais. É um esforço de cooperação entre a FMH - Departamento de
Ciências do Desporto e o Sistema Desportivo que nos apraz referenciar. Na
realidade, todos sabemos que é da conjugação de esforços, entre as diversas
entidades que interagem no Sistema Desportivo, que podem ser dados passos
significativos na procura da qualidade e da excelência.

Finalmente, gostaríamos de concluir referindo que esta obra para além de


satisfazer as necessidades internas do curso, ela poderá, também, ser de grande
utilidade no âmbito do Sistema Desportivo. O conhecimento não é desta ou
daquela pessoa, deste ou daquele organismo ou até sistema. O conhecimento é
um bem universal que deve ser comungado e partilhado por todos, em prol do
desenvolvimento humano. Estão pois de parabéns todos aqueles que
participaram nesta publicação. O futuro vai ser necessariamente diferente
daquele que seria caso não o tivessem feito.
Parabéns

Gustavo Pires
Presidente do Departamento de Ciências do Desporto
IV • Metodologia do treino desportivo I !

Resumo do conteúdo programático da disciplina de Metodologia do


Treino I

Metodologia do treino desportivo I


Conteúdo Programático

Conceitos do treino Planeamento Planeamento do Parte V


Parte I desportivo Conceptual treino desportivo

Planeamento
Estratégico
Factores do rendi-
Parte II mento desportivo
Planeamento
Táctico

Parte III O exercício de trei-


no desportivo
Fundamentos do
exercício de treino Estrutura do
Microestrutura Parte VI
processo de treino
Bases conceptuais
exercício de treino
Mesoestrutura

Bases de aplicação
exercício de treino
Macroestrutura

Bases de eficácia
exercício de treino
Período Periodizacão do Parte VII
Preparatório treino desportivo

Factores do treino O factor técnico Período


Parte IV desportivo desportivo Competitivo

O factor táctico Período


desportivo Transitório

O factor físico Estudo sobre


desportivo a forca O controlo do
treino desportivo Parte VIII
Estudo sobre
a resistência

Estudo sobre
a velocidade

Estudo sobre
a flexibilidade

O treinador
perfil e competências
Parte IX
Organigrama 1
Índice • V

Índice das matérias

Prefácio

Parte I - Conceitos do treino desportivo 1


1. O treino e a treinabilidade 6
1.1. Preparação desportiva precoce 7
1.2. A especialização precoce 8
2. A carga e a cargabilidade 9
2.1. A natureza da carga 9
2.1.1. Cargas de treino ou de competição 9
2.1.2. Cargas específicas e não específicas 10
2.1.3. Cargas em função da época desportiva 10
2.2. A grandeza da carga 10
2.2.1. Externos 10
2.2.2. Internos 10
2.3. A orientação da carga 11
2.3.1. Selectiva 11
2.3.2. Complexa 12
3. A adaptação e a capacidade de rendimento 13
3.1. Adaptação rápida 13
3.2. Adaptação a longo termo 14
4. A fadiga e a recuperação 15
4.1. Fadiga evidente 15
4.2. Fadiga latente 15
5. O estado de treino e o estado de preparação 16

Parte II - Factores do rendimento desportivo 17


1. Os factores do rendimento desportivo (Matvéiev) 21
1.1. As capacidades individuais e o seu grau de preparação 21
1.2. A amplitude do movimento desportivo e as condições sociais 22
1.3. A eficiência do sistema de treino 22
2. O modelo teórico de Claude Bouchard 23
2.1. O sub-grupo das determinantes invariáveis da performance 24
2.1.1. Contributo da hereditariedade nas estruturas morfológicas 25
2.1.2. Contributo da hereditariedade nas estruturas orgânicas 25
2.1.3. Contributo da hereditariedade nas estruturas perceptivas 25
2.1.4. Contributo da hereditariedade no plano das características psicológicas 25
2.2. O subgrupo das determinantes variáveis da performance 26
2.2.1. A eficácia técnica 26
2.2.2. A influência da inteligência táctico-estratégica 26
2.2.3. A condição física geral 27
2.2.4. A condição física específica 27
2.2.5. Nível de preparação psicológica 27
2.2.6. A influência do meio social 28
2.2.7. Conjunto de factores complementares 28
2.2.8. O repouso, a relaxação, a recreação e os tempos livres 28
2.3. O subgrupo dos factores da organização e do controlo associado à performance 29
VI • Metodologia do treino desportivo I !

2.3.1. O sistema organizativo que programa e controla o treino 29


2.3.2. O dossier de treino e o dossier do atleta 29
2.3.3. O exame médico geral preventivo ou correlativo do praticante 29
2.3.4. Avaliação das condicionantes variáveis gerais 30
2.3.5. Avaliação das condicionantes variáveis específicas 30
2.3.6. A acção do pessoal técnico e dos especialistas 30

Parte III - O exercício de treino desportivo 31

Capítulo 1 - Os fundamentos do exercício de treino 33


1. O processo de treino como vertente fundamental do rendimento desportivo 37
1.1. O exercício como elemento determinante do processo de treino 37
1.2. A relação metodológica entre treino e exercício 38
2. Definição de exercício de treino 39
3. Caracterização do exercício de treino 39
3.1. Especificidade 40
3.1.1. Exercícios específicos determinam respostas biológicas específicas 40
3.1.2. A base operacional do exercício e a lógica da modalidade desportiva 40
3.1.3. A dimensão transfer 41
3.2. Identidade 42
3.2.1. A dimensão isomórfica e analógica da identidade do exercício 42
3.2.2. As implicações da inadequação do grau identidade do exercício 43
4. A natureza do exercício de treino 44
4.1. O recurso informacional 46
4.1.1. Definição do termo informação 46
4.1.2. As fases do tratamento da informação 47
4.1.3. Os limites do recurso informacional 47
4.2. O recurso energético 49
4.2.1. As reacções para a produção de energia 49
4.2.2. Os limites do recurso energético 50
4.2.3. As vias de produção energética 50
4.2.3.1. O processo anaeróbio aláctico 51
4.2.3.2. O processo anaeróbio láctico 51
4.2.3.3. O processo aeróbio 52
4.2.4. As relações entre o custo energético e o gesto motor 52
4.3. O recurso afectivo 52
5. A estrutura do exercício de treino 54
5.1. O objectivo 54
5.2. O conteúdo 55
5.3. A Forma 55
5.4. O nível de performance 56
6. As componentes estruturais do exercício de treino 57
6.1. No plano fisiológico 57
6.1.1. A duração 59
6.1.2. O volume 60
6.1.3. A Intensidade 60
6.1.3.1. As relações entre a intensidade e o volume 61
6.1.4. A Densidade 62
6.1.5. A Frequência 64
6.2. No plano técnico-táctico 64
6.2.1. O número 64
Índice • VII

6.2.2. O espaço 65
6.2.3. O tempo 66
6.2.4. A Complexidade 67
6.2.4.1. No domínio da velocidade de execução 68
6.2.4.2. No domínio do esforço 69
7. A classificação dos exercícios de treino 69
7.1. O factor de treino predominante no conteúdo do exercício 70
7.1.1. Exercícios técnicos 70
7.1.2. Exercícios tácticos 70
7.1.3. Exercícios físicos 70
7.2. Em função do grau de identidade do exercício 72
7.2.1. Exercícios de competição 72
7.2.2. Exercícios especiais 73
7.2.3. Exercícios gerais 74
8. Orientações e tendências dos exercícios de treino 76
8.1. Aumento do volume de treino utilizando exercícios de carácter geral e especial 77
8.2. Maior utilização dos exercícios de treino de carácter específico 77
8.3. Adequação dos exercícios de treino à realidade competitiva. Indivisibilidade dos
factores de treino 77
8.3.1. A objectividade 78
8.3.2. A modelação 78
8.4. Estabelecimento das bases científicas dos exercícios de treino 80

Capítulo 2 - Bases conceptuais para a construção dos exercícios de treino 81


1. As relações entre a interpretação da natureza da modalidade e os exercícios de treino
85
1.1. As perspectivas associativistas 86
1.2. As perspectivas da forma 89
1.3. As perspectivas estruturalistas 91
1.1.3. O modelo 92
1.1.3.1. os modelos técnico-tácticos 93
1.1.3.2. o modelo de esforço 93
1.1.3.3. o modelo de ambiente 93
1.1.3.4. o modelo integrativo 94

Capítulo 3 - Bases de aplicação dos exercícios de treino 95


1. Os princípios biológicos 99
1.1. Princípio da sobrecarga 99
1.2. Princípio da especificidade 101
1.3. Princípio da reversibilidade 103
1.4. Princípio da heterocronia 104
2. Os princípios metodológicos 105
2.1. Princípio da relação óptima entre o exercício e o repouso 106
2.1.1. A determinação do exercício óptimo 107
2.1.2. A determinação do momento óptimo de aplicação de um novo exercício 108
2.2. Princípio da continuidade da aplicação do exercício de treino 111
2.3. Princípio da progressividade do exercício de treino 112
2.4. Princípio da ciclicidade do exercício de treino 115
2.5. Princípio da individualização do exercício de treino 116
2.6. Princípio da multilateralidade 116
VIII • Metodologia do treino desportivo I !

2.6.1. A inseparabilidade da preparação geral e da preparação especial 117


2.6.2. O intercondicionalismo do conteúdo da preparação geral e especial 117
2.6.3. A incompatibilidade da preparação geral e especial 118
3. Os princípios pedagógicos 119
3.1. Princípio da actividade consciente 119
3.2. Princípio da sistematização 119
3.3. Princípio da actividade apreensível 120
3.4. Princípio da estabilidade e desenvolvimento das capacidades do praticante 120
Capítulo 4 - Bases de eficácia dos exercícios de treino 121
1. Preocupação de unidade do exercício de treino 125
1.1. Unidade da actividade 125
1.2. Unidade do praticante 125
1.3. Unidade da equipa 126
2. Seleccionar correctamente o exercício de treino 126
2.1. Fazer correlacionar a lógica interna da modalidade com o exercício de treino 127
2.2. Ajustar os níveis de complexidade e dificuldade à capacidade dos praticantes 128
3. Repetição sistemática do exercício de treino 131
3.1. Repetir para consolidar os elementos críticos do exercício de treino 131
4. Corrigir correctamente o exercício de treino 132
4.1. Aspectos chave para a correcção do exercício de treino 132
5. Motivar correctamente para o exercício de treino 134
5.1. Aspectos chave para a motivação no exercício de treino 135

Parte IV - Os factores do treino desportivo 137

Capítulo 1 - Estudo sobre o factor técnico desportivo 139


1. Definição de técnica desportiva 143
2. Objectivos do treino técnico-desportivo 143
2.1. Aquisição de um conjunto de aptidões técnico-desportivas 143
2.2. Aperfeiçoamento e desenvolvimento das aptidões técnico-desportivas 144
3. A importância da técnica nas diferentes modalidades desportivas 144
3.1. As modalidades de força explosiva 144
3.2. As modalidades de resistência 145
3.3. As modalidades de exactidão 145
3.4. As modalidades de estrutura complexa 145
4. Relações entre o factor técnico e o factor táctico desportivo 146
5. As diferentes fases do processo de aprendizagem da técnica desportiva 146
5.1. Fase de generalização ou de coordenação global do movimento 148
5.1.1. A compreensão da tarefa motora 148
5.1.2. A coordenação motora global 149
5.2. Fase de concentração ou da etapa da coordenação fina 150
5.2.1. Melhoramento do programa motor 151
5.2.2. Diminuição da energia necessária para a sua execução 152
5.2.3. Aumento da velocidade, precisão e melhoramento do timing de execução 152
5.2.4. Melhoramento da capacidade antecipativa 153
5.2.5. Aumento da confiança do praticante/jogador em si próprio 153
5.3. Fase de automatização ou da estabilização e aplicação variável do movimento 154
Índice • IX

5.3.1. A evolução técnica desportiva e a sua relação com as modalidades mono e


poliestruturais 155
6. Os diferentes aspectos metodológicos do processo de aprendizagem da técnica 157
6.1. Introdução do gesto técnico-desportivo 159
6.1.1. Atrair a atenção de todos os praticantes 159
6.1.2. Posicionamento do grupo de praticantes 160
6.1.3. A adopção de um nome terminologicamente correcto do gesto 160
6.2. A explicação verbal do gesto técnico-desportivo 160
6.2.1. Ser pouco rico em pormenores 161
6.2.2. Objectivar um estado mental positivo 161
6.2.3. Relacioná-la com aprendizagens anteriores 161

6.3. A exemplificação/demonstração do gesto técnico 162


6.3.1. Execução correcta do gesto técnico 162
6.3.2. Correcta velocidade de execução 163
6.3.3. Ritmo de execução apropriado 163
6.3.4. Optar por uma execução completa ou parcial 163
6.3.5. Estabelecer um número de exemplificações/demonstrações 164
6.3.6. Evidenciar um conjunto restrito de instruções-chave 164
6.4. A prática do gesto técnico-desportivo 165
6.4.1. A prática global do gesto técnico-desportivo ou "por partes" 166
6.4.2. A formação de um rítmo-padrão de execução do gesto técnico-desportivo 168
6.4.3. A regulação da velocidade de execução do gesto técnico desportivo 169
6.5. A correcção do gesto técnico-desportivo 169
6.5.1. Profundo conhecimento do gesto técnico desportivo 170
6.5.2. Estabelecer objectivos realistas do gesto técnico desportivo 171
6.5.3. Hierarquizar os erros observados no gesto técnico desportivo 171
6.5.4. A atitude do treinador na correcção do gesto técnico desportivo 172
6.5.5. Aspectos metodológicos a introduzir quando se verifica a consolidação do gesto técnico
desportivo com erros 174
6.6. A repetição do gesto técnico-desportivo 175
6.6.1. A estabilização das aptidões técnico-desportivas 176
6.6.1.1. Criação de condições favoráveis 176
6.6.1.2. Exercitar o gesto técnico-desportivo isento de erros 177
6.6.1.3. Não confundir estabilidade com estereótipos rotineiros 178
6.6.1.4. Aproximação gradual aos valores-padrão 178
6.6.2. A diversidade de aptidões técnico-desportivas 178
6.6.2.1. Variação rigorosamente dirigida 180
6.6.2.2. Variação livremente dirigida 180
6.6.3. A segurança das aptidões técnico-desportivas 181
6.6.3.1. Adaptação das aptidões técnicas às condições máximas de manifestação das
qualidades físicas no treino 182
6.6.3.2. Modelação de situações psiquicamente tensas e introdução de dificuldades
adicionais 182
6.6.3.3. A prática competitiva 183
7. Planeamento da preparação técnico-desportiva 184
7.1. Durante o processo plurianual e anual 184
7.1.1. A fase da preparação técnica de base 184
7.1.2. A fase de aperfeiçoamento técnico 185
7.1.2.1. Primeira fase 185
7.1.2.2. Segunda fase 185
7.1.2.3. Terceira fase 186
X • Metodologia do treino desportivo I !

7.2. O treino técnico durante o microciclo 187


7.3. O treino da técnica desportiva na unidade de treino 188

Capítulo 2 - Estudo sobre o factor táctico desportivo 189


1. Definição de comportamento táctico desportivo 194
2. Objectivo do comportamento táctico desportivo 194
3. A natureza do comportamento táctico desportivo 195
3.1. Ser orientado exigindo a participação da consciência 195
3.2. Exprime um pensamento produtor 196
4. Frequência de ocorrência do comportamento táctico desportivo 197

5. Características do comportamento táctico desportivo 197


5.1. Fluidez 197
5.2. Adaptabilidade 197
5.3. Originalidade 198
5.4. Reestruturação 198
5.5. Antecipação 198
5.6. Execução 198
6. Elementos que influenciam o comportamento táctico desportivo 199
6.1. As características básicas das situações competitivas 199
6.2. A qualidade de observação por parte do atleta/jogador 200
6.3. Os fundamentos reais dos conhecimentos e das experiências dos jogadores 200
6.4. A memória 201
6.5. Solução associativa dos problemas tácticos 201
6.6. A rapidez do atleta/jogador a reconhecer as invariantes da situação competitiva
202
6.7. Os factores emotivo-psicológicos 203
7. As fases do comportamento táctico desportivo 203
7.1. A percepção e análise da situação 206
7.1.1. A percepção do envolvimento 207
7.1.1.1. Definição de percepção 207
7.1.1.2. A percepção como investigação activa do envolvimento 208
7.1.1.3. A estratégia perceptiva 209
7.1.1.4. A atenção selectiva 211
7.1.1.5. Os orgãos da visão 212
7.1.2. Os cálculos óptico-motores 213
7.1.2.1. A antecipação 214
7.1.3. As experiências e os conhecimentos tácticos 218
7.1.3.1. O transfer 220
7.2. A solução mental do problema 221
7.2.1. Os automatismos 223
7.2.2. As acções sensório-motoras 225
7.2.3. A forma superior do acto táctico 226
7.2.3.1. Valor interno 228
7.2.3.2. O valor externo 229
7.3. A solução táctica e as respostas técnicas 231
7.3.1. Um exemplo elucidativo 232
Índice • XI

8. As diferentes fases do processo de aprendizagem da táctica desportiva 235


8.1. 1ª. Fase: aprendizagem e aperfeiçoamento das habilidades motoras inerentes à
modalidade desportiva 236
8.1.1. Aprendizagem dos elementos técnicos desportivos 236
8.1.2. Consolidação dos elementos técnicos desportivos 237
8.2. 2ª. Fase: aprendizagem, estabilização e aperfeiçoamento das acções técnico-tácticas
determinadas pelas situações competitivas 238
8.3. 3ª. Fase: desenvolvimento, estabilização e aperfeiçoamento da capacidade
competitiva global 239
8.3.1. Situações competitivas em treino sob condições facilitadas 239
8.3.2. Situações competitivas em treino sob condições próximas da competição 240
8.3.3. Situações competitivas em treino sob condições mais difíceis do que as colocadas pela
realidade competitiva 241
8.4. 4ª. Fase: utilização e aperfeiçoamento da capacidade competitiva global em
competições oficiais 241

9. Princípios metodológicos da formação táctica desportiva 242


9.1. Princípio da sistematização 244
9.2. Princípio do carácter alternativo 244
9.3. Princípio da formação táctica elementar e da formação táctica complexa 246
9.4. Princípio da formação táctica individual e da formação táctica colectiva 247
9.5. Princípio da unidade da formação táctica teórica e da formação táctica prática 248
9.6. Princípio da síntese óptima indutiva e da dedutiva 249

Capítulo 3 - Estudo sobre o factor físico desportivo 251


Secção A - Estudo sobre a força muscular 251
1. Definição 251
2. Factores condicionantes da capacidade de produção de força 251
2.1. Factores nervosos 258
2.1.1. Factores nervosos Centrais 259
2.1.1.1. O recrutamento das Unidades Motoras 259
2.1.1.2. A frequência de activação das unidades motoras 260
2.1.1.3. A sincronização das unidades motoras 261
2.1.2. Factores Nervosos Periféricos 262
2.1.2.1. Fuso neuromuscular (FNM) 262
2.1.2.2. Orgão Tendinoso de Golgi (OTG) 264
2.1.2.3. Receptores articulares (RA) 264
2.1.3. Consequências metodológicas para o treino da força, decorrentes dos factores
nervosos 265
2.1.3.1. A coordenação intra e inter-muscular 265
2.1.3.2. A activação nervosa e as características da dinâmica da carga 266
2.2. Factores musculares 267
2.2.1. Fisiológicos e bioquímicos 267
2.2.1.1. Área da secção transversal do músculo 267
2.2.1.2. Tipos de fibras musculares 270
2.2.1.2.1. A modificação da percentagem relativa do tipo de fibras no
músculo 272
2.2.1.3. Consequências metodológicas decorrentes dos factores musculares 273
XII • Metodologia do treino desportivo I !

2.2.2. Mecânicos (contracção muscular) 273


2.2.2.1. Tipos de contracção muscular 273
2.2.2.2. Relação força-alongamento 275
2.2.2.3. Relação força-velocidade 276
2.3.3. Factores biomecânicos 277
2.3.3.1. A alavanca muscular 278
2.3.3.2. A alavanca da resistência exterior 280
2.3.3.3. Tipos de resistências exteriores 282
2.3.3.3.1. Resistências constantes 282
2.3.3.3.2. Resistências variáveis-progressivas 283
2.3.3.3.3. Resistências variáveis-acomodativas 284
2.3.3.3.4. Resistênciasa isocinéticas 285
2.3.3.3.5. A utilização dos diferentes tipos de resistências-equipamentos 287
3. Componentes e formas de manifestação da força muscular 289
3.1. Força Máxima 289
3.1.1. Definição 289
3.1.2. As componentes da força máxima 289
3.1.3. A força absoluta, relativa e limite 294
3.1.4. A relação da força máxima com as outras manifestações de força 295

3.2. Força Rápida 296


3.2.1. Definição 296
3.2.2. As componentes da força rápida 296
3.2.3. As relações entre Força Máxima e Força Rápida 301
3.3. Força de Resistência 302
4. Os Métodos de Treino 304
4.1. Os Métodos da Hipertrofia Muscular 305
4.1.1. Método da carga constante 307
4.1.2. Método da carga progressiva 307
4.1.3. Método do culturismo (extensivo) 307
4.1.4. Método do culturismo (intensivo) 307
4.1.5. Método isocinético 308
4.2. Os Métodos da Taxa de Produção de Força 311
4.2.1. Método quase máximo 313
4.2.2. Método concêntrico máximo 313
4.2.3. Método excêntrico máximo 313
4.2.4. Método concêntrico excêntrico máximo 314
4.3. Os Métodos Mistos 317
4.4. Os Métodos Reactivos 318
4.4.1. Saltos sem progressão 320
4.4.1. Saltos com progressão 320
4.4.1. Saltos em profundidade 321
4.4.1. Exercícios para tronco e braços 322

Secção B - Estudo sobre a resistência 323


1. Definição de resistência 327
2. Objectivos da resistência 327
3. Factores determinantes da resistência 328
3.1. O sistema nervoso central 328
3.2. Capacidade volitiva 328
3.3. Adaptações aeróbias e anaeróbias 329
Índice • XIII

4. Formas de manifestação da resistência 329


4.1. Quanto à participação do sistema muscular 329
4.1.1. Geral 329
4.1.2. Local 330
4.2. Quanto ao regime de contracção muscular 330
4.2.1. Estática 331
4.2.2. Dinâmica 331
4.3. Quanto à solicitação metabólica 331
4.3.1. Resistência aeróbia 331
4.3.2. Resistência anaeróbia 332
4.4. Tendo como referência a situação de competição 332
4.4.1. Geral ou de Base 332
4.4.1.1. Resistência de Base I 333
4.4.1.2. Resistência de Base II 334
4.4.1.3. Resistência de Base Acíclica 334
4.4.2. Resistência Específica 335
4.4.2.1. Resistência de Curta Duração 336
4.4.2.2. Resistência de Média Duração 336
4.4.2.3. Resistência de Longa Duração 337
4.4.2.3.1. Resistência de Longa Duração I 337
4.4.2.3.2. Resistência de Longa Duração II 337
4.4.2.3.3. Resistência de Longa Duração III 338

5. Métodos de treino da resistência 339


5.1. Método contínuo 339
5.1.1. Método contínuo uniforme 339
5.1.1.1. Método contínuo uniforme extensivo 340
5.1.1.2. Método contínuo uniforme intensivo 340
5.1.2. Método contínuo variado 342
5.2. Método por intervalos 343
5.2.1. Pausa incompleta - Treino intervalado 343
5.2.2. Pausa completa - Treino de repetições 349
5.3. Método de competição ou controlo 350
6. Métodos intervalados versus métodos contínuos 351

Secção C - Estudo sobre a velocidade 353


1. A velocidade como capacidade elementar 358
2. Definição 359
3. Em que modalidades desportivas se manifesta a velocidade 360
4. Formas básicas de estruturação da velocidade 362
4.1. Velocidade de reacção 362
4.2. Velocidade de execução 363
4.3. Capacidade (velocidade) de aceleração 364
4.4. A velocidade máxima 365
4.5. A velocidade resistente 365
5. Factores de que depende a velocidade 366
5.1. Velocidade de propagação dos impulsos nervosos 367
5.2. Elevada quantidade de fibras de contracção rápida 368
5.3. Capacidade de recrutar um número elevado de fibras musculares 368
5.4. Capacidade de alternância de contracção e descontracção musculares 369
5.5. A mobilização da vontade 370
XIV • Metodologia do treino desportivo I !

5.6. Eficiência dos mecanismos bioquímicos 370


5.7. A qualidade técnica 371
5.8. Nível de mobilidade articular 372
6. Conceitos fundamentais no treino da velocidade 372
6.1. Programa temporal 373
6.1.1. Movimentos acíclicos 374
6.1.1.1. Programa temporal de curta duração 374
6.1.1.2. Programa temporal de longa duração 374
6.1.2. Movimentos cíclicos 375
6.2. transferência dos programas temporais 377
7. Orientaçõesmetodológicas para o treino da velocidade 379
7.1. Treino da velocidade elementar 380
7.1.1. Velocidade acíclica elementar 380
7.1.2. Velocidade cíclica elementar 382
7.1.2.1. Intensidade e volume no treino da velocidade elementar 383
7.1.2.2. Recomendações metodológicas 384
7.2. Treino da velocidade complexa 387
7.2.1. Nos jogos desportivos colectivos e nos jogos de combate 389
7.2.2. Recomendações metodológicas 391
7.3. O treino da velocidade de reacção 394
7.4. Treino das capacidades de velocidade no sprint 396
7.4.1. Capacidade de aceleração 396
7.4.2. Velocidade máxima 398
7.4.3. Velocidade resistente 400

Secção D - Estudo sobre a flexibilidade 405


1. Definição 409
2. Importância da flexibilidade 410
2.1. União entre o corpo, a mente e o espírito 410
2.2. Relaxação da tensão e do stress 410
2.3. Relaxação muscular 411
2.4. Auto-disciplina 411
2.5. Forma física, postura e simetria 411
2.6. Dores na região lombo-sagrada 412
2.7. Alívio da dor muscular 412
2.8. Melhoria da capacidade de execução 412
2.9. Prevenção de lesões 413
3. Potenciais desvantagens do treino da flexibilidade 414
4. Tipos de flexibilidade (classificação) 415
4.1. A flexibilidade estática e dinâmica 415
4.2. A flexibilidade activa e passiva 415
4.3. A flexibilidade geral e específica 416
5. Principais factores que condicionam a flexibilidade 416
5.1. Ósteo-articular 416
5.1.1. Superfícies articulares 416
5.1.2. Cartilagens, cápsulas e ligamentos 417
5.1.3. Cápsulas e ligamentos 417
5.1.4. Consequências metodológicas 417
5.2. Muscular (estrutura muscular) 418
5.2.1. a extensibilidade 418
Índice • XV

5.2.2. A elasticidade 419


5.2.3. Consequências metodológicas 419
5.3. Neuromuscular 420
5.3.1. Fusos neuromusculares 420
5.3.2. Os orgãos tendinosos de Golgi 420
5.3.3. Receptores articulares 421
5.3.4. Consequências metodológicas 421
5.4. Outros factores que influenciam a flexibilidade 421
5.4.1. A idade 421
5.4.2. Sexo 422
5.4.3. Factores externos 423
5.4.4. A temperatura muscular 423
5.4.5. A fadiga 423
5.4.6. Estados emotivos 423
6. Métodos e conteúdos do treino da flexibilidade 424
6.1. Métodos dinâmico e estático 425
6.1.1. Argumentos que suportam o método dinâmico 425
6.1.2. Argumentos contra o método dinâmico 426
6.1.3. Argumentos que suportam o método estático 426
6.1.4. Argumentos contra o método estático 427
6.2. Outras formas de classificação 427
6.2.1. Estiramento passivo 427
6.2.2. Estiramento passivo-activo 428
6.2.3. Estiramento activo-assistido 429
6.2.4. Estiramento activo 429

6.3. Método de facilitação neuromuscular proprioceptiva (PNF) 431


6.3.1. Bases fisiológicas do método PNF 431
6.3.1.1. Vantagens do método PNF 433
6.3.1.2. Desvantagens e argumentos contra o método PNF 433
6.3.2. Técnicas de PNF 434
6.3.2.1. Contracções repetidas 434
6.3.2.2. Ritmo de iniciação 434
6.3.2.3. Lenta inversão 435
6.3.2.4. Lenta inversão-manter 435
6.3.2.5. Estabilização do ritmo 435
6.3.2.6. Contracção-relaxamento 435
6.3.2.7. Manter-relaxar 436
6.3.2.8. Lenta inversão-manter-relaxar 436
6.3.2.9. Inversão agonistica 437
7. Princípios metodológicos do treino da flexibilidade 437

Parte V - O planeamento do treino desportivo 439


1. Conceito de planeamento 442
2. A natureza do planeamento 443
3. Objectivos do planeamento 444
4. A importância do planeamento 444
5. Os níveis de planeamento 445
XVI • Metodologia do treino desportivo I !

Capítulo 1 - O planeamento conceptual 447


1. Conceito de planeamento conceptual 451
2. Natureza do planeamento conceptual 451
3. Objectivos do planeamento conceptual 452
4. Etapas do planeamento conceptual 453
4.1. Descrição e análise da situação 454
4.1.1. O subsistema cultural 454
4.1.2. O subsistema estrutural 454
4.1.3. O subsistema metodológico 455
4.1.4. O subsistema relacional 455
4.1.5. O subsistema técnico-táctico 456
4.1.6. O subsistema táctico-estratégico 456
4.1.7. Avaliação da época desportiva anterior 456
4.2. Descrição do modelo no futuro 457
4.2.1. Definição de modelo 458
4.2.2. A natureza do modelo 458
4.2.3. Objectivos do modelo 459
4.2.4. Bases para a construção do modelo 459
4.2.4.1. O responsável pela construção do modelo 460
4.2.4.2. O factor referencial do modelo 461
4.2.4.3. As regras fundamentais do modelo 461
4.2.4.4. Tendências evolutivas do modelo 463
4.2.5. Determinação dos objectivos da próxima época desportiva 464
4.3. Elaboração de programas de acção 464
4.3.1. Reproduzir o modelo 465
4.3.2. Controlar o processo de evolução individual e colectiva 465
4.3.3. Definir realisticamente objectivos intermédios 466

Capítulo 2 - O planeamento estratégico 467


1. Conceito de planeamento estratégico 471
2. Natureza do planeamento estratégico 471
3. Objectivos do planeamento estratégico 472
4. Meios (condicionantes favoráveis) do planeamento estratégico 472
4.1. Gerais 472
4.2. Específicos 473
5. Princípios de orientação do planeamento estratégico 474
6. Limites do planeamento estratégico 474
7. Etapas do planeamento estratégico 475
7.1. Recolha dos dados 476
7.1.1. As particularidades dos outros factores de treino 476
7.1.2. A qualidade dos adversários 477
7.1.3. A qualidade do treinador adversário 477
7.2. Comparação das forças 479
7.3. Elaboração do plano táctico-estratégico 479
7.3.1. A orientação geral do jogo colectivo 480
7.3.2. A adaptação dos métodos de jogo da equipa em função das particularidades da
expressão táctica adversária 481
Índice • XVII

7.3.3. Planear acções tácticas diferentes de forma a surpreender o adversário 481


7.3.4. Constituição da equipa 483
7.3.5. Distribuição das missões tácticas 485
7.4. Reunião de reconhecimento do(s) adversário(s) 486
7.4.1. Importância da reunião 486
7.4.2. Os meios da reunião 486
7.4.3. Os princípios da reunião 486
7.5. Elaboração do programa de preparação para o ciclo de treino 487
7.5.1. Número, duração, gradação, e objectivos fundamentais das sessões de treino para o
ciclo de preparação 487
7.5.2. A construção dos exercícios de treino para o ciclo de preparação 488
7.6. Experimentação do plano táctico-estratégico 488
7.7. A preparação nas horas que antecedem a competição 489
7.7.1. A concentração para a competição 489
7.7.2. O último treino antes da competição 489
7.7.3. Reunião de preparação para a competição 490
7.7.3.1. Importância da reunião 490
7.7.3.2. Objectivos da reunião 490
7.7.3.3. Os meios da reunião 491
7.7.3.4. Os princípios da reunião 492
7.7.3.4.1. Gerais 492
7.7.3.4.2. Específicos 493
7.7.3.5. Metodologia da reunião 493
7.7.3.5.1. Organizativos 494
7.7.3.5.2. Táctico-estratégicos 494
7.7.4. Aquecimento para a competição 496
7.7.4.1. Objectivos do aquecimento 496
7.7.4.2. Efeitos do aquecimento 497
7.7.4.3. Aspectos metodológicos do aquecimento 498
7.7.5. O regresso à calma 498
7.8. Reunião de análise da competição 499
7.8.1. Importância da reunião 499
7.8.2. Objectivos da reunião 499
7.8.3. Os meios da reunião 500
7.8.3. Os princípios da reunião 501
Capítulo 3 - O planeamento táctico 503
1. Conceito de planeamento táctico 507
2. Natureza do planeamento táctico 507
2.1. Concepção unitária para o desenrolar da competição 507
2.2. Inseparabilidade da acção técnica das intenções tácticas 508
2.3. Maximização e valorização das particularidades dos praticantes/jogadores 508
2.4. Confrontação das expressões tácticas quando em confronto directo 508
2.5. Carácter aplicativo e operativo da planeamento táctico 509
3. Objectivo do planeamento táctico 509
4. Meios do planeamento táctico 509
4.1. Os praticantes/jogadores 509
4.2. O treinador 510
5. Limites do planeamento táctico 510
6. O responsável pela direcção do planeamento táctico 511
7. Etapas do planeamento táctico 511
7.1. Direcção durante a competição 512
XVIII • Metodologia do treino desportivo I !

7.1.1. A sucessão, o momento, e as circunstâncias do resultado da competição 513


7.1.2. As lesões que sucedem durante a competição 514
7.1.3. As substituições 514
7.1.4. Os descontos de tempo 518
7.1.5. A acção do juiz da partida 519
7.1.6. Os adversários 520
7.2. Direcção durante o intervalo da competição 520
7.2.1. Relaxar/tranquilizar 520
7.2.2. Vigilância médica 521
7.2.3. Preparação para a segunda parte 521
7.3. Acções a ter em conta logo após o terminus da competição 522

Parte VI - A estrutura do processo de treino 523

Capítulo 1 - A microestrutura do treino desportivo 525


1. Os tipos de sessões (unidades) de treino 529
1.1. Sessões de treino para conhecer o(s) praticante(s) ou a equipa 529
1.2. Sessões de treino de aprendizagem 530
1.3. Sessões de treino de repetição 530
1.4. Sessões de treino de controlo (verificação) 531
1.5. Sessões de treino mistos 532
2. A forma da sessão de treino 532
2.1. Em grupo 532
2.2. Individualmente 533
2.3. Mistas 533
2.4. Livres 533
3. A duração da sessão de treino 534
4. A estrutura da sessão de treino 534
4.1. Parte de introdução da sessão de treino 535
4.2. Parte preparatória da sessão de treino 536
4.3. Parte principal da sessão de treino 536
4.4. Parte final da sessão de treino 537
5. A elaboração da sessão de treino 537

Capítulo 2 - A mesoestrutura do processo de treino 539


1. Constituição do microciclo 543
2. Duração do microciclo 543
3. Parâmetros metodológicos para a construção dos microciclos 543
4. Critérios para a construção dos microciclos 545
5. Classificação dos microciclos 546
5.1. Os microciclos graduais 546
5.2. Os microciclos de choque 547
5.3. Os microciclos de aproximação 547
5.4. Os microciclos de recuperação 547
5.5. Os microciclos de competição 547
6. A estrutura dos microciclos 548
Índice • XIX

Capítulo 3 - A macroestrutura do processo de treino 549


1. Constituição do macrociclo 553
2. Duração do macrociclo 553
3. Estrutura do macrociclo 553
4. A macroestrutura do treino desportivo e a periodização 554
4.1. A forma desportiva 555
4.1.1. As fases da forma desportiva 555
4.1.1.1. A fase de aquisição 556
4.1.1.2. A fase de estabilização 556
4.1.1.3. A fase da perda temporária 556
4.2. Razões da periodização do treino desportivo 557
4.3. Duração da forma desportiva 558
4.4. As fases da forma desportiva e os períodos de treino 559
5. Classificação das macroestruturas de treino 560
5.1. Periodização simples 560
5.2. Periodização dupla 561
5.3. Periodização tripla 562
6. Diferentes modelos de periodização do treino 563
6.1. O modelo proposto por Matveiev 563
6.2. O modelo pendular 565
6.3. O modelo por "saltos" 566
6.4. O modelo por "blocos" 566
6.5. O modelo proposto por Tschiene 567
6.6. O modelo proposto por Bondartchouk 568

Parte VII - A periodização do treino desportivo 569

Capítulo 1 - O período preparatório 571


1. Objectivos do período preparatório 575
2. A duração do período preparatório 575
3. A divisão do período preparatório 576
3.1. A etapa de preparação geral 576
3.1.1. Dinâmica da carga de treino 577
3.2. A etapa de preparação específica 579
3.2.1. Dinâmica das cargas 580
3.2.2. A correlação entre a preparação geral e específica 581
3.2.3. As competições no período preparatório 581

Capítulo 2 - O Período Competitivo 583


1. Objectivos do período competitivo 587
2. A duração do período preparatório 588
3. A dinâmica das cargas de treino 588
4. As competições no período competitivo 589
4.1. As competições preparatórias 590
4.2. As competições principais 591

Capítulo 3 - O Período de Transição 593


1. Duração do período transitório 597
XX • Metodologia do treino desportivo I !

2. Objectivos do período transitório 598


3. Variantes do período transitório 598
3.1. Transição passiva 599
3.2. Transição activa 599
4. Dinâmica da carga de treino 600

Parte VIII - O controlo do treino desportivo 601


1. Os limites do controlo do treino 605
2. Formas de controlo do treino 605
2.1. O controlo por etapa 606
2.2. O controlo corrente 607
2.3. O controlo operacional 607

Parte IX - O treinador desportivo 609


1. Estatuto e função do treinador desportivo 613
2. A autoridade do treinador desportivo 614
3. Diferentes estilos de liderança do treinador desportivo 614
3.1. Estilo na base da imposição da ordem e da disciplina 614
3.2. Estilo na base das relações afectivas 615
3.3. Estilo na base na participação 615
3.4. Os estilos de liderança e a especificidade da situação 616
3.5. A gestão de problemas/conflitos 619
4. Atributos caracteriais da personalidade do treinador 621
4.1. Ser um líder 621
4.2. Aptidão para criar um grupo ou equipa 622
4.3. Ter imaginação 623
4.4. Afastamento ou aproximação 623
4.5. Espírito combativo 624
4.6. Sentido de humor 624
4.7. Ser firme - mente forte 625
4.8. Serenidade e dignidade 626
4.9. Independência, decisão e coragem 626
4.10. Ter entusiasmo 627
4.11. Saber reagir face ao resultado 627
5. Competências do treinador desportivo 629
5.1. Competência técnico-desportiva 629
5.1.1. Técnico especializado 629
5.1.2. Saber comunicar 630
5.1.2.1. Credibilidade 630
5.1.2.2. Aproximação positiva 631
5.1.2.3. Comunicar com coerência 633
5.1.3. Saber ouvir 633
5.1.3.1. Aprender a ouvir 634
5.1.3.2. Ouvinte activo 635
5.1.3.3. A comunicação não verbal 635
5.2. Competência táctico-estratégica 636
5.2.1. Dimensão conceptual 637
5.2.1.1. Descrição e análise da situação 637
5.2.1.2. O responsável pela construção do modelo 638
Índice • XXI

5.2.1.3. Elaboração de programas de acção 639


5.2.2. Dimensão estratégica 640
5.2.3.1. Recolha de dados e a elaboração de planos 640
A/ Recolha de dados 640
B/ Elaboração do programa de preparação para o ciclo de treino 640
C/ Elaboração do plano táctico-estratégico 640
5.2.3.2. Orientação e constituição da equipa 641
A/ A orientação geral do jogo colectivo 641
B/ Constituição da equipa 641
C/ Distribuição das missões tácticas 642
5.2.3.3. Reuniões com a equipa 642
A/ Reunião de reconhecimento do adversário 642
B/ Reuniões de preparação para a competição 643
C/ Reuniões de análise da competição 644
5.2.4. Dimensão táctica 644
5.2.4.1. Direcção durante a competição 645
A/ As substituições 645
B/ Os descontos de tempo 646
5.2.4.2. Direcção durante o intervalo da competição 646
5.2.4.3. Direcção logo após o terminus da competição 647
PARTE I

CONCEITOS DO TREINO DESPORTIVO

Resp: Jorge Castelo


2 • Metodologia do treino desportivo I !

Conteúdo da Parte I

Nesta 1ª Parte incidiremos o nosso esforço de reflexão sobre um


conjunto de conceitos do treino desportivo por forma a objectivar dois
aspectos fundamentais: i) por um lado, contribuir para a sua
clarificação e, ii) por outro, estabelecer um código referencial por forma
que o leitor valorize homogénea e relevantemente os diferentes
significados nela implícitos.

Metodologia do treino desportivo I


Conteúdo Programático

Conceitos do treino Planeamento Planeamento do Parte V


Parte I desportivo Conceptual treino desportivo

Planeamento
Estratégico
Factores do rendi-
Parte II mento desportivo
Planeamento
Táctico

Parte III O exercício de trei- Fundamentos do


Estrutura do
no desportivo exercício de treino Microestrutura Parte VI
processo de treino
Bases conceptuais
exercício de treino Mesoestrutura

Bases de aplicação
exercício de treino Macroestrutura

Bases de eficácia
exercício de treino
Período Periodizacão do Parte VII
Preparatório treino desportivo

Período
Parte IV Factores do treino O factor técnico
Competitivo
desportivo desportivo

O factor táctico Período


desportivo Transitório

O factor físico Estudo sobre


desportivo a força O controlo do
treino desportivo Parte VIII
Estudo sobre
a resistência

Estudo sobre
a velocidade

Estudo sobre
a flexibilidade

O treinador
perfil e competências
Parte IX
" Conceitos do treino desportivo • 3

Organigrama 2

Parte I

Conceitos do treino desportivo

Sumário

1. O treino e a treinabilidade
1.1. Preparação desportiva precoce
1.2. A especialização precoce
2. A carga e a cargabilidade
2.1. A natureza da carga
2.1.1. Cargas de treino ou de competição
2.1.2. Cargas específicas ou não específicas
2.1.3. Cargas em função da época desportiva
2.2. A grandeza da carga
2.2.1. Externo
2.2.2. Interno
2.3. A orientação da carga
2.3.1. Selectiva
2.3.2. Complexa
3. A adaptação e a capacidade de rendimento
3.1. Adaptação rápida
3.2. Adaptação a longo termo
4. A fadiga e a recuperação
4.1. Fadiga evidente
4.2 Fadiga latente
5. O estado de treino e o estado de preparação
4 • Metodologia do treino desportivo I !

Bibliografia:

BOMPA, T. (1990) - Theory and methodology of training. York University,


Toronto
CARVALHO, A., (1985) Organização e condução do processo de treino I,
Revista horizonte, Vol.I, nº4, Nov/Dez 1984, pp 111-114, Vol I, nº5, Jan/Fev
MARQUES, A., (1991) A especialização precoce na preparação desportiva,
Revista treino desportivo, IIº série, nº19, Março
MATVEYEV, L., (1986), Fundamentos do Treino Desportivo, Livros
Horizonte, Lisboa
PLATONOV, V., (1988) L' Entrâinement Sportif: Théorie et Méthodologie,
Ed. E.P.S., Paris
WEINECK, J., (1983), Manuel d' Entrâinement, Ed. Vigot, Paris
Sector de formação da DGD, O conceito do treino desportivo, Revista treino
desportivo, nº1, pp. 3-6
ZATSIORSKY, V., (1966) Les qualités physiques du sportif, Moscovo, Doc
INS nº685
" Conceitos do treino desportivo • 5

A noção de "treino", é empregue nas mais variadas áreas, abrangendo um


processo que, através de exercícios, visa a atingir um nível mais elevado na
área do objectivo previsto.

O treino desportivo liga-se indissoluvelmente ao fenómeno desportivo e é


condição essencial ao cumprimento de uma das facetas definidoras deste
fenómeno: a superação. De facto, universalmente o treino desportivo tem como
um dos seus objectivos obter um rendimento desportivo máximo.

A preparação de um praticante ou de uma equipa para a competição desportiva


pretende conseguir que estes sejam capazes de resolver as situações que
enfrentam durante a competição, procurando obter a vitória através:
do domínio das acções técnicas e dos comportamentos tácticos de uma
determinada modalidade;
da adaptação do organismo aos esforços intensos solicitados pela
competição; e,
da habituação progressiva dos praticantes às exigências psico-emocionais
da competição.

O treino desportivo procura pois, estabelecer pelos seus efeitos, uma adaptação
do(s) praticante(s) às condições que lhe são impostas pela competição, de
modo assegurar:
• uma eficiência máxima;
• com um dispêndio mínimo de energia; e
• uma recuperação rápida.

Se bem que a problemática profunda do treino desportivo se vincule


prioritariamente à prática desportiva de alta e média competição não podemos
desligá-los da prática desportiva de carácter recreativo e de manutenção. Os
6 • Metodologia do treino desportivo I !

princípios e os aspectos assinalados no conceito de treino desportivo mantêm-


se válidos só variando a sua latitude de aplicação e os limites dos seus
objectivos.
Seguidamente iremos desenvolver cinco conceitos fundamentais e
"tradicionais" do treino desportivo: o treino e a treinabilidade, a carga e a
cargabilidade, a adaptação e a capacidade de rendimento, a fadiga e a
recuperação, o estado de treino e o estado de preparação.

1. O treino e a treinabilidade

O treino é um processo pedagógico que visa desenvolver as capacidades


técnicas, tácticas, físicas e psicológicas do(s) praticante(s) e das equipas no
quadro específico das situações competitivas através da prática sistemática e
planificada do exercício, orientada por princípios e regras devidamente
fundamentadas no conhecimento científico. Aumenta os limites de adaptação
do indivíduo ou grupo de indivíduos com a finalidade de atingir com o máximo
de rendimento e sob um regime de economia de esforço e de resistência à
fadiga, um resultado pré-estabelecido de acordo com uma previsão anterior.

A treinabilidade exprime o grau de adaptabilidade e de modificação positiva do


estado informacional, funcional e afectivo do(s) praticante(s) como resultado
dos efeitos dos exercícios de treino. Trata-se de uma medida dinâmica que
depende de uma série de factores. Na infância ou na adolescência, as fases
chamadas "sensitivas" são muito importantes para a treinabilidade. Isto
significa a existência de períodos de desenvolvimento particularmente
favoráveis ao treino de determinados factores da "performance" motora
desportiva, isto é, a treinabilidade é particularmente elevada nesse período
(Hirtz, 1976, Winter, 1980). Todavia, a discussão em torno da exacta
ocorrência dessas fases não está ainda esgotada. O não aproveitamento dessas
fases "sensitivas" pode resultar em que factores de "performance", que a um
" Conceitos do treino desportivo • 7

dado momento e com um estímulo conveniente acusariam taxas elevadas de


melhoria, já não podem ser atingidos a não ser mediante um esforço
desproporcional despendido no treino.

1.1. Preparação desportiva precoce

Uma questão que está intimamente ligada à treinabilidade é o problema da


especialização precoce do treino da criança e do jovem. Como é do
conhecimento comum, a preocupação generalizada de todas as modalidades
desportivas é de iniciarem o processo de formação e preparação dos seus
praticantes cada vez mais cedo, isto é, em idades jovens. Neste sentido,
entende-se a preparação desportiva como "um processo permanente que
começa cedo na vida da criança e acaba tarde numa fase avançada na vida
do indivíduo" (Marques, 1991). Com efeito, embora a preparação/formação
dos jovens comece cedo, é realizada através de cargas de treino de carácter
multilateral que não visam a obtenção de elevados níveis de rendimento
relativos, mas preocupam-se fundamentalmente com a formação global e
integrada dos jovens praticantes.
8 • Metodologia do treino desportivo I !

Idade 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15
Capacidade de
aprendizagem motora
Capacidade de diferenciação
Componentes psicomotoras

e controlo
Capacidade de reacção
óptica e auditiva
Capacidade de orientação
espacial

Capacidade de ritmo

Capacidade de equilíbrio
Componentes condicionais

Resistência

Força

Velocidade

Flexibilidade
cognoscitivas
Comp. psico-

Capacidade afectivo-
-cognoscitiva
Capacidade de
aprendizagem

Figura 1. Modelo das fases sensíveis para cada componente da capacidade de


desempenho motor (Martin, 1982)

1.2. A especialização precoce

Por especialização precoce entende-se a potencialização dos jovens para se


atingir resultados desportivos e níveis de rendimento elevados de forma
precoce, isto é, rápida. Daqui se infere, que a preparação dos jovens
praticantes é orientada e potencializada de forma unilateral prematuramente,
forçado-os a cumprir regimes de treino com um elevado ritmo no
incremento das cargas, fundamentalmente na componente intensidade e na
especificidade de um número limitado de gestos técnicos.

Segundo Matveiev (1983), a formação multilateral tem reflexos a longo


prazo no rendimento e faz parte integrante do processo pedagógico unitário
de formação e educação no treino desportivo, mas pela sua orientação
multivariada não cria as condições para os êxitos imediatos numa dada
modalidade desportiva. Pelo contrário, a especialização precoce permite
" Conceitos do treino desportivo • 9

uma rápida obtenção de resultados, mas limita a sua evolução posterior,


reduzindo o tempo de actividade desportiva a alto nível e em muitos casos
os praticantes nem chegam a essas fases porque esgotam prematuramente a
sua capacidade de prestação, abandonando por vezes a carreira desportiva
mais cedo.

Concluindo, todos os especialistas convergem para as seguintes


necessidades:
• respeitar na prática desportiva o princípio da universalidade, isto é, o
primado da preparação multilateral sobre a preparação especializada, nas
fases mais baixas do processo de preparação desportiva;
• adequar o treino à idade biológica dos praticantes;
• assegurar a preponderância do desenvolvimento das técnicas
desportivas sobre o aumento da capacidade funcional do organismo;
• privilegiar no desenvolvimento das capacidades motoras o princípio da
dominância das exigências no plano coordenativo, isto é, da prioridade
no desenvolvimento da velocidade, das capacidades coordenativas e da
mobilidade articular;
• assegurar um ritmo mais lento no incremento das cargas de treino, ou
seja observar o princípio da relação óptimal entre carga e recuperação, o
que passa por considerar também a necessidade de compatibilização de
cargas duplas escola/treino num ser em crescimento e desenvolvimento.
Com efeito, em paralelo com os processos de biosíntese necessários para
a recuperação das cargas de treino, isto é para a renovação tecidular,
ocorrem processos de biosíntese para o crescimento;
• respeitar o princípio da variação das condições de exercitação, da
realização de movimentos, da variação dos exercícios;
• recorrer a métodos de treino mais atraentes e agradáveis, ou seja, a
uma maior valorização do jogo como método de treino mais efectivo para
a criança.
10 • Metodologia do treino desportivo I !

2. A carga e a cargabilidade

A carga é o elemento central do sistema de treino, compreende no sentido lato


o processo de confronto do praticante com as exigências que lhe são
apresentadas durante o treino, com o objectivo de optimizar o rendimento
desportivo. A carga é definida por três vertentes fundamentais: natureza,
grandeza e orientação.

2.1. A natureza da carga

A natureza da carga pode ser denominada da cargas de treino ou de


competição, cargas específicas e não específicas e cargas em função da
época desportiva.

2.1.1. Cargas de treino ou de competição

A reconstituição de um clima competitivo durante as sessões de treino


assegura uma maior mobilização informacional, energética e afectiva dos
praticantes, permitindo, assim, integrar numa estrutura única o conjunto
de capacidades e de qualidades fundamentais predominantes à
consecução dos objectivos da modalidade desportiva em análise.
2.1.2. Cargas específicas ou não específicas

A especificidade da carga é definida pela analogia dos exercícios que a


constituem e a actividade competitiva da modalidade desportiva. Se a
analogia é elevada o efeito de transfer no binómio treino/competição
também o é, aumentando-se assim, o rendimento desportivo dos
praticantes ou das equipas. Neste sentido, embora as cargas específicas,
não possam substituir completamente os exercícios de competição,
devem reproduzi-los total ou parcialmente de forma mais fiel possível.

2.1.3. Cargas em função da época desportiva


" Conceitos do treino desportivo • 11

As cargas podem ser igualmente denominadas em função do período de


planeamento anual de treino na qual esta se insere (preparação geral ou
especial, de competição, de transição).

2.2. A natureza da carga

A grandeza da carga é determinada pela importância das solicitações (fraca,


média, elevada, ou máxima) exigidas aos praticantes, sendo avaliada sob
dois tipos de índices: externos e internos.

2.2.1. Externas

Traduz as tarefas que o(s) praticante(s) deverá(m) cumprir sendo


determinado pelo exercício ou exercícios efectuados (volume) na unidade
de tempo (intensidade).

2.2.2. Internos

Corresponde à repercussão ao nível dos diferentes recursos do praticante


(informacional, energética e afectiva, sendo altamente individualizada),
que a aplicação da carga externa provoca.
Os índices externos e internos da carga são interdependentes, pois, o
aumento do volume ou da intensidade determina de imediato o aumento
das solicitações dos sistemas funcionais. Importa igualmente referir que o
estado de treino ou de preparação do(s) praticante(s) influem de forma
decisiva sobre a reacção interna de uma determinada carga. Neste
contexto, "a mesma carga externa utilizada por diferentes praticantes
provoca neles diferentes níveis de adaptação, uma vez que esta depende
da capacidade momentânea de rendimento de cada um deles. Assim,
para aqueles que estão num estado de treino avançado, essa carga pode
ser demasiado baixa e não atingir o limiar de adaptação, logo não
12 • Metodologia do treino desportivo I !

reproduzir qualquer efeito, enquanto para um principiante poderá ser


demasiado elevada, se for continuamente repetida poderá mesmo
originar uma situação de supertreino" (Carvalho, 1984)

Do mesmo modo a aplicação de cargas limite suscitam diferentes


reacções em praticantes com diferentes níveis de preparação. Com efeito,
os praticantes melhor preparados apresentam reacções mais intensas
perante a carga e uma recuperação mais rápida.

2.3. A orientação da carga

A orientação da carga é definida pela qualidade ou capacidade que é


potencializada (no plano, físico, técnico, táctico, ou psicológico) e pela fonte
energética predominantemente solicitada (processos aeróbios, ou anaeróbios).
Esta orientação pode ser classificada em: selectiva e complexa.

2.3.1. Selectiva

A carga é selectiva quando privilegia uma determinada capacidade e


concomitantemente uma determinada fonte energética.

2.3.2. Complexa

A carga é complexa quando se solicita diferentes capacidades e


diferentes fontes energéticas.
" Conceitos do treino desportivo • 13

Praticantes pouco treinados Praticantes de nível superior

Praticantes de nível médio Praticantes de nível médio

Reacção
Reacção

Praticantes de nível superior

carga Recuperação carga limite Recuperação


Figura 2. A reacção e a recuperação dos praticantes de diferentes níveis de rendimento
perante uma carga semelhante e perante uma carga limite

Cargabilidade ou capacidade de suportar a carga de treino, é o nível óptimo das


componentes estruturais (fisiológicas: volume e da intensidade, etc.,
técnico-tácticos: espaço, tempo, etc.), com o que se pode realizar um ou vários
exercícios sem que dai advenham malefícios (lesões) para o(s) praticante(s).
Basicamente podemos definir dois tipos de carga: limite e máxima.
a carga limite: é a carga que se encontra no limite das capacidades
funcionais do organismo dos praticantes. Nunca deve servir de ponto de
referência de forma a traduzir as possibilidades de adaptação dos praticantes
ao treino, pois a sua utilização diminuirá não só essas possibilidades como
originará um estado de supertreino com todas as implicações que daí
advêm; e,
a carga máxima: a medida quantitativa concreta desta carga depende
naturalmente do nível de treino prévio do praticante, das suas características
individuais e dos aspectos específicos da modalidade desportiva em causa.
É a carga que permite alcançar o mais alto nível de treino, exigindo do
organismo do praticante um estado fisiológico pleno. À medida que o efeito
do treino se faz sentir e se elevem as possibilidades funcionais e de
adaptação, aumenta na mesma proporção os valores máximos da carga.
3. A adaptação e a capacidade de rendimento
14 • Metodologia do treino desportivo I !

A adaptação é a reacção natural do organismo quando as cargas de treino são


aplicados regular, metódica e sistematicamente criando um novo estado de
equilíbrio qualitativamente superior através das progressivas modificações
neurológicas, biológicas, fisiológicas e psicológicas. A dinâmica da adaptação
é consubstanciado pela dinâmica da carga. Neste sentido, o ser humano para
além da capacidade de reagir a estímulos, quando estes possuem uma certa
intensidade e quando são aplicados regularmente, tem também a capacidade de
se adaptar, criando as condições mais favoráveis ao aumento do rendimento
desportivo dos praticantes e das equipas. Podemos distinguir dois tipos de
adaptação (Platonov, 1988): rápida e a longo termo.

3.1. A adaptação rápida

A adaptação rápida traduzida pela reacção do organismo a um exercício de


intensidade máxima. Os sistemas funcionais atingem, neste contexto, uma
actividade elevada desde o seu início até ao seu terminus. Observa-se três
fases fundamentais na reacção do organismo a este tipo de carga:
• a primeira é caracterizada pela activação dos sistemas funcionais
solicitados que se traduz por um aumento brusco da frequência cardíaca,
do débito ventilatório, do consumo de oxigénio, da concentração de
lactato, etc.;
• a segunda é caracterizada por se atingir um estado estável. A
actividade dos diferentes sistemas funcionais mantêm-se a um nível
constante; e,
• a terceira é caracterizada pela diminuição progressiva do equilíbrio
entre as necessidades ligadas à actividade e a capacidade do organismo
em satisfazê-las.

3.2. A adaptação a longo termo


" Conceitos do treino desportivo • 15

A adaptação a longo termo; faz intervir mecanismos totalmente diferentes


da adaptação rápida. Com efeito, a aplicação de uma carga superior ao nível
habitual, mas com uma intensidade submáxima opera uma adaptação em
quatro fases:
• a primeira é constituída pela utilização repetitiva de cargas de forma a
solicitar os mecanismos de adaptação rápida;
• durante a segunda fase a repetição planificada das cargas e o seu
aumento progressivo, determinam a adaptação dos orgãos e dos sistemas
nas suas novas condições de funcionamento;
• a terceira fase é de estabilização, implicando uma correcta
coordenação entre os orgãos de execução e os sistemas funcionais de
base. Esta coordenação assegura o aumento das reservas funcionais; e,
• a quarta fase produz-se logo que a terceira se torna demasiado intensa,
ou conduzida de forma pouco racional, não respeitando os intervalos
necessárias para recuperação.

A diferença entre a adaptação rápida e a adaptação a longo termo é


consubstanciada fundamentalmente pela rápida normalização dos diferentes
índices fisiológicos (por exemplo: uma corrida de 400 metros), enquanto que a
segunda poderá levar alguns dias para que estes se normalizem (por exemplo
uma prova de maratona).

A capacidade de rendimento é o grau de expressão de um determinado


rendimento desportivo individual ou colectivo. Representa o resultado real.

4. A fadiga e a recuperação
16 • Metodologia do treino desportivo I !

A fadiga é considerada um importante factor de mobilização dos recursos


funcionais e, neste sentido, um potente factor de adaptação.
Complementarmente, a fadiga intervem na limitação do volume de treino e na
frequência na prestação desportiva. Podemos distinguir (Platonov, 1988) a:
fadiga evidente e a fadiga latente.

4.1. A fadiga evidente

A fadiga evidente manifesta-se pela redução da capacidade de trabalho e a


incapacidade de suportar o regime de treino num determinado nível.

4.2. A fadiga latente

A fadiga latente corresponde à capacidade de manter a capacidade de


trabalho, fazendo continuamente apelo a diferentes recursos funcionais e a
mecanismos de compensação. Verifica-se ainda, neste contexto, o aumento
da despesa energética.

A recuperação

Após a aplicação de uma carga de treino, a capacidade de trabalho do


organismo vai evoluir de uma forma sistemática na qual podemos distinguir
quatro etapas: diminuição das capacidades, restauração das capacidades,
supercompensação e estabilização num nível próximo do inicial. Com efeito,
após o trabalho, subrevem um período durante o qual as possibilidades de
adaptação do sistema funcional é reforçado. Logo, o treino tem por objectivo
tirar partido dessa elevação de possibilidades de adaptação para as solicitar
cada vez mais.

Podemos distinguir duas fases na reacção dos sistemas funcionais a uma carga
de treino:
" Conceitos do treino desportivo • 17

uma fase de retorno à homeostase que demora entre alguns minutos e


umas horas;
uma fase construtiva, no decurso do qual se organizam as modificações
funcionais e estruturais ao nível dos tecidos ou sistema funcionais
solicitados.

Segundo Bompa (1990) 70% da recuperação verifica-se no primeiro terço do


tempo necessário para essa recuperação, 20% no segundo terço e os restantes
10% no terceiro terço.
100%
Nível de fadiga

0%
2/3 3/3 Tempo de recuperação
1/3
70% 20% 10%

Figura 3. A dinâmica da curva de recuperação (Bompa, 1990)

5. O estado de treino e o estado de preparação

O estado de treino reflecte a adaptação biológica geral do organismo.


Distingue-se habitualmente:
o treino geral que resulta de exercícios que melhoram a saúde e
aumentam as possibilidades funcionais gerais;
o treino específico que resulta do aperfeiçoamento no domínio
especializado da actividade.

O estado de preparação exprime a capacidade do organismo de manifestar as


suas possibilidades máximas durante o decurso da competição. Este estado
condiciona a forma desportiva.
18 • Metodologia do treino desportivo I !
PARTE II

FACTORES DO RENDIMENTO DESPORTIVO

Resp: Jorge Castelo


18 • Metodologia do treino desportivo I !

Conteúdo da Parte II

A segunda parte deste livro reflecte a análise dos factores fundamentais


do rendimento desportivo. Embora se observe uma multiplicidade e
variabilidade de componentes, incidiremos a nossa reflexão sobretudo
na eficácia do sistema de treino considerando-o como vertente central
do rendimento dos atletas/praticantes. Dentro deste sistema
evocaremos a importância do exercício no contexto do treino
desportivo bem como as suas relações metodológicas.

Metodologia do treino desportivo I


Conteúdo Programático

Conceitos do treino Planeamento Planeamento do Parte V


Parte I desportivo Conceptual treino desportivo

Planeamento
Estratégico
Factores do rendi-
Parte II mento desportivo
Planeamento
Táctico

Parte III O exercício de trei-


no desportivo
Fundamentos do
exercício de treino Estrutura do
Microestrutura Parte VI
processo de treino
Bases conceptuais
exercício de treino
Mesoestrutura

Bases de aplicação
exercício de treino Macroestrutura

Bases de eficácia
exercício de treino
Período Periodizacão do Parte VII
Preparatório treino desportivo

Parte IV Factores do treino O factor técnico Período


desportivo desportivo Competitivo

O factor táctico Período


desportivo Transitório

O factor físico Estudo sobre


desportivo a força O controlo do
treino desportivo Parte VIII
Estudo sobre
a resistência

Estudo sobre
a velocidade

Estudo sobre
a flexibilidade

O treinador
perfil e competências
Parte IX
Organigrama 3
" Factores do rendimento desportivo • 19

Parte II

Factores do rendimento desportivo

Sumário

1. Os factores do rendimento desportivo (Matvéiev)


1.1. As capacidades individuais e o seu grau de preparação
1.2. A amplitude do movimento desportivo e as condições sociais
1.3. A eficiência do sistema de treino

2. O modelo teórico de Claude Bouchard


2.1. O sub-grupo das determinantes invariáveis da performance
2.1.1. Contributo da hereditariedade nas estruturas morfológicas
2.1.2. Contributo da hereditariedade nas estruturas orgânicas
2.1.3. Contributo da hereditariedade nas estruturas perceptivas
2.1.4. Contributo da hereditariedade no plano das características psicológicas
2.2. O subgrupo das determinantes variáveis da performance
2.2.1. A eficácia técnica
2.2.2. A influência da inteligência táctico-estratégica
2.2.3. A condição física geral
2.2.4. A condição física específica
2.2.5. Nível de preparação psicológica
2.2.6. A influência do meio social
2.2.7. Conjunto de factores complementares
2.2.8. O repouso, a relaxação, a recreação e os tempos livres
2.3. O subgrupo dos factores da organização e do controlo associado à
performance
2.3.1. O sistema organizativo que programa e controla o treino
2.3.2. O dossier de treino e o dossier do atleta
2.3.3. O exame médico geral preventivo ou correlativo do praticante
2.3.4. Avaliação das condicionantes variáveis gerais
2.3.5. Avaliação das condicionantes variáveis específicas
2.3.6. A acção do pessoal técnico e dos especialistas
20 • Metodologia do treino desportivo I !

Bibliografia:

BOUCHARD, C. (1973) "La preparation d´un champion" Un essai sur la


préparation à la performance sportive. Pélican. Québec.
MATVÉIEV, L. (1986) Fundamentos do treino desportivo. Livros Horizonte,
Lisboa
PLATONOV, V., (1988) L' Entrâinement Sportif: Théorie et Méthodologie,
Ed. E.P.S., Paris
ULATOWSKI, T. La theorie de l´entrainement sportif. Comité Internacional
Olympique, 1975
WEINECK, J., (1983), Manuel d' Entrâinement, Ed. Vigot, Paris
" Factores do rendimento desportivo • 21

Numa análise substancial e profunda do rendimento desportivo a qualquer


nível, quer individual (desportos individuais) como colectivo (desportos
colectivos) em competição, observa-se uma multiplicidade e uma variabilidade
de componentes, uns de origem endógena (respeitantes aos praticantes) e,
outros, de origem exógena (respeitantes ao contexto em que a competição se
desenvolve) que intervêm directa ou indirectamente nos resultados obtidos.

1. Os factores do rendimento desportivo (Matvéiev)

Segundo Matvéiev (1977), podemos agrupar a dinâmica do rendimento


desportivo na base de três vertentes fundamentais: i) as capacidades individuais
e o seu grau de preparação, ii) a amplitude do movimento desportivo e as
condições sociais e, iii) a eficiência do sistema de treino.

1.1. As capacidades individuais e o seu grau de preparação

Numa primeira análise, todo o indivíduo é portador de um potencial


genético cuja importância é decisiva na obtenção de elevados rendimentos
desportivos. Este factor de base é relativamente constante. Todavia, embora
não menosprezando a importância deste factor no contexto do rendimento
desportivo, a sua expressão depende das experiências vividas, que são
determinadas por uma actividade (treino/competição) racionalmente
conduzida. Durante o qual o praticante domina os comportamentos técnicos
e tácticos de base da lógica interna da modalidade escolhida, aperfeiçoando-
as e, desenvolve as suas capacidades naturais criando as aptidões
necessárias para o seu progresso desportivo que consubstancia o grau de
preparação do(s) praticante(s). Nestas circunstâncias, o treino/competição
aparece como um factor dinâmico o qual modifica constantemente a
capacidade de rendimento do(s) praticante(s), em função do empenhamento
22 • Metodologia do treino desportivo I !

deste(s) à modalidade que escolheram e à qualidade científico-metodológica


deste processo.
Com efeito, entre os factores do rendimento desportivo, não é difícil
distinguir por um lado, factores internos estabelecidos pelas possibilidades
genéticas do(s) praticante(s) e o seu estado de preparação e, por outro, os
factores externos que se ligam indissoluvelmente aos meios e métodos de
treino que asseguram a sua preparação. Logo, na actualidade, nem os mais
dotados no plano genético podem atingir elevados níveis de rendimento se
não criarem as condições mais favoráveis para a sua obtenção, que é
consubstanciado pelo treino persistente num grande esforço de
auto-aperfeiçoamento, nas diferentes fases da formação competitiva.

1.2. A amplitude do movimento desportivo e as condições sociais

"Como fenómeno social o desporto está organicamente contido no sistema


de relações sociais e o seu desenvolvimento é condicionado pelos factores
sociais, económicos e correlativos. É por esse motivo que o nível de
resultados desportivos obtidos num ou noutro país depende, em última
análise, das condições de vida da sociedade e da sua organização social,
que determinam o desenvolvimento do movimento desportivo" (Matvéiev,
1977).

No entanto, refere o mesmo autor (1977), "o efeito deste factor, mediante
um certo número de relações e condições indirectas, não garante
automaticamente, a melhoria do rendimento desportivo dos praticante(s),
havendo a necessidade de canalizar de forma correcta as possibilidades
existentes"

1.3. A eficácia do sistema de treino


" Factores do rendimento desportivo • 23

"À medida que se aperfeiçoa o sistema de treino desportivo, especialmente


as suas bases científicas e metodológicas, o seu conteúdo, a sua orgânica,
as disponibilidades materiais e técnicas aumentaram o seu efeito no nível
geral dos resultados desportivos" (Matvéiev, 1977). Isto só foi possível
devido à diversificação de estudos que estabeleceram um conhecimento
profundo sobre o conteúdo (lógica interna) das diferentes modalidades
desportivas, bem como, os processo inerentes à aprendizagem,
aperfeiçoamento e desenvolvimento dos diferente(s) praticante(s), numa
simbiose cada vez mais adaptada às necessidades e evoluções da actividade
competitiva.

Neste sentido, é sintomático que as marcas dos Jogos Olímpicos da era


moderna, que nos seus tempos pareceram extraordinárias, estejam hoje em
dia ao alcance de muitos milhares de praticantes de nível mediano. Este
facto explica-se especialmente, pela elaboração de métodos de treino e de
meios de execução dos exercícios novos e cientificamente fundamentados.

2. O modelo teórico de Claude Bouchard

Claude Bouchard (1973) no seu livro "A preparação de um campeão"


apresenta um conjunto de determinantes, tão gerais e universais quanto
possível da performance desportiva superior. O presente modelo teórico da
performance desportiva (P) apoia-se essencialmente em três subgrupos:
H - o subgrupo das determinantes invariáveis da performance;
D - o subgrupo das determinantes variáveis da performance; e,
C - o subgrupo dos factores da organização e do controlo associado à
performance.

Da observação da figura 4 facilmente podemos constatar os seguintes aspectos:


• o subgrupo H (determinantes invariáveis da performance) é perfeitamente
constante e invariável exercendo uma influência directa sobre a
24 • Metodologia do treino desportivo I !

performance não podendo ser ignorada quando se pretende explicar uma


alta, uma fraca ou simplesmente uma performance desportiva;
• O subgrupo D (determinantes variáveis da performance) exerce
igualmente influência sobre a performance desportiva. Todavia, este
subgrupo é dinâmico e composto por factores flexíveis, isto é, podem ser
objecto de um tratamento ou de uma manipulação; e finalmente,
• O subgrupo C (factores de organização e do controlo da performance) tal
como o subgrupo anterior sendo dinâmico exige a presença de informações
para se adequarem ao valor visado ou efectivo da performance do
praticante. Este subgrupo tem uma dupla influência sobre a performance
desportiva, uma directa, que provém dos seus próprios elementos de
organização e controlo e, uma indirecta, devido ao seu efeito retroactivo
sobre o subgrupo D. Esta influência sobre o subgrupo D reveste-se da mais
alta importância no quadro da preparação sistemática para uma performance
de alto nível.

Por fim, importa salientar que a performance (P) exerce igualmente uma
influência sob o subgrupo C exigindo que este tenha em conta as modificações
positivas ou negativas das performances e as suas flutuações aleatórias ou
previsíveis com o intuito de activar os mecanismo de controlo requeridos
permitindo desta forma despoletar os mecanismos subjacentes.

Performance
(P)

Determinantes Determinantes Determinantes da


invariáveis da variáveis da organização e do
performance performance controlo associado
(H) (D) à performance (C)

Figura 4. Modelo teórico das determinantes da performance desportiva


(adaptado de Bouchard, 1973)

2.1. Análise do subgrupo das determinantes invariáveis (H)


" Factores do rendimento desportivo • 25

O conjunto de factores que parecem desempenhar um papel importante


neste subgrupo de determinantes invariáveis da performance desportiva são
os seguintes:
H Hm, Ho, Hp, Hps ...

2.1.1. Contributo da hereditariedade no seio dos factores do subgrupo das


estruturas morfológicas do praticante (Hm)

O reconhecimento do Hm sobre o P implica que um certo tipo de


praticante é nitidamente favorecido pela hereditariedade no que respeita
ao seu tipo físico, à altura, comprimento dos seus segmentos, etc. Eis um
conjunto de factores que permitem a um praticante estar em vantagem ou
desvantagem, na obtenção da performance visada.

2.1.2. Contributo da hereditariedade nas estruturas orgânicas e da capacidade


funcional do praticante (Ho)

Admitindo que Ho representa uma fonte significativa da variância da


performance, aceita-se o facto que certas pessoas estão favorecidas em
relação a outras, no plano da sua estrutura orgânica e na capacidade de
efectuar trabalho ou esforço físico. Esta constatação implica que, os
indivíduos estarão nitidamente favorecidos face a uma performance que
se apoia de forma apreciável sobre o rendimento das estruturas orgânicas
e, mais concretamente sobre o sistema de transporte do oxigénio. Uma tal
vantagem poderia, teoricamente, persistir para além da influência dos
programas de treino.

2.1.3. Contributo dos factores hereditários no subgrupo das estruturas perceptíveis


do praticante (Hp)
26 • Metodologia do treino desportivo I !

A existência de uma contribuição do Hp na realização de uma


performance pertinente, implica que alguns praticantes serão favorecidos
pelo código genético, independentemente dos programas de treino
seguidos, ao nível da eficácia perceptiva e motora que poderão atingir.

2.1.4. Contributo dos factores hereditários no plano das características psicológicas


e sociais da personalidade do praticante (Hps)

Eis o sector onde o contributo da hereditariedade é provavelmente muito


reduzido. Parece no entanto, que todos os praticantes não são iguais em
relação à características psicológicas e sociais do seu comportamento, e
do seu estado, durante a selecção desportiva e, face aos máximos que são
capazes de atingir, nas suas performances motoras.

2.2. O subgrupo das determinantes variáveis da performance (D)

As determinantes variáveis dizem respeito às que, de entre os factores que


influenciam a performance desportiva, podem ser modificadas ou
manipuladas no quadro de uma estratégia de treino. Constitui-se pois, em
factores que exercem uma influência sobre a performance, muito embora
não se apresentem sempre da mesma forma, nem intervenham sempre com a
mesma intensidade. Embora o número destas variáveis seja elevado,
podemos analisá-las de forma sistemática reagrupando-as em oito diferentes
factores:
D Et, Is, Dpg, Dps, Ppd, Vs, Fc, R...

2.2.1. Eficácia técnica do praticante no seio da actividade desportiva em causa (Et)

O rendimento em determinado acto motor é influenciado pelos diferentes


aspectos da eficácia técnica. Várias destas componentes da eficácia
técnica podem ser significativamente influenciadas através de programas
apropriados. Em relação ao que foi referido, convém acrescentar que a
eficácia técnica, é consequentemente uma determinante variável,
" Factores do rendimento desportivo • 27

susceptível de ser objecto de uma atenção particular no quadro do


programa de treino.

2.2.2. A influência da inteligência táctico-estratégica do praticante na actividade


desportiva em causa (Is)

É certo que os praticantes diferem entre eles, quanto à sua compreensão


da situação de jogo, ou da situação de performance. A inteligência
táctico-estratégica, pode contudo ser objecto de uma atenção especial e,
melhorar significativamente objectivando a realização de uma melhor
performance.
2.2.3. A condição física geral do praticante (Dpg)

A condição física geral exerce uma comprovada influência sobre o


rendimento na actividade desportiva. a condição física geral do praticante
deve apoiar-se principalmente, num eficiente sistema de transporte de
oxigénio, num bom desenvolvimento muscular e numa fraca
percentagem de adiposidade no peso corporal. Todos estes factores
podem ser objecto de uma atenção particular no quadro de um programa
apropriado de treino e, desta forma se elevar o nível de preparação física
face à prestação desportiva.

2.2.4. A condição física específica do praticante face a uma dada performance


desportiva (Dps)

Para além de uma boa condição física geral, o praticante deve contar com
uma preparação física específica totalmente orientada para a modalidade.
Neste quadro, o praticante deve atingir um rendimento máximo no plano
das qualidades físicas mais solicitadas pela própria modalidade
desportiva, aproximando-se desta forma do potencial das suas qualidades
físicas específicas, às quais fará apelo durante a situação competitiva. A
condição física específica deverá variar consoante as modalidades
desportivas e consoante os perfis de exigência dentro de cada
especialidade dentro da modalidade desportivas (por exemplo: maratona
28 • Metodologia do treino desportivo I !

e salto em comprimento no atletismo ou o defesa e o avançado no


futebol).
2.2.5. Nível de preparação psicológica do praticante face à performance desportiva
a realizar (Ppd)

Um praticante bem preparado física, técnica e tacticamente poderá não


estar necessariamente apto no plano mental a fornecer uma performance
máxima. A preparação psicológica do praticante, influência
consequentemente o resultado final da performance desportiva. Importa
pois, tomar atenção à preparação psicológica e desenvolvê-la tanto a
curto como a longo prazo, tendo por objectivo a criação de condições
mais favoráveis para a obtenção de uma performance elevada.
2.2.6. A influência do meio social do praticante sobre o seu treino e sobre a sua
performance

Como todo o ser humano, o praticante não se encontra isento das


influências do seu meio familiar, do seu meio profissional, etc. Estas
diversas influências podem reflectir-se de forma subtil ou irredutível.
Existem praticantes para os quais tais influências representam um
estímulo positivo embora para muitos outros, em boa verdade, tais
influências, signifiquem o fim dos seus objectivos. É possível, recorrendo
a uma sólida organização, ter em atenção o meio social do praticante, e
tentar exercer uma influência positiva sobre este. Os seus efeitos sobre a
performance, são suficientemente importantes para que os encaremos
com seriedade.

2.2.7. Conjunto de factores complementares que agem directamente sobre a


performance: alimentação, equipamentos, etc.

Esses factores complementares exercem sempre qualquer influência


sobre a performance. Torna-se então, bastante importante, tomar
preocupações, afim que esses numerosos factores, podem ser controlados
" Factores do rendimento desportivo • 29

de forma adequada, sendo responsáveis pela preparação e realização da


performance de um determinado praticante.

2.2.8. A influência do repouso, da relaxação, da recreação e dos tempos livres,


sobre a disponibilidade do praticante face à realização de uma performance (R)

À muito tempo que está demonstrado que R pode exercer uma influência
determinante sobre a receptividade do praticante para um programa de
treino intensivo e, sobre a sua disponibilidade ao longo de um período
intensivo de competições. Torna-se assim importante que este factor
receba uma atenção suficiente no conjunto de factores de preparação do
praticante para a performance desportiva.

2.3. O subgrupo das determinantes da organização e controlo (C)

Este subgrupo é provavelmente o menos compreendido e o que incute


algum receio por parte dos diferentes treinadores. Por este facto é muitas
vezes subestimado na sua importância relativamente à preparação do
praticante, todavia, estamos perante uma ferramenta fundamental e
indispensável dos programas de treino. O conjunto de factores que parecem
desempenhar um papel importante na organização da preparação para a
performance desportiva e, na supervisão do praticante na situação de treino
são os seguintes:
C Cr, Ce, Emg, Adg, Ads, Ss...
2.3.1. O sistema organizativo que programa e controla o treino (Cr)

Um programa de treino deverá dirigir o processo de desenvolvimento do


praticante. Deve ser estabelecido a partir de um delineamento rigoroso,
deixando a possibilidade de ajustamentos tendo em conta as informações
que chegam das performances atingidas. A ausência de um programa de
desenvolvimento ou a inexistência de uma progressão criteriosa parece-
nos constituir um risco adicional, que reduz substancialmente as
30 • Metodologia do treino desportivo I !

hipóteses de atingir os objectivos predeterminados. Não existe nenhuma


organização desportiva ou não desportiva que possa permitir-se a tal
omissão.
2.3.2. O dossier de treino e o dossier do atleta (Cc)

Eis dois agentes importantes na supervisão do praticante, das situações


de treino e da organização de um programa de preparação para a
performance desportiva.
2.3.3. O exame médico geral preventivo do praticante (Emg)

O controlo médico do praticante é essencial e deve ser objecto de uma


atenção permanente. A sua ausência num sistema de controlo e
supervisão implica o risco de compreender as hipóteses de realização de
uma performance elevada. Essa verificação do estado de saúde do
praticante deve ser feita periodicamente e estar prevista no quadro do
sistema geral de controlo.
2.3.4. Avaliação das determinantes variáveis gerais da performance desportiva
(Adg)

A avaliação periódica do estado das determinantes variáveis gerais da


performance desportiva, é susceptível de fornecer inúmeros dados
importantes para o treinador. Essa informação poderá ser uniformizada e
modificada por forma a ser acessível a todos os praticantes.

2.3.5. Avaliação das determinantes específicas associadas a uma performance


desportiva (Ads)

Um correcto sistema de controlo deve também prescrever avaliações


periódicas das determinantes específicas da modalidade desportiva em
questão. Não obstante as dificuldades que existem na avaliação dessas
determinantes, torna-se imperioso realizar um esforço visando a obtenção
de tais informações.

2.3.6. A acção do pessoal técnico e dos especialistas na organização e controlo do


praticante em situação de treino
" Factores do rendimento desportivo • 31

A complexidade dos problemas levantados pelo funcionamento dos


mecanismos inerentes a este subgrupo de organização e controlo, exige a
participação de especialistas em ciências e organização desportiva.
Torna-se assim importante abordar a estratégia do treino no quadro de
uma equipa, reservando ao treinador o papel de chefe da equipa, sem o
que, seria completamente impossível a exploração de todo um conjunto
de recursos necessários à obtenção de um rendimento máximo. Neste
contexto, a presença ou ausência de uma equipa integrada e
suficientemente experiente, representa um factor que influência o
rendimento do sistema organizativo e de controlo aumentando ou
diminuindo, consequentemente, as hipóteses de atingir uma performance
desportiva de alto nível.
ww
PARTE III

O EXERCÍCIO DE TREINO DESPORTIVO

Resp: Jorge Castelo


Parte III

O exercício de treino desportivo

Sumário

Capítulo 1
Os fundamentos do exercício de treino

Capítulo 2
Bases conceptuais para a construção do exercício de treino

Capítulo 3
Bases de aplicação do exercício de treino

Capítulo 4
Bases de eficiência do exercício de treino
Metodologia do treino 33

PARTE III

O EXERCÍCIO DE TREINO DESPORTIVO

Capítulo 1

Os fundamentos do exercício de treino

Resp: Jorge Castelo


34 • Metodologia do treino desportivo I !

Conteúdo do Capítulo 1 da Parte III

O presente Capítulo pretende sistematizar e analisar os fundamentos


do exercício de treino considerado como a célula base do treino
desportivo. Neste contexto, incidiremos o nosso estudo sob sete
questões nucleares: definição, características (do ponto de vista da
identidade e da especificidade), natureza (que engloba os recursos
informacionais, energéticos e afectivos), estrutura (objectivos,
conteúdo, forma e nível de performance), componentes (no plano
fisiológico e técnico-táctico), classificação (do ponto de vista da
predominância do conteúdo e do grau de identidade), e das tendências
actuais e futuras do exercício.

Metodologia do treino desportivo I


Conteúdo Programático

Conceitos do treino Planeamento Planeamento do


Parte I treino desportivo Parte V
desportivo Conceptual

Planeamento
Estratégico
Factores do rendi-
Parte II mento desportivo
Planeamento
Táctico

Parte III O exercício de trei- Fundamentos do


Estrutura do
no desportivo exercício de treino Microestrutura Parte VI
processo de treino
Bases conceptuais
exercício de treino Mesoestrutura

Bases de aplicação
exercício de treino Macroestrutura

Bases de eficácia
exercício de treino
Período Periodizacão do Parte VII
Preparatório treino desportivo

Parte IV Factores do treino O factor técnico Período


desportivo desportivo Competitivo

O factor táctico Período


desportivo Transitório

O factor físico Estudo sobre


desportivo a força O controlo do
treino desportivo Parte VIII
Estudo sobre
a resistência

Estudo sobre
a velocidade

Estudo sobre
a flexibilidade

O treinador
perfil e competências
Parte IX

Organigrama 4
Parte III
" Fundamentos do exercício de treino • 35

O exercício de treino desportivo

Sumário

Capítulo 1 - Os fundamentos do exercício de treino


1. O processo de treino como vertente fundamental do rendimento
1.1. O exercício como elemento determinante do processo de treino
1.2. A relação metodológica entre treino e exercício
2. Definição de exercício de treino
3. Caracterização do exercício de treino
3.1. Especificidade
3.2. Identidade
4. A natureza do exercício de treino
4.1. O recurso informacional
4.2. O recurso energético
4.3. O recurso afectivo
5. A estrutura do exercício de treino
5.1. O objectivo
5.2. O conteúdo
5.3. A Forma
5.4. O nível de performance
6. As componentes estruturais do exercício de treino
6.1. No plano fisiológico
6.1.1. A duração
6.1.2. O volume
6.1.3. A Intensidade
6.1.4. A Densidade
6.1.5. A Frequência
6.2. No plano técnico-táctico
6.2.1. O número
6.2.2. O espaço
6.2.3. O tempo
6.2.4. A Complexidade
7. A classificação dos exercícios de treino
7.1. O factor de treino predominante no conteúdo do exercício
7.2. Em função do grau de identidade do exercício
8. Orientações e tendências dos exercícios de treino
8.1. Aumento do volume de treino utilizando exercícios de carácter geral
e especial
8.2. Maior utilização dos exercícios de treino de carácter específico
8.3. Adequação dos exercícios de treino à realidade competitiva.
Indivisibilidade dos factores de treino
8.4. Estabelecimento das bases científicas dos exercícios de treino

Bibliografia:
36 • Metodologia do treino desportivo I !

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CARVALHO, A. Organização e condução do processo de treino II, Revista
horizonte, Vol.I, nº5, Jan/Fev 1985, pp 163-166
CARVALHO, A. Organização e condução do processo de treino III, Revista
horizonte, Vol.II, nº1, Mai/Jun 1985, pp 14-18
CARVALHO, A. Organização e condução do processo de treino IV, Revista
horizonte, Vol.II, nº10, Nov/Dez 1985, pp 127-132
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Éducation Physique et Sport, nº 4, Paris
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futebol, F.P.F.
TEISSIE, J. (1970) Le football, Vigot ed, Paris
TEODORESCU, L. (1984) Problemas de teoria e metodologia nos desportos
colectivos, Livros Horizonte, Lisboa
" Fundamentos do exercício de treino • 37

TEODORESCU, L. (1987) Orientações e tendências da teoria e metodologia


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junho
ULATOWSKI, T. (1975) La theorie de l´entrainement sportif. Comité
Internacional Olympique
WEINECK, J., (1983), Manuel d' Entrâinement, Ed. Vigot, Paris

1. O processo de treino como vertente fundamental do rendimento desportivo

Centrando unicamente a nossa reflexão sobre a eficácia do sistema de treino,


podemos afirmar, que o rendimento desportivo é determinado por um estado
dinâmico complexo que se caracteriza por um elevado nível de eficiência física
e psicológica, e pelo grau de aperfeiçoamento das aptidões técnicas, tácticas e
conhecimentos teóricos da modalidade.

Ora, a dimensão "resultado", em qualquer circunstância tomada como ponto de


análise e independentemente dos outros factores que o influenciam, é
consubstanciada na base de um denominador comum - o exercício de treino,
sendo neste contexto, o meio (leia-se ferramenta) fundamental do
professor/treinador de poder definir, orientar e modificar o processo de
formação e desenvolvimento, ou seja, de transformação do(s) praticante(s),
sem o qual não é possível que estes respondam de forma adequada e eficaz às
exigências que a competição em si encerra.

1.1. O exercício como elemento determinante do processo de treino

É nesta linha de raciocínio que inúmeros autores, ligados aos desportos


individuais e colectivos, tais como Ulatowski (1975), Weineck (1986),
Bompa (1990), Teodorescu (1984, 1987), Matveiv (1977), Palfai (1982),
entre outros, se posicionam perante o problema, sendo-lhes inequívoco que
o exercício de treino é o meio prioritário e operacional de preparação dos
praticantes e das equipas, consubstanciando as adaptações físicas, técnicas,
38 • Metodologia do treino desportivo I !

tácticas, psicológicas e sociológicas fundamentais para a consecução de um


elevado desempenho quando em confronto directo. "O mais importante no
treino é a selecção de exercícios e a execução dos que conduzem, sem falha,
ao objectivo desejado" (Ozolin, 1981).

O exercício é, em última análise, a estrutura de base de todo o processo


responsável pela elevação, mantimento e redução do rendimento dos
praticantes. Naturalmente o sucesso obtido em treino e em competição está
em relação directa com a eficácia do próprio exercício.

1.2. A relação metodológica entre o treino e o exercício

O fundamento metodológico do treino desportivo assenta, com efeito, numa


repetição lógica, sistemática e organizada de diversos exercícios que
determinam a linha de orientação e a profundidade das adaptações dos
praticantes à especificidade da modalidade, ou seja, à sua lógica interna.
Neste contexto, partindo do pressuposto de que as equipas e os praticantes
são treináveis, o treino desportivo desenvolve-se segundo um programa que
é constituído por um conjunto de exercícios essenciais para atingir um
modelo individual e colectivo óptimo, expresso na prestação:
• das capacidades motoras (força, velocidade, resistência, etc.);
• das capacidades técnico-tácticas (acções individuais-passe, recepção,
remate, etc., e acções colectivas-combinações, desdobramentos,
permutações, etc.); e,
• das capacidades psicológicas (atenção, concentração, emoção,
angústias, etc.).

Do que foi referido, não significa que o treino desportivo não tenha outros
meios diferentes do dos exercícios, o que é importante, é analisar e
compreender que a sua base estrutural constitui-se num sistema de
exercícios subordinados às exigências de uma aprendizagem,
" Fundamentos do exercício de treino • 39

aperfeiçoamento e desenvolvimento óptimos. Logo, o exercício de treino


constituindo-se como método prioritário e operacional do melhoramento do
rendimento desportivo individual e colectivo, deverá ser construído, num
quadro referencial alargado abarcando vários campos, tais como a táctica, a
técnica, a fisiologia, a psicologia, numa convergência real sem o qual o
exercício de treino ficará à partida diminuído e, por inerência os seus
resultados. Concluindo, o estudo do exercício integra-se, em última análise,
na determinação do exercício óptimo. Parte-se pois, do pressuposto racional
e objectivo que não existem exercício inócuos e de que a melhor adaptação
produzir-se-à somente em resposta ao melhor exercício.

2. Definição de exercício de treino

O exercício de treino pode ser considerado como uma construção hipotética


sendo potencialmente capaz de desencadear, organizar e orientar a actividade
dos praticantes em direcção a um objectivo válido, específico e idêntico à
modalidade desportiva que se procura aprender, aperfeiçoar ou desenvolver.

Neste contexto, o exercício de treino pode ser definido como um acto motor
sistematicamente repetido cuja "essência assenta na realização de movimentos
de diferentes segmentos do corpo, executados simultaneamente ou
sucessivamente, coordenados e organizados numa estrutura segundo um
determinado objectivo a atingir. Cada movimento e o exercício, no seu
conjunto, devem ter, entre outras especificidades: direcção, amplitude,
velocidade, duração, ritmo e tempo de duração" (Teodorescu, 1987).

3. Caracterização do exercício de treino

Para que o exercício de treino substancie claramente a elevação do rendimento


dos praticantes e das equipas, qualquer que seja a modalidade desportiva em
40 • Metodologia do treino desportivo I !

causa, este deverá caracterizar-se sob duas vertentes indissociáveis e


essenciais, que se estabelecem como as duas faces de uma mesma verdade: a
especificidade e a identidade.

3.1. Especificidade

O exercício de treino é específico quando consubstancia uma estrutura


(objectivo, conteúdo e forma) que no seu conjunto provoca as adaptações de
base que estão na origem na elevação do rendimentos dos praticantes e das
equipas.

3.1.1. Exercícios específicos determinam respostas biológicas específicas

Edington (1982), refere que "um exercício provoca uma resposta


específica em cada indivíduo e num momento específico temporal",
acrescenta ainda que "ao examinarmos os efeitos da actividade sobre o
corpo humano, constatamos que as exigências físicas - específicas - de
exercícios específicos determinam respostas biológicas específicas. Neste
sentido, vários trabalhos de investigação, segundo Proença (1990) "vêm
comprovar:
• a existência de fontes energéticas específicas para tipos de exercícios
específicos;
• os efeitos do treino são específicos em função da intensidade e
duração do programa de treino; e,
• os conceitos do exercício e do treino têm uma base a nível celular.
Assim, "os orgãos e sistemas de orgãos submetidos a esforço,
desenvolvem-se funcional e morfologicamente, enquanto que os
orgãos inactivos serão reduzidos à sua estrutura e função" (Lamarck).

3.1.2. A base operacional do exercício e a lógica da modalidade desportiva


" Fundamentos do exercício de treino • 41

Os exercícios de treino provocam efeitos em termos de adaptação


precisa, quando se estabelece uma correspondência exacta entre a base
operacional do exercício e a lógica da modalidade, no que refere:
à possibilidade de precisar o contexto de aplicação das soluções
tácticas em função dos problemas que a competição em si encerra e da
execução técnica de resolução eficiente desses mesmos problemas;
à possibilidade de normalizar as cargas físicas e de conduzir a sua
dinâmica no decurso da aplicação do(s) exercício(s), simultaneamente
na regulação das pausas de repouso e a sua intercalação entre os
momentos de carga; e,
à criação de condições de execução externas óptimas e similares à
competição que se traduzem num maior domínio do factor
psicológico.

É compreensível a essência desta precisão na construção e aplicação


do(s) exercício(s) de treino, pois, esta procura assegurar um estrito
domínio dos efeitos de treino, ou por outras palavras, uma específicidade
que se exprime segundo uma correcta direcção.

3.1.3. A dimensão transfer

O conceito de especificidade do exercício permite um mínimo de transfer


de uma actividade para outra. Por exemplo, se executarmos
quotidianamente uma certa actividade específica, constatamos
rapidamente que estamos "treinados" nessa actividade. Contudo, ao
executarmos uma nova actividade somos incapazes de competir com
aqueles que já estavam treinados nessa actividade. Um sinal dessa
especificidade é revelado por algumas dores musculares que sentimos
após as primeiras tentativas nessa nova actividade. Os músculos doridos
são os músculos mais específicos dessa nova actividade. Esses músculos
não funcionavam tão intensamente durante os períodos de treino da
actividade precedente.
42 • Metodologia do treino desportivo I !

Concluindo, Mellerowicz e Meller (1978) citados por Proença (1990)


"advertem para o facto de os processos de adaptação específica e de
aumento de rendimento especializado serem prejudicados quando
predomina o treino de outros factores, mesmo tratando-se apenas de
ocorrência temporária".
3.2. Identidade

A identidade do exercício de treino, fundamenta-se no nível de relação


existente entre este e as condições objectivas em que se desenrola a
competição. Isto significa que a estrutura do exercício (objectivo-conteúdo-
forma) estabelece uma plataforma de relação, ou melhor, um grau de
significação (concordância) com a lógica da modalidade em causa.

3.2.1. A dimensão isomórfica e analógica da identidade do exercício

A identidade como característica do exercício de treino pode ter uma das


seguintes dimensões:
isomórfica quando podemos estabelecer uma correspondência
"unívoca" entre os elementos referentes à lógica da modalidade
desportiva em causa, e os elementos da lógica do exercício no que
concerne: às relações das suas componentes estruturais, às mesmas
operações no domínio informacional, energético, e afectivo, e às
mesmas formas de organização. Bertrand e Guillement (1988) referem
que o isomorfismo é uma qualidade que dois ou vários sistemas
possuem quando têm propriedades comuns ou semelhantes; e,
analógica, quando existe uma associação, ou melhor uma certa
semelhança, entre os elementos referentes à lógica da modalidade, e
os elementos da lógica do exercício. Com efeito, o raciocínio
analógico é um pensamento que se baseia em relações de similitude
entre objectos diferentes. Bertrand e Guillement (1988) referem que
" Fundamentos do exercício de treino • 43

"uma analogia implica uma certa semelhança entre dois objectos,


assim, uma analogia assemelha-se à realidade que é suposta
representar, mas não se pode confundi-lo com a realidade".
Concluindo, e segundo os mesmos autores (1988) "todos os
isomorfismos são análogos, mas todas as analogias não são
isomorfismos".

3.2.2. As implicações da inadequação do grau identidade do exercício

A inadequação do grau de identidade do exercício de treino à lógica da


modalidade desportiva em análise, ou à capacidade do(s) praticante(s)
não é somente supérfluo, como também negativo, pois, determinará para
além dos elevados custos na mobilização dos diferentes recursos de
suporte à efectivação da acção, implicações na estabilização dos
comportamentos motores em fase de aprendizagem, como naqueles que
já foram adquiridos e aperfeiçoados.

Neste contexto, importa salientar o factor velocidade - intensidade de


execução das acções motoras que estão na base da resolução dos
problemas postos pelas situações competitivas. Com efeito, observamos
que estas se desenvolvem numa estrutura temporal que consubstancia,
um ritmo, um tempo, uma orientação, que por si estabelece um sentido.
"A acção motora está inteiramente emergida no tempo, não somente
porque o utiliza, mas também porque joga estrategicamente com esta, em
particular utilizando variações de velocidade de execução em função dos
adversários" (Grehaigne, 1992), e da sua organização colectiva.

Duas situações semelhantes em todos os outros aspectos, não são


idênticas se uma é executada mais rapidamente que a outra, apesar de,
aparente e formalmente - carácter externo - ser o mesmo, pois, a
44 • Metodologia do treino desportivo I !

velocidade entra na composição de uma forma tão decisiva que modifica


as intenções e os significados do conteúdo das situações competitivas, e
por inerência o grau de identidade do exercício de treino.

Concluindo, neste contexto, quanto mais o exercício de treino reproduzir


parcial ou integralmente a lógica ou parte dessa lógica (fases) interna da
modalidade, maior será o seu grau de identidade, por via de razão, quanto
maior for este grau maior será a especificidade do exercício.
Esclarecido as bases da elevação e desenvolvimento do rendimento
desportivo, a importância do exercício encarada como a célula base a
partir do qual todo o processo de treino se consubstancia, definido e
caracterizado o exercício de treino, iremos continuar a aprofundar esta
problemática equacionando duas vertentes fundamentais dos quais
derivam directamente dois domínios de análise da questão:
• qual é a utilidade do exercício de treino (domínio funcional, isto é a
sua natureza); e,
• qual é a sua composição (domínio morfológico, isto é, a sua
estrutura).

4. A natureza do exercício de treino

A natureza do exercício de treino radica-se essencialmente em solicitar aos


praticantes a mobilização de um conjunto de recursos informacionais,
energéticos e afectivos, de forma:
• a decifrar e a descoadificar continuamente a dinâmica das interacções
observadas no contexto da situação estabelecida, e,
• a executar a solução mais adaptada à situação problemática, através de
acções significativas, orientadas em relação a um objectivo pré-
estabelecido.
" Fundamentos do exercício de treino • 45

Por outras palavras, procura-se adquirir conhecimentos subjectivamente novos


que consubstanciam uma modificação/melhoria das atitudes, dos
comportamentos, das capacidades, dos conhecimentos, das aptidões, etc., que
os praticantes possuem. Neste contexto, a natureza dos exercícios de treino é
estabelecer as condições fundamentais e favoráveis sobre o qual se desenvolve
a actividade cognitiva e motora dos praticantes, os quais ampliaram
significativamente as suas capacidades adaptativas às situações problemáticas.
Escolhendo não só, a resposta mais eficaz entre várias possíveis, como se
auto-aperfeiçoam ao mesmo tempo que se resolve o problema posto.

Do exposto, e tal como referimos, a natureza do exercício de treino


consubstancia a mobilização de um conjunto de recursos, todavia, estes não se
constituem como compartimentos estanques, existe sim, uma relação íntima
entre eles, e a concretização eficiente do exercício só é possível graças ao
"trabalho" conjunto de todos os recursos. Todavia, é preciso ter presente que o
mesmo, ou diferentes exercício(s) de treino, podem ser orientados para atingir
efeitos de dimensão selectiva ou de dimensão acumulativa (que deriva do grau
de maturidade dos praticantes), o que por si só irá provocar naturalmente uma
incidência principal do exercício (solicitação determinante) e uma secundária
(mobilização acessória), estabelecendo um recrutamento diferenciado dos
recursos informacionais, energéticos e afectivos.

Apesar do referido, podemos afirmar, que o exercício de treino solicita duas


realidades diferentes mas interdependentes (Famose, 1990):
a diversidade de recursos mobilizados: embora o exercício de treino seja
um fenómeno global e integrado, isto é, todos os recursos referenciados são
mobilizados, a verdade é que a participação de cada um destes na sua
realização apresenta um grau diferenciado; e,
o grau (nível) de mobilização: um exercício de treino com uma
dificuldade objectiva necessitará de uma mobilização mais ou menos
importante de um dado recurso para ultrapassar as dificuldades impostas
46 • Metodologia do treino desportivo I !

segundo a capacidade (competência-experiências anteriores) dos


praticantes.

Em jeito de conclusão, para um mesmo exercício de treino a diversidade e grau


de mobilização de recursos variam consoante a capacidade de evolução do
rendimento dos praticantes. Com efeito, à medida que os praticantes
aprendem/aperfeiçoam e desenvolvem as suas capacidades, o mesmo exercício
envolverá um menor grau de mobilização de recursos necessários para a
concretização dos objectivos para os quais o exercício foi
elaborado/construído.

4.1. O recurso informacional

O comportamento humano no seu envolvimento pode ser estudado de vários


ângulos e formas, contudo, a mais generalizada na actualidade baseia-se na
noção que o Homem é um processador de informação. Neste sentido, a
actividade motora dos praticantes de uma qualquer modalidade desportiva, é
procedida por um conjunto de operações do sistema nervoso central. O
movimento observável é, com efeito, o resultado final de uma cadeia
específica e complexa de tratamento de informação.

4.1.1. Definição do termo informação

O termo informação "no sentido restrito é definido pela quantidade de


incerteza reduzida logo que o estimulo se apresente" (Famose, 1990). A
incerteza existente antes do estimulo e a redução dessa incerteza após
este consubstancia a quantidade de informação. Logo, "estímulos com
certeza prévia possuem capacidade de informação nula e não produzem
surpresas. Pelo contrário, estímulos pouco prováveis têm uma grande
capacidade de informação" (Vadamer, e Glogler, 1977).
" Fundamentos do exercício de treino • 47

Do exposto, podemos referir, que quanto maior for o número de


alternativas de resolução técnica e táctica de uma determinada situação
competitiva, maior será o número de informações que os praticantes
terão de tratar para atingir uma execução eficiente/adaptada às condições
estabelecidas pelo contexto da situação. Todavia, a quantidade da
informação depende, para além das características da situação
competitiva, do nível de aprendizagem e aperfeiçoamento do praticante
(dos seus conhecimentos, experiências, aptidões, capacidades anteriores).
Isto significa que, uma mesma situação pode confrontar diferentes
quantidades de informação (incerteza) dependendo do praticante em
questão, e eventualmente do seu nível momentâneo (estado de forma) de
rendimento.

4.1.2. As fases do tratamento da informação

De forma sucinta, podemos isolar três etapas sucessivas no tratamento da


informação que intervêm entre a apresentação do estimulo e o
movimento:
numa primeira etapa o praticante deverá detectar e identificar a
situação de jogo. Este necessitará de mais ou menos tratamento de
informação dependendo da incerteza deste e do seu reconhecimento
em comparação com as informações armazenadas na memória de
curto e longo prazo;
após a situação de jogo ser concretamente identificada o praticante
estabelece a selecção da resposta, isto é, o plano de acção transmitindo
uma sequência de directrizes específicas. Esta etapa para além da sua
importância na produção motora, reduz as alternativas possíveis à
resolução da situação, e ainda é utilizada como critério de comparação
com o movimento em curso (feedback); por fim,
48 • Metodologia do treino desportivo I !

após a resposta ser seleccionada o sistema deve preparar-se para a


acção a desenrolar-se -programação da resposta. Nesta etapa os
comandos motores necessários são organizados e enviados em
direcção aos músculos para produzirem a acção motora desejada.

4.1.3. Os limites do recurso informacional

Contudo, há que ter em atenção, que "o ser humano quando processa
informação fá-lo de um modo limitado, isto é, só pode processar um
conjunto de informação de cada vez, e só pode fazê-lo a uma velocidade
limitada". Se os requisitos informacionais (quantidade de informação a
tratar pelos mecanismos perceptivos de decisão, de programação e as
potencialidades do praticante) do exercício a executar se aproximam ou
excedem as capacidades limitadas do sistema, então a performance é
afectada negativamente.

Hyman, citado por Famose (1990) refere inequivocamente uma função


linear entre o tempo de tratamento e a quantidade de informação. Os
maiores tempos estão associados às grandes quantidades de informação
independentemente da sua natureza (temporal, descriminação, etc.).
Neste sentido, por exemplo, uma situação de jogo em futebol com um
grande número de jogadores (companheiros e adversários) determinará
um maior número de informações a tratar, logo, um maior tempo de
decisão. A redução do espaço de jogo e consequentemente do número de
jogadores determinará não um maior número de informações a tratar,
mas uma maior velocidade de decidir e executar a solução do problema,
pois o jogador ao intervir com maior frequência sobre a bola terá que agir
mais rápida e assiduamente perante o jogo.
" Fundamentos do exercício de treino • 49

Memória de longo prazo

B/ Selecção da resposta
1. reduzir em função da opção escolhida as alternativas possíveis de
resolução da situação e optar por uma
2. Estabelecer o plano de acção através de directrizes específicas
3. Utilizar esta fase para comparar com o movimento em curso
Memória de longo prazo

Memória de longo prazo


A/ Mecanismo da percepção C/ Programação da resposta
Resposta imediata
1. Detectar o estímulo 1. Receber o projecto do
movimento
2. Codificar o estímulo de movimento recrutando os
automatizado
forma que seja perceptivel comandos motores para a
pelo SNC, transformar os execução do movimento
estímulos físicos em 2. Articular o projecto do
biológicos movimento no espaço e no
3. Identificar o estímulo tempo
através da comparação com 3. Enviar o projecto do
as informações na memória movimento em direcção ao
de longa duração mecanismo de execução

Orgãos dos sentidos Resposta reflexa Sistema neuromuscular

curto prazo
Memória de
Memória de
curto prazo

1. Ópticos 1. Inervação
2. Acústico 2. Contracção da
3. Táctil Reaferências musculatura
4. Cinestésico

INPUT/Entrada OUTPUT/Saída
(tomada de informação) (movimento)
Figura 5. As etapas de tratamento da informação que intervêm entre a apresentação do estímulo
e o movimento (adaptado de Weineck, 1986)
4.2. O recurso energético

Para que haja movimento é necessário que os músculos se contraiam, e estes


só trabalham se duas condições básicas ocorrerem: o sistema nervoso
central fornece o impulso nervoso necessário, e se dispuserem de energia.
Com efeito, os músculos transformam a energia (química) que lhes é
fornecida em trabalho mecânico (movimento).

4.2.1. As reacções para a produção de energia

Existem várias formas de energia, no entanto, aquela que neste momento


nos interessa, é fundamentalmente a transformação da energia química
50 • Metodologia do treino desportivo I !

em mecânica ao nível da fibra muscular esquelética. O ATP (ácido


adenosico trifosfórico), existe no interior das fibras musculares que ao
cindir-se em ADP (ácido adenosico difosfórico) + P (fósforo) liberta
energia a qual constitui-se como a fonte directa de energia utilizável para
a contracção muscular. Sempre que a fibra muscular disponha de ATP,
esta pode contrair-se, todavia, as reservas deste ácido ao nível dos
músculos são muito limitadas, o que determina a necessidade de se
assegurar a ressíntese do ATP.

Esta ressíntese é efectuada a partir de combustões que para se realizarem


necessitam de um combustível (alimentos) e um comburente (oxigénio):
alimentos, através de duas vias:
• hidratos de carbono (açucares) glicose + oxigénio
energia; ou,
• lípidos (gorduras) ácidos gordos + oxigénio energia; e,
do oxigénio, que é retirado do ar atmosférico pelos pulmões e
transportado pelo sangue até às fibras musculares onde se encontra
com a glicose estabelecendo-se a combustão da qual se liberta energia,
dióxido de carbono (CO2) e água (O2).
4.2.2. Os limites do recurso energético

No nosso organismo o factor limitativo do trabalho muscular não é a falta


de alimentos, mas sim do oxigénio. Os músculos dispõem normalmente
de hidratos de carbono (açúcares) e lípidos (gorduras) armazenados que
chegam para as necessidades impostas pela vida diária e pelos exercícios
de treino. Em relação ao oxigénio pese embora este existir em grandes
quantidades na atmosfera, a capacidade do ser humano em captar (pelos
pulmões), em fixar (trocas alvéolo-capilar), em transportar (pelo sangue
graças ao trabalho do coração), e em consumir (pelos músculos) é
limitada.
" Fundamentos do exercício de treino • 51

4.2.3. As vias de produção energética

O nosso organismo realiza permanentemente reacções (mesmo quando


estamos em repouso), e à medida que se intensifica o trabalho, aumenta o
consumo de alimentos e de oxigénio. Mas existem momentos que a
quantidade de oxigénio de que dispomos não chega para as necessidades,
o que não quer dizer que seremos obrigados a parar, pois, mesmo que
falte oxigénio podemos continuar o trabalho (dentro de certos limites de
intensidade e de duração). Portanto, o nosso organismo pode produzir
energia com oxigénio (trabalho aeróbio) e sem oxigénio (trabalho
anaeróbio). Chegados a este ponto, facilmente compreendemos que, por
um lado, toda actividade humana está ligada a uma despesa energética e,
por outro, diferentes praticantes terão igualmente diferentes capacidades
de produzir energia com oxigénio (capacidade aeróbia) e sem oxigénio
(capacidade anaeróbia).

Neste sentido, o ser humano possui três processos para produzir energia,
também denominado de fontes energéticas para a contracção muscular: i)
anaeróbio aláctico, ii) anaeróbio láctico e, iii) aeróbio.

4.2.3.1. O processo anaeróbio aláctico

As células musculares têm a capacidade de armazenar ATP. Todavia,


esta constitui-se como uma pequena reserva que se esgota
rapidamente. Para além do ATP, a célula muscular armazena
igualmente um composto químico denominado de Creatina fosfato
(CP), cuja função principal é o de regenerar o ATP e permitir, com
efeito, a continuidade da contracção muscular. Este processo de
produção de energia, embora muito potente, esgota-se rapidamente e
só poderá ser utilizado durante 8 a 12 segundos. Neste contexto,
quando um determinado exercício é caracterizado por uma intensidade
52 • Metodologia do treino desportivo I !

máxima (98 a 100%) e de curta duração (não superior a 15 segundos),


é este sistema energético que é preferencialmente utilizado. Esta fonte
energética é denominada de anaeróbia, porque não utiliza o oxigénio,
e aláctica porque não há produção de ácido láctico.

4.2.3.2. O processo anaeróbio láctico

Para além das reservas de ATP e CP as células musculares contêm


igualmente reservas de glicogénio que têm por objectivo produzir
energia para a ressíntes das reservas de ATP e CP. Neste contexto,
quando o exercício é caracterizado por uma intensidade próximo do
máximo (90 a 98%), e uma duração entre os 30 segundos e os 2
minutos é este sistema energético que é preferencialmente utilizado. O
factor limitativo na utilização deste sistema energético é a acumulação
do ácido láctico, e a capacidade do praticante em lhe resistir, dai que,
praticantes treinados poderão aumentar a duração do exercício, nas
condições indicadas, para próximo dos três minutos. Este processo de
produção de energia é denominado de anaeróbio porque não utiliza o
oxigénio, e láctico porque existe a produção de ácido láctico
(composto químico que quando atinge concentrações elevadas é factor
limitativo da continuidade do trabalho muscular.
4.2.3.3. O processo aeróbio

Este processo de produção de energia utiliza como substratos


energéticos não só os glúcidos (glicose) como também os lípidos, os
quais na presença do oxigénio não se transformam em ácido láctico,
mas sim em ácido pirúvico, que por reacções químicas sucessivas
produz dióxido de carbono (CO2) e água (HO2), com a produção
simultânea de grandes quantidades de ATP. Neste contexto, quando o
exercício é caracterizado por uma intensidade submáxima (60 a 70%)
e uma longa duração, este sistema energético é preferencialmente
" Fundamentos do exercício de treino • 53

utilizado. Em termos bioquímicos esta fonte é inesgotável, podendo


ser utilizada sempre que exista oxigénio e alimentos passíveis de
oxidação. Neste caso o factor limitativo para a utilização desta fonte
energética situam-se ao nível das grandes funções orgânicas,
principalmente aquelas que condicionam um melhor consumo de
oxigénio (captação pelos pulmões, fixação pelos alvéolos/capilares,
transporte pelo sistema cardiovascular, e utilização ao nível da célula
muscular).
Fonte energática não oxidativa
100%
Fonte energética oxidativa
Os três processos de
produção de energia

ATP+CP (fontes energéticas imediatas)

10'' 30'' 2' Duração (tempo) 5'


Figura 6. Sequência da produção de energia

4.2.4. As relações entre o custo energético e o gesto motor

Na actualidade muitos autores se têm debruçado sobre as relações


existentes entre as características mecânicas do acto motor - gesto
técnico, e os custos energéticos inerentes à sua execução. Para além desta
determinação procura-se estabelecer as relações quantificáveis entre o
potencial energético disponível (o que o organismo é capaz de produzir)
e o que é efectivamente utilizável na realização da acção motora. Esta
relação decerto constituirá, segundo Proença (1990) "a principal base
explicativa do desempenho competitivo de alguns atletas... A
perfectibilidade das capacidades técnico-coordenativas expressão da
coordenação intra e inter-muscular na execução do gesto motor,
condiciona o aproveitamento da energia mecânica produzida, logo é
possível economizar energia devido ao melhoramento desta
capacidade".
54 • Metodologia do treino desportivo I !

4.3. O recurso afectivo

A afectividade é a ressonância emocional de toda a vivência. Quer dizer, é o


tónus psicofísico, agradável ou desagradável, com o qual vivemos
subjectivamente cada experiência, seja ela passiva ou activa. A afectividade
contém 3 componentes fundamentais:
os sentimentos: é tudo quanto há de psíquico que não pertença à
consciência objectiva ou à esfera intelectual - sensação, percepção,
ideias, juízos, etc.- nem ao impulso instintivo;
as emoções: são a exageração de um sentimento. A emoção é também
um fenómeno social: existe uma rica interacção emotiva entre o
indivíduo e o grupo Com recíprocas possibilidades de influência. O
pânico é um típico caso de contágio emotivo; e,
o humor: é um sentimento mais complexo e mais duradouro. É
influenciado pelos acontecimentos mas, ao mesmo tempo, condiciona os
seguintes. O estado de humor representa a soma de todos os sentimentos
presentes num determinado estado de consciência.

Nestas circunstâncias, "é por demais evidente o papel central da


afectividade na realização de qualquer acto. Fazemos melhor e mais
facilmente aquilo que nos dá prazer. Aprendemos mais e em menos tempo,
repetimos sem fastio, reduzimos as margens do impossível. A tonalidade
afectiva, impregna todo o nosso comportamento, constituindo-se no
fundamento motivacional determinante do empenhamento numa qualquer
tarefa e, quantas vezes, é mesmo o seu principal motor" (Proença, 1990).
5. A estrutura do exercício de treino

Da definição de exercício de treino ressalta o facto deste conter em si, uma


estrutura que é função de quatro componentes fundamentais que estão em
estreita relação, e formam uma unidade indivisível condicionando-se uns aos
outros. Neste contexto, podemos afirmar que o exercício de treino depende da
qualidade de resposta as seguintes questões:
" Fundamentos do exercício de treino • 55

• que objectivos se pretende atingir?;


• que conteúdos técnicos, tácticos, físicos, etc., se pretende aprender ou
aperfeiçoar?;
• que formas de organização dos conteúdos estabelecidos se deve utilizar
para alcançar aqueles objectivos?; e,
• que nível de performance se deve observar para que o exercício tenha
atingido o objectivo pretendido?.

5.1. O objectivo

O estabelecimento do(s) objectivo(s) do(s) exercício(s) de treino baseiam-se


essencialmente em dois factores:
• na análise dos níveis actuais de prestação dos praticantes ou da equipa,
e
• no prognóstico das acções subsequentes e consequentes à elevação
desse mesmo rendimento.
Neste sentido, esta componente baseia-se na análise do passado e na
perspectivação do futuro, de forma a operacionalizar com um baixo nível de
abstracção, precisando quais os aspectos específicos da modalidade em
causa que devem ser trabalhados e por via disso melhorados. O objectivo do
exercício de treino poderá ser:
selectivo: quando o exercício é construído por forma que o seu
conteúdo é preferencialmente orientado para um problema preciso,
qualquer que ele seja;
múltiplo: quando o exercício é construído por forma que o seu
conteúdo seja orientado para diferentes problemas.
Os praticantes de elevado nível de rendimento utilizam preferencialmente
exercícios com objectivos selectivos, enquanto que os exercícios com
objectivos múltiplos têm um carácter auxiliar. Pelo contrário, os praticantes
com níveis de rendimento médio utilizam preferencialmente exercícios de
treino com objectivos múltiplos e aumentam de forma progressiva a
utilização de exercícios selectivos.
56 • Metodologia do treino desportivo I !

5.2. O conteúdo

Uma vez estabelecido o que se deve treinar é necessário questionar-mo-nos


sobre a segunda componente, que conteúdos vamos utilizar para alcançar os
objectivos preconizados. O conteúdo diz respeito à totalidade dos elementos
técnicos, tácticos, físicos individuais (passe, remate, drible, etc.,) e
colectivos (combinações tácticas, deslocamentos ofensivos e defensivos,
etc.,) expressos ou não com oposição do adversário, com vista a atingir o
melhoramento dos praticantes num momento particular da competição.

Com efeito, o conteúdo do exercício de treino contem em si os elementos


(factores) decisivos para a execução correcta na qual o êxito da sua
aplicação em competição está dependente da sua aprendizagem e da sua
eficiência. É incontestável a importância do seleccionamento do conteúdo
do(s) exercício(s) de treino na promoção do desenvolvimento do rendimento
desportivos dos praticantes e das equipas. Com efeito, a adequação dos
meios a utilizar durante o treino requer, hoje particular atenção e reveste-se
de grande significado quando se pretende a maior eficiência possível na
obtenção dos objectivos de treino.

5.3. A Forma

A forma é definida pela organização que se estabelece a partir dos


elementos técnicos, tácticos e físicos considerados no conteúdo do
exercício. Com efeito, dois ou mais exercícios de treino cujo conteúdo é
idêntico, poderam provocar efeitos-adaptações completamente distintos,
pelo "simples" facto de o arranjo sistemático desse conteúdo consubstanciar
uma diferente organização. Neste sentido, teremos de considerar que os
exercícios são essencialmente diferentes, quando diferem no seu conteúdo
e/ou na sua forma de organização quer no plano motor, cognitivo,
fisiológico ou psicológico.
" Fundamentos do exercício de treino • 57

A forma do exercício de treino deverá ter sempre em conta os princípios


pedagógicos e metodológicos do treino, principalmente no que diz respeito
à aplicação da carga e às suas componentes. Este último facto, assume
especial relevância e complexidade nas modalidades em que é necessário
trabalhar com elevado número de praticantes, os quais deverão cumprir o
objectivo e os detalhes determinados pelo conteúdo do exercício,
respeitando-se com igual rigor e exigência no que concerne aos aspectos da
duração, intensidade, densidade, e frequência.

5.4. O nível de performance

O nível de performance corresponde ao resultado obtido pelo(s)


praticante(s) logo após a execução das actividades inerentes ao exercício de
treino seleccionado. Com efeito, o conhecimento desse resultado e a sua
comparação ao objectivo definido pelo exercício, consubstancia o grau de
discrepância entre a performance que se deveria atingir e a performance que
se atingiu.

Este grau diferencial indica de imediato duas vertentes fundamentais, que o


professor/treinador deverá equacionar, por um lado, estabelece ou não a
possibilidade da eventual reformulação de uma ou de todas as componentes
da estrutura do exercício de treino, e por outro lado, indica qual ou quais os
elementos (aspectos) que influenciam de forma negativa a performance
global do(s) praticante(s) e que devem ser posteriormente corrigidos. Por
último, o nível de performance poderá ser exprimido em termos de êxito ou
inêxito (por exemplo: executou ou não executou), ou sob a forma de score
(por exemplo: em 10 remates à baliza conseguir 6 golos).
Concluindo, os diferentes componentes referidos que consubstanciam o
exercício de treino formam uma unidade e uma articulação com uma
coerência interna própria que é preciso conhecer e respeitar. Todavia, a sua
58 • Metodologia do treino desportivo I !

compartimentação possibilita, dentro de certos limites, ao


professor/treinador intervir minimamente em qualquer uma dessas
componentes, sem necessitar de alterar as outras.

6. As componentes estruturais do exercício de treino

Definido o domínio funcional (natureza) e o domínio morfológico (estrutura)


do exercício de treino, iremos seguidamente analisar as suas componentes
estruturais no plano fisiológico e no plano técnico-táctico, bem como os
princípios de índole biológica, morfológica, e pedagógica de forma a controlar
a actividade prática na procura de uma maior eficácia na sua aplicação.

6.1. No plano fisiológico

A eficácia do processo de treino, e concomitantemente dos exercícios de


treino que lhe estão na base, na melhoria do rendimento dos praticantes,
baseia-se na capacidade que o ser humano tem de:
reagir a estímulos exteriores que perturbam o seu equilíbrio biológico
(homeostase), quando estes possuem uma certa intensidade. A
problemática do treino tem encontrado na teoria do síndroma geral da
adaptação (S.G.A.), a base racional para explicar os fenómenos gerais da
relação entre a aplicação das cargas de treino e as reacções do organismo
a esse esforço. O S.G.A., segundo Selye (1956), é a reacção do
organismo aos estímulos que provocam adaptações ou danos. Por outras
palavras, é a resposta adaptativa e não específica do organismo a toda
causa que ponha em causa o seu equilíbrio biológico. Ao complexo
mundo de estimulações físicas, químicas, sensoriais, etc, o organismo
responde (para um esforço de baixa intensidade e de longa duração) em
três fases:
• fase de alarme: mobilização dos meios de defesa do organismo que
se traduz pela actividade das estruturas de vigilância e neuro-
vegetativas;
" Fundamentos do exercício de treino • 59

• fase de adaptação ou resistência: é a resposta óptima à agressão que


se caracteriza pela adaptação respiratória, cardiovascular, metabólica,
etc., (esta é a fase que nos interessa desenvolver, pretende-se assim,
que o(s) praticante(s) se mantenham nesta fase e evitar passar para
fase seguinte; e,
• fase de esgotamento ou readaptação: diminuição das resistências
biológicas. Alterações do equilíbrio interno, a fadiga produzida torna
forçoso parar o esforço.

Figura 7. Síndroma Geral de adaptação (Selye, 1956)

adaptar-se à situação, quando os estímulos são aplicados regular,


metódica e sistematicamente criando um novo estado de equilíbrio
qualitativamente superior através das progressivas modificações
neurológicas, biológicas, fisiológicas e psicológicas. O ser humano
modifica-se permanentemente. Com efeito, uma melhor capacidade de
rendimento dos praticantes tem por base uma melhor organização
estrutural dos diferentes recursos que consubstanciaram a adaptação aos
diferentes estímulos.

A aplicação de estímulos ou cargas, conduzem primeiramente o


organismo humano a um processo de desorganização estrutural, isto é, de
diminuição progressiva das suas capacidades (parabiose-fadiga), até a
carga finalizar a sua activação, surge assim um estado de incapacidade
funcional na estrutura ou estruturas que foram predominantemente
solicitadas pela carga. Logo após o esforço, e mesmo durante este,
começa a processar-se a reorganização estrutural (regeneração), o qual
não só atingirá o nível inicial como também o ultrapassa (fase de
60 • Metodologia do treino desportivo I !

super-compensação) em que as capacidades funcionais dos praticantes


estão momentaneamente aumentadas.
Adaptação
Curva de Folbort

Nível Tempo de treino


Inicial (dias, semanas, meses)

Regeneração

Fadiga Carga

Figura 8. A curva de Folbort

Perante os factos acima referidos, os exercícios de treino são os estímulos


que irão actuar sobre as diferentes estruturas do organismo. Logo, compete
ao professor/treinador seleccionar, e conduzir os exercícios com precisão e
rigor de forma a atingir os objectivos pretendidos para cada nível de
aprendizagem, aperfeiçoamento e desenvolvimento dos praticantes. Neste
contexto, para que isto aconteça é necessário: conhecer, adequar e
relacionar, inequivocamente os parâmetros das componentes estruturais do
treino, manipulando-os em função das circunstâncias objectivas nos quais o
exercício se desenvolve.

Figura 9. Níveis de concentração de glicogénio muscular no rato após o esforço, em função


do tempo de recuperação

6.1.1. A duração

A duração é caracterizada pelo tempo que demora a executar um


exercício ou uma série de exercícios, sem interrupção. Com efeito, a
duração corresponde ao período efectivo de tempo que o exercício(s)
" Fundamentos do exercício de treino • 61

actuam sobre o organismo, sem pausas medindo-se em unidades de


tempo (horas, minutos, segundos).
6.1.2. O volume

O volume representa a quantidade total da carga efectuada pelos


praticantes num exercício, numa unidade de treino, ou num ciclo de
treino. Poderá ser expresso de muitas e diferentes formas, tais como
quilómetros, metros, quilogramas, número de repetições de um
determinado elemento técnico, horas, minutos, número de treinos etc. Os
conceitos das componentes duração e volume são semelhantes o que se
traduz em muitos casos numa identificação total entre ambos. Esta
semelhança pode ser ultrapassada se considerarmos o conceito de
duração como o volume efectivo da carga sem pausas, e o conceito de
volume como a duração total da carga incluindo naturalmente as pausas
entre os exercícios.

6.1.3. A Intensidade

De uma forma geral, a intensidade pode ser definida pela quantidade de


trabalho realizado na unidade de tempo. Todavia, esta definição parece-
nos não ser adequada para todas modalidades desportivas. Com efeito, a
intensidade deverá ser caracterizada pela exigência com que um
exercício ou série de exercícios são executados em relação ao máximo de
possibilidades do praticante ou da equipa, nesse ou nesses exercícios.

A intensidade do exercício poderá ser avaliado de acordo com a reacção


biológica do organismo ao esforço. Os indicadores mais utilizados,
embora nem todos possam ser aplicados durante a unidade de treino são:
• a frequência cardíaca;
• a ventilação pulmonar;
• o consumo de oxigénio;
62 • Metodologia do treino desportivo I !

• a concentração sanguínea em lactatos;


• sinais exteriores do estado do atleta.

A intensidade pode ser avaliada durante o treino a partir da percentagem


em relação ao máximo de possibilidades do praticante utilizando
simultaneamente um indicador da reacção do organismo ao esforço - a
frequência cardíaca. Isto é possível especialmente nos desportos de
resistência, para os quais existem escalas percentuais que se traduzem
como meios referenciais que ajudam o treinador/professor a manipular e
a controlar a intensidade do(s) exercício(s).
% em relação ao Frequência Grau de intensidade
máximo cardíaca/minuto
30 a 50 % 130 - 140 fraca
50 a 60% 140 - 150 leve
60 a 75% 150 - 165 média
75 a 85% 165 - 180 submáxima
85 a 100% + 180 máxima
Figura 10. Escala percentual para o treino da resistência

6.1.3.1. As relações entre a intensidade e o volume

Como facilmente se depreende, existe uma estreita dependência entre


o volume e a intensidade, pois, cargas muito intensas conduzem
rapidamente a um estado de fadiga e são tolerados durante pouco
tempo. Por outro lado, cargas pouco intensas são toleradas durante
muito tempo e não conduzem rapidamente a um estado de fadiga.

O volume e a intensidade do trabalho podem aumentar


simultaneamente, mas até um determinado limite. Para lá deste, o
volume provoca uma estabilização da intensidade e, logo, uma
diminuição da mesma. Inversamente, em certas etapas do processo de
treino há que estabilizar e mesmo diminuir o volume da carga, para se
poder alcançar o suficiente nível de intensidade.
" Fundamentos do exercício de treino • 63

A diferença entre a dinâmica de ambas realidades,


volume-intensidade, está relacionado com os peculiares efeitos de
treino nos diferentes momentos do mesmo. Quando se procura
processos de adaptação a longo prazo, isto é, provocar variações
funcionais e estruturais maiores, aumenta-se sobretudo o volume da
carga. Se nos interessa melhorar rapidamente a capacidade de
rendimento desportivo, então há que dar importância primordial à
intensidade. Nestas circunstâncias, a intensidade de carga imprime a
direcção dos processos de adaptação do organismo, enquanto que o
volume vai definir o grau de profundidade dessa adaptação mas sem
alterar a sua direcção.

Figura 11. As relações estabelecidas entre volume e intensidade

Quando se torna necessário aumentar a carga de treino, o volume será


a primeira componente a ser aumentada. Todavia, o aumento do
volume não provoca de imediato uma melhoria do rendimento
competitivo, pelo contrário, um volume de carga suficientemente
elevado, pode mesmo, ao princípio, fazer baixar os rendimentos,
porque durante esse tempo estão a verificar-se as variações
adaptativas necessárias. Por conseguinte, o abaixamento dos
rendimentos nem sempre são devidos às variações readaptativas do
organismo mas sim às variações de adaptação em curso que ainda não
acabaram. Neste sentido, o volume da carga desempenha um papel
primordial na criação das bases necessárias para uma evolução ulterior
dos rendimentos desportivos, sendo a intensidade o factor
64 • Metodologia do treino desportivo I !

preponderante na estimulação e desenvolvimento do rendimento sobre


a base funcional criada pelo volume.

6.1.4. A Densidade

A densidade é caracterizada pela relação temporal entre carga - exercício


ou série de exercícios realizados e o repouso na unidade de tempo. Mais
concretamente a densidade representa as pausas utilizadas entre os
exercícios para que haja uma relação óptima entre exercício e
recuperação.
É vulgar diferenciar-se as pausas em:
completas: visam essencialmente que os praticantes efectuem uma
recuperação que lhes permita, efectuar o mesmo, ou um diferente
exercício, em condições mínimas de fadiga, isto é, já não sintam os
efeitos do exercício anterior;
incompletas: visam essencialmente que os praticantes efectuem
uma recuperação de forma que ao iniciar o exercício seguinte ainda se
faça sentir os efeitos do exercício anterior, procurando assim acelerar,
ainda durante o treino, os processos de adaptação do organismo.

As diferentes tipos de pausas dependem de muitos e diferentes aspectos,


vejamos os principais:
• da modalidade desportiva;
• do conteúdo de exercício;
• do volume e intensidade da unidade de treino;
• dos objectivos da unidade de treino;
• do estado de forma ou de rendimento dos praticantes, etc.
Por último, há ainda a considerar ao nível das pausas a forma como elas
decorrem, podendo ser:
activas: durante a pausa entre dois exercícios contíguos os
praticantes executam acções complementares de forma a acelerar os
processos de recuperação; e,
" Fundamentos do exercício de treino • 65

passiva: durante o qual os praticantes não executam nenhuns


exercícios complementares ou adicionais.

Pausa incompleta

Pausa completa

Tempo

1/3 2/3 3/3


Esforço
Pausa

Figura 12. As pausas completas e incompletas

6.1.5. A Frequência

A frequência é caracterizada pelo número de repetições de um exercício


ou série de exercícios na unidade de tempo. Esta componente está
intimamente ligada à duração, intensidade e densidade, pois, quanto
maior for cada uma destas menor será a frequência.

6.2. No plano técnico-táctico

Dos vários autores consultados, tais como Bayer (1974, 1979), Teissie
(1970), Wade (1978), Gratereau (1963), Dietrich (1978), Hughes (1973,
1990), Dufour (1972), Mercier (1985), Heddergott (1978), Michels (1981),
Palfai (1982), Caron (1976), entre outros, evidenciam no desenvolvimento
dos seus exercícios técnico-tácticos três invariantes estruturais
fundamentais: o número, o espaço e o tempo.

6.2.1. O número

No plano da construção dos exercícios de treino técnico-táctico, a


invariante número é de fundamental importância porque, ao diminuirmos
o número de praticantes envolvidos num exercício aumentamos
claramente o número de possibilidades destes serem solicitados para a
66 • Metodologia do treino desportivo I !

execução das acções programadas. Por outras palavras, a redução do


número de praticantes irá aumentar o número de vezes que estes podem
relacionar-se de forma:
• directa com a bola; ou,
• próximo dos companheiros e adversários que num dado momento a
detêm; e,
• tão ou mais importante, serem eles próprios a concretizarem o
objectivo final estabelecido para o exercício (por exemplo:
lançamento, remate, recuperar a bola, etc.).

Consequentemente, ao aumentarmos o número de possibilidades de


solicitação dos praticantes consubstancia-se a oportunidade destes
desenvolverem os aspectos técnico-tácticos não só de ordem individual
(relação com a bola - acção técnica) como de ordem colectiva (relação
com os companheiros -combinações tácticas).
Densidade do exercício
Máxima Média Mínima

Máxima Mínima
Intensidade do exercício

Número de repetições
do exercício

Média Média

Mínima Máxima

Mínima Média Máxima


Volume do exercício

Figura 13. As relações estabelecidas entre o volume, a intensidade, a densidade, e a


frequência (número de repetições)

6.2.2. O espaço

"Todo o desporto assenta sobre uma definição de espaço..." Com efeito,


"qualquer prova desportiva evolui no interior de um campo fechado no
qual todas as acções são canalizadas no interior das fronteiras que o
" Fundamentos do exercício de treino • 67

espaço em si encerra, e para lá deste o jogo não tem sentido" (Parlebas,


1974). No plano da construção dos exercícios de treino técnico-táctico, é
preciso ter presente que cada praticante encontra-se confrontado por
espaços dinâmicos funcionalmente ligados entre si, que se modificam:
• em função das tarefas que lhes são determinadas;
• da evolução das acções programadas; e,
• do tempo para as executar.

Com efeito, ao diminuirmos o espaço, maiores serão as dificuldades


encontradas pelos praticantes na concretização dos objectivos
consubstanciados pelos conteúdos dos exercícios de treino. Este facto
deriva de que quanto menor for o espaço, menor será o tempo que os
praticantes possuem para analisar a situação, e executar as acções
técnicas correspondentes à sua solução, o que implica consequentemente
um aumento da velocidade e do ritmo de execução das acções individuais
e colectivas, diminuindo a eficiência estabelecida para a concretização
dos objectivos propostos. Neste sentido, "à que adequar o espaço de
forma precisa, visto que entre o espaço e a actividade desenvolvida pelos
praticantes existe uma relação directa e precisa" (Queiroz, 1986).
6.2.3. O tempo

A resolução eficaz das situações de jogo é consequência de dois


parâmetros fundamentais: "a velocidade com que se encontra a solução
do problema, e, a adequação dessa solução a essa mesma situação"
(Mahlo, 1966). A rapidez e a adequação são duas qualidades que
interagem em sentidos inversos. Isto significa que a solução dos
problemas postos pelo jogo, é tanto mais adequada, quanto o jogador
pode reflectir essa situação durante mais tempo. Se considerarmos o
tempo reduzido que o jogador dispõe para resolver durante o jogo os
problemas postos, torna-se claro que a actividade no seu conjunto, não
pode atingir a correcção absoluta. Logo, é o grau de adequação de cada
68 • Metodologia do treino desportivo I !

uma das acções no seu seio da actividade colectiva global que caracteriza
o nível táctico de um jogador e, em definitivo, de uma equipa.

Com efeito, a invariável tempo está estritamente ligado ao espaço, isto


significa que são interdependentes quanto mais temos de um mais temos
do outro. Quanto mais tempo tiver para agir, maior margem de erro é
possível por parte do jogador. Queiroz (1986), citando Helmut Schon,
refere que "o rendimento de um jogador está directamente relacionado
pelo factor tempo e pelo factor espaço, isto é, a eficácia técnica depende
de um complexo de variáveis técnicas e tácticas desenvolvidas em
competição que podem, ou não, perturbar o jogador quando se o
pressiona pelo tempo e se o priva de espaço".
6.2.4. A Complexidade

Em qualquer situação competitiva observa-se a conjugação constante do


número, do espaço, e do tempo, que reflectem intrinsecamente uma certa
complexidade. A complexidade da situação representa assim, as
condições de execução, ou seja, o conjunto de condicionantes que irão
fundamentar as razões da opção de um certo comportamento em
detrimento de outros, e que deverá ser o mais adaptado à situação
competitiva (iremos voltar a este problema da complexidade quando
diferenciarmos este conceito com o da dificuldade quando nos
debruçarmos nas bases da eficiência do exercício de treino).

Do mesmo modo, no que se refere à construção dos exercícios de treino


técnico-táctico é de primordial importância que exista uma interrelação
óptima entre o número-espaço-tempo. A adequação eficaz e ajustada
destas invariantes permitirá estabelecer um número de solicitações
correcta dos praticantes, em espaços correctos de actuação e com tempo
correctos para analisar e executar, de forma a consubstanciar uma
aquisição e assimilação das soluções tácticas e das execuções técnicas
diferentes, em função da variabilidade dos dados da situação.
" Fundamentos do exercício de treino • 69

C +

C nível
C
de
T complexidade
N

-
E
Figura 14. As invariantes estruturais do exercício no plano técnico-táctico as suas
interrelações e os níveis de complexidade

Neste contexto, a relação estabelecida entre o número-espaço-tempo


determinam, consequente e continuamente um certo grau (nível) de
complexidade que poderá ser aumentado ou diminuído consoante as
modificações operadas numa ou mais invariantes, e do grau de alteração
das relações estabelecidas entre estas. Com efeito, é necessário conhecer
profundamente as implicações de cada invariante (que se mantêm
funcionalmente interdependentes) e a sua articulação interna com as
outras, de forma a estabelecer um grau de complexidade do exercício de
treino concordante: i) com o nível de rendimento dos praticantes e da
equipa, e, ii) com a lógica interna da modalidade em causa. Permitindo
assim, controlar de forma segura os efeitos finais do exercício
procurando estabelecer um elevado grau de significação com os
objectivos delineados.

Para além dos raciocínios expressos, é importante, embora de forma


sucinta, analisar o parâmetro complexidade dos exercícios de treino sob
dois ângulos essenciais, cuja a sua consciencialização determina uma
maior eficiência e validade na aquisição e assimilação dos conteúdos
inerentes ao cumprimento dos objectivos que o determinam:

6.2.4.1. No domínio da velocidade de execução


70 • Metodologia do treino desportivo I !

O aumento da velocidade de execução e do ritmo das acções em


competição na actualidade manifestam uma tendência para o seu
incremento, pois constitui-se como a única fórmula de desequilibrar o
sistema de forças do adversário. Logo, há que estabelecer um
compromisso realista nas invariantes técnico-tácticas dos exercícios
de treino, de forma a não diminuir deliberadamente a velocidade/ritmo
de execução das acções, mesmo que isso tenha reflexos evidentes na
eficiência e na precisão das acções. É preciso pois encontrar, uma
plataforma que consubstancie uma assimilação dos objectivos e dos
conteúdos dos exercícios de treino a uma velocidade máxima relativa,
isto é, nem demasiadamente elevada pondo em causa de forma
irredutível a sua eficiência, nem demasiadamente baixa que conduza a
análises e a execuções incorrectas do ponto de vista táctico, e do ponto
de vista técnico.
6.2.4.2. No domínio do esforço

No domínio do esforço, cabe assinalar que a modificação de qualquer


das invariantes técnico-tácticas referidas (número-espaço-tempo) e as
modificações interrelacionais que daí advêm, reflectem-se
inequivocamente nos parâmetros da intensidade do exercício, e por via
de consequência na relação duração-intensidade, obrigando assim a
reconsiderar a carga de treino. Isto significa a necessidade de adequar
a complexidade do exercício de treino às outras invariantes estruturais
no plano fisiológico. Tendo igualmente em atenção, que esta seja o
mais concordante possível com o modelo de esforço físico
estabelecido na competição para a modalidade em causa.

Concluindo, o que se pretende referir, é que toda a modificação de


uma ou mais invariantes quer ao nível técnico-táctico quer ao nível
fisiológico tem implicações estruturais as quais devem determinar
uma readaptação de todos os outros parâmetros de forma que os
" Fundamentos do exercício de treino • 71

praticantes e as equipas possam em função: i) dos objectivos


estabelecidos, ii) do nível do rendimento e, iii) da lógica interna da
modalidade, conceptualizar uma metodologia na construção dos
exercícios de treino cujas invariantes propiciem as condições
essenciais para uma eficaz aprendizagem, aperfeiçoamento e
desenvolvimento.

7. A classificação dos exercícios de treino

No domínio da Teoria e Metodologia Geral do Treino existem actualmente


diversas classificações dos exercícios de treino, que advêm dos critérios
(pressupostos) estabelecidos. Com efeito, os exercícios de treino podem ser
classificados de acordo com o grau de dificuldade (A;B;C), outros de acordo
com o volume da massa muscular utilizada (parcial, regional, total), outros em
função do tipo de trabalho muscular (estático, dinâmico), etc.
Todavia, pensamos que os exercícios de treino poderam ser classificados sob
dois critérios fundamentais: i) o factor de treino predominante no conteúdo do
exercício, ii) em função do grau de identidade do exercício.

7.1. O factor de treino predominante no conteúdo do exercício

Esta classificação estabelece que factor técnico, táctico, ou físico é


predominante no conteúdo do exercício ou exercícios que constituem a
unidade de treino. Neste sentido, a dedução do tipo e número de factores
técnico, táctico, físico que integram o conteúdo do exercício e das suas
interrelações, consubstancia uma predominância que determina a seguinte
classificação: os exercícios técnicos, os exercícios tácticos, e os exercícios
físicos.

7.1.1. Exercícios técnicos


72 • Metodologia do treino desportivo I !

É constituído por exercícios para aprendizagem, aperfeiçoamento e


desenvolvimento do factor técnico.

7.1.2. Exercícios tácticos

É constituído por exercícios para aprendizagem, aperfeiçoamento e


desenvolvimento do factor táctico.

7.1.3. Exercícios físicos

É constituído por exercícios para o desenvolvimento das qualidades


físicas.

Adicionalmente, em função do objectivo técnico e pedagógico que se


atribua a cada exercício de treino dever-se-à considerar numa segunda
análise a dominante e o regime do mesmo. Nesta perspectiva, e de acordo
com Teodorescu (1984), o(s) exercício(s) de treino podem ser divididos em
exercícios "técnico-tácticos" em regime de preparação física (por exemplo:
condução e remate em regime de velocidade, ou manutenção de posse de
bola em regime de resistência) ou exercícios de preparação física em regime
de execução técnico-táctica (por exemplo: velocidade em regime de passe e
remate, ou resistência em regime de marcação individual).

No domínio metodológico, seja qual for a predominância de um dos


elementos referidos sobre outros, os exercícios de treino, devem no entanto
estabelecer, a concordância entre as situações seleccionados e as condições
objectivas da competição na qual a modalidade se desenvolve. Com efeito, é
necessário estabelecer no plano físico a definição das qualidades motoras
dominantes da modalidade, a sua caracterização (em termos de volume,
intensidade, complexidade, processos metabólicos, etc.), e da dinâmica do
esforço. No que se refere às acções técnico-tácticas, há que estabelecer um
aperfeiçoamento constante dos comportamentos já consolidados fazendo-os:
• corresponder ao crescente grau de preparação dos praticantes;
" Fundamentos do exercício de treino • 73

• ao modelo táctico final como expressão dos factores individuais e


colectivos;
• às tendências evolutivas que advêm da modificação dos regulamentos
da competição, e pelas inovações tácticas que dai resultam; e,
• à optimização da distribuição de forças ao longo da competição, em
função da sua própria concepção e das modificações resultantes do
conhecimento das particularidades dos adversários.

Segundo Ulatowski (1975) no processo de aprendizagem e aperfeiçoamento


das acções competitivas podemos distinguir quatro fases essenciais:
• demonstração e explicação, no qual se apresenta ao praticante a forma
de executar de um dado comportamento, o seu objectivo e as condições
de aplicação durante a competição;
• aprendizagem e aperfeiçoamento em condições simples e acessíveis
para os praticantes;
• aprendizagem e aperfeiçoamento em condições próximas das
competições; e,
• aperfeiçoamento durante a competição.
7.2. Em função do grau de identidade do exercício

O grau de identidade estabelece que a complexidade do exercício de treino


estará mais ou menos próxima da estrutura da actividade competitiva, o que
determina a seguinte classificação: os exercícios de competição, os
exercícios especiais, e os exercícios gerais.
7.2.1. Exercícios de competição

Em tudo semelhantes à essência e natureza da competição, são aqueles


que provocam uma adaptação mais complexa e contribuem com especial
eficácia para estabelecer a harmonia entre as várias componentes do
treino ajustando os factores técnicos, tácticos, físicos e psicológicos de
preparação para as situações específicas da modalidade.
74 • Metodologia do treino desportivo I !

Matveiev (1977), considera dois tipos de exercícios de competição:


os exercícios de competição propriamente ditos; que são em tudo
idênticos aos executados nas condições reais de competição e de
acordo com as regras das mesmas. Com efeito, estes exercícios
coincidem no conteúdo da acção, nos fundamentos estruturais, e na
orientação geral. Diferem da competição visto que são executados
durante o treino e orientam-se para a resolução das tarefas de treino
(por exemplo: jogo de treino entre duas equipas, lançamento do dardo,
etc.); e,
os exercícios de competição adaptados; em que se utilizam
exercícios que na sua estrutura de base são concordantes com a
competição mas são executados em condições com uma exigência de
carga diferente com o objectivo de reforçamento e aperfeiçoamento
das acções competitivas correctas. Estes exercícios são utilizados
essencialmente nas modalidades ou especialidades em que é
impossível reproduzir durante o treino, todas as particularidades dos
comportamentos pois estes têm de ser executados em consequência de
situações muito variáveis (por exemplo: jogo de treino entre duas
equipas num campo de dimensões reduzidas, lançamento do dardo
com um engenho ligeiramente mais pesado).

Por último, segundo Matvéiev (1977) "os exercícios competitivos


desempenham um papel extremamente importante no treino, porque sem
eles, é impossível reconstituir os requisitos específicos que a modalidade
impõe ao praticante e estimular, assim, a consecução de um determinado
nível de treino. No entanto, a sua parte é, no treino relativamente
reduzida (em proporção ao tempo global de treino). Isto explica-se,
principalmente, por duas circunstâncias":
• a importância das modificações funcionais provocadas no organismo
pelos exercícios competitivos; e,
" Fundamentos do exercício de treino • 75

• a inutilidade da sua frequente repetição sem preparação, a qual tem


de criar constantemente pré-requisitos para o aperfeiçoamento das
características quantitativas e qualitativas das acções competitivas (de
outro modo a repetição não produz o efeito desejado, nos melhores
dos casos o praticante apenas consolida aquilo que já adquiriu)".

7.2.2. Exercícios especiais

Estes caracterizam-se essencialmente pelo seu carácter específico, tendo


sempre algo de comum com os exercícios de competição. Têm como
objectivos fundamentais o aperfeiçoamento da técnica, da táctica, e das
capacidades condicionais. Os exercícios especiais são concebidos
fundamentalmente:
para assegurar uma acção mais selectiva e mais significativa para
determinados parâmetros das cargas de treino; e,
na modelação de novas variantes das acções competitivas, isto é, na
atempada criação de pré-requisitos do domínio de formas
aperfeiçoadas da técnica que correspondem a um novo nível de
resultados.

Harre (1981), divide os exercícios especiais em dois tipos:


• os exercícios especiais I; são idênticos aos exercícios de competição
mas com menos exigência de carga; e,
• os exercícios especiais II; que contêm partes dos gestos específicos
da modalidade executados com as mesmas exigências da competição.
A vantagem dos exercícios especiais sobre os exercícios de
competição reside no facto da possibilidade de um controlo mais
efectivo da carga de treino.
7.2.3. Exercícios gerais
76 • Metodologia do treino desportivo I !

São exercícios que do ponto de vista do seu efeito não correspondem


nem aos exercícios de competição nem aos exercícios especiais. Ao
seleccionar-se os exercícios gerais é importante respeitar dois requisitos
de base:
incluir meios que asseguram uma ampla preparação do praticante,
isto é, construir/elaborar exercícios que tenham um efeito suficiente
no desenvolvimento de todas as capacidades técnicas, tácticas, físicas
e psicológicas enriquecendo assim a sua "reserva de aptidões"; e,
deve reflectir particularidades da especialidade desportiva em
causa, isto porque, durante o desenvolvimento do nível de preparação
do praticante podem aparecer efeitos não só positivos como também
negativos. Daqui deriva a necessidade de especializar-se a composição
dos exercícios gerais de forma a poder utilizar eficientemente as suas
"transferências positivas".

Os exercícios gerais têm, no processo de treino, três funções


fundamentais:
• formar, incutir ou reestruturar aptidões que desempenham um papel
auxiliar ou de apoio ao aperfeiçoamento desportivo;
• meios de educação das capacidades insuficientemente desenvolvidas
melhorando o seu nível de eficiência; e,
• como factor de repouso activo que coadjuvam o processo de
recuperação.
Concluindo, os exercícios gerais visam essencialmente estimular e
desenvolver todas as qualidades físicas fundamentais, bem como todas as
qualidades técnicas e tácticas e hábitos de base dos praticantes. Com
efeito, os "exercícios gerais contribuem para o nível de preparação dos
praticantes através de uma acção indirecta" (Bompa, 1990). Embora
seja difícil de comprovar de uma forma precisa a influência directa dos
exercícios gerais sobre o rendimento global do praticante, Harre (1981),
considera que "na idade dos máximos rendimentos a estagnação ou uma
" Fundamentos do exercício de treino • 77

reduzida elevação do rendimento, ou ainda o aparecimento frequente de


lesões, se devem ao facto de, no processo de treino, se aplicarem
relativamente poucos exercícios de carácter geral".

Exercícios de treino

Estrutura Exercícios de Exercícios Exercícios


do gesto competição especiais gerais

Função A B C D E F G H

Carga do treino
1 1 1 1 3 4 4 5
em relação à carga 2 3 3 3 5 5 5
de competiçao 4 4
Figura. 15. Modelo de classificação dos exercícios segundo Berger, e Hauptman
A- formação e estabilização do complexo de rendimento específico da competição;
B- formação e estabilização essencialmente das capacidades condicionais específicas;
C- Aperfeiçoamento e consolidação essencialmente das capacidades técnicas
específicas;
D- formação essencialmente das capacidades técnico-tácticas;
E- formação das capacidades condicionais de base;
F- Aperfeiçoamento de outras técnicas desportivas;
G- relaxação emocional;
H- Descanso activo, aceleração da regeneração
1- específico de competição; 2- insignificante divergência; 3- mais elevada; 4-
sensivelmente mais baixa; 5- mais baixa

Concluindo, Berger, J., e Hauptman, M. (1981), propõem um modelo de


classificação dos exercícios de treino fundamentado em três vertentes
essenciais: i) a estrutura do gesto, ii) a função e, iii) a relação existente
entre a carga de treino usada na execução dos exercícios e a carga de
competição.
As classificações referidas têm um carácter generalista e,
consequentemente estabelece uma delimitação não muito clara entre os
vários tipos de exercícios de treino, sendo difícil em muitos dos casos de
os classificar de forma correcta, pois têm lugar nos diferentes níveis
propostos. Neste sentido, não negando a importância destas
classificações, é importante que cada modalidade desportiva, após
observar e analisar os fundamentos da sua estrutura competitiva
78 • Metodologia do treino desportivo I !

estabeleça, segundo critérios e pressupostos correctos, uma classificação


e organização própria dos seus exercícios específicos de treino.

8. Orientações e tendências dos exercícios de treino

Segundo Teodorescu (1987), a Teoria e Metodologia Geral do Treino


Desportivo conhece na actualidade mudanças significativas na concepção, no
conteúdo e na organização da preparação dos praticantes e das equipas. Estas
modificações, ainda segundo o mesmo autor (1987), resultam de três vertentes
fundamentais:
• das pesquisas cientificas interdisciplinares;
• da prática de vanguarda de alguns treinadores; e,
• da aplicação de alguns resultados provenientes de outras áreas do saber,
tais como, a matemática, a cibernética, a psicologia, a pedagogia, etc.

De forma didáctica podemos estabelecer convencionalmente quatro etapas


pelos quais os exercícios e o treino evoluíram ao longo dos tempos modernos:
i) aumento do volume de treino utilizando exercícios de carácter geral e

especial, ii) maior utilização dos exercícios de treino de carácter específico, iii)
adequação dos exercícios de treino à realidade competitiva - indivisibilidade
dos factores de treino e, iv) estabelecimento das bases científicas dos exercícios
de treino.

8.1. Aumento do volume de treino utilizando exercícios de carácter geral e especial

No passado recente, a primeira grande orientação do treino desportivo foi o


aumento do volume de trabalho dos praticantes e das equipas. Este aumento
do volume de trabalho. Este aumento do volume permitiu num certo
momento ascender rapidamente a um nível de performance mais elevado.
Todavia, limitado naturalmente pelo factor tempo (ninguém consegue
" Fundamentos do exercício de treino • 79

treinar mais de 24 horas por dia), o volume de treino ao chegar muito


próximo do seu limiar máximo, provocou uma influência negativa em
determinados desenvolvimentos, devido fundamentalmente à sobrecarga
dos sistemas funcionais dos praticantes. Este facto pôs em evidência duas
questões fundamentais:
• uma ao nível dos aspectos de recuperação dos praticantes; e,
• outra ao nível dos exercícios de treino empregues.

8.2. Maior utilização dos exercícios de treino de carácter específico

Numa "segunda fase" adaptou-se os exercícios de treino ao objectivo


visado, o que se traduziu num aumento do tempo de treino dedicado aos
exercícios de carácter específico, perdendo os de carácter geral a sua
preponderância como meio de base na preparação dos praticantes e das
equipas sendo utilizados sobretudo como meios de repouso activo e de
aceleração dos processos de recuperação.

8.3. Adequação dos exercícios de treino à realidade competitiva. Indivisibilidade dos


factores de treino

Esta "fase" muito ligada à anterior, consubstanciou o desenvolvimento de


novos exercícios de treino através do estabelecimento de modelos técnico,
tácticos, físicos e psicológicos construídos a partir da realidade competitiva
da modalidade desportiva em causa. Procura-se assim, que entre o exercício
de treino e a competição, exista um elevado grau de concordância em que o
desenvolvimento das qualidades físicas e das acções técnico-tácticas se
efectuem conjuntamente, em climas de elevada tensão psicológica, de forma
a acelerar e a intensificar os processos de adaptação. Estes pressupostos
estão igualmente ligados à utilização de materiais e equipamentos que
permitem explorar na totalidade as reservas funcionais do organismo.
80 • Metodologia do treino desportivo I !

Dentro desta fase Teodorescu (1987), apresenta como orientação


fundamental do treino a racionalização, a qual numa primeira análise procura:
• a redução do número de exercícios de treino; e,
• o aumento do número de repetições do mesmo, tendo como objectivo
de base a optimização do treino e implicitamente o rendimento dos
praticantes e das equipas.

Esta orientação resulta da aplicação de dois procedimentos metodológicos,


que contêm implicações teóricas, e sobretudo práticas, na
elaboração/construção dos exercícios de treino, que consubstanciam: i) a
objectividade e, ii) a modelação.

8.3.1. A objectividade

É um processo que procura, numa primeira análise, identificar e


caracterizar os elementos que constituem o conteúdo da competição, e
numa fase posterior, sempre que possível estabelecer os índices
quantitativos e qualitativos óptimos do rendimento dos praticantes e das
equipas em condições variáveis.

8.3.2. A modelação

É um processo através do qual se procura correlacionar o exercício de


treino com as exigências específicas da competição, com base nos
índices mensuráveis das componentes de rendimento. Segundo este
raciocínio, quanto maior for o grau de correspondência entre os modelos
utilizados (exercícios de treino) e a competição de uma dada modalidade,
melhores e mais eficazes serão os seus efeitos, fundamentando-se assim a
optimização do processo de treino.
" Fundamentos do exercício de treino • 81

É através do processo da modelação, ainda segundo o mesmo autor


(1987), que os exercícios de treino passam primeiramente por uma:
tipificação; o que implica a selecção e síntese das componentes
essenciais e similares (análogas) das diferentes fases da competição,
quer do ponto de vista técnico, táctico, físico e psicológico, numa
estrutura única (indivisibilidade dos factores de treino), procurando
eliminar os consumos inúteis de energia e de tempo e, seguidamente
pela,
estandardização; que tem um carácter modelador do esforço e das
acções técnico-tácticas desenvolvidas durante a competição. Os
exercícios estandardizados quando aplicados em condições similares
os seus efeitos (eficiência/resultados) são aproximadamente
conhecidos.

A tipificação e a estandardização permitem o desenvolvimento de


exercícios multifactoriais, isto é, a utilização de um mesmo exercício
para atingir efeitos tanto selectivos como acumulativos no domínio
técnico, táctico, físico e psicológico, e das tarefas pedagógicas de
aprendizagem, aperfeiçoamento e desenvolvimento dos praticantes e das
equipas. Neste sentido, por exemplo, um exercício para a aprendizagem
do contra-ataque, as dominantes são a acção táctica e o aperfeiçoamento
da técnica de controlo da bola e de passe em condições de velocidade e
manutenção da velocidade de deslocamento dos jogadores (efeito
selectivo). Após a aprendizagem do contra-ataque o mesmo exercício
pode ser utilizado para o seu aperfeiçoamento no qual é importante
manter a velocidade e a técnica de controlo da bola e de passe,
desenvolvendo igualmente a resistência específica, e aumentando o
número de repetições (efeito acumulativo).

Com efeito, o recurso a uma destas funções é determinada por critérios


metodológicos que têm como objectivos ganhar o máximo de tempo para
82 • Metodologia do treino desportivo I !

se efectuar um grande número de repetições na procura de uma técnica


correcta (quase automatizada), assim como a eficiência das acções. Os
exercícios com efeitos acumulativos são utilizados sobretudo no
aperfeiçoamento e desenvolvimento das qualidades físicas e das aptidões
técnico-tácticas. Os exercícios de efeitos selectivos são utilizados
particularmente nas situações de aprendizagem e de correcção das
aptidões técnico-tácticas.

8.4. Estabelecimento das bases científicas dos exercícios de treino

A "quarta fase" deste processo de transformação é constituída pelo


aperfeiçoamento de organização do treino através do estabelecimento de um
suporte científico que consubstancie leis, princípios, metodologias, etc. É
através destes que se pode definir as estruturas de treino mais eficientes na
orientação e preparação dos praticantes e das equipas, sendo esta adaptada
ao nível dos resultados projectados.

w
PARTE III

O EXERCÍCIO DE TREINO DESPORTIVO

Capítulo 2

Bases conceptuais para a construção dos exercícios de treino

Resp: Jorge Castelo


82 • Metodologia do treino desportivo I !

Conteúdo do Capítulo 2 da Parte III

O Capítulo 2 reflecte a análise das bases conceptuais para a construção


dos exercícios de treino. Com efeito, a construção dos exercícios de
treino liga-se indubitavelmente à forma de se observar e interpretar a
natureza das diferentes modalidades desportivas, mais precisamente à
sua lógica interna. Neste contexto, os métodos de análise para a
interpretação de uma dada realidade competitiva converge num quadro
teórico que evidencia três perspectivas fundamentais: associativista, da
forma e estruturalista.

Metodologia do treino desportivo I


Conteúdo Programático

Conceitos do treino Planeamento Planeamento do Parte V


Parte I desportivo Conceptual treino desportivo

Planeamento
Estratégico
Factores do rendi-
Parte II mento desportivo
Planeamento
Táctico

Parte III O exercício de trei-


no desportivo
Fundamentos do
exercício de treino Estrutura do
Microestrutura Parte VI
processo de treino
Bases conceptuais
exercício de treino
Mesoestrutura

Bases de aplicação
exercício de treino Macroestrutura

Bases de eficácia
exercício de treino
Período Periodizacão do Parte VII
Preparatório treino desportivo

Parte IV Factores do treino O factor técnico Período


desportivo desportivo Competitivo

O factor táctico Período


desportivo Transitório

O factor físico Estudo sobre


desportivo a força O controlo do
treino desportivo Parte VIII
Estudo sobre
a resistência

Estudo sobre
a velocidade

Estudo sobre
a flexibilidade

O treinador
perfil e competências
Parte IX
Organigrama 5
" Bases conceptuais para a construção dos exercícios • 83

Parte III

O exercício de treino desportivo

Sumário

Capítulo 2 - Bases conceptuais para a construção dos exercícios de treino


1. As relações entre a interpretação da natureza da modalidade e os
exercícios de treino
1.1. As perspectivas associativistas
1.2. As perspectivas da forma
1.3. As perspectivas estruturalistas
1.1.3. O modelo
1.1.3.1. os modelos técnico-tácticos
1.1.3.2. o modelo de esforço
1.1.3.3. o modelo de ambiente
1.1.3.4. o modelo integrativo

Bibliografia:
84 • Metodologia do treino desportivo I !

BAYER, C. (1979) L´enseignement des jeux sportifs collectifs, Editions Vigot,


Paris
BAYER, C. (1974) La pratique du hand-ball et son approche psycho-social,
Librairie J.Vrin, Paris
CARON, J., PELCHAT, C. Apprentissage des Sports Collectifs, Les presses de
l'Université du Quebec, 1976
PARLEBAS, P. (1985) Activités Physiques et Éducation Motrice, Dossiers
Éducation Physique et Sport, nº 4, Paris
QUEIROZ, C. (1986) Estrutura e organização dos exercícios de treino em
futebol, F.P.F.
TEODORESCU, L. (1984) Problemas de teoria e metodologia nos desportos
colectivos, Livros Horizonte, Lisboa
ULATOWSKI, T. (1975) La theorie de l´entrainement sportif. Comité
Internacional Olympique
WRZOS, J. (1980) Atlas des exercices specifiques du footballeur, INSEP, Paris
" Bases conceptuais para a construção dos exercícios • 85

Segundo Queiroz (1986) citando Worthington "em cada treino, em cada


momento, o treinador confronta-se com uma determinada situação específica
para a qual terá que saber seleccionar um ou outro tipo de exercício, de
acordo com o objectivo que se deseja atingir. Fundamentalmente, é necessário
que o treinador saiba organizar os seus próprios exercícios em função dos
problemas que se lhe deparam, sendo fundamental a compreensão e o domínio
dos critérios de organização dos exercícios no processo de treino".

1. As relações entre a interpretação da natureza da modalidade e os exercícios de treino

As bases conceptuais para a construção dos exercícios, na longa história do


treino desportivo, estão indubitavelmente ligados à forma de observar e
interpretar a natureza (essência) da modalidade desportiva em causa, isto é, do
método de análise aplicado para evidenciar a sua lógica interna.

Segundo Bayer (1972), "o contexto histórico, sociológico e filosófico possui


um impacto incontestável na forma de encarar o conhecimento de uma
actividade: a evolução dos seus métodos, os seus conflitos, e os eu respectivo
desenvolvimento não é muito diferente da história das ideias. São as diferentes
correntes do pensamento, que orientam irremediavelmente o ponto de vista
através do qual o ser humano perspectiva uma disciplina particular, quer ela
seja literária, científica, ou desportiva, de forma a elaborar uma metodologia
e definir os fundamentos pedagógicos do seu ensino".

Com efeito, os treinadores/professores, ao longo dos tempos, foram sentindo a


necessidade cada vez mais premente, de desenvolverem um pensamento que
consubstancia-se uma correcta análise e caracterização da estrutura da
actividade competitiva da sua modalidade desportiva, de molde a evidenciar a
sua lógica interna, que por sua vez irá influenciar inequivocamente as bases
conceptuais para a construção dos seus exercícios específicos de treino.
86 • Metodologia do treino desportivo I !

A definição dos métodos de análise para a interpretação de uma dada realidade


competitiva, converge, em nossa opinião, num quadro teórico que evidencia
três pensamentos (perspectivas) fundamentais: i) a perspectiva associativista, ii)
a perspectiva da forma e, iii) a perspectiva estruturalista.
1.1. As perspectivas associativistas

A primeira fase do pensamento de base à construção/elaboração dos


exercícios de treino, foi fundamentalmente influenciada pelo "período
mecanicista" marcado por duas correntes filosóficas: o dualismo cartesiano
(que consubstancia uma visão mecânica do corpo humano para explicar o
seu funcionamento), e o associativismo (que pretende reduzir
grosseiramente o complexo a elementos simples, através de um excessivo
espírito de análise e da lei da associação de ideias, sobre o qual automática e
espontaneamente se desenvolve todo o pensamento). As perspectivas
associativistas procuravam decompor todas as actividades em elementos
simples, e pela adição dessas pequenas unidades, pretendia-se reconstruir as
representações mais complexas através da simples justaposição dos
elementos no tempo e no espaço permitindo forjar uma ligação entre eles.

Nesta perspectiva, pressupunha-se que as actividades essenciais às


diferentes fases do processo de aprendizagem, aperfeiçoamento e
desenvolvimento dos praticantes era bem elaborado, bastando para isso,
justapor os elementos técnicos constituintes da modalidade desportiva em
causa, de forma parcelar, sob a condição de se recorrer à repetição
sistemática.

Com efeito, Wrzos (1980) refere, baseando-se na teoria dos reflexos


condicionados de Ivan Pavlov que "os mecanismos motores que constituem
o complexo sistema de reflexos condicionados formam-se durante a
execução do exercício. Para materializar um automatismo motor, o atleta
deverá consciencializar a acção a executar porque a sua formação depende
" Bases conceptuais para a construção dos exercícios • 87

do primeiro e do segundo sistema de sinalização". Neste processo podemos


distinguir 3 etapas consecutivas:
• no primeiro estado: os exercícios são caracterizados por um despertar
do sistema nervoso central, com um baixo nível de desenvolvimento das
capacidades de coordenação no trabalho muscular que se traduz pela
imperícia do movimento;
• no segundo estado: os movimentos em questão são melhor utilizados
constatando-se uma redução progressiva das despesas energéticas e de
variações metabólicas. Os movimentos do corpo tornam-se mais
precisos, melhor coordenados, e económicos. Nesta fase, a atenção do
atleta dirige-se em direcção a diferentes detalhes da execução do
movimento. As indicações orais contribuem para a eliminar os
movimentos supérfluos e de fixar os movimentos correctos, tendo uma
importância particular para a precisão da formação dos automatismos
motores; e,
• no terceiro estado: os movimentos estabilizam-se e começam a ser
executados de forma estereotipada com precisão e exactidão.

Estas são as bases teóricas sobre as quais se edifica a prática e o ensino das
diferentes modalidades desportivas (individuais e colectivas). Esta teoria,
interpretada de uma forma rígida trouxe uma aparente validade desta
tendência que privilegiou os factores de associação e de repetição, levando
os treinadores a evidenciar uma preocupação mecanicista tanto do gesto
técnico como do comportamento táctico na resolução das situações
competitivas. Tudo se resumia assim, a um problema de técnica individual,
na qual era necessário que cada praticante adquiri-se previamente um
repertório de gestos.

Neste contexto, a preocupação dominante era de identificar e definir


concretamente os comportamentos técnicos de base das diferentes
modalidades, decompondo-os em elementos simples que eram necessário
trabalhar (exercitar), e de associá-los para obter a realização de uma conduta
88 • Metodologia do treino desportivo I !

complexa. O que era importante é o aspecto exterior do movimento,


independentemente do contexto em que esses comportamentos eram
executados. "Estas aquisições eram realizadas de forma abstracta, igual
para todos, sem qualquer relação com a realidade, existindo para cada
domínio parcelar um modelo ideal (geralmente de um campeão) em
direcção do qual, e por imitação, a execução de cada praticante deveria
desenvolver-se independentemente da sua idade, ou do seu nível de
formação" (Bayer, 1983).

Esta análise foi complementada, numa segunda fase pelo estudo energético
que visava o conhecimento do rendimento máximo e a eficácia funcional de
cada acto permitindo formular um modelo ideal, que respondesse às leis
bio-mecanicistas precisas, em direcção a uma execução que todos os
praticantes deveriam obedecer. Esta pedagogia, "trouxe abundantes
progressões, fruto de execuções e sistematizações rigorosas, onde os
exercícios descritos ou propostos, eram realizados numa estrita ordem
constituindo uma ajuda preciosa nas condutas práticas das sessões de
treino. No entanto, o gesto era encarado de uma forma abstracta, sem
nenhuma relação com a realidade" (Bayer, 1972).

Concluindo, os exercícios de treino segundo esta perspectiva, são


seleccionados e organizados segundo uma certa ordem, incluindo um
elemento técnico preciso que se extrai do seu contexto real e que, depois de
adquirido, se associa a outros ou serve de base a outros cada vez mais
complexos. Em síntese os exercícios de treino, depois da análise dos
elementos que constituem o conteúdo da modalidade, são construídos e
organizados da seguinte forma (Queiroz, 1983):
exercícios de treino de aprendizagem, aperfeiçoamento ou
desenvolvimento sistemático dos elementos em questão;
exercícios de treino de aprendizagem, aperfeiçoamento ou
desenvolvimento de associação dos diferentes elementos;
" Bases conceptuais para a construção dos exercícios • 89

exercícios de treino que procuram reproduzir todos ou quase todos os


aspectos ligados à competição.

1.2. As perspectivas da forma

A segunda fase deste processo evolutivo do pensamento à


construção/elaboração dos exercícios de treino, nasceu da reacção às
perspectivas atomistas, que preconizavam uma associação mecânica das
actividades gerando um movimento extremamente importante que se
desenvolveu rapidamente no princípio do nosso século. Esta teoria que se
opõe aos métodos analíticos pressupõe que cada elemento não tem
significado, senão na sua relação com o conjunto, e que os diferentes
elementos de uma estrutura articulam-se uns com os outros para constituir
uma forma. Neste contexto, uma forma é algo mais que a soma das suas
partes, ela tem propriedades que não resultam da simples adição dos seus
elementos, sendo estes interdependentes e organizados num "campo" total
segundo certas leis.

Caron, e Pelchat (1976), referem o seguinte exemplo que nos ajudam a


compreender melhor esta questão: "seis superfícies idênticas misturadas
num saco não formam provavelmente um cubo pela sua simples
justaposição. Para obter o resultado pretendido (o cubo), é preciso compor
as seis superfícies entre elas. A "forma" criada a partir desta nova
disposição das superfícies não representa mais uma simples soma sem
significado, mas sim uma nova estrutura coerente denominada "cubo"
possuindo uma nova característica; o volume. Da mesma forma que ao
observarmos as partes de uma caixa verificamos que estas formam um todo
na medida em que eles se dispõem em função de um objectivo preciso. É
este objectivo que permite a essas partes estarem estruturadas e terem um
sentido. Por outras palavras, a caixa tem na sua totalidade uma função na
qual as suas partes individualmente não têm".
90 • Metodologia do treino desportivo I !

Neste sentido, Bayer (1972), refere que "cada elemento está dialecticamente
relacionado com o conjunto, e que a génese dos fenómenos complexos
explicam-se pela emergência de formas, ou seja, de conjuntos estruturados
dotados duma articulação que lhe é própria..." Assim, no plano particular
dos jogos desportivos colectivos, um jogador não joga ao "lado" dos outros,
mas "com" os companheiros e "contra" os adversários, Bouet (1968),
emprega a fórmula "com e contra". Pedagogicamente, ainda segundo o
mesmo autor (1983) "esta atitude caracteriza-se por centrar a formação
sobre a equipa que representa uma totalidade (como ponto de partida), e
por dirigir e desenvolver a formação individual de uma forma integrada em
função de uma dada organização colectiva utilizada e adaptada pela
equipa".
Inversamente às teorias associativistas, parte-se do geral, ou seja, da
totalidade (contexto das situações competitivas), para atingir o particular, ou
seja, o praticante, isto permite a aquisição de uma técnica integrada à
dinâmica competitiva, em articulação com as possibilidades próprias de
cada praticante que se encontra dentro desse sistema. Neste contexto, "o
movimento não é concebido como uma junção de execuções motoras
parcelares, mas como uma unidade dinâmica una e indivisível. Logo, a
aprendizagem de um comportamento representa uma modificação total na
relação dos actos motores e do campo perceptivo, ou por outras palavras,
cada tentativa para atingir o objectivo previamente definido representa
uma estrutura original" (Bayer, 1972). Concluindo, as perspectivas da
forma estabelecem que entre o conteúdo da modalidade desportiva e o
conteúdo do exercícios de treino haja uma relação dialéctica. Neste sentido,
a aprendizagem, aperfeiçoamento e desenvolvimento dos praticantes
decorrem no contexto da realidade competitiva, embora em formas menos
complexas mas que não desvirtuam a sua natureza fundamental. Após a
análise dos elementos do conteúdo no seu contexto real em que estes se
desenvolvem e exprimem os exercícios de treino são construídos e
organizados da seguinte forma (Queiroz, 1983):
" Bases conceptuais para a construção dos exercícios • 91

exercícios de treino para a aprendizagem, aperfeiçoamento e


desenvolvimento dos elementos do conteúdo da modalidade em
condições mais ou menos próximas da actividade onde decorrem essas
acções;
exercícios de treino para a aprendizagem, aperfeiçoamento e
desenvolvimento das relações elementares e complexas da modalidade
com a inclusão de um maior número de elementos técnicos, tácticos e
físicos do seu conteúdo.
1.3. As perspectivas estruturalistas

"A realidade manifesta-se aos nossos olhos de um modo fortemente


estruturado" (Eigen, e Winkler, 1989). Os princípios da teoria da forma,
segundo vários autores, foram um factor importante na evolução da noção
de estrutura ao definir forma "como algo mais que a soma das suas partes,
em que as suas propriedades não resultam da simples adição dos seus
elementos, sendo estes interdependentes e organizados num "campo" total
segundo certas leis". Esta teoria rejeita assim toda a ideia que o
conhecimento do conjunto possa ser deduzido a partir do conhecimento das
partes, ou que estas possam ser conhecidas na sua totalidade sem referência
ao conjunto, estabelecendo dois aspectos complementares e fundamentais
que caracterizam a noção de estrutura: o conjunto e a interacção,
evidenciando assim, a importância das relações observáveis e das
significações vividas.

Neste contexto, o estruturalismo, é um método de análise que estuda os


fenómenos da realidade, examinando-os à luz da sua articulação interna e
das interrelações entre os seus diferentes componentes que se mantêm
funcionalmente interdependentes. Para Ferdinand de Saussure, fundador da
linguística moderna, "o que é estrutural na multitude dos diferentes casos é
a gramática do jogo... A estrutura não se revê no posicionamento dos
jogadores mas no sistema de relações entre os jogadores, a bola, o terreno,
as relações ao código de jogo... É comparando os diferentes conjuntos que
92 • Metodologia do treino desportivo I !

podemos extrair a ordem interna que finalmente estabelece essas diferenças


e que consubstancia o ressurgimento de uma estrutura comum. A estrutura
não diz respeito às disposições espaciais perceptíveis, mas às relações e
mais ainda às relações de relações".

Ainda o mesmo autor, apresenta um exemplo eloquente da sua opinião


"todo o elemento linguístico é comparável a uma peça de xadrez, para o
antropólogo ela aplica-se a todos os membros da sociedade, e para o
treinador para todos os jogadores da equipa. Ora uma peça de xadrez não
se define pela sua cor, suas dimensões, da matéria de que é feito, nem pelos
seus atributos físicos ou pela sua "forma", mas pela regra do jogo e pelas
relações que essas regras lhe permitem entrevir com as outras peças no
conjunto dos casos. Assim o avançado centro ou o guarda-redes têm um
valor estrutural não pelas características físicas da sua aparência e dos
seus deslocamentos, mas por um sistema de relações estabelecidos entre
eles... É o que os estruturalistas pretendem referir por analogia à
linguística que a estrutura é uma "sintaxe" que, apesar das modificações e
das diferenças, têm uma relação comum. Aparentemente paradoxal, são
estas diferenças que determinam uma analogia".
1.3.1. O modelo

O pensamento estruturalista introduz, com efeito, um conceito


operacional fundamental - o modelo, que consubstancia uma construção
teórica de forma a definir e a reproduzir com rigor, todo o sistema de
relações que se estabelecem entre os diversos elementos de uma dada
realidade. Como refere Parlebas (1968) "o modelo é uma construção
esquemática e teórica que procura relatar a realidade, sob forma
abstracta e se possível matematizada..."

A maioria dos autores esforçam-se assim, por conceptualizar e


pragmatizar um ou mais modelos (estruturas) como ponto de partida
essencial na análise e caracterização da modalidade desportiva em causa,
" Bases conceptuais para a construção dos exercícios • 93

evidenciando quatro aspectos fundamentais para a sua construção


(Queiroz, 1986):
identificar, no conteúdo da modalidade, quais os factores básicos
através dos quais esta se desenvolve, ou seja, a sua lógica interna;
reproduzir com rigor, todo o sistema de relações que se estabelecem
entre os vários elementos de uma dada situação;
definir de forma precisa os comportamentos exigíveis aos
praticantes face aos modelos e em função do nível de aptidões e
capacidades destes, bem como das suas possibilidades de
desenvolvimento;
determinar ainda, os índices de eficácia do comportamento dos
praticantes de acordo com um determinado nível de rendimento.
Procura-se assim, transpor para o treino, os modelos de acção mais
eficazes bem como as tendências evolutivas da modalidade que
caracterizam o desempenho dos melhores praticantes e das melhores
equipas do mundo, de forma a estimular através dos exercícios o
desenvolvimento dos "comportamentos" definidos, integrados em
estruturas funcionais que consubstanciam as suas exigências dominantes.
Neste sentido, a dinâmica que preside à construção e organização dos
exercícios de treino, tem em vista a definição de modelos operativos
parciais (devido à impossibilidade de reproduzir determinados factores,
como por exemplo a existência de adversários reais, do público, etc.), os
quais procuram reproduzir a dinâmica dos complexos processos
psicológicos, fisiológicos e motores, passíveis de influenciar o
rendimento. Teodorescu, L. (1984), considera os seguintes modelos: i)
técnico-tácticos, ii) de esforço, iii) de ambiente e, iv) integrativo.
1.3.1.1. Os modelos técnico-tácticos

São constituídos: i) pelos modelos dos procedimentos técnicos,


integrados de acordo com a lógica da actividade dos praticantes, (a
acção individual), ii) dos modelos individuais em correlação com um
94 • Metodologia do treino desportivo I !

ou vários companheiros consubstanciando acções tácticas colectivas,


e, iii) o modelo de acções individuais e colectivas em condições de
adversidade, ou seja, com oposição dos adversários.
1.3.1.2. O modelo de esforço

Correlaciona a actividade com as reacções de adaptação do organismo


às exigências do esforço, que se expressam por parâmetros de volume,
intensidade e complexidade.
1.3.1.3. O modelo de ambiente

Caracteriza as condições externas com o objectivo de adaptar os


praticantes aos efeitos causados pela tensão dos processos psíquicos,
estabelecendo dois níveis de análise: i) o modelo das condições em
que se desenrola a actividade (instalações material, luz, a hora do
treino coincidente com a hora da competição, com o tipo de
arbitragem, etc.), ii) o modelo de microclima social (barulho do
público simulado ou treinos com público, pressão do público hostil ou
favorável, da imprensa, etc.).

1.3.1.4. O modelo integrativo

Objectiva fundamentalmente situações de treino que integrem


sucessivamente os modelos técnico-tácticos, de esforço, e de ambiente
anteriormente descritos. Com base neste raciocínio, os exercícios
assim definidos, mais do que pragmatizar uma determinada concepção
de treino, devem, constituir, a expressão da concepção da competição,
isto é, os modelos operativos definidos no treino devem corresponder
e expressar todas as particularidades, especificidades e exigências da
competição da modalidade desportiva em análise.

Neste contexto, tanto Bompa, (1990) como Teodorescu, (1984, 1987),


referem a necessidade de definir um ou vários modelos técnico,
táctico, físico e psicológico para cada praticante na competição
" Bases conceptuais para a construção dos exercícios • 95

(ataque/defesa, cooperação/oposição, defesa/atacante, etc.), e em


qualquer momento do período anual de treino (preparatório,
competitivo, transitório). A conceptualização destes modelos implica
numa primeira fase a observação e análise dos "modelos" mais
representativos de um nível superior de rendimento de forma a
identificar e a caracterizar os seus elementos quantificando e
qualificando a sua eficácia. Numa segunda fase há que seleccionar e
definir os exercícios de treino a utilizar. Com efeito, a partir destes
modelos, constrói-se e organiza-se os exercícios de treino que
consubstanciam:
a aprendizagem, aperfeiçoamento e desenvolvimento dos
modelos técnico-tácticos individuais e colectivos adequados aos
modelos de esforço;
a preparação física de acordo com modelos técnico-tácticos
individuais e colectivos.
PARTE III

O EXERCÍCIO DE TREINO DESPORTIVO

Capítulo 3

Bases de aplicação dos exercícios de treino

Resp: Jorge Castelo


96 • Metodologia do treino desportivo I !

Conteúdo do Capítulo 3 da Parte III

Abordamos neste Capítulo as bases fundamentais de aplicação do


exercício de treino. Para este efeito, partimos da necessidade de
direccionar, orientar e controlar a actividade prática por forma a
conferir-lhe uma maior eficácia na sua aplicação, estabelecendo
Princípios fundamentais quer no plano biológico, metodológico e
pedagógico, esforçando-nos para que estes não sejam visto de forma
isolada, mas sim como um todo coordenado entre as suas partes.

Metodologia do treino desportivo I


Conteúdo Programático

Conceitos do treino Planeamento Planeamento do Parte V


Parte I desportivo Conceptual treino desportivo

Planeamento
Estratégico
Factores do rendi-
Parte II mento desportivo
Planeamento
Táctico

Parte III O exercício de trei-


no desportivo
Fundamentos do
exercício de treino Estrutura do
Microestrutura Parte VI
processo de treino
Bases conceptuais
exercício de treino
Mesoestrutura

Bases de aplicação
exercício de treino Macroestrutura

Bases de eficácia
exercício de treino
Período Periodizacão do Parte VII
Preparatório treino desportivo

Parte IV Factores do treino O factor técnico Período


desportivo desportivo Competitivo

O factor táctico Período


desportivo Transitório

O factor físico Estudo sobre


desportivo a força O controlo do
treino desportivo Parte VIII
Estudo sobre
a resistência

Estudo sobre
a velocidade

Estudo sobre
a flexibilidade

O treinador
perfil e competências
Parte IX
Organigrama 6
" Bases de aplicação do exercício de treino • 97

Parte III

O exercício de treino desportivo

Sumário

Capítulo 3 - Bases de aplicação dos exercícios de treino


1. Os princípios biológicos
1.1. Princípio da sobrecarga
1.2. Princípio da especificidade
1.3. Princípio da reversibilidade
1.4. Princípio da heterocronia
2. Os princípios metodológicos
2.1. Princípio da relação óptima entre o exercício e o repouso
2.1.1. A determinação do exercício óptimo
2.1.2. A determinação do momento óptimo de aplicação de um novo
exercício
2.2. Princípio da continuidade da aplicação do exercício de treino
2.4. Princípio da ciclicidade da carga de treino
2.5. Princípio da individualização do exercício de treino
2.6. Princípio da multilateralidade ou da relação óptima entre a
preparação geral e especial
3. Os princípios pedagógicos
3.1. Princípio da actividade consciente
3.2. Princípio da sistematização
3.3. Princípio da actividade apreensível
3.4. Princípio da estabilidade e desenvolvimento das capacidades do
praticante
98 • Metodologia do treino desportivo I !

Bibliografia:

CARVALHO, A. Organização e condução do processo de treino II, Revista


horizonte, Vol.I, nº5, Jan/Fev 1985, pp 163-166
CARVALHO, A. Organização e condução do processo de treino III, Revista
horizonte, Vol.II, nº1, Mai/Jun 1985, pp 14-18
MATVEYEV, L., (1986) Fundamentos do Treino Desportivo, Livros
Horizonte, Lisboa
PROENÇA, J. Metodologia do treino desportivo - problemática e
problematização, Revista Ludens, Vol.3, nº6, Abr/Jun. 1982, pp. 19-24
RAPOSO, V. (1989) A periodização do treino I, Revista treino desportivo, IIª
série, Vol.11, Março, pp. 55-59
RAPOSO, V. (1989) A periodização do treino II, Revista treino desportivo, IIª
série, Vol.12, Junho, pp. 55-59
" Bases de aplicação do exercício de treino • 99

Os exercícios de treino devem obedecer a um conjunto de princípios:


biológicos, metodológicos e pedagógicos, que têm por objectivo fundamental
direccionar, orientar e controlar a actividade prática de forma a conferir uma
maior eficácia na sua aplicação. Todavia, deverá haver um esforço permanente
para que os diferentes princípios não sejam encarados de forma isolada e
compartimentada, mas sim como um todo coordenado entre as suas partes.

1. Os princípios biológicos

Basicamente iremos estudar quatro princípios fundamentais denominados de


biológicos: i) o princípio da sobrecarga, ii) o princípio da especificidade, iii) o
princípio da reversibilidade e, iv) o princípio da heterocronia.

1.1. Princípio da sobrecarga

O exercício de treino só poderá provocar modificações no organismo dos


praticantes melhorando a sua capacidade de rendimento, desde que seja
executado numa duração e intensidade suficientes que provoque uma
activação óptima dos mecanismos informacionais, energéticos e afectivos.

Segundo Burk (1979) "as modificações funcionais causadas no organismo


pelo esforço físico só permitem melhorar o estado de treino quando a sua
intensidade é suficiente para provocar uma activação do metabolismo
energético ou plástico da célula". Ainda segundo este autor "as adaptações
que beneficiam a actividade Humana só se produzem quando respondem a
tensões aplicadas a níveis superiores aos limites, mas sempre dentro dos
limiares de tolerância... Os níveis abaixo destas tensões aos quais o
organismo se adaptou não são suficientes para produzir a adaptação ao
treino".
100 • Metodologia do treino desportivo I !

Segundo a lei de Roux Arndt-Schultz, as:


• cargas de fraca intensidade (inferiores ao habitual); provocam uma
atrofia e uma perda de capacidades, já que há uma diminuição da
actividade do organismo;
• cargas de média intensidade (habituais): mantêm o mesmo nível
estrutural e de capacidade de rendimento. Não têm consequentemente
efeito de treino;
• cargas de intensidade forte (superiores ao habitual): provocam um
melhor arranjo estrutural e consequentemente uma melhoria funcional.
Tem efeito de treino; e,
• cargas de intensidade demasiado forte: provocam habitualmente um
esgotamento e uma perda de capacidades, já que ultrapassa os limites
fisiológicos.

Figura 16. As modificações funcionais para as diferentes intensidades da carga

Por último, os diferentes exercício que constituem a unidade de treino


estabelece a mobilização duma diversidade e de um nível mais ou menos
elevado de recursos informacionais, energéticos e afectivos, do(s)
praticante(s). Esta mobilização é altamente individualizada, ou seja, uma
mesma carga de treino pode ser forte para um praticante e fraco para outro.
" Bases de aplicação do exercício de treino • 101

Neste sentido, esta deverá encarada sob dois vertentes:


a carga externa: traduz as tarefas que o praticante deverá cumprir na
unidade de treino (cumprimento dos conteúdos estabelecidos pelo
treinador); e,
a carga interna: corresponde à repercussão ao nível dos diferentes
recursos do praticante (altamente individualizada), que a aplicação da
carga externa provoca.

1.2. Princípio da especificidade

Embora a especificidade se constitua como uma das características


fundamentais do exercício de treino, esta estabelece-se igualmente como um
dos seus princípios biológicos. Com efeito, se compararmos praticantes de
diferentes especialidades desportivas verificamos por exemplo, que um
saltador em altura e um jogador de futebol, ambos necessitam de uma
elevada potência muscular, particularmente ao nível dos membros
inferiores, que lhes permita uma grande capacidade de impulsão. Todavia, o
domínio técnico que é determinado pelas suas especialidades desportivas
(atletismo e futebol), estabelece diferentes exercícios de treino que são
específicos das modalidades em questão.

Brouha (1970) realizou experiências em corredores de fundo e a remadores,


aplicando a ambos uma prova de esforço. Enquanto os remadores corriam
sobre o tapete rolante, os corredores remavam. Controlando-se a frequência
cardíaca e a concentração de ácido láctico no sangue. As reacções do
sistema cardiovascular foram similares, enquanto que as concentrações de
ácido láctico no sangue mostravam variações de acordo com o teste
realizado e com a natureza da especificidade da modalidade. Os remadores
acumulavam mais ácido láctico quando corriam e os fundistas acumulavam
mais ácido láctico quando remavam. Assim o exercício de treino, tem uma
102 • Metodologia do treino desportivo I !

relação específica definida e direccional com o grau de recrutamento dos


recursos do praticante que, por sua vez, em função dos níveis de
adaptabilidade destes ao exercício, consubstanciam uma maior ou menor
produção de substâncias (por exemplo o ácido láctico) que devido à sua
acumulação provocam o aparecimento precoce da fadiga, quando se realiza
um esforço para o qual o indivíduo não está especificamente preparado. Não
se pode ser desportivamente universal, refere Matveiev (1977), "este
princípio estabelece que a concentração de tempo e esforço numa
determinada modalidade desportiva é uma condição objectiva e necessária
para se poder alcançar resultados elevados".

Neste contexto, as modificações que se produzem no organismo através do


treino têm um carácter perfeitamente dirigido a objectivos concretos. O
conceito de especificidade do exercício é reforçado pelo facto de existir
fontes específicas de energia, dentro de cada músculo que respondem a
exercícios específicos. Ou seja, existe uma diferença entre os tipos de
produção de energia necessária para as diferentes actividades físicas. Com
efeito, no treino da velocidade predominam nos músculos reacções
anaeróbias, no caso do treino da resistência predominam as reacções
aeróbias. Mas, por exemplo, se no treino se trabalha uma série de gestos
técnicos à velocidade máxima (especificidade), logo que haja uma
diminuição desta (devido à fadiga), começa a modificar-se a direcção em
que se realiza o processo de adaptação e o efeito de treino será cada vez
mais de resistência e menos de velocidade.

Outro elemento importante e o que se refere à estimulação nervosa


voluntária. Burke (1979), considera que a melhoria das capacidades
funcionais através da actividade física, são específicas quando o desportista
pratica os exercícios de treino dirigidos a uma estimulação nervosa
voluntária. O exercício passivo, como por exemplo a massagem a
" Bases de aplicação do exercício de treino • 103

estimulação eléctrica directa dos músculos por meios artificiais só são


adequados em situações patológicas.

1.3. Princípio da reversibilidade

As alterações do organismo adquiridas ao longo das actividades inerentes


aos exercícios de treino são transitórias. Mas também, não podemos afirmar
o desaparecimento total de uma adaptação, até aos níveis iniciais. Isto
porque as adaptações conseguidas através do exercício determinam um
traço no organismo humano, há por assim dizer o aparecimento de uma
nova adaptação, se por um lado, o efeito de treino é função da
especificidade do exercício e, por outro, os efeitos são transitórios,
logicamente há adaptações que permanecem mais tempo que outras.

Neste contexto, podemos afirmar:


as cargas de grande volume e de pequena intensidade, têm um efeito
de treino mais prolongado;
as cargas de grande intensidade e de pequeno volume, têm um efeito
mais breve;
as aquisições que levam mais tempo a ser obtidas, mantêm-se durante
muito mais tempo;
o decréscimo dos efeitos da adaptação da carga, será tanto maior
quanto mais recente e menos consolidados forem os níveis de adaptação.

Concluindo, o decréscimo dos efeitos do exercício de treino, será tanto maior


quanto mais recente e menos consolidados forem os níveis de adaptação, ou
por outras palavras, as aquisições que levam mais tempo a ser obtidas,
mantêm-se durante muito mais tempo.
104 • Metodologia do treino desportivo I !

Exercícios Exercícios Exercícios


de força de potência resistência
? ?

Treino de Treino de Treino de


força potência resistência

Figura 17. O princípio da especificidade (Edington e Edgerton, 1976)

1.4. Princípio da heterocronia

Entre o momento em que se executa os exercícios de treino e o


aparecimento do correspondente processo de adaptação existe um
desfasamento temporal. Com efeito, depois da aplicação de um ou série de
exercícios de treino surge inicialmente uma perda de capacidades que são
devidas à utilização dos recursos informacionais e energéticos e que se
traduzem num estado denominado de fadiga. O organismo, como que numa
atitude de auto-defesa às "agressões" regenera-se ultrapassando o nível
inicial consubstanciando momentaneamente uma maior capacidade do
praticante.

Como os exercícios de treino têm um efeito específico, logicamente que


essa especificidade traduz o momento em que surge o efeito retardado do
exercício, logo há exercícios que têm um efeito mais rápido que os outros.
Basicamente, o efeito retardado do exercício é função da intensidade do
mesmo, pois parece existir uma relação directa entre os tempos de
mobilização, aquisição e manutenção das capacidades. Neste sentido,
quanto maior for a intensidade do exercício, de curta duração (já que há um
rápido esgotamento da capacidade funcional) mais rapidamente o efeito do
exercício se faz sentir, todavia, também mais rapidamente desaparece esse
efeito quando deixamos de fazer esse tipo de esforço. Contrariamente,
quanto menor for a intensidade do exercício, e longa a sua duração
(esgotamento lento da capacidade funcional dos praticantes) mais tarde o
efeito de treino se fará sentir, todavia, mais lentamente desaparece esse
efeito, quando deixamos de fazer esse tipo de esforço.
" Bases de aplicação do exercício de treino • 105

É através do conhecimento deste princípio biológico e, da dinâmica das


cargas e da adaptação, que se pode controlar a elevação ou diminuição
(dentro de certos parâmetros) da forma desportiva, considerada como um
estado temporário em que as diferentes qualidades físicas, técnico-tácticas, e
psicológicas, se encontram num ponto alto do seu processo de
desenvolvimento.
Com efeito, é necessário saber como, e qual o grau de predominância que se
deve mobilizar os recursos dos praticantes, e os factores de treino
implicados no rendimento desportivo de uma dada modalidade, para que os
efeitos apareçam num mesmo momento, que deverá ser traduzido na
competição.

Competição

Carga IV
Dinâmica da carga

Carga III

Carga II

Carga I

Tempo

Figura 18. Princípio da heterocronia

2. Os princípios metodológicos

Basicamente iremos estudar seis princípios fundamentais denominados de


metodológicos: i) o princípio da relação óptima entre o exercício e o repouso, ii)
o princípio da continuidade da aplicação do exercício de treino, iii) o princípio
da progressividade do exercício de treino, iv) o princípio da ciclicidade do
106 • Metodologia do treino desportivo I !

exercício, v) o princípio da individualização do exercício de treino e, vi) o


princípio da multilateralidade ou da relação óptima entre a preparação geral e
especial.

2.1. Princípio da relação óptima entre o exercício e o repouso

Como foi amplamente referido ao longo deste trabalho, uma eficiente


organização estrutural e funcional do organismo, é consubstanciado por um
recrutamento racional e específico dos recursos informacionais, energéticos
e afectivos, necessários à resolução eficaz das situações competitivas. O
correcto e preponderante recrutamento dos referidos recursos estabelecem a
base de uma maior capacidade de rendimento do(s) praticante(s), que por
sua vez, necessita de efectuar uma série de exercícios de treino, os quais
conduzirão primeiramente o organismo a um estado de fadiga que
corresponde a uma "desorganização estrutural". Ao processar-se a
regeneração (recuperação) o organismo, como que numa atitude de
auto-defesa a "agressões", ultrapassa o nível inicial podendo
momentaneamente fazer uso de uma maior capacidade funcional.

Embora, a construção e aplicação dos exercícios de treino devem decorrer


cada vez mais, por um lado, da reflexão metodológica da análise
competitiva da modalidade desportiva em causa e, por outro, da
profundidade do conhecimento de como os praticantes aprendem e se
desenvolvem do ponto de vista da motricidade, relegando perspectivar o
treino numa "simples" alternância entre carga (esforço) e descanso
(recuperação). O estudo do princípio da relação óptima entre o exercício e o
repouso centra-se fundamentalmente no organismo do praticante sendo
" Bases de aplicação do exercício de treino • 107

regido por leis biológicas. Todavia, importa tomar em consideração que este
processo não é tão linear nem tão determinista, como parece numa primeira
análise. A relação dialéctica entre o organismo e os exercícios de treino
encontra aqui apenas um elemento de base, e só isso.

Sucintamente, pode-se dizer que neste ponto surgem duas questões


essenciais que é necessário equacionar: a determinação do exercício óptimo,
e a determinação do momento óptimo de aplicação de um novo exercício.
2.1.1. A determinação do exercício óptimo

Esta questão interliga-se incondicionalmente com o estado do atleta, o


qual está sujeito a múltiplas variações, a uma actualização constante, em
consequência de todos os agentes que sobre si actuam, uma grande parte
é de muito difícil controlo. A determinação do estado das estruturas
informacionais, energéticas e afectivas do(s) praticante(s), constitui o
factor decisivo na selecção e aplicação da exercício óptimo, que visa a
obtenção de um determinado efeito, concordante com os objectivos
traçados.

Esta relação é de tal modo íntima, que a certos níveis torna-se


problemático avaliar qual o verdadeiro efeito do exercício podendo
mesmo ser contrário ao pretendido. A avaliação do praticante e a
determinação do exercício óptima é uma questão de capacidade e
experiência do treinador, em relação à especificidade da modalidade
desportiva em causa.

Concluindo, é fundamental ajustar as componentes do treino, como por


exemplo a intensidade, a duração, a complexidade, etc., à capacidade dos
praticantes, propondo exercícios que solicitem uma capacidade mais
elevada mas que continuem adaptadas às possibilidades dos
intervenientes. Logo, quanto mais as componentes do exercício de treino
108 • Metodologia do treino desportivo I !

se aproximam do valor óptimo relativo à capacidade do praticante "no


momento da carga", melhor se processa a adaptação. Ao contrário quanto
maior for a diferença em relação a esse valor óptimo (para mais ou para
menos), menos eficiente será essa adaptação.

2.1.2. A determinação do momento óptimo de aplicação de um novo exercício

Esta questão relaciona o tempo de intervalo entre a aplicação de dois


exercícios ou de duas unidades de treino. A solução é frequentemente
estabelecida seguindo a concepção da curva de Folbort, segundo a qual, o
tempo de recuperação entre a aplicação das cargas de treino é
determinada pela mútua relação existente entre os processos de fadiga e o
restabelecimento das capacidades funcionais do organismo.

Figura 19. A curva de Folbort


I - Carga de Treino corresponde à excitação da função
A - Ponto de fadiga. Diminuição momentânea das capacidades funcionais.
II - Período durante o qual os efeitos da sessão de treino se fizeram sentir com maior intensidade.
Reorganização da estrutura
B- Ponto mais elevada Supercompensação. Nível de organização estrutural superior ao normal
III - Período de Supercompensação. Melhoria da função, melhoria do rendimento.

Quando os exercícios que configuram a unidade de treino são aplicados


de forma intensa, mas o tempo que medeia a aplicação de uma nova
unidade de treino é demasiado longo, não haverá uma adaptação dos
diferentes recursos do praticante ao esforço. Didacticamente, podemos
" Bases de aplicação do exercício de treino • 109

afirmar que as potencialidades do praticante, depois de estarem


momentaneamente aumentadas (fase de supercompensação), retomam o
seu nível inicial.

Figura 20. O tempo que medeia a aplicação entre duas unidades de treino é demasiado
longo
Pelo contrário, quando durante a unidade de treino os exercícios são
aplicados de forma intensa, e o tempo que medeia a aplicação de uma
nova unidade de treino é demasiadamente curto, provoca-se a degradação
das potencialidades do praticante, tendo o treino um efeito negativo,
perdendo assim, toda a sua eficácia.

Figura 21. O tempo que medeia a aplicação entre duas unidades de treino é
demasiado curto

A aplicação de cargas em intervalos óptimos, provoca a melhoria


progressiva das potencialidades do praticante. Isto deverá acontecer,
quando a nova unidade de treino é aplicada no momento, em que ainda
não desapareceram todas as "sequelas" do treino precedente.

Esta regra não pode ser aplicada forçosamente a cada unidade de treino,
pois, numa fase mais elevada do praticante, este já não reage tão
facilmente às cargas simples, como no início da mesma. Assim, torna-se
necessário criar-se periodicamente situações em que se verifique o
somatório do efeito de uma série de sessões de treino numa perspectiva
110 • Metodologia do treino desportivo I !

de ausência parcial de recuperação. Por exemplo, o somatório de vários


treinos (microciclo) é, considerado neste caso, como a carga total. O
objectivo desta medida é a de forçar os mecanismos de adaptação dos
diferentes recursos dos praticantes a enfrentar maiores exigências.

Podemos afirmar que enquanto que uma fase de supercompensação é


rapidamente transformada, num nível mais elevado de rendimento nos
praticantes em desenvolvimento, este processo leva semanas ou meses
em atletas de alto rendimento. Toda a carga óptima acarreta consigo um
traço de supercompensação, mas para o praticante de elite, o aumento do
seu rendimento resulta do efeito acumulativo das cargas de treino,
aumento esse que se processará por intervalos não necessariamente
regulares. Matveiv (1977) chama-lhe "transformação demorada".

Figura 22. O tempo que medeia a aplicação entre duas unidades de treino é óptimo

"A correcta gestão das componentes de qualquer exercício ou conjunto


de exercícios, é inseparável do conhecimento preciso do estado de
recuperação das estruturas solicitadas, entre treinos consecutivos, entre
treinos de natureza idêntica, entre competições, entre treinos e
competições, ou entre exercícios na mesma unidade de treino" (Proença,
1990).
" Bases de aplicação do exercício de treino • 111

Figura 23. Somatório do efeito de uma série de sessões de treino

Concluindo, "a correcta gestão das componentes de qualquer exercício


ou conjunto de exercícios, é inseparável do conhecimento preciso do
estado de recuperação das estruturas solicitadas, entre treinos
consecutivos, entre treinos de natureza idêntica, entre competições, entre
treinos e competições, ou entre exercícios na mesma unidade de treino"
(Proença, 1990).
O desenvolvimento do nível de adaptação e consequentemente da
capacidade de rendimento efectua-se muito rapidamente no princípio do
treino, e torna-se depois mais lento e laborioso.

Figura 24. O nível de rendimento em função do tempo de treino

2.2. Princípio da continuidade da aplicação do exercício de treino

Para existir adaptação, os exercícios de treino devem ser aplicados


regularmente, isto é, a sistematização do trabalho programado não deverá
permitir uma quebra de continuidade desta, apresentando uma intervenção
112 • Metodologia do treino desportivo I !

unitária de todas as variáveis interactuantes. "As cargas de treino devem


realizar-se de forma suficientemente espaçada, para que tenha lugar o
crescimento dos tecidos, a reposição energética e a síntese bioquímica, se
bem que devem ser suficientemente frequentes para contribuir para o
desenvolvimento fisiológico" (Burke).

Com efeito, a interrupção demasiado prolongada do processo de treino, leva


a um retrocesso de capacidades de rendimento do atleta (princípio da
reversibilidade). Assim, para que o processo de treino seja contínuo, é
necessário, em princípio que a nova sessão de treino seja aplicada quando
ainda não desapareceu o efeito da sessão anterior, sempre que possível no
período de supercompensação, em que as capacidades funcionais do atleta
estão momentaneamente aumentadas. Segundo Matveiev (1977), o princípio
da continuidade caracteriza-se por três proposições:
o treino desportivo consiste, na realidade, num encadeamento de
máximo efeito da especialização desportiva;
a ligação entre os vários elos desse encadeamento é garantida na base
da continuidade dos efeitos de treino imediatos, atrasados e acumulados;
e,
os intervalos entre as sessões de treino são mantidos entre os limites
que asseguram, como tendência geral, um desenvolvimento constante do
nível de preparação.

Continuidade significa igualmente repetição sistemática das diferentes


actividades consubstanciadas pelo exercício, na medida que esta repetição é
essencial para que os efeitos de treino "não se percam". Contudo, esta
repetição não se processa ao acaso mas devidamente adaptada às
circunstâncias e objectivos a atingir. Com efeito, a eficiência das "respostas"
depende da fixação e integração, as quais por sua vez, dependem de uma
periodicidade mínima na execução dessas actividades. "O princípio da
continuidade do processo de treino não se reduz, à exigência de repetir os
efeitos de treino tantas vezes quantas possível. Pressupõe uma combinação
" Bases de aplicação do exercício de treino • 113

regular dos elementos recorrentes e mutáveis do sistema das sessões de


treino e permite muitas variantes de planeamento da sessão de treino desde
que elas ajudem a assegurar um ritmo relativamente intenso do
desenvolvimento gradual do nível de treino" (Matveiev, 1977).

2.3. Princípio da progressividade do exercício de treino

Após a aplicação de um ou série de exercícios de treino com uma


determinada intensidade, segue-se a adaptação do organismo. Passando este
a dispor de um nível mais elevado de capacidade que corresponde a um
maior potencial de recursos disponível. Para mobilizar esta "nova"
capacidade, dever-se-à aplicar exercícios de treino mais complexos e mais
difíceis, pois, exercícios que se mantenham imutáveis, podem causar uma
melhoria durante um certo tempo, provocando uma diminuição do grau de
recursos, mas o seu efeito diminui até se manter num estado estacionário de
adaptação. "Estagnação da carga de treino, significa a estagnação das
resultados" (Harre).

Todavia, os esforços intensos não são ilimitados, não só devido ao


esgotamento das substâncias energéticas, mas também da inibição do
organismo em continuar o esforço, como medida de segurança. Quando
através do treino com a adaptação progressiva do organismo a esforços
crescentes, aumenta a capacidade de resposta emocional, aumenta a
mobilização das reservas e substâncias energéticas intensificando-se desta
forma a capacidade de trabalho (supercompensação). Assim, para que o
organismo possa suportar o regime de intensidade preconizada, sem perigo
para a saúde e normal desenvolvimento das capacidades, tem de se definir
esse regime de modo progressivo e de acordo com a melhoria da adaptação
funcional. O aumento da carga de treino sem que se tenha em conta esta
adaptação, pode representar um estímulo excessivo e conduzir a uma
diminuição das capacidades para além de outros efeitos prejudiciais. Logo, a
114 • Metodologia do treino desportivo I !

progressão das cargas deve respeitar os mecanismos de regeneração, ou seja


a capacidade que o indivíduo possui de recuperar do esforço.

As unidades de treino podem ser aumentadas das seguintes formas:


pelo aumento do volume da unidade de treino, que corresponderá a
uma maior duração quer dos exercícios, do número de repetição destes,
das sessões de treino, etc;
pelo aumento da intensidade da carga, que corresponderá a um
aumento da velocidade de execução, e um menor tempo de pausa entre
uma ou outra série de exercícios (densidade), etc;
pelo aumento da complexidade ou da dificuldade dos exercícios, que
corresponderá a uma maior concentração do praticante, sobre a análise e
resolução das situações competitivas, com a correspondente resposta
motora (execução técnico-táctica).

Os tipos de progressão das cargas que normalmente se consideram são:


• progressão linear ( );
• progressão por níveis ( ); e a,
• progressão ondulada ( ).
O organismo reage mais intensamente à forma de progressão ondulada, por
ser este que melhor se identifica. Ao alternar-se cargas fortes com cargas
fracas, a acumulação destas permite uma reacção mais intensa do
organismo, assim como uma maior estabilidade dos efeitos produzidos,
devido a um "distúrbio" mais acentuado no equilíbrio dinâmico orgânico,
solicitando, não só maiores exigências das capacidades funcionais do atleta
como maior intensificação dos seus processos de adaptação.

Segundo Matveiv (1977), é possível mostrar-se um esquema orientador das


tendências gerais das cargas nos diversos intervalos do processo de treino.
De acordo com tal sistema, existem 3 tipos de ondas:
pequenas: que caracterizam a dinâmica da carga nos microciclos que
compreendem entre 2 a 7 dias;
" Bases de aplicação do exercício de treino • 115

medias: que exprimem a tendência geral das cargas de umas quantas


"ondas" pequenas (por exemplo 3 a 6, ou seja 3 a 4 meses), nos limites
das etapas do treino; e,
grandes: que caracterizam a tendência geral das "ondas" médias, nos
períodos de treino.

Ainda segundo o mesmo autor (1977), a arte de estruturação do treino


consiste, em grande medida, na combinação correcta de todas as "ondas"
entre si, quer dizer, em assegurar a correspondência necessária entre a
dinâmica das cargas nos microciclos (conjunto de "ondas" pequenas) nas
tendências mais gerais do processo de treino (macrociclo). Concluindo, as
cargas de treino, terão de ser modificadas periodicamente e o seu
crescimento realiza-se em saltos, que aumentam em concordância com as
necessidades de adaptação do organismo.

2.4. Princípio da ciclicidade do exercício de treino

O aumento das capacidades funcionais do praticante, que corresponderá ao


melhoramento do seu rendimento, tem um carácter essencialmente cíclico
(alternância), assim como a estrutura (objectivos, conteúdo, forma, nível de
performance) dos exercícios ou séries de exercícios que constituem as
unidades de treino necessárias para o atingir.

A eficiência deste princípio depende particularmente do planeamento do


treino, em que se estabelece a necessidade de repetir de forma sistemática e
racional os elementos dinâmicos fundamentais da modalidade desportiva em
causa, e de modificá-los numa sequência lógica em função das fases ou
períodos de treino.
116 • Metodologia do treino desportivo I !

Com efeito, cada ciclo sucessivo é uma repetição parcial do anterior,


exprimindo concomitantemente as tendências da evolução do processo de
treino, difere assim do anterior, pelo seu conteúdo renovado, pela
modificação parcial de meios e métodos utilizados, pelo incremento das
cargas, etc. A utilização racional dos meios e métodos de treino, segundo
Matveiev (1977), é determinado pela sua efectivação no momento adequado
dentro da estrutura dos ciclos de treino - visto que qualquer exercício, meio
ou método, por muito bom que seja em si, perde a eficácia quando não é
utilizado no devido momento ou quando é utilizado de maneira deslocada,
sem se levar em linha de conta as particularidades das fases e períodos do
treino.

Concluindo, a essência do princípio do carácter cíclico dos exercícios


exprime-se concretamente na análise pormenorizada dos fundamentos
estruturais do planeamento do processo de treino.

2.5. Princípio da individualização do exercício de treino

O ser humano possui uma individualização biológica e psicológica


(fenómeno que explica a variabilidade entre os elementos da mesma
espécie), ou seja, cada praticante reage e adapta-se de forma diferente a um
ou sequência de exercícios de treino semelhantes. Isto explica o facto de
diferentes adaptações do sistema motor, e dos outros orgãos aos mesmos
exercícios de treino, não só nos diferentes praticantes, como também nos
mesmos praticantes durante os diferentes períodos de preparação.

Consequentemente obriga-nos a admitir que as modificações dos gestos


(afinamento técnico do gesto) e do resultado desportivo (eficiência e
rendimento do gesto técnico) e das transformações hormonais, metabólicas,
etc., (orgânicas) durante o exercício de treino exercem uma influência
" Bases de aplicação do exercício de treino • 117

importante na capacidade de cada praticante em se adaptar às actividades.


Concluindo, o que é fundamental equacionar é que a eficiência funcional de
cada praticante é diferente, logo, a aplicação de qualquer exercício de treino
requer uma estreita individualização dos meios e métodos a utilizar, os quais
deverão corresponder estritamente às capacidades individuais dos
praticantes tendo em conta os aspectos orgânicos, adaptativos e os seus
ritmos de evolução (aprendizagem, aperfeiçoamento).
2.6. Princípio da multilateralidade ou da relação óptima entre a preparação geral e
especial

O rendimento numa determinada modalidade desportiva, não se baseia


apenas na sua prática específica. O organismo é um todo, o
desenvolvimento de uma capacidade, não pode acontecer isoladamente do
desenvolvimento das outras capacidades.

Sobre este princípio Matveiv (1977), estabelece três proposições


fundamentais na unidade da preparação geral e da preparação especial dos
praticantes: i) a inseparabilidade da preparação geral da especial, ii) o
intercondicionalismo do conteúdo da preparação geral e especial e, iii) a
incompatibilidade da preparação geral com a preparação especial.
2.6.1. A inseparabilidade da preparação geral e da preparação especial

A especialização desportiva não exclui o desenvolvimento múltiplo do


praticante. Pelo contrário, o progresso máximo num determinado
desporto só é viável, através do desenvolvimento geral das possibilidades
funcionais do organismo e do desenvolvimento múltiplo das
possibilidades técnicas, tácticas, físicas e psicológicas. Este princípio é
explicado, pela unidade do organismo que consiste na interdependência
orgânica de todos os seus elementos, sistemas e funções no processo da
actividade e no seu desenvolvimento (ainda que cada desporto requeira
correlações- especiais). E pelas interacções dos diferentes hábitos
motores, pois quanto mais amplo for este circulo, mais favoráveis serão
118 • Metodologia do treino desportivo I !

as premissas para que se consiga novas formas de actividade motora e o


aperfeiçoamento dos já assinalados.

2.6.2. O intercondicionalismo do conteúdo da preparação geral e da preparação


especial

O conteúdo da preparação especial depende dos pré-requisitos que são


criados pela preparação geral Todavia, o conteúdo da preparação geral
adquire particularidades que são determinadas pela especialização
desportiva. Por paradoxal que isto pareça, a preparação geral do
praticante vai-se especializando à medida que se aprofunda a sua
especialização desportiva. Com efeito, o sentido básico da especialização
da preparação geral consiste em esta estabelecer um efeito de
transferência positiva para a preparação especial ou, pelo menos,
restringir o efeito da transferência negativa. Neste sentido se explica, as
diferenças dos meios e métodos de treino de preparação geral para cada
caso concreto de especialização desportiva, que se exprimem tanto mais
significativamente quanto mais diferem entre si as respectivas
modalidades. Também, Vorabiev, considera que a preparação geral influi
positivamente sobre a capacidade do organismo Humano e tem um papel
preponderante para atingir altos níveis de rendimento desportivo.
Contudo, a preparação geral deve ser constituído na base e no respeito da
especificidade da modalidade praticada, tanto os meios e métodos de
treino como o volume e intensidade.

2.6.3. A incompatibilidade da preparação geral com a preparação especial

A preparação geral e especial tem de ser compreendida como uma


unidade. Logo, isto levanta um problema de combinação óptima da
preparação geral com a preparação especial, ou seja, a medida da sua
correlação. Assim, nem todas as correlações destes aspectos no decurso
do treino serão úteis para o aperfeiçoamento desportivo. Por exemplo,
" Bases de aplicação do exercício de treino • 119

um volume excessivo de preparação geral acarreta uma diminuição do


volume de preparação especial necessário e, portanto, do seu efeito,
expresso na consecução de um especial nível de treino. Por outro lado,
uma diminuição exagerada do volume de preparação geral em proveito
da preparação especial faz estreitar a base da especialização desportiva o
que, no fim de contas, exerce também uma influência desfavorável na
melhoria dos resultados desportivos.

Figura 25. As relações de proporcionalidade entre a preparação geral e especial ao


longo do período anual de treino

3. Os princípios pedagógicos

3.1. Princípio da actividade consciente

O exercício de treino deverá ter como objectivo último a "construção" de


praticantes que conseguem resolucionar as diferentes situações de jogo de
forma autónoma, consciente e criativa. Isto só é possível, se a actividade ser
organizada consubstanciando o empenhamento activo e consciente dos
praticantes na execução das exigências determinadas pelo exercício de
treino, o que pressupõe a compreensão clara dos objectivos operacionais,
120 • Metodologia do treino desportivo I !

dos conteúdos para a concretização destes, e os níveis de performance, isto


é, da avaliação dos resultados produzidos.

Daí que, torna-se por vezes necessário a explicação sumária das finalidades
do exercício de treino (objectivos), bem como das condições que o
acompanham e de instruções precisas para a sua realização. Neste sentido,
as intervenções do professor/treinador, antes, durante, e depois do exercício
de treino são uma via para a actividade consciente dos praticantes sem o
qual a sua racionalização (objectividade, modelação) não poderá ser
entendida como uma das etapas para a cientificação do treino.

3.2. Princípio da sistematização

Para a aquisição de uma capacidade específica, os praticantes passam por


um conjunto de etapas traduzidas pela aplicação de um conjunto de
exercícios de treino aplicados de forma sistematizada e integrada num todo.
Neste sentido, para se atingir um objectivo mais elevado (global) dever-se-à
estabelecer um processo de progressão pedagógica, prevista
antecipadamente, através se irá rentabilizar e racionalizar a diversidade e o
grau de mobilização de recursos a serem utilizados.

3.3. Princípio da actividade apreensível

Este princípio estabelece um compromisso entre a complexidade e a


dificuldade do exercício de treino, com a capacidade (habilidade) do(s)
praticante(s). Com efeito, as exigências do exercício deverá estabelecer-se
do simples para o complexo, do conhecido para o desconhecido, do pouco
para o muito, e do concreto para o abstracto.

3.4. Princípio da estabilidade e desenvolvimento das capacidades do praticante


" Bases de aplicação do exercício de treino • 121

O exercício de treino correctamente construído e orientado pressupõe uma


lógica que consubstancia a aquisição de determinadas capacidades motoras
e intelectuais específicas dos seus praticantes. Todavia, para que o exercício
de treino tenha êxito é necessário que os praticantes passem por um ciclo
de: aquisição, estabilização, e desenvolvimento, sem o qual a evolução da
capacidade de rendimento será irremediavelmente equacionado. Com efeito,
o referido ciclo é fomentado por dois factos essenciais: i) o treino e a
competição sistemática (a prática estimula a inactividade retrocede), e, ii) de
uma avaliação e controlo frequentes (que poderá determinar, ou não, a
modificação dos métodos e dos conteúdos do exercício de treino).

Clarificados os aspectos fundamentais referentes à natureza e à estrutura dos


exercícios de treino, iremos seguidamente debruçarmo-nos sobre as bases
conceptuais:
• para a construção dos exercícios a partir de três perspectivas;
associativista, da forma, e estruturalista; e,
• da eficiência do exercício baseada numa preocupação de unidade (das
actividades, do praticante, e da equipa), num correcto seleccionamento e
correcção do exercício, bem como a motivação inerente à sua prática.

w
PARTE III

O EXERCÍCIO DE TREINO DESPORTIVO

Capítulo 4

Bases da eficácia dos exercícios de treino

Resp: Jorge Castelo


122 • Metodologia do treino desportivo I !

Conteúdo do Capítulo 4 da Parte III

Por último, o Capítulo 4 procura eventariar as bases da eficácia de


aplicação dos exercícios de treino. Com efeito, qualquer exercício não
provoca necessária e exclusivamente os mesmos efeitos - positivos ou
negativos. Neste sentido, é correcto e pertinente a sistematização e
análise dos elementos que assumem particular importância neste
contexto., tais como: a preocupação de unidade (da actividade, do
praticante e da equipa), seleccionar correctamente o exercício (fazendo-
o corresponder à lógica interna da modalidade e às capacidades do
praticante), repetir para consolidar os elementos críticos do exercício,
corrigir e motivar correctamente para o exercício.

Metodologia do treino desportivo I


Conteúdo Programático

Conceitos do treino Planeamento Planeamento do


Parte I desportivo Conceptual treino desportivo Parte V

Planeamento
Estratégico
Factores do rendi-
Parte II mento desportivo
Planeamento
Táctico

O exercício de trei- Fundamentos do


Parte III Estrutura do
no desportivo exercício de treino Microestrutura Parte VI
processo de treino
Bases conceptuais
exercício de treino
Mesoestrutura

Bases de aplicação
exercício de treino Macroestrutura

Bases de eficácia
exercício de treino
Período Periodizacão do Parte VII
Preparatório treino desportivo

Parte IV Factores do treino O factor técnico Período


desportivo desportivo Competitivo

O factor táctico Período


desportivo Transitório

O factor físico Estudo sobre


desportivo a força O controlo do
treino desportivo Parte VIII
Estudo sobre
a resistência

Estudo sobre
a velocidade

Estudo sobre
a flexibilidade

O treinador
perfil e competências
Parte IX
Organigrama 7
" Bases de eficácia do exercício de treino • 123

Parte III

O exercício de treino desportivo

Sumário

Capítulo 4 - Bases de eficácia dos exercícios de treino


1. Preocupação de unidade do exercício de treino
1.1. Unidade da actividade
1.2. Unidade do praticante
1.3. Unidade da equipa
2. Seleccionar correctamente o exercício de treino
2.1. Fazer correlacionar a lógica interna da modalidade com o exercício
de treino
2.2. Ajustar os níveis de complexidade e dificuldade à capacidade dos
praticantes
3. Repetição sistemática do exercício de treino
3.1. Repetir para consolidar os elementos críticos do exercício de treino
4. Corrigir correctamente o exercício de treino
4.1. Aspectos chave para a correcção do exercício de treino
5. Motivar correctamente para o exercício de treino
5.1. Aspectos chave para a motivação no exercício de treino

Bibliografia:
124 • Metodologia do treino desportivo I !

BAYER, C. (1979) L´enseignement des jeux sportifs collectifs, Editions Vigot,


Paris
BAYER, C. (1974) La pratique du hand-ball et son approche psycho-social,
Librairie J.Vrin, Paris
BOMPA, T. (1990) Theory and methodology of training, Kendal/Hunt
publishing company, USA
FAMOSE, J.P. (1990) Apprentissage moteur et difficulté de la tache, INSEP -
Publications, Paris
MAHLO, F. (1966) O acto táctico, Compendium, Lisboa
SALMELA, H. (1975) Manipulation de l'information au volleyball, Révue
Mouvement, Vol.10, nº2, Juin, pp. 83-95
ULATOWSKI, T. (1975) La theorie de l´entrainement sportif. Comité
Internacional Olympique
" Bases de eficácia do exercício de treino • 125

Dos raciocínios expostos, é incontestável a importância dos exercícios de


treino no contexto de desenvolvimento do rendimento desportivo dos
praticantes. Todavia, há que evidenciar que nem todos os exercícios são iguais,
isto é, nem todos provocam os mesmos efeitos, nem todos têm a mesma
eficácia em função dos objectivos que se pretendem atingir. Neste sentido, é
importante e pertinente referenciar quais os elementos, que segundo a nossa
opinião, assumem particular importância na eficácia dos exercícios de treino: i)
preocupação de unidade do exercício de treino, ii) seleccionar correctamente o
exercício de treino, iii) repetição sistemática do exercício de treino, iv) corrigir
correctamente o exercício de treino e, v) motivar correctamente para o exercício
de treino.

1. Preocupação de unidade do exercício de treino

A aplicação dos exercícios de treino dever-se-à apoiar numa preocupação de


unidade, a qual é entendida sob três vertentes: a unidade da actividade, a
unidade do praticante, e a unidade da equipa.

1.1. Unidade da actividade

As diferentes actividades que os exercícios de treino contêm devem ser


devidamente coordenadas de forma a constituírem um processo unitário e
global, um todo. Esta preocupação deve presidir em cada sessão de treino
(unidade), assim como a cada período semanal (microciclo), mensal
(mesociclo), e anual (macrociclo).

1.2. Unidade do praticante

Os exercícios de treino devem ser dirigidos aos praticantes, às suas


características, particularidades e capacidades. Com efeito, a actividade
realizada pelos praticantes têm repercussões não só ao nível do seu
rendimento, mas também, ao nível do seu comportamento global.
126 • Metodologia do treino desportivo I !

1.3. Unidade da equipa

Os exercícios de treino devem ser dirigidos à equipa. Partindo-se de uma


concepção dever-se-à procurar atingir um modelo de jogo que
consubstancie um conjunto de características fundamentais que, em última
análise, estabelecem a expressão táctica da equipa.
2. Seleccionar correctamente o exercício de treino

É importante questionarmo-nos se todo e qualquer exercício consubstancia o


melhoramento do rendimento desportivo dos praticantes. Em nossa opinião,
cremos que não, mesmo quando tomamos como ponto de referência diferentes
praticantes com diferentes níveis de rendimento. Com efeito, praticantes em
formação, exercícios mal seleccionados e repetidos sistematicamente irão
equacionar de forma inequívoca toda a capacidade de resposta destes no futuro,
isto é, na assimilação de novos e complexos conteúdos da modalidade em
questão. Enquanto nos praticantes de alto rendimento, exercícios mal
seleccionados irão equacionar de forma inequívoca toda a capacidade de
desenvolvimento, na estagnação e mesmo retrocesso dos resultados aí
conseguidos. Nesta dimensão, deriva a necessidade premente de seleccionar e
organizar o(s) exercício(s) de treino que responda(m) adequadamente às
exigências de uma determinada situação, seja ela de aprendizagem, de
aperfeiçoamento, ou de desenvolvimento.

Como refere Bompa (1990) "no treino existe um grande número de exercício,
alguns de efeitos limitados e outros de efeitos muito complexos". Assim de
uma multiplicidade de exercícios possíveis de aplicar no treino, cabe ao
treinador "seleccionar cuidadosamente aqueles que melhor atinjam os
objectivos definidos e que assegurem o mais alto nível de desenvolvimento".
Para Harre (1981), os exercícios são "o meio mais importante para a elevação
dos rendimentos desportivos. Estes têm de corresponder às metas e tarefas do
processo de treino e não devem ser elegidos e aplicados sem ordem. A
" Bases de eficácia do exercício de treino • 127

utilidade de um exercício no treino desportivo resulta exclusivamente do seu


aproveitamento para o desenvolvimento do rendimento".
Todavia, o correcto seleccionamento do(s) exercício(s) de treino parte de uma
dupla articulação do problema de contornos amplos e complexos que iremos
seguidamente analisar: i) a correlação da lógica interna da modalidade e o
exercício de treino e, ii) o ajustamento dos níveis de complexidade e
dificuldade do exercício à capacidade dos praticantes.
2.1. Fazer correlacionar a lógica interna da modalidade com o exercício de treino

Como referimos, o fundamento essencial do treino desportivo assenta, numa


repetição lógica, sistemática e organizada de diversos exercícios
consubstanciando conteúdos variados, que abordam os objectivos
estabelecidos através de diferentes formas, podendo estas serem mais ou
menos complexas, com um maior ou menor grau de concordância com a
lógica interna da modalidade desportiva em questão (primeiro nível da
articulação do problema). Neste sentido, os vários exercícios programados
para a sessão de treino devem apresentar uma articulação/identidade interna,
isto é, uma inter-analogia susceptível de ser reconhecida pelos praticantes
que em função das suas experiências adquiridas através dos exercícios
anteriores, atribuem: i) um significado à situação de treino criada
(interpretando e organizando a sua percepção) e, ii) orientam a escolha e a
execução das acções técnico-tácticas para a resolução das tarefas que lhes
deparam.

Com efeito, parte-se do pressuposto da existência do fenómeno de transfert


no domínio motor, isto é, "uma aprendizagem modifica, facilitando, ou pelo
contrário, interferindo numa outra aprendizagem subsequente" (Bayer,
1979). Logo, a sucessão dos exercícios de treino devem ser construídos,
orientados e organizados de forma que os praticantes possam aplicar as
experiências das suas aprendizagens, aperfeiçoamentos e desenvolvimentos
anteriores, não havendo assim, espaço onde prolífera diferenças estruturais
128 • Metodologia do treino desportivo I !

significativas entre um exercício e o exercício seguinte. Assim, observar-se-


à por parte dos praticantes a capacidade destes descobrirem e interpretarem
as analogias entre os exercícios e, por via disso, reflectir os princípios e
executar os meios de acção idênticos que se aplicam à resolução eficaz das
diferentes tarefas criadas. Tal como refere Mahlo (1966) "para responder às
condições de prática é necessário fazer com que a solução mental leve cada
vez menos tempo. É preciso aumentar a amplitude e a rapidez do efeito de
transfert, melhorando sem cessar a capacidade de percepção analítica da
constelação táctica essencial. Agir deste modo é garantir que os novos
problemas possam ser resolvidos de uma melhor forma do que o são graças
às associações já existentes". A este propósito Rubinstein (1966), refere que
"o problema do transfert surge em definitivo sob o ângulo do pensamento,
quando da aplicação a problemas novos de situações anteriormente
descobertas (conhecimentos)".

Concluindo, a questão levantada relativamente à selecção e sucessão


(encadeamento) dos exercícios de treino, projecta-a para uma dimensão
onde a coerência, homogeneidade e a interrelatividade são as orientações
fundamentais, e que consubstanciam consequentemente uma maior
complexidade e cuidado na construção da unidade de treino.
2.2. Ajustar os níveis de complexidade e dificuldade à capacidade dos praticantes

A manipulação dos níveis de complexidade e de dificuldade e o seu


ajustamento ao nível das capacidades (habilidades) do(s) praticante(s)
representa a condição essencial para uma aprendizagem, aperfeiçoamento e
desenvolvimento eficientes. Com efeito, o(s) exercício(s) de treino com
níveis de complexidade e dificuldade elevadas provocam erros prejudiciais
e estagnação do rendimento do(s) praticante(s), e o(s) exercício(s) de treino
com níveis de complexidade e dificuldade reduzidos provocam
desmotivação e desinteresse.
" Bases de eficácia do exercício de treino • 129

Neste sentido, ajustar correctamente os níveis de complexidade e


dificuldade às habilidades do(s) praticante(s), significa, em última análise,
propor exercício(s) de treino cujos níveis referidos são superiores às
capacidades destes (sem o qual não poderá haver aprendizagem,
aperfeiçoamento e desenvolvimento), mas que continuam adaptadas às suas
possibilidades ("dificuldade óptimal" Famose, 1990), mantendo uma
elevada percentagem de eficácia na concretização do objectivo do exercício.

Do exposto, não existem dúvidas que a segunda articulação do correcto


seleccionamento do(s) exercício(s) de treino passam indubitavelmente pelo
enquadramento de dois níveis essenciais: o nível de complexidade e o nível
de dificuldade que o exercício deve consubstanciar, em relação ao nível da
capacidade (habilidade) do(s) praticante(s) que por sua vez, segundo o
modelo de Desharnais, citado por Famose (1990) "depende do produto da
interacção de dois factores que representam os recursos postos à sua
disposição..." para ultrapassar as exigências do(s) exercício(s) de treino: "o
potencial que corresponde às componentes hereditárias de ordem
morfológica, orgânica e psicológicas, e a aprendizagem que correspondem
às condições de prática específica".

O nível de complexidade de um exercício de treino deriva essencialmente


das condições estabelecidas pelo contexto (meio) em que o(s) praticante(s)
iram estar inserido(s), que corresponde, por exemplo, à existência ou não de
companheiros (cooperação) adversários (oposição), espaço de jogo
(reduzido ou não), condicionantes às leis do jogo, condicionalismos em
relação à forma (só pé esquerdo, só pé direito) e ao número (um, dois, ou
três toques) de contacto com a bola.

No que concerne ao nível da dificuldade alguns autores consideram que a


sua manipulação pode ser realizada aumentando ou diminuindo a grandeza
do erro (Alain e Salmela, 1980), por exemplo, numa situação de treino de
finalização o nível de dificuldade será menor se diminuir-mos, o critério de
130 • Metodologia do treino desportivo I !

êxito através da marcação de menor golos mantendo-se o número de


remates. Todavia, para Desharnais, citado por Famose (1990) "o nível de
dificuldade é o produto da interacção de dois factores de base. O primeiro
relaciona-se com o nível de complexidade e o segundo com o nível de
habilidade. Assim, o nível de dificuldade será: ND=NC/NH".
Nestas circunstâncias, para um mesmo exercício de treino (isto é, um nível
de complexidade idêntico), o nível de dificuldade é sempre relativo
dependendo do nível de habilidade do(s) praticante(s). Logo, à medida que
estes progridem na sua aprendizagem, a sua actividade torna-se mais
eficiente diminuindo consequentemente o nível de dificuldade para a sua
concretização. Ainda segundo o mesmo autor (1990) "o nível de dificuldade
pode variar ao longo do tempo devido às flutuações do nível de habilidade
e devido aos factores situacionais, que são representados pelas condições
atmosféricas, aquecimento, solo escorregadio, etc., estes factores
influenciam de forma indirecta o nível de dificuldade".

Potencial

Nível de
habili-
dade
Nível de
dificul- Aprendi-
dade zagem

Nível de
comple-
xidade
Factores
situacio-
nais

Figura 26. Ilustração da interacção dos diferentes factores da dificuldade (segundo


Desharnais citado por Famose, 1990)

Finalizando, podemos determinar objectivamente o grau de dificuldade dos


exercícios de treino através de um dos seguintes procedimentos:
a performance obtida na execução dos diferentes exercícios a partir de
um leque alargado de praticantes. Com efeito, o exercício terá um maior
" Bases de eficácia do exercício de treino • 131

ou menor nível de dificuldade consoante as elevadas ou reduzidas


performances obtidas;
a diversidade e o grau de recursos que os diferentes praticantes
utilizam na realização dos diferentes exercícios. Assim, quanto maior ou
menor for esse investimento maior ou menor será o grau de dificuldade
das diferentes actividades em causa.
Concluindo, o exercício de treino correctamente seleccionado é aquele que
melhor estabelece a concordância entre a lógica interna da modalidade
desportiva em causa, e ajustar (adaptar) os seus níveis de complexidade e de
dificuldade em função dos níveis de capacidade (aprendizagem,
aperfeiçoamento, ou desenvolvimento) do(s) praticante(s).
3. Repetição (exercitar) sistemática do exercício de treino

O exercício de treino como construção hipotética capaz de desencadear,


organizar e orientar a actividade do(s) praticante(s) em direcção a um objectivo
válido, consubstancia-se essencialmente numa sistemática e racional repetição
de determinados acto(s) motor(es) por forma a aperfeiçoá-los e a desenvolver
os elementos técnicos, tácticos, e físicos nele incluídos. Com efeito, a correcta
e eficaz execução dos diferentes factores inerentes a cada comportamento
específico de uma dada modalidade desportiva, está intimamente ligada à
frequente repetição dos exercícios de treino, pois só assim os actos motores
adquirem a estabilidade e a segurança indispensáveis à sua aplicação tanto no
treino como na competição.
3.1. Repetir para consolidar os elementos críticos do exercício de treino

Aspecto fundamental a ter em mente é o facto de a repetição sistemática do


exercício de treino "não ser selectivo, isto é, consolidar e estabilizar todos
os elementos que se repetem muitas vezes, independentemente de a sua
execução ser ou não a mais correcta. Queremos dizer com isto que , no
caso de o permitirmos, a repetição sistemática de um erro vai criar no(s)
praticante(s) um gesto ou um movimento errado mas que agora se
132 • Metodologia do treino desportivo I !

apresenta da mesma forma estável e consolidado pela repetição" (Soares,


1986).
Neste contexto, a repetição do exercício de treino deve favorecer a
consolidação dos elementos críticos do comportamento motor, diminuindo
as possibilidades de consolidação dos erros que depois é normalmente muito
difícil de debelar. Com efeito, as bases da eficácia do exercício passam
indubitavelmente por uma correcta e eficaz intervenção do treinador por
forma a corrigir o exercício.
4. Corrigir correctamente o exercício de treino

Do que foi anteriormente referido podemos correr o risco compreensível de


cairmos na tentação de atribuirmos apenas ao correcto seleccionamento do
exercício de treino a razão do sucesso do caminho para alcançar um
determinado objectivo. Neste contexto, é necessário reter uma segunda questão
fundamental, é que para além da definição exaustiva dos elementos que
constituem o conteúdo do exercício os quais derivam, por um lado, do
estabelecimento de objectivos concisos e, por outro, do nível do
desenvolvimento (rendimento) dos praticantes, é necessário compreender que a
correcta aquisição e assimilação desses elementos (técnicos, tácticos, físicos,
psicológicos, incluídos no conteúdo do exercício) decorram no mesmo nível de
importância.

Com efeito, é necessário deixar claro, que qualquer exercício, mesmo que
tenha passado por um correcto processo de seleccionamento, só terá
utilidade/validade, isto é, só poderá ser considerado meio de treino efectivo,
capaz de cumprir o objectivo que o determina, se for explicado, corrigido e
apreendido convenientemente de forma que a execução dos elementos
técnico-tácticos que o constituem e em função da variabilidade da situação,
decorram em conformidade com os objectivos pré-estabelecidos. Ulatowski
(1975), refere concretamente que "a eficácia do treino depende em primeiro
lugar, da escolha e da execução dos exercícios", acrescentando que "sem um
" Bases de eficácia do exercício de treino • 133

conhecimento das suas características e particularmente das suas vantagens e


desvantagens "é pouco provável uma utilização racional do(s) mesmo(s).

4.1. Aspectos chave para a correcção do exercício de treino

Para se corrigir correctamente o exercício de treino é necessário que o


professor/treinador, preencha os seguintes pressupostos:
conhecer a natureza da sua própria modalidade, isto é, a sua lógica
interna, e conhecer a personalidade dos seus praticantes e a forma como
estes melhor aprendem e evoluem. Só a partir destes conhecimentos o
professor/treinador poderá estimular, organizar e articular os exercícios
de treino numa direcção pré-determinada;
conhecer profundamente os objectivos a atingir com o exercício
seleccionado e os conteúdos utilizados para os atingir, bem como, as
diferentes hipóteses de manipulação das suas componentes de forma a
estabelecer diferentes "caminhos" (respostas) perante o problema posto.
Neste sentido, o professor/treinador poderá acelerar os processos de
aprendizagem, aperfeiçoamento ou desenvolvimento dos praticantes de
forma que não haja percas desnecessárias de tempo;
deverá consciencializar-se que é ele que dirige o treino, e isso significa
que os praticantes deverão cumprir escrupulosamente os objectivos, os
conteúdos, e as instruções estabelecidas. Elucidativo é a afirmação de
Famose (1990) "a noção de tarefa apresenta a ideia de prescrição, de
obrigação, sendo composto por factores que devem ser respeitados
senão o indivíduo sai fora da tarefa";
deverá despertar nos seus praticantes a importância e as vantagens a
curto e a longo prazo de uma execução correcta, consciente e criativa,
evitando-se, com efeito, a consolidação de erros que radicam, de tal
forma, que podem em certos casos equacionar de forma irremediável a
capacidade dos praticantes;
134 • Metodologia do treino desportivo I !

deverá intervir sem demoras, e conscientemente na correcção do


exercício de treino sempre que este esteja a ser defraudado nos seus
objectivos fundamentais. Todavia, a intervenção do professor/treinador
na correcção do exercício não pode reduzir-se a evidenciar os aspectos
negativos de execução mas também e concomitantemente na valorização
dos aspectos positivos, de forma a motivar os praticantes a reforçá-los e a
melhorar os aspectos negativos. Neste contexto, a correcção/intervenção
deverá saldar-se por uma resposta positiva por parte dos praticantes;
a correcção/intervenção constitui factor decisivo na relação com os
praticantes, pois determina uma tripla dimensão:
• existe a preocupação do professor/treinador de direccionar o
investimento e empenhamento dos praticantes no "caminho" correcto;
• diminui a possibilidade de haver grandes discrepâncias entre as
capacidades dos diferentes praticantes, pois o que executam mais
correctamente têm maiores possibilidades de evoluir mais
rapidamente; e,
• evitar a ideia de haver preferências e proteccionismos por parte do
professor/treinador a certos praticantes, a qual destrói por completo
qualquer tipo de coesão de grupo ou de equipa;
por último, uma vez assimilados os aspectos referentes à correcção do
exercício há a possibilidade dos praticantes realizarem-no sem
interrupção directa do professor/treinador, estabelecendo-se assim, o
espaço e o tempo para que estes possam exprimir a sua própria
criatividade e improvisação.

5. Motivar correctamente para o exercício de treino

A análise da essência do desporto, caracteriza-o como uma actividade


inseparável da tendência para a máxima realização. Além das motivações
pessoais, esta orientação é facilitada pela significação social que advém da
objectivação de elevados rendimentos desportivos. Todavia, o rendimento
" Bases de eficácia do exercício de treino • 135

máximo baseia-se num grande número de competições e de treinos, cuja sua


dureza e continuidade, exige renúncias e restrições na vida pessoal dos
praticantes, influenciando de forma decisiva a personalidade destes. Os
aspectos enunciados são secundados pelo o grande número de repetições dos
exercícios de treino, e a própria estandardização destes, criam os pressupostos
essenciais para que os praticantes diminuam gradualmente os níveis de
motivação perante as tarefas do treino, baixando por consequência a eficácia
do exercício.

A motivação faz interferir um elemento fundamental: a atitude do praticante


face aos objectivos e conteúdos do exercício de treino. Só o praticante é capaz
de dar sentido à estrutura do exercício, de o modificar, seleccionando a
informação, direccionando a percepção e orientando as acções em função do
significado atribuído às situações em que este se encontra implicado. Com
efeito, manter um elevado nível de motivação, é igualmente um dos factores
fundamentais à construção das bases de eficácia do exercício de treino. Daí a
necessidade de se estabelecer condicionamentos no domínio técnico, táctico ou
psicológico, no seleccionamento dos exercícios de forma que os praticantes
executem-nos com elevados graus de motivação. Mesmo na realização de
exercícios, que sendo importantes do ponto de vista da preparação, mas devido
à sua especificidade não serem tão "atractivos", há que encontrar formas para
que os praticantes não lhes atribuam menos importância, e por via disso menos
efectividade.

5.1. Aspectos chave para a motivação no exercício de treino

A correcta motivação dos praticantes para a execução dos exercícios de


treino passa fundamentalmente pelos seguintes aspectos:
ajustar a dificuldade e a complexidade do exercício às capacidades dos
praticantes é, como anteriormente referimos, o elemento fundamental que
concorre para manter um nível motivacional elevado, de forma que estes
136 • Metodologia do treino desportivo I !

se empenhem na concretização dos objectivos estabelecidos, os quais


devem ser delineados no realismo da situação;
os exercícios seleccionados devem transmitir aos praticantes que são
importantes para o melhoramento do seu nível de capacidades. Por outras
palavras, os praticantes têm de acreditar nos efeitos positivos, a curto e a
longo prazo, do exercício;
manter a prática motivante passa igualmente pela utilização de uma
variedade de exercícios de treino, ou de uma variedade de manipulações
das condicionantes dos exercícios. Desta forma é possível atingir os
mesmos objectivos através de percursos diferentes evitando-se a
monotonia. Poder-se-à eventualmente pedir aos praticantes que
estabeleçam eles próprios condicionantes do exercício de treino, assim
três aspectos poderam ser atingidos:
• maior empenhamento dos praticantes, pois foram estes que
conceptualizaram, em parte, o exercício;
• o professor/treinador observará até que ponto os praticantes
compreendem a lógica do exercício em causa ou a sequência de
exercícios a executar, e como estes podem contribuir para atingir um
dado objectivo; e,
• aumentar o tempo de prática, através da possibilidade de fora do
período de treino, os praticantes utilizarem esses exercícios como
forma de diversão;
os exercícios de treino devem ser organizados de forma a englobar
todos os praticantes para que o grupo esteja continuamente activo. longos
períodos de paragem (por exemplo "à espera de vez") diminui a
motivação e consequentemente o interesse pela actividade;
dever-se-à evitar dar continuamente instruções interrompendo o
exercício de treino, ou durante a realização do mesmo. Há que ter
presente que os praticantes devem absorver toda a sua atenção ao
exercício e não podem ocupar parte deste, dando atenção às instruções do
professor/treinador;
" Bases de eficácia do exercício de treino • 137

por último, há que ter presente dois aspectos fundamentais na


organização dos exercícios de treino que incrementaram o
empenhamento e a motivação dos praticantes, e que devem ser, sempre
que possível, utilizados: i) o divertimento, e a, ii) competição, estes são os
melhores argumentos para que os praticantes se mantenham "ligados ao
exercício".

Concluindo, neste contexto, reforçamos a importância e a necessidade de se


construírem exercícios de treino nos quais os praticantes mantenham
elevados níveis de motivação e vontade na execução dos seus conteúdos,
encarando-os como os meios mais importantes para o seu aperfeiçoamento e
desenvolvimento, isto é, para a sua superação, sem esta atitude não poderá
haver eficácia nem evolução.
ww
PARTE IV

OS FACTORES DO TREINO DESPORTIVO


138 • Metodologia do treino desportivo I !

Parte IV

Os factores do treino desportivo

Sumário

Capítulo 1
Estudo do factor técnico desportivo

Capítulo 2
Estudo do factor táctico desportivo

Capítulo 3
Estudo do factor físico desportivo
Secção A - Estudo sobre a força muscular
Secção B - Estudo sobre a resistência
Secção C - Estudo sobre a velocidade
Secção D - Estudo sobre a flexibilidade
PARTE IV

OS FACTORES DE TREINO DESPORTIVO

Capítulo 1

Estudo do factor técnico desportivo

Resp: Jorge Castelo


140 • Metodologia do treino desportivo I !

Conteúdo do Capítulo 1 da Parte IV

A Parte IV do presente livro estuda os denominados factores de treino:


técnico, táctico e físico. Neste sentido, iniciaremos a nossa abordagem
pelo factor técnico desportivo definido por um sistema especializado
de acções motoras para a obtenção de elevados rendimentos
desportivos. Com efeito, a aprendizagem da técnica desportiva permite
a aquisição de uma disponibilidade motora por forma que os
praticantes se adaptarem eficazmente às múltiplas e divergentes
situações de competição. Neste contexto, incidiremos a nossa análise
sobre a importância do gesto técnico desportivo, das suas diferentes
fases de aquisição, os diferentes aspectos metodológicos do seu ensino
e o planeamento anual e plurianual.
Metodologia do treino desportivo I
Conteúdo Programático

Conceitos do treino Planeamento Planeamento do


Parte I desportivo Conceptual treino desportivo Parte V

Planeamento
Estratégico
Factores do rendi-
Parte II mento desportivo
Planeamento
Táctico

Parte III O exercício de trei-


no desportivo
Fundamentos do
exercício de treino Estrutura do
Microestrutura Parte VI
processo de treino
Bases conceptuais
exercício de treino Mesoestrutura

Bases de aplicação
exercício de treino Macroestrutura

Bases de eficácia
exercício de treino
Período Periodizacão do Parte VII
Preparatório treino desportivo

Parte IV Factores do treino O factor técnico Período


desportivo desportivo Competitivo

O factor táctico Período


desportivo Transitório

O factor físico Estudo sobre


desportivo a força O controlo do Parte VIII
treino desportivo
Estudo sobre
a resistência

Estudo sobre
a velocidade

Estudo sobre
a flexibilidade

O treinador
perfil e competências
Parte IX
Organigrama 8
Parte IV
" Estudo do factor técnico desportivo • 141

Os factores de treino

Sumário

Capítulo 1 - Estudo sobre o factor técnico desportivo

1. Definição de técnica desportiva

2. Objectivos do treino técnico-desportivo


2.1. Aquisição de um conjunto de aptidões técnico-desportivas
2.2. Aperfeiçoamento e desenvolvimento das aptidões técnico-desportivas

3. A importância da técnica nas diferentes modalidades desportivas


3.1. As modalidades de força explosiva
3.2. As modalidades de resistência
3.3. As modalidades de exactidão
3.4. As modalidades de estrutura complexa

4. Relações entre o factor técnico e o factor táctico desportivo

5. As diferentes fases do processo de aprendizagem da técnica-desportiva


5.1. Fase de generalização ou de coordenação global do movimento
5.2. Fase de concentração ou da etapa da coordenação fina
5.3. Fase de automatização ou da estabilização e aplicação variável do movimento

6. Os diferentes aspectos metodológicos do processo de aprendizagem da


técnica-desportiva
6.1. Introdução do gesto técnico-desportivo
6.2. A explicação verbal do gesto técnico-desportivo
6.3. A exemplificação/demonstração do gesto técnico
6.4. A prática do gesto técnico-desportivo
6.5. A correcção do gesto técnico-desportivo
6.6. A repetição do gesto técnico-desportivo
6.6.1. A estabilização das aptidões técnico-desportivas
6.6.2. A diversidade de aptidões técnico-desportivas
6.6.3. A segurança das aptidões técnico-desportivas

7. Planeamento da preparação técnico-desportiva


7.1. Durante o processo plurianual e anual
7.1.1. A fase da preparação técnica de base
7.1.2. A fase de aperfeiçoamento técnico
7.2. O treino técnico durante o microciclo
7.3. O treino da técnica desportiva na unidade de treino
142 • Metodologia do treino desportivo I !

Bibliografia:

BAYER, C. (1979) L´enseignement des jeux sportifs collectifs, Editions Vigot,


Paris
CARVALHO, A. (1988) Aprendizagem e treino das técnicas desportivas,
"Dossier" Revista horizonte, Vol.IV, nº24, Mar/Abr
GOMEZ, R. (1982) Desarrollo de la habilidad motora, Revista Stadium, nº96,
Dezembro, pp. 11-18
LIMA, T. Princípios fundamentais do movimento, Revista treino desportivo,
nº3, pp. 11-19
MCGOWN, C. (1991) O ensino da técnica desportiva, Revista treino
desportivo, IIª série, Vol.22, Dezembro, pp. 15-22
RIEDER, H. (1984) La ensenanza de las técnicas, Revista Stadium, nº103,
Fevereiro, pp. 41-46
SCHABEL, G. (1990) El factor técnico-coordenativo, Revista Stadium, nº139,
Fevereiro, pp. 12-19
SCHABEL, G., MEINEL, K. (1984) Las fases del proceso de aprendizaje,
Revista Stadium, nº103, Fevereiro, pp. 8-11
TSCHIENE, P. (1992) Problemas actuales de la preparación técnica del
deportista, Revista Stadium, nº155, Outubro, pp. 23-27
" Estudo do factor técnico desportivo • 143

1. Definição de técnica desportiva

Djatschkow (1974) define técnica desportiva como "um sistema especializado


de acções motoras simultâneas e consequentes, orientadas para a cooperação
racional das forças internas e externas (que participam no movimento), com o
fim de as utilizar de forma completa e efectiva para a obtenção de (elevados)
rendimentos desportivos". Para Rothig (1983) a técnica desportiva é "uma
sequência específica de acções motoras que têm como objectivo solucionar as
tarefas exigidas por determinadas situações desportivas".

Ao dizer-se que este ou aquele praticante tem uma boa técnica isto significa
que a sua forma de resolver uma tarefa colocada por um exercício ou pela
competição é: i) mais precisa, ii) mais segura e, iii) mais económica. Em
consonância com o referido Matveiev (1986) refere que o "critério mais geral
da eficiência de uma técnica desportiva é determinado pela diferença entre o
resultado desportivo realmente conseguido e o resultado calculado, que o
praticante poderia ter conseguido se utilizasse o máximo das suas
possibilidades morfológico-funcionais".

2. Objectivos do treino técnico-desportivo

O objectivo da aprendizagem da técnica desportiva de uma dada modalidade


estabelece-se sob duas vertentes fundamentais: aquisição de um conjunto de
aptidões técnico-desportivas e o seu aperfeiçoamento e desenvolvimento.

2.1. Aquisição de um conjunto de aptidões técnico-desportivas

O treino técnico-desportivo permite a aquisição por parte dos


praticantes/jogadores de uma disponibilidade motora, ou de um repertório
de respostas motoras, que em última análise consubstanciam, o alargamento
das capacidades dos praticantes, por forma que estes se adaptem com o
máximo de eficácia possível às situações competitivas.
144 • Metodologia do treino desportivo I !

2.2. Aperfeiçoamento e desenvolvimento das aptidões técnico-desportivas

O treino técnico-desportivo assegura o aperfeiçoamento e desenvolvimento


gradual dos praticantes/jogadores ao longo do seu processo anual ou
plurianual. Neste sentido, Matveiev (1986) refere a necessidade:
do conhecimento dos fundamentos teóricos da técnica desportiva;
modelação de formas individuais da técnica dos movimentos que
correspondam às possibilidades estruturais e funcionais dos
praticantes/jogadores;
formação de aptidões necessárias para a obtenção de êxito durante a
competição;
posterior renovação e restruturação das formas técnicas ditadas pelas
exigências do aperfeiçoamento desportivo; e,
criação, numa fase mais adiantada de novas variantes técnicas que
ninguém tenha ainda experimentado.

3. A importância da técnica nas diferentes modalidades desportivas

A técnica é para a grande maioria das modalidades desportivas factor


importante da sua estrutura de rendimento e para algumas é mesmo o elemento
preponderante e determinante desse rendimento. Com efeito, esta importância
deriva essencialmente da complexidade das habilidades motoras por ela
exigida, logo, a técnica tem para cada um delas uma função característica.
Neste contexto, Carvalho (1988) citando Djatschkow distingue quatro graus de
modalidades: as modalidades de força explosiva, as modalidades de
resistência, as modalidades de exactidão e as modalidades de estrutura
complexa.

3.1. As modalidades de força explosiva

As modalidades de força explosiva, como por exemplo os saltos, os


lançamentos e o halterofilismo, caracterizam-se pela intensidade máxima e a
curta duração dos impulsos de força. Nelas, a técnica desportiva serve para
" Estudo do factor técnico desportivo • 145

produzir no momento exacto e no mais breve tempo possível o máximo


impulso de força na direcção necessária. Por conseguinte nestas
modalidades ou disciplinas a técnica tem essencialmente como função
tornar máxima a aceleração.

3.2. As modalidades de resistência

As modalidades de resistência, como por exemplo o meio-fundo e fundo do


atletismo, o ciclismo, a natação, o remo, a canoagem, etc, a técnica serve
para tornar económico o processo motor. Nelas o objectivo do treino técnico
é o incremento da eficácia dos impulsos que se sucedem com diferentes
intensidades a fim de evitar desperdícios de energia. Para estas modalidades
a técnica tem como função diminuir a fadiga.

3.3. As modalidades de exactidão

As modalidades onde a exactidão e a expressão do movimento representam


o rendimento desportivo como por exemplo na ginástica desportiva, rítmica
desportiva, patinagem artística, saltos para a água, etc., a técnica desportiva
é conteúdo essencial do treino uma vez que serve fundamentalmente para
aumentar a precisão e expressão motora, componentes determinantes do
rendimento dessas modalidades.

3.4. As modalidades de estrutura complexa

As modalidades de estrutura complexa como os jogos desportivos e os


desportos de combate requerem o domínio de várias técnicas diferenciadas
que são executadas sob condições que variam frequentemente uma vez que
nas competições se apresentam as mais diversificadas situações. Nelas a
técnica tem diversos objectivos. Por um lado, para se ser bem sucedido na
acção, é necessária uma grande precisão do movimento com um intenso
empenho da força e simultaneamente uma elevada economia de todo o
processo motor. Por outro lado é necessário executar a própria acção de
modo que o adversário compreenda o mais tarde possível aquilo que se
146 • Metodologia do treino desportivo I !

pretende fazer. Para estas modalidades a técnica tem uma função com
aspectos complexos e variados que não é possível definir com uma só
expressão.
4. Relações entre o factor técnico e o factor táctico desportivo

Em termos desportivos a técnica é encarada como o conjunto de todos os


movimentos permitidos numa determinada modalidade com o objectivo de
solucionar uma qualquer tarefa de forma eficiente no cumprimento de um
determinado objectivo (rendimentos desportivo) previamente determinado.
Importa salientar neste contexto que o gesto técnico desportivo, como meio de
solucionar os problemas que a competição em si encerra, está directa e
intrinsecamente ligado ao factor táctico desportivo encarado como o meio de
unificação das atitudes e dos comportamentos dos praticantes/jogadores a fim
de atingir os objectivos estabelecidos para uma dada competição. Com efeito,
pretende-se assim afirmar que durante a competição o gesto técnico desportivo
é praticamente inseparável da táctica desportiva, exprimindo-se na noção de
acção (gesto) técnico-táctica.

5. As diferentes fases do processo de aprendizagem da técnica-desportiva

Independentemente do nível de prestação motora em que um


praticante/jogador se encontre, quer seja na aprendizagem de um dado gesto
técnico que a modalidade em si encerra, quer seja no aperfeiçoamento ou
desenvolvimento do mesmo, a verdade é que este processo evolutivo ocorre de
forma silenciosa e invisível, ou seja, na interioridade do ser que o pratica.

Neste sentido, o treinador poderá avaliar, conferindo-lhe um certo significado


(positivo ou negativo), o nível de aprendizagem, aperfeiçoamento ou
desenvolvimento dos seus praticantes/jogadores somente através da
comparação das possíveis alterações comportamentais e gestuais evidenciadas
" Estudo do factor técnico desportivo • 147

por estes de exercício para exercício, de unidade de treino para unidade de


treino ou de competição para competição.

Em termos gerais, quando se observa e analisa:


alterações positivas da acção técnico-táctica dos praticantes/jogadores
esta consubstancia-se numa maior eficiência gestual e numa maior eficácia
comportamental através de um ajustamento mais adaptado ao contexto
competitivo. Com efeito, o treinador deverá assegurar-se da consistência e
da persistência deste novo nível de prestação motora e concomitantemente
criar as condições para o seu posterior aperfeiçoamento, desenvolvimento
ou mesmo a sua manutenção numa dimensão temporal mais ou menos
alargada;
se não houve quaisquer alterações é normal referir-se que não houve
evolução da aprendizagem, aperfeiçoamento ou desenvolvimento dos
praticantes/jogadores. Mas mesmo nesta situação, o treinador deverá ter o
cuidado de verificar e distinguir se existem aspectos colaterais que possam
estar a influenciar de forma irredutível a prestação motora e não o processo
de evolução gestual e comportamental. Os aspectos que podem influenciar
negativamente a prestação motora poderão ter origem em problemas da vida
particular do praticante, lesões musculares ou articulares, etc.

O ensino da técnica, ou do gesto desportivo (entendida como uma estrutura


funcional e económica visando a obtenção de altos rendimentos - Meinel),
implica uma metodologia adequada em que é necessário conhecer e reconhecer
no praticante as características dos estádios (fases de aprendizagem)
normalmente percorridas por este até atingir a eficiência motora. Neste
contexto, podemos caracterizar de uma forma global os estádios (fases ou
etapas) que normalmente o praticante percorre até atingir a eficiência motora,
as quais denominamos: fase de generalização ou de coordenação global do
148 • Metodologia do treino desportivo I !

movimento, fase de concentração ou da etapa da coordenação fina e a fase de


automatização ou da estabilização e aplicação variável do movimento.

5.1. Fase de generalização ou de coordenação global do movimento

Esta primeira fase do processo de aprendizagem do gesto técnico desportivo


situa-se temporalmente desde a compreensão da tarefa motora a executar
pelo praticante/jogador até à coordenação global do movimento. Neste
sentido, vamos analisar esta fase do processo de aprendizagem dividindo-a
em duas subfases: a compreensão da tarefa motora e a coordenação global
do movimento.

5.1.1. A compreensão da tarefa motora

A compreensão da tarefa motora que o praticante/jogador deve executar


envolve quatro aspectos metodológicos fundamentais (os quais serão
desenvolvidos mais aprofundadamente no ponto 6.): a introdução do
gesto técnico, a sua explicação verbal, a exemplificação/demonstração do
gesto e por último, o começo da sua prática, isto é, as primeiras
tentativas.

Os aspectos metodológicos referidos visam essencialmente atingir os


seguintes três objectivos:
criação de um estado mental positivo que relacione na memória dos
praticantes/jogadores um nome (terminologia), uma imagem motora
(exemplificação/demonstração) e uma experiência anterior;
motivá-los para a aprendizagem de um determinado gesto técnico
evidenciando claramente a necessidade e importância deste dentro do
contexto competitivo da modalidade desportiva em que se encerem; e,
" Estudo do factor técnico desportivo • 149

direccionar a atenção dos praticantes/jogadores através de uma


explicação verbal clara e sucinta, evocando somente os aspectos
críticos absolutamente necessários para a compreensão do gesto
técnico e para as primeiras execuções práticas.

5.1.2. A coordenação motora global

Os aspectos metodológicos anteriormente referidos quando


correctamente utilizados, estabelecem a compreensão básica de como
executar um determinado gesto técnico desportivo possibilitando o
começo da construção de um programa motor ou de uma representação
mental aproximada, mas suficiente para controlar as primeiras execuções
e dai retirar as experiências fundamentais para uma posterior correcção
do movimento. Com efeito, depois de compreender a tarefa motora o
praticante/jogador efectua as suas primeiras tentativas de execução do
gesto técnico pondo em prática e experimentando o programa motor
concebido verificando se este funciona de forma apropriada.

Geralmente as primeiras execuções são caracterizadas pelo grande


número de erros e pela sua instabilidade. São exemplos dessa
instabilidade: os erros na aplicação da força, pausas entre as diferentes
partes do movimento, execuções demasiado rápidas ou demasiado lentas,
falta de precisão do movimento, etc. As principais causas dessa
instabilidade ou falta de controlo são: a fraca recepção e elaboração das
informações sobretudo por parte dos analisadores cinestésicos, a
imperfeição do programa de movimento e a consequente insuficiente
regulação da execução motora. Todavia, logo a partir das primeiras
execuções os praticantes/jogadores revêem o programa motor na base: i)
das suas experiências anteriores, ii) dos feedbacks que estes recebem em
150 • Metodologia do treino desportivo I !

consequência dessas mesmas execuções e, iii) dos feedbacks que o


treinador providencia. Esta fase de coordenação global do movimento
completa-se quando o praticante/jogador executa o gesto técnico de
forma próxima à demonstração realizada.

Finalizando, a duração desta primeira fase de coordenação global do


movimento pode durar entre alguns minutos ou abarcar um largo período
de prática que são função:
do nível de simplicidade ou complexidade do gesto técnico;
do nível de formação dos praticantes/jogadores; e,
das similaridades entre o gesto técnico a aprender e as experiências
anteriores de outros gestos técnicos já assimilados. Neste sentido, o
treinador ao evidenciar estas similaridades está a contribuir para a
aceleração desta fase do processo de aprendizagem, podendo-se assim
aproveitar um programa motor já idealizado, o qual sofre um conjunto
de modificações e adaptações para atingir os objectivos propostos.
Talento
capacidade de Experiências
Motivação
aprendizagem anteriores

Aprendizagem de
um novo gesto
técnico

Características Informações Condições exter-


físicas Instruções nas à situação de
aprendizagem
Figura 27. Condições para a aprendizagem de novos gestos técnicos (Rieder, 1983)

5.2. Fase de concentração ou da etapa da coordenação fina

A segunda fase do processo de aprendizagem do gesto técnico desportivo


situa-se entre a fase da coordenação global do movimento até à fase de
coordenação fina.
" Estudo do factor técnico desportivo • 151

Depois dos praticantes/jogadores compreenderem como executar o gesto


técnico e conseguirem executá-lo de uma forma aceitável, estes devem
praticá-lo com o objectivo de o aperfeiçoar. Contudo, é preciso ter presente
que a prática (repetição) por si só não resolve as questões inerentes a esta
fase de aprendizagem. Neste contexto, para que a prática seja efectiva é
fundamental:
que os praticantes/jogadores estejam motivados para aprender;
sejam intransigentes no cumprimento dos aspectos críticos de
execução; e,
atendam aos feedbacks dados pelo treinador com o objectivo de
corrigir as suas execuções.

A duração desta fase da aprendizagem necessita de mais tempo que a fase


anterior, todavia, mantém-se válido os pressupostos referidos anteriormente:
i) nível de simplicidade ou complexidade do gesto técnico, ii) do nível de

formação dos praticantes/jogadores e, iii) da qualidade de treino estabelecido


pelo treinador.

Durante esta fase intermédia do processo de aprendizagem muitas


modificações se podem observar traduzindo-se numa maior eficiência e
eficácia do gesto técnico desportivo. Estas modificações fundamentam-se
essencialmente nos seguintes níveis de análise: i) no melhoramento do
programa motor, ii) na diminuição da energia necessária para a sua
execução, iii) no aumento da velocidade, precisão e melhoramento do timing
de execução, iv) no melhoramento da capacidade antecipativa e, v) no
aumento da confiança do praticante/jogador em si próprio.

5.2.1. Melhoramento do programa motor

A maioria dos gestos da nossa vida diária, repousa sobre um fundo


automático que por sua vez, se estrutura com base no aproveitamento das
possibilidades dos mecanismos que lhe estão na origem. O gesto técnico
152 • Metodologia do treino desportivo I !

desportivo consiste numa série de movimentos em estreita ligação, em


que o encadeamento temporal destes movimentos é mais ou menos
constante, criando assim uma interdependência. Logo, a aprendizagem e
o aperfeiçoamento do gesto técnico desportivo aproveita o mesmo tipo de
organização estrutural e funcional, diminuindo consequentemente, o
nível de vigilância dos centros nervosos centrais à medida que este se
automatiza.
À medida que os praticantes/jogadores aumentam o número de
execuções de um determinado gesto técnico desportivo, aumenta
igualmente o número de correcções produzindo-se consequentemente um
afinamento cada vez mais particular do programa motor de base. Este
afinamento deve-se a uma maior elaboração de informações cinestésicas
e à precisão da imagem motora com base na melhor elaboração dos
sentidos do movimento. O aumento do automatismo motor determina
igualmente, a possibilidade dos praticantes/jogadores poderem focalizar a
sua atenção durante a execução, nos factores pertinentes da situação
proposta.

5.2.2. Diminuição da energia necessária para a sua execução

Durante a primeira fase do processo de aprendizagem os


praticantes/jogadores sentem, por vezes, que os gestos técnicos são muito
fatigantes por envolverem um conjunto de acções "parasitárias" da
globalidade do movimento que se pretende executar, o que determina
uma maior quantidade de energia. Com efeito, à medida que se verifica a
melhoria da execução do gesto técnico, diminui a taxa de energia
dispendida podendo assim, aumentar o número de execuções na unidade
de tempo.

5.2.3. Aumento da velocidade, precisão e melhoramento do timing de execução


" Estudo do factor técnico desportivo • 153

Nesta fase da aprendizagem os praticantes/jogadores melhoram o


compromisso entre a velocidade de execução, a precisão do movimento,
a consistência da execução do gesto técnico, tornando-se repetidamente
mais regular e desenvolve-se um timing mais adaptado à situação devido
a um melhor programa motor.

5.2.4. Melhoramento da capacidade antecipativa

À medida que a prática se desenvolve os praticantes/jogadores aprendem


a reagir menos e a antecipar mais. Isto significa a possibilidade destes
preverem com mais eficácia o desenvolvimento e o resultado de uma
dada situação desportiva, e por inerência pôr em acção os
correspondentes processos cognitivos imediatamente ligados a esquemas
de respostas motoras consoante a modificação da situação.

Constituição
corporal
Capacidade Interacção
cognitiva treinador/pratica.

Técnicas
Estado Instuções
simples e
emocional
complexas

Capacidade Influências da
coordenativa situação externa
Capacidade
física
Figura 28. Factores que contribuem para o sucesso da aprendizagem de novos
gestos técnicos (Rieder, 1983)

5.2.5. Aumento da confiança do praticante/jogador em si próprio

Esta fase intermédia da aprendizagem aumenta a confiança do praticante


na sua própria capacidade de execução do gesto técnico, procurando por
vezes executá-lo de diferentes formas e em diferentes circunstâncias. O
praticante/jogador quando aumenta a confiança em si próprio está
154 • Metodologia do treino desportivo I !

potencialmente mais propenso a aceitar outras aprendizagens técnicas


que daí derivam.

Concluindo, embora nesta segunda fase de aprendizagem do gesto técnico


desportivo se estabeleça rapidamente uma forma exterior de movimento
correcto, os progressos não são contínuos, existem frequentes estagnações
temporárias a que se seguem grandes progressos. Mas esta relativa
correcção do gesto não significa igualmente que a organização nervosa e
fisiológica subjacente esteja terminada, ou mesmo quase concluída. Assim,
o afinamento de cada momento do gesto técnico, mesmo quando pouco
modificado na sua forma exterior, recebe um conteúdo novo à medida que
se melhora o nível de treino do praticante/jogador, o qual deriva da melhoria
dos processos nervosos e fisiológicos de suporte. Com efeito, no final desta
segunda fase de aprendizagem, o gesto técnico pode ser executado, se as
condições externas forem favoráveis, quase sem erros e com facilidade.
Porém se as condições são mais difíceis do que as normais (por exemplo em
competição) volta a evidenciar-se os erros técnicos que julgávamos já terem
sido superados.

Execução prática

Objectivos Resultados

Imagem motora Antecipação Prestação Confrontação das instruções

Figura 29. O factor cognitivo no melhoramento do gesto técnico (Rieder, 1983)

5.3. Fase de automatização ou da estabilização e aplicação variável do movimento

A terceira fase do processo de aprendizagem do gesto técnico desportivo


situa-se entre a fase da coordenação fina até à estabilização da execução do
movimento mesmo em condições difíceis.
" Estudo do factor técnico desportivo • 155

Nesta fase a execução motora tem todas as características de uma técnica


"quase perfeita", pelo que existem todas as condições para serem alcançados
rendimentos elevados. A estabilidade obtida expressa-se especialmente
através da grande exactidão e consistência do movimento. A elevada
capacidade de adaptação do desportista a condições variáveis baseia-se
sobretudo no aperfeiçoamento contínuo dos processos de recepção e
elaboração das informações. O nível mais elevado no processo de
aprendizagem motora nem sempre é obtido, ou só parcialmente é obtido
pela maioria dos desportistas.
Observa-se igualmente nesta fase, a diminuição progressiva do controlo
intencional, por parte do sistema nervoso central, durante a execução do
gesto técnico. A intervenção do cérebro, só será necessária para o inicio e
para a terminação do gesto técnicos, no entanto, podemos em qualquer
momento tomar consciência de cada detalhe deste, como da sua totalidade
se para isso dermos atenção especial. Portanto, depois de cada execução do
gesto, os detalhes deste poderão ser conscientemente analisados, devido aos
processos de retroacção (feedback) dos quais não tomamos consciência
durante a sua execução. A automatização dos gestos facilita a mobilização
da actividade motora do praticante pela:
influência generalizada do pensamento sobre a execução do gesto na
sua globalidade;
intervenção corrente do consciente na concretização deste ou daquele
detalhe da estrutura.

Segundo Carvalho (1988) "uma estabilização e fixação das técnicas contra


influências perturbadoras só é possível se for treinada sob essas condições
(por exemplo: influência de um adversário, sob diferentes condições de
"stress" com elevada carga psíquica, em situação de fadiga, em condições
climatéricas desfavoráveis, etc.). A estabilização da técnica de competição
só se verificará se as acções motoras se executarem com a dinâmica da
competição ou mesmo com uma dinâmica mais elevada. Assim, só através
156 • Metodologia do treino desportivo I !

da competição e aplicação na própria competição será fomentada uma


elevada capacidade de adaptação da técnica às condições variáveis da
competição".

5.3.1. A evolução técnica desportiva e a sua relação com as modalidades mono e


poliestruturais

Os gestos técnicos desportivos executados por um dado


praticante/jogador no início da sua carreira desportiva não podem
naturalmente coincidir de forma total com os modelos técnicos que lhe
serão úteis nas fases seguintes. Segundo Matveiev (1986) "a técnica é
determinada decisivamente pelo grau de desenvolvimento das qualidades
físicas e psicológicas do praticante, as quais vão evoluindo regular e
progressivamente ao longo do processo de aperfeiçoamento
desportivo"... Neste sentido, "as formas da técnica individual têm de
modificar-se em conformidade com essas transformações. Daqui resulta
a noção que a preparação técnica dos praticantes não tem fim, vai-se
realizando durante toda a sua vida desportiva".

No caso na preparação técnica especializada numa modalidade


monoestrutural, (que se baseiam em acções técnicas para as quais existe
um modelo ideal de movimento que é treinado com o objectivo de
automatizar esse modelo) segundo Matveiev (1986) "o objecto de
profundo aperfeiçoamento técnico ao longo de vários anos é sempre (no
fundamental) o mesmo exercício competitivo (salto, lançamento, etc).
Nisto, uma das mais difíceis tarefas do treinador e do praticante é a da
transformação periódica e renovação de formas de movimento já
firmemente consolidadas por forma a fazê-las corresponder ao crescente
grau de preparação física e psicológica do praticante".
" Estudo do factor técnico desportivo • 157

Nas modalidades poliestruturais (que se baseiam em acções técnicas


complexas uma vez que é possível utilizar diferentes formas para atingir
o mesmo objectivo), o arsenal técnico do praticante é praticamente
ilimitado estando dependente: i) da variabilidade e diversidade das
situações que a competição em si encerra (no caso dos jogos desportivos
colectivos), ii) da renovação das condições de modificação periódica do
programa obrigatório das competições (no caso da ginástica desportiva,
rítmica, etc.) ou, iii) por iniciativa do próprio treinador ou praticante.

6. Os diferentes aspectos metodológicos do processo de aprendizagem da técnica-


desportiva

Ao pretendermos ensinar um determinado gesto desportivo, temos de começar


por fornecer a quem vai executar, uma imagem global e clara do gesto,
garantindo simultaneamente que o executante se tenha apercebido quais os
objectivos e a importância desse gesto dentro do contexto da modalidade
desportiva. A vantagem do respeito por este princípio pode ser resumido da
seguinte forma:
o treinador tem de estar consciente dos objectivos da aprendizagem desse
gesto e da razão da sua inclusão na unidade de treino;
respeitar o princípio pedagógico do treino, da participação e actividade
consciente do praticante no processo. Logo, a explicação por parte do
treinador dos objectivos de determinado gesto técnico, tem por finalidade a
criação de condições favoráveis a participação do praticante, estando este
mais atento aos pormenores do gesto e das situações da sua aplicação,
facilitando deste modo o auto-controlo que este deve exercer sobre o que
está a fazer outro aspecto importante (senão o mais importante) e que o
conhecimento dos objectivos de um gesto introduz factores positivos de
ordem emocional, contribuindo para a entrega do praticante no trabalho. É
por demais conhecida a importância da vontade como factor determinante
158 • Metodologia do treino desportivo I !

na assimilação das atitudes e comportamentos em qualquer processo de


aprendizagem. A vontade de vencer determina uma melhor mobilização das
funções do organismo do praticante e um melhor desenvolvimento dos
processos fisiológicos a par da execução do(s) gesto(s) técnico(s). Por
último a percepção das características do trabalho a efectuar, precisamente
antes do treino ou competição terá por consequência na altura própria
modificações funcionais que preparam o organismo de forma adequada para
a realização do trabalho.

A criação de imagens motoras nos praticantes são a base de uma assimilação


consciente de qualquer tipo de gesto técnico desportivo. Neste contexto, para a
criação de claras imagens motoras, o treinador utiliza uma série de meios
iniciais de ensino do gesto técnico que são:
introdução do gesto técnico:
atrair a atenção de todos os praticantes;
posicionamento do grupo de praticantes;
adopção de um nome terminologicamente correcto do gesto técnico
que se pretende ensinar/aprender;
a explicação verbal do gesto;
ser pouco rico em pormenores;
objectivar um estado mental positivo;
relacioná-la com anteriores aprendizagens;
a exemplificação/demonstração do gesto;
execução correcta do gesto técnico;
correcta velocidade de execução;
ritmo de execução apropriado;
optar por uma execução completa ou parcial;
estabelecer um número de exemplificações/demonstrações;
evidenciar um conjunto restrito de instruções-chave;
a prática do gesto:
a prática global do gesto técnico-desportivo ou "por partes";
" Estudo do factor técnico desportivo • 159

a formação, desde muito cedo, de um ritmo-padrão de execução do


gesto técnico desportivo;
a regulação da velocidade de execução do gesto técnico desportivo;
a correcção do gesto:
profundo conhecimento do gesto técnico desportivo;
estabelecer objectivos realistas do gesto técnico desportivo;
hierarquizar os erros observados no gesto técnico desportivo;
a atitude do treinador na correcção do gesto técnico desportivo; e,
aspectos metodológicos a introduzir quando se verifica a consolidação
do gesto técnico desportivo com erros; e por último,

a repetição do gesto:
a estabilização das aptidões técnico-desportivas:
• criação de condições favoráveis;
• exercitar o gesto técnico-desportivo isento de erros;
• não confundir estabilidade com estereótipos rotineiros;
• aproximação gradual aos valores-padrão;
a diversidade de aptidões técnico-desportivas:
• variação rigorosamente dirigida;
• variação livremente dirigida; e,
a segurança das aptidões técnico-desportivas
• adaptação das aptidões técnicas às condições máximas de
manifestação dos factores físicos de treino;
• modelação de situações psiquicamente tensas e introdução de
dificuldades adicionais; e
• a prática competitiva.

6.1. Introdução do gesto técnico-desportivo

Basicamente a introdução do gesto técnico a ensinar/aprender deve ser


breve, simples e directa. Neste contexto, deve assegurar três aspectos
fundamentais: i) atrair a atenção de todos os praticantes, ii) posicionar
160 • Metodologia do treino desportivo I !

convenientemente o grupo de praticantes e a, iii) adopção de um nome


terminologicamente correcto do gesto que se pretende ensinar/aprender.

6.1.1. Atrair a atenção de todos os praticantes

A introdução eficaz de um gesto técnico requer o desenvolvimento de


uma estratégia que consiga "prender" a atenção de todos os praticantes e
mantê-los interessados durante toda a introdução. Para manter este
interesse alguns treinadores começam a introdução de uma forma
entusiástica ou utilizam uma história ou uma anedota relacionada com
esse gesto que se pretende ensinar/aprender. Durante a introdução é
importante que o treinador esteja de frente para os praticantes, mantenha
o contacto visual com todos eles e explique o que estava planeado
falando firmemente.

6.1.2. Posicionamento do grupo de praticantes

O posicionamento do grupo de praticantes para observarem e ouvirem o


conteúdo a ensinar, deve respeitar formas que todos possam ver o
treinador de frente e que não haja nenhuma actividade ou situações que
possam distrair os praticantes.

6.1.3. A adopção de um nome terminologicamente correcto do gesto

Um nome terminologicamente correcto do gesto técnico que se pretende


ensinar/aprender desempenha um papel importantíssimo no processo
ensino/aprendizagem. Os termos correctos, geralmente, são melhores,
que as descrições técnicas. Quanto melhor o praticante conhecer a
terminologia, mais rapidamente se forma na sua mente a imagem e o
movimento. A denominação terminologicamente correcta, que precede a
demonstração, consubstancia na memória do praticante, um conjunto de
imagens relacionadas com experiências motoras anteriores, com isso
" Estudo do factor técnico desportivo • 161

prepara-se para uma atenta percepção visual do novo elemento


demonstrado.

6.2. A explicação verbal do gesto técnico-desportivo

A explicação verbal do gesto técnico a executar desempenha um papel


muito importante durante o processo didáctico. Basicamente esta explicação
deve ser curta e clara tendo por objectivo fundamental indicar: i) as
finalidades deste, ii) as situações de utilização e, iii) a sua descrição global.

Metodologicamente, no princípio, não se fazem mais que breves


observações explicando o que vai ser demonstrado. Assim, a explicação
deverá: ser pouco rica em pormenores, objectivar um estado mental positivo
e relacioná-la com aprendizagens ou experiências anteriores.
6.2.1. Ser pouco rico em pormenores

Quem aprende tem uma capacidade limitada de processar a informação.


Neste sentido, se for apresentada muita informação ao mesmo tempo, os
praticantes não vão ser capazes de fixar a maior parte desta nem vão ser
capazes de a aplicar. Logo, o treinador/professor poderá começar por
facilitar a aprendizagem dos seus praticantes/alunos reduzindo a
quantidade de informação que transmitem quando estão e explicar um
gesto técnico. Concluindo, a explicação verbal do gesto técnico a
aprender deverá ser pouco rico em pormenores referindo-se somente os
aspectos críticos (fundamentais) absolutamente necessários para a sua
compreensão e para as primeiras execuções (experiências).

Quando melhor preparado estiver o praticante, mais abundantes devem


ser as explicações. Aos praticantes qualificados, há que explicar-lhes não
só como se faz o gesto, mas o porquê. Depois de ter explicado os
principais detalhes, pouco a pouco, à medida que se vão fazendo as
primeiras tentativas, o professor/treinador vai dando explicações
162 • Metodologia do treino desportivo I !

complementares, expressivas, metafóricas, baseadas nos movimentos e


sensações conhecidas.
6.2.2. Objectivar um estado mental positivo

A explicação verbal do gesto técnico a executar deve objectivar numa


primeira análise a criação de um estado mental positivo na mente dos
praticantes/jogadores estabelecendo-se assim condições propícias a uma
correcta aprendizagem. Neste sentido, deve-se seleccionar as palavras
mais indicadas para descrever o gesto técnico e concomitantemente
motivar os praticantes para a sua concretização.
6.2.3. Relacioná-la com aprendizagens anteriores

A explicação verbal do gesto técnico a aprender deve relacioná-lo com


experiências aprendizagens anteriores por forma a beneficiar do princípio
do transfer.
6.3. A exemplificação/demonstração do gesto técnico

A exemplificação/demonstração objectiva, em última análise, a


concretização de uma imagem visual que se dá aos praticantes/jogadores
daquilo que vai ser ensinado/aprendido. Deverá ser efectuada por alguém
que forneça efectivamente uma demonstração correcta do gesto podendo ser
o treinador/professor ou alguém por ele escolhido, ou através da utilização
de meios audiovisuais que apresentam as seguintes vantagens: i) observa-se
o gesto técnico as vezes que for necessário, ii) observa-se o gesto técnico sob
diferentes ângulos, iii) poder-se-à diminuir a velocidade da
exemplificação/demonstração, por forma a aumentar a atenção/concentração
dos praticantes nos aspectos mais importantes do gesto.

Metodologicamente a exemplificação/demonstração do gesto técnico a


ensinar/aprender deve estabelecer seis aspectos essenciais: i) execução
correcta no que se refere ao seu conteúdo e forma, ii) exprimir uma
velocidade de execução consentânea coma complexidade do gesto e das
" Estudo do factor técnico desportivo • 163

experiências anteriores dos praticantes, iii) ritmo de execução apropriados,


iv) optar por uma execução completa ou parcial, v) estabelecer um número de

exemplificações/demonstrações e, vi) evidenciar um conjunto restrito de


instruções-chave.

6.3.1. Execução correcta do gesto técnico

A exemplificação/demonstração do gesto técnico deverá ser


correctamente executado, pois o praticante procurará reproduzir o que
viu na demonstração. Neste sentido, demonstrações incorrectas
conduzem os praticantes a imagens motoras e a execuções técnicas
erradas, diminuindo consequentemente, a velocidade de assimilação e
estabilização do novo gesto técnico. A demonstração correcta é nesta
fase o grande factor de prevenção contra a aquisição errada da técnica.

6.3.2. Correcta velocidade de execução

A exemplificação/demonstração do gesto técnico deverá ser executado


primeiramente a uma velocidade reduzida, para que os praticantes
"apanhem" visualmente o maior número de pormenores, e seguidamente
a uma velocidade normal, com o objectivo de os praticantes construírem
desde o início a noção de realidade e construir uma imagem motora
correcta.

6.3.3. Ritmo de execução apropriado

A exemplificação/demonstração do gesto técnico deverá responder


constantemente ao ritmo de execução - estrutura rítmica do gesto. Com
efeito, uma das características mais importantes do gesto técnico
desportivo é o seu carácter rítmico, que exprime uma ordem reguladora e
unificadora de todas as suas componentes. Logo, a formação rítmica do
164 • Metodologia do treino desportivo I !

gesto técnico é, na sua essência, um problema central de toda a


preparação do praticante.

6.3.4. Optar por uma execução completa ou parcial

A exemplificação/demonstração do gesto técnico deverá ser executado


completamente de acordo com a totalidade do que se pretende ensinar.
Todavia, em função da elevada complexidade do gesto técnico este
poderá ser subdividido em partes: i) se por ventura o gesto técnico
contém partes que se podem executar de forma isolada, então poder-se-à
fazer coincidir essas partes com as subdivisões da demonstração, por
outro, ii) poder-se-à subdividir a demonstração em função do número de
aspectos críticos que o gesto técnico contém.

6.3.5. Estabelecer um número de exemplificações/demonstrações

O número de exemplificações/demonstrações a fornecer aos praticantes


deve depender do nível de complexidade do gesto técnico. Neste sentido,
é natural diminuir-se o número de demonstrações em função da menor
complexidade do gesto em causa e vice-versa. No caso de existirem
dúvidas quanto ao número de demonstrações a realizar é preferível
executar-se mais do que menos, o único risco que se corre é de ser
aborrecido para alguns praticantes.

6.3.6. Evidenciar um conjunto restrito de instruções-chave

Quando a atenção dos praticantes não é dirigida e orientada existe o


perigo destes reterem a informação não essencial do gesto técnico
proposto. Neste sentido, é necessário recorrer às instruções-chave
" Estudo do factor técnico desportivo • 165

capazes de caracterizar e sintetizar o essencial da execução do gesto


técnico, tendo assim quatro aspectos importantes a desempenhar:
concentrar a informação;
reduzir o número de palavras, diminuindo assim as exigências
levantadas ao processamento da informação;
focalizar a atenção dos praticantes em informações mais relevantes;
auxiliar a memória.

As palavras entram em ligação com os movimentos que elas


caracterizam. Isto é de grande importância, pois, logo que o praticante
pode, com a ajuda de uma terminologia precisa expor o encadeamento
das partes do gesto, criam-se as condições mais favoráveis que se
encontram na base deste ou daquele gesto técnico. Logo, importa
considerar: i) quais as instruções-chave a utilizar no ensino-aprendizagem
dos diferentes gestos, ii) a ordem segundo estas deverão ser apresentadas,
e por último, iii) fazer uma correcta combinação entre a demonstração e o
uso das instruções-chave.
Concluindo, a exemplificação/demonstração deve ser utilizada em três
momentos chave do ensino/aprendizagem de um gesto técnico
desportivo:
antes da prática: como já foi referido, objectiva a concretização de
uma imagem visual que se dá aos praticantes;
durante a prática: por forma a reforçar a primeira e a reforçar os
aspectos que ainda não estão a ser correctamente executados; e,
depois da prática: por forma a reforçar a imagem da execução
correcta do gesto técnico.

6.4. A prática do gesto técnico-desportivo

Efectuada a introdução e a explicação verbal do gesto técnico (valor


desejado) desenvolve-se no praticante/jogador processos internos: i) de
recepção de informações por meio dos orgãos sensoriais, ii) elaboração das
166 • Metodologia do treino desportivo I !

informações recebidas nos centros nervosos superiores e a, iii) formação de


uma imagem motora. Segundo Carvalho (1988) "com base nessa imagem e
tendo em conta as experiências precedentes armazenadas na memória
motora, forma-se um programa de acção motora. É com base nesse
programa que o praticante vai executar o movimento... Ao resultado da
execução da acção motora denominamos valor realizado que é comparado
ao valor desejado... Esta comparação conduz à conservação ou
modificação (correcção) do programa consoante os valores se mostram
iguais ou diferentes... Estas correcções podem incidir sobre a avaliação de
detalhes da própria execução motora (erros e formas de os eliminar). sobre
o resultado da própria acção motora (execução conseguida ou não) e ainda
sobre a avaliação do nível técnico alcançado depois de um certo tempo de
treino".

A prática do gesto técnico possibilita que os praticantes realizem a sua


interpretação do gesto que ouviram e visualizaram. Após algumas tentativas
com erros é a partir da primeira execução global que os praticantes obterão
as retroinformações necessárias para o aperfeiçoamento da programação
motora. Dai a importância de se observar uma exercitação sob condições
facilitadas estabilizando as condições de aprendizagem e aperfeiçoamento.
É fundamental que os praticantes executem o gesto técnico desportivo com
o mínimo de erros, pois, quanto menos faltas se cometem no começo, tanto
mais rápido se formará o novo gesto técnico. Importa neste contexto
evidenciar três aspectos fundamentais: i) a prática global do gesto técnico-
desportivo ou "por partes", ii) a formação, desde muito cedo, de um rítmo-
padrão de execução, e iii) a regulação da velocidade de execução.
" Estudo do factor técnico desportivo • 167

Factores
perturbadores

Valor desejado Execução Valor realizado


Programa motor
(Objectivo) motora (resultado)

Comparação valor Retroacções/referências


desejado do realizado sobre os resultados

Treinador
Professor
Figura 30. Modelo do processo de aprendizagem motora Grosser/Neumaier
(Carvalho, 1988)

6.4.1. A prática global do gesto técnico-desportivo ou "por partes"

O princípio fundamental na prática e aperfeiçoamento técnico dos


praticantes é a utilização sempre que possível de exercícios de carácter
global. Situam-se neste princípio os gestos técnico-desportivos:
não complexos;
os que derivam de modalidades cuja estrutura é caracterizada pela
sua ciclicidade, isto é, existe uma fusão natural dos diferentes
movimentos; e,
quando existem obstáculos sérios para a sua unificação num todo
único.

Nisto, segundo Matveiev (1986) "quase tudo depende de como elas se


ligam organicamente entre si. Por exemplo: nas combinações da
ginástica é relativamente pouco importante o perigo de excessiva fixação
desses elementos como aptidões isoladas; mas quando as fases de um
exercício monoestrutural são separadas umas das outras (saltos,
lançamento do disco, etc.), esse risco é muito maior. Em caso de
continuidade natural da acção competitiva, as diversas partes devem ser
reunidas e interligadas na primeira oportunidade e novamente
assimiladas e dominadas no contexto global com isolamento selectivo
dos pormenores (se disso houver necessidade)".
168 • Metodologia do treino desportivo I !

No caso de gestos técnico-desportivos complexos quando estão a ser


aprendidos ou aperfeiçoados predominam os exercícios sob forma
decomposta ("por partes") que tem por característica essencial o
isolamento das respectivas fases para depois as unificar num todo único.
Neste contexto, a construção e utilização de exercícios decompostos não
devem diferir essencialmente, como refere Matveiev (1986) "nos seus
índices estruturais principais, das "partes" do exercício competitivo que
reproduzem. Se esta condição não for respeitada, o exercício
preparatório formar-se-á não como parte da aptidão para a acção
competitiva mas como parte de alguma outra aptidão, e isso poderá
provocar interferência (negativa) entre as aptidões. O perigo de
distorção de partes isoladas de um exercício competitivo complexo
diminui quando ele se compõe de elementos relativamente independentes
(movimentos elementares e de ligação de combinações ginásticas,
combinações de jogo, etc.) que figuram no processo do treino técnico
quer como um "todo" quer como "partes" de conjuntos mais complexos".

Ainda o mesmo autor (1986) refere que "a ordem da formação ou


reestruturação das fases de um exercício decomposto depende das
particularidades da sua estrutura como da preparação do atleta
(experiência motora). Em princípio, quanto mais o praticante dispuser
de formas "prontas" de movimentos de coordenação que venham a fazer
parte de uma aptidão nova (ou renovada) menor será a parte do
exercício decomposto na formação da nova aptidão Se houver
imperfeições na execução da fase inicial da acção elas terão de ser
evidentemente, eliminadas em primeiro lugar".
Concluindo, independentemente de uma dada acção ser estudada
preferencialmente por partes ou no todo, os praticantes terão, na primeira
fase, de estudar o domínio e a correcção dos movimentos "operação a
operação". Para esse efeito é necessário conhecer os principais "pontos
chave" de cada fase.
" Estudo do factor técnico desportivo • 169

6.4.2. A formação de um rítmo-padrão de execução do gesto técnico-desportivo

Um dos problemas centrais de toda a prática do gesto técnico desportivo


(para além das tarefas de modelação das capacidades coordenativas, do
aperfeiçoamento das relações espaço-temporais e da capacidade de
regulação das tensões/descontracções musculares) é o seu carácter
rítmico (que exprime uma ordem regular de unificação de todas as suas
componentes) e a sua optimização.

Neste contexto e como se compreende, no início da prática do gesto


técnico desportivo os praticantes não têm ainda sob uma forma pronta
uma estrutura rítmica das acções recentemente formadas, todavia, é
importante que se crie desde muito cedo a noção de rítmo-padrão da
acção. Quando o gesto não é propriamente novo essa tarefa resolve-se
com uma demonstração tecnicamente correcta com a atenção posta no
aspecto rítmico, através da exibição de registos vídeo à velocidade
normal ou reduzida e com o acompanhamento sonoro (por exemplo
através da voz) reproduzindo o ritmo dos movimentos.

Concluindo, outra questão importante dentro deste aspecto é


fundamentada na optimização do ritmo. A resposta a esta questão passa
concretamente pela individualização do ritmo dos gestos técnicos
desportivos que surge imediatamente logo que se cria a noção de
rítmo-padrão, pois este não pode corresponder inteiramente às diferentes
características individuais dos praticantes.
6.4.3. A regulação da velocidade de execução do gesto técnico desportivo

A velocidade de execução do gesto técnico desportivo deve ser regulada,


ou seja, não deve ser superior aquela que o praticante consegue dominar
a correcção do seu movimento (Donskoy). Assim é preferível limitar a
velocidade do movimento nos primeiros níveis de treino, até que seja
170 • Metodologia do treino desportivo I !

conseguido um alto grau de precisão. A velocidade será então


gradualmente aumentada (lei de Poppeireuter). Esta teoria baseia-se na
hipótese de que é mais fácil acelerar os movimentos precisos do que
corrigir os que são rápidos e imprecisos. No entanto há que ter presente
que um movimento lento não é igual a um movimento rápido (embora as
trajectórias exteriores o sejam), pois as variações de velocidade
provocam variações extremas nos aspectos fisiológicos (Sperry).

6.5. A correcção do gesto técnico-desportivo

A correcção do gesto técnico é determinado pelo professor/treinador que


observa, crítica e corrige a execução dos praticantes. É de salientar nesta
fase do processo a intervenção do treinador, que para além de saber
correctamente os objectivos e os conteúdos (técnico, tácticos) do gesto,
compara o movimento reproduzido pelo praticante ao modelo que possui.
Estabelecendo a comunicação verbal (feed-back) com o praticante
constituindo para este uma fonte importante de informações para o processo
em que ambos são intervenientes.
Comparação
objectivo-resultado

Treinador Praticante
Avalia Interacções disponibilidade
Corrige autocorrecção

Análise
Instruções
Reprogramar
Figura 31. Interacção praticante/treinador na aprendizagem do gesto técnico
(Rieder, 1983)
Antes de desenvolvermos as questões inerentes à correcção do gesto
técnico desportivo importa compreendermos na sua essência o conceito
de erro para se estabelecer um quadro referencial comum. Basicamente, o
erro é definido pela diferença entre aquilo que é observado e o que é
esperado pelo treinador da execução do(s) praticante(s). Desta definição
importa realçar dois aspectos fundamentais:
" Estudo do factor técnico desportivo • 171

só é considerado erro se houver diferenças entre a execução e os


objectivos pré-determinados;
só pode ser considerado erro na execução se os objectivos
pré-determinados forem de facto estabelecidos realisticamente e por
isso mesmo, possíveis de alcançar. Estabelecer objectivos realistas
significa ajustar a complexidade e a dificuldade de execução do gesto
técnico desportivo às capacidades do praticante ou grupo de
praticantes.

Estabelecido o presente quadro referencial definido pelo conceito de erro


importa evidenciar cinco aspectos metodológicos fundamentais a
considerar na correcção do gesto técnico desportivo: i) profundo
conhecimento do gesto técnico desportivo, ii) estabelecer objectivos
realistas do gesto técnico desportivo, iii) hierarquizar os erros observados
no gesto técnico desportivo, iv) a atitude do treinador na correcção do
gesto técnico desportivo e, v) aspectos metodológicos a introduzir quando
se verifica a consolidação do gesto técnico desportivo com erros.

6.5.1. Profundo conhecimento do gesto técnico desportivo

O treinador deverá conhecer profundamente o gesto técnico desportivo,


isto é, as suas componentes-chave, bem como as diferentes hipóteses de
manipulação dessas componentes por forma a estabelecer as melhores
condições contextuais de aprendizagem ou de aperfeiçoamento.

6.5.2. Estabelecer objectivos realistas do gesto técnico desportivo

A detecção e correcção dos erros de execução do gesto técnico


desportivo é determinado, como referimos, pelo correcto ajustamento
entre o nível de capacidades do(s) praticante(s) e os objectivos propostos.
172 • Metodologia do treino desportivo I !

Com efeito, se estes forem muito precisos, muito detalhados e muito


ambiciosos para as reais capacidades do(s) praticante(s) então é natural
observarem-se muitos erros.

Nestas circunstâncias, a manipulação dos objectivos pré-determinados e


o seu ajustamento ao nível de capacidades do(s) praticante(s) representa
uma condição essencial para uma aprendizagem ou aperfeiçoamento
eficientes. Quanto menos experimentados forem os praticantes menor o
número de pormenores técnicos os objectivos deverão conter porque
podem provocar erros prejudiciais e a estagnação do rendimentos dos
praticantes. Pelo contrário e no extremo oposto, o(s) praticante(s) com
elevados níveis de rendimento os objectivos não poderão ser
demasiadamente reduzidos pois não irão alcançar a desejada melhoria do
rendimento provocando desmotivação e desinteresse.

Concluindo, é óbvio que o treinador e os praticantes têm de modificar,


ajustando os objectivos para que estes correspondam aos níveis de
capacidade dos praticantes, o que ajuda a evitar o desenvolvimento de
maus hábitos que poderão, posteriormente, colidir com o
aperfeiçoamento e desenvolvimento do gesto técnico desportivo.

6.5.3. Hierarquizar os erros observados no gesto técnico desportivo

Desde inicio dever-se-à corrigir fundamentalmente os aspectos globais


decisivos ou condicionantes de uma execução correcta, deixando para
posteriores intervenções os pormenores ou componentes com maior
independência.
Segundo Daniels (1987) "não é necessariamente o pior ou o primeiro
erro a ser detectado na execução que precisa ser corrigido. A prioridade
na estrutura do gesto técnico desportivo tem de ser respeitada. Pode-se
assim verificar que a causa de muitos erros técnicos está na defeituosa
" Estudo do factor técnico desportivo • 173

execução de uma determinada componente fundamental. A localização


da causa principal do erro deve ser portanto, a preocupação primordial
dos treinadores que desejam corrigir e melhorar o rendimento
desportivo dos seus praticantes". Isto significa, ainda segundo a mesma
autora (1987) "que a causa de um erro é aquilo que deve ser corrigido e
não necessariamente o próprio erro observado ... Provavelmente muitos
dos erros observados no início irão desaparecer sem necessidade de lhes
dar particular importância" acrescenta.

6.5.4. A atitude do treinador na correcção do gesto técnico desportivo

A atitude do treinador na correcção do gesto técnico desportivo não deve


reduzir-se a evidenciar os aspectos negativos da execução mas sim na
valorização dos aspectos positivos, por forma a motivar os praticantes a
reforçá-los e consequentemente a melhorar os aspectos negativos. Neste
contexto, a intervenção do treinador na correcção deverá saldar-se por
uma resposta positiva sendo o melhor método para aprender ou
aperfeiçoar a aptidão técnica dos praticantes. Logo, o treinador deve
esforçar-se para não se concentrar naquilo que poderá estar mal
executado mas antes no que está a ser executado correctamente.

Para além do aspecto referido, se o treinador elogiar o(s) praticante(s) por


aquilo que eles estão a executar com correcção, irá dar uma informação
positiva importante para reforçar a motivação e o interesse destes no
treino. Segundo Daniels (1987) "seja qual for o nível de execução
verificada, o conhecimento dos resultados é um aspecto decisivo para a
aprendizagem. Quanto mais eficaz for transmitida uma informação
baseada em aspectos positivos de uma execução ou do rendimento
desportivo mais rapidamente se efectuará a aprendizagem. Pelo
contrário, se nessa altura o treinador só apontar os erros que eles estão
a cometer, os praticantes irão automaticamente concentrar-se neles com
prejuízo daquilo que estão a executar bem. Trata-se de uma situação que
174 • Metodologia do treino desportivo I !

irá diminuir o ritmo de aprendizagem, sendo mesmo possível que alguns


aspectos positivos da execução venham a ser também prejudicialmente
afectadas".

Outra atitude importante do treinador na correcção do gesto técnico


desportivo é de não dar demasiada informação ao praticante, sendo
necessário que este se concentre num ou dois aspectos mais importantes
e assim alterá-los de acordo com as suas indicações:
quando existe um erro generalizado, devido a uma má informação
ou outro factor intrínseco, a correcção deverá ser colectiva. Logo que
detectada interrompe-se o treino volta-se a explicar, exemplificar
reforçando os aspectos essenciais. A interrupção do treino poderá ser
evitada, em que o treinador com duas ou três palavras ditas
oportunamente (entre cada repetição da prática do gesto, por exemplo)
lembra aos praticantes os aspectos que foram evidenciados e que estão
a ser descurados;
quando existe um ou outro praticante com deficiências, não e
necessário interromper o treino para corrigir apenas esse(s)
praticante(s). Nestas situações mesmo com o risco de
momentaneamente o treinador perder o controlo do trabalho
desenvolvido pelos restantes, deverá interromper a execução desse
praticante e informá-lo do(s) aspecto(s) negativo(s), dando-lhe a
conhecer a forma como ele o deve corrigir. Nestas situações poder-se-
à igualmente com o decorrer do treino chamar a atenção o praticante,
indicando em voz alta o seu nome, e de forma sucinta, alertá-lo para a
incorrecção cometida;
depois da correcção (individual ou colectiva) intervenção do
treinador volta a ser decisiva, pois e preciso estar atento às
modificações observadas no(s) gesto(s) técnico(s) dos praticantes.
Desta observação e análise duas situações podem acontecer:
" Estudo do factor técnico desportivo • 175

• ou os erros técnicos se mantêm, sendo necessário voltar a


corrigir seguindo as regras anteriormente estabelecidas;
• ou se verifica uma progressão na execução técnica, tornando-se
fundamental nestas situações reforços clara e positivamente
dirigido ao colectivo ou ao praticante individualmente.

6.5.5. Aspectos metodológicos a introduzir quando se verifica a consolidação do


gesto técnico desportivo com erros

O perigo de execução sistemática de um erro no gesto técnico é que


depois este se apresenta da mesma forma estável e consolidado pela
repetição, sendo mais tarde muito difícil de corrigir. Assim, é necessário
que o carácter padronizado do gesto deve ser frequentemente repetido
sem que sejam repetidos os vários erros de execução, tendo o treinador
de assumir a observância cabal deste aspecto, para que o conteúdo do
gesto técnico seja correctamente executado, estando assim (e só assim) a
contribuir verdadeiramente para o progresso do(s) praticante(s). O
"segredo" do treino técnico não é essencialmente determinado pela
utilização deste ou daquele exercício, mas sim pela intervenção do
treinador visando (o cumprimento do conteúdo do exercício escolhido)
precisamente essa finalidade. Quando se verifica a consolidação do gesto
técnico desportivo misturado com erros de execução. Para os eliminar
podem empregar-se os seguintes métodos:
deixar de fazer o elemento por algum tempo para travar as suas
ligações e, somente depois de o ter conseguido, recomeçar a sua
aprendizagem;
se o gesto técnico permitir, voltar a aprender o elemento;
deixar de lado o elemento que se estava aprender e passar a outro
mais difícil, mas parecido com o primeiro, pela sua estrutura, e em
seguida passar do elemento mais difícil para o mais fácil;
fazer com que o praticante fale do gesto técnico, pois, muitos deles
cometem erros só porque o concebem de forma incorrecta.
176 • Metodologia do treino desportivo I !

Apresentando oralmente todos os detalhes da técnica, eles vêem-se


obrigados a pensar sobre os aspectos críticos e, porventura, deixarem
de cometer erros.

Finalizando, escutar com atenção as explicações do professor/treinador,


compreender as suas observações correctamente, analisar devidamente as
tentativas realizadas, apreciar todos os êxitos e falhas, são os principais
meios que asseguram a formação do gesto técnico, advertindo e eliminando
os erros. Com efeito, a correcta e eficaz execução dos diferentes factores
inerentes a cada comportamento específico de uma dada modalidade
desportiva, está intimamente ligada à frequente repetição dos exercícios de
treino, pois só assim os actos motores adquirem a estabilidade e a segurança
indispensáveis à sua aplicação tanto no treino como na competição.

6.6. A repetição do gesto técnico-desportivo

A repetição do gesto é um dos meios através do qual o praticante repete


sucessiva e metodicamente a execução do(s) gesto(s) técnico(s). A formação
ou o aperfeiçoamento de um determinado gesto técnico, não é conseguido
sem existir uma repetição frequente. A estabilidade técnica é mais
rapidamente conseguida quando a acção é reproduzida com frequência e de
forma relativamente estereotipada. Efectivamente a execução de elevado
nível de eficiência dos gestos técnicos está intimamente ligado ao número
de repetições, pois só assim os gestos adquirem a estabilidade, a variedade e
a segurança indispensáveis para a sua aplicação.

O hábito motor consolida-se graças à repetição constante do exercício já


assimilado. Quando um movimento se faz correctamente, naquilo que tem
de fundamental, teremos que passar a consolidar e aperfeiçoar o gesto
técnico. Todavia, a consolidação do hábito motor está indissoluvelmente
" Estudo do factor técnico desportivo • 177

ligado à estabilização do movimento. Assim, como no princípio da


aprendizagem a consolidação da execução do praticante não é ainda
suficientemente eficiente, senão em determinadas condições (estáveis),
depois dessa fase de estabilização estas condições deverão variar
procurando aperfeiçoá-lo nas condições mais diversas, isto é, em situações
cuja variabilidade do meio de treino é maior.

Esta etapa de aprendizagem, aperfeiçoamento ou desenvolvimento da


técnica desportiva leva-nos a três problemas essenciais: i) o problema da
estabilidade técnica, ii) o problema da diversidade técnica e da iii) segurança
de execução técnica.

6.6.1. A estabilização das aptidões técnico-desportivas

"A estabilização da técnica significa, não a estabilização da aptidão


técnico-desportiva mas sim da performance elevada" (Donskoy). A
estabilização das aptidões técnico-desportivas são determinadas, segundo
Matveiev (1986) pelos seguintes quatro princípios: criação de condições
favoráveis, exercitar o gesto técnico-desportivo isento de erros, não
confundir estabilidade com estereótipos rotineiros e a aproximação
gradual aos valores-padrão.

6.6.1.1. Criação de condições favoráveis

Uma aptidão é estabilizada com maior facilidade quanto mais


mecanicamente reproduzidas forem, no processo da repetição, as
particularidades assimiladas. Daí a regra: os factores que provocam
desvios em relação aos parâmetros óptimos da técnica do movimento
(condições externas difíceis, fadiga, tensão psíquica, "concorrência"
de hábitos motores anteriores, etc.) devem ser postos de parte no início
da aprendizagem, para a execução integral das acções e deve-se criar
178 • Metodologia do treino desportivo I !

condições que diminuam a possibilidade de tais desvios (regulando a


aplicação de cargas e repousos, distribuindo os exercícios pela
estrutura das sessões de modo a facilitar a assimilação das aptidões,
utilizando postos de treino adequados e rítmicos diversos,
regularizando e estabilizando as condições exteriores, etc.).

6.6.1.2. Exercitar o gesto técnico-desportivo isento de erros

Segundo Carvalho (1988) "a aprendizagem e aperfeiçoamento técnico


exige do praticante uma elevada actividade e consequentemente
disposição para repetir inúmeras vezes o movimento de forma
consciente. A atenção deve recair directamente nos detalhes da
execução do movimento contribuindo frequentemente para acelerar o
desenvolvimento do processo de aprendizagem, nomeadamente nas
acções motoras complexas".

Os esforços tendentes à estabilização das aptidões serão inúteis se


durante este processo forem incutidos erros e imperfeições. Por outras
palavras: é necessário assegurar uma estabilização de carácter
positivo. Deste modo estes devem ser repetidos sem que sejam
repetidos os erros e com rigorosa realização dos parâmetros de
movimento assimilados. Nesta fase de estabilização, tal como em
todas as outras fases, a preparação técnica tem de ser combinada com
a modelação da capacidade de distinguir e regular com precisão os
parâmetros de espaço e tempo e os parâmetros dinâmicos do
movimento, de alternar racionalmente as contracções e descontracções
musculares e de dominar o conjunto dos momentos variáveis da acção.

6.6.1.3. Não confundir estabilidade com estereótipos rotineiros


" Estudo do factor técnico desportivo • 179

É conveniente consolidar as aptidões técnico-desportivas de tal modo


que elas ganhem a suficiente estabilidade, sem que com isso redundem
em estereótipos rotineiros, e coordená-las com a tendência geral de
evolução do nível de treino da respectiva fase. Como se sabe, nas
diversas modalidades são necessários diferentes graus de estabilização
das aptidões e das suas componentes. Na ginástica e nas modalidades
análogas, que têm uma estrutura cinética relativamente estável de
movimentos competitivos, a qual se modifica muito pouco com a
evolução do nível de treino, o grau de estabilização global das
aptidões é consideravelmente mais elevado que em qualquer outra
modalidade. Neste caso, a estabilização das aptidões é a tendência
principal do seu aperfeiçoamento em relação ao programa
competitivo. Nos jogos desportivos colectivos e de confrontação
individual, estabiliza-se principalmente a base conservando uma gama
de variações dessas aptidões suficientemente vasta.

6.6.1.4. Aproximação gradual aos valores-padrão

À medida que vão sendo consolidadas as aptidões já assimiladas,


todos os parâmetros do movimento que assegurem a estabilização
devem aproximar-se gradualmente dos seus valores-padrão
(adequados à prestação desportiva planeada para o respectivo ciclo de
treino).

6.6.2. A diversidade de aptidões técnico-desportivas

Segundo Matveiev (1986) "a segurança da técnica desportiva depende


também da possibilidade de modificação das aptidões já formadas, em
conformidade com a modificação das condições competitivas e, portanto,
da gama de diversidade dessas aptidões. A este respeito, devemos recordar
180 • Metodologia do treino desportivo I !

que a estabilidade e a dinâmica de uma aptidão são propriedades não


apenas opostas mas inter-relacionadas. Esta sua inter-relação mostra-se,
por exemplo, no facto de que os parâmetros cinemáticos prescritos para
uma acção podem manter-se sem alteração quando ela é executada em
condições diferentes".

O mesmo autor (1986) acrescenta que "a útil diversidade da técnica das
acções competitivas caracteriza-se pela sua mutabilidade justificável, uma
mutabilidade que seja adequada às condições das competições e que facilite
a conservação da eficácia das acções. Permite desvios em relação às
formas de movimento que foram aprendidas, mas desvios que não vão além
do necessário para a consecução do objectivo da competição. A gama
destas variações, conforme já ficou dito, é diferente de umas modalidades
para outras. Uma das tarefas principais do treino técnico de um praticante,
quando ele aperfeiçoa as aptidões aprendidas, consiste em assegurar a
variedade correspondente às particularidades da modalidade escolhida.
Isso consegue-se variando directamente as características individuais dos
exercícios, as suas fases e as suas formas, e variando também as condições
externas da sua execução".

A mais ampla gama de variações justificadas dos desígnios operacionais é


típica das modalidades com uma composição de situações competitivas não
padronizada (jogos desportivos colectivos e modalidades de confronto
individual). Na esgrima, por exemplo, a eficácia das acções competitivas
depende da amplitude com que no treino são utilizados exercícios com
variação quanto à velocidade, à precisão dos movimentos), à previsão
(antecipação às acções do opositor) e à mudança (imediatamente a seguir ao
fim de uma acção ou a meio dela).

No aspecto metodológico, temos de distinguir dois tipos de atitude e os


respectivos métodos particulares para a expansão da gama de diversidade
" Estudo do factor técnico desportivo • 181

das aptidões já aprendidas (Matveiev, 1986): variação rigorosamente


dirigida e a variação livremente dirigida.
6.6.2.1. Variação rigorosamente dirigida

A sua direcção e o seu grau são rigorosamente prescritos nas


instruções do treinador, reflectem uma regulação exacta das
influências externas. Os métodos de variação rigorosamente dirigida
incluem a execução de exercícios que requerem a aptidão de modificar
os parâmetros individuais de movimento e de modificar também as
suas ligações e as formas de coordenação entre limites rigorosamente
definidos (por exemplo: execução de um exercício competitivo ou dos
seus elementos a partir de várias posições iniciais, com diferentes
volumes de tensão muscular, utilizando variações de técnica
desportiva, realizando combinações diversas, etc.). Muitos métodos
deste tipo podem ser subdivididos, segundo a condição de variação,
em dois grupos:
acções sem relação com a modificação das condições externas;
acções relacionadas com a introdução de condições externas,
regulando-se rigorosamente a direcção e os limites da variação.

6.6.2.2. Variação livremente dirigida

A realização da variação depende de modificações imprevisíveis das


condições externas. Os exercícios com variações e executados sem
influências externas reguladas impõem maiores exigências à
capacidade de regulação fina dos movimentos. Acções deste grupo
como a variação das posições iniciais, de elementos isolados e de
combinações competitivas são importantes porque permitem reduzir a
possibilidade de situações de ruptura nos momentos críticos das
competições. Os métodos de variação livremente dirigida relacionam-
se com diversas atitudes metodológicas que diferem entre si pela sua
182 • Metodologia do treino desportivo I !

essência concreta e pelos meios e condições da variação. Neste


contexto, deve-se ter em atenção o seguinte:
variação relacionada com a resolução de problemas tácticos em
condições de interacção (com oponentes ou parceiros) livremente
regulada. É o que se chama variação táctica livre;
variações de jogo relacionados com a utilização de elementos
dos métodos de jogo e de competição no treino;
variação relacionada com a utilização, durante o treino e em
condições inabituais de ambiente natural, de aparelhos e acessórios,
com o objectivo de realizar treino psicológico especial e de
melhorar a estabilidade das aptidões.

6.6.3. A segurança das aptidões técnico-desportivas

Segundo Matveiev (1986) "a maioria dos métodos que asseguram a


estabilidade e a variedade das aptidões desportivas podem também ser
vistas como a dos métodos de obtenção da segurança da técnica das
acções competitivas. A "segurança" das acções do praticante durante as
competições é o resultado complexo do aperfeiçoamento das suas
capacidades e aptidões que garante uma grande eficácia das acções a
despeito das interferências internas e externas. Juntamente com a
estabilidade e a variedade das aptidões, a segurança é determinada pela
estabilidade psíquica, pela resistência específica, pelo alto grau de
desenvolvimento das aptidões de coordenação e outras".

Em termos metodológicos as condições fundamentais para melhorar a


segurança da técnica desportiva (para além dos que já foram
mencionados) são os seguintes (Matveiev, 1986): adaptação das aptidões
técnicas às condições máximas de manifestação das qualidades físicas no
treino, modelação de situações psiquicamente tensas e introdução de
dificuldades adicionais e a prática competitiva.
" Estudo do factor técnico desportivo • 183

6.6.3.1. Adaptação das aptidões técnicas às condições máximas de manifestação


das qualidades físicas no treino

A preparação técnica do praticante, nestas condições, funde-se


organicamente com o treino físico especial. O volume e a intensidade
das cargas específicas do treino são levados a valores próximos dos
competitivos e podem mesmo excedê-los (em certos parâmetros). É
esse o principal factor de adaptação. A segurança técnica nas
modalidades que exigem manifestações de resistência máxima
depende do grau de estabilidade das aptidões perante a fadiga. Assim,
o problema da criação de capacidades de perfeita execução das acções
competitivas é resolvido em unidade com os problemas da formação
da resistência específica. A este respeito, a direcção metodológica
principal é o aumento do volume dos exercícios executados à
intensidade máxima e combinados com o aumento da fadiga durante o
trabalho. Naturalmente que o grau de fadiga tem de ser limitado de tal
modo que sejam evitadas distorções permanentes das aptidões
assimiladas. Em princípio, a fadiga, se não for excessiva, não destruirá
as aptidões firmemente assimiladas e até facilitará ao aperfeiçoamento
das coordenações de movimentos.

6.6.3.2. Modelação de situações psiquicamente tensas e introdução de


dificuldades adicionais

À medida que se vão estabilizando as aptidões recém-formadas (ou


transformadas) correspondentes às acções competitivas, uma das
condições necessárias para posterior aumento da sua segurança é a
superação das interferências descoordenadoras que surgem em
situações de tensão psicológica, que são típicas das competições
desportivas. A estabilidade das aptidões em relação aos factores deste
tipo é assegurada mediante uma combinação mais íntima do treino
184 • Metodologia do treino desportivo I !

técnico com o treino da vontade e o treino psicológico especial. Logo


desde o início da estabilização das aptidões é conveniente excluir a
pouco e pouco os métodos que facilitam a execução dos exercícios e
introduzir determinadas dificuldades que compliquem as tarefas de
domínio dos movimentos. À medida que se aproxima o período das
principais competições, as situações competitivas que envolvam
tensão psíquica deverão ser mais completamente trabalhadas no treino.
Tudo isso faz aumentar o grau de segurança das aptidões já formadas
desde que, é claros sejam usados ao mesmo tempo métodos eficazes
de verificação objectiva e de correcção dos erros observados,
juntamente com os métodos de treino da vontade e de treino psíquico
especial que mobilizem o atleta para vencer as dificuldades.

6.6.3.3. A prática competitiva

É conveniente utilizar a participação sistemática em condições de


treino, ou oficiais, de níveis diversos, como factor de aperfeiçoamento
de novas (ou renovadas) formas da técnica desportiva depois de
estarem inicialmente estabilizadas as aptidões assimiladas (não há
justificação para experimentar a sua solidez em competições quando
elas não são estáveis porque conduz normalmente à consolidação de
erros que mais tarde dificilmente serão corrigidos). Antes que termine
o período preparatório, a prática competitiva tem de constituir uma
componente importante de todo o sistema do treino.

Ver, ouvir, experimentar, corrigir e repetir são por assim dizer os aspectos
salientes desta fase de ensino/aprendizagem do gesto técnico desportivo. Esta é
caracterizada pela diminuição da tensão inicial, por parte do praticante.
Aprender é ascender a um nível que o praticante não tem, logo este passa
sempre por uma situação de stress, que se liga ao factor postural e ao factor
psicológico, em que tudo vai sendo desencadeado dentro de uma esfera
emotiva. Daí que o praticante sinta que os exercícios são fatigantes, não por
" Estudo do factor técnico desportivo • 185

serem difíceis (complexos), mas sim por serem executados com um elevado
controlo e domínio do sistema nervoso central o que origina por consequência
uma intensa e precoce fadiga de origem nervosa.
Concluindo, a racionalização e sistematização do processo de treino só advirá
de uma criteriosa selecção de objectivos, conteúdos, métodos e meios de treino
em situações adequadas à aprendizagem, aperfeiçoamento e estabilização.

7. Planeamento da preparação técnico-desportiva

Iremos seguidamente analisar a preparação técnico-desportiva dos praticantes


em função do processo de planeamento plurianual e anual, microciclo e
unidade de treino.

7.1. Durante o processo plurianual e anual

De um modo geral, segundo Matveiev (1986) o processo plurianual da


preparação técnica do praticante/jogador pode ser dividido em duas fases
principais: a fase da preparação técnica de base e a fase de aperfeiçoamento
técnico.

7.1.1. A fase da preparação técnica de base

Esta fase inclui o ensino inicial da técnica desportiva da modalidade e


uma preparação desportiva convenientemente concebida que possa servir
de base para o posterior aperfeiçoamento do praticante graças à
acumulação de um rico conjunto de aptidões técnico-desportivas. O
ensino, na acepção mais imediata da palavra, manifesta-se mais
completamente na primeira fase. Mas continua ainda na segunda fase a
ser um dos aspectos de maior importância da preparação desportiva.
Apenas se modificam o seu conteúdo concreto e a sua forma.
186 • Metodologia do treino desportivo I !

7.1.2. A fase de aperfeiçoamento técnico

Na segunda fase da preparação técnica prossegue-se no domínio de novas


formas ou variantes da técnica e na sua consolidação e aperfeiçoamento
em dependência das exigências de aquisição, conservação e posterior
aperfeiçoamento da forma desportiva no âmbito dos grandes ciclos do
treino. Um praticante em aperfeiçoamento tem pelo menos três fases de
treino técnico em cada ciclo (Matveiev, 1986):

7.1.2.1. Primeira fase

Coincide, de um modo geral, com a primeira metade do período


preparatório dos grandes ciclos de treino, quando a preparação do
atleta se encontra completamente subordinada à necessidade de
criação dos pré-requisitos para o estabelecimento da forma desportiva.
Em relação à preparação técnica, é esta a fase de "construção" de um
modelo de nova técnica das acções competitivas (ou de uma sua
variante), de melhoramento dos seus pré-requisitos, do domínio
prático e do estudo (ou novo estudo) de determinados exercícios que
fazem parte das acções competitivas e da modelação das suas bases
coordenativas gerais.

7.1.2.2. Segunda fase

Nesta fase, a preparação técnica orienta-se para o domínio completo


das acções competitivas e para a formação de aptidões complexas
como componentes da forma desportiva. Regra geral, cobre uma parte
" Estudo do factor técnico desportivo • 187

considerável da segunda fase do período preparatório dos grandes


ciclos do treino (fase preparatória especial).

7.1.2.3. Terceira fase

Nesta fase, a preparação técnica é conduzida no âmbito da preparação


imediatamente anterior às provas e orienta-se para o aperfeiçoamento
das aptidões adquiridas, para a expansão da respectiva gama de
variantes úteis e para a consecução de um certo grau de "segurança"
em relação às condições das principais competições. Esta fase
costuma começar na parte final do período preparatório do treino e
prolonga-se pelo período competitivo. Se este for muito longo, o
treino técnico conservará, no essencial, os aspectos que o caracterizam
na terceira fase e só se modificará parcialmente, em função das
particularidades especificas da estrutura do período competitivo.

O conteúdo e a forma do treino técnico do praticante sofrem a


influencia: i) das suas particularidades de assimilação dos
procedimentos técnicos em relação à forma desportiva já atingida por
este, ii) das peculiaridades da modalidade desportiva praticada, iii) da
estrutura geral do ciclo de treino e, iv) de outros factores.

Assim, se a técnica do praticante num determinado ciclo de treino não


estiver sujeita a transformações essenciais e a preparação técnica se
reduzir, no essencial, a um pequeno aperfeiçoamento de aptidões
anteriormente adquiridas, os limites que separam estas fases
desaparecem e a duração das primeiras fases diminui. Quando há
necessidade de reestruturar aptidões firmemente formadas e de vencer
erros ou insuficiências fortemente enraizadas, pelo contrário, a
primeira fase tem de ser prolongada com a introdução de uma fase
188 • Metodologia do treino desportivo I !

especial de "readaptação" (que costuma coincidir com o período de


transição do treino).

Para Carvalho (1988) "as modalidades onde a técnica é muito


importante para o rendimento, como sejam as de exactidão e
expressão do movimento, ela deve representar a parte predominante
do treino durante todo o ano. Nos desportos colectivos e desportos de
combate deve também ser treinada durante todo o ano juntamente
com a condição física e a táctica. Nas modalidades onde os factores
da condição física são determinantes para o rendimento, também a
técnica deve ser treinada durante todo o ano mas com especial
incidência no período de competição, embora a carga de treino seja
ao longo do macrociclo predominantemente dirigida para o
desenvolvimento das capacidades condicionais fundamentais para o
rendimento da modalidade".

7.2. O treino técnico durante o microciclo

A aprendizagem, aperfeiçoamento e desenvolvimento da técnica desportiva


durante o microciclo de treino deve obedecer, em última análise, a um dos
seus princípios metodológicos fundamentais: o da relação óptima entre a
carga de treino e o repouso. Deste princípio surgem duas questões
essenciais:
a determinação do exercício óptimo o qual consubstancia uma
estrutura (objectivo, conteúdo, forma e nível de performance) e
componentes estruturais fisiológicas (duração, volume, intensidade,
densidade e frequência) e técnico-táctica (espaço, tempo, número e
complexidade); e,
a determinação do momento óptimo de aplicação de uma nova carga
de treino, isto é, a sua aplicação deve decorrer em função dos processos
regenerativos correspondentes às unidades de treino anteriores, sendo
" Estudo do factor técnico desportivo • 189

fundamental que esta ocorra no momento em que existe um nível de


organização superior (melhoria do rendimento).

Nestas circunstâncias, a aplicação de uma unidade de treino cujo


objectivo/conteúdo é de aprendizagem, aperfeiçoamento e desenvolvimento
da técnica desportiva não deve ser aplicado imediatamente após uma
unidade de treino que devido às características da carga conduziram os
praticantes/jogadores a um elevado estado de fadiga especialmente no que
diz respeito aos sistemas nervoso e muscular.

7.3. O treino da técnica desportiva na unidade de treino

Um dado inegável no treino da técnica desportiva é o facto deste decorrer


sob uma forte participação do sistema nervoso central. Com efeito, perante
um ou mais exercícios de treino o sistema nervoso fatiga-se mais
rapidamente que qualquer outro sistema do corpo humano. Daqui se infere
que o primeiro aspecto metodológico a reter no treino da técnica desportiva
é que a eficácia dos exercícios que o consubstanciam não é determinado
pelo volume das modificações funcionais que provocam fadiga, mas sim
pela correcção e precisão das formas de coordenação dos movimentos.

Neste sentido, numa primeira fase de aprendizagem o número de repetições


desses exercícios é relativamente pequeno e limitado no decurso de cada
unidade de treino especialmente quando haja o perigo da fixação de erros
técnicos que derivam de estados de fadiga. Todas as argumentações teóricas
sobre a aprendizagem da técnica desportiva referem a regra de "mais vezes e
aos poucos". Segundo Matveiev (1987) "uma eficácia suficientemente
elevada do trabalho de formação e reestruturação de aptidões técnico-
desportivas complexas fica assegurada, ao que parece, na maior parte dos
casos, com sessões diárias com um volume relativamente pequeno. Essa
eficácia diminui consideravelmente quando aumenta o intervalo entre as
sessões, mesmo que aumente o volume de trabalho em cada sessão".
190 • Metodologia do treino desportivo I !

Para Carvalho (1988) "se na mesma unidade de treino pretendemos treinar


a técnica e a condição física, a técnica deve treinar-se no início (logo após
o aquecimento) pois o sistema nervoso central não estará fatigado e obter-
se-á assim um melhor rendimento no treino. Só quando o desportista tem a
técnica bem estabilizada poderá treiná-la em condições de fadiga. No
entanto aqui o objectivo não será o aperfeiçoamento dos gestos técnicos
mas sim a adaptação às condições da competição, isto é, a estabilização da
técnica em condições desfavoráveis como seja, neste caso, um elevado
estado de fadiga".
w
PARTE IV

OS FACTORES DE TREINO DESPORTIVO

Capítulo 2

Estudo do factor táctico desportivo

Resp: Jorge Castelo


190 • Metodologia do treino desportivo I !

Conteúdo do Capítulo 2 da Parte IV

O factor táctico desportivo representa o processo intelectual de


solução das questões que a competição em si encerra. Com efeito, a
competição desportiva reflecte, na maioria das modalidades, um
conjunto diversificado de situações que determinam a necessidade
destas serem resolvidas através de acções significativas, orientadas em
relação a um objectivo comum, logo exigindo a participação da
consciência. Neste contexto, incidiremos a nossa análise sobre a
natureza do comportamento táctico, frequência, características,
elementos que o influenciam, as fases e os princípios metodológicos da
sua formação nos praticantes.

Metodologia do treino desportivo I


Conteúdo Programático

Conceitos do treino Planeamento Planeamento do


Parte I desportivo Conceptual treino desportivo Parte V

Planeamento
Estratégico
Factores do rendi-
Parte II mento desportivo
Planeamento
Táctico

O exercício de trei- Fundamentos do


Parte III Estrutura do
no desportivo exercício de treino Microestrutura Parte VI
processo de treino
Bases conceptuais
exercício de treino
Mesoestrutura

Bases de aplicação
exercício de treino Macroestrutura

Bases de eficácia
exercício de treino
Período Periodizacão do Parte VII
Preparatório treino desportivo

Parte IV Factores do treino O factor técnico Período


desportivo desportivo Competitivo

O factor táctico Período


desportivo Transitório

O factor físico Estudo sobre


desportivo a força O controlo do
treino desportivo Parte VIII
Estudo sobre
a resistência

Estudo sobre
a velocidade

Estudo sobre
a flexibilidade

O treinador
perfil e competências
Parte IX
Organigrama 9
" Estudo do factor táctico desportivo • 191

Parte IV

Os factores de treino

Sumário

1. Definição de comportamento táctico desportivo

2. Objectivo do comportamento táctico desportivo

3. A natureza do comportamento táctico desportivo


3.1. Ser orientado exigindo a participação da consciência
3.2. Exprime um pensamento produtor

4. Frequência de ocorrência do comportamento táctico desportivo


5. Características do comportamento táctico desportivo

6. Elementos que influenciam o comportamento táctico desportivo


6.1. As características básicas das situações competitivas
6.2. A qualidade de observação por parte do atleta/jogador
6.3. Os fundamentos reais dos conhecimentos e das experiências dos jogadores
6.4. A memória
6.5. Solução associativa dos problemas tácticos
6.6. A rapidez do atleta/jogador a reconhecer as invariantes da situação competitiva
6.7. Os factores emotivo-psicológicos

7. As fases do comportamento táctico desportivo


7.1. A percepção e análise da situação
7.2. A solução mental do problema
7.3. A solução táctica e as respostas técnicas

8. As diferentes fases do processo de aprendizagem da táctica desportiva


8.1. 1ª. Fase: aprendizagem habilidades motoras inerentes à modalidade desportiva
8.2. 2ª. Fase: aprendizagem das acções técnico-tácticas
8.3. 3ª. Fase: desenvolvimento da capacidade competitiva global
8.4. 4ª. Fase: utilização da capacidade competitiva global em competições oficiais

9. Princípios metodológicos da formação táctica desportiva


9.1. Princípio da sistematização
9.2. Princípio do carácter alternativo
9.3. Princípio da unidade da formação táctica elementar e complexa
9.4. Princípio da formação táctica individual e da formação táctica colectiva
9.5. Princípio da unidade da formação táctica teórica e da formação táctica prática
9.6. Princípio da síntese óptima indutiva e da dedutiva
192 • Metodologia do treino desportivo I !

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WEINECK, J., (1983), Manuel d' Entrâinement, Ed. Vigot, Paris
" Estudo do factor táctico desportivo • 193

Ao observarmos as modalidades desportivas na actualidade imediatamente


chegamos à conclusão do elevado grau de complexidade que os
comportamentos técnico e tácticos dos atletas/jogadores em si encerram.
Executar uma acção correcta, no momento exacto, empregando a força
necessária, imprimindo a velocidade ideal, antecipando as acções dos
adversários e tornar compreensível a sua acção em relação aos companheiros,
são alguns dos elementos que qualquer atleta/jogador deve ter em conta antes
de tomar uma decisão.

Nestas circunstâncias, ao exigir-se quer do plano individual quer do plano


colectivo melhores níveis de eficiência/eficácia, aumentou-se a intensidade e o
ritmo competitivo o que afectou sobremaneira não só os aspectos técnicos,
como também os aspectos psicológicos, consubstanciados pelo aumento da
pressão sobre o raciocínio táctico dos atletas/jogadores. O comportamento
destes só é compreensível considerando-os como indivíduos que têm que dar
uma resposta eficaz às diferentes situações competitivas, sendo obrigados a
adaptar-se rápida e continuamente a si próprio, às necessidades do colectivo e
aos problemas postos pelos adversários.

O aumento do ritmo competitivo na actualidade (número de acontecimentos na


unidade de tempo), afecta radicalmente o modo como o atleta/jogador "sente"
as situações à sua volta, na qual a instabilidade-transitoriedade do
envolvimento, imprime um novo sentido à estrutura da situação, influenciando
a continuidade e a descontinuidade da expressão pessoal da maturidade e
criatividade dos atletas/jogadores, das suas capacidades de cooperação (com os
companheiros), das suas capacidades de oposição (com os adversários), pelas
regras da competição, ou por quem é o seu garante (árbitro) e com o público.
194 • Metodologia do treino desportivo I !

1. Definição de comportamento táctico desportivo

O acto/comportamento táctico desportivo é definido pelo "processo intelectual


de solução dos problemas competitivos, sendo uma componente indissociável
da actividade, devendo ser rápida e deliberado, visando o maior grau de
eficiência possível" (Mahlo, 1966).

Desta definição podemos inferir que o comportamento táctico dos


atletas/jogadores pressupõe uma actividade cognitiva, sendo resultado de
complicados mecanismos de recepção, transmissão, avaliação e elaboração da
resposta, relacionando o resultado dessa acção com a memória. É esta
actividade cognitiva ou intelectual, que amplia significativamente a capacidade
das respostas adaptativas dos praticantes às situações competitivas, permitindo
que este reconheça, oriente e regule a sua acção motora.

O comportamento táctico desportivo, com efeito, não se reduz a um sistema


fechado de relação que se estabelece por ensaio e erro, ou pelo
condicionamento consolidando-se através de reforçamentos positivos. O
sentido táctico em situação competitiva exige para ser eficaz uma elaboração
realizada a partir de sistemas abertos de relação baseados sobre códigos
simbólicos de informação.

2. Objectivo do comportamento táctico desportivo

O objectivo fundamental do comportamento táctico desportivo é o encontrar de


soluções para a resolução prática dos diferentes problemas postos pelas
diversificadas situações competitivas.
" Estudo do factor táctico desportivo • 195

3. A natureza do comportamento táctico desportivo

A natureza do comportamento táctico desportivo consubstancia-se basicamente


em duas componentes fundamentais: i) ser orientado exigindo a participação da
consciência e, ii) exprime um pensamento produtor.

3.1. Ser orientado exigindo a participação da consciência

A competição reflecte um conjunto diversificado de situações que por si


encerram inúmeros problemas que deverão ser resolvidos pelos
atletas/jogadores, através de acções significativas orientadas em relação a
um objectivo comum, logo, exigindo a participação da consciência. Deste
facto extraí-se a primeira componente fundamental da natureza do
comportamento táctico dos atletas/jogadores, é que a dimensão das acções
motoras visíveis para a resolução desses problemas, reflectem uma relação
consciente e inteligível, de manifestação de uma personalidade, mas não
representam "mais que" a fase final de um longo e complexo processo
psico-fisiológico.

Segundo Rubinstein (1962), "o jogo traduz uma actividade composta por
um conjunto de acções complexas não fortuitas, ligadas entre si pela
unidade da motivação... Existe entre a actividade e o psiquismo do homem
uma verdadeira unidade e uma ligação dialéctica... Esta unidade da
consciência e do comportamento não significam necessariamente
identidade. A consciência é ao mesmo tempo, a condição e o resultado da
actividade, do mesmo modo que as qualidades psíquicas da personalidade
são a condição e o resultado do comportamento humano".
196 • Metodologia do treino desportivo I !

Neste contexto, desenvolve-se uma intensa e determinante actividade


operatória através da qual os atletas/jogadores procuram decifrar as
flutuações (modificações) do meio, tentando descoadificar continuamente a
dinâmica das interacções observadas. Estes processos operatórios
complexos estabelecem os princípios organizadores das acções dos
atletas/jogadores consubstanciando-se: na apreciação das velocidades, das
distâncias, da profundidade, da estimação dos projectos dos outros
(companheiros e adversários), dos antagonismos ou das convergências.
Todos estes elementos são analisados em termos de probabilidade
subjectiva partindo de um grau de confiança variável, com a qual se
estabelece a estratégia da acção relativamente à situação competitiva.

3.2. Exprime um pensamento produtor

O facto de se resolver pela acção, problemas em plena situação competitiva,


obriga na maior parte das vezes a ordenar com discernimento a situação
problemática, e a solução leva os atletas/jogadores a obterem conhecimentos
subjectivamente novos. "O acto táctico é um sistema de investigação que
não se contenta em escolher a melhor resposta entre várias possíveis, esta
auto-aperfeiçoa-se ao mesmo tempo que resolve o problema posto" (Mahlo,
1966). Isto significa que as soluções tácticas evoluem dos mais simples para
os lógicos, mais racionais, sendo fundamental reconhecer e identificar quais
os principais processos e invariantes que consubstanciam esta
transformação.

Com efeito, cada comportamento é portador de um sentido ao qual todos os


atletas/jogadores (companheiros e adversários) deverão interpretar de forma
eficaz, compreendendo assim as significações das acções tácticas que se
intercruzam perante os seus olhos. Não existe assim, a simples percepção e
os estímulos, mas a interpretação do comportamento motor e a comunicação
" Estudo do factor táctico desportivo • 197

de um sentido. Os atletas/jogadores interpretam os deslocamentos, as


paragens, as posições, as marcações, etc., detectando os sinais e impondo
igualmente as suas próprias significações.

4. Frequência de ocorrência do comportamento táctico desportivo

Os mecanismos que fundamentam o comportamento táctico desportivo dos


atletas/jogadores, ocorrem continua e permanentemente durante a competição.
Cada situação competitiva comporta índices de identificação bem definidos e
hierarquizados que são o testemunho do seu significado táctico e que
transportam já em si as ligações essenciais, através dos quais os jogadores ao
"lerem" a situação (atribuindo-lhe um determinado significado):
• avaliam as suas possibilidades de êxito;
• preparam mentalmente a sua acção futura;
• antecipam o seu comportamento em função do prognóstico por ele
elaborado; e,
• executam uma resposta que seja previsível aos olhos dos seus
companheiros e imprevisível aos dos adversários.

5. Características do comportamento táctico desportivo

O comportamento táctico desportivo exprime seis características fundamentais


(Hucko, 1981): i) fluidez, ii) adaptabilidade, iii) originalidade, iv) reestruturação,
v) antecipação e, vi) execução.

5.1. Fluidez
198 • Metodologia do treino desportivo I !

A fluidez reflecte a capacidade de criar rápida, fluida e facilmente o maior


número possível de mecanismos psíquicos de um determinado tipo num
tempo limitado para a resolução da situação de competição.

5.2. Adaptabilidade

A adaptabilidade representa a capacidade de se encontrar soluções


heterogéneas para uma dada situação problemática.
5.3. Originalidade

A originalidade representa a capacidade de idealizar soluções mentais e


motoras que sejam engenhosas, subtis, descobrindo coincidências e
conexões imperceptíveis.

5.4. Reestruturação

A reestruturação representa a capacidade de modificar ou reestruturar o


significado e a utilização dos elementos ou das suas partes, em função dos
novos condicionalismos da situação competitiva.

5.5. Antecipação

A antecipação representa a capacidade de discernir e prever as necessidades


e consequências da situação competitiva.

5.6. Execução

A execução representa a capacidade de realizar em termos práticos a


solução mental encontrada.
" Estudo do factor táctico desportivo • 199

Neste contexto, também Korcek (1980), refere que as qualidades fundamentais


dos jogadores durante as fases de percepção e análise da situação/solução
mental do problema são:
i) o alto sentido de orientação;

ii) capacidade de antecipação;

iii) capacidade de modificar a ordem dos diferentes elementos da

actividades; e,
iv) capacidade de valorizar retrospectivamente e reflectir sobre a solução da

situação de jogo anteriores, procurando encontrar outras diferentes.


6. Elementos que influenciam o comportamento táctico desportivo

Existe um conjunto de variáveis que intervêm e influenciam de forma decisiva


o comportamento táctico desportivo dos atletas/jogadores nomeadamente, no
que se refere: à qualidade do pensamento táctico, à rapidez do pensamento e a
compreensão adequada da solução em função da situação competitiva presente.
Entre as diversas variáveis enumeraremos as seguintes que consideramos
fundamentais: i) as características básicas das situações competitivas
(variabilidade transitoriedade), ii) a qualidade de observação por parte do
atleta/jogador, iii) os fundamentos reais dos conhecimentos e das experiências
dos atletas/jogadores, iv) a memória, v) a solução associativa dos problemas
tácticos, vi) a rapidez do atleta/jogador em reconhecer as invariantes de uma
situação competitiva e, vii) os factores emotivo-psicológicos.

6.1. As características básicas das situações competitivas

De uma forma geral as situações competitivas evidenciam duas


características fundamentais:
• a variabilidade (ritmo de mudança) que evidencia grandes exigências
dos mecanismos perceptuais, obrigando os atletas/jogadores a uma
concentração constante na competição para realizar uma correcta leitura
desta e decidir por uma resposta motora eficaz; e,
200 • Metodologia do treino desportivo I !

• a constante transitoriedade (complexidade da mudança) que determina


um aumento da complexidade de todas as componentes da estrutura da
situação, obrigando o atleta/jogador a realizar acções que procuram
prever antecipadamente o desenvolvimento e o resultado dos
acontecimentos de uma dada situação de jogo (antecipação) tornando
assim, a sua capacidade de intervenção mais eficiente.

Neste contexto, tanto a variabilidade como a transitoriedade das situações


competitivas limitam o tempo disponível para a tomada de decisão
adequada e apropriada para cada situação, influenciando assim, a qualidade
do pensamento táctico.
6.2. A qualidade de observação por parte do atleta/jogador

As experiências e os conhecimentos são factores essenciais, num processo


perceptual que não se pode desenvolver senão pela prática activa, da qual
nascerá o "dom da observação" fonte de soluções tácticas novas às tarefas
impostas pela competição. Mahlo (1966), prefaseando Smirnov define "dom
da observação como a capacidade de descobrir nos objectos e nos
fenómenos o que não aparece, ou aparece muito pouco, mas apesar de tudo
é essencial e interessante seja qual for o ponto de vista. Um traço
característico do dom da observação é também a velocidade com a qual
este pouco aparente é apreendido". Ainda o mesmo autor (1966) refere que
"a prática do jogo pode desenvolver um dom ou uma capacidade de
observação, permitindo reconhecer qualquer coisa essencial do ponto de
vista do problema a resolver, isto é, do ponto de vista da táctica".

6.3. Os fundamentos reais dos conhecimentos e das experiências dos jogadores

A qualidade do pensamento táctico aumenta simultaneamente à progressão


dos conhecimentos tácticos práticos, a partir desse momento apercebe-se
daquilo que é essencial para resolver o problema. Cada situação competitiva
comporta índices de identificação bem definidos e hierarquizados que são
" Estudo do factor táctico desportivo • 201

testemunho do seu significado táctico e que transportam já em si as ligações


essenciais. Isto significa, que a actualização dos conhecimentos tácticos,
como forma de pensamento táctico, faz-se a partir: i) da análise da situação
e, ii) da análise dos conhecimentos. "Produz-se um fluxo de ligações
continuas entre os problemas e as disposições individuais - conhecimentos,
técnicas e capacidades" (Mahlo, 1966). Ainda segundo este autor, "um bom
jogador deve dispôr de sólidos conhecimentos e rapidamente utilizáveis em
função da alternância continua dos problemas concretos ...Sente-se a
necessidade dum sistema lógico de conhecimentos tácticos organizados
numa relação lógica do ponto de vista prático".
Mahlo (1966) ao referir-se a Rubinstein afirma que "não se deve separar o
pensamento do conhecimento, contudo, não há identidade entre o volume de
conhecimentos e a qualidade do pensamento. Pensar não é somente
actualizar conhecimentos, é também criar novos...". "A actualização dos
conhecimentos necessários para a solução de um dado problema, implica a
análise do problema e dos conhecimentos que entram em linha de conta
para a sua solução. Esta análise determina que se faça uma correlação
sintética do problema e dos conhecimentos".

6.4. A memória

Segundo Carrière (1976) "a prospecção do campo visual pode ter uma
sequência automatizada, visto que, com a experiência o jogador desenvolve
um quadro perceptual, que armazena o tipo de informação a observar e as
principais fontes de informação pertinente. Esta sequência é controlada
pela memória de longo prazo". Ainda o mesmo autor alerta para o facto,
que algumas vezes os índices pertinentes da situação estão incompletos,
tendo o jogador de utilizar as informações armazenadas na sua memória de
longo prazo, para poder interpretar os fragmentos de informação e prever
antecipadamente o desenvolvimento da situação de competição. "Cada
percepção apropriada deixa um traço na memória" (Rubinstein, 1962).
202 • Metodologia do treino desportivo I !

6.5. Solução associativa dos problemas tácticos

A capacidade de estabelecer uma associação mental entre a situação


percebida e a solução correspondente representa na competição, o meio
mais rápido de resolver o problema mentalmente e no momento próprio.
Neste sentido, Mahlo (1966), refere o seguinte exemplo "se todos os
membros de uma equipa tivessem uma formação táctica idêntica (se
jogassem juntos há muito tempo beneficiando duma educação teórica e
prática comum) existiria entre eles uma compreensão quase cega fundada
sobre esta solução associativa. Estas associações não se limitam
forçosamente a problemas simples, podem-se também resolver problemas
mais difíceis que exigem a intervenção de vários jogadores, se a
aprendizagem táctica foi realizada com correcção. É evidente, então, que
as soluções associativas dos jogadores nos seus diversos posicionamentos
tácticos devem formar um todo conveniente, e que todos devem optar pela
mesma acção colectiva para resolver a situação competitiva adaptando as
suas acções individuais"

6.6. A rapidez do atleta/jogador a reconhecer as invariantes da situação competitiva

Gibson (1966), refere que "o melhoramento perceptual é caracterizado por


um aumento progressivo na especificidade de descriminação face ao
estímulo da informação". Por seu lado Mahlo (1966), afirma que "o
conteúdo, a amplitude e a riqueza da percepção ou da observação do jogo
depende de dois factores: i) da velocidade da acção de jogo e, ii) da
velocidade de observação dos jogadores". Portanto, "jogadores com o
mesmo nível de conhecimentos e a mesma preparação táctica, poderam
evidenciar diferentes velocidades de percepção... o que permite concluir
pela existência de capacidades individuais de observação, susceptíveis de
serem melhoradas pelo treino".
" Estudo do factor táctico desportivo • 203

Neste contexto, a velocidade perceptiva requerida para discernir com


eficiência entre vários estímulos, os mais pertinentes, no menor tempo
possível é de fundamental importância nos desportos colectivos. Para Bayer
(1974), "saber definir no meio a onda de informação, a importância
relativa dos diferentes estímulos, saber hierarquizar os elementos que
assaltam o jogador na sua acção, constituem uma qualidade que facilita a
capacidade de uma reacção eficaz. Cada jogador, através de um esforço de
análise, vai discernir, seleccionar e interpretar os diferentes índices da
situação competitiva segundo o seu sistema de valores, constituídos pela
sua própria personalidade para orientar as suas respostas".

6.7. Os factores emotivo-psicológicos

Os factores emotivo-psicológicos podem ter um influência positiva (a


alegria, o entusiasmo) ou negativa (medo, falta de treino) sobre o
pensamento táctico e consequentemente sobre a actividade do
atleta/jogador. Com efeito, "aspectos como a vontade, a motivação, o nível
de inspiração, as diferenças individuais no que respeita a este factor podem
exercer sobre a solução mental adequada de um problema com uma
influência por vezes decisiva" (Mathey, 1956).

7. As fases do comportamento táctico desportivo

Numerosos autores distinguem 3 fases sucessivas e fundamentais, em estreita


correlação, do comportamento táctico dos atletas/jogadores durante a resolução
das situações de competição:

1/a percepção e análise da situação competitiva: esta fase representa um


processo único de: i) tomada de informação da situação competitiva, através
204 • Metodologia do treino desportivo I !

dos órgão sensoriais, fazendo apelo a todos os mecanismos perceptuais -


mais particularmente à visão e, ii) da análise da situação, pois como refere
Rubinstein (1962), "perceber uma situação, é ao mesmo tempo
reconhecê-la";

2/ a solução mental da situação competitiva: esta fase implica um processo


intelectual de tomada de decisão face aos dados concretos da fase de
percepção e análise relacionando-os com os conhecimentos anteriormente
adquiridos pela experiência do atleta/jogador; e,

3/a solução motora da situação competitiva: esta fase representa a solução


prática da situação de competição que depende essencialmente dos
mecanismos efectores suportados pelos sistemas nervosos e musculares.

Sinteticamente, o presente modelo tenta evidenciar que os jogadores ao


procurarem resolver uma determinada situação competitiva, ajustam a sua
acção de acordo com: 1) a percepção e análise dessa situação, 2) elabora para
esta uma solução mental, 3) expressa-a numa resposta motora cujo, 4) resultado
irá ser interpretado em função da eficiência (baseado na comparação de dois
pólos "deve ser/foi"), 5) simultaneamente o analisador do efeito (externo e
interno), permite interiorizar o resultado da acção na memória, tornando a
experiência significativa (produto mental), logo facilitadora da resolução de
outras situações idênticas, ou servindo de base para uma nova situação.

referência receptor
memória
do efeito

percepção solução resultado


e análise mental do + -
da situação problema
solução motora
do problema
Figura 32. As fases do acto táctico (Mahlo, 1966)
" Estudo do factor táctico desportivo • 205

As ligações temporais das fases do comportamento táctico desportivo

Importa neste momento salientar que uma sucessão hierarquizada das fases do
comportamento táctico corresponderia que o atleta/jogador não começaria a
mover-se senão depois de reconhecer a situação competitiva e tomado a sua
decisão. Ora, "durante a competição, os atletas/jogadores têm uma actividade
quase ininterrupta, isto é, as fases do processo de percepção e análise da
situação assim como a solução mental do problema realizam-se em
movimento. Isto significa a existência de uma modificação contínua da
actividade motora como consequência de processos intelectuais, sendo
alterada na sua qualidade, quantidade e orientação espacial. Logo, as
ligações temporais das fases enunciadas, desenvolvem-se de forma sucessiva e
simultânea" (Mahlo, 1966).

Nestas circunstâncias, acrescenta o mesmo autor (1966) "enquanto se resolvem


mentalmente as situações, devem subsistir relações mútuas entre as três fases
da acção, graças às percepções marginais da situação exterior e da sua
própria motricidade. Pode-se assim ter em conta, a todo o momento, a
dinâmica da situação. Esta percepção marginal pode conduzir a uma
percepção central nova, a uma modificação ou a um aperfeiçoamento da
situação mental e da acção motora. Graças a ela, a continuidade da
percepção encontra-se assegurada durante toda a acção e, logo, durante a
actividade competitiva".

Constata-se assim que a percepção e a solução mental se relacionam com a


solução motora, cujo o resultado aferirá o valor da primeira, dados estes que
serão registados na memória e que irão por si, consubstanciar a base de suporte
a novas percepções e soluções mentais. A consciência tem aqui um papel
fundamental de interiorização e abstracção da acção motora, sendo através da
consciencialização do resultado obtido que as experiências de natureza prática
206 • Metodologia do treino desportivo I !

se tornam significativas. Estamos perante um sistema aberto que se


auto-aperfeiçoa numa constante evolução.

Figura 33. As ligações temporais das fases do comportamento táctico desportivo


(adaptado de Mahlo, 1966)

7.1. A percepção e análise da situação

Em competição, especialmente nos desportos em que o envolvimento é


instável, os atletas/jogadores deverão fazer constantemente uma síntese dos
elementos desse envolvimento a fim de executarem uma resposta rápida e
adequada, logo a fase de tomada de informação é de primordial importância.

O ser humano pode ser considerado como um processador de informação,


devido à sua capacidade de codificar, armazenar, recordar e transformar a
informação. Nesta perspectiva, o atleta/jogador perante o problema
consubstanciado pela situação competitiva, opera mentalmente a solução
táctica, com a ajuda de informações (antes e durante essa solução), que se
estabelecem fundamentalmente a dois níveis:
" Estudo do factor táctico desportivo • 207

sobre o envolvimento (mundo exterior); que se modifica a todo o


instante, através dos órgão dos sentidos (visão, audição, tacto), e,
sobre si próprio (mundo interno) que estabelece informações relativas:
à sua própria motricidade, ou seja o estado momentâneo do sistema
locomotor, através das sensações quinestésicas;
das imagens retidas na memória, resultantes das experiências
significativas anteriores; e,
das imagens planeadas antecipadamente e associadas no momento
da acção.

Estas informações são enviadas ao sistema nervoso central e aí


categorizadas e classificadas, traduzidas num código particular que
contribuirá para o desencadear, corrigir e parar a acção. Na realidade, o
atleta/jogador deve estar preparado para tratar simultaneamente e com
rapidez muitas informações pertinentes, pois, quanto mais rico for o seu
pensamento em operações mentais, maior é a probabilidade de se chegar a
soluções motoras eficazes para a resolução das situações. A tomada de
informação, é pois, um fenómeno relativamente complexo devido depender
de diferentes factores, tais como: i) a percepção do envolvimento, ii) dos
cálculos óptico-motores e, iii) dos conhecimentos específicos adquiridos pela
experiência.
7.1.1. A percepção do envolvimento

Neste contexto iremos analisar a definição de percepção, a percepção


como acção exploratória do envolvimento, a estratégia perceptiva, a
atenção selectiva e os orgãos da visão.

7.1.1.1. Definição de percepção

A percepção é encarado como "um processo activo e complexo, não


sendo um decalque da realidade, nem uma simples justaposição de
sensações elementares, mas uma integração de mensagens sensoriais
208 • Metodologia do treino desportivo I !

e de esquemas do conhecimento". (Bard e Fleury, 1976). Com efeito,


"a percepção é mais que um agregado de sensações, ele é a unidade
das sensações com o pensamento, que analisa e sintetiza os estímulos
escolhidos e os relaciona com os conhecimentos resultantes das
experiências anteriores e, de imediato, com os resultados das acções
que desencadeiam" (Rubinstein, 1962).

A percepção da situação de competição no seu contexto particular é


sem dúvida uma etapa decisiva, no complexo processo do factor
táctico desportivo. A resposta motora, última fase do processo
observação acção, depende da qualidade das informações
recebidas, mas sobretudo da qualidade da percepção do envolvimento,
(estável ou instável) na qual se desenrola a acção. Nos desportos
colectivos as fontes críticas de informação evoluem constantemente
que resultam das movimentações dos jogadores. Os acontecimentos
são imprevisíveis no tempo e no espaço, sendo necessário estabelecer-
se constantes ajustamentos.

7.1.1.2. A percepção como investigação activa do envolvimento

A percepção é o resultado de uma análise que se desenvolve durante


um certo intervalo de tempo, e passa por um número de fases, que
correspondem a uma série de transformações das informações
(S análise R), segundo Neisser (1967), "a existência destas
fases não se podem constatar por observação directa, apenas se pode
inferir a partir dos comportamentos ou pela forma como esses
comportamentos são afectados". Neste sentido, a percepção não é a
simples recepção do estímulo é o significado que o indivíduo atribuí
ao conjunto de estímulos que ele consegue integrar numa situação. Por
" Estudo do factor táctico desportivo • 209

singular importância, Gibson (1969), afirma que "a percepção não é


uma recepção passiva. É uma investigação activa... percepção é uma
acção exploratória e não uma acção executiva, no sentido de
manipulação do envolvimento".

Nestas circunstâncias, Bayer (1974), refere que "o melhoramento das


capacidades perceptivas induz o jogador para uma melhor
organização e uma melhor interpretação da realidade. Ter um campo
perceptivo o mais alargado possível, a partir do qual se elaboram as
reacções comportamentais, depende essencialmente da personalidade
de cada um, estabelecendo para os diferentes elementos da situação
um significado próprio, resultado das experiências vividas
anteriormente e de apreensão da possível evolução dos
acontecimentos".

Finalizando, Bard e Fleury (1976), referem a presença de "uma


estrutura perceptiva que pode ser definida pela capacidade dos
indivíduos tirarem conclusões a partir de evidências fragmentadas.
Esta estruturação perceptiva é constituída: i) pela selecção perceptiva
(atenção), ii) pela velocidade de percepção (tempo de reacção) e, iii)
pela flexibilidade perceptiva. Esta última pode ser entendida pela
maior ou menor facilidade de um jogador passar de um dado contexto
para outro contexto, isto é, da capacidade de reconhecer um objecto
dentro de uma variabilidade de posições e de situações diferentes".

7.1.1.3. A estratégia perceptiva

Bard e Carrière (1975), afirmam que o indivíduo não capta de forma


incoerente a informação presente no envolvimento. Ao contrário,
parece existir uma distribuição económica na busca perceptiva, que
poderia-mos apelidar de uma estratégia perceptiva. Os mesmos
autores (1975), referindo-se a Vurpillot, mencionam que a
"exploração visual dum indivíduo revela as informações escolhidas e
210 • Metodologia do treino desportivo I !

consequentemente julgadas como as mais importantes para alcançar


uma decisão. Esta selecção é ao mesmo tempo quantitativa e
qualitativa. A duração das fixações visuais, a sua localização, a sua
sequência e os campos úteis de visão constituem os parâmetros mais
pertinentes para a avaliação da informação útil pelo indivíduo".

Para Godinho (1985), o termo estratégia perceptiva "pressupõe um


plano consciente ou não por parte do indivíduo que observa. Este
privilegia os elementos do envolvimento por ele considerados como os
mais importantes. Mas esse juízo depende naturalmente das
experiências e das informações complementares recebidas". Com a
experiência ou a idade verifica-se uma transformação na estratégia
perceptiva visual que traduz, segundo o mesmo autor (1985):
numa sistematização progressiva do processo, que implica uma
adequação da estratégia exploratória às exigências da tarefa;
num aumento de selectividade, ou seja, diminuição do número
de fixações e pesquisa selectiva dos índices pertinentes;
num aumento da velocidade de exploração porque diminui a
duração média por fixação; e
num alargamento do campo visual útil, pois é possível retirar um
maior conjunto de informações por fixação reduzindo o número
destes e aumentando a distância interfixação.
Por último a estratégia perceptiva visual também varia em função das
características da tarefa, verificando-se um aumento da duração e do
número de fixações quando a dificuldade desta aumenta.

Carrière (1976), refere que "a prospecção do campo visual pode ter
uma sequência automatizada, visto que, com a experiência o jogador
desenvolve um quadro perceptual, que armazena o tipo de informação
a observar e as principais fontes de informação pertinente. Esta
sequência é controlada pela memória de longo prazo". "Esta
" Estudo do factor táctico desportivo • 211

prospecção é a base da análise, com o qual o atleta/jogador realiza a


detecção das diferentes condições do envolvimento filtrando as
informações" (Gagné, 1962). Os jogadores experientes adquirem
rotinas de observação que são armazenadas na memória de longo
prazo, e que facilitam a filtragem dos índices pertinentes. "Não se
trata só de ver muita coisa, tenta-se também, a partir da percepção de
tudo, separar aquilo que é essencial, de abstrair do acessório e de
fazer tudo isto no mais breve espaço de tempo possível".

"Percebemos melhor, porque sabemos o que deve ser percebido".


Gibson (1969), adianta que "o estímulo invariante, isto é, o estímulo
que mantém a sua identidade malogrado as transformações e as
mudanças causadas pelo movimento do objecto ou o deslocamento do
observador, é a base da percepção desse objecto". Portanto, a busca
pela propriedade invariante, ignorando as propriedades mutacionais e
impertinentes, poderá trazer respostas adequadas, mesmo quando
novos estímulos se verificam. Neste contexto, "ter atenção à
invariante e aprender a procurá-la é o objectivo principal para
desenvolver uma economia cognitiva" (Gibson, 1969). No entanto, a
actualização e a assimilação da invariante, obriga a uma intervenção
activa dos jogadores, aumentando a concentração susceptível de
melhorar a sua capacidade de descriminação e afinar a selecção
pertinente da informação.
7.1.1.4. A atenção selectiva

Whitting (1969), adianta que "devido à limitação dos órgãos dos


sentidos, e a quantidade de informações presentes no envolvimento, é
necessário que a atenção seja selectiva, traduzindo a obtenção de
uma quantidade óptima de informação num alto nível de velocidade e
de precisão". Para Gibson (1969) "da grande quantidade de
informação, a atenção selectiva extrai o que é saliente". Segundo o
212 • Metodologia do treino desportivo I !

mesmo autor (1969), a atenção torna-se o aspecto selectivo da


percepção. Referindo-se aos estudos de Zinchenko, de Vurpillot e de
Dobrinine, aponta que a atenção repousa nas seguintes fases de
desenvolvimento: i) uma concentração fixa ou imposta pelo objecto,
desta passamos a uma fase de, ii) exploração que confina numa
atenção selectiva e sistemática e por último, iii) um modelo flexível de
investigação adaptado à tarefa. Assim quando um indivíduo é exposto
a um estimulo complexo e continuo, deverá ignorar a informação
indesejável. Contudo, escolher a informação pertinente pressupõe, um
conhecimento racional de tudo o que deve ser visto com o objectivo
de realizar uma tarefa precisa.

Finalizando, segundo Cei, Bergerone, e Ruggieri (1986), durante o


jogo desenvolvem-se diferentes tipos de atenção, assim é necessário
que o jogador saiba utilizar a direcção e a selectividade das próprias
operações mentais de modo flexível, esta organização favorece uma
melhor adaptação às diferentes situações de jogo. Nideffer (1976,
1979), refere que "o processo de antecipação, é favorecido por uma
atenção flexível, que se manifesta pela capacidade de passar de um
foco amplo de atenção a um restrito, externo ou interno, segundo as
exigências da situação de jogo".

7.1.1.5. Os orgãos da visão

Os olhos são os orgãos sensoriais fundamentais na percepção das


situações competitivas. A retina através dos seus receptores
transformam os "inputs" luminosos em influxos nervosos que são
encaminhados para o sistema nervoso central.
" Estudo do factor táctico desportivo • 213

Mahlo (1966), ao tratar da importância da amplitude da visão, no


processo perceptual, refere que esta depende de três factores
essenciais:
da excitabilidade da recepção visual: o gesto específico dos
desportistas, modifica o estado funcional do olho, levando assim a
uma maior excitabilidade dos elementos da visão. Logo esta
circunstância traduz-se num aumento do campo visual dos
jogadores, mesmo quando este se encontra em repouso. O mesmo
autor acrescenta (1966) "que existe uma relação entre a
excitabilidade do olho e as emoções dos basquetebolistas e
futebolistas. Constatou-se que a excitabilidade diminui quando se
apresenta uma situação negativa e que aumenta nos casos
contrários. A existência desta relação de alargamento do campo
visual por um lado, e por outro, o estado e as disposições emotivas
dos jogadores, demonstram a importância dos factores psíquicos
para a performance";
a excitação das zonas periféricas da retina - visão periférica:
sendo o seu papel decisivo no jogo para a percepção marginal
externa, informando o jogador sobre as modificações do meio que o
rodeia. A visão periférica é primordial, pois permite receber
informações sobre o envolvimento, ou seja, dos deslocamentos dos
companheiros e adversários, mantendo sempre a visão central sobre
a bola, na programação da resposta adequada. Gaybiel (1955), ao
analisar a importância da visão periférica e central nas diversas
actividades físicas, concluiu que a exclusão da visão central parece
ter menos efeitos negativos que a supressão da visão periférica; e,
a mobilidade dos olhos: a amplitude de visão não depende
unicamente do olho imóvel (campo visual), mas também e de
forma decisiva da sua mobilidade, que se relaciona
fundamentalmente com o aparelho muscular do olho. Bard e
Carrière (1975), referem que "os movimentos dos olhos, assim
214 • Metodologia do treino desportivo I !

como os factores dos quais ele depende, revelam-se muito


importantes para informar que estímulos o indivíduo deve
direccionar a sua atenção e sobretudo quais os que mais o
influenciam. Estes movimentos oculares poderão ajudar a estudar
o caminho pelo qual o jogador investiga os elementos do seu
envolvimento. É também primordial, não somente aquilo que o
jogador observa mas interessa igualmente a sequência que ele
escolhe para estudar o elemento desejado. Sendo importante
descobrir se existe um esquema óptimal para perceber as situações
de forma eficaz e rápida".

7.1.2. Os cálculos óptico-motores

A possibilidade de se executar uma resposta eficaz e adequada às


situações competitivas, não passam prioritariamente pelo número de
informações a retirar do envolvimento, mas sim pela qualidade dessas
mesmas informações. A avaliação óptico-motora (formada pelo tempo de
latência) e os cálculos óptico-motores, são elementos indispensáveis à
qualidade da informação. Estes cálculos exprimem a sua importância no
plano espacial (apreciação das distâncias entre os jogadores, da bola, da
dimensão e direcção e dos desvios), no plano temporal (apreciação da
velocidade de deslocamento da bola e dos jogadores) e finalmente no
plano espaço-temporal (apreciação das trajectórias dos deslocamentos
dos jogadores e da bola).

Contudo, esta percepção está estrita e intimamente relacionada com as


sensações quinestésicas dos atletas/jogadores, isto é, "com o sentido
muscular que intervém para completar uma série de funções do
organismo, para além da manutenção do equilíbrio corporal, até à
criação das representações do tempo e do espaço" (Krestovnikov). Um
dos aspectos que diferenciam os jogadores de alto nível técnico-táctico
dos outros, é a sua capacidade de ao intervirem sobre a bola, asseguram o
" Estudo do factor táctico desportivo • 215

controle e a condução desta através das sensações quinestésicas,


libertando assim, as outras instâncias receptoras para a percepção e
análise da situação envolvente. Mahlo (1966), refere que "a condução
sincronizada e precisa dos cálculos óptico-motores e das sensações
quinestésicas, são a base essencial do rendimento técnico-táctico".

7.1.2.1. A antecipação

"Os processos mentais integrados na percepção que procuram a


compreensão e o significado da estruturação do meio, englobam na
sua realidade funcional, uma qualidade fundamental que favorece a
acção imediata: a antecipação ... para um atleta/jogador é essencial
concentrar-se a partir dos dados presentes para a elaboração de um
futuro possível, pois só assim a sua capacidade de intervenção se
torna eficiente" (Bayer, 1974).

A antecipação é um processo psíquico de base de qualquer actividade


humana que consubstancia, a partir da percepção, a capacidade de
prever não só o resultado, mas também o desenvolvimento dos
acontecimentos de uma dada situação. Nos jogos desportivos
colectivos, a bola, os companheiros e os adversários, deslocam-se em
direcções e velocidades variáveis, logo, para que os jogadores se
adaptem a esta variabilidade situacional, exige-se concretamente o
desenvolvimento de um pensamento táctico, que por si traduz a
antecipação continua e extremamente diversificada às situações
momentâneas de jogo. Neste sentido, podemos afirmar que a
antecipação é um dos maiores fenómenos da adaptação das condutas
motoras sendo a raiz fundamental das interacções tácticas.
Mahlo (1966), refere que "a percepção e a antecipação dos
deslocamentos da bola, dos companheiros e adversários revestem-se
de uma importância capital para a actividade do jogo. Não basta
perceber os objectos de forma instantânea. Todo o processo tem um
216 • Metodologia do treino desportivo I !

passado, um presente e um futuro. É necessário em jogo, a partir da


percepção instantânea, ter imediatamente ideia da sequência do
processo (trajectória da bola, deslocação dos jogadores)". Este
fenómeno de antecipação "ao apoiar-se na construção mental, da
pré-percepção, da pré-decisão e da pré-acção, introduz o futuro no
presente motor" (Parlebas, 1981), sendo sem dúvida, e antes de tudo, o
aspecto chave dos desportos colectivos que são caracterizados, por
uma perpétua modificação do campo perceptual.

Meinel (1984), refere que "o decurso coordenado de cada acto motor
pressupõe a antecipação do objectivo e a antecipação de um projecto
de acção. O prognóstico do programa (programação), ocorre
baseado na experiência armazenada sobre a elaboração de cada
aferência da situação. Através disso torna-se possível também um
cálculo de previsão do decurso do movimento do aparelho (bola),
parceiros e adversários no jogo, e a correspondente adaptação do
programa motor à respectiva situação". Neste contexto, "a acção dos
jogadores em jogo está ligada intrinsecamente a uma antecipação
constante e múltipla. Baseando-se na tomada de informação e das
suas experiências tácticas armazenadas, os jogadores analisam
correctamente a situação de jogo e antecipam as possibilidades de
continuidade e desenvolvimento dessa situação... Não é simples
calcular totalmente os mais diferentes factores que o influenciam, e
combiná-los correctamente para se chegar a uma eficaz acção
motora". Das duas afirmações referidas, Meinell (1984), torna
evidente que: a acção do jogador repousa sobre uma estreita ligação de
antecipação da situação e de uma antecipação do objectivo e do
programa motor.
Portanto, o processo de antecipação não reflecte somente o facto de
prever o desenvolvimento e o resultado de uma situação de jogo, é
também e por inerência, pôr em acção os correspondentes e precisos
" Estudo do factor táctico desportivo • 217

processos cognitivos imediatamente ligados a esquemas de resposta


motora consoante as modificações das acções dos adversários.

Em conformidade com o referido, o processo de antecipação consiste


na: (segundo Cei, Bergerone, e Ruggieri, 1986):
1/ síntese rápida das aferências;
2/ tomada de decisão;
3/ formulação de programas e a sua continua verificação; e,
4/ o desenvolvimento do programa que o jogador efectua. Nesta
fase, o jogador realiza mais duas operações fundamentais:
a) antecipa mentalmente as possibilidades de resposta do
adversário; e,
b) vincula imediatamente cada uma destas possibilidades de
resposta com os correspondentes esquemas motores formulados
anteriormente.

Este último aspecto é de extrema importância, pois permite que o


atleta/jogador não necessita de formular, depois da resposta do
adversário, uma nova síntese aferente com a correspondente tomada
de decisão. Portanto, o atleta/jogador passará continuamente de 4a)
para 4b), sem ter que voltar aos pontos 1, 2 e 3. A vantagem do
jogador possuir esquemas cognitivos conexos com esquemas de
resposta motora, evidencia não só o desenvolvimento
(aperfeiçoamento) do pensamento táctico, mas também na redução do
tempo de resposta, consubstanciado pela redução do tempo de decisão
mental do problema da situação competitiva.

O processo descrito ocorre milhares de vezes durante a competição. O


jogador quando intervém ou não sobre a bola, estando em fase
defensiva ou ofensiva, está perante várias soluções possíveis em
função da situação de jogo, isto é, sobre circunstâncias com diversas
218 • Metodologia do treino desportivo I !

possibilidades e objectivos. Enquanto este combina antecipadamente


as possíveis acções e reacções dos seus companheiros e adversários
em fracções de segundo, chega a uma variante que lhe parece óptima.

Todavia, há que ter presente que o processo de antecipação do


desenvolvimento de qualquer situação competitiva, não tem só
aspectos positivos, esta acarreta igualmente aspectos negativos
inerentes à incorrecta operação do fenómeno de análise que, no seu
contexto global será mais ou menos elevada consoante a conjectura da
situação em que esta se verifica. "A antecipação correcta repousa em
larga medida no pensamento táctico, na apreensão exacta da
situação, o que permite limitar o número de eventualidades" (Meinell,
1984).

Para Mahlo (1966) "o tempo necessário para a solução do problema


de jogo, está em ligação directa com a antecipação mental... Quer
esta seja a projecção para um futuro imediato (no caso da
antecipação), quer esta seja a previsão a longo prazo da evolução da
situação... Portanto, o jogador na sequência da tendência evolutiva
ultrapassará em pensamento a situação presente e ajustar-se-à à
situação vindoura... Isto significa que o tempo total para a solução,
não é só aquele que se gasta entre a aparição da constelação e a
reacção de resposta, assim, o tempo disponível depende em larga
medida da capacidade do jogador em reconhecer as tendências
evolutivas, ou seja a sua antecipação e previsão a longo prazo. O
jogador ajusta-se ao acontecimento (mesmo que haja dificuldades, ou
sendo enganado), descobrindo sempre a evolução do jogo. Isto é
devido a uma observação reflectida fundamentada nos conhecimentos
e nas experiências próprias". Antecipar como o adversário se vai
comportar tacticamente numa situação concreta, situando-se
mentalmente no seu lugar, e partilhando as suas intenções ele pode
" Estudo do factor táctico desportivo • 219

assim reagir com rapidez e segurança. "Desde o esboço do gesto do


adversário, isto é, sobretudo na sua antecipação morfológica nas
primeiras fases, o jogador deve descobrir as intenções do adversário,
para poder reagir rapidamente. Isto é uma condição importante, para
um bom resultado das acções quer estas sejam ofensivas ou
defensivas".

Concluindo, Whitting (1970) refere que "a antecipação implica um


prognóstico espaço-temporal, é esta interacção entre estas duas
dimensões que se vai determinar a eficiência da resposta. A
antecipação do acontecimento, quando é exacta, acelera a percepção
e a resposta, contudo se ela é falsa, provoca o retardamento
perceptual acompanhada com um tempo de reacção mais lento".
Bayer (1974) é da opinião que "os conhecimentos e as experiências
adquiridas pelo jogador no decurso do seu passado ocupa um lugar
privilegiado na actividade preditiva do desenvolvimento dos
acontecimentos".

7.1.3. As experiências e os conhecimentos tácticos

A percepção e a análise da situação de competição, primeira etapa do


comportamento táctico, não é suportado somente por uma boa
observação do essencial da situação envolvente. Depende também, e
intimamente, da quantidade e qualidade dos conhecimentos adquiridos
pela experiência do atleta/jogador. Neste sentido, as necessidades, ou
seja, o número de mecanismos perceptivos implicados na resolução
táctica de uma dada situação podem variar em função da experiência e
dos conhecimentos dos jogadores. Portanto, quanto maior for o nível de
familiarização com muitas situações diferentes, menor serão os
mecanismos necessários para fazer a análise dos índices pertinentes da
situação. As ligações associativas estímulo-resposta, são tão fixas ao
nível da memória de longo prazo que uma determinada tarefa que
220 • Metodologia do treino desportivo I !

necessitava ao princípio de uma decisão formal mais elaborada, pode


tornar-se, devido ao treino, uma simples tarefa automática.

A qualidade do comportamento táctico aumenta simultaneamente à


progressão dos conhecimentos tácticos práticos, a partir desse momento
apercebe-se daquilo que é essencial para resolver o problema. Cada
situação competitiva comporta índices de identificação bem definidos e
hierarquizados que são testemunho do seu significado táctico e que
transportam já em si as ligações essenciais. "Um jogador com
experiência não necessita de discernir todos os aspectos da situação de
jogo para agir de forma adequada" (Mahlo, 1966). Em competição, isto
significa, que a actualização dos conhecimentos tácticos, como forma de
pensamento táctico, faz-se a partir da análise da situação e da análise dos
conhecimentos. "Produz-se um fluxo de ligações continuas entre os
problemas e as disposições individuais - conhecimentos, técnicas e
capacidades" (Mahlo, 1966). Ainda segundo este autor, "um bom
jogador deve dispôr de sólidos conhecimentos e rapidamente utilizáveis
em função da alternância continua dos problemas concretos ... Sente-se
a necessidade dum sistema lógico de conhecimentos tácticos organizados
numa relação lógica do ponto de vista prático".

Quando os atletas/jogadores são advertidos para as particularidades deste


ou daquele adversário, das combinações e esquemas tácticos, a sua
percepção e análise da situação encontra-se favoravelmente
influenciados, que facilita e acelera a resposta adequada. A experiência, e
os conhecimentos são os factores essenciais da rapidez da percepção
perante as situações adversas da competição. Neste sentido, Mahlo
(1966), refere que "tendo em conta que a percepção e a solução mental
dependem da rapidez de actualização dos conhecimentos e da forma
como é accionada a táctica em função do adversário (estratégia), a
reflexão teórica consequente dos jogadores em função da equipa
adversária, implica: i) que sejam recapitulados os conhecimentos
" Estudo do factor táctico desportivo • 221

indispensáveis de base da equipa e, ii) das particularidades tácticas do


adversário para que a sua atenção se possa fixar nas possíveis
variantes".

7.1.3.1. O transfer

O transfer é fonte de discussão, representando um conceito por alguns


contestado e controverso. Todavia, Bayer (1979), apresenta como
hipótese de explicação do transfert, a teoria fenómeno-estrutural,
repousando sobre a identidade das estruturas existentes entre duas
tarefas. "Identidade que é reconhecida pelos jogadores, que na sua
relação com o envolvimento, adoptam uma atitude que permite
assinalar ou não esta analogia. É em função dos significados dados
às diversas situações que os jogadores interpretam e organizam a sua
percepção, orientando igualmente a escolha dos diferentes meios de
forma mais ou menos explícita no seu contacto com o real".

Esta teoria, ainda segundo o mesmo autor (1979), "para além de


estabelecer estruturas ou princípios dinâmicos capazes de se
transformarem e de se modificarem em qualquer momento, fazem
intervir um outro elemento fundamental neste processo de transfert: a
atitude do jogador face à tarefa a realizar". Pois, só este é capaz de
dar sentido à estrutura e de a modificar. Como toda a atitude, esta
revela-se efectivo-estruturante, isto é, esta constitui uma disposição do
jogador em relação com a efectividade vivida com as motivações
dinâmicas e profundas da sua personalidade, para seleccionar a
informação, direccionar a percepção e orientar a acção, em função do
significado que cada um reflecte da realidade das situações de jogo em
que se encontra implicado. Neste sentido, "a base explicativa do
transfert é representado pela capacidade descriminativa, ou seja, a
222 • Metodologia do treino desportivo I !

identificação do código genérico dos diversos conjuntos significativos


do envolvimento, observados sobre a perspectiva do jogador activo".
Bayer (1979), citando Mucchielli refere que, "aprender é construir, é
estabilizar uma forma geral. Esta construção torna-se operatória e
faz parte de um novo sistema de análise de informação. Uma mesma
forma impõe-se a conteúdos variados que representam para o
indivíduo uma analogia de estruturas susceptíveis de serem
reconhecidas". "Ter experiência de uma estrutura não é recebê-la
passivamente, é vivê-la, é revê-la, é assumi-la, é encontrar o seu
sentido perdurável" (Merleau-Ponty, 1945). "Para responder às
condições de prática é necessário fazer com que a solução mental
leve cada vez menos tempo. É preciso aumentar a amplitude e a
rapidez do efeito de transfert, melhorando sem cessar a capacidade
de percepção analítica da constelação tacticamente essencial. Agir
deste modo é garantir que novos problemas possam ser resolvidos de
uma melhor forma do que o são graças às associações já existentes"
(Mahlo, 1966). A este propósito Rubinstein (1972), refere que "o
problema do transfert surge em definitivo sob o ângulo do
pensamento, quando da aplicação a problemas novos de situações
anteriormente descobertas (conhecimentos)".

7.2. A solução mental do problema

Representa o processo intelectual de tomada de decisão face aos dados


concretos da fase de percepção e análise relacionando-os com os
conhecimentos anteriormente adquiridos pela experiência do atleta/jogador.

Cada atleta/jogador consoante as suas particularidades percepciona, analisa


e resolve mentalmente as situações competitivas de forma diferente.
Portanto, os processos mentais de base à resolução eficaz duma mesma
situação irá concretamente determinar diferentes níveis de elaboração.
" Estudo do factor táctico desportivo • 223

Assim, a solução mental de uma mesma situação competitiva, poderá para


uns, envolver um pensamento que resulta de uma actividade mental
criadora, enquanto para outros, envolve um processo mental menos
elaborado, resolvendo a situação mais "economicamente". Este facto
determina, que os atletas/jogadores poderão preservar a atenção para o
tratamento de outros aspectos, tal como a previsão do desenvolvimento da
direcção da competição.

Contudo, a resolução mental de um elevado número de situações idênticas


de competição, determina um auto-aperfeiçoamento, que consubstancia por
seu lado uma diminuição da elaboração mental e da vigilância da situação.
Logo, à medida que o atleta/jogador eleva a sua capacidade de solução
mental do problema de jogo, necessita cada vez menos, que o processo
mental adjacente a esta solução seja menos elaborado. Isto significa que a
resposta à situação competitiva, é realizada mais rapidamente, mas
mantendo o mesmo nível de eficiência, não consagrando toda a atenção a
essa situação particular da competição.

Rubistein (1962), distingue por seu lado, na solução mental os seguintes três
níveis de pensamento táctico:
a reflexão sobre os dados concretos da situação, em ligação estreita
com a percepção e o acto; permite a partir das técnicas e da experiência
de cada um adaptar e utilizar judiciosamente a situação em função do
problema a resolver;
o pensamento táctico, ligado ao acto mas ultrapassando a situação
concreta; opera uma aproximação entre essa situação tal como foi
reconhecida, e generalizações, regras, princípios e soluções; pode levar a
conhecimentos tácticos e colectivos novos; e,
o pensamento táctico abstracto que não está directamente ligado ao
acto mas que age com a ajuda de representações figuradas ou de meios
224 • Metodologia do treino desportivo I !

de concretização mais ou menos abstractos, ou com a ajuda de


generalizações abstractas.

Resumidamente, podemos caracterizar os três graus de complexidade das


acções, da seguinte forma (Mahlo, 1966): i) os automatismos, ii) as acções
sensório-motoras e, iii) a forma superior do acto táctico. Todavia o mesmo
autor refere que "não se deve ver nestes níveis do pensamento táctico várias
espécies de pensamento diferentes. Não diferem pela natureza, mas pelo
carácter da sua ligação com a prática e pelo seu grau de generalização do
conteúdo do seu pensamento. Os dois primeiros níveis do pensamento
prático correspondem a formas de acção que repousam sobre técnicas
sensório-motoras e sobre aquelas que são fruto dum pensamento criador.
Os resultados do pensamento táctico abstracto, isto é, os conhecimentos, os
princípios, as regras são utilizadas no jogo pelo pensamento produtor e
reprodutor do mesmo modo que as experiências práticas concretas são o
objecto do pensamento teórico e conduzem a outras generalizações".
7.2.1. Os automatismos

Os automatismos são acções elementares que não exigem mais que uma
pequena concentração do atleta/jogador para a sua realização.
Pressupõem a mobilização mínima da atenção, deixando assim, a
consciência disponível para a percepção e análise do contexto global da
competição, o que implica necessariamente, uma maior elaboração dos
processos mentais de base estando sempre apta a reagir a um problema-
situação mais exigente.

Tal como Rubinstein (1962), refere "a actividade consciente do homem,


só poderá consagrar à solução de problemas duma certa complexidade
porque certas acções se reforçam tornando-se actos automatizados,
aliando assim a consciência da regulação destes actos relativamente
elementares". Estas acções suprimem igualmente a necessidade de uma
" Estudo do factor táctico desportivo • 225

percepção analítica e sintética da situação competitiva, isto significa, a


disponibilidade de uma observação precisa da situação, base fundamental
dum comportamento inteligente, permitindo consequentemente, a tomada
de consciência dos novos aspectos que a variabilidade das situações em
si encerram.
Todavia, isto não significa que a execução destas acções escapam à
consciência, pois logo após a sua realização, e a todo o momento o
atleta/jogador poderá tomar consciência das acções executadas e
relembrar todas as fases pelo qual este processo passou, fundamentando-
se essencialmente na estreita coordenação da componente quinestésica.
Neste contexto, as acções automáticas apresentam um encadeamento e
uma estrutura imutável, sendo caracterizadas pela segurança, precisão e
rapidez de execução. Estas acções são meios fundamentais para a
resolução das situações competitivas que se reproduzem frequentemente.
Contudo, estas acções são também meios para a resolução de situações
mais complexas, sendo parte importante das acções sensório-motoras e
das acções resultantes da acção mental criadora.

É evidente que as combinações tácticas colectivas (observadas


especialmente nos jogos desportivos colectivos) mais complexas têm
igualmente um carácter automático. No entanto, estes devem ser
utilizados, não de uma forma esquemática e imutável, mas sim
adaptadamente em função da variabilidade das situações de jogo. Estas
combinações serão condenadas ao fracasso se forem realizadas sob um
fundo totalmente automático (em termos individuais ou colectivos), se
não tiverem em conta as diferentes condicionantes da situação de jogo,
que por si exigirá outro tipo de resposta. Para isso, necessitará, fruto da
reflexão de uma maior elaboração dos processos mentais subjacentes à
eficácia da resposta. De igual modo, as combinações e as movimentações
estereotipadas da equipa, não são utilizadas preponderantemente para a
criação de desequilíbrios organizativos da equipa adversária, mas sim
226 • Metodologia do treino desportivo I !

para preparar a realização de acções colectivas cuja sua previsão


(situação favorável) e a sua exploração permanece ligada ao pensamento
táctico criador dos jogadores e à sua iniciativa, mesmo quando se fazem
a partir de situações fixas.

7.2.2. As acções sensório-motoras

As acções sensório-motoras representam simples soluções válidas para


numerosas situações fazendo apelo a técnicas complexas caracterizadas
pela sua estreita ligação à componente quinestésica. Estas acções são
igualmente elementos das acções tácticas complexas, cujos seus
elementos contêm uma curta amplitude e variabilidade, a importância da
sua componente intelectual (pensamento) e motora (execução) faz delas
técnicas complexas de adaptação e de utilização em situações concretas
face ao problema. Caracterizam-se por uma "antecipação" intelectual da
acção motora, apresentando diferenças qualitativas que vai desde a
simples "antecipação" da trajectória da bola até à "antecipação" das
acções dos adversários, mas mantém-se sempre, no domínio dos dados
imediatos (curto prazo). Em termos comparativos, as acções inteiramente
automatizadas não necessitam de nenhuma "antecipação intelectual", elas
só precisam dum simples estímulo para se iniciarem, por meio de um
qualquer receptor.

Neste sentido, comportam processos mentais mais ou menos elementares,


segundo a complexidade do problema. Este pensamento concreto e
imediato é já uma forma de pensamento táctico. As técnicas complexas
resultam do aperfeiçoamento da observação (associações, actualização
do conhecimento), assim como de aptidão motora, vê-se então diminuir o
nível de consciência da acção. A importância do pensamento concreto
imediato, e a duração entre a percepção da situação e a acção motora.
" Estudo do factor táctico desportivo • 227

Com efeito, a maior parte das acções na competição são sensório-


motoras Rubinstein (1962), refere que "há problemas para a solução dos
quais a situação em si próprio já dá todos os dados úteis. Neste caso os
problemas mecânicos mais simples que não pedem senão um cálculo das
relações espaciais e mecânicas exteriores elementares. É então que
intervém aquilo que se convencionou chamar de inteligência sensório-
motora na inteligência agindo a partir do sensível imediato. Para
resolver estes problemas, basta, pôr de novo em relação uns com os
outros, os dados imediatos e repensar outra vez a situação".

Concluindo, o nível destas acções dependem essencialmente da


amplitude e da qualidade da percepção, da aptidão intelectual e motora
dos conhecimentos, e das qualidades das ligações às suas componentes
sensoriais e motoras. Os automatismos e as acções sensório-motoras
constituem os elementos e as ligações mais importantes das acções que
são fruto dum pensamento produtor.

7.2.3. A forma superior do acto táctico

A forma superior do acto táctico caracteriza-se pela importância da sua


componente intelectual, isto é, por um pensamento autónomo. Para
Hiebsch, o pensamento criador caracteriza-se essencialmente por uma
aproximação judiciosa: de um problema, de uma solução, e pelo
aparecimento de uma nova forma de conhecimento que ultrapasse as suas
condições subjectivas à partida. Neste sentido, as acções competitivas
são o ponto de partida e o resultado do pensamento táctico.

Com efeito, tal como refere Rubinstein (1962), "a solução das situações
implica em geral o recurso a certos princípios que se deduzem de
conhecimentos pré-existentes para resolver o problema". A utilização de
regras compreende duas operações mentais distintas:
228 • Metodologia do treino desportivo I !

a primeira que é a mais difícil na maior parte das vezes, consiste em


determinar a que regra é necessário recorrer para resolver o problema
levantado; e,
a segunda diz respeito à aplicação de uma determinada regra, às
condições particulares do problema a resolver.

Poulain (1965), refere que "os princípios tácticos de base, são durante o
jogo as ligações comuns de todos os espíritos, estabelecendo os pontos
de referência sobre os quais a imaginação, o génio deverão apoiar-se
para elevar o nível do jogo". No mesmo sentido, Frantz (1964), salienta
"a importância de se transmitir aos jogadores as bases comuns para que
eles falem a mesma "língua" permitindo exprimirem-se num estilo
diferente". Mialaret (1979) refere que os "princípios são regras de acção
representadas pelo pensamento... e o meio de os jogadores explicarem
racionalmente os seus comportamentos". Para Grehaigne (1992) "são as
condições a respeitar e os elementos a tomar em consideração para que
o comportamento seja eficaz".

Neste contexto, pensamento táctico é também, no que respeita à acção,


um pensamento que recorre com conhecimento de causa a regras tácticas,
para as transpor para a situação concreta, adaptando-as. É um
pensamento que procura soluções concretas, subjectivamente novas. É
fonte de conhecimentos gerais novos (motor do desenvolvimento e do
pensamento criador). As acções tácticas relativamente complexas
comportam operações ou acções parciais sensório-motoras mais ou
menos automatizadas, do mesmo modo que uma componente criadora.
Logo, podemos encontrar-lhe todas as formas de acção descritas.

A escolha da resposta está dependente da interpretação que o


atleta/jogador dá aos índices e que correspondem à tomada de decisão
que dele deriva. Em competição, a escolha da resposta é determinada:
" Estudo do factor táctico desportivo • 229

pela disposição dos elementos no envolvimento;


pela estratégia individual dos atletas/jogadores; e,
pela sua eficácia na execução técnica.

Uma execução eficiente necessita de uma escolha e de uma organização


da resposta que deverá ser não somente adaptada às condições do
envolvimento, mas também imprevisível para os adversários, frustrando a
possibilidade destes poderem prever e antecipar os acontecimentos
subsequentes. Logo, a importância dos princípios (regras) tácticos
consubstancia-se sobre dois valores de ordem interna e externa.

7.2.3.1. Valor interno

O valor interno dos princípios (regras) tácticos radica-se em dois


aspectos fundamentais:
a possibilidade de os atletas/jogadores atingirem rapidamente a
solução táctica para o problema que a situação competitiva em si
encerra. Estes processos operatórios complexos estabelecem os
princípios organizadores das acções dos jogadores
consubstanciando-se:
• na apreciação das velocidades, das distâncias, da
profundidade;
• da estimação dos projectos dos outros (companheiros e
adversários); e
• dos antagonismos ou das convergências.
o facto de se resolver, pela acção, problemas em plena situação
competitiva, leva o jogador a obter conhecimentos subjectivamente
novos. Com efeito, as soluções encontradas fixam-se como
experiências acumuladas, que por sua vez, tornam-se fundamentais
na formulação de novas soluções tácticas, com um maior grau de
230 • Metodologia do treino desportivo I !

eficácia, isto é, constituem-se concomitantemente como elementos


de modificação e comparação.

Uma execução eficiente necessita de uma escolha e de uma


organização da resposta que deverá ser não somente adaptada às
condições do envolvimento, mas também imprevisível para os
adversários, frustrando a possibilidade destes poderem prever e
antecipar os acontecimentos subsequentes.

7.2.3.2. O valor externo

O valor externo dos princípios (regras) tácticos é determinado pelo


estabelecimento dos aspectos relacionados com a comunicação da
equipa, isto é, de uma "linguagem comum" por forma a melhorar a sua
funcionalidade. Com efeito, ao assegurar-se constantemente uma
linguagem comum, ou seja um "código de leitura", contribui-se
claramente para de que os jogadores ao lerem e valorizarem as
situações de jogo, possam imputar-lhes um significado mais ou menos
relevante e homogéneo em função das necessidades para a sua
resolução táctica.

Com efeito, a construção de um conjunto de princípios tácticos


estabelece o quadro de referências, aceites pelo grupo quer no plano
cognitivo, quer no plano afectivo, que orientam o pensamento táctico
dos atletas/jogadores, e consequentemente o comportamento
técnico-táctico com vista à resolução eficiente das diferentes situações
que a competição em si encerra.

Neste contexto, todos os atletas/jogadores, devem consciencializar e


valorizar constantemente, a sua contribuição para o desenvolvimento
eficaz, tanto do processo ofensivo, como do processo defensivo. Isto
" Estudo do factor táctico desportivo • 231

significa, a necessidade de procurem uma cooperação, racionalização


e coerência dinâmica da movimentação da equipa com vista à
concretização dos objectivos definidos. Assim, no plano funcional
(valor externo), os princípios utilizados durante a competição devem
permitir a comunicação dentro do colectivo, considerando: i) a
situação competitiva (compreendê-la), e, ii) a sua evolução (prevê-la).

Concluindo, os princípios tácticos de resolução das situações


competitivas, são uma construção teórica e um instrumento operatório
que orienta um certo número de comportamentos dos
atletas/jogadores, representando assim uma fonte que permite agir
sobre a realidade competitiva. As suas principais características são:
serem conscientes;
serem simples;
possuírem um certo grau de generalização;
concorrerem na planificação, selecção e execução da acção em
relação estreita com os mecanismos motores, sem se confundir com
esta; e,
participarem na explicação da acção.

Interligação das diferentes formas de comportamento táctico

Todas estas formas do acto táctico, não se encontram isoladas umas das
outras na competição, elas constituem antes uma unidade. Diferem entre
si, pelo nível de elaboração mental, ou seja dos processos mentais, logo,
a transição entre cada uma delas faz-se fluidamente sem dificuldade ou
interrupção.

Segundo Mahlo (1966), "a eficiência da solução táctica dum problema


complexo depende da qualidade das três formas de comportamento. Se
os automatismos e as acções sensório-motoras estão pouco
desenvolvidas, não se pode esperar senão um fraco nível táctico, mesmo
232 • Metodologia do treino desportivo I !

que o pensamento táctico-produtor esteja bem desenvolvido. Mas se tal


tipo de pensamento não tiver atingido um desenvolvimento mínimo a
despeito de toda a eventual perfeição dos automatismos e das técnicas
sensório-motoras, não se pode atingir um nível desejável".

A ordem escolhida para representar o processo da solução (parte


automatizada, parte sensório-motora e parte produtivo-mental) não é
senão uma das ordens possíveis no desenrolar das acções complexas. A
ordem inversa também é possível e muito corrente na prática. É
sobretudo a natureza do problema que há que resolver que decide do
momento em que as técnicas intervêm na acção. A figura representada,
pretende demonstrar que a solução mental não é o único factor para uma
actividade adequada. Os automatismos e as técnicas sensório-motoras
são tão importantes para o pensamento táctico como para a acção prática.
São, do mesmo modo que ele, os componentes de uma acção prática
possível, e a mais rápida. Mas é absolutamente decisivo para levar a
efeito durante o jogo acções complicadas, encontrar mentalmente a
melhor solução e o mais rapidamente possível. O pensamento táctico não
pode ser, portanto, só um pensamento produtor, deve também comportar
técnicas mentais (associações e reproduções mentais).

Finalizando, a solução mental do problema de jogo antecipa a solução


motora, e representa, no essencial, a escolha dos processos que permitem
a resolução dos problemas propostos. Estes processos podem ser
combinações gestuais, acções individuais e colectivas, não se tornando
acções tácticas senão quando são utilizadas com um fim próprio.
" Estudo do factor táctico desportivo • 233

a b c

P
P
P

Nível táctico
S S
S
A A A
tempo tempo tempo
A - parte automatizada da acção
S - parte sensória-motora da acção
P - parte produto-mental da acção
Figura 34. Os graus de complexidade das acções (Mahlo, 1966)

7.3. A solução táctica e as respostas técnicas

Representa a solução prática da situação de competição que depende


essencialmente dos mecanismos efectores suportados pelos sistemas
nervosos e musculares. "O aspecto motor da acção, é a parte visível da
actividade, é o resultado de processos psicológicos e psíquicos da
percepção e do pensamento em simultaneidade com as condições interiores
da personalidade, estabelecendo-se assim, entre o sistema motor e o
sistema sensorial (entendida do ponto de vista de uma síntese cognitiva
complexa que comporta a percepção e a solução mental), uma relação
circular, ainda que não se possa dissociar nenhuma das partes" (Mahlo,
1966).

"Na competição os diversos membros da equipa agem ao mesmo tempo mas


de modo diverso. Os factores de unificação de todas as acções particulares
que participam na acção colectiva são a igualdade de objectivo, a
similitude de análise de situação, e de pensamento táctico. De uma forma
ou de outra, o que é importante e fulcral, é que os jogadores exprimam
através das suas atitudes e comportamentos técnico-tácticos individuais e
colectivos um conjunto de ajustamentos espaço-temporáis, reflectindo uma
antecipação e uma eficaz adaptabilidade (plasticidade), a essa presente
situação, como a consonância dessa resposta com os objectivos táctico da
competição ou dos objectivos tácticos da equipa" (Mahlo, 1966).
234 • Metodologia do treino desportivo I !

7.3.1. Um exemplo elucidativo

O futebol actual exige jogadores que tenham a capacidade de executar de


forma eficiente (solucionando os problemas evidenciados pela situação
de jogo), nas condições mais adversas, a grande velocidade desde o início
ao final da partida. Com efeito, a acção motora visível é um elemento em
constante desenvolvimento, pois, os futebolistas modernos são postos
perante um grande número de tarefas muito diversas e complexas em
relação aquelas que se exigiam à 20 anos atrás. As diferenças
consubstanciam-se:
por uma técnica dinâmica; quase todos os comportamentos técnico-
tácticos com bola são executados em movimento;
frequentes mudanças bruscas de direcção e de velocidade;
pressão exercida pelo adversário directo, e por vezes sendo
carregado por este;
aumento da velocidade de precisão e de destreza na execução e,
a acção técnica está sempre associada a uma intenção táctica.
Vejamos esta problemática de uma forma mais concreta. Dos dados da
análise do futebol moderno evidenciamos dois aspectos essenciais:
"reduzido" número de intervenções directas sobre a bola; existem
cerca de 1000 intervenções momentâneas sobre a bola,
consubstanciadas pelos jogadores das duas equipas aquando dos
respectivos processos ofensivos. Não tomando em consideração as
posições dos jogadores dentro do sistema de jogo da equipa, verifica-
se em média 45 a 50 intervenções sobre a bola, por jogo, para cada
jogador; e,
"reduzido" tempo individual de posse de bola; o tempo total de
posse de bola, durante um jogo, para cada jogador, situa-se entre os 45
e os 120 segundos, e a média do tempo de intervenção sobre a bola
não ultrapassa os 2 segundos.
" Estudo do factor táctico desportivo • 235

Nestas circunstâncias, o reduzido número de vezes que os jogadores


intervêm directamente sobre a bola, e o reduzido tempo que têm para
analisar, decidir e executar os seus comportamentos técnico-tácticos,
ressaltam-nos de imediato duas constatações fundamentais:
evidencia-se a necessidade impreterível de o jogador que num certo
momento da partida tem a posse da bola, consciencializar, por um
lado, de que cada intervenção se revista de uma eficiência máxima, e
por outro, a sua execução técnica é a que decide a direcção do jogo, ou
seja, a concretização ou não dos objectivos tácticos do processo
ofensivo da sua equipa. Por outras palavras, em função das
condicionantes que cada situação de jogo em si encerra, cabe ao
jogador optar pelas soluções que permitam de uma forma simultânea,
estando na posse da bola conservá-la e lograr o objectivo do jogo;
dos 90 minutos de jogo somente 55 são utilizados, daqui se infere
(uma vez que cada jogador não tem a posse da bola mais de 2 minutos
- caso extremo) que durante os restantes 58 minutos os jogadores
analisam, decidem e executam os seus comportamentos técnico-
tácticos em função do deslocamento da bola, dos companheiros e dos
adversários. Neste contexto, podemos afirmar, que a organização da
equipa deve permitir que, quando um jogador recebe a bola, deve
receber igualmente e de uma forma imediata por parte dos seus
companheiros acções de cobertura, e de apoio, para que lhe possam
dar várias opções de solução técnico-táctica, e consequentemente
tornar mais fácil a sua tarefa. Assim, o comportamento técnico-táctico
observado para a resolução táctica da situação de jogo, deverá resultar
da mútua responsabilidade do jogador de posse de bola, e dos seus
companheiros.

De uma forma ou de outra, o que é importante e fulcral, é que os


jogadores exprimam através das suas atitudes e comportamentos técnico-
tácticos individuais e colectivos um conjunto de ajustamentos espaço-
236 • Metodologia do treino desportivo I !

temporáis, reflectindo uma antecipação e uma eficaz adaptabilidade


(plasticidade), a essa presente situação, como a consonância dessa
resposta com os objectivos do jogo ou dos objectivos tácticos da equipa.
Fases Percepção Decisão Execução
Interpretação Memória

Processos - Intensão - Análise - Processos Interpretação Armazenamen


que se - Antecipação - Elaboração psico-fisioló- da execução to na memória
desenvolvem - Observação da informa- gicos comparando do resultado
- Recepção ção -Vias aferentes com os valo- da acção ba-
da Pensamento: e aferentes res deve seado na aná-
informação a)associativo - Receptoras ser/foi lise deve
através dos b)reprodutivo para receber e ser/foi
orgãos dos c)creativo retransmitir as
sentidos d)programação informações
motora
e)antecipação
ao adversár.

Capacidades - Capacidades - Capacidades Capacidades Memória de Memória de


que se perceptivas: intelectuais físicas gerais curto prazo longo prazo
desenvolvem a)Observação - personalida- e específicas
b)Análise e de - resistência
calculos mot. - capacidade - força
c)Visão perifé- cognitiva da - velocidade
rica acção táctica - coordenação
d) Identifica- - capacidade Capacidades
ção da situação de comparação técnico-tácti-
e)Diferencia- dos vários cas- acções de
ção pensamentos jogo

Figura 35. Os processos e as capacidades intrínsecas do comportamento táctico


(segundo Greco, 1989)
Concluindo, a qualidade da solução motora não depende só da percepção e
análise da situação, e do pensamento táctico, depende também, e
largamente, das possibilidades funcionais humanas do organismo, das
qualidades físicas, como a força, a velocidade, a resistência, a agilidade, e
isto porque, as qualidades físicas e as técnicas motoras constituem uma
unidade dialéctica.

8. As diferentes fases do processo de aprendizagem da táctica desportiva

O ensino da táctica desportiva implica uma metodologia adequada em que é


necessário conhecer e reconhecer nos praticantes as características dos estádios
normalmente percorridos por estes até atingirem a eficácia técnico-táctica.
" Estudo do factor táctico desportivo • 237

Konzag (1983), estabelece quatro fases fundamentais da aprendizagem e


aperfeiçoamento da táctica desportiva: i) aprendizagem e aperfeiçoamento das
habilidades motoras inerentes à modalidade desportiva (que engloba a
aprendizagem dos elementos técnicos e a sua consolidação), ii) aprendizagem,
estabilização e aperfeiçoamento das acções técnico-tácticas determinadas pelas
situações competitivas, iii) desenvolvimento, estabilização e aperfeiçoamento
da capacidade competitiva global (que engloba situações competitivas em
condições facilitadas, em condições próximas da competição e em condições
mais difíceis do que as colocadas pela realidade competitiva) e, iv) utilização e
aperfeiçoamento da capacidade competitiva global em competições oficiais. O
mesmo autor (1983) salienta que a formação táctica desportiva dos praticantes
todas estas fases são aplicadas no tempo, tanto de um modo sequencial como
em simultâneo, através de uma escolha adequada dos exercícios e dos métodos
de treino a utilizar, bem como da sua aplicação prática.

8.1. 1ª. Fase: aprendizagem e aperfeiçoamento das habilidades motoras inerentes à


modalidade desportiva

Esta fase exige a aprendizagem motora na sequência dos movimentos


individuais e colectivos tanto na sua forma global como nas suas
componentes mais pormenorizadas e ainda a estabilização da coordenação
fina e a sua adaptação às condições que se alteram face às seguintes
modificações:
variação do "tempo", dos movimentos, das distâncias, lateralidade,
etc.;
diferentes combinações entre os vários elementos técnicos e as suas
variantes de execução;
238 • Metodologia do treino desportivo I !

coordenação e sincronização no espaço e no tempo, em função dos


movimentos próprios e dos companheiros da equipa; e,
aumento do nível de solicitação colocada aos atletas/jogadores do
ponto de vista coordenativo, condicional e psicológico.

8.1.1. Aprendizagem dos elementos técnicos desportivos

A aprendizagem de um novo elemento técnico desportivo, o treinador


deve atender, entre outros, aos seguintes aspectos metodológicos:
deve começar por dar ao atleta/jogador uma representação do gesto
técnico desportivo o mais exacto possível, recorrendo-se tanto à
exemplificação como da explicação verbal;
verificar e utilizar exercícios preparatórios (propedêuticos) de modo
a facilitar o processo de aprendizagem, isto é, por uma execução
global ou decomposto em função dos pontos-chave do exercício;
o exercício técnico deve decorrer de forma que os atletas/jogadores
se concentrem inicialmente na execução motora do elemento técnico
considerado, sem a necessidade de se fazer opções restritas do ponto
de vista táctico;
os atletas/jogadores deverão exercitar os elementos técnicos através
de exercícios relativamente estáveis, isto é, em condições quase
sempre constantes (fixas);
recorrer a frequentes e sistemáticas repetições quer nos exercícios
em condições pré-determinadas quer em condições de permanente
alteração.
" Estudo do factor táctico desportivo • 239

Elaboração dos
elementos técnicos

Criação de uma representação


do movimento

Exercícios Condições
preliminares facilitadas

Forma básica

Da posição Em movimento
de parado correr/saltar

Consolidação dos elementos técnicos


sem a oposição do adversário

Ligação da forma básica Consolidação da forma de


Variações da forma básica
com outros elementos: base em condições:
- "tempo" do movimento
- elementos de ligação - após ou em simultâneo
- distância
antes da forma de base com umaelevada carga física
- direcção do movimento
- elementos de ligação - com elevadas solicitações
- lateralidade
depois da forma de base coordenativas
- com carga psíquica
- solicitações para além das
exigidas pela competição
Figura 36. Sucessão metodológica para o desenvolvimento das habilidades motoras
de uma dada modalidade desportiva (Konzag, 1983)

8.1.2. Consolidação dos elementos técnicos desportivos

Depois de ter sido aprendido a forma global dos elementos técnicos da


modalidade desportiva, estes deverão ser exercitados tomando em
consideração os seguintes aspectos metodológicos:
os vários elementos técnicos deverão ser executados de modo
diferenciado começando por fazê-lo sem oposição do adversário e
depois em combinação com outros elementos técnicos;
aumentar a velocidade, variar distâncias, direcções e diferenciando
a utilização de qualquer dos membros inferior ou superior (direito ou
esquerdo);
240 • Metodologia do treino desportivo I !

combinar de forma padronizada do movimento com outros gestos


técnicos que podem ser incluídos no início ou no final da respectiva
execução; e,
criar condições de maior complexidade colocando maiores
exigências ao nível da componente condicional, coordenativa e
psicológica.

8.2. 2ª. Fase: aprendizagem, estabilização e aperfeiçoamento das acções


técnico-tácticas determinadas pelas situações competitivas

O objectivo principal desta segunda fase de aprendizagem, estabilização e


aperfeiçoamento da formação táctica desportiva dos atletas/jogadores é o
desenvolvimento:
da capacidade de decisão táctica sob a forma de escolha de programas
de acção baseado em percepções e antecipações correctas da situação; e,
a estabilidade da execução das acções motoras adequadas à situação
em condições ainda simplificadas relativamente ao que se exige em
competição.

Neste contexto, para se atingir os objectivos anteriormente referidos há que


atender aos seguintes pressupostos metodológicos:
a presença de oposição que exige a tomada de decisões tácticas;
situações competitivas construidas com poucos (relativas) alternativas
de solução táctica;
formas muito próximas da competição, por exemplo sobre uma baliza,
sobre um dos cestos, etc., durante o qual os praticantes são colocados
perante tarefas técnico-tácticas mais diversificadas devendo estes
aprenderem a reconhecer ou a criar a possibilidade de utilizar outras
acções tácticas; e,
modificar a relação numérica podendo ser superior, igual ou inferior e
da relação do espaço de acção dos praticantes (maior ou menor).
8.3. 3ª. Fase: desenvolvimento, estabilização e aperfeiçoamento da capacidade
competitiva global
" Estudo do factor táctico desportivo • 241

O objectivo fundamental desta terceira fase da formação da táctica


desportiva é o desenvolvimento da capacidade competitiva global através da
própria competição aperfeiçoando comportamentos adequados.

A verdadeira capacidade competitiva é o resultado da interacção racional


entre os factores técnico, táctico, físico e psicológico e a sua utilização na
competição propriamente dita. Esta fase tem uma importância chave em
todo o processo de formação táctica dos atletas/jogadores durante o qual se
utiliza meios de treino que enquadram: i) situações competitivas em
condições facilitadas, ii) em condições próximas da competição e, iii) em
condições mais difíceis do que as colocadas pela realidade competitiva.

8.3.1. Situações competitivas em treino sob condições facilitadas

Nesta vertente da formação táctica desportiva, o treinador deverá atender


aos seguintes aspectos metodológicos:
introduzir a competição sobre duas balizas ou sobre dois cestos
recorrendo-se a pequenas competições preparatórias e formas lúdicas
competitivas;
referir apenas algumas regras principais da modalidade desportiva e
deduzir o tempo de competição;
criar algumas facilidades que correspondam à idade e à experiência
dos praticantes (por exemplo: bolas mais leves ou mais pequenas,
espaço reduzido, menor número de praticantes, rede mais baixa, cestos
mais baixos, etc;
inicialmente faz-se apelo apenas às capacidades técnicas de base;
em relação à componente táctica dominam as acções tácticas
individuais e as combinações tácticas colectivas simples.

8.3.2. Situações competitivas em treino sob condições próximas da competição


242 • Metodologia do treino desportivo I !

Nesta vertente da formação táctica desportiva, o treinador deverá atender


aos seguintes aspectos metodológicos:
dever-se-à aumentar as exigências que se colocam aos praticantes
de competição para competição;
paralelamente à realização da aprendizagem técnico-táctica vai-se
melhorando quer o repertório técnico quer a qualidade da sua
execução motora;
é importante que os praticantes tenham as oportunidades suficientes
para poderem aplicar os elementos técnicos aprendidos;
o treinador deverá interromper a competição quando julgar
oportuno chamando à atenção e clarificando determinadas soluções no
plano táctico;
procurar ampliar os conhecimentos aplicando novos método
ofensivos e defensivos em função das concepções tácticas do treinador
e dos adversários.
Desenvolvimento das capacidades de avaliação da situação de competição,
de escolha táctica dos programas e dos objectivos de acção correspondentes
ao fim visado e as execuções motoras adequadas às situações com oposição
semi-activa e activa dos adversários em situações simplificadas

Em situações construídas 2ª fase

Situações de jogo prédeterminadas Adversário semi-activo


escolha entre duas alternativas adversário activo

Situações de jogo prédeterminadas Adversário semi-activo


escolha entre três ou mais alternativas adversário activo

Formas semelhantes à competição 3ª fase

Reconhecer e utilizar tacticamente


situações expeditas para a solução
Adversário activo
Criação consciente de situações
expeditas para a solução

Utilização da capacidade nas competições oficiais 4ª fase

Figura 37. Sucessão metodológica para o desenvolvimento de acções técnico-tácticas


condicionadas por uma dada situação (Konzag, 1983)
8.3.3. Situações competitivas em treino sob condições mais difíceis do que as
colocadas pela realidade competitiva
" Estudo do factor táctico desportivo • 243

Nesta vertente da formação táctica desportiva dos atletas/jogadores


dever-se-à incluir competições completas ou parciais cujas condições
sejam temporariamente mais difíceis e exigentes do que aquelas que são
colocadas pela competição. Estas condições podem ser consubstanciadas
através do aumento da dificuldade quer no plano físico, técnico, táctico
ou psicológico. Todavia, o aumento da exigência apenas sobre um destes
factores os restantes são de imediato influenciados, aumentando
igualmente o nível de solicitação que se colocam aos praticantes.

8.4. 4ª. Fase: utilização e aperfeiçoamento da capacidade competitiva global em


competições oficiais

O objectivo fundamental desta quarta fase da formação da táctica desportiva


é a utilização e o aperfeiçoamento da capacidade competitiva durante a
competições oficiais. Com efeito, a competição é o objectivo final de todos
os esforços dos atletas/jogadores. Estes devem demonstrar até que ponto são
capazes em condições de competição, as suas capacidades técnicas e
tácticas apreendidas e consolidadas durante a preparação.

Nestas circunstâncias, a competição oficial põe as maiores exigências ao


nível das várias capacidades, bem como da sua integração, permitindo
realizar plenamente as potencialidades educativas e formativas inerentes às
diferentes modalidades desportivas. Por último, a competição deverá ser
avaliada para se poder retirar as consequências que vão influenciar
posteriormente o processo de treino.

9. Princípios metodológicos da formação táctica desportiva


244 • Metodologia do treino desportivo I !

Perante o caudal de situações-problema provocado pela situação real de jogo,


os jogadores e as equipas têm como motivação principal a sua resolução, tendo
em vista a obtenção dos melhores resultados possíveis. Para que tal seja
alcançado de um modo rentável e pedagogicamente correcto, impõe-se:
uma formação elementar, através de:
o desenvolvimento das qualidades físicas.
a educação das qualidades psicocaracteriais de personalidade
(vontade, disciplina, espírito colectivo).
a formação das técnicas motoras (técnicas elementares e capacidades
técnicas).
a aprendizagem das regras de jogo.
uma formação das capacidades tácticas, através de:
a educação do poder de observação (amplitude visual, cálculos
óptico-motores, atenção);
a formação do pensamento táctico, a aquisição de conhecimentos
tácticos (regras, princípios e conceitos fundamentais, soluções
individuais e colectivas possíveis);
• o pensamento táctico criador (a aquisição activa de conhecimentos);
• o «transfert» de conhecimentos tácticos para situações análogas;
• o pensamento táctico reproduzível - a fixação dos conhecimentos
por actualização dos conhecimentos;
• as associações mentais (actualização associativa dos
conhecimentos);
o desenvolvimento das técnicas sensório-motoras (reforço das acções
úteis);
• as acções reactivas indirectas (percepção-motricidade);
• as técnicas tácticas individuais (estereótipos dinâmicos
associativos);
• as técnicas tácticas colectivas (estereótipos dinâmicos associativos);
" Estudo do factor táctico desportivo • 245

a aprendizagem do acto táctico criador individual, ou colectivo, a


partir de conhecimentos sólidos e de técnicas tácticas (variação criadora).
Konzag (1983) estabelece quatro princípios metodológicos fundamentais no
treino da táctica desportiva:
criar pressupostos de desenvolvimento das capacidades condicionais, das
aptidões técnico-tácticas, das qualidades psicológicas e a sua respectiva
utilização durante a competição. Este princípio deverá ser dirigido de forma
consciente, no sentido de se aumentar sistematicamente as várias exigências
da situação;
o desenvolvimento da capacidade de resolução das diferentes situações
competitivas deve surgir da prática (treino) dessas mesmas situações
concretas (especificidade) diminuindo ou aumentando (progressão
pedagógica) a complexidade destas face às condições reais da competição
(identidade);
o objectivo final da formação táctica desportiva dos atletas/jogadores é a
utilização durante a competição de todas as suas capacidades técnicas,
físicas e psicológicas que serão tanto mais eficazes quanto melhor ter sido
possível desenvolver e consolidar as várias componentes que fazem parte da
prestação em formas semelhantes à competição; e por último,
a formação técnico-táctica dos jogadores assumem na didáctica dos jogos
desportivos colectivos uma posição central, pois é a partir desta que se
treina e estimula as restantes capacidades e não ao contrário porque é
impossível.

A preparação táctica desportiva (para Mahlo, 1966) deve obedecer a um


conjunto de princípios metodológicos: i) princípio da sistematização, ii)
princípio do carácter alternativo, iii) princípio da unidade da formação táctica
elementar e da formação táctica complexa, iv) princípio da formação táctica
individual e da formação táctica colectiva, v) princípio da unidade da formação
táctica teórica e da formação táctica prática e, vi) princípio da síntese óptima
indutiva e dedutiva.
246 • Metodologia do treino desportivo I !

9.1. Princípio da sistematização

Ressalta da análise do comportamento táctico das diferentes modalidades


desportivas na actualidade, o facto deste ser um processo com um elevado
grau de complexidade e de especificidade. Neste sentido, a preparação
táctica eficaz e integral dos praticantes (individualmente) quer das equipas
(colectivamente) passa de forma inapelável pelo estabelecimento de uma
sistematização dos meios e dos métodos indicados para a sua consecução.

Com efeito, o processo ensino/aprendizagem do factor táctico dos


praticantes durante o decorrer da efectivação dos exercícios de treino e
consequentemente da unidade de treino os quais deverão ser construidos
numa temporalidade, segundo uma ordem que corresponde à lógica da
matéria considerada, numa relação estreita com o conteúdo técnico e físico
do tema de treino que se aborda. Esta é a condição básica essencial para a
eficiência do processo de preparação táctica.

Se tomarmos em consideração especificamente os desportos colectivos em


que a organização do jogo (sistema e método) das equipas têm de passar
pela construção de exercícios de treino que estabeçam tácticas individuais e
tácticas colectivas, facilmente chegamos à conclusão de quanto é importante
à definição de objectivos coerentes com o nível de elaboração que
pretendemos atingir com a equipa.

9.2. Princípio do carácter alternativo


" Estudo do factor táctico desportivo • 247

A preparação táctica deve consubstanciar um carácter alternativo, através do


qual se estabelece (segundo Mahlo, 1966):
pela programação do conteúdo táctico;
pela elaboração de concepções tácticas alternativas;
pela efectivação prática dos seguintes aspectos:
fazer compreender aos praticantes a importância do carácter
alternativo da preparação táctica, através da resolução de diferentes
situações competitivas, para as quais a observação e o pensamento
táctico têm um papel preponderante;
formulando paralelamente os meios;
formulando as acções tácticas e as respectivas variantes; e,
utilização destas acções em condições semelhantes à competição;
pela efectivação teórica dos seguintes aspectos:
transmitindo princípios e conhecimentos tácticos sistematizados
que correspondam às situações competitivas (diferentes alternativas
para a sua resolução);
desenvolvendo prioritariamente o pensamento táctico criador
levando os praticantes a participar na resolução das situações postas
pelo treino e pela competição (fazê-los participar na preparação táctica
da competição e na análise critica depois da sua realização).

Neste contexto, o carácter alternativo da preparação táctica visa habilitar os


praticantes de uma bagagem múltipla de respostas perante os problemas
postos pelas situações competitivas, através de exercícios de treino que
consubstanciam situações sob a forma de problemas. A resolução destas
passa inapelável e basicamente pela eficaz observação (percepção), e
pensamento táctico criador (solução mental) como aspectos prioritários na
construção desses exercícios para o tema em causa.

Embora seja importante, elaborar e programar comportamentos (respostas)


tácticas esteriotipados, constituindo-se fundamentalmente como ponto de
248 • Metodologia do treino desportivo I !

referência, através dos quais se desenvolve conscientemente todas as outras.


Importa no entanto evitar-se, a apropriação mecânica por parte dos
praticantes e das equipas, de acções tácticas que na maior parte das
situações se apresentam inadequadas às soluções justas devido à grande
variabilidade do contexto competitivo característico de um grande número
de modalidades desportivas.
9.3. Princípio da unidade da formação táctica elementar e da formação táctica
complexa

A formação das capacidades tácticas não pode ser somente entendida nem
limitada no seu desenvolvimento ao conjunto de capacidades relativas
apenas ao pensamento táctico e aos conhecimentos tácticos. Esta deverá
englobar igualmente todas as outras componentes representativas da
actividade, isto é, os aspectos psicomotores, sensoriais, ou psicocaracteriais.
Com efeito, um processo coerente e integral das capacidades tácticas deverá
assentar numa formação complexa que desenvolve todas as outras
componentes da actividade. A construção e programação dos exercícios de
treino para a aprendizagem táctica, num contexto técnico, e físico, deverá
corresponder sempre à concepção de praticante ou de equipa atingir no
futuro (curto, médio, e longo prazo), e ao nível de evolução momentânea
dos praticantes ou da equipa (no presente).

Estabelecendo-se exercícios mais simples, no plano informacional, e


energético, mas que não desvirtuam a natureza (essência) da modalidade
competitiva em causa, sendo assim possível, uma actividade cujas
condições de prática se assemelham, correspondendo á competição,
devendo os praticantes e as equipas adaptar-se continuamente à diversidade
e multiplicidade das situações que se traduziram num repertório de respostas
tácticas e motoras variáveis.

No entanto, isto não significa que não se encontrem outros exercícios de


treino complementares (subsidiários) que têm como objectivo essencial, por
um lado, colmatar possíveis insuficiências que um processo de treino desta
" Estudo do factor táctico desportivo • 249

natureza possa representar, como, por outro lado, potencializar certos


comportamentos da actividade que devido à sua especificidade deverão ser
programados e executados de forma "isolada" (por exemplo: velocidade de
reacção, cálculos óptico-motores, etc.). Todavia, é por demais importante
concorrer sistematicamente para a elaboração de exercícios cuja integridade
dos factores seja uma realidade.
9.4. Princípio da formação táctica individual e da formação táctica colectiva

A argumentação teórica de base do princípio da formação táctica individual


e da formação táctica colectiva, consubstancia-se na formação de três níveis
diferenciados de acção (comportamento) táctico, que mantém estreitas
correlações. Com efeito, os comportamentos tácticos individuais (sistemas
elementares) representam os elementos constitutivos do jogo, cuja ligação
temporária estabelece acções tácticas de grupo (sistemas parciais) que
estabelecem novas qualidades comportamentais. O comportamento táctico
de equipa (sistema integral) funciona por intermédio dos sistemas
elementares e dos parciais que agem de forma temporal, associados ou
isoladamente uns aos outros. Neste contexto, para que qualquer um dos
sistemas possa funcionar necessita da ligação (temporária) dos outros
sistemas. Todavia, é o sistema integral (equipa) que determina o conteúdo, o
funcionamento, e a efectividade destas infra-estruturas.

Importa igualmente referir, que a cada um dos níveis tácticos enunciados


corresponde dispositivos de regulação (devido aos estados eventuais de
perturbação provocados pelos adversários) que são dependentes da
qualidade das diferentes alternativas de resposta aos problemas criados
pelas situações competitivas. Isto significa, que embora os sistemas
elementares, parciais e integrais se apresentam em qualquer nível de
organização de uma equipa, por exemplo, as interrelações que estas
estabelecem evidenciam diferentes qualidades. As quais, consequentemente,
fundamentam diferentes níveis de rendimento competitivo.
250 • Metodologia do treino desportivo I !

Partindo desta teoria de base, este princípio preconiza:


as capacidades tácticas devem ser adquiridas por etapas,
correspondendo a cada uma das qualidades tácticas individuais, das
qualidades tácticas de grupo, e das qualidades tácticas de equipa;
desenvolvimento de acções reguladoras (alternativas/adaptativas) para
cada sistema (elementares, parciais, e integrais), a coordenação destas
acções em situações em que todo o sistema é posto à prova (competição);
e,
integração sistemática e aprendizagem táctica teórica no processo de
formação alternativo das qualidades tácticas individuais, de grupo, ou da
equipa.

9.5. Princípio da unidade da formação táctica teórica e da formação táctica prática

A formação táctica teórica é entendida como os exercícios que não


mobilizam a actividade motora, mas sim a palavra ou meios de
representação abstracta. É dirigido para educar e desenvolver especialmente
o pensamento táctico e a incultar, reforçar e sistematizar os conhecimentos
tácticos.

A formação táctica prática representa o objectivo último do praticante na


sua acção prática, objectivando assim as capacidades de acção elementar e
complexa, na resolução das diferentes situações competitivas.

Entre a formação táctica teórica e a formação táctica prática deverá


estabelecer-se uma estreita interligação e unidade através da sua intrínseca
complementaridade, obrigatoriamente existente entre estes dois tipos de
formação táctica para que tenham uma certa coerência e continuidade. Neste
contexto, é necessário:
" Estudo do factor táctico desportivo • 251

a formação táctica teórica precede a formação táctica prática


relacionada com o mesmo aspecto táctico;
os conhecimento teóricos não devem ultrapassar em muito aquilo que
pode ser aplicado na prática (o efeito pode ser negativo);
os conhecimentos teóricos sejam reforçados (através de actualização)
e sistematizados quando a sua utilização no exercício de treino não é
possível.
9.6. Princípio da síntese óptima indutiva e da dedutiva

A formação táctica dos praticantes deve comportar um grande equilíbrio,


entre as soluções previamente preparadas no treino (da responsabilidade do
treinador - indutiva), e a capacidade dos praticantes e da equipa criarem
(dedução) conscientemente, as soluções necessárias, face às acções adversas
criadas pelos adversários.

Com efeito, a duplicidade da formação táctica dos praticantes e das equipas,


passa por um lado, pela importância e necessidade de existir um conjunto de
acções treinadas sistematicamente, por outro lado, é fundamental
desenvolver o aspecto criador intrínseco aos praticantes e às equipas, o qual
é, muitas vezes, determinante no resultado competitivo final.

Este princípio toma a sua real dimensão ao nível dos jogos desportivos
colectivos, nos quais não é possível para o treinador, elaborar, sistematizar,
programar, e treinar todas as situações de jogo, possível de ocorrer durante a
competição, devido ao carácter diferenciado e variável que os contextos da
situação poderão assumir.

Nestas circunstâncias, a formação táctica dos jogadores de uma equipa na


aprendizagem, aperfeiçoamento, ou desenvolvimento, de um tema particular
(por exemplo: contra-ataque, ataque organizado, etc., ou defesa individual,
defesa zona, etc.), deverá passar incondicionalmente pela aplicação das
252 • Metodologia do treino desportivo I !

características que lhe são adstritas, dos princípios (linhas orientadoras do


comportamento táctico), e dos factores (meios técnicos de resolução das
situações). A partir desta base racional (linguagem comum entre os
jogadores da mesma equipa), dever-se-à dar a possibilidade e a liberdade
aos jogadores de efectuarem um conjunto de adaptações em função dos
comportamentos (perturbações) dos adversários, criando-se determinadas
alternativas (regulações) dependendo do grau de êxito que a equipa obtenha.
Podemos assim concluir que, em termos de preparação táctica "os jogadores
vêem crescer a sua capacidade de organizar racionalmente o seu jogo, à
medida que desenvolvem as suas capacidades motoras e sensório-motoras,
o seu pensamento táctico e os seus conhecimentos tácticos".

Entende-se por conhecimentos tácticos:


os conhecimentos das regras das diferentes modalidades desportivas, e
a sua utilização óptimal para a resolução dos problemas tácticos;
conhecimentos dos sistemas e métodos de jogo e das suas variantes,
bem como das medidas mais eficazes a tomar no sentido de rentabilizar
esses sistemas no confronto com os do adversário;
domínio dos conceitos técnico-tácticos fundamentais;
o conhecimento das relações recíprocas entre preparação condicional
(física), volitiva (vontade), e técnico-táctica; e,
conhecimento teórico dos processos perceptivos, de análise das
situações de jogo e das soluções mentais.
" Estudo do factor táctico desportivo • 253

w
PARTE IV

OS FACTORES DE TREINO DESPORTIVO

Capítulo 3

Estudo do factor físico desportivo


Secção A - Estudo sobre a força muscular

Resp: Pedro Mil-Homens


252 • Metodologia do treino desportivo I !

Conteúdo da Secção A do Capítulo 3 da Parte IV

Neste Secção estudaremos o factor físico desportivo no plano da força


muscular qualidade fundamental para a obtenção de um elevado
resultado desportivo. Com efeito, a força representa a capacidade de
vencer uma resistência dependendo essencialmente da contracção
muscular. Neste contexto, incidiremos a nossa reflexão sobre os
factores condicionantes da capacidade de produção da força (nervosos,
musculares e biomecânicos), as componentes e formas de manifestação
da força muscular (máxima, rápida e resistente) e os métodos de treino
da força (máximais, submaximais, mistos, reactivos e resistentes).

Metodologia do treino desportivo I


Conteúdo Programático

Conceitos do treino Planeamento Planeamento do Parte V


Parte I desportivo Conceptual treino desportivo

Planeamento
Estratégico
Factores do rendi-
Parte II mento desportivo
Planeamento
Táctico

Parte III O exercício de trei-


no desportivo
Fundamentos do
exercício de treino Estrutura do
Microestrutura Parte VI
processo de treino
Bases conceptuais
exercício de treino
Mesoestrutura

Bases de aplicação
exercício de treino Macroestrutura

Bases de eficácia
exercício de treino
Período Periodizacão do Parte VII
Preparatório treino desportivo

Parte IV Factores do treino O factor técnico Período


desportivo desportivo Competitivo

O factor táctico Período


desportivo Transitório

O factor físico Estudo sobre


desportivo a força O controlo do
treino desportivo Parte VIII
Estudo sobre
a resistência

Estudo sobre
a velocidade

Estudo sobre
a flexibilidade

O treinador
perfil e competências
Parte IX
Organigrama 10
Parte IV
" Estudo do factor físico desportivo - Força • 253

Os factores de treino
Sumário
Capítulo 3 - Estudo sobre o factor físico desportivo
Secção A - Estudo sobre a força muscular
1. Definição
2. Factores condicionantes da capacidade de produção de força
2.1. Factores nervosos
2.1.1. Factores nervosos Centrais
2.1.1.1. O recrutamento das Unidades Motoras
2.1.1.2. A frequência de activação das unidades motoras
2.1.1.3. A sincronização das unidades motoras
2.1.2. Factores Nervosos Periféricos
2.1.2.1. Fuso neuromuscular (FNM)
2.1.2.2. Orgão Tendinoso de Golgi (OTG)
2.1.2.3. Receptores articulares (RA)
2.1.3. Consequências metodológicas decorrentes dos factores nervosos
2.1.3.1. A coordenação intra e inter-muscular
2.1.3.2. A activação nervosa e as características da dinâmica da carga
2.2. Factores musculares
2.2.1. Fisiológicos e bioquímicos
2.2.1.1. Área da secção transversal do músculo
2.2.1.2. Tipos de fibras musculares
2.2.1.3. Consequências metodológicas decorrentes deste factor
2.2.2. Mecânicos (contracção muscular)
2.2.2.1. Tipos de contracção muscular
2.2.2.2. Relação força-alongamento
2.2.2.3. Relação força-velocidade
2.3.3. Factores biomecânicos
2.3.3.1. A alavanca muscular
2.3.3.2. A alavanca da resistência exterior
2.3.3.3. Tipos de resistências exteriores
3. Componentes e formas de manifestação da força muscular
3.1. Força Máxima
3.1.1. Definição
3.1.2. As componentes da força máxima
3.1.3. A força absoluta, relativa e limite
3.1.4. A relação da força máxima com as outras manifestações de força
3.2. Força Rápida
3.2.1. Definição
3.2.2. As componentes da força rápida
3.2.3. As relações entre Força Máxima e Força Rápida
3.3. Força de Resistência
4. Os Métodos de Treino
4.1. Os Métodos da Hipertrofia Muscular
4.2. Os Métodos da Taxa de Produção de Força
4.3. Os Métodos Mistos
4.4. Os Métodos Reactivos
254 • Metodologia do treino desportivo I !

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" Estudo do factor físico desportivo - Força • 257

1. Definição

Se quisermos procurar uma forma de definir força, só recolheremos alguma


unanimidade de conceitos se a entendermos como característica mecânica do
movimento: força é toda a causa capaz de modificar o estado de repouso ou de
movimento de um corpo, traduzido por um vector. É o produto da massa pela
sua aceleração: F=mxa. Contudo, se pretendermos transferir este conceito
mecânico de força, como entidade física, para definir a força produzida por um
músculo, ele não nos serve para incluir numa mesma definição as diferentes
componentes (formas de manifestação) da força muscular. Assim, é necessário
em primeiro lugar efectuar uma análise estrutural das diferentes formas de
manifestação da força
258 • Metodologia do treino desportivo I !

2. Factores condicionantes da capacidade de produção de força

O primeiro requisito para que o músculo produza trabalho mecânico, e portanto


vença uma qualquer resistência, é que ocorra um estímulo nervoso que
desencadeie o processo de contracção muscular. Esse estímulo, é emanado dos
centros nervosos superiores e constitui um processo voluntário, sendo o
desencadeador da acção muscular. A acção muscular vai inevitavelmente
produzir o alongamento de uns músculos e o encurtamento de outros, o que por
sua vez, irá desencadear a actividade dos receptores musculares e tendinosos,
os quais passarão a desempenhar um papel importante no controlo nervoso a
nível medular. Estamos assim em presença do primeiro grande factor
condicionador da capacidade de produção de força: O factor nervoso.

Contudo, não é indiferente que o músculo ou grupo muscular activado tenha


um maior ou menor volume muscular, constituindo o grau de hipertrofia um
dos factores condicionantes da capacidade de desenvolver força,
particularmente força máxima. Também não será indiferente a composição
muscular do músculo activado, o regime de contracção muscular promovido
(isométrico, concêntrico ou excêntrico), o grau de alongamento muscular ou a
velocidade de contracção. Estes aspectos ilustram o segundo grande factor
condicionador da capacidade de produção de força: O factor muscular. O tipo
de resistência exterior, o grau articular e a alavanca muscular, são outro grupo
de factores - factores biomecânicos - que afectam a produção de força, já que
não é indiferente, por exemplo, desenvolver força contra um peso livre ou
numa máquina de musculação de resistência variável.
" Estudo do factor físico desportivo - Força • 259

Sistema Factores
Nervoso
Nervosos
Central

Comando
Central

Nível
Receptores Medular
Musculares
Factores
Musculares
Activação
das UM

Factores
Biomecânicos

Figura 38. Representação esquemática dos factores condicionadores da produção de força

2.1. Factores nervosos

Se desligarmos os músculos das suas ligações nervosas, estes são incapazes


de se contrair voluntariamente, impossibilitando a realização de qualquer
gesto. É o sistema nervoso central que fornece o estímulo necessário para
que os músculos possam assegurar a dinâmica do aparelho locomotor do ser
humano. Neste sentido, o comando central envia um impulso nervoso a um
determinado grupo muscular (inervação motora), o músculo ao contrair-se
vai solicitar uma informação aos receptores musculares que vão ter
influência na informação de retorno alertando permanentemente o sistema
nervoso central dos estados de tensão e de relaxamento do músculo
(inervação sensitiva). Com efeito, dentro dos factores nervosos que
influenciam a capacidade do músculo produzir força, podemos distinguir
aqueles que derivam do sistema nervoso central, e do sistema nervoso
periférico.
2.1.1. Factores nervosos Centrais

A unidade funcional através da qual o sistema nervoso central (SNC)


controla a regulação dos mecanismos responsáveis pela contracção
muscular, constitui o conceito de unidade motora (UM). Uma UM
consiste, assim, no conjunto formado pelo motoneurónio e pelas fibras
musculares que este inerva. No homem, o número de UM existentes em
260 • Metodologia do treino desportivo I !

cada músculo pode variar entre 100, para os pequenos músculos da mão,
e 1000 ou mais, para os grandes músculos dos membros inferiores. As
diferentes capacidades de produção de força de cada UM constituem uma
das características diferenciadoras dos tipos de UM. No músculo
humano, é possível dizer que a variabilidade relativamente a este
parâmetro, pode discriminar um leque de 100 ou mais tipos de UM com
diferentes capacidades de produção de força. São mais abundantes no
músculo as UM com menores dimensões (menos força) do que as de
grande calibre, sendo admitido que a sua distribuição em termos de
capacidade de produção de força é quase exponencial. O sistema nervoso
central dispõe de três mecanismos fundamentais para regular a
intensidade da contracção muscular: (1) o número de unidades motoras
recrutadas, (2) a frequência de activação das unidades motoras, e (3) a
sincronização da activação das unidades motoras.

2.1.1.1. O recrutamento das Unidades Motoras

Um dos mecanismos de regulação da força produzida pelo músculo é


o recrutamento de UM. Estas UM são recrutadas por ordem crescente
da sua capacidade de produção de força. Este padrão de recrutamento
é conhecido como o principio de Henneman (Henneman et al. 1965).
As UM de menores dimensões possuem limiares de excitabilidade
mais baixos e são recrutadas em primeiro lugar. À medida que as
necessidades de produção de força vão aumentando, as UM de
maiores dimensões vão sendo recrutadas progressivamente. Desta
forma, há uma correlação positiva entre as capacidades de produção
de força das UM e o seu limiar de recrutamento, ou seja, de
excitabilidade. Enquanto este limiar não for alcançado o grupo de
fibras musculares constituinte desta unidade motora permanece sem se
contraír. A partir do momento em que este limiar é alcançado todas as
fibras constituintes se contraem, é a chamada lei do "Tudo ou Nada".
" Estudo do factor físico desportivo - Força • 261

Neste contexto, quando o neurónio envia um influxo nervoso às fibras


musculares pertencentes a uma determinada unidade motora, só pode
ocorrer uma das seguintes duas respostas:
as fibras permanecem descontraidas se a intensidade do estímulo
for inferior ao seu limiar de excitabilidade;
contraem-se com toda a intensidade, se o estímulo for igual ou
superior ao seu limiar de excitabilidade.

Concluindo, perante um estímulo acima do limiar de estimulação a


contracção obtida é sempre máxima. No entanto, esta lei não se aplica
ao músculo como um todo, já que este é constituído por várias
unidades motoras, o que leva a que cada músculo possa desenvolver
forças de intensidades gradativas, podendo ir de uma contracção fraca
a uma contracção forte.

2.1.1.2. A frequência de activação das unidades motoras

A força produzida por uma contracção muscular pode ser aumentada


não só pelo maior número de UM recrutadas, mas também pela
variação da força gerada por cada UM individualmente. Este aumento
de força pode ser conseguido através de uma maior frequência de
activação de cada UM. A frequência de activação das UM está
intimamente relacionada com a velocidade de contracção, o que por si
só, é condição suficiente para que este mecanismo de regulação
nervoso adquira papel predominante no estudo dos factores neurais
que condicionam a capacidade do músculo produzir força.
A figura 39 ilustra de que forma a alteração da frequência de activação
das UM pode influenciar as características de produção de força. O
aumento da frequência de activação das UM permite incrementar a
taxa de produção de força, i.e., o declive da curva de força-tempo.
262 • Metodologia do treino desportivo I !

F F

60 Hz 120 Hz

T T

Figura 39. Representação esquemática da influência da frequência de


activação na curva força-tempo de uma contracção voluntária máxima.

2.1.1.3. A sincronização das unidades motoras

A sincronização de UM pode ser definida como a coincidência


temporal dos impulsos de duas ou mais UM. Um aumento da força de
contracção pode ser obtido através da sincronização dos processos de
somação temporal. A frequência de activação é o processo
responsável pelo controlo da força produzida enquanto que o princípio
de recrutamento é aquele que possibilita o atingir da força máxima
através de mecanismos mais rápidos e mais potentes. Neste sentido,
quanto maior for a capacidade de recrutar simultaneamente, num dado
momento, um elevado número de unidades motoras maior será a força
produzida pelo músculo. A utilização do presente mecanismo parece
só estar ao alcance de praticantes altamente treinados ao nível do
treino da força. Os estudos clássicos de Milner-Brown et al. (1975)
mostraram que halterofilistas possuiam uma maior sincronização no
disparo das UM do que os seus sujeitos controlo. Estes autores,
observaram também, num estudo longitudinal com um reduzido
número de sujeitos (n=4) que, após seis semanas de treino isométrico
do primeiro interósseo dorsal, a um aumento de 20% da força
isométrica máxima estava associado um significativo incremento de
27% da taxa de sincronização de disparo das UM (Milner-Brown et
al., 1975) . Se uma maior sincronização de disparo das UM não
conduz a um aumento da força máxima, poder-se-á admitir que
contribua para um aumento da taxa de produção de força (Sale, 1988).
" Estudo do factor físico desportivo - Força • 263

2.1.2. Factores Nervosos Periféricos

Os factores nervosos periféricos estão associados aos processos de


inervação sensitiva do músculo. Os músculos, tendões e articulações
possuem orgãos sensoriais cuja função principal é veicular as
informações-sensitivas até ao sistema nervoso central. O fuso
neuromuscular, os orgãos tendinosos de Golgi, e os receptores
articulares, constituem os proprioceptores que mais se relacionam e
interagem nos processos de produção de força muscular. Sem a pretensão
de realizar uma revisão sobre o tema, porque não constitui o objecto
deste capítulo, mas apenas recordar os mecanismos básicos deste
processo, construímos a figura 40 e procedemos a uma breve referência
aos seus elementos constituintes fundamentais e às suas interacções, para,
posteriormente, interpretar o significado funcional do sistema do reflexo
de alongamento, no contexto do treino da força.

2.1.2.1. Fuso neuromuscular (FNM)

Qualquer alongamento muscular, ao implicar o estiramento das fibras


intra-fusais, origina uma estimulação das fibras sensitivas Ia e II,
oriundas, respectivamente, dos receptores primários e secundários do
fuso. As fibras Ia são sensíveis ao grau e à velocidade do estiramento
e o facto de realizarem no seu trajecto apenas uma sinapse, permite-
lhes uma grande velocidade de intervenção. Uma ramificação destas
fibras termina monosinapticamente no motoneurónio alfa e é
responsável pela sua excitação e, naturalmente, pela contracção
muscular, i.e., pelo reflexo de alongamento. As fibras Ia não terminam
apenas nos motoneurónios alfa, pois as suas ramificações influenciam
o interneurónio inibitório Ia, que exerce uma acção inibidora sobre o
motoneurónio alfa do músculo antagonista, fenómeno que é conhecido
por inibição recíproca. Adicionalmente a este circuito existem as
264 • Metodologia do treino desportivo I !

células de Renshaw, as quais recebem uma influência excitatória de


ramos colaterais do motoneurónio alfa. O seu "output" termina no
motoneurónio alfa e no interneurónio inibitório Ia, sobre os quais
exerce uma acção inibidora, mecanismo conhecido por inibição
recorrente. Esta acção inibidora, particularmente sobre o interneurónio
inibitório Ia, parece poder facilitar o fenómeno da co-activação de
agonistas e antagonistas. Voltando ao Fuso Neuromuscular, para além
das fibras sensitivas Ia, também as fibras II, apesar de mais
lentamente, transportam informação sobre o alongamento total do
músculo e exercem acção excitatória sobre os moteneurónios.

Ia e II Ia e II
Ia Ia

Ib Ib
Ib Ib

Ia Ia
! !

" R R "

Ia Ia
e e
II II

Fuso Fuso
Agonista Antagonista
Ib Ib
OTG OTG

Figura 40. Representação esquemática dos principais circuitos medulares do


sistema proprioceptivo reflexo, para um par de músculos agonista e antagonista.
Fibras sensitivas primárias (Ia) e secundárias (II); fibras sensitivas (Ib) do Orgão
tendinoso de Golgi (OTG); inervação alfa (!) e gama ("); interneurónios Ia e Ib;
Células de Renshaw (R). O diagrama ilustra os circuitos do reflexo de
alongamento, inibição recíproca e inibição recorrente. A tracejado ilustra-se a
influência das estruturas supramedulares. As setas a cheio representam sinapses
excitatórias enquanto que as setas a tracejado representam sinapses inibitórias.
2.1.2.2. Orgão Tendinoso de Golgi (OTG)
" Estudo do factor físico desportivo - Força • 265

O outro grande receptor muscular, o Orgão Tendinoso de Golgi, envia


continuamente informações sobre a intensidade da contracção
muscular, através das fibras sensitivas Ib. Estas fibras terminam no
interneurónio inibitório Ib que por sua vez age inibitoriamente sobre o
motoneurónio alfa, facilitando o relaxamento do músculo. A exemplo
do que referimos para as fibras aferentes do fuso, também as fibras Ib
recorrem a um processo de inibição recíproca, o que torna a sua acção
mais eficaz. Por último, refira-se o papel muito importante que é
desempenhado pelo circuito gama. Ao receber intervenção dos centros
superiores, o motoneurónio gama procede à inervação das fibras
intra-fusais do fuso neuromuscular, promovendo um constante
ajustamento relativamente ao seu estiramento. Esta acção das fibras
gama, constitui um mecanismo de servo-assistência que permite um
controlo muito perfeito das acções musculares. Naturalmente que o
sistema do reflexo de alongamento, bem como todos os outros
circuitos medulares a que nos referimos de forma breve, estão
presentes em todos os movimentos e devem ser encarados como
mecanismos não exclusivos e interdependentes, sobretudo pela larga
acção que sobre eles exercem as estruturas supra medulares apoiadas
nas influências recíprocas entre redes de interneurónios medulares.

2.1.2.3. Receptores articulares (RA)

São responsáveis pela informação relativa à posição das articulações,


velocidade e amplitude do movimento. Estes orgãos (RA) são de
extrema importância devido ao seu carácter preventivo e de protecção
no que se refere a possíveis lesões.

2.1.3. Consequências metodológicas para o treino da força, decorrentes dos factores


nervosos
266 • Metodologia do treino desportivo I !

Para aumentar a capacidade de produção de força de um músculo ou


grupo muscular, é necessário:
mobilizar (activar) todas as suas fibras, o mesmo é dizer, todas as
suas unidades motoras. Para isto é necessário a utilização de cargas
máximas de forma a mobilizar todas as unidades motoras,
especialmente, as unidades motoras rápidas que são as que produzem
mais força; e,
para cumprir com o princípio da frequência de activação, é
necessário que essas resistências sejam mobilizadas à velocidade
máxima. Todavia, devido às cargas serem muito elevadas, não é
possível movimentar essas cargas a grande velocidade, contudo, o
simples facto de se tentar deslocar a carga a grande velocidade garante
que a velocidade de contracção das fibras musculares seja a maior
possível, apesar da velocidade exteriormente observável não ser muito
grande.

Na prática do treino da força existe a convicção que se as cargas a


mobilizar não foram muito elevadas, i.e., se trabalharmos com
resistências mais baixas mas com um elevado número de repetições,
conseguimos mobilizar as fibras de contracção rápida ao fim de muitas
repetições. Contudo, é muitas vezes ignorado que as fibras rápidas são as
que se fatigam mais rapidamente e que após muito poucas repetições não
é mais possível envolvê-las no processo de contracção.

2.1.3.1. A coordenação intra e inter-muscular

No decorrer de um processo de treino da força, os primeiros ganhos


são sempre de natureza nervosa, independentemente do método de
treino utilizado. Apesar deste facto, as primeiras adaptações nervosas
não são de natureza intramuscular, mas sim de carácter intermuscular.
Ao fim das primeiras semanas de treino o SNC "aprende" a ser mais
" Estudo do factor físico desportivo - Força • 267

económico, isto é, a relação agonista/antagonista melhora


substancialmente, podendo-se adiantar que se trata de um processo de
aprendizagem técnica.

Se considerarmos, a título de exemplo, um processo de treino da força


com 4 unidades de treino por semana, pode dizer-se que o processo de
adaptações se caracteriza por:
ao fim de duas semanas os primeiros ganhos devem-se a
processos de coordenação intermuscular, isto é, uma melhoria da
execução técnica do gesto, que fica a dever-se a uma melhor
relação entre a contracção dos músculos agonistas/antagonistas, dos
sinergistas e estabilizadores do movimento;
ao fim de 6 a 8 semanas ocorrem as principais adaptações
nervosas de natureza intramuscular, isto é, um aumento do número
de UM recrutadas, e um aumento da sua frequência de activação.

2.1.3.2. A activação nervosa e as características da dinâmica da carga

Se o treino de força for realizado com o objectivo de melhorar a


activação nervosa dos músculos envolvidos, deve assumir as seguintes
características:
utilizar cargas elevadas (80 a 100% da Contracção Voluntária
Máxima);
.ritmo de execução explosivo;
poucas repetições (entre 1 a 5);
número de séries entre 3 a 5;
grandes intervalos (5 minutos); e,
o requisito mínimo para que um atleta se envolva num processo
de treino com estas características são 2 anos de sólido treino de
força.
268 • Metodologia do treino desportivo I !

2.2. Factores musculares

Podemos dividir os factores musculares que afectam a capacidade do


músculo produzir força em: fisiológicos, bioquímicos e mecânicos.

2.2.1. Fisiológicos e bioquímicos

Dentro dos factores que poderemos classificar como de natureza


fisiológica e bioquímica centraremos a nossa análise nos seguintes
factores: a influência da área da secção transversal do músculo e a
influência da composição muscular.

2.2.1.1. Área da secção transversal do músculo

O primeiro aspecto que influencia a capacidade de produzir força é a


área da secção transversal do músculo, o que está intimamente
associado ao fenómeno de hipertrofia muscular, ou seja, ao aumento
do volume do músculo. Existe uma estreita relação entre a força e o
diâmetro fisiológico do músculo. Neste sentido, a força de um
músculo é proporcional ao seu diâmetro transversal. Aspecto
importante a reter é o facto do diâmetro fisiológico (soma dos
diâmetros de todas as fibras musculares individuais) ser diferente do
diâmetro anatómico. Com efeito, dois músculos com o mesmo
diâmetro anatómico, podem desenvolver niveis de força diferentes.
Por exemplo, os músculos com fibras não paralelas desenvolvem mais
força do que os músculos com fibras paralelas (no caso de um igual
corte anatómico).

As explicações sobre os mecanismos que fundamentam o aumento da


massa muscular têm provocado alguma polémica, especialmente a
discussão sobre a prevalência de um dos seguintes mecanismos:
a hipertrofia, como o aumento do volume das fibras musculares;
" Estudo do factor físico desportivo - Força • 269

a hiperplasia como o aumento do número de fibras musculares,


como factores responsáveis pelo aumento do volume da massa
muscular.
Alguns autores têm reportado alguma evidência da existência de
hiperplasia, contudo, os estudos realizados com culturistas
comparativamente com sujeitos que podem ser considerados "sujeitos
controlo", não mostraram diferenças significativas no número de
fibras musculares, mas sim na sua dimensão (McDougall, 1986).
Desta forma, apesar de algumas evidências científicas acerca do
fenómeno da hiperplasia, no que diz respeito ao treino da força, o
mecanismo mais importante para o aumento da massa muscular
parece ser a hipertrofia muscular.

Importa assim conhecer as características básicas dos estímulos que


conduzem ao aumento da massa muscular, ou por outras palavras,
como se pode induzir hipertrofia. A hipertrofia muscular parece
resultar de um aumento da síntese proteica. O conteúdo proteico do
músculo está num contínuo estado de fluxo. As proteínas estão
constantemente a ser sintetisadas e degradadas, mas as taxas a que
estes fenómenos ocorrem variam de acordo com o esforço solicitado
ao sujeito (figura 41). Durante o treino de força de relativa intensidade
quase toda a energia disponível é requerida para que o processo de
contracção muscular resulte em trabalho mecânico, o que ao implicar
uma redução da energia necessária para a síntese proteica, faz
aumentar a taxa de degradação das proteínas (figura 42).
270 • Metodologia do treino desportivo I !

Repouso Treino de Força Intenso

Energia Energia

Trabalho Síntese Trabalho Síntese


Mecânico Proteica Mecânico Proteica

Figura 41. Fornecimento de energia durante o repouso e durante treino de força


intenso
A entrada de aminoácidos da circulação sanguínea para o músculo
diminui durante o treino de força intenso, pelo que a quantidade de
proteínas degradadas excede o número de proteínas novamente
sintetizadas. Este facto conduz a uma diminuição da quantidade de
proteínas musculares após uma sessão de treino de força e a um
aumento da sua síntese no intervalo entre as sessões de treino. A
entrada de aminoácidos para o músculo passa a ser superior ao que
ocorre normalmente em repouso. A repetição deste processo de
aumento da degradação e da síntese de proteínas musculares, parece
resultar num fenómeno de supercompensação das proteínas (figura
42), semelhante ao que ocorre com o glicogénio muscular em resposta
ao treino de resistência.

Apesar do mecanismo do estímulo para a hipertrofia muscular


permanecer não completamente esclarecido, parece poder aceitar-se
que a deplecção energética é um dos estímulos que induz ao aumento
do volume do músculo em termos crónicos. Assim, poderemos dizer
que os parâmetros vitais para conseguir induzir hipertrofia muscular
são a correcta manipulação da intensidade e do volume de treino, por
forma a conduzir a uma grande deplecção energética a nível muscular.
Desta forma o estímulo deve caracteriizar-se por ser sub-máximo (60-
80% do máximo), de longa duração (muitas séries e muitas repetições)
" Estudo do factor físico desportivo - Força • 271

e organizado de forma a induzir fadiga (reduzidos intervalos de


recuperação).

Estímulo

Energia disponivel
para a sintese
proteica

Sintese Proteica

Tempo

Figura 42. Potencial energético do músculo e taxa de anabolismo proteíco.

2.2.1.2. Tipos de fibras musculares

Para além da capacidade contráctil, as UM diferem em muitas outras


características funcionais. Ainda que a composição muscular seja um
assunto colateral a este capítulo, importa realizar uma breve
referência, dado que a uniformidade estrutural e funcional que
encontramos entre as fibras musculares que constituem uma UM,
estão adaptadas a um determinado tipo de contracção e são
determinadas pelas características e tipo de motoneurónios (MN)
respectivos, como foi verificado nos clássicos estudos de inervação
cruzada (Buller et al., 1960a; 1960b).

As UM de maior capacidade contráctil apresentam tempos de


contracção curtos e fraca resistência à fadiga. Ao invés, as UM de
menor capacidade de contracção, são mais resistentes à fadiga e o seu
tempo de contracção é bastante maior. Entre estes dois tipos extremos
de UM, existem UM com valores intermédios de (1) tamanho, (2)
tempo de contracção e (3) resistência à fadiga. Tendo como base estas
e outras características funcionais, bem como características
morfológicas e bioquímicas, as UM e as respectivas fibras musculares
têm sido classificadas em diferentes tipos.
272 • Metodologia do treino desportivo I !

As fibras musculares das UM de menor dimensão, também


denominadas de fibras vermelhas (pelo seu maior teor em mioglobina)
estão mais adaptadas à produção de contracções lentas e de fraca
intensidade durante longos períodos de tempo, atingindo o tétano a
frequências de activação inferiores. São inervadas por motoneurónios
(MN) de menor calibre, com limiares de excitabilidade mais baixos e
mais sensíveis ao reflexo de alongamento. O seu excelente
metabolismo oxidativo permite-lhes grande resistência à fadiga. A sua
capacidade em receber e utilizar O2, está relacionada com um elevado
teor em mioglobina, maior número de mitocôndrias e respectiva
actividade enzimática, e elevado número de capilares sanguíneos.
Estas fibras são denominadas de tipo I, oxidativas, ou de contracção
lenta. As fibras brancas (tipo II, glicolíticas ou de contracção rápida)
estão mais preparadas para contracções fortes e rápidas, sendo a
glicólise anaeróbia o principal processo de produção de energia a que
recorrem. As concentrações de fosfocreatina, miosina ATPase e
enzimas glicolíticas são mais elevadas neste tipo de fibras. A sua
capacidade em tetanizar é mais rápida, bem como em relaxar. Os MN
que inervam este tipo de fibras são de maiores dimensões, com axónio
mais espesso, garantindo maior velocidade de condução nervosa entre
a medula e o músculo. Apresentam cronaxia inferior, maior rapidez de
transmissão na placa motora e maior capacidade do retículo
sarcoplasmático e do sistema tubular T nos processos de libertação e
recaptação do cálcio.

As fibras do tipo II podem ser classificadas em subgrupos de acordo


com a sua actividade enzimática: tipo IIa, IIb e IIc. As fibras IIa e IIb,
apesar de serem ambas fibras de contracção rápida, podem
diferenciar-se face à capacidade oxidativa: as IIa apresentam um
potencial aeróbio mais elevado, enquanto que as fibras IIc são fibras
relativamente pouco diferenciadas com características fisiológicas e
" Estudo do factor físico desportivo - Força • 273

histoquímicas intermédias entre as IIa e IIb (Gollnick & Hodgson,


1986).
Tabela 1. Resumo dos diferentes tipos de fibras musculares
Características Fibras Tipo I Fibras Tipo IIa Fibras Tipo IIb
2. SO FOG FG
2. % no músculo 50 34 16
1. Vel. de Contracção Lenta Rápida Rápida
2. Cor (à preparação) vermelhas brancas brancas
1. Resistência à Fadiga Grande Pequena Pequena
A Motoneurónios Pequenos Grandes Grandes
m Vel. de Estimulação Lenta Rápida Rápida
o Limiar- Excitabilidade Baixo Alto Alto
d Tensão desenvolvida Baixa Média Elevada
if Cap. Aeróbia Elevada Média Baixa
ic Enzimas Oxidativas Muitas Nº Médio Poucas
Cap. Anaeróbia Baixa Média Elevada
a Produção A. Láctico Baixa Média Elevada
ç
ão da percentagem relativa do tipo de fibras no músculo

Dos estudos clássicos de inervação cruzada realizados por Buller et


al. (1960a, 1960b) e após um grande número de estudos
posteriores, sabemos hoje que a composição das fibras musculares
depende da consistência e da utilização ou não utilização das
células nervosas da medula que inervam as correspondentes fibras
musculares. Com efeito, os estudos efectuados demonstram a
possibilidade de se mudar completamente a predominância e
consequentemente a composição do tipo de fibras musculares
(lentas e rápidas) alterando a frequência de activação. Não devemos
esquecer, contudo, que este tipo de estudos foram realizados no
animal, nos quais se cruzou a inervação, i. e., as fibras musculares
lentas passaram a ser inervadas por motoneurónios de elevado
calibre, enquanto que os motoneurónios mais pequenos passaram a
inervar as fibras rápidas. Ao fim de algum tempo as características
das fibras musculares alteraram-se completamente.

Em treino não se consegue reproduzir algo de semelhante. Durante


a maior parte das horas do dia os nossos músculos recebem
274 • Metodologia do treino desportivo I !

activações de natureza tónica. Os atletas que treinam com elevadas


intensidades fazem-no num relativo curto período de tempo,
quando comparado com as restantes horas do dia durante as quais
os músculos são activados tonicamente. Deste modo podemos
concluir que:
as fibras musculares vulgarmente designadas por lentas, não
se transformam em fibras rápidas por acção do treino;
as fibras rápidas, podem alterar-se e aproximarem-se das
características das fibras lentas por acção do treino,
particularmente através de actividades que requeiram um
constante baixo nivel de activação neural;
o treino da força pode organizar-se de forma a conduzir a
uma hipertrofia selectiva das fibras lentas ou rápidas, alterando
assim a percentagem relativa da sua área de secção transversal.

2.2.1.3. Consequências metodológicas decorrentes dos factores musculares

Relativamente às características da dinâmica da carga, o treino da


força com o objectivo de melhorar a hipertrofia muscular deve
assumir as seguintes características:
utilizar cargas submáximas (60 a 80% da contracção voluntária
máxima);
ritmo de execução moderado a lento;
número de repetições entre 8 a 20;
número de séries entre 3 a 5; e,
intervalos de 2 a 3 minutos.

Se o processo de hipertrofia muscular se pretender diferenciado, i. e.,


se o objectivo for promover uma hipertrofia muscular mais
significativa na área da secção transversal das fibras rápidas, a
intensidade não deve ser inferior a 80%.
" Estudo do factor físico desportivo - Força • 275

2.2.2. Mecânicos (contracção muscular)

Para além da magnitude do volume muscular e da percentagem relativa


dos diferentes tipos de fibras musculares, a mecânica da contracção
muscular influencia igualmente a capacidade de um músculo produzir
força.

2.2.2.1. Tipos de contracção muscular

Sempre que activados os músculos desenvolvem tensão e tendem a


encurtar-se, podendo ou não ocorrer deslocamento dos segmentos
ósseos que lhes estão associados. O tipo de resistência exterior
determinará a existência ou não de movimento. Classicamente existem
três tipos de acções musculares:
acção muscular concêntrica: quando a tensão desenvolvida pelo
músculo é superior à resistência que ele tem de vencer, ocorre um
encurtamento. Este tipo de acção ocorre na fase positiva
(concêntrica) da maioria dos exercícios de treino da força, como o
supino ou o agachamento;
acção muscular excêntrica: quando a tensão desenvolvida pelo
músculo é inferior à resistência que ele tem de vencer, apesar do
músculo tentar encurtar-se, ocorre um alongamento das fibras
musculares. Este tipo de acção ocorre na fase negativa (excêntrica)
da maioria dos exercícios de treino da força, como o supino ou o
agachamento; e a,
acção muscular isométrica: se a tensão desenvolvida pelo
músculo é igual à resistência que ele tem de vencer, o comprimento
das fibras musculares, mantém-se essencialmente inalterasdo. Este
tipo de acção muscular ocorre quando se pretende exercer força
contra uma resistência inamovível.
276 • Metodologia do treino desportivo I !

Para além destas três formas clássicas de acções musculares, há ainda


a considerar a forma natural de funcionamento muscular. Nos
movimentos da locomoção humana, como a marcha, a corrida e o
salto, os músculos extensores dos membros inferiores estão
periodicamente sujeitos a impactos com o solo que provocam um
alongamento muscular seguido de uma fase de encurtamento. A figura
43 ilustra esta forma natural de funcionamento muscular. Na grande
maioria dos gestos desportivos, os músculos não funcionam de forma
puramente isométrica, concêntrica ou excêntrica. Funcionam num
Ciclo Muscular de Alongamento-Encurtamento (CMAE), tal como descrito
por Komi (Komi, 1984).

Esta forma de funcionamento muscular é relativamente independente


das outras formas de manifestação da força e é regulada,
essencialmente, pela qualidade do padrão de activação nervoso dos
músculos envolvidos, i.e., pelo balanço entre os factores nervosos
facilitadores e inibidores da contracção muscular. No ponto 3.2.2
deste capítulo abordaremos esta forma de manifestação da força com
maior detalhe.

Figura 43. Na locomoção humana (marcha, corrida, salto) os músculos


extensores dos membros inferiores são periodicamente sujeitos a um ciclo
muscular de alongamento encurtamento, que se assemelha ao rodar de um
cubo.

2.2.2.2. Relação força-alongamento


" Estudo do factor físico desportivo - Força • 277

A força desenvolvida pelo músculo é maior no seu comprimento de


repouso, já que o número de pontes cruzadas entre a actina e a miosina
é maior nesta posição. À medida que o músculo se encurta ocorre uma
diminuição das ligações entre as proteínas contrácteis porque ocorre
alguma sopreposição dos filamentos, com uma diminuição da tensão
que pode ser desenvolvida. De forma semelhante, se o músculo for
alongado para além do seu comprimento de repouso, o número de
pontes cruzadas vai também diminuindo, porque a sobreposição dos
filamentos se reduz drasticamente. Contudo, quando um músculo é
alongado, ainda que passivamente, e porque o seu tecido conjuntivo
possui um determinado potencial elástico, há um acréscimo de força
devido a este contributo dos factores elásticos, que actuam em
paralelo com o material contráctil. O efeito combinado dos factores
contrácteis e elásticos está ilustrado na figura 44, que apresenta a
clássica curva da relação entre a forçe e o alongamento.
Força

Alongamento

Figura 44. Relação força-alongamento de um músculo isolado. A curva II


representa o contributo do elemento contráctil e a curva I o contributo das
estruturas elásticas. a curva III representa o efeito combinado do elemento
contráctil e elástico

2.2.2.3. Relação força-velocidade

Se todos os outros factores se mantiverem iguais, a capacidade do


músculo produzir força é mais elevada numa situação isométrica,
278 • Metodologia do treino desportivo I !

diminuindo esta capacidade à medida que se aumenta a velocidade de


contracção concêntrica. Este facto deve-se, por um lado, à acção
desempenhada pela viscosidade das fibras musculares que resistem ao
movimento de forma proporcional ao aumento da velocidade. Por
outro lado, a acção de ligar e desligar das pontes cruzadas para que o
deslizamento dos filamentos ocorra faz-se muito mais frequentemente
com o aumento da velocidade de contracção, o que reduz as condições
de produção de força. Contudo, quando o aumento da velocidade de
contracção se faz não em termos concêntricos, mas sim em regime
excêntrico, o músculo é capaz de desenvolver maiores tensões
musculares com o aumento da velocidade (figura 45).

Este aumento de força é aproximadamente de 1.3 vezes o valor da


força concêntrica. O facto do aumento da força em regime excêntrico
acontecer em função do aumento da velocidade de alongamento,
sugere-nos que para além do já referido contributo dos factores de
natureza elástica, o maior papel para explicar este aumento de força é
desempenhado pelo reflexo de alongamento, que, como sabemos, é
especialmente sensível à velocidade do estiramento.

Força

Força Isométrica

Excêntrica Concêntrica

Vel. Alongamento 0 Vel. Encurtamento

Figura 45. Relação força -velocidade de um músculo isolado

2.3.3. Factores biomecânicos

O fenómeno que a figura 46 ilustra é bem conhecido da prática do treino


da força. Em determinadas posições (leia-se angulações) qualquer sujeito
evidencia uma capacidade aumentada de produzir força, enquanto que
" Estudo do factor físico desportivo - Força • 279

em angulações maiores e menores relativamente a essa posição óptima,


observa-se uma menor capacidade de produzir força.

60%

100%

70%

Figura 46. Num movimento de flexão do cotovelo existe um momento óptimo para a
produção de força pelo músculo bicípete braquial. Com angulações do cotovelo
maiores ou menores a cerca de 90 graus verifica-se uma maior dificuldade em
produzir força.
Contudo, se a resistência a movimentar não for, como despista a figura,
um peso livre mas sim a alavanca de uma máquina de musculação de
resistência progressiva, de resistência variável ou, de um equipamento
isocinético, o fenómeno ilustrado pode sofrer alterações consideráveis.
Neste sentido iremos abordar de forma breve os aspectos de natureza
biomecânica que mais afectam a capacidade do músculo produzir força, a
saber: a influência que as variações angulares exercem na alavanca
muscular (braço da força), na alavanca exterior (braço da resistência) e a
influência dos diferentes tipos de resistências (pesos livres, máquinas de
musculação, etc.).

2.3.3.1. A alavanca muscular

A figura 47 ilustra a influência que diferentes alavancas musculares,


definidas como a distância perpendicular entre o eixo de rotação da
articulação e a linha de acção do tendão, exercem na capacidade de
produção de força. Quando o braço da alavanca é maior (na figura na
posição c) a vantagem mecânica é a mais elevada. Sempre que a
280 • Metodologia do treino desportivo I !

modificação do ângulo articular condiciona uma alteração no braço da


alavanca muscular (posições a,b e d,e) a vantagem mecânica diminui,
logo o músculo diminui a sua capacidade de produção de força.

A B D
C E

Figura 47. Variação do braço da alavanca (distância perpendicular entre o eixo de


rotação da articulação e a linha de acção do tendão) em função da alteração do
ângulo articular, num movimento de flexão da articulação do cotovelo. Quando o
braço da alavanca é menor a vantagem mecânica é mais reduzida.
Uma leitura linear da figura anterior poderia levar a concluir que seria
vantajoso, em quaisquer circunstâncias, uma maior distância entre o
eixo articular e a inserção músculo-tendinosa. Observemos, contudo, a
figura 48. Nela se exemplifica o efeito que diferentes braços da
alavanca muscular podem exercer na velocidade do deslocamento
angular num movimento de flexão do cotovelo.

Na configuração B a alavanca muscular é maior o que significa uma


vantagem mecânica em termos da capacidade de produção de força
máxima. Contudo, se pensarmos no deslocamento angular para um
mesmo grau de encurtamento muscular (contracção concêntrica),
verificamos que uma maior distância entre a articulação e a inserção
do tendão condiciona um menor deslocamento angular para o mesmo
nivel de força produzido. Por outras palavras, quando a inserção
muscular está mais afastada, o músculo precisa de aumentar a
velocidade de encurtamento para obter o mesmo deslocamento
angular. Face à relação inversa entre a força e a velocidade, este facto
significa que os músculos que estão inseridos mais longe do eixo
" Estudo do factor físico desportivo - Força • 281

articular estão especialmente vocacionados para esforços de força


máxima (p.e., halterofilia) e não para se contrairem a altas velocidades
(p.e., remate de voleibol).

A B

16
11

16
11
A
A
16
15
22
17.5

37 34

Figura 48. Influência da maior ou menor proximidade da inserção muscular


relativamente ao centro articular (A), no deslocamento angular para o mesmo
encurtamento muscular. Em B o braço da alavanca é maior logo o momento da força
é também maior para um determinado nível de força, contudo o deslocamento
angular por unidade de contracção muscular é mais reduzido, o que significa uma
menor velocidade do movimento.
2.3.3.2. A alavanca da resistência exterior

Para além da influência exercida pelo braço da força há igualmente


que considerar que quando modificamos o ângulo articular, alteramos
o momento (braço) da resistência, i. e., a distância entre o eixo
articular e o ponto de aplicação da resistência. Na figua 49 é possível
constatar o que acima referimos. Apesar do peso da resistência
exterior se manter constante, na posição 1 a distância entre o eixo
articular e o ponto de aplicação da resistência é maior do que na
posição 2, o que significa que o momento da força é maior (momento
= peso x distância). Nestas condições o sujeito tem de produzir mais
força na posição 1 do que na posição 2 para poder superar a mesma
resistência.

Quando o peso se encontra directamente acima ou abaixo, i.e., na


linha que contém o eixo articular não há momento da resistência
devido à acção do peso. As alterações na técnica de realização dos
282 • Metodologia do treino desportivo I !

exercícios podem fazer variar o momento da resistência durante um


exercício. Quando na realização de um agachamento se promove uma
maior inclinação do tronco à frente, desloca-se o peso horizontalmente
para uma posição mais próxima da articulação do joelho e por sua vez
mais longe da articulação coxo-femural. Desta forma aumenta-se o
momento da resistência pa os músculos glúteos e posteriores da coxa,
reduzindo-se o mesmo momento para o quadricípete crural.

1
D

2
D

Figura 49. Apesar do peso do objecto se manter constante, a variação da distância


(D) horizontal entre o peso e o eixo articular, condiciona uma alteração do
momento da resistência.
A conjugação do aspecto abordado no ponto anterior (alavanca
muscular face ao grau de alongamento do músculo) com o que
acabamos de referir (influência do braço da resistência face à variação
do ângulo articular) , conduz a que para cada movimento específico
(flexão do cotovelo, extensão do joelho, etc.) existe uma curva de
força, i.e., uma curva que descreve o comportamento das capacidades
de produção de força face à variação do ângulo articular. A figura 50
ilustra o que acabámos de expôr.
Força Muscular X Braço da Força (Momento)
Alavanca =

Alongamento Ângulo articular Ângulo articular


Muscular
" Estudo do factor físico desportivo - Força • 283

Figura 50. O momento da força de umdeterminado movimento é o produto da


tensão muscular que o músculo é capaz de produzir face ao alongamento
muscular pelo braço da alavanca.

Na figura 51 apresentam-se exemplos de algumas curvas de força para


a extensão e flexão do cotovelo e do joelho. De salientar que todas as
curvas têm uma fase ascendente e/ou descendente mais ou menos
pronunciada.

Figura 51. Exemplos de curvas de força, para as articulações do cotovelo e joelho.

2.3.3.3. Tipos de resistências exteriores

Da prática do treino da força sabemos que existem diferenças entre


mobilizar um peso livre (barra com pesos) ou produzir força numa
máquina de musculação. Estas diferenças devem-se a diferentes
características mecânicas, principalmente à relação entre a magnitude
do braço da força e da resistência que cada uma destas resistências
exteriores proporciona ao longo do deslocamento angular de um
determinado movimento. Se quisermos classificar os diferentes tipos
de resistências exteriores que vulgarmente encontramos nos
equipamentos de treino de força, o critério mais importante prende-se
com as características do tipo de resistência que o equipamento
proporciona.
284 • Metodologia do treino desportivo I !

2.3.3.3.1. Resistências Constantes

O tipo de resistência exterior mais comum são os pesos livres, i.e.,


as barras de musculação com pesos, os manúbrios, as bolas
medicinais. Com este tipo de equipamentos o peso (massa x
aceleração da gravidade) é sempre constante, mas o momento de
força varia durante o deslocamento angular. Como ilustrado na
figura 52, o momento de força num movimento de flexão do
cotovelo é igual ao peso da resistência exterior vezes a distância
horizontal (D) entre o eixo de rotação e ponto de aplicação da
força.

D 1

2
D

Figura 52. Apesar do peso do objecto se manter constante, a variação da


distância (D) horizontal entre o peso e o eixo articular, condiciona uma
alteração do momento da resistência.
No movimento de flexão do cotovelo a distância horizontal entre a
articulação do cotovelo e o ponto de aplicação da força (mão do
sujeito) varia durante o deslocamento angular. Esta distância é
menor no início do movimento, atinge o seu valor máximo próximo
dos 90 graus e volta a baixar nas posições de maior flexão do
cotovelo. Quando a distância D é maior o sujeito necessita de
produzir mais força muscular para resistir ao efeito do peso,
enquanto que nas posições intermédias a força muscular para
resistir ao peso é mais reduzida.
" Estudo do factor físico desportivo - Força • 285

2.3.3.3.2. Resistências Variáveis-Progressivas

Alguns equipamentos de treino de força, como por exemplo os


elásticos e alguns tipos de máquinas de musculação, funcionam de
forma a oferecer uma maior resistência na parte final do
movimento. São as chamadas resistências progressivas. Quando
estiramos um elástico a resistência que ele oferece é maior em
função do seu grau de alongamento. Algumas máquinas de
musculação fazem variar de forma crescente o braço da resistência,
oferecendo por isso uma maior resistência na parte final do
movimento.

Braço da Força

Braço da Resistência Fulcro

Resistência

Braço da Força

Resistência Fulcro
Braço da Resistência

Figura 53. Alteração do braço da resistência numa máquina de resistência


progressiva

Na figura 53 é possível identificar que do início para o final do


movimento (exemplo de uma máquina de supino) à custa da
variação do ponto de aplicação da resistência, é possível modificar
a magnitude do braço da resistência, implicando deste modo uma
maior dificuldade em realizar o exercício no final.

Contudo e como já referimos anteriormente, este mecanismo está


em oposição com o comportamento mecânico do músculo humano,
o qual evidencia uma quebra de capacidade de produção de força
nas posições finais do deslocamento angular, normalmente por
286 • Metodologia do treino desportivo I !

ocorrerem a graus muito elevados de encurtamento muscular e por


isso não permitirem o maior número possível de pontes cruzadas
entre as proteínas contrácteis.

2.3.3.3.3. Resistências Variáveis-Acomodativas

Para obviar ao facto anteriormente mencionado, algumas máquinas


de musculação oferecem uma variação do braço da resistência que
pretende acomodar-se à variação das capacidades de produção de
força do músculo, daí a denominação de "acomodativas"

A figura 54 ilustra o princípio de funcionamento das máquinas de


resistência variável-acomodativas. A utilização de uma "cam"
excêntrica, i.e., em que a distância do eixo de rotação ao ponto de
aplicação da força varia à medida que a "cam" roda, estes
equipamentos podem oferecer uma variação da resistência que
pretende adaptar-se às possibilidades de produção de força (curva
de força) de determinado grupo muscular. Para que o sistema
funcione nos termos dos seus pressupostos, é suposto que a
velocidade angular seja mantida o mais constante possível o que na
prática é difícil de ser realizado, particularmente quando se
pretende trabalhar com velocidades algo mais elevadas. Por outro
lado, a concepção da "cam" é realizada tendo em vista sujeitos com
determinadas características antropométricas médias, o que poderá
implicar que nem todas as máquinas estarão concebibas para se
acomodar às curvas de força de todos os sujeitos.
" Estudo do factor físico desportivo - Força • 287

M2
M1

Figura 54. Numa máquina de resistência variável-acomodativa o braço da


resistência varia ao longo do deslocamento angular. Quando a "cam" é rodada
da posição 2 para a posição 1 o braço da alavanca aumenta (M1>M2)
aumentando assim o momento da resistência.

2.3.3.3.4. Resistências Isocinéticas

Os equipamentos isocinéticos, para além de oferecerem uma


resistência acomodativa implicam que a velocidade angular seja
constante. A resistência é controlada electronicamente e em cada
posição angular o equipamento oferece uma resistência
proporcional à força desenvolvida pelo sujeito. Se o sujeito
aumentar a velocidade angular o equipamento oferece uma maior
resistência permitindo deste modo que o sujeito não ultrapasse a
velocidade pré-seleccionada. Este tipo de equipamentos são
normalmente utilizados para a avaliação e monitorização de
processos de reabilitação onde a manipulação da intensidade da
carga a utilizar, bem como a máxima solicitação muscular em todo
o deslocamento angular do movimento em causa, são aspectos
importantes a salvaguardar. Por outro lado, os equipamentos
isocinéticos são bastante seguros já que permitem trabalhar com
cargas muito baixas e graduar o seu aumento progressivo com um
completo controlo de vários parâmetros. Este tipo de equipamentos,
bem como a quase totalidade das máquinas de musculação, são
288 • Metodologia do treino desportivo I !

normalmente uniarticulares, o que significa que se pode isolar com


facilidade um determinado grupo muscular, mas não é tão fácil, ou
mesmo impossível, realizar um exercício em cadeia cinética
fechada.

A utilização deste tipo de equipamentos na prática do treino da


força deve ser restrita aos periodos de preparação geral, onde se
pretende um ganho de massa muscular. O facto de oferecerem uma
resistência acomodativa permite que a estimulação muscular seja
muito próxima do máximo em todos os graus articulares, pelo que
condicionam um bom estímulo para a hipertrofia muscular.
Contudo, o facto dos equipamentos isocinéticos permitirem
essencialmente movimentos em cadeia cinética aberta, não serão o
tipo de equipamento a previligiar na rotina diária do treino da força
com atletas. O treino, por exemplo, dos músculos extensores dos
membros inferiores teria de ser realizado por etapas, i. e., primeiros
os extensores do joelho, depois um outro exercício para os flexores
plantares e ainda um outro exercício para os extensores da bacia.
Nos movimentos desportivos estas três articulações funcionarem
normalmente em cadeia cinética fechada o que não é facilmente
reproduzível num equipamento isocinético. Uma outra limitação
para a sua generalização no treino de atletas prende-se com o facto
de estes equipamentos funcionarem a velocidades angulares
constantes o que na realidade raramente acontece nos movimentos
desportivos. A natação, a canoagem e o remo serão eventualmente
as modalidades onde os movimentos são quase-isocinéticos, mas
na grande maioria dos gestos desportivos as variações de
velocidade são uma constante. Acresce que as velocidades
angulares máximas a que grande parte destes equipamentos
funcionam (400-500 graus por segundo) ficam muito aquém das
velocidades angulares da maioria dos gestos competitivos. Num
" Estudo do factor físico desportivo - Força • 289

salto vertical, p.e., a velocidade angular da articulação do tornozelo


pode com relativa facilidade ser superior aos 1000 graus por
segundo.
2.3.3.3.5. A utilização dos diferentes tipos de resistências-equipamentos

Todos os tipos de equipamentos para o treino da força têm as suas


vantagens e inconvenientes, pelo que todos eles devem ser
considerados e correctamente seleccionados em função dos
objectivos em causa e das características dos atletas.

Os pesos livres (barras com pesos, manúbrios e bolas medicinais)


constituem o equipamento mais comum no treino de atletas.
Permitem a realização de exercícios em cadeia cinética fechada, os
quais mobilizam articulações contíguas e dessa forma permitem
recriar com mais facilidade os movimentos competitivos. Ao
mobilizarem articulações contíguas evitam grandes desiquilíbrios
entre os grupos musculares que cruzam essas articulações (p.e.,
gémeos, quadricípete crural e glúteos). Por outro lado, permitem
variações de velocidade durante a sua execução, o que constitui
uma das características de grande parte dos gestos desportivos. A
utilização de pesos livres pode iniciar-se com relativamemte pouco
material, já que qualquer pequena resistência (barra, manúbrios)
pode ser utilizada. À medida que a intensidade da carga tem de ser
aumentada, a utilização dos pesos livres requer um bom
conhecimento acerca da técnica de execução dos exercícios de
musculação, pelo que o seu domínio técnico se constitui como um
importante requisito.

É aqui, que muitas vezes se opta pela utilização sem critério das
máquinas de musculação por atletas. A falta de domínio técnico
dos exercícios e a necessidade de trabalhar com cargas mais
elevadas, levam muitas vezes a optar pela utilização das máquinas
290 • Metodologia do treino desportivo I !

de musculação. Elas não requerem grandes preocupações técnicas,


o seu design ergonómico é normalmente facilitador da
auto-aprendizagem da sua utilização. Como vantagens podemos
salientar a facilidade de utilização, os reduzidos requisitos técnicos,
a facilidade de manuseamento das cargas e a segurança. As
máquinas de musculação são o equipamento ideal para utilizar com
sujeitos indiferenciados que pretendem realizar programas de
condição física. A sua utilização com atletas deve ser criteriosa,
principalmente os equipamentos que não permitem a realização de
exercícios em cadeia cinética fechada. De entre os diferentes tipos
de máquinas de musculação, a escolha de máquinas de resistência
variável-acomodativa apresenta vantagens óbvias. A possibilidade
de aproximar da estimulação máxima os grupos musculares
envolvidos no exercício, em função dos diferentes graus articulares,
constitui obviamente uma vantagem a não desperdiçar.

Em síntese, podemos recomendar a utilização de máquinas de


musculação, preferencialmente de resistência variável-
acomodativa, preferencialmente para o treino de sujeitos
indiferenciados que visam a melhoria da sua condição física geral.
Os atletas devem restringir a utilização de máquinas de musculação
aos períodos de preparação geral, particularmemnte para o treino
que vise a hipertrofia muscular, já que as máquinas de resistência
variável-acomodativa têm alguma vantagem para este objectivo
específico. Ao seleccionar as máquinas de musculação, para o
treino de atletas de elevado rendimento, deve procurar-se escolher
exercícios em cadeia cinética fechada. Os pesos livres constituem o
equipamento a previligiar para o treino da força com atletas de alto
rendimento. Permitem a realização de exercícios mais próximos
dos gestos desportivos, permitem a variação da velocidade,
" Estudo do factor físico desportivo - Força • 291

mobilizam os grupos musculares de toda a cadeia cinética, bem


como os músculos sinergistas e estabilizadores.
3. Componentes e formas de manifestação da força muscular

Quando dizemos ou ouvimos dizer que um atleta está envolvido num processo
de treino da força, apenas veiculamos que esse atleta tem a intenção de
melhorar a força muscular, sem contudo podermos dizer que tipo ou que
componente da força está ele a trabalhar. O conhecimento científico dos
últimos dez quinze anos permite realizar uma análise estrutural da força
muscular, por forma a identificar as suas componentes, as suas relações de
dependência e os principais factores que afectam e influenciam as
características de produção de força de um atleta.

3.1. Força Máxima

3.1.1. Definição

A Força Máxima (Fmax) é, talvez, de entre as diferentes formas de


manifestação da força, a expressão que com maior unanimidade entre os
diferentes autores, podemos encontrar na literatura. Por Fmax devemos
entender o valor mais elevado de força que o sistema neuromuscular é
capaz de produzir, independentemente do factor tempo, e contra uma
resistência inamovível (Schmidtbleicher, 1985a; 1985b).

3.1.2. As componentes da força máxima

Se aceitarmos esta definição de Fmax estaremos a dizer que ela se deve


avaliar em termos isométricos, ainda que se possa exprimir também em
termos concêntricos ou excêntricos. Se compararmos, num grupo de
sujeitos, os valores da sua Fmax avaliada em termos isométricos,
concêntricos e excêntricos, muito provavelmente, encontraremos
coeficientes de correlação entre estes três valores de Fmax, muito
próximos de r=0.90, o que nos levaria a dizer que a avaliação e o
292 • Metodologia do treino desportivo I !

significado da Fmax em regime isométrico, concêntrico e excêntrico


seriam muito idênticos (Schmidtbleicher, 1985a; 1985b). Em termos
estritamente estatísticos esta conclusão afigura-se correcta, mas apenas
em termos estatísticos, o que equivale a dizer que em termos funcionais,
avaliar a Fmax em termos isométricos, concêntricos ou excêntricos,
comporta significados diferentes. Para melhor compreender este e outros
aspectos, consideremos a seguinte situação: um sujeito realiza um
movimento de extensão do cotovelo contra uma barra, na qual está
instalado um sensor de força que permite o seu registo contínuo. A
colocação de cargas em ambos os topos da barra permite graduar as
resistências a vencer pelo sujeito, através de acções musculares
concêntricas. A colocação de uma resistência inamovível, permitirá a
realização de uma acção isométrica, assim como a utilização de
resistências superiores ao máximo permitirá a realização de acções
musculares excêntricas (figura 55).

Figura 55. Representação esquemática do aparelho para avaliação da força muscular


dos músculos extensores do cotovelo e curvas de força-tempo de acções isométricas
e concêntricas realizadas contra diferentes resistências. A linha a tracejado
representa a porção concêntrica da curva, enquanto que a linha a cheio representa a
porção isométrica da curva, (adaptado de Schmidtbleicher, 1992).

Ao realizar um movimento de extensão do cotovelo contra uma


resistência muito leve (3.5 Kg) o sujeito até vencer esta carga, realizará
" Estudo do factor físico desportivo - Força • 293

uma acção isométrica (primeira seta do gráfico da figura 55) após o que,
ao equilibrar o valor da carga (3.5 Kg) esta será acelerada até ao final do
movimento de extensão. A partir de determinado momento, para
continuar o movimento de extensão do cotovelo o sujeito já não precisa
de produzir o mesmo valor de força, já que a inércia inicial foi vencida.

Se aumentarmos progressivamente o valor da resistência a vencer, p.e.,


10 e 25Kg, observar-se-á o mesmo comportamento atrás descrito. Se este
aumento progressivo da carga a vencer for feito de forma muito gradual,
atingiremos um valor de carga que o sujeito não será capaz de
movimentar, realizando apenas uma acção isométrica. A força registada
nesta última situação, representa o valor da Fmax do sujeito. Poderemos
assim dizer, que a acção isométrica não é mais do que um caso especial
da acção muscular concêntrica, em que a velocidade é zero
(Schmidtbleicher, 1992).

Se para além do registo da força produzida, avaliarmos também o tempo


do movimento, observaremos uma correlação negativa entre a Fmax e o
tempo do movimento. Esta correlação, aumentará de valores de r=-0.50
para cargas muito baixas (2-3 Kg) até r=-0.90 para cargas próximas do
máximo individual (Schmidtbleicher, 1992). Este comportamento fica a
dever-se, como já referimos anteriormente, ao facto da acção isométrica
voluntária máxima ser um caso especial das acções concêntricas e
também por outras razões que passaremos a analisar. Se a carga externa é
baixa a influência da Fmax diminui enquanto que o factor determinante é
a Taxa de Produção de Força (TPF), definida em termos quantitativos
como o declive da curva de força-tempo.

Como pode ser observado na figura 56, quando a carga a vencer é


pequena o impulso de aceleração depende essencialmente da TPF,
enquanto que com cargas de maior magnitude o impulso é determinado
mais pela Fmax que o sujeito pode produzir contra essa resistência. Se
294 • Metodologia do treino desportivo I !

após uma acção muscular isométrica realizada contra uma resistência


inamovível, o sistema neuromuscular for sujeito a uma carga supra-
maximal que conduza a uma acção excêntrica do sistema, a curva de
força-tempo registará um incremento, que poderá ser de maior ou menor
dimensão, e estaremos, então, a avaliar a força excêntrica máxima (figura
57).

Para atingir a força isométrica máxima o sistema neuromuscular activará


o número de unidades motoras (UM) que o sistema nervoso for capaz de
mobilizar de forma voluntária, através dos mecanismos de recrutamento
e de frequência de activação de UM. A limitação fisiológica para
alcançar o valor de força mais elevado, pode ser de dupla natureza. Uma
limitação ao nível da quantidade de massa muscular ou uma incapacidade
nervosa para mobilizar toda a massa muscular disponível.

Figura 56. Curvas de Força-Tempo de acções concêntricas realizadas contra


diferentes resistências. As áreas a tracejado representam o impulso de aceleração,
(adaptado de Schmidtbleicher, 1992).

Se após alcançar a força isométrica máxima, i.e., o valor máximo


voluntário de força que o sistema é capaz de produzir face à massa
muscular disponível e à capacidade de activação nervosa, quando sujeito
a uma sobrecarga que condiciona uma acção muscular excêntrica à qual o
" Estudo do factor físico desportivo - Força • 295

indivíduo tem de resistir, este consegue produzir ainda mais força, o que
pode ser observado pelo incremento na curva de força-tempo, estaremos
então em presença de um importante factor de diagnóstico: o sistema não
teve capacidade de mobilizar/activar toda a massa muscular existente
através da acção isométrica voluntária máxima, mas ao ter de resistir
excentricamente, de forma não voluntária, houve capacidade para
produzir ainda mais força, o que significa que nem toda a massa
muscular terá sido anteriormente mobilizada. A avaliação da força
excêntrica máxima é assim um indicador da força absoluta, isto é, a força
produzida face à área da secção transversal do músculo (Schmidtbleicher,
1985a; 1985b).
A diferença entre a força excêntrica máxima e a força isométrica
máxima traduz assim uma indicação sobre a capacidade do sistema
neuromuscular activar toda a massa muscular de um determinado
grupo muscular, sendo assim um indicador da capacidade de activação
nervosa.
Esta diferença numérica (FExc - FIsom) traduz o Défice de Força
(DF), o qual pode variar entre 0 e 50% da força isométrica máxima
para os membros superiores e entre 0 e 25% para os membros
inferiores. Este conceito de DF constitui um importante critério para o
diagnóstico da capacidade de produção de força de um indivíduo num
determinado momento e sobretudo um indicador da natureza da
limitação, se nervosa se muscular.
Por outro lado, constitui também um importante factor para a
prescrição do treino da força, já que indicará ao técnico se a opção
deve ser feita por métodos que conduzam à hipertrofia muscular ou à
melhoria da activação nervosa (Schmidtbleicher, 1985a; 1985b; 1992).
Em síntese:
a Fmax é o valor mais elevado de força que o sistema
neuromuscular é capaz de produzir, independentemente do factor
tempo, e contra uma resistência inamovível.
296 • Metodologia do treino desportivo I !

Apesar da Fmax se poder também expressar em termos


concêntricos, desde que se produza força o mais rapidamente possível,
só a magnitude da resistência exterior determina o valor máximo de
força que se pode atingir. Por esta razão, a Fmax deve ser avaliada em
regime isométrico.
A força excêntrica máxima constitui um indicador da força
absoluta, ou seja, da capacidade de produção de força face à área da
secção transversal do músculo.
Por esta razão, a força absoluta está directamente associada ao grau
de hipertrofia muscular, enquanto que a força isométrica máxima
reflecte a capacidade do sistema nervoso activar de forma voluntária a
massa muscular no sentido de atingir o valor mais elevado de força.
A diferença entre a força excêntrica máxima e a força isométrica
máxima, traduz o conceito de Défice de Força, o qual pode ser
definido como um indicador da capacidade momentânea do sistema
neuromuscular, em activar toda a massa muscular.
Por último, a Fmax deve ser entendida como uma forma de
manifestação da força que influencia todas as outras componentes e
por essa razão se encontra a um nível hierárquico superior.

F (N)

FIso Max FExc Max

200 Newtons

0 0.500 1.000 1.500 2.000 2.500


segundos
" Estudo do factor físico desportivo - Força • 297

Figura 57. Curva de Força-Tempo de um movimento de extensão dos membros


inferiores. Até à linha vertical o sujeito realizou uma acção muscular isométrica,
após o que uma carga supra-maximal foi aplicada, tendo o sujeito que resistir através
de uma acção muscular excêntrica. A diferença entre o valor da força excêntrica
máxima (FExcMax) e isométrica máxima (FIsoMax) traduz o conceito de Défice de
Força (DF).

3.1.3. A força absoluta, relativa e limite

Os limiares de mobilização da força muscular podem ser deslocados sob


condições motivacionais e sob condições correspondentes de treino.
Deste modo, um praticante altamente treinado e altamente motivado
desenvolve níveis de força superiores em relação a um individuo forte
não treinado com niveis idênticos de massa muscular.

Poliquin e Patterson (1989) entendem por força limite o pico de força que
o sistema neuro-muscular é capaz de exercer numa única contracção
máxima. A força limite diferencia-se de todas as outras formas de
manifestação da força por ser considerada uma resposta instintiva a uma
situação de elevado risco, que envolva pouca ou nenhuma acção
voluntária. Existem ainda algumas definições de formas de manifestação
da força que estão intimamente relacionadas com o peso de um
indivíduo:
a força absoluta é o valor de força mais elevado que um atleta pode
produzir, independentemente do peso do corpo e do tempo de
desenvolvimento da força. O peso do corpo e a "performance" estão
intimamente correlacionados em atletas onde a força absoluta é uma
importante qualidade física. A força excêntrica máxima é um bom
indicador do nível de força absoluta; e,
a força relativa é o valor de força produzido por um atleta por
unidade de peso corporal. Elevados níveis de força relativa são
importantes em desportos em que os atletas têm de movimentar todo o
298 • Metodologia do treino desportivo I !

seu peso corporal como é o caso dos saltos na Ginástica, e nos


desportos que envolvem classes de pesos tais quais o Judo e o Boxe.

3.1.4. A relação da força máxima com as outras manifestações de força

A força máxima é a componente básica da força muscular, está do ponto


de vista hierárquico num nível superior, o que significa em termos
práticos que, qualquer alteração dos níveis da força máxima
condicionam, por si só, alterações nos parâmetros da força rápida e da
força de resistência.

3.2. Força Rápida

3.2.1. Definição

Por Força Rápida devemos entender a capacidade do Sistema


Neuromuscular produzir o maior impulso (I=FxT) possível num
determinado período de tempo. Se considerearmos uma curva de força
em ordem ao tempo, o impulso traduz-se pela área delimitada pela curva
(ver figura 56).

Força Máxima

Força Rápida Força de Resistência

Figura 58. Componentes da força muscular e sua relação hierárquica

3.2.2. As componentes da força rápida

Para atingir a Fmax um atleta muito bem treinado necessitará de cerca de


500-600 ms se se tratar de um movimento de extensão dos membros
" Estudo do factor físico desportivo - Força • 299

superiores, enquanto que para uma acção de extensão dos membros


inferiores necessitará de 800-900 ms. Se pensarmos que o tempo de
contacto com o solo de um bom velocista é de cerca de 100 ms, ou que o
tempo de contacto para um saltador em comprimento ou triplo deve ser
inferior a 170 ms, ou por último que os tempos de contacto com o solo da
grande maioria dos deslocamentos realizados nos desportos colectivos se
situa entre os 250 e os 400 ms, com facilidade nos aperceberemos que em
muitos gestos desportivos o tempo para produzir força é muito limitado.
Por esta razão, na grande maioria dos gestos desportivos o parâmetro
mais importante não é o valor de força mais elevado mas sim a
velocidade com que a força muscular pode ser produzida.

Por força rápida, deve assim entender-se o melhor impulso que o sistema
neuromuscular é capaz de produzir num determinado período de tempo
(Schmidtbleicher, 1985a; 1985b; 1992). A análise da curva força-tempo é
a melhor forma de ilustrar os diferentes componentes da força rápida
(figura 59). Quando a resistência a vencer é muito pequena (inferior a
25% da Fmax) e o movimento a realizar pode considerar-se de natureza
balística, o factor predominante é a Taxa Inicial de Produção de Força
(TIPF), também denominada de Força Inicial (Schmidtbleicher, 1992).
Por Força Inicial entende-se a capacidade do sistema neuromuscular
acelerar o mais rapidamente possível desde o zero. Na curva força-tempo
representada na figura 59, a TIPF é o início do declive da curva. Esta
componente da Força Rápida é essencial em gestos desportivos nos quais
é requerida uma grande velocidade inicial, p.e., karate, esgrima, boxe,
etc.

À medida que a resistência a vencer vai aumentando, como por exemplo


em gestos desportivos como os lançamentos, a Taxa Máxima de
Produção de Força (TMPF), também designada por Força Explosiva,
assume preponderância. Para resistências superiores a 25% da Fmax, o
300 • Metodologia do treino desportivo I !

valor da TMPF é sempre o mesmo, o que equivale a dizer, que a força


explosiva pode ser avaliada quer através de uma acção isométrica quer
através de uma acção concêntrica, desde que a resistência a vencer seja
superior a 25% da Fmax.
Força (N)
4000 Fmax

3000

2000

1000

0
200 400 600 800 1000
Tempo (ms)

Figura 59. Curva isométrica de Força-Tempo e componentes da força Rápida: Força


Inicial e Força Explosiva. A seta indica o momento (250 ms) até onde a Taxa Inicial
de Produção de Força (TIPF), ou Força Inicial e a Taxa Máxima de Produção de
Força (TMPF), ou Força Explosiva assumem papel preponderante.
Até aqui temos vindo a considerar apenas acções isométricas ou
concêntricas, contudo a grande maioria dos gestos desportivos envolve a
realização de ciclos musculares de alongamento-encurtamento (CMAE),
pelo que a última componente da Força Rápida é a Força Reactiva.

Figura 60. Na locomoção humana (marcha, corrida, salto) os músculos extensores


dos membros inferiores são periodicamente sujeitos a um ciclo muscular de
alongamento encurtamento, que se assemelha ao rodar de um cubo.
" Estudo do factor físico desportivo - Força • 301

A Força Reactiva é uma forma de manifestação da força relativamente


independente das outras componentes da força, quer isto dizer, que, p.e.,
se relacionarmos a influência dos niveis de Fmax na "performance" do
CMAE (figura 61), não será de estranhar que encontremos valores de
correlação muito baixos. Esta observação traduz a já referida
independência entre o funcionamento muscular em CMAE e as acções
isométricas e concêntricas. A produção de força em CMAE está
dependente da interacção de vários mecanismos que se completam e
potenciam. Assim, antes do contacto com o solo, os músculos agonistas
do movimento são pré-activados, como resultado de um processo de pré-
programação do Sistema Nervoso Central (Dietz et al., 1981) (momentos
a e b na figura 61). Este nível de pré-activação ao permitir a ligação de
algumas pontes cruzadas entre as proteínas contrácteis, vai ser
responsável pelo nível inicial de stiffness muscular, o qual será o
primeiro factor para resistir de forma activa ao rápido e forte
alongamento do complexo músculo-tendinoso durante o período inicial
de contacto com o solo (momento b da figura 61).

a
b

c d

Fz

Gon

EMG Pre AR ARet

-100 0 40 120 T (ms)


302 • Metodologia do treino desportivo I !

Figura 61. Representação de um exercício (salto em profundidade) que envolve um


ciclo muscular de alongamento-encurtamento, e respectiva curva de força, de
deslocamento angular do joelho e electromiograma do músculo vasto interno.

A partir de determinado momento, a tensão muscular será tão grande que


se torna necessário um forte "input" nervoso para equilibrar o sistema
(momentos b - c da figura x). A ocorrência deste "input" nervoso de
natureza reflexa, vai permitir que a maior parte da energia elástica possa
ser armazenada nos tendões dos músculos extensores da perna (Gollhofer
et al., 1992). Este conjunto de mecanismos permitirá na fase propulsiva
(fase concêntrica) uma utilização desta energia elástica, que se traduzirá
numa potenciação da força e numa baixa activação nervosa (Gollhofer et
al., 1992) (momentos c - d na figura 61).

A "performance" do CMAE está assim, essencialmente associada à


qualidade dos mecanismos de regulação neurais (Dietz et al., 1981;
Gollhofer et al., 1992; Komi, 1984; Schmidtbleicher, 1992) e ao estado
de treino/adaptação do complexo músculo-tendinoso relativamente ao
seu potencial contráctil e elástico (Dietz et al., 1981; Gollhofer et al.,
1992; Komi, 1984; Schmidtbleicher, 1992).

Pré- Inibição
SISTEMA Activação
NERVOSO

Activação Menos Actv.


Reflexa F. Concêntrica

SISTEMA Elasticidade
Secção
Transversal Tipo de Fibras Músculo
MUSCULAR Tendinosa

Capacidade de Capacidade
COMPONENTES Pré-Tensão Absorção Propulsiva

FORÇA REACTIVA

Figura 62. Representação esquemática da análise estrutural da força, para acções


musculares que envolvam o Ciclo Muscular de Alongamento - Encurtamento. As
" Estudo do factor físico desportivo - Força • 303

linhas mais carregadas traduzem uma influência maior de uma estrutura sobre a
outra.

A duração do tempo de contacto com o solo permite distinguir entre dois


tipos de CMAE.
O CMAE do tipo longo é caracterizado por um grande
deslocamento angular das articulações coxo-femoral, do joelho e tibio-
társica e por uma duração total superior a 250 ms. Como exemplos de
gestos desportivos nos quais estão envolvidos CMAE deste tipo,
poderemos referir o salto para o lançamento no basquetebol, o salto de
bloco no voleibol e os deslocamentos laterais da maior parte dos
desportos colectivos.
Ao invés, o CMAE do tipo curto caracteriza-se por um
deslocamento angular das referidas articulações muito reduzido e com
uma duração total entre 100-200 ms. A chamada para o salto em
comprimento, triplo-salto e salto em altura, constituem os exemplos
mais significativos deste tipo de CMAE.

A figura 62 ilustra de forma esquemática as relações de dependência


entre a produção de força em CMAE e os principais factores nervosos e
musculares que regulam este tipo de funcionamento muscular.

3.2.3. As relações entre Força Máxima e Força Rápida

A figura 63 sintetiza as relações de dependência entre as diferentes


formas de manifestação da força (para acções musculares concêntricas e
isométricas) e os principais factores nervosos (recrutamento e frequência
de activação) e musculares (composição muscular e grau de hipertrofia)
que estão associados. Em síntese:
a Fmax e a Força Rápida não são entidades distintas e comportam
uma relação hierárquica entre elas. A Fmax é a componente básica e
304 • Metodologia do treino desportivo I !

fundamental, influenciando a produção de força rápida,


particularmente em acções isométricas e concêntricas.
A TPF é determinada pela capacidade do sistema nervoso aumentar
o recrutamento e a frequência de activação das unidades motoras, bem
como pelas características contrácteis das respectivas fibras
musculares.

SISTEMA
Recrutamento F. Activação
NERVOSO

SISTEMA Secção
Tipo de Fibras Transversal
MUSCULAR

COMPONENTES F.Absoluta F.Máxima TMPF TIPF

FORÇA RÁPIDA

Figura 63. Representação esquemática da análise estrutural da força, para acções


musculares concêntricas e isométricas. As linhas mais carregadas traduzem uma
influência maior de uma estrutura sobre a outra. TMPF = Taxa Máxima de Produção
de Força; TIPF = Taxa Inicial de Produção de Força.
Para resistências muito baixas a TIPF constitui o factor mais
importante, com o aumento progressivo da carga a TMPF constitui o
elemento predominante, até a Fmax assumir a liderança do processo,
nas situações em que as resistências a vencer são muito elevadas.
A participação relativa da TIPF, TMPF e Fmax pode também ser
caracterizada face à duração do movimento. Assim, para movimentos
inferiores a 250 ms a TIPF e a TMPF são os factores predominantes,
enquanto que a Fmax desempenha um papel mais importante em
movimentos com duração superior a 250 ms.
A produção de força em CMAE é relativamente independente da
Fmax, sendo a sua correlação muito baixa. A qualidade do padrão de
" Estudo do factor físico desportivo - Força • 305

inervação parece ser o critério fundamental para determinar a


"performance" muscular do CMAE.

3.3. Força de Resistência

Representa uma capacidade mista de força e resistência. Manifesta-se na


possibilidade de realizar esforços de força em actividades de média e longa
duração, resistindo à fadiga e mantendo o funcionamento muscular em
níveis elevados.

O nível de força máxima exerce uma influência positiva na força de


resistência. Consideremos o seguinte exemplo. Se a uma determinada
velocidade um remador necessita de realizar em termos médios cerca de
500N de força por remada e possui nesse movimento um nível de força
máxima de 1000N, então o remador estará a trabalhar a 50% do seu máximo
em cada remada realizada. Se o nível de força máxima do atleta fosse
apenas de 750N, então o remador teria de trabalhar a cerca de 67% do seu
máximo, atingindo mais precocemente a fadiga.

Um exemplo semelhante acerca da importância que os níveis de força


máxima exercem sobre a força de resistência, pode ser visto se observarmos
a relação inversa entre a carga de 1RM e o número máximo de repetições
que um sujeito é capaz de realizar com uma determinada percentagem desse
máximo.

Tomando como referência os dados da figura x, um sujeito com um valor


máximo de 100kg no supino, será capaz de realizar cerca de 6 a 7 repetições
com uma carga de 75kg (i.e., 75% do máximo). Contudo, se o seu máximo
for aumentado para 150kg uma carga de 75kg representará apenas 50% do
máximo e ele será capaz de realizar 12 a 13 repetições. Assim, com um
aumento de apenas 50% no valor de 1RM (100 para 150kg) o aumento na
força de resistência foi de 100% (6 para 12 repetições).
306 • Metodologia do treino desportivo I !

Para além das acções musculares concêntricas e isométricas, a força de


resistência pode também exercer um papel importante nas acções
musculares em ciclo muscular de alongamento-encurtamento (CMAE). A
componente da força muscular que intervém com relevância na
"performance", p.e., de atletas corredores de fundo é o CMAE. Durante a
corrida os músculos extensores dos membros inferiores são sujeitos a
milhares de impactos com o solo que resultam num funcionamento
muscular em CMAE.

% Máximo
100
95
90
85
80
75
70
65
60
55
50 12 14
0 2 4 6 8 10
Nº repetições

Figura 64. Relação entre o número de repetições e a carga (McDonagh e Davies, 1984).

4. Os Métodos de Treino

A mesma diversidade terminológica que salientámos a propósito da


classificação das diferentes formas de manifestação da força, está patente na
tradicional classificação dos métodos de treino. As classificações mais comuns
baseiam-se na carga utilizada e outras utilizam a denominação da modalidade
desportiva que mais os utilizam (método do halterofilista, método do culturista,
etc.). Este tipo de classificação tem conduzido muitas vezes a uma generalizada
" Estudo do factor físico desportivo - Força • 307

imprecisão entre o nome do método, o objectivo que se pretende atingir e o


verdadeiro resultado obtido. A título de exemplo, refira-se a convicção
generalizada de que o Método da Força Máxima conduz ao aumento da força
máxima, o que na realidade não acontece. A Fmax incrementa-se com a
utilização de cargas sub-máximas, possibilitando a realização de um número
suficiente de repetições que induza um estímulo de longa duração, que conduza
à deplecção energética. Só uma organização da carga deste tipo pode conduzir à
hipertrofia, a adaptação muscular que permite alcançar níveis mais elevados de
Fmax. Como este exemplo, poderíamos referir outros que reflectem um
conjunto de convicções que se generalizaram na prática do treino da força, mas
que correspondem a imprecisões que podem tornar-se gravosas.

Uma outra dificuldade advém do facto de muitas vezes se considerar, que o


treino da força apenas faz apelo a alterações a nível da actividade enzimática no
seio das fibras musculares, o que em última análise conduz à hipertrofia
muscular. Com base nesta convicção, muitos atletas são desaconselhados de se
envolverem em processos de treino da força, sob o argumento de que isso
implica forçosamente um aumento da massa muscular e, logo, do peso, o que
seria prejudicial para a realização de acções musculares explosivas. Convém a
este propósito salientar que qualquer incremento na Fmax implica sempre uma
alteração na força relativa (força por quilograma de peso corporal) e por isso
uma adaptação positiva na potência muscular.

Os resultados da investigação científica fundamental sobre a fisiologia


muscular, em conjunto com as observações da investigação mais aplicada,
permitem um agrupamento das formas de trabalho mais utilizadas no treino da
força em redor das suas características principais e sobretudo face ao tipo de
adaptações a que conduzem. Na nossa opinião, foi Schmidtbleicher
(Schmidtbleicher, 1985a; 1985b; 1992) quem melhor conseguiu construir uma
classificação para os métodos de treino da força, reunindo em quatro grandes
conjuntos os principais tipos de organização da carga, tipos de acção muscular
308 • Metodologia do treino desportivo I !

e sobretudo fazendo coincidir claramente o nome do método com a adaptação,


muscular ou nervosa, a que conduzem.

Os métodos de treino da força devem especificar os seguintes aspectos:


Tipo de trabalho muscular:
concêntrico
excêntrico
isométrico
Modo de aplicação da força:
explosivo
moderado
lento

Características da dinâmica da carga


intensidade da carga (% em relação à carga máxima)
número de repetições
número de séries
duração dos intervalos

4.1. Os Métodos da Hipertrofia Muscular

Os Métodos da Hipertrofia Muscular também designados por Métodos Sub-


Máximos, têm como objectivo incrementar a força máxima (Fmax), através
do aumento da massa muscular, i.e., hipertrofiando o músculo. Sob esta
classificação podemos encontrar diferentes sub-métodos com diversas
variantes ao nível do arranjo da dinâmica da carga, mas com uma filosofia
base comum:
induzir a fadiga, através de um estímulo sub-máximo e de longa
duração para que ocorra uma determinada deplecção energética e
consequentemente se estimulem os fenómenos de resíntese para a prazo
se poder observar aumento da área da secção transversal do músculo.
" Estudo do factor físico desportivo - Força • 309

A dinâmica da carga para esta grande família de métodos caracteriza-se por


uma intensidade entre 60 - 80% do máximo isométrico individual, e um
elevado número de séries (3 a 5) e de repetições (6 a 20). O ritmo de
execução deve ser moderado para permitir que o estímulo tenha duração
suficiente. É comum que nas últimas repetições da última série seja
necessário alguma assistência para que o atleta consiga realizar o
movimento, face à fadiga que entretanto se terá instalado.

Tabela 2. Métodos da Hipertrofia Muscular

Método da Método Método do Método do Método


da Carga da Carga Culturista Culturista Isocinético
Constante Progressiva (extensivo) (intensivo)

Acção Muscular
Concêntrica * * * * *
Excêntrica *

Intensidade (%) 80 70, 80, 85, 90 60 - 70 85 - 95 70

Repetições 8 - 10 12, 10, 7, 5 15 - 20 8-5 15

Séries 3-5 1, 2, 3, 4 3-5 3-5 3

Intervalo (min) 3 2 2 3 3

Adaptado de Schmidtbleicher, 1992

A tabela 2 sumaria os principais métodos para o desenvolvimento da


hipertrofia muscular, a saber:
4.1.1. Método da Carga Constante

Com uma carga equivalente a 80% do máximo individual (1RM), devem


realizar-se 3 a 5 séries com 8 a 10 repetições cada e um intervalo de 3
minutos entre cada série.
4.1.2. Método da Carga Progressiva
310 • Metodologia do treino desportivo I !

Com um incremento progressivo entre séries (70 - 80 - 85 - 90%), o


número de repetições baixará da primeira até à última série (12, 10, 7, 5).
O intervalo de repouso entre séries é de 2 minutos. Se as últimas
repetições oferecerem grande dificuldade é comum ser necessário
recorrer à ajuda de um companheiro para suavemente assistir na
realização destas últimas repetições.
4.1.3. Método do Culturista (extensivo)

Como o próprio nome sugere, é um dos métodos mais utilizados pelos


culturistas, os atletas que levam ao extremo a hipertrofia do músculo.
Apesar dos objectivos do treino do culturista não poderem ser
comparados com o que um atleta de qualquer outra modalidade espera de
um processo de treino da força, o tipo de organização da carga dos
métodos sub-máximos receberam bastante influência do tipo de treino
dos culturistas. Neste método a carga a utilizar varia entre 60 a 70% do
máximo individual e o número de repetições entre 15 e 20. O número de
séries varia entre 3 e 5 e o respectivo intervalo de repouso é de 2
minutos.
4.1.4. Método do Culturista (intensivo)

Utilizado também com frequência pelos culturistas, este método utiliza


cargas mais elevadas, entre 85 a 95% do máximo individual e um número
de repetições naturalmente mais reduzido (entre 5 e 8). O intervalo de
repouso entre as séries é de 3 minutos. Por utilizar uma intensidade mais
elevada o aumento da massa muscular consegue-se mais por uma
hipertrofia das fibras rápidas do que das fibras lentas.
4.1.5. Método “isocinético”

Este tipo de trabalho de força requer a utilização de equipamento que


permita uma resistência acomodativa e uma velocidade de deslocamento
exterior também constante. Ao promover uma resistência variável
durante o deslocamento angular, este tipo de equipamento solicita do
" Estudo do factor físico desportivo - Força • 311

músculo uma activação máxima durante todos os graus angulares, sendo


este um aspecto importante para ser considerado um bom método para
aumentar a massa muscular. À excepção de modalidades em que o tipo
de movimento competitivo se assemelha a algo que poderíamos designar
de “quase-isocinético” como por exemplo a natação, o remo, a
canoagem, nos quais é justificável a integração de treino isocinético no
âmbito do trabalho específico de força, este tipo de estimulação muscular
deve ser restringido, no caso de actividades de potência, às fases de
preparação iniciais.

Em todos estes métodos, a velocidade de execução dos movimentos diminui


da primeira para a última repetição e da primeira para a última série. Por
esta razão, o estímulo caracteriza-se por ser longo, contínuo e sub-máximo.
Para que os ganhos de força e de massa muscular sejam os maiores
possíveis, em cada microciclo é determinante que o máximo individual seja
reaferido. Se este procedimento não for seguido, o princípio mais
importante do treino da força - o princípio da sobrecarga - não está a ser
cumprido e o atleta está a utilizar, eventualmente, uma carga inferior às suas
reais possibilidades. É preciso não esquecer que, sobretudo em atletas
iniciados, os ganhos de força são mensuráveis logo após as primeiras
sessões de treino, o que reforça a necessidade de reaferir os valores de 1RM
frequentemente. Outro requisito importante para evitar a estagnação,
consiste na mudança de método (dentro do tipo de métodos escolhido para o
período em causa) ou pelo menos na variação da organização da carga ao
fim de 2/3 microciclos se considerarmos quatro sessões semanais de treino
de força. Com esta frequência semanal, os maiores efeitos deste tipo de
métodos poderão ser alcançados ao fim de 10-12 semanas. Este duração só
tem um interesse científico, já que, como salientámos, não se poderá nunca
submeter um atleta ao mesmo método de treino durante 10 ou 12 semanas.

A avaliação dos ganhos de força deve acompanhar o processo de treino.


Como já salientámos, quando nos referimos à Fmax estamos a referirmo-nos
312 • Metodologia do treino desportivo I !

à força isométrica máxima, já que, como também verificámos, só em regime


isométrico se pode aceder a uma contracção voluntária máxima (CVM).
Esta avaliação da força isométrica permitirá a obtenção de uma curva de
força-tempo, na qual será também possível determinar outros parâmetros da
curva força-tempo que não apenas a Fmax.

Força (N)
4000
b
Fmax

3000
a

2000

1000

0
200 400 600 800 1000
Tempo (ms)

Figura 65. Curvas de força tempo de um movimento isométrico de extensão do joelho.


A curva "a" representa o momento inicial e a curva "b" representa o momento após 8
semanas de treino com métodos sub-máximos.

Na figura 65 é possível observar o tipo de alterações que o treino com


métodos sub-máximos induz no sistema neuromuscular e que pode ser
observado através de uma curva de força-tempo. O nível máximo de força
aumentou claramente do primeiro para o segundo momento de avaliação,
enquanto que a taxa de produção de força não registou alterações muito
significativas. Apesar de ser este o procedimento ajustado para monitorizar
os ganhos de força máxima, não está acessível ao nível da prática do treino.
Para prescrever a intensidade da carga, bem como para determinar o
máximo individual, o procedimento expedito é o recurso ao teste de 1RM -
o valor da carga com que o atleta consegue realizar uma única repetição. Por
se tratar de um procedimento de terreno e de fácil aplicação, enfatiza-se a
necessidade de o utilizar com a frequência necessária para reavaliar
continuamente o máximo individual.
" Estudo do factor físico desportivo - Força • 313

Salientámos já anteriormente a necessidade de incluir, nos procedimentos de


avaliação e controlo, para além da avaliação do máximo individual, um
indicador da capacidade momentânea de activação da massa muscular. Este
indicador é o Défice de Força (DF), mas os instrumentos para a sua
determinação também não estão à disposição, tal como para a Fmax, nos
locais de treino habituais. Sem significar um teste de substituição, rigoroso e
eficaz, Schmidtbleicher (1992) sugeriu que o número de repetições que um
atleta é capaz de realizar 90% de 1RM, constitui um indicador da magnitude
do DF desse atleta. Entre 1 e 3 repetições considera-se um indicador de que
o DF é pequeno, enquanto que mais do que 3 repetições sugere um grande
défice. Deste modo, na prática do treino os procedimentos de avaliação e
controlo devem ser: (1) o teste de 1RM, para estimar a Fmax individual e
(2) o número de repetições realizáveis com 90% de 1RM, como indicador
grosseiro do DF individual. Estes procedimentos permitirão a selecção
ajustada das cargas (% do máximo individual), bem como a selecção
momentânea do tipo de métodos a utilizar (métodos hipertróficos ou
nervosos).

Se quisermos monitorizar os ganhos de massa muscular, o procedimento


mais rigoroso, apesar do seu difícil acesso, é a tomografia computorizada.
Esta técnica de imagem permite obter, em corte, a secção transversal de um
segmento corporal, possibilitando a determinação do diâmetro delimitado
pela massa muscular de determinado músculo. O procedimento mais
expedito, apesar da magnitude do erro que lhe está associado, consiste na
utilização das técnicas antropométricas clássicas. Os perímetros musculares,
acompanhados da respectiva correcção para a camada adiposa subcutânea,
constituem o procedimento de terreno mais ao alcance do técnico desportivo
e podem fornecer indicações sobre os ganhos de massa muscular.
4.2. Os Métodos da Taxa de Produção de Força

Os Métodos da Taxa de Produção de Força, também designados de Métodos


Máximos, têm como objectivo incrementar a taxa de produção de força
314 • Metodologia do treino desportivo I !

(TPF) ou força explosiva, através do aumento da capacidade de activação


nervosa. Por aumento da capacidade de activação nervosa, devemos
entender todo o conjunto de mecanismos neurais, já revistos no início deste
capítulo, que podem contribuir para aumentar a capacidade do músculo
produzir força, nomeadamente o recrutamento, a frequência de activação e a
sincronização de activação das unidades motoras (UM).

Se as UM que têm a capacidade de produção de força mais elevada, são as


UM das fibras tipo II (vulgarmente designadas de fibras rápidas), de acordo
com o Princípio do Recrutamento das UM, estas só serão recrutadas se a
resistência a vencer for suficientemente grande para que o seu limiar de
recrutamento seja atingido. Por esta razão, para mobilizar as fibras rápidas,
é necessário vencer resistências muito próximas do máximo individual, pois
só assim se garante o recrutamento dessas fibras. Complementarmente, para
solicitar o aumento da frequência de activação das UM, i.e., o número de
estímulos por unidade de tempo, é crucial que a acção muscular seja
realizada de forma explosiva, i.e., com uma grande velocidade de
contracção muscular.

A observância destes dois pressupostos fundamentais conduz a que a


organização da carga deste tipo de métodos se caracterize por:
cargas muito elevadas; e,
acção muscular explosiva.

Só desta forma se garante que em cada repetição se tentem mobilizar todas


as UM de um determinado grupo muscular, bem como aumentar a
frequência dos disparos. Em conjunto e sobre o tempo, estes dois
mecanismos poderão conduzir a uma certa sincronização dos disparos das
diferentes UM, constituindo este (sincronização) o terceiro grande
mecanismo nervoso de incremento da produção de força.
Um dos aspectos determinantes do êxito deste tipo de métodos, prende-se
com a necessidade de distinguir entre velocidade de acção ou de contracção
" Estudo do factor físico desportivo - Força • 315

muscular e velocidade de movimento. Naturalmente que com resistências


muito próximas do máximo, não é possível realizar movimentos com a barra
de musculação a grande velocidade, contudo, é possível acelerar contra a
barra à máxima velocidade de contracção, apesar do movimento observável
da barra ser naturalmente baixo. Este aspecto é de capital importância pois
só assim se poderá garantir que em cada repetição ao sistema neuromuscular
foi solicitado uma maior frequência de activação das UM. Se este
procedimento e esta explicação, naturalmente em termos simplificados, não
for dada aos técnicos e atletas, a utilização deste tipo de métodos não
induzirá benefícios significativos ao nível da força explosiva.
Tabela 3. Métodos da Taxa de Produção de Força

Método Método Método Método


Quase Concêntrico Excêntrico Conc/Exc
Máximo Máximo Máximo Máximo

Acção Muscular
Concêntrica * * *
Excêntrica * *

Intensidade (%) 90,95,97,100 100 150 70 - 90

Repetições 3,1,1,1+1 1 5 6-8

Séries 1,2,3,4+5 5 3 3-5

Intervalo (min) 3-5 3-5 3 5

Adaptado de Schmidtbleicher, 1992

A tabela 3 sumaria os principais Métodos da Taxa de Produção de Força ou


Métodos Máximos, a saber:

4.2.1. Método Quase Máximo


316 • Metodologia do treino desportivo I !

Neste método são possíveis duas variantes. A utilização de uma pirâmide


em que a intensidade da carga vai aumentando progressivamente ao
longo das séries (90, 95, 97 e 100%), com a realização de 3 repetições na
primeira série e apenas 1 repetição nas restantes 3 séries. No final das
quatro séries é realizada uma repetição extra com o objectivo de reavaliar
o máximo individual (1RM). A segunda variante consiste na utilização de
uma carga constante (90%), para a realização de 3 séries de 3 repetições.
Em todos estes métodos o intervalo de repouso deve ser de 3 a 5 minutos
para o grupo muscular que foi trabalhado. Poder-se-á iniciar uma outra
série antes deste período de tempo desde que para solicitar outro grupo
muscular.

4.2.2. Método Concêntrico Máximo

Originalmente concebido e introduzido pela escola halterofilista búlgara,


este método só deve ser utilizado por atletas excepcionalmente bem
preparados ao nível das suas capacidades de produção de força. Em cada
sessão faz-se continuamente (5 séries) uma tentativa (1 repetição) de
aumentar o máximo individual (1 RM). É um método muito utilizado
pelos halterofilistas, em períodos próximos das competições, já que em
cada sessão de treino se tenta ultrapassar a melhor "performance" do
atleta.

4.2.3. Método Excêntrico Máximo

Neste método a carga utilizada dever ser sempre superior ao máximo


individual (100 %), pois só uma carga dessa grandeza constitui estímulo
de treino para o caso das acções musculares excêntricas. O valor desta
carga não deve, contudo ultrapassar 150%. Os exercícios de treino
podem ser realizados com o auxílio de equipamentos apropriados ou, na
falta destes, os colegas podem elevar as cargas, realizando a parte
concêntrica do movimento. O número total de séries pode atingir as 3
" Estudo do factor físico desportivo - Força • 317

com 5 repetições em cada, com um intervalo de repouso entre séries de 3


minutos.
4.2.4. Método Concêntrico Excêntrico Máximo

A lógica de utilização deste método baseia-se na dupla vantagem da


acção concêntrica para o desenvolvimento da TPF e na superioridade da
carga excêntrica para activar o sistema neuromuscular. Assim, na fase
excêntrica do movimento a resistência (barra e pesos) deve ser
desacelerada de forma semelhante a uma queda brusca, para depois, sem
qualquer paragem, ser de novo acelerada na fase concêntrica do
movimento, no menor período de tempo possível. As cargas a utilizar
devem ser um pouco mais reduzidas do que as referidas para os métodos
anteriores. Como referência, cargas entre 70 e 90% do máximo
individual são apropriadas para este tipo de trabalho. O número de séries
pode variar entre 3 e 5 com 6-8 repetições por série. Face ao maior
número de repetições, é aconselhável um intervalo de repouso de 5
minutos.

Em síntese, todos estes métodos, têm por objectivo aumentar a taxa de


produção de força (ou força explosiva), promovendo adaptações de natureza
nervosa - aumento do recrutamento e frequência de activação das UM - e
com alterações mínimas na massa muscular. Todos estes métodos requerem
a utilização de cargas muito elevadas (90-100% de 1RM), reduzido número
de repetições (1-5), número de séries entre 3 e 5 e um amplo intervalo de
repouso (3-5 min). Um dos factores críticos para o êxito da utilização destes
métodos, reside na necessidade de realizar os exercícios com a máxima
velocidade de contracção possível. A opção por este tipo de métodos requer
que se determine ou, se não for possível, que se estime o Défice de Força
(DF) do atleta em causa. Um grande DF, o que traduz uma incapacidade de
activar toda a massa muscular existente, sugere a necessidade de se optar
por métodos de treino da força que conduzam a adaptações de carácter
nervoso, ou seja, os Métodos da Taxa de Produção de Força ou Métodos
318 • Metodologia do treino desportivo I !

Máximos. Os maiores ganhos, para uma frequência semanal de quatro


sessões semanais, podem ser alcançados ao fim de 6-8 semanas.

A figura 66 representa o tipo de adaptações, a que os métodos máximos


conduzem, observáveis através da curva de força-tempo. A curva (a)
representa o momento inicial e a curva (b) representa as alterações após 8
semanas de treino. Os ganhos mais significativos são visíveis no aumento da
taxa de produção de força (TPF) - definida pelo declive da curva de força-
tempo -, no tempo para atingir determinados níveis (em escala relativa e
absoluta) da Fmax. Os valores da Fmax regista apenas pequenas alterações
positivas.

Evidências acerca dos mecanismos nervosos que tenham contribuindo para


este tipo de adaptações, podem ser obtidas através de registos
electromiográficos (EMG) que apesar das suas limitações constituem o meio
indirecto de aceder às modificações ocorridas no padrão de inervação. O
IEMG tem sido o parâmetro electromiográfico mais utilizado para
monitorizar alterações da magnitude da activação nervosa.
Força (N)
Fmax
4000
b

3000 a

TPF
2000

1000

0
200 400 600 800 1000
Tempo (ms)

Figura 66. Curvas de força tempo de um movimento isométrico de extensão do joelho. A


curva "a" representa o momento inicial e a curva b representa o momento após 8
semanas de treino com métodos máximos.

A figura 67 ilustra o tipo de registo EMG associado à respectiva curva de


força-tempo. O IEMG - definido quantitativamente como a área delimitada
pela curva EMG - só permite diagnosticar a ocorrência de um aumento do
" Estudo do factor físico desportivo - Força • 319

"input" nervoso que activou o músculo, não permitindo identificar se esse


incremento de activação se ficou a dever mais a (1) um aumento do
recrutamento, ou a (2) um aumento da frequência de activação, ou a (3) uma
melhoria da sincronização das unidades motoras. Contudo, o estudo do
declive da curva EMG nos momentos iniciais da contracção muscular, pode
fornecer alguma indicação sobre a velocidade dos processos de inervação.

A utilização de parâmetros caracterizadores do espectro de frequências do


sinal EMG pode fornecer alguma indicação mais detalhada sobre o
funcionamento do mecanismo do recrutamento. A utilização dos parâmetros
do espectro de frequências (média e mediana da frequência) no diagnóstico
de alterações no recrutamento de UM, requer a observância de duas
premissas básicas: a relação entre a média e a mediana da frequência e a
velocidade de condução das fibras e a verificação através de EMG que as
fibras musculares das UM de maiores dimensões apresentam maior
velocidade de condução, o que está de acordo com a relação entre o
diâmetro da fibra e a velocidade de condução dos potenciais na sua
membrana.
6000
Força isométrica

Newtons

4000

2000

0.30
Vasto interno

0.25
0.20
mV

0.15
0.10
0.05
0.00
0.000 0.500 1.000 1.500 2.000 2.500 3.000
segundos

Figura 67. Curvas de Força-Tempo de um movimento isométrico de extensão dos


membros inferiores e registos electromiográficos rectificados do músculo vasto interno

Assim, um aumento do valor inicial da média e mediana da frequência, com


o aumento do nível de contracção, pode ser atribuído ao recrutamento
320 • Metodologia do treino desportivo I !

progressivo de UM constituídas por maiores fibras, as quais apresentam


maior velocidade de condução.

Moritani et al., 1987 (cit. Moritani, 1993) sugeriram que a utilização de


correlações cruzadas entre os registos EMG de, p.e., duas porções do
mesmo músculo puderiam fornecer alguma evidência acerca da possível
sincronização de disparo de diferentes UM. Após um período de treino, a
comparação entre os valores da correlação cruzada entre a curta e a longa
porção do músculo bicípete braquial, sugeriu que o disparo das UM poderá
ter ocorrido de forma mais sincronizada, já que os valores do coeficiente de
correlação passou de r=0.402 para r=0.913.

Assim, e por último, esta poderá ser uma outra forma de através do EMG
identificar o tipo de alteração de carácter neural que possa ter ocorrido após
a utilização de Métodos Máximos e talvez, contribuir para explicar os
mecanismos dos incrementos na TPF.

4.3. Os métodos mistos

Os Métodos Mistos são uma tentativa de integrar num mesmo método os


princípios básicos dos dois tipos de métodos que temos vindo a analisar. O
objectivo é incluir numa mesma sessão de trabalho o treino da hipertrofia e
da activação nervosa, ou seja, conciliar a força máxima com a taxa de
produção de força.

A carga tem uma organização baseada numa pirâmide de intensidade e de


repetições. Consideremos um exemplo: na primeira série utiliza-se uma
carga de 70% para 8 repetições. Na segunda e terceira séries a intensidade
aumenta para 80 e 90% e as repetições reduzem-se para 5 e 3,
respectivamente. Na quarta série atinge-se a intensidade máxima (100%) e
realiza-se apenas 1 ou 2 repetições. Nas séries seguintes, procede-se à
diminuição da intensidade da carga e aumento progressivo do número de
" Estudo do factor físico desportivo - Força • 321

repetições, com o mesmo racional das séries anteriores, mas agora com a
lógica inversa.

Ainda que a ideia possa parecer atraente, é necessário estar atento para as
desvantagens de organizar a carga desta forma. Ao utilizar nas duas
primeiras séries a filosofia dos métodos da hipertrofia muscular, quando se
realizarem as séries com carga mais elevada já o sistema neuromuscular
poderá apresentar fadiga nervosa, o que não permitirá obter os resultados
esperados. Se se optar pela situação inversa, iniciar a pirâmide pelas séries
com carga mais intensa, ao chegar às séries da hipertrofia é admissível que
as concentrações de lactato intramuscular sejam consideráveis, o que
constitui uma desvantagem para as adaptações do sistema nervoso.

Se considerarmos um mesmo período de tempo, a utilização de dois sub-


períodos, um para os Métodos Sub-Máximos seguido de outro para os
Métodos Máximos, os resultados serão superiores aos obtidos apenas com a
utilização de Métodos Mistos (Schmidtbleicher, 1992).

4.4. Os métodos reactivos

Os Métodos Reactivos visam potenciar o ciclo muscular de alongamento-


encurtamento (CMAE).Esta forma natural de funcionamento muscular é
relativamente independente das outras formas de manifestação da força e
portanto, requer métodos próprios para o seu desenvolvimento. Estes
métodos dirigem-se essencialmente à melhoria do padrão de inervação dos
músculos envolvidos. Esta melhoria, tal como tem vindo a ser salientado ao
longo desta revisão, caracteriza-se por: (1) aumento da amplitude da fase de
pré-activação nervosa e melhoria da precisão do seu "timing", para melhor
preparar o complexo músculo-tendinoso para o forte e rápido alongamento a
que vai ser sujeito após o contacto com o solo; (2) potente activação
nervosa, de origem reflexa, durante a fase excêntrica, no sentido de
contribuir para a regulação do stiffness muscular e dessa forma permitir
322 • Metodologia do treino desportivo I !

armazenar energia elástica no complexo músculo-tendinoso a qual possa vir


a contribuir para potenciar a fase concêntrica e (3) redução da activação
nervosa durante esta mesma fase.

Para que este tipo de adaptações nervosas ocorram como resultado do treino
com métodos reactivos, é fundamental observarem-se algumas regras, que
podemos considerar gerais, no desempenho técnico dos exercícios.
A primeira e mais importante regra diz respeito à necessidade de
realizar todo o trabalho reactivo à intensidade máxima, o que significa
dizer que quando realizamos, p.e., um multissalto ou um salto de
barreiras o objectivo deverá ser sempre saltar mais longe e mais alto.
Em segundo lugar, o contacto com o solo deve ser muito rápido e
reactivo, com um tempo de transição entre as fases excêntrica e
concêntrica o mais curto possível. Só desta forma se solicita um CMAE
que possa incluir os factores de potenciação que temos vindo a referir
(reflexo de alongamento > aumento do stiffness muscular >
armazenamento e utilização da energia elástica > potenciação da força) e
desta forma tornar-se um tipo de exercício mais económico.
Por último, neste tipo de métodos todo o trabalho deve ser realizado
em completa ausência de fadiga, pelo que os intervalos de repouso
devem ser rigorosamente observados.
Tabela 4. Métodos Reactivos.
Saltos sem Saltos com Saltos em Exercícios p/
Progressão Progressão Profundidade
Tronco/braços

Acção Muscular
CMAE * * * *

Intensidade (%) 100 100 100 100

Repetições 30 20 10 25

Séries 3-5 3-5 3-5 3-5

Intervalo (min) 5 5 10 5
" Estudo do factor físico desportivo - Força • 323

Adaptado de Schmidtbleicher, 1992

Talvez pela sua rápida divulgação, existe a convicção de que quando


falamos em exercícios reactivos, ou pliométricos, nos estamos a referir a
exercícios destinados apenas aos membros inferiores. Naturalmente que a
maioria das vezes assim é, mas é perfeitamente possível construir formas de
trabalho para os membros superiores, tal como referido na tabela 4.

4.4.1. Saltos sem Progressão

Neste grupo incluem-se todos os exercícios que não envolvem uma


progressão horizontal. Os "skipping", os saltos com contra-movimento,
os "hopping", constituem exemplos das formas de trabalho que podem
ser utilizadas. São essencialmente exercícios que envolvem
simultaneamente um duplo apoio. Um dos exercícios característicos deste
grupo, o "hopping", ou saltos verticais repetidos, são normalmente
realizados em três séries. Na primeira realizam-se 30 repetições à
frequência individual, para na segunda série se realizarem mais 30
repetições agora à máxima frequência (maior número de contactos com o
solo) e por último, na terceira série as mesmas 30 repetições com o
objectivo de alcançar a maior elevação possível do centro de gravidade.
É um procedimento que visa, com a alternância da frequência dos
contactos com o solo, adaptar o sistema neuromuscular a melhor
organizar a pré-activação muscular. Caso os exercícios envolvam apenas
um apoio, o número de repetições deve ser reduzido para 10.

4.4.2. Saltos com Progressão

Incluem-se, como o nome sugere, todos os exercícios que envolvem uma


progressão horizontal. Os multissaltos com todas as suas variantes, os
324 • Metodologia do treino desportivo I !

saltos sobre bancos e os saltos de barreiras, entre outros, constituem os


exercícios fundamentais deste grupo. Este conjunto de exercícios pode
ser realizado com duplo apoio e progressivamente com um só apoio, o
que aumentará a carga de alongamento, i.e., a intensidade. Por número de
repetições deve entender-se o número de apoios ou de contactos com o
solo. Estes devem ser rápidos e explosivos, de forma a que o
alongamento não seja exagerado e o tempo de transição entre as fases
excêntrica e concêntrica seja o mais curto possível. Uma dificuldade em
realizar de forma tecnicamente correcta, os exercícios escolhidos ou uma
dificuldade em cumprir o número de repetições previamente
estabelecido, devem ser critérios para interrupção da série de exercícios.
Todo o trabalho reactivo é essencialmente um trabalho de qualidade,
sendo, por isso, imprescindível a observância dos requisitos da técnica de
execução, sob pena de o treino se tornar contraprudecente e até,
potencialmente perigoso.

4.4.3. Saltos em Profundidade

É o exercício reactivo mais conhecido, mas também o mais exigente. A


sua utilização deve restringir-se a atletas muito bem treinados e deverá
ser o último exercício a ser utilizado. O número de repetições não deve
exceder as 10 e o número de séries pode variar entre três e cinco. O
intervalo de repouso dever ser sempre respeitado, apesar de poder parecer
muito grande e por vezes dispensável. Como já referimos, todo o treino
reactivo é essencialmente qualitativo e visa melhorar o padrão de
activação nervosa, pelo que todos os exercícios reactivos devem ser
sempre realizados sem fadiga. A selecção da carga de alongamento, i.e.,
a altura de queda dever ser feita individualmente. A forma mais rigorosa
consiste na determinação da altura de queda a partir da qual o atleta
consegue, no salto subsequente, atingir a maior elevação do centro de
gravidade. Um procedimento um pouco menos rigoroso, mas mais
expedito, consiste em seleccionar a altura de queda a partir da qual o
" Estudo do factor físico desportivo - Força • 325

atleta, no salto subsequente, durante o contacto não toca com o calcanhar


no solo. Este pormenor de execução técnica, sugere que o atleta é capaz
de suportar a carga de alongamento, sendo possível passar rapidamente
da acção excêntrica para a acção concêntrica, sem que o deslocamento
angular seja muito grande, logo, sem contactar o solo com o calcanhar. O
contacto com o solo não deve ser nem muito rápido nem muito longo. A
duração máxima não deve, contudo, ultrapassar os 200 ms. O
deslocamento angular do joelho deve também ser reduzido e todo o
movimento deve ser sempre realizado com máxima intensidade. O tipo
de superfície não deve ser artificialmente alterado com a colocação de,
p.e., colchões de ginástica, com o objectivo de amortecer o impacto com
o solo. Este procedimento impede a observância de um requisito
fundamental: ter um contacto rápido e reactivo com o solo. Apesar de
termos referido que o deslocamento angular deve ser reduzido, se o
objectivo for localizar mais a acção muscular nos músculos da coxa
(vasto interno e externo e recto anterior da coxa), Bosco et al., (1981b)
propuseram que com uma maior flexão do joelho no momento de
chegada ao solo, se poderia realizar o SP com uma maior solicitação dos
músculos da coxa. Este procedimento é particularmente importante para
gestos desportivos em que o salto vertical envolve uma maior flexão do
joelho como, p.e., no salto de remate em voleibol. O controlo do tempo
de contacto com o solo associado ao tempo de vôo, permite uma
avaliação da qualidade do trabalho realizado. Em ambientes de treino um
pouco mais exigentes, sugere-se a utilização de uma plataforma de
contactos para monitorizar o treino dos atletas.

4.4.4. Exercícios para o Tronco e Braços

Como haviamos já referido, apesar da grande generalização do trabalho


reactivo ter ocorrido associada a exercícios para os membros inferiores, é
perfeitamente possível conceber situações de trabalho reactivo para os
membros superiores. A utilização de bolas medicinais, barra de
326 • Metodologia do treino desportivo I !

musculação e outras pequenas resistências, podem ser usadas na maioria


dos exercícios. A lógica para a construção dos exercícios é o seguinte:
realizar um movimento que solicite um alongamento muscular, p.e., do
tricípete braquial, de forma a que a acção muscular seguinte seja uma
acção concêntrica desse mesmo músculo. A recepção e o rápido
arremesso de uma bola medicinal, constitui um exemplo de um exercício
reactivo para os membros superiores. Para uma situação
excepcionalmente exigente, pudemos considerar um exercício para os
membros superiores, com a mesma lógica do salto em profundidade. A
flexão de braços no solo, a partir de um pequeno ressalto, p.e., um banco
sueco, constitui uma forma de replicar para os membros superiores a
lógica de um salto em profundidade.
PARTE IV

OS FACTORES DE TREINO DESPORTIVO

Capítulo 3

Estudo do factor físico desportivo


Secção B - Estudo sobre a resistência

Resp: Francisco Alves


324 • Metodologia do treino desportivo I !

Conteúdo da Secção B do Capítulo 3 da Parte IV

Neste Secção estudaremos o factor físico desportivo no plano da


resistência. Com efeito, esta representa a capacidade de resistir
psiquica e fisicamente à instalação da fadiga e de recuperar rapidamente
dos efeitos produzidos por uma carga de treino. Neste contexto,
incidiremos a nossa reflexão sobre os factores condicionantes desta
capacidade, as formas de manifestação da resistência (participação do
sistema muscular, do regime de contracção muscular, da solicitação
metabólica e tendo por referência a situação competitiva) e os métodos
de treino da resistência (continuo, por intervalos e de competição ou
controlo).

Metodologia do treino desportivo I


Conteúdo Programático

Conceitos do treino Planeamento Planeamento do Parte V


Parte I desportivo Conceptual treino desportivo

Planeamento
Estratégico
Factores do rendi-
Parte II mento desportivo
Planeamento
Táctico

Parte III O exercício de trei- Fundamentos do


Estrutura do
no desportivo exercício de treino Microestrutura Parte VI
processo de treino
Bases conceptuais
exercício de treino
Mesoestrutura

Bases de aplicação
exercício de treino Macroestrutura

Bases de eficácia
exercício de treino
Período Periodizacão do Parte VII
Preparatório treino desportivo

Parte IV Factores do treino O factor técnico Período


desportivo desportivo Competitivo

O factor táctico Período


desportivo Transitório

O factor físico Estudo sobre


desportivo a força O controlo do
treino desportivo Parte VIII
Estudo sobre
a resistência

Estudo sobre
a velocidade

Estudo sobre
a flexibilidade

O treinador
perfil e competências
Parte IX
Organigrama 11
" Estudo do factor físico desportivo - Resistência • 325

Parte IV

Os factores de treino

Sumário

Capítulo 3 - Estudo sobre o factor físico desportivo


Secção B - Estudo sobre a resistência
1. Definição de resistência
2. Objectivos da resistência
3. Factores determinantes da resistência
3.1. O sistema nervoso central
3.2. Capacidade volitiva
3.3. Adaptações aeróbias e anaeróbias
4. Formas de manifestação da resistência
4.1. Quanto à participação do sistema muscular
4.1.1. Geral
4.1.2. Local
4.2. Quanto ao regime de contracção muscular
4.2.1. Estática
4.2.2. Dinâmica
4.3. Quanto à solicitação metabólica
4.3.1. Resistência aeróbia
4.3.2. Resistência anaeróbia
4.4. Tendo como referência a situação de competição
4.4.1. Geral ou de Base
4.4.2. Resistência Específica
5. Métodos de treino da resistência
5.1. Método contínuo
5.1.1. Método contínuo uniforme
5.1.1.1. Método contínuo uniforme extensivo
5.1.1.2. Método contínuo uniforme intensivo
5.1.2. Método contínuo variado
5.2. Método por intervalos
5.2.1. Pausa incompleta - Treino intervalado
5.2.2. Pausa completa - Treino de repetições
5.3. Método de competição
5.4. Método de treino em circuito
6. Métodos de treino para os diferentes tipos de resistência
7. Treino da resistência nos jogos desportivos colectivos
326 • Metodologia do treino desportivo I !

Bibliografia:

Bompa, T. (1990) - Theory and methodology of training. York University,


Toronto. Pp. 292-302.
Colli, R.; M. Faina; C. Gallozzi; S. Lupo e C. Marini (1987) - L'Allenamento
della Resistenza Nei Giochi Sportivi. S.D.S., 6(7-8):78-85.
Costill, D. (1986) - Inside Running: Basics of Sports Physiology. Benchmark
Press, Inc.. Indianapolis. Pp. 97-103.
Faina, M.; R. Colli; C. Gallozzi; S. Lupo e C. Marini (1987) - La Resistenza
Nei Giochi Sportivi. S.D.S., 6(7-8):71-77.
Fleck, S. (1983) - Interval Training: Physiological Basis. NSCA J., Oct.-
Nov.:40,57-62.
Lobos, M. (1977) - El Entrenamiento en Circuito. Stadium, Dez., nº 66.
MacDougall, D. e D. Sale (1980) - Continuous vs Interval Training for the
Endurance Athlete. Sports, Dec.. CAC.
Weineck, J. (1986) - Manual de Treinamento Esportivo. S. Paulo. pp.52-55,
63-69.
Zintl, F. (1991) - Entrenamiento de la Resistencia. Barcelona, pp. 32-43, 88-
109, 110-118, 126-156, 159-173, 177-186.
" Estudo do factor físico desportivo - Resistência • 327

1. Definição de resistência

Não existe um conceito universal de resistência, visto que a particularidade da


carga cria perfis de manifestação variados, isto é, diferentes tipos de
resistência. Todavia, numa primeira análise, a resistência relaciona-se
fundamentalmente com a fadiga e a recuperação dos praticantes, influenciando
o rendimento segundo diversas vertentes: energética, coordenativa,
biomecânica e psicológica.

Segundo Bompa (1990), "a resistência pode ser definida como a capacidade
do organismo em resistir à fadiga numa actividade motora prolongada.
Entende-se por fadiga a diminuição transitória e reversível da capacidade de
trabalho do atleta". Zintl (1991), mais detalhadamente, define resistência
como "a capacidade de manter um equilíbrio psíquico e funcional o mais
adequado possível perante uma carga de intensidade e duração suficientes
para desencadear uma perda de rendimento insuperável (manifesta),
assegurando, simultaneamente, uma recuperação rápida após esforços
físicos".

Neste contexto, o desenvolvimento da resistência implica um adiar da


instalação da fadiga e/ou uma diminuição das suas consequências durante a
execução de um determinado exercício físico, possibilitando, ainda, a
optimização dos processos de recuperação no seguimento do esforço.

2. Objectivos da resistência

Segundo Zintl (1991), os objectivos da resistência são:


328 • Metodologia do treino desportivo I !

manter durante o máximo tempo possível uma intensidade óptima ao


longo da duração pré-definida da carga (por exemplo, em muitos desportos
cíclicos de resistência);
manter ao mínimo as perdas inevitáveis de intensidade quando se trata de
cargas prolongadas (por exemplo, a maratona);
aumentar a capacidade de suportar as cargas de treino ou de competição
com um volume muito elevado, durante uma quantidade indefinida de
acções concretas (modalidades atléticas compostas por várias provas, jogos
colectivos, desportos de luta);
recuperação acelerada após aplicação das cargas (em treino e em
competição);
estabilização da técnica desportiva e da capacidade de concentração nos
desportos tecnicamente mais complexos (salto de trampolim, patinagem
artística, tiro, tiro com arco, etc.).

3. Factores determinantes da resistência

Os factores que afectam a resistência, enquanto qualidade física, são, segundo


Bompa (1990), de três níveis: do sistema nervoso central, da capacidade
volitiva, e das adaptações aeróbias e anaeróbias.

3.1. O sistema nervoso central

O trabalho uniforme com intensidade moderada desenvolve e fortalece a


actividade global do SNC, nomeadamente a coordenação neuro-muscular
específica da actividade motora utilizada. O trabalho de longa duração
realizado sob condições de fadiga crescentes aumenta a resistência das redes
nervosas aos estímulos indutores de "stress".

3.2. Capacidade volitiva

Implica a aptidão para:


" Estudo do factor físico desportivo - Resistência • 329

• atingir as "reservas de adaptação";


• aproveitar completamente o potencial de desenvolvimento de uma
carga;
• resistir à dor e ao desconforto que acompanham inevitavelmente os
estados elevados de fadiga.
3.3. Adaptações aeróbias e anaeróbias

O potencial energético do organismo de um atleta e o seu grau de adequação


às exigências específicas da competição estão directamente implicados, em
grande número de actividades desportivas, no sucesso competitivo, não
deixando de ser um importante factor influenciador em todas as outras. Em
termos gerais pode-se afirmar que estas adaptações:
• optimizam a eficácia técnico-táctica em situação de competição,
• permitem a estabilização do desempenho em prestações de carácter
anaeróbio (velocidade, p.ex.).

4. Formas de manifestação da resistência

As classificações existentes para a resistência como qualidade física


correspondem a quadros problemáticos diferentes do seu estudo, de relevancia
para a prática do treino desportivo desigual. Podemos sistematizar a qualidade
física resistência segundo quatro critérios fundamentais: o grau de participação
do sistema muscular (parcela da massa muscular total envolvida), o regime de
contracção muscular, a solicitação metabólica e tendo como referência a
situação competitiva específica.

4.1. Quanto à participação do sistema muscular

Tendo como critério de classificação a participação do sistema muscular


podemos distinguir dois tipos de resistência: a resistência geral e a
resistência local.
330 • Metodologia do treino desportivo I !

4.1.1. Geral

Considera-se resistência geral quando estão envolvidos mais de 1/6 a 1/7


de toda a musculatura esquelética. Neste caso, os limites para a
actividade motora localizam-se, principalmente, ao nível dos sistemas
cardiocirculatório e respiratório (absorção máxima de O2) e na
capacidade de utilização periférica de O2.
4.1.2. Local

Considera-se a resistência como local quando estão envolvidos menos de


1/6 a 1/7 de toda a musculatura esquelética. Como ponto de referência,
atente-se que a massa muscular de um membro inferior representa
aproximadamente 1/6 da massa muscular de todo o corpo. Este critério
de diferenciação baseia-se no facto de se ter averiguado
experimentalmente que, abaixo deste valor, os índices de adaptação
cardiovascular não têm qualquer influência no desempenho muscular
local prolongado (Zintl, 1991). A resistência local dependerá
fundamentalmente do grau de desenvolvimento da força especial, das
adaptações anaeróbias locais e da coordenação neuro-muscular
específica.

Aspectos particulares

• a resistência local tem pouca influência sobre a resistência geral de


carácter aeróbio, uma vez que o trabalho muscular de intensidade
superior a 25-30% de 1 RM só surge em exercícios em que o regime
de trabalho é de elevada intensidade;
• segundo HOLLMAN e HETTINGER (1980), este é o tipo de
resistência onde se podem encontrar valores superiores de progresso -
até 1000%, contra valores máximos de incremento de 40% para a
força máxima e para a resistência dinâmica geral e 15% a 20% para a
velocidade.
" Estudo do factor físico desportivo - Resistência • 331

4.2. Quanto ao regime de contracção muscular

Tendo como critério de classificação o regime de contracção muscular


podemos igualmente distinguir dois tipos de resistência: a resistência
estática e a resistência dinâmica.

4.2.1. Estática

Considera-se resistência estática quando o trabalho muscular é


isométrico. Pode ser geral ou local.

Algumas referências:
• tendo como referência uma contracção muscular voluntária máxima
uma percentagem inferior a 15% corresponde a um trabalho
metabólico de raiz aeróbia; entre 15 a 50% corresponde a um trabalho
misto (a oclusão progressiva dos vasos, devido à contracção, acarreta
uma limitação crescente da irrigação sanguínea); intensidade superior
a 50% corresponde a um trabalho aneróbio (hipóxia local).

Limites:
• fluxo de irrigação sanguinea (limitação crescente até à hipóxia
local);
• fadiga nervosa (esgotamento da substância de transmissão do
estímulo nervoso para a contracção muscular).

4.2.2. Dinâmica

Considera-se resistência dinâmica quando o trabalho muscular é


isotónico ou isocinético. Pode ser geral ou local.
332 • Metodologia do treino desportivo I !

4.3. Quanto à solicitação metabólica

Tendo como critério de classificação a solicitação metabólica podemos


distinguir dois tipos de resistência: a resistência aeróbia, e a resistência
anaeróbia.

4.3.1. Resistência aeróbia

Considera-se resistência aeróbia quando o trabalho a realizar solicita a


fonte aeróbia para a produção de energia.

4.3.2. Resistência anaeróbia

Considera-se resistência anaeróbia quando o trabalho a realizar solicita


preferencial ou exclusivamente a fonte anaeróbia para a produção de
energia.

Tabela 5. Zonas de intensidade para o trabalho de resistência

Capacidade aeróbia (limiar anaeróbio) > 15' *


Potência aeróbia (VO2 máx.) 2' - 15'

Capacidade anaeróbia láctica (tolerância láctica) 1' - 8'

Potência anaeróbia láctica 20"- 45"

Capacidade anaeróbia aláctica 10" - 30"


adapt. de SKINNER e
MORGAN (1985)
* Até aos 30', um indivíduo treinado pode trabalhar a 90-95% do VO2 máx. A partir
desse limite, o consumo de O2 descerá para menos de 90% da sua potência máxima.
Um maratonista de alto nível pode trabalhar a 80-85% do VO2 max., durante mais
de duas horas e a 70% até 4 horas.

4.4. Tendo como referência a situação de competição


" Estudo do factor físico desportivo - Resistência • 333

Por último, tendo como critério de classificação a situação de competição


podemos distinguir dois tipos de resistência: a resistência geral ou de base, e
a resistência específica.

4.4.1. Geral ou de Base

As características fundamentais do trabalho de resistência geral:


• é o de envolver o organismo no seu todo, por um período de tempo
prolongado;
• não depende da disciplina desportiva, mas facilita o sucesso em
vários tipos de tarefas em treino. Tem, portanto um elevado grau de
"transfer" positivo entre actividades desportivas diferenciadas;
• relaciona-se com a faculdade de suportar cargas de grande volume
ou com grande frequência, com a superação da fadiga em competições
de longa duração e com a recuperação rápida após treino e
competição.

Tomando como critério a identidade com a actividade de competição, e o


nível de exigência das fontes aeróbias envolvidas, podemos distinguir
três tipos de resistência de base: a resistência geral ou de base I, a
resistência de base II, e a resistência de base acíclica.

4.4.1.1. Resistência de Base I

Considera-se resistência de base I quando o trabalho a realizar é


totalmente independente da actividade específica de competição.

Características:
• resistência aeróbia geral com um nível de carga de média
intensidade;
334 • Metodologia do treino desportivo I !

• promove uma capacidade aeróbia mediana (VO2 máx.= 45-


55ml/kg/min.), assim como o uso económico desta actividade
(limiar anaeróbio entre 70 - 75% do VO2 máx.);
• é polivalente.

Objectivos
• manter ou recuperar a saúde ou a capacidade fisico-motora geral;
• criar, em desportos que não são de resistência, uma boa base
para o treino de outras capacidades físicas e de coordenação;
• incrementar a recuperação após cargas de treino e competição;
• tornar mais suportável a carga psíquica.

4.4.1.2. Resistência de Base II

Considera-se resistência de base II quando o trabalho a realizar é


dependente da actividade de competição (exercícios característicos).

Características
• resistência aeróbia geral com um nível de intensidade
submáxima;
• promove uma elevada capacidade aeróbia (VO2 máx. > 60
ml/kg/min) e a sua utilização óptima (limiar anaeróbio entre 75 e
80% do VO2 máx.);
• solicita um metabolismo misto aeróbio-anaeróbio;
• relacionada com a modalidade.

Objectivos
" Estudo do factor físico desportivo - Resistência • 335

• criar uma adaptação global do organismo aos esforços típicos


das modalidades de resistência;
• estabelecer uma base elevada para o treino específico de
resistência;
• produz também adaptações musculares (coordenação
intermuscular, dinâmica muscular, aporte energético), assim como,
a melhoria dos sistemas regulados vegetativamente;
• activar novas reservas para maiores incrementos do rendimento;
• melhoria técnica no sentido de uma maior economia;
• aumentar a força de vontade e incrementar globalmente a
tolerância psíquica ao esforço.

4.4.1.3. Resistência de Base Acíclica

Considera-se resistência de base acíclica à capacidade de resistência


requerida em desportos colectivos e de confronto directo.

Características
• resistência aeróbia geral com cargas de intensidade média a
submáxima e alternância constante do tipo de solicitação
metabólica;
• promove uma capacidade predominantemente aeróbia (VO2
máx. entre 55 e 60 ml/kg/min);
• solicita um metabolismo misto aeróbio-anaeróbio com picos
elevados de intensidade;
• alternância da actividade motora.

Objectivos
• criar a base para um treino amplo da técnica e da táctica;
• incrementar a capacidade de recuperação durante as fases de
carga menos intensa em competição;
• incrementar a tolerância psíquica ao esforço.
336 • Metodologia do treino desportivo I !

4.4.2. Resistência Específica

A resistência específica é a forma de manifestação própria de um


determinado desporto. Diz respeito à capacidade de adaptação à estrutura
de carga de uma actividade desportiva em situação de competição e,
portanto, de alcançar um alto nível de rendimento sujeito às condições
temporais da especialidade.

Quanto maior for a resistência específica, construida a partir de uma


sólida base de resistência geral, mais facilmente o atleta poderá
ultrapassar diferentes tipos de pressão em treino e competição (por
exemplo: número de faltas técnico-tácticas ou mesmo disciplinares na
parte final de um jogo). A possibilidade de manter uma intensidade
óptima em competição depende de um complexo de factores que
incluem, para além das adaptações metabólicas, sistémicas e neuro-
musculares adequadas, uma elevada economia técnica e táctica e
características psíquicas determinadas.

Partindo de critérios de duração da carga, zonas de intensidade - FC,


VO2, gasto energético - via metabólicas dominantes, podemos
diferenciar três tipos de resistência específica: a resistência de curta
duração, a resistência de média duração, e a a resistência de longa
duração (I, II, III).
4.4.2.1. Resistência de Curta Duração

Características
• Duração da carga: 30" - 2'
• Intensidade da carga: Máxima
• FC: 185-195
• % VO2 máx.: 100
• Anaeróbio (aláctico:láctico): aeróbio: 80 (65:35):20
• % fonte aláctica: 15 - 30
• % fonte láctica: 50
" Estudo do factor físico desportivo - Resistência • 337

• % fonte aeróbia (hidratos de carbono): 20 - 35


• % fonte aeróbia (lípidos): 0

Factores decisivos
• potência láctica
• tolerância láctica
• potência aeróbia
• nível de velocidade ou de força máxima
• técnica
• nível de activação (libertação de catecolaminas)

4.4.2.2. Resistência de Média Duração

Características
• Duração da carga: 2' - 11'
• Intensidade da carga: Máxima
• FC: 190-200
• % VO2 máx.: 100 - 95
• Anaeróbio (aláctico:láctico): aeróbio: 60 (40:60):40
• % fonte aláctica: 10 - 5
• % fonte láctica: 40 - 55
• % fonte aeróbia (hidratos de carbono): 40 - 60
• % fonte aeróbia (lípidos): 0
Factores decisivos
• potência aeróbia
• tolerância láctica
• reservas de glicogénio
• níveis de força ou velocidade específicos.

4.4.2.3. Resistência de Longa Duração

4.4.2.3.1. Resistência de Longa Duração I


338 • Metodologia do treino desportivo I !

Características
• Duração da carga: 11' - 30'
• Intensidade da carga: Submáxima
• FC: 180
• % VO2 máx.: 95 - 90
• Anaeróbio (aláctico:láctico): aeróbio: 30 (20:80):70
• % fonte aláctica: 0
• % fonte láctica: 20 - 30
• % fonte aeróbia (hidratos de carbono): 60 - 70
• % fonte aeróbia (lípidos): 10

Factores decisivos
• potência aeróbia
• limiar anaeróbio
• tolerância láctica (níveis de lactatémia moderados)
• reservas de glicogénio (sobretudo muscular)

4.4.2.3.2. Resistência de Longa Duração II

Características
• Duração da carga: 30' - 90'
• Intensidade da carga: Submáxima
• FC: 170
• % VO2 máx.: 90 - 80
• Anaeróbio (aláctico:láctico): aeróbio: 10:90
• % fonte aláctica: 0
• % fonte láctica: 5 - 10
• % fonte aeróbia (hidratos de carbono): 70 - 75
• % fonte aeróbia (lípidos): 20
Factores decisivos
• limiar anaeróbio
• potência aeróbia
" Estudo do factor físico desportivo - Resistência • 339

• reservas de glicogénio (sobretudo muscular)


• oxidação de lípidos
• regulação térmica

4.4.2.3.3. Resistência de Longa Duração III

Características
• Duração da carga: > 90'
• Intensidade da carga: Média
• FC: 160
• % VO2 máx.: 80 - 60
• Anaeróbio (aláctico:láctico): aeróbio: 5:95
• % fonte aláctica: 0
• % fonte láctica: < 5
• % fonte aeróbia (hidratos de carbono): 60 - 50
• % fonte aeróbia (lípidos): 40 - 50

Factores decisivos
• limiar anaeróbio
• potência aeróbia
• oxidação de lípidos
• reservas de glicogénio e neoglicogénese
• regulação térmica
• equilíbrio hídrico e electrolítico
5. Métodos de treino da resistência

5.1. Método contínuo

O método continuo caracteriza-se por exercícios de longa duração sem


interrupção. O efeito de treino destes métodos baseiam-se nos constantes
processos de reajustamento bioquímicos e fisiológicos, sendo utilizados
preferencialmente nas modalidades cíclicas de longa duração (atletismo -
fundo e meio-fundo, ciclismo, canoagem, etc.). Para as outras modalidades,
340 • Metodologia do treino desportivo I !

como é o caso dos jogos desportivos colectivos, é fundamentalmente


utilizado para desenvolver a resistência de base, durante os períodos
preparatórios dos planeamentos anuais de treino. O método contínuo do
treino da resistência pode ser divido em: método contínuo uniforme e
método contínuo variado.

5.1.1. Método contínuo uniforme

Características:
o método contínuo uniforme é caracterizado:
* por esforços de longa duração e intensidade (velocidade) constante.

Principais adaptações:
* a economia gestual;
* a adaptação funcional dos sistemas orgânicos relacionados com o
transporte de O2 (volume sistólico, cavidades cardíacas e
capilarização);
* a automatização do gesto (estabilização do esteriotipo motor
dinâmico);
* a tolerância ao trabalho monótono.

Limites:
* as reservas de glicogénio (especialmente nos regimes intensivos);
* a taxa de degradação dos substractos (hidratos de carbono e ácidos
gordos);
* ao nível estrutural - o sistema cardio-vascular e o volume de sangue
circulante.
Variantes:o método contínuo uniforme pode conter as seguintes variantes
de acordo com a dinâmica da carga envolvida:
* o método contínuo uniforme extensivo, duração 8volume) superior,
intensidade baixa a moderada; e,
" Estudo do factor físico desportivo - Resistência • 341

* o método contínuo uniforme intensivo, basicamente caracterizado


por um aumento da intensidade (maior exigência orgânica e mental),
com o correspondente decréscimo no volume.

5.1.1.1. Método contínuo uniforme extensivo

Intensidade da carga:
* 60 a 80 % da velocidade de competição;
* entre o limiar aeróbio e o limiar anaeróbio;
* 45 a 65 % do VO2 máx; e,
* a FC = 125-160 pulsações/min.

Duração da carga:
* 30' até 2 horas

Objectivos:
* economia do rendimento cardio-vascular;
* treino do metabolismo lipídico;
* estabilização do nível de rendimento alcançado; e,
* aceleração da regeneração

5.1.1.2. Método contínuo uniforme intensivo

Intensidade da carga:
* 90-95 % da velocidade de competição;
* na zona do limite anaeróbio;
* 60 a 90 % do VO2 máx.;
* FC = 140-190 bat/min.

Duração da carga:
* 30' - 60'

Objectivos:
342 • Metodologia do treino desportivo I !

* treino do metabolismo dos hidratos de carbono;


* aumento das reservas de glicogénio;
* compensação da lactatémia em esforço;
* aumento do VO2 máx. através da capilarização e do rendimento
cardíaco;
* aumento do limite anaeróbio;
* conservação de uma intensidade de carga elevada.

Aspectos específicos:
* a carga com uma intensidade correspondente a 140 pul/min.
implica volume sistólico suficiente para constituir um estímulo para
o aumento das cavidades cardíacas (PLATONOV);
* o regime intensivo é um estímulo adequado para a hipertrofia do
músculo cardíaco, o que pressiona, também, mais as adaptações
locais que o extensivo;
* o regime intensivo não deve ser utilizado mais de 3 vezes por
semana, senão o tempo dedicado à reposição das reservas de
glicogénio será demasiado curto;
* o método contínuo provoca aumento da rede de capilarização
mais acentuado estímulo ideal para esta adaptação parece consistir
na manutenção de elevados níveis de pressão sanguínea média e
grande velocidade de circulação durante um período mínimo de 30
minutos.

Tabela 6. Métodos continuos


Capacidade Limiar anaeróbio ---- -- > Limiar aeróbio
funcional
Designação Breve duração Média duração Longa duração
Duração 20' - 30' 30' - 90' > 90'
Regime Intensivo ---- -- > Extensivo
de carga (80 % VO2) (50 % VO2)
FC (bat/min) > 170 150 - 170 130 - 150
5.1.2. Método contínuo variado
" Estudo do factor físico desportivo - Resistência • 343

Características:
o método contínuo variado é caracterizado por:
* esforços de longa duração, durante o qual se procede a variações de
intensidade.

A variação da intensidade pode ser determinada por:


* factores externos (perfil do terreno);
* factores internos (vontade do atleta);
* factores planeados (decisões de programação).

Objectivos:
* a adaptação à variação da solicitação metabólica;
* a capacidade de compensação da lactatémia durante as fases de
carga de intensidade baixa e média;
* a percepção e aprendizagem de ritmos diversos em variação
frequente;
* a capacidade de alterar ritmos de execução que é uma limitação
importante em muitas modalidades desportivas, inclusivamente de
carácter cíclico, onde esta capacidade faz parte da economia
energética da prestação;
* as mesmas adaptações que ocorrem com os métodos uniformes, no
que diz respeito ao sistema cardio-vascular, ao metabolismo e ao
sistema neuro-vegetativo, mas com menor importância.

Duração total:
* 20' a 2 horas

Intensidade:
* 140/145 - 175 FC máx.;
* 60 - 95 % da vel. de competição;
* entre o limiar aeróbio e a zona de acumulação inicial.
344 • Metodologia do treino desportivo I !

5.2. Método por intervalos

O método de treino por intervalos caracteriza-se por exercícios onde o


organismo é submetido a períodos curtos, regulares e repetidos de trabalho
com períodos de repouso adequados. É utilizado quer nas modalidades
acíclicas, como é o caso dos jogos desportivos colectivos, quer nas cíclicas
para desenvolver a resistência específica, fundamentalmente durante os
períodos preparatórios específicos e competitivos dos planeamentos anuais
de treino.

O método por intervalos pode ser dividido em: método por intervalos com
pausas incompletas (treino intervalado) e método por intervalos com pausas
completas (treino de repetições).

5.2.1. Pausa incompleta - Treino intervalado

Características:método por intervalos com pausas incompletas (treino


intervalado) é caracterizado:
* por períodos de repouso que não permitem a recuperação completa
dos parâmetros cardio-circulatórios e ventilatórios (princípio da carga
lucrativa).

Principais adaptações:
* a ampliação do "âmbito funcional dos diferentes sistemas orgânicos"
* a estabilização dos padrões motores perante condições adversas
internas (fadiga)
* a tolerância ao desencadear de acções motoras apesar do incómodo
das sensações que acompanham estados elevados de fadiga.

Componentes do método de treino intervalado


* Período de esforço
" Estudo do factor físico desportivo - Resistência • 345

Os períodos de esforço são caracterizados pela sua duração, sendo


sempre referenciados a uma determinada intensidade solicitada,
embora em modalidades cíclicas seja habitual trabalhar com percursos
ou distâncias a percorrer. Para o treino intervalado pode apresentar-se
a seguinte classificação, adaptada de Zintl:
- períodos de esforco de curta duração I (15"- 45")
- períodos de esforço de curta duração II (45" - 2')
- períodos de esforço de média duração (2' - 8')
- períodos de esforço de longa duração (8' - 15').

Se a duração do esforço é inferior à situação de competição ou ao


parâmetro de duração padrão para um determinado objectivo, a
duração dos intervalos de repouso devem ser breves, de modo que o
exercício seguinte seja executado sobre uma base de fadiga. Neste
caso é a série que dá a medida e a orientação ao estímulo de treino.
Quando a duração do exercício é mais longa, as pausas podem ser
mais prolongadas, pois é em cada um dos exercícios que se produz o
efeito de treino, sem que intervenha com a mesma importância a acção
acumulada das cargas de treino. Neste caso é a repetição que dá a
medida e a orientação ao estímulo de treino.

* Intensidade
Um elemento essencial numa abordagem sistemática ao treino da
resistência é a determinação detalhada de níveis de intensidade. Cada
tarefa ou sessão de treino terá objectivos diferenciados no que diz
respeito ao impacto fisiológico procurado e são a duração e a
intensidade dos estímulos de treino propostos que permitirão cumprir
esses objectivos. Como sabemos, intensidade de um exercício pode
ser descrita em termos de kJ utilizados por unidade de tempo,
percentagem relativa do VO2max ou da FCmax, nível de lactatémia
ou, nos desportos cíclicos, simplesmente controlando a velocidade de
346 • Metodologia do treino desportivo I !

deslocamento ou a frequência do movimento em função do


desempenho máximo na distância ou tempo de esforço de referência.
A escala de intensidades proposta por Harre (1981), por exemplo,
distribui uma escala da qualidade do estímulo de treino entre os 30% e
os 105% da prestação máxima, com 6 categorias ou graus. Uma
terminologia deste género não nos dá, no entanto, qualquer
informação sobre o empenhamento metabólico envolvido no
exercício, uma vez que 90% de um esforço com a duração de 30
minutos, por exemplo, não tem, obviamente, o mesmo significado de
90% de um esforço de 30 segundos. Deste modo, no treino da
resistência será mais conveniente para o controlo das intensidades de
treino, a utilização de uma definição clara de zonas ou níveis de
intensidade com um significado metabólico objectivo e explícito.

Utilizando a terminologia já apresentada, podemos considerar quatro


níveis básicos de intensidade a utilizar no treino da resistência, que
podem expressar, igualmente, o objectivo funcional de uma
determinada tarefa de treino intervalado:
- limiar anaeróbio
- potência aeróbia
- tolerância lácica
- potência láctica

Em programas de treino onde a resistência é objecto de preparação


específica e constitui uma condicionante fundamental para o
desempenho competitivo é habitual aparecer uma distribuição mais
detalhada dos níveis de intensidade, proveniente do desdobramento
dos anteriores.

A consideração das intensidades de treino utilizadas no


desenvolvimento da resistência permite aceder a uma planificação do
" Estudo do factor físico desportivo - Resistência • 347

treino com uma base mais objectiva e quantificável, segundo


sequências de significado claro e justificável que permitam a
alternância, no microciclo, das cargas de alta e baixa intensidade para
que a compensação da fadiga seja realizada de um modo efectivo mas
que, ao mesmo tempo, se torne possível impôr uma estimulação
verdadeiramente significativa ao atleta.

Em termos práticos isto significa que o treinador, ao planear o


microciclo, define a quantidade de trabalho que pretende realizar em
cada zona de intensidade, concedendo depois a cada sessão de treino
uma determinada % do volume total para cada uma delas, de acordo
com a fase da época, as necessidades próprias de cada atleta e a
proximidade da competição (controlo circunstancial do factor
fadiga/compensação).

* Pausa
Os períodos de repouso que constituem a pausa no treino intervalado
não permitem a recuperação completa dos parâmetros
cardio-circulatórios e ventilatórios (princípio da carga lucrativa).
Pensou-se durante muitos anos que o facto de certos parâmetros
cardiovasculares, fundamentalmente o volume sistólico, apresentarem
valores acrescidos durante o início do repouso indicaria que as
principais adaptações se poderiam processar nesta fase. Com base
nesta concepção, entendia-se que a pausa deveria ter a duração
suficiente para o atleta atingir uma FC entre os 120 e os 130 bat/min.
Esta é uma interpretação limitativa do treino intervalado que
implicava trabalhar sempre a intensidades muito elevadas, de base
láctica, na verdade, o que talvez esteja na base da ideia que se
generalizou a partir de determinada altura de que este seria um método
agressivo para o organismo, passível, inclusivamente, de provocar
problemas cardíacos. Na realidade, o treino láctico de alta intensidade
348 • Metodologia do treino desportivo I !

é, de facto agressivo, e o seu doseamento ao longo dos ciclos de treino


deve ser cuidadoso e bem adequado às características indviduais de
cada atleta. Não se pode, no entanto, generalizar esta característica
para o método do treino intervalado no seu todo.
A duração da pausa vai depender da duração de cada repetição e do
nível de intensidade em que se pretende trabalhar. O ponto
fundamental na prescrição da pausa para uma tarefa de treino
intervalado reside na possibilidade em manter a intensidade de esforço
proposta ao longo de todo o exercício. Neste sentido, procurar-se-á
utilizar a pausa mais curta possível que permita ao atleta cumprir o
objectivo da tarefa.

O regime da pausa pode ser activo ou passivo:


- Activo. Após esforços lácticos, consegue-se uma recuperação
mais eficiente através de um esforço cuja intensidade ronde os 60
% do VO2 máx.. A pausa activa inibe e reposição dos níveis
iniciais das reservas em fosfatos. O débito sistólico é mais alto não
só durante o período de esforço, mas principalmente durante o
período de recuperação ("Contra-esforço").
- Passivo quando se pretende enfatizar a solicitação do sistema
aeróbio e/ou do ATP-PC.

* Série
A série é um conjunto de períodos de esforço e de repouso
consecutivos agrupados com objectivos bem definidos em termos de
adaptação funcional. A divisão do volume de trabalho a realizar em
séries pretende fundamentalmente:
- melhorar a qualidade da tarefa de treino, permitindo ao atleta
trabalhar a níveis superiores de intensidade ou com uma melhor
resposta técnico-táctica;
" Estudo do factor físico desportivo - Resistência • 349

- aumentar o volume de treino sem fugir aos níveis de intensidade


prescritos;
- tornar mais variados os estímulos de treino.

Os quadros que se seguem pretendem expôr formas de organização e


combinação dos componentes do treino intervalado em função do
objectivo proposto, ou seja, do nível de intensidade em que se
pretende que o atleta trabalhe.

Tabela 7. Desenvolvimento do limiar anaeróbio


Período de Longa duração Média Duração Curta duração II Curta duração I
esforço (8' - 15') (2' - 8') (45" - 2') (15" - 45")

Trabalho: pausa 1:1 a 1: 1/8 1:1/4 a 1: 1/12 1: 1/8 a 1: 1/12 1: 1/8 a 1: 1/12

Intensidade
% vel. máxima 80 - 90 75 - 90 65 - 80 65 - 80

FC (bat/min) 140 - 170 140 - 170 140 - 170 140 - 170

[La] (mmol/l) 2-4 2-5 2-4 2-4

VO2 75 - 90 75 - 90 75 - 90 75 - 90
(%VO2max)
Volume Total
(duração) > 30' > 30' > 30' > 30'
Frequência
Séries x (rep) 1 x (2 a 4) 2 a 3 x (4 a 12) 1 a 3 x (20 a 40) 1 a 3 x (30 a 60)

Tabela 8. Desenvolvimento da potência aeróbia


Período de Longa duração Média Duração Curta duração II Curta duração I
esforço (8' - 15') (2' - 8') (45" - 2') (15" - 45")

Trabalho: pausa 1:1 a 1: 1/2 1:1 a 1: 1/4 1: 1/8 a 1: 1/12 1: 1/8 a 1: 1/12

Intensidade
% vel. máxima > 90 85 - 90 75 - 90 75 - 85
FC (bat/min) > 170 > 170 > 170 > 170
[La] (mmol/l) 6-8 6-8 6-8 6-8
VO2 > 90 > 90 > 90 > 90
(%VO2max)
Volume Total
(duração) < 45' < 45' 8' a 12' por série 8' a 12' por série
Frequência
Séries x (rep) 1 x (1 a 3) 3 a 5 x (2 a 8) 3 a 5 x (6 a 12) 3 a 5 x (12 a 20)
350 • Metodologia do treino desportivo I !

Tabela 9. Desenvolvimento da tolerância láctica


Período de esforço Média Duração Curta duração II Curta duração I
(2' - 8') (45" - 2') (15" - 45")

Trabalho: pausa 1:1 a 1: 2 1:1/2 a 1: 6 1: 1/2 a 1: 1/6

Intensidade
% vel. máxima 95 - 99 85 - 95 85 - 90
FC (bat/min) máx. máx. máx.
[La] (mmol/l) > 10 > 10 > 10

Volume Total
(duração) < 30' < 30' 6' a 8' por série
Frequência
Séries x (rep) 3 a 5 x (2 a 8) 1 a 3 x (3 a 12) 3 a 5 x (6 a 12)

Tabela 10. Desenvolvimento da potência láctica


Período de esforço Curta duração I
(15" - 45")

Trabalho: pausa 1: 1 a 1: 6

Intensidade
% vel. máxima > 95
FC (bat/min) máx.
[La] (mmol/l) >6

Volume Total
(duração) < 20'
Frequência
Séries x (rep) 1 a 3 x (3 a 12)

5.2.2. Pausa completa - Treino de repetições

Características:método por intervalos com pausas completas (treino de


repetições) é caracterizado:
* por períodos de repouso que permitem a recuperação completa dos
parâmetros cardio-circulatórios e ventilatórios. A efectividade deste
" Estudo do factor físico desportivo - Resistência • 351

método decorre das fases de carga altamente intensos durante os quais


se realizam todos os processos fisiológicos e mecanismos de
regulação até alcançar o nível funcional exigido.

deste método de treino são fundamentalmente:


Principais adaptações:
*equivalente ao método intervalado de carácter mais intensivo;
*aumento da amplitude funcional complexa.

Componentes do método de treino de repetições


* método de repetições com períodos de esforço longos;
* método de repetições com períodos de esforço médios;
* método de repetições com períodos de esforço curtos.

Tabela 11. Método de repetições


Método de Método de Método de
repetições com repetições com repetições com
intervalos intervalos intervalos curtos
longos médios
Intensidade submáx. a máx. máxima máxima
80-90 % V.C. 90-95 % V.C. 90-95 % V.C.
Duração 2'-3' 45"-60" 20" - 30"
Pausa completa:10'-12' completa:8'-10' completa:8'-10'
(FC < 100 (FC < 100 (FC < 100
bat/min) bat/min) bat/min)
Volume 3-5 rep 4-6 rep 6-8 rep

5.3. Método de competição ou controlo

Características:
método de competição ou controlo é caracterizado:
* por uma carga única, que requere o rendimento máximo do momento.

Variantes: o método de competição ou controlo pode contêr as seguintes


variações:
* maior duração, abrandamento da intensidade em relação à situação de
competição;
352 • Metodologia do treino desportivo I !

* menor duração, aumento da intensidade em relação à situação de


competição.

Principais adaptações:
* solicitação da amplitude funcional complexa a um nível máximo; e,
* preparação directa para a competição
Tabela 12. Método de competição ou controlo

Intensidade máx. a supramáx. 95-100 % V.C.


Duração ±10-20 % da distância de competição
Pausa completa

6. Métodos intervalados versus métodos contínuos

1. Os métodos intervalados permitem que se alcance maior volume de


trabalho, em simultâneo com uma maior intensidade ( pode ser 2.5 vezes
superior ao que acontece num exercício contínuo, para uma mesma
lactatemia).
2. Muitas modalidades caracterizam-se por um esforço de tipo intermitente,
logo, os métodos intervalados permitem uma estimulação mais próxima da
velocidade de competição.
4. Os métodos intervalados podem ser utilizados para recrutar
especificamente as fibras de contracção rápida.
5. Ganhos similares no VO2 máx. nos dois métodos.
6. Os métodos contínuos são mais recomendados para o desenvolvimento da
capacidade central de transporte de O2 através de alterações adaptativas no
próprio músculo cardíaco.
7. Os métodos intervalados podem desenvolver de um modo mais selectivo
a capacidade do músculo extrair O2 e provocar níveis baixos de lactatémia
durante esforço submáximo (adaptações locais).
" Estudo do factor físico desportivo - Resistência • 353

8. O débito cardíaco é ligeiramente superior no esforço intermitente do que


no esforço contínuo, havendo, no entanto, menor débito periférico, logo,
comparando com um esforço contínuo ao mesmo nível de VO2, há mais
pressão sobre os componentes central e periférico do sistema aeróbio.
9. Quando o intervalo de esforço e a pausa são curtos, a utilização de
glicogénio pode ser inibida e a utilização dos ácidos gordos favorecida.

10. Uma metodologia correcta combina os dois métodos. O


desenvolvimento óptimo de um tipo de resistência requer sempre uma
combinação óptima de vários métodos específicos. Isto não exclui, no
entanto, que durante certos períodos de preparação se apliquem
preferencialmente determinados métodos. Um factor essencial para a
selecção dos métodos é o objectivo do ciclo de treino em vigor.
11. O critério preferencial de selecção de um método para o
desenvolvimento da resistência são os seus efeitos biológicos. Para que as
decisões ao nível da programação sejam as mais adequadas é necessário
dominar:
a)- os factores decisivos para o rendimento do tipo de resistência em
questão;
b)- os efeitos principais do método de treino que se pretende aplicar.
354 • Metodologia do treino desportivo I !

w
PARTE IV

OS FACTORES DE TREINO DESPORTIVO

Capítulo 3

Estudo do factor físico desportivo


Secção C - Estudo sobre a velocidade

Resp: Jorge Vieira


354 • Metodologia do treino desportivo I !

Conteúdo da Secção C do Capítulo 3 da Parte IV

Neste Secção estudaremos o factor físico desportivo no plano da


velocidade. Com efeito, esta representa a capacidade de efectuar acções
motoras em determinadas condições num mínimo de tempo, sendo
assim caracterizada por mudanças rápidas do estado de contracção e de
descontracção dos diferentes grupos musculares. Neste contexto,
incidiremos a nossa reflexão sobre os factores condicionantes desta
capacidade (nervosos, musculares, energéticos e volitivos), as formas
de manifestação da velocidade (reacção, execução aceleração, máxcima e
resistente), os métodos de treino da velocidade (continuo, por
intervalos e de competição ou controlo), e as bases metodológicas.

Metodologia do treino desportivo I


Conteúdo Programático

Conceitos do treino Planeamento Planeamento do


Parte I desportivo Conceptual treino desportivo Parte V

Planeamento
Estratégico
Factores do rendi-
Parte II mento desportivo
Planeamento
Táctico

O exercício de trei- Fundamentos do


Parte III Estrutura do
no desportivo exercício de treino Microestrutura Parte VI
processo de treino
Bases conceptuais
exercício de treino
Mesoestrutura

Bases de aplicação
exercício de treino Macroestrutura

Bases de eficácia
exercício de treino
Período Periodizacão do Parte VII
Preparatório treino desportivo

Parte IV Factores do treino O factor técnico Período


desportivo desportivo Competitivo

O factor táctico Período


desportivo Transitório

O factor físico Estudo sobre


desportivo a força O controlo do
treino desportivo Parte VIII
Estudo sobre
a resistência

Estudo sobre
a velocidade

Estudo sobre
a flexibilidade

O treinador
perfil e competências
Parte IX

Organigrama 12
" Estudo do factor físico desportivo - Velocidade • 355

Parte IV

Os factores de treino

Sumário
Capítulo 3 - Estudo sobre o factor físico desportivo
Secção C - Estudo sobre a velocidade

1. A velocidade como capacidade elementar


2. Definição
3. Em que modalidades desportivas se manifesta a velocidade
4. Formas básicas de estruturação da velocidade
4.1. Velocidade de reacção
4.2. Velocidade de execução
4.3. Capacidade (velocidade) de aceleração
4.4. A velocidade máxima
4.5. A velocidade resistente
5. Factores de que depende a velocidade
5.1. Velocidade de propagação dos impulsos nervosos
5.2. Elevada quantidade de fibras de contracção rápida
5.3. Capacidade de recrutar um número elevado de fibras musculares
5.4. capacidade de alternância de contracção e descontracção muscular
5.5. A mobilização da vontade
5.6. Eficiência dos mecanismos bioquimicos
5.7. A qualidade técnica
5.8. Nível de mobilidade articular
6. Conceitos fundamentais no treino da velocidade
6.1. Programa temporal
6.1.1. Movimentos acíclicos
6.1.2. Movimentos cíclicos
6.2. transferência dos programas temporais
7. Orientaçõesmetodológicas para o treino da velocidade
7.1. Treino da velocidade elementar
7.1.1. Velocidade acíclica elementar
7.1.2. Velocidade cíclica elementar
7.2. Treino da velocidade complexa
7.2.1. Nos jogos desportivos colectivos e nos jogos de combate
7.2.2. Recomendações metodológicas
7.3. O treino da velocidade de reacção
7.4. Treino das capacidades de velocidade no sprint
7.4.1. Capacidade de aceleração
7.4.2. Velocidade máxima
7.4.3. Velocidade resistente
356 • Metodologia do treino desportivo I !

Bibliografia:

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Philippka Muenster
CARVALHO, A. (1988) Capacidades motoras III - a velocidade, Revista
treino desportivo, IIª série, Vol.7, Março, pp. 43-47
CRUZ, S. A velocidade na metodologia do treino desportivo, 1º parte, Futebol
em Revista, nº3, pp. 47-55
CRUZ, S. A velocidade na metodologia do treino desportivo, 2º parte, Futebol
em Revista, nº4, pp. 45-62
GUNDLACH, H. (1991) Sprint Lauf gehen, Sportverlag, Berlin
JONATH, U., KREMPEL, R., HAAG, E., MUELLER, H. (1995)
Leichtathletik, Rowohlt, Hamburg
KLINZING, J. (1987) Fast fastest, Championship Books and Video
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MARTIN, D. (1991) Handbuch Trainingslehre, verlag Hofmamn Schorndorf
MATVEYEV, L., (1986), Fundamentos do Treino Desportivo, Livros
Horizonte, Lisboa
PROENÇA, J., (1983) Teoria e Metodologa do Treino - Atletismo (Antologia
de textos) U.T.L. - I.S.E.F.
SCHIFFER, J. (1996) Woerterbuch Leichtathletik und Training, Verlag Sport
und Buch Stauss, Koeln
WEINECK, J., (1983), Manuel d' Entrâinement, Ed. Vigot, Paris
WILLMORE, J., COSTILL, D. (1994) Physiology of Sports and Exercise,
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VERCHOSHANSKIJ, J. (1992) Ein Neves Trainingssystem fur, Zyklische
Sportarten Philippka-Verlag Muenster
ZATSIORSKY, V., (1966) Les qualités physiques du sportif, Moscovo, Doc
INS nº685
" Estudo do factor físico desportivo - Velocidade • 357

O objectivo central do treino desportivo é preparar os praticantes para a


obtenção dos seus melhores resultados, quer no âmbito individual quer
colectivo. O progresso do rendimento desportivo - quer individual quer
colectivo - realiza-se sobre uma base vocacional/genética que caracteriza o
próprio praticante. Esta ideia é frequente no que diz respeito ao treino da
velocidade. "Os sprinters nascem não se fazem" é a frase muito divulgada e a que
melhor pode ilustrar a suspeita generalizada de que a velocidade não é muito
permeável ao aperfeiçoamento.

Todavia, a velocidade é a capacidade motora mais importante do complexo de


pressupostos em que se baseia o rendimento desportivo. Com efeito, a
evolução e a tendência dos factores técnico e táctico dos praticantes expressas
muito especialmente pelas características das competições, sejam os resultados
obtidos através de grandezas mensuráveis ou por avaliações pontuais. A
velocidade participa intensamente no rendimento sinteticamente medido ou por
metros, por segundos, por quilogramas, por golos, por pontos, etc.

A performance final na generalidade das modalidades desportivas é em


primeiro lugar condicionada pela velocidade com que os praticantes executam
as suas tarefas. No fundo trata-se sempre de reagir mais rapidamente, de
realizar o movimento mais velozmente, para se antecipar e alcançar superação
a correr, saltar, lançar, interceptar, bater, levantar, virar, atacar (defender), etc.
Daqui resulta, evidentemente, uma dinâmica de carga na qual a velocidade se
acentua como factor condicionante do sucesso, associada, como é óbvio, às
demais componentes da estrutura complexa da performance desportiva.

As dúvidas existentes sobre a treinabilidade da velocidade têm a ver com a


relação custo - benefício, muito desfavorável para o praticante. Ao
investimento realizado no treino não tem correspondido uma evolução
proporcional do rendimento da velocidade, pelo menos em idêntica proporção
358 • Metodologia do treino desportivo I !

à de outras capacidades motoras. Na base da evolução do rendimento


desportivo tem estado quase sempre o pressuposto de que tudo evolui em torno
do volume e da intensidade do treino. O volume, sobretudo, marcou toda a
última fase de desenvolvimento do treino desportivo. O treino da velocidade
orientou-se, na prática, por princípios idênticos ao do treino das outras
capacidades. Sabe-se hoje, porém, que a organização funcional que responde à
velocidade não se rege pelos mesmos princípios. É com base nesta afirmação
que se dará forma a esta introdução ao treino da velocidade.

1. Velocidade como capacidade elementar

A velocidade é uma das capacidades que constituem o complexo condicional -


coordenativo. À semelhança da força e da resistência a velocidade é
considerada uma dimensão motora dada a sua autonomia (ou independência)
relativamente às outras capacidades. Com um significado semelhante,
Bauersfeld e Voss (1992) designam "a velocidade como pressuposto elementar
do rendimento desportivo".

Estes autores definiram as características que quando reunidas caracterizam um


pressuposto elementar, a saber:
• é determinado e influenciado, de forma dominante, por um determinado
sistema funcional;
• é transferível entre movimentos estruturalmente semelhantes;
• tem significado para todos os movimentos (gestos) desportivos, estando
assim contido em todos os gestos desportivos;
• o seu grau de expressão não é influenciado pelo grau de expressão de
outros pressupostos do rendimento ainda que surja a eles associada no
movimento e com eles estabeleça relações;
• em rendimentos desportivos de alto nível não são compensáveis, isto é,
um grau de expressão insuficiente de uma capacidade não é compensável
por um outro pressuposto do rendimento desenvolvido acima da média;
" Estudo do factor físico desportivo - Velocidade • 359

• necessita para o seu desenvolvimento, de um sistema, próprio, de meios e


métodos.
2. Definição do conceito

No treino desportivo como em qualquer outra área do conhecimento e da


actividade humana abundam os termos e proliferam as definições. Sem
terminologias específicas não é possível a comunicação oral e escrita.
Tentemos então, desde já, definir o conceito de velocidade.

Um dicionário não serve para criar linguagem, mas para a reflectir. Por isso
mesmo julga-se útil empreender uma pequena volta por alguns dos léxicos que
à velocidade dedicaram algumas linhas de atenção:
Oxford dictionary of sports science and medecine, autor: Kent:
• distância percorrida na unidade de tempo medida em m/s. É uma
quantidade escalar;
• capacidade para realizar um movimento num curto espaço de tempo.
Dictionary of the sports and exercise sciences, autor: Anshel: a
quantidade escalar do vector velocidade.
Webster's sports dictionary, autor: Copeland: capacidade de correr ou de
se mover rapidamente.

Noutras fontes obtemos outros pormenores sobre o termo:


The facts on file dictionary of fitness, autor: Friedberg: a rapidez com a
qual movimentos sucessivos do mesmo tipo são produzidos.
Training Theory, autor: Frank Dick: a velocidade como factor do
rendimento desportivo refere-se à:
• velocidade de coordenação de acções articulares, como por exemplo, a
perna livre do barreirista;
• velocidade dos movimentos que envolvem todo o corpo, como por
exemplo, velocidade de sprint. Pode desempenhar um papel directo na
obtenção do resultado como na corrida de velocidade ou indirecto como
360 • Metodologia do treino desportivo I !

na obtenção de energia cinética de que o saltador necessita para explorar


as capacidades musculares reactivas da perna de chamada.

Destes contributos podemos obter a seguinte definição síntese: a velocidade é a


capacidade de reagir, rapidamente, a um sinal ou estímulo e/ou efectuar
movimentos com oposição reduzida no mais breve espaço de tempo possível

Podemos também retirar outras características da velocidade que poderão ser


importantes posteriormente:
• a velocidade pode observar-se e medir-se quer em gestos acíclicos -
isolados - quer em gestos acíclicos - de repetição sucessiva;
• a velocidade é mensurável, através da duração dos gestos e dos espaços
percorridos. Por exemplo: pode medir-se a velocidade média em m/s, em
movimentos cíclicos, relacionando o espaço percorrido com o tempo gasto.
Medindo a modificação sucessiva da velocidade do corpo ou de um
segmento corporal isolado pode obter-se o valor da aceleração. A curva
obtida através da união das diferentes velocidades, obtidas durante a
aceleração, revela a velocidade máxima.

3. Modalidades em que se manifesta a velocidade.

Procuraremos situar a velocidade no âmbito das modalidades desportivas.


Prestemos atenção às palavras de um dos mais proeminentes autores da
actualidade no domínio da Teoria e Metodologia do Treino, Yuri
Verchoshanskij: "o rendimento desportivo é determinado por diferentes
factores, que também desempenham um papel significativo no desenvolvimento
do rendimento do praticante. Esses factores não têm todos o mesmo valor.
Alguns são mais importantes ou um é o mais importante - o factor principal -
que determina de forma dominante e objectivamente o rendimento desportivo e
a sua evolução. Se a partir daqui analisarmos as várias modalidades
desportivas, no âmbito da locomoção, podemos ver a velocidade de
" Estudo do factor físico desportivo - Velocidade • 361

movimentos do praticante, como o factor dominante. A velocidade, e apenas


ela, determina em último lugar o resultado desportivo. Todos os outros
factores, como por exemplo a técnica desportiva, a capacidade táctica, as
capacidades psíquicas e intelectuais, a força e a resistência são, também,
naturalmente, importantes mas não "fazem" o rendimento. 0 estabelecimento
concreto de objectivos no âmbito do desenvolvimento destes factores consiste
então em proporcionar a execução do exercício de competição com a máxima
velocidade possível e possibilitar novos progressos da velocidade, através do
aperfeiçoamento quantitativo e qualitativo no treino".

A velocidade não é uma manifestação motora exclusiva das corridas de


velocidade. Ela expressa-se numa enorme quantidade de gestos desportivos.
Vejamos alguns exemplos avulsos nos quais a velocidade é determinante:
• a velocidade de execução das técnicas nos desportos de combate
possibilita ao praticante ser eficaz, antecipando-se às decisões defensivas e
ofensivas dos adversários;
• a velocidade nos jogos desportivos colectivos exprime-se quer na rapidez
da concretização das opções tácticas colectivas que no âmbito da técnica
individual. Basicamente uma maior velocidade de impacto do pé (futebol)
ou da mão (voleibol) na bola ou uma maior velocidade de projecção da bola
da mão (andebol) possibilita trajectórias mais longas e/ou mais rápidas;
• a velocidade com que o remo e a pagaia se desloca na água,
impulsionados pela própria velocidade do praticante, condiciona a
velocidade de deslocação da embarcação;
• a velocidade da corrida e a velocidade dos apoios nas diferentes chamadas
- no tapete ou no salto de cavalo - do ginasta é determinante na obtenção das
trajectórias ideais do seu corpo;
• a velocidade de projecção do corpo, dos blocos para a água, é critério de
eficácia na partida do nadador;
• a velocidade com a qual o nadador efectua a sucessão de ciclos de
braçada determina a velocidade de deslocação na água;
362 • Metodologia do treino desportivo I !

• a velocidade com que se executam as chamadas dos saltos no atletismo


são decisivas para as distâncias ou alturas alcançadas. A velocidade da
chamada é também por sua vez, determinada pela velocidade da corrida que
a precede;
• a distância obtida pela bola de golf é determinada pela velocidade do
"swing" e, consequentemente, pela velocidade de impacto do taco na bola;
• a velocidade é a "grosso modo", o factor decisivo em todas as corridas.
Apenas varia o seu "estado de pureza", mais evidente nas disciplinas de
sprint.

4. Formas básicas de estruturação da velocidade nas modalidades desportivas

Basicamente a velocidade manifesta-se das seguintes formas: i) velocidade de


reacção, ii) velocidade de execução, iii) capacidade de aceleração, iv) velocidade
máxima e a, v) velocidade resistente.

4.1. Velocidade de reacção

É a capacidade do sistema neuromuscular reagir a uma dada estimulação no


mínimo tempo. A reacção ao estimulo pode ser considerada em dois tipos:
reacção simples reacção complexa.

4.1.1. A reacção simples

A reacção simples é a resposta a um sinal conhecido antecipadamente,


com a pré-percepção do momento em que vai ser dado e com o
conhecimento do tipo de resposta a elaborar.

4.1.2. A reacção complexa

A reacção complexa é a resposta a um sinal para a qual não se conhece


com precisão nem a natureza deste, nem o momento do seu aparecimento
" Estudo do factor físico desportivo - Velocidade • 363

e nem a resposta especial. É por exemplo a resposta técnica-táctica a uma


bola ou a um companheiro ou a um adversário em movimento. É uma
reacção por escolha, por selecção dentre as várias soluções possíveis,
sendo característica dos desportos colectivos e de combate. A velocidade
e a precisão da reacção complexa, especialmente nos desportos
colectivos e nos de combate são determinadas pelos seguintes factores:
capacidade de observação, dependente da precisão da percepção do
envolvimento que se traduz no reconhecimento rápido das situações
modificadas;
capacidade de se orientar correctamente, dependente do sentido de
equilíbrio e da adaptação motora;
capacidade técnica, isto é, nível do «savoir-faire» desportivo;
equipamento táctico, ou nível do pensamento táctico;
conhecimentos e experiências na modalidade desportiva;
capacidade de antecipação e de resolução pela escolha da reacção
de resposta correcta perante a situação;
velocidade do movimento, como elemento exteriormente
condicionante.

4.2. Velocidade de execução

É a capacidade do sistema neuromuscular efectuar um gesto com a


velocidade de contracção máximal de um músculo ou grupo muscular. A
velocidade de execução é, assim, a velocidade máxima de contracção ao
executar-se um só gesto técnico, por exemplo, o salto, o lançamento, o
golpe, o corte, o remate, o batimento, etc. Constitui, portanto, característica
dos movimentos desportivos acíclicos e está intimamente ligada a outra
qualidade que é a força explosiva.

Nesta conformidade, à velocidade de execução se apresentam dois


problemas: um respeita ao nível da resistência a vencer para a execução do
364 • Metodologia do treino desportivo I !

gesto e o outro respeita ao nível de força muscular máximal a aplicar. A


velocidade de execução será tanto maior quanto menor for a resistência a
vencer.

4.3. Capacidade (velocidade) de aceleração

Por velocidade de aceleração, deve entender-se a capacidade de acelerar


rapidamente a partir da posição de repouso (parado) e alongar o período de
aceleração. Será, relativamente ao sprint, a qualidade que permite
desenvolver a aceleração do movimento até à obtenção da velocidade
máxima. A partir da obtenção desta, ou se observa uma aceleração igual ou,
desde logo, uma desaceleração, um abaixamento do valor da aceleração.

Um corpo para alterar o seu estado de repouso (e de movimento), necessita


que sobre si actue uma força (principio da inércia). Este fenómeno é
característico da actividade e observa-se portanto no gesto desportivo,
objectivado pelo deslocamento no espaço com maior ou menor velocidade.
A aceleração exprime a razão da variação da velocidade, medida
normalmente em termos de média. Torna-se claro que ao aumentar-se a
aceleração se aumenta a velocidade. Assim aplicam-se alguns princípios da
biomecânica:
percurso de aceleração longo;
influencia continua da força, através da coordenação das forças
parciais; a aceleração deve começar pela mobilização das massas
musculares maiores, as quais se contraem mais lentamente mas mais
vigorosamente; este fenómeno é de grande importância para a aceleração
inicial dado que se trata de vencer a inércia e o atrito de parte ou de todo
o corpo ou também do sistema corpo-engenho;
" Estudo do factor físico desportivo - Velocidade • 365

a ordem de mobilização muscular será encadeada de molde a que a


seguinte se faça quando a actividade da anterior tiver atingido o seu
máximo;
utilização máximal da força, com estabelecimento de tensão
preliminar; se a musculatura estiver previamente tensa na medida eficaz
torna-se possível exercer uma força maior; esta obtém-se pelo
alongamento do músculo o que acresce o rendimento, pois o seu
encurtamento máximo possível é de metade do seu comprimento, dando
assim um maior percurso de aceleração.
4.4. A velocidade máxima

Considera-se como a capacidade do sistema neuro-muscular vencer o maior


espaço possível, através de um esforço máximo e por uma frequência de
movimentos correspondentes, é também designado por velocidade de sprint.

A velocidade máxima depende de imediato de dois factores:


nível de velocidade de aceleração;
frequência e amplitude das passadas.

É evidente que desempenham papel de relevo a força, na sua dimensão


explosiva, particularmente na impulsão, e a acção técnica.

4.5. A velocidade resistente

É a capacidade de resistir à instalação da fadiga durante a aplicação de


cargas de intensidade máximal e sub máximal consubstanciado por uma
produção de energia anaérobia. Nos exercícios ciclicos esta capacidade é
solicitada no sentido de impedir que se produza uma quebra após a obtenção
da velocidade máxima.

A velocidade resistente é a combinação de duas qualidades a velocidade e a


resistência. Com efeito, depende dos seguintes factores:
366 • Metodologia do treino desportivo I !

nível das reservas de energia (fosfocreatina e ATP);


capacidade de mobilização dessas reservas de energia na falta de
oxigénio;
capacidade de compensação e de tolerância (reservas alcalinas). Ou
seja, a capacidade de neutralizar as reacções ácidas pela mobilização das
reservas alcalinas;
capacidade de os músculos se poderem ainda contrair mesmo em
presença de forte concentração de ácido láctico no sangue; e,
capacidade volitiva. Mobilização das reservas da vontade.

5. Factores de que depende a velocidade

Para se entender correctamente a fundamentação fisiológica da velocidade,


deveremos começar por distinguir energia de informação.

A contracção muscular processa-se, em última instância, através da energia


química disponível nos músculos sob forma de ATP, cuja resíntese, através das
vias anaerobia ou aerobia, possibilita a continuação da actividade muscular.
Embora o movimento não seja possível sem a presença do ATP na fibra
muscular não deveremos ignorar a Informação. A velocidade é uma capacidade
motora que requer sobretudo um trabalho eficaz do sistema neuro-muscular.
Neste sistema as mensagens circulam sob a forma de sinais nervosos os quais
se convencionou designar por informação. Na teoria da Informação esta mede-
se em Bites.

O tratamento da informação que flui pelas fibras nervosas aferentes processa-


se através dos mais de 10 biliões de neurónios existentes no sistema nervoso
central. Uma fibra nervosa pode propagar cerca de 10-15 Bites/seg. O fluxo de
informação de todas as fibras nervosas aferentes é de cerca de 100 milhões de
bites/seg. Desta enorme quantidade de informação só 10-20 bites/seg. são
percepcionados conscientemente durante o trabalho de processamento
realizado no cérebro. A maior parte da informação é processada
" Estudo do factor físico desportivo - Velocidade • 367

inconscientemente. 50 a 1000 bites/seg. são debitados para o exterior após


tratamento.

Estes processos nervosos inconscientes acontecem em grande parte no domínio


neuromuscular. Particularmente os programas motores cuja duração não
ultrapassa, geralmente, os 200 ms não são conduzidos e controlados
conscientemente. Parte-se do princípio que só após 200 ms se pode reagir a um
estímulo exterior (exteroceptivo). Torna-se cada vez mais evidente a
necessidade de oferecer mais atenção a este domínio fisiológico.
Provavelmente o rendimento desportivo - e em particular a velocidade -
depende mais - do que se julga - da imensa rede neuronal e da informação que
a percorre do que da energia química que os músculos consomem.
Neste conexto, há um conjunto de condições necessárias à obtenção de um
determinado nível de velocidade: i) a velocidade de propagação dos impulsos
nervosos, ii) elevada quantidade de fibras de contracção rápida, iii) capacidade
de recrutamento de um elevado número de fibras musculares, iv) capacidade de
alternar a contracção e a descontracção da musculatura, v) mobilização da
vontade, vi) eficiência dos mecanismos bioquimicos, vii) qualidade técnica e,
viii) nível de mobilidade articular.

5.1. Velocidade de propagação dos impulsos nervosos

O movimento voluntário tem a sua origem nos centros motores corticais do


sistema nervoso central, o qual desempenha uma função reguladora da
mobilização dos processos nervosos para a execução.

No que respeita ao trabalho de velocidade, sabe-se que é somente por uma


grande mobilização dos processos nervosos, na alternância rápida da
excitação dos músculos sinergistas e da inibição dos antagonistas que os
gestos desportivos podem ser executados em grande velocidade. A
velocidade da contracção muscular não pode ser modificada mas a
368 • Metodologia do treino desportivo I !

velocidade de condução do influxo nervoso e a sua coordenação podem ser


alteradas.

Portanto, quanto mais rápida for a mudança da estimulação para a inibição


maior pode ser a velocidade de reacção e também maior a frequência (ligada
à velocidade de execução). A complexidade do movimento acentua-se com
a velocidade e o sistema nervoso central coordena as acções parcelares
determinantes do conjunto, seja desde os movimentos dos pés, das pernas,
dos braços, etc., de forma a que se torne altamente eficaz.

5.2. Elevada quantidade de fibras de contracção rápida (FT fibers)

As fibras vermelhas, também chamadas fibras musculares tónicas, contêm


uma percentagem elevada de mioglobina, o que lhe permite grande
acumulação de oxigénio, e estão, por isso, aptas a realizar "performances"
de resistência; todavia, contraem-se mais lentamente que as fibras brancas,
ou fásicas, que têm percentagem elevada de miofibrilhas, aptas pois à
velocidade, mas de resistência relativamente fraca .

Alguns músculos são unicamente compostos por fibras vermelhas e outros


por fibras brancas, e ainda pelas intermédias. Na maior parte dos casos
encontram-se num mesmo músculo fibras vermelhas e brancas, misturadas
em determinada proporção. Todavia, no músculo humano, pode-se também
comprovar a existência de funções diferentes, mas tratar-se-á da
predominância e não da função única, porque será a maior ou menor
quantidade de cada tipo de fibras que estará na origem da acção.
" Estudo do factor físico desportivo - Velocidade • 369

Em suma, todos estes factos são importantes ao analisarmos o problema de


velocidade, pois que não é possível alterar decisivamente pelos estímulos o
sistema inato do indivíduo. Poder-se-á dizer que há uma capacidade de
velocidade inata consequente de estrutura muscular inata que limitará a
performance do atleta. De facto não se poderá fazer um «sprinter» da elite
mundial de um corredor cujos músculos sejam predominantemente
constituídos por fibras vermelhas (tónicas, resistentes).

5.3. Capacidade de recrutar um número elevado de fibras musculares

Entende-se por força muscular a aptidão de um músculo realizar trabalho e


de opor uma tensão a uma resistência. Em desporto, tratar-se-á de fixar ou
deslocar o corpo, ou parte, em vários sentidos, o que se obtém pela
transformação, realizada pelos músculos, de energia química em energia
mecânica.
Com efeito, a força é um elemento decisivo nas corridas curtas, nos saltos,
etc. A realização do movimento está ligada por um lado à maior ou menor
capacidade muscular de vencer a resistência e por outro lado à capacidade
do músculo se contrair mais ou menos rapidamente.

5.4. Capacidade de alternar de forma fluida a contracção e a descontracção da


musculatura (tanto dos músculos sinergistas como dos antagonistas)

Sobre este assunto devemos relembrar os trabalhos de Yurij Wysotschin


(1975). Através da Polimiografia avaliou diferentes factores como por
exemplo velocidade de reacção, velocidade de contracção (capacidades
explosivas) força máxima, velocidade de relaxação, estado funcional de
diferentes grupos musculares assim como globalmente do sistema
neuromuscular. Encontrou, inevitavelmente, diferenças no estado funcional
dos atletas velocistas pertencentes a grupos de rendimento diferentes.
Porém, foi na velocidade de relaxação que se detectaram as maiores
diferenças. Este facto levou Wysotschin a considerar que esta capacidade é
370 • Metodologia do treino desportivo I !

condicionante das outras mesmo que desenvolvidas em níveis elevados.,


nomeadamente os valores relativos à força rápida.

Verificou ainda com atletas de outras modalidade que 24 horas após um


treino de força rápida os valores da força aumentaram registando-se,
todavia, uma pequena redução do valor da capacidade de relaxação. Após
um treino de resistência observou-se a descida dos valores da força e um
aumento da capacidade de relaxação. Com base em investigação prolongada
verificou também um aumento da resistência anaerobia geral dos velocistas.
Porém, a conclusão mais curiosa do trabalho de Wysotschin foi a de que é
possível melhorar a velocidade resistência dos sprinters melhorando o
relaxamento muscular. O relaxamento favorece, aqui, um funcionamento
mais económico da musculatura.

5.5. A mobilização da vontade

O praticante ao pretender superar o adversário, ou superar-se a si próprio,


faz esforços de vontade maiores ou menores, os quais no domínio da
velocidade são maximais.

É sabido que, quanto às qualidades físicas, existem reservas que serão


maiores ou menores conforme o maior ou menor esforço volitivo e mesmo
uma determinada percentagem escapa à vontade. Contudo a performance
desportiva de velocidade depende de outros elementos. Assim no tocante à
táctica e à técnica os esforços de vontade maximais deverão constituir factor
determinante somente após a estabilização técnica. Na realidade a técnica
influencia grandemente as performances de velocidade e está confirmado
que os esforços maximais não conduzem ao resultado máximal.

5.6. Eficiência dos mecanismos bioquímicos


" Estudo do factor físico desportivo - Velocidade • 371

A energia necessária à contracção muscular característica da velocidade é


predominantemente fornecida pelo processo anaerobio em dois tipos de
reacção química. O primeiro, dito aláctico, efectua-se sem que a fibra
muscular produza ácido láctico. O segundo, dito láctico, efectua-se com
produção de ácido láctico. Estes dois processos constituem as fontes de
energia anaerobia, as quais se completam com um terceiro processo que
corresponde às fontes de energia aeróbia.

As reservas anaeróbias alácticas são representadas por um grupo de


compostos fosforados de alta energia (fosfocreatina, ATP) e portanto são as
fontes principais para fornecer energia elevada durante curto tempo, por
exemplo nos gestos acíclicos, isto é, no levantamento, no remate, no
lançamento, no salto, na partida e acelerações, etc. Pelo treino é importante
que se obtenha um acréscimo da concentração destas reservas (PC, ATP) e
que a capacidade e velocidade da sua mobilização sejam também
aumentadas.
As reservas anaeróbias lácticas são constituídas pela degradação do
glicogénio do músculo ou da glucose proveniente do fígado originando o
ácido láctico. É uma fonte de energia mais lenta que a aláctica e que
participa no movimento de velocidade acima de 30 segundos, ou seja nas
corridas de 400 metros do atletismo e nas acções correspondentes dos outros
desportos. O desenvolvimento dos factores ligados a esta fonte, láctica, visa
o aumento da capacidade de compensação e tolerância do organismo à
acumulação do ácido láctico.

5.7. A qualidade técnica

A qualidade técnica é condição essencial para a obtenção de uma elevada


performance no domínio da velocidade.
372 • Metodologia do treino desportivo I !

Podemos ter um atleta de 110 metros com barreiras muito rápido a correr a
distância plana, mas carente tecnicamente na transposição dos obstáculos,
que a sua performance naquela prova é reduzida fortemente por este facto.
Podemos ter um basquetebolista muito rápido a executar o movimento de
lançamento ao cesto, mas se não possuir o afinamento técnico necessário à
determinação das precisões das trajectórias, muito embora não possibilite a
intercepção, não obterá sucesso na introdução.

A consolidação da técnica corresponde à estabilização da coordenação fina


e à sua aplicação correcta em condições variáveis. Os movimentos são
precisos, exactos e eficientes, pois são realizados economicamente, com o
menor dispêndio de energia. É a automatização da capacidade de efectuar
um complexo de movimentos, ou seja, o estado particular no decurso do
qual se efectuam com uma participação reduzida ou nula da consciência .

5.8. Nível de mobilidade articular

Entende-se por mobilidade a capacidade de um indivíduo executar


movimentos com determinada amplitude. É também limitadora da
velocidade, nomeadamente a de execução, a de aceleração e a maximal,
tanto no aspecto qualitativo como quantitativo.

A mobilidade do desportista é limitada, primeiro que tudo, pela elasticidade


do conjunto muscular, tendinoso e ligamentoso em acção. Uma boa
elasticidade permite a amplitude optimal do movimento, a qual seria
reduzida se a musculatura estivesse encurtada. Este aumento da margem do
movimento, ou seja da amplitude, possibilita o acréscimo do percurso de
aceleração, elevando se por isso, como já vimos, a velocidade.
" Estudo do factor físico desportivo - Velocidade • 373

6. Conceitos fundamentais no treino da velocidade

Apesar do papel relevante que a velocidade desempenha na maioria das


modalidades desportivas ao seu conhecimento são dedicados menos estudos do
que às outras capacidades. O seu peso na bibliografia é também
significativamente inferior.

Isto deve-se, sobretudo, ao facto da velocidade se apoiar no sistema nervoso.


Este é, como se sabe, dos territórios menos conhecido da fisiologia humana.
Por este motivo abundam na bibliografia, dedicada à velocidade, numerosas
referências energéticas, como se de uma pura capacidade condicional se
tratasse. A doutrina energética aplicada à velocidade bem assim como a
convicção de que o seu desenvolvimento depende muito do desenvolvimento
da força muscular tem colocado a velocidade dependente dos princípios gerais
da adaptação ao esforço e respectiva supercompensação. A prática tem
mostrado que este não é o caminho correcto.

Tudo indica, como já se referiu anteriormente, que toda a teoria sobre a


velocidade deve ser reorientada no sentido da informação. Em consequência a
velocidade deve cada vez mais ser ordenada nas capacidades coordenativas e
não nas capacidades condicionais. Com esta orientação são escassos os
trabalhos de investigação. Um dos trabalhos de investigação mais
prometedores surgiu em 1992 assinado por Monika Bauersfeld e Gerald Voss.
E com base nas orientações destes autores que iremos abordar os pontos
seguintes.

6.1. Programa temporal

Como já vimos a velocidade dos gestos desportivos depende da capacidade


de regulação e condução neuromuscular.
374 • Metodologia do treino desportivo I !

Todos os gestos desportivos são realizados com base nas capacidades de


regulação e condução neuromuscular. Nos casos dos gestos rápidos de
velocidade, este processo constitui padrões de inervação, constituídos com
base quer nas exigências motoras da actividade quer nas limitações das
próprias estruturas fisiológicas.

Sem polemizar em torno do que é inato e do que é adquirido julga-se ser


necessário reduzir o pessimismo inatista investindo precocemente na
aquisição de padrões de inervação, concordantes com os objectivos
definidos.

A constituição fisiológica do padrão de inervação expressa-se no âmbito


motor como um programa temporal (P.T.). O programa temporal contem o
comando para a sucessão de impulsos nervosos que corresponde às
contracções musculares necessárias ao gesto motor. Coordena igualmente a
actividade bioeléctrica do músculo, inclusive a sua duração.

6.1.1. Movimentos acíclicos

Nos movimentos rápidos e acíclicos distinguem-se, basicamente, dois


programas temporais distintos: programa temporal de curta duração e
programa temporal de longa duração. O exercício acíclico rápido
escolhido para estudar o comportamento destes conceitos foi o ressalto
em profundidade a pés juntos (queda de uma altura de 35 a 40 cms). A
medição do tempo de contacto no solo e o registo electromiográfico
servem de critérios para distinguir os P.T.'s.

6.1.1.1. Programa Temporal de curta duração


" Estudo do factor físico desportivo - Velocidade • 375

1. Impulso rápido dirigido directamente para o músculo principal.


2. 0 padrão de inervação caracteriza-se por uma pré-inervação (antes
do contacto).
3. Coactivação entre os músculos principais.
4. Maior elasticidade muscular.
5. Subida rápida da actividade muscular na primeira parte do
movimento.
6. 0 registo electromiográfico revela, habitualmente, apenas um pico
de actividade.

6.1.1.2. Programa Temporal de longa duração:

1. Não revela impulsos directos e rápidos para os músculos principais.


2. As fases de pré-inervação são mais reduzidos ou inexistentes.
3. As fases seguintes da actividade muscular são intercaladas com
fases de actividade mais reduzida e fases de estabilização.
4. 0 registo electromiográfico revela mais do que um pico de
actividade.

Observou-se que estes 2 grupos de características são delimitados por


uma duração de contacto no solo na ordem dos 170 ms., isto é, uma
duração de contacto inferior a 170 ms é característica de um programa
temporal de curta duração enquanto que durações de contacto superior
a 170 ms revelam um Programa temporal de longa duração. Daqui é
fácil inferir que noutros gestos, ou exercícios, durações diferentes
poderão corresponder aos mesmos grupos de exigências e assim
identificar os respectivos P.T's.
376 • Metodologia do treino desportivo I !

Figura 68. Representação de um modelo de inervação de um programa temporal de


curta duração (esquerda) e de um programa temporal de longa duração (direita)
(modif. seg. Bauersfeld e Voss, 1992)
VI (ms) - duração da pré-inervação
PVA (ms) - fase de actividade mais reduzida
GA (ms) - tempo de actividade até ao primeiro pico
TA (ms) - fase de actividade principal

6.1.2. Movimentos cíclicos

A generalidade das modalidades desportivas contem gestos acíclicos


integrados em gestos cíclicos. Nos gestos cíclicos a frequência de
movimentos é um pressuposto essencial para a produção de velocidade.
Tomando como exemplo a velocidade de corrida ela é produto da
amplitude da passada pela frequência da passada.

As formas de manifestação da frequência gestual observam-se de forma


diversa em diferentes modalidades como por exemplo: frequência de
passada (corrida), frequência de pedalada (ciclismo), frequência de soco
(boxe, karaté), frequência de remada (remo), frequência de pagaiada
(canoagem), frequência de braçada (natação). O critério de rendimento
designado frequência gestual aplica-se a movimentos com exigências
" Estudo do factor físico desportivo - Velocidade • 377

elevadas de velocidade. "Grosso modo" a frequência gestual consta da


repetição - tão numerosa quanto possível- na unidade de tempo de gestos
com uma qualidade desejável. Dada a clara relação existente entre a
frequência de pedalada (Ciclismo) e a idade poderemos concluir que os
valores da frequência são influenciados pela força muscular

No que respeita à frequência de passada devem considerar-se outros


factores como influentes. Análises da frequência de passada revelam que
os valores mais elevados são obtidos nos níveis mais elevados de
rendimento. Porém verifica-se que em todos os níveis etários existem
casos de praticantes que atingem frequências que se aproximam dos
valores médios do alto nível.

Segundo existem crianças de 3-6 anos que ultrapassam a frequência dos


atletas de alto nível. Nos casos da frequência de pedalada e da passada é
verificável que os valores obtidos são o resultado duma rede de
influências tecida por outros factores do rendimento. Por outras palavras
estas formas de manifestação da frequência não se apresentam no "estado
puro" não podendo assim ser consideradas como expressão da velocidade
cíclica elementar.

As características desejadas pela velocidade cíclica elementar foram


encontradas no teste de frequência "batimento de pés". Sentado numa
cadeira, pernas paralelas flectidas a 90 graus O praticante executa
batimentos no solo alternados com cada um dos pés, a amplitude é
escolhida pelo praticante.
Segundo Fischer/Lehmann, citados por Bauersfeld e Voss (1992) o
carácter elementar da velocidade cíclica verifica-se em movimentos de
amplitude reduzida com velocidade máxima sem oposição para vencer,
durante 6 segundos. As diferenças qualitativas no programa temporal
cíclico das pernas diferencia-se no referido teste em 6 segundos com 12
378 • Metodologia do treino desportivo I !

repetições (Hz) por segundo. Valores acima de 12 Hz reflectem um P.T.


ciclo curto. Valores abaixo de 12 Hz reflectem um P.T. ciclo longo.

Um dos factores que condiciona a velocidade da frequência gestual é a


capacidade de relaxação da musculatura envolvida no exercício. Como
referido no início a velocidade é um pressuposto elementar do
rendimento desportivo. A qualidade dos processos neuromusculares em
que a velocidade se fundamenta reflectem-se em Programas Temporais
de movimentos acíclicos e cíclicos

6.2. Transferência dos programas temporais

Até aqui referiram-se os programas temporais como manifestações


elementares da velocidade. Elementares porque relativamente independentes
doutros factores do rendimento. Para a prática é agora relevante saber se
estes P.T's. podem ser transferidos de um gesto para outro ou se são
pertença de cada gesto executado, necessitando de uma formação própria.
Reforçando a opinião de que a velocidade se relaciona mais com os factores
neuromusculares, típicos da aprendizagem técnica, do que com os factores
energéticos procuraremos razões na fisiologia do sistema nervoso.

Contrariando a opinião clássica de que para cada movimento específico


existe um programa motor independente no sistema nervoso central, isto é,
que cada gesto deve ser desenvolvido como uma habilidade, avança-se
agora com uma concepção mais "flexível". O programa motor não existe
sob a forma de programa complexo de grande dimensão mas sim como um,
subprogramas. Estes subprogramas elementares são úteis para um grande
número de movimentos complexos - são portanto transferíveis.
Segundo Bauersfeld e Voss estes programas elementares são sobretudo
usados em movimentos extremamente breves não reguláveis
conscientemente. Esta concepção de programa corresponde à noção de
"Engram".
" Estudo do factor físico desportivo - Velocidade • 379

Vejamos como Wilmor e Costill (l994) definem este conceito "quando você
aprende uma nova habilidade motora, os períodos iniciais de prática
requerem uma concentração intensa. Quando está mais familiarizado com
tal habilidade verifica-se que não necessita concentrar-se tanto.
Finalmente, a partir do momento em que aprende a habilidade, ela pode ser
"chamada" com esforço reduzido ou inconsciente. Como é que se atinge
este ponto? Padrões motores específicos aprendidos parece estarem
armazenados no cérebro para serem repetidos quando necessário. Estes
padrões motores memorizados são referidos como programas motores ou
'ÉNGRAM".

Engram's são aparentemente armazenados nas porções sensorial e motora no


cérebro. Aqueles que se situam na porção sensorial do cérebro "servem"
para os padrões motores mais lentos. Os que se situam na porção motora
para os movimentos rápidos". Entendendo os Programas Temporais
elementares como Engram's deveremos concluir pela sua utilidade para
gestos com estrutura idêntica.

Segundo Muller e Fischer, citados por Bauersfeld e Voss (1992) os


programas temporais acíclico e cíclico não são transferíveis entre si. Trata-
se de programas básicos elementares independentes. Em suma os P.T's
acíclico e cíclico são 2 formas de manifestação da velocidade.

Movimentos desportivos com elevadas exigências de velocidade exigem um


desenvolvimento correspondente dos P.T's elementares acíclicos assim
como dos P.T's cíclicos. A qualidade dos P.T's. acíclico e cíclico
elementares não são determinados pelo grau de desenvolvimento dos
pressupostos da força, não mostrando nenhuma diferença significativa
específica entre os sexos.
7. Orientações metodológicas para o treino da velocidade
380 • Metodologia do treino desportivo I !

Sem dúvida, é nas disciplinas ou modalidades com exigências elevadas de


velocidade que se observam os maiores imobilismos das performances. O facto
da velocidade ser tradicionalmente entendida e treinada, como uma capacidade
condicional tem limitado a sua progressão. É insuficiente o entendimento de
que a velocidade é um pressuposto neuromuscular elementar do rendimento.
Avaliações, citadas por Bersfeld e Voss, realizadas na ex-RDA, no âmbito do
treino com jovens 13-15 anos, revelam, nas disciplinas de saltos, que após o
treino de velocidade não se verificam quaisquer modificações qualitativas nas
estruturas neuromusculares.

Nas corridas de velocidade crianças de 9-l2 anos evoluem quase


exclusivamente através do aumento da amplitude da passada. A frequência da
passada não se altera. Também a estrutura biomecânica das chamadas nos
saltos ao mais alto nível revela uma extraordinária estabilidade, apesar do
treino realizado no âmbito da velocidade. Porém, a investigação revela que os
processos de controle e condução neuromuscular podem ser modificados
através do treino.

A eficácia do processo de treino depende por um lado da actividade realizada e


por outro do momento - idade - mais oportuno para a sua aplicação. Ao
contrário das concepções que indicam a resistência aeróbia como a primeira
prioridade do treino condicional no âmbito do treino com jovens, perspectiva-
se, agora, a orientação em favor da velocidade.

A prioridade deve ser dada ao treino da velocidade nas suas manifestações


elementares. Num período de grande plasticidade quer dos tecidos musculares
osseo e nervoso quer hormonal é possível influenciar a formação dos
programas temporais, da estruturação das fibras musculares. A modificação
destas estruturas é um processo dependente da actividade. O treino da
" Estudo do factor físico desportivo - Velocidade • 381

velocidade estrutura-se em 2 grandes domínios: treino da velocidade elementar


e o treino da velocidade complexa.
7.1. Treino da velocidade elementar

7.1.1. Velocidade acíclica elementar

O sucesso do processo de aprendizagem tem de se basear na aquisição de


subprogramas/Engram's motores que em perspectiva correspondam o
mais exactamente possível as características finais, previsíveis, dos
gestos motores. No âmbito do treino da velocidade passa-se,
tradicionalmente, a situação inversa. Os primeiros contactos com o treino
da velocidade são geralmente baseados em programas temporais com
características diferentes do programa temporal que se procura alcançar.
Como acontece com os gestos também os programas temporais se
automatizam, caindo-se no mesmo ciclo vicioso.

Deve procurar-se então, através do treino da velocidade elementar,


constituir programas neuromusculares adequados. Estes programas
neuromusculares devem corresponder s capacidades previstas - programa
temporal curta duração. Este programa deve ser relativamente
generalizável (geral) para poder servir um grande número de exercícios.
Usam-se exercícios gerais, especiais e de competição. Porém deve dar-se
prioridade aos exercícios gerais. A escolha dos exercícios deve ser
sempre referenciada pelas exigências do programa ternporal em
competição. Este é um dos aspectos centrais do treino da velocidade
elementar. Para fazer corresponder as características dos exercícios de
treino com as características - prognóstico dos exercícios de competição
é necessário, habitualmente, modificar a natureza dos exercícios.

Possibilidades de modificação dos exercícios para assegurar o Programa


Temporal adequado:
engenhos mais leves;
382 • Metodologia do treino desportivo I !

engenhos mais pequenos;


redução do peso do corpo;
modificação das condições dos materiais de competição: tamanho
do campo, altura da rede, distâncias, peso;
exercício com imposições exteriores da velocidade prognóstico
(tapete rolante, cicloergometro motorizado, metrónomo,
electroestímulação).

Todas as modificações tem como objectivo tornar a execução mais rápida


e, portanto, mais próxima da velocidade prognóstico. É fácil de
compreender que o uso de exercícios específicos e de competição para o
treino da velocidade elementar exige a sua modificação. É mais fácil
escolher exercícios de carácter geral que correspondam às características
desejadas.

Vejamos agora um exemplo de exercício, já conhecido, utilizado para


melhorar o programa temporal acíclico dos membros inferiores. Ressalto
em profundidade com redução do peso do corpo (30 a 50%) com uma
altura de queda de 35 a 40 cm.
" Estudo do factor físico desportivo - Velocidade • 383

Figura 69. Ressalto em profundidade com redução do peso corporal

A redução do peso corporal tem como objectivo aumentar a velocidade


de execução constituindo, assim, um novo programa temporal. A redução
do peso do corpo do praticante é conseguida através da sua suspensão
com elásticos fixos numa tabela de basquetebol ou numa barra fixa.

A experiência foi realizada com ginastas de 7 anos com 2 treinos por


semana durante 6 semanas. Verificaram-se resultados bastante
satisfatórios nas transferências para a situação normal - sem redução do
peso corporal. Após 20 a 35 semanas os resultados mantiveram-se
semelhantes o que aponta para uma grande estabilidade das aquisições. A
eficácia deste treino pode ser aumentada se se proporcionar uma maior
motivação através de a informação (feed-back) rápida acerca dos valores
alcançados.

7.1.2. Velocidade cíclica elementar


384 • Metodologia do treino desportivo I !

O exercício básico escolhido para a velocidade cíclica elementar foi o


pedalar no cicloergometro sem oposição. Os resultados foram positivos
registando-se um aumento de 24.3% da frequência de pedalada no grupo
experimental e apenas 6.2% no de controle.

De forma semelhante a frequência da passada - em corridas no gelo -


melhorou no exercício de competição. Embora não tenham realizado
treino específico no gelo durante a experiência a frequência de passada
melhorou claramente no grupo experimental. Verificou-se, também nesta
característica uma transferência de efeitos. É interessante verificar a
adequação do exercício de frequência no cicloergometro a muitas
modalidades.

7.1.2.1. Intensidade e volume no treino da velocidade elementar

A evolução verificada até hoje nos resultados desportivos tem sido,


sobretudo, devida exploração do volume de treino. Ainda hoje e
vulgar a confusão entre treinar bem e treinar muito. A quantidade de
tremo está temporalmente limitada. A necessidade de alternar o
esforço com o descanso bloqueia as possibilidades de aumentar o
volume mas sobretudo o aumento desmedido do volume de treino
adultera os parâmetros dinâmicos e cinemáticos específicos da carga.

O futuro aponta claramente para uma maior qualificação do treino


através do aperfeiçoamento da intensidade em interligação com uma
maior especificidade. No treino da velocidade estas tendências são
mais evidentes. Não se tratando de uma capacidade
" Estudo do factor físico desportivo - Velocidade • 385

condicional/energética e não estando submetida aos princípios


clássicos da adaptação, a velocidade comporta-se de forma diferente.
Tabela 13. Quantidades de referência para o treino da velocidade elementar
(RNRessalto em profundidade, E.E=Electroestimulacão, C.E =Cicloergometro)
Modificado seg. Bauersfeld e VOSS (1992)
Idade etapa de Duração nº de Carga Exercício
formação semanas unidade global
7 E. Inic. 7 14 268 R.P.
11 E. Inic. 8 16 220 R.P.
13 E. Orient 6 12 400 R.P.
14 E. Orient 6 12 420 R.P.
15 E. Orient 6 12 440 R.P.
Adultos Estudantes 6 14 142 R.P.(E.E.)
11 E. Inic. 8 13 504 seg C.E.
12 E. Inic. 8 13 504 seg C.E.
13 E. Inic. 8 13 504 seg C.E.

Em primeiro lugar a intensidade do treino deve ser máxima podendo


também ser sub-máxima e super-máxima. Em segundo lugar o volume
do treino de velocidade é muito mais reduzido do que para outras
capacidades. A produção de fadiga resultante de um número elevado
de repetições é a principal limitação da contractilidade muscular
rápida. Para que os P.T's sejam eficazmente treinados é essencial que
os valores de referência/prognóstico sejam mantidos. Atente-se por
exemplo ao conteúdo do quadro anexo - e poder-se observar como as
cargas são reduzidas.

O volume da carga poderá ainda ser mais reduzido caso se consiga


aumentar a percentagem de repetições concordantes com o padrão
neuro-muscular prognóstico. Pelo menos 50% das repetições devem
corresponder ao padrão neuro-muscular prognóstico. É curiosa a
convergência desta recomendação com a referida por Stark citado por
Bauersfeld e Voss (1992) relativamente aprendizagem técnica.
Recomenda ele que 60% das repetições devam corresponder ao padrão
técnico desejado.
386 • Metodologia do treino desportivo I !

7.1.2.2. Recomendações metodológicas

As pausas entre as repetições situam-se entre os 5 e os 10 minutos no


treino com jovens. Com adultos podem ser ampliados até aos 20
minutos:
deve evitar-se, porque é ineficaz, treinar simultaneamente um
programa acíclico e um programa cíclico;
o treino da velocidade acíclica tem carácter de base;
em modalidades com exigências de velocidade cíclica deve
treinar-se a velocidade acíclica e a velocidade cíclica (mas não
simultaneamente);
em primeiro lugar treina-se a velocidade acíclica e depois a
velocidade cíclica;
a utilização acentuada de um determinado exercício não deve
ultrapassar 5 a 6 semanas;
após 3 semanas de treino acentuado da velocidade deve incluir-
se uma fase de descanso.

Tabela 14. Exemplo de treino para desenvolvimento da velocidade acíclica


• treino com redução do peso do corpo efectuado durante o ano, por
exemplo:
uma vez no Outono ou após o Natal (6 semanas);
uma vez em Maio (2-3 semanas);
• 150 a 300 saltos em 6 semanas;
• redução de 30 a 50 % do peso do corpo no momento de maior
flexão no salto;
• único tema da unidade de treino para obter concentração máxima;
• duas unidades de treino/semana 2/3 séries por unidade de treino;
• após 3 a 4 semanas de treino efectuar pausa de descanso;
• 12 a 24 saltos por unidade de treino;
• programa prognóstico (<170 ms) deve ser alcançado em pelo
menos 50% das repetições.
" Estudo do factor físico desportivo - Velocidade • 387

Tabela 15. Exemplos de exercícios para desenvolvimento da velocidade acíclica e cíclica


Sugestões modificadas segundo Bauersfeld e Voss (1992)
Carga
Acento no Duração Exercício Volume Intensidade
Treino Unidade
Treino
4-5 semanas Salto à corda 2x20 Rep/série máxima
Acíclico 2-3 partes Salto com 2x15 Rep/série máxima
UT/semana redução do 4x6 Reps./série máxima
peso
4-5 semanas
Cíclico 2/3 partes Ergometro 3x6 / 2-3 máxima
UT/semana Skipping* 3x20/20 máxima
Acento 2-3 semanas Exercícios 4x6 reps/série
complexo 2 partes acíclicos 3x20/20 máxima
UT semana cíclicos
* O skipping deve ser realizado sobre referências marcadas no solo - ripas de madeira -
com espaços de 70 cms. Desta forma condiciona-se a amplitude e dá-se prioridade à
frequência.

Tabela 16. Possibilidades metodológicas para o treino da velocidade elementar acíclica e


cíclica modificado segundo Bauersfeld e Voss (1992)
Programa temporal acíclico Programa temporal cíclico
(Ressalto em profundidade) (Frequência de Skipping)
Instruções para o movimento: Frequência máxima/não é e
- Orientação para os parâmetros Chamada com máxima de deslocação máxima
temporais velocidade (não em altura) Amplitude reduzida e descida
Pré-tensão consciente nos do pé para baixo voluntária
gémeos
Esclarecimentos sobre o Saltar como uma bola de Movimentar as pernas como
movimento (com metáforas) futebol muito cheia uma máquina de costura
Orientadas por parâmetros Flexão reduzida dos Joelhos Movimento das pernas para a
espaciais Não tocar o solo com os frente
calcanhares Corrida sobre o 1/3 anterior do
Não usar os braços para balanço pé
Mais tarde, efectuar um Amplitude reduzida dos braços,
movimento breve de balanço juntos ao corpo
com os braços Amplitude óptima com
frequência elevada e deslocação
suficiente
388 • Metodologia do treino desportivo I !

Controlo do movimento medição do tempo de apoio


Informação rápida e simultânea
medição do tempo de suspensão
Observação da efectividade medição da frequência
efectividade da chamada medição do tempo na distância
medição dos ângulos de joelho Avaliação técnica com vídeo de
avaliação técnica com vídeo frente e de lado
Informação do treinador Sobre parâmetros espaciais
simples Sobre parâmetros espaciais
Impressão geral simples
Informar 4-8" após o fim do Impressão geral
movimento é possível a informação durante
Repetição do exercício após 5- o movimento
10"
Auto- Controlo Comparação da auto- Comparação da auto-
observação e comparação com observação e comparação com
os dados objectivos os dados objectivos
Apoio para a orientação do Orientação sobre a duração da Informação acústica da
movimento fase de apoio frequência
Informar sobre a altura a Limitação da amplitude através
alcançar de pequenas marcas colocadas
solo
Método de contraste Saltos com diferentes pesos
- Treino de diferenciação sobrecarga condições standard
Numa unidade de treino ou Condições externas diferentes
dentro duma série (altura dos obst/referências
Objectivos diferentes assim como a separação dos
Tempo de contacto mesmos)
Altura do Salto Na relva, betão, tartan, tapetes
Parâmetros espaciais com e sem sapatos com e sem
pesos na articulação tibio-
társica

7.2. Treino da velocidade complexa

Nas modalidades em que a velocidade é um pressuposto fundamental são


importantes os seguintes aspectos:
obter um programa temporal adequado as exigências neuromusculares.
Este objectivo deve ser alcançado através do treino da velocidade
elementar;
introduzir este programa temporal no exercício de competição;
interligar o programa temporal com os outros pressupostos do
rendimento desportivo específico.
" Estudo do factor físico desportivo - Velocidade • 389

O treino da velocidade complexa procura, sobretudo, dar resposta aos


aspectos 2 e 3. Neste sentido são usados exercícios especiais e de
competição. O programa temporal elementar só por si não resolve as tarefas
específicas de competição. A sua utilidade competitiva depende da sua
utilização em exercícios especiais e exercícios de competição. Como já
vimos anteriormente isto é possível dado que o programa temporal
elementar é transferível.

Segundo Bauersfeld e Voss quando se detectam transferências insuficientes


do programa temporal para os exercícios especiais de competição isso é
causado por lacunas na execução técnica. Esta questão pode ser melhor
compreendida com um exemplo retirado do Atletismo. Nos saltos treina-se
por vezes excessivamente, com corridas de balanço mais curtas, o que
desvirtua a estrutura dinâmica do exercício. Com balanço mais curto não se
atingem as velocidades prognóstico não se realizando assim, a transferência
do programa temporal elementar.

Esta problemática é também evidente nos lançamentos com atletas jovens.


O uso de engenhos demasiado pesados retira velocidade ao exercício
impedindo a transferência do programa temporal elementar. Pelo contrário,
o uso de engenhos mais leves no treino dos lançamentos com atletas de 13-
14 anos revela (segundo Hauk, 1991) o seguinte:
o arremesso de pesos muito leves possibilita alcançar grandes
distâncias com velocidades de saída elevadas, semelhantes às obtidas por
atletas de alto rendimento;
a dinâmica do movimento aproxima-se do modelo de referência (a
sequência temporal dos máximos de velocidade e das suas relações
aproximam-se do modelo prognóstico);
o potencial físico actua no rendimento de forma mais eficiente.
390 • Metodologia do treino desportivo I !

Para que o programa temporal actue harmoniosamente em conjunto com os


outros pressupostos específicos do rendimento é necessário que os
exercícios de competição sejam executados com intensidade igual ou
superior à velocidade prognóstico. No treino da corrida de velocidade faz-se
uso de um exercício para obter velocidades supermáximas com o fim de
proporcionar a assimilação de novos programas temporais. No passado,
estes exercícios apenas se preconizavam para vencer a chamada barreira de
velocidade. A barreira de velocidade mais não é (segundo Osolin) do que a
automatização de determinados ritmos de condução do estímulo nervoso e
que se reflectem na incapacidade de alterar os valores da velocidade
máxima. Uma das razões apontadas para a criação da barreira de velocidade
é a de treinar exclusivamente com intensidades máximas.

Hoje, com os exercícios de velocidade super-máxima procura-se aplicar


novos programas temporais (com duração mais curta) ao exercício de
competição (corrida de velocidade). Com este fim usa-se a corrida no tapete
rolante ou a corrida com tracção. O tapete rolante apresenta a desvantagem
de nem todos permitirem velocidades tão elevadas quanto as que se exigem.
A corrida com tracção mecânica (Towing nos EUA) tem a vantagem de a
velocidade ser regulável mecanicamente.

A corrida com tracção efectuada por um parceiro de treino através de um


sistema de roldanas que possibilita o desdobramento da velocidade é o
sistema mais usado. Tem porem, a desvantagem de ser pouco regulável.
Após alcançar o máximo da velocidade o atleta deve mante-la durante mais
20 metros. Um dos aspectos ao qual deve ser prestada muita atenção é a
acumulação de fadiga resultante deste tipo de treino. A fadiga neuro-
muscular revela-se extremamente persistente e duradoura. Acresce ainda o
facto da sua formação se realizar de forma extremamente silenciosa ao nível
fisiológico.
" Estudo do factor físico desportivo - Velocidade • 391

7.2.1. O treino da velocidade complexa nos jogos desportivos colectivos e nos


desportos de combate

O treino da velocidade complexa nos jogos desportivos colectivos e nas


modalidades de combate compreende a formação das componentes
cognitivas e das componentes motoras da velocidade de acção. A
aplicação pura e simples da metodologia própria dos desportos
individuais aos Jogos desportivos colectivos e às modalidades de
combate traz consigo desilusões frequentes. A melhoria da velocidade
cíclica obtida com exercícios cíclicos não se traduz naturalmente numa
melhor velocidade de acção em situação colectiva.

O treino deve ser orientado para influenciar positivamente o processo de


percepção e análise da situação bem assim como a tomada de decisão e a
operacionalização motora. Entre as componentes cognitiva e motora da
velocidade de acção não se verificam relações estatísticas com
significado. As duas componentes devem ser influenciadas quer
diferenciadamente quer de forma complexa, isto é, integrada.

No passado, segundo Bauersfeld e Voss (1992) a componente cognitiva


da velocidade de acção foi fortemente desprezada no treino com jovens.
Devem escolher-se exercícios que pressionem temporalmente o
praticante na percepção e análise da situação bem assim como na tomada
de decisão sobre as acções a empreender. O treino da componente
cognitiva da velocidade de acção deve ser ligada fortemente com o
processo de aperfeiçoamento técnico e técnico-táctico. A escolha dos
exercícios depende do estado de formação técnica do praticante. Este é
aliás um dos défices mais marcantes do desporto português.

Pretende-se treinar muito o que não se aprendeu. Não podem ser as


insuficiências técnicas condicionar o processo decisório. A velocidade
pode ser exigida precocemente em acções relativamente elementares.
392 • Metodologia do treino desportivo I !

Também nestas modalidades devem ter-se em atenção as exigências


específicas do desenvolvimento do respectivo programa temporal. A
resolução eficaz de situações de jogo orientadas para a velocidade exige
sobretudo uma velocidade elevada nos exercícios realizados em espaço
de dimensões mais reduzidas; a execução do jogo conjunto sob condições
de velocidade assim como o desenvolvimento da técnica individual sob
exigências de alta velocidade.

Nos jogos desportivos colectivos uma maior exigência de velocidade no


treino técnico - táctico pode ser obtida através de algumas modificações,
como por exemplo:
dimensão do campo de jogo;
número de jogadores envolvidos;
• número de toques na bola;
• duração do jogo;
• limitação do espaço de acção.

Nas modalidades de combate, de uma forma geral, défices registados na


componente motora da velocidade de acção são frequentemente
compensadas. Pelo contrário, lacunas observada na componente
cognitiva não são compensáveis em rendimentos de alto nível nas
modalidades de combate. Em resumo:
• o treino elementar realizado em bases insuficientes especialmente
com jovens condiciona os resultados do treino complexo;
• até agora o treino mais realizado tem sido o treino da velocidade
complexa. Mesmo com os atletas mais jovens apenas se tem procedido
à miniaturização do treino do adulto (menos volume, distancias
menores etc.);
• no treino com jovens deve predominar o treino da velocidade
elementar.
" Estudo do factor físico desportivo - Velocidade • 393

À medida que os objectivos dos diferentes níveis vão sendo alcançados


deve passar-se ao nível seguinte independentemente da idade do
praticante.

7.2.2. Orientações metodológicas

• A velocidade é um pressuposto elementar do rendimento desportivo


que depende da qualidade da condução e regulação neuro-muscular;
• o treino da velocidade deve ser orientados para formar programas
temporais que correspondam à velocidade prognóstico;
• os movimentos rápidos são conduzidos por um programa temporal
neuro-muscular;
• não há controle possível sobre o programa quando é iniciado;
• devem escolher-se exercícios simples, de fácil execução;
• os programas temporais neuromusculares são formados através da
actividade;
• devem respeitar-se, assim, as características da modalidade na escolha
dos exercícios;
• velocidade acíclica, cíclica e de acção, são manifestações autónomas
específicas da velocidade. Portanto para o seu treino os métodos devem
ser diferentes;
• o treino da velocidade acíclica deve ser realizado antes do treino da
velocidade cíclica;
• a motivação do praticante é fundamental para alcançar os resultados
perspectivados;
• deve dar-se prioridade ao treino da velocidade até ao encerramento da
maturação;
• o exercício precoce de gestos e acções rápidas apoia o processo da
aprendizagem motora;
• este treino precoce é importante não só nas modalidades de velocidade
mas também nas de resistência, força ou nas de cariz mais técnico;
394 • Metodologia do treino desportivo I !

• o treino com crianças e com jovens deve ser orientado prioritariamente


para a velocidade;
• os exercícios devem ser modificados, no sentido da facilitação, a fim
de o praticante poder alcançar a velocidade prognóstico;
• o treino da velocidade implica a utilização de velocidades sub-
máximas, máximas e super-máximas;
• dentro da unidade de treino deve assegurar-se a alternância entre
intensidades máximas, super máximas e sub-máximas;
• o treino da velocidade deve ser organizado conforme as regras do
método de repetições;
• as pausas devem ser longas para assegurar a velocidade de execução
bem assim como uma recuperação total. a cada 10 metros de esforço
cíclico deve corresponder 1 minuto de pausa;
• a duração da carga em exercícios cíclicos não deve ultrapassar 8 a 10
seg. Com jovens não deve ultrapassar 6 seg. Deve ser a duração do
esforço a determinar as distâncias e não o contrário;
• numa unidade de treino deve ser realizado um número reduzido de
repetições máximas;
• com jovens o treino da velocidade deve ser uma das partes da unidade
de treino enquanto que com praticantes qualificados o treino da
velocidade pode ser o tema único da unidade de treino;
• o treino da velocidade deve ser colocado no inicio da unidade de
treino;
• a velocidade de acção contém componentes cognitivas e motoras;
a componente cognitiva treina-se segundo regras da aprendizagem
motora. A componente motora treina-se segundo as regras do treino da
velocidade;
• deve haver uma ligação íntima do treino de velocidade com o processo
de aperfeiçoamento técnico e técnico táctico;
• o treino da velocidade deve realizar-se ao longo de todo o ano. Deve
concentrar-se em 2/4 etapas por ano e uma duração mínima de 14 dias;
" Estudo do factor físico desportivo - Velocidade • 395

• o treino deverá ser realizado com intensidades submáxima e máxima.


Todavia, os exercícios que sejam continuamente realizados a uma
intensidade máxima poderão provocar a barreira da velocidade. Assim
sugere-se a alternância entre exercícios executados à velocidade máxima
e exercícios executados à velocidade submáxima;
• os exercícios deverão ser tecnicamente bem executados já que sendo a
velocidade uma qualidade dependente do funcionamento neuromuscular,
todas as características associadas ao exercício executado podem ser com
ele automatizadas. Com efeito, a intensidade começará por ser média
passando progressivamente por outros níveis até atingir eventualmente a
intensidade máxima;
• o volume da carga no treino da velocidade de ser tal que não permita o
aparecimento da fadiga. A intensidade elevada da carga é um factor
fundamental no treino da velocidade. Para que esta se mantenha em
níveis elevados é fundamental que o treino seja executado na ausência da
fadiga, já que esta é considerada como um factor inibidor. De forma
suscinta podemos dizer que o treino poderá continuar desde que tal não
implique uma diminuição da intensidade do mesmo. Se tal se verificar o
objectivo que perseguimos não será alcançado mas sim outro (por
exemplo a velocidade resistente;
• o número de repetições é igualmente considerada uma característica da
carga que se vê limitada pelo grau de acumulação de fadiga. Por esse
motivo é usual a organização do treino por séries com intervalos mais
longos entre si. Comparativamente com a força e a resistência é costume
dizer-se que se treina menos no caso da velocidade. Esta verificação
justifica-se pela necessidade de regenerar totalmente o sistema
neuromuscular;
• no que diz respeito à densidade do treino da velocidade esta deve ser
reduzida, isto é os intervalos entre as cargas deverão ser prolongadas a
fim de permitir a manutenção de um estado elevado de excitação;
396 • Metodologia do treino desportivo I !

• a duração das cargas deverá ser tal que permita uma solicitação
exclusiva dos mecanismos anaeróbios alácticos;
• os exercícios de velocidade deverão ser sempre precedidos de um
aquecimento que por um lado permite reduzir a viscosidade
intramuscular e por outro faz a prevenção de possíveis lesões musculares
resultantes de uma deficiente coordenação entre os músculos agonistas e
antagonistas;
• as pausas entre as repetições deverão ser activas para que se mantenha
a excitabilidade do sistema nervoso e para que os produtos resultantes do
metabolismo sejam rapidamente eliminados;
• na composição da unidade de treino os exercícios de velocidade
deverão ocupar os momentos iniciais para que não se façam sentir a
quando da sua execução os efeitos da fadiga resultantes da actuação das
outras cargas. O mesmo se passa no que respeito à sua inclusão no
microciclo semanal.

7.3. Velocidade de reacção

Como vimos no inicio as acções de velocidade dividem-se em 2 grupos, um


em que a velocidade de reacção é uma das fases do movimento, outra em
que a velocidade de reacção é inexistente. A velocidade de reacção é
fundamental naquelas modalidades, disciplinas ou acções em que a "entrada
em acção" se processa através de uma resposta tão rápida quanto possível a
uma informação, a um sinal ou a um estímulo.

Segundo D.Harre, a velocidade de reacção simples pode ser melhorada em


10 a 20% através do treino. A velocidade de reacção selectiva pode ser
melhorada em 30%. À semelhança da velocidade cíclica e acíclica também
a velocidade de reacção se fundamenta num "programa neuromuscular de
reacção". Este, semelhança dos outros, também é influenciável pela
actividade A reacção e a correspondente resolução rápida de situações nos
" Estudo do factor físico desportivo - Velocidade • 397

jogos desportivos colectivos e nas modalidades de combate compreende


igualmente o estudo do adversário e dos seus comportamentos habituais. É
neste quadro selectivo que a velocidade de reacção surge associada
antecipação.

Se tomarmos como exemplo a actividade do guarda-redes de andebol


perante remates de curta distancia é fácil afirmar que no tempo em que se
processa a acção não é possível, fisiologicamente, qualquer tipo de reacção.
Apenas jogando com o conhecimento das acções possíveis em cada situação
bem assim como com o conhecimento dos adversários é possível "reagir"
antecipando-se s acções. O treino deve então incidir na prática das várias
situações possíveis. Na velocidade de reacção simples o treino deve incidir
na prática da situação standard em que a reacção deve acontecer. Também
aqui se procura antecipar a reacção concentrando-se o praticante na fase de
realização da resposta motora e menos nas fases iniciais de percepção do
sinal e processamento da informação.

No treino com jovens e com crianças o treino da velocidade de reacção deve


ser realizado em conjunto com o treino técnico e coordenativo. Deve partir-
se das reacções simples para as reacções selectivas mais complexas. Neste
contexto a metodologia deve:
• procurar actividades/exercícios que estimulem a motivação e a
concentração do praticante. Com os praticantes mais jovens devem
utilizar-se pequenos jogos;
• o treino deve ser efectuado sem fadiga e após aquecimento;
• devem requerer-se sempre tempos breves de reacção;
• deve procurar estabelecer-se situações variadas relativamente ao tipo,
intensidade e duração da informação, ao exercício escolhido e sua
execução. Também deve variar-se os sentidos que são estimulados
através da aplicação de estímulos, auditivos, visuais e tácteis;
398 • Metodologia do treino desportivo I !

• o volume de treino deve ser reduzido. A pausa entre os complexos de


exercícios tem uma duração de 2 a 5 minutos. A pausa deve ser activa.

7.4. Treino das capacidades de velocidade no sprint

Por conterem indicações metodológicas passíveis de generalização a outras


modalidades com características cíclicas referem-se, agora, alguns aspectos
metodológicos do treino das capacidades de velocidade do atleta velocista
(100 - 200 metros). A corrida de velocidade deve naturalmente considerar-
se como uma manifestação da velocidade complexa. Nela interagem de
forma complexa diferentes pressupostos do rendimento. Porém, não
devemos esquecer que na sua base encontram-se programas temporais
acíclicos e cíclicos elementares.

De uma forma simples pode dizer-se que se parte da coordenação


intramuscular simples do programa temporal elementar para a coordenação
inter-muscular especifica da velocidade complexa. A corrida de velocidade
enquadra-se num modelo básico de 3 fases: i) reacção, ii) aceleração e, iii)
velocidade máxima.

Mesmo na distancia olímpica mais curta (100 metros) podem existir outras
subdivisões, como por exemplo as fases de manutenção e de decréscimo da
velocidade máxima. Tendo-se já referido os aspectos metodológicos mais
importantes da velocidade de reacção passa-se a abordar as 2 fases
seguintes.

7.4.1. Aceleração

A fase de aceleração das corridas de velocidade assemelha-se bastante s


acelerações típicas doutras modalidades como por exemplo os jogos
desportivos colectivos. Nestes, só nos que se disputam em espaços mais
amplos é que os praticantes se aproximam - o que não é frequente - da
" Estudo do factor físico desportivo - Velocidade • 399

sua velocidade máxima. A exercitação de base para esta capacidade nesta


modalidade deve assim reger-se por idênticos princípios. A aceleração
(velocidade de aceleração) é a relação (quociente) da alteração da
velocidade e do tempo necessário para tal:

Aceleração = alteração da velocidade/tempo necessário


Com velocidade constante não existe aceleração. Exemplo: um sprinter
atinge após 2 segundos (T1) Da velocidade de ó m/s (V1) e após 2,5 seg.
(T2) a velocidade de 7 m/s (V2):

Aceleração = V2 - V1/T2-T1 = 7 ms - 6 ms/2,5s-2s = 2 m/s

A necessidade de vencer a inércia leva a que, a força desempenhe um


papel fundamental nesta fase da corrida. Porém, a força deve manifestar-
se nas suas formas mais rápidas isto é, como força rápida. O treino
complexo da velocidade de aceleração cobre um grande número de
exercícios sendo o mais específico o exercício de competição isto é,
Partida + Aceleração.

Descendo na escala da especificidade temos todos os exercícios de


corrida a partir da posição estática - podendo variar-se as posições de
partida. Como sobrecarga pode usar-se a corrida dificultada por reboque
de um peso ou partidas em subida. Um dos exercícios de treino mais
divulgados e utilizados num vasto número de modalidades são os saltos.
A utilização dos saltos para desenvolver a força rápida específica da
velocidade de aceleração deve ser precedida pela análise da suas formas
de manifestação específicas relativamente aceleração prognóstico.

A capacidade de aceleração pode ser desenvolvida em comum com a de


reacção, pois que os exercícios a aplicar podem começar com a partida.
São vulgarmente utilizados os seguintes exercícios:
arranques a partir da posição de pé ou de posições várias,de joelhos,
agachado, etc.);
400 • Metodologia do treino desportivo I !

arranques a partir da deslocação (trote, corrida) e após mudança de


direcção, após apitadela;
arranques em perseguição de um companheiro colocado à frente;
arranques no final da coluna em corrida para ocupar o lugar da
frente;
arranques a partir da posição imóvel, pés paralelos e após
desequilibrio em frente (individualmente, ou em cadeia de grupo);
partidas sem ou com comando; e,
corridas de 30 a 60 metros com partida agachada, etc.;
o método de treino usado é o método de repetições;
o volume deve ser reduzido;
a intensidade deve ser elevada;
as pausas devem ser recuperadoras;
a fadiga neuro-muscular deve ser evitada.

7.4.2. Velocidade máxima

A partir do momento em que não se verificam mais alterações positivas


na velocidade do atleta termina a fase de aceleração afirmando-se que o
atleta atinge a sua velocidade máxima. A velocidade máxima de um
velocista de nível médio ou superior cumpre todos os parâmetros do
programa temporal de curta duração da velocidade cíclica. Se nos
recordamos das recomendações deixadas sobre a velocidade complexa, a
técnica é um aspecto central no treino.

A relaxação em toda a corrida de velocidade é um aspecto central. Deve-


se referir que a necessidade de relaxação é frequentemente prejudicada
pelo desejo de vencer quando associado produção de contracções
musculares parasitas. Este é um dos aspectos de carácter mental -
concentração - que mais deve ocupar o velocista no treino da velocidade
máxima. Caso a técnica não esteja dominada devem evitar-se as
" Estudo do factor físico desportivo - Velocidade • 401

intensidades máximas ou supermáximas. O treino da velocidade máxima


deve ser organizado de modo que se isole a distancia em que a
velocidade máxima é atingida. A corrida de aceleração é substiuida por
corrida introdutória sem o desgaste ffsico resultante da partida baixa e
estática. Este treino é conhecido por corridas lançadas.

Outra forma clássica de treino da velocidade máxima são as corridas em


"IN and OUT". Com este exercício procura-se treinar a coordenação
intermuscular e sobretudo a relaxação em esforço máximo. A distância é
dividida em fracções de 10 metros - ao longo de 40 a 60 metros -
acelerando-se e relaxando-se alternadamente em cada uma delas. A
oscilação da velocidade deve ser reduzida. O atleta deve concentrar-se na
seguinte imagem: "acelero e depois desligo mantendo a velocidade
através do balanço adquirido, de seguida volto a acelerar" e assim
sucessivamente.

Observemos um treino - clássico - mais específico, para um atleta adulto:


Velocidade real - máximo pessoal: 60 m. em 7.9 seg. (= 7,6 m/s)
Velocidade prognóstico - desejada: 60 m. em 7.5 seg. (= 8,0 m/s)
1ª Série 2x60 m 7.9 seg. = 7,ó m/s
2ª Série 2x40 m 5.0 seg. = 8,0 m/s
3ª Série 2x60 m 7.9 seg. = 7,ó m/s
4ª Série 2x40 m 5.0 seg. = 8,0 m/s
Pausa entre repetições = 4-5 minutos
Pausa entre séries = 10 minutos
Tabela 17. Sugestões para o doseamento do treino de velocidade e aceleração quer
em regime de intensidade sub-máxima quer máxima
Intensidade Distâncias Partida Repetições Pausa entre
repetições
Aceleração 80 - 92% 10 - 60 Baixa
Submáxima (estática) 1-6 3 - 5'
402 • Metodologia do treino desportivo I !

Velocidade 75 - 90% Secções de


Submáxima 10-30 mts. Lançada 1-6 3 - 5'
(até 100)
Aceleração 92 - 100% 10 - 60 Baixa 1-6 6 - 8'
máxima (estática)
Velocidade 90 - 100% Secção de
máxima 10- 30 (até Lançada 1-6 6 - 8'
100)

Concluindo, as características do treino da velocidade máxima


basear-se-à no método de repetições na qual:
a intensidade deverá ser velocidade submaximal a maximal, 95% a
100% só através de uma estimulação nervosa elevada é possível
treinar a velocidade máxima;
as distâncias a utilizar deverão ser as que para cada praticante
correspondem ao respectivo sector. Fazer corresponder no treino as
distâncias da competição;
a densidade das estimulações (ou intervalo, ou pausa). A elevada
intensidade exige uma longa «pausa» (intervalo) de recuperação. O
principio da «pausa lucrativa» não é, para este trabalho, jamais
respeitado. No treino de sprint, após cada carga, proceder-se-á a um
intervalo longo até à recuperação. Importa que a duração do intervalo
permita manter o nível de excitabilidade neuro-muscular em cada
repetição. (3 a 5 minutos);
a frequência, ou número de repetições é determinado no programa
do planeamento da sessão de acordo com os princípios do treinamento
individualizado. Um número considerado óptimo situa-se próximo das
6 repetições em velocidade maximal a submaximal. Todavia a
frequência não deve ser elevada, pois que o trabalho de tensão
máxima provoca inibições de defesa, de efeito negativo, e com a
instalação da fadiga que viria a surgir, para além dos movimentos
incorrectos consequentes, não se alcançaria o objectivo de velocidade
maximal. Por isso no treinamento devemos intercalar corridas a
velocidade maximal e a velocidade submaximal (100 % e 95%).
" Estudo do factor físico desportivo - Velocidade • 403

7.4.3. Treino da velocidade resistência

Mesmo na prova de velocidade com distancia mais curta (100m) a


velocidade não se apresenta de forma elementar mas sim com um sistema
complexo de pressupostos coordenativos e condicionais. À fase de
velocidade máxima segue-se a fase em que o atleta procura manter essa
velocidade. Naturalmente, a fadiga que invade o sistema neuro-muscular
impede que a velocidade máxima se mantenha até ao fim da distância.

A resistência velocidade é portanto a capacidade que possibilita ao


praticante manter no tempo os seus regimes de velocidade máxima ou
submáxima. Como já foi referido sobre o trabalho de Wisotschin a
resistência velocidade é influenciada pela capacidade de relaxação
muscular. Este facto leva-nos conclusão que nas provas de velocidade e
noutras modalidades - a resistência é igualmente condicionada por
factores neuromusculares. É o que leva alguns autores a considerar a
velocidade resistência como a capacidade física mais complexa no sprint.
Sendo considerada uma reserva de rendimento futuro nas disciplinas de
velocidade é também um domínio do treino em que os cuidados devem
ser mais acentuados.

É aqui que mais se fazem sentir os efeitos nefastos da máxima "quanto


mais treino melhor". O doseamento da carga deve ser individualizado e
correctamente sistematizado. Há que referir igualmente que a prática e a
ciência do treino já confirmaram a interligação existente entre as
capacidades aerobias- extensivas e as capacidades de resistência nos
vários domínios do metabolismo. É isto que fundamenta a inclusão da
capacidade aeróbia extensiva na base da pirâmide que ilustra a
"construção" da resistência velocidade.
404 • Metodologia do treino desportivo I !

Capacidade de Int. 1
95-100%
+
Competição

Capacidade de Int. 2

Intensidade 90-94%
máximo obtido na época anterior

Capacidade de Int. 3

Intensidade 75-89% do máximo obtido


na época anterior

Capacidade aeróbia extensiva

Treino de duração 160-170p.p.m./ 4-6 m.ml. Lact.

Figura 70. Pirâmide de "construção" da resistência velocidade


A qualidade de cada nível condiciona a qualidade do nível seguinte. A
capacidade aeróbia é mais determinante nas disciplinas de sprint longo
(400 m) decrescendo a sua importância na direcção das distâncias mais
curtas, não perdendo, todavia o seu contributo para o rendimento.

Tabela 18. Quantificação da carga ao longo dos anos


Níveis de 1º Ano 2º Ano 3º Ano 3º Ano 4º Ano 4º Ano
intensidad
e
Sprint Sprint Sprint Sprint Sprint Sprint
Curt/long Curt/long Curto Longo Curto Longo
Int. 1 0,2 Km 0,3 Km 0,4 Km 0,5 Km 0,6 Km 0,5 Km
Int. 2 0,5 Km 0,6 Km 0,8 Km 1,0 Km 1,8 Km 1,0 Km
Int. 3 1,2 Km 1,5 Km 1,6 Km 2,0 Km 2,5 Km 2,0 Km
Int. 1,5 Km 2,0 Km 2,0 Km 2,5 Km 2,5 Km 3,0 Km
reduzi.
Corrida 3,5 Km 3,7 Km 4,5 Km 5,0 Km 5,0 Km 6,0 Km
continua 15 minut. 15 minut. 30 minut. 30 minut. 30 minut. 30 minut.

Podemos observar no quadro anterior quer a quantificação da carga quer


a progressividade do doseamento ao longo dos anos. O 1° ano de treino
corresponde à idade de 14-16 anos, com o pressuposto de que a etapa de
" Estudo do factor físico desportivo - Velocidade • 405

iniciação está encerrada quer ao nível condicional quer coordenativo quer


técnico. Verifica-se que as quantidades de treino nas diferentes
intensidades vão evoluindo progressivamente ao longo dos anos. A
intensidade aumenta progressivamente quer ao longo da época quer ao
longo dos anos. A intensidade do treino de resistência velocidade.
aumenta em relação directa com o desenvolvimento da velocidade. A
resistência velocidade só se pode expressar ao mais alto nível sobre
capacidades de velocidade aperfeiçoadas a um nível, também, elevado.

Podemos observar pelo quadro anexo os diferentes doseamentos nos


diferentes níveis de intensidade do treino de resistência velocidade.
Observamos por exemplo que a níveis superiores de intensidade
corresponde um número menor de repetições e pausas mais prolongadas.
Noutro quadro podemos ver o posicionamento dos diferentes níveis de
intensidade ao longo da época desportiva. Os níveis de intensidade
evoluem com a aproximação do período competitivo. Os diferentes
níveis de intensidade são calculados segundo os máximos pessoais do
ano anterior. Em tabela anexa podemos ver um exemplo de repartição
das intensidades em diferentes distâncias.

Tabela 19. Doseamentos de referência para as várias intensidades do treino de


resistência velocidade (modificado segundo Jonath e Muller)
Intensida- Especiali- Distância Repetiçõe Número Pausas lactato
des dade s de séries minutos mmol/l
Intensidad Sprint 200 5 3 1-5 6
e curto
reduzida Sprint 200 5 4 2-5 6
longo 400 5 2 2-5 8
Intensidad Sprint 150 4-5 2 5-10 10
e curto 300 5 5 14
3 Sprint 150 4-5 2 5-10 10
longo 500 4-5 5 14
Programa 150 2 2-3 5-8
Combinad 500 1 10 10-14
406 • Metodologia do treino desportivo I !

Intensidad Sprint 80 3-4 6-8


e curto 100 3-4 1 15
2 80 1
100 1 1 8-10
120 1
Programa 150 1
Combinad 80 1 6
100 1 8
150 1 12
200 1
Sprint 150 3 2 8-12 12-14
longo 300 2-3 1 20-25 16-18
500 2 1 25-30 14-16
Programa 150 1 1 12
Combinad 300 2 20 14-18
Intensidad 80 2 10-15
e Sprint 100 1
1 curto 100 1
120 1 15-20
200 1
Sprint 200 3 8-12 12-16
longo 150 2 15
300 1 25 14-18
300 2 20-25 16-20

Período Preparatório 1 Período Preparatório 2 P. Comp. 2


18 a 20 semanas 12 semanas 7 a 10 semanas
P. Comp. 1 P. Comp. 2
4 semanas 6 semanas

Intensidade 1 Intensidade 1 Intensidade 1

Intensidade 2 Intensidade 2 Intensidade 2

Intensidade 3 Intensidade 3 Intensidade 3


Corrida continua

Etapas 1 2 3 4 5 6 7 8

Preparação geral Preparação especial Compe. P. geral Preparação especial Compe. P.G. Pre. especial Compe.
6 a 8 semanas 10 a 12 semanas 4 sem. 3 sem. 9 semanas 6 sem. 2 se. 5 a semanas 2 a 3 sem.

Figura 71. Colocação do treino da velocidade resistente na periodização anual de treino

Tabela 20. Tabelas de intensidade para o treino da velocidade resistente (DLV


Rahmentrainingsplan Sprint, 1987)
Distância Máximo pessoal Intensidade Intensidade Intensidade Intensidade
reduzida 3 2 1
" Estudo do factor físico desportivo - Velocidade • 407

8,0 8,7 8,2 7,8


8,2 9,0 8,4 8,0
8,4 9,2 8,6 8,2
8,6 9,4 8,9 8,4
8,8 9,6 9,1 8,6
9,0 9,8 9,3 8,8
80 metros 9,2 10,0 9,5 9,0
9,4 10,2 9,7 9,2
9,6 10,4 9,9 9,4
9,8 10,7 10,1 9,6
10,0 11,0 10,4 9,9
10,2 11,2 10,6 10,1
10,4 11,5 10,8 10,3
10,0 14,4-12,5 11,0 10,4 9,9
10,2 12,7-12,7 11,2 10,6 10,1
10,4 15,0-13,0 11,5 10,8 10,3
10,6 15,3-13,3 11,5 10,8 10,3
10,8 15,6-13,5 11,7 11,0 10,5
11,0 15,9-13,8 12,2 11,4 10,9
100 metros 11,2 16,2-14,0 12,4 11,6 11,1
11,4 16,5-14,3 12,7 11,8 11,3
11,6 16,8-14,6 12,9 12,0 11,5
11,8 17,1-14,8 13,1 12,2 11,7
12,0 17,4-15,1 13,3 12,4 11,9
12,2 17,7-15,3 13,6 12,6 12,1
12,4 18,0-15,5 13,9 12,8 12,3
11,6 16,5-14,3 12,7 11,9 11,3
12,0 17,1-14,8 13,1 12,3 11,7
12,4 17,7-15,3 13,6 12,7 12,2
12,8 18,3-15,9 14,0 13,2 12,6
13,2 18,9-16,4 14,5 13,6 13,0
13,6 19,5-16,9 14,9 14,0 13,4
14,0 20,1-17,4 15,4 14,5 13,8
120 metros 14,4 20,7-17,9 15,9 14,9 14,2
14,8 21,3-18,6 16,3 15,2 14,6
15,2 21,9-19,0 16,8 15,7 15,0
15,6 22,5-19,5 17,3 16,2 15,4
16,0 23,1-20,0 17,8 16,7 15,9
14,8 21,3-18,5 16,3 15,3 14,6
15,2 21,9-19,0 16,8 15,8 15,0
15,6 22,5-19,5 17,3 16,2 15,4
150 metros 15,8 22,8-19,8 17,5 16,4 15,7
16,2 23,4-20,3 17,9 16,9 16,1
16,6 24,0-20,8 18,4 17,3 16,5
PARTE IV

OS FACTORES DE TREINO DESPORTIVO

Capítulo 3

Estudo do factor físico desportivo


Secção D - Estudo sobre a flexibilidade

Resp: João Carvalho


406 • Metodologia do treino desportivo I !

Conteúdo da Secção D do Capítulo 3 da Parte IV

Neste Secção estudaremos o factor físico desportivo no plano da


flexibilidade. Com efeito, esta representa a capacidade de efectuar
movimentos de grande amplitude. Neste contexto, incidiremos a nossa
reflexão sobre os factores condicionantes desta capacidade (ósteo-
articular, muscular e neuro-muscular), as formas de manifestação da
flexibilidade (activa/passiva, estática/dinâmica e geral/específica) e os
métodos de treino da flexibilidade.

Metodologia do treino desportivo I


Conteúdo Programático

Conceitos do treino Planeamento Planeamento do Parte V


Parte I desportivo Conceptual treino desportivo

Planeamento
Estratégico
Factores do rendi-
Parte II mento desportivo
Planeamento
Táctico

Parte III O exercício de trei-


no desportivo
Fundamentos do
exercício de treino Estrutura do
Microestrutura Parte VI
processo de treino
Bases conceptuais
exercício de treino
Mesoestrutura

Bases de aplicação
exercício de treino Macroestrutura

Bases de eficácia
exercício de treino
Período Periodizacão do Parte VII
Preparatório treino desportivo

Parte IV Factores do treino O factor técnico Período


desportivo desportivo Competitivo

O factor táctico Período


desportivo Transitório

O factor físico Estudo sobre


desportivo a força O controlo do
treino desportivo Parte VIII
Estudo sobre
a resistência

Estudo sobre
a velocidade

Estudo sobre
a flexibilidade

O treinador
perfil e competências
Parte IX
Organigrama 13
Parte IV
" Estudo do factor físico desportivo - Flexibilidade • 407

Os factores de treino

Sumário
Capítulo 3 - Estudo sobre o factor físico desportivo
Secção D - Estudo sobre a flexibilidade
1. Definição
2. Importância da flexibilidade
2.1. Programa de treino de flexibilidade (P TF)
2.2. Benefícios de um PTF
2.3. Potenciais desvantagens dotreino de flexibilidade
3. Tipos de flexibilidade (classificação)
3.1. A flexibilidade estática e dinâmica
3.2. A flexibilidade activa e passiva
3.3. A flexibilidade geral e específica
4. Principais factores que condicionam a flexibilidade
4.1. Ósteo-articular
4.1.1. Superfícies articulares
4.1.2. Cartilagens, cápsulas e ligamentos
4.1.3. Cápsulas e ligamentos
4.1.4. Consequências metodológicas
4.2. Muscular (estrutura muscular)
4.2.1. a extensibilidade
4.2.2. A elasticidade
4.2.3. Consequências metodológicas
4.3. Neuromuscular
4.3.1. Fusos neuromusculares
4.3.2. Os orgãos tendinosos de Golgi
4.3.3. Receptores articulares
4.3.4. Consequências metodológicas
4.4. Outros factores que influenciam a flexibilidade:
4.4.1. A idade
4.4.2. Sexo
4.4.3. Factores externos
4.4.4. A temperatura muscular
4.4.5. A fadiga
4.4.6. Estados emotivos
5. Métodos e conteúdos do treino da flexibilidade
5.1. Métodos dinâmico e estático
5.2. Outras formas de classificação
5.3. Método de Facilitação Neuromuscular Proprioceptiva (PNF)
5.3.1. Bases fisiológicas do método de PNF
5.3.2. Técnicas de PNF
6. Princípios metodológicos do treino da flexibilidade
408 • Metodologia do treino desportivo I !

Bibliografia:

ALTER, M. J. (1988). Science of Stretching. Champaign, IL: Human Kinetics


Publishers.
CARVALHO, A. (1988) Capacidades motoras IV - a flexibilidade, Revista
treino desportivo, IIª série, Vol.8, Junho, pp. 24-28
HAINAUT, K. (1974) Introducion à la biomecanique. Paris, Maloine
HUBLEY, C. L.; KOZEY, J. W. (1991). Testing Flexibility. In J. Duncan Mac
Dougall, Howard A. Wenger, & Howard J. Green (Eds), Physiological Testing
of the High-Performance Athlete, (pp. 309-359), 2ª ed. Champaign, IL: Human
Kinetics Publishers.
KAISER, C. (1976) Physiologie - système nerveux; muscle. Flammarion, Paris
MATVEYEV, L., (1986). Fundamentos do Treino Desportivo.. Livros
Horizonte, Lisboa
RIPOLL, H. (1978). Spécial soupless - travaux et recherches.. Paris, nº3,
Novembro
RIPOLL, H. (1982) Neurobiologie des comportemens moteurs.. INSEP, Paris
SIMÕES , A. A. (1979). Souplesse - bases neuro-fisiológicas par uma proposta
de metodologia, Revista Ludens, Vol.4, nº1, Out/Dez, pp. 48-58
WEINECK, J., (1983). Manuel d' Entrâinement,.Ed. Vigot, Paris
ZATSIORSKY, V., (1966). Les qualités physiques du sportif. Moscovo, Doc
INS nº685
" Estudo do factor físico desportivo - Flexibilidade • 409

1. Definição

A flexibilidade é uma qualidade física que se situa entre as qualidades


coordenativas e as condicionantes. Zatsiorsky (1966) define flexibilidade como
a "faculdade de efectuar movimentos de grande amplitude". Bouchard (ano)
por sua vez define-a como "a qualidade que permite a um segmento deslocar-
se com a amplitude máxima" ou que pressupõe "a capacidade do músculo ou
grupo muscular, tanto em encurtamento máximo como em alongamento
máximo, permitir a exploração máxima da articulação". Com efeito, é o grau
de mobilidade para o movimento ou tecnicamente a amplitude do movimento
de uma articulação ou de um grupo de articulações.

Dentro deste contexto importa ainda referir que "a flexibilidade não existe
como uma característica geral mas sim é específica de uma determinada
articulação e da sua função" (Hubley & Kozey, 1991). Os seus "graus de
liberdade" podem ser medidos (avaliados) em unidades lineares (centímetros)
ou angulares (graus). Existem vários sistemas de classificação das acções das
articulações, mas o principal objectivo desses sistemas é justamente definir o
tipo de movimento que pode ser realizado, sobre que eixos e que planos é que
o movimento ocorre. Além disso, é necessário conhecer a estrutura dos
músculos que cruzam essas articulações. O conhecimento prévio destes
factores é importante para a selecção dos procedimentos de medição e designar
os testes que devem ser utilizados para a avaliação da flexibilidade nos
diferentes desportos. As necessidades específicas de cada um dos desportos é
que determinam quais são as articulações e os movimentos articulares que
devem ser avaliados.
410 • Metodologia do treino desportivo I !

2. Importância da flexibilidade

A flexibilidade é considerada um componente importante não só na


performance desportiva, como na prevenção de lesões e na reabilitação. Com
efeito, hoje é universalmente reconhecido que a flexibilidade desempenha um
papel fundamental na qualidade de execução dos movimentos facilitando a sua
prática optimizando de igual modo a aprendizagem destes. Em sentido
contrário, a falta de flexibilidade parece condicionar a economia na execução
dos gestos, o que facilita o aparecimento da fadiga que é um factor limitativo
da velocidade de realização e da aprendizagem. Muito embora, não exista
ainda evidência experimental que estabeleça uma relação causal entre as
medidas de flexibilidade e a performance (Burley et al., 1961; deVries, 1963;
Dintriman, 1964; cit in Hubley & Kozey, 1991), é unamimente aceite que na
realização de gestos que solicitem grandes amplitudes de movimento, interessa
que os tecidos moles ofereçam a menor resistência possível.

Alter (1988) sistematiza da seguinte forma os benefícios de um programa de


treino de flexibilidade:

2.1. União entre o corpo, a mente e o espírito

De um ponto de vista puramente isotérico a flexibilidade permite a


unificação (harmonia) do corpo, da mente e do espírito.(ex: yoga, zen, etc.).

2.2. Relaxação da tensão e do stress

O exercício físico pode reduzir as sensações negativas de estados


emocionais como a frustração, fúria, ansiedade, etc. Do mesmo modo,
existem evidências empiricas que indicam que um programa de treino de
flexibilidade individualizado pode ter benefícios semelhantes.
" Estudo do factor físico desportivo - Flexibilidade • 411

2.3. Relaxação muscular

Um dos maiores benefícios de um programa de treino da flexibilidade é a


promoção da relaxação. Do ponto de vista puramente fisiológico a relaxação
diminui a tensão muscular. Os altos níveis de tensão muscular têm vários
efeitos negativos (diminuição da vigilância, aumento da pressão arterial,
menor economia, diminuição do apport de O2 e dos nutrientes ao músculo,
lesões, etc.), que predispoem para a fadiga. Um estado de contracção
prolongado ou um nível de contracção demasiado elevado pode dar origem
à chamada contractura.
O senso comum indica-nos que a forma mais apropriada para resolver ou
evitar este tipo de problemas é facilitar a relaxação muscular através de um
programa de stretching.

2.4. Auto-disciplina

O trabalho de flexibilidade permite um melhor conhecimento dos limites da


pessoa, é uma boa forma de enriquecimento pessoal e de interiorização.
Oferece a possibilidade de reflexão, meditação e auto-avaliação que
permitem um crescimento interior (espiritual).

2.5. Forma física, postura e simetria

No seio de um programa global de condicionamento físico, o trabalho


individualizado de flexibilidade melhora a aparência (postura), a forma
física e a saúde.A relação entre a flexibilidade e a postura é principalmente
clinica e teórica. Contudo, Corbin & Noble (1980, cit in Alter,1988)
sugerem que um desequilíbrio no desenvolvimento muscular e a falta de
flexibilidade em determinados grupos musculares pode contribuir para uma
deficiente postura.
412 • Metodologia do treino desportivo I !

2.6. Dores na região lombo-sagrada

Existe ainda alguma controvérsia quanto à etiologia deste tipo de dores, no


entanto fortes evidências suportam a teoria de uma inadequada mobilidade
do tronco. Para Farfan (1978; cit in Alter, 1988), a flexibilidade da região
lombar está relacionada com a sua capacidade funcional e a sua eficiência
(mecânica). Até que se possa definir cientificamente "flexibilidade
adequada" e se encontrem os meios próprios para a sua avaliação, a
utilização dos exercícios de mobilidade/flexibilidade permanecerá suportada
por bases empíricas.

2.7. Alívio da dor muscular

Existem fundamentalmente dois tipos diferentes de dor muscular que estão


ligados ao exercício: i) a dor que se manifesta durante e imediatamente após
o exercício e que pode persistir durante algumas horas e, ii) a dor muscular
localizada que aparece cerca de 24 a 48 horas após o exercício. A
investigação e a experiência parecem mostrar que os exercícos lentos e
suaves de stretching podem reduzir ou mesmo eliminar esses dois tipos de
dor muscular produzidos pela actividade física.

2.8. Melhoria na capacidade de execução

A flexibilidade ajuda o indivíduo a criar uma imagem de facilidade,


suavidade, graciosidade, auto-controlo e total liberdade na execução dos
movimentos (factor que se torna essencial em certas modalidades
desportivas como por exemplo a ginástica, a dança, etc.). Do ponto de vista
biomecânico uma maior amplitude dos movimentos permite aumentar a
velocidade, a energia e o momento que é necessário gerar na execução das
técnicas. Por outro lado, permite também produzir uma maior quantidade de
força nos musculos envolvidos no movimento. Isto porque, a energia
elástica que é produzida durante a fase de estiramento é armanezada no
" Estudo do factor físico desportivo - Flexibilidade • 413

tecido muscular e é utilizada no encurtamento subsequente.(Asmussen &


Bonde-Petersen, 1974; Boscoe, Tarkka, & Komi, 1982; Cavagna, Dusman,
& Margaria, 1968; Cavagna, Saibene, & Margaria, 1965; Ciullo & Zarins;
cit in Alter, 1988).
2.9. Prevenção de lesões

A utilização de exercícios de Stretching para aumentar a flexibilidade


baseia-se normalmente na ideia de que se a amplitude dos movimentos for
de tal forma que permita realizar os movimentos (técnicas ou exercícios)
sem excessiva resistência dos tecidos moles, é menor a probabilidade de
haver lesão (prevenção). É importante referir que não é necessário adquirir a
máxima flexibilidade para precaver uma situação de lesão. Existe uma
amplitude "optima" que depende do tipo de movimento e da modalidade
desportiva em causa (os ginástas necessitam de amplitudes mais extremas
do que os corredores de fundo por exemplo) e permite, de facto, diminuir o
risco de lesão quando os musculos e as articulções são acidentalmente hiper-
estirados. O Stretching como forma de melhorar a flexibildade tem sido
considerado um método efectivo de prevenção de lesões dos musculos,
articulações e tendões. Contudo, ainda não existe evidência conclusiva que
prove que o aumento da flexibilidade reduz o número ou a severidade das
lesões nos atletas. (Ekstrand & Gillquist, 1982; Glick, 1971; Greipp, 1985;
Jckson et al., 1978; Kalenak & Mourehouse, 1975; Moretz et al., 1982;
Nocholas, 1970; cit in Hubley & Kozey, 1991).

Por último, segundo Harre, podemos resumir os aspectos negativos de uma


deficiente flexibilidade em cinco vertentes:
dificulta ou impede a aprendizagem de determinadas habilidades
motoras;
pode favorecer o aparecimento de lesões;
dificulta o desenvolvimento de outras capacidades ou a sua aplicação;
414 • Metodologia do treino desportivo I !

limita a amplitude do movimento e consequentemente limita a rapidez


da sua execução;
diminui a qualidade de execução motora sobretudo nos tipos de
desportos que pressupõem composições de movimento.

3. Potenciais desvantagens do treino de flexibilidade

Alguns autores (Bird, 1979; Lichtor, 1972; Nicolas, 1979; cit in Alter, 1988),
referem que a frouxidão ou a laxidez aumenta a probabilidade de lesão ao nível
dos ligamentos, separação ou deslocação articular.Lichtor, (1972, cit in Alter,
1988) constactou que individuos com frouxidão articular (loose joints) não têm
um controlo corporal normal e são mais descoordenados. Demasiada
flexibilidade ou uma amplitude articular excessiva pode ser tão perigosa como
uma flexibilidade inadequada ( Barrack, Skinner, Brunet, & Cook, 1983; Bird,
1979; Corbin & Noble, 1980; Gomolak, 1975; Nicolas, 1970; cit in Alter,
1988). Contudo outros autores (Grana & Moretz, 1978; Kalenak & Morehouse,
1975; Moretz, Walters, & Smith, 1982; cit in Alter, 1988), verificaram que não
existe correlação entre a laxidão ligamentar e a incidência ou o tipo de lesão.

Outro ponto de controvérsia é a relação entre a laxidez articular e a osteoartrite,


ou seja, a hiperlaxidez parece promover o aparecimento prematuro de
osteoartrite. Existem alguns estudos que comprovam que os individuos que têm
uma actividade física regular têm menos propenção à osteoartrite (Beighton,
Grahame, & Bird, 1983; Bird, 1973; Bird, Hudson, & Wright, 1980; cit in
Alter, 1988). A prática física regular pode proteger as articulações "laxas" da
osteoartrite porque aumenta-lhes o tónus muscular e consequentemente a sua
estabilidade.

O conhecimento científico e a experiência recomendam então que o trabalho de


flexibilidade deve ser realizado de forma prudente, atendendo aos seguintes
aspectos:
" Estudo do factor físico desportivo - Flexibilidade • 415

nas articulações em que for evidente uma flexibilidade excessiva, a


amplitude articular máxima deve ser reduzida (Sigerseth, 1971; cit in Alter,
1988);
no programa global de treino devem ser realizados exercícios preventivos
e compensatórios que promovam o fortalecimento e a estabilidade das
articulações (Arnheim, 1971; Corbin & Noble, 1980; Javurek, 1982;
Kalenak & Morehouse, 1975; Moretz, Walters, & Smith, 1982; Sigerseth,
1979; cit in Alter, 1988);
quando nas articulações em causa existir uma hipermobilidade não é
aconselhado realizar um programa de flexibilidade (Corbin & Noble, 1980;
Sigerseth, 1971; cit in Alter, 1988).

4. Tipos de flexibilidade (classificação)

Existem fundamentalmente três critérios diferentes para classificar a


flexibilidade: quanto à existência ou não de movimento e suas características
(estática e dinâmica), quanto à origem do movimento ou da acção que origina a
amplitude máxima (activa e passiva) e quanto à sua localização (geral e
específica).

4.1. A flexibilidade estática e dinâmica

A flexibilidade estática verifica-se quando se sustém durante um certo


tempo uma determinada posição da articulação. Assim, é a amplitude do
movimento de uma articulação sem entrar em linha de conta com a
velocidade (espargata na ginástica). A flexibilidade dinâmica é a capacidade
em utilizar a amplitude do movimento de uma articulação durante a
actividade que solicite movimentos normais ou rápidos (velocidade) (salto
de "gazela" ou "pontapé alto" no Karate). Estes dois tipos de flexibilidade
não estão necessariamente relacionados.

4.2. A flexibilidade activa e passiva


416 • Metodologia do treino desportivo I !

A flexibilidade activa é produzida utilizando forças internas, isto é,


representa a amplitude gestual obtida a nível de uma articulação sem ajuda e
como resultado da contracção muscular, ou seja, pela acção exclusiva da
musculatura agonista. A flexibilidade activa é menor do que a flexibilidade
passiva que representa a amplitude máxima a nível de uma articulação,
obtida pela intervenção duma força externa (gravidade, companheiro,
próprio peso, etc).
4.3. A flexibilidade geral e específica

A flexibilidade geral refere-se à amplitude normal da oscilação das


articulações especialmente nos principais sistemas articulares: escápulo-
umeral, coxo-femural e coluna vertebral. A flexibilidade específica está
relacionada com movimentos de uma determinada articulação e específicos
de uma determinada modalidades desportiva.

5. Principais factores que condicionam a flexibilidade

Os principais factores que condicionam a flexibilidade dos praticantes podem


ser equacionados, basicamente em três níveis diferentes: ósteo-articular,
muscular, e neuromuscular.
5.1. Ósteo-articular

Toda a estrutura ósteo-articular se adapta às condições mecânicas que lhe


são impostas pela actividade muscular. "Uma ausência de actividade devido
a mobilização prolongada determina um bloqueio progressivo da
articulação, enquanto que uma mobilização repetida levada até aos limites
articulares, permite realizar uma hiper-extensão dos segmentos " (Hainaut,
1974). Este nível de análise engloba: as superfícies articulares, as
cartilagens e as cápsulas e ligamentos.

5.1.1. Superfícies articulares


" Estudo do factor físico desportivo - Flexibilidade • 417

Cada articulação tem características mecânicas específicas que


determinam o maior ou menor grau de mobilidade. A forma das
superfícies articulares determina a possibilidade de mobilização nos
diferentes planos do espaço. Assim, algumas permitem a realização de
um largo ou reduzido número de movimentos, em direcção e com
trajectórias diversas, com grandes amplitudes, ou então as direcções,
trajectórias e amplitudes são estritamente limitadas (exemplos:
articulação do punho e a articulação do joelho).
5.1.2. Cartilagens, cápsulas e ligamentos

As cartilagens facilitam o funcionamento articular, permitindo um


melhor ajustamento das superfícies de contacto e diminuindo as forças de
atrito, impedindo o seu desgaste por fricção, simultâneamente amortece
os choques sofridos ao nível da articulação.

5.1.3. Cápsulas e ligamentos

As cápsulas e os ligamentos são meios de união das articulações. A


cápsula é constituída por tecido fibroso oferecendo uma resistência
passiva às forças que se exercem ao nível da articulação. Sendo esta
extensível torna-se mais expessa pela ausência de movimento limitando a
amplitude do movimento. Os ligamentos são na generalidade pouco
extensíveis podem no entanto ser melhorados e desempenham um papel
de manutenção das articulações (manter as superfícies da articulação em
contacto), face às solicitações exageradas, limitando a deslocação dos
segmentos.

5.1.4. Consequências metodológicas decorrentes do nível ósteo-articular

A imobilidade entrava progressivamente a capacidade funcional,


determinando também alterações a nível do tecido ósseo. Ao contrário, as
418 • Metodologia do treino desportivo I !

mobilizações sistemáticas de amplitude maximal, além de preservarem a


integridade anatómica e funcional do organismo, determinam uma
adaptação de toda a estrutura articular, possibilitando mobilizações
segmentares de maior amplitude.

5.2. Muscular (estrutura muscular)

Os músculos pelas suas propriedades altamente diferenciadas de


extensibilidade, excitabilidade, elasticidade, contractibilidade e
condutabilidade, desempenham um papel determinante na flexibilidade.

5.2.1. A extensibilidade muscular

A capacidade de alongamento da fibra muscular e desempenha um papel


importante de proteção do músculo nas contracções bruscas do seu
antagonista. À primeira vista, parece que se consegue um maior
alongamento do músculo partindo de uma situação de relaxamento do
que previamente contraído. O estado de contracção não limita ou suprime
esta propriedade, um músculo relaxado alonga-se rapidamente numa fase
inicial e diminui progressivamente com as cargas seguintes. No caso do
músculo previamente contraído, ele resiste fortemente de início,
diminuindo progressivamente a resistência ao alongamento. O momento
de rotura de um músculo relaxado ou previamente contraído são
próximos nos dois casos.

A capacidade de extensão é própria dos múculos, dos tendões, dos


ligamentos e das cápsulas articulares. A maior parte da resistência à
extensão não provém das fibras musculares, mas sim do conjunto do
" Estudo do factor físico desportivo - Flexibilidade • 419

aparato dos tendões, ligamentos e cápsulas articulares (Johns & Wright,


1962; cit in Weineck, 1983). A possibilidade de melhoria da capacidade
de extensão destas estruturas, devido à sua função de manter os ossos das
articulações solidamente no seu lugar, é extremamente pequena. A
capacidade de extensão dos músculos é relativamente fácil de melhorar
através do desenvolvimento da sua capacidade de relaxamento.

5.2.2. A elasticidade muscular

A propriedade que a fibra muscular tem de se deformar (alongar) por


acção de uma força exterior e retomar a sua forma inicial quando cessa
essa força, denomina-se elasticidade. Se submetermos um músculo a uma
força no seu limiar de extensibilidade, o músculo não retoma de imediato
a sua forma inicial (elasticidade retardada), na medida em que subsiste
um certo alongamento que vai desaparecendo progressivamente num
tempo mais ou menos longo (este fenómeno é denominado de visco-
elasticidade).

O aumento da elasticidade muscular pode obter-se através de uma


melhoria das qualidades mecânicas do músculo, fruto de modificações
bioquímicas ou estruturais conseguidas como resposta a um processo de
treino contínuo de extensibilidade (Cotta, 1978, cit in Alter, 1988) ou
pelo aumento da temperatura corporal de através de um processo de
aquecimento específico. A capacidade de extensão não só melhora com
aumento da sua elasticidade como também através de uma acção de
relaxação e diminuição do tónus muscular.

5.2.3. Consequências metodológicas decorrentes do nível muscular


420 • Metodologia do treino desportivo I !

Segundo Simões (1979) no que respeita à estrutura muscular, o trabalho


efectuado deverá proporcionar um aumento do comprimento das fibras
musculares determinando uma maior capacidade de alongamento, sem
prejuízo das capacidades de força e potência. Para tal, o trabalho deverá
privilegiar, por um lado, as solicitações que imponham alongamentos
estáticos maximais, que favorecem o aparecimento de novos sarcómeros
por outro, as solicitações deverão ser também activas por forma a
estimular a relação agonista/antagonista. Na realidade, é a flexibilidade
activa que influencia a eficácia da acção motora, verificando-se
geralmente que os níveis de amplitude obtidos passivamente, não se
manifestam na situação concreta da prestação motora.
5.3. Neuromuscular

Qualquer mobilização segmentar é também condicionada pelas


características do equipamento motor e sensorial do músculo. Com efeito, o
músculo está equipado com: fusos neuromusculares, orgãos tendinosos de
Golgi e receptores articulares.

5.3.1. Fusos neuromusculares

Os fusos neuromusculares são sensíveis ao alongamento. Assim, quando


o músculo se alonga a porção central do FNM também se alonga, o que
leva ao envio de impulsos até à medula. Esses impulsos activam o
motoneurónio alfa que enerva as respectivas fibras musculares
provocando uma contracção do músculo (reflexo miotático). Ao mesmo
tempo partem da medula impulsos inibidores para os antagonistas do
músculo que foi estirado, permitindo que a contracção reflexa deste seja
mais eficaz. No entanto, esta reacção (RM) pode revestir-se de diferentes
formas de acordo com a velocidade dos alongamentos:
" Estudo do factor físico desportivo - Flexibilidade • 421

se a mobilização segmentar for rápida e intensa vai desencadear


uma reacção miotática fásica, traduzida por um movimento de retorno
com uma amplitude variada;
se a mobilização for efectuada lentamente, as reacções miotáticas
vão-se instalando progressivamente e tem um carácter tónico,
traduzindo-se por um reforço da tonicidade da musculatura alongada e
permitindo manter o segmento mobilizado nos limites da sua
mobilidade articular.

5.3.2. Os orgãos tendinosos de Golgi

Os orgãos tendinosos de Golgi estão localizado no tendão junto da


terminação das fibras musculares e são sensíveis ao estiramento dos
tendões quer por estiramento passivo do músculo, quer por contracção
activa do mesmo. São responsáveis pelo reflexo miotático inverso, ou
seja, sempre que o músculo é fortemente contraído os OTG enviam essa
informação até à medula, o que leva a uma inibição dos motoneurónios
alfa dos músculos agonistas e uma influência excitatória sobre os
motoneurónios alfa dos músculos antagonistas.

5.3.3. Receptores articulares

Os receptores articulares são responsáveis pela informação relativa à


posição das articulações, velocidade e amplitude do movimento. Estes
orgãos (RA) são de extrema importância devido ao seu carácter
preventivo e de protecção no que se refere a possíveis lesões.

5.3.4. Consequências metodológicas decorrentes do nível neuromuscular

Segundo Simões (1979) e de acordo com os dados da neurofisiologia, só


as mobilizações efectuadas lentamente possibilitam os alongamentos
estáticos maximais, pelo carácter tónico das reacções miotáticas
422 • Metodologia do treino desportivo I !

desencadeadas. No entanto, refira-se que este tipo de solicitações


(alongamento estático maximal) é o mais doloroso, pelo que deverá ser
realizado progressivamente, surgindo a solicitação máxima após um
período de aquecimento muscular de modo a eliminar os riscos de lesão.

5.4. Outros factores que influenciam a flexibilidade

5.4.1. A idade

Apesar de haver ainda alguma contradição nos dados da investigação


científica no que se refere à relação entre a flexibilidade e a idade,
especialmente no que diz respeito ao seu aumento ou diminuição durante
o crescimento, existem evidências que levam a supôr que as crianças
começam por ser bastante "suples" e os seus níveis de flexibilidade
aumentam ao longo da escolaridade. Com a adolescência os níveis de
flexibilidade tendem a estabilizar para então começarem a diminuir. É
verdade que a flexibilidade pode ser desenvolvida em qualquer idade
através de um programa de treino apropriado. No entanto, a sua
treinabilidade varia com a idade, existe um período crítico para o seu
desenvolvimento entre os 7 e os 11 anos, os valores mais altos aparecem
por volta dos 15 anos e depois a mobilidade articular começa a diminuir.
A elasticidade muscular e tendinosa diminuem progressivamente com a
idade e por volta dos 50 anos existe uma perda significativa dos níveis de
flexibilidade que se acentua entre os 60 e os 70 anos.(Sermeev, 1966; cit
in Alter, 1988).

5.4.2. Sexo

De uma forma geral a mulher apresenta níveis de flexibilidade superiores


ao homem, tem uma maior capacidade de extensão da musculatura, dos
tendões e dos ligamentos. A razão desta diferença deve-se
fundamentalmente às diferenças anatómicas e hormonais existentes. Em
" Estudo do factor físico desportivo - Flexibilidade • 423

termos anatómicos, a mulher está preparada para maiores níveis de


flexibilidade, especialmente na região da cintura pélvica o que a torna
adaptada às situações da gravidez e do nascimento de uma criança.
Corbin (1973; cit in Alter, 1988), sugere também que as raparigas após a
puberdade tendem a ter níveis superiores de flexibilidade em regiões
como a flexão do tronco por apresentarem o centro de massa mais baixo
e as pernas mais curtas. As diferenças existentes entre os sexos no que se
refere ao tipo de actividade regular, pode de alguma forma explicar estas
diferenças nos níveis de flexibilidade. Por outro lado, em termos
hormonais, o facto de existir na mulher uma maior quantidade de
esterogénios, produz uma retenção de água superior (Ganong, 1972; cit
in Weineck, 1983), uma percentagem mais elevada de tecido adiposo e
uma menor quantidade de massa muscular (Fukunaga, 1976; Weineck,
1983), o que torna os tecidos menos densos e aumenta a sua capacidade
de extensão.

5.4.3. Factores externos

Os factores externos que poderão influenciar os valores da flexibilidade


são extremamente variados. Assim, de manhã, a flexibilidade está muito
abaixo dos valores normais, à hora do almoço aumenta sensivelmente e
sob a influência de banhos ou aquecimento atinge os valores mais
elevados.

5.4.4. A temperatura muscular

O aumento da temperatura muscular, sob a influência de exercícios de


aquecimento, determina uma melhor irrigação sanguínea das fibras
musculares e, como consequência, aumenta a capacidade de alongamento
das fibras musculares.

5.4.5. A fadiga
424 • Metodologia do treino desportivo I !

A fadiga pelo contrário, aumenta a resistência ao alongamento, tornando


o músculo mais vulnerável face às solicitações mecânicas que lhe são
impostas pelo movimento, ou seja, maior risco de aparecimento de
lesões. A razão prende-se essencialmente ao facto de a sensibilidade dos
fusos neuromusculares estar alterada e existir uma diminuição das
reservas de ATP nos músculos. Por outro lado, a flexibilidade activa, que
tem uma influência importante nos movimentos desportivos, e que
depende da capacidade de extensão dos antagonista e da capacidade de
realizar força dos agonistas, é extremamente comprometida com a fadiga.

5.4.6. Estados emotivos

O estado emocional, como sabemos, influencia de forma muito


significativa o nível de performance do indivíduo. A flexibilidade não é
excepção, um estado emocional positivo tem uma influência positiva nos
níveis de flexibilidade em contraste com um estado depressivo. As
situações de competição, a audiência, o "clima" ou o ambiente do
envolvimento, a motivação, o nível de concentração, entre muitos outros,
são factores que condicionam o estado emocional do indivíduo e por sua
vez a sua mobilidade.

6. Métodos e conteúdos do treino da flexibilidade

Antes de enunciarmos os diferentes métodos de treino da flexibilidade importa


diferenciar a noção de programa de treino de flexibilidade (PTF) de
flexibilidade para aquecimento (warm-up/cool-down).

Programa de treino de flexibilidade é "um programa de exercícios, planeado,


deliberado e regular que permite permanente e progressivamente aumentar a
amplitude dos movimentos de uma articulação ou de um grupo de
articulações, aplicado durante um certo período de tempo" (Aten & Knight,
1978; Corbin & Nobel, 1980; cit in Alter, 1988).
" Estudo do factor físico desportivo - Flexibilidade • 425

Considera-se então, programa de flexibilidade para aquecimento/arrefecimento


um "programa de exercícios, planeado, deliberado e regular, que é realizado
imediatamente antes ou depois de uma actividade para aumentar a capacidade
de execução do atleta ou reduzir o risco de lesões. Este tipo de programa, por
si só, não permite o aumento da amplitude dos movimentos". (Aten & Knight,
1978; Corbin & Nobel, 1980; cit in Alter, 1988).

A quantidade e a qualidade dos benefícios de um programa de treino de


flexibilidade são, em última instância, determinados por dois factores:
os objectivos individuais do atleta, que devem ser compreendidos num
contexto global que integre aspectos de natureza biológica, psicológica,
sociológica e filosófica;
os meios utilizados para alcançar essea objectivos (métodos e técnicas).
Os métodos e as técnicas devem então ser seleccionados de acordo com os
objectivos que se pretendam atingir e de acordo com as características
individuais do atleta
6.1. Métodos dinâmico e estático

Segundo Alter (1988), os exercícios de stretching (flexibilidade) podem ser


classificados em duas categorias: dinâmicos e estáticos . Os exercícios de
alongamento dinâmico pressupõem movimentos ritmados, "balanços",
"insistências" e geralmente são utilizados os termos isotónico, balístico,
cinético ou alongamentos rápidos (fast stretching) para os definir. Em
contraste, os exercícios de alongamento estático baseiam-se na manutenção
durante um certo tempo de uma determinada posição de alongamento, e
estão associados à noção de isométrico, controlado, suavidade ou
alongamento lento (slow stretching).

Um dos aspectos mais controversos nas ciências do desporto é justamente


reconhecer o valor relativo de cada um destes métodos no desenvolvimento
da flexibilidade. A falta de estudos sobre flexibilidade dinâmica é um dos
426 • Metodologia do treino desportivo I !

factores que mais contribui para esta controvérsia. É extremamente difícil


medir a flexibilidade dinâmica, a avaliação das forças que são para mover as
articulações, em movimentos rápidos e lentos, dentro dos seus graus de
liberdade, exige equipamento muito sofisticado e técnicas especializadas
(Stamford, 1984; cit in Alter, 1988). No entanto, existe um considerável
número de estudos que indicam que ambos os métodos (dinâmico e
estático)são efectivos no desenvolvimento da flexibilidade (Corbin &
Noble, 1980; Logan & Egstrom, 1961; Sady, Wortman, & Blanke, 1982;
Stamford, 1984; cit in Alter, 1988).

6.1.1. Argumentos que suportam o método dinâmico


apela ao espírito de equipa, os atletas podem executar os exercícios
todos ao mesmo tempo;
fácil de associar a um sentido rítmico (cadência);
pode ser mais apropriado em termos de especificidade do treino e
do aquecimento, dado que a maior parte da actividade e dos
movimentos são de natureza balística;
permite desenvolver a flexibilidade dinâmica;
pode ser menos aborrecido;
está demonstrado que é um método eficaz.

6.1.2. Argumentos contra o método dinâmico


adaptação dos tecidos. Quando um músculo e os seus tecidos
conectivos de suporte são rapidamente estirados, não lhes é dado o
tempo suficiente de adaptação;
adaptação neurológica. Existem também argumentos que levam a
supôr que o estiramento dinâmico não permite o tempo adequado para
que se dê a adaptação neurológica;
risco de lesão. São gerados de uma forma incontrolada grandes
momentos angulares que obrigam os tecidos a um estiramento
" Estudo do factor físico desportivo - Flexibilidade • 427

demasiado rápido, o que pode ocasionar uma distensão ou mesmo uma


ruptura muscular;
contracção reflexa. Um músculo que é estirado repentinamente
reage reflexamente a esse movimento contraindo-se. Deste modo, a
tensão muscular aumenta o que torna mais difícil o estiramento Para
que o estiramento seja mais efectivo é necessário que os elementos
contrácteis do músculo estejam totalmente relaxados.

6.1.3. Argumentos que suportam o método estático


requer menos dispêndio de energia;
provoca menor fadiga muscular;
pode desempenhar um papel de relevo na recuperação do stress
(disstress) muscular;
o óptimo desenvolvimento da flexibilidade estática só é conseguido
através do método estático.

6.1.4. Argumentos contra o método estático


é mais aborrecido e monótono;
deve ser praticado de forma exclusiva, ou seja, em prejuízo dos
exercícios dinâmicos;

A solução para o problema parece ser uma combinação óptima entre os dois
métodos (Corbin Noble, 1980; Dick, 1980; Schultz, 1979; Stamford, 1984,
cit in Alter, 1988).

6.2. Outras formas de classificação

Com base no conceito de "o que" ou "o quê" desenvolver e qual a sua
implicação na amplitude global do movimento, foi possível uma outra forma
de classificar o trabalho de flexibilidade. Um estiramento pode então ser
428 • Metodologia do treino desportivo I !

dividido em quatro diferentes categorias, quanto ao tipo de movimento:


passivo, passivo-activo, activo assistido e activo.

6.2.1. O estiramento passivo

No estiramento passivo o indivíduo não contribui para a acção, não


efectua nenhuma contracção muscular voluntária. O movimento é
totalmente realizado por um agente (ou forças externas) que é
responsável pelo estiramento. Esta técnica permite restabelecer a
amplitude normal do movimento quando esta se encontra afectada por
perda de extensibilidade dos tecidos moles. No músculo promove o
aumento do comprimento da porção elástica. O estiramento passivo é
indicado quando os músculos agonistas, principais responsáveis pela
acção, são demasiado fracos para responder ou quando a tentativa de
inibição dos antagonistas não é bem sucedida (Alter, 1988).

A utilização da ajuda de um parceiro na aplicação deste método pode ter


algumas vantagens (Dowsing, 1978, Olcott, 1980., cit in Alter, 1980):
garante a realização plena do exercício (nº de repetições, correcção
nas posições, tempo em cada posição, etc.);
O treinador está mais liberto para controlar o grupo ou para fazer
alguma correcção individualizada;
o reconhecimento dos progressos por parte do parceiro podem ser
um factor de grande motivação;
promove o espírito de entre ajuda, cooperação e de grupo;
o trabalho torna-se mais agradável e divertido.

Por outro lado, é necessário que o parceiro esteja muito familiarizado


com os exercícios, conheça muito bem o outro parceiro e consiga
transmitir-lhe a confiança necessária para que ele se relaxe.
" Estudo do factor físico desportivo - Flexibilidade • 429

Segundo Jacobs (1976, cit in Alter,1988), podem ainda ser apresentadas


outras limitações a esta técnica:
o estiramento extremo pode fazer activar os orgãos tendinosos de
golgi;
pode ser dolorosa;
não permite uma melhoria na capacidade de realizar movimentos
activos;
caso o estiramento ocorra demasiado rápido o músculo pode
contrair-se reflexamente o que dificulta o procedimento.

6.2.2. O estiramento passivo-activo

O estiramento passivo-actico é uma técnica muito parecida com a do


estiramento passivo. A fase inicial do movimento assegurada por uma
força externa, depois o indivíduo tenta manter o segmento durante alguns
segundos na posição adquirida através de uma contracção isométrica.
Esta técnica permite simultaneamente aumentar a flexibilidade e o
fortalecimento muscular (flexibilidade /força).

6.2.3. O estiramento activo-assistido

Este tipo de estiramento é ao contrário, primeiro o segmento é elevado


pelo próprio indivíduo (sem assistência) até à máxima amplitude e depois
o movimento é completado pelo parceiro. Este procedimento tem a
vantagem de ajudar a estabelecer o padrão de coordenação do
movimento.

6.2.4. O estiramento activo


430 • Metodologia do treino desportivo I !

No estiramento activo o movimento é unicamente realizado através da


acção muscular do próprio indivíduo. A duração dos períodos de
contracção isómetrica dos grupos musculares activos são determinantes
no ganho de flexibilidade.

A amplitude total do movimento é a combinação entre as amplitudes passiva


e activa. A relação entre flexibilidade activa e passiva está dependente dos
métodos de treino que são utilizados (Hardy, 1985; Iashvili, 1983;
Tumannyan & Dzhanyan, 1984, cit in Alter, 1988). Se forem utilizados mais
exercícios de estiramento passivo então serão maiores os níveis de
flexibilidade passiva. Quanto maior for a diferença entre a amplitude activa
e passiva do movimento de uma articulação maior é a probabilidade de
haver uma lesão (Iashvili, 1983; cit in Alter, 1988).

O estiramento activo pode ser dinâmico ou estático. Segundo Matveyev


(1986), os exercícios balísticos devem ser realizados com um aumento
gradual da amplitude dos movimentos, até à amplitude máxima, e
organizados por séries. Cada exercício pode ser realizado entre 3 a 6 séries
de 10 a 15 repetições cada, no intervalo das séries devem ser realizados
exercícios de relaxação (sacudir a região solicitada ou uma pequena
massagem). O referencial para definir o número de repetições deve ser a
diminuição da amplitude do movimento causada pela fadiga.
" Estudo do factor físico desportivo - Flexibilidade • 431

No estiramento estático deve existir


um aumento progressivo do tempo de
manutenção da posição de estiramento.
Esse tempo de "sustentação" pode
variar entre 6 e 12 segundos e o
número de séries entre 6 e 10. Antes de
iniciar qualquer tipo de trabalho de
flexibilidade devemos realizar
exercícios de aquecimento
generalizado. A selecção dos
exercícios de flexibilidade bem como a
sua complexidade deve ser feita de
acordo com o nível de preparação dos
atletas, a especificidade da modalidade
Figura 73. Tipos de movimento: (a) desportiva em causa e os objectivos
passivo; (b) passivo-activo; (c) activo-
assistido; (d) activo.(Alter, 1988). pretendidos.

No estiramento estático deve existir um aumento progressivo do tempo de


manutenção da posição de estiramento. Esse tempo de "sustentação" pode
variar entre 6 e 12 segundos e o número de séries entre 6 e 10. Antes de
iniciar qualquer tipo de trabalho de flexibilidade devemos realizar exercícios
de aquecimento generalizado. A selecção dos exercícios de flexibilidade
bem como a sua complexidade deve ser feita de acordo com o nível de
preparação dos atletas, a especificidade da modalidade desportiva em causa
e os objectivos pretendidos.

Uma questão fundamental é saber quando é que devemos utilizar cada um


destes métodos (activo e passivo). O estiramento passivo deve ser
valorizado quando a elasticidade dos músculos que se pretendem estirar
limitam o nível de flexibilidade, por outro lado, os exercícios activos,
432 • Metodologia do treino desportivo I !

devem ser utilizados quando a amplitude dos movimentos é condicionada


por um baixo nível de força desses músculos.
6.3. Método de Facilitação Neuromuscular Proprioceptiva (PNF)

O PNF pode ser definido como um método de desenvolvimento da


flexibilidade que apela ao mecanismo neuromuscular, através da
estimulação dos proprioceptores (Knott & Voss, 1968; cit in Alter, 1988).
Este método foi inicialmente desenvolvido como um procedimento
terapêutico de reabilitação. Hoje, algumas das suas técnicas, são
consideradas como dos mais avançados métodos para desenvolvimento da
flexibilidade.

6.3.1. Bases fisiológicas do método de PNF

O método de PNF baseia-se num conjunto de mecanismos


neurofisiológicos importantes, como sejam: a facilitação e inibição, a
resistência, a irradiação, a indução sucessiva e a acção reflexa. A acção
de facilitação permite aumentar a excitabilidade neural, os estímulos
facilitadores fazem diminuir o limiar de excitabilidade dos
motoneurónios ou provocam um recrutamento adicional dos
motoneurónios. Contrariamente, as acções inibidoras do PNF são aquelas
que fazem diminuir essa excitabilidade. Estas duas acções são
inseparáveis, a promoção da facilitação dos músculos agonistas promove
simultaneamente a relaxação ou inibição dos antagonistas.

A facilitação e a inibição são produzidas predominantemente através da


resistência muscular (contracções activas). Resistência maximal é a
quantidade máxima de resistência que pode ser aplicada numa contracção
activa ou isotónica de modo a permitir atingir a amplitude máxima de um
determinado movimento (Knott & Voss, 1968; cit in Alter, 1988). A
resistência maximal promove os meios que garantem a expansão ou
irradiação dos padrões adequados de movimento. A irradiação no fundo é
a definição e a "divulgação" no S.N.C. do limiar de excitabilidade que
" Estudo do factor físico desportivo - Flexibilidade • 433

permite realizar uma contracção sinérgica dos músculos num


determinado padrão específico (Holt, ND; Surburg, 1981; cit in Alter,
1988). Este fenómeno é normalmente realizado através da contracção de
um músculo agonista seguida imediatamente da activação de um músculo
antagonista, a que se chama indução sucessiva (Holt, ND; Surburg, 1981;
Alter, 1988).

A eficácia das técnicas de PNF dependem ainda do reflexo de


estiramento (stretch reflex). Este reflexo envolve a acção de dois tipos de
receptores:
o fuso neuromuscular, que é sensível às variações do comprimento
das fibras musculares;
os orgãos tendinosos de golgi, que detectam as alterações na tensão
muscular. Ambos os receptores ajudam o músculo a relaxar-se sob
determinadas condições.

Uma contracção isométrica que aconteça sobre um ligeiro estiramento é


seguida de uma relaxação promovida por inibição autogénica.
(Cornelius, 1981; Cornelius & Hinson, 1980; Holt, ND; Prentice, 1983;
Tanigawa, 1972; cit in Alter, 1988). Por inibição autogénica entende-se a
inibição que por intermédio das fibras aferentes de um músculo estirado
actua sobre os seus motoneurónios alfa obrigando a que este se relaxe
(Ruch & Patton, 1965; cit in Alter, 1988). Ou seja, o músculo que está a
ser estirado é inibido e como consequência relaxa-se. Durante uma
contracção isométrica máxima com os músculos (antagonistas) em
alongamento a tensão combinada que é produzida pode estimular os
orgãos tendinosos de golgi e promover a sua relaxação de forma reflexa.
Uma outra explicação para este fenómeno de relaxação, avançada por
Holt (ND; cit in Alter, 1988), é de que a contracção isométrica poderá
fazer alterar a forma como os fusos musculares respondem às situações
de estiramento, diminuindo o fluxo de impulsos aferentes que partem
desses proprioceptores.
434 • Metodologia do treino desportivo I !

Existe ainda um outro procedimento que permite promover a relaxação


dos músculos antagonistas, é através de uma contracção isométrica dos
músculos agonistas. Esta acção facilita a relaxação através do reflexo de
inibição recíproca, ou seja, quando os motoneurónios dos músculos
agonistas recebem os impulsos excitatórios dos nervos aferentes, os
motoneurónios dos músculos antagonistas são inibidos pelos impulsos
aferentes (e.g. se os quadricipes se contrairem os tricipes têm que se
relaxar) (Alter, 1988).

6.3.1.1. Vantagens do método de PNF


no que se refere à amplitude dos movimentos são várias as
evidências que demonstram que é um método eficaz;
promove também o aumento da força, o equilíbrio da força entre
os agonistas e os antagonistas e a estabilidade articular;
aumenta a resistência e a circulação sanguínea;
melhora a coordenação e a capacidade de relaxação muscular;
existe uma maior facilidade na realização dos movimentos
passivos após a utilização das técnicas de PNF.

6.3.1.2. Desvantagens e argumentos contra o método de PNF


certas técnicas são desconfortáveis e dolorosas;
requere muita motivação;
é mais arriscado (perigoso) do que o método estático porque
geralmente promove maiores tensões musculares;
precisa de maior monitorização para minimizar os riscos;
a maior parte das técnicas necessitam da colaboração de um
parceiro que tem de "saber", "conhecer" bem quem ajuda e merecer
confiança;
se nas contracções isométricas o esforço expiratório for realizado
com a glote fechada, existe a possibilidade de ocorrer o "fenómeno
de valsalva", que faz elevar bruscamente a pressão sistólica o que
" Estudo do factor físico desportivo - Flexibilidade • 435

pode ter implicações em indivíduos hipertensos ou com problemas


cardíacos. Para que isto possa ser evitado, recomenda-se que os
exercícios não sejam realizados em bloqueio, a respiração deve ser
ritmada e deve haver uma expiração, mesmo que ligeira, na fase da
contracção;
recentemente verificou-se que o músculo se torna inicialmente
menos resistente às alterações do seu comprimento a seguir a uma
contracção estática.

6.3.2. Técnicas de PNF

O método de PNF engloba uma variedade de técnicas e estratégias que


promovem resultados específicos. As contracções isotónicas
(concêntricas e excêntricas) e isométricas podem ser combinadas de
diferentes formas (segundo os trabalhos de Knott & Voss, 1968;
Sullivan, Markos, & Minor, 1982; Surburg, 1981; cit in Alter, 1988):

6.3.2.1. Contracções repetidas (CR)

Esta técnica baseia-se na realização de repetidas contracções até que


seja evidente o aparecimento de fadiga na realização de um
movimento específico. Os movimentos são realizados inicialmente
contra uma resistência, para um lado e para o outro, até que se sinta o
aparecimento de fadiga, uma diminuição na força que é realizada
contra a resistência. Nesse ponto é pedido para realizar uma
contracção isométrica dos agonistas e quando a resistência nesse ponto
volta a aumentar, as contracções passam novamente a ser isotónicas.

6.3.2.2. Ritmo de iniciação (RI)


436 • Metodologia do treino desportivo I !

Técnica utilizada para melhorar a capacidade de iniciar os movimento.


Baseia-se na relaxação voluntária na realização de movimentos
passivos e em contracções isotónicas repetidas dos agonistas. Nesta
técnica são executados alternadamente exercícios passivos, activos-
assistidos, activos e resistentes.

6.3.2.3. Lenta inversão (LI)

Consiste na realização de uma contracção isotónica dos antagonistas,


seguida de uma contracção isotónica dos agonistas. A resistência deve
ser efectuada de modo a que a amplitude activa do movimento possa
ser atingida. Esta técnica permite aumentar a acção dos agonistas,
facilita a acção inversa dos antagonistas e permite aumentar a força
dos antagonistas.

6.3.2.4. Lenta inversão-manter (LIM)

Esta técnica é em tudo semelhante à anterior, só que entre as


contracções isotónicas existe uma contracção isométrica, ou seja, é
realizada uma contracção isotónica dos antagonistas, seguida de uma
contracção isométricas dos antagonistas, seguida de uma mesma
sequência de contracções dos agonistas. Os efeitos desta técnica são
idênticos aos da técnica anterior.

6.3.2.5. Estabilização do ritmo (ER)

Consiste na realização de uma contracção isométrica dos agonistas


seguida de uma contracção isométrica dos antagonistas. A intensidade
das contracções deve aumentar progressivamente ao longo da
sequência. Promove efeitos ao nível da capacidade de sustentação dos
segmentos, de relaxação e aumenta a circulação local.

6.3.2.6. Contracção-relaxamento (CR)


" Estudo do factor físico desportivo - Flexibilidade • 437

Consiste na realização de uma contracção isotónica maximal dos


antagonista contra a resistência de um parceiro, seguida de um período
de relaxação e um estiramento passivo dos antagonistas até à
amplitude máxima do movimento. Esta técnica é utilizada para
aumentar a amplitude máxima dos movimentos. O facto de a tensão
muscular crescer de forma muito gradual aumenta a probabilidade de
ocorrer uma lesão.
6.3.2.7. Manter-relaxar (MR)

É uma técnica especialmente eficaz quando existe uma diminuição da


amplitude de um movimento, devido a um encurtamento num dos
lados da articulação. Primeiro é realizada uma contracção isométrica
dos antagonistas e após um período de relaxação é efectuada uma
contracção isotónica dos agonistas, contra uma resistência mínima
realizada pelo parceiro, até ao novo ponto de limitação da amplitude
máxima.

1. Contracção isotónica dos antagonistas. 1. Estiramento passivo dos antagonistas.


2. Contracção activa-assistida dos 1. Contracção isotónica dos antagonistas
2. Contracção isotónica dos agonistas. 2. Contracção isotónica dos agonistas.
3. Contracção isométrica dos agonistas. agonistas.
3. Contracção activa dos agonistas
4. Contracção activa-resistente dos
agonistas.

1. Contracção isotónica dos antagonistas. 1. Contracção isométrica dos agonistas. 1. Contracção isotónica dos antagonistas.
2. Contracção isométrica dos antagonistas. 2. Contracção isométrica dos antagonistas. 2. Relaxação.
3. Contracção isotónica dos agonistas. 3. Estiramento passivo dos antagonistas.
4. Contracção isométrica dos agonistas.
438 • Metodologia do treino desportivo I !

1. Contracção isométrica dos antagonistas. 1. Contracção isotónica dos antagonistas.


2. Contracção isométrica dos antagonistas. 1. Contracção isotónica dos agonistas.
2. Relaxação.
3. Relaxação. 2. Contracção excêntrica dos agonistas.
3. Contracção isotónica dos agonistas
4. Contracção isotónica dos agonistas. 3. Relaxação.
contra uma resistência mínima.
5. Relaxação. 4. Várias contracções concêntricas e
excêntricas dos agonistas.
Figura 74. Procedimentos nas diferentes técnicas de PNF: (a) Contracções Repetidas; (b) Ritmo
de Iniciação; (c) Lenta Inversão; (d) Lenta Inversão-Manter; (e) Estabilização do Ritmo; (f)
Contracção-Relaxamento; (g) Manter-Relaxar (h) Lenta Inversão-Manter-Relaxar; (i) Inversão
Agonistica.

6.3.2.8. Lenta inversão-manter-relaxar (LIMR)

Consiste na realização de uma contracção isotónica dos antagonistas,


seguida de uma contracção isométrica dos antagonistas, seguida de um
período de relaxação, seguido de uma contracção isotónica dos
agonistas, seguida de um novo período de relaxação. Melhora a acção
dos antagonistas (força e reversibilidade).

6.3.2.9. Inversão agonistica (IA)

No final ou na amplitude máxima de um contracção concêntrica dos


agonistas é realizada uma sequência de lentas, suaves e ritmadas
contracções, ora excêntricas ora concêntricas, dos agonistas. Melhora
a capacidade de contracção concêntrica e excêntrica de um
determinado padrão de movimento.

7. Princípios metodológicos do treino da flexibilidade

Um dos princípios metodológicos fundamentais do treino da flexibilidade é


que esta não deve ser máxima mas sim óptima, por forma a garantir uma
execução também óptima do movimento (Zatsiorski, 1966).

Segundo Willians e Goldspink (1978), as mobilizações segmentares que


possibilitam alongamentos constantes nos limites da amplitude articular,
" Estudo do factor físico desportivo - Flexibilidade • 439

favorecem o aparecimento de novos sarcómeros e consequentemente o


aumento das fibras musculares. Os dados destas experiências são importantes
para contrariar a ideia de que a flexibilidade é adversa às qualidades físicas
força e velocidade.

Simões (1979) estabelece três princípios fundamentais que devem presidir ao


trabalho da flexibilidade:
suavidade: toda a movimentação quer se situe a nível da mobilidade
articular, quer ao nível do alongamento muscular deverá ser lenta e suave,
fugindo a toda a violência que pode ser traduzida pela grande velocidade, ou
por uma carga exterior excessiva. Sendo associada à;
consciência: cuja intervenção dominante se impõe pela necessidade de
dissociar, inibindo voluntariamente o tónus numa independência segmentar;
relaxamento: cuja importância se situa a três níveis:
relaxamento dos grupos musculares que envolvem uma articulação;
o controlo do relaxamento da região solicitada em alongamento, por
forma a permitir atingir progressivamente limites de extensibilidade
superiores;
procura dum estado de controlo emocional, que permita manter os
alongamentos constantes e intensos.

Para Harre o treino da flexibilidade deve ter em atenção os seguintes aspectos


metodológicos:
os exercícios de flexibilidade devem ser variados, e visar o aumento da
amplitude do movimento;
os exercícios de flexibilidade devem ser complementados com exercícios
de relaxação;
a amplitude máxima do movimento deve ser alcançada lenta e
progressivamente;
os exercícios de flexibilidade devem realizar-se na parte inicial do treino,
pressupondo um aquecimento conveniente e nunca depois de exercícios de
resistência geral muito intensos ou num estado de fadiga muscular evidente ;
440 • Metodologia do treino desportivo I !

os exercícios de flexibilidade nunca deve ser executado com os músculos


em situação de grande fadiga;
para a manutenção da flexibilidade não é necessário um elevado volume
de treino;
a flexibilidade perde-se muito rapidamente perante uma interrupção
prolongada do treino. O seu trabalho deve ser diário, contínuo e sem
interrupções marcadas;
os exercícios de flexibilidade activa conservam os progressos na
flexibilidade por mais tempo do que os exercícios passivos.
PARTE V

O PLANEAMENTO DO TREINO DESPORTIVO

Resp: Jorge Castelo


440 • Metodologia do treino desportivo I !

Parte V

O planeamento do treino desportivo

Sumário
1. Conceito de planeamento
2. A natureza do planeamento
3. Objectivos do planeamento
4. A importância do planeamento
5. Os níveis de planeamento

Capítulo 1
O planeamento conceptual

Capítulo 2
O planeamento estratégico

Capítulo 3
O planeamento táctico
" Planeamento do treino desportivo • 441

A actividade desportiva na actualidade levanta enormes exigências, em


especial aos praticantes e às equipas de rendimentos superiores. Com efeito, é
possível prever que essas exigências irão aumentar no futuro próximo. Numa
análise substancial e profunda do rendimento desportivo observamos uma
multiplicidade e uma variabilidade de elementos, que intervêm directa ou
indirectamente nos resultados obtidos.

Mas para além desta multiplicidade e variabilidade dos elementos


preponderantes no rendimento dos praticantes e das equipa, é necessário ter
presente a complexidade intrínseca de cada elemento e as relações de
interdependência que estes estabelecem uns com os outros, determinando
consequentemente que, qualquer alteração de um destes tem de ter de imediato
repercussões em todos os outros.

Posto o problema neste plano, os limites da intervenção do treinador há muito


que deixaram de ser "apenas" a aplicação de um conjunto de exercícios de
treino (que evoluem sob a égide de dois parâmetros: a especificidade e a
identidade) e da orientação táctica dos praticantes ou das equipas através de
uma intervenção mais ou menos realista ou mais ou menos ardilosa, durante a
competição. Com efeito, a dificuldade que envolve a preparação e
maximização das capacidades e potencialidades destes, determina a
necessidade de o treinador ter uma visão simultaneamente global e integradora
de todos os elementos que influenciam de forma preponderante o seu
rendimento, através de um planeamento sistemático e dinâmico.

Nestas circunstâncias, o planeamento consubstancia as operações fundamentais


(estabelecimento de uma direcção) à consecução da finalidade e dos objectivos
previamente estabelecidos para os praticantes e equipas, assegurando a relação,
442 • Metodologia do treino desportivo I !

o mais realística possível, entre a preparação destes e o contexto competitivo


em que estão inseridos.
1. Conceito de planeamento

O planeamento é definido como um processo que analisa, define e sistematiza


as diferentes operações inerentes à construção e desenvolvimento dos
praticantes ou das equipas. Organiza-as em função das finalidades, objectivos e
previsões (a curta, média, ou longa distância), escolhendo-se as decisões que
visem o máximo de eficácia e funcionalidade da mesma.

Deste conceito podemos inferir que o planeamento é:


um processo de evolução controlada da realidade, sendo uma necessidade
para todo aquele que queira intervir organizada e racionalmente na evolução
dos factores que condicionam o futuro;
exige o estabelecimento de objectivos a atingir perfeitamente definidos
em quantidade e qualidade;
necessita da aplicação de decisões claras e coerentes aos objectivos
preconizados;
necessita do conhecimento seguro entre a realidade através da qual os
praticantes ou as equipas partiram, e da realidade a que se chegou, de forma
a revelar uma diferença largamente positiva;
deverá permitir a interligação (retroacção) permanente entre o controlo e
a correcção dos desvios.

Sendo, neste contexto, necessário:


reunir o conjunto de factores que influenciam o rendimento dos
praticantes ou das equipas;
optar pelo conjunto de factores, de ordem exógena e endógena,
preponderantes no rendimento dos praticantes ou das equipas, e que podem
ser controlados quer no plano do processo de treino, quer no plano médico,
nutricional, fármaco, etc.;
" Planeamento do treino desportivo • 443

ordenar o conjunto de factores cuja predominância se faz sentir com


maior intensidade em certos períodos do processo de treino;
executar criando as condições mais vantajosas para o desenvolvimento
positivo dos factores escolhidos; e,
controlar corrigindo os desvios às previsões estabelecidas.

2. A natureza do planeamento

A natureza do planeamento evidencia quatro elementos de base que o


constituem:
a orientação para o futuro: o planeamento é uma representação das
operações a levar a cabo pelos praticantes ou pelas equipas tendo em conta,
na sua análise:
a sua situação actual (nível de treino, de rendimento ou de
organização);
os resultados e consequências antecipadas das diferentes acções
estabelecidas e produzidas; e,
as novas configurações desejáveis do rendimento dos praticantes ou
das equipas;
toma o contexto competitivo em consideração: o planeamento promove
as relações entre os praticantes/equipas e o contexto competitivo em que
estão inseridas. Neste sentido, o planeamento deve analisar constantemente:
os adversários, especialmente ao nível do seu rendimento (incluindo as
suas expressões quer ao nível de execução técnica, quer ao nível táctico,
físico e psicológico);
o contexto em que as diferentes competições irão decorrer (e suas
modificações);
a continuidade do processo: o planeamento é um processo contínuo e
global. Com efeito, o planeamento está no centro da dinâmica de uma
organização. Nunca pára. O planeamento é um processo que implica todos
444 • Metodologia do treino desportivo I !

os elementos (praticantes/jogadores, equipa técnica, dirigentes) devendo


assim, todos estar ao corrente das finalidades, objectivos e intenções; e
consubstancia planos para transformação da realidade presente: isto é, o
planeamento deve conduzir a planos que descrevem como passar da
situação actual para uma situação mais desejável.
3. Objectivos do planeamento

O planeamento constrói-se e desenvolve-se num contexto (meio) que se


caracteriza, por um lado, pelo ritmo de mudança e, por outro, pela
complexidade dessa mudança. Estas características (ritmo e complexidade de
mudança) desafiam e provocam o planeamento do treino dos praticantes e das
equipas na sua dinâmica e na sua estruturação.

Nestas circunstâncias, o planeamento ao analisar, definir e sistematizar as


diferentes operações inerentes à construção e desenvolvimento dos praticantes
ou das equipas, fornece o conjunto de meios de base e específicos de
orientação e coordenação das acções de preparação. Com efeito, o papel do
planeamento, em última análise, consiste em fornecer um guia de acção na
organização com vista a facilitar o alcance dos seus objectivos:
incrementando a sua eficácia;
incrementando a sua estabilidade; e,
incrementando a sua adaptabilidade no seio do meio competitivo.

4. A importância do planeamento

A eficácia da preparação dos praticantes e das equipas para a competição passa


indubitavelmente por um planeamento claro, consciente e coerente de
finalidades e objectivos. Neste contexto, quanto mais a preparação for privada
deste esforço de planeamento, maiores serão as possibilidades de proliferação
do acidental, e do casuístico, "se não sabemos para onde caminhamos,
estaremos sempre, qualquer que seja o momento dessa apreciação, num sítio
" Planeamento do treino desportivo • 445

onde não queremos estar". Logo, se o êxito ou inêxito de uma organização,


quer no plano individual (praticante), quer no plano colectivo (equipa), deriva
exclusivamente do acaso, o mérito, e por consequência a responsabilidade do
treinador, e dos praticantes/jogadores que actuam parece estar fora de causa.

Todavia, e em sentido diametralmente oposto, não podemos conter uma


aprovação tácita cada vez que a nossa concepção se realiza, nem uma espécie
de mal-estar intelectual quando se verifica que é falsa. "Assim, se o êxito não é
devido somente ao acaso, (lembramos que este elemento nunca está ausente,
especialmente quando se trata duma actividade humana) é quase impossível
que o seu conhecimento não produza efeitos na apreciação das condições em
que este se realizou" (Clausewitz, 1976).

5. Os níveis de planeamento

Distinguem-se geralmente três níveis de planeamento: o planeamento


conceptual, o planeamento estratégico, e o planeamento táctico.
o primeiro nível caracteriza-se pela construção de um modelo de
praticante ou de jogo, sendo alicerçado em três vertentes fundamentais:
das concepções por parte do treinador, isto é, as suas perspectivas e
ideias;
da análise das particularidades e potencialidades dos praticantes ou
dos jogadores que constituem a equipa; e,
das tendências evolutivas no presente e no futuro da modalidade
desportiva em causa.
Com efeito, o planeamento conceptual traduzido por modelos
consubstancia, em última análise, as linhas de orientação geral e
específica da preparação dos praticantes ou das equipas com vista à
competição, num determinado meio competitivo (por ex: campeonato
nacional, regional, europeu, mundial, etc.);
446 • Metodologia do treino desportivo I !

o segundo nível, o planeamento estratégico, caracteriza-se pela escolha


das estratégias mais eficazes em função de três vertentes fundamentais:
do conhecimento dos praticantes ou da própria equipa;
do conhecimento e do estudo das condições objectivas sobre as quais
se realizará a futura confrontação desportiva. Fazem parte deste, o
conhecimento dos praticantes ou da equipa adversária, e as condições e
circunstâncias em que esta se vai desenrolar; e,
das adaptações a efectuar, sendo função das duas vertentes anteriores,
de forma a criar as condições mais favoráveis aos praticantes ou à própria
equipa durante o confronto competitivo.
o terceiro nível, o planeamento táctico, caracteriza-se pela aplicação
prática, isto é, pelo carácter aplicativo e operativo do planeamento
conceptual e do planeamento estratégico que visa durante o desenrolar da
competição, e em função de um conjunto de factores, a aplicação de certas
medidas especiais tomadas pelo treinador.

planificação
conceptual

planificação planificação
táctica estratégica

contexto competitivo
Figura 75. Os diferentes níveis de planeamento do treino desportivo
" Planeamento do treino desportivo • 447

PARTE V

O PLANEAMENTO DO TREINO DESPORTIVO

Capítulo 1

O planeamento conceptual
448 Conceitos do treino desportivo

Resp: Jorge Castelo

Conteúdo do Capítulo 1 da Parte V

O planeamento é o processo que analisa, define e sistematiza as


diferentes operações inerentes à construção e desenvolvimento dos
praticantes ou das equipas. Organiza-as em função das finalidades,
objectivos e previsões escolhendo as decisões que visem o máximo de
eficácia e funcionalidade da mesma. O planeamento conceptual exprime
o modelo de praticante ou de jogo da equipa, o qual é consubstanciado
a partir da análise dos praticantes ou das equipas no presente, pela
concepção por parte do treinador na qual se incluem as tendências
evolutivas da própria modalidade desportiva, e pela definição das
orientações do trabalho e as vias para atingir os efeitos pretendidos.
" O planeamento conceptual • 449

Metodologia do treino desportivo I


Conteúdo Programático

Conceitos do treino Planeamento Planeamento do Parte V


Parte I desportivo Conceptual treino desportivo

Planeamento
Estratégico
Factores do rendi-
Parte II mento desportivo
Planeamento
Táctico

O exercício de trei- Fundamentos do


Parte III Estrutura do
no desportivo exercício de treino Microestrutura Parte VI
processo de treino
Bases conceptuais
exercício de treino Mesoestrutura

Bases de aplicação
exercício de treino Macroestrutura

Bases de eficácia
exercício de treino
Período Periodizacão do Parte VII
Preparatório treino desportivo

Parte IV Factores do treino O factor técnico Período


desportivo desportivo Competitivo

O factor táctico Período


desportivo Transitório

O factor físico Estudo sobre


desportivo a força O controlo do
treino desportivo Parte VIII
Estudo sobre
a resistência

Estudo sobre
a velocidade

Estudo sobre
a flexibilidade

O treinador
perfil e competências
Parte IX
Organigrama 14
Parte V

O planeamento do treino desportivo

Sumário

Capítulo 1 - O planeamento conceptual


1. Conceito de planeamento conceptual
2. A natureza do planeamento conceptual
3. Objectivos do planeamento conceptual
4. Etapas do planeamento conceptual
4.1. Descrição e análise da situação
4.1.1. O subsistema cultural
450 • Metodologia do treino desportivo I !

4.1.2. O subsistema estrutural


4.1.3. O subsistema metodológico
4.1.4. O subsistema relacional
4.1.5. subsistema técnico-táctico
4.1.6. O subsistema táctico-estratégico
4.1.7. Avaliação da época desportiva anterior
4.2. Descrição do modelo no futuro
4.2.1. Definição de modelo
4.2.2. A natureza do modelo
4.2.3. Objectivos do modelo
4.2.4. Bases para a construção do modelo
4.2.4.1. O responsável pela construção do modelo
4.2.4.2. O factor referencial do modelo
4.2.4.3. As regras fundamentais do modelo
4.2.4.4. Tendências evolutivas do modelo
4.2.5. Determinação dos objectivos da próxima época desportiva
4.3. Elaboração de programas de acção
4.3.1. Reproduzir o modelo
4.3.2. Controlar o processo de evolução individual e colectiva
4.3.3. Definir realisticamente objectivos intermédios

Bibliografia:

BAUER, G., e UEBERLE, H. (1988) Fútbol - Factores de rendimiento


dirección de jugadores y del equipo, Ediciones Martinez Roca, Barcelona
BOMPA, T. (1990) Theory and methodology of training, Kendal/Hunt
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1. Conceito de planeamento conceptual

O planeamento conceptual é definido pelo estabelecimento de um conjunto de


linhas gerais e específicas que procuram direccionar e orientar a trajectória da
preparação do praticante ou da equipa no futuro próximo.
452 • Metodologia do treino desportivo I !

Em última análise, o planeamento conceptual exprime-se num modelo de


praticante ou de jogo da equipa, o qual é consubstanciado a partir da análise
dos praticantes ou das equipas (os seus valores e intenções) no presente, pela
concepção por parte do treinador na qual se incluem as tendências evolutivas
da própria modalidade desportiva pela definição das orientações do trabalho e
as vias para atingir os efeitos pretendidos.

2. Natureza do planeamento conceptual

A natureza do planeamento conceptual consubstancia-se essencialmente no


conhecimento claro do trajecto e da forma de preparação do praticante ou da
equipa que se pretende implementar num futuro próximo. Este facto traduz os
seguintes quatro aspectos fundamentais:
avalia-se profundamente o trajecto do praticante ou da equipa na
temporada competitiva anterior por forma a lançar as bases do trabalho
futuro. Estabelecendo, concomitantemente o objectivo da próxima época
desportiva a partir de pressupostos coerentes e idóneos;
facilita a análise (leitura) e as respostas (soluções) que derivam da
situações quer ao nível do treino, quer ao nível da competição, melhorando
por consequência a comunicação entre os praticantes/jogadores;
aumenta os níveis de motivação dos praticantes/jogadores que se traduz
num melhor empenhamento (atitude) destes, quer no plano individual, quer
no plano colectivo, na execução das tarefas que o treino e a competição em
si encerram; e,
melhora a comunicação entre o treinador e os praticantes/jogadores, por
um lado, o primeiro pode seleccionar os diferentes exercícios de treino
ajustando correctamente a dificuldade e a complexidade destes em função
dos seus níveis de rendimento e, por outro, os segundos compreendem a
necessidade e a importância da sua execução como um meio para atingir os
objectivos delineados para a presente época desportiva.
" O planeamento conceptual • 453

3. Objectivos do planeamento conceptual

Os objectivos fundamentais do planeamento conceptual é o de assegurar:


a construção de um modelo de organização do processo de treino do
praticante ou da equipa, melhorando a sua funcionalidade geral e especial, e
por consequência, o seu rendimento desportivo; e,
o delinear de um trajecto (caminho), através da aplicação de programas de
acção, capazes de atingir o modelo que se pretende num futuro, realizável o
mais cedo possível.

Para que os objectivos estabelecidos sejam concretizados é necessário analisar,


descrever e elaborar os seguintes três aspectos:
analisar quais os principais aspectos positivos e negativos do praticante
ou da equipa (a sua situação actual). Desta análise, para além dos níveis de
rendimento desportivo individual e colectivo, retém-se igualmente os
valores, as intenções e avalia-se o transcurso da temporada desportiva
anterior;
descrever de forma clara e profunda o modelo de praticante ou da equipa
que se pretende atingir no futuro e determina-se os objectivos da próxima
época desportiva. Basicamente este modelo deverá corresponder a três
vertentes fundamentais:
• às concepções do treinador que derivam do seus conhecimentos
teóricos sobre a modalidade, e das suas próprias experiências adquiridas
ao longo da sua actividade profissional;
• as tendências evolutivas da modalidade desportiva; e,
• comparar objectivamente os aspectos individuais e colectivos actuais e
o modelo que se pretende que esta tenha no futuro;
elaborar os programas de acção pragmática que consubstanciam um
processo de evolução controlada da organização do praticante ou da equipa
454 • Metodologia do treino desportivo I !

direccionando-a para um modelo pré-determinado. Definindo


simultaneamente as orientações do trabalho, e os meios e métodos de treino
para atingir os efeitos pretendidos.

4. Etapas do planeamento conceptual

O planeamento conceptual compreende, como se pode depreender do que foi


referido, essencialmente três etapas que, em última análise, se constituem
como três questões fundamentais que qualquer treinador deverá equacionar: i)
o modelo actual do praticante ou da equipa, ii) o modelo que se pretende no
futuro, e, iii) como atingir esse modelo.

Neste sentido, o treinador partindo da análise das características e da estrutura


da actividade competitiva em que está inserido, deverá efectuar de forma
profunda:
a descrição e análise da situação actual do praticante ou da equipa
(incluindo os seus valores e intenções) e a avaliação da época desportiva
anterior;
a descrição do modelo de praticante ou da equipa no futuro e a
determinação clara dos objectivos da próxima época desportiva; e por
último,
a elaboração de planos de acção, isto é, de aplicação prática, que resultam
basicamente dos desvios estabelecidos entre a análise da situação actual e o
modelo a atingir.
4.1. Descrição e análise da situação

Iniciamos o processo de planeamento conceptual por uma análise da situação


actual do praticante ou da equipa. Esta análise, que poderá ser mais ou menos
profunda, procurará definir: i) os seus valores intenções e finalidades
(subsistema cultural), ii) a sua dimensão "estática" e "dinâmica" (subsistema
" O planeamento conceptual • 455

estrutural), iii) a sua coordenação geral (subsistema metodológico), iv) os seus


princípios (subsistema relacional), v) os seus meios ou procedimentos técnicos
de resolução das situações competitivas (subsistema técnico-táctico), vi) o seu
planeamento (subsistema táctico-estratégico) e por último, vii) a análise da
época desportiva anterior.

4.1.1. O subsistema cultural

O subsistema cultural estabelece: i) os valores e as convicções partilhadas


pelos diferentes praticantes/jogadores que aderem a uma visão comum da
equipa, estabelecendo uma direccionalidade às suas atitudes e
comportamentos, ii) o desenvolvimento de um conjunto de condições
normativas construidas dentro da equipa, com a finalidade de manter a sua
coerência interna, iii) o respeito pelas Leis/regras da modalidade que
normalizam e condicionam as atitudes e os comportamentos dos
praticantes/jogadores perante as situações competitivas, e, iv) a compreensão
das regras estabelecidas por um determinada competição desportiva.

4.1.2. O subsistema estrutural

O subsistema estrutural estabelece uma dupla dimensão: "estática" e


"dinâmica". A primeira traduz-se pela racionalização do espaço, através da
aplicação de um dispositivo de base em que os praticantes/jogadores
ocupam o terreno de jogo, estabelecendo as linhas de força unitárias e
homogéneas, que constituem o quadro referencial de redes de comunicação
ou de intercepção das ligações dos adversários. A segunda dimensão do
subsistema estrutural, traduz-se pela racionalização e objectivação do
conjunto de tarefas e missões tácticas de base e específicas, distribuídas aos
diferentes praticantes/jogadores que constituem, em última análise, o quadro
orientador dos seus comportamentos técnico-tácticos.
456 • Metodologia do treino desportivo I !

4.1.3. O subsistema metodológico

O subsistema metodológico exprime a coordenação geral e a sequência de


execução das acções dos praticantes/jogadores durante as diferentes fases da
competição. A análise do referido subsistema fundamenta-se, por um lado,
nos métodos (ofensivos ou defensivos) que por si estabelecem os princípios
de circulação e de colaboração no seio do subsistema estrutural, e por outro,
pela definição de um tempo e um ritmo característico de execução
técnico-táctica.

4.1.4. O subsistema relacional

O subsistema relacional traduz basicamente um conjunto de linhas


orientadoras (denominados princípios), em virtude das quais os
praticantes/jogadores orientam e coordenam as suas atitudes e
comportamentos individuais e colectivos. Com efeito, os princípios
estabelecem um quadro referencial que evidencia a possibilidade: i) de os
praticantes/jogadores atingirem rapidamente a solução táctica para o
problema que a situação competitiva em si encerra, e o facto de se resolver,
pela acção, problemas em plena situação de jogo, levam-nos a obter
conhecimentos subjectivamente novos e, ii) pelo estabelecimento de uma
"linguagem comum". Com efeito, ao assegurar-se constantemente uma
linguagem comum, ou seja um "código de leitura", contribui-se claramente
para de que os praticantes/jogadores ao lerem e valorizarem as situações
competitivas, possam imputar-lhes um significado mais ou menos relevante
e homogéneo em função das necessidades para a sua resolução táctica.
4.1.5. O subsistema técnico-táctico

O subsistema técnico-táctico estabelece os meios - procedimentos - de base


(também denominados de factores) que os praticantes/jogadores quer
individual como colectivamente, accionam durantes as fases e situações
competitivas, com vista à sua resolução eficaz. A sua natureza implica um
" O planeamento conceptual • 457

processo de percepção e análise, solução mental e motora, a qual exige a


participação da consciência e exprime concomitantemente um pensamento
produtor.

4.1.6. O subsistema táctico-estratégico

O subsistema táctico-estratégico expressa-se num planeamento que analisa,


define e sistematiza as diferentes operações inerentes à construção e
desenvolvimento de um praticante ou equipa. Organiza-as em função das
finalidades, objectivos e previsões, escolhendo as decisões que visem o
máximo de eficácia e funcionalidade da mesma.

4.1.7. Avaliação da época desportiva anterior

No início de qualquer planeamento conceptual, o treinador deverá analisar


profundamente o transcurso da temporada competitiva anterior de forma a
lançar as bases do trabalho futuro. Com efeito, dentro de um largo conjunto
de reflexões que o treinador irá efectuar sublinhamos os seguintes:
razões fundamentais do sucesso ou insucesso. Momentos críticos e os
momentos vitoriosos;
tipo de lesões (roturas, distensões, fracturas, etc.), tempo médio de
tratamento e o tempo de inactividade competitiva;
carga de treino e a assiduidade dos praticantes/jogadores;
carga de competição para cada praticante/jogador; e,
comportamento desportivo. Níveis de conflito interpessoal.
No caso de uma equipa de jogos desportivos colectivos:
evolução classificativa da equipa ao longo do campeonato;
as diferentes constituições da equipa, e as particularidades dessas
alterações. Quais as possibilidades de adaptação de cada jogador no
sector defensivo, médios, ou atacante;
458 • Metodologia do treino desportivo I !

tendências da evolução da equipa e dos jogadores, e a sua capacidade


de rendimento;
número de golos, e de que forma foram conseguidos e consentidos;
comportamento desportivo dos jogadores da equipa dentro do terreno
de jogo. Castigos (cartões amarelos, ou vermelhos), as razões destes (a
favor da equipa, por exemplo: evitar que o adversário de posse de bola
progredisse isolado para a baliza, ou contra a equipa, por exemplo:
discutir com o árbitro, agredir o adversário, etc.).

4.2. Descrição do modelo no futuro

"Cada pessoa trás dentro da sua cabeça um modelo mental do mundo, uma
representação subjectiva da realidade externa. Este modelo consiste em
dezenas e dezenas de milhares de imagens: algumas simples, outras,
inferências abstractas do modo como as coisas estão organizadas... O modelo
mental de qualquer pessoa contém algumas imagens que se assemelham de
perto à realidade e outras que são deformadas ou inexactas. Mas para que a
pessoa consiga agir é indispensável que o modelo tenha alguma semelhança
nas suas linhas gerais com a realidade..." (Toffler, 1970).

A planificação conceptual caracteriza-se pela determinação das linhas gerais e


globais de construção do modelo de praticante ou de equipa, isto é, o conjunto
de orientações e regras que uma organização deve ter constituindo-se assim,
como o seu quadro de acção. Concomitantemente estabelece-se a finalidade
objectiva através de um conjunto firme de convicções que guião a preparação.

4.2.1. Definição de modelo

Dentro do domínio científico, um modelo é uma representação simplificada,


sob a forma mais ou menos abstracta (se possível matematizada), de uma ou
várias relações que reúne os elementos de um sistema. Um modelo cria uma
" O planeamento conceptual • 459

rede de interrelações entre as unidades de um conjunto, simulando a


realidade, ou parte dos aspectos dessa realidade que corresponde à
pertinência do ponto de vista adoptado. Em termos gerais Bompa (1990),
define modelo como "uma imitação, uma simulação da realidade
constituída por elementos específicos do fenómeno que se observa ou
investiga". É igualmente, segundo o mesmo autor, "um tipo de imagem
isomorfa", ou por outras palavras, a cristalização de formas fundamentais
(idênticas), da competição, que é obtida através da abstracção, (um processo
mental de generalização a partir de exemplos concretos), desses elementos e
da sua natureza.

4.2.2. A natureza do modelo

Todos nós produzimos e utilizamos modelos analógicos que estabelecem as


relações dos factos que a realidade em si encerra. Da mesma forma os
diferentes treinadores esforçam-se por concretizar um planeamento
conceptual, como ponto de partida essencial e referencial para a orientação
geral da acção do praticante ou da equipa. Com efeito, a natureza do modelo
permite:
por um lado, definir e reproduzir com rigor, todo o sistema de relações
e interrelações que se estabelecem entre os diversos elementos que
consubstanciam a competição desportiva; e,
por outro, a reprodução e aplicação prática de um modelo permite a
possibilidade, a partir das experiências recolhidas de tirar novas
conclusões, por forma a racionalizar e a optimizar novas ideias e
concepções.

4.2.3. Objectivos do modelo

A planeamento conceptual procura, em última análise, consubstanciar uma


maior unidade das respostas que derivam das questões que se estabelecem
460 • Metodologia do treino desportivo I !

das relações dos praticantes/jogadores e a modalidade desportiva, sendo


neste contexto encarado, como uma simulação da realidade, representando-a
à sua semelhança, pois, é constituída por elementos específicos pertencentes
ao fenómeno estudado. Ao reunir-se estes elementos específicos procuramos
estabelecer um triplo objectivo:
compreendê-los melhor;
estabelecer hipóteses sobre o seu comportamento de conjunto
(interdependência dos seus factos); e,
tentar prever as suas modificações (reacções) em função da
variabilidade das situações.

Concluindo, o planeamento conceptual baseia-se na teorização da prática,


estabelecendo:
um sistema explicativo que engloba mesmo de forma provisória, o
máximo de factos observados dentro do domínio da realidade que lhe é
própria, paralelamente;
estabelece e objectiva as linhas gerais orientadoras, ou seja, os pontos
de partida fundamentais que pretendem indicar o "caminho" para um
processo de treino mais eficiente dos praticantes ou das equipas.

4.2.4. Bases para a construção do modelo

As bases para a construção do modelo passa por quatro aspectos essenciais:


a responsabilidade de quem constrói o modelo, o factor referencial da
construção do modelo, as regras fundamentais da construção do modelo e as
tendências evolutivas do modelo de jogo.
4.2.4.1. O responsável pela construção do modelo

A escolha por parte do treinador do modelo, obedece basicamente a um


critério fundamental: a sua concepção que deriva dos seus conhecimentos
" O planeamento conceptual • 461

sobre a modalidade desportiva em causa. Todavia, esta deverá assumir


três características essenciais:
um carácter progressista; isto significa que a concepção deverá
atender às grandes tendências evolutivas da modalidade e às suas
perspectivas de desenvolvimento: no plano dos regulamentos, no
plano técnico, no plano táctico, no plano físico, no plano psicológico,
e no plano social. Neste sentido, as concepções da modalidade
deverão corresponder, ou mesmo ultrapassar, se possível, a orientação
dos melhores praticantes ou das melhores equipas, tanto interna como
internacionalmente;
um carácter adaptativo; a concepção deverá atender à especificidade
das características dos praticantes/jogadores que compõem a equipa,
de forma que estes possam exprimir natural e eficazmente as suas
próprias capacidades e interligá-las. Este carácter adaptativo deve
igualmente ter em perspectiva as transformações (modificações)
pontuais possíveis e as tendências evolutivas da modalidade, para a
construção de um praticante/jogador mais autónomo e mais eficiente,
sendo este encarado como um elemento em constante formação e
evolução; e por último,
a experiência e a capacidade intelectual do treinador são os factores
preponderantes na construção de um modelo. Não se pode implantar
ou executar aquilo que não se sabe, que não se domina com suficiente
segurança. Daí a necessidade de o treinador retirar da sua experiência
e da sua capacidade de equacionar e reflectir constante e
continuamente os elementos fundamentais do modelo e as suas
interdependências.

4.2.4.2. O factor referencial do modelo


462 • Metodologia do treino desportivo I !

"A competição representa não só o ponto referencial do modelo, mas


também a sua componente mais forte"..."a criação de um modelo começa
com uma fase de contemplação, durante o qual o treinador observa e
analisa o actual nível do treino. Seguidamente, é a fase de inferência em
que o treinador baseado nas conclusões das observações decide que
elementos da sua concepção de treino devem ser retirados e os que
devem ser desenvolvidos. O próximo passo, o treinador introduz novos
elementos (1) qualitativos, que se referem aos aspectos da intensidade do
treino, à técnica, à estratégia, à psicologia, e elementos (2) quantitativos,
que dizem respeito aos aspectos do volume de treino, duração e número
de repetições requeridas para automatizar os novos elementos
qualitativos"..."o novo modelo é então testado no treino e depois em
competições de importância secundária. Depois o treinador estabelece
um conjunto de conclusões em função da validade do novo modelo e
estabelece eventuais pequenas alterações. Esta última fase conduz-nos a
um modelo final, que deverá ser aplicado no treino para as competições
importantes" (Bompa, 1990).

4.2.4.3. As regras fundamentais do modelo

O desenvolvimento de um modelo não corresponde a um caminho


continuo e progressivo, mas a um conjunto de roturas entre os modos
sucessivos de explicação do jogo. "Estas roturas são o testemunho da
transposição de obstáculos sobre os quais choca infalivelmente o
espírito humano que ensaia compreender e explicar o mundo à sua
volta" (Bachelard, 1977). Logo, é nossa opinião, à medida que se vai
construindo e desenvolvendo um modelo é necessário submetê-lo à
interrogação sistemática, isto é, vai-se progressivamente construindo,
des-construindo, e reconstruindo. Contudo, face ao extraordinário enredo
da realidade, tal como ela se nos apresenta, é necessário, numa primeira
abordagem, identificar os factos dessa realidade, isolando-os,
" O planeamento conceptual • 463

caracterizando-os e, posteriormente, recolocá-los no seu campo


referencial conferindo à situação a sua identidade, ou seja, o seu sentido e
a sua função.

APLICAÇÃO

MODELO FINAL

o resultado valida o
MODELO

testar o MODELO em competi-


ções de importância secundária

melhorar o MODELO melhorar o MODELO


QUALITATIVO QUANTITATIVO

introduzir novos elementos introduzir novos elementos


QUALITATIVOS QUANTITATIVOS

INFERÊNCIA

CONTEMPLAÇÃO

Figura 76. A sequência do desenvolvimento de um modelo (Bompa, 1990)

Bertrand e Guillement (1988) evidenciam cinco regras fundamentais na


conceptualização de um modelo:
o número de entidades visadas pelo modelo: a probabilidade de
validação do modelo é função do número de elementos visados. Com
efeito, quanto mais elevado é este número mais o modelo tem
hipóteses de ser válido;
o número de atributos: o grau de probabilidades de semelhança do
modelo é função do número de atributos dos elementos considerados
como analógicos. Se dois sistemas têm muitos elementos em comum,
é possível que se assemelhem;
a força da conclusão: quanto mais uma conclusão é afirmativa,
menos hipóteses tem de ser provável. Quanto mais vaga e geral é,
mais hipóteses tem de ser verosível;
o número de diferenças: uma argumentação por analogia
enfraquece-se em função do número de diferenças percebidas entre os
464 • Metodologia do treino desportivo I !

elementos. Quanto maior e mais numerosas forem as diferenças, mais


falha a argumentação e mais provável é a conclusão; e,
a pertinência: é sempre mais interessante comparar coisas parecidas
ou propriedades semelhantes.

4.2.4.4. Tendências evolutivas do modelo

"O desenvolvimento do modelo não é um processo de curta duração"


(Bompa, 1990), ou seja, não basta desenvolver o modelo de hoje, pelo
contrário, é preciso prever o futuro que se consubstancia, no(s) aspecto(s)
que serão predominantes na aceleração dos processos de
desenvolvimento dessa modalidade desportiva. Importa salientar dentro
deste contexto, que não devemos encarar este fenómeno de uma forma
estática, mas sim fazendo da mudança um princípio heterogéneo, de
forma que se traduza para qualquer observador imparcial a apreensão
instantânea e artificial de uma realidade móvel. Porquanto esta análise
não é mais que a intersecção no tempo e no espaço dos processos em vias
de mudança e desenvolvimento, sendo impossível captar esses factos se
não compreendermos os processos que lhe são inerentes, os quais
podemos distinguir dois tipos:
os que se repetem ciclicamente;
e os acumulativos, ou direccionais, que se produzem num nível
"histórico/progressivo" de transformação do sistema.

Com efeito, estes dois processos são recorrentes, isto é, encontram-se


misturados em proporções diversas dentro do contexto das modalidades,
a rede de ligação entre os factores de competição (técnico-tácticas,
físicas, psicológicas e sociológicas), é tão apertada que as consequências
de qualquer alteração de uma delas, tem de ter de imediato repercussões
em todas as outras.
4.2.5. Determinação dos objectivos da próxima época desportiva
" O planeamento conceptual • 465

Analisada a época desportiva transacta, estabelecido o modelo, o


treinador determinará qual o objectivo real para a próxima época
desportiva. Partindo de pressupostos coerentes e idóneos é possível
estabelecer objectivos que não sejam constantemente mudados, quer no
plano positivo como negativo, ao longo do decorrer da competição. Os
presentes objectivos devem ser posteriormente transmitidos aos
praticantes/jogadores, por forma que estes saibam quais os níveis de
expectativa a que a análise do seu trabalho estará sujeito, e que estes
façam coincidir os seus objectivos pessoais com os objectivos colectivos.

4.3. Elaboração de programas de acção

Esta fase do planeamento conceptual consubstancia-se no estabelecimento, e


construção de planos de intervenção pragmática, que procuram direccionar o
trabalho do treinador com o objectivo de fazer aproximar o mais rapidamente
possível, a análise dos praticantes ou das equipas em tempo real, com a
conceptualização do modelo no futuro. Com efeito, o treinador ao estabelecer
um programa de trabalho direcção a um modelo a atingir no futuro, mobilizará
a sua intervenção ao maior número de factores condicionantes do rendimento
desportivo no presente e, seleccionará os meios necessários, dando forma e
transmitindo conteúdo à organização que se pretende atingir.

A presente terceira etapa do planeamento conceptual evidencia na sua essência


três aspectos fundamentais na elaboração dos programas de acção: reproduzir o
modelo de do praticante ou da equipa a atingir no futuro, controlar o processo
de evolução dos praticantes ou dos jogadores da equipa, e por último, definir
de forma realística objectivos intermédios.

4.3.1. Reproduzir o modelo


466 • Metodologia do treino desportivo I !

Aspecto fundamental e característico da elaboração dos programas de acção,


é que estes devem reproduzir de forma sistemática o modelo a atingir no
futuro, que por sua vez e como referimos, deve reproduzir a actividade
competitiva em que o praticante ou a equipa está inserida. Desta forma
seleccionam-se meios, métodos e condições de treino que exercem sobre o
organismo dos atletas um estímulo eficaz que dê resposta aos problemas
ligados à melhoria funcional (biológica), técnica, táctica, e psicológica, quer
no plano individual, quer no plano da equipa no seu conjunto.

Do referido, não significa que em certos momentos da preparação do


praticante ou da equipa, não se privilegie programas de acção com direcção
unilateral, isto é, a utilização de programas que compreendem a utilização
de meios e métodos que estão principalmente dirigidos para a resolução de
um problema concreto, qualquer que este seja, que no plano do
aperfeiçoamento de uma dada situação competitiva, como no
desenvolvimento de uma certa capacidade condicional.

4.3.2. Controlar o processo de evolução individual e colectiva

Os programas de acção exprimem, na sua essência, um processo de


evolução controlada do praticante e da equipa intervindo racionalmente na
evolução dos factores que condicionam a sua eficácia. Estabelece-se desta
forma um conjunto de critérios que direccionam o seu funcionamento e o
seu desenvolvimento, retirando simultâneamente, o carácter casuístico do
processo de treino, substituindo-o por uma sistematização que prevê a
direccionalidade para o futuro. Por outras palavras, procura-se que o
elemento resultante da actividade cuidadosamente organizada se
sobreponham aos acidentais e tendam a eliminar por completo estes últimos.

4.3.3. Definir realisticamente objectivos intermédios


" O planeamento conceptual • 467

A elaboração de programas de acção deverá definir de forma precisa e


realística objectivos intermédios, em quantidade e qualidade, os quais
quando atingidos constituem uma base segura para confirmar ou redefinir os
referidos programas. Estabelece-se assim a importância da interligação
(retroacção) permanente entre o controlo e a correcção dos desvios entre o
modelo actual e o modelo a atingir. Neste contexto, a definição de
objectivos intermédios exige paralelamente, uma rigorosa forma de recolha
da avaliação dos resultados da acção dos praticantes ou da equipa.

Basicamente os objectivos intermédios poderão ser confinados a três níveis


fundamentais:
objectivos por etapas: que é consubstanciado por um determinado tempo
de treino do praticante ou da equipa, normalmente o mais utilizado são a(s)
semana(s) ou o(s) mês(es);
objectivos correntes: que é determinado por uma ou mais sessões de
treino realizados pelo praticante ou pela equipa;
objectivos operacionais: que é determinado pelo(s) exercício(s)
fundamentais ao rendimento do praticante ou da equipa, realizados
durante a sessão ou sessões de treino.
PARTE V

O PLANEAMENTO DO TREINO DESPORTIVO

Capítulo 2

O planeamento estratégico

Resp: Jorge Castelo


468 • Metodologia do treino desportivo I !

Conteúdo do Capítulo 2 da Parte V

O conteúdo deste Capítulo desenvolve os aspectos inerentes ao


planeamento estratégico que consubstancia a elaboração de planos
estratégicos de intervenção traduzindo-se em modificações pontuais e
temporárias (funcionalidade especial) da expressão táctica de base da
equipa, isto é, da sua funcionalidade geral, que se estabelecem em
função dos conhecimentos e do estudo das condições objectivas sobre
as quais se realizará a futura confrontação desportiva.

Metodologia do treino desportivo I


Conteúdo Programático

Conceitos do treino Planeamento Planeamento do Parte V


Parte I desportivo Conceptual treino desportivo

Planeamento
Estratégico
Factores do rendi-
Parte II mento desportivo
Planeamento
Táctico

Parte III O exercício de trei-


no desportivo
Fundamentos do
exercício de treino Estrutura do
Microestrutura Parte VI
processo de treino
Bases conceptuais
exercício de treino
Mesoestrutura

Bases de aplicação
exercício de treino Macroestrutura

Bases de eficácia
exercício de treino
Período Periodizacão do Parte VII
Preparatório treino desportivo

Parte IV Factores do treino O factor técnico Período


desportivo desportivo Competitivo

O factor táctico Período


desportivo Transitório

O factor físico Estudo sobre


desportivo a força O controlo do
treino desportivo Parte VIII
Estudo sobre
a resistência

Estudo sobre
a velocidade

Estudo sobre
a flexibilidade

O treinador
perfil e competências
Parte IX

Organigrama 15
" O planeamento estratégico • 469

Parte V

O planeamento do treino desportivo

Sumário

Capítulo 2 - O planeamento estratégico


1. Conceito de planeamento estratégico
2. Natureza do planeamento estratégico
3. Objectivos do planeamento estratégico
4. Meios do planeamento estratégico
5. Princípios de orientação do planeamento estratégico
6. Limites do planeamento estratégico
7. Etapas do planeamento estratégico
7.1. Recolha dos dados
7.1.1. As particularidades dos outros factores de treino
7.1.2. A qualidade dos adversários
7.1.3. A qualidade do treinador adversário
7.2. Comparação das forças
7.3. Elaboração do plano táctico-estratégico
7.3.1. A orientação geral do jogo colectivo
7.3.2. A adaptação dos métodos de jogo da equipa
7.3.3. Planear acções tácticas diferentes
7.3.4. Constituição da equipa
7.3.5. Distribuição das missões tácticas
7.4. Elaboração do programa de preparação
7.4.1. Número, duração, gradação, das sessões de treino
7.4.2. A construção dos exercícios de treino
7.5. Experimentação do plano táctico-estratégico
7.6. A preparação nas horas que antecedem a competição
7.6.1. A concentração para a competição
7.6.2. O último treino antes da competição
7.6.3. Reunião de preparação para a competição
7.6.4. Aquecimento para a competição
7.6.5. O regresso à calma
7.7. Reunião de análise da competição
470 • Metodologia do treino desportivo I !

Bibliografia:

BAUER, G., e UEBERLE, H. (1988) Fútbol - Factores de rendimiento


dirección de jugadores y del equipo, Ediciones Martinez Roca, Barcelona
CASTELO, J. (1994) Futebol - modelo técnico-táctico do jogo, Edições FMH,
Universidade Técnica de Lisboa
CASTELO, J. (1995) Futebol - A organização do jogo, Edição do autor ,
Lisboa
TEODORESCU, L. (1984) Problemas de teoria e metodologia nos desportos
colectivos, Livros Horizonte, Lisboa
TEODORESCU, L. (1987) Orientações e tendências da teoria e metodologia
de treino nos jogos desportivos, Futebol em revista, 4ª série, nº 23, 37:45,
junho
" O planeamento estratégico • 471

1. Conceito de planeamento estratégico

A planificação estratégica é consubstanciada pela elaboração de planos


estratégicos de intervenção que se traduzem em modificações pontuais e
temporárias (funcionalidade especial) da expressão táctica de base do
praticante ou da equipa, isto é, da sua funcionalidade geral, que se estabelecem
em função dos conhecimentos e do estudo das condições objectivas sobre as
quais se realizará a futura confrontação desportiva.

Para Wrzos (1980), a estratégia "representa o reagrupamento e aplicação de


todos os procedimentos com o objectivo de atingir um objectivo fixado. Uma
das principais tarefas estratégicas consiste em estudar as condições e o
carácter da futura confrontação desportiva e elaborar os métodos para a sua
condução". O mesmo autor acrescenta que os sistemas de jogo e a táctica
constituem os principais factores estratégicos. Carvalho (1986) define
estratégia como "a arte de conceber, desenvolver e utilizar meios para realizar
objectivos, vencendo resistências e oposições. Estratégia tem então a ver com
a mobilização de recursos para realizar objectivos em ambiente ou cenário
hostil. Pode ser considerado uma arte, uma vez que, tanto na escolha entre
várias opções cientificamente possíveis, como na sua realização, o factor
humano tem uma palavra a dizer, e muito importante".

2. Natureza do planeamento estratégico


472 • Metodologia do treino desportivo I !

A natureza da planificação estratégica radica-se no facto, que quando os


praticantes/jogadores, quer no plano individual quer colectivo, são advertidos
para as condições objectivas da futura competição, e especialmente para as
particularidades deste ou daquele adversário, das combinações e esquemas
tácticos executados pela equipa, a sua percepção e análise da situação
encontra-se favoravelmente influenciada, facilitando e acelerando a resposta
adequada.
3. Objectivos do planeamento estratégico

O objectivo fundamental e único da planificação estratégia, é o de assegurar as


modificações pontuais e temporárias da intervenção dos praticantes ou da
funcionalidade geral da equipa, adaptando-as em função das condições e da
especificidade em que a próxima confrontação desportiva irá decorrer. Estas
adaptações estabelecem-se a partir, entre outras, da identificação e
caracterização do(s) adversário(s), do terreno de jogo, das circunstâncias que
rodeiam a competição, etc. Pretende-se, neste sentido, obrigar o(s)
adversário(s) a competirem em condições desfavoráveis e vantajosas para o
próprio praticante ou equipa, ou por outras palavras, criar-se situações e
condições competitivas que evidenciem as carências de preparação física,
técnica, táctica e psicológica, minimizando ou anulando, neste contexto, os
aspectos mais eficientes do(s) adversário(s).
4. Meios (condicionantes favoráveis) do planeamento estratégico

4.1. Gerais

Basicamente, os meios gerais a ter em atenção para a conceptualização de


uma planificação estratégia, passam por três vertentes fundamentais:
o conhecimento mais ou menos aprofundado do(s) adversário(s) ou da
equipa adversária, isto é, ter um conhecimento correcto das
potencialidades (pontes fortes), tentando minimizá-los e das
vulnerabilidades (pontos fracos) para tirar partido destes. Este
conhecimento ou "informações" relativas ao adversário, é por
" O planeamento estratégico • 473

consequência a base sobre os quais se irá fundamentar efectivamente as


nossas próprias ideias e o nosso planeamento estratégico.
às circunstâncias em que se vai desenrolar competição, que passa pelos
seguintes aspectos:
entrevistas (directores, treinadores, jogadores, etc.);
as condições climatéricas - chuva, vento, calor, etc.;
o árbitro - critérios subjacentes ao seu trabalho;
o público - apoiantes ou não, etc.
4.2. Específicos

Qualquer das equipas não têm nenhuma possibilidade de conhecer todas as


circunstâncias que ditam as medidas que se estabelecem para a elaboração
do planeamento estratégico. E, ainda que conhececem essas circunstâncias,
a sua extensão e complexidade são tais que seria sempre impossível
adequar-lhes todas as medidas, deste modo, as nossas disposições terão
sempre de se adoptar a um certo número de possibilidades.

Neste sentido, os meios específicos do planeamento estratégico


consubstanciam-se num único aspecto:
prever as possíveis alterações ou variantes, que poderão surgir ao
longo da competição, por parte do(s) adversário(s), ou seja, estabelecer
um conjunto de cenários possíveis, se os seus objectivos tácticos não
estiverem a ser cumpridos. Este aspecto determina igualmente a
preparação do treinador para a possibilidade de aplicar certas medidas
especiais durante a competição.

Concluindo, quando se pensa nas inúmeras circunstâncias insignificantes


que afectam uma simples situação competitiva e que, deveriam ser tomadas
em consideração, vê-se que não há processo de fazer de outro modo que
deduzir de um para outro caso e sustentar essas disposições na generalidade
e no provável. É necessário ter em atenção que a competição, na sequência
474 • Metodologia do treino desportivo I !

de inúmeras contingências secundárias que nunca podem ser examinadas em


particular, podendo tornar efectivamente uma planificação estratégica ficar
aquém dos objectivos pretendidos.

5. Princípios de orientação do planeamento estratégico

O princípio de orientação geral do planeamento estratégico baseia-se no facto


de esta ser só aplicada para aquela competição, contra aquele adversário e
perante as circunstâncias no momento do encontro. É no desenvolvimento do
plano semanal de treinos (microciclo), que o treinador determinará quais os
aspectos principais que deverão ser modificados e readaptados em função do
conhecimento das condições em que a competição se realizará, de forma a
concretizar os objectivos definidos pelo praticante ou pela equipa.

6. Limites do planeamento estratégico

O planeamento estratégico que se fundamenta nas diferentes adaptações


temporárias da intervenção dos praticantes ou da funcionalidade geral da
equipa, deve ter como limites de aplicação as seguintes vertentes:
devido à sua própria incapacidade não encontrar no seu seio os
argumentos técnicos, tácticos, físicos e psicológicos fundamentais para esse
aproveitamento de uma forma global e concertada, mas sim somente em
certos aspectos particulares; e/ou,
as modificações pontuais e temporárias necessárias na preparação dos
praticantes ou da equipa (funcionalidade específica), serem de tal ordem que
" O planeamento estratégico • 475

afectam de forma irredutível a sua funcionalidade de base (geral) a qual põe


em causa a sua própria eficácia.

Pois, tal como foi referido, o objectivo deste planeamento é de criar as


condições desfavoráveis para os adversários e vantajosas para o próprio
praticante ou equipa e não ao contrário. Logo, não deverá ser um elemento
perturbador, mas sim catalizador de um melhor rendimento destes. Nestas
circunstâncias, poderá não haver qualquer tipo de vantagens de se procurar
aproveitar os aspectos menos positivos dos adversários.
7. Etapas do planeamento estratégico

Basicamente, o planeamento estratégico pode ser dividida pelas seguintes oito


etapas:
a recolha de dados;
a comparação das forças;
a elaboração do plano táctico-estratégico, que engloba:
a orientação geral do jogo colectivo;
a adaptação dos métodos de jogo da equipa em função das
particularidades da expressão táctica adversária;
planear acções tácticas diferentes de forma a surpreender o adversário;
a constituição da equipa; e,
a distribuição das missões tácticas;
reunião de reconhecimento do adversário;
elaboração do programa de preparação para o ciclo de treino, que
engloba:
número, duração, gradação, e objectivos fundamentais das sessões de
treino;
construção de exercícios de treino para o ciclo de preparação para a
competição;
a experimentação do plano táctico-estratégico;
a preparação da equipa nas horas que antecedem o jogo, que engloba:
476 • Metodologia do treino desportivo I !

a concentração para o jogo;


o último treino da equipa antes do jogo;
a reunião de preparação para o jogo;
o aquecimento para o jogo;
o regresso à calma; e,
a reunião de análise do jogo.

7.1. Recolha dos dados

A recolha dos dados é a primeira etapa do planeamento estratégico através


da qual o treinador compila as informações necessárias para conhecer e
caracterizar o adversário ou a equipa adversária bem como os elementos que
a constituem. Concomitantemente, analisará as condições em que a
competição irá ser realizada. Para que isto seja efectivamente concretizado
utiliza-se as seguintes fontes de informação (que requerem gastos
monetários diferenciados):
fichas de observação cujo conteúdo e forma são diversas, dependendo
do que se pretende avaliar;
observação através de meios audiovisuais (filmes, vídeo, etc.);
os comentários da imprensa desportiva;
as trocas de impressões com outros treinadores das equipas que já
jogaram com a equipa que nos interessa; ou,
organizar observações directas por parte do treinador.

Devido à importância desta etapa do planeamento estratégico iremos


analisá-la subdividindo-a nas seguintes três vertentes: i) as particularidades
dos factores de treino, ii) a qualidade dos adversários e, iii) a qualidade do
treinador adversário.
" O planeamento estratégico • 477

7.1.1. As particularidades dos factores de treino

Se os adversários ou a equipa adversária apresenta problemas ao nível da


condição física, então é importante estabelecer condições em que as
situações de competição sejam realizadas a ritmos elevados, através de
uma variação sequencial da velocidade de execução dos comportamentos
individuais e colectivos, de forma a evidenciar estas carências de
preparação.

Noutro sentido, se a equipa adversária apresenta uma condição


psicológica diminuta, é fundamental estabelecer condições de jogo que
obrigue os adversários a entrar em crise de raciocínio táctico expondo-os
a respostas tácticas não conducentes com as situações competitivas, e
criar inclusivamente "cenários" de conflitualidade com os adversários, de
forma que estes tenham cada vez mais, um entendimento menos lúcido
dessas mesmas situações.

7.1.2. A qualidade dos adversários

É fundamental ter uma informação o mais completa possível dos


adversários e reconhecer as suas qualidades predominantes no plano
técnico, táctico, físico e psicológico. No que concerne à equipa
adversária é igualmente importante ter o conhecimento do valor dos
jogadores suplentes, pois, é possível prever as diferentes opções que o
treinador detém no planeamento táctico, de forma a alterar o curso dos
acontecimentos através da possibilidade de aplicar certas medidas
especiais durante o jogo, que são dinamizadas pela utilização destes
jogadores em qualquer momento.

7.1.3. A qualidade do treinador adversário


478 • Metodologia do treino desportivo I !

As informações referentes às qualidades do treinador adversário são


igualmente importantes, tanto na concretização eficaz de um
planeamento estratégico dos nossos praticantes ou da nossa equipa, como
também, na sua aplicação no planeamento táctico, isto é, durante o
decorrer da competição.

A importância destas informações derivam fundamentalmente de um


conhecimento da personalidade e das características do comportamento
do treinador adversário. Estes conhecimentos indiciam um conjunto de
hábitos, que estabelecem, por um lado, concepções estratégicas que
durante a competição se transformam em acções tácticas operativas e,
por outro, definem a sua filosofia de interpretar as circunstâncias em que
irá decorrer a competição, e o nível de importância que ele lhes atribui.

Neste contexto, podemos afirmar, a existência de duas filosofias de base


dos treinadores:
num sentido, é fácil admitir que certos treinadores
independentemente do adversário, do momento do período
competitivo, da classificação das equipas em confronto, etc., não
estabelecem qualquer tipo de modificações (pontuais e temporárias) à
funcionalidade geral e específica do praticante ou da equipa, por
forma a adaptar eficientemente (tirando todas as vantagens e
desvantagens inerentes a este processo) a expressão táctica do
praticante ou da sua equipa à expressão táctica do adversário. Estes
treinadores procuram, em última análise, manter os padrões de
eficácia anteriormente atingidos e evitar qualquer tipo de
modificações que poderiam, em sua opinião, prejudicar essa eficácia,
constituindo-se, neste caso, como um elemento perturbador do
rendimento do praticante ou da equipa;
" O planeamento estratégico • 479

noutro sentido, existem treinadores que por natureza e formação


"reagem" aos conhecimentos que obtêm das circunstâncias em que a
competição irá decorrer, dando assim importância à expressão táctica
do adversário. Partindo destes conhecimentos, procuram elaborar as
melhores soluções de adaptação (pontual e temporária) da sua própria
equipa, à funcionalidade geral e específica do adversário, por forma
que esta seja expressa em condições o mais desfavoráveis possível.
Partindo desta filosofia, o treinador pode para além de uma ou outra
alteração pode estabelecer numa ou noutra situação, outras soluções
tácticas por forma a surpreender o adversário, aumentando, com
efeito, e na sua opinião, a eficácia e os índices de rendimento do
praticante ou da equipa.
7.2. Comparação das forças

Da mesma forma que é importante ter um conhecimento exaustivo, quanto


possível dos adversários ou da equipa adversária, esta etapa de planeamento
estratégico - comparação das forças - pressupõe da mesma forma a
existência de dados coerentes e exaustivos respeitantes às particularidades
dos próprios praticantes ou da equipa, Recolhidos basicamente, sob os
mesmos critérios utilizados para a apreciação dos adversários. Com efeito,
só assim é possível efectuar-se uma comparação objectiva dos praticantes
que irão competir.

A comparação das forças é uma operação muito importante, pois é esta que
irá determinar:
as adaptações e modificações no plano estrutural;
as adaptações e modificações no plano metodológico;
as adaptações e modificações no plano técnico-táctico;
o conteúdo da preparação dos praticantes ou da equipa no respectivo
ciclo de treino, isto é, as acções a serem desenvolvidas;
480 • Metodologia do treino desportivo I !

o plano táctico-estratégico colectivo, onde se determina quais os


aspectos fundamentais para o sucesso no jogo;
a escolha dos elementos que irão constituir a equipa;
as missões tácticas individuais (especiais) dos jogadores; e,
o comportamento global da equipa.

7.3. Elaboração do plano táctico-estratégico

Estabelecida a comparação de forças o treinador passará a uma fase na qual


determinará o(s) aspecto(s) principal(is) para o sucesso na competição.
Neste sentido, o treinador a partir da análise objectiva dos dados
anteriormente referidos, irá elaborar o plano táctico-estratégico cuja
elaboração providencia a obtenção de dados sobre quatro aspectos
fundamentais:
a possibilidade de o treinador no mesmo momento que define a melhor
preparação possível para os seus praticantes ou para a sua equipa,
prepara-se teórica e mentalmente para a competição estabelecendo quais
as respostas tácticas mais rápidas, mais racionais e mais eficazes às
questões formuladas pelo treinador e pelos adversários durante a
competição;
avaliará as divergências verificadas entre o plano táctico concebido e
as situações que surgem durante a competição podendo-se assim aferir a
metodologia de preparação, no que diz respeito à sua eficácia e às suas
deficiências;
avaliará o grau de identidade entre o plano proposto aos
praticantes/jogadores e a sua aplicação por estes durante a competição; e
a,
utilização de todos estes elementos para a etapa de reunião de análise
da competição.
" O planeamento estratégico • 481

Devido à importância desta etapa do planeamento estratégico iremos


analisá-la subdividindo-a nas seguintes cinco vertentes: i) orientação geral
do jogo colectivo, ii) adaptação dos métodos de jogo da equipa em função
das particularidades da expressão táctica adversária, iii) planear acções
tácticas por forma a surpreender o adversário, vi) constituição da equipa e,
v) distribuição das missões tácticas.

7.3.1. A orientação geral do jogo colectivo

Nesta etapa o treinador estabelece fundamentalmente qual das fases do jogo


(ataque ou defesa) constituirá o aspecto principal para se atingir a vitória, ou
os objectivos da equipa e, consequentemente, se a organização da defesa
subordinar-se-à à organização do ataque ou se deverá ser ao contrário.
Segundo Teodorescu (1984):
se a equipa, na sequência de uma avaliação correcta, é capaz de tomar
e manter a iniciativa do jogo, o ataque terá carácter prioritário (se nada
houver em contrário: por exemplo não haver necessidade absoluta de
vencer o confronto), tornando-se a orientação geral do jogo colectivo,
isto é, a parte fundamental e a defesa subordinar-se-à à organização e
desenvolvimento do ataque;
se pelo contrário a equipa adversária é aquela que normalmente terá a
iniciativa, neste caso a parte fundamental da orientação táctica será a
defesa e, em função da sua organização e tarefas, assim funcionará o
ataque;
se a equipa adversária é desconhecida a fixação da parte fundamental
torna-se mais complexa. No entanto recomenda-se que a equipa tome e
mantenha a iniciativa do jogo desde o seu início por forma a surpreender
o adversário, sem contudo, descuidar o equilíbrio e a organização
defensiva por forma a consolidar os sucessos do ataque.

7.3.2. A adaptação dos métodos de jogo da equipa em função das particularidades da


expressão táctica adversária
482 • Metodologia do treino desportivo I !

Uma vez estabelecido o pressuposto anterior, o treinador fará a adaptação


dos métodos de defesa e ataque, tomando em consideração as
particularidades do adversário. Esta adaptação dos métodos deverá ser
concebida pensando que o adversário irá utilizar o mais incomodo ataque e
a mais eficaz defesa contra a nossa equipa.

7.3.3. Planear acções tácticas diferentes de forma a surpreender o adversário

Uma vez que o planeamento estratégico é representado pelo processo


metodológico de preparação dos praticantes ou das equipas para a
competição, em função dos conhecimentos que temos dos adversários, não é
exclusivo de um só treinador, nem de uma só equipa, mas pelo contrário
esta encontra-se dessiminada a diferentes níveis por quase todos os
treinadores. Não será de admirar que o conhecimento dos diferentes
praticantes ou das diferentes equipas por parte dos diferentes treinadores
numa dada competição desportiva seja basicamente igual.

Podemos assim afirmar que num determinado confronto, existe como que
um conhecimento recíproco dos praticantes ou das equipas. Esta realidade
apresenta todas as vantagens em tentar-se, simultaneamente à elaboração do
plano táctico estabelecer, mesmo que hipoteticamente, algumas medidas e
acções diferentes que constituir-se-ão acções surpresa contra o adversário.
"Mais ainda, existem reais possibilidades de antecipar as prováveis
variantes do comportamento técnico-táctico individual e colectivo dos
adversários, levando-os a reagir dum certo modo que lhes seja
desfavorável, mas por outro lado, muito vantajoso para a própria equipa"
(Teodorescu, 1984).

Isto acontece porque as acções dos jogadores em jogo estão ligadas


intrinsecamente a uma antecipação constante e múltipla. Esta fundamenta-
se, por um lado, na tomada de informação da situação e, por outro, das
" O planeamento estratégico • 483

experiências tácticas armazenadas dos jogadores nas quais se inclui as


directrizes formuladas pelo treinador em relação aos conhecimentos da
equipa e dos jogadores adversários, predispondo-os para a possibilidade de
uma rápida antecipação da continuidade e desenvolvimento dessa situação.
Como referimos, quando os jogadores são advertidos para as
particularidades deste ou daquele adversário, das combinações e esquemas
tácticos, a sua percepção e análise da situação encontra-se favoravelmente
influenciada, o que facilita e acelera a resposta adequada.

Todavia, o processo de antecipação do desenvolvimento de qualquer


situação momentânea de jogo, não tem só aspectos positivos. É neste sentido
que a modificação de uma determinada situação posta em prática no
decorrer do jogo e em resposta ao plano táctico do adversário, pode acarretar
igualmente aspectos negativos para os jogadores adversários, inerentes à
incorrecta operação do fenómeno de análise que, no seu contexto global será
mais ou menos elevada consoante a conjectura da situação de jogo em que
esta se verifica. Com efeito, é de todo conveniente o treinador prever
soluções para estas hipotéticas acções e prepará-las nos treinos com vista à
sua aplicação na competição.

7.3.4. Constituição da equipa

Uma vez elaborado o plano táctico-estratégico, o treinador,


fundamentalmente no domínio dos jogos desportivos colectivos,
determinará a constituição da equipa que considera capaz de o aplicar. É
preciso ter em mente, que a constituição da equipa é uma das "áreas mais
sensíveis" da dialéctica resultante entre o grupo de jogadores que formam a
equipa, e o treinador que é o responsável máximo pela gestão desses
recursos humanos. Todavia, o treinador deve aperceber-se que a
484 • Metodologia do treino desportivo I !

constituição da equipa é um fenómeno que fascina a larga maioria das


pessoas, que sentem que são capazes de a indicar a qualquer momento sob
quaisquer circunstâncias.

A constituição de uma equipa é objectivada, por um lado, pela


direccionalidade das diferentes actividades essenciais dos jogadores e, por
outro, pela integração e coerência interna do grupo através de orientações
claras. A escolha dos jogadores que irão fazer parte da equipa para um
determinado confronto, não pode fugir aos aspectos evidenciados por estes
objectivos. Logo, a constituição da equipa deverá passar, numa primeira
análise, por dois critérios básicos (Teodorescu, 1984):
o primeiro é consubstanciado pela escolha e distribuição por lugares no
contexto dos sectores (defensivo, médio e atacante) da equipa, em função da
necessidade de assegurar a funcionalidade da táctica de base da equipa;
o segundo é traduzido pela escolha de jogadores que estabelecem a
adaptação da funcionalidade de base da equipa em função das características
da expressão táctica da equipa adversária, conferindo-lhe uma
funcionalidade específica, com carácter temporário (só para aquele jogo).

Para além dos critérios fundamentais acima referidos dever-se-à tomar


igualmente em consideração os seguintes aspectos:
o estado de capacidade de rendimento óptimo que os diferentes jogadores
se encontram, isto é, a sua forma desportiva;
a personalidade dos jogadores, que se expressa nas relações e
interrelações de cooperação e de oposição com os companheiros e
adversários, num quadro complexo em virtude das suas funções específicas
e da variabilidade-imprevisibilidade das diferentes situações de jogo. Com
efeito, esta dimensão psicológica assume uma dimensão particular na
eficácia da funcionalidade da equipa; e,
a ligação entre os jogadores quer do ponto de vista social, mas
principalmente no que se refere à compreensão e resolução táctica das
" O planeamento estratégico • 485

situações de jogo. Utilizando para isso os mesmos princípios orientadores


que coordenam as atitudes e comportamentos técnico-tácticos. "Se todos os
membros de uma equipa tivessem uma formação idêntica existiria entre eles
uma compreensão quase cega..." (Mahlo, 1966);

Importa referir, que embora a constituição da equipa de base para o jogo


seja estabelecido na sua globalidade alguns dias antes da competição, isso
não significa que esta é inalterável. Com efeito, é importante ao longo do
ciclo de preparação da equipa (microciclo de treino) reavalie-se
constantemente a equipa em termos colectivos e individuais, e as opções
que derivam não só da capacidade dos jogadores considerados suplentes,
mas também do seu empenhamento neste e nos períodos de preparação
anteriores. Consequentemente, as decisões tomadas pelo treinador, no que
concerne à constituição da equipa deverão ser realizadas de forma isenta,
não manifestando qualquer preferência individual. Neste contexto, todas as
decisões deverão ser tomadas a partir de factos concretos e critérios
definidas (no plano conceptual, por exemplo). Assim, a consistência interna
de uma equipa será tanto maior quanto as decisões forem tomadas a partir
da coerência dos factos e não baseados nas pessoas (jogadores), ou por
outras palavras, nada destrói tão facilmente a coerência interna do grupo se
as orientações no que se refere à constituição da equipa não se basearem em
atitudes e comportamentos coerentes por parte do treinador. Paralelamente é
necessário que todos estejam conscientes, a qualquer momento, que a
constituição da equipa é (foi) decidida com a clara intenção de se atingir o
melhor resultado possível. "Uma constituição justa não é necessariamente a
mais acertada. Uma equipa acertada não é necessariamente justa. Antes do
jogo se realizar há que actuar com critérios de justiça e coerência, se foi ou
não acertada só no final do jogo se verá" (Bauer e Ueberle, 1982).

7.3.5. Distribuição das missões tácticas


486 • Metodologia do treino desportivo I !

Estabelecido o plano táctico-estratégico, e a constituição da equipa, o


treinador deverá distribuir as:
missões tácticas individuais; para as quais deverá ter em conta as
particularidades e as capacidades dos jogadores escolhidos, procurando
realçar o seu valor; e as,
missões tácticas colectivas; que visam a coordenação das acções de 2
ou 3 jogadores procurando:
minimizar a eficácia técnico-táctica de um ou mais adversários; ou,
tirar vantagem de um aspecto menos positivo de um certo espaço de
jogo ou de um adversário.

Por último, todas as missões tácticas atribuídas deverão ser do


conhecimento de todos os elementos da equipa (incluindo os suplentes)
contribuindo-se assim, para um melhor entendimento mútuo entre os
jogadores. Neste circunstâncias, é possível para qualquer jogador em
qualquer momento do jogo, ocupar rápida e espontaneamente um lugar e
uma missão táctica de um seu companheiro mantendo a dinâmica
organizativa da equipa. Muda-se assim momentaneamente de lugar e
funções, mas nunca de responsabilidades, organização, e solidariedade.

7.4. Reunião de reconhecimento do adversário

A reunião de reconhecimento do adversário constitui-se como a primeira etapa


de carácter teórico do planeamento estratégico de preparação do praticante ou
da equipa para a competição, e visa essencialmente, tal como a sua
denominação indica, dar a conhecer aos praticantes/jogadores, através da
palavra do treinador, os aspectos considerados mais pertinentes da organização
do adversário.
" O planeamento estratégico • 487

7.4.1. Importância da reunião

A importância desta reunião decorre do facto de quando os


praticantes/jogadores são advertidos para as características dos adversários
directos, poderão percepcionar/analisar a situação competitiva mais rápida e
eficazmente, influenciando, por consequência, de forma positiva a resposta
adequada. A importância desta reunião é determinada igualmente pela
harmonização dos divergentes conhecimentos que os diferentes
praticantes/jogadores têm dos adversários, baseado em opiniões pessoais
adquiridas ao longo da sua experiência e pelos meios de informação
especializada e não especializada.

7.4.2. Meios (condicionantes favoráveis) da reunião

Os meios fundamentais a utilizar na reunião de reconhecimento do


adversário são os audiovisuais (videocassetes), os quadros ou maquetes do
terreno de jogo com peças móveis.

7.4.3. Princípios de orientação da reunião

A condução e a direcção da reunião de reconhecimento do adversário, é da


responsabilidade do treinador que organizará e sistematizará a metodologia
de exposição ao praticante ou à equipa. O momento ideal para a realização
da reunião situa-se entre 3 a 4 dias da competição. A duração da reunião não
deverá ultrapassar os 20 minutos, para que os praticantes/jogadores
concentrem a sua atenção nos aspectos e indicações transmitidos pela
exposição do treinador ou auxiliares.
7.5. Elaboração do programa de preparação para o ciclo de treino

Estabelecido numa primeira análise, o plano táctico-estratégico que engloba a


orientação geral do jogo da equipa, as adaptações dos métodos ofensivos e
defensivos em função das particularidades da equipa adversária, e as acções
que a possam surpreender, a constituição da equipa, e a distribuição das
488 • Metodologia do treino desportivo I !

missões tácticas individuais e colectivas, o treinador deverá passar à


concretização do referido plano, através da elaboração e aplicação do programa
de preparação do respectivo ciclo de treino. Este programa (habitualmente
semanal) compreende:
o número de treinos a efectuar durante este ciclo;
a sua duração, e a gradação da intensidade do esforço;
os exercícios mais específicos e idênticos, isto é, os mais eficazes; e,
a possibilidade de efectuar uma prova/jogo-treino que servirá de teste ao
plano táctico e às missões tácticas a desempenhar pelos diferentes elementos
da equipa (etapa estratégica denominada de experimentação).

7.5.1. Número, duração, gradação, e objectivos fundamentais das sessões de treino


para o ciclo de preparação

A elaboração de um programa de preparação para o ciclo de treino passa


primeiramente pela concretização do número de treinos a realizar, a sua
duração, a gradação da intensidade do esforço a que os
praticantes/jogadores estarão sujeitos, e por último, aos objectivos
fundamentais a que cada sessão de treino deve obedecer. Todavia, é
importante ter em mente, que o factor predominante para qualquer programa
de preparação da equipa está dependente do tempo disponível entre a
realização sucessiva de duas competições.

7.5.2. A construção dos exercícios de treino para o ciclo de preparação

Nesta fase da planificação estratégica, procura-se essencialmente a


construção hipotética dos exercícios que o treinador considera
potencialmente capazes de desencadear, organizar e orientar a actividade
" O planeamento estratégico • 489

dos praticantes/jogadores em direcção a um objectivo válido, específico e


idêntico, quando se procura aprender, aperfeiçoar ou desenvolver um ou
vários aspectos do rendimento individual e colectivo, durante as diferentes
sessões de treino estabelecidos pelo programa de preparação.

7.6. Experimentação do plano táctico-estratégico

O processo de planificação estratégica poderá conter uma etapa de


experimentação que se traduz efectivamente na realização de uma prova/jogo
de treino por forma a testar-se o plano táctico-estratégico elaborado. Com
efeito, é possível através dos pressupostos desta etapa avaliar o grau de
pertinência da planificação convencionada que concorra para a concretização
dos objectivos estabelecidos, ou mesmo modificá-la se for necessário.

Todavia, é importante ter em atenção alguns aspectos particulares na


organização e realização desta etapa de experimentação:
a prova/equipa escolhida deverá simular o melhor possível as condições
em que se irá disputar a competição para o qual nos estamos a preparar;
uma vez que esta experimentação é realizada temporalmente muito perto
da competição, é importante que a carga física seja controlada para que não
haja uma acumulação excessiva de fadiga, não permitindo
consequentemente, a recuperação dos praticantes/jogadores antes da
competição;
é necessário ter um cuidado muito especial no que se refere às eventuais
lesões impeditivas dos praticantes/jogadores darem o seu melhor contributo
durante a competição.
7.7. A preparação nas horas que antecedem a competição

A preparação da equipa nas horas que antecedem o jogo (normalmente entre as


36 e as 24 horas), é constituída pelas seguintes etapas: a concentração para a
490 • Metodologia do treino desportivo I !

competição, o último treino antes da competição, a reunião de preparação para


a competição, o aquecimento, e o regresso à calma.

Devido à importância desta etapa do planeamento estratégico iremos analisá-la


subdividindo-a nas seguintes cinco vertentes: i) a concentração para a
competição, ii) o último treino antes da competição, iii) a reunião de preparação
para a competição, iv) o aquecimento para a competição e, v) reunião de análise
da competição.

7.7.1. A concentração para a competição

A concentração é uma das formas de preparação dos praticantes ou das


equipas nas horas que antecedem a competição, na qual os
praticantes/jogadores convocados se reúnem com o objectivo de
estabelecerem as condições mais favoráveis a um isolamento, por forma a
consubstanciar uma preparação mental, intelectual e energética, específica
para o confronto.

7.7.2. O último treino antes da competição

Normalmente o último treino dos praticantes ou da equipa é realizado 24


horas antes da competição, ou na manhã do próprio dia. Realiza-se assim,
um pequeno treino, com uma intensidade diminuta, com o objectivo de
"despertar" o corpo dos praticantes/jogadores para o esforço, e a mente de
forma a reencontrar as sensações que provêm da execução dos gestos
técnico-tácticos correctamente executados.

7.7.3. Reunião de preparação para a competição

A reunião de preparação para a competição constitui-se como uma etapa


fundamental de importância vital para a eficácia do planeamento estratégico
" O planeamento estratégico • 491

do praticante ou da equipa, e encerra o seu ciclo de preparação antes da


realização do confronto com o adversário. A referida reunião tem um
carácter fundamentalmente teórico versando aspectos técnicos, tácticos,
psicológicos e organizativos, respeitantes aos praticantes ou às duas equipas
(própria e adversária) em confronto.

7.7.3.1. Importância da reunião

Esta reunião constitui-se como um elemento chave no processo de


preparação do praticante ou da equipa para a competição, na qual o
treinador intervém, pela última vez, de forma sistemática, sendo, neste
sentido, fundamental encontrar as ideias e as palavras justas ao momento.
Com efeito, a reunião de preparação para a competição contribui
substancialmente para a participação consciente, sobre o entendimento,
clarificação e sistematização da direcção geral da actividade do praticante
ou da equipa (e das missões tácticas individuais atribuídas aos diferentes
jogadores em particular).

7.7.3.2. Objectivos da reunião

A reunião de preparação para o jogo caracterizada pela seriedade e


solenidade, consubstancia-se essencialmente no afinar e finalizar a
compreensão por parte dos jogadores da forma como irá ser aplicado o
plano estratégico. Com efeito, e segundo Teodorescu (1984), a reunião de
preparação poderá evidenciar os seguintes objectivos:
precisar de forma conclusiva as diferentes missões tácticas
individuais e a forma segundo a qual os jogadores irão colaborar com
os seus companheiros que têm missões tácticas especiais a cumprir
(durante os esquemas tácticos defensivos, por exemplo: a formação da
barreira e a sua coordenação com as informações do guarda-redes,
492 • Metodologia do treino desportivo I !

marcar os postes da baliza e as zonas do 1º e do 2º postes durante a


execução dos pontapés de canto, etc.);
contribuir para ultrapassar o estado emotivo e para o
estabelecimento no seio da equipa de um sentimento positivo,
eliminando, neste sentido, influências perturbadoras;
apreciação final das características e das potencialidades dos
adversários, sem as sobrestimar nem as subestimar;
contribuir para estimular as componentes volitivas e morais;
estabelecer algumas medidas que prevejam situações para o caso de
se conseguir uma vantagem, ou pelo contrário, uma desvantagem
durante o jogo; e por último,
contribuir para desenvolver o nível de preparação teórica dos
jogadores para esse jogo em especial e para os jogos seguintes em
geral.

7.7.3.3. Meios (condicionantes favoráveis) da reunião

A reunião de preparação para a competição deverá ser levada a efeito


num local apropriado devendo ser calmo e agradável, durante o qual os
praticantes estejam isolados, sem se preocuparem com outras actividades.
Para a realização da reunião dever-se-à utilizar quadros ou maquetas para
que seja possível uma fácil, clara e orientada representação mental dos
praticantes sobre a exposição do treinador.

7.7.3.4. Princípios de orientação da reunião

7.7.3.4.1. Gerais
" O planeamento estratégico • 493

Cabe ao treinador principal a condução e a direcção da reunião de


preparação para o jogo. Com efeito, é preciso que fique claro, que toda
a organização dos temas, quer no plano técnico, táctico, físico,
psicológico, etc., a sua sistematização e metodologia de exposição à
equipa, é da total responsabilidade do treinador.

Participam nestas reuniões de preparação para a competição


fundamentalmente os praticantes/jogadores convocados pelo treinador
para esse efeito e a equipa técnica. A participação de outras pessoas
para além destas (director do clube por exemplo) só é recomendável
quando este acompanha diariamente as diferentes actividades (treinos,
reuniões, etc.) do praticante ou da equipa, independentemente do valor
do adversário e da importância da competição. Se este elemento, por
razões imperativas, tiver que usar da palavra deverá fazê-lo (em
função do tema) logo no princípio da reunião ou no final desta.

Para que os praticantes/jogadores se mantenham realmente atentos às


indicações transmitidas durante a reunião de preparação para a
competição é fundamental que esta não se prolongue exageradamente
no tempo. Neste sentido, quanto maior for a sua duração, maiores
serão a probabilidades destes dispersarem a sua atenção, que
consequentemente tem efeitos negativos na concretização dos
objectivos pretendidos para esta reunião. Em nossa opinião, a reunião
não deverá durar mais de 45 minutos, sendo o tempo ideal de 30.
Basicamente, quanto mais perto da competição menor será o tempo da
reunião de preparação.

7.7.3.4.2. Específicos
494 • Metodologia do treino desportivo I !

O princípio específico da reunião de preparação deverá basear-se nas


soluções estudadas, preparadas e treinadas durante o período de tempo
que mediou até à competição. Todavia, não se exclui a utilização de
outras soluções já conhecidas, assimiladas e postas em prática pelos
praticantes/jogadores em outras competições.

Em última análise, a essência do princípio específico enunciado


procura evitar o risco irracional presente nalguns treinadores através
do qual se "inventa" uma série de soluções (utópicas) mais ou menos
ardilosas, mas que estão desenquadradas do contexto para o qual a
reunião foi programada. Com efeito, é preciso ter presente que esta
reunião não substitui as falhas de preparação do praticante ou da
equipa quer no plano quantitativo, quer no plano qualitativo. Neste
sentido, este princípio específico estabelece que a reunião de
preparação, deva decorrer na realidade como uma etapa subsequente
do ciclo de etapas de preparação do praticante ou da equipa para uma
determinada e específica competição. Concluindo, o princípio
específico fundamental desta reunião deve basear-se nas informações
que reforcem a estabilidade psíquica dos praticantes ou da equipa,
suprimindo simultâneamente, todas as informações e experiências que
os tornem inseguros.

7.7.3.5. Metodologia da reunião

A metodologia da reunião de preparação para o jogo estabelece, à


partida, duas vertentes essenciais:
a que se refere aos aspectos organizativos; e,
a que se refere aos aspectos táctico-estratégicos.

7.7.3.5.1. Organizativos
" O planeamento estratégico • 495

O treinador dedicará os primeiros minutos (entre a 2 a 4 minutos) da


reunião para abordar aspectos ligados:
• à hora e local de partida;
• meio de transporte;
• outras informações referentes à competição;
• convida igualmente os praticantes/jogadores a pronunciar-se ou a
pedirem esclarecimentos suplementares, se for caso disso.

7.7.3.5.2. Táctico-estratégicos

Em relação a esta vertente da reunião, o treinador tem de solicitar a


concentração dos jogadores e da equipa para a competição,
encontando sempre as palavras e o tom mais adequado para transmitir
as suas convicções de forma clara. Neste contexto, o treinador deverá
de forma metódica e sistematizada dirigir o pensamento dos seus
jogadores influindo positivamente no seu comportamento,
convencendo-os com argumentos válidos e centrando-os basicamente
em oito problemas essenciais:
Curta introdução (entre 2 a 3 minutos) na qual fará comentários
acerca da importância da competição.
Caracterizará (entre 2 a 3 minutos) seguidamente o árbitro do
encontro, no que diz respeito à sua forma pessoal de interpretar as
Leis/regras da modalidade.
Seguidamente o treinador caracterizará de forma sucinta (entre 3
e 4 minutos) o adversário, focando as suas particularidades
positivas e negativas no plano individual e colectivo.
Encerrada a caracterização da equipa adversária o treinador
debruça-se no plano estratégico concebido para o própria praticante
ou equipa.
496 • Metodologia do treino desportivo I !

O treinador deverá de imediato (entre 3 a 4 minutos) comparar


(no plano teórico) as duas equipas e, se o resultado for favorável
deverá (segundo Crevoisier, 1985):
• insistir para se respeitar todos os adversários;
• demonstrar que o erro é sempre possível e pode ter
consequências graves;
• lutar contra o excesso de confiança;
• privilegiar a noção de que "um jogo se ganha ou se perde
sobre um metro quadrado, ou num segundo decisivo;
• relembrar que seja qual for o adversário, o número de pontos
conseguidos no caso de vitória não varia;
• atenuar os efeitos das opiniões favoráveis dos jornalistas,
sócios, dirigentes, etc., diminuindo esse excesso de confiança;
• evidenciar os pontos fortes e as lacunas dos adversários;
• fazer nascer uma certa inquietude nos jogadores para estes
não estarem completamente seguros;
• situar as perspectivas no caso de vitória;
• relembrar no final da exposição que as forças em presença são
favoráveis à própria equipa desde que a prestação seja
correspondente ao seu valor, é esta a única condição.
Se esta relação for desfavorável, ainda segundo segundo Crevoisier
(1985):
• não deverá insistir sobre a capacidade do adversário, mas
antes sobre as qualidades da própria equipa;
• diminuir a motivação dos jogadores por forma que estes
conservem a lucidez durante a totalidade do jogo;
• diminuir a tensão dos jogadores, através da utilização de
piadas;
• desdramatizar a situação, não colocando os jogadores sobre a
responsabilidade imperiosa de não perder;
• não aumentar a importância do resultado;
" O planeamento estratégico • 497

• o treinador deverá transmitir uma relativa serenidade não


transmitindo estados de ansiedade;
• manter uma força lúcida, mobilizadora da energia individual e
colectiva.
Por último, o treinador insistirá (entre 2 a 3 minutos) nas atitudes
e comportamentos técnico-tácticos fundamentais para fazer face ao
adversário, mobilizando fortemente a vontade dos
praticantes/jogadores, a sua combatividade, disciplina e
organização, e fará prevalecer o optimismo e a crença de se
conquistar um resultado consentâneo com os objectivos
estabelecidos.

Concluindo, importa igualmente referir que é necessário variar a


forma e a locução da reunião. A utilização de um modelo esteriotipado
e imutável irá contribuir para a concretização de um objectivo inverso
ao pretendido. É preciso ter presente que duas reuniões absolutamente
idênticas com o mesmo grupo de praticantes/jogadores realizadas com
um certo intervalo de tempo, têm efeitos diferentes.

7.7.4. Aquecimento para a competição

O aquecimento é o único acto realizado pelos praticantes/jogadores que


conjuga no mesmo momento a acção e o pensamento destes, antes do
começo da competição, dai a sua importância.

7.7.4.1. Objectivos do aquecimento

Os objectivos fundamentais do aquecimento são de ordem orgânica,


neuromuscular, e psicológica. Neste contexto, podemos resumir os
objectivos do aquecimento para o jogo da seguinte forma:
498 • Metodologia do treino desportivo I !

facilita a adaptação progressiva do organismo nomeadamente dos


seus grandes sistemas: cardiopulmonar, neuromuscular e articular, a
um esforço intenso e prolongado;
prepara os praticantes/jogadores no plano psicológico para a
competição, uma vez que o movimento tem um efeito tranquilizador;
e,
evita na medida do possível, reduzir as possibilidades de lesões
musculares e articulares.

7.7.4.2. Efeitos do aquecimento

Os efeitos do aquecimento situam-se basicamente entre um estado de


repouso relativo e a predisposição máxima para o rendimento, e
fundamenta-se em quatro efeitos essenciais:
sobre o aparelho cardiovascular e respiratório: aumenta a frequência
cardíaca e a pressão arterial permitindo a abertura dos capilares
profundos, aumenta a frequência respiratória e a intensificação das
trocas respiratórias reduzindo a resistência a essas trocas;
sobre a contracção muscular: aumenta a temperatura do corpo
favorecendo consequentemente a velocidade da passagem de um
estado de contracção para relaxamento, ou de uma contracção
excêntrica para uma concêntrica, aumenta o grau de força das
contracções musculares, favorece as reacções bioquímicas realizadas
nos músculos proporcionando a energia necessária à contracção
muscular;
sobre as estruturas articulo-ligamentosas: o estiramento dos
diferentes grupos musculares e dos ligamentos das articulações
aumentam a elasticidade destas; e,
sobre a coordenação: o aquecimento permite realizar as acções
técnico-tácticas nas melhores condições. A repetição destes
comportamentos determinam a sua exacta natureza facilitando as
" O planeamento estratégico • 499

funções do sistema neuromuscular devido a uma maior rapidez na


propagação do influxo nervoso.
7.7.4.3. Aspectos metodológicos do aquecimento

Os aspectos metodológicos do aquecimento para o jogo fundamenta-se


em quatro aspectos fundamentais:
duração: mais ou menos prolongada (depende da especialidade
desportiva), deve situar-se entre os 20 e os 30 minutos;
progressivo: a intensidade do esforço e a complexidade da execução
das acções, devem ser progressivamente incrementadas ao longo do
aquecimento;
adaptado: o aquecimento deve ser específico em relação à
actividade competitiva a desenvolver; e,
colectiva: os exercícios inerentes ao aquecimento de ser efectuado
de forma colectiva, coordenados e supervisionados pelo treinador.

Concluindo, o aquecimento para além dos efeitos específicos que


proporcionam, deverá ser igualmente aproveitado pelo treinador para
verificar se a sua mensagem/convicção, proferida na reunião de
preparação para a competição "passou" ou não para os
praticantes/jogadores. A partir da observação da atitude destes, do seu
empenhamento (excessivo, ou diminuto), e da precisão da execução dos
exercícios, o treinador poderá avaliar o impacto daquilo que propôs.
Embora esta observação seja muito subjectiva e muito pessoal, as
impressões que transmitem não enganam. Sente-se que o grupo tem uma
concentração superior que conduz à vitória, através de uma prestação de
qualidade e um empenhamento intenso.

7.7.5. O regresso à calma


500 • Metodologia do treino desportivo I !

O regresso à calma é um momento importantíssimo a ser realizado logo


após a competição. Os seus objectivos radicam-se em:
• facilitar o relaxamento e a recuperação muscular;
• reduzir progressivamente a actividade orgânica (retorno à calma); e,
• facilitar a eliminação de produtos resultantes da fadiga.
A duração do regresso à calma varia entre 10 a 15 minutos, dependendo
do grau de esforço despendido. A intensidade e o ritmo de execução dos
exercícios é diminuto, e consta essencialmente de corrida lenta,
alongamentos musculares e de exercícios abdominais. Pode igualmente
incluir banhos e massagens.

7.8. Reunião de análise da competição

A reunião de análise da competição constitui-se como a terceira reunião


formal de carácter teórico entre o treinador e os praticantes/jogadores. Esta
reunião enquadra-se na planificação estratégica de preparação para um
confronto específico e no melhoramento do rendimento.

7.8.1. Importância da reunião

A importância da reunião de análise da competição deriva da sua dupla


dimensão. Encerra, por um lado, o ciclo de preparação do praticante ou
da equipa para a competição já realizada e, abre por outro, um novo ciclo
de preparação para o próximo confronto desportivo. Nestas
circunstâncias, a reunião de análise da competição funciona como um
meio de reflexão e análise sobre o passado (o que foi planeado e as
soluções estabelecidas, o que foi treinado e o que aconteceu na realidade
durante a competição), e na perspectivação do futuro por forma a
operacionalizar e a precisar quais os aspectos que devem ser treinados e
por via disso melhorados.

7.8.2. Objectivos da reunião


" O planeamento estratégico • 501

O objectivo fundamental da reunião de análise do jogo consubstancia-se


essencialmente, por um lado, nos aspectos ligados à generalização das
experiências competitivas adquiridas, pelos praticantes/jogadores e do
seu nível de preparação teórica, e por outro, na compreensão e
diminuição das discrepâncias entre o modelo presente e a planificação
conceptual, isto é, do modelo preconizado pelo treinador. Neste sentido,
sendo a competição uma base segura de avaliação e controlo do nível do
rendimento do praticante ou da equipa, a reunião de análise da
competição constitui-se como um momento fundamental na confirmação
ou redefinição dos programas de acção estabelecidos, corrigindo-se (se
for caso disso) os desvios ao modelo a atingir.

Para além do que foi referido, esta reunião terá como objectivos
adicionais os seguintes quatro aspectos:
melhorar a comunicação estabelecida entre o treinador e os
praticantes, fundamentalmente no que concerne ao conjunto de ideias
e pressupostos que orientam a resolução eficaz das diferentes e
complexas situações competitivas;
verifica-se qualitativa e quantitativamente as acções de preparação
dos praticantes ou da equipa para a competição e o que na realidade
aconteceu durante a competição. Evidencia-se assim os aspectos
positivos e negativos;
projectam-se esses aspectos positivos e negativos no programa
futuro do ciclo de preparação por forma que esses aspectos sejam
rentabilizados no primeiro caso e melhorados no segundo;
procurar manter intactos os pressupostos da integridade do
praticante ou da equipa como colectivo, isto é, mantendo-a coesa e
unida perante a situação da vitória - evitando os excessos de
confiança, e desdramatizando em caso de derrota.
502 • Metodologia do treino desportivo I !

7.8.3. Meios (condicionantes favoráveis) da reunião

Os meios específicos a utilizar na reunião da análise da competição


variam em função do tempo e dos temas que o treinador decidiu conceder
e abordar. Neste sentido, na actualidade os meios mais utilizados são os
audiovisuais (videocassetes) os quadros ou maquetes do terreno de jogo
com peças amovíveis e as análises estatísticas efectuadas.
7.8.4. Princípios de orientação da reunião

A condução da reunião de análise da competição, tal como foi referido


para as restantes reuniões (de preparação e de reconhecimento), deverá
ser da responsabilidade do treinador, o qual organizará os temas, a sua
sistematização e metodologia de exposição ao praticante ou à equipa.
Existe um momento concreto para a realização desta reunião,
basicamente confina-se ao tempo que medeia entre a reunião de
preparação para a competição e a reunião de reconhecimento do próximo
adversário. Todavia, preconiza-se que esta reunião deva ser realizada
antes do início do primeiro treino do ciclo de preparação do praticante ou
da equipa, sendo totalmente contra indicado, por um lado, logo após o
final da competição, pois os estados emotivos podem alterar, não
reflectindo convenientemente a realidade dos factos que esta em si
encerra. E por outro, esta não deverá decorrer muito próximo da reunião
de reconhecimento do próximo adversário.

Tal como para as reuniões de preparação e de reconhecimento do


próximo adversário, é fundamental que os jogadores concentrem a sua
atenção nos aspectos e indicações transmitidos pela exposição do
treinador ou auxiliares. Com efeito, para que essa concentração se
mantenha é necessário que a reunião não ultrapasse os 20 minutos por
forma que estes não dispersem a sua atenção sobre outros assuntos. O
valor estabelecido poderá eventualmente diminuir de forma gradual em
função da grandeza dos desvios verificados entre o modelo de
" O planeamento estratégico • 503

organização da equipa e o modelo de organização a atingir. Por último, a


preparação qualitativa e quantitativa do praticante ou de uma equipa,
determina com carácter habitual, a necessidade de uma reunião de análise
da competição, independentemente do resultado desta e da concretização
ou não dos objectivos estabelecidos.

Concluindo, a estratégia tem a finalidade de fixar objectivos, tornando-os mais


claros em si próprios e das suas relações recíprocas, determinando em função
destes uma série de acções pragmáticas com vista à sua concretização. Dado
que todas estas decisões (planos), assentam em suposições que em alguns
casos, não se realizam e, algumas delas não podem ser mais detalhadas, nem
tomada antecipadamente, resulta que a estratégia tem de ser secundada pela
táctica, para que durante a competição se opte por decisões operativas
necessárias às modificações gerais e específicas que se impõem
incessantemente.
504 • Metodologia do treino desportivo I !

w
PARTE V

O PLANEAMENTO DO TREINO DESPORTIVO

Capítulo 3

O planeamento táctico

Resp: Jorge Castelo


504 • Metodologia do treino desportivo I !

Conteúdo do Capítulo 3 da Parte V

O presente Capítulo desenvolve os aspectos inerentes ao planeamento


táctico que é definido pela aplicação prática, isto é, pelo carácter
aplicativo e operativo do planeamento conceptual e do planeamento
estratégico, procurando utilizar de forma racional e oportuna durante
competição/jogo, as qualidades físicas, técnico-tácticas, e psicológicas
individuais e colectivas, seleccionando-os, organizando-os, e
coordenando-os unitariamente com vista à concretização dos objectivos
pré-estabelecidos.

Metodologia do treino desportivo I


Conteúdo Programático

Conceitos do treino Planeamento Planeamento do Parte V


Parte I desportivo Conceptual treino desportivo

Planeamento
Estratégico
Factores do rendi-
Parte II mento desportivo
Planeamento
Táctico

Parte III O exercício de trei-


no desportivo
Fundamentos do
exercício de treino Estrutura do
Microestrutura Parte VI
processo de treino
Bases conceptuais
exercício de treino
Mesoestrutura

Bases de aplicação
exercício de treino Macroestrutura

Bases de eficácia
exercício de treino
Período Periodizacão do Parte VII
Preparatório treino desportivo

Parte IV Factores do treino O factor técnico Período


desportivo desportivo Competitivo

O factor táctico Período


desportivo Transitório

O factor físico Estudo sobre


desportivo a força O controlo do
treino desportivo Parte VIII
Estudo sobre
a resistência

Estudo sobre
a velocidade

Estudo sobre
a flexibilidade

O treinador
perfil e competências
Parte IX

Organigrama 16
" O planeamento táctico • 505

Parte V

O planeamento do treino desportivo

Sumário

Capítulo 3 - O planeamento táctico


1. Conceito de planeamento táctico
2. Natureza do planeamento táctico
2.1. Concepção unitária para o desenrolar da competição
2.2. Inseparabilidade da acção técnica das intenções tácticas
2.3. Maximização e valorização dos praticantes/jogadores
2.4. Confrontação das expressões tácticas
2.5. Carácter aplicativo e operativo da planeamento táctico
3. Objectivo do planeamento táctico
4. Meios do planeamento táctico
4.1. Os praticantes/jogadores
4.2. O treinador
5. Limites do planeamento táctico
6. O responsável pela direcção do planeamento táctico
7. Etapas do planeamento táctico
7.1. Direcção durante a competição
7.1.1. A sucessão, momento do resultado da competição
7.1.2. As lesões que sucedem durante a competição
7.1.3. As substituições
7.1.4. Os descontos de tempo
7.1.5. A acção do juiz da partida
7.1.6. Os adversários
7.2. Direcção durante o intervalo da competição
7.2.1. Relaxar/tranquilizar
7.2.2. Vigilância médica
7.2.3. Preparação para a segunda parte
7.3. Acções a ter em conta logo após o terminus da competição
506 • Metodologia do treino desportivo I !

Bibliografia:

BAUER, G., e UEBERLE, H. (1988) Fútbol - Factores de rendimiento


dirección de jugadores y del equipo, Ediciones Martinez Roca, Barcelona
CASTELO, J. (1994) Futebol - modelo técnico-táctico do jogo, Edições FMH,
Universidade Técnica de Lisboa
CASTELO, J. (1995) Futebol - A organização do jogo, Edição do autor, Lisboa
TEODORESCU, L. (1984) Problemas de teoria e metodologia nos desportos
colectivos, Livros Horizonte, Lisboa
TEODORESCU, L. (1987) Orientações e tendências da teoria e metodologia
de treino nos jogos desportivos, Futebol em revista, 4ª série, nº 23, 37:45,
junho
" O planeamento táctico • 507

1. Conceito de planeamento táctico

O planeamento táctico é definida pela aplicação prática, isto é, pelo carácter


aplicativo e operativo do planeamento conceptual e do planeamento
estratégico, procurando utilizar de forma racional e oportuna durante
competição/jogo, as qualidades físicas, técnico-tácticas e psicológicas
individuais e, colectivas, seleccionando-os, organizando-os e coordenando-os
unitariamente com vista à concretização dos objectivos pré-estabelecidos.

2. Natureza do planeamento táctico

A natureza do planeamento táctico exprime-se sob cinco vertentes


fundamentais que importa desenvolver: i) concepção unitária para o desenrolar
da competição, ii) inseparabilidade da acção técnica das intenções tácticas, iii)
maximização e valorização das particularidades dos praticantes/jogadores, iv)
confrontação das expressões tácticas quando em confronto directo e, v) o
carácter aplicativo e operativo da planeamento táctico.

2.1. Concepção unitária para o desenrolar da competição

O planeamento táctico pressupõe, em última análise, a existência de uma


concepção unitária para o desenrolar da competição. A velocidade, a
coordenação e a coerência dos deslocamentos dos praticantes/jogadores, a
sua orientação e ritmo, relação e contacto com os adversários, tanto nas
fases ofensivas como defensivas, determinam a ordem de execução das
acções individuais e colectivas, em que o espaço necessário e a sua
508 • Metodologia do treino desportivo I !

distribuição no tempo sejam variáveis, sequenciais, coerentes e organizados


com o objectivo de atingir a vitória.
2.2. Inseparabilidade da acção técnica das intenções tácticas

As acções técnicas estão sempre associadas a um raciocínio táctico, que


constitui o principal factor que concretiza e materializa a concepção e as
intenções tácticas dos praticantes ou de uma equipa. A técnica e a táctica
formam assim, uma unidade dialéctica, condicionando-se e influenciando-se
reciprocamente. A capacidade de raciocinar, antes, durante e depois da
execução técnica consubstancia a base do sucesso individual e colectivo.

2.3. Maximização e valorização das particularidades dos praticantes/jogadores

O planeamento táctico exprime um processo através do qual se procura


valorizar as particularidades dos seus próprios praticantes/jogadores. Essa
valorização é condicionada pela criação das condições e situações de
competição favoráveis à sua realização.

2.4. Confrontação das expressões tácticas quando em confronto directo

Construída ou impulsiva, baseada sobre a ofensiva ou sobre a defensiva,


deliberada ou prudente, reservada ou espectacular, o planeamento táctico é,
na prática o resultado complexo dos valores e convicções dos praticantes e
das equipas em confronto directo. Neste sentido, a direcção correcta do
planeamento táctico oferece a possibilidade de obrigar os adversários a lutar
em condições desfavoráveis, e vantajosas para os próprios praticantes ou
equipa. Estas situações e condições de competição deverão ser criadas de tal
forma que evidenciem as carências de preparação física, técnica, táctica e
psicológica dos adversários. O papel da táctica na obtenção da vitória cresce
paralelamente ao valor dos praticantes ou equipas em disputa, em especial
quando são sensivelmente equitativas.
" O planeamento táctico • 509

2.5. Carácter aplicativo e operativo da planeamento táctico

O carácter operativo da planeamento táctico visa durante o desenrolar da


competição e em função de um conjunto de factores, tais como, as
modificações das condições climatéricas (chuva, vento) as condições do
terreno (regular ou irregular), o resultado numérico momentâneo (favorável
ou não aos objectivos da equipa), do tempo de jogo (perto ou não do final),
e das modificações pontuais da táctica do adversário (substituições,
mudanças das funções tácticas), determinam a aplicação durante a
competição de certas medidas especiais tomadas pelo treinador
(substituições, mudanças das funções tácticas, etc.).

3. Objectivo do planeamento táctico

Em última análise, o planeamento táctico consubstancia a base de resolução


dos problemas metodológicos que surgem na competição, sendo constituído
pelo conjunto de todos os conhecimentos susceptíveis de dar uma certa
direcção às diferentes acções (individuais/colectivas, ofensivas/defensivas) dos
praticantes ou das equipas relativamente à concretização dos objectivos pré-
estabelecidos.

4. Meios do planeamento táctico

Basicamente, os meios fundamentais do planeamento táctico exprimem-se a


partir de duas identidades essenciais e interdependentes: os
praticantes/jogadores e o treinador.

4.1. Os praticantes/jogadores

Os praticantes/jogadores são os elementos que através da sua actividade


mental e motora resolvem operacional e eficazmente as diferentes situações
510 • Metodologia do treino desportivo I !

que a competição em si encerra. As referidas soluções, estabelecem-se a


partir da maximização das capacidades técnicas, tácticas, físicas, e
psicológicas dos diferentes praticantes/jogadores, que suportam por sua vez,
um conjunto de tarefas e missões tácticas que lhes são confiadas pelo
treinador.
4.2. O treinador

O treinador segue "à distância" de forma crítica aquilo que se passa na


competição. Nestas circunstâncias, o treinador dá indicações (através de
palavras ou sinais) claras, concisas e completas de forma a ajudar os seus
praticantes/jogadores, a encorajá-los, exortando-os, e se necessário
admoestando-os. Tudo isto na procura de um ajustamento o mais eficaz
possível, ou um melhoramento do seu rendimento. Durante o intervalo da
competição, o treinador informa os praticantes/jogadores sobre alguns
acontecimentos pertinentes ocorridos na primeira parte, e as alterações a
introduzir para se rentabilizar o rendimento da segunda parte. Por último,
depois do jogo, o treinador partilha com todos o resultado positivo ou
negativo, e exprime breves ideias sobre a competição e a orientação do
trabalho no futuro.
5. Limites do planeamento táctico

O planeamento táctico que se fundamenta na resolução eficaz dos problemas


estabelecidos pelas constantes e variáveis situações da competição, por forma a
concretizar os objectivos pré-estabelecidos para um determinado confronto,
tem como limites de aplicação as seguintes quatro vertentes fundamentais:
decorrer da compatibilidade das capacidades física, técnica, táctica, e
psicológica individual e colectiva dos praticantes/jogadores, valorizando e
potencializando as suas particularidades;
a adaptação do planeamento táctico às características dos adversários, por
forma a garantir a possibilidade dos praticantes/jogadores se adaptarem às
situações competitivas e as resolverem criativamente em seu favor, e
explorar as falhas de preparação dos adversários;
" O planeamento táctico • 511

o nível de formação e desenvolvimento atingido pelos próprios


praticantes ou equipa para um determinado confronto, isto é, a qualidade
dos pressupostos da preparação conceptual e estratégica; e por último,
a preparação e a qualidade do treinador na direcção e orientação dos seus
praticantes ou da sua equipa.
6. O responsável pela direcção do planeamento táctico

Cabe ao treinador analisar os diferentes aspectos que decorrem durante a


situação competitiva e encontrar as soluções mais eficientes ou aquelas que ele
pensa que são as mais eficientes para a concretização dos objectivos
pré-determinados. Ora, não seria lógico, nem conveniente deixar de ser o
treinador, durante a competição ou seja, no momento crítico e onde surgem o
maior número e a maior complexidade de problemas (que derivam
essencialmente do envolvimento social e emocional), a decidir pelos
ajustamentos (planeamento táctico) que lhe parecem mais correctos, em função
dos conhecimentos dos seus praticantes ou da sua própria equipa e dos
adversários.

Nestas circunstâncias cabe ao treinador assumir toda a responsabilidade das


alterações e ajustamentos pontuais no decorrer da competição não
"descarregando" sobre os seus próprios praticantes/jogadores o encontrar
dessas soluções. É evidente que estes desempenham um papel preponderante
na pragmatização dessas soluções, todavia, a necessidade, a decisão e direcção
do processo são, como referimos, da total responsabilidade do treinador,
estando este no seguimento destas alterações, atento às novas condições
criadas e às respostas dos adversários a essas mesmas modificações ou seja,
perante o "novo" quadro situacional.

7. Etapas do planeamento táctico

A sistematização e caracterização das diferentes etapas que constituem o


planeamento táctico, é uma tarefa de grande complexidade devido à sua
ocasionalidade, isto é, ao contexto da realidade competitiva em que esta evolui,
512 • Metodologia do treino desportivo I !

e à sua diversidade que promove diferentes questões as quais determinam


diferentes respostas para a sua resolução. Com efeito, mesmo perante estes
condicionalismos podemos estabelecer três etapas fundamentais dentro do
planeamento táctico: direcção durante a competição, direcção durante o
intervalo da competição e as acções a ter em conta logo após o terminus da
competição.
7.1. Direcção durante a competição

A concretização dos objectivos estabelecidos para um determinado


confronto, é o resultado, por um lado, da actuação eficaz dos
praticantes/jogadores, reflectindo o nível de preparação e evolução destes, e
por outro, da hábil direcção da competição por parte do treinador, que em
última análise, se consubstancia como uma fonte de informação,
estabelecendo as linhas de orientação geral e específica dos
comportamentos técnico-tácticos dos praticantes/jogadores. Esta direcção
procura assim, estabilizar ou modificar o comportamento destes de forma a
adequá-los em função dos variados contextos em que as situações
competitivas ocorrem.

Dirigir praticantes/jogadores durante a competição consubstancia-se através


da aplicação de medidas orientadas para a optimização dos comportamentos
técnico-tácticos individuais e colectivos, e apresenta aspectos básicos
fundamentais que devem ser considerados:
só é possível dirigir quando por parte dos praticantes/jogadores existe
uma predisposição para se deixarem dirigir;
só é possível dirigir quando se utiliza medidas directivas apropriadas
acompanhadas por meios apropriados;
só é possível dirigir quando se conhece e se tem em conta as
necessidades individuais, e se consegue que estas mantenham dentro do
quadro das necessidades da equipa; e por último,
" O planeamento táctico • 513

"ouvir e observar, são as condições básicas para uma direcção eficaz.


Ambas atitudes pressupõem da parte do treinador predisposição e
conhecimentos" (Bauer e Ueberle, 1982).

A direcção durante a competição inferma de imediato, numa primeira


grande dificuldade, que deriva da necessidade de se ter de observar os
nossos praticantes e adversários simultaneamente. Alguns treinadores
concentram-se demasiado sobre as acções dos seus próprios praticantes,
perdendo, por um lado, a possibilidade de reagir a tempo às soluções postas
em prática pelos adversários e, por outro, a possibilidade de valorizar
convenientemente o rendimento dos seus praticantes, pois esta valorização
tem de ter em conta os adversários. Com efeito, devido à grande quantidade
de factores que o treinador tem que observar e analisar durante a
competição, pois só a partir deste reconhecimento é possível tomar
eventuais decisões, é necessário que o treinador estabeleça um "guia" ou
"roteiro" sequencial e automatizado que lhe permita retirar as informações,
consideradas por ele, mais pertinentes, para que estabeleça uma decisão
rápida e segura. Daqui se infere a necessidade de o treinador presenciar o
jogo num estado físico e intelectual óptimo, julgando as diferentes situações
competitivas a partir de rotinas de observação caracterizadas pela sua
selectividade, sistematização, e rapidez, sem se envolver emocionalmente
nelas, cumprindo esta tarefa com plena concentração e objectividade.

A direcção e orientação, por parte do treinador, deve ter presente que a


competição é constituída por momentos que se sucedem influenciando
decisivamente o rendimento individual e colectivo. Neste contexto, existem
vários acontecimentos durante o transcurso da competição que se podem
sistematizar e analisar da seguinte forma: i) a sucessão, o momento e as
circunstâncias do resultado da competição, ii) as lesões, iii) as substituições e,
iv) os descontos de tempo como meios operacionais do planeamento táctico,

v) a acção do juiz da partida e, vi) a equipa adversária.


514 • Metodologia do treino desportivo I !

7.1.1. A sucessão, o momento e as circunstâncias do resultado da competição

A sucessão do resultado da competição: é importante liderar o resultado


da competição, pois, estabelece-se como um elemento catalizador de uma
"desorganização do rendimento dos adversários, ou de um "libertador de
forças" inesperadas tanto dos praticantes como das equipas.

O momento em que se concretiza o resultado: durante o decorrer da


partida existem "momentos chave" para se concretizar o golo, e para não
sofrer golo. Considera-se "momento chave" quando o efeito psicológico
(sobre a equipa adversária, ou sobre a própria equipa) da marcação, ou no
consentimento do golo, tem um impacto maior no rendimento
(diminuindo ou aumentando), que durante o restante tempo de jogo.

As circunstâncias do resultado momentâneo da competição: muitas são as


situações em que uma equipa domina completamente a partida durante
largo tempo, consegue várias situações de jogo com elevadas
probabilidades de êxito, todavia, a equipa adversária consegue atingir o
golo na única acção ofensiva em que se aproximou da baliza. Jogadores
que realizam durante quase todo o jogo rendimentos elevados, e numa
circunstância casual e de infortúnio cometem um erro do qual deriva não
só o golo da equipa adversária, como a alteração da corrente positiva do
jogo da sua própria equipa, quer em termos ofensivos como defensivos.

7.1.2. As lesões que sucedem durante a competição

As lesões e os momentos em que estas acontecem podem ser elementos


fundamentais na determinação da vitória e da derrota. Com efeito, a lesão
inesperada de um determinado praticante/jogador de elevado nível pode
comprometer as suas aspirações ou da equipa, e consequentemente
aumentar as possibilidades de vitória dos adversário. Há que considerar
igualmente o nível da lesão. Quanto maior for a sua gravidade maior será
" O planeamento táctico • 515

o receio dos companheiros em executar comportamentos arriscados,


limitando assim o seu rendimento.
7.1.3. As substituições

As substituições podem ser consideradas como o meio mais operacional


e objectivo da intervenção do treinador, durante o decurso da
competição, procurando modificar ou corrigir aspectos de carácter geral
ou pontual, indispensáveis. Todavia, esta acção só será eficaz se for
substituído o praticante/jogador certo, no momento oportuno, pelo
companheiro mais indicado, cujas funções tácticas são as mais adaptadas
às circunstâncias momentâneas da competição.
As substituições são normalmente encaradas, exceptuando quando estão
relacionadas com lesões impeditivas, sob um significado negativo, pois
estes sentem ou que falharam na sua missão, ou que outros factores
"incompreensíveis" provocaram a sua substituição. Neste sentido, o
treinador deverá "educar" e "convencer" os praticantes/jogadores que a
substituição poderá consubstanciar um meio táctico fundamental de
melhoria do rendimento individual e colectivo.

Nestas circunstâncias, sempre que se efectua uma substituição deverá


existir um motivo real que o aconselhe e o justifique. Com efeito, embora
não se enquadrem a todas as situações possíveis, podemos estabelecer
algumas orientações gerais para uma utilização racional e coerente da
substituição de jogadores:
substituir o jogador que se lesionou durante o jogo;
substituir o jogador que está fatigado e não consegue recuperar, não
cumprindo, consequentemente, as missões tácticas que lhe foram
confiadas;
substituir o jogador de elevado nível técnico-táctico, quando o
resultado do jogo não poderá ser posto em causa, por forma a poupa-lo
para os confrontos seguintes;
516 • Metodologia do treino desportivo I !

substituir o jogador que não consegue pôr em prática o que lhe foi
distribuído em termos de missões tácticas, sendo continuamente
ineficaz nas suas acções técnico-tácticas;
substituir o jogador que tem diferentes perspectivas tácticas do
treinador, convencendo-se que a "sua" forma de actuar serve melhor o
interesse colectivo. Se depois de uma breve conversa (antes, no
intervalo, ou mesmo durante o decorrer do jogo), o jogador não quer
entender as opiniões tácticas do treinador e insiste numa atitude e
comportamento diferentes, em última análise prejudiciais à actividade
da equipa, então, o treinador deverá impôr-se não restando qualquer
outra alternativa, senão substituí-lo;
substituir o jogador por razões tácticas operacionais por forma a
reforçar a capacidade:
• ofensiva da equipa na procura de modificar o resultado
momentâneo do jogo; e,
• defensivo da equipa por forma a manter o resultado momentâneo
do jogo;
substituir o jogador que após ter sido advertido disciplinarmente
continua a prevaricar estando na contingência de prejudicar a própria
equipa;
substituir o jogador, quando o resultado do jogo já não poderá ser
posto em causa, por forma a permitir a aquisição do ritmo competitivo
a um outro companheiro que vem de uma lesão mais ou menos
prolongada e necessita de se readaptar novamente à equipa;

Por último, podemos ainda determo-nos sobre dois aspectos da


problemática das substituições: o momento em que estas se devem
realizar e a sua classificação em função dos objectivos que pretende
atingir. No primeiro caso, é fundamental escolher-se adequadamente o
momento em a substituição deverá ser levada a efeito. Neste sentido, e
teoricamente, o momento mais oportuno para a efectivação da
" O planeamento táctico • 517

substituição é quando a equipa detém a posse da bola, isto é, quando se


encontra em processo ofensivo. As razões derivam da possibilidade da
equipa poder retardar o recomeço do jogo, para que o novo companheiro
se posicione dentro do dispositivo táctico da equipa, por um lado, e
verbalize, por outro, transmitindo um conjunto de informações dadas
pelo treinador aos diferentes companheiros por forma que estes
compreendam o novo ajustamento ou modificação do plano táctico da
equipa.

Apesar das referidas vantagens da substituição ser efectuada durante a


fase ofensiva da equipa, admite-se igualmente outras tantas vantagens na
substituição de um ou outro jogador durante a fase defensiva, em
especial, quando esta sob uma grande pressão ofensiva da equipa
adversária. Procura-se, neste sentido, por um lado, quebrar o ritmo de
jogo ofensivo adversário, diminuindo assim, o elevado fluxo das acções
dos jogadores e, por outro, obrigá-los a diminuir a sua concentração
sobre a situação momentânea de jogo, por forma a perder algum tempo
na tentativa de perceber qual o objectivo táctico da substituição realizada
e adaptarem-se funcionalmente ao novo jogador.

No segundo caso, podemos classificar as substituições em função dos


objectivos tácticos que se pretende atingir, da seguinte forma:
uniformes: quando o jogador que entra no campo apresenta
qualidades técnico-tácticas e missões ou tarefas tácticas similares ao
companheiro que substituiu; e de,
contraste: quando um jogador entra no jogo apresenta qualidades
técnico-tácticas e missões ou tarefas tácticas totalmente diferentes do
companheiro que substituiu.

Concluindo, o jogador suplente deverá passar por um período de


aquecimento metodologicamente correcto por forma a entrar no jogo com
um ritmo competitivo aceitável. Se tal não for possível devido às
518 • Metodologia do treino desportivo I !

circunstâncias do encontro (por exemplo: lesão de um companheiro), o


jogador deverá entrar no jogo gradualmente procurando que os diferentes
sistemas fisiológicos (respiratório, circulatório e muscular), se adaptem
às condições de jogo. Em alguns encontros observa-se que todos os
suplentes estão a aquecer no mesmo momento. Isto acontece quando as
circunstâncias decorrentes do jogo (resultado, lesões, ritmo ofensivo e
defensivo da equipa adversária, etc) indiciam a necessidade da
efectivação de uma substituição mas não definem de que tipo. Neste
contexto, o treinador procura assegurar que qualquer opção do "banco"
esteja devidamente preparado para entrar no jogo, suportando de
imediato o ritmo competitivo. Noutros casos, porém, os treinadores
aproveitando-se do temor evidenciado por alguns jogadores de serem
substituídos, mandam todos os suplentes aquecerem com o intuito de
pressionarem os companheiros que estão em competição e, assim, influir
positivamente nos seus comportamentos técnico-tácticas na resolução
vigorosa das diferentes situações de jogo que lhes deparam. Todavia, este
tipo de actuação, por parte do treinador, poderá mais tarde ou mais cedo
criar conflitos entre os suplentes que sentem que estão a ser "usados" não
para jogarem, mas para indicarem que o treinador não está contente com
a sua actuação e,, "forçarem" os seus companheiros a jogarem de forma
mais eficaz.

7.1.4. Os descontos de tempo

Os descontos de tempo são um meio fundamental de intervenção do


treinador durante o decorrer da competição. Com efeito, as regras da
maioria dos jogos desportivos colectivos (basquetebol, voleibol, andebol,
hóquei em patins, etc.), possibilitam ao treinador interromper (em certos
momentos) a competição por forma que este possa dirigir-se aos seus
jogadores e informá-los sobre os ajustamentos ou alterações que decidiu
implementar quer no plano individual como colectivo com vista a
" O planeamento táctico • 519

melhorar o seu rendimento. Estes ajustamentos/alterações devem basear-


se na cuidada observação da situação competitiva.

No entanto, para além de meio fundamental de intervenção do treinador


os descontos de tempo são igualmente um meio pedagógico que importa
explorar e dimensionar especialmente quando se trata de jogadores ou de
equipas em formação/pré-especialização. Durante a competição muitas
são as situações em que a palavra do treinador não é possível ser ouvida
pelos jogadores devido às condições acústicas e especialmente devido à
tensão emocional em que os jogadores estão sujeitos no decorrer desta.
Os pedidos por parte do treinador de desconto de tempo são
consubstanciados por um grande conjunto de factores dos quais
evidenciamos os seguintes:
ascendente da equipa adversária (quer no resultado momentâneo da
partida, quer no plano técnico-táctico) especialmente quando esta se
verifica num curto período de tempo;
supremacia de um ou mais jogadores adversários sobre os directos
opositores, devendo-se assim ajustar (corrigir) os seus
comportamentos técnico-tácticos e eventualmente através da mudança
do método defensivo;
desorganização da equipa, quer por erros críticos da defesa ou
precipitação no ataque (construção/transição ou na
finalização/lançamento);
necessidade de se aumentar o ritmo de jogo da sua equipa, quer por
uma maior iniciativa no ataque, quer por um aumento da pressão
defensiva;
desvios ao plano estratégico estabelecido, quer no cumprimento das
missões tácticas individuais, quer na aplicação colectiva dos métodos
de jogo ofensivo ou defensivo;
descontrolo emocional de um ou mais jogadores; e,
a acumulação rápida de faltas (especialmente no basquetebol).
520 • Metodologia do treino desportivo I !

7.1.4. A acção do juiz da partida

Não há dúvidas que o árbitro pode decidir e influenciar de forma


irredutível o resultado final de uma partida, especialmente entre equipas
de rendimento similar. O árbitro toma entre 100 a 140 decisões por jogo.
Tanto as equipas, como os jogadores que as constituem reagem de forma
particular (organizada/estudada ou não) às decisões do árbitro, sobretudo
quando não as consideram justas, ou pior ainda, quando não as
consideram isentas de imparcialidade.

Concluindo, as diferentes decisões do árbitro podem ter uma grande


influencia no rendimento dos jogadores ou de toda a equipa. Logo,
quando um jogador já tem uma advertência normalmente limita as suas
possibilidades de acção por forma a evitar sofrer uma nova advertência
jogando com mais "cuidado".

7.1.5. Os adversários

Uma competição constitui-se no confronto entre dois praticantes ou


equipas com objectivos perfeitamente antagónicos. Todavia, existe
muitas pessoas que insistem em analisar a competição na perspectiva de
que estes competem sozinhos. Com efeito, por mais que se queira, não se
pode ignorar que a competição tem adversários, que têm uma
organização na qual contempla uma cultura, uma estrutura, um método,
princípios, acções técnico-tácticas, e um plano táctico-estratégico. Para
além destes aspectos, existe ainda um conjunto de imponderáveis
aparentemente secundários, difíceis de sistematizar e caracterizar cujo
significado, muitas vezes, é subestimado com demasiada facilidade, mas
a sua influência se faz sentir ao mais alto nível da organização e do
rendimento do jogo da equipa, podendo inclusive, modificar
temporalmente quase todos os demais factores.
" O planeamento táctico • 521

7.2. Direcção durante o intervalo da competição

Durante o intervalo da competição, o treinador tem um conjunto de


obrigações e decisões importantes a tomar, tendo por objectivo:
estabelecer as condições mais favoráveis à recuperação dos
praticantes/jogadores e, concomitantemente;
informá-los sobre certos ajustamentos ou alterações, de forma a manter
ou a melhorar o rendimento destes.
Neste contexto, e devido ao curto tempo disponível, é fundamental
sistematizar um conjunto de aspectos a ter em conta na direcção e
orientação dos praticantes ou da equipa durante o intervalo da competição:
relaxar/tranquilizar, vigilância médica, e a preparação para a segunda parte.
7.2.1. Relaxar/tranquilizar

Os primeiros minutos do intervalo devem ser utilizados:


para fazer descansar os praticantes/jogadores que se colocam
em
posições que facilitem o repouso e a recuperação do esforço
despendido;
utilizar bebidas regenerativas (minerais, hidratos de carbono, etc.).

7.2.2. Vigilância médica

O período de relaxamento é igualmente aproveitado:


para vigiar e atender as pequenas feridas, contusões, aplicar
ligaduras, executar massagens pontuais, etc.;
o treinador questionará individualmente cada praticante/jogador
sobre a existência de problemas de carácter físico (lesões, cansaço,
etc.) impeditivo de continuar;
em função das condições climatéricas, e do terreno de jogo, poderá
haver a necessidade de trocar de equipamento, e de botas (mudá-las,
limpá-las, etc.).
522 • Metodologia do treino desportivo I !

7.2.3. Preparação para a segunda parte

Após o descanso/relaxação o treinador passa à fase de preparação para a


segunda parte. Metodologicamente a presente preparação deve conter
frases curtas, instruções claras, reforçar afirmações, repetir ou
reestruturar missões tácticas. É preciso ter presente que as instruções
centradas nos erros da primeira parte não têm qualquer efeito positivo no
comportamento dos praticantes/jogadores. Se for necessário criticar, é
fundamental que essa crítica esteja directamente ligada às instruções e
conselhos. Segundo Bauer e Ueberle (1982), citando Martin Luppen,
estabelece, entre outros, os seguintes princípios essenciais:
• "qualquer crítica, por mais necessária que seja, opõe-se à nossa
necessidade de ser reconhecido;
• ninguém gosta que o critiquem, não importa se a crítica é justa ou
não;
• elogiar e reconhecer tem muito mais êxito que as críticas;
• a pessoa que emite a crítica é sempre mal vista, apesar de insistir
que só quer melhorar e incrementar o rendimento dos
praticantes/jogadores;
• o treinador deverá reforçar a autoconfiança dos
praticantes/jogadores acentuando e potencializando os seus
comportamentos positivos".

7.3. Acções a ter em conta logo após o terminus da competição

As acções a ter em conta por parte do treinador logo após o terminus da


competição deverão ser as seguintes:
partilhar com todos o resultado da competição;
fazer uma curta intervenção para acalmar a tensão,
desdramatizando no caso de uma derrota, ou evitando as explosões
exageradas de júbilo no caso de vitória;
rever lesões e casos particulares; e,
" O planeamento táctico • 523

avaliar a eficácia da equipa tendo em consideração que o resultado


final é "apenas" um indicador importante. Muitas vezes esse resultado
não reflecte, nem de longe nem de perto, a realidade do rendimento
conseguido. Por outras palavras, o treinador não deve confundir o
rendimento com o êxito ou inêxito da equipa.

Finalizando, tanto o planeamento estratégico como o planeamento táctico são


dirigidas para um mesmo fim, nomeadamente a vitória. No entanto, a estratégia
por si própria não poderá atingir esse objectivo, o seu êxito estabelece-se na
preparação vitoriosa da táctica. Quanto maior for o êxito estratégico, menos
duvidosa será a vitória no decurso da competição. Neste contexto, em nossa
opinião, a diferença que se estabelece entre a táctica e a estratégia,
fundamenta-se no facto de a táctica ser utilizada logo após o começo da
competição e até ao final deste. Enquanto que a estratégia insere-se em todas as
fases de preparação dos praticantes/jogadores tendo em conta o conhecimento
das particularidades dos adversários. Assim a táctica será a utilização concreta
dos meios de acção e a estratégia a arte de estabelecer as tácticas para o
objectivo estabelecido. Do lado da concepção - a estratégia, do lado da
execução - a táctica.
PARTE VI

A ESTRUTURA DO PROCESSO DE TREINO

Resp: Jorge Castelo


524 • Metodologia do treino desportivo I !

Parte VI

A estrutura do processo de treino

Sumário

Capítulo 1
A microestrutura do processo de treino desportivo

Capítulo 2
A mesoestrutura do processo de treino desportivo

Capítulo 3
A macroestrutura do processo de treino desportivo
PARTE VI

A ESTRUTURA DO TREINO DESPORTIVO

Capítulo 1

A microestrutura do treino desportivo

Resp: Jorge Castelo


526 • Metodologia do treino desportivo I !

Conteúdo do Capítulo 1 da Parte VI

Neste Capítulo abordaremos a estrutura do processo de treino


incidindo a nossa reflexão sobre a organização das sessões (unidades)
de treino no seio de um microciclo - microestrutura. Com efeito, iremos
analisar os diferentes tipos de sessão de treino (para conhecer os
praticantes ou a equipa, de aprendizagem, de repetição, de controlo, e
mistas), as suas diferentes formas (em grupo, individuais, mistas e
livres), a sua duração, a sua estrutura (parte de introdução, de
preparação, parte principal, e parte final), e por último, a sua
elaboração.

Metodologia do treino desportivo I


Conteúdo Programático

Conceitos do treino Planeamento Planeamento do Parte V


Parte I desportivo Conceptual treino desportivo

Planeamento
Estratégico
Factores do rendi-
Parte II mento desportivo
Planeamento
Táctico

O exercício de trei- Fundamentos do


Parte III Estrutura do
no desportivo exercício de treino Microestrutura Parte VI
processo de treino
Bases conceptuais
exercício de treino
Mesoestrutura

Bases de aplicação
exercício de treino Macroestrutura

Bases de eficácia
exercício de treino
Período Periodizacão do Parte VII
Preparatório treino desportivo

Parte IV Factores do treino O factor técnico Período


desportivo desportivo Competitivo

O factor táctico Período


desportivo Transitório

O factor físico Estudo sobre


desportivo a força O controlo do
treino desportivo Parte VIII
Estudo sobre
a resistência

Estudo sobre
a velocidade

Estudo sobre
a flexibilidade

O treinador
perfil e competências
Parte IX
Organigrama 17
" A estrutura do processo de treino - a microestrutura • 527

Parte VI

A estrutura do processo de treino

Sumário

Capítulo 1 - A microestrutura do treino desportivo


1. Os tipos de sessões (unidades) de treino
1.1. Sessões de treino para conhecer o(s) praticante(s) ou a equipa
1.2. Sessões de treino de aprendizagem
1.3. Sessões de treino de repetição
1.4. Sessões de treino de controlo (verificação)
1.5. Sessões de treino mistos
2. A forma da sessão de treino
2.1. Em grupo
2.2. Individualmente
2.3. Mistas
2.4. Livres
3. A duração da sessão de treino
4. A estrutura da sessão de treino
4.1. Parte de introdução da sessão de treino
4.2. Parte preparatória da sessão de treino
4.3. Parte principal da sessão de treino
4.4. Parte final da sessão de treino
5. A elaboração da sessão de treino
528 • Metodologia do treino desportivo I !

Bibliografia:

BOMPA, T. (1990) Theory and methodology of training, Kendal/Hunt


publishing company, USA
MATVEYEV, L., (1986) Fundamentos do Treino Desportivo, Livros
Horizonte, Lisboa
TEODORESCU, L. Problemas de teoria e metodologia nos desportos
colectivos, Livros Horizonte, Lisboa, 1984
PIERON, M. (1991) As técnicas de comunicação e a pedagogia do treino,
Revista treino desportivo, IIª série, Vol.19, Março, pp. 3-8
PLATONOV, V., (1988) L' Entrâinement Sportif: Théorie et Méthodologie,
Ed. E.P.S., Paris
" A estrutura do processo de treino - a microestrutura • 529

A microestrutura do processo de treino desportivo compreende a organização


das sessões (unidades) de treino no seio de um microciclo. Neste sentido,
iremos analisar os diferentes tipos de sessão de treino (para conhecer os
praticantes ou a equipa, de aprendizagem, de repetição, de controlo, e mistas),
as suas diferentes formas (em grupo, individuais, mistas e livres), a sua
duração, a sua estrutura (parte de introdução, de preparação, parte principal, e
parte final), e por último, a sua elaboração.

1. Os tipos de sessões (unidades) de treino

Existem diferentes tipos de sessões que podem ser utilizadas durante o treino,
as quais são determinadas, por um lado, pelo nível de rendimento do(s)
praticante(s) ou da equipa e, por outro, pelo período do planeamento anual em
que estes se situam. Segundo Teodorescu (1984), e Bompa (1993) as sessões
de treino podem ser dos seguintes tipos:
sessões de treino para conhecer o(s) praticante(s) ou a equipa;
sessões de treino de aprendizagem;
sessões de treino de repetição;
sessões de treino de controlo (verificação); e por último,
sessões de treino mistos.

1.1. Sessões de treino para conhecer o(s) praticante(s) ou a equipa

A utilização deste tipo de sessão de treino tem por objectivo conhecer o


estádio de preparação física, técnica, táctica, bem como outras
particularidades do(s) praticante(s) ou da equipa. As informações que o
treinador poderá retirar destas sessões constituem um precioso "material"
para o estabelecimento dos temas e dos objectivos das unidades de treino
seguintes, e concomitantemente, os diferentes programas de acção, meios e
métodos de treino. Com efeito, estas sessões de treino são utilizados
especialmente quando se ensina principiantes, quando o(s) praticante(s)
530 • Metodologia do treino desportivo I !

tiveram uma longa interrupção no seu processo de formação desportiva, ou


quando o treinador assume a direcção de uma nova equipa.
O conteúdo básico destas sessões de treino é constituido por exercícios de
carácter específico, e competitivo, isto é, de acções motoras que os
praticantes utilizam frequentemente durante a competição da modalidade
desportiva em análise. Se bem que muito semelhante, a sessão de treino para
conhecer os praticantes ou a equipa, não pode ser confundida com a sessão
de treino de controlo, uma vez que esta sessão pressupõe uma actividade
prévia entre o treinador e os praticantes ao longo de um período específico
de tempo, durante o qual se cumpriu uma determinada parte do programa de
treino anteriormente elaborado e com objectivos específicos a atingir.

1.2. Sessões de treino de aprendizagem

As sessões de treino de aprendizagem têm por objectivo fundamental, tal


como o nome indica, a assimilação por parte dos praticantes,
comportamentos tácticos, e procedimentos (gestos motores) técnicos
essenciais ao desenrolar eficaz, por um lado, da actividade competitiva que
a modalidade desportiva em si encerra e, por outro, de certas acções técnico-
tácticas especiais atendendo às particularidades do(s) adversário(s).

Estas sessões de treino caracterizam-se por um conjunto mínimo de


exercícios, executados a um nível de intensidade e densidade reduzidos.
Neste sentido, e como se compreende, se o objectivo destas sessões são a
formação de certas representações mentais e uma correcta aquisição das
habilidades técnico-tácticas, é fundamental que estas sejam adquiridas
através de uma reduzida solicitação orgânica num fundo de isenção de
fadiga.

1.3. Sessões de treino de repetição

As sessões de treino de repetição têm como objectivos fundamentais:


" A estrutura do processo de treino - a microestrutura • 531

o desenvolvimento, ou pelo menos, a manutenção do nível de


qualidades motoras de suporte aos gestos técnicos da modalidade;
o aperfeiçoamento dos comportamentos técnico-tácticos individuais e
colectivos (no caso de uma equipa de jogos desportivos colectivos); e,
a integração de procedimentos técnico-tácticos realizados em regimes
físicos máximos.

A frequência de utilização deste tipo de sessão aumenta progressivamente


em função do aumento do número de unidades de treino realizadas por
semana (microciclo). As características deste tipo de sessão de treino é de
não conter temas novos, nem exercícios desconhecidos por parte dos
praticantes ou da equipa. A predominância destas sessões é de corrigir,
precisar e manter o ritmo e tempo de execução dos comportamentos
fundamentais à resolução das situações competitivas, que a modalidade
desportiva em si encerra. Neste sentido, os praticantes repetem
prolongadamente certos procedimentos visando a correcção destes, a
precisão e o aperfeiçoamento dos hábitos de realização de forma rápida, sem
alterar os ritmos correctos de execução.

1.4. Sessões de treino de controlo (verificação)

As sessões de treino de controlo têm por objectivo fundamental a


apreciação, o mais exacta possível, do progresso do rendimento dos
praticantes ou da equipa, quer ao nível do comportamento físico, como dos
comportamentos técnico, táctico e psicológico. Nos desportos individuais,
as sessões de treino de controlo são mais exactas que nos desportos
colectivos devido ao seu carácter de avaliação (segundos, metros,
quilogramas, etc.). Neste sentido, nos jogos desportivos colectivos utiliza-se
jogos de treino através do qual a apreciação é realizada sobre um critério
base, tendo em conta a correcção, a oportunidade e a eficácia da execução
dos procedimentos técnico-tácticos.
532 • Metodologia do treino desportivo I !

Por último, os exercícios que compõem estas sessões de treino podem ser
organizadas de forma:
isolada da competição (análise de um factor de treino, por exemplo: o
factor técnico); ou,
integrada no qual o conteúdo é analisado sob todos os pontos de vista
fundamentais (técnico, táctico, físico, e psicológico).
1.5. Sessões de treino mistos

Estas sessões de treino são as mais frequentemente utilizadas, pois, é por


seu intermédio que se combina vários objectivos pedagógicos, e de
diferentes processos de treino. Neste sentido, na mesma sessão de treino
podem coabitar:
objectivos de aprendizagem combinada com objectivos de
aperfeiçoamento;
treino individual e o treino em grupo;
solicitação de esforços de predominância aeróbia e anaeróbia;
treino em circuito com treino por intervalos;
treino técnico e de preparação física e táctica, etc.

Este tipo de sessão de treino tem uma grande intensidade e densidade de


exercícios diminuindo o número (volume) destes. Normalmente, utiliza-se
uma pequena competição no final do treino, organizada por forma a
consubstanciar a aplicação real prática dos aspectos que foram treinados
durante a sessão, seja qual for o nível de rendimento do(s) praticante(s) ou
da equipa.

2. A forma da sessão de treino

A eficácia da sessão de treino depende largamente da sua organização. Esta


deverá permitir o desenvolvimento dos meios necessários para se atingir o
objectivo visado, tendo em conta as características da modalidade desportiva
em causa (individual ou colectiva), e as particularidades individuais dos
praticantes. Neste contexto, as sessões de treino poderão ser organizadas de
" A estrutura do processo de treino - a microestrutura • 533

diferentes formas, as mais conhecidas são (segundo Bompa, 1993, e PLatonov,


1988): em grupo, individualmente, mistas e livres.

2.1. Em grupo

As sessões de treino em grupo são constituídas por um número limitado de


praticantes, e são fundamentalmente utilizadas pelos desportos colectivos,
todavia, isto não significa que os desportos individuais não façam uso desta
forma de treino, procurando tirar proveito das vantagens da sua utilização.
Com efeito, a organização da sessão de treino sob esta forma desenvolve o
espírito de grupo e as qualidades volitivas dos praticantes, contudo, é mais
difícil controlar a qualidade dos exercícios, e o contacto individual entre o
treinador e praticante.

2.2. Individualmente

Os praticantes realizam a sessão de treino de forma autónoma por forma a


cumprir as tarefas que lhes foram atribuídas. Estas sessões de treino
apresentam um grande número de vantagens, tais como: dosagem e controlo
individual do esforço fornecido, estimulam a autonomia do praticante e a
resolução creativa dos problemas postos, e melhoram a adaptação dos
praticantes aos factores exteriores que se exercem sobre estes. Todavia, esta
forma de organização da sessão de treino apresenta igualmente algumas
desvantagens: não recria as condições de competição, e não permite
beneficiar da influência estimulante dos outros praticantes.

2.3. Mistas

As sessões de treino mistas, tal como o nome indica, sugerem a combinação


das duas formas referidas anteriormente: individual e em grupo. Com efeito,
durante a primeira parte do treino os praticantes realizam um conjunto de
diferentes exercícios em grupo, e durante a parte principal da sessão de
treino cada praticante tem planos individuais de acordo com objectivos
534 • Metodologia do treino desportivo I !

específicos. Na parte final do treino, os praticantes voltam a executar os


exercícios de recuperação (retorno à calma) de forma em grupo.

2.4. Livres

As sessões de treino livre devem ser limitadas, na maioria das situações,


exclusivamente aos praticantes de um elevado nível de rendimento. Estas
sessões têm a vantagem de desenvolver a confiança entre o treinador e o(s)
praticante(s), todavia, minimiza a acção do controlo do treino deste último.
Neste sentido, esta forma de organização do treino desenvolve a
participação consciente do praticante, a sua independência, bem como a sua
maturidade na resolução das tarefas do treino, sendo extremamente benéfico
a quando das competições nas quais a intervenção do treinador não é
possível.

3. A duração da sessão de treino

Segundo Bompa (1993) são consideradas sessões de treino pequenas quando a


duração destas se situam entre os 30 e os 90 minutos, médias entre as 2 e as 3
horas, e grandes quando têm mais de 3 horas. Contudo, a sessão de treino com
a duração de 2 horas é aquela que habitualmente é mais utilizada.

As maiores variações da duração das sessões de treino verificam-se ao nível


dos desportos individuais, enquanto que os desportos colectivos têm uma
maior consistência. Todavia, a duração de uma sessão de treino é função das
tarefas previamente elaboradas, do tipo de actividade, e do nível de preparação
dos praticantes.

4. A estrutura da sessão de treino

O problema da estrutura da sessão de treino situa-se numa questão de forma e


não de conteúdo, que em si representa um carácter determinantemente
essencial. Neste sentido, a estrutura da sessão deverá ser interpretada como
uma contribuição activa que a forma deverá trazer para a melhoria do
" A estrutura do processo de treino - a microestrutura • 535

conteúdo. Com efeito, a sessão de treino deverá ter um carácter unitário


assegurado pelo melhor conteúdo organizado na melhor forma.

Numa primeira análise a sessão de treino deve ser encarada como uma única
parte, todavia, e em função do ponto de vista da actividade fisiológica do
organismo dos praticantes pode-se considerar como tendo quatro ou três partes
fundamentais:
introdução: explicação dos objectivos, e os métodos de treino para os
atingir;
preparação: aumento da actividade dos diferentes sistemas funcionais;
principal: realização de esforços prolongados a uma intensidade média ou
elevada; e,
final: redução e recuperação dos esforços dispendidos.

Neste contexto, o escalonamento dos diferentes exercícios na sessão de treino


deve ter em atenção:
a presente realidade fisiológica (aumento, realização máxima, e redução);
encurtamento da parte de preparação e final, e prolongamento da parte
principal que corresponde à capacidade óptima de esforço; e,
os exercícios que correspondem às diferentes partes da sessão de treino
devem permitir a sua unidade por forma que este não seja alterado ao longo
da sessão.
4.1. Parte introdutória da sessão de treino

Basicamente todas as sessões de treino devem começar com uma parte


introdutória na qual, o treinador para além de saudar os diferentes
praticantes, explica de forma breve:
os objectivos planeados para essa sessão de treino;
dá informações detalhadas de como esses objectivos podem ser
atingidos;
aproveita para aumentar os níveis de motivação e vontade dos
praticantes;
536 • Metodologia do treino desportivo I !

depois destas informações o treinador organiza o colectivo em


pequenos grupos de acordo com os objectivos específicos de cada
praticante.

A utilização ou não desta parte introdutória da sessão de treino, depende


essencialmente: das tarefas preconizadas para o treino, do período de treino,
e mais importante ainda, do nível do treino do praticante. Nestas
circunstâncias, para sessões de treino em grupo, durante o período
preparatório, com principiantes, a parte introdutória na qual se explana os
objectivos do treino e os métodos para os atingir, é fundamental. Com
efeito, a sua duração varia entre os 3 e os 5 minutos podendo ser mais longa
quando se trata de principiantes (recorrendo-se inclusivamente a meios
adicionais como por exemplo os audiovisuais), ou mais curta quando se
trata de praticantes de elevado nível de rendimento.

4.2. Parte preparatória da sessão de treino

Esta parte representa entre 15 a 20% do volume total de treino (entre 20 a


30 minutos), e tem por objectivo aumentar a actividade dos diferentes
sistemas funcionais por forma a preparar o organismo para a parte seguinte
do treino. Podemos distinguir basicamente dois períodos nesta parte:
geral: com o recurso a exercícios de preparação geral que estimulam a
actividade dos sistemas funcionais mais importantes (sistema nervoso
central e periférico, aparelho locomotor, etc.), com uma duração entre os
15 e os 20 minutos;
específico: visa estimular selectivamente o sistema de comando e o
aparelho motor que irão ser solicitados de forma directa durante a parte
principal da sessão de treino, com uma duração entre os 5 e os 10
minutos.

4.3. Parte principal da sessão de treino


" A estrutura do processo de treino - a microestrutura • 537

A parte principal da sessão representa entre 50 a 70% do volume total de


treino, isto é, entre 60 a 80 minutos, e tem por objectivo, tal como o nome
indica, que os praticantes ou a equipa acedam, ou mantenham, níveis de
rendimento previamente programados e definidos.

Basicamente, a parte principal da sessão de treino deve ser organizada da


seguinte forma:
exercícios destinados à aprendizagem, aperfeiçoamento, ou ao
desenvolvimento das acções técnicas e das acções tácticas (qualquer
aprendizagem de um certo comportamento técnico-táctico é mais eficaz
quando é realizado em condições mínimas de fadiga);
exercícios para desenvolver a velocidade, coordenação e ritmo de
execução (após consolidado a execução dos gestos técnicos, estes devem
ser aperfeiçoados em condições idênticas à competição);
exercícios para desenvolver a força; e por último,
exercícios para desenvolver a resistência.

4.4. Parte final da sessão de treino

Esta parte da sessão representa entre 10 a 15% do volume total do treino,


isto é, entre os 10 e os 15 minutos, e tem por objectivo assegurar a redução
do trabalho por forma a levar o organismo a um estado o mais próximo
possível do seu estado inicial, criando-se assim as condições propícias ao
desenvolvimento do processo de recuperação.
200
180
160
Frequência cardiaca

140
120
100
80

parte preparatória parte principal parte final

Figura 77. A dinâmica da curva fisiológica durante a sessão de treino

5. A elaboração da sessão de treino


538 • Metodologia do treino desportivo I !

O processo de elaboração da sessão de treino constitui uma operação


metodológica fundamental. Este processo materializa o raciocínio criador do
treinador tirando proveito da sua capacidade, conhecimento e experiência. Em
síntese as principais operações a realizar pelo treinador na elaboração da sessão
de treino são as seguintes (Teodorescu, 1984):
estabelecer os temas e os objectivos da sessão de treino, sendo resultante
do período anual de treino, da análise da sessão anterior, dos resultados da
competição (se houve), e do conhecimento das circunstâncias em que a
próxima competição irá decorrer;
estabelecer o tipo de sessão (aprendizagem, repetição, mista, etc.);
estabelecer os exercícios através dos quais se irá atingir os objectivos, a
sua sucessão, o tempo de duração, a intensidade, a densidade, a frequência;
estabelecer o conteúdo da parte introdutória geral e específica;
estabelecer a forma, conteúdo, e duração da competição a efectuar no
final da parte principal da sessão de treino;
estabelecer o conteúdo e a duração da parte final da sessão de treino;
estabelecer as medidas administrativas (por exemplo: material) necessária
à sessão;
respeitar as indicações metodológicas de que o treinador necessita
durante a sessão;
verificar a ordem (sucessão) dos exercícios na sessão em conformidade
com os princípios metodológicos; e por último,
transcrição do plano da sessão de treino.
" A estrutura do processo de treino - a microestrutura • 539

Sessão de Objectivos
treino da preparação

Tipo de
sessão

Efeitos da Objectivos Tema(s) Factores de


actividade pedagógicos da sessão treino
no praticante
ou na equipa
aprendizagem
técnica
aperfeiçoamento
táctica
desenvolvimento
qualidades físicas
manutenção

Dominantes Subdominantes

Estrutura
Exercícios
da sessão

Princípios Métodos
Procedimentos metodológicos

Figura 78. Principais factores implicados na elaboração da sessão de treino (adaptado de


Teodorescu, 1984)
PARTE VI

A ESTRUTURA DO PROCESSO DE TREINO

Capítulo 2

A mesoestrutura do processo de treino

Resp: Jorge Castelo


Conteúdo do Capítulo 2 da Parte VI

Neste Capítulo abordaremos a estrutura do processo de treino incidindo a nossa reflexão


sobre a mesoestrutura que compreende uma série de microciclos organizados num objectivo
preciso. Com efeito, o microciclo é constituido por um conjunto de sessões de treino
repartidos por diferentes dias, destinados a abordar na sua globalidade um problema
correspondente a uma etapa de preparação do praticante ou da equipa. Neste sentido, iremos
analisar os parâmetros metodológicos, os critérios, a classificação (graduais, de choque, de
aproximação, de recuperação e de competição) e a estrutura dos microciclos.

Organigrama 18

Parte VI

A estrutura do processo de treino

Sumário

Capítulo 2 - A mesoestrutura do processo de treino


1. Constituição do microciclo
2. Duração do microciclo
3. Parâmetros metodológicos para a construção dos microciclos
4. Critérios para a construção dos microciclos
5. Classificação dos microciclos
1. Os microciclos graduais
2. Os microciclos de choque
3. Os microciclos de aproximação
4. Os microciclos de recuperação
5. Os microciclos de competição
6. A estrutura dos microciclos
Bibliografia:

BOMPA, T. (1990) Theory and methodology of training, Kendal/Hunt publishing


company, USA
MATVEYEV, L., (1986) Fundamentos do Treino Desportivo, Livros Horizonte, Lisboa
TEODORESCU, L. Problemas de teoria e metodologia nos desportos colectivos, Livros
Horizonte, Lisboa, 1984
PLATONOV, V., (1988) L' Entrâinement Sportif: Théorie et Méthodologie, Ed. E.P.S.,
Paris

A mesoestrutura do processo de treino compreende uma série de microciclos organizados


num objectivo preciso.

1. Constituição do microciclo

O microciclo é constituido por um conjunto de sessões de treino repartidos por diferentes


dias, destinados a abordar na sua globalidade um problema correspondente a uma etapa de
preparação do praticante ou da equipa. Neste sentido, nem todas as sessões de treino de um
microciclo são da mesma natureza, estes alternam de acordo com os objectivos do treino,
com o volume, intensidade, complexidade, métodos, etc.
2. Duração do microciclo

A duração de um microciclo pode ter entre 3 a 4 dias, e pode ir além dos 10 a 14 dias.
Todavia, a duração mais frequente dos microciclos é de 7 dias, pois, este período de tempo
adapta-se com mais facilidade ao ritmo geral da vida dos praticantes.

3. Parâmetros metodológicos para a construção dos microciclos

O objectivo fundamental na construção dos microciclos é a concretização do


melhoramento dos factores de treino, que em última análise, provocam a elevação do
nível de rendimento do praticante ou da equipa.

Com efeito, para que este objectivo seja atingido, a construção dos microciclos de treino
devem obedecer a dois parâmetros metodológicos fundamentais, independentemente da
modalidade desportiva em causa:
aprendizagem e aperfeiçoamento da técnica a baixa intensidade;
aperfeiçoamento da técnica numa intensidade submáxima e máxima;
desenvolvimento da velocidade de curta duração;
desenvolvimento da resistência anaeróbia;
melhorar a força utilizando cargas 90 a 100% da capacidade máxima do praticante;
desenvolver a resistência utilizando cargas médias e altas;
desenvolver a resistência cardiopulmonar numa intensidade máxima; e,
desenvolver a resistência cardiopulmonar numa intensidade moderada.

Podemos verificar que esta sequência é similar há que foi referida para a sessão de treino
- técnica/táctica, desenvolvimento da velocidade, da força, da resistência. Outro aspecto
importante é a alternância entre carga e regeneração. Neste sentido, na construção dos
microciclos as cargas máximas não devem ser superiores a duas devendo ser
intercaladas com sessões de treino com intensidade baixa ou média;
mantenham conteúdos e cargas de treino constantes: para se atingir os efeitos de treino
pretendidos é fundamental a utilização de sessões de treino similares que devem ser
repetidos 2 ou 3 vezes durante o mesmo microciclo. Esta repetição de exercícios similares é
um imperativo da aprendizagem, aperfeiçoamento ou desenvolvimento de um dado
comportamento técnico e táctico, bem como no melhoramentos das qualidades físicas de
suporte (velocidade, força, resistência, etc). Este conceito de repetição da mesma sessão de
treino, é igualmente válida para os microciclos com a mesma natureza (conteúdo, meios,
métodos, etc.), podendo ser repetida duas ou três vezes seguido de um aumento qualitativo
baseado no ajustamento do organismo à carga de treino.

4. Critérios para a construção dos microciclos

Existem muitos factores a considerar na construção de um microciclo, vejamos os de maior


importância:
estabelecer os objectivos e a dominante do microciclo;
decidir que tipo de microciclo deve escolher;
decidir sobre o carácter do treino, estabelecendo os métodos e meios de treino a serem
utilizados em cada sessão de treino;
estabelecer os dias para os testes ou competições;
o microciclo começa basicamente com baixa ou média intensidade e aumenta
progressivamente para intensidades elevadas;
em função da importância da competição pode-se utilizar somente uma carga
máxima 3 a 5 dias antes da competição;
decidir se treina mais que uma vez por dia, e o conteúdo de cada sessão de treino.

analisar se os objectivos foram ou não atingidos durante o microciclo;


analisar os aspectos positivos e negativos no que diz respeito ao comportamento dos
praticantes, motivação, vontade, etc;
deixar que os praticantes fazerem comentários referentes ao microciclo;
analisar aspectos que serão mantidos ou modificados para o microciclo seguinte;
e no princípio de cada microciclo desenvolver os seguintes aspectos:
objectivos para factor de treino, e que devem ser atingidos durante o microciclo;
detalhes do programa - volume, intensidade, etc.; e,
outros aspectos.

5. Classificação dos microciclos

Segundo Platonov (1988) os microciclos de treino podem ser classificados em:


microciclos graduais, microciclos de choque, microciclos de aproximação, microciclos de
recuperação, e os microciclos de competição.

5.1. Os microciclos graduais

Os microciclos graduais são caracterizados pelo seu fraco nível de solicitação, e têm por
objectivo a preparação do organismo para um trabalho intenso. Constituem a etapa inicial da
mesoestrutura.
5.2. Os microciclos de choque

Os microciclos de choque são caracterizados por um grande volume global de treino e um


nível de solicitação elevada. Têm por objectivo estimular os processos de adaptação do
organismo. Constituem uma parte importante do trabalho de preparação do praticante ou da
equipa, sendo igualmente utilizados no período competitivo.

5.3. Os microciclos de aproximação

Os microciclos de aproximação têm por objectivo preparar o praticante ou a equipa para as


condições em que irá decorrer a competição. Com efeito, o seu conteúdo é muito variado,
em função do estado de preparação em que estes se encontram. Nestas circunstâncias, estes
microciclos de aproximação reproduzem as situações de competição, ou a resolução de um
problema particular desta.

5.4. Os microciclos de recuperação


Os microciclos de recuperação são utilizados basicamente no final de uma série de
microciclos de choque, ou no final de um período de competição. Têm por objectivo
assegurar o desenvolvimento óptimo dos processos de recuperação que devolvem ao
organismo as suas possibilidades de adaptação. Este facto explica que estes microciclos têm
um diminuto grau de solicitação, e uma grande quantidade de procedimentos de repouso
activo.

5.5. Os microciclos de competição

Os microciclos de competição são constituídos em conformidade com o calendário


competitivo, tem assim em consideração o número de competições, e a duração dos
intervalos que os separam. Para levar o praticante ou a equipa às condições óptimas, estes
microciclos podem ser limitados ao trabalho específico, e aos processo de recuperação
activa.
6. A estrutura dos microciclos

A estrutura dos microciclos é consubstanciada pelo número de cargas máximas a utilizar


durante a semana de treino. Nestas circunstâncias , podemos estruturar os microciclos
com 1, 2, ou mesmo 3 cargas máximas, seguido de sessões de treino com cargas com
intensidade média ou baixa. Vejamos seguidamente alguns exemplos de estruturação
dos microciclos, segundo Bompa (1993):

Figura 79. Microciclo com uma carga elevada Figura 80. Microciclo com duas cargas
elevadas

Figura 81. Microciclo com duas cargas elevadas Figura 82. Microciclo com duas cargas
mas com grandes exigências físicas elevadas, na qual uma é a competição

Figura 83. Microciclo com duas cargas Figura 84. Microciclo com três cargas elevadas
elevadas subsequentes

w
PARTE VI

A ESTRUTURA DO PROCESSO DE TREINO

Capítulo 3

A macroestrutura do processo de treino

Resp: Jorge Castelo


550 • Metodologia do treino desportivo I !

Conteúdo do Capítulo 3 da Parte VI

Neste Capítulo abordaremos a estrutura do processo de treino


incidindo a nossa reflexão sobre a macroestrutura que compreende os
grandes períodos (ciclos) de treino. Com efeito, a macroestrutura é
constituido por um conjunto de microciclos destinados a abordar um
ou mais objectivos específicos do período correspondente de uma dada
etapa de preparação do praticante ou da equipa.. Neste sentido, iremos
analisar a constituição, a duração, a estrutura e a classificação (simples,
dupla e tripla) dos diferentes macrociclos.

Metodologia do treino desportivo I


Conteúdo Programático

Conceitos do treino Planeamento Planeamento do Parte V


Parte I desportivo Conceptual treino desportivo

Planeamento
Estratégico
Factores do rendi-
Parte II mento desportivo
Planeamento
Táctico

Parte III O exercício de trei-


no desportivo
Fundamentos do
exercício de treino Estrutura do
Microestrutura Parte VI
processo de treino
Bases conceptuais
exercício de treino
Mesoestrutura

Bases de aplicação
exercício de treino Macroestrutura

Bases de eficácia
exercício de treino
Período Periodizacão do Parte VII
Preparatório treino desportivo

Parte IV Factores do treino O factor técnico Período


desportivo desportivo Competitivo

O factor táctico Período


desportivo Transitório

O factor físico Estudo sobre


desportivo a força O controlo do
treino desportivo Parte VIII
Estudo sobre
a resistência

Estudo sobre
a velocidade

Estudo sobre
a flexibilidade

O treinador
perfil e competências
Parte IX

Organigrama 19
" A estrutura do processo de treino - a macroestrutura • 551

Parte VI

A estrutura do processo de treino

Sumário

Capítulo 3 - A macroestrutura do processo de treino


1. Constituição do macrociclo
2. Duração do macrociclo
3. Estrutura do macrociclo
4. A macroestrutura do treino desportivo e a periodização
4.1. A forma desportiva
4.1. 1. As fases da forma desportiva
4.1. 1. 2. A fase de aquisição
4.1. 1. 2. A fase de estabilização
4.1. 1. 3. A fase da perda temporária
4.2. Razões da periodização do treino desportivo
4.3. Duração da forma desportiva
4.4. As fases da forma desportiva e os períodos de treino
5. Classificação das macroestruturas de treino
5.1. Periodização simples
5.2. Periodização dupla
5.3. Periodização tripla
6. Diferentes modelos de periodização do treino
6.1. O modelo proposto por Matveiev
6.2. O modelo pendular
6.3. O modelo por "saltos"
6.4. O modelo por "blocos"
6.5. O modelo proposto por Tschine
6.6. O modelo proposto por Bondartchouk
552 • Metodologia do treino desportivo I !

Bibliografia:

MATVEYEV, L., (1986) Fundamentos do Treino Desportivo, Livros


Horizonte, Lisboa
BOMPA, T. (1990) Theory and methodology of training, Kendal/Hunt
publishing company, USA
PORTMANN, M. (1988) Planificação e periodização dos programas de treino
e de competição, Revista treino desportivo, IIª série, Vol.7, Março, pp. 15-20
PLATONOV, V., (1988) L' Entrâinement Sportif: Théorie et Méthodologie,
Ed. E.P.S., Paris
RAPOSO, V. (1989) A periodização do treino I, Revista treino desportivo, IIª
série, Vol.11, Março, pp. 55-59
RAPOSO, V. (1989) A periodização do treino II, Revista treino desportivo, IIª
série, Vol.12, Junho, pp. 55-59
RAPOSO, V. (1989) A periodização do treino III, Revista treino desportivo, IIª
série, Vol.13, Setembro, pp. 67-78
TSCHIENE, P. (1978) O sistema do treino, Futebol em Revista, 4º série nº28,
Dezembro, pp. 45-56
VILAR, C. (1983) Entrenamiento específico o deportivo, Revista Ludens
Vol.8, nº1, Out/Dez., pp. 16-19
WEINECK, J., (1983), Manuel d' Entrâinement, Ed. Vigot, Paris
ZATSIORSKY, V., (1966) Les qualités physiques du sportif, Moscovo, Doc
INS nº685
" A estrutura do processo de treino - a macroestrutura • 553

A macroestrutura do processo de treino compreende os grandes períodos


(ciclos) de treino.

1. Constituição do macrociclo

Um macrociclo treino é constituido por um conjunto de microciclos destinados


a abordar um ou mais objectivos específicos do período correspondente de uma
dada etapa de preparação do praticante ou da equipa.

2. Duração do macrociclo

O macrociclo representa os períodos de treino com uma duração de 2 a 6


semanas, todavia, esta duração difere de modalidade para modalidade
desportiva. Nestas circunstâncias, os factores que determinam cada período
(ciclo) de treino dependem largamente do calendário competitivo.

3. Estrutura do macrociclo

A estrutura do macrociclo é baseada nos objectivos específicos e no calendário


desportivo. Contudo, o princípio metodológico da estruturação do macrociclo é
baseado no aumento progressivo da carga de treino que deve ser o guia para
qualquer treinador. Neste contexto, a estrutura do macrociclo pode assumir
diferentes formas, por um lado, nas fases de formação dos praticantes os
microciclos que compõem o macrociclo têm uma intensidade uniforme, por
outro lado, a carga poderá aumentar continuamente em consequência do
aumento das necessidades do plano traçado pelo treinador, e pelo calendário
competitivo.
554 • Metodologia do treino desportivo I !

Vejamos alguns exemplos estabelecidos por Bompa (1993):

Microciclos Microciclos
1 2 3 4 1 2 3 4

E E

Intensidade
Intensidade

M M

B B

Figura 85. Três microciclos de Figura 86. Estrutura de um macrociclo com


desenvolvimento seguido de um de diminuição dois microciclos com intensidade máxima
seguidos por microciclos de recuperação

Microciclos Microciclos
1 2 3 4 1 2 3 4

E E
Intensidade

Intensidade

M M

B B

Figura 87. Variações da estrutura de um macrociclo com dois microciclos com intensidade
máxima seguidos

4. A macroestrutura do treino desportivo e a periodização

A macroestrutura do treino desportivo é baseado no conceito de periodização,


que é definido como a divisão do processo anual de treino em períodos com
variações temporais, características e objectivos próprios. Com efeito, é através
da periodização anual de treino que se procura consubstanciar a forma
desportiva, para que esta se manifeste em momentos coincidentes com as
competições mais importantes.
" A estrutura do processo de treino - a macroestrutura • 555

4.1. A forma desportiva

Segundo diferentes autores a forma desportiva é definida como:


"o estado de treino que permite ao desportista participar com sucesso
nas competições" (Ozolin);
"é uma consequência para o desportista de um estado físico-técnico
óptimo que lhe permite participar nos jogos de um campeonato, fazendo
uso pleno das suas qualidades tanto motoras como psíquicas e das suas
habilidades" (Telena);
"é um estado de predisposição óptima (a melhor) para a obtenção dos
resultados desportivos, que é adquirida pelo atleta em função da
correspondente preparação em cada novo escalão do aperfeiçoamento
desportivo" (Matveiev).

4.1.1. As fases da forma desportiva

A macroestrutura do treino assenta os seus fundamentos nas fases da


forma desportiva, que para além de ser um estado, é também um
processo, ou mais exactamente, uma das fases do processo de
aperfeiçoamento desportivo. Estas fases observam-se claramente não só
na dinâmica de rendimento mas também nas variações dos índices
fisiológicos e inclusivamente em alguns índices antropométricos.

Nível óptimo

A E R
556 • Metodologia do treino desportivo I !

Figura 88. As três fases da evolução da forma desportiva (A) aquisição, (E)
estabilização, (R) regressão

4.1.1.1. A fase de aquisição

A fase de aquisição compreende a formação e o desenvolvimento das


premissas da forma desportiva e a sua consecução imediata. Nesta fase
operam-se no organismo restruturações funcionais importantes (não se
afastando a hipótese de ocorrência de interacções negativas entre as
diversas qualidades físicas, assim como os hábitos motores), cujos
processos de adaptação adquirem um carácter cada vez mais
especializado.

4.1.1.2. A fase de estabilização

a fase de estabilização relativa (manutenção) da forma desportiva


caracteriza-se pela manutenção da predisposição óptima (em
determinado ciclo) para alcançar bons resultados. É evidente que se
reduz (pelo menos nos praticantes adultos) o grau das reestruturas
biológicas ulteriores, o que se manifesta na estabilização relativa dos
índices desportivos a um nível elevado. Não se justificam
restruturações fundamentais no período da forma desportiva,
porquanto poderia originar a sua perda. Mas isto não significa, que se
explorem apenas as possibilidades adquiridas na fase anterior.

4.1.1.3. A fase da perda temporária

a fase da perda temporária da forma desportiva caracteriza-se pela


redução da readaptação de determinados aspectos do nível de treino,
devido à extinção dos vínculos que unem os diversos elementos da
" A estrutura do processo de treino - a macroestrutura • 557

forma desportiva e à queda do organismo num nível diferente de


funcionamento.

4.2. Razões da periodização do treino desportivo

As razões pelas quais a forma desportiva não se pode manter


permanentemente são as seguintes:
o treino tem por finalidade o aperfeiçoamento constante. Para avançar
é necessário "despojar-se" da velha forma e adquirir uma nova. E para a
adquirir é necessário fazer-se importantes restruturações, conseguir-se
um considerável e múltiplo desenvolvimento das qualidades físicas,
assimilar outras destrezas e novos hábitos mais perfeitos, isto é,
transformar e melhorar todos os aspectos da preparação desportiva na
melhor medida possível no período de manutenção da forma, quando as
suas bases estão relativamente estabilizadas;
as cargas de treino não proporcionam apenas um efeito imediato mas
também acumulado (que aumenta globalmente), que é consequência de
uma prolongada aplicação das cargas. Devido ao efeito acumulado das
cargas, que se deve à aquisição e manutenção da forma, é necessário
pensar que mais tarde ou mais cedo (isto depende da amplitude absoluta
das cargas e das circunstâncias) surge uma reacção preventiva do
organismo à supertensão dos mecanismos de adaptação; e,
é difícil para o sistema nervoso do atleta, a manutenção de um
equilíbrio dinâmico entre as diversas funções biológicas e os processos
que constituem a base da forma desportiva. Esta tarefa torna-se ainda
mais complexa porque tem de ser cumprida numa situação de constantes
alterações do meio interno e externo do organismo e em condições de
interacção muito subtis entre os diversos processos de adaptação.

Concluindo, a periodização do treino surge assim, devido a condições


objectivas e necessárias ao aperfeiçoamento e melhoria do rendimento:
558 • Metodologia do treino desportivo I !

razões biológicas: os praticantes não podem manter-se num estado de


forma elevado durante longos períodos de tempo;
razões técnico-tácticas: as alterações periódicas da estrutura e do
conteúdo do treino.
4.3. Duração da forma desportiva

A duração de todo o ciclo de desenvolvimento da forma desportiva, desde a


aquisição, conservação até à perda temporária, depende do nível do estado
de treino inicial do praticante, da sua idade, das suas particularidades
individuais, das características da modalidade, etc. Os diferentes níveis do
estado de treino variam em proporção das variações funcionais, e por
consequência, também a melhoria dos rendimentos. Nos primeiros anos de
actividade desportiva o estado de treino evolui rapidamente, mas por sua
vez é submetido a grandes oscilações. As suas qualidades físicas dos
praticantes de elevado nível de rendimento de elite, melhoram em menor
medida, mas as suas possibilidades funcionais mantêm-se estáveis,
sobressaindo a melhoria da coordenação. Estas diferenças verificam-se em
todas as fases do desenvolvimento da forma desportiva.

Tem grande importância as peculiaridades individuais do praticante; assim


os praticantes bem dotados no aspecto motor conseguem mais rapidamente
elevados rendimentos desportivos. A aquisição, a conservação e a perda
temporária da forma desportiva nem sempre se apresenta iguais, influindo
nesta a actividade nervosa do desportista, o desenvolvimento das suas
qualidades físicas e outros factores individuais .

Mas o factor mais importante no desenvolvimento da forma desportiva é o


treino. É ele que na sua estrutura e no seu conteúdo que asseguram a
aquisição, a conservação da forma, e em grande parte, fixa a sua duração.
Finalmente estas fases não podem alargar-se ou encurtar-se de qualquer
maneira, pois depende das leis intrínsecas próprias do desenvolvimento do
" A estrutura do processo de treino - a macroestrutura • 559

organismo. A aquisição, a conservação e a perda temporária da forma


desportiva produzem-se em consequência das influencias do treino,
rigorosamente determinadas, cujo carácter varia de acordo com a fase de
desenvolvimento da forma desportiva. Através da alteração das
componentes do treino, especialmente do volume e da intensidade das
cargas, as fases de desenvolvimento da forma desportiva podem ser
reduzidas ou prolongadas. Mas para se alcançar este objectivo não se pode
actuar arbitrariamente, não se podendo prolongar ilimitadamente as fases, já
que a sua duração é determinada em grande medida pelas leis internas do
desenvolvimento do organismo e depende de várias condições concretas
(nível de preparação prévia do praticante, etc.).

4.4. As fases da forma desportiva e os períodos de treino

Ao reafirmar-se o vínculo indestrutível que existe entre os períodos de


treino e as fases da forma desportiva, não se deve de modo nenhum,
equipará-los. Neste contexto:
as fases de desenvolvimento da forma desportiva são momentos
sucessivos de um processo biológico, na sua própria base, são etapas de
modificações fisiológicas, bioquímicas e morfológicas que operam no
organismo do desportista sob o influxo do treino e devido a outros
factores;
os períodos de treino são os intervalos de tempo sucessivos de um
processo basicamente pedagógico. São períodos que se caracterizam pelo
emprego conveniente de certos meios e métodos que proporcionam uma
influência orientadora do desenvolvimento do praticante, ou seja, os
períodos de treino são intervalos de tempo sucessivos de orientação do
desenvolvimento da forma desportiva.

Por último as características dos períodos de treino pressupõe o estudo dos


traços distintivos que caracterizam o conteúdo e a estrutura do processo de
560 • Metodologia do treino desportivo I !

treino em cada período, e ao mesmo tempo a observação da alteração desses


traços à medida que se passa de um período para outro. É indispensável ter
presente que a periodização refere-se, acima de tudo, aos aspectos práticos
da preparação do praticante. Tais aspectos, tal como o desenvolvimento
geral da consciência e a melhoria do comportamento do praticante, tem a
sua lógica própria de desenvolvimento, e somente em parte, depende dos
períodos de treino.

5. Classificação das macroestruturas de treino

As macroestruturas de treino são classificados em função do número de


competições importantes existentes dentro do calendário estabelecido. Neste
sentido, podemos observar fundamentalmente periodizações: simples, duplas,
ou triplas.

5.1. Periodização simples

A periodização simples é caracterizada pela existência de um período


competitivo, logo, um momento de forma para uma competição importante.
Neste contexto, a macroestrutura do processo de treino é dividido em:
período preparatório: na qual se inclui:
o período preparatório geral; e,
o período preparatório específico;
período competitivo: que inclui:
algumas competições secundárias antes da competição principal
" A estrutura do processo de treino - a macroestrutura • 561

Figura 89. Periodização simples - um período de altas competições

uma fase de diminuição do volume e da intensidade da carga por


forma o praticante regenerar-se antes da competição principal;
uma fase de preparação especial durante o qual o treinador faz
algumas modificações técnicas e tácticas, podendo ser igualmente
utilizado para a preparação psicológica do praticante para a
competição; e,
período transitório.

5.2. Periodização dupla

A periodização dupla é caracterizada pela existência de dois períodos


competitivos, logo, dois momentos de forma para duas competição
importantes. Neste contexto, a macroestrutura do processo de treino é
dividido em:
período preparatório I: que normalmente é o mais longo dos dois períodos
preparatórios (maior volume)
período competitivo I: que normalmente o nível de forma desportiva é
um pouco mais baixa que no período competitivo II;
pequeno período de transição: (com uma semana) estruturalmente
ligado ao período preparatório II;
período competitivo II; e por último,
período transitório.
562 • Metodologia do treino desportivo I !

Figura 90. Periodização dupla - dois períodos de altas competições

5.3. Periodização tripla

A periodização tripla é caracterizada pela existência de três períodos


competitivos, logo, três momentos de forma para três competição
importantes. Neste contexto, a macroestrutura do processo de treino é
dividido em:
período preparatório I: que normalmente é o mais longo dos três
períodos preparatórios (maior volume)
período competitivo I: que normalmente o nível de forma desportiva é
um pouco mais baixa que no período competitivo II;
pequeno período de transição: estruturalmente ligado ao período
preparatório II;
período competitivo II;
pequeno período de transição: estruturalmente ligado ao período
preparatório III;
período competitivo III; e por último,
período transitório.
" A estrutura do processo de treino - a macroestrutura • 563

Figura 91. Periodização tripla - três períodos de altas competições

6. Diferentes modelos de periodização do treino

Ao longo da evolução do treino desportivo, foram desenvolvidos por diferentes


investigadores, diferentes formas de organizar as tarefas inerentes ao
melhoramento do rendimento dos praticantes ou das equipas. Neste contexto,
foi Matveiev o autor, nos anos 60, que contribuiu de forma marcante para a
construção cientificada dos fundamentos que justificaram, não só a existência
da periodização, como também, explicam com exactidão as condições de
adaptação biológica para as diferentes cargas de treino. Mais tarde, outros
autores, procuraram, por um lado, desenvolver modelos de periodização
melhorando, aperfeiçoando, e adaptando os conceitos estabelecidos por
Matveiev, e por outro, a partir dos anos 70, iniciaram-se importantes estudos
que estabeleceram o rompimento com estas perspectivas denominadas de
"tradicionais".

6.1. O modelo proposto por Matveiev


564 • Metodologia do treino desportivo I !

Este autor soviético, desenvolveu o conceito de periodização do treino,


tendo por base a teoria da adaptação de Selye. Neste sentido, dado o
carácter ondulante da resposta biológica à carga de treino, procura
estabelecer uma relação óptima entre os diferentes elementos da carga de
treino (especialmente o volume, a intensidade, e a orientação geral e
específica desta), e as adaptações ondulantes das funções fisiológicas dos
praticantes.

Basicamente o modelo de periodização desportiva proposta por Matveiev


assenta na divisão do processo anual de treino em três períodos
fundamentais:
preparatório com uma duração entre os 3 e os 7 meses, tem por
objectivo a aquisição da forma desportiva, e é dividido em duas etapas:
• preparação física geral: cujo conteúdo básico se traduz num alto
volume de treino, na razão inversa da intensidade, maior número de
exercícios de carácter geral em oposição aos específicos, e a não
participação em competições;
• preparação física específica: cujo conteúdo se traduz num maior
treino de carácter específico, o volume tende a decrescer com um
incremento da intensidade, e um envolvimento em competições de
nível secundário;
competitivo: com uma duração entre 1 a 2 meses, tem por objectivo a
manutenção da forma desportiva adquirida durante o período anterior,
cujo conteúdo se consubstancia na continua melhoria das habilidades
motoras (consolidação da técnica), aperfeiçoamento das acções tácticas e
das suas combinações, das características psicológicas, melhoria do nível
de preparação teórica das praticantes, e por último num maior nível de
preparação física geral;
transitório com uma duração de um mês, cuja necessidade advém da
fadiga acumulada durante o período preparatório e competitivo. O
" A estrutura do processo de treino - a macroestrutura • 565

conteúdo deste período é formado por exercícios de carácter geral


realizados sob volumes e intensidades reduzidas. O autor propõe
inclusive a prática de uma modalidade desportiva diferente. O objectivo
fundamental deste período é de fazer desaparecer a fadiga muscular e o
stress competitivo, e começar a próxima época desportiva num nível
superior de capacidade.

Figura 92. Periodização do treino segundo Matveiev (1967)

6.2. O modelo pendular

O modelo pendular foi inicialmente proposto por Arosiev (1971) e


aperfeiçoada por outros autores. O presente modelo baseia-se no contraste
dos efeitos de treino sobre o organismo dos praticantes através de uma
alternância pendular sistemática entre cargas de treino gerais e específicas.
À medida que se aproximam as competições mais importantes aumenta-se
as cargas específicas e decrescem as cargas gerais. Procura-se com esta
periodização que os praticantes entrem e saiam constantemente de forma
desportiva dependendo esta, do número de competições que estes irão
disputar e da distância temporal existente entre elas.

Neste contexto, o modelo de periodização pendular não utiliza períodos nem


etapas, mas sim ciclos que duram desde a aquisição da forma desportiva até
à sua breve manutenção durante as competições. Depois, aumenta-se de
566 • Metodologia do treino desportivo I !

novo as cargas de carácter geral, criando-se as condições para que o


praticante possa começar um novo ciclo de preparação para a próxima
competição, visando o melhoramento das capacidades físicas gerais e o seu
enriquecimento quer no plano técnico, quer no plano táctico, sendo
sucessivamente substituídos por exercícios de carácter específico.

100%
90%
80%

Amplitude do
pêndulo

ciclo ciclo ciclo ciclo


pré-comp pré-comp pré-comp competição
I II III
carga especial carga geral repouso activo
Figura 93. Periodização pendular

6.3. O modelo por "saltos"

Vorobjev (1974) apresenta um modelo de periodização do treino no qual as


cargas de treino são aplicadas por "saltos", tanto em termos de volume
como intensidade por forma a evitar a habituação neuromuscular aos
estímulos sempre constantes da carga. Este modelo foi preferencialmente
aplica na halterofilia e modalidades desportivas em que o sistema
neuromuscular pode atingir um estado de equilíbrio estacionário, provocado
pelas condições de aplicação das cargas.

6.4. O modelo por "blocos"

Werchoshanskis (1979) influencia a periodização do treino dos anos 80


apresentando o modelo por "blocos". Este modelo fundamenta-se no
princípio de que o praticante só poderá possível atingir o seu rendimento
" A estrutura do processo de treino - a macroestrutura • 567

máximo se o processo de periodização das cargas de treino tiver em


consideração a evolução de todos os componentes que influenciam esse
rendimento, especialmente o factor técnico. Dai que este modelo está muito
ligado ao atletismo nas especialidades que têm uma elevada exigência
técnica (saltos, lançamentos) com uma grande componente de força-
explosiva como qualidade física dominante.

Figura 94. Volume de trabalho efectuado, Figura 95. Desenvolvimento mais apropriado da
reduzindo o ritmo de desenvolvimento das força explosiva pela concentração da carga de
qualidades físicas (Werchoshanskis, 1979) trabalho e pela variação do volume e da
intensidade em curtos períodos

Este investigador comprovou que o aumento da força absoluta exerce uma


influência negativa na velocidade de execução técnica, pelo que, o volume
de trabalho de força e a sua duração no tempo, devem ser modificados em
função da necessidade crescente de aplicação do nível de execução técnica
alcançado. Neste sentido, este modelo propõe trabalhar a força concentrada
em "blocos" seguido de um outro "bloco" com um conteúdo de
força+técnica.

6.5. O modelo proposto por Tschine

O modelo de periodização do treino apresentado por Tschine tem por


fundamento uma nova distribuição da carga de treino que se consubstancia
especialmente na manutenção de um alto nível de intensidade durante todo
o processo anual de treino. Utiliza-se preponderantemente os exercícios
568 • Metodologia do treino desportivo I !

especiais e de competição , e realiza-se um grande número de competições,


que se traduzem num aumento da intensidade específica da carga de treino
dos praticantes. Por último, este autor preconiza a utilização dos
denominados "intervalos profilácticos" antes do começo do período
competitivo e a meio deste, por forma que os praticantes estejam
suficientemente "descansados".

Figura 96. Periodização do treino segundo Tschiene (1977)

6.6. O modelo proposto por Bondartchouk

O presente autor fundamenta o seu modelo de periodização do treino em


duas ideias fundamentais. A primeira é que considera o praticante como
uma unidade, e como tal, tem de ser treinado não podendo ser uma vez
físico-condicional, e outra vez técnico, ou táctico. Neste sentido, todas as
estruturas, a física, a técnica, a táctica, devem ser treinados
simultaneamente. A segunda ideia procura eliminar a preparação geral, pois,
os exercícios utilizados neste período são de duvidosa transferência positiva
para os gestos específicos mais utilizados em competição. Os exercícios
gerais são apenas utilizados como meios de recuperação.
" A estrutura do processo de treino - a macroestrutura • 569

Figura 97. Periodização do treino segundo Bondartchouk (1981)

A partir destas duas ideias básicas, o autor, refere que o treino deve fazer-se
de forma individual, pois, a aplicação dos elementos condicionais à
componente técnica dependerá do nível de execução, do ajuste motor do
praticante aos gestos técnicos específicos de determinada modalidade
desportiva.
PARTE VII

A PERIODIZAÇÃO DO TREINO DESPORTIVO

Resp: Jorge Castelo


Parte VII

A periodização do treino desportivo

Sumário

Capítulo 1 - O período preparatório

Capítulo 2 - O período competitivo

Capítulo 3 - O período transitório


PARTE VII

A PERIODIZAÇÃO DO TREINO DESPORTIVO

Capítulo 1

O período preparatório

Resp: Jorge Castelo


572 • Metodologia do treino desportivo I !

Conteúdo do Capítulo 1 da Parte VII

A periodização anual do treino desportivo evidencia fundamentalmente


três períodos: preparatório, competitivo e transitório. Os objectivos
essenciais do período preparatório são, numa primeira etapa, a criação
dos pressupostos fundamentais ao desenvolvimento dos factores
elementares, quer no plano motor, mental, e afectivo, que condicionam
a forma desportiva, e numa segunda etapa, o aperfeiçoamento destes
pressupostos por forma a alcançar a forma desportiva. Em
consequência destas duas etapas consubstancia-se a disposição óptima
para a competição. Neste contexto, iremos analisar a sua duração e a
sua divisão (geral e específica) incluindo a dinâmica das cargas.

Metodologia do treino desportivo I


Conteúdo Programático

Conceitos do treino Planeamento Planeamento do


Parte I desportivo Conceptual treino desportivo Parte V

Planeamento
Estratégico
Factores do rendi-
Parte II mento desportivo
Planeamento
Táctico

O exercício de trei- Fundamentos do


Parte III Estrutura do
no desportivo exercício de treino Microestrutura Parte VI
processo de treino
Bases conceptuais
exercício de treino
Mesoestrutura

Bases de aplicação
exercício de treino Macroestrutura

Bases de eficácia
exercício de treino
Período Periodizacão do Parte VII
Preparatório treino desportivo

Parte IV Factores do treino O factor técnico Período


desportivo desportivo Competitivo

O factor táctico Período


desportivo Transitório

O factor físico Estudo sobre


desportivo a força O controlo do
treino desportivo Parte VIII
Estudo sobre
a resistência

Estudo sobre
a velocidade

Estudo sobre
a flexibilidade

O treinador
perfil e competências
Parte IX

Organigrama 20
" A periodização do treino - O período preparatório • 573

Parte VII

A periodização do treino desportivo

Sumário

Capítulo 1 - O período preparatório

1. Objectivos do período preparatório


2. A duração do período preparatório
3. A divisão do período preparatório
3.1. A etapa de preparação geral
3.1.1. Dinâmica da carga de treino
3.2. A etapa de preparação específica
3.2.1. Dinâmica das cargas
3.2.2. A correlação entre a preparação geral e específica
3.2.3. As competições no período preparatório
574 • Metodologia do treino desportivo I !

Bibliografia:

BOMPA, T. (1990) Theory and methodology of training, Kendal/Hunt


publishing company, USA
MATVEYEV, L., (1986) Fundamentos do Treino Desportivo, Livros
Horizonte, Lisboa
PLATONOV, V., (1988) L' Entrâinement Sportif: Théorie et Méthodologie,
Ed. E.P.S., Paris
RAPOSO, V. (1989) A periodização do treino III, Revista treino desportivo, IIª
série, Vol.13, Setembro, pp. 67-78
WEINECK, J., (1983), Manuel d' Entrâinement, Ed. Vigot, Paris
" A periodização do treino - O período preparatório • 575

O período preparatório é, para a maioria das modalidades desportivas a


unidade estrutural mais longa do macrociclo de treino. Com efeito, este período
apresenta uma enorme importância para que se atinjam níveis de rendimento
elevados, pois, uma inadequada organização das cargas de treino neste período,
irá ter repercussões negativas, quer no plano técnico, táctico, físico, e
psicológico, durante o período competitivo.

1. Objectivos do período preparatório

Os objectivos do período preparatório são, numa primeira etapa, a criação dos


pressupostos fundamentais ao desenvolvimento dos factores elementares, quer
no plano motor, mental, e afectivo, que condicionam a forma desportiva, e
numa segunda etapa, o aperfeiçoamento destes pressupostos por forma a
alcançar a forma desportiva. Em consequência destas duas etapas
consubstancia-se a disposição óptima para a competição.

2. A duração do período preparatório

A duração do período preparatório depende fundamentalmente das datas das


principais competições desportivas. É portanto, o calendário desportivo que
com maior peso intervém na definição da duração dos períodos de treino. Em
muitas modalidades desportivas podemos observar uma duração do período
preparatório que varia entre 3 a 6 meses.
576 • Metodologia do treino desportivo I !

3. A divisão do período preparatório

Por questões metodológicas, o período preparatório é subdividido em duas


etapas com conteúdos diferenciados mas interligados:
a preparação geral em que se desenvolvem os aspectos gerais da
preparação do praticante ou da equipa; e,
a preparação especifica em que se desenvolvem os aspectos específicos
de preparação do praticante ou da equipa para a competição.

3.1. A etapa de preparação geral

O objectivo do treino nesta etapa e o de construir os "alicerces" da forma


desportiva, daí que o seu conteúdo seja:
aumento da capacidade de carga de treino, especialmente, através do
aumento do volume;
melhoria do nível técnico praticante através da execução multifacetada
destes procedimentos em situações variadas;
alargar as possibilidades funcionais do organismo por meio do
desenvolvimento múltiplo das suas qualidades motoras: a resistência, a
força, a velocidade, a flexibilidade, a agilidade, a coordenação. Dentro
deste factor de treino, potenciar especialmente a resistência de base
aeróbia (desenvolvimento e melhoria do VO2 max., e do limiar
anaeróbio);
assimilar e alargar os conhecimentos que constituem a base teórica da
actividade desportiva em análise;
desenvolver as qualidades volitivas, que se revestem de especial
importância devido à realização de um trabalho de grande volume; e,
criação de pressupostos necessários para o melhoramento dos
resultados das competições.
" A periodização do treino - O período preparatório • 577

3.1.1. Dinâmica da carga de treino

Uma das características do treino nesta etapa consiste no facto deste não
estar orientado para um aprofundamento da especialização da
modalidade desportiva, mas sim em ampliar as possibilidade funcionais
do organismo que, directa ou indirectamente são necessárias para se
atingir a forma desportiva (Matveiev, 1977). Há portanto que dar
preponderância à preparação física de tipo geral (que é a condição básica
do aperfeiçoamento desportivo) sobre a preparação de tipo específico.

A tendência principal da dinâmica global das cargas de treino, durante a


primeira etapa do período preparatório, consiste basicamente, no
aumento progressivo do volume e da intensidade do treino. Todavia, a
elevação do volume nesta etapa é predominante (este princípio é aceite
por quase todos os especialistas), por forma a garantir, mais tarde, a
estabilidade da forma desportiva, uma vez que esta depende, por um
lado, do volume do trabalho preparatório e, por outro, da duração do
período ao longo do qual se efectua esse trabalho. Esta é uma lei que,
segundo Matveiev (1977), não pode ser ignorada nem esquecida.

Nestas circunstâncias, o aumento da intensidade da carga de treino na


primeira etapa do período preparatório não deve ser impeditivo do
aumento do volume global do treino até ao começo da segunda etapa
desse mesmo período. Por conseguinte, o ritmo do aumento do volume é
mais acelerado que a elevação da intensidade.

Teoricamente é possível imaginar uma variante na qual a intensidade se


desenvolve de forma mais rápida que o volume. Todavia, o volume
conseguido seria tão reduzido que se tornava inadequado para a criação
das bases necessárias para um aumento posterior e progressivo do
578 • Metodologia do treino desportivo I !

trabalho, incluindo igualmente o aumento da intensidade. A elevação


acelerada da intensidade com prejuízo do volume da carga, provoca a
rápida variação de certas funções, mas não garante a variação adaptativa
a longo prazo nem favorece a consolidação das capacidades adquiridas.
Com efeito, uma carga de treino muito concentrada produz um rápido
acesso a um elevado estado de treino, mas se o interrompermos esse
estado volta a perder-se com a mesma rapidez como foi atingido. Se
contudo essas mesmas cargas se repartirem ao longo de um espaço de
tempo maior, o estado de treino melhora mais lentamente e o seu nível
será mais baixo mas mais estável. Um tipo de cargas misto tem como
resultado uma curva de desenvolvimento do estado de treino intermédio.

Daqui se infere, e no sentido oposto, que a tendência do aumento do


volume da carga, justifica-se somente dentro de certos limites, pois, sem
uma intensidade óptima não se produz quaisquer alterações no organismo
e este nunca conduzirá aos resultados desejados. Por isso, é de ter em
atenção que a progressão do volume só será eficaz se tiver o
acompanhamento de uma intensidade que possa provocar novas
adaptações funcionais e musculares.

A progressão excessivamente lenta do volume retarda a possibilidade de


se aumentar a intensidade o que por sua vez, vai retardar ou mesmo
travar o desenvolvimento do estado de treino específico. Daqui devemos
concluir, que a tendência do aumento predominante do volume de cargas
"somente está justificada" dentro de um limite de tempo óptimo. A
medida que nos aproximamos desses limites o volume deve ir
estabilizando e há que aumentar a intensidade" (Matveiev, 1977). Como
referência organizativa considera-se o momento em que se estabiliza o
volume global como um dos índices que separam a primeira da segunda
etapa do período preparatório.
" A periodização do treino - O período preparatório • 579

3.2. A etapa de preparação específica

Na segunda etapa do período preparatório processam-se alterações quer na


estrutura quer no conteúdo do programa de treino com o objectivo de
desenvolver as condições próprias para um imediato estabelecimento da
forma desportiva. Neste contexto, dá-se à preparação uma orientação
especial acentuada de forma profunda todas as seus vertentes.
Neste contexto, como grandes objectivos desta etapa encontramos:
ao nível da qualidades físicas procura-se neste etapa garantir a
manutenção do nível alcançado na primeira etapa e, simultaneamente, o
seu desenvolvimento por forma a responder às exigências específicas da
modalidade desportiva;
ao nível dos procedimentos técnicos procura-se uma assimilação mais
completa em situações mais próximas das condições de competição, nas
quais se congregam todas as condições do meio interno (factores
emocionais) e externo (público, adversário, etc.), por forma a uma maior
estabilização do comportamento motor do praticante, isto é, aumento da
sua eficiência, e uma maior variabilidade para que esse comportamento
seja ajustável às questões impostas pela situação competitiva;
ao nível da preparação volitiva esta torna-se mais importante à medida
que nos aproximamos da competição;
todos os factores de treino enunciados criam a necessidade de serem
harmoniosamente combinados por forma a haver uma interpenetração
dos mesmos para se atingir uma verdadeira forma desportiva; e,
o treino nesta segunda etapa deve garantir que desde o início do
período competitivo os praticantes melhorem as suas prestações ou se
aproximem delas. Importa sobretudo ter a segurança de que as prestações
possam continuar a melhorar pela intensificação da carga em particular
pelas competições.
580 • Metodologia do treino desportivo I !

3.2.1. Dinâmica das cargas

A tendência principal da dinâmica global das cargas de treino, durante a


segunda etapa do período preparatório, consiste basicamente, no aumento
progressivo da intensidade da carga de treino, com consequente
diminuição (não muito significativa) do volume.

Esta diminuição do volume deve-se fundamentalmente, por um lado, à


necessidade de se criar as condições para a elevação da intensidade, que é
neste momento particular da preparação, a componente mais importante
do desenvolvimento do nível de rendimento do praticante ou da equipa e,
por outro, a necessidade de se "aliviar" o processo de estruturação devido
ao efeito retardado da carga. Daqui se infere, só reduzindo durante um
tempo suficientemente prolongado o volume total da carga e elevando a
sua intensidade, se podem transformar os resultados do trabalho anterior
(primeira etapa) consubstanciando um aumento acentuado dos níveis de
rendimento dos praticantes. Neste contexto, uma ideia central permanece,
a de que durante esta segunda etapa, aumenta a intensidade da carga
devido principalmente à especificidade dos exercícios de treino e do seu
grau de identidade com a competição. Ao mesmo tempo que aumenta a
velocidade, o ritmo e o gasto energético para a sua realização.

Por último, os meios de treino a utilizar neste segunda etapa do período


preparatório têm um carácter específico relativamente à modalidade
desportiva, estabelecendo um maior grau de exigência motora,
intelectual, e afectiva. Os meios utilizados são igualmente menos
variados do que na primeira etapa, todavia, uma pequena parte desses
exercícios (gerais) adquirem um carácter estável os quais continuaram a
ser utilizados com vista ao seu aperfeiçoamento.
" A periodização do treino - O período preparatório • 581

3.2.2. A correlação entre a preparação geral e específica

A relação concreta, em termos quantitativos, entre a preparação geral e


específica oscila consideravelmente em função das características da
modalidade desportiva, o nível de rendimento do praticante e das suas
particularidades individuais. Com efeito, não é fácil uma resposta à
questão, pois, não existem neste momento os critérios que permitam
estabelecer os parâmetros de ambos. Segundo Matveiev (1977) no
começo do período preparatório a proporção é de 2:1, ou de 3:2, no final
deste período essa proporção vai diminuindo progressivamente até
alcançar 1:2, ou 1:3. No que se refere aos principiantes (jovens) essa
proporção deverá ser maior, já que o processo de treino para estes deve
ter um carácter menos especializado.

3.2.3. As competições no período preparatório

A competição é o grande motor de todo o treino desportivo daí que se


torne necessário considerar a participação do praticante ou da equipa em
competições durante o período preparatório sob dois aspectos diferentes:
como metas finais de treino;
como um meio rápido de desenvolvimento da forma.

As situações criadas no treino são apenas aproximadas daquelas que o


praticante encontra na competição, questões emocionais, experiência de
competir, ambiente, novas dinâmicas geradas pelo clima competitivo são
alguns dos factores que tornam as competições como indispensáveis para
o desenvolvimento da forma desportiva. É pois necessário, mesmo no
período preparatório a participação em competições contra adversários
582 • Metodologia do treino desportivo I !

com características diferentes ou mesmo totalmente desconhecidos.


Todavia, é fundamental salvaguardar dois aspectos fundamentais:
o praticante ou a equipa devem participar nestas competições com
uma base de condição física mínima necessária para a concretização
das tarefas impostas;
é necessário planear as competições durante o período preparatório
por forma a que estas coloquem dificuldades crescentes ao praticante
ou à equipa, não só do ponto de vista do rendimento, como
fundamentalmente da diversidade dos adversários.

Neste sentido, os objectivos destas competições durante o período


preparatório são:
uma ambientação às situações de competição;
a resolução de certas tarefas técnicas;
a verificação da eficácia técnica;
a análise do desenvolvimento de determinada qualidade motora
(força, resistência velocidade);
o reforço da autoconfiança;
a reacção durante a prova ao comportamento dos adversários.

w
" A periodização do treino - O período preparatório • 583
PARTE VII

A PERIODIZAÇÃO DO TREINO DESPORTIVO

Capítulo 2

O período competitivo
584 • Metodologia do treino desportivo I !

Conteúdo do Capítulo 2 da Parte VII

O período competitivo corresponde à segunda etapa de construção da


forma desportiva, ou seja, à fase de relativa estabilização ou
conservação da mesma. Neste contexto, iremos analisar a sua duração,
a dinâmica das cargas e os diferentes tipos de competições
(preparatórias e principais).

Metodologia do treino desportivo I


Conteúdo Programático

Conceitos do treino Planeamento Planeamento do Parte V


Parte I desportivo Conceptual treino desportivo

Planeamento
Estratégico
Parte II Factores do rendi-
mento desportivo
Planeamento
Táctico

Parte III O exercício de trei- Fundamentos do


Estrutura do
no desportivo exercício de treino Microestrutura Parte VI
processo de treino
Bases conceptuais
exercício de treino
Mesoestrutura

Bases de aplicação
exercício de treino Macroestrutura

Bases de eficácia
exercício de treino
Período Periodizacão do Parte VII
Preparatório treino desportivo

Parte IV Factores do treino O factor técnico Período


desportivo desportivo Competitivo

O factor táctico Período


desportivo Transitório

O factor físico Estudo sobre


desportivo a força O controlo do
treino desportivo Parte VIII
Estudo sobre
a resistência

Estudo sobre
a velocidade

Estudo sobre
a flexibilidade

O treinador
perfil e competências
Parte IX
" Periodização do treino - O período competitivo • 585

Organigrama 21

Parte VII

A periodização do treino desportivo

Sumário

Capítulo 2 - O Período Competitivo

1. Objectivos do período competitivo


2. A duração do período preparatório
3. A dinâmica das cargas de treino
4. As competições no período competitivo
4.1. As competições preparatórias
4.2. As competições principais
586 • Metodologia do treino desportivo I !

Bibliografia:

BOMPA, T. (1990) Theory and methodology of training, Kendal/Hunt


publishing company, USA
MATVEYEV, L., (1986) Fundamentos do Treino Desportivo, Livros
Horizonte, Lisboa
PLATONOV, V., (1988) L' Entrâinement Sportif: Théorie et Méthodologie,
Ed. E.P.S., Paris
RAPOSO, V. (1989) A periodização do treino III, Revista treino desportivo, IIª
série, Vol.13, Setembro, pp. 67-78
WEINECK, J., (1983), Manuel d' Entrâinement, Ed. Vigot, Paris
" Periodização do treino - O período competitivo • 587

O período competitivo corresponde à segunda etapa de construção da forma


desportiva, ou seja, à fase de relativa estabilização ou conservação da mesma.

1. Objectivos do período competitivo

Depois de se ter adquirido a forma desportiva, é necessário mantê-la ao longo


do período competitivo. Todavia, e tal como já foi referido, a forma desportiva
não é só um estado, mas também um processo de aperfeiçoamento ininterrupto
de todos os factores técnico, tácticos, físicos, e psicológicos, que determinam
uma predisposição óptima para alcançar elevados níveis de rendimento durante
a competição.

Do referido se infere, que embora este período seja de uma relativa


estabilização, não significa que não se contribua no sentido da elevação do
nível atingido no período anterior. O que se procura, essencialmente, é
diminuir as reorganizações funcionais do praticante, pois, limitaria as
possibilidades deste em participação com êxito na competição, procura-se
assim, manter a um nível elevado do rendimento desportivo em termos de
resultado. Contudo, é possível nesta fase de estabilização e manutenção da
forma desportiva observar-se que alguns dos factores referenciados apresentam
grandes variações dada a necessidade, por um lado, destas se adaptarem à
exigências específicas da competição e, por outro, devido a causas
imprevisíveis como indisposições, pequenas lesões etc. No entanto, deve-se
salientar que se trata de oscilações totalmente distintas de uma perca de forma.
588 • Metodologia do treino desportivo I !

2. A duração do período competitivo

A duração do período competitivo depende fundamentalmente do calendário


desportivo. Em muitas modalidades desportivas podemos observar uma
duração do período que varia entre 2 a 10 meses.

3. A dinâmica das cargas de treino

A dinâmica das cargas de treino durante o período competitivo pode ser


analisado em função deste ser caracterizado por um período curto ou longo:
no primeiro caso, a dinâmica das cargas confina-se, por um lado, a uma
ligeira diminuição do volume geral, no início do período seguido de uma
estabilização e, por outro, a um aumento de intensidade das cargas
específicas até atingirem os seu máximo e estabilizar nesse nível;
no segundo caso a problemática da dinâmica da carga é mais complexa,
assim, após a estabilização relativa das exigências do treino, produz-se um
novo aumento do volume geral das cargas com uma ligeira diminuição da
sua intensidade, para de seguida diminuir o volume e aumentar a
intensidade. Deste modo repete-se alguns traços da dinâmica geral do
período preparatório, numa escala reduzida, e com as correspondentes
correlações da preparação geral e específica. A alternância desta consiste em
ampliar a consistência da forma desportiva já alcançada no período
preparatório. O novo aumento do volume da carga de treino permite activar
os processos de adaptação e aperfeiçoar o nível de treino específico. Neste
contexto, é de prever que durante um período competitivo longo, a
tendência geral das cargas não variem mais de uma ou duas vezes, porque
aparecem dificuldades no momento de participação nas competições,
" Periodização do treino - O período competitivo • 589

podendo este período converter-se numa réplica inútil do período


preparatório.

Ao nível da orientação do treino durante o período competitivo, o treino dos


factores devem ter o seguinte carácter:
a preparação física deve ter um carácter de preparação funcional imediata
ao suporte das tensões limite, e está orientado para a obtenção do nível
máximo do treino específico, bem como para a manutenção do nível de
treino geral alcançado;
a preparação técnico e táctica assegura o aperfeiçoamento dos
procedimentos até ao mais alto nível de eficiência e eficácia. Isto pressupõe,
por um lado, a estabilidade dos comportamentos motores assimilados e, por
outro, a variabilidade da sua execução em resposta às diferentes situações
competitivas, racionalizando tacticamente a sua aplicação através de
conhecimentos especializados;
na preparação volitiva assume especial importância a adaptação
psicológica à competição, bem como a mobilização do praticante para a
manifestação máxima das suas capacidades físicas, mentais e afectivas; e
por último,
além de tudo o que foi referido, é fundamental que o praticante adopte
uma correcta atitude perante a possibilidade de obter resultados negativos e
manter um tom emocional positivo.

4. As competições no período competitivo

As competições desportivas são o meio e o método mais importante a utilizar


durante o período competitivo. O fundo fisiológico, intelectual e emocional de
carácter específico criado pela diversidade das situações competitivas
contribuem, de forma irredutível, para a manifestação máxima das
590 • Metodologia do treino desportivo I !

possibilidades funcionais do organismo através das reservas que se manifestam


durante o treino. As competições desempenham assim, um papel insubstituível
do processo de desenvolvimento da vontade e do aperfeiçoamento desportivo
máximo. Tudo isto determina uma ampla utilização das competições no
período de estabilização da forma desportiva, não só como processo de
expressão das possibilidades dos praticantes ou da equipa, mas também como o
factor mais eficaz de um progresso posterior.

Pelas características deste período é natural que se assista a um grande


aumento na frequência da participação em competições. Considerando a
duração do período torna-se necessário a sua subdivisão em duas etapas:
as competições preparatórias; e,
as competições principais.

Para o caso dos jogos desportivos colectivos, em que o período competitivo é


bastante longo, não faz muito sentido falar destas duas etapas, já que se exige
uma participação em múltiplos encontros, com um intervalo curto entre cada
jogo, onde o praticante deverá render próximo das suas melhores capacidades.
Daqui resulta um cuidado muito particular na organização da semana
(microciclo) de treino para um controlo rigoroso da direcção da preparação do
jogador/equipa.

4.1. As competições preparatórias

A participação nas competições nesta primeira etapa tem como objectivos:


registar os comportamentos nos ambientes da competição,
detectar falhas na condução das provas,
registar todos os pormenores que compõem a prestação (técnica,
táctica, física, psicológica) para, nos treinos, procurar encontrar as
soluções adequadas à sua eliminação.
" Periodização do treino - O período competitivo • 591

A organização da carga nesta etapa do período competitivo, deve ser


orientado com o objectivo de levar o praticante a participar nas provas mais
importante na sua melhor condição, assim, deve ser orientado na base dos
seguintes aspectos:
estabelecem-se pequenas alterações nos treinos através da redução da
carga, ou mesmo o aparecimento de sessões com recuperação activa;
limitação dos exercícios, comparativamente ao período anterior;
prevalecem as repetições múltiplas dos exercícios (séries, etc.)
principais, realizados na sua totalidade e com variantes, assim como os
exercícios especiais.
mantém-se em percentagens mais diminutas a preparação geral e os
fundamentos da preparação especial.

4.2. As competições principais

Esta segunda etapa do período competitivo e organizada com o objectivo de


levar o praticante a atingir a melhor preparação, conducente à obtenção dos
melhores resultados nas competições mais importantes. A organização da
carga nesta segunda etapa deve ser orientada com base nos seguintes
aspectos:
ciclo com meios específicos de treino, pode diminuir, sem se afastar
muito das particularidades da competição;
as exigências dos exercícios específicos devem ultrapassar as da
competição, igualá-las ou serem menores;
os exercícios especiais têm como objectivo fundamental conservar os
níveis das diferentes componentes da preparação;
o volume de treino, para manter os níveis da preparação geral, deve
manter-se quase idêntico ao da primeira etapa;
a recuperação activa adquire uma importância grande nesta etapa;
592 • Metodologia do treino desportivo I !

na semana anterior à competição, o volume deve ter uma redução bem


significativa, enquanto a intensidade aumenta até quase à véspera da
competição.

w
" Periodização do treino - O período transitório • 593
PARTE VII

A PERIODIZAÇÃO DO TREINO DESPORTIVO

Capítulo 3

O período transitório

Resp: Jorge Castelo


594 • Metodologia do treino desportivo I !

Conteúdo do Capítulo 3 da Parte VII

O período transitório correspondente ao terceiro período do processo


anual de treino, em que se processará o desaparecimento esporádico da
forma desportiva. Com efeito, este período é caracterizado por uma
rápida descida do estado de preparação do praticante, decompondo-se
a unidade que constituía os diferentes elementos da forma e
processando-se no organismo, certas restruturações positivas, que
dependem tanto das cargas anteriores como da continuação das
actividades de treino. Neste contexto, iremos analisar a duração, os
objectivos, as variantes (passiva e activa) e a dinâmica da carga de
treino.

Metodologia do treino desportivo I


Conteúdo Programático

Conceitos do treino Planeamento Planeamento do Parte V


Parte I desportivo Conceptual treino desportivo

Planeamento
Estratégico
Factores do rendi-
Parte II mento desportivo
Planeamento
Táctico

Parte III O exercício de trei- Fundamentos do


Estrutura do
no desportivo exercício de treino Microestrutura Parte VI
processo de treino
Bases conceptuais
exercício de treino
Mesoestrutura

Bases de aplicação
exercício de treino Macroestrutura

Bases de eficácia
exercício de treino
Período Periodizacão do Parte VII
Preparatório treino desportivo

Parte IV Factores do treino O factor técnico Período


desportivo desportivo Competitivo

O factor táctico Período


desportivo Transitório

O factor físico Estudo sobre


desportivo a força O controlo do
treino desportivo Parte VIII
Estudo sobre
a resistência

Estudo sobre
a velocidade

Estudo sobre
a flexibilidade

O treinador
perfil e competências
Parte IX
Organigrama 22
" Periodização do treino - O período transitório • 595

Parte VII

A periodização do treino desportivo

Sumário

Capítulo 3 - O Período de Transição

1. Duração do período transitório


2. Objectivos do período transitório
3. Variantes do período transitório
3.1. Transição passiva
3.2. Transição activa
4. Dinâmica da carga de treino
596 • Metodologia do treino desportivo I !

Bibliografia:

BOMPA, T. (1990) Theory and methodology of training, Kendal/Hunt


publishing company, USA
BORGES, J. (1990) O período transitório, Revista treino desportivo, IIª série,
Vol.16, Junho, pp. 43-48
MATVEYEV, L., (1986) Fundamentos do Treino Desportivo, Livros
Horizonte, Lisboa
PLATONOV, V., (1988) L' Entrâinement Sportif: Théorie et Méthodologie,
Ed. E.P.S., Paris
RAPOSO, V. (1989) A periodização do treino III, Revista treino desportivo, IIª
série, Vol.13, Setembro, pp. 67-78
WEINECK, J., (1983), Manuel d' Entrâinement, Ed. Vigot, Paris
" Periodização do treino - O período transitório • 597

O período transitório correspondente ao terceiro período do processo anual de


treino, em que se processará o desaparecimento esporádico da forma
desportiva. Com efeito, este período é caracterizado por uma rápida descida do
estado de preparação do praticante, decompondo-se a unidade que constituía os
diferentes elementos da forma e processando-se no organismo, certas
restruturações positivas, que dependem tanto das cargas anteriores como da
continuação das actividades de treino.

Dentro do processo anual de treino, o período transitório situa-se


imediatamente após a competição e o período preparatório do próximo período
de competições. Devido a esta ligação estrutural com o período preparatório, o
período transitório, em muitos situações funde-se com este:
no caso de utilização de uma periodização múltipla, na qual se observa a
necessidade de uma diminuição das componentes da carga de treino depois
da competição, com objectivos fundamentalmente de recuperação e
preparação do próximo ciclo competitivo; e,
quando a solicitação competitiva de uma dada época desportiva foi pouco
exigente, o período de transição liga-se ao período preparatório da época
seguinte.

Neste contexto, o período de transição constitui o elo de ligação na


continuidade do processo de treino. Com efeito, não se trata nem de uma pausa
nem de uma suspensão no treino, mas sim a alteração do sua forma e do seu
conteúdo.

1. Duração do período transitório

A duração do período transitório varia entre quatro a seis, podendo ir até às


oito semanas. Com efeito, esta duração deriva fundamentalmente de dois
aspectos:
598 • Metodologia do treino desportivo I !

do nível de solicitações que o praticante foi sujeito durante o(s) período(s)


competitivo(s) precedentes (quanto mais exigentes estes foram maior terá
sido o desgaste físico e emocional do praticante ou da equipa); e,
das características do praticante e, da sua longevidade desportiva.
Pelo contrário, nos casos de um calendário desportivo pouco exigente, ou que
não pode ser cumprido devido a problemas de saúde, ou de lesões, por parte
dos praticantes, o período transitório poderá ser suprimido dentro do processo
de treino, sendo substituído imediatamente após o período de competições por
um novo período preparatório.

2. Objectivos do período transitório

Os objectivos do período transitório situam-se fundamentalmente sob dois


níveis:
no primeiro nível, após o términos do período competitivo, os praticantes
encontram-se naturalmente debilitados do ponto de vista orgânico devido ao
elevado desgaste físico, mental e afectivo que dai deriva. Embora a
recuperação em termos físicos (fadiga muscular) desapareça em poucos
dias, a fadiga psicológica e do sistema nervoso central pode fazer-se sentir
durante muito mais tempo (Bompa, 1993). Nestas circunstâncias, é de
grande importância que os praticantes modifiquem os seus hábitos de treino
de modo a que possam recuperar física e psicologicamente. Com efeito, e
segundo mesmo autor (1993), a remoção da fadiga nervosa é o maior
objectivo do período transitório;
no segundo nível, a realização de um período transitório de qualidade
permite aos praticantes encarar o período preparatório seguinte num nível de
prestação mais elevado do que aquele em que se encontrava na época
anterior, e assim atingir mais rapidamente a forma desportiva. Caso
contrário, o primeiro ciclo de trabalho de preparação do praticante ou da
equipa será utilizado na aquisição de um nível de forma que poderia ter sido
facilmente mantido durante este período.
" Periodização do treino - O período transitório • 599

3. Variantes do período transitório

Metodologicamente existem duas variantes para este período:


a transição passiva; com o inconveniente da grande descida do
rendimento;
a transição activa; com os factores positivos do regresso ao treino em
melhores condições funcionais.
3.1. Transição passiva

Uma mudança brusca do treino intenso para um repouso total poder ser
nocivo, por duas razões fundamentais:
para a saúde do praticante, que se pode traduzir em insónias, perda de
apetite e eventuais perturbações do sistema digestivo já para não
falarmos do provável aumento de peso dos praticantes; e,
para o nível da condição física do praticante, o que determina a
necessidade de se utilizar grande parte do período preparatório seguinte,
por forma a recuperar a forma perdida. Este facto dificulta a procura
duma continua melhoria do rendimento desportivo do praticante de ano
para ano.

Nestas circunstâncias, é recomendável durante este período que o praticante


não se mantenha inactivo, o repouso total deve ser sugerido apenas em casos
muito particulares (até 5 a 7 dias) e apenas com fins profilácticos
(sobretreino, ou quando se torna visível uma possível fadiga nervosa).
3.2. Transição activa

O repouso activo bem orientado e organizado é a forma metodologicamente


mais correcta para trabalhar durante o período transitório, por duas razões:
evita os riscos que teria para a saúde do praticante uma paragem
repentina dos treinos, criando a possibilidade do praticante regressar,
(período preparatório) com um forte desejo de treinar;
permite à recuperação física e psicológica do praticante, manter a sua
condição física em níveis aceitáveis, começando a nova época desportiva
600 • Metodologia do treino desportivo I !

com um nível de preparação superior aquela em que começou a época


anterior, de tal forma a que, pouco tempo após o início do período
preparatório, o praticante possa estar apto a ser submetido a aumentos
substanciais no volume e na intensidade dos seus treinos (Bompa, 1993).
Nos praticantes de altos rendimentos não fazer nada, significa um
retrocesso nas adaptações e a consequente perca de tempo para regressar
aos níveis já alcançados.

4. Dinâmica da carga de treino

Este período final do processo anual de treino tem orientações diferentes para
cada modalidade desportiva, todavia, esta é função do nível de preparação e
rendimento dos praticantes, da sua idade, tempo de treino e do número de
competição anuais.

Aspectos metodológicos básicos da dinâmica das cargas de treino durante o


período transitório:
o treino deve ser caracterizado por uma total autonomia por parte do
praticante, mas com o cumprimento de tarefas de preparação geral;
se um dos principais objectivos deste período é a recuperação psicológica
do praticante, é de fundamental importância que durante este período do
treino, ele possa variar o seu local de trabalho;
o tipo de trabalho a realizar durante este período está relacionado com a
modalidade desportiva. O que é comum a todas elas é o facto de se
seleccionarem actividades que, embora com utilidade na manutenção de
parâmetros físicos específicos para a modalidade, variem a actividade e os
exercícios utilizados (Platonov, 1983), e, ao mesmo tempo, sejam
actividades do gosto dos praticantes;
tanto o volume como a intensidade do treino sofrem uma redução que
deve ser progressiva. Segundo Platonov (1983) o volume de treino neste
período situa-se em cerca de um terço do alcançado no decorrer do período
" Periodização do treino - O período transitório • 601

de preparação, com quatro a cinco sessões de treino por microciclo semanal


e sem que nenhuma delas implique grandes solicitações; e por último,
este período é também pode ser utilizado para a correcção de
determinados erros técnicos ou tácticos surgidos no decorrer do período
competitivo anterior, bem como para a introdução de alguns dados novos
em ambos os factores. Em todo o caso deverá sempre existir um grande
cuidado e atenção para que não se trate de exercícios demasiado exigentes,
que possam impedir, ou pelo menos complicar, o descanso e a regeneração
psicológica que pretendemos que o praticante consiga alcançar nesse
período (Raposo, 1981).
PARTE VIII

O CONTROLO DO TREINO DESPORTIVO

Resp: Jorge Castelo


602 • Metodologia do treino desportivo I !

Conteúdo da Parte VIII

O controlo do treino é um processo essencial para que o treinador


possa dirigir correctamente o processo de treino desportivo,
apreciando e avaliando as modificações de carácter intelectual,
funcional e afectiva do praticante ou da equipa. Neste contexto, iremos
analisar os limites e as formas de controlo de treino (por etapas,
corrente e operacional).

Metodologia do treino desportivo I


Conteúdo Programático

Conceitos do treino Planeamento Planeamento do Parte V


Parte I desportivo Conceptual treino desportivo

Planeamento
Estratégico
Parte II Factores do rendi-
mento desportivo
Planeamento
Táctico

Parte III O exercício de trei- Fundamentos do


Estrutura do
no desportivo exercício de treino Microestrutura Parte VI
processo de treino
Bases conceptuais
exercício de treino
Mesoestrutura

Bases de aplicação
exercício de treino Macroestrutura

Bases de eficácia
exercício de treino
Período Periodizacão do Parte VII
Preparatório treino desportivo

Parte IV Factores do treino O factor técnico Período


desportivo desportivo Competitivo

O factor táctico Período


desportivo Transitório

O factor físico Estudo sobre


desportivo a força O controlo do
treino desportivo Parte VIII
Estudo sobre
a resistência

Estudo sobre
a velocidade

Estudo sobre
a flexibilidade

O treinador
perfil e competências
Parte IX
Organigrama 23
" O controlo do treino desportivo • 603

Parte VIII

O controlo do treino desportivo

Sumário

1. Os limites do controlo do treino


2. Formas de controlo do treino
2.1. O controlo por etapa
2.2. O controlo corrente
2.3. O controlo operacional
604 • Metodologia do treino desportivo I !

Bibliografia:

PEREIRA, G. (1984) Treino desportivo - ensaio experimental sobre alguns


aspectos práticos do controlo do treino. Provas de aptidão pedagógica e
capacidade científica, ISEF, Lisboa
PLATONOV, V., (1988) L' Entrâinement Sportif: Théorie et Méthodologie,
Ed. E.P.S., Paris
PROENÇA, J., (1985) Controlo do treino: necessidade ou emergência, Revista
horizonte, Vol.II, nº8, Jul/Ago, pp 52-54
" O controlo do treino desportivo • 605

Para dirigir correctamente o processo de treino desportivo, o treinador


necessita de apreciar e avaliar as modificações de carácter intelectual,
funcional e afectiva do(s) praticante(s). Neste contexto, segundo Proença
(1985), "a recolha e selecção de informação que fundamenta as decisões a
tomar na orientação do processo de treino constitui uma da mais delicadas
tarefas em treino desportivo, de pouco servem os vastos conhecimentos do
treinador quando a sua aplicação despreza os dados referentes ao estado
passado e actual do praticante. A determinação da carga eficaz ou do estímulo
óptimo pressupõe, além do mais, o conhecimento prévio da relação entre a
estrutura da carga externa (meios de treino) e o carácter e direcção da carga
interna (adaptabilidade)".

1. Os limites do controlo do treino

Ainda segundo o mesmo autor (1985), "apesar da complexidade, talvez mesmo


da impossibilidade de avaliar exactamente o estado do receptor, importa
encontrar critérios e métodos que, não ignorando a multiplicidade e
diversidade das variáveis intervenientes, condicionando-o e determinando-o,
forneçam indicadores objectivos constituindo uma base credível na tomada de
decisões, mesmo sabendo que elementos contraditórios mas complementares e
coexistentes como o efeito imediato e cumulativo da carga, por um lado, e a
heterocronia dos processos de recuperação de diferentes esforços, por outro,
deixam perplexo o jovem treinador e são fonte inesgotável de interrogações
para o treinador experiente".

2. Formas de controlo do treino

As modificações de carácter intelectual, funcional e afectiva dos praticantes,


segundo Platonov (1988) podem resultar:
606 • Metodologia do treino desportivo I !

de um período de treino relativamente longo que é denominado de estado


de etapa;
da influência de uma sessão ou de um microciclo de treino que
manifestam o estado corrente; e por fim,
influenciado por qualquer um dos exercícios que derivam da sessão de
treino, o qual é denominado de estado operacional.

2.1. O controlo por etapa

O controlo por etapa tem por objectivo determinar as modificações


resultantes de um longo período de treino, "através da aplicação de testes
que fornecem informação objectiva sobre o estado de treino do praticante,
em geral, e de capacidades isoladas, em particular, constituem assim,
meios privilegiados de avaliar os efeitos do treino num período bem
delimitado, no tempo como das características da carga" (Proença, 1985).
A correcta aplicação de testes em momentos definidos de acordo com a
periodização do treino planeada, possibilita (Proença, 1985):
conhecer o estado de treino actual do praticante, nas capacidades
testadas.
avaliar os efeitos do treino, comparando os dados presentes com
outros anteriores;
objectivar, confirmando ou não, impressões resultantes do controlo
corrente e operativo;
verificar a correcção do plano através do cumprimento de etapas
intermédias, fundamentando a continuidade da sua aplicação;
detectar eventuais falhas no processo de treino, exigindo, de imediato,
alterações ao plano traçado
realizar o prognóstico de futuras performances, em bases seguras;
preparar progressiva e continuamente o praticante para o esforço
máximo em competição e não só nos aspectos físicos e técnicos, mas
também tácticos e psicológicos;
" O controlo do treino desportivo • 607

investigar os verdadeiros factores limitadores da performance em


competição.
A frequência deste tipo de controlo é função do planeamento anual, neste
sentido, é normal efectuar-se em três momentos diferentes:
no princípio da primeira etapa do período preparatório;
no final da segunda etapa do período preparatório; e,
no período competitivo.

Aspecto fundamental na prática destes "exames", é que estes sejam


realizados em condições idênticas e, assegurem em particular, que os
resultados não sejam perturbados pela eventual fadiga de uma sessão de
treino realizada demasiadamente próxima do controlo. Segundo Platonov
(1988) os dados recolhidos durante o controlo no período competitivo são
os que apresentam as informações mais importantes para a elaboração do
plano prospectivo.

2.2. O controlo corrente

O controlo corrente mede os efeitos da fadiga resultante de uma sessão ou


de um microciclo de treino. Este controlo permite apreciar em particular a
velocidade do processo de recuperação ou da interacção exercício/objectivo.
Esta permite optimizar os processo de treino para a sessão seguinte ou
eventualmente reestruturar o microciclo. Segundo Platonov (1988), os dados
resultantes deste controlo permitem elaborar o plano corrente.

2.3. O controlo operacional

O controlo operacional tem por objectivo optimizar o desenvolvimento de


cada sessão de treino e determinar a cada instante a intensidade ou o número
de exercícios que melhor permitem atingir os objectivos fixados. Segundo
Proença (1985), "o acompanhamento atento da forma e dinâmica de
608 • Metodologia do treino desportivo I !

realização de cada exercício na própria sessão, permitem um controlo algo


subjectivo a que só a leitura perspicaz do bom treinador transmite o
necessário grau de objectividade. De facto, qual o papel do treinador
incapaz de realizar tal avaliação? Impôr o cumprimento rígido do planeado
até recolher dados mais objectivos (testes de controlo ou competições)
sobre os efeitos do treino? E então, não será já tarde demais? Os perigos
reais do estado de hipotreino e hipertreino com as consequentes
repercussões em cadeia, aumentam proporcionalmente à diminuição deste
controlo - acompanhamento diário". Sobre o significado da avaliação do
comportamento do praticante no treino através das suas sensações e da
interpretação subjectiva - objectiva do treinador dizemos com Ujtomsky,
citado por Meinel (1977), que "os chamados dados subjectivos são, para
quem sabe decifrá-los e explicá-los, tão perfeitamente objectivos como os
demais".

Segundo Platonov (1988) os dados resultantes deste controlo permitem


elaborar o plano operacional. Por último, os exames ou provas para o
controlo do treino deverão ter as seguintes características:
a validade; que é medido pelo grau de precisão na qual se explora a
aptidão em análise;
a fiabilidade; é medido pela estabilidade dos seus resultados que
derivam da sua utilização; e,
a objectividade; é medido pela independência dos resultados obtidos e
os praticantes que realizam a prova.
" O controlo do treino desportivo • 609

ww
PARTE IX

O TREINADOR DESPORTIVO
PERFIL E COMPETÊNCIAS

Resp: Jorge Castelo/Hermínio Barreto


610 • Metodologia do treino desportivo I !

Conteúdo da Parte IX

Nesta última parte iremos debruçarmo-nos sobre uma das figuras


centrais do fenómeno desportivo: o treinador. Com efeito, vamos
evidenciar cinco das muitas questões que envolvem o treinador
desportivo mas que consideramos nucleares na sua actividade
profissional: i) estatuto e função (liderança e gestão de recursos
humanos), ii) autoridade (formal, pessoal e técnica), iii) estilos de
liderança (autocrática, liberal e participativa), iv) atributos
caracteriais da personalidade (ser líder, ter imaginação, sentido de
humor, saber afastar-se ou aproximar-se dos praticantes, saber reagir
aos resultados da competição, etc.), e v) competências do treinador
desportivo (no plano técnico-desportivo e no plano táctico-
estratégico).

Metodologia do treino desportivo I


Conteúdo Programático

Conceitos do treino Planeamento Planeamento do Parte V


Parte I desportivo Conceptual treino desportivo

Planeamento
Estratégico
Factores do rendi-
Parte II
mento desportivo
Planeamento
Táctico

Parte III O exercício de trei- Fundamentos do


Estrutura do
no desportivo exercício de treino Microestrutura Parte VI
processo de treino
Bases conceptuais
exercício de treino Mesoestrutura

Bases de aplicação
exercício de treino Macroestrutura

Bases de eficácia
exercício de treino
Período Periodizacão do Parte VII
Preparatório treino desportivo

Parte IV Factores do treino O factor técnico Período


desportivo desportivo Competitivo

O factor táctico Período


desportivo Transitório

O factor físico Estudo sobre


desportivo a força O controlo do Parte VIII
treino desportivo
Estudo sobre
a resistência

Estudo sobre
a velocidade

Estudo sobre
a flexibilidade

O treinador
perfil e competências
Parte IX
Organigrama 24
" O treinador desportivo • 611

Parte IX

O treinador desportivo

Sumário
1. Estatuto e função do treinador desportivo
2. A autoridade do treinador desportivo
3. Diferentes estilos de liderança do treinador desportivo
3.1. Estilo na base da imposição da ordem e da disciplina
3.2. Estilo na base das relações afectivas
3.3. Estilo na base na participação
3.4. Os estilos de liderança e a especificidade da situação
3.5. A gestão de problemas/conflitos
4. Atributos caracteriais da personalidade do treinador
4.1. Ser um líder
4.2. Aptidão para criar um grupo ou equipa
4.3. Ter imaginação
4.4. Afastamento ou aproximação
4.5. Espírito combativo
4.6. Sentido de humor
4.7. Ser firme - mente forte
4.8. Serenidade e dignidade
4.9. Independência, decisão e coragem
4.10. Ter entusiasmo
4.11. Saber reagir face ao resultado
5. Competências do treinador desportivo
5.1. Competência técnico-desportiva
5.1.1. Técnico especializado
5.1.2. Saber comunicar
5.1.2.1. Credibilidade
5.1.2.2. Aproximação positiva
5.1.2.3. Comunicar com coerência
5.1.3. Saber ouvir
5.1.3.1. Aprender a ouvir
5.1.3.2. Ouvinte activo
5.1.3.3. A comunicação não verbal
5.2. Competência táctico-estratégica
5.2.1. Dimensão conceptual
5.2.1.1. Descrição e análise da situação
5.2.1.2. O responsável pela construção do modelo
5.2.1.3. Elaboração de programas de acção
5.2.2. Dimensão estratégica
5.2.3.1. Recolha de dados e a elaboração de planos
5.2.3.2. Orientação e constituição da equipa
5.2.3.3. Reuniões com a equipa
5.2.4. Dimensão táctica
5.2.4.1. Direcção durante a competição
5.2.4.2. Direcção durante o intervalo da competição
5.2.4.3. Direcção logo após o terminus da competição
612 • Metodologia do treino desportivo I !

Bibliografia:

CASTELO, J. (1995) Futebol - A organização do jogo, Edição do autor, Lisboa


LANGLADE, A. (1980) O treinador. Futebol em Revista nº4 pp. 29-36
LEITH, M. (1992) Um bom treinador tem de ser um bom gestor. Revista
Treino Desportivo 11ª série, nº23, Março pp.3-13
LIMA, T. (1984) Liderança Desportiva. Revista Horizonte. Vol I, nº1
Maio/Junho pp. 17-21
MARTENS, R. (1990) Sucessful Coaching. Human Kinetics, Leeds, England
PARTNGTON, J. (1989) Para ser um treinador completo. Revista Treino
Desportivo, 11ª série, nº 13, Setembro pp. 30-37
" O treinador desportivo • 613

1. Estatuto e função do treinador desportivo

O estatuto e função de treinador desportivo assume, na nossa opinião, quatro


vertentes fundamentais:
é um técnico especializado de uma dada modalidade desportiva
conhecendo por via disso as suas principais dimensões:
• histórico, técnico, táctico e regulamentar; e,
• as possíveis linhas de evolução no presente e no futura da modalidade;
é um condutor (líder) de um processo pedagógico global continuo no qual
os praticantes/jogadores se realizam adquirindo novos conhecimentos,
aperfeiçoando-os e consolidando-os por forma a projectarem-se
adequadamente na competição desportiva. Para que isso aconteça o
treinador deverá conhecer:
• como os praticantes/jogadores aprendem e evoluem; e,
• os meios (exercícios) fundamentais no plano geral e específico para
que os praticantes/jogadores possam elevar a sua capacidade de
rendimento individual e colectivo;
é um gestor de recursos de um capital humano para os quais estabelece
um sistema racional quer no plano técnico, táctico, físico, psicológico e
social através do esforço cooperativo consubstancia o atingir de objectivos
comuns que individualmente não são possíveis de alcançar; e por fim, mas
não menos importante,
é um elemento que terá necessariamente de contribuir para a valorização,
desenvolvimento e formação da comunidade desportiva que lhe está
subjacente através:
• da sua contribuição para a construção de um código de ética
profissional, isto é, de um conjunto de princípios que regulam as
relações e procedimentos entre os vários membros que exercem a mesma
actividade profissional; e,
• da sua participação em livros, revistas, colóquios e cursos da
especialidade procurando transmitir parte da sua experiência profissional.
614 • Metodologia do treino desportivo I !

2. A autoridade do treinador desportivo

O treinador desportivo detém intrinsecamente um estatuto de autoridade sobre


o grupo de praticantes ou da equipa que lhe é conferido:
num primeiro momento: por uma entidade superior (autoridade formal)
por exemplo dirigente desportivo o qual deverá ser secundado;
numa segunda fase: pelo exercício dessa actividade (autoridade pessoal e
técnica) consolidado progressivamente pelo relacionamento concreto em
situações de treino e competição através:
• de um conhecimento técnico especializado;
• de uma intervenção pedagógica formativa e educativa;
• de uma racionalização das atitudes e dos comportamentos dos
praticantes/jogadores por forma a levá-los à superação sem ofender os
valores éticos desportivos; e,
• de uma execução atempada das tarefas inerentes à organização do
treino e da competição (planeamento, periodização, unidade de treino,
exercícios, etc.)

3. Os diferentes estilos de liderança do treinador desportivo

Basicamente podemos classificar os diferentes estilos de liderança do treinador


desportivo sob três formas fundamentais: i) na base da imposição da ordem e da
disciplina, ii) na base das relações afectivas e, iii) na base da participação.

3.1. Estilo na base da imposição da ordem e da disciplina (direcção autocrática ou


ditatorial)

O estilo na base da imposição da ordem e da disciplina é caracterizado por o


treinador não se interessar por aquilo que pensam os praticantes/jogadores
devendo estes unicamente acatar as suas ordens.

Segundo Lima, T. (1984) "o treinador é exigente, duro e fechado. As


sessões de treino são bem organizadas, as tarefas individuais estão bem
" O treinador desportivo • 615

definidas e, inequivocamente, distribuídas entre os membros do grupo,


sendo exigido o cumprimento respectivo sem qualquer discussão. O
treinador raramente concede uma livre iniciativa aos membros do grupo e
entende que estes devem treinar e competir sem discutir, seja a preparação
seja qualquer decisão por ele proferida".

3.2. Estilo na base das relações afectivas (direcção liberal)

O estilo na base das relações afectivas é caracterizado pela falta de


instruções por parte do treinador e onde cada praticante/jogador pode fazer -
na generalidade - o que quiser. Nesta liderança não existem ordens
concretas, antes cada um actua como deseja ou, no caso de existirem, elas
serem maleáveis, imprecisas e que se cumprem ou não se cumprem.

"O treinador evita assumir a responsabilidade das decisões de fundo por


receio de ser considerado autoritário ou incompetente, e deixa de assegurar
a organização do seu trabalho, da preparação e dos treinos. Acontece,
neste caso, que o grupo e a equipa perdem coesão, os atletas manifestam
falta de espírito de corpo e que não se identificam com metas colectivas"
(Lima, 1984).

3.3. Estilo na base da participação (direcção democrática ou participativa)

O estilo na base da participação é caracterizada por o treinador considerar


que os praticantes/jogadores não como meros "obedecedores" mas antes
como colaboradores que cooperam na obtenção dos objectivos propostos.
Nesta liderança as ordens são o resultado de um trabalho cooperativo com
todo o grupo ou equipa.

Ainda segundo o mesmo autor (1984) "o treinador procura desenvolver as


capacidades dos atletas no sentido de resolverem as situações concretas da
prática desportiva, de acordo com as soluções ensaiadas na preparação e
616 • Metodologia do treino desportivo I !

no treino, admitindo a iniciativa e a criatividade individual em


determinados casos. A concepção e o plano de preparação e dos treinos são
da responsabilidade exclusiva do treinador, mas s atletas são motivados no
sentido de participar na análise das propostas iniciais, na formulação de
sugestões e na avaliação do trabalho realizado, como medida de integração
nos objectivos comuns. Os membros do grupo têm oportunidade para
exprimir as suas opiniões na apreciação de casos diversos, antes de serem
persuadidos a aceitar os planos e as decisões finais do treinador, a
disciplina, a definição de estatutos individuais, a motivação e a definição de
objectivos são aspectos fundamentais da forma de actuar do treinador".

3.4. Os estilos de liderança e a especificidade da situação

Os estilos básicos de liderança referidos devem ser analisados em função da


situação específica em que o treinador desportiva se encontra. Numa
primeira análise o estilo de liderança baseado na participação democrática
dos praticantes/jogadores tem as seguintes vantagens (Chelladurai, 1991):
quando os membros do grupo podem participar e condicionar a
decisão relativamente a um dado tema, passa a haver uma maior
aceitação das opções a que se chegam e, por outro lado, uma tal decisão
vai certamente ser implantada de uma forma mais eficiente;
o sentimento individual de autodeterminação que resulta da sua
participação na tomada de decisões relativas aos objectivos e aos
resultados a alcançar, faz aumentar a motivação intrínseca dos
praticantes/jogadores.

Ainda o mesmo autor (1991) qualquer destas vantagens deverão ser


totalmente explorada por todos os treinadores que terão assim de se esforçar
para envolver os praticantes/jogadores no processo de definição dos
objectivos pessoais e também na escolha das actividades necessárias para as
" O treinador desportivo • 617

conseguir alcançar. Existem duas outras vantagens que são mais próximas
dos jogos desportivos colectivos:
no seio de uma equipa existe naturalmente um maior volume de
informação, o que permite quer o aparecimento de mais alternativas para
a resolução do problema, quer a escolha daquela que parece apresentar
maior probabilidade de se lhe adaptar;
as orientações por vezes divergentes dos membros da equipa permitem
que se possam encontrar soluções bastante criativas para os problemas
que carecem de resolução.

Todas estas vantagens apontam para a preferência do estilo de liderança


participativa (democrática), todavia as desvantagens que este estilo possui
poderá dissuadir o treinador em optar por este, especialmente no que
concerne às questões que surgem no dia a dia. Vejamos algumas dessas
desvantagens:
as decisões participativas precisam de tempo, situação essa que
raramente acontece. Todos conhecemos os excessivos atrasos que
resultam da discussão e do confronto de argumentos, tão característicos
das decisões colectivas;
os grupos têm mais dificuldades em analisar de forma mais correcta os
problemas mais complexos que exijam organizar o pensamento e
raciocinar de forma sistemática. Os estudos demonstram que os
indivíduos isoladamente, podem realizar melhor trabalho do que em
grupo, quando postos na situação de procurar uma solução para um
problema complexo;
o estilo de liderança participada poderá levar a soluções de
compromisso, que nem sempre são as melhores. Por outras palavras,
pode dizer-se que, nestes casos, os membros do grupo estão mais
preocupados com a obtenção de um consenso do que com as finalidades
das suas decisões;
618 • Metodologia do treino desportivo I !

é possível que os interesses pessoais dos membros do grupo conduzam


a discordâncias ou a conflitos no seio do próprio grupo, o que vai
certamente prejudicar o resultado que esse mesmo grupo pode ter
necessidade de alcançar no futuro.

Embora as desvantagens referidas são mais comuns no jogos desportivos


colectivos é preciso que o treinador venha a escolher um estilo de liderança
adoptado à especificidade da situação. A tomada de decisão por parte do
treinador da escolha do estilo de liderança para cada situação deve ser
assumida em função de oito questões fundamentais (Chelladurai, 1991):
• sempre que há restrições de tempo, o estilo participativo deve ser posto
de lado, dado que a tomada de decisão por esta via necessita de algum
tempo para se concretizar;
• se alguns problemas necessitam da escolha da melhor alternativa
possível, outras haverão que podem ficar resolvidas de forma aceitável,
seja qual for a possibilidade que se desenhar como solução (exigência de
qualidade);
• a maior vantagem do estilo participativo (nos jogos desportivos
colectivos) reside no facto da quantidade de informação nele existente,
poder vir a fornecer a qualidade de informação. Todavia, pode também
acontecer que os membros da equipa chamados a intervir tenham menos
conhecimentos sobre o assunto em questão do que o treinador. Neste
caso o estilo participativo iria apenas servir para consolidar a ignorância;
• ao estar perante um problema complexo, um indivíduo com
conhecimentos suficientes pode fazer melhor trabalho do que um grupo
de pessoas, mesmo com um nível de conhecimentos idênticos;
• para que qualquer decisão venha a ser depois verdadeiramente
concretizada, tem primeiro de ser aceite pelo grupo como sendo uma
medida prática e de utilidade. Sempre que este tipo de aceitação seja uma
questão crucial deverá ser adoptada o estilo participativo;
" O treinador desportivo • 619

• todavia, se o treinador goza do afecto e da admiração dos membros do


grupo, se a sua perícia aliada aos seus conhecimentos são perfeitamente
reconhecidos, sempre que o treinador controla perfeitamente os aspectos
ligados às recompensas e às punições, todas as suas decisões irão ser
completamente aceites. Isto significa que, com um tal poder sobre o
grupo, o treinador está em condições de tomar decisões de forma
autocrática, mesmo nos casos em que a decisão possa ser mais difícil; e
finalmente,
• a qualidade das relações interpessoais existentes entre os membros do
grupo, e a sua relativa homogeneidade no que diz respeito à orientação e
à unanimidade das respectivas opiniões aconselharia à adopção de um
estilo de liderança participativa da decisão. Se porém tais condições não
existirem, uma escolha desse género só irá levar a decisões de menor
qualidade, podendo vir a romper a já frágil solidariedade existente na sua
equipa.

Concluindo, o treinador desportivo deve aprender a adoptar o seu estilo de


liderança de acordo com aquilo que a situação mais aconselha.
Instintivamente é possível que os treinadores favoreçam mais um ou outro
estilo mas, de qualquer modo, precisam também saber utilizar as outras
alternativas sempre que a situação assim o justifique.

3.5. A gestão de conflitos

No quadro da liderança que o treinador desportivo assume na sua actividade


com o fim de concretizar os objectivos estabelecidos, relaciona-se os
aspectos emergentes da gestão de conflitos. Neste sentido, cabe ao treinador
a maior parte da responsabilidade no tratamento e resolução adequada dos
diferentes problemas/conflitos que sempre existem devido a personalidades
difíceis, atitudes irreflectidas, resultados desportivos não consentâneos com
os objectivos, etc., e mal estará quem não os espera encontrar.
620 • Metodologia do treino desportivo I !

Leith (1992) estabelece cinco técnicas para ultrapassar esses


problemas/conflitos:
resolução dos problemas: os problemas que resultam da falta de
entendimento entre os praticantes/jogadores ou de incorrecções,
suposições que se levantam no seio de um grupo ou equipa, podem ser
rápida e eficazmente atenuadas desde que se procure o seu
esclarecimento;
subordinação de objectivos: estabelecem-se objectivos relevantes que
não podem ser alcançados senão com a colaboração de todas as partes
involvidas no conflito e a presença de um desejo comum de os atingir.
Um exemplo poderá ser o de, no decorrer do treino, se atribuir uma tarefa
comum aos dois elementos em conflito cuja realização só vai ser possível
através de uma cooperação efectiva entre os membros desavindos;
ignorar conflitos: uma outra forma de lidar com conflitos é não lhes
dar uma importância excessiva, ou fazer mesmo de conta que eles não
existem. trata-se de uma opção que não constitui a via mais adequada
para todos os casos, mas que no entanto, pode ser uma solução rápida e
extremamente vulgar em determinadas circunstâncias. Com efeito, os
indivíduos em conflito apenas evitam o contacto entre si;
atenuar conflitos: procura-se subvalorizar as diferenças que existem
entre os indivíduos ou grupos através do reforço dos objectivos comuns
que, apesar disso, existem entre eles. Pode ser conseguido através de
reuniões levadas a cabo pelo treinador, onde se encontram os membros
em conflito na tentativa de fazer diminuir os problemas existentes,
estabelecer compromissos: a técnica que recorre ao estabelecimento de
compromissos entre as partes, constitui um método eficiente para a
maioria dos casos que derivam da prática desportiva. Com efeito, muitas
vezes é preciso chegar ao estabelecimento de um certo compromisso
entre as partes em conflito quando todas as restantes tentativas feitas para
ultrapassar essa situação revelaram-se infrutíferas. Ao recorrer a esta
técnica partimos do pressuposto que ambas as partes vão ceder, mesmo
" O treinador desportivo • 621

que parcialmente. No final da reunião entre o treinador e os


praticantes/jogadores em questão não deverá haver vencido nem
vencedor o que desde logo diminui a amplitude do conflito resultante.

Concluindo, os conflitos/problemas que derivam da prática desportiva não


podem ser encarados simplesmente numa perspectiva unilateral de
dimensão negativa. É preciso ter em consideração que os
conflitos/problemas quando surgem e são resolvidos de forma adequada
(técnica e tempo correctos) contribuem para o reforço da coesão interna e
dinâmica do grupo e para o espírito da equipa. É neste sentido que o
conflito/problema na maioria das situações exprimem a sua dimensão
positiva.
4. Atributos caracteriais da personalidade

Esta vertente das competências do treinador desportivo pode ser definido como
a habilidade de uma pessoa se relacionar eficazmente com os outros, de saber
trabalhar com elas em diferentes situações, estando também englobada neste
conceito a sua capacidade de motivar os outros para seguirem as suas
directrizes que previamente tenham sido traçadas.

A capacidade de relacionamento humano é muito importante na manutenção da


harmonia de um grupo ou equipa e na gestão das potenciais situações de
conflito que nela possam existir estando subentendido que para um indivíduo
exercer essas funções, tem de ter um conhecimento realista de si mesmo. Por
outras palavras, quer isto dizer que, se o treinador não está satisfeito consigo
próprio enquanto indivíduo vai ter certamente dificuldades para se relacionar
com os outros.

Não existe um perfil ideal de treinador desportivo, não há uma só forma de


estar no desporto, todavia, as qualidades da personalidade do treinador
desempenha um papel fundamental. Vejamos algumas: i) ser um líder, ii)
622 • Metodologia do treino desportivo I !

aptidão para criar um grupo ou equipa, iii) ter imaginação, iv) afastamento ou
aproximação, v) ter espírito combativo, vi) ter sentido de humor, vii) ser firme -
mente forte, viii) serenidade, dignidade, ix) independência, decisão e coragem, x)
entusiasmo e, xi) saber reagir face ao resultado.

4.1. Ser um líder

A palavra líder significa alguém que conduz, que leva com ele não tanto
pela autoridade que deriva implicitamente do seu estatuto de treinador mas:
• pela sua capacidade de persuasão;
• pelo enquadramento pedagógico da sua acção;
• pela sua dinâmica pessoal;
• pelo estabelecimento das relações interindividuais assente na igualdade
e justa repartição de responsabilidades;
• pela criação de um clima de confiança, credibilidade e aceitação;
• pelos exemplos que transmite aos praticantes/jogadores; e,
• pelas convicções que exprime.

É igualmente aquele que desfaz as dúvidas quando estas se instalam nos


praticantes/jogadores e que serve de guia quando não se atingem os
objectivos pré-estabelecidos. Neste sentido, liderança pode ser definida
numa perspectiva global como "um processo de influenciar a atitude e o
comportamento dos praticantes ou de uma equipa segundo uma dinâmica
resultante do quadro de relações que deve ter em conta as características
individuais, à natureza específica das situações competitivas, dos objectivos
dos praticantes ou da equipa e do próprio treinador" (Lima, 1984).

4.2. Aptidão para criar um grupo ou equipa

O treinador desportivo deverá ter aptidões para reunir um conjunto de


praticantes/jogadores com base num projecto forte, dinâmico e fomentando
a coesão do grupo ou da equipa. Uma equipa possui simultaneamente algo
" O treinador desportivo • 623

de dinamizador e de tranquilizante, contribuindo para criar um equilíbrio


interno por forma que este continue a funcionar eficazmente mesmo em
circunstâncias delicadas.

No plano disciplinar o treinador deverá utilizar as sanções no domínio


profissional e económico. É certo que se consegue sempre mais através da
persuasão, pela influência do conselho educativo que pela acção externa e
coerciva da sanção. No entanto, há eventualidades para as quais ela é a
única solução. Nestes casos a sanção deve ser aplicada em função da
gravidade da falta cometida. Sanções demasiadamente fracas acabam por
fazer com que as suas causas não tenham tidas em consideração, pelo
contrário, punições exageradas provocam manifestações de ressentimento
por parte dos praticantes/jogadores.

4.2.3. Ter imaginação

O treinador desportivo deverá encontrar sempre soluções concretas para


ultrapassar obstáculos específicos. Quando existe uma dificuldade singular
na sua complexidade não poderá ficar pelas soluções já utilizadas e
conhecidas. Há tantas soluções originais quantos os problemas particulares.
Quanto mais o treinador procurar inteirar-se da singularidade da situação
mais hipóteses tem de alcançar o seu sentido, de compreender os seus
fundamentos e de encontrar as soluções mais adequadas. Com efeito, as
soluções usadas no passado podem tornar-se os defeitos de hoje ou de
amanhã, os hábitos e as rotinas podem deitar a perder todo o poder de
persuasão do treinador.

Concluindo, procurar formas diversificadas de transmitir ideias e soluções


para os problemas não significa renegar as que foram assumidas no passado
recente. Para se ser um treinador eficaz exige-se qualidades de imaginação
que permitam utilizar da melhor forma os dados da experiência elaborando
624 • Metodologia do treino desportivo I !

novos arranjos, novas soluções que transmitam aquilo que se ensina uma
característica pessoal.

4.2.4. Afastamento ou aproximação do treinador

Não deverá existir para o treinador desportivo uma linha de conduta radical,
imutável, permanente e válida conservando a sua eficácia ao longo do
tempo.

Só as características específicas das situações é que implicam uma estratégia


particular. Com efeito, o treinador poderá passar de uma forma assaz
directiva a uma gestão de maior convívio, mais "amigável" baseado numa
dimensão participativa. O grupo ou equipa tem por vezes necessidade de
dureza, de rigor e noutros momentos de compreensão e calor humano. É na
derrota que se torna útil estar próximo dos praticantes/jogadores de os
defender publicamente mesmo que se trate de palavras de circunstância.
Assim, o treinador está, simultaneamente, muito próximo e muito afastado
dos seus praticantes/jogadores:
• muito próximo porque os compreende, porque partilha das suas
preocupações e das suas esperanças; e,
• muito afastado porque é o garante do interesse colectivo, aquele que
exige, que ordena e direcciona.

Finalizando, é a própria função de treinador que reclama esta forma de


plasticidade de aproximação e distanciamento relativo, esta capacidade de
mudar em função das exigências da situação.

4.2.5. Espírito combativo

É especialmente nas situações adversas que os atributos caracteriais da


personalidade do treinador desportivo se fazem sentir em maior grau.
Basicamente podem observar-se três atitudes fundamentais:
" O treinador desportivo • 625

• ser fatalista (não vamos conseguir!!!);


• encontrar desculpas (falta de sorte, arbitragem);
• esperar pela próxima oportunidade para lutar ainda mais para atingir os
objectivos.

O espírito combativo é, em quaisquer circunstâncias, o apanágio de


qualquer líder. Quem tem medo transmite esse sentimento sem dar por isso.
Pelo contrário, a vontade de conseguir permite nos momentos mais
delicados de se acreditar no impossível, os praticantes/jogadores sentem por
vezes a necessidade de se "agarrarem" a uma convicção possível, a uma
determinação feroz que os estimula e que lhes permitam ultrapassar os
obstáculos. É o que se espera que o treinador incuta aos seus
praticantes/jogadores.

4.2.6. Sentido de humor

Um equilíbrio emocional no seio de tantas solicitações, só é possível se o


treinador desportivo possuir um elevado sentido de humor. Dispôr de uma
natureza que impeça ser azedo reforça as possibilidades duma convivência
mais real, sejam quais forem as circunstâncias. Com efeito, o sentido de
humor do treinador é um sinal de inteligência deste, sendo capaz de
perceber o significado real dos acontecimentos, avaliando as contradições
das situações incoerentes e anedóticos da competição desportiva e da vida
quotidiana.

É esse atributo caracterial que permite ao treinador dirigir a atenção dos


praticantes/jogadores para o ridículo, o cómico ou para o sério quando tal é
necessário e favorável a um equilíbrio emocional. É esse sentido de humor
que fará rir os praticantes ou a equipa em situações de "desespero" e
"angústia" uma boa gargalhada é muitas vezes a chave de uma situação
dramática cuja tensão se desfaz rapidamente abrindo novas perspectivas de
uma atitude e comportamento adequados dos praticantes/jogadores.
626 • Metodologia do treino desportivo I !

4.2.7. Ser firme - mente forte

A firmeza está ligada a um forte potencial entre o compromisso pessoal e a


capacidade de exprimir claramente o que se pretende. Traduz igualmente
uma certa forma de integridade e coerência interna do grupo ou da equipa.
Neste contexto, nada serve pôr a funcionar um regulamento interno rigoroso
no início da época desportiva se formos incapazes de em seguida o aplicar.

De nada serve encetar discursos inflamados sobre os princípios de


funcionamento do grupo e ao mesmo tempo fazer prova de excessiva
tolerância. São sistemáticos os comportamentos de alguns treinadores que
perdem progressivamente toda a sua credibilidade pelas promessas não
cumpridas ou pelas sanções não aplicadas. O rigor no comportamento deve
fazer-se acompanhar de um igual rigor na linguagem facilitando o respeito
por aquilo que foi dito. A confiança dos praticantes/jogadores passa pela
credibilidade da mensagem que estes recebem, pela existência de promessas
não cumpridas e pela autenticidade dos comportamentos dos seus
interlocutores.

A solidez psicológica é simultaneamente uma capacidade de base mas


também se adquire com a experiência, isto é, com o tempo e pelas
provações que se atravessam e se ultrapassam. Neste sentido, ter uma mente
forte não é uma característica imutável, logo se a acumulação de provações
criarem uma nova fragilidade é porque chegou a altura do treinador parar.
Treinar é uma profissão de risco, um risco que o treinador terá de aceitar e
de assumir sem que a sua personalidade profunda seja afectada negativa e
significativamente.

4.2.8. Serenidade e dignidade


" O treinador desportivo • 627

As crises emocionais e o desenvolvimento por vezes dramático da


competição obrigam que o treinador, sempre sob o olhar do público, tenha
uma conduta serena e digna. Sem serenidade e dignidade o treinador não
consegue ser independente das diferentes crises que possam surgir tais como
os erros de arbitragem, os acidentes competitivos, etc., e assim decidir
convenientemente em função das necessidades das situações de competição.
As atitudes emocionais do treinador contribuem para perturbar os seus
próprios praticantes/jogadores sendo contrário à acção educativa e um mau
exemplo para aqueles que nele procuram um apoio para as suas próprias
atitudes.

Neste contexto, é necessário proporcionar aos praticantes/jogadores um


equilíbrio emocional estável tanto no treino como na competição. Por esta
razão se exige que o treinador que está encarregue de dirigir e orientar os
praticantes/jogadores a capacidade de dominar os seus estados emocionais
em circunstâncias em que eles possam ser alterados. Um treinador que perde
o controlo de si próprio, que gesticula, se enfurece ou pretende aplicar
sanções por via de factos, não faz outra coisa que transportar factores
negativos para o seio do grupo ou da equipa.

4.2.9. Independência, decisão e coragem

As decisões do treinador têm de ser tomadas com independência e coragem,


numa afirmação de responsabilidade e em obediência aos princípios que
defende. A amizade pessoal com uma dada personalidade ou a pressão de
um dirigente ou grupo de sócios muitas vezes a favor de um dado
praticante/jogador deve ser ignorado pelo treinador fazendo jogar aquele(s)
que garanta(m) o melhor desempenho em função dos interesses do grupo ou
da equipa. Com efeito, o treinador deverá reagir às pressões com calma e
compostura, e continuar a tomar as decisões e os comportamentos que julga
628 • Metodologia do treino desportivo I !

mais correctos com independência, coragem e com um pouco de senso


comum.

4.2.10. Ter entusiasmo

O treinador desportivo não pode levar para o treino ou competição as suas


preocupações pessoais, compete-lhe pois dinamizar as sessões de treino e
desencadear uma vontade real por parte dos praticantes/jogadores em
participar. Dado que esta exigência de trabalho se repete quase
quotidianamente o treinador deverá fazer um esforço para adaptar uma
atitude propícia afim de provocar uma adesão significativa dos
praticantes/jogadores num clima agradável. Logo, o entusiasmo que se
comunica representa uma das bases de gestão de um grupo ou equipa.

4.2.11. Saber reagir face ao resultado

O empenho e a honestidade intelectual do treinador desportivo proíbem-no


de procurar a todo o custo desculpas para as derrotas. Nem sempre é culpa
dos outros, do árbitro ou do vento que não se atingiram os objectivos
propostos. A autodefesa sistemática do treinador que assistimos
frequentemente pode levar ao descrédito da profissão. Dois profissionais
não podem estar sistematicamente em desacordo sobre um determinado
resultado - vitória merecida para um, derrota injusta para outro.

O treinador deve aceitar a sua cota parte de responsabilidade na vitória ou


na derrota conjuntamente com os seus praticantes/jogadores. Não existe
treinadores sempre bem sucedidos e perdedores crónicos. Numa carreira
profissional há necessariamente altos e baixos, o que marca a diferença é a
atitude face ao sucesso ou insucesso e a capacidade de o transpor de o
ultrapassar. As maiores vitórias, sejam no plano individual sejam no plano
colectivo surgem, muitas vezes, após um período difícil, constroem-se
" O treinador desportivo • 629

frequentemente a partir de um insucesso anterior, cujo carácter definitivo se


deve recusar.

Os insucesso são, por vezes, mais instrutivos que as vitórias, há sempre


ilações a extrair. Com efeito, convém relativizar em função do insucesso
que nunca deve representar mais do que uma paragem na progressão, uma
paragem momentânea nos objectivos a longo termo que se pretendem
alcançar e que devem manter sempre uma dimensão mobilizadora e
dinamizante.

Do que foi referido podemos concluir três aspectos essenciais:


• o treinador não pode ser indiferente perante os resultados obtidos na
competição pelos seus praticantes ou pela sua equipa, aceitando a sua
cota-parte de responsabilidade na vitória e na derrota;
• perante uma derrota a atitude do treinador deve ser de encontrar nesta
um estímulo, um desafio à sua competência técnico-desportiva
consubstanciando assim um motivação extra;
• perante a vitória a atitude do treinador deverá ser de "crítica"
apontando as razões principais que a permitiram e salientando com
oportunidade a necessidade de consolidar e aperfeiçoar no treino as
acções fundamentais, do esforço consciente, de uma óptima condição
física, do espírito da equipa, etc.

Concluindo, o treinador deverá impregnar os seus praticantes/jogadores da


necessidade de nunca renunciar à luta desportiva, o importante é dar o
máximo, independentemente do resultado final.
630 • Metodologia do treino desportivo I !

5. Competências do treinador desportivo

Basicamente podemos estabelecer duas competências fundamentais do


treinador desportivo: i) uma competência técnico-desportivo e, ii) uma
competência táctico-estratégica.

5.1. Competência técnico-desportiva

A competência técnico-desportiva de um dado treinador é adquirida através


de duas fontes fundamentais e interligadas, por um lado, pelo estudo da
modalidade desportiva em causa e por outro, pelas verdadeiras e múltiplas
experiências adquiridas ao longo dos vários anos de prática como treinador.
A competência técnico-desportiva pode ser subentendida a partir de três
vertentes essenciais: i) ser um técnico especializado, ii) saber comunicar e iii)
saber ouvir.

5.1.1. Técnico especializado

Na procura de dissipar qualquer ambiguidade é necessário hierarquizar as


competências do treinador e começar pelo princípio. Logo, o treinador é
em primeiro lugar um técnico especializado na modalidade desportiva em
que exerce a sua acção. Neste sentido, deverá conhecer o mais
profundamente possível a sua modalidade em todas as suas principais
dimensões (histórico, cultural, estrutural, metodológico, relacional,
técnico, táctico e estratégico) e ter a capacidade de analisar o treino e a
competição descortinando os aspectos essenciais que permitam aprender,
aperfeiçoar e consolidar o rendimento individual (praticante/jogador) e
colectivo (equipa). É esta a competência base do treinador.

Com efeito, o treinador pode ser brilhante no domínio do relacionamento


humano estando sempre disponível e atento aos mais pequenos
problemas que gravitam à volta do praticante ou da equipa, mas, tudo isto
" O treinador desportivo • 631

é insuficiente se não tiver o conhecimento da modalidade desportiva em


que se encontra inserido, perdendo assim toda a sua autoridade que o
estatuto profissional lhe confere. A dimensão afectiva da relação entre o
treinador e os praticantes/jogadores tem os seus limites não constituindo
assim uma eterna forma de gestão desportiva eficaz.

A partir desta primeira competência do treinador desportivo derivam


todas as outras capacidades indispensáveis que podem deixar de o ser se
os conhecimentos da modalidade desportiva em causa forem
insuficientes.

5.1.2. Saber comunicar

O treinador desportivo deverá saber transmitir os seus conhecimentos,


isto é, tornar a sua competência técnico-desportiva acessível a todos os
praticantes/jogadores. Cada indivíduo tem uma forma de transmitir
conhecimentos isso implica a confrontação entre a sua própria
experiência e a experiência dos outros, neste caso dos
praticantes/jogadores. Não se trata de o treinador impôr o seu saber mas
de trazer novos elementos, de suscitar outros e pela sua análise, pelo seu
estilo, propor uma mensagem técnico e táctica que corresponde ao perfil
de capacidades e de particularidades dos praticantes/jogadores. Isto é
conseguido quando a escolha efectuada aparece aos olhos de todos como
a melhor opção. Saber comunicar envolve quatro aspectos fundamentais:
i) a credibilidade do treinador, ii) uma aproximação positiva, iii)

comunicar com coerência de, iv) dicção e correcta entoação.

5.1.2.1. Credibilidade do treinador

A credibilidade do treinador desportivo é provavelmente o elemento


mais importante para comunicar com eficácia com os
praticantes/jogadores. A credibilidade da sua comunicação reflecte-se
632 • Metodologia do treino desportivo I !

na atitude destes e quanto eles podem confiar naquilo que diz. Com
efeito, a credibilidade do discurso incute nos praticantes/joagdores
sentimentos de confiança e motiva-os pois o que o treinador diz possui
um valor, isto é, o trabalho proposto tem todo o sentido e os
praticantes/jogadores necessitam dessa convicção para progredir. O
inverso, infelizmente, também é verdade. Nada é viável se os
praticantes/jogadores duvidarem das opções do seu responsável sendo
menos receptivos ao que lhes é pedido. A competência
técnico-desportiva exprime-se claramente quando as concepções do
treinador passam a ser dos praticantes, ou seja, quando estes as
defendem como se fossem as suas próprias ideias, sabendo que o
responsável técnico está na origem da maioria das escolhas. O
treinador unifica as concepções individuais ultrapassando-as,
transcende as oposições e favorece a adesão sem oposição às opções
propostas.

Finalmente, importa acrescentar que a credibilidade da mensagem está


em relação directa com a convicção íntima daquele que a emite.

5.1.2.2. Aproximação positiva

A aproximação positiva enfantiza os aspectos que estão correctos e


reforça comportamentos desejáveis. A aproximação negativa usa a
punição e a crítica para eliminar comportamentos indesejáveis. A
aproximação positiva ajuda os praticantes/jogadores a valorizarem-se
a si próprios e em troca dão ao treinador credibilidade. A aproximação
negativa cria nos praticantes/jogadores o medo de falhar, diminui a
sua autoestima e destrói a sua credibilidade. Usar a aproximação
positiva não significa que toda e qualquer mensagem deve ser elogiosa
independentemente da capacidade do praticante/jogador demonstra.
Elogios em demasia levam os praticantes/jogadores a duvidarem da
" O treinador desportivo • 633

sinceridade das mensagens do treinador. Em certos momentos os


praticantes/jogadores também devem ser "criticados", todavia essa
crítica deve ser realizada num sentido positivo.

A aproximação positiva é uma atitude que o treinador comunica


verbal ou não verbalmente devendo exprimir a vontade de
compreender, aceitar os outros num respeito mútuo. A maioria dos
treinadores têm o hábito de utilizar a aproximação negativa devido ás
seguintes razões (Martens, 1990):
• mau hábito: dizer aos praticantes/jogadores o que fazem de
errado em vez de dizerem o que eles fazem certo e a forma como
estes se exprimem (emoção/expressão) essa crítica;
• expectativas irrealistas: alguns treinadores esquecem-se das
idades dos jovens praticantes. Com efeito, um jovem de 14 anos
não tem 28, e um de 16 pode não ter uma técnica tão perfeita como
outro da mesma idade. Há que ter em mente que se os praticantes
fossem perfeitos não precisavam do treinador;
• pensam que atingem melhores resultados: a aproximação
negativa também resulta, pode ajudar os praticantes/jogadores a
aprenderem e a motivá-los para os atingir. Todavia, a frequente e
continua crítica, a forte emoção negativa cria nos praticante/jogador
interferências na aprendizagem e na motivação. Neste sentido, os
praticantes/jogadores assumem sistematicamente comportamentos
pelo seguro e evitar o risco com o medo de falhar e terem assim de
sofrerem a crítica do treinador.

A aproximação negativa é efectiva num limite temporal muito


limitado a partir dai os praticantes/jogadores fecham-se em si próprios
e o treinador perde a credibilidade. Neste contexto, o treinador deverá
privilegiar uma aproximação positiva perante o comportamento dos
praticantes/jogadores evidenciando constantemente o que está a ser
634 • Metodologia do treino desportivo I !

bem executado e não os defeitos e carências dos mesmos. É o


sentimentos de progresso realizado e a convicção do progresso
possível que estimula a evolução dos praticantes/jogadores e não a
permanente recriminação e a insistência sobre os defeitos. Uma
aproximação positiva de valorização das atitudes e comportamentos
dos praticantes/jogadores é a chave para quem quer fazê-los progredir.
Por fim, o treinador deverá ser igualmente sensível às diferenças
individuais que encontra no seu grupo ou equipa e saber lidar com os
diferentes tipos de comportamento.

5.1.2.3. Comunicar com coerência

Martens (1990) refere que "comunicar com coerência é um desafio


muito importante para o treinador. É muito difícil dizer uma coisa e
fazer outra, ou de fazer uma coisa num dia e fazer o oposto noutro, ou
dizer algo e os sentimentos e expressões reflectirem outro. Os jovens
praticantes/jogadores ficam perturbados quando recebem esta
confusão de mensagens". Com efeito, o treinador normalmente pede
aos praticantes/jogadores que controlem as suas emoções quando
estão em competição, todavia observam o treinador a discutir com os
árbitros. O treinador pede que os praticantes/jogadores respeitem os
seus companheiros mas depois trata-os sem respeito. O treinador pede
aos praticantes/jogadores para estarem bem fisicamente mas não faz
nada para que ele próprio esteja nessas condições. O treinador diz aos
praticantes/jogadores para estarem confiantes e depois destrói tudo
isso insistindo constantemente em aproximações negativas
evidenciando os erros de execução.

5.1.2.4. Dicção e correcta entoação


" O treinador desportivo • 635

Estas exigências são indispensáveis para uma boa reposição "do que
quer que se faça". Um treinador que arrasta as palavras ou que não as
vocalize perfeitamente terá dificuldades para se fazer compreender e
pode criar estados emocionais negativos sobretudo nas situações de
competição.

5.1.3. Saber ouvir

A capacidade de ouvir é o denominador comum de todos os grandes


responsáveis. Com efeito, saber ouvir é uma virtude essencial na
actualidade pois desenvolve uma vigilância constante que permite ao
treinador compreender como cada praticante/jogador antecipando
eventuais perturbações, favorecendo uma dinâmica baseada na tomada de
consciência, nas particularidades e nas aspirações de cada um. Para
influenciar outrem há que antes de tudo entrar na sua lógica, aceitá-lo e
compreendê-lo para podermos fazê-lo evoluir. Neste contexto, o
treinador desportivo deverá consciencializar três aspectos fundamentais:
i) aprender a ouvir, ii) ser um ouvinte activo e, iii) saber comunicar não

verbalmente.

5.1.3.1. Aprender a ouvir

Normalmente os treinadores ouvem pouco os outros. Estão sempre


muito ocupados nunca dando aos outros a oportunidade de falar,
assumem que sabem tudo e que os praticantes/jogadores nada têm a
dizer, devendo ser observados mas não ouvidos. Não ouvir os
praticantes/jogadores cria roturas no processo de comunicação, logo,
num primeiro momento o treinador terá de reconhecer a necessidade e
a importância de ouvir os praticantes/jogadores. neste sentido deverá
(Martens, 1990):
636 • Metodologia do treino desportivo I !

• concentrar-se naquilo que está a ouvir, isto é, dar a tenção aquilo


que está a ser dito;
• procurar a mensagem em vez de focar os detalhes, especialmente
quando existir desacordo;
• evitar interromper o praticantes/jogador. Existe a tendência de
interromper antecipando o que este irá dizer. Todavia, em muitas
situações descobre-se que a mensagem é bastante diferente.
Noutros momentos interrompe-se os praticantes/jogadores porque
são lentos a falar, porque o treinador é impaciente para ouvir
completamente a mensagem. É preciso lembrar que se é mais
rápido a compreender do que a falar;
• respeitar os direitos dos praticantes/jogadores na partilha dos
pontos de vista com o treinador;
• reprimir a tendência de responder emotivamente mas sim de
forma positiva.

5.1.3.2. Ouvinte activo

Podemos distinguir dois tipos de ouvintes: o passivo e o activo. O


ouvinte passivo é o que pensamos de um ouvinte típico, estando em
silêncio enquanto a outra pessoa fala. Segundo Martens (1990) "em
algumas situações esta forma é a mais indicada mas tem as suas
limitações porque a pessoa que fala não tem a certeza se a outra está
a procurar compreender realmente o que está a dizer. O ouvinte
passivo estabelece um certo grau de aceitação, todavia os
praticantes/jogadores poderão pensar que estão a ser avaliados. O
silêncio não comunica empatia (aptidão de alguém se colocar no
lugar do outro, compreender e inclusivamente as suas - deles -
reacções em determinadas situações). Pelo contrário, o ouvinte activo
estabelece uma interacção com os praticantes/jogadores
providenciando a prova de que está a compreendê-lo." Ser um ouvinte
activo determina que os praticantes/jogadores sentem que as suas
" O treinador desportivo • 637

ideias e sentimentos são respeitados e compreendidos dando em troca


a possibilidade de se ouvirem e compreendem com mais eficácia as
ideias e concepções do treinador.

5.1.3.3. A comunicação não verbal

Está estimado que 70% do total da comunicação é não verbal. Em


muitos desportos especialmente nos jogos desportivos colectivos a
comunicação não verbal é essencial a uma execução técnico-táctica
eficaz. Neste sentido, a comunicação não verbal é igualmente
importante no comportamento do treinador. A comunicação não
verbal é o que normalmente chamamos de linguagem corporal,
estabelecendo-se sob cinco diferentes categorias (Martens, 1990):
• movimento do corpo: inclui gestos, movimentos das mão,
cabeça, etc. Abanar a cabeça, abrir e fechar os olhos por exemplo
podem estabelecer um elevado grau de comunicação num contexto
de interacção;
• características físicas: peso, altura, condição física;
• comportamentos de contacto: palmadas nas costas, braço por
cima dos ombros, etc., são comportamentos que reforçam uma
comunicação positiva;
• características da voz: ritmo, ressonância, inflecções, etc., muitas
vezes não é o que se diz mas como se diz;
• posição do corpo: a distância e a posição do corpo em relação
aos outros.

5.2. Competência táctico-estratégica

As competências táctico-estratégicas exprimem-se fundamentalmente na


capacidade deste em definir um processo que analise, defina e sistematize as
diferentes operações inerentes à construção e desenvolvimento dos
638 • Metodologia do treino desportivo I !

praticantes ou das equipas. Organiza-as em função das finalidades,


objectivos e previsões (a curta, média, ou longa distância), escolhendo-se as
decisões que visem o máximo de eficácia e funcionalidade da mesma.

A competência táctico-estratégica do treinador evidencia geralmente três


dimensões: i) a conceptual, ii) a estratégica e, iii) a táctica. Embora estas
questões já foram amplamente desenvolvidas na Parte V, Capítulos 1, 2 e 3
do presente livro, iremos fazer uma rápida compilação dos aspectos mais
importantes.

5.3.1. Dimensão conceptual

A dimensão conceptual da competência táctico-estratégica do treinador é


definido pelo estabelecimento de um conjunto de linhas gerais e
específicas que procuram direccionar e orientar a trajectória da
preparação do praticante ou da equipa no futuro próximo. Em última
análise, dimensão conceptual exprime-se num modelo de praticante ou de
jogo da equipa, o qual é consubstanciado a partir da análise dos
praticantes ou das equipas no presente, pela concepção por parte do
treinador na qual se incluem as tendências evolutivas da própria
modalidade desportiva pela definição das orientações do trabalho e as
vias para atingir os efeitos pretendidos.

A dimensão conceptual compreende essencialmente três etapas que se


constituem como três questões fundamentais que qualquer treinador
deverá equacionar: i) o modelo actual do praticante ou da equipa, ii) o
modelo que se pretende no futuro e, iii) como atingir esse modelo.

5.3.1.1. Descrição e análise da situação


" O treinador desportivo • 639

Esta análise, que poderá ser mais ou menos profunda, procurará


definir:
os seus valores intenções e finalidades;
a sua dimensão "estática" e "dinâmica" (estrutural);
a sua coordenação geral (metodológica);
os seus princípios (relacional);
os procedimentos técnicos de resolução das situações
competitivas (técnico-táctico);
o seu planeamento; e por último,
a análise da época desportiva anterior.

5.3.1.2. O responsável pela construção do modelo

A escolha por parte do treinador do modelo, obedece basicamente a


um critério fundamental: a sua concepção que deriva dos seus
conhecimentos sobre a modalidade desportiva em causa. Todavia, esta
deverá assumir três características essenciais:
um carácter progressista: isto significa que a concepção deverá
atender às grandes tendências evolutivas da modalidade e às suas
perspectivas de desenvolvimento;
um carácter adaptativo: a concepção deverá atender à
especificidade das características dos praticantes/jogadores que
compõem a equipa, de forma que estes possam exprimir natural e
eficazmente as suas próprias capacidades e interligá-las; e por
último,
a experiência e a capacidade intelectual do treinador: são os
factores preponderantes na construção de um modelo. Não se pode
640 • Metodologia do treino desportivo I !

implantar ou executar aquilo que não se sabe, que não se domina


com suficiente segurança.

Analisada a época desportiva transacta, estabelecido o modelo, o


treinador determinará qual o objectivo real para a próxima época
desportiva. Partindo de pressupostos coerentes e idóneos é possível
estabelecer objectivos que não sejam constantemente mudados, quer
no plano positivo como negativo, ao longo do decorrer da competição.
Os presentes objectivos devem ser posteriormente transmitidos aos
praticantes/jogadores, por forma que estes saibam quais os níveis de
expectativa a que a análise do seu trabalho estará sujeito, e que estes
façam coincidir os seus objectivos pessoais com os objectivos
colectivos.

5.3.1.3. Elaboração de programas de acção

Esta fase consubstancia-se no estabelecimento e construção de planos


de intervenção pragmática, que procuram direccionar o trabalho do
treinador com o objectivo de fazer aproximar o mais rapidamente
possível, a análise dos praticantes ou das equipas em tempo real, com
a conceptualização do modelo no futuro. Esta programação deverá:
reproduzir o modelo: aspecto fundamental e característico da
elaboração dos programas de acção, é que estes devem reproduzir
de forma sistemática o modelo a atingir no futuro, que por sua vez
e como referimos, deve reproduzir a actividade competitiva em que
o praticante ou a equipa está inserida;
controlar o processo de evolução individual e colectiva: os
programas de acção exprimem, na sua essência, um processo de
evolução controlada do praticante e da equipa intervindo
" O treinador desportivo • 641

racionalmente na evolução dos factores que condicionam a sua


eficácia. Estabelece-se desta forma um conjunto de critérios que
direccionam o seu funcionamento e o seu desenvolvimento,
retirando simultâneamente, o carácter casuístico do processo de
treino, substituindo-o por uma sistematização que prevê a
direccionalidade para o futuro; e,
definir realisticamente objectivos intermédios: a elaboração de
programas de acção deverá definir de forma precisa e realística
objectivos intermédios, em quantidade e qualidade, os quais
quando atingidos constituem uma base segura para confirmar ou
redefinir os referidos programas. Estabelece-se assim a importância
da interligação (retroacção) permanente entre o controlo e a
correcção dos desvios entre o modelo actual e o modelo a atingir.
Neste contexto, a definição de objectivos intermédios exige
paralelamente, uma rigorosa forma de recolha da avaliação dos
resultados da acção dos praticantes ou da equipa.
5.3.2. Dimensão estratégica

A dimensão estratégica é consubstanciada pela elaboração de planos de


intervenção que se traduzem em modificações pontuais e temporárias
(funcionalidade especial) da expressão táctica de base do praticante ou da
equipa, isto é, da sua funcionalidade geral, que se estabelecem em função
dos conhecimentos e do estudo das condições objectivas sobre as quais
se realizará a futura confrontação desportiva. A presente dimensão
estratégica exprime sob três vertentes essenciais: i) recolha de dados e a
elaboração de planos, ii) orientação e constituição da equipa e, iii)
reuniões com a equipa.

5.3.2.1. Recolha de dados e a elaboração de planos

A/ A recolha de dados:
é a primeira etapa da dimensão estratégica através
da qual o treinador compila as informações necessárias para conhecer
642 • Metodologia do treino desportivo I !

e caracterizar o adversário ou a equipa adversária bem como os


elementos que a constituem. Concomitantemente, analisará as
condições em que a competição irá ser realizada.
B/ Elaboração do programa de preparação para o ciclo de treino: o treinador

deverá passar à concretização do referido plano, através da elaboração


e aplicação do programa de preparação do respectivo ciclo de treino.
Este programa (habitualmente semanal) compreende:
o número de treinos a efectuar durante este ciclo;
a sua duração, e a gradação da intensidade do esforço;
os exercícios mais específicos e idênticos, isto é, os mais
eficazes;
a possibilidade de efectuar uma prova/jogo-treino que servirá de
teste ao plano táctico e às missões tácticas a desempenhar pelos
diferentes elementos da equipa.
C/ Elaboração do plano táctico-estratégico: o treinador a partir da análise

objectiva dos dados irá elaborar o plano táctico-estratégico cuja


elaboração providencia a obtenção de dados sobre quatro aspectos:
a possibilidade de o treinador no mesmo momento que define a
melhor preparação possível para os seus praticantes ou para a sua
equipa, prepara-se teórica e mentalmente para a competição
estabelecendo quais as respostas tácticas mais rápidas, mais
racionais e mais eficazes às questões formuladas pelo treinador e
pelos adversários durante a competição;
avaliará as divergências verificadas entre o plano táctico
concebido e as situações que surgem durante a competição
podendo-se assim aferir a metodologia de preparação, no que diz
respeito à sua eficácia e às suas deficiências;
avaliará o grau de identidade entre o plano proposto aos
praticantes/jogadores e a sua aplicação por estes durante a
competição; e a,
" O treinador desportivo • 643

utilização de todos estes elementos para a etapa de reunião de


análise da competição.

5.3.2.2. Orientação e constituição da equipa

A/ A orientação geral do jogo colectivo: nesta etapa o treinador estabelece


fundamentalmente qual das fases do jogo (ataque ou defesa)
constituirá o aspecto principal para se atingir a vitória, ou os
objectivos da equipa e, consequentemente, se a organização da defesa
subordinar-se-à à organização do ataque ou se deverá ser ao contrário.
B/ Constituição da equipa: é preciso ter em mente, que a constituição da

equipa é uma das "áreas mais sensíveis" da dialéctica resultante entre


o grupo de jogadores que formam a equipa, e o treinador que é o
responsável máximo pela gestão desses recursos humanos. Com
efeito, a constituição de uma equipa é objectivada, por um lado, pela
direccionalidade das diferentes actividades essenciais dos jogadores e,
por outro, pela integração e coerência interna do grupo através de
orientações claras devendo passar por dois critérios básicos:
o primeiro é consubstanciado pela escolha e distribuição por
lugares no contexto dos sectores (defensivo, médio e atacante) da
equipa, em função da necessidade de assegurar a funcionalidade da
táctica de base da equipa;
o segundo é traduzido pela escolha de jogadores que estabelecem
a adaptação da funcionalidade de base da equipa em função das
características da expressão táctica da equipa adversária,
conferindo-lhe uma funcionalidade específica, com carácter
temporário (só para aquele jogo).
C/ Distribuição das missões tácticas: o treinador deverá distribuir as:

missões tácticas individuais; para as quais deverá ter em conta as


particularidades e as capacidades dos jogadores escolhidos,
procurando realçar o seu valor; e as,
644 • Metodologia do treino desportivo I !

missões tácticas colectivas; que visam a coordenação das acções


de 2 ou 3 jogadores procurando:
minimizar a eficácia técnico-táctica de um ou mais
adversários;
tirar vantagem de um aspecto menos positivo de um certo
espaço de jogo ou de um adversário.

5.3.2.3. Reuniões com a equipa

A/ Reunião de reconhecimento do adversário:


constitui-se como a primeira
etapa de carácter teórico do plano estratégico de preparação do
praticante ou da equipa para a competição, e visa essencialmente, tal
como a sua denominação indica, dar a conhecer aos
praticantes/jogadores, através da palavra do treinador, os aspectos
considerados mais pertinentes da organização do adversário. A
importância desta reunião decorre do facto de quando os
praticantes/jogadores são advertidos para as características dos
adversários directos, poderão percepcionar/analisar a situação
competitiva mais rápida e eficazmente, influenciando, por
consequência, de forma positiva a resposta adequada. A importância
desta reunião é determinada igualmente pela harmonização dos
divergentes conhecimentos que os diferentes praticantes/jogadores têm
dos adversários, baseado em opiniões pessoais adquiridas ao longo da
sua experiência e pelos meios de informação social.
B/ A reunião de preparação para a competição: constitui-se como uma

etapa fundamental de importância vital para a eficácia estratégica do


praticante ou da equipa, na qual o treinador intervém, pela última vez,
de forma sistemática, sendo, neste sentido, fundamental encontrar as
ideias e as palavras justas ao momento. Tem um carácter
fundamentalmente teórico versando aspectos técnicos, tácticos,
psicológicos e organizativos, respeitantes aos praticantes ou às duas
" O treinador desportivo • 645

equipas (própria e adversária) em confronto. Com efeito, esta reunião


contribui substancialmente para a participação consciente, sobre o
entendimento, clarificação e sistematização da direcção geral da
actividade do praticante ou da equipa (e das missões tácticas
individuais atribuídas aos diferentes jogadores em particular). A
reunião de preparação poderá evidenciar os seguintes objectivos:
precisar de forma conclusiva as diferentes missões tácticas e a
forma segundo a qual os jogadores irão colaborar uns com os
outros;
contribuir para ultrapassar o estado emotivo e para o
estabelecimento no seio da equipa de um sentimento positivo;
apreciação final das características e das potencialidades dos
adversários, sem as sobrestimar nem as subestimar;
contribuir para estimular as componentes volitivas e morais;
estabelecer algumas medidas que prevejam situações para o caso
de se conseguir uma vantagem, ou pelo contrário, uma
desvantagem durante o jogo; e por último,
contribuir para desenvolver o nível de preparação teórica dos
jogadores para esse jogo em especial e para os jogos seguintes em
geral.
C/ Reunião de análise da competição: a importância desta reunião deriva

da sua dupla dimensão. Encerra, por um lado, o ciclo de preparação do


praticante ou da equipa para a competição já realizada e, abre por
outro, um novo ciclo de preparação para o próximo confronto
desportivo. Nestas circunstâncias, a reunião de análise da competição
funciona como um meio de reflexão e análise sobre o passado (o que
foi planeado e as soluções estabelecidas, o que foi treinado e o que
aconteceu na realidade durante a competição), e na perspectivação do
futuro por forma a operacionalizar e a precisar quais os aspectos que
devem ser treinados e por via disso melhorados.
646 • Metodologia do treino desportivo I !

5.3.3. Dimensão táctica

A dimensão táctica é definida pela aplicação prática, isto é, pelo carácter


aplicativo e operativo da dimensão conceptual e da dimensão estratégica,
procurando utilizar de forma racional e oportuna durante
competição/jogo, as qualidades físicas, técnico-tácticas e psicológicas
individuais e, colectivas, seleccionando-os, organizando-os e
coordenando-os unitariamente com vista à concretização dos objectivos
pré-estabelecidos.

Cabe ao treinador analisar os diferentes aspectos que decorrem durante a


situação competitiva e encontrar as soluções mais eficientes ou aquelas
que ele pensa que são as mais eficientes para a concretização dos
objectivos pré-determinados. Ora, não seria lógico, nem conveniente
deixar de ser o treinador, durante a competição ou seja, no momento
crítico e onde surgem o maior número e a maior complexidade de
problemas a decidir pelos ajustamentos que lhe parecem mais correctos,
em função dos conhecimentos dos seus praticantes/equipa e dos
adversários.

O treinador segue "à distância" de forma crítica aquilo que se passa na


competição dando indicações (através de palavras ou sinais) claras,
concisas e completas por forma a ajudar os seus praticantes/jogadores, a
encorajá-los, exortando-os, e se necessário admoestando-os. Tudo isto na
procura de um ajustamento o mais eficaz possível, ou um melhoramento
do seu rendimento. Durante o intervalo da competição, o treinador
informa os praticantes/jogadores sobre alguns acontecimentos pertinentes
ocorridos na primeira parte, e as alterações a introduzir para se
rentabilizar o rendimento da segunda parte. Por último, depois do jogo, o
treinador partilha com todos o resultado positivo ou negativo, e exprime
breves ideias sobre a competição e a orientação do trabalho no futuro.
" O treinador desportivo • 647

5.3.3.1. Direcção durante a competição

A direcção durante a competição inferma de imediato, numa primeira


grande dificuldade, que deriva da necessidade de se ter de observar os
nossos praticantes e adversários simultaneamente. Alguns treinadores
concentram-se demasiado sobre as acções dos seus próprios
praticantes, perdendo, por um lado, a possibilidade de reagir a tempo
às soluções postas em prática pelos adversários e, por outro, a
possibilidade de valorizar convenientemente o rendimento dos seus
praticantes, pois esta valorização tem de ter em conta os adversários.
Com efeito, devido à grande quantidade de factores que o treinador
tem que observar e analisar durante a competição, pois só a partir
deste reconhecimento é possível tomar eventuais decisões, é
necessário que o treinador estabeleça um "guia" ou "roteiro"
sequencial e automatizado que lhe permita retirar as informações,
consideradas por ele, mais pertinentes, para que estabeleça uma
decisão rápida e segura. Daqui se infere a necessidade de o treinador
presenciar o jogo num estado físico e intelectual óptimo, julgando as
diferentes situações competitivas a partir de rotinas de observação
caracterizadas pela sua selectividade, sistematização, e rapidez, sem se
envolver emocionalmente nelas, cumprindo esta tarefa com plena
concentração e objectividade.
A/ As substituições: podem ser consideradas como o meio mais

operacional e objectivo da intervenção do treinador, durante o


decurso da competição, procurando modificar ou corrigir aspectos
de carácter geral ou pontual, indispensáveis. Todavia, esta acção só
será eficaz se for substituído o praticante/jogador certo, no
momento oportuno, pelo companheiro mais indicado, cujas funções
tácticas são as mais adaptadas às circunstâncias momentâneas da
competição.
648 • Metodologia do treino desportivo I !

B/ Os descontos de tempo: são um meio fundamental de intervenção


do treinador durante o decorrer da competição. Com efeito, as
regras da maioria dos jogos desportivos colectivos (basquetebol,
voleibol, andebol, hóquei em patins, etc.), possibilitam ao treinador
interromper (em certos momentos) a competição por forma que este
possa dirigir-se aos seus jogadores e informá-los sobre os
ajustamentos ou alterações que decidiu implementar quer no plano
individual como colectivo com vista a melhorar o seu rendimento.
Estes ajustamentos/alterações devem basear-se na cuidada
observação da situação competitiva. No entanto, para além de meio
fundamental de intervenção do treinador os descontos de tempo são
igualmente um meio pedagógico que importa explorar e
dimensionar especialmente quando se trata de jogadores ou de
equipas em formação/pré-especialização. Durante a competição
muitas são as situações em que a palavra do treinador não é
possível ser ouvida pelos jogadores devido às condições acústicas e
especialmente devido à tensão emocional em que os jogadores
estão sujeitos no decorrer desta.

5.3.3.2. Direcção durante o intervalo da competição

Durante o intervalo da competição, o treinador tem um conjunto de


obrigações e decisões importantes a tomar, tendo por objectivo:
estabelecer as condições mais favoráveis à recuperação dos
praticantes/jogadores e, concomitantemente;
informá-los sobre certos ajustamentos ou alterações, de forma a
manter ou a melhorar o rendimento destes.
5.3.3.3. Direcção logo após o terminus da competição

As acções a ter em conta por parte do treinador logo após o terminus


da competição deverão ser as seguintes:
partilhar com todos o resultado da competição;
" O treinador desportivo • 649

fazer uma curta intervenção para acalmar a tensão,


desdramatizando no caso de uma derrota, ou evitando as explosões
exageradas de júbilo no caso de vitória;
rever lesões e casos particulares; e,
avaliar a eficácia da equipa tendo em consideração que o
resultado final é "apenas" um indicador importante. Muitas vezes
esse resultado não reflecte, nem de longe nem de perto, a realidade
do rendimento conseguido. Por outras palavras, o treinador não
deve confundir o rendimento com o êxito ou inêxito da equipa.

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